Completos Mesas M 9 Maria Cristina Giorgi

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Ensino de Espanhol por temas transversais.

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  • LEITURA E TRABALHO DOCENTE: UMA REFLEXO SOBRE A ESCOLHA DOS TEXTOS E A LEITURA NO ENSINO MDIO

    MARIA CRISTINA GIORGI (CEFET-RJ)

    O professor de E/LE no ensino mdio

    Considerando artigos sobre leitura e o ensino de Lngua es-trangeira e documentos da rea do ensino de LE Leis de Diretrizes e bases (LDB), Parmetros Curriculares Nacionais (PCNs) com-preendemos as relaes de aprendizagem como um processo interati-vo entre professor, aluno e texto, no qual, dentre as habilidades do ensino de lngua estrangeira no Ensino Mdio, a leitura assuma papel de relevncia. Desta forma, acreditamos que no trabalho com a 3{ srie do EM, ainda que vise preparao para o vestibular, o profes-sor no est atado apresentao de pontos de gramtica que muitas vezes servem como pretexto para um modelo de aula, na qual no se permite ao aluno ser sujeito do seu processo de aprendizagem. Em sendo assim, o docente est respaldado pela literatura e documentos da rea para trabalhar temas multidisciplinares dentro de sala de aula, objetivando discusses que transcendam a questes ligadas apenas ao ensino da estrutura da lngua estrangeira, sempre observando a plu-ralidade cultural de seu aluno.

    No entanto, parece-nos que, principalmente no ensino de LE, o professor ainda limita-se a atuar como um simples transmissor de conhecimentos, furtando-se a sua funo primordial de formador.

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    Seus objetivos continuam focalizados em frmulas e questes mera-mente formais, sem trazer para discusso temas de interesse geral que propiciem o debate e a reflexo, essenciais para a formao de um cidado com capacidade crtica. Nesse sentido a escolha do mate-rial didtico a ser utilizado pode, a nosso ver, refletir a viso do do-cente em relao aquisio / transmisso de conhecimento, pois nele podemos observar marcas de subjetividade deste profissional.

    Ressaltamos que no presente artigo a base terica seguida no que se refere aos estudos linguagem relaciona-se diretamente com a compreenso de lngua em seu uso, na prtica social, e no como uma estrutura isolada. Estes estudos no dissociam o lingstico e o extralingstico como construtores de sentido no discurso. Por isso, recorreremos AD de base enunciativa, tendo como pressupostos fundamentais as noes de Bakhtin (1979; 1992) sobre dialogismo nas quais o autor considera que todo enunciado institui um EU que se dirige a um TU, ao mesmo tempo em que um discurso dialoga com outro discurso.

    Gnero discursivo (Bakhtin, ibidem) outra noo importante em nosso trabalho. Segundo o autor, o gnero que garante a comu-nicao aos falantes de uma lngua, pois permite uma economia cog-nitiva entre os interlocutores por meio da qual o reconhecimento de caractersticas particulares que distinguem um gnero de outro, ou seja, estabelece as bases do entendimento com o leitor.

    Verificamos que estes gneros discursivos esto submetidos a algumas coeres, que vo sendo modificadas pelas sociedades ao

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    longo do tempo, de acordo com suas necessidades, sendo todo dito determinado em grande parte pelo lugar onde enunciado. Para com-preender esse movimento, aliamos aos conceitos bakhtinianos, alguns conceitos tericos de Maingueneau (2001), para quem a pers-pectiva enunciativa estabelece alguns parmetros especficos a fim de que haja interao. Conforme o terico, a situao de enunciao no est dentro do mbito das circunstncias empricas de produo de enunciado, mas sim no campo das coordenadas que servem como referncia direta ou no enunciao, onde os personagens princi-pais so enunciador e co-enunciador e as ncoras espaciais e tempo-rais, eu/voc e aqui/agora.

