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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS EXATAS E DA TERRA DEPARTAMENTO DE QUÍMICA NOTAS DE AULAS SOBRE QUÍMICA DOS COMPOSTOS DE COORDENAÇÃO

Compostos de coordenação - Parte 1 (nova)

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

CENTRO DE CIÊNCIAS EXATAS E DA TERRA

DEPARTAMENTO DE QUÍMICA

NOTAS DE AULAS SOBRE QUÍMICA DOS

COMPOSTOS DE COORDENAÇÃO

UFRN – NATAL

Page 2: Compostos de coordenação - Parte 1 (nova)

1 - INTRODUÇÃO

Compostos de coordenação são substâncias que contêm um átomo ou

íon central (que freqüentemente é um metal) rodeado por um grupo de íons,

moléculas ou radicais, ligados ao elemento central por forças que variam de

acordo com as características e estequiometria das espécies envolvidas.

Esses compostos estão presentes na maioria dos processos que

envolvem espécies inorgânicas em temperaturas não muito elevadas. Para

que se tenha uma idéia da importância desse tipo de composto, basta citar

os fatos seguintes, que são conduzidos por espécies coordenadas:

a) A respiração, ou mais precisamente, a troca de gás carbônico pelo

oxigênio no organismo, cujo o responsável maior é a hemoglobina,

que é um complexo que tem o ferro (II) como elemento central

b) A fotossíntese, que é um dos processos vitais para os vegetais, e é

realizada pela clorofila, que é um complexo cujo elemento central é

o magnésio;

c) A produção de polietileno seria inviável em larga escala se não

fosse o desenvolvimento dos catalisadores de Ziegler-Natta (que

são compostos de coordenação), que promovem polimerização de

etileno, à pressão e temperatura moderadas.

Fatos como estes fazem com que cerca de 70% dos trabalhos

realizados sobre química inorgânica se relacionem aos compostos de

coordenação.

Estes compostos, atualmente, recebem as denominações de adutos ou

complexos, dependendo das espécies coordenadas serem neutras ou

iônicas. Suas propriedades físicas e químicas variam bastante. Por

exemplo:

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a) Quando em solução alguns se dissociam em suas espécies

constituintes, outras permanecem com seus ligantes ligados aos

metais;

b) Na forma pura, alguns são estáveis apenas a baixas temperaturas,

outros mantêm suas identidades mesmo a altas temperaturas,

podendo, até, serem volatilizados;

c) Os que têm elementos de transição como átomo central, algumas

vezes são paramagnéticos, enquanto aqueles que têm elementos

representativos como átomo central sempre são diamagnéticos.

d) Da mesma forma, os compostos de metais de transição em geral

são coloridos, enquanto os elementos representativos são brancos.

e) Apesar dessas diferenças, existe suficiente convergência nos

métodos de preparação, nas estruturas e no comportamento

químico, que permite estudar esses compostos como constituintes

de uma classe de substâncias.

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2 - HISTÓRICO

2.1 - ASPECTOS GERAIS

Quando se fez as primeiras reflexões sobre os compostos de

coordenação, pareceu estranho que compostos estáveis como o CoCl3 e o

NH3, com as valências de todos os átomos satisfeitas, podessem reagir para

formar compostos como o [Co(NH3)6]Cl3 , também estável. Isto fez com

que compostos dessa natureza recebessem a denominação de complexos.

É quase impossível dizer qual o primeiro composto de coordenação

preparado intencionalmente. Porém, o primeiro que foi descrito foi o azul

da prússia, que foi preparado por Diesbách em 1704, e que, atualmente, é

formulado como o KFe[Fe(CN)6].

A descrição desse composto despertou muito interesse, motivando

muito s pesquisadores a iniciarem estudos sobre composto desse tipo.

Como resultados desses estudos, começaram a ser definidos métodos de

síntese e a serem descritas algumas propriedades desses compostos. Porém,

a princípio, tanto a ocorrência como as propriedades observadas pareciam

fatos isolados, e muitas vezes eram discordantes de um composto para

outro.

Na primeira fase dos estudos, químicos de renome, como: Gustav

Magnus, Willian C. Zeise, Thomaz Grahan, Carl E. Claus, Christian W.

Blonstrand e Sophius Jorgensen, realizaram trabalhos sobre compostos de

coordenação, acumulando dados suficiente para que Alfred Werner, em

1893, propusesse uma teoria que conseguiu explicar, satisfatoriamente, a

formação e muitas propriedades químicas e físicas desse tipo de compostos.

A partir da teoria de Werner foi possível se deduzir as geometrias de

vários compostos, e esta talvez tenha sido sua maior contribuição para o

esclarecimento da natureza dos compostos de coordenação.

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2.2 - ALGUNS ASPECTOS ESPECÍFICOS

A maioria dos primeiros complexos foi preparada pela reação de sais

metálicos com amônio. Porém, logo se verificou que muitas outras espécies

químicas podiam ser usadas em síntese de compostos dessa natureza.

Assim, foram preparados muitos complexos com CN-, NO2-, NCS- e Cl-

com sais de cobalto, cromo e platina entre muitos outros.

Uma das primeiras formas para nomear esses compostos, consistiu

em dar-lhes os nomes dos químicos que os prepararam, como:

NOME FÓRMULA INICIAL FÓRMULA ATUAL

Sal verde de Maganus PtCl22NH3 [Pt(NH3)2Cl2]

Sal de Zeise PtCl2ClC2H4 K[Pt(C2H4)Cl3]

Porém, com o aumento do número de compostos de coordenação

sintetizados, que essa forma de nomeá-los se tornaria impraticável e, então,

surgiu a idéia de denominá-los de acordo com a cor. Isso ocorreu quando se

verificou que, algumas vezes, compostos de mesma estequiometria

apresentam cores iguais. Como exemplos, podem ser citados:

COMPOSTOS CORES NOMES

CoCl36NH3 Amarelo Cloreto luteocobalto

CrCl36NH3 Amarelo Cloreto luteocrômico

CoCl35NH3 Púrpura Cloreto purpureocobalto

CrCl35NH3 Púrpura Cloreto

purpureocrômico

CoCl34NH3 Violeta Cloreto violeocobáltico

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No entanto, logo se verificou que isso não poderia ser uma regra para

nomear compostos de coordenação, pois, além do número de compostos ser

grande, muitos apresentam as mesmas cores e, em outros casos, até

isômeros apresentam cores diferentes entre si. O [Co(NH3)4]Cl3, por

exemplo existe nas cores violeta e verde.

Ainda dentro dos primeiros estudos realizados, verificou-se que,

além das cores, outras propriedades também variam com a estequiometria.

Por exemplo: ao se fazer reagir solução de AgNO3 com solução de

CoCl3.3NH3, não ocorre precipitação; com soluções de CoCl3.4NH3,

precipita-se um dos três cloretos; com uma solução de CoCl3.5NH3,

precipitam-se dois e, com uma solução de CoCl3.6NH3, os três cloretos são

precipitados.

Isso sugere que os cloretos se ligam ao Co+3 de formas diferentes nos

quatros compostos e, por vezes, num mesmo complexo, alguns se ligam

mais fortemente do que outros.

