Upload
dangthien
View
221
Download
2
Embed Size (px)
Citation preview
Comportamento genérico de difeomorfismos do círculo
Leandro Antunes
Comportamento genérico de difeomorfismos do círculo
Leandro Antunes
Orientador: Prof. Dr. Daniel Smania Brandão
Dissertação apresentada ao Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação - ICMC-USP, como parte dos requisitos para obtenção do título de Mestre em Ciências - Matemática . VERSÃO REVISADA
USP – São Carlos
Março de 2012
SERVIÇO DE PÓS-GRADUAÇÃO DO ICMC-USP
Data de Depósito: Assinatura:________________________
Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca Prof. Achille Bassi e Seção Técnica de Informática, ICMC/USP,
com os dados fornecidos pelo(a) autor(a)
A636cAntunes, Leandro Comportamento genérico de difeomorfismos docírculo / Leandro Antunes; orientador Daniel SmaniaBrandão. -- São Carlos, 2012. 190 p.
Dissertação (Mestrado - Programa de Pós-Graduação emMatemática) -- Instituto de Ciências Matemáticas ede Computação, Universidade de São Paulo, 2012.
1. Difeomorfismos do círculo. 2. Número de rotação.3. Medida de Lebesgue. 4. Frações contínuas. 5.Conjugação topológica. I. Smania Brandão, Daniel,orient. II. Título.
A meus pais
Agradecimentos
À minha família, com a qual sempre pude contar, principalmente nos momentos mais difí-
ceis;
Aos meus amigos, que mesmo em outras cidades estiveram ao meu lado, apoiando e incen-
tivando;
Aos meus colegas de mestrado e novos amigos, pelas várias horas de estudo juntos e tam-
bém pelas festas, filmes, pizzas e almoços, que tornaram muito melhores esses dois anos. Em
especial ao Rodrigo, que me acompanha desde a graduação e é o grande culpado de eu ter vindo
para São Carlos;
Ao professor Daniel Smania, pela orientação, ensinamentos, dúvidas tiradas e toda ajuda
durante esses dois anos;
Aos meus professores, com os quais muito aprendi desde a pré-escola até a pós-graduação.
Agradeço de forma especial à professora Márcia Federson, sem a qual talvez sequer tivesse
iniciado o curso;
Aos professores Ali Tahzibi e Benito Pires, pelas valiosas correções e sugestões para este
trabalho;
À coordenação da OBMEP e à CAPES pelo apoio financeiro;
A todos que de alguma forma me ajudaram durante este trabalho, meus mais sinceros agra-
decimentos.
You do not study mathematics because it helps you
build a bridge. You study mathematics because it
is the poetry of the universe. Its beauty transcends
mere things. (Jonathan David Farley)
Resumo
Nós estudaremos o comportamento de difeomorfismos do círculo, tanto do ponto de vista com-binatório quanto do ponto de vista topológico e da teoria da medida, seguindo os trabalhosde Michael Herman. A cada homeomorfismo do círculo podemos associar um número realpositivo, denominado número de rotação. Mostraremos que existe um conjunto de númerosirracionais de medida de Lebesgue total na reta tal que, se f é um difeomorfismo do círculo declasse Cr que preserva a orientação, com r maior ou igual a 3 e com número de rotação nesseconjunto, então f é pelo menos Cr−2-conjugada a uma translação irracional. Além disso, mos-traremos que dado um caminho ft de classe C1 definido em um intervalo [a,b] no conjunto dosdifeomorfismos do círculo de classe Cr que preservam a orientação, com r maior ou igual a 3,o conjunto dos parâmetros em que ft é Cr−2-conjugada a uma translação irracional tem medidade Lebesgue positiva, desde que os números de rotação em fa e fb sejam distintos.
Palavras-chave: Difeomorfismos do círculo. Número de rotação. Medida de Lebesgue. Fra-ções contínuas. Conjugação topológica.
Abstract
We will study the generic behavior of circle diffeomorphisms, in the combinatorial, topolo-gical and measure-theoretical sense, following the work of Michael Herman. To each orderpreserving homeomorphism of the circle we can associate a positive real number, called rota-tion number, which is invariant under conjugacy. We will show that there is a set of irrationalnumbers with full Lebesgue measure on R such that, if f is a circle diffeomorphism of class Cr,with r greater or equal 3 and with rotation number in that set, then f is at least Cr−2-conjugatedto an irrational translation. Moreover, we will show that if ft is a C1-path defined on a inter-val [a,b] over the set of the circle diffeomorphisms orientation preserving, with r ≥ 3, then theset of parameters where ft is Cr−2-conjugated to a irrational translation has positive Lebesguemeasure, since the rotation numbers of fa and fb are distinct.
Keywords: Circle diffeomorphisms. Rotation number. Lebesgue measure. Continued fracti-ons. Topological conjugacy.
Lista de Símbolos
S1 Círculo, p. 23
f Levantamento da função f , p. 24
deg( f ) Grau topológico de f , p. 25
Id Função identidade, p. 25
Difr+(S1) Conjunto dos difeomorfismos do círculo de classe Cr que preservam a orientação,
p. 26
Difr−(S1) Conjunto dos difeomorfismos do círculo de classe Cr que invertem a orientação, p. 26
O f (x) Órbita de x pela função f , p. 27
Rα Rotação ou translação pelo ângulo α , p. 27
S(J) Família de funções S(J), p. 30
R( f ) Aplicação de primeiro retorno de f , p. 32
bxc Função máximo inteiro, p. 43
ρ( f ) Número de rotação de f , p. 51
Dist( f ,T ) Distorção de f em T , p. 56
Var( f , [a,b]) Variação de f em [a,b], p. 56
Dif1+vl+ (S1) Conjunto dos difeomorfismos de S1 de classe C1 que preservam a orientação, com
derivada de variação limitada, p. 57
Cω Classe das funções reais analíticas, p. 59
Cr(S1) Conjunto das funções reais de classe Cr 1-periódicas, p. 60
Dr(S1) Conjunto dos levantamentos das funções de Difr+(S1), p. 60
gr( f ) Gráfico de f , p. 71
A Subconjunto de números irracionais, p. 87
f (x) = O(g(x)) A função f (x) é da ordem de g(x), p. 100
Frα Conjunto dos difeomorfismos de classe Cr com número de rotação α , p. 157
Sumário
Introdução p. 19
1 Difeomorfismos do Círculo p. 23
1.1 Aplicações no Círculo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 23
1.1.1 Levantamentos e Grau Topológico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 24
1.1.2 Rotações . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 27
1.2 A Família de Funções S(J) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 28
1.2.1 Aplicações de Primeiro Retorno . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 31
1.2.2 Dinâmica Simbólica em S(J) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 38
1.3 Rotações . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 42
1.4 Número de Rotação e Frações Contínuas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 50
1.5 Conjugações Topológicas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 54
2 Critérios de Cr-conjugação p. 59
2.1 Funções de Classe Cr . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 59
2.1.1 Topologias em Cr(S1) e Dr(S1) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 60
2.2 Número de Rotação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 61
2.2.1 Propriedades do Número de Rotação . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 64
2.3 Conjugação para ρ( f ) ∈Q . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 67
2.4 O Invariante Hr . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 69
2.5 Conjugação de Classe C1 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 71
2.6 Algumas Fórmulas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 75
2.7 Módulo de Continuidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 77
2.7.1 O Espaço Cw(S1) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 78
2.7.2 Conjugação de Classe Cw . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 79
2.7.3 Conjugação de Classe Cr+w . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 82
2.8 Conjugação de Classe Cr . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 84
3 Medida e Frações Contínuas p. 87
3.1 Frações Contínuas e Aproximação Diofantina . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 87
3.2 Medida de Gauss . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 93
3.3 Caracterizações do Conjunto A . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 100
3.4 Números de Tipo de Roth . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 105
4 Conjugação Local p. 109
4.1 Ordem dos Pontos em S1 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 109
4.2 Desigualdades de Denjoy . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 112
4.3 Ergodicidade de f ∈ Dif2+(S1) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 116
4.3.1 O Teorema Ergódico de Hurewicz . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 116
4.3.2 Ergodicidade com Respeito à Medida de Lebesgue . . . . . . . . . . p. 119
4.4 Convergência das Funções fn . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 124
4.4.1 Convergência nas Topologias C0 e C1 . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 124
4.4.2 Convergência na Topologia C2 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 126
4.4.3 Convergência na Topologia C2+ε ′ . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 130
4.5 Conjugação Local . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 132
5 O Teorema Fundamental das Conjugações p. 135
5.1 Critério de C1+ε -conjugação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 136
5.2 Algumas Estimativas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 142
5.2.1 Majoração de | f qn− Id−pn|0 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 142
5.2.2 Majoração de |D2 f qn|0 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 146
5.2.3 Majoração de |D f n|0 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 148
5.3 O Teorema Fundamental das Conjugações . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 156
6 O Teorema dos Caminhos p. 157
6.1 Topologia dos Conjuntos de Difeomorfismos de Número de Rotação Constantep. 157
6.1.1 Caso Racional . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 158
6.1.2 Caso Irracional . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 160
6.1.3 A Propriedade A0 e os Conjuntos Fr . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 162
6.2 O Teorema dos Caminhos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 164
Considerações Finais p. 171
Referências Bibliográficas p. 173
Apêndice A -- Topologia p. 177
A.1 Espaços Topológicos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 177
A.2 Espaços Métricos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 178
A.3 Topologia Quociente . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 180
Apêndice B -- Medida e Integração p. 181
B.1 Álgebras e σ -álgebras . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 181
B.2 Medida . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 182
B.2.1 Medida de Lebesgue . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 183
B.3 Classes Monótonas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 183
B.4 Integração . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 184
B.5 Espaços Lp . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 186
Apêndice C -- Teoria Ergódica p. 187
C.1 Medidas Invariantes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 187
C.2 Ergodicidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 188
Índice Remissivo p. 189
19
Introdução
Nosso principal objetivo neste trabalho é estudar a relação entre a classe de diferenciabili-
dade dos difeomorfismos do círculo e a classe de diferenciabilidade da conjugação topológica
entre o difeomorfismo e uma rotação. Para esse estudo, associaremos a cada homeomorfismo
do círculo um invariante topológico definido por Jules Henri Poincaré em 1885 (POINCARÉ,
1885): o número de rotação. Uma das várias formas pela qual podemos definir esse número é a
seguinte: se f : S1→ S1 é um homeomorfismo do círculo que preserva a orientação, definimos
τ( f ) = limn→∞
f n(x)− xn
,
onde f :R→R é um levantamento de f . Esse limite existe, independe da escolha de x e, módulo
1, independe também da escolha do levantamento. Assim, definimos o número de rotação ρ( f )
como
ρ( f ) = τ( f ) mod 1.
Note que se f é uma rotação da forma Rα(x) = x+α mod 1, com α ∈ [0,1), então um levan-
tamento de Rα em R é Tα(x) = x+α e, portanto,
ρ(Rα) = limn→∞
x+nα− xn
mod 1 = α,
isto é, o número de rotação de Rα é justamente o ângulo da rotação.
Poincaré mostrou que se ρ( f ) = α é irracional, então f é semiconjugada à rotação Rα , isto
é, existe uma função h contínua, sobrejetora e monótona (não necessariamente injetora) tal que
Rα ◦h = h◦ f .
Em 1932, Arnaud Denjoy (DENJOY, 1932) mostrou que se f é um difeomorfismo de classe
C1 e sua derivada é de variação limitada (por exemplo, se f é um difeomorfismo de classe C2),
então h é um homeomorfismo. Dizemos que h é uma conjugação topológica entre f e Rα .
Vladimir Igorevich Arnol’d mostrou em 1961 (ARNOL′D, 1961) que se f é real analítica,
com f próxima a Rρ( f ) na topologia Cω ( f ∈Cω indica que f é real analítica) e se ρ( f ) satisfaz
uma condição diofantina, então h também é analítica. Arnol’d também conjecturou que seria
possível remover a condição de f ser próxima a Rρ( f ), desde que o número de rotação de f
20
satisfizesse alguma condição, sendo que o conjunto dos números reais que satisfizessem essa
condição teria medida de Lebesgue total.
Essa conjectura foi provada por Michael Robert Herman em sua tese de doutorado, em
1976, republicada em 1979 (HERMAN, 1979). Herman provou que, se f é um difeomorfismo
do círculo de classe Cr, com 3≤ r ≤ ω e ρ( f ) ∈A , então f é Cr−1−β -conjugado a Rρ( f ), para
todo β > 0. O conjunto A ⊂ R tem medida de Lebesgue total e é definido como
A =
x = a0 +
1
a1 +1
a2 +1. . .
∈ R\Q; limb→∞
limsupn→∞
n
∑i=1,ai≥b
log(ai +1)
n
∑i=1
log(ai +1)= 0
,
com ai ∈ Z para todo i e a1,a2, · · · > 0. Esse é um dos dois principais Teoremas que nos
propomos a demonstrar nesta Dissertação, que faremos no Capítulo 5 (Teorema 5.22).
O outro Teorema que queremos demonstrar consiste em mostrar que dado um caminho
ft de classe C1 definido em um intervalo [a,b] no conjunto dos difeomorfismos do círculo de
classe Cr que preservam a orientação, com r maior ou igual a 3, se ρ( fa) 6= ρ( fb) então o
conjunto dos parâmetros em que ft é Cr−2-conjugada a uma translação irracional tem medida
de Lebesgue positiva. Esse Teorema também foi provado por Herman (HERMAN, 1977), e
é uma consequência dos resultados demonstrados em sua tese. Provaremos esse Teorema no
Capítulo 6 (Teorema 6.17).
A Dissertação está estruturada da seguinte forma: o Capítulo 1 é introdutório, nele defi-
nimos o número de rotação para homeomorfismos do círculo que preservam a orientação via
frações contínuas, seguindo basicamente (MELO; STRIEN, 1993) e (MELO, 1989). Optamos
por essa abordagem porque as frações contínuas terão um papel fundamental nos próximos re-
sultados. Nesse Capítulo também provaremos os teoremas de Poincaré (Teorema 1.25) e de
Denjoy (Teorema 1.33), que citamos antes.
A partir do Capítulo 2 seguiremos os trabalhos de Herman, passando a estudar não di-
retamente os difeomorfismos do círculo, mas sim seus levantamentos em R. No Capítulo 2
estudaremos propriedades da função
f 7→ ρ( f )
e veremos alguns critérios de Cr-conjugação. Em particular, mostraremos que f é Cr-conjugada
21
a uma rotação se, e somente se,
Hr( f ) = supj∈Z|D f j|Cr−1 < ∞.
O objetivo do Capítulo 3 é provar que o conjunto A tem medida de Lebesgue total. Além
disso, daremos caracterizações alternativas para A e mostraremos que se α ∈A , então α é de
tipo de Roth.
No Capítulo 4 provaremos um Teorema de conjugação local, que será essencial para poder-
mos provar o Teorema Fundamental das Conjugações (Teorema 5.22). Provaremos antes a Desi-
gualdade de Denjoy-Koksma e a Desigualdade de Denjoy, e mostraremos que se f ∈Dif2+(S1),
com ρ( f ) ∈ R\Q, então f é ergódica com respeito à medida de Lebesgue. Também estudare-
mos a ordem dos iterados de um ponto por uma rotação no círculo.
O Capítulo 5 é inteiramente dedicado a provar o Teorema Fundamental das Conjugações,
usando os Teoremas provados nos Capítulos anteriores. Por fim, no Capítulo 6 faremos um es-
tudo das propriedades topológicas dos conjuntos de número de rotação constante e provaremos
o Teorema dos Caminhos (Teorema 6.17).
Ao longo do texto será necessário usarmos resultados bem conhecidos, em especial da
Topologia, da Teoria da Medida e da Teoria Ergódica. Incluímos ao final apêndices onde re-
lembramos algumas definições e Teoremas usados, omitindo a demonstração, que podem ser
encontradas nas referências.
22
23
1 Difeomorfismos do Círculo
Neste Capítulo estudaremos o comportamento de difeomorfismos do círculo principalmente
do ponto de vista combinatório, visando definir o principal objeto de estudo deste trabalho, que
é o número de rotação. Em geral, o número de rotação de um homeomorfismo que preserva a
orientação f : S1→ S1 é definido como o número
ρ( f ) = π
(limn→∞
f n(x)− xn
),
onde f : R → R é um levantamento de f em R, x ∈ S1 e π(x) = x mod 1. Esse número
independe do levantamento e do ponto escolhidos. Nós, porém, definiremos esse número de
uma forma diferente da usual, por meio de frações contínuas, seguindo a abordagem de (MELO;
STRIEN, 1993) e (MELO, 1989). Optamos por essa abordagem porque, como veremos, as
frações contínuas e suas propriedades terão um papel fundamental neste trabalho.
Para definirmos o número de rotação via frações contínuas, precisaremos construir uma
dinâmica simbólica para os homeomorfismos do círculo e provar uma série de propriedades
aritméticas. Apesar do esforço inicial desprendido para essa construção, conseguiremos pro-
var com certa facilidade os dois principais teoremas deste Capítulo: o Teorema de Poincaré
(Teorema 1.25), e o Teorema de Denjoy (Teorema 1.33). O primeiro nos mostrará que, se
ρ( f ) = α ∈ R \Q, então existe uma semiconjugação entre f e a rotação de ângulo α , Rα . O
segundo melhora esse resultado para mostrar que, que sob certas condições (por exemplo, se
f for de classe C2) tal semiconjugação é na verdade uma conjugação topológica, ou seja, um
homeomorfismo.
1.1 Aplicações no Círculo
Usualmente definimos o círculo S1 como o subconjunto de R2
S1 = {(x,y) ∈ R2;x2 + y2 = 1}
24
ou como o subconjunto de CS1 = {eiθ ;θ ∈ R}.
Porém, para nós, a forma mais conveniente de definirmos o círculo é como o espaço quociente
S1 = R/Z,
que será a definição que adotaremos de agora em diante.
Na representação de S1 como o espaço quociente R/Z, intuitivamente estamos "enro-
lando"a reta infinitas vezes em torno do círculo, de forma que os números que estão na mesma
classe de equivalência mod 1 (ou seja, diferem por um inteiro) estão sobrepostos. Vamos
denotar por π a projeção canônica
π : R → R/Z
x 7→ x mod 1,
onde R/Z está munido da topologia quociente.
Em S1 vamos considerar a distância entre dois pontos como a induzida pela distância usual
da reta, ou seja, a distância entre dois pontos será o comprimento do menor intervalo (arco)
determinado por eles. Por exemplo, d(0; 34) =
14 , d(1
2 ,1) =12 , d(0;0,8) = 0,2, etc.
1.1.1 Levantamentos e Grau Topológico
As próximas considerações sobre levantamentos e sobre o grau de aplicações do círculo
foram adaptadas de (FRANÇA, 2008).
Se f : S1→ S1 é uma aplicação contínua, a função f : R→ R é dita um levantamento de f
em R se f é contínua e π ◦ f = f ◦π .
Rπ
��
f // Rπ
��S1
f // S1
Note que o levantamento de uma função f : S1 → S1 não é único. Porém, se f1 e f2 são
levantamentos de f , então existe k ∈ Z tal que f1(x) = k+ f2(x), para todo x ∈ S1. De fato,
como π ◦ f1(x) = π ◦ f2(x) = f ◦π(x), então π ◦ f1(x)−π ◦ f2(x) = 0. Logo, f1(x) e f2(x) estão
na mesma classe de equivalência mod 1, ou seja, f1(x)− f2(x) ∈ Z. Agora, como f1 e f2 são
contínuas e R é conexo, necessariamente f1− f2 deve ser constante.
25
Pelo mesmo argumento, podemos provar que se f1 : R→ R é um levantamento da função
contínua f : S1→ S1, então f1(x+1) = f1(x)+n1, para algum inteiro n1, para todo x∈R. Além
disso, se f2 : R→R é outro levantamento de f , e f2(x+1) = f2(x)+n2, para algum inteiro n2,
então, como f1− f2 é constante,
f1(x+1)− f2(x+1) = f1(x)+n1− ( f2(x)+n2) = f1(x)− f2(x).
Logo, n1 = n2 = n. Assim, o número n independe do levantamento escolhido de f . Dizemos
que n é o grau topológico de f , que denotamos por deg( f ).
Se f ,g : S1→ S1 são contínuas, com levantamentos f e g, respectivamente, note que f ◦ g
é um levantamento de f ◦g, pois
π ◦ f ◦ g = f ◦π ◦ g = f ◦g◦π.
Além disso,
f ◦ g(x+1) = f (g(x)+deg(g)) = f ◦ g(x)+deg( f ) ·deg(g).
Logo,
deg( f ◦g) = deg( f ) ·deg(g).
Usando as observações anteriores, provaremos a seguinte Proposição:
Proposição 1.1. Se f : S1→ S1 é um homeomorfismo, então deg( f ) =±1.
Demonstração. Seja Id(x) = x a função identidade. Claramente, um levantamento de Id : S1→S1 é Id : R→ R. Além disso, como
Id(x+1) = x+1 = Id(x)+1,
então deg(Id) = 1. Como f é invertível,
deg( f ◦ f−1) = deg( f ) ·deg( f−1) = deg(Id) = 1.
Como deg( f ) e deg( f−1) são inteiros, necessariamente deg( f ) = deg( f−1) =±1.
Diremos que f : S1 → S1 é um difeomorfismo de classe Ck se seus levantamentos forem
difeomorfismos de classe Ck. Em quase todo este Capítulo trabalharemos apenas com homeo-
morfismos, voltando aos difeomorfismos apenas na Seção 1.5.
Se f : S1→ S1 é um homeomorfismo, dizemos que f preserva a orientação se deg( f ) = 1,
isto é, se um levantamento f de f (logo todos) é uma função não-decrescente. Se f é não-
26
crescente (deg( f ) = −1), dizemos que f inverte a orientação. Definimos os conjuntos de
funções Difr+(S1) e Difr
−(S1) como
Difr+(S1) = { f : S1→ S1; f é um difeomorfismo que preserva a orientação, de classe Cr}
e
Difr−(S1) = { f : S1→ S1; f é um difeomorfismo que inverte a orientação, de classe Cr}.
Os conjuntos dos homeomorfismos que preservam ou invertem a orientação serão denotados
por Dif0+(S1) e Dif0
−(S1), respectivamente. Graficamente, se f preserva a orientação e se par-
tirmos no sentido anti-horário do ponto x e atingimos primeiro o ponto y e depois o ponto z do
círculo, então partindo no sentido anti-horário do ponto f (x) atingimos primeiro o ponto f (y)
e depois o ponto f (z). Se f inverte a orientação, atingimos primeiro o ponto f (z) e depois o
ponto f (y).
Figura 1.1: Exemplo de homeomorfismo que preserva a orientação.
A próxima Proposição nos dará uma importante caracterização dos levantamentos dos ho-
meomorfismos do círculo que preservam a orientação.
Proposição 1.2. Se deg( f ) = 1, então todo levantamento f : R→R de f pode ser escrito como
f = Id+ϕ , onde ϕ é periódica de período 1.
Demonstração. Seja ϕ(x) = f (x)− x. Então,
ϕ(x+1) = f (x+1)− (x+1) = f (x)+1− (x+1) = f (x)− x = ϕ(x).
Logo ϕ é periódica de período 1 e f = ϕ + Id.
27
1.1.2 Rotações
Definição 1.3. Seja f : X → X uma função, onde X é um espaço métrico. Denotaremos por
f n(x) a aplicação f ◦ f ◦ · · · ◦ f︸ ︷︷ ︸n vezes
(x). Chamamos o conjunto O+f (x) = { f n(x),n ∈ Z,n ≥ 0} de
semi-órbita positiva de x pela função f , onde f 0(x) = x. Se f for inversível, também podemos
definir a semi-órbita negativa de x: O−f (x) = { f−n(x),n ∈ Z,n ≤ 0}. De uma maneira geral,
a órbita de x é o conjunto O f (x) = { f n(x),n ∈ Z}. O conjunto dos pontos de acumulação de
O+f (x) e O−f (x) são denominados conjunto ω-limite e conjunto α-limite, respectivamente.
Os homeomorfismos mais simples do círculo são as rotações. Definimos a rotação no
círculo por um ângulo α ∈ R como a aplicação
Rα : S1 → S1
x 7→ (x+α) mod 1.
Note que a rotação é uma isometria e, como um levantamento de Rα é a translação Tα(x) =
x+α , que é crescente, então Rα preserva a orientação. Por abuso de linguagem, ao longo do
texto chamaremos as translações de rotações e vamos denotá-las também por Rα .
Se f n(x) = x e f i(x) 6= x, para todo 0 < i < n, dizemos que x é um ponto periódico de f , de
período n. Se f (x) = x, dizemos que x é um ponto fixo de f . Se Rα possui um ponto periódico
x de período n, como Rα é uma isometria todos seus pontos são periódicos de período n. Em
particular, se α é racional, digamos α = p/q, com p e q inteiros e q > 0, então f q(x) = x. Além
disso, se p e q forem primos entre si, o período de x é justamente q.
Para o caso em que α é irracional, a órbita de um ponto de S1 é muito diferente, como
mostraremos na próxima Proposição.
Proposição 1.4. Se α é irracional, a órbita de Rα(x) é densa em S1, para todo x ∈ S1.
Demonstração. Seja x ∈ S1 e F = ORα(x). Note que F é um conjunto invariante por Rα , ou
seja, Rα(F) = F . Afirmamos que seu fecho F também é invariante. De fato, sejam y ∈ F e
(yn)n∈N uma sequência em F tal que yn → y. Como Rα é um homeomorfismo (pois é uma
isometria, cuja inversa é R−α ), em particular é contínua. Assim,
Rα(y) = Rα( limn→∞
yn) = limn→∞
Rα(yn).
Como Rα(yn) ∈ F , para todo n, segue que Rα(y) ∈ F . Portanto, Rα(F) ⊂ F . Mas note que
Rα : F→ F é sobrejetora: para cada z∈ F basta tomar R−α(z), que pertence a F pelo argumento
28
anterior, e teremos Rα(R−α(z)) = z. Logo F é um conjunto invariante por Rα . Consequente-
mente, seu complementar A = S1 \ F também é invariante.
Suponha, por absurdo, que a órbita de Rα(x) não seja densa. Então o conjunto A é um
aberto de S1 não vazio. Tome uma componente conexa (um arco) A0 de A, de comprimento
ε > 0. Como A é invariante e Rα é um homeomorfismo, Rnα(A0) também é uma componente
conexa de A, para todo n.
Afirmamos que os conjuntos Rnα(A0) são dois a dois disjuntos. De fato, suponha que
Rnα(A0)∩Rm
α(A0) 6=∅, com m> n. Então necessariamente Rnα(A0) =Rm
α(A0) (homeomorfismos
levam componentes conexas em componentes conexas). Logo, como as rotações preservam a
orientação, todos os pontos de Rnα(A0) são periódicos, de período m− n (ou um divisor de
m−n). Assim, tomando x ∈ Rnα(A0), existe z ∈ Z tal que
x+(m−n)α = x+ z
e, portanto,
α =z
m−n∈Q,
o que contradiz a hipótese de α ser irracional. Portanto, os conjuntos Rnα(A0) são dois a dois
disjuntos.
Por outro lado, como Rα é uma isometria e A0 tem comprimento ε > 0, então a medida de
A é maior que nε para todo n ∈ N, o que é um absurdo.
1.2 A Família de Funções S(J)
Antes de continuarmos nosso estudo sobre homeomorfismos do círculo, vamos fazer algu-
mas observações sobre aplicações contínuas em intervalos fechados.
Seja J = [a,b] um intervalo fechado e f : J → J contínua e injetora. Afirmamos que f
possui um ponto fixo. Com efeito, se f (a) = a ou f (b) = b não há o que mostrar. Supondo
então que f (a) > a e f (b) < b, pelo Teorema do Valor Intermediário (veja (LIMA, 2008), p.
234) a função f − Id se anula e, portanto, f possui um ponto fixo.
Se f é crescente, então f n(x) converge para um ponto fixo de f . De fato, se x < f (x),
então { f n(x)} é uma sequência estritamente crescente, limitada superiormente. Logo, f n(x)→y = sup{ f n(x)} = limn→∞ f n(x). Agora, pela continuidade de f , f (y) = f (limn→∞ f n(x)) =
limn→∞ f n+1(x) = y. Portanto, y é um ponto fixo de f . Analogamente, se x > f (x), a sequên-
cia { f n(x)} é estritamente decrescente, limitada inferiormente, e consequentemente também
29
converge para um ponto fixo de f .
Figura 1.2: Convergência dos pontos do intervalo para um ponto fixo da função.
Suponha agora que f é decrescente. Então,
x < y =⇒ f (x)> f (y) =⇒ f 2(x)< f 2(y).
Logo, g = f 2 é crescente. Pelo caso anterior, gn(x) converge para um ponto fixo e, portanto,
f n(x) converge para um ponto fixo ou para um ponto periódico de período 2 de f .
O estudo do comportamento de um homeomorfismo do círculo pode ser facilitado se con-
seguirmos identificá-lo com uma função definida em intervalos, já que o comportamento dessas
funções é muito simples, como acabamos de ver. Para fazer isso, vamos identificar cada home-
omorfismo f : S1 → S1 a uma função g : [0,1]→ [0,1], da seguinte forma: escolha x ∈ S1, e
denote por ϕx : S1 \{x}→ (0,1) a única isometria entre esses conjuntos tais que
limt→x+
ϕx(t) = 0 e limt→x−
ϕx(t) = 1.
(Intuitivamente, estamos "cortando"o círculo no ponto x e o "esticando"para transformá-lo no
intervalo (0,1)). Defina a função g : [0,1]→ [0,1] por
g(t) =
ϕ f (x) ◦ f ◦ϕ−1f (x)(t), se t ∈ (0,1) e t 6= ϕ f (x)(x);
0, se t = ϕ f (x)(x);
limt→0 g(t), se t = 0;
limt→1 g(t), se t = 1.
Note que tivemos que definir g de uma forma diferente no ponto c = c(g) = ϕ f (x)(x) em
relação aos demais pontos de (0,1), pois ϕ f (x) ◦ f ◦ϕ−1f (x) ◦ϕ f (x)(x) = ϕ f (x)( f (x)) não está de-
finida. Porém os limites laterais nesse ponto existem: limt→c+ g(t) = 0 e limt→c− g(t) = 1.
Poderíamos também ter definido g(c) = 1. Em todos os demais pontos de [0,1] a função g é
30
contínua.
S1
ϕ f (x)��
f // S1
ϕ f (x)��
(0,1)g // (0,1)
Claramente podemos generalizar essa construção para um intervalo fechado J qualquer.
Definição 1.5. Seja J = [a,b] um intervalo fechado. Definimos S(J) como a família das funções
g : J→ J tais que:
1. g(a) = g(b);
2. existe um único ponto de descontinuidade c(g) de g, que pertence a (a,b);
3. g é monótona estritamente crescente em cada componente conexa de J \{c(g)};
4. limx→c(g)+ g(x) = a e limx→c(g)− g(x) = b (em particular, g(c(g)) = a ou g(c(g)) = b).
Figura 1.3: Exemplo de uma função g ∈ S(J).
De maneira análoga a que fizemos para o intervalo [0,1], podemos associar cada função em
S(J) a um homeomorfismo do círculo. Em particular, as funções do subconjunto I(J)⊂ S(J) das
funções lineares por pedaços com constante de inclinação igual a 1 correspondem as rotações do
círculo. Analogamente, podemos construir o conjunto S′(J), que é definido da mesma forma que
S(J), substituindo os dois últimos itens da definição por "g é monótona estritamente decrescente
em cada componente conexa de J \ {c(g)}"e "limx→c( f )+ = b e limx→c( f )− g(x) = a", ao qual
associamos os homeomorfismos do círculo que invertem a orientação. Porém estamos mais
interessados no estudo dos homeomorfismos que preservam a orientação, já que os que invertem
tem um comportamento bem simples, como veremos na Proposição 1.6.
31
Proposição 1.6. Seja f : S1 → S1 um homeomorfismo do círculo que inverte a orientação.
Então f possui exatamente 2 pontos fixos.
Demonstração. Seja x∈ S1 tal que x 6= f (x). Sejam p,q∈ S1 contidos em componentes conexas
distintas de S1\{x, f (x)}, e sejam A=(x, p) e B=(q,x) os arcos determinados por esses pontos.
Tome A e B maximais, de forma que A∩ f (A) = ∅ = B∩ f (B). Note que, como f inverte a
orientação, A e f (A) estão contidos em uma componente conexa de S1 \ {x, f (x)}, e B e f (B)
estão contidos na outra componente. Pela maximalidade de A e B, f (p) = p e f (q) = q. Além
disso, nenhum outro ponto pode ser fixo. Por exemplo, se y ∈ A, então f (y) ∈ f (A) e A e f (A)
são, a menos do ponto p, disjuntos.
Figura 1.4: Pontos fixos de um homeomorfismo que inverte a orientação.
Se f : S1→ S1 é um homeomorfismo que possui um ponto periódico, podemos determinar
a dinâmica de qualquer ponto de S1. Por exemplo, se y é um ponto periódico de f de período
k, então, y é um ponto fixo do homeomorfismo f k. Logo, a órbita de f k(x) converge para um
ponto fixo de f k, para qualquer x, ou seja, para um ponto periódico de período k de f . Logo,
ω(x) é uma órbita de período k de f .
Para estudarmos o caso em que f não possui pontos periódicos (portanto preserva a orien-
tação) vamos precisar de outros conceitos, que desenvolveremos a seguir.
1.2.1 Aplicações de Primeiro Retorno
Definição 1.7. Seja f : J→ J uma função e I ⊂ J um intervalo fechado tal que para todo x ∈ I
existe um inteiro positivo n tal que f n(x) ∈ I. Definimos a aplicação de primeiro retorno de f
a I como a função
R( f ) = f n(x)(x),
32
onde n(x) = min{n ∈ Z,n > 0; f n(x) ∈ I}.
Sejam J = [a,b], f ∈ S(J) e c = c( f ), tal que f não possui pontos periódicos em J. Note
que o interior de J \{c} possui duas componentes conexas J′ e J′′, tais que
f (J′)⊂ J′′ e f (J′′)⊃ J′.
Nosso próximo objetivo é determinar o menor inteiro positivo n tal que a intersecção f n(J′)∩J′
seja não vazia.
Suponha que J′ está à esquerda de J′′, ou seja, J′ = (a,c) e J′′ = (c,b). Sejam
p0 = f (a) = f (b) e p j = f j(p0), j > 0.
Como f |J′ é contínua e injetora, a imagem de J′ = (a,c) por f também é um intervalo aberto, a
saber (p0,b). Se p0 ∈ J′′, como f |J′′ também é contínua e injetora, a imagem de (p0,b) por f
também é um intervalo, e f ((p0,b)) = (p1, p0). Prosseguindo dessa forma, se p0, p1, . . . , pk ∈J′′, então (pk+1, pk),(pk, pk−1), . . . ,(p1, p0),(p0,b) são intervalos abertos adjacentes. Note que
f j(J′) = (p j−1, p j−2), para j ≥ 2. Afirmamos que existe um inteiro a( f ) tal que f a( f )+1(J′)∩J′ 6=∅.
Figura 1.5: Exemplo de f ∈ S(J), com a( f ) = 4.
De fato, suponha que tal inteiro não exista. Então, os pontos p j formam uma sequência
estritamente decrescente em J′′, que é limitada inferiormente por c. Logo essa sequência é
convergente. Seja p = lim j→∞ p j. Então
f (p) = f ( limj→∞
p j) = f ( limj→∞
f j(p0)) = limj→∞
f j+1(p0) = limj→∞
p j+1 = p.
Absurdo, pois por hipótese f não possui pontos fixos.
33
Seja J( f ) o fecho de f a( f )+1(J′)∪ J′, que é um intervalo fechado (na figura anterior, por
exemplo, J( f ) é o intervalo [a, p3]). Queremos determinar a aplicação de primeiro retorno R( f )
de f a J( f ). Vamos analisar dois casos.
Se c está no fecho de f a( f )(J′), então c é o ponto inicial desse intervalo, ou seja, c= pa( f )−1.
Consequentemente, f a( f )+1(J′) = f ((c, pa( f ))) = (a,c) = J′. Logo, nesse caso a aplicação de
primeiro retorno de f a J( f ) = [a,c] é justamente f a( f )+1. Além disso, a e c são pontos fixos
dessa aplicação.
Agora suponha que c não está no fecho de f a( f )(J′). Então c pertence ao interior
de f a( f )+1(J′) e J( f ) = [a, pa( f )−1]. Note que J( f )∩ J′′ = (c, pa( f )−1] e f ((c, pa( f )−1]) =
(a, pa( f )] ⊂ J( f ). Logo, a restrição de R( f ) ao subconjunto J( f )∩ J′′ é justamente a função
f . Além disso, veja que f a( f )+1([a,c)) = [pa( f ), pa( f )−1) ⊂ J( f ) e que f i([a,c))∩ J( f ) = ∅para i < a( f )+ 1 . Logo, a restrição de R( f ) ao subconjunto (c, pa( f )−1] é a função f a( f )+1.
Observe que a função R( f ) : J( f )→ J( f ) possui as seguintes propriedades:
• R( f )(a) = f a( f )+1(a) = f a( f )(p0) = pa( f ) = f (pa( f )−1) =R( f )(pa( f )−1);
• c é o único ponto de descontinuidade de R( f ), e c pertence ao interior de J( f );
• R( f ) é monótona crescente em cada componente conexa de J( f )\{c};
• limx→c+R( f )(x) = a e limx→c−R( f )(x) = pa( f )−1.
Concluímos então que R( f ) ∈ S(J( f )). Assim, podemos definir intervalos J( f )′ e J( f )′′ de
forma análoga a que fizemos com J′ e J′′, e continuar esse processo indutivamente.
Lembre-se que supomos no início J′ = (a,c) e J′′ = (c,b). Se considerarmos J′ = (c,b) e
J′′ = (a,c), fazendo as modificações devidas, obteríamos os mesmos resultados. Vamos forma-
lizar na proposição seguinte os resultados que obtivemos, pois os usaremos sistematicamente a
seguir. Ressaltaremos as restrições das funções a J′ ou a J′′, para facilitar adiante a obtenção
das propriedades dos das funções ϕn.
Proposição 1.8. Sejam f ∈ S(J) sem pontos fixos, c = c( f ) e sejam J′ e J′′ as componentes
conexas de J \{c} tais que f (J′)⊂ J′′ e f (J′′)⊃ J′. Seja a( f ) o menor inteiro positivo tal que
J′ e f a( f )+1(J′) tem um ponto em comum. Seja J( f ) o fecho de f a( f )+1(J′)∪ J′. Então,
1. a( f ) é o menor inteiro positivo tal que o fecho de J′∪ f (J′)∪·· ·∪ f a( f )+1(J′) cobre J;
2. Se f a( f )(J′) contém c em seu fecho, então f a( f )+1(J′) = J′ = J( f ), e f a( f )+1(c) = c; a
aplicação de primeiro retorno R( f ) de f a J( f ) é igual a f a( f )+1, e possui pontos fixos
nos extremos de J( f );
34
3. Caso contrário, J( f ) contém estritamente J′, R( f )|J′ = f |a( f )J′′ ◦ f |J′ e R( f )|J( f )∩J′′ = f |J′′ .
Além disso, R( f ) ∈ S(J( f )), c( f ) = c(R( f )), e R( f ) leva o intervalo J′′ ∩ J( f ) em
J′ = J′∩ J( f ).
Obtemos anteriormente o número a( f ) como o menor número inteiro positivo tal que
f a( f )+1(J′)∩ J′ 6= ∅. Repetindo o raciocínio anterior, obteremos uma sequência de números
(an)n∈N de forma similar a feita para a( f ). Os números an serão os quocientes da fração contí-
nua do número de rotação de f , que será definido na Seção 1.4.
Seja f ∈ S(J). Defina J0 = J,ϕ0 : J0→ J0,ϕ0 = f e a1 = ∞, se f possui pontos fixos. Caso
contrário, vamos considerar dois casos:
• Se J′ está à esquerda de J′′: a1 = 1,J1 = J e ϕ1 = f ;
• Se J′ está à direita de J′′: a1 = a( f )+1,J1 = J(ϕ0) = J( f ) e ϕ1 =R(ϕ0) =R( f ).
Supondo que J1,J2, . . . ,Jn−1 e ϕ1,ϕ2, . . . ,ϕn−1 estão definidos e que ϕn−1 : Jn−1→ Jn−1 não
tem pontos fixos, vamos definir indutivamente o intervalo Jn, a aplicação de primeiro retorno
ϕn a Jn, e o inteiro an da seguinte forma:
Jn = J(ϕn−1), ϕn =R(ϕn−1) : Jn→ Jn, an = a(ϕn−1).
Se ϕn−1 possui pontos fixos, definimos an = ∞ e interrompemos o processo.
Veja que, se J′ está à direita de J′′, e as funções ϕi, i = 1, . . . ,n, então
a1 = a( f )+1, ϕ1 =R( f ),
a2 = a(R( f )), ϕ2 =R2( f ),
a3 = a(R2( f )), ϕ3 =R3( f ),...
an = a(Rn−1( f )), ϕn =Rn( f ),
e se J′ está à esquerda de J′′,
a1 = 1, ϕ1 = f ,
a2 = a( f ), ϕ2 =R( f ),
a3 = a(R( f )), ϕ3 =R2( f ),...
an = a(Rn−2( f )), ϕn =Rn−1( f ).
35
Note que se J ⊃ I1⊃ I2 e r1 : I1→ I1 é a aplicação de primeiro retorno de f a I1 e r2 : I2→ I2
é a aplicação de primeiro retorno de r1 a I2, então r2 também é a aplicação de primeiro retorno
de f a I2. Assim, como ϕn é a aplicação de primeiro retorno de ϕn−1 a Jn, também é a aplicação
de primeiro retorno de ϕn−1 a esse intervalo e, por indução, de f . Em particular, se f não possui
pontos periódicos, ϕn não possui pontos fixos, para todo n, e o processo de obtenção de Jn,ϕn e
an nunca termina.
Se J′ está à direita de J′′, ϕ1 = R( f ),J1 = J( f ) e, pela Proposição 1.8, ϕ1(J1 ∩ J′′) =
R( f )(J1∩ J′′) ⊂ J′, ou seja, o interior da componente conexa esquerda de J1 \{c} é levada na
componente direita. Agora, se J′ está à esquerda de J′′, ϕ1 = f ,J1 = J e, pela definição de J′ e
J′′, ϕ1(J′) = f (J′)⊂ J′′. Assim, em qualquer caso o interior da componente conexa esquerda de
J1 \{c} é levada na componente direita por ϕ1. Vamos denotar por J′n o interior da componente
esquerda de Jn \ {c}, se n é ímpar, ou da componente direita, se n é par. O interior da outra
componente será denotado por J′′n .