    Continuando na perspectiva enunciativa, em que o leitor deve apreender os sentidos do texto a partir do enunciado fazendo uso de competncias distintas, recorremos s noes propostas por Main-gueneau de competncias genrica e enciclopdica, em que a primei-ra compreende o domnio das leis e gneros de discurso, e a segunda, os conhecimentos sobre mundo que acumulamos ao longo da vida, sendo ambas responsveis por nossa capacidade de interpretar e pro-duzir enunciados adequados s mltiplas situaes sociais que nos so impostas.

    Desta forma, desde uma viso dialgica de linguagem, consi-deramos que, de alguma maneira, todos os textos conversam com outros, inter-relacionam, sendo cada um deles sempre uma resposta a anteriores e uma provocao a futuros. Sendo assim, o texto no possui um sentido acabado: primeiro porque adquire novos significa-

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    dos de acordo com o sujeito que o l uma vez que este vai lhe a-crescentar seu prprio conhecimento de mundo para estabelecer as relaes de sentido possveis. Segundo, porque o significado de cada texto resulta da suas relaes com outros. So um produto cultural e lingstico, reflexos de valores sociais, temporais, ideolgicos, est-ticos, morais (Bakhtin, ibidem).

    fundamental ter como base o autor russo, no que tange no-o de gnero discursivo, fundamental para o trabalho com leitura. Segundo o terico, esta noo que garante a comunicao aos fa-lantes de uma lngua, pois permite uma economia cognitiva entre os interlocutores por meio do reconhecimento de caractersticas que costumam estar presentes em cada gnero. Especificamente no con-texto de ensino de LE, saber distinguir e identificar as caractersticas particulares que distinguem um gnero de outro, alm de facilitar a inferncia de seus sentidos pela analogia com a lngua materna, favo-rece o reconhecimento de importantes pistas discursivas temticas, composicionais ou de estilo que funcionam como apoio remisso a outros textos. (Id., ibid.).

    E o material didtico...

    Com base no exposto, verificamos que o trabalho de leitura aquele que busca no a manuteno de verdades estabelecidas, mas a construo de conhecimento est intrinsecamente vinculado esco-lha dos textos a serem trabalhados em sala. A nosso ver papel do

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    professor / formador, dentro da proposta de aula interativa presente nos PCNs, fazer com que seu aluno perceba que, assim como o lei-tor, nenhum texto um produto acabado e que este adquire novos significados a partir da subjetividade de quem o l. Essa tarefa seria dificultada pelo uso de textos de livros didticos, que, de forma geral, utilizam textos vazios de sentido, sem relao com a realidade dos alunos, ou mesmo com qualquer realidade, uma vez que esto dire-cionados apresentao de contedos pr-determinados por um gru-po especfico. Estas metodologias propiciam que o trabalho do pro-fessor se limite reproduo das leituras propostas, e recuperao do lido por meio de perguntas com uma nica possibilidade de res-posta. Passa-se a utilizar uma nica fonte, uma unicidade de percep-o, onde os temas escolhidos no despertam o interesse do aluno nem tampouco admitem liberdade de discusso.

    Pensamos, que muitas vezes, a adoo de livros didticos faz com o docente se mantenha atado a textos que tendem obsolescn-cia, impedindo a discusso de temas do momento, polmicos, rele-vantes para o aluno, e que normalmente permitem a apresentao de mais de um ponto de vista. Outrossim, o leque de opes de gneros discursivos oferecidos pelos livros didticos muito provavelmente ser menor do que o do material elaborado pelo professor, at porque este pode fazer suas escolhas a partir de quaisquer necessidades es-pecficas relacionadas a seus grupos de alunos.

    Pode-se tambm acrescentar que o material elaborado pelo do-cente utilizando textos reais, atemporais aproxima professor e

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    aluno do objeto a ser estudado e possibilita que os sentidos sejam construdos por ambos, ainda que caiba ao professor encaminhar o leitor-aluno em direo observao de elementos do texto que este, talvez, no consiga notar por si. preciso mostrar ao aluno a) que a identificao de algumas marcas discursivas e lingsticas pode faci-litar seu acesso s diversas construes de sentido possveis em cada texto, a partir de seu dilogo com outros textos, e b) a relevncia de seu prprio conhecimento para que as relaes de sentido no texto sejam estabelecidas.