Outro estudo de grande importância para a química de coordenação

(ainda muito usado), consiste na medida das condutividades de soluções

destes compostos. Estas medidas mostram que a condutância cresce com o

aumento da concentração dos íons livres. Por exemplo: compostos que, em

solução, se dissociam liberando dois, três, ou quatro íons – como NaCl,

MgCl2 e Co(NO3)3 - produzem soluções cujas condutâncias molares (AM)

ficam próximas, respectivamente, de 120, 260 ou 390 ohm-1.cm-1.mol-1.

Para compostos de coordenação, essa correlação também é válida.

Como conseqüência, pode-se dizer que, nos complexos apresentados na

tabela 1, as coordenações se fazem entre as espécies colocadas dentro dos

colchetes, conforme está indicado na coluna da direita.

Apesar da água ser um excelente solvente em muitos tipos de análises,

ela apresenta algumas desvantagens em certos estudos sobre compostos de

coordenação, uma vez que, sendo uma substância com um razoável poder

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de coordenação, compete com vários ligantes, sofre hidrólise ácida ou

básica por interação com várias espécies químicas e, muitas vezes, não

dissolvem determinados compostos. Por este motivo, freqüentemente, se

usa solventes não aquosos para estudos de condutividade de compostos de

coordenação.

Tabela 1 – Compostos de coordenação e suas condutâncias (ohm-1.cm-1.mol-1)

Fórmula Empírica Condutância Molar Número de

íons

Fórmula de Werner

NaCl 124 2 NaCl

CaCl2 261 3 CaCl2

LaCl3 393 4 LaCl3

PtCl4.6NH3 523 5 [Pt( NH3) 6]Cl4

PtCl4.5NH3 404 4 [Pt(NH3) 5]Cl4

PtCl4.4NH3 229 3 [Pt(NH3) 4]Cl4

PtCl4.3NH3 97 2 [Pt(NH3) 3]Cl4

PtCl4.2NH3 0 0 [Pt(NH3) 2]Cl4

PtCl4.NH3.KCl 109 2 K[Pt(NH3)Cl5]

PtCl4.2KCl 256 3 K2[PtCl6]

Procurando identificar os melhores solventes para esses estudos, W.

L. Geary estudou as propriedades (incluindo a toxicidade) de vários deles e

publicou um artigo no qual indica os melhores solventes orgânicos e as

condições operacionais mais adequadas para se fazer medidas de

condutância em soluções de compostos de coordenação.

Nos seus estudos Geary analisou a capacidade de coordenação dos

solventes - que deve ser baixa para não competir com o ligante - e as faixas

de concentração mais adequadas para as medidas, concluindo que estas

devem ser próximas de milimolar. Ele estabeleceu, ainda, as faixas de

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condutância para cada tipo de eletrólito em diversos solventes, obtendo

resultados como os apresentados na tabela 2.

Tabela 2 – Faixas de condutâncias de eletrólitos em alguns solventes.

Solvente

Tipo de eletrólito e condutâncias molares.

1:1 1:2 ou 2:1 1:3 ou 3:1 1:4 ou 4:1

Nitrometano 75 - 95 150 – 180 220 - 260 290 - 330

Nitrobenzeno 20 -30 50 – 60 7 – 82 90 – 100

Acetona 100 – 140 160 – 200 270 - ? 360 - ?

Acetonitrila 120 – 160 220 – 300 340 – 420 500 - ?

Dimetilformamida 65 – 90 130 – 170 200 – 240 300 - ?

Metanol 80 – 115 160 – 220 290 - 350 450 - ?

Etanol 35 - 45 70 – 90 120 - ? 160 - ?

Muitas outras propriedades foram observadas, e o conjunto destas

possibilitou a criação de teorias para se explicar a formação dos compostos,

mas, também, dessas propriedades.

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3 - NOMECLATURA DOS COMPOSTOS DE COORDENAÇÃO

Nessa sessão serão apresentadas as regras mais importantes para se

escrever as fórmulas e nomear os compostos de coordenação. Essas regras

são de grande importância, uma vez que a sua correta utilização expressa as

espécies constituintes dos compostos, os números de oxidação dos átomos

centrais, as estruturas e as formas isoméricas.

3.1 - ALGUNS LIGANTES

Os ligantes, que geralmente nos compostos de coordenação

funcionam como bases de Lewis, podem se ligar ao átomo central através

de um ou mais átomos. Para que isso aconteça, é necessário que esses

átomos possuam pares de elétrons que possam fazer ligações

coordenativas.

Se a coordenação se faz apenas através de um átomo, o ligante é do

tipo monodentado (Cl-, NH3, piridino, etc.). Se for por dois átomos, o

ligante é bidentado (NH2CH2CH2NH2, dipiridino, etc.) e assim por diante.

H2N

CH2

M NH3 M

NH3 - Monodentado CH2

H2N

NH2CH2CH2NH2 - Bidentado

As principais regras usadas para nomear os ligantes são as seguintes:

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a) Os ânios terminados em eto, como os haletos e cianetos, quando

estão funcionando como ligantes, trocam o sufixo eto por o:

Espécies Nome do íon Nome do ligante

F- Fluoreto Fluoro

Cl- Cloreto Cloro

Br- Brometo Bromo

I- Iodeto Iodo

CN- Cianeto Ciano

NH2- Amideto Amido

b) Alguns ânions terminados em ido, trocam o sufixo ido por io.

Espécies Nome do íon Nome do ligante

OH- Hidróxido Hidroxio

O2- Óxido Oxio

O22- Peróxido Peroxio

c) A maioria dos ânions conserva seus nomes usuais.

Espécies Nome do íon Nome do ligante

CO32- Carbonato Carbonato

NO3- Nitrato Nitrato

SO42- Sulfato Sulfato

C2O42- Oxalato Oxalato

CH3COO- Acetato Acetato

CH3COCHCOCH-3 Acetilacetonato Acetilacetonato

(ACAC)d) Os radicais derivados de hidrocarbonetos mantêm os seus nomes.

Espécies Nome do íon Nome do ligante

CH3 Metil Metil (Me)

C2H5 Etil Etil (Et)

C6H5 Fenil Fenil (Ph ou )

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C5H5 Ciclopentadienil Ciclopentadienil (Cp)

Por conveniência, para calcular o número de oxidação das espécies

presentes nos complexos, radicais como esses, ou outros similares, quase

sempre são considerados como aniônicos.

d) Alguns ligantes moleculares com nomes terminados em a

conservam os nomes, trocando o a por o.