Observe que
J′n = J′′n−1∩ Jn e J′′n = J′n−1∩ Jn = J′n−1.
Aplicando repetidas vezes o terceiro item da Proposição 1.8, como a ordem de J′n eJ′′n é alterada
a cada passo, concluímos que a função ϕn leva J′n em J′′n , para todo n em que ϕn está definida,
justificando nossa notação para o interior de cada componente conexa de Jn \{c}. Pela mesma
Proposição,
ϕn|J′′n =R(ϕn−1)|J′n−1= ϕ
a(ϕn−1)n−1 |J′′n−1
◦ϕn−1|J′n−1
e
ϕn|J′n =R(ϕn−1)|J′′n−1∩Jn = ϕn−1|J′′n−1.
Note que cada função ϕn é um iterado da função f , mas definida de uma forma no intervalo
J′n, e de outra no intervalo J′′n . A seguir daremos a forma explícita de ϕn como iterado de f .
Proposição 1.9. Sejam
q0 = 1, q1 = a1 e qn+1 = qn−1 +an+1qn, para n≥ 1,
onde an = a(ϕn−1). Então,
ϕn|J′n = f qn−1 e ϕn|J′′n = f qn.
Demonstração. Faremos a demonstração por indução. Para n = 1 precisamos considerar dois
casos. Se J′ está à direita de J′′, então a1 = a( f )+ 1,J1 = J( f ),ϕ1 = R( f ),J′1 = J′′ ∩ J( f ) e
36
J′′1 = J′. Assim,
ϕ1|J′1 =R( f )|J′′∩J( f ) = f |J′′ = f = f q0
e
ϕ1|J′′1 =R( f )|J′ = f |a( f )J′′ ◦ f |J′ = f a( f )+1 = f a1 = f q1.
Se J′ está à esquerda de J′′, então a1 = 1,J1 = J e ϕ1 = f . Assim,
ϕ1|J′1 = f = f q0 e ϕ1|J′′1 = f = f a1 = f q1.
Logo, a fórmula é válida para n = 1. Supondo que seja válida para n = k, vamos verificar que
ela continua válida para n = k+1. Com efeito,
ϕk+1|J′′k+1= (ϕk|J′′k )
a(ϕk) ◦ (ϕk|J′k) = f qka(ϕk) ◦ f qk−1 = f qkak+1+qk−1 = f qk+1,
e
ϕk+1|J′k+1= ϕk|J′′k = f qk .
Mais tarde veremos que qn é o denominador da fração que é o n-ésimo convergente do
número de rotação de f . Usando a Proposição 1.9, iremos dar a seguir a representação explícita
de Jn, J′n e J′′n , para n≥ 3.
Proposição 1.10. Para n≥ 3,
• Jn = [ f qn(c), f qn−1(c)], J′n = ( f qn(c),c), J′′n = (c, f qn−1(c)), se n é ímpar;
• Jn = [ f qn−1(c), f qn(c)], J′n = (c, f qn(c)), J′′n = ( f qn−1(c),c), se n é par.
Demonstração. Provaremos apenas o caso n ímpar, já que o outro é similar. Como ϕn ∈ S(Jn),
para determinarmos os extremos de Jn basta calcularmos os limites limites limx→c+ ϕn(x) e
limx→c− ϕn(x), que coincidem com os extremos inferior e superior de Jn, respectivamente, pela
definição de S(Jn). Mas ϕn|J′n = f qn−1 e ϕn|J′′n = f qn e, como J′n está à esquerda de J′′n (pois n é
ímpar), então
limx→c+
ϕn(x) = limx→c+
f qn(x) e limx→c−
ϕn(x) = limx→c−
f qn−1(x).
Agora, observe que f qn e f qn−1 são contínuas em c. De fato, se não fossem, como c é
o único ponto de descontinuidade de f , então f qn−1(c) = c e, consequentemente, o limite
limx→c+ f qn(x) coincide com um dos extremos do intervalo J. Absurdo, pois para n ≥ 2 os
37
extremos de Jn são distintos dos extremos de J. Logo, f qn é contínua em c. Pelo mesmo
motivo, f qn−1 é contínua em c, de forma que podemos calcular os limites laterais
limx→c+
ϕn(x) = limx→c+
f qn(x) = f qn(c) e limx→c−
ϕn(x) = limx→c−
f qn−1(x) = f qn−1(c).
Logo, Jn = [ f qn(c), f qn−1(c)]. Concluímos a demonstração observando que J′n está à esquerda
de J′′n , já que n é ímpar.
Com pequenas modificações as fórmulas da Proposição 1.10 também são válidas para n= 1
e n = 2.
Proposição 1.11. A união dos conjuntosqn−1−1⋃
i=0
f i(J′n) eqn−1⋃i=0
f i(J′′n ) é formadas por intervalos
dois a dois disjuntos e o fecho dessa união é igual ao intervalo J.
Demonstração. Inicialmente, note que, por construção, os intervalos J′n+1, ϕn(J′n),
ϕ2n (J′n), . . . ,ϕ
a(ϕn)n (J′n) são disjuntos, adjacentes, e seu fecho é justamente J′′n , a menos dos pon-
tos extremos.
Demonstraremos a Proposição por indução. Se J′ está à esquerda de J′′, então a1 = q1 =
1,J1 = J,J′1 = J′ e J′′1 = J′′ e o resultado é imediato, já que a união do enunciado é justamente
J′ ∪ J′′. Agora, se J′ está à direita de J′′, a1 = q1 = a( f )+ 1,J1 = J( f ),J′1 = ( f a( f )+1(c),c)
e J′′1 = J′. Assim, a união do enunciado é igual a J′1 ∪a( f )⋃i=0
f i(J′), e o resultado segue pela
observação anterior. Logo, a Proposição é válida para n = 1.
Suponha agora que o resultado seja válido para a união
qn−1−1⋃i=0
f i(J′n)∪qn−1⋃i=0
f i(J′′n ) (1.1)
Lembrando que J′n = J′′n+1 e
J′′n ⊂ J′n+1∪a(ϕn)⋃i=1
ϕin(J′n) = J′n+1∪
an+1−1⋃i=0
f iqn+qn−1(J′n)
e J′′n difere da união da direita apenas pelos pontos dos extremos dos intervalos ϕ in(J′n), então o
fecho de 1.1 coincide com o fecho de
qn−1−1⋃i=0
f i(J′′n+1)∪qn−1⋃i=0
f i
(J′n+1∪
an+1−1⋃j=0
f jqn+qn−1(J′n)
). (1.2)
38
Agora,
qn−1⋃i=0
f i
(J′n+1∪
an+1−1⋃j=0
f jqn+qn−1(J′n)
)=
qn−1⋃i=0
f i(J′n+1)∪qn−1⋃i=0
f i
(an+1−1⋃
j=0
f jqn+qn−1(J′n)
)e
qn−1⋃i=0
f i
(an+1−1⋃
j=0
f jqn+qn−1(J′n)
)=
=qn−1⋃i=0
f i(
f qn−1(J′n)∪ f qn+qn−1(J′n)∪ f 2qn+qn−1(J′n)∪·· ·∪ f (an+1−1)qn+qn−1(J′n))
=qn−1⋃i=0
f i+qn−1(J′n)∪qn−1⋃i=0
f i+qn+qn−1(J′n)∪·· ·∪qn−1⋃i=0
f i+(an+1−1)qn+qn−1(J′n)
=
an+1qn+qn−1−1⋃i=qn−1
f i(J′n)
=
qn+1−1⋃i=qn−1
f i(J′n).
Logo, 1.2 pode ser reescrita como
qn−1−1⋃i=0
f i(J′′n+1)∪qn−1⋃i=0
f i(J′n+1)∪qn+1−1⋃i=qn−1
f i(J′n) =qn+1−1⋃
i=0
f i(J′′n+1)∪qn−1⋃i=0
f i(J′n+1),
o que conclui a demonstração.
1.2.2 Dinâmica Simbólica em S(J)
Nesta Seção associaremos a cada função f em S(J) uma sequência de símbolos que repre-
sentará a posição de f n(c( f )) em relação a c( f ). Mostraremos que se f ,g∈ S(J) e ai( f )= ai(g),
para todo i, então as sequências desses símbolos associadas a f e a g são iguais (Proposição
1.14). Esse resultado será necessário para podemos exibir uma semiconjugação entre f e a
rotação Rρ( f ) na demonstração do Teorema de Poincaré (Teorema 1.25).
Seja Σ = {E,c,D}N, ou seja, o conjunto das sequências de símbolos (xn)n∈N = (x0,x1, . . .),
onde x j ∈ {E,c,D}, para todo j ∈ N. Seja f ∈ S(J) e x ∈ J. O itinerário de x com respeito a f
39
é a sequência (i f (x)) = (i0(x), i1(x), . . .), onde
i j(x) =
E, se f j(x)< c( f );
c, se f j(x) = c( f );
D, se f j(x)> c( f ).
Em Σ vamos considerar a seguinte ordem (lexicográfica): se (xn),(yn) ∈ Σ, então (xn) ≺ (yn)
quando existe k ∈ N tal que x j = y j, para j < k, e xk < yk, considerando que os símbolos
{E,c,D} estão ordenados da seguinte forma: E < c < D. Por exemplo, (E,E,D,c,D,E, . . .)≺(E,E,D,D,E,D, . . .).
Lema 1.12. Sejam f ∈ S(J) e x,y ∈ J. Então:
1. x < y =⇒ (i f (x))4 (i f (y));
2. (i f (x))≺ (i f (y)) =⇒ x < y;
3. (i f ( f j(x))) = σ j((i f (x))),∀ j ∈ Z, j ≥ 0, onde σ((x0,x1,x2, . . .)) = (x1,x2, . . .).
Demonstração.
1. Suponha que (i f (x)) 6= (i f (y)). Então existe k ∈ N tal que i j(x) = i j(y), para j =
0,1, . . . ,k− 1 e ik(x) 6= ik(y). Em particular, f j(x) e f j(y) estão na mesma componente
conexa de J \{c( f )}, para todo j = 0,1, . . . ,k−1. Como f é monótona crescente nessa
componente, f k também é monótona crescente. Logo, f k(x) < f k(y) =⇒ ik(x) < ik(y)
e, portanto, (i f (x))≺ (i f (y)).
2. Como (i f (x))≺ (i f (y)), existe k∈N tal que i j(x)= i j(y), para j = 0,1, . . . ,k−1, e ik(x)<
ik(y). Logo, f k(x)< f k(y) e f k−1(x) e f k−1(y) estão na mesma componente conexa de J\{c( f )}. Como f é monótona crescente nessa componente, segue que f k−1(x)< f k−1(y).
Agora, como f k−1 também é monótona crescente nessa componente, concluímos que
x < y.
3. Inicialmente note que ik( f j(x)) = ik+ j(x). Assim,
(i f ( f j(x))) = (i0( f j(x)), i1( f j(x)), i2( f j(x)), . . .)
= (i j(x), i j+1(x), i j+2(x), . . .)
= σj(i0(x), i1(x), i2(x), . . .)
= σj((i f (x))).
40
Sejam J = [a,b], f ∈ S(J) e c = c( f ). Defina as sequências K+( f ) e K−( f ) ∈ Σ por
K+( f ) = (D,E) · (i f ( f 2(c)))
e
K−( f ) = (E,D) · (i f ( f 2(c))),
onde (y1,y2, . . . ,ym) · (xn) denota a sequência (y1,y2, . . . ,ym,x0,x1,x2, . . .).
Vamos denotar (x0,x1,x2, . . . ,xm−1) por (xn)m. Defina também (xn)1m = (xn)m e, para k≥ 1,
(xn)km = (xn)m · (xn)
k−1m . Por exemplo, se (xn) = (D,c,c,E,D, . . .), então (xn)3 = (D,c,c) e
(xn)23 = (D,c,c,D,c,c).
Lema 1.13. Seja f ∈ S(J) sem pontos periódicos. Então, para n≥ 1,
K+( f )q2n+2 = K+( f )q2n · (K+( f )q2n+1)
a2n+2
e
K+( f )q2n+1 = K+( f )q2n−1 · (K−( f )q2n)
a2n+1.
Demonstração. Para a primeira igualdade, basta provar que
i f ( f q2n+iq2n+1(c))q2n+1 = K+( f )q2n+1 ,
para todo i= 0, . . . ,a2n+2−1. Pela Proposição 1.10, J′2n+1 = ( f q2n+1(c),c) e J′′2n+1 = (c, f q2n(c))
e pela Proposição 1.11 a união(q2n−1⋃
i=0
f i(( f q2n+1(c),c))
)∪
(q2n+1−1⋃
i=0
f i((c, f q2n(c)))
)
é densa em J e formada por intervalos disjuntos dois a dois. Em particular, f i((c, f q2n(c)])∩( f q2n+1(c), f q2n(c)) = ∅, para todo i ∈ {1,2, . . . ,q2n+1− 1}. Como f q2n(c) > c (Proposição
1.10), segue que (i f (x))q2n+1 = K+( f )q2n+1,∀x ∈ (c, f q2n(c)]. Agora, como ϕ i2n+1(J
′2n+1) ⊂
J′′2n+1,∀i ∈ {1, . . . ,a2n+2},ϕ2n+1|J′2n+1= f q2n e ϕ2n+1|J′′2n+1
= f q2n+1 , então f q2n+iq2n+1(c) ∈(c, f q2n(c)],∀i ∈ {0, . . . ,a2n+2− 1}, de onde segue a primeira igualdade. A segunda igualdade
é demonstrada de maneira análoga.
A primeira igualdade do Lema 1.13 continua válida para n = 0 se trocarmos o segundo
símbolo do lado direito da igualdade de D por E. Para mostrarmos isso, vamos considerar dois
41
casos. Primeiro, se J′ está à esquerda de J′′, então a1 = 1,a2 = a( f ) e, portanto, q0 = 1,q1 = 1
e q2 = a( f )+1. Assim, K+( f )q0 = K+( f )q1 = D e
K+( f )q2 = (D,E) ·Dq2−2 = K+( f )q0 · (K+( f )q1)
a2,
a menos do segundo símbolo.
Agora suponha que J′ está à direita de J′′. Nesse caso, a1 = a( f )+1 e a2 = a(R( f )). Logo,
K+q1( f ) = (D,E) ·Ea1−2 = D ·Eq1−1.
Como K+q0( f ) = D,K+
q1( f ) = D · Eq1−1 e K+
q2( f ) = (D,E) · (i f ( f 2(c)))q2−2, então as expres-
sões coincidem até o termo q1, a menos do segundo símbolo. Supondo que J = [a,b], então
J1 = [ f q1(c),b],J′1 = ( f q1(c),c) e J′′1 = (c,b). Pela Proposição 1.9, ϕ1|J′1 = f e ϕ1|J′′1 = f q1 .
Além disso, ϕ i(J′1) ⊂ J′′1 ,∀i ∈ {1, . . . ,a2}. Logo, f iq1+1(c) ∈ J′′1 ,∀i ∈ {0, . . . ,a2}. Como
i f ( f 2(c))q1−1 = i f ( f 2(x))q1−1, para todo x ∈ [c,b), segue que i f ( f q0+iq1(c))q1 = K+( f )q1, para
todo i ∈ {1, . . . ,a2−1}. Logo, também neste caso,
K+( f )q2 = K+( f )q0 · (K+( f )q1)
a2,
a menos do segundo símbolo.
A próxima Proposição é o principal resultado desta Seção. A recíproca dela também é
válida (veja (MELO; STRIEN, 1993), p. 21).
Proposição 1.14. Se f ,g ∈ S(J) não possuem pontos periódicos e ai( f ) = ai(g), para todo
i≥ 1, então K+( f ) = K+(g).
Demonstração. Como ai( f ) = ai(g), então qn( f ) = qn(g), para todo n ≥ 0. Como a1( f ) =
a1(g), então J′( f ) e J′(g) estão na mesma posição em relação a J′′( f ) e J′′(g), respectivamente.
Suponha que J′ está à esquerda de J′′. Então a1 = 1,a2 = a( f ) = a(g) e, portanto, q0 = 1,q1 = 1
e q2 = a( f )+ 1 = a(g)+ 1. Assim, K+( f )q0 = K+( f )q1 = D = K+(g)q0 = K+(g)q1 e, pela
observação anterior, K+( f )q2 = K+(g)q2 . Consequentemente, K−( f )q2 = K−(g)q2 e, pelo
Lema 1.13, K+( f )q3 = K+(g)q3 . Continuando esse processo, concluímos que K+( f )qn =
K+(g)qn,∀n ≥ 0, logo K+( f ) = K+(g). Se J′ está à direita de J′′, demonstramos de forma
análoga.
42
1.3 Rotações
Seja α ∈ [0,1). Definimos a rotação pelo ângulo α em S1 como
Rα : S1 → S1
x 7→ x+α mod 1.
Como fizemos antes, podemos identificar as rotações com funções em S(J), tomando como J o
intervalo [0,1].
Na Seção 1.2.1, associamos a cada função f ∈ S(J) (e em particular, às rotações) as sequên-
cias de números inteiros (an) e (qn). Nesta Seção fixaremos α ∈ [0,1) e também associaremos
à rotação Rα uma sequência (pn). Como dissemos antes, qn será denominador da fração irre-
dutível que é o n-ésimo convergente da fração contínua do número de rotação de f . O número
pn será o numerador dessa fração.
Sejam
θ0 = α e θn o comprimento do intervalo J′n.
Na próxima Proposição veremos que é possível cobrir [0,1] com qn−1 intervalos de tamanho θn
e qn intervalos de tamanho θn−1, todos adjacentes. Isso é consequência da Proposição 1.11.
Proposição 1.15. Para todo n≥ 1 vale
θnqn−1 +θn−1qn = 1.
Demonstração. Se α ∈ (0,1/2), então J′ = (c,1) e J′′ = (0,c), onde c = c(Rα) = 1−α . Além
disso, a1 = a(Rα) + 1 e J1 = J(Rα). Assim, α(a(Rα) + 1) + θ1 = a1θ0 + θ1 = 1. Agora,
se α ∈ (1/2,1), J′ = (0,c) e J′′ = (c,1). Nesse caso, a1 = 1,J1 = J e, consequentemente,
J′1 = J′ = 1−α . Portanto, também nesse caso, θ0 +θ1 = a1θ0 +θ1 = 1.
Para n≥ 1, como por construção J′n+1 = J′′n \ (ϕn(J′n)∪ ·· ·∪ϕan+1n (J′n)), e J′n−1 = J′′n , então
θn+1 = θn−1−an+1θn. Pela Proposição 1.11, o fecho de(⋃qn−1−1
i=0 Ri(J′n))∪(⋃qn−1
i=0 Ri(J′′n ))
é
igual a [0,1], e os intervalos são disjuntos dois a dois. Como os intervalos da primeira união
têm comprimento θn, e os da segunda θn−1, segue que para todo n≥ 1 vale
θnqn−1 +θn−1qn = 1.
43
Definição 1.16. Seja α ∈ [0,1). Definimos os números pn (associados a α) da seguinte forma:
p0 = 0, p1 = 1 e pn = bαqnc, para n > 1,
onde b·c é a função máximo inteiro, definida por
bxc= max{n ∈ Z;n≤ x}.
Figura 1.6: Gráfico da função máximo inteiro.
A seguir vamos verificar algumas relações aritméticas que existem entre os números pn e
qn.
Proposição 1.17. Para todo n≥ 1 vale
(−1)nθn = αqn− pn.
Demonstração. Observe que para n ímpar, o intervalo J′n é da forma (Rqnα (c),c). Logo,
θn = c−Rqnα (c) = c− (c+αqn) mod 1 = (−αqn) mod 1.
Assim,
−θn = (αqn) mod 1 = αqn− pn.
Para n par, temos J′n = (c,Rqnα (c) e, portanto,
θn = Rqnα (c)− c = (αqn) mod 1 = αqn− pn.
44
Proposição 1.18. Para n > 1,
pn+1 = an+1 pn + pn−1.
Demonstração. Lembrando que para n > 1, qn+1 = an+1qn + qn−1 (conforme definimos na
Proposição 1.9) então, pela Proposição 1.17,
pn+1 = αqn+1− (−1)n+1θn+1
= α(qn−1 +an+1qn)− (−1)n+1(θn−1−an+1θn)
= an+1(αqn− (−1)nθn)+(αqn−1− (−1)n+1)θn−1
= an+1 pn + pn−1.
Proposição 1.19. Para todo n≥ 0,
qn+1 pn−qn pn+1 = (−1)n+1.
Demonstração. Para n = 0,
q1 p0−q0 p1 = a1 ·0−1 ·1 =−1.
Para n≥ 1, pela Proposição 1.15, θnqn−1 +θn−1qn = 1. Logo,
qn+1 pn−qn pn+1 = qn+1(αqn− (−1)nθn)−qn(αqn+1− (−1)n+1
θn+1)
= (−1)n+1(qn+1θn +qnθn+1)
= (−1)n+1.
A Proposição 1.19 nos diz, em particular, que pn e qn são primos entre si para todo n > 1,
pois qualquer fator comum entre pn e qn deveria dividir ±1. Diremos quepn
qné o n-ésimo
convergente de α . Essa denominação é justificada pela próxima Proposição:
Proposição 1.20. Os convergentes de α estão ordenados da seguinte forma:
p2
q2<
p4
q4< · · ·< α < · · ·< p3
q3<
p1
q1.
Demonstração. Pela Proposição 1.17,
α− pn
qn= (−1)n θn
qn.
45
Assim, comoθn
qné positivo, então para n par
pn
qnestá à esquerda de α e para n ímpar
pn
qnestá à
direita de α . Além disso, pela Proposição 1.19,∣∣∣∣ pn+1
qn+1− pn
qn
∣∣∣∣= ∣∣∣∣qn+1 pn−qn pn+1
qnqn+1
∣∣∣∣= ∣∣∣∣(−1)n+1
qnqn+1
∣∣∣∣= 1qnqn+1
. (1.3)
Como a sequência (qn)n∈N é estritamente crescente, segue que as distâncias entre os pontospn+1
qn+1e
pn
qndiminuem a cada passo, o que conclui a demonstração.
A próxima Proposição nos mostrará que os convergentespn
qnsão as melhores aproximações
racionais para α , isto é, para que a desigualdade∣∣∣∣α− pq
∣∣∣∣< ∣∣∣∣α− pn
qn
∣∣∣∣seja verdadeira, necessariamente o denominador q deve ser maior que qn.
Proposição 1.21. Seja q ∈ Z tal que 0 < q < qn. Então, para todo p ∈ Z∣∣∣∣α− pq
∣∣∣∣> ∣∣∣∣α− pn
qn
∣∣∣∣ .Demonstração. Seja I o intervalo determinado pelos pontos
pn
qne
pn+1
qn+1. Como
pn
qné irredutível
e q < qn, entãopq6= pn
qn. Assim,
∣∣∣∣ pq − pn
qn
∣∣∣∣= ∣∣∣∣ pqn− pnqqnq
∣∣∣∣≥ 1qnq
>1
qnqn+1=
∣∣∣∣ pn+1
qn+1− pn
qn
∣∣∣∣= |I|.Da mesma forma,
∣∣∣∣ pq − pn+1
qn+1
∣∣∣∣ > |I|. Logo, a distância depq
a qualquer ponto do intervalo I é
maior do que o comprimento desse intervalo. Como α ∈ I e∣∣∣∣ pn
qn−α
∣∣∣∣< |I|, segue o resultado.
Devido a forma como construímos as aplicações de primeiro retorno dos homeomorfismos
do círculo, parece natural que as aplicações de primeiro retorno Rn(Rα) da rotação Rα aos in-
tervalos Jn também sejam rotações, já que em cada componente conexa de Jn \{c} a aplicação
Rn(Rα) é uma composição de rotações. Porém, o ângulo da rotação original não é preser-
vado, necessariamente, nas aplicações de primeiro retorno. A seguir vamos calcular qual é este
ângulo.
Suponha inicialmente que α ∈ (0,1/2]. Neste caso, J′′ = (0,c) está à direita de J′ = (c,1)
46
e
J(Rα) = [Ra(Rα )+1α (c),1] = [(1−α +(a(Rα)+1)α) mod 1,1] = [αa(Rα),1].
Além disso, como |J′|= α e Rα é uma isometria, então a(Rα) é o maior inteiro tal que
(a(Rα)+1)α < 1 =⇒ a(Rα)+1 < 1/α,
ou seja,
a(Rα)+1 =
⌊1α
⌋.
Figura 1.7: Aplicação de primeiro retorno de Rα em J(Rα), para α ∈ (0,1/2].
Para obtermos o ângulo α ′ basta mudarmos a escala do quadrado da figura anterior cons-
truído com base no intervalo J(Rα) para que ele se transforme em um quadrado com lados de
comprimento 1. Assim, não é difícil ver que o ângulo α ′ é dado por:
α′ =
1− c1−αa(Rα)
=α
1−α
(⌊1α
⌋−1) =
11α−(⌊
1α
⌋−1) =
1G(α)+1
,
onde G : [0,1)→ [0,1) é a Transformação de Gauss definida por
G(x) =
1x−⌊
1x
⌋, se x 6= 0;
0, se x = 0.
Analogamente, para o caso α ∈ (1/2,0) temos
J(Rα) = [0,Ra(Rα )+1α (c)] = [0,1− (a(Rα)+1)(1−α)].
Além disso, J′ tem comprimento c e a(Rα) é o menor inteiro tal que (a(Rα)+ 1)c < 1 =⇒
47
Figura 1.8: Gráfico da Transformação de Gauss.
a(Rα) =
⌊1c
⌋−1. Assim, o ângulo α ′ da aplicação R(Rα) é dado por
α′ =
1−a(Rα)(1−α)− (1−α)
1−a(Rα)(1−α)=
1−(⌊
1c
⌋−1)
c− c
1−(⌊
1c
⌋−1)
c=
1c−⌊
1c
⌋1c−⌊
1c
⌋+1
=G(1−α)
G(1−α)+1.
Procedendo dessa forma, podemos obter todos os ângulos α(n) relativos as aplicações de
primeiro retorno ϕn : Jn→ Jn. Note que, se α ∈ (0,1/2) então α ′ ∈ (1/2,1) e se α ∈ (1/2,1)
então α ′ ∈ (0,1/2). Para α ∈ (0,1/2], J′ está à direita de J′′ e, conforme vimos, α(1) = α ′ =1
G(α)+1e a1 = a( f )+1 =
⌊1α
⌋. Para α ∈ (1/2,1), J′ está à esquerda de J′′ e, por definição
a1 = 1 e ϕ1 = f . Mas note que nesse caso⌊
1α
⌋= 1, de forma que a1 =
⌊1α
⌋e α(1) =
α =1
G(α)+1também para α ∈ (1/2,1). Além disso, α(1) ∈ (1/2,1). Pelas observações
anteriores, α(2) ∈ (0,1/2) e, por indução, α(n) ∈ (1/2,1) para n ímpar e αn ∈ (0,1/2) para n
par.
De uma forma geral, os ângulos α(n) são determinados pela seguinte fórmula:
α(n+1) =
G(1−α(n))
1+G(1−α(n)), se n é ímpar;
11+G(α(n))
, se n é par.
A prova pode ser feita por indução. Já mostramos que essa fórmula é válida para n = 0.
Supondo que ela é válida para n = k, vamos mostrar que continua válida para n = k+1. Se k é
ímpar, então α(k) ∈ (1/2,1). Logo, α(k+1) = α(k)′ =G(1−α(k))
1+G(1−α(k)). Analogamente, para
48
k par, α(k) ∈ (0,1/2) e, portanto, α(k+1) = α(k)′ =1
1+G(α(k)).
Outra forma de calcular os ângulos α(n) é a seguinte:
α(n) =
1
1+Gn(α)∈ (1/2,1), se n é ímpar;
Gn(α)
1+Gn(α)∈ (0,1/2), se n é par.
Com efeito, para n = 1 a fórmula claramente é válida. Se n = k é par,
α(k+1) =1
1+G(α(k))=
1
1+G(
Gk(α)
1+Gk(α)
) =1
1+Gk+1(α),
e se n = k é ímpar,
α(k+1) =G(1−α(k)
1+G(1−α(k))=
G(
1− 11+Gk(α)
)1+G
(1− 1
1+Gk(α)
) =Gk+1(α)
1+Gk+1(α).
Nosso próximo objetivo é determinar uma fórmula para os termos an relativos à rotação Rα .
Proposição 1.22. Para todo n≥ 1,
an =
⌊1
Gn−1(α)
⌋.
Demonstração. Para demonstrarmos a Proposição vamos usar a relação
a(Rα) =
⌊
1α
⌋−1, se a ∈ (0,1/2];⌊
11−α
⌋−1, se a ∈ (1/2,1),
que mostramos anteriormente. Já vimos que a1 =
⌊1α
⌋. Para n≥ 2, se n par, então α(n−1) ∈
(1/2,1) e, portanto,
an = a(Rα(n−1)) =
⌊1
1−α(n−1)
⌋−1 =
1
1− 11+Gn−1(α)
−1 =
⌊1
Gn−1(α)
⌋.
Se n é ímpar, então α(n−1) ∈ (0,1/2) e
an = a(Rα(n−1)) =
⌊1
α(n−1)
⌋−1 =
⌊1+Gn−1(α)
Gn−1(α)
⌋−1 =
⌊1
Gn−1(α)
⌋,
49
o que conclui a demonstração.
Dada uma rotação Rα , mostramos como determinar os termos an relativos a essa rotação,
que denotaremos por an(α). Uma pergunta natural que surge é a seguinte: dada uma sequência
(bn)n∈N de números naturais, existe α ∈ (0,1) tal que an(α) = bn, para todo n? Mostraremos
que a resposta é afirmativa.
De fato, observe que{α ∈ (0,1);a1(α) =
⌊1α
⌋= b1
}=
(1
b1 +1,
1b1
]= Eb1.
Além disso, o intervalo Eb1 é levado sobrejetivamente em [0,1) por G. Logo, existe um intervalo
Eb1b2 ⊂ Eb1 tal que G(Eb1b2) = Eb2 . Note que, para todo α ∈ Eb1b2 , a1(α) = b1 e a2(α) =⌊1
G(α)
⌋= b2. Prosseguindo dessa forma, obtemos uma sequência de intervalos encaixados
Eb1 ⊃ Eb1b2 ⊃ Eb1b2b3 ⊃ ·· · ⊃ Eb1b2...bn
definidos por
Eb1b2...bn = {α ∈ [0,1];ai(α) = bi, para todo 1≤ i≤ n}.
Em particular, se existem infinitos termos b1,b2, . . . , então a intersecção ∩∞i=1Eb1,...,bi é não
vazia e constituída por um único ponto α , que, como vimos, necessariamente é irracional. Na
Proposição 3.2 mostraremos que os intervalos Eb1b2...bn são dados por[
pn
qn,
pn + pn−1
qn +qn−1
), se n é
par, e por(
pn + pn−1
qn +qn−1,
pn
qn
], se n é ímpar, onde
pk
qk= [0;b1,b2, . . . ,bk].
Figura 1.9: Gráfico de G2(x) restrito a [12 ,1] e representação dos intervalos E1, E1,1 e E1,2.
50
1.4 Número de Rotação e Frações Contínuas
Na Seção 1.3 vimos como os termos an, pn e qn relativos a rotações estão relacionados. Na
verdade, indiretamente estávamos provando algumas propriedades aritméticas da expansão de
números reais em fração contínua.
Uma fração contínua é uma expressão da forma
n0 +1
n1 +1
n2 +1
n3 +1
. . . +1nk
,
com ni ∈ Z, para todo i, e ni > 0, para i 6= 0. Essa expressão pode ser finita ou não. Por
brevidade, denotaremos essa fração por [n0;n1,n2, . . . ,nk].
Seja α ∈ (0,1) e considere a rotação Rα . Vamos mostrar por indução que, para todo número
positivo x, vale
[0;a1,a2, . . . ,an,x] =xpn + pn−1
xqn +qn−1.
De fato, lembrando que p0 = 0, p1 = 1,q0 = 1 e q1 = a1, para n = 1 temos
[0;a1,x] =1
a1 +1x
=x
a1x+1=
xp1 + p0
xq1 +q0.
Supondo agora que a fórmula seja válida para n = k, então
[0;a1,a2, . . . ,ak,ak+1,x] = [0;a1,a2, . . . ,ak,ak+1 +1/x]
=(ak+1 +1/x)pk + pk−1
(ak+1 +1/x)qk +qk−1
=pk+1 + pk/xqk+1 +qk/x
=xpk+1 + pk
xqk+1 +qk.
Como caso particular dessa fórmula, temos
[0;a1, . . . ,ak] =ak pk−1 + pk
akqk−1 +qk=
pk
qk.
Dizemos quepk
qké o k-ésimo convergente da fração contínua [0;a1,a2, . . . ,an]. Agora, pela
51
Proposição 1.20, limk→∞
pk
qk= α , de forma que
α =1
a1 +1
a2 +1
a3 +1. . .
,
ou seja, os termos ak são justamente os coeficientes da expansão em fração contínua de α , isto
é, o ângulo da rotação.
Por outro lado, podemos obter os termos a1,a2, . . . para qualquer homeomorfismo do cír-
culo, não apenas para as rotações, e também ordená-los em uma fração contínua:
Definição 1.23. Seja f ∈ S(J) com termos an definidos como na Seção 1.2.1. O número de
rotação de f é o número definido pela fração contínua
ρ( f ) = [0;a1,a2, . . . ,an, . . . ],
se todos inteiros an são finitos e
ρ( f ) = [0;a1,a2, . . . ,an],
se an+1 = ∞, que ocorre quando f tem pontos periódicos. Se a1 = ∞, ou seja, f tem pontos
fixos, definimos ρ( f ) = 0.
Como acabamos de mostrar, o número de rotação de uma rotação Rα é justamente α . Além
disso, se α for racional, todos os pontos em [0,1] são periódicos e a expansão em fração contínua
de α é finita. O número de rotação é o principal objeto de estudo deste trabalho, e será usado
extensivamente de agora em diante.
Provaremos agora um último lema que será necessário para a demonstração do Teorema de
Poincaré (Teorema 1.25), que será enunciado e provado logo em seguida.
Lema 1.24. Seja R uma rotação de ângulo irracional α , e c = c(R). Então, dados n,m ∈ Zpositivos, os itinerários (iR(Rn(c))) e (iR(Rm(c))) são iguais se, e somente se, n = m.
Demonstração. Suponha, por absurdo, que n 6=m e (iR(Rn(c))) = (iR(Rm(c))). Note que, como
α é irracional, Rn(c) 6= Rm(c). Sem perda de generalidade, suponha que Rn(c) < Rm(c) e seja
β = |Rn(c)−Rm(c)|.
Como (iR(Rn(c))) = (iR(Rm(c))), então Rn+k(c) e Rm+k(c) estão na mesma componente
conexa de [0,1]\{c}. Além disso, como R preserva a orientação, Rn+k(c)< Rm+k(c).
52
Agora, como O+R (Rn(c)) é densa, existe k0 > 0 tal que c−Rn+k0(c)< β . Mas como R é uma
isometria, teríamos ik0(Rn(c)) = E e ik0(R
m(c)) = D, o que contraria a hipótese dos itinerários
serem iguais.
O próximo Teorema é um dos principais resultados deste Capítulo. Ele nos mostrará que se
f ∈ S(J) tem número de rotação irracional, então existe uma semiconjugação topológica entre
f e a rotação de ângulo ρ( f ).
Teorema 1.25 (Poincaré). Se f ∈ S(J) não tem pontos periódicos, então existe uma única
rotação R ∈ I([0,1]) e uma função h : J→ [0,1] contínua, monótona e sobrejetora tal que
h◦ f = R◦h.
Dizemos que h é uma semiconjugação entre f e R. Escrevendo R(x) = (x+α) mod 1, então
α é irracional e ρ( f ) = α .
Demonstração. Seja α o número de rotação de f e considere a rotação Rα . Como ai( f ) está
definido para todo i≥ 1 e ai( f ) = ai(Rα), então
α =1
a1 +1
a2 +1
a3 +. . .
é irracional. Logo, Rα também não possui pontos periódicos e, pela Proposição 1.14, K+( f ) =
K+(Rα).
Defina a função
h : O+f (c( f )) → O+
Rα(c(Rα))
f n(c( f )) 7→ Rnα(c(R)).
Vamos mostrar que h é não decrescente. Com efeito, se f n(c( f ))< f m(c( f )) ∈O+f (c( f )), pelo
Lema 1.12,
(i f ( f n(c( f ))))4 (i f ( f m(c( f ))))
e, como K+( f ) = K+(Rα),
(iRα(Rn
α(c(Rα)))4 (iRα(Rm
α(c(Rα))).
Se (iRα(Rn
α(c(Rα))))≺ (iRα(Rm
α(c(Rα)))), pelo mesmo Lema,
Rnα(c(Rα))< Rm
α(c(Rα)),
53
e se (iRα(Rn
α(c(Rα)))) = (iRα(Rm
α(c(Rα)))), pelo Lema 1.24,
Rnα(c(Rα)) = Rm
α(c(Rα)).
Logo, h( f n(c( f )))≤ h( f m(c( f ))).
Como a órbita O+Rα(c(Rα)) é densa em [0,1], podemos estender h a uma função contínua
h : F → [0,1], onde F é o fecho de O+f (c( f )). Mostraremos que também podemos estender h a
uma função contínua em J.
Suponha que J \F 6=∅. Seja (x,y) uma componente conexa de J \F . Como h é monótona
crescente, h(x) ≤ h(y). Se h(x) < h(y), como O+Rα(c(Rα)) é densa em [0,1], existe n tal que
h(x) < Rnα(c(Rα)) < h(y). Mas isso implicaria que x < f n(c( f )) < y, o que é um absurdo, já
que a órbita de c( f ) não intercepta I. Logo, h(x) = h(y). Definindo h(z) = h(x), para todo z ∈(x,y), estendemos h continuamente para o intervalo I. Procedendo dessa forma, estendemos h
continuamente para todo J e, observando que h possui as propriedades desejadas no enunciado,
concluímos que h é uma semiconjugação topológica entre Rα e f .
Observe que a semiconjugação h : J→ [0,1] também pode ser encarada como uma função
do círculo h : S1 → S1, usando uma identificação similar à feita na página 29. Além disso, h
tem grau 1, como mostraremos na próxima Proposição:
Proposição 1.26. Seja h : S1→ S1 uma função contínua, monótona, sobrejetora e que preserva
a orientação. Então deg(h) = 1.
Demonstração. Como h preserva a orientação e é sobrejetora, devemos ter deg(h) > 0. Supo-
nha, por absurdo, que deg(h) = n > 1. Então, tomando um levantamento h : R→R de h, temos
para todo x ∈ Rh(x+1) = h(x)+n,
e em particular
h(1) = h(0)+n.
A função h é contínua e monótona não-decrescente, já que h preserva a orientação. Logo,
existem 0 < x1 < x2 < · · ·< xn−1 < 1 tais que h(xi) = h(0)+ i. Por outro lado,
h(0) = h◦π(0) = π ◦ h(0) = π(h(0)+ i) = π ◦ h(xi) = h◦π(xi) = h(xi),
para todo i = 1, . . . ,n−1. Como h é monótona, segue que h é constante em [0,xn−1] e, conse-
quentemente, seu levantamento h também é constante nesse mesmo intervalo, o que contraria o
fato que h(xi) = h(0)+ i.
54
Pela Proposição 1.2, os levantamentos de h são da forma Id+ϕ , onde ϕ é periódica de
período 1. Usaremos esse fato para dar uma nova caracterização para o número de rotação no
Capítulo 2.
1.5 Conjugações Topológicas
Dizemos que dois homeomorfismos f ,g ∈ Dif0+(S1) : S1 são topologicamente conjugados
se existe um homeomorfismo h ∈ Dif0+(S1) tal que
h◦ f = g◦h.
No Teorema 1.25 mostramos que se ρ( f ) = α ∈ R \Q, então f é semiconjugada a Rα . Nesta
Seção provaremos que se f ∈ Dif1+(S1) com derivada de variação limitada (em particular, se
f ∈Dif2+(S1)), então a semiconjugação na verdade é uma conjugação topológica. Esse resultado
é devido a Denjoy (DENJOY, 1932).
Seja f ∈ Dif0+(S1) com ρ( f ) = α ∈ R \Q. Tomando z ∈ S1 qualquer, vamos definir o
conjunto K = ω(z). Como K é o conjunto ω-limite de z por f , então K é fechado, não vazio
e positivamente invariante por f . Se K 6= S1, considere o conjunto A = S1 \K, que também
é positivamente invariante. Como f é um homeomorfismo, cada componente conexa de A é
levada por f em outra componente conexa de A. Além disso, os iterados dessa componente
por A são duas a duas disjuntas, pois caso contrário f teria pontos periódicos, como vimos
na demonstração da Proposição 1.4. Assim, dado y ∈ A, ω(y) ⊂ ω(z) e α(y) ⊂ ω(z). Como
escolhemos z de forma arbitrária, segue que
K = ω(z) = α(z),∀z ∈ S1.
Assim, K é um conjunto fechado, invariante, não-vazio, e não existem subconjuntos próprios
de K com essas três propriedades. Dizemos que K é um conjunto minimal.
Note que K não possui pontos isolados (K é perfeito ), pois, se x ∈ K fosse isolado, então
x 6∈ ω(x), por exemplo, contrariando a minimalidade de K. Vamos mostrar que K também é
totalmente desconexo. De fato, supondo que existam y ∈ K e ε > 0 tal que Bε(y) ⊂ K, como
todo ponto de K é ponto de acumulação da órbita de y e f i(Bε(y)) é aberto, segue que todos
os pontos de K são interiores. Logo, K é aberto e fechado e, pela conexidade de S1, segue
que K = S1, o que contraria nossa hipótese. Conjuntos perfeitos e totalmente desconexos são
chamados conjuntos de Cantor. Resumindo:
Proposição 1.27. Seja f ∈ Dif0+(S1) com ρ( f ) = α ∈ R\Q. Então, f tem um único conjunto
55
minimal K em S1. Se K possui pontos interiores, K = S1. Caso contrário, K é um conjunto de
Cantor.
A seguir veremos que uma condição equivalente a existir uma conjugação entre uma apli-
cação f e uma rotação de ângulo irracional, é que o conjunto minimal de f seja S1.
Proposição 1.28. Seja g ∈ Dif0+(S1) com ρ( f ) = α ∈ R \Q. Então, g é conjugada a uma
rotação (de ângulo irracional) se, e somente se, seu conjunto minimal K for S1.
Demonstração. Suponha que g seja conjugada a uma rotação R. Então, existe um homeomor-
fismo h : S1→ S1 tal que h◦g = R◦h e, consequentemente, h◦gn = Rn◦h. Em particular, h leva
órbitas de g em órbitas de R. Note que, como g não possui pontos periódicos, necessariamente
o ângulo da rotação deve ser irracional. Assim, as órbitas de R são densas em S1 e, como h é
um homeomorfismo, segue que as órbitas de g também são densas em S1.
