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[DRAFT] Como monitorar o desenvolvimento sustentável? A resposta da Comissão Stiglitz-Sen-Fitoussi (CMEPSP) de Junho 2009 José Eli da Veiga* Domingo, 14 de Junho de 2009 1. Introdução Já tem 30 anos a noção de desenvolvimento sustentável (DS), se a referência for o primeiro registro de seu uso no âmbito de reuniões internacionais. Há 22 anos ela foi apresentada como “conceito político” - e “conceito amplo para o progresso econômico e social” - à Assembléia Geral da ONU de 1987, por Gro Harlem Brundtland, presidente da Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente, que redigiu o relatório “Nosso Futuro Comum”. Consagrou-se há 17 anos, com a realização da Conferência “Rio-92”. E as bases para seu acompanhamento começaram a ser formuladas há quase 13 anos, com a adoção dos “Princípios de Bellagio”, em novembro de 1996 (IISD 1997, Veiga 2007). Seria de se esperar, então, que já tivesse emergido alguma forma de mensuração suficientemente legitimada, capaz de permitir razoável grau de monitoramento. Mas tal necessidade tem se mostrado bem mais árdua do que podem ter imaginado todos os pioneiros desse condicionamento do progresso às imposições ecológicas, que é o cerne da noção de “DS”. E na qual se entrelaçam fatores biofísicos, psicológicos, econômicos e socioculturais. Nenhuma formação social poderá achar algum caminho para o desenvolvimento sustentável se não cumprir o seguinte requisito: melhorar a qualidade de vida de cada cidadão – tanto no presente quanto no futuro – com um nível de uso dos ecossistemas que não exceda sua capacidade regenerativa e assimiladora de

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Monitorar o Desenvolvimento Sustentável

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[DRAFT]

Como monitorar o desenvolvimento sustentável? A resposta da Comissão Stiglitz-Sen-Fitoussi (CMEPSP) de Junho 2009

José Eli da Veiga*

Domingo, 14 de Junho de 2009

1. Introdução

Já tem 30 anos a noção de desenvolvimento sustentável (DS), se a referência for

o primeiro registro de seu uso no âmbito de reuniões internacionais. Há 22 anos

ela foi apresentada como “conceito político” - e “conceito amplo para o

progresso econômico e social” - à Assembléia Geral da ONU de 1987, por Gro

Harlem Brundtland, presidente da Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente, que

redigiu o relatório “Nosso Futuro Comum”. Consagrou-se há 17 anos, com a

realização da Conferência “Rio-92”. E as bases para seu acompanhamento

começaram a ser formuladas há quase 13 anos, com a adoção dos “Princípios de

Bellagio”, em novembro de 1996 (IISD 1997, Veiga 2007).

Seria de se esperar, então, que já tivesse emergido alguma forma de mensuração

suficientemente legitimada, capaz de permitir razoável grau de monitoramento.

Mas tal necessidade tem se mostrado bem mais árdua do que podem ter

imaginado todos os pioneiros desse condicionamento do progresso às imposições

ecológicas, que é o cerne da noção de “DS”. E na qual se entrelaçam fatores

biofísicos, psicológicos, econômicos e socioculturais.

Nenhuma formação social poderá achar algum caminho para o desenvolvimento

sustentável se não cumprir o seguinte requisito: melhorar a qualidade de vida de

cada cidadão – tanto no presente quanto no futuro – com um nível de uso dos

ecossistemas que não exceda sua capacidade regenerativa e assimiladora de

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rejeitos do ambiente natural. Quando tal requisito estiver sendo cumprido, essa

formação social certamente estará contribuindo para a manutenção dos

processos evolutivos da biosfera.