Espécies Nome do íon Nome do ligante

C5H5N Piridina Piridino (Py)

C10H8N2 Dipiridina Dipiridino (Dipy)

C2H8N2 Etilenodiamina Etilenodiamino (En)

f) Outros ligantes recebem nomes específicos, sem seguir regras:

Espécies Nome do íon Nome do ligante

H2O Água Áqua

NH3 Amônia Mmino ou Amin

CO Monóxido de carbono Carbonil

NO Monóxido de

nitrogênio

Nitrosil

O2 (*) Oxigênio (molecular) Dioxigênio

N2 (*) Nitrogênio (molecular) Dinitrogênio

H- Hidreto Hidrido

(*) Nas formulas, esses ligantes devem ser escritos entre parênteses.

g) Nos ligantes ambidentados os nomes dependem do átomo coordenante:

Espécies Nome do íon Nome do ligante

M__SCN- Tiocianato Tiocianato

M__NCS- Tiocianato Isotiocianato

M__ONO- Nitrito Nitrito

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M__NO-2 Nitrito Nitro

3.2- ESPÉCIES CATIÔNICAS E NEUTRAS COM UM SÓ

TIPO DE LIGANTE

Para se formular os compostos de coordenação, em primeiro lugar

escreve-se o átomo ou íon central e, em seguida, escreve-se os ligantes.

Nas fórmulas, as espécies coordenadas são escritas entre colchetes e os

ligantes poliatômicos são escritos entre parênteses.

Para se nomear o composto, primeiro nomeia-se os ligantes. Depois

o átomo central e, finalmente, o seu numero de oxidação entre parênteses:

Fórmulas Nomes

[Ag(NH3)2]+ Diaminprata (I)

[Co(NH3)6]3+ Hexamincobalto(III)

[Cr(H2O)6]3+ Hexaaquacromo(III)

[Fe(C5H5)2] Biciclopentadienilferro(0) - Ferroceno

[Mn(CO)6]+ Hexacarbonilmanganês(I)

[Ni(CO)4] Tetracarbonilniquel(O)

Nessas designações é observado o seguinte procedimento:

a) Não se deixam espaços vazios entre as palavras nem entre o

nome do compostos e o estado de oxidação do átomo central;

b) Usam-se os prefixos di, tri, tetra, penta, etc. para indicar o

numero de ligantes idênticos presentes;

c) O número de oxidação da espécie central é indicado por

algarismos romanos entre parênteses;

d) Em complexos catiônicos ou neutros, a espécie central

conserva seu nome inalterado;

e) Não é necessário explicitar se o complexo é catiônico ou não.

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3.3 - ESPÉCIES ANIÔNICAS COM UM SÓ TIPO DE

LIGANTE

A única diferença em relação ao caso anterior, é que em complexos

dessa natureza o elemento central recebe a terminação ato. Exemplos:

Fórmulas Nomes

[AuCl2]- Dicloroaurato(I)

[Pt(CN)4]2- Tetracianoplatinato(II)

[Mn(CO)5]- Pentacarbonilmanganato(-I)

[Fe(SCN)6]3- Hexatiocianatoferrato(III)

[UF7]3- Heptafluorouranato(IV)

[V(CO)6]- Hexacarbonilvanadato(-I)

3.4 - ESPÉCIES COM LIGANTES DIFERENTES

Se existem ligantes diferentes num mesmo composto de

coordenação, na fórmula e no nome, esses ligantes são colocados em

ordem alfabética.

Fórmulas Nomes

[Ir(NH3)4Cl2]+ Tetramindicloroirídio(III)

[Co(an)3Cl3] Triacetonitrilatriclorocobalto(III)

[ZnCl2(dmf)2] Diclorobis(dimetilformamida)zinco(II)

[CdBr3(H2O)3]- Ttibromotriaquacadmiato(II)

[Ir(CO)Cl(P3)2] Carbonilclorobis(trifenilfosfino)irídio(I

)

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3.6 - INDICAÇÃO DE ISÔMEROS

Para nomeação de isômeros, coloca-se, antes do nome ou da fórmula,

o prefixo indicativo do tipo do isômero, escrito em itálico ou sublinhado,

seguido de um hífen.

Fórmulas Nomes

mer-[RuCl3(PEt3)3] mer-triclorotris(trietilfosfino)rutênio(III)

Fac-[RuCl3(Pet3)3] fac-triclorotris(trietilfosfino)rutênio(III)

cis-[Pt(NH3)2Cl2] cis-diaminodicloroplatina(II)

trans-[Pt(NH3)2Cl2] trans-diaminodicloroplatina(II)

3.7- LIGANTE EM PONTE

Existem compostos com dois ou mais centros de coordenação e com

um ou mais ligantes fazendo pontes entre as espécies centrais. Estes

ligantes são indicados pela letra , seguida do seu nome. Se houver duas ou

mais pontes iguais, estas são indicadas pelos prefixos di-, bis-, tri-, tris-

, etc.

Fórmulas Nomes

[(CO)5Cr-H-Cr(CO)5]- -hidrido-bis[(pentacarbonilcromato(0))]

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H

O

[(H2O)4Fe Fe(H2O)4]2+

O

H

di--hidroxo-bis[tetraquaferro(II)]

O2

[(NH3)4Co Co(NH3)4]3-

NH2

-peroxo--amido-bis[tetramincobalto(III)]

3.8 - SAIS COMPLEXOS.

Quando um íon complexo (positivo ou negativo) se liga a outro íon

(que pode ser complexo ou não) de carga oposta, formando uma espécie de

carga neutra, a espécie resultante é um sal complexo.

Para se nomear esses compostos, as regras utilizadas são as mesmas

utilizadas para a designação de sais comuns. Assim, nas fórmulas os

cátions são escritos em primeiro lugar e em seguida escreve-se o ânion.

Para se escrever o nome do sal, escreve-se primeiro o nome do ânion e, em

seguida, o nome do cátion.

Fórmula Nomes

[Co(NH3)6]Cl3 Cloreto de hexaminocobalto(III)

[Cu(NH3)4(H2O)2]SO4 Sulfato de tetraamindiaquacuprato(II)

K2[PtCl6] Hexacloroplatinato(IV) de potássio

Fe[Fe(CN)6] Hexacianoferrato(III) de ferro

K2[Co(ONO)(NH3)5] Nitritopentaamimcobaltato(III) de potássio (*)

K2[Co(NO2)(NH3)5] Nitropentaamincobalto(III) de potássio (**)

[Cr(NH3)6][CuCl5] Pentaclorocuprato(II) de

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hexaamincromo(III)

(*) Composto vermelho instável(**) Composto amarelo, formado a partir do isômero vermelho.

4 - LIGAÇÕES NOS COMPOSTOS DE COORDENAÇÃO

Os fundamentos básicos das ligações químicas responsáveis pela

formação dos compostos de coordenação são semelhantes aos que

asseguram as ligações nos outros tipos de compostos. Existem, porém,

algumas peculiaridades que tornam necessária uma discussão mais

particularizada que devem ser abordadas nos estudos sobre compostos de

coordenação.

Atualmente existem três modelos que são utilizados nessas

discussões. Esses três modelos são: a Teoria da Ligação de Valência

(TLV), a Teoria do Campo Cristalino (TCC) e a Teoria do Orbital

Molecular (TOM).

Porém, antes de iniciar a discussão dessas teorias, serão

apresentadas: a) a Teoria das Cadeias, que por ser incorreta não é mais

utilizada; b) a Teoria de Werner que, mesmo não embasada em

fundamentos seguros, ainda pode ser usada para a explicação de alguns

fenômenos; c) a Regra do Número atômico Efetivo, bastante útil em

estudos sobre carbonilas e nitrosilas metálicas e sobre compostos

organometálicos.