Reciprocamente, suponha que ω(z) = S1, para todo z ∈ S1. Considere a rotação R de
ângulo ρ(g) e a semiconjugação h entre g e R, que existe pelo Teorema 1.25. Devemos provar
que h é injetora. Suponha, por absurdo, que isso não seja verdade. Então, existe um intervalo
J ⊂ S1 tal que h(J) = {x}. Porém, como a órbita de qualquer ponto por g é densa em S1,
existem pontos gi(z) e g j(z) distintos em J, mas com h◦gi(z) = h◦g j(z) e, consequentemente,
Ri ◦h(z) = R j ◦h(z). Absurdo, pois R não possui pontos periódicos.
Pela Proposição anterior, se f é conjugada a uma rotação irracional, então não existe ne-
nhum intervalo J em S1 tal que J, f (J), f 2(J), . . . sejam dois a dois disjuntos. Agora, se f é
conjugada a uma rotação de ângulo racional, então f possui pontos periódicos e, se eventual-
mente J, f (J), . . . forem dois a dois disjuntos, ω(J) é uma órbita periódica de f . Isso motiva a
seguinte definição:
Definição 1.29. Dizemos que J é um intervalo errante de f se:
i) os intervalos J, f (J), f 2(J), . . . são dois a dois disjuntos;
ii) o conjunto ω-limite de J não é uma órbita periódica de f .
Note que, pela Proposição 1.28, se f ∈ Dif0+(S1) com ρ( f ) ∈ R \Q é conjugada a uma
rotação, então f não possui intervalos errantes. Reciprocamente, se f não possui intervalos
errantes, então seu conjunto minimal K é S1 e, pela mesma Proposição, f é conjugada a uma
rotação. Isso prova a seguinte Proposição:
56
Proposição 1.30. Seja f ∈ Dif0+(S1) com ρ( f ) ∈ R\Q. Então, f é conjugado a uma rotação
se, e somente se, f não possui intervalos errantes.
A seguir, vamos considerar N como o intervalo [0,1] ou S1. Seja f : N→ N uma aplicação
de classe C1. Se T ⊂ N é um intervalo tal que D f (x) 6= 0,∀x ∈ T , definimos a distorção de f
em T como
Dist( f ,T ) = supx,y∈T
log|D f (x)||D f (y)|
.
Observe que se o gráfico de f em T for um segmento de reta, então Dist( f ,T ) = 0. A demons-
tração do Teorema de Denjoy (Teorema 1.33) será baseada no controle da distorção da função
em certos intervalos.
Lema 1.31. Seja f : N→ N uma aplicação tal que a restrição de f ao intervalo T ⊂ N seja um
difeomorfismo de classe C1. Então,
Dist( f n,T )≤n−1
∑i=0
Dist( f , f i(T )).
Demonstração. Sejam x,y ∈ T . Pela regra da cadeia,
D( f n(x)) = D f ( f n−1)(x)D( f n−1)(x)
= D f ( f n−1(x))D f ( f n−2(x))D f n−3(x)...
=n−1
∏i=0
D f ( f i(x))
Assim,
log|D( f n(x))||D( f n(y))|
= logn−1
∏i=0
|D f ( f i(x))||D f ( f i(y))|
=n−1
∑i=0
log|D f ( f i(x))||D f ( f i(y))|
,
e como f i(x) e f i(y) ∈ f i(T ),
Dist( f n,T ) = supx,y∈T
log|D( f n(x))||D( f n(y))|
= supx,y∈T
n−1
∑i=0
log|D f ( f i(x))||D f ( f i(y))|
≤n−1
∑i=0
Dist( f , f i(T )).
Dada uma função f : D→ R, definimos a variação de f no intervalo [a,b]⊂ D como
Var( f , [a,b]) = sup
{n−1
∑i=0| f (xi)− f (xi+1)|;a = x0 < x1 < · · ·< xn = b
}.
Se Var( f , [a,b]) < ∞, dizemos que f é de variação limitada em [a,b]. Definimos o conjunto
57
Dif1+vl+ (S1) como
Dif1+vl+ (S1) = { f ∈ Dif1
+(S1);D f é de variação limitada}.
Vamos agora demonstrar um Corolário do Lema 2.4, que usaremos logo em seguida.
Corolário 1.32. Seja f : N → N uma função de classe C1 tal que a aplicação x 7→log |D f (x)| tenha variação limitada por C. Então, para qualquer intervalo T ⊂ N tal que
T, f (T ), . . . , f n−1(T ) são dois a dois disjuntos temos
Dist( f n,T )≤C.
Demonstração. Note que
Dist( f ,J) = supx,y∈J
log|D f (x)||D f (y)|
= supx,y∈J
log(|D f (x)|)− log(|D f (y)|)≤ Var(log(|D f |),J),
ou seja, a distorção de f no intervalo J é limitada pela variação de log(|D f |) nesse intervalo.
Assim,
Dist( f n,T )≤n−1
∑i=0
Dist( f , f i(T ))≤n−1
∑i=0
Var(log(|D f |), f i(T ))≤ Var(log(|D f |),N)≤C.
Usando os resultados obtidos no restante do Capítulo, agora poderemos demonstrar o prin-
cipal resultado desta Seção, e último Teorema deste Capítulo:
Teorema 1.33 (Denjoy). Se f ∈ Dif1+vl+ (S1) com ρ( f ) = α ∈ R \Q, então f é C0-conjugada
à Rα .
Demonstração. Pela Proposição 1.30 basta mostrar que f não tem intervalos errantes. Suponha
então, por absurdo, que exista um intervalo errante de f em S1. Pelo Teorema 1.25, existe uma
semiconjugação h entre f e a rotação R de ângulo ρ( f ). Além disso, pela Proposição 1.30, h
não é um homeomorfismo, ou seja, existe um intervalo J ⊂ S1 tal que a imagem de J por h é um
único ponto x. Note que, como h◦ f = R◦h, então h◦ f n(J) = Rn ◦h(J) = Rn(x). Como R não
possui pontos periódicos, segue que os pontos Rn(x) são todos distintos. Consequentemente,
suas pré-imagens por h, f n(J), são disjuntas.
Sejapn
qno n-ésimo convergente de ρ( f ). Defina T como o menor intervalo de S1\ f qn(J) que
contém J e f−qn(J). Observe que h(T ) é o intervalo limitado por x e f−qn(x), que não contém
f qn(x). Seja I o interior desse intervalo. Lembre-se que os intervalos J′n definidos na Seção 1.2.1
58
eram da forma (c, f qn(c)) ou ( f qn(c),c). Assim, podemos identificar R com uma função em
S(J), com J′n = I e aplicar a Proposição 1.11, para concluir que os intervalos I,R(I), . . . ,Rqn−1(I)
são dois a dois disjuntos. Consequentemente, suas pré-imagens por h, também são disjuntas.
Além disso, as pré-imagens por h dos fechos dos intervalos I,R(I), . . . ,Rqn−1(I), ou seja, os
intervalos T, f (T ), . . . , f qn−1(T ), também são disjuntos, já que, como observamos, f n(J) são
intervalos dois a dois disjuntos.
Como D f é de variação limitada e a função logaritmo é crescente, então a aplicação x 7→log |D f (x)| também tem variação limitada, digamos, por V . Pelo Corolário 1.32, Dist( f qn,T )≤V . Por outro lado, pelo Teorema do Valor Médio de Lagrange (veja (LIMA, 2008), p. 272),
existem a ∈ J e b ∈ f−qn(J) tais que
|D f qn(a)|= | fqn(J)||J|
e |D f qn(b)|= |J|| f−qn(J)|
.
Assim,
V ≥ Dist( f qn,T )≥ log|D f qn(b)||D f qn(a)|
= log|J|2
| f qn(J)| · | f−qn(J)|. (1.4)
Por outro lado, como os intervalos f i(J) são disjuntos, devemos ter lim|n|→∞
| f n(J)| = 0. As-
sim, fazendo n→∞, o membro direito de 1.4 vai para ∞, logo não pode ser limitada por V .
59
2 Critérios de Cr-conjugação
No Capítulo 1 identificamos os homeomorfismos do círculo com funções em S(J). A partir
de agora, por razões práticas, mudaremos nossa abordagem, passando a estudar não diretamente
os homeomorfismos do círculo, mas sim seus levantamentos em R. O conjunto dos levantamen-
tos das funções em Difr+(S1) será denotado por Dr(S1). Como os levantamentos são funções de
R em R isso nos possibilitará usar todas as ferramentas disponíveis da análise real.
Definiremos o número de rotação para as funções em Dr(S1) que, em certo sentido, é equi-
valente a definição que demos para as funções em Difr+(S1). Estudaremos propriedades da
função
f 7→ ρ( f )
e buscaremos critérios para determinar se f ∈ Dr(S1) é ou não Cr-conjugada a uma rotação.
Tais critérios serão usados com frequência ao longo do texto.
Este Capítulo é baseado nos Capítulos I, II, III e IV de (HERMAN, 1979).
2.1 Funções de Classe Cr
Se r ≥ 0 é inteiro, dizemos que f : R→ R é de classe Cr se é r-vezes diferenciável e Dr f
é contínua. Podemos generalizar a classe de diferenciabilidade para r ≥ 0 não inteiro usando o
conceito de funções Hölder contínuas.
Definição 2.1. Uma função ϕ : R→R é Hölder contínua de expoente β , β ∈ (0,1) (ou satisfaz
a condição de Hölder de expoente β ), se existe k ≥ 0 tal que, para todo x,y ∈ R vale
|ϕ(x)−ϕ(y)| ≤ k|x− y|β .
Se r ≥ 0 (não necessariamente inteiro) diremos que f é de classe Cr se for de classe Cbrc e
se sua brc-ésima derivada for Hölder contínua de expoente r−brc. Diremos que f é de classe
C∞ se for de classe Cr, para todo r, e que é de classe Cω se for real analítica , isto é, se f é de
60
classe C∞ e para todo x0 ∈ R existe uma vizinhança aberta Vx0 de x0 tal que, para todo x ∈Vx0 ,
o valor de f em x coincide com sua série de Taylor
f (x) =∞
∑n=0
f (n)(x0)
n!(x− x0)
n.
Salvo menção em contrário, escreveremos 0 ≤ r ≤ ω para dizer que r é um inteiro não
negativo, r =+∞ ou r = ω . As notações 0≤ r ≤+∞, 0≤ r < ∞, etc. serão usadas de maneira
análoga.
Para r inteiro, 0≤ r ≤ ω , denotaremos por Cr(S1) o conjunto
Cr(S1) = {ϕ : R→ R de classe Cr tal que ϕ é periódica, de período 1}.
Como mostramos no Capítulo 1, as funções f ∈ Difr+(S1) são aplicações de grau 1 e, pela
Proposição 1.2, seus levantamentos f podem ser escritos como Id+ϕ , com ϕ ∈Cr(S1). Deno-
taremos por Dr(S1) o conjunto dos levantamentos das funções de Difr+(S1):
Dr(S1) = { f : R→ R; f é um difeomorfismo de classe Cr e f − Id = ϕ ∈Cr(S1)}.
Figura 2.1: Exemplo de f ∈ Difr+(S1) e alguns levantamentos de f , ao lado.
2.1.1 Topologias em Cr(S1) e Dr(S1)
No espaço de funções Cr(S1),0≤ r < ∞, definimos a norma | |Cr da seguinte forma:
• se r = 0, |ϕ|C0 = |ϕ|0 = maxx∈R|ϕ(x)|;
• se r é inteiro e r > 0, |ϕ|Cr = |ϕ|0 + · · ·+ |Drϕ|0;
61
• se 0≤ r < 1, |ϕ|r = maxx 6=y
|ϕ(x)−ϕ(y)||x− y|r
é uma seminorma em Cr(S1) e definimos |ϕ|Cr =
|ϕ|0 + |ϕ|r.
Observe que a norma | |Cr induz uma métrica em Cr(S1),
dr( f ,g) = | f −g|Cr ,
de forma que podemos considerar a topologia induzida por essa métrica em Cr(S1). Chamare-
mos essa topologia de topologia Cr.
Em C∞(S1) consideraremos a topologia C∞, que é obtida pela união das topologias induzi-
das pelas inclusões
C∞(S1)→Cr(S1),
com r < ∞. Em Cω(S1) também consideraremos a topologia C∞. Para mais detalhes sobre essas
topologias, veja (CERF, 1961).
Note que se f ,g ∈ Dr(S1), então f −g ∈Cr(S1). Logo, para 0 ≤ r < ∞ também podemos
considerar a métrica dr( f ,g) = | f −g|Cr , se r é inteiro, e se r ≥ 1 não é inteiro, definimos
dr( f ,g) = | f −g|Cbrc+ |Dbrc( f −g)|Cr−brc.
Essas métricas munem o espaço Dr(S1) da topologia Cr. Em D∞(S1) e Dω(S1) consideraremos
a topologia C∞.
2.2 Número de Rotação
Na Seção 1.4 definimos o número de rotação para as funções em Dif0+(S1) via frações con-
tínuas. A seguir definiremos o número de rotação para as funções em D0(S1). Como veremos,
as duas definições são basicamente equivalentes, diferindo apenas por um número inteiro.
Considere uma função f ∈ Dif0+(S1) com número de rotação α e seja h a semiconjugação
entre f e a rotação Rα . Note que a translação Tα(x) = x+α é um levantamento da rotação Rα
em R. Assim, se f e h são levantamentos de f e de h, então
h◦ f ◦π = Rα ◦h◦π
h◦π ◦ f = Rα ◦π ◦ h
π ◦ h◦ f = π ◦Tα ◦ h,
onde π(x) = x mod 1 é a projeção canônica de R em R/Z. Logo, existe um k ∈ Z tal que, para
62
todo x ∈ R, h◦ f (x) = Tα ◦ h(x)+ k. Note que
h◦ f 2(x) = h◦ f ( f (x)) = Tα ◦ h( f (x))+ k = T 2α ◦ f (x)+2k
e, indutivamente, h ◦ f n(x) = T nα ◦ h(x) + nk. Como mostramos na Proposição 1.26, a semi-
conjugação h é uma aplicação de grau 1, e consequentemente seu levantamento h é da forma
h = Id+ϕ , onde ϕ é uma função periódica de período 1. Assim,
h( f n(x)) = f n(x)+ϕ( f n(x)) = nα + x+ϕ(x)+nk,
e, portanto,
α =f n(x)+ϕ( f n(x))− x−ϕ(x)−nk
n.
Mas como ϕ é limitada, então
α = limn→∞
f n(x)− xn
+ k.
Observe que o limite
limn→∞
f n(x)− xn
existe, independe de x e a menos do inteiro k também independe da escolha do levantamento f
de f . Além disso,
π
(limn→∞
f n(x)− xn
)= α = ρ( f ).
Assim, podemos definir o número de rotação não diretamente para as funções f ∈ Dif0+(S1),
mas sim para seus levantamentos f ∈ D0(S1). Por abuso de notação, denotaremos esse número
também por ρ( f ), que é definido da seguinte forma:
Definição 2.2. Sejam f ∈D0(S1) e fixe um ponto x em S1 qualquer. O número de rotação de f
é definido como
ρ( f ) = limn→∞
f n(x)− xn
.
Se f ∈ D0(S1) e π ◦ f = f ∈ Dif0+(S1) é sua projeção em S1, o Teorema de Krylov-
Bogolyubov (veja o Apêndice C, Teorema C.1) garante a existência de uma medida de pro-
babilidade µ invariante por f . Na Proposição 2.5 daremos uma caracterização para o número
de rotação por meio de medidas invariantes, que será útil para nós. Para prová-la precisaremos
dos próximos dois Lemas:
Lema 2.3. Seja f ∈ D0(S1) tal que f = Id+ϕ , com ϕ ∈C0(S1). Então, para todo k ∈ N,
f k = Id+k−1
∑i=0
ϕ ◦ f i.
63
Demonstração. A demonstração é feita por indução. Para k = 1 é óbvio. Supondo que o
resultado seja válido para k = n−1,
f k = f ◦ f k−1
= (Id+ϕ)◦
(Id+
k−2
∑i=0
ϕ ◦ f i
)
= Id+k−2
∑i=0
ϕ ◦ f i +ϕ ◦
(Id+
k−2
∑i=0
ϕ ◦ f i
)
= Id+k−2
∑i=0
ϕ ◦ f i +ϕ ◦ f k−1
= Id+k−1
∑i=0
ϕ ◦ f i.
Lema 2.4. Seja f = Id+ϕ ∈ D0(S1). Sejam M = maxx∈R
ϕ(x) e m = minx∈R
ϕ(x). Então,
M−m < 1.
Demonstração. Sejam xm e xM ∈ R tais que ϕ(xm) = m,ϕ(xM) = M,xm ≤ xM e xM− xm < 1
(podemos tomar xm e xM dessa forma pois ϕ é periódica de período 1). Lembre-se que f é
estritamente crescente e tem grau 1, de forma que f (x+1) = 1+ f (x), para todo x ∈R. Assim,
f (xm +1) = 1+ f (xm)> f (xM),
pois xM < xm +1. Logo, f (xM)− f (xm)< 1. Assim,
xM +M− (xm +m)< 1 =⇒ M−m < 1− (xM− xm)< 1.
Proposição 2.5. Seja f = Id+ϕ ∈D0(S1), e f = π ◦ f sua projeção em S1. Seja µ uma medida
de probabilidade em S1 invariante por f . Então,
ρ( f ) =∫S1
ϕdµ.
Demonstração. Se ϕ ∈C0(S1), vamos denotar por µ(ϕ) a integral
µ(ϕ) =∫S1
ϕdµ.
Observe que f k− Id−kµ(ϕ) ∈C0(S1). Afirmamos que µ( f k− Id−kµ(ϕ)) = 0, para todo
64
k ∈ N. De fato, como µ é invariante por f , para todo i ∈ N temos∫S1
ϕ ◦ f idµ =∫S1
ϕdµ
(veja o Apêndice C, Teorema C.2). Assim, usando o Lema 2.3 obtemos
µ( f k− Id−kµ(ϕ)) = µ
(k−1
∑i=0
ϕ ◦ f i− kµ(ϕ)
)
=k−1
∑i=0
∫S1
ϕ ◦ f idµ− kµ(ϕ)∫S1
dµ
= kµ(ϕ)− kµ(ϕ)
= 0.
Na penúltima igualdade usamos o fato que µ é invariante por f e que∫S1
dµ = 1, já que µ é
uma medida de probabilidade.
Como f k− Id−kµ(ϕ) é contínua e µ( f k− Id−kµ(ϕ)) = 0, então a função f k− Id−kµ(ϕ)
possui um zero em R. Além disso, pelo Lema 2.4,
maxx∈R
( f k− Id−kµ(ϕ))(x)−minx∈R
( f k− Id−kµ(ϕ))(x)< 1,
de forma que
maxx∈R
( f k− Id−kµ(ϕ))(x) = | f k− Id−kµ(ϕ)|0 < 1.
Assim, ∣∣∣∣ f k− Idk−µ(ϕ)
∣∣∣∣0<
1k.
Fazendo k→+∞,f k− Id
kconverge uniformemente para µ(ϕ). Logo, µ(ϕ) = ρ( f ).
Na demonstração da Proposição anterior, também demonstramos os seguintes fatos:
Proposição 2.6. Se ρ( f ) = α , então, para todo k ∈ N:
a) f k−Rkα se anula em ao menos um ponto xk ∈ R, ou seja, R−kα ◦ f k possui um ponto fixo;
b) | f k− Id−kα|0 < 1.
2.2.1 Propriedades do Número de Rotação
Nesta Seção provaremos algumas propriedades da função f 7→ ρ( f ). Uma propriedade que
não é difícil de ser provada é a continuidade dessa função.
65
Proposição 2.7. A função ρ : D0(S1)→ R é contínua na topologia C0.
Demonstração. Basta observar que ρ( f ) é o limite uniforme das funções contínuas
f 7→ f k− Idk
.
Usando a Proposição 2.5 podemos verificar que as propriedades provadas para o número de
rotação para homeomorfismo do círculo no Capítulo 1 também são válidas para o número de
rotação dos levantamentos. Por exemplo,
ρ(Rα) = α,
para toda rotação (ou translação) Rα(x) = x+α e, se p ∈ Z,
ρ(Rp ◦ f ) = p+ρ( f ).
Além disso, ρ é invariante por semiconjugações.
Proposição 2.8. Sejam f e g ∈D0(S1) e h = Id+ϕ , com ϕ ∈C0(S1) (h não é necessariamente
um homeomorfismo). Se h◦ f = g◦h, então ρ( f ) = ρ(g).
Demonstração. Se h◦ f = g◦h, então para todo n ∈ N temos h◦ f n = gn ◦h, e, portanto,
f n +ϕ ◦ f n = gn ◦h−h+h
f n− Id+ϕ ◦ f n = (gn− Id)◦h+(h− Id)f n− Id
n+
ϕ ◦ f n
n=
(gn− Id)◦hn
+ϕ
n.
Fazendo n→+∞, como ϕ é periódica,
ρ( f ) = limn→∞
f n− Idn
= limn→∞
(gn− Id)◦hn
= ρ(g).
Em particular, se f é semiconjugada a Rα , então ρ( f ) = α .
Proposição 2.9. Se f e g ∈ D0(S1) comutam, então ρ( f ◦g) = ρ( f )+ρ(g).
Demonstração. Podemos escrever f e g da forma f = Id+ϕ e g = Id+ψ , com ϕ e ψ ∈C0(S1).
Sejam f e g suas projeções em S1. Como f e g comutam, existe uma medida de probabilidade
66
µ sobre S1 invariante por f e por g (veja o Apêndice C, Teorema C.3). Note que
f ◦g = (Id+ϕ)◦ (Id+ψ) = Id+ψ +ϕ ◦g.
Pela Proposição 2.5,
ρ( f ◦g) = µ(ψ +ϕ ◦g) = µ(ψ)+µ(ϕ) = ρ( f )+ρ(g).
Corolário 2.10. Se ρ( f ) = α , então ρ( f n) = nα , para todo n ∈ N.
As translações Rp(x) = x+ p para p ∈ Z possuem uma importante propriedade que usare-
mos constantemente ao longo do texto: elas comutam com qualquer função em Dr(S1).
Proposição 2.11. Se f : R→ R é da forma f = Id+ϕ , onde ϕ é periódica de período 1, então
f comuta com Rp, para todo p ∈ Z, onde Rp(x) = x+ p.
Demonstração. Dado x ∈ R,
f ◦Rp(x) = f (x+ p)
= (Id+ϕ)(x+ p)
= x+ p+ϕ(x+ p)
= x+ p+ϕ(x)
= p+ f (x)
= Rp ◦ f (x).
Considere duas funções contínuas g1 e g2 em R. Note que se g1 e g2 são estritamente
crescentes e g1 < g2 (isto é, g1(x)< g2(x), para todo x ∈ R), então, para todo x e y ∈ R tal que
x≤ y temos
g21(x) = g1(g1(x))≤ g1(g2(x))≤ g1(g2(y))< g2
2(y).
Por indução,
gn1(x)< gn
2(y),
para todo n ∈ Z maior ou igual a 1. Usaremos esse fato para demonstrarmos as duas próximas
proposições.
67
Proposição 2.12. Dada f ∈ Dr(S1), defina
h : R → R
λ 7→ ρ(Rλ ◦ f ).
A função h é continua, não decrescente e h(R) = R.
Demonstração. A função h é contínua pela continuidade de ρ . Pela observação anterior, para
todo λ1 < λ2 e n ∈ N, (Rλ1 ◦ f )n < (Rλ2 ◦ f )n. Logo,
ρ(Rλ1 ◦ f ) = limn→∞
(Rλ1 ◦ f )n− Idn
≤ limn→∞
(Rλ2 ◦ f )n− Idn
= ρ(Rλ2 ◦ f ).
Logo, h é não decrescente. Além disso, pelas Proposições 2.9 e 2.11 para todo p ∈ Z temos,
ρ(Rp ◦ f ) = ρ(Rp)+ρ( f ) = p+ρ( f ),
de forma que h é sobrejetora.
Proposição 2.13. Para todo inteiro n positivo,
a) Rλ ◦ f n ≤ (Rλ ◦ f )n, se λ > 0;
b) (Rλ ◦ f )n ≤ Rλ ◦ f n, se λ < 0.
Demonstração. Demonstraremos apenas o primeiro item, já que o segundo é análogo. A pro-
posição é óbvia para n = 1. Supondo que seja válida para n−1, como f < Rλ ◦ f ,
Rλ ◦ f n−1 ≤ (Rλ ◦ f )n−1 =⇒ Rλ ◦ f n−1 ◦ f ≤ (Rλ ◦ f )n−1 ◦ (Rλ ◦ f ) ⇐⇒ Rλ ◦ f n ≤ (Rλ ◦ f )n.
2.3 Conjugação para ρ( f ) ∈Q
Considere uma função f ∈ Dr(S1), 0 ≤ r ≤ ω , com número de rotação racional. Nesta
Seção daremos um critério para verificar se f é Cr-conjugada a uma rotação. Além disso,
obteremos uma fórmula explícita para essa conjugação.
Proposição 2.14. Sejam 0≤ r≤ω e f ∈Dr(S1), com ρ( f ) =pq∈Q. Então, f é Cr-conjugada
à Rp/q se, e somente se, f q = Rp.
68
Demonstração. Suponha que f = g−1 ◦Rp/q ◦g, com f ,g ∈ Dr(S1). Então,
f 2 = g−1 ◦Rp/q ◦g◦g−1 ◦Rp/q ◦g = g−1 ◦R2p/q ◦g,
e por indução,
f q = g−1 ◦Rqp/q ◦g = g−1 ◦Rp ◦g = Rp,
já que Rp comuta com g, para p ∈ Z.
Reciprocamente, se f q = Rp, defina
g =1q
q−1
∑i=0
(f i− i
pq
).
Se f ∈ Dr(S1), pelo Teorema da Função Inversa (veja (LIMA, 2010), p. 15) g é um difeomor-
fismo de classe Cr. Além disso, note que
g(x+1)=1q
q−1
∑i=0
(f i(x+1)− i
pq
)=
1q
q−1
∑i=0
(1+ f i(x)− i
pq
)= 1+
1q
q−1
∑i=0
(f i(x)− i
pq
)= 1+g(x).
Logo, g ∈ Dr(S1).
Para todo x ∈ R temos
g◦ f (x) =1q
q−1
∑i=0
(f i( f (x))− i
pq
)=
1q
(f (x)+
(f 2(x)− p
q
)+ · · ·+
(f q(x)− (q−1)
pq
))=
1q
(f (x)+
(f 2(x)− p
q
)+ · · ·+
(x+ p− (q−1)
pq
))=
pq+
1q
(x+(
f (x)− pq
)+ · · ·+
(f q−1(x)− (q−1)
pq
))= Rp/q ◦g(x).
Portanto, f = g−1 ◦Rp/q ◦g é Cr-conjugado a Rp/q.
Corolário 2.15. Se f ∈ Dr(S1) é Cr-conjugada à Rp/q,pq∈ Q, então a Cr-conjugação é a
função g dada por
g =1q
q−1
∑i=0
(f i− i
pq
).
69
2.4 O Invariante Hr
Se f ∈ Dr(S1) e ρ( f ) = α ∈ R \Q, vimos que existe uma função h = Id+ϕ , com ϕ ∈C0(S1) tal que
h◦ f = Rα ◦h.
Porém não sabemos se h ∈ Dr(S1); na verdade, h pode não ser sequer um homeomorfismo, se
r < 2. A partir desta Seção buscaremos critérios para determinar se f é ou não Cr-conjugada à
Rα .
Associaremos a cada função f ∈ Dr(S1) um número Hr( f ) e mostraremos que f é Cr-
conjugada a Rρ( f ) se, e somente se, Hr( f ) < +∞. Inicialmente faremos a demonstração para
r = 1; em seguida mostraremos o caso em que f ∈ Dr+w(S1), onde w é um módulo de con-
tinuidade e por último provaremos o caso geral. Começaremos estabelecendo um critério de
C0-conjugação. Para isso usaremos o seguinte Lema:
Lema 2.16. Seja (X ,d) um espaço métrico compacto e f ,g : X → X topologicamente conju-
gadas, isto é, existe um homeomorfismo h : X → X tal que f = h−1 ◦ g ◦ h. Então a sequência
( f n)n∈N é equicontínua se, e somente se, (gn)n∈N é equicontínua.
Demonstração. A demonstração é elementar. Se ( f n)n∈N é equicontínua, a continuidade de h
e de h−1 acarreta a equicontinuidade de (gn)n∈N. Para os detalhes, veja (CHO; MIN; YANG,
1993), p. 241.
Proposição 2.17. Seja f ∈D0(S1), com ρ( f ) =α . Então, f é C0-conjugada a Rα se, e somente
se, existe uma sequência de números ni ∈ N,ni→+∞, tal que ( f ni) seja equicontínua.
Demonstração. Suponha que f seja C0 conjugada a Rα , isto é, existe g ∈ D0(S1) tal que f =
g−1 ◦ Rα ◦ g. Considere as projeções de f e g em S1, isto é, f = π ◦ f e g = π ◦ g. Note
que a sequência de rotações (Rnα) é equicontínua, já que as rotações são isometrias. Logo,
pelo Lema 2.16, ( f n) é equicontínua. Consequentemente, a sequência de levantamentos ( f n)
também é equicontínua (veja (CHO; MIN; YANG, 1993), p. 240).
Reciprocamente, suponha que ( f ni) seja equicontínua. Consideraremos dois casos:
a) ρ( f ) = α ∈ R\Q. Suponha, por absurdo, que f não seja C0-conjugada a Rα . Então, como
vimos na Seção 1.5, o conjunto minimal de f é um conjunto de Cantor K e, se I0 é uma
componente conexa de A = S1 \K, então os intervalos { f n(I0),n ∈ Z} são componentes
70
conexas de A duas a duas disjuntas. Consequentemente,
limn→±∞
| f n(I0)|= 0.
Por outro lado, a função f ni leva f−ni(I0) em I0. Como | f−ni(I0)| tende a 0, então dado
0 < ε < |I0|, para qualquer δ > 0 podemos encontrar |x−y|< δ tal que | f ni(x)− f ni(y)|> ε ,
para todo ni suficientemente grande. Logo, ( f ni) não é equicontínua.
b) ρ( f ) =pq∈Q. Como ( f ni) é equicontínua, então a sequência ( f qni) também é equicontínua,
bem como a sequência ( f qni − ni p). Pela Proposição 2.14 devemos mostrar que f q = Rp.
Suponha, por absurdo, que f q 6= Rp. Pela Proposição 2.6, f q−Rp se anula em ao menos
um ponto. Na verdade, como f q−Rp é periódica de período 1, se anula em infinitos pontos.
Assim, podemos tomar a < b tais que ( f q− p)(x) = 0, se x = a ou x = b, e ( f q− p)(x) 6= 0,
se x ∈ (a,b). Note que se ( f q−Rp)(x) > 0, então ( f kq−Rkp(x)) converge para b quando
k→+∞. Por outro lado, se ( f q−Rp)(x)< 0, então ( f kq−Rkp(x)) converge para a. Logo,
a sequência ( f qni−ni p) não pode ser equicontínua.
Para 1≤ r <+∞, r inteiro, definimos
Hr : Dr(S1) → R= R∪{+∞}
f 7→ supj∈Z|D f j|Cr−1.
Na próxima Proposição mostraremos que se f ∈ Dr(S1) é Cr-conjugada a uma translação
então Hr( f ) < +∞. Nosso objetivo até o fim deste Capítulo é mostrarmos a recíproca dessa
Proposição.
Proposição 2.18. Seja 1 ≤ r ≤ +∞. Se f ∈ Dr(S1) e f é Cr-conjugada a uma translação Rα ,
então
supj∈Z|D f j|Ck <+∞,
para todo k < r.
Demonstração. Suponha que f = g−1 ◦Rα ◦ g, para alguma translação Rα e alguma função
g ∈ Dr(S1). Considere a aplicação t 7→ D(g−1 ◦ Rt ◦ g). Note que, como g−1 ◦ Rt+1 ◦ g =
1+ g−1 ◦Rt ◦ g (Proposição 2.11), então essa aplicação é (contínua e) periódica de período 1,
71
logo é limitada. Da mesma forma as aplicações t 7→ Dk(g−1 ◦Rt ◦g) são limitadas, para k < r.
Como f j é conjugada à R jα por g, para todo j ∈ Z, segue o resultado.
Note que a Proposição 2.18 nos diz que se f ∈ Dr(S1) é Cr-conjugada a uma translação
então Hr( f ) < +∞. A recíproca também é válida, e será demonstrada no Teorema 2.40. Uma
consequência desse fato é que a propriedade Hr( f )<+∞ é invariante por Cr-conjugação. Com
efeito, se Hr( f1)<+∞, veremos que existe g1 ∈Dr(S1) tal que f1 = g−11 ◦Rα ◦g1, para alguma
translação Rα . Se f2 é Cr-conjugada à f1, isto é, se f2 = g−12 ◦ f1 ◦g2, para alguma g2 ∈Dr(S1),
então
f2 = g−12 ◦ f1 ◦g2 = (g1 ◦g2)
−1 ◦Rα ◦ (g1 ◦g2).
Como g1 ◦g2 ∈ Dr(S1), pela Proposição 2.18, Hr( f2)<+∞.
2.5 Conjugação de Classe C1
Mostraremos nesta Seção a recíproca da Proposição 2.18 para o caso r = 1, no Teorema
2.23. Antes disso vamos provar alguns resultados auxiliares.
Teorema 2.19. Sejam M e K espaços métricos, com K compacto. Então f : M→ K é contínua
se, e somente se, seu gráfico gr( f ) é fechado em M×K.
Demonstração. Veja (LIMA, 2007), p. 217.
O próximo Teorema é de (GOTTSCHALK; HEDLUND, 1955), p. 135 (a demonstração é
de (HERMAN, 1979)).
Teorema 2.20 (Gottschalk, Hedlund). Seja X um espaço métrico compacto e f : X → X um
homeomorfismo minimal, isto é, a órbita de qualquer ponto de X por f é densa em X. Seja
h : X → R contínua. Então as seguintes condições são equivalentes:
1) Existe ϕ : X → R contínua tal que ϕ ◦ f −ϕ = h;
2) Existe x0 ∈ X tal que
supn∈N
∣∣∣∣∣ n
∑i=0
h◦ f i(x0)
∣∣∣∣∣<+∞.
Demonstração.
72
1) =⇒ 2). Tome x0 ∈ X qualquer. Como ϕ ◦ f −ϕ = h, então
n−1
∑i=0
h◦ f i(x0) =n−1
∑i=0
(ϕ ◦ f i+1(x0)−ϕ( f i(x0))) = ϕ( f n(x0))−ϕ(x0).
Como X é compacto e ϕ é contínua, segue que o conjunto dos pontos ϕ( f n(x0))−ϕ(x0) é
limitado.
2) =⇒ 1). Considere o homeomorfismo
F : X×R → X×R
(x, t) 7→ ( f (x), t +h(x)).
Note que para todo n ∈ N,
Fn(x0,0) =
(f n(x0),
n−1
∑i=0
h◦ f i(x0)
).
Assim, pela condição 2), o fecho do conjunto {Fn(x0,0),n ∈ N} é compacto e não vazio e,
portanto, contém um conjunto M minimal por F e compacto. Considere a projeção
p : X×R → X
(x, t) 7→ x.
Como f é minimal em X , então p(M) =X . Vamos mostrar que M é o gráfico de uma função. De
fato, suponha que (x,y)∈M e (x,y+λ )∈M. Considere o homeomorfismo Rλ (x, t) = (x, t+λ ).
Note que Rλ ◦ F = F ◦ Rλ e, portanto, Rλ ◦ Fn = Fn ◦ Rλ . Como M é minimal, segue que
Rλ (M)=M e, consequentemente, Rnλ (M)=M, para todo n∈N. Como M é compacto devemos
ter necessariamente λ = 0. Logo, M é o gráfico de uma função ϕ e, como é compacto, essa
função é contínua (Lema 2.19). Finalmente, como M está contido no fecho do conjunto{(f n(x0),
n−1
∑i=0
h◦ f i(x0)
)},
então ϕ é dada por
ϕ =n−1
∑i=0
h◦ f i−n.
Logo,
ϕ ◦ f −ϕ =n
∑i=0
h◦ f i−n−n−1
∑i=0
h◦ f i−n = h.
73
Se f ∈ Dif0+(S1) tem número de rotação irracional, podemos provar que f é unicamente
ergódica (veja (FURSTENBERG, 1961), p. 576). Na verdade, veremos no Teorema 4.17 que
se f ∈ Dif2+(S1) tem número de rotação irracional, então f é ergódica com respeito à medida
de Lebesgue.
Proposição 2.21. Seja f ∈ Dif0+(S1) com ρ( f ) = α ∈ R\Q. Seja µ a única medida de proba-
bilidade invariante por f e em relação a qual f é ergódica. Se h ∈C0(S1) e ϕ ∈ L∞(S1,µ) é
tal que, µ-quase sempre
h = ϕ ◦ f −ϕ,
então ϕ é µ-quase sempre igual a uma função contínua.
Demonstração. Considere o conjunto
A = {x;h(x) 6= ϕ( f (x))−ϕ(x)}∪{x; | f (x)|> || f ||L∞}.
Note que, por hipótese, µ(A) = 0 e, como µ é invariante por f , o conjunto
B =⋃
n∈Zf n(A)
também tem medida nula, e é invariante por f . Assim, podemos tomar x0 ∈ X \B, de forma que
f n(x0) ∈ X \B, para todo n ∈ Z. Além disso,∣∣∣∣∣ n
∑i=0
h◦ f i(x0)
∣∣∣∣∣= |ϕ( f n+1(x0))−ϕ(x0)| ≤ 2|ϕ|L∞ .
Pelo Teorema 2.20, existe uma função ϕ1 ∈C0(S1) tal que h = ϕ1 ◦ f −ϕ1 e, µ-quase sempre,
(ϕ1−ϕ)◦ f = ϕ1−ϕ.
Como f é ergódica com respeito a µ , existe uma constante C tal que
ϕ−ϕ1 =C
µ-quase sempre (veja o Apêndice C, Teorema C.4). Logo, ϕ = C +ϕ1 é contínua µ-quase
sempre.
Proposição 2.22. Se H1( f ) = ` <+∞, então
1`≤ D f j(x)≤ `,
para todo x ∈ R e todo j ∈ Z.
74
Demonstração. A desigualdade D f j(x) ≤ ` é imediata, já que supj∈Z|D f j|0 = `. Para a outra
desigualdade, note que
D( f j ◦ f− j) = D f j ◦ f− j ·D f− j = D(Id) = 1.
Assim, para todo x ∈ R,
D f− j(x) =1
D f j( f− j(x)),
de forma que
infj∈Z
D f j(x)≥ 1`.
Usando os resultados anteriores, agora podemos demonstrar a recíproca da Proposição 2.18,
para o caso r = 1.
Teorema 2.23. Seja f ∈ D1(S1) com ρ( f ) = α . Então, f é C1-conjugada a Rα se, e somente
se, H1( f )<+∞.
Demonstração. Já mostramos na Proposição 2.18 que se f é C1-conjugada a Rα então H1( f )<
+∞. Falta provarmos a recíproca. Suponha então que H1( f )<+∞, isto é,
supn∈Z|D f n|0 <+∞.
Como as derivadas de f n são uniformemente limitadas, segue que { f n}n∈N é equicontínua e,
pela Proposição 2.17, f é C0-conjugada a Rα . Vamos considerar dois casos:
a) α =pq∈ Q. Pela Proposição 2.14, f q = Rp e, pela mesma Proposição, f é C1-conjugada a
Rp/q.
b) α ∈ R\Q. Se H1( f ) = ` <+∞, pela Proposição 2.22,
1`≤ D f n ≤ `
para todo n ∈ N e, consequentemente, supn∈N| logD f n|0 <+∞. Mas note que
D f n = (D f ◦ f n−1) · (D f ◦ f n−2) · · · · ·D f
de forma que
logD f n =n−1
∑i=0
logD f ◦ f i. (2.1)
75
Como f é C0-conjugada a Rα , como vimos na Seção 1.5, f = π ◦ f é minimal. Logo, pelo
Teorema 2.20, existe uma função contínua ψ : S1→ R tal que
logD f = ψ−ψ ◦ f .
Note que se ψ satisfaz essa igualdade, então ψ + c também satisfaz, para qualquer c ∈ R.
Escolhendo c tal que ∫ 1
0eψ(x)+cdx = 1
definimos
h(x) =∫ x
0eψ(t)+cdt.
Então h é um difeomorfismo de classe C1 e h(x+ 1) = 1+ h(x). Logo, h ∈ D1(S1). Além
disso, para todo x ∈ R temos
D(h◦ f )(x) = Dh( f (x)) ·D f (x)
= eψ( f (x))+c ·D f (x)
= eψ(x)−logD f (x)+c ·D f (x)
= eψ(x)+c
= Dh(x).
Portanto h◦ f e h diferem apenas por uma constante, isto é, h◦ f = Rβ ◦h, para algum β ∈R.
Como f é C0-conjugada a Rα , segue que α = β e que h é uma C1-conjugação entre f e Rα .
2.6 Algumas Fórmulas
No Corolário 2.15 vimos que se f ∈ Dr(S1) é Cr-conjugada à Rp/q,pq∈ Q, então a Cr-
conjugação é a função g dada pela fórmula
g =1q
q−1
∑i=0
(f i− i
pq
).
Para o caso irracional há uma fórmula parecida: mostraremos que se ρ( f ) = α ∈ R\Q, então
1k
k−1
∑i=0
( f i− iα)
converge uniformemente para g+c, onde c é uma constante e g é a Cr-conjugação entre f e Rα .
76
Proposição 2.24. Seja f ∈D0(S1) com ρ( f ) = α ∈R\Q e g = Id+ψ a semiconjugação entre
f e Rα . Se
Sk( f ) =1k
k−1
∑i=0
( f i− iα)
e ∫S1
ψdµ = 0,
onde µ é a única medida de probabilidade invariante por f , então Sk( f )− g converge unifor-
memente para 0 quando k→+∞.
Demonstração. Notando que g◦ f i = Riα ◦g, para todo i ∈ N, temos
g◦ f i = Riα ◦g
f i +ψ ◦ f i = iα +g
f i− iα−g = ψ ◦ f i
Sk( f )−g =1k
k−1
∑i=0
ψ ◦ f i.
Como f é unicamente ergódica, com medida de probabilidade invariante µ , então
limk→∞
1k
k−1
∑i=0
ψ ◦ f i =∫S1
ψdµ,
sendo a convergência uniforme (veja o Apêndice C, Teorema C.5). Segue o resultado.