    Importa ressaltar que, ainda que a escolha dos textos deva pri-orizar temas e gneros discursivos que despertem o interesse dos alunos, o professor no deve se furtar a trabalhar com gneros que possam causar estranhamento. Muitas vezes, baseando-nos em expe-rincias anteriores, tendemos a trabalhar com gneros consagrados, como notcias, tiras, charges, publicidades, etc. Incorremos a nos mesmos erros dos livros didticos e desprezamos textos que podem ampliar os conhecimentos dos alunos.

    A ttulo de exemplo

    Ainda que conheamos as dificuldades existentes para o traba-lho nas escolas, quer na rede pblica, quer na particular, reiteramos que a escolha dos textos deve sempre estar relacionada s necessida-des dos grupos de alunos. Evidentemente, sabemos que no ser pos-svel dar conta das especificidades de cada um desses grupos, mas

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    acreditamos que cada um deles possui exigncias mais gerais, que podem estar relacionadas entre si. Se consideramos fatores como faixa etria, por exemplo, parece-nos plausvel afirmar a relevncia de se tratar determinados temas que visem formao do aluno cida-do.

    A ttulo de exemplo, apresentamos alguns temas trabalhados com os alunos do 3. ano do E.M. do Centro Federal de Educao Tecnolgica Celso Suckow da Fonseca (CEFET/RJ) ao longo de 2006, durante as aulas de Espanhol.

    AIDS.

    Meninos de rua.

    Uso de celulares em sala de aula.

    Educao contra a pobreza.

    Polmica acerca da lei de defesa do idioma espanhol.

    Aborto.

    O uso da Internet como um vcio.

    Os temas acima elencados foram apresentados aos alunos por meio de textos de distintos gneros de discurso: editoriais, notcias, charges, cartuns, campanhas publicitrias e tiras cmicas.

    H uma clara preponderncia de textos argumentativos, que se justifica pela prpria constituio dos mesmos: um texto argumenta-tivo o resultado de uma tomada de posio em uma situao social que suscita controvrsia. Os textos so, em sua grande maioria, de pases hispnicos, no adaptados, e que no tm como leitor presu-

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    mido um aluno de ensino mdio brasileiro, ou seja, no esto anco-rados no que o aluno aprendeu na lio passada, como esto os livros didticos. Ainda quando uma notcia tenha um cunho didtico, est sempre dirigida a um leitor de fato, que pertence a um mundo verdadeiro e recebe outros tipos de informao.

    Ao longo das aulas nosso intuito apontar para a intertextuali-dade presente entre os textos, de forma explcita ou implcita, mesmo quando de gneros distintos. As notcias e artigos de jornal, por e-xemplo, normalmente fazem meno a outros textos contempor-

    neos ou no para facilitar seu entendimento. Em todo texto inde-pendente do gnero h sempre indcios que permitem a remisso a outros textos, e uma grande parte das vezes essas relaes so estabe-lecidas pelos alunos e no pelo professor, uma vez que seus conhe-cimentos de mundo so distintos.

    Como dentro de nossa viso, o papel do professor no se limi-ta sala de aula, destacamos que esta vasta gama de possibilidades de correspondncias que podem ser feitas por meio dos textos esco-lhidos pelo professor, propicia uma construo de conhecimentos que no se restringe ao ensino de LE, e sim pode indicar temas rela-cionados a qualquer outra rea do conhecimento.

    Consideraes finais

    Comeamos nossas consideraes finais reafirmando que a es-colha do material utilizado em aula no acontece de forma aleatria.

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    Sendo assim, esse material pode ser visto como uma expresso do discurso do professor, dentro da interao professor /aluno /texto / mundo. E, a partir de suas escolhas, este professor pode optar ou no por apresentar-se como um ser poltico, social, tico, no desvincula-do de seu entorno ou do de seus alunos. Por meio de um texto, possvel tratar de questes que estejam relacionadas no s ao con-tedo programtico, mas principalmente daquelas que suscitem em seu aluno questionamentos que o levem reflexo, ao debate.