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4.1 - TEORIA DAS CADEIAS DE BLOMSTRAND-JORGENSEN

Em 1858 Kekulé lançou uma teoria sobre a estrutura dos compostos

orgânicos, propondo que, nessas substâncias, os átomos de carbono

formavam cadeias de grupos CH2. Essa teoria alcançou bastante sucesso e

possibilitou a explicação de muitas das propriedades dessa classe de

compostos.

Raciocinando da mesma forma, e admitindo que o nitrogênio

pudesse assumir valência igual a cinco, como os outros elementos do seu

grupo, Blomstrand e Jorgensen, em 1871, propuseram que nos compostos

de coordenação haveria encadeamento semelhante ao verificado nos

compostos orgânicos. Assim, nas aminas de cloreto de cobalto(III),

ocorreria encadeamentos do tipo:

NH3 Cl

Co NH3 NH3 NH3 NH3 Cl

NH3 Cl

Posteriormente, Jorgensen tentou usar essa teoria para explicar

algumas propriedades dos complexos. A precipitação de três cloretos

verificada na reação do CoCl3.6NH3 com AgNO3 em meio aquoso,

pareceria explicada admitindo-se que os três cloretos estivessem no final da

cadeia, fracamente ligados ao cobalto, como no fórmula acima.

Já na reação do CoCl3. 5NH3, ocorre a precipitação, apenas, de dois

cloretos, porque o terceiro estaria ligado diretamente ao metal. Portanto

estaria fazendo uma ligação mais forte com o cobalto, como mostrado na

fórmula seguinte, e não precipitaria.

Page 18: Compostos de coordenação - Parte 1 (nova)

Cl

Co NH3 NH3 NH3 NH3 Cl

NH3 Cl

Esse modelo funcionou bem para explicar as precipitações dos

haletos pela prata até em compostos do tipo MCl3.4NH3. Porém não

conseguiu explicar a não precipitação de nenhum cloreto no composto

IrCl3.3NH3 (ainda não se tinha conseguido preparar o CoCl3.3NH3, apesar

das tentativas do próprio Jorgensen), a partir do qual, pela teoria, um dos

cloretos deveria precipitar.

Como na proposição da teoria Blomstrand tinha como verdade que o

cobalto ou o irídio assumiam, no máximo, valência 3, não haveria nenhuma

estrutura que pudesse explicar a não precipitação de algum cloreto, já que

as três valências estariam comprometidas com as ligações com as três

aminas.

A tentativa de se explicar as condutâncias elétricas molares também

falharam nos casos de compostos do tipo MCl3.3NH3 e esses fatos levaram

à conclusão que a teoria era incorreta.

4.2 TEORIA DE WERNER (1983)

Esta teoria foi lançada por Alfred Werner em 1983, portanto numa

época em que ainda não se sabia muito a respeito do elétron (se sabia

pouco mais do que da sua existência) e bem antes do estabelecimento da

teoria eletrônica da valência.

Nesse contexto, a teoria de Werner veio a se constituir num

importante instrumento para o estudo dos compostos de coordenação. As

proposições desta teoria podem ser resumidas nos seguintes postulados:

Page 19: Compostos de coordenação - Parte 1 (nova)

a) A maior parte dos elementos possui uma valência primária,

relacionada ao estado de oxidação, e uma valência secundária,

relacionada ao número de coordenação;

b) Todos os elementos tendem a satisfazer tanto às valências

primárias quanto às secundárias;

c) As valências secundárias estão dirigidas para posições fixas

no espaço.

Para estabelecer estes postulados, Werner supunha que, em

compostos como o CoCl3.6NH3, o íon Co3+ ficaria no centro de um

octaedro, com as moléculas do NH3 localizadas nos seis vértices, ligadas

ao átomo central através das suas valências secundárias, constituindo o íon

complexo hoje formulado como [Co(NH3)]3+. Ainda segundo Werner, os

três cloretos se ligariam ao cobalto através das respectivas valências

primárias deste íon, conforme mostrado a seguir:

Nesta estrutura, que representa bem a situação real, pode-se dizer que

os seis grupos NH3 - que são chamados de grupos ligantes ou,

simplesmente, ligantes - ficam situados na esfera de coordenação, enquanto

os cloretos ficam fora da esfera de coordenação, ligando-se, portanto,

fracamente ao átomo central, dissociando-se facilmente quando em

Co Cl

Cl

NH3 NH3

NH3

NH3

NH3

NH3

Cl

Page 20: Compostos de coordenação - Parte 1 (nova)

solução. Isso explica a alta condutividade molar das soluções desse

complexo, bem como a precipitação dos cloretos por reação com o AgNO3.

O CoCl3.5NH3, segundo Werner, teria a estrutura seguinte:

Como neste complexo existem apenas cinco grupos NH3, um dos

cloretos passa a funcionar como ligante, satisfazendo, simultaneamente,

uma valência primária e uma valência secundária, o que torna sua ligação

ao átomo central mais forte do que as dos outros dois cloretos. Deste modo,

em solução, ele não se dissocia, não podendo ser precipitado pela prata

nem conduzir corrente elétrica.

Os complexos com quatro e três moléculas de NH3 assumem as

estruturas:

No CoCl3.4NH3 existe apenas um cloreto que se dissocia quando em

solução, podendo ser precipitado por reação com o íon prata. Nas soluções

desse complexo ou de outros similares, as condutividades molares são

características de eletrólitos do tipo 1:1 (Mm+:Xm-).

Co

Cl

NH3

NH3

NH3 NH3

NH3

Cl

Cl

Cl

CoCo

NH3 Cl Cl

Cl

Cl

Cl

NH3

NH3 NH3

NH3

NH3NH3

Page 21: Compostos de coordenação - Parte 1 (nova)

Já o CoCl3.3NH3 permanece com os três cloretos ligados ao cobalto,

não sendo precipitados pela prata nem conduzindo corrente elétrica quando

dissolvido.

O terceiro postulado trata da estereoquímica, e constituiu uma das

contribuições mais significativas de Werner, uma vez que possibilitou a

proposição de estruturas para os compostos de coordenação muito antes de

se ter conhecimentos sobre orbitais atômicos e antes do desenvolvimento

das técnicas de raios X para determinações estruturais.

Werner usou raciocínio semelhante ao que já era utilizado para

especulações sobre estruturas de isômeros de outros tipos de composto. Por

este caminho ele comparou o número de isômeros existentes, para uma

dada estequiometria, com o número que se poderia esperar, supondo

determinadas geometrias.

Tomando, como exemplo, compostos do tipo [MLnLm]q -onde M é a

espécie central, L e L são ligantes, q é a carga da espécie coordenada e m +

n = 6 - três geometrias de maior simetria seriam possíveis e, para estas, o

número de isômeros possíveis são os que estão apresentados na tabela 3.