As duas próximas fórmulas permitem calcular derivadas de ordem superior a 1 para funções
compostas e para a funções inversas.
Teorema 2.25 (Fórmula de Faà di Bruno). Sejam f e g funções de R em R de classe Cr, r≥ 1
inteiro. Então
Dr( f ◦g) =r
∑k=1
(Dk f ◦g)Br,k(Dg,D2g, . . . ,Dr−k+1g),
onde Br,k são os Polinômios de Bell de r− k+1 variáveis, definidos por
Br,k(x1, . . . ,xr−k+1) = ∑r!
c1!c2! . . .(1!)c12!c2xc1
1 xc22 . . . .
A última soma é tomada sobre todos inteiros c1,c2, · · · ≥ 0 tais que
c1 +2c2 +3c3 + · · ·= r e c1 + c2 + c3 + · · ·= k.
Demonstração. Veja (COMTET, 1974), p. 139.
77
Teorema 2.26 (Fórmula da Inversão de Lagrange). Seja f : R→ R um difeomorfismo de
classe Cr, r ≥ 2 inteiro. Então,
Dr( f−1) =r−1
∑k=1
(−r)k(D f ◦ f−1)−r−kBr−1,k
(D2 f ◦ f−1
2,D3 f ◦ f−1
3, . . . ,
Dr−k+1 f ◦ f−1
r− k+1
),
onde (x)k = x(x−1)(x−2) . . .(x− k+1).
Demonstração. Veja (COMTET, 1974), p. 150.
2.7 Módulo de Continuidade
Antes de continuarmos estudando o caso de Cr-conjugação, para r inteiro, vamos estudar
o caso de Cw-conjugação, onde w é um módulo de continuidade. Em particular obteremos
resultados para Cβ -conjugação, com 0 < β < 1.
Definição 2.27. Seja ϕ ∈C0(S1). O módulo de continuidade de ϕ é a função w definida por
w(δ ) = sup|x−y|≤δ
|ϕ(x)−ϕ(y)|.
O item d) da próxima Proposição é de (KOLODII; KHIL’DEBRAND, 1971).
Proposição 2.28. Seja w o módulo de continuidade de uma função ϕ ∈C0(S1). Então valem
as seguintes propriedades:
a) w(0) = 0;
b) w é monótona não decrescente;
c) w é contínua;
d) w(δ1 +δ2)≤ w(δ1)+w(δ2), se δ1,δ2 > 0;
e) w(nδ )≤ nw(δ ), para n ∈ N e δ > 0;
f) w(aδ )≤ (bac+1)w(δ ), se a≥ 0.
Demonstração. Os dois primeiros itens são imediatos e o terceiro decorre do fato de ϕ ser
uniformemente contínua (pois é contínua e periódica).
78
d) Sejam x ≤ y ∈ R tais que |x− y| ≤ δ1 +δ2. Seja z ∈ [x,y] tal que |x− z| ≤ δ1 e |z− y| ≤ δ2.
Então,
|ϕ(x)−ϕ(y)| ≤ |ϕ(x)−ϕ(z)|+|ϕ(z)−ϕ(y)| ≤ sup|x−z|≤δ1
|ϕ(x)−ϕ(z)|+ sup|y−z|≤δ2
|ϕ(z)−ϕ(y)|.
Como a desigualdade é válida para todo |x− y| ≤ δ1 +δ2, segue que
w(δ1 +δ2) = sup|x−y|≤δ1+δ2
|ϕ(x)−ϕ(y)| ≤ w(δ1)+w(δ2).
e) Consequência imediata do item anterior;
f) Como w é não decrescente e a < bac+1, então
w(aδ )≤ w((bac+1)δ )≤ (bac+1)w(δ ).
2.7.1 O Espaço Cw(S1)
Seja w : [0,1]→ [0,1] uma função contínua, estritamente crescente, com w(0) = 0, w(1) =
1, e tal que w(δ1 + δ2) ≤ w(δ1)+w(δ2). Definimos Cw(S1) como o espaço das funções em
C0(S1) que possuem módulo de continuidade menor ou igual a um múltiplo de w, isto é,
Cw(S1) =
{ϕ ∈C0(S1); |ϕ|Cw = sup
x 6=y
|ϕ(x)−ϕ(y)|w(|x− y|)
<+∞
}.
Por exemplo, se 0 < β < 1 e w(δ ) = δ β , então
Cw(S1) =
{ϕ ∈C0(S1); sup
x 6=y
|ϕ(x)−ϕ(y)||x− y|β
<+∞
}=Cβ (S1),
ou seja, é o espaço das funções que satisfazem uma condição de Hölder de expoente β . Ana-
logamente, se w = Id, então Cw(S1) é espaço das funções ϕ ∈ C0(S1) lipschitzianas, isto é,
Cw(S1) = Lip(S1)∩C0(S1), onde
Lip(S1) =
{ϕ : R→ R periódica de período 1; |ϕ|Lip = sup
x 6=y
|ϕ(x)−ϕ(y)||x− y|
<+∞
}.
Diremos que f ∈ D0(S1) é um homeomorfismo de classe Cw se f − Id ∈Cw(S1) e f−1− Id ∈Cw(S1). Para o caso em que w = Id diremos que f é um homeomorfismo lipschitziano, e se
w(t) = tβ , com 0 < β < 1, diremos que f é um homeomorfismo de classe Cβ .
79
Proposição 2.29. Se ϕ ∈Cw(S1) e f ∈ D0(S1) é lipschitziana, então ϕ ◦ f ∈Cw(S1).
Demonstração. Seja k = | f |Lip. Então, para todo x 6= y, pela Proposição 4.9,
w(| f (x)− f (y)|)≤ w(k|x− y|)≤ (bkc+1)w(|x− y|).
Assim, como|ϕ( f (x))−ϕ( f (y))|
w(| f (x)− f (y)|)≤ |ϕ|Cw <+∞
então|ϕ( f (x))−ϕ( f (y))|
w(|x− y|)≤ (bkc+1)|ϕ|Cw <+∞.
Proposição 2.30. Seja ϕ : R→ [a,b],ϕ ∈Cw(S1) e ψ : [a,b]→ R tal que ψ é lipschitziana em
[a,b]. Então ψ ◦ϕ ∈Cw(S1).
Demonstração. Seja k uma constante de Lipschitz de ψ . Então, para quaisquer x,y ∈ [a,b],
temos
|ψ ◦ϕ(x)−ψ ◦ϕ(y)| ≤ k|ϕ(x)−ϕ(y)| ≤ k|ϕ|Cww(|x− y|).
Logo,
|ψ ◦ϕ|Cw = supx 6=y
ψ ◦ϕ(x)−ψ ◦ϕ(y)w(|x− y|)
<+∞.
Corolário 2.31. Se ϕ ∈Cw(S1) e ϕ > 0, então1ϕ∈Cw(S1).
Demonstração. Como ϕ é contínua e periódica, então ϕ(x) ∈ [a,b] para todo x ∈ R, onde
a,b > 0. Como a aplicação x 7→ 1x
é lipschitziana em [a,b], o resultado segue da Proposição
2.30.
Corolário 2.32. Se 0≤ r <+∞ e ϕ ∈Cr(S1), com Drϕ lipschitziana e ϕ > 0, então Dr(logϕ)
é lipschitziana.
Demonstração. Omitiremos a demonstração, mas ela resulta da fórmula de Faà di Bruno e dos
resultados anteriores.
2.7.2 Conjugação de Classe Cw
Lema 2.33. Seja w : [0,1]→ [0,1] estritamente crescente e tal que w(0) = 0, w(1) = 1 e
w(δ +δ′)≤ w(δ )+w(δ ′)
80
sempre que δ +δ ′ ≤ 1 e δ ,δ ′ ≥ 0. Nessas condições, se 0 < δ então
δ ≤ 2w(δ ).
Demonstração. Inicialmente, note que para todo n≥ 1 inteiro temos
1 = w(1) = w(
n1n
)≤ nw
(1n
)
e, portanto1n≤ w
(1n
).
Dado 0 < δ ≤ 1, seja n≥ 1 inteiro tal que1
n+1< δ ≤ 1
n. Como w é estritamente crescente,
1n+1
≤ w(
1n+1
)< w(δ ) =⇒ 2
n+1≤ 2w
(1
n+1
)< 2w(δ ).
Afirmamos que δ ≤ 2n+1
. De fato, como n≥ 1, então n+1≤ 2n e, portanto,1n≤ 2
n+1.
Logo,
δ ≤ 1n≤ 2
n+1< 2w(δ ).
Proposição 2.34. Seja f ∈ D0(S1). As seguintes afirmações são equivalentes:
a) f é um homeomorfismo de classe Cw;
b) existe C ≥ 1 tal que, para |x− y| ≤ 1,
w−1(
1C|x− y|
)≤ | f (x)− f (y)| ≤Cw(|x− y|).
Demonstração.
a) =⇒ b). Suponha que f seja um homeomorfismo de classe Cw. Então f = Id+ϕ e
f−1 = Id+ϕ−1, com ϕ e ϕ−1 em Cw(S1). Tomando C = max{2+ |ϕ|Cw ,2+ |ϕ−1|Cw} e usando
o Lema 2.33 temos
| f (x)− f (y)| ≤ |x− y|+ |ϕ(x)−ϕ(y)| ≤ (2+ |ϕ|Cw)w(|x− y|)≤Cw(|x− y|).
de onde obtemos a segunda desigualdade. Analogamente, | f−1(x)− f−1(y)| ≤Cw(|x− y|) e,
81
assim,
1C| f−1(x)− f−1(y)| ≤ w(|x− y|)
w−1(
1C| f−1(x)− f−1(y)|
)≤ |x− y|
w−1(
1C|x− y|
)≤ | f (x)− f (y)|.
b) =⇒ a). Suponha que | f (x)− f (y)| ≤Cw(|x− y|) e defina ϕ = f − Id. Então, usando o
Lema 2.33 temos
|ϕ(x)−ϕ(y)| ≤ | f (x)− f (y)|+ |x− y| ≤ | f (x)− f (y)|+2w(|x− y|).
Logo,|ϕ(x)−ϕ(y)|
w(|x− y|)≤C+2 <+∞,
e portanto ϕ ∈Cw(S1). Da mesma forma, definindo ϕ−1 = f−1− Id, como w−1(
1C|x− y|
)≤
| f (x)− f (y)| então
| f−1(x)− f−1(y)| ≤Cw(|x− y|)
e procedendo como antes segue que ϕ−1 ∈Cw(S1).
Teorema 2.35. Seja f ∈D0(S1) um homeomorfismo lipschitziano com ρ( f )=α e w um módulo
de continuidade. Se
supn∈Z| f n− Id−nα|Cw <+∞,
então f é C0-conjugada a Rα por um homeomorfismo de classe Cw.
Demonstração. Como supn∈Z| f n− Id−nα|Cw < +∞ e w é contínua, não é difícil verificar que a
sequência ( f n)n∈N é equicontínua. Pela Proposição 2.17, existe g ∈ D0(S1) tal que f = g−1 ◦Rα ◦g.
Seja `1 = supn∈Z| f n−Id−nα|Cw <+∞ e `= 1+`1. Então, procedendo como na demonstração
da Proposição 2.34, obtemos, para todo n ∈ Z e 0≤ x− y≤ 1,
w−1(
1`(x− y)
)≤ f n(x)− f n(y)≤ `w(x− y).
Suponha que α ∈ R \Q. Então, pela Proposição 2.24, Sk( f ) =1k
k−1
∑i=0
( f i− iα) converge
82
uniformemente para g+ c, onde c é uma constante, quando k→+∞. Logo,
w−1(
1`(x− y)
)≤ Sk( f )(x)−Sk( f )(y)≤ `w(x− y),
e, fazendo k→+∞,
w−1(
1`(x− y)
)≤ g(x)−g(y)≤ `w(x− y).
Para α =pq∈Q, pelo Corolário 2.15 g =
1q
q−1
∑i=0
(f i− i
pq
), e também temos
w−1(
1`(x− y)
)≤ g(x)−g(y)≤ `w(x− y).
Pela Proposição 2.34, g é um homeomorfismo de classe Cw.
2.7.3 Conjugação de Classe Cr+w
Se w é como na definição de Cw(S1), e r≥ 1 é inteiro, definimos Dr+w(S1) como o conjunto
dos difeomorfismos de classe Cr cuja r-ésima derivada tem módulo de continuidade menor ou
igual a um múltiplo de w, isto é,
Dr+w(S1) = { f ∈ Dr(S1);Dr f ∈Cw(S1)}.
Em Dr+w(S1) definimos Hr+w da seguinte forma:
Hr+w : Dr+w(S1) → R= R∪{+∞}
f 7→ Hr( f )+ supn∈N|Dr f n|Cw .
A seguir provaremos que f ∈ Dr+w(S1) é Cr+w-conjugada a uma translação Rα se, e so-
mente se, Hr+w( f )<+∞. Para isso usaremos o próximo Lema:
Lema 2.36. Seja f ∈ D1(S1). Se f = h−1 ◦Rα ◦h, com α ∈ R\Q,h ∈ D0(S1) e h : R→ R de
classe C1, então h ∈ D1(S1).
Demonstração. Como h é um homeomorfismo crescente, então Dh≥ 0. Vamos mostrar que na
verdade Dh > 0; pelo Teorema da Função Inversa seguirá que h é um difeomorfismo.
Suponha, por absurdo, que exista x0 ∈ R tal que Dh(x0) = 0. Como h◦ f n = Rnα ◦h, para
todo n ∈ N, então
D(h◦ f n)(x0) = Dh◦ f n(x0) ·D f n(x0) = Dh(x0) = 0.
83
Mas como f é um difeomorfismo, então D f n(x0) 6= 0, de forma que Dh ◦ f n(x0) = 0, para
todo n ∈ N. Por outro lado, como α ∈ R \Q, a sequência ( f n(x0)) é densa (módulo 1). Pela
continuidade de Dh, segue que Dh≡ 0 e, portanto, h é constante. Absurdo, pois h é um home-
omorfismo.
Proposição 2.37. Sejam 1≤ r < ∞ e f ∈ Dr+w(S1). Então Hr+w( f )<+∞ se, e somente se, f
é Cr+w-conjugada a uma translação Rα .
Demonstração. ( =⇒ ) Se Hr+w( f ) < +∞, então H1( f ) < +∞ e, pelo Teorema 2.23, existe
h ∈ D1(S1) tal que f = h−1 ◦Rα ◦h. Precisamos mostrar que h ∈ Dr+w(S1). Vamos considerar
dois casos:
a) ρ( f ) =pq∈Q. Neste caso, pela Proposição 2.14, f q = Rp e h é dada por
h =1q
q−1
∑i=0
(f i− i
pq
).
Falta mostrar que Drh ∈Cw(S1). Mas note que para todo x 6= y temos
|Drh(x)−Drh(y)|w(|x− y|)
≤ 1q
q−1
∑i=0
|Dr f i(x)−Dr f i(y)|w(|x− y|)
≤ supn∈N|Dr f n|Cw <+∞.
Logo Drh ∈Cw(S1) e h ∈ Dr+w(S1).
b) ρ( f ) = α ∈ R \Q. Considere a soma Sk( f ) =1k
k−1
∑i=0
( f i − iα). Se k → +∞, pela Pro-
posição 2.24 Sk( f ) converge para h + c na topologia C0, onde c é uma constante. Pela
Proposição 2.17 a sequência ( fn)n∈N é equicontínua e, consequentemente, (Sk( f )− Id)k∈N
também é equicontínua. Além disso, como Hr+w( f ) < +∞, segue que (Sk( f )− Id)k∈N é
limitada e, pelo Teorema de Arzelà-Ascoli (veja (FOLLAND, 1999), p. 137), o fecho de
{Sk( f )− Id}k∈N é compacto na topologia Cr. Logo, h é de classe Cr, já que h+ c é o único
limite possível para a sequência. Na verdade h é de classe Cr+w. De fato, seja Hr+w( f ) =
` < +∞. Então, para todo x,y ∈ R e n ∈ N temos |Dr f n(x)−Dr f n(y)| ≤ `w(|x− y|) e,
consequentemente, |DrSk( f )(x)−DrSk( f )(y)| ≤ `w(|x− y|). Tomando o limite,
|Drh(x)−Drh(y)| ≤ `w(|x− y|)
e, portanto, Drh ∈Cw(S1). Finalmente, pelo Lema 2.36, h ∈ Dr+w(S1).
(⇐=) Suponha que f é Cr+w-conjugada a uma translação Rα . Então, pela Proposição
2.18, Hr( f )<+∞. Resta provar que supn∈N |Dr f |Cw <+∞. Omitiremos a demonstração, mas
84
ela pode ser feita usando as fórmulas de Faà di Bruno e da Inversão de Lagrange, além da
Proposição 2.30.
Corolário 2.38. Seja f ∈ Dr(S1), com r ≥ 1 tal que ρ( f ) = α ∈ R\Q e Hr( f ) < +∞. Então
f = h−1 ◦Rα ◦h, onde h ∈ Dr−1(S1) e Dr−1h é lipschitziana.
Demonstração. Basta tomar na Proposição 2.37 w = Id.
2.8 Conjugação de Classe Cr
Seja ϕ ∈C0(S1) lipschitziana. Então ϕ tem variação limitada e é absolutamente contínua
sobre intervalos compactos. Pelo Teorema Fundamental do Cálculo para integrais de Lebesgue
(veja o Apêndice B, Teorema B.11), ϕ é diferenciável m-quase sempre, onde m é a medida de
Lebesgue, e
ϕ(x)−ϕ(0) =∫ x
0Dϕ(t)dt.
Como ϕ é lipschitziana,
supx 6=y
|ϕ(x)−ϕ(y)||x− y|
= ` <+∞
e, portanto, em todo ponto onde ϕ é diferenciável temos |Dϕ(x)| ≤ `. Logo, Dϕ ∈ L∞(S1,m) e
|Dϕ|L∞ = `.
Lema 2.39. Se ϕ ∈C0(S1) é lipschitziana e Dϕ é m-quase sempre igual a uma função contínua
g, então ϕ ∈C1(S1).
Demonstração. Como Dϕ = g m-quase sempre, então
ϕ(x) = ϕ(0)+∫ x
0Dϕ(t)dt = ϕ(0)+
∫ x
0g(t)dt.
Como g é contínua, então∫ x
0g(t)dt é de classe C1.
Finalmente, podemos provar a recíproca da Proposição 2.18:
Teorema 2.40. Sejam 1≤ r≤+∞ inteiro e f ∈Dr(S1), com ρ( f ) =α . Então f é Cr-conjugado
a Rα se, e somente se, Hr( f )<+∞, para r finito, e Hk( f )< ∞ para todo k, para r =+∞.
Demonstração. Se f é Cr-conjugado a Rα já provamos na Proposição 2.18 que Hr( f ) < +∞.
Reciprocamente, se Hr( f )<+∞ então H1( f )<+∞ e, pelo Teorema 2.23, f é C1-conjugada a
Rα . Vamos considerar 3 casos:
85
a) ρ( f ) =pq∈Q. Pela Proposição 2.14, f q = Rp e, pela mesma Proposição, f é Cr-conjugada
a Rp/q.
b) ρ( f ) = α ∈R\Q e r <+∞. Este caso será provado por indução sobre r, já que o caso r = 1
é válido, pelo Teorema 2.23. Suponha que f ∈ Dr+1(S1) e Hr+1( f ) < +∞. Pelo Corolário
2.38, f = g ◦Rα ◦ g−1, com g ∈ Dr(S1) e Dr(g−1) é lipschitziana; usando a Fórmula da
Inversão de Lagrange é possível mostrar que Drg também é Lipschitziana. Logo, Drg é
m-quase sempre diferenciável e Dr+1g ∈ L∞(S1,m). Mostraremos que na verdade Drg é de
classe C1. Veja que
f ◦g = g◦Rα
D f ◦g ·Dg = Dg◦Rα
log(D f ◦g) = log(Dg◦Rα)− logDg
Dr−1(log(D f ◦g)) = Dr−1(log(Dg◦Rα))−Dr−1(logDg).
Como Drg é lipschitziana, resulta que Dr−1 logDg também é lipschitziana (veja (HERMAN,
1979), p. 44). Assim, como observamos no início da Seção,
Dr logDg ∈ L∞(S1,m)
e m-quase sempre,
Dr(log(D f ◦g)) = Dr(log(Dg◦Rα))−Dr(logDg).
Pela Proposição 2.21 Dr(log(D f ◦ g)) ∈ C0(S1), já que f ∈ Dr+1(S1),g ∈ Dr(S1) e
Dr logDg ∈ L∞(S1,m). Portanto, Dr(logDg) é m-quase sempre igual a uma função con-
tínua. Como Dr−1 logDg é lipschitziana, pelo Lema 2.39, Dr−1(logDg) ∈ C1(S1). Segue
que g ∈ Dr+1(S1) e, portanto, f é Cr+1-conjugada a Rα .
c) ρ( f ) = α ∈ R\Q e r =+∞. Pelo item anterior, f é Cr-conjugada a Rα , para todo r <+∞;
consequentemente, f é C∞-conjugado a Rα .
86
87
3 Medida e Frações Contínuas
Considere o conjunto de números irracionais A , definido por
A = {x = [a0;a1,a2, . . . ] ∈ R\Q; limb→∞
limsupn→∞
n
∑i=1,ai≥b
log(ai +1)
n
∑i=1
log(ai +1)= 0}.
Esse conjunto aparecerá nas demonstrações dos dois principais resultados desta dissertação:
do Teorema Fundamental das Conjugações (Teorema 5.22) e do Teorema dos Caminhos (Teo-
rema6.17). Na verdade o Teorema Fundamental das Conjugações é enunciado para difeomor-
fismos com número de rotação em A .
Nosso objetivo neste Capítulo é mostrar que A tem medida de Lebesgue total em R. Além
disso, daremos alguns critérios para determinar se α ∈ R \Q pertence ou não a A . Também
mostraremos que se α ∈A , então α é de tipo de Roth.
A principal referência deste Capítulo é o Capítulo V de (HERMAN, 1979).
3.1 Frações Contínuas e Aproximação Diofantina
Enquanto estudávamos as rotações do círculo no Capítulo 1 provamos várias proprieda-
des para a expansão de números reais em frações contínuas. Resumiremos elas no próximo
Teorema:
Teorema 3.1. Todo número real x∈ (0,1) admite uma expansão em frações contínuas da forma
[0;a1,a2, . . . ], para x irracional, ou da forma [0;a1,a2, . . . ,an], para x racional. Além disso,
definindo
q0 = 1, q1 = a1 e qn+1 = qn−1 +an+1qn, para n≥ 1,
e
p0 = 0, p1 = 1 e pn = bαqnc, para n > 1,
88
temos:
1. [0;a1,a2, . . . ,ai] =pi
qi; dizemos que
pi
qié o i-ésimo convergente de α;
2. [0;a1,a2, . . . ,an,x] =xpn + pn−1
xqn +qn−1, para todo x > 0;
3. qn+1 pn−qn pn+1 = (−1)n+1;
4.pn
qnsão frações irredutíveis e são as melhores aproximações racionais para x;
5.∣∣∣∣ pn
qn− pn+1
qn+1
∣∣∣∣= 1qnqn+1
;
6. an =
⌊1
Gn−1(x)
⌋, onde G(x) é a Transformação de Gauss; os números an são chamados
de quocientes de α .
Usando essas propriedades podemos obter uma caracterização para os intervalos Eb1b2...bn
que vimos no Capítulo 1. Lembramos que Eb1b2...bn é o intervalo formado pelos pontos em [0,1]
cujos n primeiros termos na expansão em fração contínua são os números b1,b2, . . . ,bn.
Proposição 3.2. Os intervalos Eb1b2...bn são dados por:
i)[
pn
qn,
pn + pn−1
qn +qn−1
), se n é par,
ii)(
pn + pn−1
qn +qn−1,
pn
qn
], se n é ímpar,
ondepk
qk= [0;b1,b2, . . . ,bk].
Demonstração. Seja x ∈ Eb1b2...bn . Então, x pode ser escrito como
x =1
b1 +1
b2 +1
. . . +1
bn + ε
,
com ε ∈ [0,1). Pelo Teorema 3.1,
x =ε pn + pn−1
εqn +qn−1.
Note que a função
f : [0,1) → R
ε 7→ pn + ε pn−1
qn + εqn−1
89
é contínua, com f (0) =pn
qne lim
ε→1−f (ε) =
pn + pn−1
qn +qn−1. Além disso,
f ′(ε) =pn−1(qn + εqn−1)−qn−1(pn + ε pn−1)
(qn + εqn−1)2 =(−1)n
(qn + εqn−1)2 .
Logo, f é monótona crescente para n par, e monótona decrescente para n ímpar. Segue que
Eb1b2...bn é da forma do enunciado.
Corolário 3.3. Para todo α ∈ Eb1b2...bn , sepi
qi= [0;b1, . . . ,bi] então
α =pi +Gi(α)pi−1
qi +Gi(α)qi−1,
para todo i≥ 1.
Demonstração. Procedendo por indução, podemos mostrar que todo α ∈ Eb1b2...bn pode ser
escrito como x = [0;b1,b2, . . . ,bi +Gi(x)]. O Corolário segue então pelo Teorema 3.1.
Uma importante aplicação para a teoria de frações contínuas é o estudo de aproximação
de números irracionais por racionais, conhecido como Aproximação Diofantina. Na Seção 1.3,
por exemplo, vimos que as melhores aproximações racionais para um número irracional α são
os convergentespn
qn. A seguir veremos uma série de resultados sobre essas aproximações que
serão usados posteriormente. Salvo menção em contrário,pn
qndenotará o n-ésimo convergente
da fração contínua do número α ∈ R dado e an o n-ésimo quociente de α .
Proposição 3.4. Se n≥ 2, então qn ≥ 2n2 .
Demonstração. Para n = 2,
q2 = a2q1 +q0 = a2a1 +1≥ 2
e para n = 3
q3 = a3q2 +q1 ≥ 2a3 +q1 ≥ 3 > 232 .
Observe que para n≥ 3
qn = anqn−1 +qn−2 = an(an−1qn−2 +qn−3)+qn−2 ≥ 2qn−2.
Assim, supondo, por indução, que o resultado do enunciado é válido para 2,3, . . . ,n−1,n, então
qn+1 ≥ 2qn−1 ≥ 2 ·2n−1
2 = 2n+1
2 .
90
Proposição 3.5. Para todo n vale
1qn(qn +qn+1)
≤∣∣∣∣α− pn
qn
∣∣∣∣≤ 1qnqn+1
<1q2
n.
Demonstração. Pelo Teorema 3.1 e pelo Corolário 3.3 temos
α− pn
qn=
pn +Gn(α)pn−1
qn +Gn(α)qn−1− pn
qn=
(−1)n
qn
(1
Gn(α)qn +qn−1
) .
Além disso,
an+1 ≤1
Gn(α)≤ an+1 +1,
de onde segue a desigualdade
1qn(qn +qn+1)
≤∣∣∣∣α− pn
qn
∣∣∣∣≤ 1qnqn+1
.
A desigualdade1
qnqn+1<
1q2
né imediata, já que qn+1 > qn.
Corolário 3.6. Para todo n vale
1(an+1 +2)q2
n<
∣∣∣∣α− pn
qn
∣∣∣∣< 1an+1q2
n.
Demonstração. Como qn+1 = an+1qn +qn−1 e qn−1 < qn, pela Proposição anterior,
1(an+1 +2)q2
n<
1qn(qn +an+1qn +qn−1)
≤∣∣∣∣α− pn
qn
∣∣∣∣≤ 1qn(an+1qn +qn−1)
<1
an+1q2n.
A demonstração da próxima Proposição é de (MOREIRA, 1999), p. 70. Note que ela é
mais forte que a Proposição 1.21.
Proposição 3.7. Seja α ∈ R\Q. Se qn ≤ q < qn+1, então para todopq∈Q temos
|qnα− pn| ≤ |qα− p|.
Demonstração. Seja I o intervalo determinado pelos pontospn
qne
pn+1
qn+1. Se
pn
qn=
pq
não há o
que demonstrar. Supondo então quepn
qn6= p
q, pelo Teorema 3.1,
∣∣∣∣ pq − pn
qn
∣∣∣∣≥ 1qnq
>1
qnqn+1= |I|.
91
Logo,pq6∈ I. Da mesma forma, ∣∣∣∣ pq − pn+1
qn+1
∣∣∣∣≥ 1qqn+1
.
Assim, como α ∈ I pela Proposição 1.20,∣∣∣∣α− pq
∣∣∣∣≥min{∣∣∣∣ pq − pn+1
qn+1
∣∣∣∣ , ∣∣∣∣ pq − pn
qn
∣∣∣∣}≥ 1qqn+1
.
Logo, pela Proposição 3.5,
|qα− p| ≥ 1qn+1
≥ |qnα− pn|.
Proposição 3.8. Seja bn = |qnα− pn|. Se n≥ 2, então
bn−2 = anbn−1 +bn.
Demonstração. Pela Proposição 1.20,
p2
q2<
p4
q4< · · ·< α < · · ·< p3
q3<
p1
q1.
Logo, (−1)n(qnα− pn)> 0, e assim
|qn−2α− pn−2|= |(qn−anqn−1)α− (pn−an pn−1)|= an|qn−1α− pn−1|+ |qnα− pn|.
Corolário 3.9. Para todo n≥ 1,
bn < bn−1.
Demonstração. Pela Proposição 3.8,
|qn−1α− pn−1|= an+1|qnα− pn|+ |qn+1α− pn+1|> |qnα− pn|.
Proposição 3.10. Se n≥ 2, então
2 <bn−2
bn< dn
onde bn = |qnα− pn| e dn = (an +1)(an+1 +1).
Demonstração. Pela Proposição 3.8 e pelo Corolário 3.9,
|qn−2α− pn−2||qnα− pn|
=an|qn−1α− pn−1||qnα− pn|
+1 > an +1≥ 2,
92
provando a primeira desigualdade. Para a segunda, veja inicialmente que, pela Proposição 3.5,
|qn−1α− pn−1||qnα− pn|
=qn−1
qn
∣∣∣∣α− pn−1
qn−1
∣∣∣∣∣∣∣∣α− pn
qn
∣∣∣∣ ≤qn−1
qn
1qn−1qn
qn(qn +qn+1) = 1+qn+1
qn.
Logo, pela Proposição 3.8,
|qn−2α− pn−2||qnα− pn|
=an|qn−1α− pn−1||qnα− pn|
+1≤ 1+an +anqn+1
qn= 1+an +
an(an+1qn +qn−1)
qn
e, portanto,|qn−2α− pn−2||qnα− pn|
≤ 1+an +anan+1 +anqn−1
qn. (3.1)
Por outro lado,anqn−1
an+1qn=
anqn−1
an+1(anqn−1 +qn−2)<
anqn−1
anqn−1= 1,
isto é,anqn−1
qn< an+1. (3.2)
De 3.1 e 3.2 segue que
|qn−2α− pn−2||qnα− pn|
< 1+an +anan+1 +an+1 = (1+an)(1+an+1),
completando a demonstração.
Proposição 3.11. Para todo n≥ 1,
qn−1 ≤ qn <n
∏i=1
(1+ai).
Demonstração. A desigualdade qn−1 ≤ qn é imediata, já que qn = anqn−1 + qn−2. A demons-
tração da segunda desigualdade será feita por indução. Para n = 1,
q1 = a1 < 1+a1
e para n = 2
q2 = a2q1 +q0 < a2(1+a1)+1 < a2(1+a1)+(1+a1) = (1+a1)(1+a2).
Supondo que a propriedade seja válida para 1,2, . . . ,n,
qn+1 = an+1qn +qn−1 < an+1
(n
∏i=1
(1+ai)
)+
n−1
∏i=1
(1+ai)< an+1
(n
∏i=1
(1+ai)
)+
n
∏i=1
(1+ai).
93
Logo,
qn+1 <n+1
∏i=1
(1+ai).
3.2 Medida de Gauss
Os próximos resultados sobre a invariância da medida de Gauss e da ergodicidade da trans-
formação de Gauss foram adaptados basicamente de (BILLINGSLEY, 1965) e de (JORGE,
2006).
Considere a Transformação de Gauss G : [0,1)→ [0,1) definida por
G(x) =
1x−⌊
1x
⌋, se x 6= 0;
0, se x = 0.
No espaço de medida ([0,1),B), onde B é a σ -álgebra de Borel, definiremos a medida de
Gauss ν . Nesta Seção mostraremos que ν é invariante por G e que G é ergódica com respeito
a ν . Isso nos permitirá aplicar o Teorema Ergódico de Birkhoff para provar que A tem medida
de Lebesgue total.
Definição 3.12. Seja A⊂ [0,1) um boreliano. A medida de Gauss de A é definida por
ν(A) =1
log2
∫A
dx1+ x
.
Em particular,
ν([0,1)) =1
log2
∫ 1
0
dx1+ x
=1
log2(log(1+1)− log(1+0)) = 1,
ou seja, ν é uma medida de probabilidade.
A medida de Gauss é equivalente à medida de Lebesgue m no seguinte sentido: se A ∈B,
então
m(A) = 0 ⇐⇒ ν(A) = 0.
De fato, para x ∈ [0,1) temos
12log2
<1
(1+ x) log2≤ 1
log2,
94
de forma que, para qualquer boreliano A⊂ [0,1) temos∫A
12log2
dx <∫
A
1(1+ x) log2
dx≤∫
A
1log2
dx,
ou seja,1
2 log2m(A)< ν(A)≤ 1
log2m(A), (3.3)
onde m é a medida de Lebesgue. Logo, m e ν são equivalentes.
Como as medidas m e ν são equivalentes, se provarmos que uma propriedade vale quase-
sempre em relação a uma das medidas implicará que essa propriedade vale quase-sempre em
relação a outra medida. Outra importante consequência é que L1(m) = L1(ν).
Proposição 3.13. A medida ν é invariante em relação à transformação de Gauss G.
Demonstração. Como os intervalos (a,b) geram a σ -álgebra de Borel, basta provarmos a pro-
posição para esses intervalos (veja o Apêndice B, Proposição B.9).
Considere os intervalos En definidos na Seção 1.3, isto é, os intervalos
En =
{α ∈ (0,1);
⌊1α
⌋= n}=
(1
n+1,1n
].
Observe que os pontos de En são da forma1
n+α, com α ∈ [0,1), e que G−1(α) ={
1n+α
;n ∈ Z,n≥ 0}
. Assim, se (a,b) é um intervalo em [0,1), sua pré-imagem em En é
o intervalo
G−1((a,b))∩En =
(1
n+b,
1n+a
)pois G é monótona decrescente em En, e, portanto,
G−1((a,b)) =∞⋃
n=1
(1
n+b,
1n+a
).
Assim,
ν(G−1((a,b))) = ν
(∞⋃
n=1
(1
n+b,
1n+a
))=
∞
∑n=1
ν
((1
n+b,
1n+a
))=
1log2
∞
∑n=1
∫ 1n+a
1n+b
dx1+ x
=1
log2
∞
∑n=1
log(n+a+1)− log(n+a)+ log(n+b)− log(n+b+1)
=1
log2(log(1+b)− log(1+a))
=1
log2
∫ b
a
dx1+ x
= ν((a,b)).
95
O próximo Lema será fundamental na demonstração do Teorema 3.15, no qual mostraremos
que G é ergódica com respeito a ν .
Lema 3.14. Sejam b1,b2, . . . ,bn números inteiros positivos. Seja E[n] = Eb1b2...bn definido como
na Proposição 3.2. Então, para qualquer conjunto mensurável A vale
14
ν(A)≤ν(G−n(A)∩E[n])
m(E[n])< 4ν(A).
Demonstração. Pelo Corolário 3.3, para todo x ∈ Eb1b2...bn vale
x =pn +Gn(x)pn−1
qn +Gn(x)qn−1.
Observe que, se (a,b)⊂ [0,1), então
G−n((a,b))∩E[n] = {x ∈ E[n];a < Gn(x)< b}.
Como vimos na demonstração da Proposição 3.2, a função
f (ε) =pn + ε pn−1
qn + εqn−1
definida em [0,1) é monótona crescente para n par e monótona decrescente para n ímpar. Logo,
G−n((a,b))∩E[n] =
(
pn +apn−1
qn +aqn−1,
pn +bpn−1
qn +bqn−1
), se n é par;(
pn +bpn−1
qn +bqn−1,
pn +apn−1
qn +aqn−1
), se n é ímpar.
Em qualquer caso, a medida de Lebesgue desse conjunto é
m(G−n((a,b))∩E[n]) =b−a
(qn +bqn−1)(qn +aqn−1).
Usando a Proposição 3.2 também podemos calcular a medida de Lebesgue dos intervalos E[n]:
m(E[n]) =1
qn(qn +qn−1)
e, portanto,m(G−n((a,b))∩E[n])
m(E[n])= (b−a)
qn(qn +qn−1)
(qn +bqn−1)(qn +aqn−1).
Vamos procurar uma estimativa paraqn(qn +qn−1)
(qn +bqn−1)(qn +aqn−1). Como a sequência (qi) é
96
monótona crescente,
2qn(qn +qn−1)≤ 4q2n ≤ 4(qn +bqn−1)(qn +aqn−1)
para quaisquer a,b≥ 0. Logo,
qn(qn +qn−1)
(qn +bqn−1)(qn +aqn−1)≤ 2.
Por outro lado, para a e b em (0,1) temos
2qnqn−1 > (a+b)qnqn−1
2qnqn−1 > (a+b)qnqn−1−abq2n−1
2q2n +2qnqn−1 > (a+b)qnqn−1−abq2
n−1 +q2n
2qn(qn +qn−1) > (qn +bqn−1)(qn +aqn−1)
qn(qn +qn−1)
(qn +bqn−1)(qn +aqn−1)>
12
e, portanto,
12
<qn(qn +qn−1)
(qn +bqn−1)(qn +aqn−1)≤ 2
b−a2
< (b−a)qn(qn +qn−1)
(qn +bqn−1)(qn +aqn−1)≤ 2(b−a)
m((a,b))2
<m(G−n((a,b))∩E[n])
m(E[n])≤ 2m((a,b))
De uma forma geral, como os intervalos (a,b) geram a σ -álgebra de Borel, a última desigual-
dade é válida para qualquer boreliano A:
m(A)2
<m(G−n(A)∩E[n])
m(E[n])≤ 2m(A). (3.4)
Mas por 3.3,1
2 log2m(A)< ν(A)≤ 1
log2m(A)
e assim, para qualquer conjunto mensurável A,
14
ν(A)≤ 14log2
m(A)<1
2log2m(G−n(A)∩E[n])
m(E[n])≤
ν(G−n(A)∩E[n])
m(E[n]).
Além disso,
ν(G−n(A)∩E[n])
m(E[n])≤ 1
log2m(G−n(A)∩E[n])
m(E[n])≤ 2
log2m(A)≤ 4ν(A).
97
Logo,14
ν(A)≤ν(G−n(A)∩E[n])
m(E[n])< 4ν(A).
Teorema 3.15. A transformação de Gauss G é ergódica com respeito a medida de Gauss ν .
Demonstração. Suponha, por absurdo, que exista um conjunto A mensurável G-invariante tal
que 0 < ν(A)< 1. Pelo Lema 3.14,
14
ν(A)≤ν(G−n(A)∩E[n])
m(E[n])< 4ν(A).
Como A é G-invariante,14
ν(A)≤ν(A∩E[n])
m(E[n])< 4ν(A).
Assim,14
m(E[n])≤ν(A∩E[n])
ν(A)< 4m(E[n]).
Como os intervalos E[n] geram a σ -álgebra de Borel, a desigualdade anterior é válida para
qualquer conjunto B mensurável, ou seja,
14
m(B)≤ ν(A∩B)ν(A)
< 4m(B).
Em particular, tomando B = [0,1)\A,
14
m(B)≤ ν(A∩B)ν(A)
= 0,
e, portanto, m(B) = 0. Porém, as medidas m e ν são equivalentes, de forma que ν(B) = 0.
Absurdo, pois
ν(B) = 1−ν(A)> 0.
A ergodicidade da transformação de Gauss nos permite provar interessantes propriedades
da expansão de números reais em frações contínuas. Podemos, por exemplo, calcular para quase
todo x ∈ [0,1) a frequência média com que um certo número aparece em sua expansão. Porém
98
a consequência mais importante para nós é que o conjunto
A = {x = [a0;a1,a2, . . . ] ∈ R\Q; limb→∞
limsupn→∞
n
∑i=1,ai≥b
log(ai(x)+1)
n
∑i=1
log(ai(x)+1)= 0}
tem medida de Lebesgue total. Provaremos isso no próximo Teorema.
Teorema 3.16. Para m-quase todo x ∈ [0,1)
limb→∞
limn→∞
n
∑i=1,ai≥b
log(ai(x)+1)
n
∑i=1
log(ai(x)+1)
= 0.
Demonstração. Sejam
a(x) =
⌊
1x
⌋, se x 6= 0;
∞, se x = 0e f (x) = log(a(x)+1).
Note que para todo x ∈ (0,1), f (x)≤ log(
1x+1)
e como
∫ 1
0log(
1x+1)=
[x log
(1x+1)+ log(x+1)
]1
0= 2log2 < ∞,
então f ∈ L1(m). Consequentemente, f ∈ L1(ν), já que as medidas m e ν são equivalentes.
Como a transformação de Gauss é ergódica e preserva a medida ν , pelo Teorema Ergódico
de Birkhoff (veja o Apêndice C, Teorema C.6), para ν-quase todo x ∈ [0,1) temos
limn→∞
1n
n−1
∑i=0
f (Gi(x)) =∫ 1
0f dν .
Além disso,∫ 1
0f dν =
1log2
∫ 1
0
log(a(x)+1)1+ x
dx≥ 1log2
∫ 1
12
log(a(x)+1)1+ x
dx =∫ 1
12
11+ x
dx > 0.
99
Assim, lembrando que a(Gi(x)) =⌊
1Gi(x)
⌋= ai+1(x),
limn→∞
1n
n−1
∑i=0
f (Gi(x)) = limn→∞
1n
n−1
∑i=0
log(⌊
1Gi(x)
⌋+1)= lim
n→∞
1n
n
∑i=1
log(ai(x)+1)> 0.
Para b ∈ Z,b≥ 0, defina
gb(x) =
f (x), se a(x)≥ b,
0, caso contrário.
Note que se x ∈ [0,1), a(x)≥ b ⇐⇒ 0≤ x≤ 1b
. Logo, podemos reescrever gb(x) como
gb(x) =
f (x), se 0≤ x≤ 1b,
0, caso contrário.
Como f ∈ L1(ν), então gb ∈ L1(ν). Pelo Teorema Ergódico de Birkhoff, para ν-quase todo
x ∈ [0,1)
limn→∞
1n
n−1
∑i=0
gb(Gi(x)) =∫
gbdν =∫ 1/b
0f dν ,
e, portanto,
limb→∞
limn→∞
1n
n−1
∑i=0
gb(Gi(x)) = 0.