    Por outro lado, no podemos esquecer que se em algumas ins-tituies o professor responsvel pela escolha do material a ser utilizado, em muitas outras ele deve trabalhar com o que lhe impos-to, mesmo que esse no seja condizente com sua prtica.

    Contudo, nossa opinio que a forma de lidar com este mate-rial imposto pode ser um diferenciador entre o professor crtico, preocupado com a formao de seu aluno e o professor que se limita a passar aos contedos de cada unidade, pois, como j dissemos, faz parte de seu trabalho direcionar a leitura de seu aluno para aque-les sentidos que ele, muitas vezes, no estabeleceria sozinho.

    Importa-nos tambm refletir sobre como esse professor de ln-gua estrangeira v a importncia do seu prprio trabalho dentro do contexto escolar. Sua tarefa ensinar uma lngua estranha ao aluno e limitar-se apenas a fazer com que esse conhea a sua estrutura, ou

    seu ofcio faz parte de um conjunto onde todos devem ser respons-veis pela formao de um cidado crtico que, depois de ingressar na

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    universidade, tenha condies no s de receber um diploma, mas tambm de fazer diferena?

    Pensamos que o prprio professor deve consciente de sua subjetividade e das marcas discursivas que a refletem criar espaos que levem os alunos a interagir com as vrias vozes existentes em cada texto, explcita ou implicitamente, possibilitando novas cons-trues de sentido. Ou seja, em lugar de sujeito passivo, deve-se possibilitar ao aluno assumir um papel mais ativo, de maneira a per-mitir que este se aproprie das informaes presentes nos textos, esta-belecendo uma rede de correlaes com base em sua prpria cultura e relacionando-a com culturas alheias. Para isso, fundamental a ao do professor, a quem compete elaborar tarefas que provoquem essas reflexes.

    Outrossim, consideramos que o papel social do professor transcende ao espao da sala de aula e que sua funo garantir a todos o acesso ao conhecimento. Significa dizer que este profissio-nal deve ser mais que um simples executor de tarefas prescritas; deve integrar pesquisas sobre a ao educativa, refletindo, inclusive, a proposta dos PCNs que pressupe uma mudana nos rumos de nossa educao, remetendo-nos a uma escola que precisa propiciar meios que garantam ao aluno o exerccio de sua cidadania, a partir do reco-nhecimento e da identificao das diversidades existentes entre os mesmos. Portanto, torna-se indispensvel que o professor tenha pre-ocupaes no apenas com a transmisso de contedos gramaticais,

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    mas tambm com sua prpria viso sobre lngua e de como ela influ-encia a formao de seus alunos.

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    Referncias bibliogrficas

    BAKHTIN, Mikhail. A esttica da criao verbal. So Paulo: Mar-tins Fontes, 1979. ______. Marxismo e Filosofia da Linguagem. So Paulo: Hucitec, 1929. CELANI, Maria Alba (Org.). Professores formadores em mudana. So Paulo: Mercado de Letras, 2003. DAHER, Maria del Carmen F.G. e SANTANNA, Vera L. de A. Reflexiones acerca de la nocin de competencia lectora: aportes enunciativos e interculturales. In: 20 aos de APEERJ- El espaol: un idioma universal 1981-2001. Rio de Janeiro: APEERJ. 2002. p. 54-67. MAINGUENEAU, Dominique. Termos chave da anlise do discur-so. Belo Horizonte: UFMG, 1998. ______. Anlise de textos de comunicao. So Paulo: Cortez, 2001. PARMETROS CURRICULARES NACIONAIS: Introduo. Bra-slia. Secretaria de Educao Fundamental/MEC, 1998. PARMETROS CURRICULARES NACIONAIS: terceiro e quarto ciclos do Ensino Fundamental Lngua Estrangeira. Braslia. Secre-taria de Educao Fundamental/MEC, 1998. PARMETROS CURRICULARES NACIONAIS: Ensino Mdio. Braslia. Secretaria de Educao Mdia e Tecnolgica/MEC, 1999.