Tabela 3 – Possíveis geometrias e isomerias de espécies do tipo [MLnLm]q

Geometrias possíveis

Fórmula

Geometria/Isômeros Possíveis Isômeros

existentesPlanar Prisma trigonal Octaédrico

[ML5L1] 1 1 1 1

[ML4L2] 3 3 2 2

[ML3L3] 3 3 2 2

M M M

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Confrontando-se os dados, verifica-se que a única geometria na qual

as quantidades de isômeros previstas por hipóteses e as que realmente

existem coincidem é a octaédrica. Portanto, esta deve ser a geometria dos

compostos hexacoordenados e, nestes, as valências secundárias devem

dirigir-se para os vértices de um octaedro.

4.3 REGRA DO NÚMERO ATÔMICO EFETIVO (NAE)

Quando Werner lançou a sua teoria sobre os compostos de

coordenação, as bases necessárias à interpretação da natureza das ligações

químicas ainda eram incipientes. Apesar disso, a distinção que ele admitia

existir, entre os grupos ligados por valências primárias e os grupos ligados

por valências secundárias, abriram caminho para a realização de estudos

que possibilitaram grandes avanços sobre os fatores determinantes das

ligações na formação dos compostos de coordenação.

Em termos de configuração eletrônica, a primeira tentativa visando

explicar a natureza das ligações nos complexos, foi feita por Sidgwick em

1927, e se baseou na teoria do octeto de Lewis.

Sidgwick considerou os ligantes como sendo bases de Lewis e os

metais como sendo ácidos de Lewis, e definiu a soma dos elétrons doados

pelos ligantes mais os elétrons do metal, como sendo o número atômico

efetivo (NAE) deste último. A partir desta definição propôs a regra:

Os complexos adquirem estabilidade quando o número atômico

efetivo do átomo central iguala-se ao número atômico de um gás

nobre.

Page 23: Compostos de coordenação - Parte 1 (nova)

Tabela 4 - Alguns íons complexos que obedecem à regra do NAE.

Complexo Espécie Número de

elétrons

NAE Gás nobre

[Co(CN)]3- Co3+

6CN-

24

12 36 Kr

[Ag(NH3)4]+ Ag+

4NH3

46

8 54 Xe

[PtCl6]2- Pt4+

6Cl -

74

12 86 Rn

Verificou-se, porém, que muitos complexos se comportam

diferentemente. A prata, por exemplo, que forma o íon [Ag(NH3)4]+,

obedecendo a regra do número atômico efetivo, forma, também, o

[Ag(NH3)2]+, que é estável, sem obedecer a esta regra. Além deste, muitos

outros exemplos são conhecidos, como os que são apresentados na tabela 5.

Tabela 5 - Alguns íons complexos que não obedecem à regra do NAE.

Complexo Espécie Número de elétrons NAE

[Cr(NH3)]63+ Cr3+

6NH3

21

12 33

[Ni(NH3)6]2+ Ni2+

6NH3

26

12 38

[CoCl4]2- Co2+

4Cl -

25

8 33

Sob o ponto de vista científico, a regra do número atômico efetivo

tem pouca importância, uma vez que não explica nada, apenas procura

expressar uma constatação. Além disso, essa constatação freqüentemente

não se verifica. Existem algumas classes de substâncias, porém, em que ela

Page 24: Compostos de coordenação - Parte 1 (nova)

é bastante útil, especialmente na proposição de estequiometrias e possíveis

estruturas. Estas substâncias são as carbonilas e as nitrosilas metálicas e os

compostos organometálicos.

4.3.1 - CARBONILAS METÁLICAS

Quase todos os metais formam compostos de coordenação com o

monóxido de carbono atuando como ligante. Nesses compostos, destacam-

se três aspectos:

a) O CO funciona como base de Lewis, estabelecendo ligações

muito fortes com os metais.

b) Nesses compostos os metais geralmente apresentam estados de

oxidação baixos, podendo ser positivos, zero e, até, negativos.

c) Em cerca de 99% desses compostos, os metais obedecem a regra

do número atômico efetivo (tabela 6).

Tabela 6 - Números atômicos efetivos de algumas carbonilas metálicas

Complexo Espécie Número de

elétrons

NAE

[Mn(CO)6]Cl Mn+

6CO

24

12 36

[Ni(CO)4 Ni

4CO

28

8 36

K[V(CO)6] V-

6CO

24

12 36

Como cada carbonila fornece dois elétrons para o átomo central e

metais com números atômicos ímpares só atingem a configuração de um

gás nobre e se estabilizam, nas seguintes situações:

Page 25: Compostos de coordenação - Parte 1 (nova)

a) Pela formação de dímeros.

Mn2(CO)10 Mn Mn

Mn 25 elétrons

5 CO 10 elétrons

- Mn - 1 elétron (elétron compartilhado entre os átomos de

manganês)

36 elétrons NAE = 36

Co2(CO)8

Co 27 elétrons

3 CO 6 elétrons (CO terminal)

2 CO 2 elétrons (CO em ponte)

- Co - 1 elétrons (elétrons compartilhado entre os Co)

36 elétrons NAE = 36

b) Pela formação de espécies aniônicas.

Na [Mn(CO)5] Mn 25 elétrons

5 CO 10 elétrons

Na 1 elétron

36 elétrons NAE = 36

c) Ligando-se a espécies que disponham de elétrons

desemparelhados.

Co CoCO

CO

CO

CO

CO

CO

CO

CO

OC

CO

OCOC

CO

OC

OC

OC

COOC

Page 26: Compostos de coordenação - Parte 1 (nova)

[HMn(CO)5] [Mn(CO)5Cl]

H 1 elétron Cl 1 elétron

Mn 25 elétrons Mn 25 elétrons

5 CO 10 elétrons 5 CO 10 elétrons

36 elétrons NAE = 36 36 elétrons NAE = 36

Existe ainda a possibilidade de formação de trímeros e tetrâmeros em

compostos deficientes de carbonil, como o [Co4(CO)12], por exemplo:

[Co4(CO)12]

Co 27 elétrons

3 CO 6 elétrons

3 - Co - 3 elétrons 36 elétrons NAE = 36

4.3.2 - NITROSILAS METÁLICAS

Até agora não se tem certeza da existência de compostos de

coordenação formados apenas com o NO, mas muitos compostos mistos,

especialmente com carbonil, são descritos na literatura.

O NO pode se ionizar para formar o íon nitrosônium (+:N≡O:), que é

um dos poucos ligantes catiônicos conhecidos, e é isoeletrônico com o CO.

As nitrosilas metálicas freqüentemente são produzidas através de

reações de complexos carbonílicos com o NO, que reagem doando três

elétrons, comportando-se, portanto, como base de Usanovich. Como

exemplos, podem ser apresentados:

a) O dinitrosildicarbonilferro(O), produzido pela reação de

pentacarbonilferro(O) com o NO.