Por outro lado,
n−1
∑i=0
gb(Gi(x)) =n−1
∑i=0,
a(Gi(x))≥b
f (Gi(x)) =n−1
∑i=0,
ai+1(x)≥b
log(a(Gi(x))+1) =n
∑i=1,
ai(x)≥b
log(ai(x)+1).
Como limn→∞
1n
n
∑i=1
log(ai(x)+1)> 0, para ν-quase todo x ∈ [0,1), então
limb→∞
limn→∞
1n
n
∑i=1,ai≥b
log(ai(x)+1)
limn→∞
1n
n
∑i=1
log(ai(x)+1)
= limb→∞
limn→∞
n
∑i=1,ai≥b
log(ai(x)+1)
n
∑i=1
log(ai(x)+1)
= 0,
ν-quase sempre. Como m e ν são equivalentes, segue o resultado.
100
3.3 Caracterizações do Conjunto A
Determinar se um número α pertence ou não a A usando a apenas a definição de A é
uma tarefa complicada. Por isso buscaremos definições mais simples para A , com as quais
poderemos determinar propriedades genéricas para números desse conjunto. Essas definições
alternativas serão dadas nas Proposições 3.18 e 3.19.
A partir de agora usaremos com frequência a notação conhecida como "O grande".
Definição 3.17. Sejam f e g duas funções definidas num subconjunto de R. Dizemos que f é
da ordem de g, e denotamos por
f (x) = O(g(x)), quando x→+∞,
se existem x0 ∈ R e M > 0 tais que, para todo x≥ x0,
| f (x)| ≤M|g(x)|.
Proposição 3.18. Seja α ∈R\Q. Então α ∈A se, e somente se, verifica a seguinte condição:
para todo ε > 0, existe B > 0 tal que, se n→+∞, temos
n
∏i=1;ai≥B
(1+ai) = O(qεn−1).
Demonstração. Suponha que a condição do enunciado é satisfeita. Então, dado ε > 0, existem
B > 0, M > 0 e n0 ∈ N tais que, para todo n≥ n0,
n
∏i=1;ai≥B
(1+ai)≤Mqεn−1.
Pela Proposição 3.11, qn <n
∏i=1
(1+ai), de forma que
n
∏i=1;ai≥B
(1+ai)< M
(n
∏i=1
(1+ai)
)ε
,
en
∑i=1;ai≥B
log(1+ai)< logM+ ε
(n
∑i=1
log(1+ai)
).
101
Logo,
limn→+∞
n
∑i=1;ai≥B
log(1+ai)
n
∑i=1
log(1+ai)
≤ ε.
Como ε é arbitrário, segue que α ∈A .
Reciprocamente, suponha que α ∈A , isto é,
limB→∞
limsupn→+∞
n
∑i=1,ai≥B
log(ai +1)
n
∑i=1
log(ai +1)= 0.
Então, existe B0 tal que, se B≥ B0
limsupn→+∞
n
∑i=1,ai≥B
log(ai +1)
n
∑i=1
log(ai +1)≤ 1
2.
Consequentemente, existe n0 ∈ N tal que, para todo n≥ n0 temos
n
∑i=1,ai≥B
log(ai +1)≤ 12
n
∑i=1
log(ai +1).
Por outro lado,
n
∑i=1
log(ai +1) =n
∑i=1,ai≥B
log(ai +1)+n
∑i=1,ai<B
log(ai +1)≤ 12
n
∑i=1
log(ai +1)+n log(B+1),
de forma que
n
∑i=1
log(ai +1) ≤ 2n log(B+1)
log
(n
∏i=1
(ai +1)
)≤ log(B+1)2n
e, portanto,n
∏i=1
(ai +1)≤Cn,
102
para todo n≥ n0, onde C = (B+1)2. Além disso, pelas Proposições 3.4 e 3.11,
2n−1
2 ≤ qn−1 ≤ qn ≤n
∏i=1
(ai +1)≤Cn.
Assim,n
∏i=1
(ai +1)≤Cn ≤ (C3)n−1
2 ≤ (2k)n−1
2 ≤ qkn−1,
para algum k ∈ N suficientemente grande. Finalmente, como α ∈A , dado ε > 0, existe B > 0
tal que, se n→+∞,n
∑i=1,ai≥B
log(ai +1)
n
∑i=1
log(ai +1)≤ ε
k.
Assim,
log
n
∏i=1,ai≥B
(ai +1)
≤ ε
klog
(n
∏i=1
(ai +1)
)≤ ε
klog(qk
n−1) = log(qεn−1)
e, portanto,n
∏i=1,ai≥B
(ai +1)≤ qεn−1 =⇒
n
∏i=1,ai≥B
(ai +1) = O(qεn−1).
Logo, α satisfaz a condição do enunciado.
Proposição 3.19. Seja α ∈R\Q. Então α ∈A se, e somente se, satisfaz a seguinte condição:
para todo ε > 0, existe B > 0 tal que, quando n→+∞,
∏1≤i≤n,
(1+ai)(1+ai+1)>B
(1+ai) = O(qεn).
Demonstração. Se α ∈ A , pela Proposição 3.18 para todo ε > 0, existe B > 0 tal que, se
n→+∞, temos
∏1≤i≤n+1,ai≥√
B−1
(1+ai) = O(qε/2n ),
isto é, existem M > 0 e n0 ∈ N tal que, para todo n≥ n0,
∏1≤i≤n+1,(ai+1)≥
√B
(1+ai)≤Mqε/2n .
103
Afirmamos que
∏1≤i≤n,
(1+ai)(1+ai+1)>B
(1+ai)≤ ∏1≤i≤n+1,(1+ai)≥
√B
(1+ai)2.
De fato, seja
ei = max{ai,ai+1}.
Então
∏1≤i≤n,
(1+ai)(1+ai+1)>B
(1+ai)≤ ∏1≤i≤n,
(1+ei)>√
B
(1+ai).
Note que cada termo (ak +1) aparece no máximo duas vezes no produtório
∏1≤i≤n,
(1+ei)>√
B
(1+ai).
(Por exemplo, se ak−1 +1 <√
B,ak+1 +1 <√
B e ak +1 >√
B). Assim,
∏1≤i≤n,
(1+ai)(1+ai+1)>B
(1+ai)≤ ∏1≤i≤n,
(1+ei)>√
B
(1+ai)≤ ∏1≤i≤n+1,(1+ai)≥
√B
(1+ai)2.
Logo, para todo n≥ n0,
∏1≤i≤n,
(1+ai)(1+ai+1)>B
(1+ai)≤ ∏1≤i≤n+1,(1+ai)≥
√B
(1+ai)2 ≤M2qε
n,
isto é,
∏1≤i≤n,
(1+ai)(1+ai+1)>B
(1+ai) = O(qεn).
Reciprocamente, suponha que para todo ε > 0, existe B > 0 tal que, quando n→+∞,
∏1≤i≤n,
(1+ai)(1+ai+1)>B
(1+ai) = O(qεn).
Como
∏1≤i≤n,
1+ai+1>B
(1+ai)≤ ∏1≤i≤n,
(1+ai)(1+ai+1)>B
(1+ai),
então
∏1≤i≤n,
1+ai+1>B
(1+ai) = O(qεn).
104
Pela Proposição 3.18, α ∈A .
Corolário 3.20. Se α ∈A , então para todo ε > 0 existe B > 0 tal que, se n→+∞,
∏1≤i≤n,di>B
di = O(qεn),
onde di = (1+ai)(1+ai+1).
Demonstração. Pela Proposição 3.19, para todo ε > 0, existem B1 > 0, M1 > 0 e n′0 ∈ N tais
que
∏1≤i≤n,
(1+ai)(1+ai+1)>B1
(1+ai)≤M1qε/2n ,
para todo n ≥ n′0. Procedendo da mesma forma que na demonstração da Proposição 3.19,
podemos mostrar que também existem B2 > 0, M2 > 0 e n′′0 ∈ N tais que
∏1≤i≤n,
(1+ai)(1+ai+1)>B2
(1+ai+1)≤M2qε/2n ,
para todo n≥ n′′0 . Assim, fazendo B=max{B1,B2} e n0 =max{n′0,n′′0} temos, para todo n≥ n0,
∏1≤i≤n,
(1+ai)(1+ai+1)>B
(1+ai)(1+ai+1)≤M1qε/2n ∏
1≤i≤n,(1+ai)(1+ai+1)>B
(1+ai+1)≤M1M2qεn.
Logo,
∏1≤i≤n,
(1+ai)(1+ai+1)>B
(1+ai)(1+ai+1) = O(qεn).
Corolário 3.21. Se α ∈ A , então para todo ε > 0, c1 > 0 e c2 > 0 existe B > 0 tal que, se
n→+∞,
∏1≤i≤n,di>B
c1(di + c2) = O(qεn),
onde di = (1+ai)(1+ai+1).
Demonstração. Pelo Corolário 3.20 existe B1 > 0 tal que, se n→+∞, então
∏1≤i≤n,di>B1
di = O(qε/3n ).
105
Assim, tomando B = max{B1,c1,c2,2} temos, quando n→+∞,
∏1≤i≤n,di>B
c1(di + c2)≤ ∏1≤i≤n,di>B
2d2i ≤ ∏
1≤i≤n,di>B
d3i = O(qε
n).
3.4 Números de Tipo de Roth
Seja α ∈ R\Q. Dizemos que α ∈ R é de tipo de Roth se para todo ε > 0 existe Cε > 0 tal
que, para todopq∈Q, ∣∣∣∣α− p
q
∣∣∣∣≥ Cε
q2+ε.
Como veremos no Corolário 3.24, se α ∈ A então α é de tipo de Roth. Assim, pelo
Teorema 3.16, o conjunto dos números de tipo de Roth tem medida de Lebesgue total.
Observação 3.22. O conjunto dos números de tipo de Roth é estritamente maior que o conjunto
A . Por exemplo, o número
e = [2;1,2,1,1,4,1,1,8,1,1,16, . . . ]
é de tipo de Roth, mas e 6∈A .
Para finalizar este Capítulo, veremos algumas propriedades desses números, que serão ne-
cessárias mais tarde.
Proposição 3.23. Seja α ∈ R\Q. Então α é de tipo de Roth se, e somente se, para todo ε > 0
temos, quando n→+∞, an+1 = O(qεn).
Demonstração. Suponha que α é de tipo de Roth. Então, para todo ε > 0, existe Cε > 0 tal que
Cε
q2+ε≤∣∣∣∣α− p
q
∣∣∣∣ ,para todo
pq∈Q. Em particular, pelo Corolário 3.6,
Cε
q2+εn≤∣∣∣∣α− pn
qn
∣∣∣∣< 1an+1q2
n
e, portanto,
an+1 <qε
nCε
,
106
para todo n. Logo, an+1 = O(qεn).
Reciprocamente, suponha que para todo ε > 0, an+1 = O(qεn), quando n→ +∞. Então,
existem Mε > 0 e n0 ∈ N tais que, se n≥ n0,
an+1 ≤Mεqεn.
Pelo Corolário 3.6,∣∣∣∣α− pn
qn
∣∣∣∣> 1(an+1 +2)q2
n≥ 1
(Mεqεn +2)q2
n=
1Mεq2+ε
n +2q2n>
1Mεq2+ε
n +2q2+εn
.
Logo, ∣∣∣∣α− pn
qn
∣∣∣∣> Cε
q2+εn
,
onde Cε =1
2+Mε
. Além disso, se qn≤ q < qn+1 então, pela Proposição 3.7, para todopq
temos
|qα− p|> |qnα− pn|>Cε
q1+εn≥ Cε
q1+ε
de forma que ∣∣∣∣α− pq
∣∣∣∣> Cε
q2+ε.
Logo, α é de tipo de Roth.
Corolário 3.24. Se α ∈A , então α é de tipo de Roth.
Demonstração. Se α ∈A , pela Proposição 3.18, dado ε > 0, existe B > 0 tal que, se n→+∞,
temosn
∏i=1;ai≥B
(1+ai) = O(qεn−1),
isto é, existe M > 0 e n0 ∈ N tais que, se n≥ n0,
n
∏i=1;ai≥B
(1+ai)≤Mqεn−1.
Como qεn−1→+∞ quando n→ ∞, podemos tomar n0 de forma que
Mqεn−1 > B,
para todo n≥ n0. Assim, se an ≥ B,
an ≤n
∏i=1;ai≥B
(1+ai)≤Mqεn−1
107
e se an < B,
an < B < Mqεn−1,
isto é,
an < Mqεn−1
para todo n≥ n0. Segue que an = O(qεn−1) e, pela Proposição 3.23, α é de tipo de Roth.
Encerraremos este Capítulo com uma última propriedade dos números de tipo de Roth.
Proposição 3.25. Seja α ∈R\Q. Então α é de tipo de Roth se, e somente se, para todo δ > 0,
∞
∑n=1
an+1
qδn
<+∞.
Demonstração. Suponha que, dado δ > 0
∞
∑n=1
an+1
qδn
= Mδ < ∞.
Então an+1 ≤Mδ qδn para todo n e, portanto, an+1 = O(qδ
n ), para todo δ > 0. Pela Proposição
3.23, α é de tipo de Roth.
Suponha agora que α é de tipo de Roth. Então, pela Proposição 3.23, para todo ε > 0,
an+1 = O(qεn), isto é, existem Mε > 0 e n0 ∈ N tais que, para n ≥ n0, an+1 ≤Mεqε
n. Assim, se
δ > ε , pela Proposição 3.4,
∞
∑n=1
an+1
qδn
=n0−1
∑n=1
an+1
qδn
+∞
∑n=n0
an+1
qδn≤
n0−1
∑n=1
an+1
qδn
+Mε
∞
∑n=n0
1
qδ−εn≤
n0−1
∑n=1
an+1
qδn
+Mε
∞
∑n=n0
1
2n(δ−ε)
2
.
Como1
2δ−ε
2< 1 a série
∞
∑n=n0
1
2n(δ−ε)
2
é convergente. Logo,
∞
∑n=1
an+1
qδn
<+∞.
108
109
4 Conjugação Local
Seja f ∈Dr(S1), com 3≤ r ≤ ω , não necessariamente inteiro, e ρ( f ) = α de tipo de Roth.
Neste Capítulo mostraremos que se existe ε > 0 tal que f é C1+ε -conjugada a Rα , então f é
Cr−(1+β )-conjugada a Rα , para todo β > 0. Além disso, se f ∈D∞(S1) ou f ∈Dω(S1), então f
é C∞-conjugada ou Cω -conjugada a Rα , respectivamente. Com esse resultado, a demonstração
do Teorema Fundamental das Conjugações (Teorema 5.22) se resumirá a mostrar que existe
algum ε > 0 tal que f é C1+ε -conjugada a Rα . Na verdade faremos a demonstração do Teorema
5.22 para ε <15
.
Começaremos estudando a ordem dos pontos nα no círculo. Depois provaremos a Desi-
gualdade de Denjoy (Teorema 4.7), que será usada com frequência posteriormente. Também
mostraremos que se f ∈ Dif2+(S1) com ρ( f ) ∈ R\Q, então f é ergódica com relação a medida
de Lebesgue (Teorema 4.17). Com isso, poderemos provar o principal Teorema deste Capítulo,
que é o Teorema 4.31.
Este Capítulo é baseado em resultados dos Capítulos V, VI e VII de (HERMAN, 1979).
4.1 Ordem dos Pontos em S1
Considere uma rotação Rα em S1. Fixando um ponto x ∈ S1, estamos interessados em
estudar a ordem entre os iterados de x por Rα , isto é, a ordem dos pontos Rnα(x). Se f tem
número de rotação α e é topologicamente conjugada à Rα , isso nos permitirá saber também a
ordem dos pontos f n(x), para qualquer x. Nesta Seção provaremos algumas Proposições para
podermos obter essas informações, que serão necessárias no restante do Capítulo.
Proposição 4.1. Sejapq∈Q com mdc(p,q) = 1. Então, os intervalos
[ipq,ip+1
q
]mod 1,
com i = 0, . . . ,q−1 cobrem S1 e possuem os interiores dois a dois disjuntos.
110
Demonstração. Inicialmente vamos mostrar que os pontos 0,pq
mod 1, . . . ,(q−1)p
qmod 1
são distintos. De fato, se isso não fosse verdade existiriam k1,k2 ∈ {0, . . . ,q−1} tais que
k1 pq− k2 p
q= (k1− k2)
pq∈ Z.
Logo, q divide |k1− k2|, já que mdc(p,q) = 1, o que é um absurdo, pois |k1− k2|< q.
Observe agora que os pontos 0,pq
mod 1, . . . ,(q−1)p
qmod 1 estão no conjunto
{0,
1q,2q, . . . ,
q−1q
}e, como há justamente q pontos nesse conjunto,{
0,pq
mod 1, . . . ,(q−1)p
qmod 1
}=
{0,
1q,2q, . . . ,
q−1q
}.
Notando que os intervalos[
ipq,ip+1
q
]mod 1 têm comprimento
1q
, concluímos a demonstra-
ção.
Sejam α ∈R\Q epq∈Q, com q≥ 1 e mdc(p,q) = 1. Dizemos que
pq
é uma aproximação
racional de α se ∣∣∣∣α− pq
∣∣∣∣< 1q2 .
Por exemplo, sepn
qné o n-ésimo convergente da expansão em fração contínua de α , pela Propo-
sição 3.5pn
qné uma aproximação racional de α .
Proposição 4.2. Sejam α ∈ R \Q epq
uma aproximação racional de α . Então, para cada
i ∈ {0, . . . ,q−1} existe um único ponto do conjunto { jα mod 1; j = 1, . . . ,q−1} no intervalo[iq,i+1
q
]mod 1.
Demonstração. Comopq
é uma aproximação racional de α , então
0 < α− pq<
1q2 ou − 1
q2 < α− pq< 0.
Consideraremos apenas o primeiro caso, já que o outro é análogo. Para cada i = 1, . . . ,q temos
0 < iα− ipq<
iq2 ≤
1q
111
e, portanto,
ipq< iα <
iq2 + i
pq≤ 1
q+ i
pq.
Além disso, note que
ipq−⌊
ipq
⌋< iα−
⌊ipq
⌋<
iq2 + i
pq−⌊
ipq
⌋≤ 1
q+ i
pq−⌊
ipq
⌋≤ 1
q+
q−1q
= 1.
Logo,
iα ∈(
ipq,1+ ip
q
)( mod 1).
Como vimos na demonstração da Proposição 4.1, os intervalos[
iq,i+1
q
]mod 1, i= 0, . . . ,q−
1 coincidem com os intervalos[
jpq,1+ jp
q
]mod 1, j = 1, . . . ,q, que cobrem S1 e têm interi-
ores dois a dois disjuntos.
Seja α = [a0;a1,a2, . . . ] ∈ R\Q epn
qn= [a0;a1, . . . ,an]. Vamos denotar por qnα o ponto
qnα = qnα− pn
e por [0, qnα] o intervalo que liga os pontos 0 e qnα , mesmo quando qnα < 0.
Proposição 4.3. Se n≥ 2, então os intervalos [0, qnα] e Rqnα([0, qnα]) = [qnα,2qnα] têm inte-
riores disjuntos. Além disso, [0, qnα]⊂ [0, qn−2α) e [qnα,2qnα]⊂ (0, qn−2α). Os pontos estão
ordenados da seguinte forma:0 < qnα < 2qnα < qn−2α < dnqnα, se n é par ;
dnqnα < qn−2α < 2qnα < qnα < 0, se n é ímpar ,
onde dn = (an +1)(an+1 +1).
Demonstração. Inicialmente, note que, pela Proposição 3.8 e pelo Corolário 3.9,
m([0, qn−2α)) = |qn−2α|= an|qn−1α|+ |qnα|> 2|qnα|= m([0, qnα])+m([qnα,2qnα]).
Como os intervalos [0, qnα] e [qnα,2qnα] são adjacentes, para mostrarmos que eles têm in-
teriores disjuntos resta mostrar que m([0, qn−2α)) ≤ 1. Mas isso decorre da Proposição 3.5,
pois
m(([0, qn−2α))<1
qn−2≤ 1.
A ordem dos pontos é consequência das Proposições 1.20 e 3.10.
112
Corolário 4.4. Se f é C0-conjugada a Rα e f qn = f qn − pn, então para todo x ∈ R temos a
seguinte ordem dos pontos:x < f qn(x)< f 2qn(x)< f qn−2(x)< f dnqn(x) se n é par ;
f dnqn(x)< f qn−2(x)< f 2qn(x)< f qn(x)< x, se n é ímpar .
Demonstração. Seja h ∈ D0(S1) tal que h−1 ◦Rα ◦ h = f . Então para todo n ∈ N temos h−1 ◦Rqnα ◦h = f qn . Usando a Proposição 2.11 obtemos
f qn = R−pn ◦ f qn = R−pn ◦h−1 ◦Rqnα ◦h = h−1 ◦Rqnα ◦h.
O resultado segue então da Proposição 4.3 e do fato que h e h−1 são estritamente crescentes.
Proposição 4.5. Se 0≤ j < qn+1 é inteiro, os intervalos {R jα([0, qnα]) mod 1;0≤ j < qn+1}têm interiores dois a dois disjuntos.
Demonstração. Vamos supor que qn+1 > 1, pois caso contrário não há o que demonstrar, e que
n é par, já que o outro caso é análogo. Suponha, por absurdo, que os intervalos não sejam
disjuntos. Então, existem inteiros 0 ≤ j,k < qn+1) tais que, módulo 1, kα está entre jα e
jα + qnα . Como Rα é uma isometria que preserva a ordem em S1, então, módulo 1, (k− j)α
está entre 0 e qnα . Logo, existe p ∈ Z tal que
|(k− j)α mod 1|= ||k− j|α− p|< |qnα|= |qnα− pn|,
o que contraria a Proposição 3.7, pois |k− j|< qn.
4.2 Desigualdades de Denjoy
Nesta Seção mostraremos duas desigualdades devidas a Arnaud Denjoy, e algumas con-
sequências. Também provaremos a Proposição 4.9, que será usada no Capítulo 5.
Teorema 4.6 (Desigualdade de Denjoy-Koksma). Sejam f ∈ D0(S1), com ρ( f ) = α ∈ R\Qe
pq
uma aproximação racional de α . Sejam ϕ : S1→ R uma função de variação limitada e µ
uma medida de probabilidade em S1 invariante por f = π ◦ f . Então, para todo x ∈ S1, temos∣∣∣∣∣q−1
∑i=0
ϕ ◦ f i(x)−q∫S1
ϕdµ
∣∣∣∣∣≤ Var(ϕ).
Demonstração. Inicialmente, note que a medida µ não possui átomos (isto é, µ({a}) = 0,
para todo conjunto unitário {a}). De fato, se existisse a ∈ S1 tal que µ({a}) = δ > 0, como
113
f preserva µ , então µ({ f (x)}) = δ , para todo n ∈ Z. Além disso f n(x) 6= f m(x), para todo
n 6= m ∈ Z, pois α ∈ R\Q, de forma que teríamos µ(S1) = +∞, o que é um absurdo, já que µ
é uma medida de probabilidade. Logo, a função
h(x) =∫ x
0dµ
é contínua, monótona, não decrescente e
h(x+1) =∫ x+1
0dµ =
∫ x
0dµ +
∫ x+1
xdµ = h(x)+1.
Além disso, note que, como µ é invariante por f ,
h◦ f (x) =∫ f (x)
0dµ =
∫ x
f−1(0)dµ =
∫ 0
f−1(0)dµ +
∫ x
0dµ =C+h(x) = RC ◦h(x),
onde C =∫ 0
f−1(0)dµ . Notando que h é uma semiconjugação entre f e RC, segue que C = α .
Fixando x ∈ S1, defina y0 = yq = f 0(x) = x e yi tal que
h(yi) =iq+ h(x) mod 1,
para 1≤ i≤ q−1. Então, para todo 0≤ k ≤ q−1 temos∫[yk,yk+1]
dµ = h(yk+1)−h(yk) =1q.
Note que para todo i ∈ N temos h( f i(x)) = iα + h(x) mod 1. Logo, pela Proposição 4.2,
para cada i ∈ {1, . . . ,q} existe um único intervalo Ii = [yki,yki+1] tal que f i(x) ∈ Ii. Assim, para
todo x ∈ S1 temos∣∣∣∣∣ q
∑i=1
ϕ ◦ f i(x)−q∫ 1
0ϕ(t)dµ(t)
∣∣∣∣∣ =
∣∣∣∣∣ q
∑i=1
(ϕ ◦ f i(x)−q
∫Ii
ϕ(t)dµ(t))∣∣∣∣∣
=
∣∣∣∣∣ q
∑i=1
(q∫
Ii
ϕ ◦ f i(x)dµ(t)−q∫
Ii
ϕ(t)dµ(t))∣∣∣∣∣
≤q
∑i=1
q∣∣∣∣∫Ii
ϕ ◦ f i(x)−ϕ(t)dµ(t)∣∣∣∣
≤q
∑i=1
supt∈Ii
|ϕ ◦ f i(x)−ϕ(t)|
≤n
∑i=1
Var(ϕ, Ii)
≤ Var(ϕ).
114
Em particular, tomando x como f−1(x) na desigualdade anterior, temos∣∣∣∣∣q−1
∑i=0
ϕ ◦ f i(x)−q∫ 1
0ϕ(t)dµ(t)
∣∣∣∣∣≤ Var(ϕ),
concluindo a demonstração.
Dizemos que f ∈ D0(S1) é um homeomorfismos de classe P, se f é diferenciável a menos
de um conjunto enumerável e D f é igual, a menos de um conjunto enumerável, a uma função
h : R→ R periódica de período 1, de variação limitada, e minorada por a > 0. Em particular,
se f ∈ D1+vl(S1) então f é de classe P.
A desigualdade que demonstraremos a seguir é válida, salvo por um conjunto enumerável,
para homeomorfismos de classe P. Porém, para simplificarmos a demonstração, mostraremos
apenas o caso em que f ∈ D1+vl(S1), que é o caso que usaremos mais tarde. A prova do caso
geral pode ser encontrada em (NAVAS, 2007), p. 84, ou (HERMAN, 1979), p. 75.
Teorema 4.7 (Desigualdade de Denjoy). Seja f ∈D1+vl(S1), com ρ( f ) = α ∈R\Q, e sejampn
qnos convergentes de α . Então,
e−V ≤ D f±qn ≤ eV
para todo n, onde V = Var(logD f ).
Demonstração. Seja µ a única medida de probabilidade em S1 invariante por f = π ◦ f . Afir-
mamos que ∫S1
logD f dµ = 0.
De fato, por 2.1,
logD f n =n−1
∑i=0
logD f ◦ f i
e como f é unicamente ergódica, pelo Teorema C.6
1n
logD f n =1n
n−1
∑i=0
logD f ◦ f i
converge uniformemente para
a =∫S1
logD f dµ.
(lembre que D f =D f ). Assim, se a> 0 deveríamos ter D f n→+∞ e se a< 0, D f n→ 0 quando
n→+∞. Porém, para todo n∫S1
D f ndµ =∫ 1
0D f ndµ = f n(1)− f n(0) = 1.
115
Logo, necessariamente ∫S1
logD f dµ = 0.
Portanto, pelo Teorema 4.6,∣∣∣∣∣qn−1
∑i=0
logD f ◦ f i(x)−qn
∫S1
logD f dµ
∣∣∣∣∣=∣∣∣∣∣qn−1
∑i=0
logD f ◦ f i(x)
∣∣∣∣∣= | logD f qn| ≤V.
Lembrando que
D f−qn =1
D f qn ◦ f−qn,
segue o resultado.
Proposição 4.8. Seja f ∈D1+vl(S1). Se z1 e z2 ∈ [z, f qn(z)], então para todo inteiro 0≤ i< qn+1
vale a desigualdade
e−V ≤ D f i(z1)
D f i(z2)≤ eV .
Demonstração. Considere a projeção de f em S1, f = π ◦ f . Pela Proposição 1.11, os intervalos
{ f j([z, f qn(z)]);0 ≤ j < qn+1} = { f j([z, f qn(z)]) mod 1;0 ≤ j < qn+1} têm interiores dois a
dois disjuntos. Logo, por 2.1,
| logD f i(z1)− logD f i(z2)| ≤i−1
∑j=0| logD f ◦ f j(z1)− logD f ◦ f j(z2)| ≤V.
Portanto, ∣∣∣∣logD f i(z1)
D f i(z2)
∣∣∣∣≤V e e−V ≤ D f i(z1)
D f i(z2)≤ eV .
A próxima desigualdade será usada no Capítulo 5.
Proposição 4.9. Se f ∈ D1+vl(S1) e ρ( f ) = α ∈ R\Q, então
max0≤i<qn+1
|D f i|0 ≤eV | f qn− Id−pn|0
mqn
,
onde mqn = minx∈R| f qn(x)− x|> 0.
Demonstração. Sejam 0≤ j < qn+1 e yn tais que
D f j(yn) = max0≤i<qn+1
|D f i|0.
116
Pelo Teorema do Valor Médio, existe zn entre yn e f qn(yn) tal que
( f qn− Id)◦ f j(yn) = ( f j ◦ f qn− f j)(yn) = D f j(zn) · ( f qn(yn)− yn).
Assim,
D f j(zn) =|( f qn− Id)◦ f j(yn)|| f qn(yn)− yn|
≤ | fqn− Id−pn|0
mqn
,
e, pela Proposição 4.8,
max0≤i<qn+1
|D f i|0 = D f j(yn)≤ eV D f j(zn)≤eV | f qn− Id−pn|0
mqn
.
4.3 Ergodicidade de f ∈ Dif2+(S1)
Se f ∈Dif0+(S1) com ρ( f ) = α ∈R\Q, sabemos f é unicamente ergódica. Nosso objetivo
nesta Seção é provar que se f ∈ Dif2+(S1), então a medida em relação a qual f é ergódica é a
medida de Lebesgue, m. Provaremos esse resultado no Teorema 4.17, mas antes precisaremos
mostrar que para toda ξ ∈C1(S1),
limn→+∞
∣∣∣∣∣D(
ξ
∑n−1i=0 D f i
)∣∣∣∣∣L1
= 0
(Corolário 4.16). Uma prova mais simples da m-ergodicidade de f pode ser encontrada em
(KATOK; HASSELBLATT, 1995), p. 419, mas os resultados auxiliares que usaremos na de-
monstração do Teorema 4.17 também serão úteis mais tarde.
4.3.1 O Teorema Ergódico de Hurewicz
Seja F uma função enumeravelmente aditiva sobre subconjuntos de S tomando valores em
R, isto é,
F
(∞⋃
i=0
Xi
)=
∞
∑i=0
F(Xi),
para todos subconjuntos X0,X1, . . . de S dois a dois disjuntos. Vamos supor que F assume no
máximo um dos valores +∞ ou −∞. Dizemos que F é absolutamente contínua com relação a
medida µ se µ(X) = 0 implicar que F(X) = 0 e µ(X)< ∞ implicar que |F(X)|< ∞, para todo
conjunto mensurável X . Como é bem sabido, nessas condições F pode ser representada por
117
uma integral
F(X) =∫
Xf (x)dµ,
onde f é uma função f : S\N→ R e N ⊂ S é um conjunto de medida nula.
Seja T uma bijeção mensurável de S e defina
µn(X) =n
∑i=0
µ(T i(X)) e Fn(X) =n
∑i=0
F(T i(X)), (4.1)
para n = 0,1,2, . . . . Não é difícil ver que µn é uma medida e que Fn é absolutamente contínua
com respeito a µn. Logo, existem funções fn tais que
Fn(X) =∫
Xfn(x)dµn (4.2)
para todo subconjunto mensurável X de S. As funções fn estão definidas em S, a menos de
conjuntos de medida nula, e tomam valores em R. Assim, associamos à função F uma sequência
de funções ( fn).
Teorema 4.10 (Teorema Ergódico de Hurewicz). Seja T uma transformação mensurável de
um espaço S tal que nenhum conjunto de medida positiva seja errante com relação a T e seja
F(X) uma função finita e enumeravelmente aditiva de um conjunto mensurável X, absoluta-
mente contínua com respeito a medida µ . Então, a sequência de funções ( fn) definidas em 4.2
converge quase-sempre em S a uma função f . A função f , que é definida em quase toda parte,
possui as seguintes propriedades:
a) f é invariante por T , isto é, f (x) = f (T (x)) quase sempre;
b) f é somável sobre S;
c)∫
Xf (x)dµ = F(X) para todo conjunto mensurável X que satisfaça X = T (X),µ(X)< ∞.
Demonstração. Veja (HUREWICZ, 1944), p. 196-206.
O Teorema 4.10 é uma generalização do Teorema Ergódico de Birkhoff. Com efeito, se
supusermos que T preserva a medida µ , isto é, µ(X) = µ(T (X)), e que T não possui conjuntos
errantes de medida positiva, então por 4.1,
µn(X) = (n+1)µ(X).
Além disso, não é difícil provar que
F(T i(X)) =∫
Xf0(T i(x))dµ.
118
Assim, usando 4.2 obtemos
Fn(X) =n
∑i=0
F(T i(X)) =∫
X
n
∑i=0
f0(T i(x))dµ =1
n+1
∫X
n
∑i=0
f0(T i(x))dµn. (4.3)
De 4.2 e 4.3 concluímos que
fn(x) =1
n+1
n
∑i=0
f0(T i(x)),
a menos de um conjunto de medida nula. Pelo Teorema Ergódico de Hurewicz,
limn→∞
fn(x) = limn→∞
1n+1
n
∑i=0
f0(T i(x)) = f (x),
para quase todo x ∈ S, que é exatamente o que nos diz o Teorema Ergódico de Birkhoff.
Considere agora, além da função f0 = f , uma função g0 definida em S. Suponha que g é
mensurável e que g(x)> 0, para todo x ∈ S. Defina a medida
ν(X) =∫
Xg0dµ,
onde X é um subconjunto mensurável de S. Observe que as medidas µ e ν são equivalentes,
isto é,
ν(X) = 0 ⇐⇒ µ(X) = 0.
Consequentemente, não existem conjuntos errantes A com ν(A) > 0. Além disso, como F
é absolutamente contínua com respeito a µ , então F também é absolutamente contínua com
respeito a ν .
Defina as medidas
νn(X) =∫
X
n
∑i=0
g0(T i(x))dµ. (4.4)
Como estamos supondo µ invariante, de 4.3 e 4.4 segue que
Fn(X) =∫
X
∑ni=0 f0(T i(x))
∑ni=0 g0(T i(x))
dνn.
Aplicando o Teorema Ergódico de Hurewicz para a função F e a medida ν , concluímos que a
sequência∑
ni=0 f0(T i(x))
∑ni=0 g0(T i(x))
converge para quase todo x ∈ S.
O caso particular do Teorema de Hurewicz em que estamos interessados é quando S = S1,
f ∈ Dif2+(S1), com ρ( f ) ∈ R \Q, e µ = m, onde m é a medida de Lebesgue em S1. Nessas
119
condições, considere o operador linear
G : L1(S1,m) → L1(S1,m)
ϕ 7→ G(ϕ) = ϕ ◦ f ·D f .
Note que se ϕ ≥ 0 então G(ϕ)≥ 0.
Para n ∈ N, defina
S fn(ϕ) =
∑n−1i=0 Gi(ϕ)
∑n−1i=0 Gi(1)
=∑
n−1i=0 ϕ ◦ f i ·D f i
∑n−1i=0 D f i
.
Pelo Teorema Ergódico de Hurewicz, S fn(ϕ) converge m-quase sempre para uma função ϕ ∈
L1(S1,m). Em particular, tomando ϕ =D2 fD f
e
ψn = S fn
(D2 fD f
),
concluímos que a sequência de funções (ψn) converge para uma função ψ m-quase sempre.
A existência da função
ψ = limn→∞
S fn
(D2 fD f
)= lim
n→∞
∑n−1i=0
(D2 fD f
)◦ f i ·D f i
∑n−1i=0 D f i
será fundamental nos próximos resultados. Mostraremos na Proposição 4.15 que ψ ≡ 0, m-
quase sempre.
4.3.2 Ergodicidade com Respeito à Medida de Lebesgue
Considere as funções
ϕn = D
(1
∑n−1i=0 D f i
).
Nosso próximo objetivo é mostrar que para todo n,
|ϕn|0 ≤∣∣∣∣D2 f
D f
∣∣∣∣0.
Uma consequência é que ψ ≡ 0 m-quase sempre. Para demonstrarmos esses fatos, precisaremos
de alguns Lemas.
120
Lema 4.11. Seja f ∈ D2(S1). Então, para todo inteiro n≥ 1,
D2 f n = D f n ·
(n−1
∑i=0
D2 fD f◦ f i ·D f i
).
Demonstração. Por 2.1,
logD f n =n−1
∑i=0
(logD f )◦ f i.
Derivando, obtemosD2 f n
D f n =n−1
∑i=0
D2 fD f◦ f i ·D f i,
de onde segue a igualdade desejada.
Lema 4.12. Seja f ∈ D1+vl(S1). Se n→+∞, então
max0≤k≤n−1
∣∣∣∣∣ D f k
∑n−1i=0 D f i
∣∣∣∣∣0
→ 0.
Demonstração. Seja x ∈ S1. Pela regra da cadeia, D f i(x) = D f i−k( f k(x)) ·D f k(x). Assim,
D f k(x)
∑n−1i=0 D f i(x)
=D f k(x)
D f k(x)∑n−1i=0 D f i−k( f k(x))
=1
∑n−1i=0 D f i−k( f k(x))
.
A Proposição segue da Desigualdade de Denjoy.
Lema 4.13. Se ci > 0, ∑∞i=0 ci =+∞ e (bi) é uma sequência de números reais com lim
i→+∞bi = 0,
então
limn→+∞
∑n−1i=0 cibi
∑n−1i=0 ci
= 0.
Demonstração. Dado ε ∈ (0,1), existe n0 ∈ N tal que, se i ≥ n0, bi < ε . Assim, para n > n0,
temos∑
n−1i=0 cibi
∑n−1i=0 ci
=∑
n0−1i=0 cibi +∑
n−1i=n0
cibi
∑n−1i=0 ci
<∑
n0−1i=0 cibi
∑n−1i=0 ci
+ ε.
Fazendo n→+∞, como ∑n0−1i=0 cibi =C <+∞,
limn→+∞
∑n−1i=0 cibi
∑n−1i=0 ci
≤ ε.
Como ε é arbitrário, segue o resultado.
Proposição 4.14. Para todo n,
|ϕn|0 ≤∣∣∣∣D2 f
D f
∣∣∣∣0,
121
e, se n→+∞, ϕn→−12
ψ m-quase todo ponto em L1(S1,m).
Demonstração. Como D2 f 0 = 0, temos, pelo Lema 4.11,
ϕn = D
(1
∑n−1i=0 D f i
)=− ∑
n−1i=1 D2 f i(
∑n−1i=0 D f i
)2 =−∑
n−1i=1 D f i ·
(∑
i−1j=0
D2 fD f◦ f j ·D f j
)(∑
n−1i=0 D f i
)2 ,
de onde segue que, para todo n≥ 1,
|ϕn|0 ≤∣∣∣∣D2 f
D f
∣∣∣∣0.
Vamos mostrar que, quando n→ +∞, ϕn →12
ψ m-quase sempre; pelo Teorema da Con-
vergência Dominada (Teorema B.12), seguirá que ϕn→12
ψ em L1.
Sejam
An =∑
n−1i=1 D f i ·
(∑
i−1j=0 D f j
)(∑
n−1i=0 D f i
)2 (ψi−ψ) e Bn =∑
n−1i=1 D f i ·
(∑
i−1j=0 D f j
)(∑
n−1i=0 D f i
)2 ·ψ.
Note que An +Bn = −ϕn. Mostraremos que, quando n→ +∞, An → 0 e Bn →12
ψ m-quase
sempre.
Seja x ∈ S1 tal que limi→+∞
ψi(x) = ψ(x). Então,
|An(x)| ≤∑
n−1i=1 D f i(x)|ψi(x)−ψ(x)|
∑n−1i=0 D f i(x)
.
Pela Desigualdade de Denjoy, D f qi(x) ≥ e−V para todo i, de forma que ∑n−1i=0 D f i(x)→ +∞
quando n→+∞. Assim, pelo Lema 4.13, segue que An→ 0 m-quase sempre.
O próximo passo é mostrar que Bn→12
ψ m-quase sempre. Note que Bn = Dn ·ψ , onde
Dn =∑
n−1i=1 D f i ·
(∑
i−1j=0 D f j
)(∑
n−1i=0 D f i
)2 =
12(∑
n−1i=0 D f i)2− 1
2∑
n−1i=0 (D f i)2(
∑n−1i=0 D f i
)2 =12− 1
2∑
n−1i=0 (D f i)2(
∑n−1i=0 D f i
)2 .
Dado x ∈ R, temos
∑n−1i=0 (D f i)2(x)(
∑n−1i=0 D f i(x)
)2 ≤ max0≤k≤n−1
D f k(x)∑n−1i=0 D f i(x)(
∑n−1i=0 D f i(x)
)2 = max0≤k≤n−1
D f k(x)
∑n−1i=0 D f i(x)
≤ max0≤k≤n−1
∣∣∣∣∣ D f k
∑n−1i=0 D f i
∣∣∣∣∣0
.
122
Assim, pelo Lema 4.12, Dn→12
uniformemente quando n→ +∞. Logo, Bn→12
ψ m-quase
sempre, concluindo a demonstração.
Como consequência da Proposição 4.14, temos:
Proposição 4.15. Para m-quase todo x, ψ(x) = 0.
Demonstração. Pela Desigualdade de Denjoy, D f qi ≥ e−V . Logo,1
∑n−1i=0 D f i
converge unifor-
memente a 0, quando n→+∞ e, consequentemente,
ϕn = D
(1
∑n−1i=0 D f i
)→ 0.
O resultado segue então da Proposição 4.14, já que ϕn→−12
ψ em L1.
Corolário 4.16. Para toda ξ ∈C1(S1),
limn→+∞
|ψn|L1 = 0 e limn→+∞
∣∣∣∣∣D(
ξ
∑n−1i=0 D f i
)∣∣∣∣∣L1
= 0.
Demonstração. Como ψn→ ψ em L1, pela Proposição 4.15 segue que limn→+∞ |ψn|L1 = 0. A
segunda igualdade decorre de
D
(ξ · 1
∑n−1i=0 D f i
)=
Dξ
∑n−1i=0 D f i
+ξ ·ϕn,
das Proposições 4.14, 4.15 e da Desigualdade de Denjoy.
Agora já podemos provar a m-ergodicidade de f ∈ Dif2+(S1) quando ρ( f ) ∈ R\Q.
Teorema 4.17. Se f ∈ Dif2+(S1), com ρ( f ) = α ∈ R \Q, então f é ergódica com respeito à
medida de Lebesgue, m.