O problema é justamente que tão ampla definição não será traduzida em

indicadores operacionais se não for submetida a um sério processo de

afunilamento. E não existe receita para que se alcance essa precisão. Ao

contrário, o que mostra a excelente coletânea editada Philip Lawn (2006) é a

uma verdadeira corrida de obstáculos teóricos, motivados principalmente pelas

ambigüidades que sempre caracterizaram as noções de renda, de riqueza, e de

bem-estar. Esse livro demonstrou que não pode haver um indicador que consiga

revelar simultaneamente grau de sustentabilidade do processo socioeconômico e

grau de qualidade de vida que dele decorre. Talvez sejam dois lados de uma

mesma moeda, mas nenhum método contábil ou estatístico permite que ambos

sejam expressos por uma única fórmula sintética. Isto significa que a única

maneira de bem utilizar tais indicadores na orientação de políticas requer

necessariamente algum tipo de consorciação.

Essa avaliação acaba de ser fortemente confirmada pelo surgimento do rascunho

de relatório - ainda provisório e incompleto - da Comissão Stiglitz-Sen-Fitoussi.1 E

é fundamental que sejam imediatamente conhecidas e comentadas suas

principais contribuições, pois esse documento provavelmente passará a ser a

principal referência para o debate internacional sobre indicadores de

desenvolvimento sustentável. Daí a utilidade deste apressado texto.

Depois de breves apresentações sintéticas de cada um de seus três capítulos, um

balanço procura: a) extrair sua mensagem essencial, b) avaliar seu mais provável

impacto, e c) lançar um cenário hipotético sobre o melhor de seus possíveis

desdobramentos.

1 Commission on the Measurement of Economic Performance and Social Progress, Draft Summary (Provisinnal and Incomplete), June 2, 2009.

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2. Suspense

O “DS” é tratado no terceiro capítulo, depois de esmiuçadas as “clássicas

questões do PIB” (capítulo 1) e as abordagens para a mensuração da “qualidade

de vida” (capítulo 2). É claro que seria muito mais coerente abordar essas duas

questões como partes do tema muito mais amplo que é o “DS”. No entanto, nada

impede que a leitura seja feita em ordem inversa, pois os capítulos são

independentes e foram elaborados por três subgrupos que trabalharam

separadamente.

Diante das inúmeras propostas de indicadores existentes, foi liminarmente

descartado o objetivo de lançar algum outro. A abordagem foi bem mais

modesta, mas com a esperança promover avanço. Começando pela constatação

de que medir a sustentabilidade é muito difícil e conflituoso, o subgrupo achou

que sua principal contribuição deveria ser a de esclarecer as razões dessa

situação. Mesmo distante de uma proposta que pudesse solucionar o problema da

avaliação da sustentabilidade, o subgrupo considerou que tal esclarecimento

pode ajudar a estabelecer quais seriam os próximos passos nessa direção.

Pareceram mais adequados os indicadores baseados em cálculos do excesso de

pressão sobre os recursos naturais, seja por muito consumo, ou por falta de

investimento (“overconsumption or underinvestment”). Nessa categoria foram

destacadas duas abordagens contrastantes: a da poupança genuína, que o

relatório prefere chamar de “ANS” (“adjusted net savings”), e das pegadas

(“footprints”). Ambas entendidas como medidas amplas de riqueza (“extended

wealth”), ou de riqueza revelada por estoques (“stock-based”). E consideradas

bem superiores aos outros três grandes tipos disponíveis: (1) amplos e ecléticos

dashboards; (2) índices compostos; (3) avaliações do nível de vida advindas de

correções do PIB.

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No entanto, mesmo que mais pertinentes sob o prisma teórico, esses cálculos de

excesso de pressão seriam impraticáveis devido a dois problemas fundamentais:

a) incertezas tecnológicas e normativas, b) a dimensão internacional da questão

da sustentabilidade. Por isso, a conclusão mais geral – que infelizmente só

aparecerá na versão final do relatório - trará propostas incrementais que levem a

uma espécie de “bem integrado micro-dashboard da sustentabilidade”.2 Ou seja,

será necessário esperar a próxima versão do relatório para saber no que

consistiria esse “micro-dashboard”, e assim poder compará-lo a todos os

indicadores já propostos.