[Fe(CO)5] + 2 NO [Fe (CO)2(NO)2] + 3CO

Fe – 26 e-

2CO - 4 e-

2NO - 6 e-

Page 27: Compostos de coordenação - Parte 1 (nova)

36 e-

b) O tricarbonilnitrosilcobalto(O), produzido pela reação:

[Co2(CO)8] + 2 NO 2[Co (CO)3(NO)] + 2CO

Co – 27 e-

3CO - 6 e-

NO - 3 e-

36 e-

4.3.3 - ORGANOMETÁLICOS

Hidrocarbonetos insaturados podem ligar-se a átomos metálicos

doando elétrons dos orbitais π (pi) das ligações múltiplas ou elétrons

desemparelhados de radicais orgânicos. No primeiro caso os ligantes

funcionam como base de Lewis, doando pares de elétrons, como acontece

nas espécies [Mn(CO)5C2H4]+ e [Cr(C6H6)2], apresentados a seguir:

[Mn(CO)5C2H4]+

Mn+ - 24 e-

5CO – 10 e-

C2H4 – 2 e-

36 e-

[Cr(C6H6)2]

Cr – 24 e-

2C6H6 - 12 e-

36 e-

No segundo caso, o hidrocarboneto atua como base de Usanovich,

fornecendo números ímpares de elétrons. Como exemplos para este caso,

podem ser citados o:

a) Ferroceno [Fe(C5H5)2]:

Page 28: Compostos de coordenação - Parte 1 (nova)

Ferroceno - [Fé(C5H5)2]

Fe – 26 e-

2C5H5 – 10 e-

Fe 36 e- NAE = 36

b) [Mn(CO)4(CH2CHCH2)]

Mn – 25 e-

4CO – 8 e-

C3H5 – 3 e- 36 elétrons NAE 36

4.4 - TEORIA DA LIGAÇÃO DE VALÊNCIA (TLV)

A teoria da ligação de valência teve como base as idéias sobre

emparelhamento de elétrons, popularizadas, principalmente, por Lewis e

Langmuir. Esta teoria dá um tratamento mecânico quântico à questão das

ligações químicas, e foi desenvolvida a partir de 1927 por vários cientistas,

entre os quais Linus Pauling foi o que mais se destacou.

Como era natural, inicialmente as aplicações da TLV eram feitas

para se explicar a formação e algumas propriedades de moléculas simples

(como o H2, BeH2, BF3, NH3, CH4, PF5, etc.). Porém, a partir de 1940 Linus

Pauling começou a usá-la no estudo de compostos de coordenação.

Essas aplicações permitem se explicar, satisfatoriamente, as

geometrias e as propriedades magnéticas dos compostos de coordenação,

bem como interpretar, com limitações, os espectros eletrônicos e algumas

outras propriedades desses compostos.

4.4.1 – APLICAÇÃO DA TEORIA DA LIGAÇÃO DE VALÊNCIA

AO ESTUDO DOS COMPOSTOS DE COORDENAÇÃO

Page 29: Compostos de coordenação - Parte 1 (nova)

De acordo com o que é postulado através da TLV, a formação de um

composto de coordenação ocorre mediante a reação de um ácido com uma

base de Lewis, formando ligações entre o metal e o ligante.

Freqüentemente representam-se os orbitais de valência do átomo

central por quadrados, círculos traços ou pelos símbolos desses orbitais.

Tomando como exemplo o cobalto(III), que tem na camada de valência os

orbitais 3d, 4s, 4p e 4d, a configuração eletrônica do estado não excitado

pode ser representado por:

dxy dxz dyz dx2-y

2 dz2

4s 4p

px py pz 4ddx

2-y

2 dz2 dxy dxz dyz

3d ↿⇂

↿ ↿ ↿ ↿

Com esta configuração, o cobalto pode fazer ligações coordenativas,

usando os orbitais 4s, 4p e 4d.

Na formação do complexo hexafluorocobaltato(III), [CoF6]-, que

apresenta geometria octaédrica, existem seis ligações coordenativas. Estas

coordenações podem ser feitas utilizando os orbitais 4s, 4p e dois dos

orbitais 4d do cobalto. Como nos compostos de geometria octaedrica as

ligações são feitas sobre os eixos x, y e z, pode-se dizer que os orbitais 4d

envolvidos na coordenação devem ser dx2

-y2 e dz

2. Ou seja:

dxy dxz dyz dx2-y

2 dz2

4s 4p

px py pz 4ddx

2-y

2 dz2 dxy dxz dyz

3d ↿⇂

↿ ↿ ↿ ↿ ↿

↿⇂

↿⇂

↿⇂

↿⇂

↿⇂↑ ↑ ↑ ↑ ↑ ↑

[CoF6]3- F- F- F- F- F- F-

Dados experimentais mostram que o [CoF6]- é paramagnético, o que

é um indicativo da existência de elétrons desemparelhados, e isto é

compatível com o modelo acima esquematizado. Porém, outros dados

Page 30: Compostos de coordenação - Parte 1 (nova)

experimentais indicam que as seis ligações metal-ligante (ou ácido-base)

são iguais e isto não é compatível com este modelo, uma vez que orbitais

diferentes (s, p e d) estão envolvidos nas coordenações, devendo, portanto,

gerar ligações diferentes. Para superar este problema foi proposto que os

orbitais 4s, 4p, 4dx2

-y2 e 4dz

2 do cobalto, aceptores dos elétrons dos

fluoretos, devem estar hibridizados em sp3d2. Ou seja:

dxy dxz dyz dx2-y

2 dz2 dxy dxz dyz

3d ↿⇂

↿ ↿ ↿ ↿ sp3d2 ↿

↿⇂

↿⇂

↿⇂

4d↑ ↑ ↑ ↑ ↑ ↑

[CoF6]3- F- F- F- F- F- F-

Quando se analisou a formação do complexo [Co(NH3)6]3+, verificou-

se que este íon é diamagnético e, conseqüentemente, o modelo usado para

explicar a formação do [CoF6]- não serve para explicar a formação do complexo amínico.

Imaginou-se, então, que, neste caso, os elétrons dos orbitais 3d do cobalto deveriam estar

emparelhados, estabelecendo a configuração eletrônica seguinte:

dxy dxz dyz dx2-y

2 dz2

4s 4p

px

py pz

4ddxy dxz dyz dx

2-y

2 dz2

3d ↿⇂

↿⇂

↿⇂

Neste caso, quando ocorre a coordenação das moléculas de NH3 ao

Co3+, a hibridização deve envolver os orbitais 3dx2

-y2, 3dz

2, 4s e 4p,

formando orbitais híbridos do tipo d2sp3, conforme está ilustrado a seguir:

dxy dxz dyz 4ddxy dxz dyz dx

2-y

2 dz2

3d ↿⇂

↿⇂

↿⇂

d2sp3 ↿⇂ ↿⇂ ↿⇂ ↿⇂ ↿⇂ ↿⇂

↑ ↑ ↑ ↑ ↑ ↑

[Co(NH3)6]3+ NH3 NH3 NH3 NH3 NH3 NH3

O comportamento diferente do NH3 em relação ao F-, deve-se ao fato

do NH3 ser uma base mais forte do que o fluoreto, promovendo o

emparelhamento dos elétrons 3d do cobalto durante a formação do

complexo.