Demonstração. Seja A⊂ S1 tal que f (A) = A. Devemos mostrar que m(A) = 0 ou 1.
Considere as funções
χA(x) =
1−m(A), se x ∈ A;
−m(A), se x ∈ S1 \A.
e
Φ(x) =∫ x
0χA(t)dt,
123
com 0≤ x≤ 1. Note que∫ 1
0χA(t)dt =
∫A
χA(t)dt +∫S1\A
χA(t)dt = m(A)(1−m(A))+(1−m(A))(−m(A)) = 0.
Logo,
Φ(x+1) = Φ(x)
e, como Φ é contínua, Φ ∈C0(S1).
Seja µ a única medida de probabilidade invariante por f . Defina
ΦA(x) = Φ(x)−∫S1
Φdµ.
Observe que ∫S1
ΦAdµ =∫S1
Φdµ−∫S1
Φdµ = 0.
Assim, pela Desigualdade de Denjoy-Koksma,∣∣∣∣∣qn−1
∑i=0
ΦA ◦ f i(x)
∣∣∣∣∣≤ Var(Φ) =∫S1|χA(t)|dt = 2m(A)(1−m(A))≤ 1
2. (4.5)
Seja ϕ ∈C1(S1). Note que, como A é invariante por f , então χA ◦ f i = f i para todo i ∈ N.
Além disso, D(ΦA ◦ f i) = χA ◦ f i ·D f i. Assim,
∫S1
ϕ ·χAdm =∫S1
ϕ∑
qn−1i=0 χA ◦ f i ·D f i
∑qn−1i=0 D f i
dm
=∫S1
ϕ
∑qn−1i=0 D f i
·D
(qn−1
∑i=0
ΦA ◦ f i
)dm
=
[ϕ
∑qn−1i=0 D f i
·qn−1
∑i=0
ΦA ◦ f i
]1
0
−∫S1
D
(ϕ
∑qn−1i=0 D f i
)·
qn−1
∑i=0
ΦA ◦ f idm.
Como ϕ, f i e D f i são periódicas de período 1, então[ϕ
∑qn−1i=0 D f i
·qn−1
∑i=0
ΦA ◦ f i
]1
0
= 0.
Assim, por 4.5 ∣∣∣∣∫S1ϕ ·χAdm
∣∣∣∣≤ 12
∣∣∣∣∣D(
ϕ
∑qn−1i=0 D f i
)∣∣∣∣∣L1
e, fazendo n→+∞, pelo Corolário 4.16,∣∣∣∣∫S1ϕ ·χAdm
∣∣∣∣= 0.
124
Como ϕ ∈ C1(S1) foi tomada de forma arbitrária, segue que χA ≡ 0 m-quase sempre. Logo,
m(A) = 0 ou 1.
4.4 Convergência das Funções fn
Nesta Seção demonstraremos o Teorema 4.31, que é o principal resultado deste Capítulo.
Provaremos que se f ∈ Dr(S1), com 3≤ r ≤ ω , não necessariamente inteiro, se ρ( f ) = α é de
tipo de Roth e se existe ε > 0 tal que f é C1+ε -conjugada a Rα , então f é Cr−(1+β )-conjugada
a Rα , para todo β > 0. Além disso, se f ∈ D∞(S1) ou f ∈ Dω(S1), então f é C∞-conjugada
ou Cω -conjugada a Rα , respectivamente. Esse Teorema será fundamental na demonstração do
Teorema Fundamental das Conjugações, no próximo Capítulo.
A ideia da demonstração do Teorema 4.31 consiste em associar a f uma sequência ( fn) em
Dr(S1), com fn convergindo para Rα em uma topologia conveniente. Usando um Teorema Local
de Conjugação (Teorema 4.30) provado por Michael Herman no anexo de sua Tese (HERMAN,
1979), mostraremos que existe uma vizinhança de Rα nessa topologia tal que, se g pertence a
essa vizinhança e ρ(g) = α , então g é Cr−(1+β )-conjugada a Rα , para todo β > 0.
A seguir definiremos as funções fn e passaremos a estudar a sua convergência para Rα .
4.4.1 Convergência nas Topologias C0 e C1
Seja f ∈ Dr(S1), com ρ( f ) = α e 0≤ r ≤ ω . Para n≥ 1, definimos
gn =1n
n−1
∑i=0
( f i− iα).
Como D f i > 0, pelo Teorema da Função Inversa, gn é um difeomorfismo de classe Cr. Além
disso,
gn(x+1) =1n
n−1
∑i=0
( f i(x+1)− iα) =1n
n−1
∑i=0
(1+ f i(x)− iα) = 1+1n
n−1
∑i=0
( f i(x)− iα) = 1+gn(x).
Logo, gn ∈ Dr(S1). Se f = g−1 ◦Rα ◦g, com g ∈ Dr(S1), segue da Proposição 2.24 que gn→g+ c na topologia Cr, onde c ∈ R é constante.
Seja
fn = gn ◦ f ◦g−1n .
125
Como
gn ◦ f =1n
n−1
∑i=0
( f i+1− iα) =f n− Id
n+gn = α +gn +
f n− Id−nα
n,
então
fn = gn ◦ f ◦g−1n =
(α +gn +
f n− Id−nα
n
)◦g−1
n = Rα +f n− Id−nα
n◦g−1
n .
Nesta Seção veremos sob que condições e em que topologias a sequência ( fn)n∈N converge para
Rα .
Proposição 4.18. Seja f ∈ D0(S1), com ρ( f ) = α . Se n→ +∞, então fn→ Rα na topologia
C0.
Demonstração. Pela Proposição 2.6, | f n− Id−nα|0 < 1. Logo,
| fn−Rα |0 =∣∣∣∣ f n− Id−nα
n◦g−1
n
∣∣∣∣0=
∣∣∣∣ f n− Id−nα
n
∣∣∣∣0<
1n.
Fazendo n→+∞, segue o resultado.
Proposição 4.19. Seja f ∈ D1+vl(S1). Se ρ( f ) = α ∈ R\Q, então fn→ Rα na topologia C1.
Demonstração. Já vimos na Proposição 4.18 que fn→ Rα na topologia C0. Falta mostrar que
D fn→ DRα na topologia C0.
Note que
D fn−DRα = D(
f n− Id−nα
n◦g−1
n
)=
D f n−1n
◦g−1n ·Dg−1
n
e que
Dg−1n =
1Dgn ◦g−1
n=
n
∑n−1i=0 D f i
◦g−1n . (4.6)
Assim,
D fn−DRα =D f n−1
∑n−1i=0 D f i
◦g−1n . (4.7)
Como D f n = D f ◦ f n−1 ·D f n−1, temos
|D fn−DRα |0 =
∣∣∣∣∣ D f n−1
∑n−1i=0 D f i
◦g−1n
∣∣∣∣∣0
=
∣∣∣∣∣ D f n−1
∑n−1i=0 D f i
∣∣∣∣∣0
≤ |D f |0
∣∣∣∣∣ D f n−1
∑n−1i=0 D f i
∣∣∣∣∣0
+
∣∣∣∣∣ 1
∑n−1i=0 D f i
∣∣∣∣∣0
.
A Proposição segue, então, do Lema 4.12.
126
4.4.2 Convergência na Topologia C2
Nosso próximo objetivo é mostrar que se f ∈ D2(S1), com ρ( f ) = α ∈ R \Q e f C1-
conjugada a Rα , então fn→ Rα na topologia C2 (Proposição 4.24). Mas antes precisaremos de
alguns resultados auxiliares.
Lema 4.20. Sejam ϕ : S1→ R de variação limitada e f : S1→ S1 um homeomorfismo. Então
ϕ ◦ f é de variação limitada sobre S1 e Var(ϕ ◦ f ) = Var(ϕ).
Demonstração. Inicialmente note que, para todo α ∈R, Var(ϕ) = Var(ϕ ◦Rα). Logo podemos
supor que f (0) = 0 pois, caso contrário, basta substituir f por f ◦Rc, onde c é uma constante
apropriada. Como f : [0,1]→ [0,1] é uma função estritamente monótona e
n−1
∑i=0|ϕ ◦ f ◦ f−1(xi+1)−ϕ ◦ f ◦ f−1(xi)|=
n−1
∑i=0|ϕ(xi+1)−ϕ(xi)|,
segue o resultado.
Lema 4.21. Sejam f ∈ D2(S1), com ρ( f ) = α ∈ R \Q e Vn = Var(log(D fn)). Se n→ +∞,
então Vn→ 0.
Demonstração. Pela igualdade 4.7 e pelo Lema 4.20,
Var(D fn) = Var(D fn−1)
= Var
(D f n−1
∑n−1i=0 D f i
◦g−1n
)
= Var
(D f n−1
∑n−1i=0 D f i
)
≤ Var
(1
∑n−1i=0 D f i
)+Var
(D f n
∑n−1i=0 D f i
).
Lembrando que, se ϕ ∈C1(S1) então Var(ϕ) = |Dϕ|L1 (para verificar isso basta usar o Teorema
do Valor Médio), temos, pelo Corolário 4.16,
Var
(1
∑n−1i=0 D f i
)=
∣∣∣∣∣D(
1
∑n−1i=0 D f i
)∣∣∣∣∣L1
→ 0
quando n→+∞. Além disso,
D f n
∑n−1i=0 D f i
=D f ◦ f n−1 ·D f n−1
∑n−1i=0 D f i−n+1 ◦ f n−1 ·D f n−1
=D f
∑n−1i=0 D f−i
◦ f n−1,
127
de onde temos
Var
(D f n
∑n−1i=0 D f i
)= Var
(D f
∑n−1i=0 D f−i
)=
∣∣∣∣∣D(
D f
∑n−1i=0 D f−i
)∣∣∣∣∣L1
→ 0
quando n → +∞, pelo Corolário 4.16. Logo, Var(D fn) → 0 e, consequentemente,
Var(log(D fn))→ 0.
Lema 4.22. Seja f ∈ D2(S1), com ρ( f ) = α ∈ R\Q. Então,
limk→+∞
|D f qk−1|0 = 0.
Demonstração. Pelo Teorema de Denjoy, f é C0-conjugada a Rα e, consequentemente, f qkn =
gn ◦ f qk ◦ g−1n é C0-conjugada a Rqk
α = Rαqk . Mas note que pela Proposição 3.5, Rαqk → Id(
mod 1), de forma que, para n fixo, também temos f qkn → Id( mod 1).
Assim, derivando f qk = g−1n ◦ f qk
n ◦gn, obtemos
D f qk =Dg−1
n ◦ f qkn ◦gn
Dg−1n ◦gn
·D f qkn ◦gn
e, portanto,
limk→+∞
|D f qk−1|0 = 0.
Lema 4.23 (Convergência de Cesàro). Seja (an)n∈N uma sequência de números reais conver-
gente, com
limn→+∞
an = L.
Então,
limn→+∞
1n
n−1
∑k=0
ak = L.
Demonstração. Seja ε > 0. Existe n0 ∈ N tal que, se n≥ n0,
|an−L|< ε.
Assim, para n≥ n0,∣∣∣∣∣1n n−1
∑k=0
ak−L
∣∣∣∣∣≤ 1n
n0−1
∑k=0|ak−L|+ 1
n
n−1
∑k=n0
|ak−L|< 1n
n0−1
∑i=0|ak−L|+ ε.
Fazendo n→+∞,
limn→+∞
1n
n−1
∑k=0
ak ≤ ε
128
e como ε > 0 é arbitrário, segue o resultado.
Usando os Lemas anteriores, podemos agora provar a convergência de fn para Rα na topo-
logia C2.
Proposição 4.24. Seja f ∈ D2(S1), com ρ( f ) = α ∈ R\Q. Suponha que f é C1-conjugada a
Rα . Então, se n→+∞, fn→ Rα na topologia C2.
Demonstração. Na Proposição 4.19 mostramos que fn→ Rα na topologia C1. Resta mostrar
que |D2 f n−D2Rα |0 = |D2 f n|0→ 0.
Da igualdade 4.7 temos
D2( fn) = D
(1+
D f n−1
∑n−1i=0 D f i
◦g−1n
)
e, usando 4.6,
D2( fn) =
[D2 f n
∑n−1i=0 D f i
· 11n
(∑
n−1i=0 D f i
) − (D f n−1) · ∑n−1i=0 D2 f i(
∑n−1i=0 D f i
)2 ·1(1
n ∑n−1i=0 D f i
)]◦g−1n . (4.8)
Logo,
|D2( fn)|0 ≤∣∣∣∣D2 f n
n
∣∣∣∣0·
∣∣∣∣∣ n
∑n−1i=0 D f i
∣∣∣∣∣2
0
+ |D f n−1|0 ·
∣∣∣∣∣∑n−1i=0 D2 f i
n2
∣∣∣∣∣0
·
∣∣∣∣∣ n
∑n−1i=0 D f i
∣∣∣∣∣3
0
.
Para mostrar que |D2 f n−D2Rα |0 = |D2 f n|0→ 0, verificaremos os seguintes itens:
i) supn∈N|D f n−1|0 <+∞;
ii) supn∈N
∣∣∣∣∣ n
∑n−1i=0 D f i
∣∣∣∣∣0
<+∞;
iii) limn→+∞
∣∣∣∣D2 f n
n
∣∣∣∣0= 0;
iv) limn→+∞
∣∣∣∣∣∑n−1i=0 D2 f i
n2
∣∣∣∣∣0
= 0.
Como f é C1-conjugada a Rα , pelo Teorema 2.23,
H1( f ) = supj∈Z|D f j|0 = k <+∞,
129
de onde obtemos o item i). Além disso, pela Proposição 2.22,
1k≤ 1
D f n ≤ k
para todo n ∈ Z e, portanto,
supn∈N
∣∣∣∣∣ n
∑n−1i=0 D f i
∣∣∣∣∣0
< k,
provando o item ii).
Pelo Lema 4.11,
D2 f n = D f n ·
(n−1
∑i=0
D2 fD f◦ f i ·D f i
),
de forma que∣∣∣∣D2 f n
n
∣∣∣∣0≤ |D f n|0 ·
∣∣∣∣∣1n n−1
∑i=0
D2 fD f◦ f i ·D f i
∣∣∣∣∣0
≤ k
∣∣∣∣∣1n n−1
∑i=0
D2 fD f◦ f i ·D f i
∣∣∣∣∣0
.
Como f é C1-conjugada a Rα , existe g∈D1(S1) tal que f = g−1◦Rα ◦g. Logo, f i = g−1◦Riα ◦g
e
D f i = (Dg−1 ◦Riα ◦g) ·Dg.
Assim,
1n
n−1
∑i=0
D2 fD f◦ f i ·D f i =
1n
n−1
∑i=0
D2 fD f◦g−1 ◦Riα ◦g · (Dg−1 ◦Riα ◦g) ·Dg =
1n
n−1
∑i=0
ϕ ◦Riα ◦g ·Dg,
onde
ϕ =D2 fD f◦g−1 ·Dg−1 = D(logD f ◦g−1).
Se mostrarmos que1n
n−1
∑i=0
ϕ ◦Riα → 0
uniformemente, provaremos o item iii). Mas note que∫ 1
0ϕ(t)dt = logD f ◦g−1(1)− logD f ◦g−1(0) = 0
(pois logD f ◦g−1 é periódica, de período 1) e, como Riα é unicamente ergódica, pelo Teorema
Ergódico,
limn→+∞
1n
n−1
∑i=0
ϕ ◦Riα =∫ 1
0ϕ(t)dt = 0.
130
Finalmente, como1n
∣∣∣∣∣n−1
∑i=0
D2 f i
n
∣∣∣∣∣0
≤ 1n
n−1
∑i=1
∣∣∣∣D2 f i
i
∣∣∣∣0,
o item iv) segue do item iii) e do Lema 4.23, o que conclui a demonstração.
4.4.3 Convergência na Topologia C2+ε ′
Seja f ∈ D2+ε(S1), com ρ( f ) = α ∈ R\Q e 0 < ε < 1. Na Proposição 4.29 mostraremos
que se f é C1+ε -conjugada a Rα , então fn→ Rα na topologia C2+ε ′ , para todo ε ′ < ε . Antes,
provaremos alguns Lemas.
Lema 4.25. Sejam 0 < ε < 1 e ϕ ∈ Lip(S1). Então,
|ϕ|ε ≤ 2|ϕ|1−ε
0 |ϕ|εLip.
Em particular, se ϕ ∈C1(S1),
|ϕ|ε ≤ 2|ϕ|1−ε
0 |Dϕ|ε0.
Demonstração. Seja t > 0. Então,
|ϕ|ε = supx 6=y
|ϕ(x)−ϕ(y)||x− y|ε
≤ max
{sup|x−y|≥t
|ϕ(x)−ϕ(y)||x− y|ε
, sup|x−y|<t
|ϕ(x)−ϕ(y)||x− y|ε
}
≤ max{
2|ϕ|0tε
, |Dϕ|L∞t1−ε
}.
Note que, se |ϕ|Lip = |Dϕ|L∞ = 0 então ϕ é constante e a conclusão da Proposição é imediata.
Supondo então que |Dϕ|L∞ 6= 0, tomando t =2|ϕ|0|Dϕ|L∞
na desigualdade anterior temos
2|ϕ|0tε
= |Dϕ|L∞t1−ε
e
|ϕ|ε ≤ |Dϕ|L∞t1−ε = |Dϕ|L∞
(2|ϕ|0|Dϕ|L∞
)1−ε
≤ 2|ϕ|1−ε
0 |Dϕ|εL∞ = 2|ϕ|1−ε
0 |ϕ|εLip.
Lema 4.26. Sejam 0 < ε < 1 e ϕ ∈Cε(S1). Se ε ′ < ε , então
|ϕ|ε ′ ≤ 2|ϕ|1−ε ′ε
0 |ϕ|ε ′ε
ε .
131
Demonstração. Seja t > 0. Procedendo como na demonstração do Lema 4.25, obtemos
|ϕ|ε ′ ≤max{
2|ϕ|0tε ′
, |ϕ|ε · tε−ε ′}.
Se |ϕ|ε = 0, então ϕ é constante e não há o que provar. Suponha então que |ϕ|ε 6= 0. Tomando
t =(
2|ϕ|0|ϕ|ε
) 1ε
temos2|ϕ|0
tε ′= |ϕ|ε · tε−ε ′ , de forma que
|ϕ|ε ′ ≤ |ϕ|ε ·(
2|ϕ|0|ϕ|ε
) ε−ε ′ε
≤ 2|ϕ|1−ε ′ε
0 |ϕ|ε ′ε
ε .
Lema 4.27. Sejam ϕ ∈Cε(S1) e f ∈D0(S1) lipschitziana, com constante de Lipschitz k. Então
ϕ ◦ f ∈Cε(S1) e
|ϕ ◦ f |ε ≤ kε |ϕ|ε .
Demonstração. Para todo x 6= y temos
|ϕ ◦ f (x)−ϕ ◦ f (y)| ≤ |ϕ|ε | f (x)− f (y)|ε ≤ |ϕ|εkε |x− y|ε .
Logo,
|ϕ ◦ f |ε = supx 6=y
|ϕ ◦ f (x)−ϕ ◦ f (y)||x− y|ε
≤ |ϕ|εkε .
Lema 4.28. Seja (ϕn)n∈N uma sequência em Cε(S1), que converge uniformemente para 0. Se
supn∈N|ϕn|ε <+∞, então
limn→+∞
|ϕn|ε ′ = 0
para todo 0≤ ε ′ < ε .
Demonstração. Pelo Lema 4.26,
|ϕn|ε ′ ≤ 2|ϕn|1− ε ′
ε
0 |ϕn|ε ′ε
ε .
Como supn∈N|ϕn|
ε ′ε
ε < +∞, basta verificarmos que |ϕn|1− ε
ε ′0 → 0. Mas isso decorre do fato que
ϕn→ 0 uniformemente e que 1− ε ′
ε> 0.
132
Proposição 4.29. Sejam 0 < ε < 1 e f ∈ D2+ε(S1), com ρ( f ) = α ∈ R\Q. Suponha que f é
C1+ε -conjugada a Rα . Então, para todo ε ′ < ε , se n→+∞ então fn→ Rα na topologia C2+ε ′ .
Demonstração. Na Proposição 4.24 vimos que fn→ Rα na topologia C2. Resta verificar que
|D2 fn|ε ′ → 0, para todo ε ′ < ε . Por 4.8,
D2( fn) =
D2 f n
n· 1
1n2
(∑
n−1i=0 D f i
)2 − (D f n−1) ·
(n−1
∑i=0
D2 f i
n2
)1
1n3
(∑
n−1i=0 D f i
)3
◦g−1n .
Assim, pelo Lema 4.27,
|D2( fn)|ε ≤C
∣∣∣∣D2 f n
n
∣∣∣∣ε
·
∣∣∣∣∣ 11n ∑
n−1i=0 D f i
∣∣∣∣∣2
ε
+ |D f n−1|ε ·
∣∣∣∣∣n−1
∑i=0
D2 f i
n2
∣∣∣∣∣ε
∣∣∣∣∣ 11n ∑
n−1i=0 D f i
∣∣∣∣∣3
ε
,onde C = sup
n∈N|Dg−1
n |ε0. Procedendo como na demonstração da Proposição 4.24, concluímos que
|D2( fn)|ε <+∞ e, pelo Lema 4.28, segue que
limn→+∞
|D2 fn|ε ′ = 0,
para todo ε ′ < ε .
4.5 Conjugação Local
Usando a Proposição 4.29, podemos agora provar o Teorema 4.31, que é o principal resul-
tado deste Capítulo. Um resultado fundamental para a demonstração é o Teorema 4.30, que
foi provado no Anexo de (HERMAN, 1979). Como a demonstração do Teorema 4.30 é muito
extensa, optamos por omiti-la.
Teorema 4.30 (Teorema Local de Conjugação). Seja α ∈ R de tipo de Roth. Então,
para todo ε > 0, existe uma vizinhança V 2+2ε
Rαna topologia C2+2ε de Rα tal que, se f ∈
V 2+2ε
Rα∩Dr(S1),r ≥ 2+2ε e ρ( f ) = α , então f é Cr−(1+β )-conjugada a Rα , para todo β > 0.
Além disso, se f ∈ D∞(S1) ou f ∈ Dω(S1), então f é C∞-conjugada ou Cω -conjugada a Rα ,
respectivamente.
Demonstração. Veja o Anexo de (HERMAN, 1979). Uma prova mais simples é feita em (HER-
MAN, 1985).
Finalmente, podemos agora provar o último e mais importante Teorema deste Capítulo.
133
Teorema 4.31. Seja α ∈ R de tipo de Roth. Seja f ∈ Dr(S1), com 3 ≤ r ≤ ω , não neces-
sariamente inteiro, e ρ( f ) = α . Suponha que exista ε > 0 tal que f seja C1+ε -conjugada a
Rα . Então f é Cr−(1+β )-conjugada a Rα , para todo β > 0. Além disso, se f ∈ D∞(S1) ou
f ∈ Dω(S1), então f é C∞-conjugada ou Cω -conjugada a Rα , respectivamente.
Demonstração. Sejam 0 < 2ε1 < ε ′ < ε e
Frα = { f ∈ Dr(S1);ρ( f ) = α}.
Pela Proposição 4.29, fn→ Rα na topologia C2+ε ′ e, pelo Teorema 4.30, existe uma vizinhança
V 2(1+ε1)Rα
de Rα em F2(1+ε1)α , munido da topologia C2(1+ε1) tal que, se f ∈ V 2(1+ε1)
Rα∩F2(1+ε1)
α ,
com 2(1+ ε1)≤ r ≤ ω , então f é Cr−(1+ε1)-conjugada a Rα (e se f ∈ D∞(S1) ou f ∈ Dω(S1),
então f é C∞ ou Cω -conjugada a Rα , respectivamente).
Além disso, note que pela Proposição 2.8 fn ∈ Frα para todo n, pois fn = gn ◦ f ◦ g−1
n ,
gn ∈ Dr(S1) e ρ( f ) = α . Assim, como 2(1+ ε1) < 2+ ε ′ < 2+ ε , para n suficientemente
grande, fn é Cr−(1+β )-conjugada a Rα , para todo β > 0. Como f = g−1n ◦ fn ◦gn e gn ∈Dr(S1),
segue que f também é Cr−(1+β )-conjugada a Rα , para todo β > 0.
134
135
5 O Teorema Fundamental dasConjugações
Demonstraremos neste Capítulo um dos dois principais resultados desta Dissertação: o Te-
orema Fundamental das Conjugações (Teorema 5.22). Esse Teorema foi provado por Michael
Herman em 1976. Herman mostrou que se f ∈ Dr(S1), com 3 ≤ r ≤ ω , não necessariamente
inteiro, e se ρ( f ) = α ∈A , então f é Cr−1−β -conjugado a Rα , para todo β > 0. Além disso,
se f é um difeomorfismo de classe C∞ ou de classe Cω , então f é C∞ ou Cω -conjugada a Rα ,
respectivamente. Esse Teorema de certa forma completa a teoria iniciada por Poincaré e Denjoy.
Para demonstrarmos o Teorema 5.22, seguiremos os Capítulos VIII e IX de (HERMAN,
1979), provando antes vários resultados auxiliares. Na verdade todo o esforço estará con-
centrado nesses resultados auxiliares: a demonstração do Teorema 5.22 consistirá apenas em
encadeá-los de forma adequada.
A ideia da demonstração é a seguinte: considere uma função f ∈D3(S1), com ρ( f ) = α de
tipo de Roth. No Teorema 5.5 provaremos que, se existe δ > 0 tal que
|D f qn−1|0 = O(q−δn )
quando n→ +∞, então f é C1+ε -conjugada à Rα para todo ε <δ
1+δ. Na verdade, como
vimos no Teorema 4.31, f será Cr−(1+β )-conjugada a Rα , para todo β > 0. No Teorema 5.1
mostraremos que
|D f qn−1|0 ≤32(2| f qn− Id−pn|0|D2 f qn|0)
12 .
Assim, para provarmos o Teorema Fundamental das Conjugações, resta mostrar que existe um
δ > 0 tal que
(2| f qn− Id−pn|0|D2 f qn|0)12 = O(q−δ
n )
quando n→ +∞. Para isso, faremos estimativas sobre | f qn− Id−pn|0 e |D2 f qn|0. Como vere-
mos, a estimativa de |D2 f qn|0 depende também da estimativa de max0≤i<qn
|D f i|0.
Na próxima Seção provaremos os Teoremas 5.1 e 5.5. Na Seção 5.2 provaremos as outras
136
estimativas necessárias para concluir a demonstração do Teorema Fundamental das Conjuga-
ções.
5.1 Critério de C1+ε-conjugação
Os resultados mais importantes desta Seção são os Teoremas 5.1 e 5.5. O primeiro nos
dará uma estimativa de |Dϕ|0 em função de |ϕ|0 e |D2ϕ|0 quando ϕ ∈ C2(S1). No segundo,
mostraremos que se f ∈D2(S1), com ρ( f ) =α ∈R\Q de tipo de Roth, e se existe δ > 0 tal que
|D f qn − 1|0 = O(q−δn ) quando n→ +∞, então f é C1+ε -conjugada à Rα para todo ε <
δ
1+δ.
Ambos resultados serão usados na demonstração do Teorema Fundamental das Conjugações.
Teorema 5.1. Seja ϕ ∈C2(S1). Então,
|Dϕ|0 ≤32(2|ϕ|0|D2
ϕ|0)12 .
Demonstração. Sejam x e a ∈R, com a > 0. Pelo Teorema do Valor Médio, existe ξ1 ∈ (x,x+
a) tal queϕ(x+a)−ϕ(x)
a= Dϕ(ξ1).
Da mesma forma, existe ξ2 ∈ (x−a,x) tal que
ϕ(x)−ϕ(x−a)a
= Dϕ(ξ2).
Assim,
ϕ(x+a)−ϕ(x−a) = a(Dϕ(ξ1)+Dϕ(ξ2))
= 2aDϕ(x)+(Dϕ(ξ1)−Dϕ(x))a+(Dϕ(ξ2)−Dϕ(x))a
e, portanto,
2aDϕ(x) = ϕ(x+a)−ϕ(x−a)+(Dϕ(x)−Dϕ(ξ1))a+(Dϕ(x)−Dϕ(ξ2))a. (5.1)
Novamente pelo Teorema do Valor Médio,
|Dϕ(x)−Dϕ(ξ1)| ≤ |D2ϕ|0|x−ξ1|< |D2
ϕ|0a
e |Dϕ(x)−Dϕ(ξ2)|< |D2ϕ|0a. Assim, por 5.1 temos
2a|Dϕ(x)| ≤ 2|ϕ|0 +2|D2ϕ|0a2. (5.2)
137
Se |D2ϕ|0 = 0, então |Dϕ|0 é constante e, como Dϕ se anula, já que ϕ é periódica e contínua,
segue que Dϕ ≡ 0. Assim, nesse caso a demonstração do Teorema é imediata. Supondo então
que |D2ϕ|0 6= 0 e fazendo a =
(2|ϕ|0|D2ϕ|0
) 12
em 5.2 temos
2(
2|ϕ|0|D2ϕ|0
) 12
|Dϕ(x)| ≤ 6|ϕ|0
e
|Dϕ(x)| ≤ 321/2 (|ϕ|0|D
2ϕ|0)
12 <
32(2|ϕ|0|D2
ϕ|0)12 .
No Teorema 4.7 vimos que se f ∈ D1+vl(S1), com ρ( f ) = α ∈ R\Q, então
−V ≤ logD f±qn ≤V
para todo n, onde V = Var(logD f ). Porém ainda não temos nenhuma estimativa para logD f k,
para um k ∈ N qualquer. Para conseguir uma estimativa mais geral, vamos escrever logD f k
como soma de funções do tipo logD f qi ◦ f j.
Seja f ∈D0(S1), com ρ( f ) = α ∈R\Q e ϕ : R→R é periódica, de período 1, de variação
limitada em [0,1]. Para n≥ 1 inteiro, defina
ϕn =n−1
∑i=0
ϕ ◦ f i.
Se qk ≤ n < qk+1, pelo Algoritmo de Euclides podemos escrever
n = bkqk + rk,
com bk e rk inteiros, rk < qk e 1≤ bk ≤ ak+1 (lembre-se que qk+1 = ak+1qk +qk−1). Dividindo
rk por qk−1 e repetindo esse processo obtemos
n = bkqk +bk−1qk−1 + · · ·+b0q0
com 0≤ bi ≤ ai+1 e ri =i−1
∑j=0
b jq j < qi, para todo 0≤ i≤ k. Assim,
ϕn =n−1
∑i=0
ϕ ◦ f =k
∑i=0
bi−1
∑j=0
qi−1
∑l=0
(ϕ ◦ f l+ri+ jqi) =k
∑i=0
bi−1
∑j=0
(ϕqi ◦ f ri+ jqi), (5.3)
138
com
r0 = 0 e ri =i−1
∑j=0
b jq j,
e com a convenção de que a soma ∑bi−1j=0 é nula quando bi = 0.
Suponha agora que f ∈ D1(S1) e considere ϕ = logD f . Por 2.1,
log(D f n) =n−1
∑i=0
(logD f )◦ f i =n−1
∑i=0
ϕ ◦ f i = ϕn.
Assim, substituindo ϕn por log(D f n) em 5.3,
logD f n =k
∑i=0
bi−1
∑j=0
(logD f qi ◦ f ri+ jqi). (5.4)
Usaremos essa representação de logD f n para provarmos a próxima Proposição, na qual dare-
mos um critério de C1-conjugação.
Proposição 5.2. Seja f ∈ D1(S1). Se ρ( f ) = α é de tipo de Roth e se existe β > 0 tal que
|D f qn−1|0 = O(q−βn ) quando n→+∞, então f é C1-conjugada a Rα .
Demonstração. Como vimos na demonstração do Teorema 2.23, para mostrarmos que f é C1-
conjugada a Rα basta provarmos que supn∈N| logD f n|0 <+∞.
Inicialmente, note que q−βn ≤ 1 e que q−β
n → 0, quando n→+∞, já que β > 0 e qn→+∞.
Como |D f qn−1|0 = O(q−βn ) quando n→+∞, existem M > 0 e n0 ∈ N tais que, se n≥ n0,
|D f qn−1|0 ≤Mq−βn ≤M.
Como a função x 7→ logx é lipschitziana em [−M,M], existe C > 0 tal que
| logD f qn|0 ≤C|D f qn−1|0 ≤CMq−βn ,
para todo n≥ n0.
Por 5.4, para qk ≤ n < qk+1 podemos escrever
logD f n =k
∑i=0
bi−1
∑j=0
(logD f qi ◦ f ri+ jqi),
com r0 = 0,ri = ∑i−1j=0 b jq j,0≤ bi≤ ai+1 e com a convenção de que a soma ∑
bi−1j=0 é nula quando
139
bi = 0. Assim, para k ≥ n0, temos
| logD f n|0 ≤k
∑i=0
ai+1| logD f qi|0 =n0−1
∑i=0
ai+1| logD f qi|0 +k
∑i=n0
ai+1| logD f qi|0
e, portanto,
| logD f n|0 ≤n0−1
∑i=0
ai+1| logD f qi|0 +CMk
∑i=n0
ai+1q−β
i .
Mas note que como α é de tipo de Roth, pela Proposição 3.25, temos
k
∑i=n0
ai+1q−β
i ≤∞
∑i=0
ai+1q−β
i < ∞.
Segue que supn∈N| logD f n|0 <+∞ e, consequentemente, f é C1-conjugada a Rα .
O próximo Lema será usado na demonstração da Proposição 5.4, na qual daremos um
critério de C1+β -conjugação.
Lema 5.3. Se 0 < β < 1 e f ∈ D1+β (S1) tal que supn∈N| logD f qn |β < +∞ então existe C > 0 tal
que, para todo n,1C| logD f qn |β ≤ |D f qn−1|β ≤C| logD f qn|β .
Demonstração. Inicialmente, note que se ϕ : R→ R é periódica de período 1 então
|ϕ|β = supx 6=y
|ϕ(x)−ϕ(y)||x− y|β
= supx 6=y,|x−y|≤1
|ϕ(x)−ϕ(y)||x− y|β
.
Suponha que supn∈N| logD f qn|β = k <+∞. Então, para todo n ∈ N e |x− y| ≤ 1 temos
| logD f qn(x)− logD f qn(y)| ≤ k|x− y|β ≤ k.
Observe que, como f qn − Id é periódica de período 1 e de classe C1, então D f qn − 1 se
anula em ao menos um ponto (na verdade infinitos, já que ela também é periódica de período
1). Além disso, como a função x 7→ ex é lipschitziana em [−k,k], existe C1 > 0 tal que, para
todo 0 < |x− y| ≤ 1,|D f qn(x)−1||x− y|β
≤C1| logD f qn(x)||x− y|β
e, portanto,
|D f qn−1|β ≤C1| logD f qn |β .
140
Analogamente, como x 7→ log(x) é lipschitziana em [−kC1,kC1], existe C2 tal que
| logD f qn|β ≤C2|D f qn−1|β .
Tomando C = max{C1,C2}, segue o resultado.
Proposição 5.4. Sejam 0 < β < 1,γ > 0 e f ∈ D1+β (S1), com ρ( f ) = α de tipo de Roth. Se
|D f qn−1|β = O(q−γn ) quando n→+∞, então f é C1+β -conjugada a Rα .
Demonstração. Pela Proposição 5.2, f é C1-conjugada a Rα e, pela Proposição 2.18, H1( f ) =
supj∈Z|D f j|0 < +∞. Assim, pela Proposição 2.37, resta mostrarmos que sup
n∈N|D f n|β < +∞, que
equivale a mostrar que supn∈N| logD f n|β <+∞.
Como |D f qn−1|β = O(q−γn ) quando n→+∞, pelo Lema 5.3 existem n0 ∈ N e k1 > 0 tais
que, para n≥ n0,
| logD f qn|β ≤ k1q−γn . (5.5)
Como supj∈Z|D f j|0 = k2 < +∞, então f j é lipschitziana, para todo j ∈ Z. De fato, se x < y,
pelo Teorema do Valor Médio existe c ∈ (x,y) tal que
| f j(x)− f j(y)|= D f j(c)|x− y| ≤ k2|x− y|.
Assim, por 5.5 e pela Proposição 2.29, existe C > 0 tal que, para i≥ n0, e todo j ∈ N,
| logD f qi ◦ f j|β ≤Cq−γ
i . (5.6)
Por 5.4, para qk ≤ n < qk+1, podemos escrever
logD f n =k
∑i=0
bi−1
∑j=0
(logD f qi ◦ f ri+ jqi),
com r0 = 0,ri = ∑i−1j=0 b jq j,0≤ bi≤ ai+1 e com a convenção de que a soma ∑
bi−1j=0 é nula quando
bi = 0. Assim, para k ≥ n0, temos
| logD f n|β ≤n0−1
∑i=0
bi−1
∑j=0| logD f qi ◦ f ri+ jqi|β +
k
∑i=n0
ai+1| logD f qi ◦ f ri+ jqi|β .
Fazendo M = ∑n0−1i=0 ∑
bi−1j=0 | logD f qi ◦ f ri+ jqi|β (que é uma constante que independe de n), por
141
5.6 temos
| logD f n|β ≤ M+k
∑i=n0
ai+1| logD f qi ◦ f ri+ jqi|β
≤ M+Ck
∑i=n0
ai+1qi
≤ M+C∞
∑i=0
ai+1qi.
Como α é de tipo de Roth, o resultado segue da Proposição 3.25.
A seguir, provaremos o principal Teorema desta Seção.
Teorema 5.5. Seja f ∈D2(S1), com ρ( f ) = α ∈R\Q de tipo de Roth. Se existe δ > 0 tal que
|D f qn−1|0 = O(q−δn )
quando n→+∞, então f é C1+ε -conjugada à Rα para todo ε <δ
1+δ.
Demonstração. Como vimos em 2.1,
logD f n =n−1
∑i=0
logD f ◦ f i.
Assim, pela regra da cadeia
D2 f n = D f n ·
(n−1
∑i=0
(D logD f )◦ f i ·D f i
). (5.7)
Pela Proposição 5.2, f é C1-conjugada a Rα e, pela Proposição 2.18, supn∈N|D f n|0 = k < +∞.
Logo, de 5.7 segue que
|D2 f n|0 = O(n). (5.8)
Pelo Lema 4.25,
|D f qn−1|ε ≤ 2|D f qn−1|1−ε
0 |D2 f qn |ε0. (5.9)
De 5.8, 5.10 e da hipótese, temos
|D f qn−1|ε = O(q−δ (1−ε)n qε
n) = O(q−δ (1−ε)+εn ).
Logo, se ε <δ
1+δentão −δ (1− ε) + ε < 0. Pela Proposição 5.4, f é C1+ε conjugada a
Rα .
142
5.2 Algumas Estimativas
Nosso objetivo nesta Seção é provarmos os seguintes resultados:
• Se f ∈ D2(S1), com ρ( f ) = α ∈A , então para todo ε > 0, | f qn− Id−pn|0 = O(
1q1−ε
n
)(Corolário 5.9);
• Se f ∈ D3(S1),ρ( f ) = α ∈ R\Q, então, para todo n,
|D2 f qn|0 ≤ eVCq1/2n max
0≤i<qn|D f i|0,
com V = Var(logD f ), C = (2|ϕ|0)1/2 e ϕ = D2 logD f − 12(D logD f )2 (Teorema 5.12);
• Se f ∈ D3(S1), com ρ( f ) = α ∈A , então para todo ε > 0, max0≤i<qn
|D f i|0 = O(qεn) (Teo-
rema 5.21).
Todos esses resultados serão usados na demonstração do Teorema Fundamental das Conju-
gações.
5.2.1 Majoração de | f qn− Id−pn|0
O próximo Teorema é devido a Pierre Deligne (DELIGNE, 1977).
Teorema 5.6. Para todo ε > 0 e todo inteiro B≥ 2, existe W0 > 0 com a seguinte propriedade:
se f ∈ D1+vl(S1), com ρ( f ) = α = [a0;a1, . . . ] ∈ R\Q, e existe n0 ≥ 2 tal que
supn≥n0−2
(| logD f qn|0) =W <W0
então, se o inteiro n≥ n0 verifica (an +1)(an+1 +1)≤ B temos, para todo x ∈ R,(bn
bn−2
)1+ε
≤ | fqn(x)− x|
| f qn−2(x)− x|≤(
bn
bn−2
)1−ε
,
onde f qn = f qn− pn e bn = |qnα− pn|.
Demonstração. Provaremos apenas a desigualdade
| f qn(x)− x|| f qn−2(x)− x|
≤(
bn
bn−2
)1−ε
,
pois a outra é provada da mesma forma.
143
Seja ε > 0. Afirmamos que existe C > 0 tal que, se 2≤ y≤ B, existem inteiros 2≤ r,s≤C
tais que
y1− ε
2 ≤ rs≤ y,
comrs≥ 2. De fato, seja q ∈ N tal que
1q≤ 1
4inf
2≤y≤B{y− y1− ε
2}= 2−21− ε
2
4.
Então, para todo 2≤ y≤ B existe j ∈ N tal que[jq,
j+1q
]⊂ [y1− ε
2 ,y]
com j ≤ Bq−1.
Figura 5.1: Exemplo para 1≤ ε < 2.
Sejam α = [a0;a1, . . . ] ∈ R\Q e n ≥ n0 tais que (an +1)(an+1 +1) ≤ B. Pela Proposição
3.10
2 <bn−2
bn< (an +1)(an+1 +1)≤ B
e, como observamos antes, existem r,s <C tais quers≥ 2 e
(bn−2
bn
)1− ε
2
≤ rs≤ bn−2
bn. (5.10)
Assim,
r|qnα− pn| ≤ s|qn−2α− pn−2|.
144
Pelo Teorema de Denjoy, f qn é C0-conjugada a Rqnα = Rqnα−pn . Assim, tomando x ∈ R,
para n par temos a seguinte ordem dos pontos:
x < f qn(x)< f 2qn(x)< · · ·< f rqn(x)< f sqn−2(x).
Para n ímpar basta inverter as desigualdades. Em qualquer caso,
r−1
∑i=0| f (i+1)qn(x)− f iqn(x)|<
s−1
∑i=0| f (i+1)qn−2(x)− f iqn−2(x)|. (5.11)
Pela Desigualdade de Denjoy, e−W < D f qn < eW e, pela regra da cadeia,
e−iW < D f iqn < eiW . (5.12)
De 5.11, 5.12 e do Teorema do Valor Médio, segue que(r−1
∑i=0
e−iW
)| f qn(x)− x| ≤
(s−1
∑i=0
eiW
)| f qn−2(x)− x|,
isto é,| f qn(x)− x|| f qn−2(x)− x|
≤ ∑s−1i=0 eiW
∑r−1i=0 e−iW
. (5.13)
Como∑
s−1i=0 eiW
∑r−1i=0 e−iW
→ sr
quando W → 0, então existe W0 > 0 tal que
sr≤ ∑
s−1i=0 eiW
∑r−1i=0 e−iW
≤(s
r
)1− ε
2, (5.14)
quando W <W0. De 5.10, 5.13 e 5.14 temos
| f qn(x)− x|| f qn−2(x)− x|
≤ ∑s−1i=0 eiW
∑r−1i=0 e−iW
≤(s
r
)1− ε
2 ≤(
bn
bn−2
)(1− ε
2 )2
≤(
bn
bn−2
)1−ε
,
poisbn
bn−2≤ 1
2, concluindo a demonstração.