Apesar desse curioso suspense, uma coisa já é completa certeza: esse “micro-

dashboard” não será um indicador de “DS”. Na melhor das hipóteses poderá ser

um bom indicador de sustentabilidade ambiental (SA), como são as “pegadas” e

os índices de “poupança genuína” (ou “ANS”).

Em outras palavras, uma das principais falhas do trabalho da Comissão foi a de

aumentar a confusão em torno da noção de “DS”, pois o sentido geral dos 78

parágrafos que estão nas 30 páginas ocupadas pelo terceiro capítulo nada têm a

ver com a idéia de desenvolvimento. No máximo pode-se argumentar que os

indicadores do tipo 3 - que tentam fazer correções no cálculo do PIB –

ultrapassam a estrita dimensão da sustentabilidade ambiental e invadem os

domínios do progresso ou da prosperidade material. No entanto, eles foram

rejeitados pelo relatório em favor dos que têm como foco a riqueza expressa por

estoques de recursos, como as pegadas e as ANS. Então, só se pode concluir que

o ainda não revelado “micro-dashboard” será um indicador de sustentabilidade

ambiental, e não de desenvolvimento sustentável. De resto, é o segundo capítulo

- sobre a qualidade de vida - o que se mostra mais diretamente relacionado à

idéia de desenvolvimento, como ficará bem claro a seguir.

2 “The general conclusion (to be added) will summarize the main findings and present the incremental proposals that we make for progressing toward a small and well-integrated ‘micro’-dashboard of sustainability” (parágrafo 131, p. 64).

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3. Indefinição

Infelizmente, também é inconclusivo o capítulo sobre a qualidade de vida.

Três abordagens chamaram a atenção: 1) a mais psicológica, do “bem-estar

subjetivo” (“subjective well-being”); 2) a mais filosófica, das “capacitações”

(“capabilities”); e 3) a mais econômica, das “justas alocações” (“fair

allocations”). No entanto, em vez de enveredar por discussões sobre as

diferenças e similaridades entre as três, pareceu mais pragmático separar

primeiro as medidas de caráter subjetivo das de caráter objetivo, para depois

enfatizar três questões transversais (“cross-cutting”). E a principal conclusão

parece ter sido bem refratária a uma medida sintética, já que esse capítulo

termina com a recomendação de que os sistemas estatísticos forneçam os dados

necessários para que possam ser calculadas as diversas medidas agregadas

correspondentes à perspectiva filosófica de cada usuário.3

Aliás, é no parágrafo anterior que se encontra a única menção ao IDH (Índice de

Desenvolvimento Humano). E não poderia ser mais crítica. Ressalta que a escolha

dos pesos reflete julgamentos de valor que têm implicações bem controversas.

Por exemplo: ao adicionar o logaritmo do PIB per capita ao nível da esperança de

vida, o IDH implicitamente faz com que um ano adicional de vida tenha 20 vezes

mais importância nos Estados Unidos do que na Índia (cf. parágrafo 123, p.60).

Além dessa imensa barreira relativa à agregação, há outros dois obstáculos

transversais de dificílima superação: o das desigualdades e o das inter-relações

entre as várias dimensões da qualidade de vida. Por um lado, os indicadores

deveriam informar sobre as desigualdades nas várias dimensões e não apenas a

condição média de cada país. Por outro, as interligações entre as mais 3 “Rather than focusing on constructing a single summary measure of quality of life, statistical systems should provide the data required for computing various aggregate measures according to the philosophic perspective of each user” (parágrafo 124, p. 61).

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importantes características da qualidade de vida não deveriam ser esquecidas ou

desprezadas, com ênfase em quatro delas: prazeres (“hedonic affects”), situação

de saúde, educação e influência política (“political voice”). A idéia básica é que

as relações entre essas dimensões costumam gerar efeitos cumulativos que não

são captados por indicadores específicos.