Page 31: Compostos de coordenação - Parte 1 (nova)

Fato semelhante acontece, com muita freqüência, quando se tem a

formação de compostos de coordenação de espécies metálicas com ligantes

fortes. Isto pode ser observado até mesmo com o elemento metálico em

baixos estados de oxidação, na forma atômica ou, com carga negativa,

como pode ser ilustrado usando-se como exemplo o hexacarbonilcromo(0),

[Cr(CO)6].

Neste composto (com o elemento central no estado oxidação zero), a

configuração eletrônica no nível de valência do cromo é 4s1, 3d5. Ou seja:

dxy dxz dyz dx2-y

2 dz2

4s 4p

px py pz 4ddx

2-y

2 dz2 dxy dxz dyz

3d ↿ ↿ ↿ ↿ ↿ ↿

Desta forma seis ligações seriam possíveis, mas seriam diferentes

entre si - pois envolveriam os orbitais 4p e 4d - e o composto seria

paramagnético. Porém, experimentalmente se verifica que as seis ligações

são iguais e o composto é diamagnético. Mais uma vez, isto pode ser

explicado admitindo-se que ocorra hibridização dos orbitais de valência,

originando seis orbitais do tipo d2sp3, que receberão os seis pares de

elétrons dos grupos ligantes, conforme a ilustração seguinte:

dxy dxz dyz 4d dxy dxz dyz dx

2-y

2 dz2

3d ↿⇂

↿⇂

↿⇂

d2sp3 ↿⇂ ↿⇂ ↿⇂ ↿⇂ ↿⇂ ↿⇂

↑ ↑ ↑ ↑ ↑ ↑

[Cr(CO)6] C

O

C

O

C

O

C

O

C

O

C

O

Analisando-se, agora o [Fe(CO)5], cuja geometria é do tipo

bipiramidal trigonal e apresenta paramagnetismo compatível com a

existência de um elétron desemparelhado, deve-se considerar os seguinte

aspectos:

Com a configuração eletrônica do estado fundamental, o ferro

poderia formar três ligações iguais, usando os orbitais 4p, e outras duas

Page 32: Compostos de coordenação - Parte 1 (nova)

diferentes destas, usando os orbitais 4d vazios do seu nível de valência.

Porém, não se poderia explicar o paramagnetismo, pois este deveria ser

cinco vezes maior, caso fosse mantida a configuração do estado

fundamental.

dxy dxz dyz dx2-y

2 dz2

4s 4p

px py pz 4ddxy dxz dyz dx

2-y

2 dz2

3d ↿ ↿ ↿ ↿ ↿ ↿

Porém, supondo-se que ocorra rearranjo eletrônico nos orbitais de

valência do ferro e hibridização dos orbitais 3dz2, 4s e 4p, formando os

híbridos dsp3, tanto a natureza das ligações quanto o paramagnetismo do

[Fe(CO)5] ficam bem explicados.

dxy dxz dyz dx2-y

2

4ddxy dxz dyz dx

2-y

2 dz2

3d ↿⇂

↿⇂

↿⇂

↿ dsp3 ↿⇂ ↿⇂ ↿⇂ ↿⇂ ↿⇂

↑ ↑ ↑ ↑ ↑

[Fe(CO)5] C

O

C

O

C

O

C

O

C

O

Para a formação do íon complexo [PtCl4]2-, que tem como elemento

central o ion Pt2+, cuja configuração eletrônica no nível de valência está

apresentada no quadro abaixo, pode-se considerar o seguinte:

dxy dxz dyz dx2-y

2 dz2

6s 6p

px py pz 4ddxy dxz dyz dx

2-y

2 dz2

5d ↿⇂

↿⇂

↿⇂

↿ ↿

Dados experimentais demonstram que este íon é quadrado planar e

diamagnético. Portanto, na formação do mesmo deve ocorrer

emparelhamento dos elétrons dos orbitais 5dx2

-y2 e 5dz

2, ao mesmo tempo

em que se formam os orbitais híbridos dsp2 - a partir dos orbitais 5dx2

-y2, 6s,

6px e 6py - os quais acomodam os pares de elétrons doados pelos ligantes.

Page 33: Compostos de coordenação - Parte 1 (nova)

dxy dxz dyz dz2

6ddxy dxz dyz dx

2-y

2 dz2

5d ↿⇂

↿⇂

↿⇂

↿⇂ dsp2 ↿⇂ ↿⇂ ↿⇂ ↿⇂

↑ ↑ ↑ ↑

[PtCl4]2- Cl- Cl- Cl- Cl-

Outro exemplo típico para aplicação da TLV é a explicação da

formação do [NiCl4]2-, que é tetraédrico e paramagnético.

No estado fundamental o níquel(II) tem a configuração:

dxy dxz dyz dx2-y

2 dz2

4s 4p

px py pz 4ddxy dxz dyz dx

2-y

2 dz2

3d ↿⇂

↿⇂

↿⇂

↿ ↿

Neste caso, considerando as propriedades físicas citadas, a TLV

sugere a formação de orbitais híbridos do tipo sp3, sem passar por um estado excitado

semelhante aos anteriores. Ou seja:

dxy dxz dyz dx2-y

2 dz2 dxy dxz dyz dx

2-y

2 dz2

3d ↿⇂

↿⇂

↿⇂

↿ ↿ sp3 ↿⇂ ↿⇂ ↿⇂ ↿⇂

↑ ↑ ↑ ↑

[NiCl4]2- Cl- Cl- Cl- Cl-

Uma explicação para ocorrer emparelhamento de elétrons no

complexo de platina e não ocorrer no composto de níquel (platina e níquel

são metais do mesmo grupo), pode ser dada em função do tamanho desses

íons, seja em termos da acomodação dos quatro cloretos em torno dos íons

metálicos ou dos elétrons nos orbitais atômicos dos metais.

Considerando-se que o volume iônico da platina é maior do que o do

níquel, certamente que os cloretos ficando nos vértices de um quadrado em

torno do íon Pt2+ exercem menos repulsão, uns sobre os outros do que

ocorreria em torno do íon Ni2+. Ao mesmo tempo, o emparelhamento de

elétrons em orbitais 5d da platina, que são mais difusos, ocorre com menos

repulsão do que se este emparelhamento se fizesse nos orbitais 3d do

níquel.

Page 34: Compostos de coordenação - Parte 1 (nova)

4.4.2 - PRINCÍPIO DA ELETRONEUTRALIDADE E

LIGAÇOES RETRODOATIVAS

Considerando-se que, de acordo com a teoria da ligação de valência,

a formação dos compostos de coordenação se faz mediante interações tipo

ácido-base de Lewis, seria de se esperar o estabelecimento de uma carga

formal negativa elevada sobre o átomo central. Isso poderia causar

dificuldade em se aceitar a TLV como uma teoria válida, pois implicaria

em admitir-se que, nos complexos, os metais poderiam adquirir altas cargas

negativas. Num complexo como o [Fe(CN)6]3-, por exemplo, a carga formal

sobre o ferro seria -9, o que, sem dúvida, pareceria estranho.