Corolário 5.7. Seja f ∈ D2(S1), com ρ( f ) = α = [a0;a1,a2, . . . ] ∈ R \Q. Para todo ε > 0 e
todo inteiro B > 0, existe um inteiro n0 tal que, se n≥ n0 e (an +1)(an+1 +1)≤ B, então para
todo x ∈ R temos (bn
bn−2
)1+ε
≤ | fqn(x)− x|
| f qn−2(x)− x|≤(
bn
bn−2
)1−ε
.
Demonstração. Pelo Lema 4.22, se n→+∞, |D f qn−1|0→ 0, de forma que | logD f qn|0→ 0.
O Corolário segue então do Teorema 5.6.
145
Teorema 5.8. Seja f ∈ D1+vl(S1) com ρ( f ) = α ∈ A . Então, existe W0 > 0 tal que, se V =
Var(logD f )<W0 temos, quando n→+∞,
| f qn− Id−pn|0 ≤ O(
1q1−ε
n
)para todo ε > 0.
Demonstração. Dado ε > 0, pelo Corolário 3.20 existe B > 0 tal que
∏1≤i≤n,di>B
di = O(qεn),
quando n→+∞, onde di = (1+ai)(1+ai+1). Da Desigualdade de Denjoy, temos
supn≥0| logD f qn| ≤V = Var(logD f ).
Pelo Teorema 5.6, existe W0 > 0 tal que, se V <W0 e dn ≤ B,
| f qn(x)− x|| f qn−2(x)− x|
≤(
bn
bn−2
)1−ε
, (5.15)
para todo x ∈ R, onde bn = |qnα − pn|. Além disso, segue do Teorema 1.33 que f é C0-
conjugada a Rα e, pelo Corolário 4.4
| f qn(x)− x|| f qn−2(x)− x|
≤ 1, (5.16)
para todo n≥ 2. Assim, por 5.15 e 5.16 temos
| f qn(x)− x|| f qn−2(x)− x|
| f qn−2(x)− x|| f qn−4(x)− x|
. . .| f q2(x)− x|| f q0(x)− x|
≤((
bn
bn−2
)(bn−2
bn−4
). . .
(b2
b0
))1−ε
∏2≤i≤n,di>B
(bi−2
bi
)1−ε
.
Pela Proposição 3.10, para i≥ 2 temos 2 <bi−2
bi< di. Assim, pela desigualdade anterior,
| f qn(x)− x| ≤Cb1−εn ∏
2≤i≤n,di>B
d1−ε
i ≤Cb1−εn ∏
1≤i≤n,di>B
di,
onde C é uma constante que depende de | f q0 − Id |0. Pela Proposição 3.5, bn <1qn
e pelo
Corolário 3.20
∏1≤i≤n,di>B
di = O(qεn).
146
Logo,
| f qn(x)− x| ≤ O(
1q1−ε
n q−εn
)= O
(1
q1−2εn
).
Corolário 5.9. Seja f ∈ D2(S1), com ρ( f ) = α ∈A . Então, para todo ε > 0, temos, quando
n→+∞,
| f qn− Id−pn|0 = O(
1q1−ε
n
).
Demonstração. Sejam
gn =1n
n−1
∑i=0
( f i− iα) ∈ D2(S1) e fn = gn ◦ f ◦g−1n .
Dado ε > 0, pelo Teorema 5.8 existe W0 tal que, se Var(logD f )<W0, temos, quando n→+∞,
| f qn− Id−pn|0 ≤ O(
1q1−ε
n
).
Pelo Lema 4.21, se n→ +∞, Var(logD fn) = Vn → 0. Assim, tomando n0 tal que Vn0 < W0
temos, quando k→+∞,
| f qkn0− Id−pk|0 ≤ O
(1
q1−ε
k
).
Notando que f qk = g−1n0◦ f qk
n0 ◦gn0 , temos
| f qk− Id−pk|0 = |g−1n0◦ f qk
n0◦gn0−g−1
n0◦Rpk ◦gn0|0 ≤ |Dg−1
n0|0| f qk
n0− Id−pk|0 = O
(1
q1−ε
k
).
5.2.2 Majoração de |D2 f qn|0
Proposição 5.10. Se f ∈ D3(S1), então
D2(logD f n) =n−1
∑i=0
ϕ ◦ f i · (D f i)2 +12(D logD f n)2,
com ϕ = D2(logD f )− 12(D logD f )2.
Demonstração. Por 2.1,
logD f n =n−1
∑i=0
log(D f ◦ f i)
147
e derivando obtemos
D logD f n =D2 f n
D f n =n−1
∑i=0
(D logD f )◦ f i ·D f i. (5.17)
Derivando novamente,
D2 logD f n =n−1
∑i=0
(D2 logD f )◦ f i(D f i)2 +n−1
∑i=0
(D logD f )◦ f i ·D2 f i.
Por 5.17,
n−1
∑i=0
(D logD f )◦ f i ·D2 f i =n−1
∑i=0
(D logD f )◦ f i ·D f i ·
(i−1
∑j=0
(D logD f )◦ f j ·D f j
)
=12
[n−1
∑i=0
(D logD f )◦ f i ·D f i
]2
− 12
n−1
∑i=0
((D logD f )◦ f i)2(D f i)2
=12(D logD f n)2− 1
2
n−1
∑i=0
((D logD f )◦ f i)2(D f i)2.
Logo,
D2 logD f n =n−1
∑i=0
(D2 logD f )◦ f i(D f i)2 +12(D logD f n)2− 1
2
n−1
∑i=0
((D logD f )◦ f i)2(D f i)2
=n−1
∑i=0
ϕ ◦ f i · (D f i)2 +12(D logD f n)2,
com ϕ = D2(logD f )− 12(D logD f )2.
Corolário 5.11. Se f ∈ D3(S1), então
|D logD f n|0 ≤Cn12 max
0≤i<n|D f i|0,
onde C = (2|ϕ|0)1/2 e ϕ = D2 logD f − 12(D logD f )2.
Demonstração. Considere a função12(D logD f n)2. Note que
D(
12(D logD f n)2
)= D logD f n ·D2 logD f n
e que
D2(
12(D logD f n)2
)= (D2 logD f n)2 +D logD f n ·D3 logD f n.
Assim, se x0 é um ponto de máximo de12(D logD f n)2, pelo Teste da Segunda Derivada deve-
148
mos ter D2 logD f n(x0) = 0. Logo, pela Proposição 5.10,
12|D logD f n|20 ≤
n−1
∑i=0|ϕ ◦ f i · (D f i)2|0 ≤ n|ϕ|0 max
0≤i<n|D f i|20,
com ϕ = D2 logD f − 12(D logD f )2. Logo,
|D logD f n|0 ≤Cn12 max
0≤i<n|D f i|0,
onde C = (2|ϕ|0)1/2.
Teorema 5.12. Se f ∈ D3(S1),ρ( f ) = α ∈ R\Q, então, para todo n,
|D2 f qn |0 ≤ eVCq1/2n max
0≤i<qn|D f i|0,
com V = Var(logD f ), C = (2|ϕ|0)1/2 e ϕ = D2 logD f − 12(D logD f )2.
Demonstração. Note que
D2 f qn = D f qn ·D logD f qn.
O Teorema segue do Corolário 5.11 e da Desigualdade de Denjoy.
5.2.3 Majoração de |D f n|0
No restante desta Seção suporemos f ∈D3(S1), com ρ( f ) = α ∈A . Considere a expansão
em fração contínua de α: α = [a0;a1,a2, . . . ]. Usaremos as seguintes notações:
1)pn
qn= [a0;a1, . . . ,an] é o n-ésimo convergente de α;
2) f qn = f qn− pn, e f iqn é o i-ésimo iterado de f qn;
3) mqn = minx∈R| f qn(x)− x|;
4) yn denota um ponto onde | f qn(yn)− yn|= mqn;
5) [ f iqn(yn), f (i−1)qn(yn)] denota o intervalo fechado com extremos f iqn(yn) e f (i−1)qn(yn) (in-
dependente da ordem). Note que, para i≥ 0,
f qn([ f iqn(yn), f (i−1)qn(yn)]) = [ f (i+1)qn(yn), f iqn(yn)];
6) miqn = | f iqn(yn)− f (i−1)qn(yn)| e m−qn = |yn− f−qn(yn)|;
149
7) Ci(n) = sup2≤ j≤i
m jqn
mqn
;
8) V = Var(logD f );
9) bn = |qnα− pn| e dn = (an +1)(an+1 +1).
Pelo Corolário 5.9, dado ε1 > 0, existem n0 ∈N e uma constante C1 > 0, que dependem de
ε1 e de f , tais que, para n≥ n0,
| f qn− Id−pn|0 ≤C1
q1−ε1n
. (5.18)
Suporemos ε1 ≤1
100. Por 5.18, pela Proposição 4.9 e pelo Corolário 5.11, denotando por
ϕ = D2 logD f − 12(D logD f )2 e por C = (2|ϕ|0)1/2 temos, para n≥ n0,
|D logD f qn|0 ≤Cq12n max
0≤i<qn|D f i|0 ≤Cq
12n
eV | f qn− Id−pn|0mqn
≤ Eqε1− 1
2n
mqn
(5.19)
onde
E = eVCC1.
Assim, se x,y ∈ R, seja k =|x− y|
mqn
. Pelo Teorema do Valor Médio,
| logD f qn(x)− logD f qn(z)||x− z|
≤ |D logD f qn|0 ≤Eq
ε1− 12
n
mqn
e, portanto,D f qn(x)D f qn(z)
≤ exp(kEqε1− 1
2n ). (5.20)
Lema 5.13. Se i =−1,1,2,3, . . . , então
miqn ≥ mqn.
Demonstração. Basta notar que
m−qn = |yn− f−qn(yn)|= | f qn( f−qn(yn)− f−qn(yn)| ≥minx∈R| f qn(x)− x|= mqn
e, da mesma forma, para i = 1,2,3, . . . ,
miqn = | f iqn(yn)− f (i−1)qn(yn)|= | f qn( f (i−1)qn(yn))− f (i−1)qn(yn)| ≥minx∈R| f qn(x)− x|= mqn.
150
Lema 5.14. Existe um inteiro n1 tal que, se n≥ n1, então
m2qn
mqn
≤ eq−δ1n
com δ1 =14
.
Demonstração. Pelo Teorema do Valor Médio, existe z1 ∈ [yn, f qn(yn)] tal que
m2qn
mqn
=| f 2qn(yn)− f qn(yn)|| f qn(yn)− yn|
=| f qn( f qn(yn))− f qn(yn)|
| f qn(yn)− yn|= D f qn(z1) = D f qn(z1).
Analogamente, existe z2 ∈ [ f−qn(yn),yn] tal que
mqn
m−qn
= D f qn(z2).
Do Corolário 4.4 concluímos que yn está entre os pontos f−qn(yn) e f qn(yn), de forma que
|z2− z1| ≤ | f−qn(yn)− f qn(yn)| ≤ mqn +m−qn.
Pela Desigualdade de Denjoy, e−V ≤ D f qn ≤ eV e, comomqn
m−qn
= D f qn(z2),
e−V ≤mqn
m−qn
≤ eV =⇒ m−qn ≤ eV mqn .
Logo, |z2− z1| ≤ mqn +m−qn ≤ (eV +1)mqn . Por 5.20, existe n0 ∈ N tal que, se n≥ n1,
D f qn(z1)
D f qn(z2)=
m2qn/mqn
mqn/m−qn
≤ exp((eV +1)Eqε1− 1
2n ).
Seja ε1 ≤1
100. Então ε − 1
2≤ −1
4= −δ1. Lembrando que qn → +∞ quando n→ +∞,
segue que existe n1 ∈ N, n1 ≥ n0, tal que, se n≥ n1,
E(eV +1)qε1− 1
2n ≤ q−δ1
n .
Consequentemente, para n≥ n1m2qn/mqn
mqn/m−qn
≤ eq−δ1n .
Finalmente, pelo Lema 5.13,
m2qn
mqn
≤mqn
m−qn
eq−δ1n ≤ eq−δ1
n .
151
Proposição 5.15. Seja δ1 =14
. Existe um inteiro n2 tal que, se n≥ n2 temos, se i≥ 3, então
miqn
m(i−1)qn
≤ exp((i−1)Ci−1(n)q−δ1n ) e
Ci(n)Ci−1(n)
≤ exp((i−1)Ci−1(n)q−δ1n ).
Demonstração. Provaremos inicialmente o caso i = 3. Pelo Teorema do Valor Médio, existe
z1 ∈ [ f 2qn(yn), f qn(yn)] tal que
m3qn
m2qn
=| f 3qn(yn)− f 2qn(yn)|| f 2qn(yn)− f qn(yn)|
= D f qn(z1) = D f qn(z1).
Da mesma forma, existe z2 ∈ [ f qn(yn),yn] tal que
m2qn
mqn
= D f qn(z2).
Logo,|z2− z1|
mqn
≤mqn +m2qn
mqn
= 1+C2(n).
Mas note que, pelo Lema 5.13,
C2(n) =m2qn
mqn
≥ 1
e, portanto,|z2− z1|
mqn
≤ 2C2(n).
Por 5.20,D f qn(z1)
D f qn(z2)≤ exp(2C2(n)Eq
ε1− 12
n )
e como12− ε1 ≥ δ1 =
14
, para n suficientemente grande temos
D f qn(z1)
D f qn(z2)≤ exp(C2(n)q−δ1
n ).
Assim, pelo Lema 5.14,
m3qn
m2qn
≤ exp(C2(n)q−δ1n ) ·
m2qn
mqn
≤ exp(2C2(n)q−δ1n ), (5.21)
provando a primeira desigualdade para i = 3.
Para a segunda igualdade vamos considerar dois casos: se C3(n) =C2(n), a desigualdade é
trivial, já que
2C2(n)q−δ1n > 0.
152
Suponha então que C3(n)>C2(n). Então,
C3(n) =m3qn
mqn
e, por 5.21,C3(n)C2(n)
=m3qn/mqn
m2qn/mqn
=m3qn
m2qn
≤ exp(2C2(n)q−δ1n ),
provando a segunda desigualdade para i = 3.
O caso geral é provado por indução, seguindo os mesmos passos do caso i = 3, que resu-
miremos a seguir. Supondo que as desigualdades sejam válidas para i ≥ 3, procedendo como
antes concluímos que existem z1 ∈ [ f iqn(yn), f (i−1)qn(yn)] e z2 ∈ [ f (i−1)qn(yn), f (i−2)qn(yn)] tais
quem(i+1)qn/miqn
miqn/m(i−1)qn
=D f qn(z1)
D f qn(z2)
e|z2− z1|
mqn
≤miqn +m(i−1)qn
mqn
≤Ci(n)+Ci−1(n)≤ 2Ci(n).
Assim, por 5.20, para n suficientemente grande,
D f qn(z1)
D f qn(z2)≤ exp(Ci(n)q−δ1
n )
e usando a hipótese de indução
m(i+1)qn
miqn
≤ exp(Ci(n)q−δ1n ) · exp((i−1)Ci−1(n)q−δ1
n )≤ exp(iCi(n)q−δ1n ), (5.22)
provando a primeira desigualdade. Para a segunda desigualdade o caso Ci+1(n) =Ci(n) é ime-
diato, e o caso Ci+1(n) =m(i+1)qn
mqn
segue de 5.22, pois
Ci+1(n) =m(i+1)qn
mqn
≤miqn
mqn
exp(iCi(n)q−δ1n )≤Ci exp(iCi(n)q−δ1
n ).
Lema 5.16. Para todo ε > 0, dnq−εn → 0 quando n→+∞.
Demonstração. Como α ∈A , pelo Corolário 3.24 α é de tipo de Roth. Pela Proposição 3.25,
∞
∑n=1
an+1
qεn
<+∞,
de forma quean+1
qεn→ 0.
153
Além disso, comoan+1
qεn
>an+1
qεn+1
temosan+1
qεn+1→ 0 =⇒ an
qεn→ 0.
Logo,dn
qεn=
(an +1)(an+1 +1)qε
n→ 0.
Proposição 5.17. Existe um inteiro n3 tal que, se n≥ n3 temos, para 2≤ i≤ dn +1,
logCi(n)≤ (i−1)q−δ2n ,
com δ2 =18
.
Demonstração. A demonstração é por indução. Para i = 2 a desigualdade é consequência do
Lema 5.14, pois para n≥ n1,
log(C2(n)) = log(
m2qn
mqn
)≤ q−δ1
n ≤ q−δ2n .
Suponha então que o resultado seja válido para i e provemos para i+1. Pela Proposição 5.15 e
pela hipótese de indução, para n suficientemente grande temos
log(Ci+1(n)) ≤ log(Ci(n))+ iCi(n)q−δ1n
≤ (i−1)q−δ2n + iexp((i−1)q−δ2
n )q−δ1n
≤ (i−1)q−δ2n + iednq−δ2
n q−δ1n .
A Proposição estará provada se mostrarmos que, para n suficientemente grande,
iednq−δ2n q−δ1
n ≤ q−δ2n .
Pelo Lema 5.16, para n suficientemente grande, dnq−δ2n ≤ 1. Assim,
iednq−δ2n q−δ1
n ≤ (dn +1)eq−δ1n = (dn +1)eq−δ2
n q−δ2n .
Novamente pelo Lema 5.16, para n suficientemente grande, (dn+1)eq−δ2n ≤ 1, já que qn→+∞.
Logo,
iednq−δ2n q−δ1
n ≤ q−δ2n ,
o que conclui a demonstração.
154
Lema 5.18. Existe um inteiro n0 tal que, se n≥ n0,
Cdn+1(n)≤ eq−δn ,
onde δ =116
.
Demonstração. Pela Proposição 5.17, para n suficientemente grande temos
Cdn+1(n)≤ ednq−δ2n = ednq−δ
n q−δn
e pelo Lema 5.16, para n suficientemente grande,
dnq−δn ≤ 1,
de onde segue o resultado.
Lema 5.19. Se n≥ n0, então
mqn−2 ≤ eq−δn (dn +1)mqn ≤ e(dn +1)mqn.
Demonstração. Pelo Corolário 4.4,
dn+1
∑i=1| f jqn(yn)− f ( j−1)qn(yn)| ≥ | f qn−2(yn)− yn| ≥ mqn−2.
Além disso,
dn+1
∑i=1| f jqn(yn)− f ( j−1)qn(yn)| ≤ (dn +1) max
1≤ j≤dn+1m jqn = (dn +1)Cdn+1(n)mqn
e, pelo Lema 5.18, para n≥ n0,
mqn−2 ≤ (dn +1)Cdn+1(n)mqn ≤ eq−δn (dn +1)mqn ≤ e(dn +1)mqn.
Proposição 5.20. Para todo ε > 0 existe Cε ≥ 0 tal que, para todo inteiro n temos
mqn ≥Cε
q1+εn
.
Demonstração. Seja ε ′ > 0. Pelo Corolário 3.21, existe B > 0 tal que
∏1≤i≤n,di>B
e(di +1) = O(qε ′n ). (5.23)
155
Pelo Corolário 5.7, existe n0 ∈ N tal que se n≥ n0 e dn ≤ B, então
mqn ≥(
bn
bn−2
)1+ε ′
mqn−2 . (5.24)
Para o caso dn > B temos, pelo Corolário 3.9 e pelo Lema 5.19,
mqn ≥ e−1(dn +1)−1mqn−2 ≥ e−1(dn +1)−1mqn−2
(bn
bn−2
)1+ε ′
. (5.25)
Aplicando as desigualdades 5.24 e 5.25 repetidas vezes, para mqn−2,mqn−4, . . . , obtemos,
para n≥ n0,
mqn ≥C2b1+ε ′n
∏di>B,1≤i≤n
e(di +1)
−1
, (5.26)
onde C2 é uma constante que depende dos valores de n menores que n0.
Pelo Corolário 3.24, α é de tipo de Roth, de forma que existe Dε ′ tal que
bn = |qnα− pn| ≥ Dε ′q−1−ε ′n , (5.27)
para todo n. De 5.23, 5.26 e 5.27, segue que existe Cε ′ tal que
mqn ≥Cε ′
qε ′+(1+ε ′)2
n
.
Tomando ε = ε ′2 +3ε ′, segue o resultado.
Teorema 5.21. Seja f ∈D3(S1), com ρ( f ) = α ∈A . Para todo ε > 0 temos, quando n→+∞,
max0≤i<qn
|D f i|0 = O(qεn).
Demonstração. Seja ε > 0. Pela Proposição 4.9,
max0≤i<qn+1
|D f i|0 ≤eV | f qn− Id−pn|0
mqn
,
e pelo Corolário 5.9,
| f qn− Id−pn|0 = O
(1
q1−ε/2n
),
quando n→+∞. Pela Proposição 5.20, existe Cε > 0 tal que
mqn ≥Cε
q1+ε/2n
.
156
Logo,
max0≤i<qn
|D f i|0 ≤ max0≤i<qn+1
|D f i|0 = O
(q1+ε/2
n
q1−ε/2n
)= O(qε
n).
5.3 O Teorema Fundamental das Conjugações
Finalmente, podemos agora provar o principal Teorema deste Capítulo.
Teorema 5.22 (Teorema Fundamental das Conjugações Diferenciáveis dos Difeomorfismos
do Círculo com as Rotações). Seja 3≤ r ≤ ω , não necessariamente inteiro, e f ∈ Dr(S1) tal
que ρ( f ) = α ∈ A . Então, para todo β > 0, f é Cr−1−β -conjugado a Rα . Além disso, se
f é um difeomorfismo de classe C∞ ou de classe Cω , então f é C∞ ou Cω -conjugada a Rα ,
respectivamente.
Demonstração. Seja ε <15
. Pelo Corolário 5.9,
| f qn− Id−pn|0 = O(qε−1n ), (5.28)
quando n→+∞. Pelo Teorema 5.21
max0≤i<qn
|D f i|0 = O(qεn),
quando n→+∞ e, pelo Teorema 5.12,
|D2 f qn|0 = O(qε+ 1
2n ), (5.29)
quando n→+∞.
Pelo Teorema 5.1,
|D f qn−1|0 ≤32(2| f qn− Id−pn|0|D2 f qn|0)
12 (5.30)
De 5.28, 5.29 e 5.30 obtemos
|D f qn−1|0 = O(qε− 1
4n ).
Pelo Teorema 5.5, f é C1+ε -conjugada à Rα para todo ε <1/4
1+1/4=
15
. O resultado segue
então do Teorema 4.31.
157
6 O Teorema dos Caminhos
Neste último Capítulo estudaremos propriedades topológicas dos conjuntos de funções em
Dr(S1) com o mesmo número de rotação. Veremos, por exemplo, que esses conjuntos têm
interior não vazio se, e somente se, α for racional. Esse estudo será feito na Seção 6.1, e é
baseado no Capítulo III de (HERMAN, 1979).
Na Seção 6.2, passaremos a estudar um artigo também de Michael Herman (HERMAN,
1977), onde provaremos o segundo dos dois Teoremas principais desta Dissertação, e é uma
aplicação do Teorema Fundamental das Conjugações provado no Capítulo anterior. Mostra-
remos que dado um caminho ft de classe C1 definido em um intervalo [a,b] no conjunto dos
difeomorfismos do círculo de classe Cr que preservam a orientação, com r maior ou igual a
3 e ρ( fa) 6= ρ( fb), o conjunto dos parâmetros em que ft é Cr−2-conjugada a uma translação
irracional tem medida de Lebesgue positiva.
6.1 Topologia dos Conjuntos de Difeomorfismos de Númerode Rotação Constante
Seja α ∈ R. Definimos F0α como o seguinte subconjunto de D0(S1):
F0α = { f ∈ D0(S1);ρ( f ) = α}.
Note que, como ρ é contínua, o conjunto F0α é fechado em D0(S1). Para 1≤ r ≤ ω definimos
Frα = F0
α ∩Dr(S1),
que é fechado em Dr(S1). Nesta Seção, provaremos outras propriedades topológicas dos con-
juntos Frα .
158
6.1.1 Caso Racional
Sejapq∈Q. Se f ∈ Fr
p/q, pela Proposição 2.6 a função f q−Rp possui um zero. Defina os
conjuntos
Frp+/q = { f ∈ Fr
p/q; f q−Rp ≥ 0}
e
Frp−/q = { f ∈ Fr
p/q; f q−Rp ≤ 0}.
Note que Frp+/q e Fr
p−/q são fechados na topologia Cr. Consequentemente, o conjunto
U rp/q = { f ∈ Fr
p/q; f q−Rp muda de sinal }
é aberto em Frp/q pela topologia Cr. A próxima Proposição mostrará que Fr
p+/q ∪Frp−/q está
contido na fronteira de Frp/q.
Proposição 6.1.
a) Se f ∈ Frp+/q e λ > 0, então ρ(Rλ ◦ f )> ρ( f ) =
pq
;
b) Se f ∈ Frp−/q e λ < 0, então ρ(Rλ ◦ f )< ρ( f ) =
pq
.
Demonstração. Vamos mostrar apenas o primeiro item, pois o outro é análogo. Pela Proposição
2.12, a função λ 7→ ρ(Rλ ◦ f ) é monótona não decrescente, de forma que ρ( f )≤ ρ(Rλ ◦ f ) para
λ > 0. Resta mostrar que ρ( f ) 6= ρ(Rλ ◦ f ). Como f < Rλ ◦ f , então f q < (Rλ ◦ f )q. Por outro
lado, como f ∈ Frp+/q, então Rp ≤ f q e,
Rp ≤ f q < (Rλ ◦ f )q.
Portanto, (Rλ ◦ f )q−Rp não possui um zero. Pela Proposição 2.6, ρ(Rλ ◦ f ) 6= pq
.
Proposição 6.2. A fronteira de Frp/q em Dr(S1) é Fr
p+/q∪Frp−/q.
Demonstração. O conjunto Frp/q é formado pela união disjunta de U r
p/q e Frp+/q∪Fr
p−/q. Como
U rp/q é aberto e Fr
p+/q∪Frp−/q está contido na fronteira de Fr
p/q, segue o resultado.
Para α ∈ R e 0 ≤ r ≤ ω , definimos a órbita de Rα em Dr(S1) como o subconjunto Orα de
Dr(S1) definido por
Orα = {g◦Rα ◦g−1;g ∈ Dr(S1)},
159
onde Rα(x) = x+α é a translação (ou rotação) por α . Para 0 ≤ k ≤ r também definimos Or,kα
como o subconjunto de Dr(S1) definido por
Or,kα = Ok
α ∩Frα .
Note que Orα ⊂ Fr
α . Pela Proposição 2.14, para α =pq∈ Q o conjunto Or
p/q pode ser
caracterizado como
Orp/q = { f ∈ Fr
p/q; f q = Rp}= Frp+/q∩Fr
p−/q.
Portanto, Orp/q é fechado na topologia Cr. Nosso próximo objetivo é mostrar que Fr
p/q, parapq∈Q, tem interior não vazio.
Fixando f ∈Dr(S1), considere a função h(λ ) = ρ(Rλ ◦ f ). Como h é contínua e monótona,
dadopq∈ Q, h−1
(pq
)é um subconjunto conexo fechado da reta, ou seja, é um intervalo
fechado ou um ponto. Em outras palavras, é da forma [a,b], com eventualmente a = b. Pela
Proposição 6.1, Rb ◦ f ∈ Frp+/q e Ra ◦ f ∈ Fr
p−/q, já que h é monótona não decrescente e Frp+/q∪
Frp−/q é a fronteira de Fr
p/q. Logo, a = b se, e somente se, Ra ◦ f ∈ Orp/q. Pela Proposição 2.14,
isso equivale a dizer que (Ra ◦ f )q = Rp. Isso prova a seguinte Proposição:
Proposição 6.3. Seja f ∈Dr(S1) tal que, para todopq∈Q e todo λ ∈R, (Rλ ◦ f )q 6=Rp. Então,
para todopq∈Q, h−1
(pq
)é um intervalo de interior não vazio.
Usando essa e a próxima Proposição poderemos dar um exemplo explícito de funções em
U rp/q.
Proposição 6.4. Seja f = Id+ϕ ∈Dω(S1), onde ϕ ∈Cω(S1) pode ser estendida a uma função
inteira ϕ : C→ C. Se ϕ não é constante e se ρ( f ) =pq∈Q, então f q 6= Rp.
Demonstração. Suponha, por absurdo, que ϕ pode ser estendida a uma função inteira e que
f q = Rp. Então, f também se estende à função inteira f (z) = z+ ϕ(z). Além disso, f q(z) =
z+ p, para todo z∈C e, portanto, (R−p ◦ f q−1)◦ f = IdC. Como a composta de funções inteiras
é inteira, segue que f é um automorfismo analítico de C. Porém, os únicos automorfismos
analíticos de C são da forma f (z) = az+b, com a,b ∈ C, a 6= 0 (veja (LANG, 1999), p. 169).
Absurdo, pois ϕ não é constante.
Exemplos de funções ϕ ∈Cω(S1) que podem ser estendidas a funções inteiras são os po-
160
linômios trigonométricos. Por exemplo, as funções
fa,λ (x) = x+λ +asen(2πx),
onde 0 < |a| < 12π
e λ ∈ R, são difeomorfismos analíticos que satisfazem as condições da
Proposição 6.4 (se |a| > 12π
derivando a função não é difícil ver que fa,λ não é injetora; para
|a|= 12π
, fa,λ é apenas um homeomorfismo). Assim, para a fixo, variando λ em R, o número
de rotação ρ( fa,λ ) assume todos os valores reais, e sempre que ρ( fa,λ ) =pq∈ Q, h−1
(pq
)é
um intervalo de interior não vazio. Assim, se λ0 está no interior desse intervalo, fa,λ0 está no
interior de Frp/q.
Na figura abaixo, traçamos algumas linhas de nível de ρ(Rλ ◦ fa) = cte, para 0 < |a|< 12π
e 0≤ λ ≤ 1. As regiões destacadas são conhecidas como línguas de Arnol’d. Como veremos a
seguir, quando α é irracional o conjunto Frα tem interior vazio.
Figura 6.1: Linhas de nível de ρ(Rt ◦ fa) = cte.
6.1.2 Caso Irracional
A partir de agora vamos estudar a topologia de Frα para α irracional. Vamos mostrar que,
se ρ( f ) = α ∈R\Q, então a função h(λ ) = ρ(Rλ ◦ f ) assume cada valor irracional uma única
vez. Em particular, Frα não possui pontos interiores.
Proposição 6.5. Se f ∈ D0(S1) com ρ( f ) = α ∈ R \Q, então ρ(Rλ ◦ f ) = ρ( f ) implica que
λ = 0.
161
Demonstração. Vamos provar que para todo λ 6= 0, ρ(Rλ ◦ f ) 6= α . Mostraremos apenas o caso
λ > 0, já que o outro é análogo. Para todo ε > 0, encontraremos λ0, com 0 < λ0 ≤ ε tal que
ρ(Rλ0 ◦ f ) ∈Q e, portanto, ρ(Rλ0 ◦ f ) 6= ρ( f ) ∈ R\Q.
Seja f : S1→ S1 a projeção de f em S1, isto é, f = π ◦ f . Na Proposição 1.27 mostramos
que f possui um único conjunto minimal K que é igual a S1, se f é conjugada à Rρ( f ), ou é um
conjunto de Cantor, caso contrário. Em qualquer caso, K não possui pontos isolados. Como
K = ω(z), para qualquer z ∈ S1, e f não possui pontos periódicos, dado ε > 0 podemos tomar
x ∈ K tal que
x− ε < f n(x)< x,
para algum n ∈ N e, portanto,
x− ε + p < f n(x)< x+ p,
para algum p ∈ Z. Logo,
f n(x) = (R0 ◦ f )n(x)< x+ p < f n(x)+ ε = Rε ◦ f n(x).
Por outro lado, pela Proposição 2.13,
Rε ◦ f n(x)◦ ≤ (Rε ◦ f )n(x).
Como a função λ 7→ (Rλ ◦ f )n(x) é contínua, pelo Teorema do Valor Intermediário existe λ0 ∈[0,ε] tal que
(Rλ0 ◦ f )n(x) = x+ p.
Afirmamos que ρ(Rλ0 ◦ f )=pn∈Q. De fato, como (Rλ0 ◦ f )n(x)= x+ p, então (Rλ0 ◦ f )mn(x)=
x+mp, para todo m ∈ N. Assim,
limm→∞
(Rλ0 ◦ f )mn(x)− xmn
=pn.
Seja α ∈ R\Q fixo. Definimos
λα : Dr(S1)→ R
como a função que associa cada função f ∈ Dr(S1) ao número λα( f ) tal que
Rλα ( f ) ◦ f ∈ Frα ,
162
ou seja, ρ(Rλα ( f ) ◦ f ) = α . Da mesma forma, parapq∈Q definimos as funções λp+/q e λp−/q
como as funções que associam cada função em Dr(S1) aos números λp+/q( f ) e λp−/q( f ) tais
que
Rλp+/q( f ) ◦ f ∈ Frp+/q e Rλp−/q( f ) ◦ f ∈ Fr
p−/q,
respectivamente. Tais funções existem pela Proposição 2.12.
Proposição 6.6. Para 0 ≤ r ≤ ω , as funções λα ,λp+/q e λp−/q são contínuas em Dr(S1) pela
topologia Cr.
Demonstração. Provaremos apenas a continuidade de λp+/q, já que a prova para as demais
funções é análoga. Sem perda de generalidade, suponha que ρ( f ) ∈ [−1,1] e quepq∈ [−1,1],
de forma que λp+/q( f ) ∈ [−2,2]. Vamos mostrar que o gráfico gr(λp+/q) é fechado em A =
(ρ−1([−1,1])∩Dr(S1))× [−2,2]. O resultado será consequência do Teorema 2.19.
Se ( f ,λ ) ∈ A, então ( f ,λ ) ∈ gr(λp+/q) se, e somente se, Rλ ◦ f ∈ Frp+/q. Como Fr
p+/q é
fechado e a aplicação ( f ,λ ) 7→ Rλ ◦ f é contínua, então gr(λp+/q) é fechado. Pelo Lema ante-
rior, λp+/q é uma função contínua de ρ([−1,1])∩Dr(S1) em R. Segue que λp+/q : Dr(S1)→ R
também é contínua.
Outra propriedade topológica dos conjuntos Frα ,F
rp+/q e Fr
p−/q é que todos são conexos em
Dr(S1). Para a demonstração, veja (ARNOL′D, 1961).
6.1.3 A Propriedade A0 e os Conjuntos Fr
Seja 0 ≤ r ≤ ω . Diremos que f ∈ Dr(S1) possui a propriedade A0 se para todopq∈ Q
e todo λ ∈ R, (Rλ ◦ f )q 6= Rp. Na próxima Proposição mostraremos que a propriedade A0 é
válida sobre um conjunto residual de Dr(S1). Lembramos que um conjunto é dito residual se
o seu complementar for magro . Um conjunto é dito magro se puder ser escrito como a união
enumerável de conjuntos nunca densos. Dizemos que um conjunto é nunca denso se seu fecho
tem interior vazio.
Proposição 6.7. Para 0 ≤ r ≤ ω , a propriedade A0 é válida sobre um conjunto residual de
Dr(S1).
Demonstração. Dadopq∈Q e defina o conjunto
Grp/q = { f ∈ Dr(S1);(Rλp+/q( f ) ◦ f )q = Rp},
163
que é fechado em Dr(S1) pela topologia Cr. Note que, como a a relação (Rλ ◦ f )q = Rp não
pode ser verificada para mais de um λ ∈ R, (Proposição 6.1) então podemos redefinir Grp/q
como
Grp/q = { f ∈ Dr(S1);(Rλ ◦ f )q = Rp, para algum λ ∈ R}.
Assim, o conjunto
V rp/q = Dr(S1)\Gr
p/q
é aberto e denso em Dr(S1), pela Proposição 6.4. O conjunto dos pontos onde a propriedade A0
é válida é ⋂pq∈Q
V rp/q,
que é residual em Dr(S1).
Exemplos de funções que satisfazem a propriedade A0 são as da forma f = Id+ϕ ∈Dω(S1),
onde ϕ ∈Cω(S1) é um polinômio trigonométrico não constante. Em particular, as funções
fa,λ (x) = x+λ +asen2πx,
com 0 < |a|< 12π
e λ ∈ R possuem essa propriedade.
Se f ∈ Dr(S1) satisfaz a propriedade A0, considere a função h(λ ) = ρ(Rλ ◦ f ). Já vimos
que h é contínua, monótona não decrescente, h−1(
pq
)é um intervalo de interior não vazio
(Proposição 6.3) e h−1(α) é um conjunto unitário, para α ∈ R\Q (Proposição 6.5). Seja
K f = [0,1]\ Int(h−1(Q)).
Proposição 6.8. Seja f ∈ Dr(S1) tal que f possui a propriedade A0 e f 6∈ (Frp/q∪Fr
p−/q), para
todopq∈Q. Então, K f é um conjunto de Cantor e D = K f ∩h−1(Q) é um conjunto enumerável
denso em K f .
Demonstração. O conjunto K f é fechado, sem pontos isolados nem interiores pelas Proposições
6.3 e 6.5, logo é um conjunto de Cantor. O conjunto D é formado pelas extremidades dos
intervalos h−1(
pq
), que é enumerável e denso em K f .
Seja 0≤ r ≤ ω . Definimos o conjunto Fr como
Fr = Dr(S1)\ Int(ρ−1(Q)).
Note que Fr é fechado em Dr(S1). Além disso, Fr ∩Frp/q = Fr
p+/q ∪Frp−/q. Pela Proposição
164
2.14, se f é C0-conjugada a uma translação racional então f ∈ Fr. Claramente o mesmo ocorre
se f for conjugada a uma translação irracional Rα , já que Frα ⊂ Fr.
Proposição 6.9. Para todo 0 ≤ r ≤ ω , Fr é um conjunto fechado sem pontos interiores em
Dr(S1).
Demonstração. Suponha, por absurdo, que exista um aberto não vazio U ⊂ Fr. Seja f =
Id+ϕ ∈U , onde ϕ é um polinômio trigonométrico não constante e considere a função
h : R → R
λ 7→ ρ(Rλ ◦ f ).
Como h é contínua,
h−1(U) = {λ ;Rλ ◦ f ∈U}
é aberto. Por outro lado, como f possui a propriedade A0 e h(n+λ ) = n+h(λ ) para todo n∈Z,
pela Proposição 6.8 o conjunto
{λ ;Rλ ◦ f ∈ Fr} ⊃ {λ ;Rλ ◦ f ∈U}
não possui pontos interiores. Contradição.
Corolário 6.10. O conjunto Int(ρ−1(Q))∩Dr(S1) é aberto e denso pela topologia Cr.
Proposição 6.11. Para 0≤ r ≤ ∞,Fr \ρ−1(Q) é residual em Fr pela topologia Cr.
Demonstração. Basta notar que
Fr∩ρ−1(Q) =
⋃pq∈Q
Frp+/q∪Fr
p−/q
e que os conjuntos Frp+/q e Fr
p−/q não tem pontos interiores, pela Proposição 6.1.
6.2 O Teorema dos Caminhos
Considere um caminho contínuo
[a,b] 3 t 7→ ft ∈ Dr(S1),
com 3≤ r ≤ ω . Sejam
M( ft) = m({t ∈ [a,b]; ft é Cr−2 conjugada a uma translação irracional }),
165
com a convenção de que Cω−2 =Cω e C∞−2 =C∞, e
ρ(t) = ρ( ft),
Estamos interessados em responder a seguinte pergunta: se ρ(a) 6= ρ(b), é verdade que M( ft)>
0? Como veremos no próximo exemplo, a resposta é negativa.
Sejam 0≤ t ≤ 1 e 0≤ a≤ 12π
. Considere as funções fa ∈ Dω(S1) definidas por
fa(x) = x+asen2πx.
Sejam
ρa(t) = ρ(Rt ◦ fa)
e
Ka = [0,1]\ Int(ρ−1a (Q)).
Note que ρa(0) = 0, ρa(1) = 1 e ρa é contínua, monótona, não decrescente. Pelo Corolário 6.8,
Ka é um conjunto de Cantor. Assim, podemos tomar um homeomorfismo crescente ψ : G→Ka,
onde G⊂ (0,1) também é um conjunto de Cantor, mas de medida de Lebesgue nula. O caminho
[0,1] 3 t 7→ Rψ(t) ◦ fa ∈ Dω(S1)
é contínuo na topologia Cω . Porém, o conjunto
T = {t ∈ [a,b];Rψ(t) ◦ fa é Cω -conjugada a uma translação irracional }
tem medida de Lebesgue nula, pois
m(T )≤ m({t ∈ [a,b];ρ(Rψ(t) ◦ fa) ∈ R\Q}) = m(G) = 0.
Apesar da conjectura anterior não ser válida para caminhos contínuos, Michael Herman
provou em 1977 (HERMAN, 1977) que ela é verdadeira se incluirmos uma hipótese de diferen-
ciabilidade sobre o caminho. Esse é o último Teorema que demonstraremos nesta Dissertação.
A prova será feita no Teorema 6.17 supondo que o caminho é de classe C1. Antes precisaremos
de alguns resultados auxiliares.
Lema 6.12. Seja f = Id+α +ϕ , com α ∈ R e ϕ ∈C0(S1). Então,
|ρ( f )−ρ(Rα)|0 ≤ |ϕ|0 = | f −Rα |0.
Demonstração. Pelo Lema 2.3, f n = Id+∑n−1i=0 (ϕ +α) ◦ f i, para todo n ∈ N. Assim, como
166
ρ( f ) = limn→∞
f n− Idn
e ρ(Rα) = α , então
|ρ( f )−ρ(Rα)|0 =
∣∣∣∣∣ limn→∞
∑n−1i=0 (ϕ +α)◦ f i
n−α
∣∣∣∣∣0
=
∣∣∣∣∣ limn→∞
∑n−1i=0 ϕ ◦ f i
n
∣∣∣∣∣0
≤ limn→∞
1n
n|ϕ|0 = |ϕ|0.
Observe que toda função f ∈D0(S1) pode ser escrita na forma Id+ϕ +α , com ϕ ∈C0(S1).
Assim, o Lema anterior nos diz que ρ é lipschitziana em Rα , com constante de Lipschitz igual
a 1, já que f −Rα = ϕ .