Mas antes de explicar esses impasses, o segundo capítulo fornece uma excelente

e bem detalhada descrição dos oito mais importantes determinantes objetivos da

qualidade de vida, precedida por curta reflexão sobre as medidas subjetivas.

As oito principais características objetivas que moldam a qualidade de vida são:

1) saúde; 2) educação; 3) atividades pessoais, como trabalho remunerado,

deslocamento (“commuting”), trabalho não pago (como as atividades

domésticas), tempo de lazer e condições de moradia; 4) influência política e

governança; 5) conexões sociais, particularmente as que geraram a noção de

“capital social”; 6) condições ambientais que afetam a saúde além de ajudarem

ou dificultarem a vida cotidiana; 7) insegurança pessoal, com destaques para

criminalidade, acidentes e desastres naturais; 8) insegurança econômica, com

destaques para desemprego, seguro-saúde, aposentadoria e pensões.

Três são as dimensões subjetivas que precisam ser consideradas para que se

tenha uma apreciação satisfatória da vida das pessoas: avaliações cognitivas,

prazeres e dores (“cognitive evaluations, positive affects and negative affects”).

Mas não se sabe qual dessas três importa mais, e para que propósito. As

evidências mostram que as pessoas agem para obter satisfação em suas escolhas,

e que elas são baseadas em memórias e avaliações. Mas memórias e avaliações

também podem levar a erros sistemáticos, já que certas escolhas são feitas

inconscientemente em vez de por ponderações dos prós e dos contras das várias

opções.

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4. Superar o anacronismo do PIB

O primeiro capítulo - sobre as clássicas questões do PIB - também não é

conclusivo, embora possa ser o mais conseqüente. Não chega a propor um

substituto, mas deixa bem claro que o desempenho econômico dos países vem

sendo medido de forma muito equivocada e anacrônica.

Antes de tudo, diz o relatório, é preciso uma avaliação líquida, e não bruta, da

atividade econômica, por mais que seja difícil calcular as depreciações

(amortizações). Isso faria com que setores extrativos, como, por exemplo,

minérios e madeiras, tivessem importância muito inferior num PIL, do que têm

no PIB. Por isso, teria havido, segundo o relatório, a ação de lobbies contra o

surgimento de uma contabilidade mais abrangente, capaz de incluir a depleção

de recursos e efeitos ambientais adversos.

Além disso, a globalização gerou imensas diferenças entre avaliar

rendimentos/renda (“income”) de um conjunto dos cidadãos e estimar a

produção. Por isso, em vez de medir o produto (seja ele interno ou nacional,

bruto ou líquido), muito mais importante seria medir a “RNLD”, renda nacional

líquida disponível (“net national disposable income”), pois ela revelaria muito

mais precisamente o poder de compra dos cidadãos de cada país. Principalmente

se medida em termos reais e não apenas nominais.

Depois de fazer essas duas observações conceituais, o capítulo passa a abordar

uma longa série de problemas técnicos relativos à própria contabilidade nacional

que dificultam a mensuração do desempenho econômico, mesmo que se adote a

concepção de RNLD para superar a do PIB.

O primeiro problema abordado é o da necessidade de medir de forma mais

razoável os serviços que o governo presta aos indivíduos, com destaque para as

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áreas de saúde e educação. O segundo é o das chamadas “despesas defensivas”,

que podem ser públicas - como no caso das prisões ou da manutenção de forças

militares – ou mesmo privadas, como no caso dos custos de deslocamento para o

trabalho.

O segundo é o da necessidade de distinguir a evolução da riqueza - como

patrimônio, e, portanto, estoque – das variações dos fluxos de rendimentos (ou

de renda). E, neste caso, deixar de subestimar os estoques de capital humano,

cuja parte da riqueza um estudo chegou a estimar em 80%.

Na seqüência são feitas diversas considerações sobre as dificuldades de se adotar

aquilo que o relatório chama de uma “perspectiva domiciliar” (“household

perspective”). Uma perspectiva capaz de avaliar as transferências não-

monetárias que o governo faz aos cidadãos, mediante serviços de educação e

saúde, via habitação subsidiada, ou pela promoção de atividades esportivas e

recreativas.

No que se refere às avaliações de rendimentos, também é muito enfatizada a

necessidade de sempre se considerar as medianas ao lado das médias. Esta seria

a forma mais simples de não deixar de lado a dimensão distributiva. Mas que

implica, evidentemente, o uso de micro-dados, e não apenas macro-estimativas.

O relatório também insiste na importância de se adotar índices de preços mais

específicos aos grandes grupos sociais (idade, nível de renda, urbano/rural). E

principalmente fazer uma clara distinção entre locatários, famílias que têm casa

própria e famílias que estão adquirindo uma residência. Depois tece diversas

considerações sobre a importância relativa da produção doméstica (“household

production”), assim como dos cuidados pessoais (“personal care”), e das

atividades de lazer. Informa o relatório que, entre 1995 e 2006, a importância

relativa da produção doméstica nos países mais desenvolvidos foi muito mais

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significativa do que normalmente se imagina: 30% nos Estados Unidos, 35% na

França, e 40% da Finlândia.

Quando se pensa em rendimentos extra-mercados (“non-market income”), torna-

se obrigatório dar mais importância ao lazer. A abordagem exclusiva em bens e

serviços gera um viés que acaba por esconder a importância do tempo disponível

ao lazer. E isto se torna ainda mais crucial num mundo que começa a perceber as

condicionantes ambientais. Afinal, não será possível aumentar a produção de

bens além de certos limites.4

E esse primeiro capítulo termina de forma bem abrupta com três curtos

parágrafos que voltam a enfatizar a importância de medidas que revelem a

dimensão distributiva, por mais difícil que possam ser os cálculos.

Em princípio, são dez os tópicos que compõem esta tentativa de síntese do

primeiro capítulo. No entanto, logo no início (parágrafo 17, p. 8) eles foram

anunciados como se fizessem parte de apenas cinco maneiras de lidar com as

deficiências do PIB como indicador de níveis de vida (“living standards”):

1) dentro da contabilidade nacional, dar preferência a outros indicadores que

já estão bem estabelecidos;

2) melhorar a mensuração empírica de atividades-chave, particularmente as

dos serviços de saúde e de educação;

3) adotar a perspectiva do domicílio;

4) adicionar informações sobre as distribuições de renda e de riqueza aos

dados sobre sua evolução média;

5) mesmo que sejam discutíveis os métodos de imputação, será necessário

ampliar o escopo daquilo que está sendo mensurado, principalmente no

que se refere às atividades que ocorrem forma dos mercados. 4 “This is of particular concern as the world begins to come to terms with environmental constraints. It will not be possible to increase the production especially of goods beyond limit” (parágrafo 59, p. 32).

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5. Balanço

É dupla a mensagem essencial desse primeiro rascunho do relatório final da

Comissão. Escancara as carências e o anacronismo das atuais ferramentas de

mensuração do desempenho econômico e do progresso social. Simultaneamente,

desfaz qualquer ilusão sobre a possibilidade de que o processo de sua superação

possa vir a ser rápido e previsível. Ao contrário, sinaliza para a possibilidade de

que por muito tempo a inércia institucional continue a massacrar atos de

desconforto e insatisfação como o que levou à sua própria criação por iniciativa

do presidente da república francesa Nicolas Sarkozy.

Pelo seu caráter infinitamente mais analítico do que normativo/propositivo, a

forte influência que o relatório provavelmente terá nos debates científicos sobre

as maneiras de avaliar o progresso das nações se combinará a uma grande

indiferença por parte das organizações internacionais que teriam papéis mais

decisivos no processo de mudança. Talvez não seja assim no âmbito da OCDE, ou

mesmo da União Européia, pois essas duas organizações estiveram muito

engajadas no processo internacional de precedeu a criação da Comissão, e cujo

marco foi a conferência “Beyond GDP”, realizada em Bruxelas no final de 2007.