Lema 6.13. Seja t ∈ [a,b] 7→ ft = Id+α +ϕt tal que t 7→ ϕt ∈C0(S1) seja de classe C1 e que,
para algum t0 ∈ [a,b],ϕt0(x)≡ 0. Se t0 +∆t ∈ [a,b], então∣∣ρ( ft0+∆t)−ρ( ft0)∣∣≤C|∆t|,
com
C = supx∈R,
t∈[a,b]
∣∣∣∣∂ ft∂ t
(x)∣∣∣∣ .
Demonstração. Como ft0 = Rα , pelo Lema 6.12 e pelo Teorema do Valor Médio,
|ρ( ft0+∆t)−ρ( ft0)| ≤ | ft0+∆t− ft0| ≤C|∆t|.
Proposição 6.14. Seja t ∈ [a,b] 7→ ft ∈ D0(S1) um caminho de classe C1. Suponha que ft0 =
h−1 ◦Rα ◦h para algum t0 ∈ [a,b] e h ∈ D1(S1). Então,∣∣∣∣ρ( ft0+∆t)−ρ( ft0)∆t
∣∣∣∣≤C,
com
C = |Dh|0 supx∈R,
t∈[a,b]
∣∣∣∣∂ ft(x)∂ t
∣∣∣∣ .
Demonstração. Seja gt = h◦ ft ◦h−1. Como ρ é invariante por conjugações, então∣∣∣∣ρ( ft0+∆t)−ρ( ft0)∆t
∣∣∣∣= ∣∣∣∣ρ(gt0+∆t)−ρ(gt0)
∆t
∣∣∣∣ .
167
Mas note que gt0 = Rα . Assim, pelo Lema 6.13,∣∣∣∣ρ( ft0+∆t)−ρ( ft0)∆t
∣∣∣∣≤ supx∈R,
t∈[a,b]
∣∣∣∣∂gt
∂ t(x)∣∣∣∣≤ |Dh|0 sup
x∈R,t∈[a,b]
∣∣∣∣∂ ft∂ t
(x)∣∣∣∣ .
Proposição 6.15. Sejam 3 ≤ r ≤ ω, [a,b] 3 t 7→ ft ∈ Dr(S1) de classe C1. Então, existe uma
sequência crescente de compactos
D1 ⊂ D2 ⊂ ·· · ⊂⋃k
Dk = D⊂ [a,b],
tal que t ∈ D se, e somente se, ft = h−1t ◦Rρ( ft) ◦ht , onde ht é um difeomorfismo de classe C1,
e, além disso, se t ∈ Dk, temos |Dht |0 ≤ k.
Demonstração. Considere a função
η : [a,b] → R= R∪{+∞}
t 7→ H1( ft) = supn∈Z|D f n
t |0.
A função η(t) é semicontínua inferiormente, e, portanto
Dk = {t ∈ [a,b];η(t)≤ k}
é compacto.
Pelo Teorema 2.23, ft é C1-conjugada a Rρ( ft) se, e somente se t ∈ Dk, para algum k. Além
disso, se ft = h−1t ◦Rρ( ft) ◦ ht , para algum ht ∈ D1(S1), pela Proposição 2.24,
1n
n−1
∑i=0
( f it − iα)
converge uniformemente para ht + c, onde c ∈ R é uma constante. Em particular, se n→+∞,
1n
n−1
∑i=0
D f it → Dht .
Logo, se t ∈ Dk, então |Dht |0 ≤ k.
A próxima Proposição foi adaptada de (EVANS; GARIEPY, 1992), p. 75., onde mostrare-
mos que a medida de Lebesgue da imagem de um conjunto por uma função Lipschitz pode ser
majorada em função da medida do conjunto original. Para prová-la usamos alguns resultados
bem conhecidos da Teoria da Medida, que estão enunciados no Apêndice B.
Proposição 6.16. Seja f : R→ R lipschitziana com constante de Lipschitz C. Então, para
168
qualquer conjunto E m-mensurável,
m( f (E))≤Cm(E).
Demonstração. Sejam {(ai,bi)}∞i=1 intervalos tais que E ⊂
⋃∞i=1(ai,bi). Então
diam( f ((ai,bi))) = m( f ((ai,bi)))≤C diam((ai,bi)) =Cm((ai,bi))
e f (E)⊂⋃
∞i=1 f ((ai,bi)). Pelo Teorema B.4,
m( f (E))≤∞
∑i=1
m( f ((ai,bi)))≤C∞
∑i=1
(bi−ai).
Tomando o ínfimo sobre os intervalos {(ai,bi)}∞i=1 que cobrem E, o resultado segue pelo Teo-
rema B.7.
Usando as Proposições 6.14, 6.15 e 6.16, podemos agora provar o último resultado desta
Dissertação: o Teorema dos Caminhos de Herman.
Teorema 6.17 (Teorema dos Caminhos). Sejam 3 ≤ r ≤ ω e t ∈ [a,b] 7→ ft ∈ Dr(S1) um
caminho de classe C1. Sejam
M( ft) = m({t ∈ [a,b]; ft é Cr−2 conjugada a uma translação irracional }),
e
ρ(t) = ρ( ft).
Se ρ(a) 6= ρ(b) então M( ft)> 0. Além disso, se N ⊂ [a,b] é um boreliano com m(N) = 0, então
m(ρ(N)) = 0.
Demonstração. Pela Proposição 6.15, existe uma sequência crescente de compactos
D1 ⊂ D2 ⊂ ·· · ⊂⋃k
Dk = D⊂ [a,b]
tal que t ∈ D se, e somente se, ft = h−1t ◦Rρ( ft) ◦ht , onde ht é um difeomorfismo de classe C1,
e se t ∈ Dk então |Dht |0 ≤ k.
Seja J = ρ([a,b]). Pela Proposição 2.7, ρ é contínua e, como ρ( fa) 6= ρ( fb) então J é um
intervalo de interior não vazio. Pela Proposição 6.14, ρ|Dk : Dk → J é lipschitziana de razão
≤ kC, onde
C = supx∈R,
t∈[a,b]
∣∣∣∣∂ ft(x)∂ t
∣∣∣∣ .
169
Afirmamos que A ∩J ⊂ ρ(D). De fato, se x ∈A ∩J, então x = ρ(t), para algum t ∈ [a,b].
Pelo Teorema 5.22, ft é Cr−2-conjugada a rotação Rρ(t) e, pela Proposição 6.15, t ∈ D. Logo,
x ∈ ρ(D). Isso também prova que D 6=∅.
Pelo Teorema 3.16, A tem medida de Lebesgue total. Assim,
limk→∞
m(ρ(Dk))≥ m(J∩A ) = m(J)> 0.
Podemos encontrar, portanto, um compacto B⊂ [a,b] e um inteiro k tais que B⊂Dk,ρ(B)⊂A e m(ρ(B))> 0.
Pelo Teorema 5.22, M( ft)≥m(B). Como B⊂Dk,ρ|B : B→ J é lipschitziana com constante
de Lipschitz ≤ kC. Pela Proposição 6.16,
0 < m(ρ(B))< kCm(B),
e, portanto, M( ft)> 0, provando a primeira afirmação do Teorema. Para a segunda afirmação,
basta notar que ρ(N \D)⊂ J \A , pois ρ(D)⊂A ∩ J. Assim,
m(ρ(N \D))≤ m(J \A ) = 0.
Como
m(ρ(N∩Dk)) = 0
para todo k, já que ρ|Dk é lipschitziana, então m(ρ(N)) = 0, o que conclui a demonstração.
170
171
Considerações Finais
Segundo Fathi e Yoccoz (FATHI; YOCCOZ, 2004), os trabalhos de Herman tiveram um
profundo impacto sobre a teoria de Sistemas Dinâmicos, tendo sido ele um dos principais ve-
tores desse ramo da matemática na França. Herman também teve uma grande influência na
matemática desenvolvida no Brasil, visitando anualmente o IMPA, visitas que podiam durar
meses. Raphaël Douady (DOUADY, 2001) diz que, para Herman, o Rio de Janeiro era "um
verdadeiro repouso para a alma".
A maior parte deste trabalho foi dedicada a demonstrar o Teorema Fundamental das Con-
jugações que responde de forma afirmativa a conjectura de Arnol’d e completa a teoria iniciada
com Poincaré e Denjoy. Como vimos, a demonstração foi engenhosa e extremamente longa,
sendo difícil perceber o caminho que Herman percorreu para conseguir sua prova. Michael
Herman utilizou técnicas totalmente novas em vez de seguir outras que seriam mais naturais
para a época, como as presentes nas teorias de Kolmogorov, Arnol’d e Moser (Teoria KAM).
Como é comum em trabalhos desse nível, Herman omitiu várias passagens (muitas vezes
não triviais) dos Teoremas e Proposições de sua Tese. Nosso trabalho nesta Dissertação con-
sistiu basicamente em compreender e preencher essas lacunas, para facilitar a compreensão e
entendimento dos resultados que nos propomos a demonstrar. Claramente isso demandou um
grande esforço aritmético do início ao fim do trabalho, e o tornou mais longo do que o esperado
no início.
Boa parte das demonstrações originais dos Teoremas foram alteradas, acrescentando de-
talhes ou passagens omitidas. Algumas sofreram alterações substanciais. Em alguns casos
tornamos as hipóteses dos Teoremas um pouco mais fracas para simplificar a demonstração,
mas sem perder as hipóteses necessárias para alcançar nossos objetivos finais. Cabe ressaltar
que não buscamos aqui expor todos os resultados que Herman obteve em sua tese (HERMAN,
1979) ou em seu artigo (HERMAN, 1977). Ao leitor interessado, recomendamos a leitura dos
trabalhos originais, onde poderá encontrar mais resultados envolvendo a conjugação de difeo-
morfismos do círculo com rotações.
172
173
Referências Bibliográficas
ARNOL′D, V. I. Small denominators I: concerning the presentation of a circle. Izv. Akad. NaukSSSR Ser. Mat., v. 25, p. 21–86, 1961. ISSN 0373-2436. Disponível em: http://ia600801.us.archive.org/10/items/nasa_techdoc_19670000877/19670000877.pdf.
BILLINGSLEY, P. Ergodic theory and information. New York: John Wiley & Sons Inc., 1965.xiii+195 p.
BOURBAKI, N. Espaces vectoriels topologiques. Paris: Masson, 1981. vii+368 p. Élémentsde mathématique. ISBN 2-225-68410-3.
CERF, J. Topologie de certains espaces de plongements. Bull. Soc. Math. France, v. 89, p.227–380, 1961. ISSN 0037-9484. Disponível em: http://archive.numdam.org/article/BSMF_1961__89__227_0.pdf.
CHO, S.-H.; MIN, K.-J.; YANG, S. K. Equicontinuity of iterates of a map on the circle.Bull. Korean Math. Soc., v. 30, n. 2, p. 239–244, 1993. ISSN 1015-8634. Disponível em:http://icms.kaist.ac.kr/mathnet/kms_tex/1129.pdf.
COMTET, L. Advanced combinatorics: the art of finite and infinite expansions. Dordrecht: D.Reidel Publishing Co., 1974. xi+343 p. Revised and enlarged edition. ISBN 90-277-0441-4.
DELIGNE, P. Les difféomorphismes du cercle. In: Séminaire Bourbaki, Vol. 1975/76, 28èmeannée, Exp. No. 477. Berlin: Springer, 1977. p. 99–121. Lecture Notes in Math., Vol. 567.Disponível em: http://archive.numdam.org/article/SB_1975-1976__18__99_0.pdf.
DENJOY, A. Sur les courbes définies par les équations différentielles à la surface du tore.J. Math. Pures Appl., v. 9, n. 11, p. 333–376, 1932. ISSN 0021-7824. Disponível em:http://portail.mathdoc.fr/JMPA/PDF/JMPA_1932_9_11_A13_0.pdf.
DOUADY, R. Herman ou la passion des mathématiques et de la vie. Gaz. Math., SociétéMathématique de France, Paris, n. 88, p. 75–76, 2001. ISSN 0224-8999. Disponível em: http://smf4.emath.fr/en/Publications/Gazette/2001/88/smf_gazette_88_75-76.pdf.
EVANS, L. C.; GARIEPY, R. F. Measure theory and fine properties of functions. Boca Raton:CRC Press, 1992. viii+268 p. (Studies in Advanced Mathematics). ISBN 0-8493-7157-0.
FATHI, A.; YOCCOZ, J.-C. Michael Robert Herman, 1942–2000. Ergodic TheoryDynam. Systems, v. 24, n. 5, p. 1273–1275, 2004. ISSN 0143-3857. Disponível em:http://dx.doi.org/10.1017/S0143385704000677.
FOLLAND, G. B. Real analysis: modern techniques and their applications. 2nd. ed. NewYork: John Wiley & Sons Inc., 1999. xvi+386 p. (Pure and Applied Mathematics (New York)).ISBN 0-471-31716-0.
174
FRANÇA, L. F. N. Estabilidade e densidade dos difeomorfismos Morse-Smale do círculo.60 f. Dissertação (Mestrado em Matemática) — PUC-Rio, Departamento de Matemática, Riode Janeiro, 2008. Disponível em: http://www.maxwell.lambda.ele.puc-rio.br/Busca_etds.php?strSecao=resultado&nrSeq=13321@1.
FURSTENBERG, H. Strict ergodicity and transformation of the torus. Amer. J. Math., v. 83,p. 573–601, 1961. ISSN 0002-9327. Disponível em: http://www.jstor.org/stable/
pdfplus/2372899.pdf.
GOTTSCHALK, W. H.; HEDLUND, G. A. Topological dynamics. Providence, R. I.:American Mathematical Society, 1955. vii+151 p. (American Mathematical SocietyColloquium Publications, Vol. 36).
HERMAN, M.-R. Mesure de Lebesgue et nombre de rotation. In: Geometry and topology(Proc. III Latin Amer. School of Math., Inst. Mat. Pura Aplicada CNPq, Rio de Janeiro, 1976).Berlin: Springer, 1977. p. 271–293. Lecture Notes in Math., Vol 597.
HERMAN, M.-R. Sur la conjugaison différentiable des difféomorphismes du cercle à desrotations. Inst. Hautes Études Sci. Publ. Math., n. 49, p. 5–233, 1979. ISSN 0073-8301.
HERMAN, M.-R. Simple proofs of local conjugacy theorems for diffeomorphisms of the circlewith almost every rotation number. Bol. Soc. Brasil. Mat., v. 16, n. 1, p. 45–83, 1985. ISSN0100-3569.
HUREWICZ, W. Ergodic theorem without invariant measure. Ann. of Math. (2), v. 45,p. 192–206, 1944. ISSN 0003-486X. Disponível em: http://www.jstor.org/stable/pdfplus/1969081.pdf.
JORGE, D. de R. Frações contínuas: propriedades ergódicas e de aproximação. 126 f.Dissertação (Mestrado em Matemática) — PUC-Rio, Departamento de Matemática, Rio deJaneiro, 2006. Disponível em: http://www.maxwell.lambda.ele.puc-rio.br/Busca_etds.php?strSecao=resultado&nrSeq=8731@1.
KATOK, A.; HASSELBLATT, B. Introduction to the modern theory of dynamical systems.Cambridge: Cambridge University Press, 1995. xviii+802 p. (Encyclopedia of Mathematicsand its Applications, v. 54). ISBN 0-521-34187-6.
KOLODII, I. M.; KHIL’DEBRAND, F. Some properties of the modulus of continuity.Mathematical Notes, MAIK Nauka/Interperiodica, v. 9, p. 285–288, 1971. ISSN 0001-4346.
LANG, S. Complex analysis. 4th. ed. New York: Springer-Verlag, 1999. xiv+485 p. (GraduateTexts in Mathematics, v. 103). ISBN 0-387-98592-1.
LIMA, E. L. Espaços métricos. 4. ed. Rio de Janeiro: IMPA, 2007. 299 p. (Projeto Euclides).ISBN 978-85-244-0158-9.
LIMA, E. L. Curso de análise. 12. ed. Rio de Janeiro: IMPA, 2008. 431 p. (Projeto Euclides).v.1. ISBN 978-85-244-0118-3.
LIMA, E. L. Variedades diferenciáveis. Rio de Janeiro: IMPA, 2010. 289 p. (PublicaçõesMatemáticas). ISBN 978-85-244-0267-8.
175
MAÑÉ, R. Introdução à teoria ergódica. Rio de Janeiro: IMPA, CNPq, 1983. viii+389 p.(Projeto Euclides, v. 14).
MELO, W. de. Lectures on one-dimensional dynamics. Rio de Janeiro: CNPq, IMPA, 1989.17o Colóquio Brasileiro de Matemática. ISBN 85-244-0041-2.
MELO, W. de; STRIEN, S. van. One-dimensional dynamics. Berlin: Springer-Verlag,1993. xiv+605 p. (Ergebnisse der Mathematik und ihrer Grenzgebiete (3), v. 25). ISBN3-540-56412-8. Disponível em: http://www2.warwick.ac.uk/fac/sci/maths/people/staff/sebastian_van_strien/demelo-strien.pdf.
MOREIRA, C. G. T. A. Conjuntos de Cantor, dinâmica e aritmética. Rio de Janeiro: IMPA,1999. iv+77 p. (Publicações Matemáticas). 22o Colóquio Brasileiro de Matemática. ISBN85-244-0146-X.
MUNKRES, J. R. Topology. 2nd. ed. Upper Saddle River: Prentice-Hall Inc., 2000. xii+537 p.ISBN 0-13-181629-2.
NAVAS, A. Grupos de difeomorfismos del círculo. Rio de Janeiro: SBM, 2007.ii+249 p. (Ensaios Matemáticos, v. 13). ISBN 978-85-85818-36-4. Disponível em:http://www.sbm.org.br/docs/ensaio_matematico/em_13_navas.pdf.
POINCARÉ, J. H. Sur les courbes définies par les équations différentielles (III). J.Math. Pures Appl., v. 4, n. 1, p. 167 – 244, 1885. ISSN 0021-7824. Disponível em:http://portail.mathdoc.fr/JMPA/PDF/JMPA_1885_4_1_A6_0.pdf.
POLLICOTT, M. Lectures on ergodic theory and Pesin theory on compact manifolds.Cambridge: Cambridge University Press, 1993. x+162 p. (London Mathematical SocietyLecture Note Series, v. 180). ISBN 0-521-43593-5.
176
177
APÊNDICE A -- Topologia
O objetivo deste Apêndice é fazer uma breve revisão de conceitos e propriedades de Topo-
logia que são usados ao longo do texto. Para mais detalhes e demonstrações dos Teoremas, veja
(MUNKRES, 2000).
A.1 Espaços Topológicos
Dado um conjunto X , uma topologia T em X é uma coleção de subconjuntos de X com as
seguintes propriedades:
a)∅ e X estão em T ;
b)A união qualquer de elementos de T está em T ;
c)A intersecção finita de elementos de T está em T .
Um espaço topológico é um par (X ,T ), onde X é um conjunto e T é uma topologia em X .
Quando a topologia estiver subentendida, indicaremos apenas por X o espaço topológico.
Dizemos que A⊂ X é um conjunto aberto de X se A ∈T . Se o complementar de A,
Ac = X \A ∈T ,
dizemos que A é um conjunto fechado de X . O maior subconjunto aberto IntA contido em A
é chamado interior de A e o menor subconjunto fechado A que contém A é dito fecho de A.
Dizemos que A é denso em X se A = X . Se Int(A) = ∅, dizemos que A é um conjunto nunca
denso em X .
Se Y é um subconjunto de (X ,T ), então T induz uma topologia TY em Y da seguinte
forma: A é aberto em (Y,TY ) se A =U ∩Y , onde U ∈ T . O par (Y,TY ) é chamado subespaço
topológico de (X ,T ).
178
Em espaços topológicos podemos definir importantes conceitos como conjuntos conexos,
compactos e funções contínuas.
Definição A.1. Sejam X e Y espaços topológicos. Uma função f : X → Y é dita contínua, se
para cada V aberto em Y , f−1(V ) é aberto em X .
Uma definição equivalente para a continuidade é exigir que a pré-imagem de fechados seja
fechada. Quando f : X →Y for bijetora, contínua e f−1 : Y → X também for contínua, diremos
que f é um homeomorfismo, e que os espaços X e Y são homeomorfos.
Proposição A.2. Seja h : X → Y uma função contínua e sobrejetora. Se A é um subconjunto
denso de X, então h(A) é denso em Y .
Definição A.3. Seja X um espaço topológico. Uma cisão de X é um par (A,B) de abertos
disjuntos de X cuja união é o próprio X . Se X admite apenas a cisão trivial, ou seja, a cisão
(X ,∅), X é dito conexo.
Proposição A.4. A imagem de um conjunto conexo por uma função contínua é conexa.
Dizemos que A é uma componente conexa de X se A é conexo e não existe B ⊂ X conexo
tal que A⊂ B, A 6= B. Note que, pela Proposição anterior, se f : X → X é um homeomorfismo,
a imagem de componentes conexas de X por f também são componentes conexas.
Diremos que uma coleção A de subconjuntos de X é uma cobertura de X , se a união dos
elementos de A é igual a X . Dizemos que A é uma cobertura para um subconjunto Y ⊂ X se
Y está contido na união dos elementos de A. Se A é formada por subconjuntos abertos de X ,
então é dita cobertura aberta.
Definição A.5. Um espaço topológico X é dito compacto se toda cobertura aberta A de X
admite uma subcobertura finita que também cobre X .
Tanto a conexidade quanto a compacidade são invariantes topológicos, ou seja, se f : X→Y
é um homeomorfismo, A⊂ X é conexo (compacto) se, e somente se, f (A) é conexo (compacto).
A.2 Espaços Métricos
Quando X é um conjunto finito, podemos descrever explicitamente uma topologia em X e
verificar que essa coleção de subconjuntos satisfaz as três propriedades da definição de topo-
logia. Porém, tipicamente estamos interessados em conjuntos infinitos, de forma que se torna
difícil definir uma topologia em X exibindo explicitamente seus elementos. Isso nos leva a
necessidade de criarmos a definição de base para uma topologia.
179
Definição A.6. Se X é um conjunto, uma base para uma topologia em X é uma coleção B de
subconjuntos de X , chamados elementos básicos, tais que:
a)Para cada x ∈ X existe pelo menos um elemento básico B que contém x;
b)Se x pertence a intersecção de dois básicos B1 e B2, existe um básico B3 ⊂ B1 ∩B2 tal que
x ∈ B3.
Se B satisfaz essas duas condições, definimos a topologia T gerada por B da seguinte
forma: um elemento A é um aberto (ou seja, um elemento de T ) se para cada x ∈ A, existe um
básico B ∈B tal que x ∈ B e B ⊂ A. Dessa forma, cada elemento básico também é um aberto
nessa topologia.
Uma importante classe de espaços topológicos que são gerados por bases são os espaços
métricos .
Definição A.7. Uma métrica em X é uma função d : X ×X → R que possui as seguintes pro-
priedades:
a)(Positiva e definida) d(x,y)≥ 0, para todo x,y ∈ X ; a igualdade vale se, e somente se, x = y;
b)(Simétrica) d(x,y) = d(y,x), para todo x,y ∈ X ;
c)(Desigualdade Triangular) d(x,y)+d(y,z)≥ d(x,z), para todo x,y,z ∈ X .
Um subconjunto de X da forma B(x,ε) = {y ∈ X |d(x,y) < ε}, onde ε > 0, é chamado de
bola aberta de centro x e raio ε .
Definição A.8. Se d é uma métrica em um conjunto X , então a coleção de bolas abertas B(x,ε),
para x ∈ X e ε > 0 é uma base para uma topologia em X . O conjunto X munido dessa topologia
é chamado espaço métrico, e denotado por (X ,d).
Dizemos que um subconjunto A de um espaço métrico (X ,d) é limitado se existe um nú-
mero M tal que
d(x,y)≤M,
para todo x,y∈X . Se A é limitado e não vazio, o diâmetro de A é definido como sendo o número
diam(A) = sup{d(x,y)|x,y ∈ A}.
180
Se z é um elemento qualquer de X , definimos a distância do ponto z ao subconjunto A como
d(z,A) = inf{d(z,a)|a ∈ A}.
Se (X ,d1) e (Y,d2) são espaços métricos, dizemos que uma função f : X→Y é uma isome-
tria se d1(a,b) = d2( f (a), f (b)), para todo a,b ∈ X .
Dizemos que um espaço topológico X é um espaço de Hausdorff se, para todo x1 6= x2 ∈ X
existem vizinhanças abertas disjuntas de x1 e x2 em X . Note que todo espaço métrico é de
Hausdorff.
Teorema A.9. Seja f : X→Y uma função contínua e bijetora. Se X é compacto e Y é Hausdorff,
então f é um homeomorfismo.
A.3 Topologia Quociente
Sejam X e Y espaços topológicos e f : X → Y sobrejetiva. Diremos que f é uma aplicação
quociente se, um conjunto A é aberto em Y se, e somente se, f−1(A) é aberto em X .
Se (X ,TX) é um espaço topológico, Y um conjunto qualquer e f : X → Y sobrejetora,
existe uma única topologia TY em Y que torna f uma aplicação quociente. Essa topologia é
obviamente definida da seguinte forma: A ∈ TY se, e somente se, f−1(A) ∈ TX . Dizemos que
TY é a topologia quociente de Y induzida por f .
Por exemplo, suponha que (X ,TX) seja um espaço topológico e X∗ seja uma partição de X ,
ou seja, X∗ é uma coleção de subconjuntos disjuntos (não vazios) de X cuja união é o próprio
X . A cada x ∈ X , vamos denotar por [x] o elemento de X∗ que contém x. Defina a projeção
canônica
π : X → X∗
x 7→ [x]
Note que π é uma função sobrejetora, de forma que podemos definir a topologia quociente
T induzida por π em X∗. Um subconjunto A ⊂ X∗ será aberto em (X∗,T ) se, e somente se,
π−1(A) for aberto em TX . Por construção, a projeção canônica π é uma aplicação quociente e,
em particular, contínua com respeito a essas topologias.
181
APÊNDICE B -- Medida e Integração
Neste Apêndice faremos uma breve revisão de definições e teoremas da Teoria da Medida
e Integração que são usados ao longo do texto. Para as demonstrações dos Teoremas, veja
(FOLLAND, 1999).
B.1 Álgebras e σ -álgebras
Definição B.1. Seja Σ uma coleção de subconjuntos de X . Dizemos que Σ é uma álgebra se:
i) /0,X ∈ Σ;
ii)A ∈ Σ =⇒ X \A ∈ Σ;
iii)A1,A2,A3, . . .An ∈ Σ =⇒⋃n
i=1 Ai ∈ Σ.
Se A1,A2,A3, · · · ∈ Σ =⇒⋃
∞i=1 Ai ∈ Σ, dizemos que Σ é uma σ -álgebra . Se Σ é uma σ -álgebra
de X , chamamos o par (X ,Σ) de espaço mensurável. Denominamos os elementos de Σ de
conjuntos mensuráveis.
Se E é qualquer coleção de subconjuntos de X , chamamos a menor σ -álgebra que contém
E (intersecção de todas as σ -álgebras que contém E ) de σ -álgebra gerada por E .
Se X é um espaço topológico, a σ -álgebra BX gerada pelos conjuntos abertos de X é deno-
minada σ -álgebra de Borel.
Proposição B.2. A σ -álgebra de Borel em R é gerada por:
i){(a,b);a < b};
ii){[a,b];a < b};
iii){[a,b);a < b};
182
iv){(a,b];a < b};
v){(a,∞);a ∈ R};
vi){(−∞,a);a ∈ R};
vii){[a,∞);a ∈ R};
viii){(−∞,a];a ∈ R}.
B.2 Medida
Definição B.3. Seja (X ,Σ) um espaço mensurável. Dizemos que uma função µ : Σ→ [0,∞] é
uma medida se:
i)µ( /0) = 0;
ii)µ(∪∞i=1Ei) = ∑
∞i=1 µ(Ei), para toda coleção {Ei}∞
i=1 de conjuntos mensuráveis dois a dois
disjuntos.
Se µ é uma medida em (X ,Σ) chamamos (X ,Σ,µ) de espaço de medida. Se µ(X) = 1,
dizemos que (X ,Σ,µ) é um espaço de probabilidade e que µ é uma medida de probabilidade.
Teorema B.4. Seja (X ,M ,µ) um espaço de medida.
i)Se A,B ∈M e A⊂ B, então µ(A)≤ µ(B);
ii)Se {Ei}∞i=1 ⊂M , então µ(∪∞
i=1Ei)≤ ∑∞i=1 µ(Ei);
iii)Se {Ei}∞i=1 ⊂M e E1 ⊂ E2 ⊂ . . . , então µ(∪∞
i=1Ei) = limi→∞ µ(Ei);
iv)Se {Ei}∞i=1 ⊂M , E1 ⊃ E2 ⊃ . . . e µ(E1)< ∞, então µ(∩∞
i=1Ei) = limi→∞ µ(Ei).
Sejam (X ,M ,µ) um espaço de medida e A ∈M com µ(A) = 0. Dizemos que A é um
conjunto de medida nula. Quando uma propriedade é válida em todo X , exceto num conjunto A
de medida nula, dizemos que essa propriedade vale µ-quase sempre. Note que, se B⊂ A e B é
mensurável, pelo Teorema B.4 µ(B) = 0. Porém nem todo subconjunto de A é necessariamente
mensurável. Quando todos os subconjuntos de conjuntos de medida nula são mensuráveis,
dizemos que a medida µ é completa.
183
Teorema B.5. Seja (X ,M ,µ) um espaço de medida. Sejam N = {N ∈M ; µ(N) = 0} e
M = {E ∪F ;E ∈M e F ⊂ N, para algum N ∈N . Então M é uma σ -álgebra e existe uma
única extensão µ de µ a uma medida completa em M . A medida µ é dita completamento da
medida µ .
B.2.1 Medida de Lebesgue
Teorema B.6. Seja F : R→ R uma função crescente e contínua à direita. Então existe uma
única medida µF definida na σ -álgebra de Borel BR tal que
µF((a,b]) = F(b)−F(a),
para todo a < b.
Podemos estender a medida µF do Teorema B.6 a uma medida completa µF . Pode-se
mostrar que o domínio de µF é estritamente maior que BR. Dizemos que µF é a medida de
Lebesgue-Stieltjes associada à F . Em particular, se F(x) = x, essa medida completa é chamada
simplesmente de medida de Lebesgue e denotada por m. Chamaremos o domínio da medida m
de coleção dos conjuntos Lebesgue-mensuráveis, e será denotado por L .
Teorema B.7. Para qualquer E ∈L
m(E) = inf
{∞
∑i=1
(bi−ai);E ⊂∞⋃
i=1
(ai,bi)
}.
B.3 Classes Monótonas
Definimos uma classe monótona no conjunto X como um subconjunto C ⊂P(X) tal que:
i)Se E1,E2, · · · ∈ C e E1 ⊂ E2 ⊂ . . . então⋃
∞i=1 Ei ∈ C ;
ii)Se E1,E2, · · · ∈ C e E1 ⊃ E2 ⊃ . . . então⋂
∞i=1 Ei ∈ C .
Para qualquer E ⊂P(X) existe uma única menor classe monótona que contém E . Dizemos
que essa classe monótona é gerada por E .
Lema B.8 (Lema da Classe Monótona). Se E é uma álgebra de subconjuntos de X, então a
classe monótona C gerada por E coincide com a σ -álgebra M gerada por E .
184
Proposição B.9. Sejam (X ,M ,µ) um espaço de medida e E uma álgebra de subconjuntos de
X que gera a σ -álgebra M . Se T−1(A) ∈M e µ(T−1(A)) = µ(A), para todo A ∈ E , então µ
é T -invariante, ou seja, µ(T−1(A)) = µ(A), para todo A ∈M .
Demonstração.Seja G a coleção dos conjuntos A ∈M tais que T−1(A) ∈M e µ(T−1(A)) =
µ(A). Note que G contém E . Vamos mostrar que G é uma classe monótona. Com efeito, seja
{Ei}∞i=1 ⊂ G . Se E1 ⊂ E2 ⊂ . . . , então ∪∞
i=1Ei ∈M e, pela Proposição B.4,
µ
(T−1
(∞⋃
i=1
Ei
))= m
(∞⋃
i=1
T−1(Ei)
)
= limn→∞
µ
(n⋃
i=1
T−1(Ei)
)= lim
n→∞µ(T−1(En))
= limn→∞
µ(En)
= µ
(∞⋃
i=1
Ei
).
Logo, ∪∞i=1Ei ∈G . Analogamente provamos que, se E1⊃E2⊃ . . . então∩∞
i=1Ei ∈G e, portanto,
G é uma classe monótona. Pela Lema da Classe Monótona, G coincide com M .
B.4 Integração
Sejam (X ,M ) e (Y,N ) espaços mensuráveis. Dizemos que f : X → Y é mensurável se
f−1(A) ∈M sempre que A ∈N .
Seja (XM ) um espaço mensurável e E ⊂ X . A função característica de E é definida como
χE(x) =
1, se x ∈ E;
0, se x 6∈ E.
Uma função f : X → C é dita uma função simples se
f =n
∑i=1
z jχE j ,
com z1, . . . ,zn ∈ C e E1, . . . ,En ⊂ X .
Teorema B.10. Seja (X ,M ) um espaço mensurável. Se f : X → [0,∞] é mensurável, então
existe uma sequência (φn)n∈N de funções simples tal que 0≤ φ1 ≤ φ2 ≤ ·· · ≤ f ,φn→ f pontu-
almente e φn→ f uniformemente em qualquer conjunto em que f é limitada.
185
Fixado um espaço de medida (X ,M ,µ), definimos L+ como o conjunto de todas as funções
f : X→ [0,∞] µ-mensuráveis. Se f ∈ L+ é uma função simples, com f = ∑ni=1 z jχE j , definimos
a integral de f com respeito a µ como∫f dµ =
n
∑i=1
ziµ(Ei).
Se A⊂ X é mensurável, denotamos ∫A
f dµ =∫
f χAdµ.
Para uma função f ∈ L+ qualquer, definimos a integral de f com respeito a µ como∫f dµ = sup
{∫φdµ;0≤ φ ≤ f ,φ função simples
}.
Considere agora uma função f : X → R. Definimos
f+(x) = max{ f (x),0} e f−(x) = max{− f (x),0}.
Naturalmente, f = f+− f− e | f |= f++ f−. Definimos a integral de f com respeito a µ como∫f dµ =
∫f+dµ−
∫f−dµ.
Se f assume valores em C, definimos∫f dµ =
∫Re( f )dµ + i
∫Im( f )dµ.
Se ∫|Re( f )|dµ < ∞ e
∫| Im( f )|dµ < ∞
dizemos que f é integrável com respeito a µ . Denotamos por L1(µ) o conjunto das funções
µ-integráveis.
Considere uma função F : R→ C. Definimos a variação total TF de F em x ∈ R como
TF(x) = sup
{n
∑i=1|F(x j)−F(x j−1|;n ∈ N,−∞ < x0 < · · ·< xn = x
}.
Observe que se a < b então
TF(b)−TF(a) = sup
{n
∑i=1|F(x j)−F(x j−1|;n ∈ N,a = x0 < · · ·< xn = b
};
186
esse número é chamado de variação total de F em [a,b]. Se TF(b)−TF(a) < ∞, dizemos que
F tem variação limitada em [a,b]. O conjunto das funções de variação limitada em [a,b] é
denotado por BV ([a,b]). Quando F tem variação limitada sobre R diremos simplesmente que
f ∈ BV .
Dizemos que a função F : R→C é absolutamente contínua se para todo ε > 0, existe δ > 0
tal que para toda coleção finita de intervalos disjuntos (a1,b1), . . . ,(aN ,bN),
N
∑j=1
(b j−a j)< δ =⇒N
∑j=1|F(b j)−F(a j)|< ε.
Teorema B.11 (Teorema Fundamental do Cálculo para Integrais de Lebesgue). Se −∞ <
a < b < ∞ e F : [a,b]→ C, as seguintes afirmações são equivalentes:
a)F é absolutamente contínua em [a,b];
b)F(x)−F(a) =∫ x
af (t)dt, para alguma função f ∈ L1([a,b],m), onde m é a medida de Le-
besgue;
c)F é diferenciável quase sempre em [a,b], F ′ ∈ L1([a,b],m) e F(x)−F(a) =∫ x
aF ′(t)dt.
B.5 Espaços Lp
Considere um espaço de medida (X ,M ,µ). Se f é uma função mensurável em X e 0 <
p < ∞, definimos a norma
|| f ||p =(∫| f |pdµ
)1/p
.
Para p = ∞ definimos
|| f ||∞ = inf{a≥ 0; µ({x; | f (x)|> a}) = 0},
convencionando que inf∅= ∞.
Se 0 < p≤ ∞, definimos o espaço
Lp(X ,M ,µ) = { f : X → C; f é µ-mensurável e || f ||p < ∞}.
Teorema B.12 (Teorema da Convergência Dominada). Seja ( fn)n∈N uma sequência em L1
tal que fn→ f , quase sempre e existe g ∈ L1 tal que | fn| ≤ g quase sempre, para todo n. Então
f ∈ L1 e ∫f = lim
n→+∞
∫fn.
187
APÊNDICE C -- Teoria Ergódica
Neste último Apêndice relembramos brevemente algumas definições e Teoremas da Teoria
Ergódica que são usados no texto.
C.1 Medidas Invariantes
Uma medida µ é invariante pela função f se µ( f−1(A)) = µ(A), para qualquer conjunto µ-
mensurável. Quando f é invertível, isso equivale a dizer que µ(A) = µ( f (A)) = · · ·= µ( f k(A))
para qualquer k ∈ Z.
Teorema C.1 (Teorema de Krylov-Bogolyubov). Toda função contínua sobre um conjunto
compacto metrizável possui uma medida de probabilidade de Borel invariante.
Demonstração.Veja (KATOK; HASSELBLATT, 1995), p. 135, ou (MAÑÉ, 1983), p. 64.
Teorema C.2. As seguintes afirmações são equivalentes:
a)µ é invariante por f ;
b)∫
g◦ f dµ =∫
gdµ , para toda função g ∈ L1(µ).
Demonstração.Veja (POLLICOTT, 1993), p. 6.
Teorema C.3 (Markov-Kakutani). Se f : X → X e g : X → X são contínuas e f ◦ g = g ◦ f ,
então existe uma medida de probabilidade µ sobre X tal que f∗µ = g∗µ = µ , onde f∗µ(A)
denota µ( f−1(A)).
Demonstração.Veja (BOURBAKI, 1981).
188
C.2 Ergodicidade
Seja (X ,M ,µ) um espaço de probabilidade. Dizemos que T : X → X é ergódica com
respeito a µ se µ(A) = 0 ou 1, para todo conjunto A mensurável tal que T−1(A) = A. Se f :
X → X é um homeomorfismo e X é um espaço métrico compacto, dizemos que f é unicamente
ergódica se existe uma única medida de probabilidade µ invariante por f .
Teorema C.4. As seguintes afirmações são equivalentes:
a) f é ergódica em relação a µ;
b)g◦ f = g, para alguma função g ∈ L1(µ) =⇒ g é constante µ-quase sempre.
Demonstração.Veja (MAÑÉ, 1983), p. 130.
Teorema C.5. Seja X um espaço métrico compacto e f : X → X uma bijeção contínua. As
seguintes afirmações são equivalentes:
1) f é unicamente ergódica, com medida de probabilidade invariante µ;
2)Para toda função contínua ϕ : X → R,
limk→+∞
1k
k−1
∑i=0
ϕ ◦ f i =∫
Xϕdµ,
sendo a convergência uniforme.
Demonstração.Veja (FURSTENBERG, 1961), p. 575, ou (MAÑÉ, 1983), p. 72.
Teorema C.6 (Teorema Ergódico de Birkhoff). Seja (X ,F ,µ) um espaço de probabilidade e
T : X → X uma transformação que preserva a medida µ , isto é, µ(T−1(A)) = µ(A), para todo
conjunto A mensurável. Se f é integrável, então existe uma função f tal que
∫f dµ =
∫f dµ e lim
n→∞
1n
n−1
∑k=0
f (T k(x)) = f (x)
para quase todo x ∈ X. Além disso, se T é ergódica, então
f (x) =∫
f dµ.
Demonstração.Veja (BILLINGSLEY, 1965), p. 20, ou (MAÑÉ, 1983), p. 115.
189
Índice Remissivo
Álgebra, 175Aplicação
de primeiro retorno, 29quociente, 174
AproximaçãoDiofantina, 87racional, 108
Base, 173
Círculo, 21Cisão, 172Classe monótona, 177Cobertura, 172Componente conexa, 172Conjugação topológica, 52Conjunto
α-limite, 25aberto, 171compacto, 172conexo, 172de Cantor, 52de medida nula, 176fechado, 171limitado, 173magro, 160mensurável, 175minimal, 52nunca denso, 171perfeito, 52residual, 160ω-limite, 25
Desigualdadede Denjoy, 112de Denjoy-Koksma, 110
Diâmetro, 173Difeomorfismo, 23Distorção, 54
Espaçode Hausdorff, 174de medida, 176de probabilidade, 176Lp, 180mensurável, 175métrico, 173topológico, 171
Fórmulada inversão de Lagrange, 74de Faà di Bruno, 74
Fecho, 171Fração contínua, 48Função
absolutamente contínua, 114, 180característica, 178contínua, 172de variação limitada, 54, 180ergódica, 182Hölder contínua, 57integrável, 179máximo inteiro, 41mensurável, 178real analítica, 57simples, 178unicamente ergódica, 182
Grau topológico, 23
Homeomorfismo, 172de classe Cβ , 76de classe Cw, 76de classe P, 112lipschitziano, 76minimal, 69
Integral, 179Interior, 171Intervalo errante, 53
190
Isometria, 174Itinerário, 36
Levantamento, 22
Medida, 176completa, 176de Gauss, 91de Lebesgue, 177de Lebesgue-Stieltjes, 177de probabilidade, 176equivalente, 91invariante, 181
Métrica, 173Módulo de continuidade, 75
Númerode rotação, 49, 60de tipo de Roth, 103
Órbita, 25Orientação, 23
Partição, 174Ponto
fixo, 25periódico, 25
Projeção canônica, 174Propriedade A0, 160
Rotação, 25
σ -álgebra, 175de Borel, 175gerada, 175
Semi-órbita, 25Semiconjugação, 50Subespaço topológico, 171
Teoremada Convergência Dominada, 180da Função Inversa, 66de Arzelà-Ascoli, 81de Denjoy, 55de Gottschalk-Hedlund, 69de Krylov-Bogolyubov, 181de Poincaré, 50do Valor Intermediário, 26do Valor Médio, 56dos Caminhos, 166Fundamental das Conjugações, 154Fundamental do Cálculo, 180
Topologia, 171Cr, 59quociente, 174
Transformação de Gauss, 44