Mas é difícil imaginar que o FMI ou o Banco Mundial venham a ser sensibilizados

pelo conteúdo desse relatório.

O mais otimista cenário hipotético sobre o desdobramento desse processo seria

composto de três movimentos paralelos, que dificilmente serão sincronizados:

1) As idéias contidas no segundo capítulo – sobre qualidade de vida – poderão

ter muita influência na reformulação do IDH que está sendo preparada

para o Relatório de Desenvolvimento Humano de 2010. Todavia, é difícil

imaginar como aqueles oito determinantes objetivos, enfatizados no

relatório da Comissão, poderão ser compatibilizados com a necessidade de

um índice que precisará ser calculado para o maior número possível das

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nações que fazem parte da ONU. Mais difícil ainda é imaginar qual seria a

maneira de evitar que a dimensão “nível de vida” continuasse a ser

estimada pelo logaritmo do PIB per capita, o que remete ao segundo

movimento.

2) Nada indica que seja possível revolucionar nas próximas décadas o atual

sistema de contabilidade nacional (ou social). Quem tem alguma

esperança de que isso seja possível deve consultar com urgência a história

desse sistema minuciosamente relatada por André Vanoli (2005). Então,

uma meta mais realista seria contar com a possibilidade de iniciativas na

direção do cálculo da RNLD (Renda Nacional Líquida Disponível), o que por

si só exigiria a adoção de uma série de novas convenções e normas

metodológicas. Se um processo desse tipo viesse a ser puxado pela OCDE,

por exemplo, em alguns anos ficaria bem mais evidente o grau de

obsolescência do PIB. A partir daí certamente a ONU seria convocada a

imitar.

3) Caso venha a ser realmente inovador o tal “micro-dashboard” da

sustentabilidade ambiental, então também será possível supor (sempre

com muito otimismo) que o PNUMA, Programa das Nações Unidas para o

Meio Ambiente (UNEP), aproveite a oportunidade para acelerar o processo

seletivo de tão necessário indicador. Imenso trabalho nessa direção já foi

feito no âmbito do projeto “SCOPE” 5, como mostra o livro organizado por

HáK, Moldan & Dahl (2007). O que falta agora é um fato novo que leve o

PNUMA a correr os riscos de adoção de um indicador que mais tarde será

inevitavelmente considerado precário. Nesse sentido, a experiência do

PNUD parece mostra a importância decisiva que teve a adoção do IDH em

1990, mesmo que seja obrigatório reformulá-lo em 2010. A opção inversa

teria sido a de permitir que o desenvolvimento continuasse a ser medido

impunemente pelo PIB per capita.

5 “Scientific Committee on Problems of the Environment (International Council for Science)”.

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Referências

COMMISSION on the Measurement of Economic Performance and Social Progress –

Draft Summary (Provisional and Incomplete), June 2, 2009. HÁK, Tomás, Bedrich Moldan & Arthur Lyon Dahl (eds.) (2007) Sustainability

Indicators; A Scientific Assessment. Washington D.C.: Island Press. IISD (1997) – International Institute for Sustainable Development - Assessing

Sustainable Development: Principles in Practice, (Printed in Canada), disponível em: http://www.iisd.org/measure/principles/progress/bellagio.asp

LAWN, Philip (ed.) (2006) Sustainable Development Indicators in Ecological

Economics, Edward Elgar. VANOLI, André (2005) A History of National Accounting, IOS Press.

(Originalmente em francês, editora La Découverte, Paris: 2002). VEIGA, José Eli (2007) “Indicadores socioambientais: evolução e perspectivas”, Revista

de Economia Política (no prelo).

* JOSÉ ELI DA VEIGA, professor titular da Faculdade de Economia (FEA) e orientador do Programa de Pós-Graduação do Instituto de Relações Internacionais (IRI) da Universidade de São Paulo. Página web: www.zeeli.pro.br