Procurando contornar essa dificuldade, Linus Pauling apresentou

duas sugestões, que são as seguintes:

I – Como, nos ligantes, os átomos doadores, em geral, apresentam

altas eletronegatividades (O, N, halogênios, etc.), os elétrons ficam mais

próximos do ligante do que do metal, o que contribui para não produzir

carga muito negativa sobre este último.

Segundo Pauling, um composto de coordenação torna-se tanto mais

estável quanto mais próxima de zero seja a carga formal do seu átomo

central. Esta proposição é conhecida como o Princípio da

Eletroneutralidade.

Cálculos semiquantitativos feitos para algumas espécies

coordenadas, indicam que o princípio da eletroneutralidade tem validade

para muitas espécies químicas, como pode ser visto nos casos apresentados

na tabela 7.

Tabela 7 – Cargas elétricas sobre os átomos de alguns íons complexos.

[Be(H2O)4]2+ [Be(H2O)6]2+ [Al(H2O)6]3+ [Al(NH3)6]3+

Espécie Carga Espécie Carga Espécie Carga Espécie Carga

Page 35: Compostos de coordenação - Parte 1 (nova)

Be

4 O

8 H

- 0,08

- 0,24

2,32

Be

6 O

12 H

- 1,12

- 0,36

3,48

Al

6 O

12 H

- 0,12

- 0,36

3,48

Al

6 N

18 H

- 1,08

- 1,20

2,88

Total 2.00 Total 2,00 Total 3,00 Total 3,00

Apesar das cargas elétricas calculadas sobre cada átomo não serem

exatas, elas funcionam como indicadores das estabilidades dos complexos

com razoável precisão. Nestes exemplos, elas indicam que o [Be(H2O)4]2+ e

o [Al(H2O)6]3+ são mais estáveis do que o [Be(H2O)6]2+ e o [Al(NH3)6]3+, já

que, nos dois primeiros, as cargas dos átomos centrais estão mais próximas

de zero do que nos últimos e, experimentalmente, verifica-se que as

estabilidades destes compostos coincide com esta indicação.

II - Em compostos de coordenação com ligantes aceptores p (como

CO, CN-, NO, PR3 e muitos outros), pode haver estabilidade mesmo com o

metal em baixo estado de oxidação e com doadores pouco eletronegativos.

Para justificar esse fato, Pauling sugeriu que a estabilidade ocorre pelo fato

do metal poder diminuir sua carga negativa, acentuada pela recepção de

elétrons a partir dos ligantes, mediante retrodoação de elétrons dos orbitais

d do metal para orbitais vazios do ligante.

Isto pode ser visualizado na figura 3, enfocando o [Fe(CN6)3-], onde

se mostra como a carga negativa do elemento central pode ser deslocada

para o ligante. Neste exemplo, o cianeto se coordena ao ferro(III),

formando uma ligação σ, numa típica interação ácido-base de Lewis. Ao

mesmo tempo, o ferro(III) estabelece uma ligação π com o cianeto

mediante a combinação do seu orbital dxy (preenchido) com um dos orbitais

π* (pi antiligante, vazio) do cianeto, originando uma ligação do tipo π (pi),

estabilizando o composto.

Figura 3 – Ligações Fe-CN, na formação do [Fe(CN)6]3-

Coordenação do cianeto ao Fe3+, Coordenação do Fe3+ ao cianeto,

Page 36: Compostos de coordenação - Parte 1 (nova)

formando uma ligação σ. formando uma ligação π

Pode-se dizer que, o cianeto forma uma ligação σ, doando um par de

elétrons para o ferro(III) e, simultaneamente, o ferro(III) estabelece uma

ligação retrodoativa, doando elétrons dos seus orbitais 3d para os orbitais

pi antiligantes do cianeto, fortalecendo as ligações Fe-CN.

Fato semelhante acontece em compostos como o [Cr(CO)6] e o

[Ni(CO)4], o que justifica a grande estabilidade destes compostos.

4.4.4 - ALCANCE E LIMITE DA TEORIA DA LIGAÇÃO DE VALÊNCIA

Durante cerca de vinte anos, a partir da sua criação, quase todos os

estudos sobre compostos de coordenação foram feitos utilizando-se a teoria

da ligação de valência. Tal preferência decorreu da simplicidade dessa

teoria e de seu alcance na discussão das estruturas e das propriedades

magnéticas dos complexos. Porém, mesmo nesses casos, a TLV apresenta

limitações. Ela não permite, por exemplo, predizer se um composto de tipo

[ML4]q será tetraédrico ou quadrado planar, ou se um dado complexo

octaédrico é de alto spin ou de baixo spin.

Num complexo como o [Cu(NH3)4]2+, poderia se prever uma

geometria tetraédrica, semelhante à observada no [Zn(NH3)4]2+, com o Cu2+

tendo os seus orbitais 4s e 4p hibridizados em sp3. Porém, dados de raios X

mostram que esse íon complexo é quadrado planar.

Fe

σ

CN-

dx2

-y2 π*

CN-Fe

dxy

σ

π

Page 37: Compostos de coordenação - Parte 1 (nova)

Para explicar este fato, por conveniência, pode-se representar a

configuração de valência do Cu2+ na forma:

dxy dxz dyz dz2 dx

2-y

2

4s4p

px py pz 4ddxy dxz dyz dx

2-y

2 dz2

3d ↿⇂

↿⇂

↿⇂

↿⇂

Orbitais do íon livre Cu2+

A partir desta configuração, durante a coordenação, o elétron dz2

passa para o orbital pz. Ao mesmo tempo, os orbitais 3dx2

-y2, 4s, 4px e 4py se

hibridizam formando orbitais dsp2, característicos da geometria quadrado

planar. Ou seja:

dxy dxz dyz dx2-y

2 dsp2pz

dxy dxz dyz dx2-y

2 dz2

3d ↿⇂

↿⇂

↿⇂

↿⇂

↿⇂

↿⇂

↿⇂

↑ ↑ ↑ ↑NH2 NH2 NH2 NH2

Orbitais do íon complexo [Cu(NH3)4]2+

Vale ressaltar que só se pode chegar a essa conclusão a partir de

dados experimentais, uma vez que a TLV não oferece base para determinar

se a diferença de energia entre as geometrias tetraédrica e quadrado planar

é suficiente para excitar um elétron do Cu2+ do nível 3d para o 4p.

A TLV também não consegue explicar alguns aspectos estruturais,

como o fato de alguns complexos do tipo [ML6]q serem tetragonais, quando

poderia se supor (baseado na teoria) que fossem octaédricos.

Esses exemplos são suficientes para mostrar que a TLV, apesar da

sua ampla aplicação e dos grandes avanços que ensejou aos estudos dos

compostos de coordenação, apresenta limitações que, felizmente, estão

sendo superadas com a criação de outras teorias, que se

intercomplementam, já que estas últimas também, apresentam limitações.

Page 38: Compostos de coordenação - Parte 1 (nova)

4.1- TEORIA DO CAMPO CRISTALINO

A Teoria do Campo cristalino foi lançada por Hans Bethe em 1929 e

modificada por Van Vleck em 1935, tendo como objetivos iniciais o estudo

de algumas propriedades de íons metálicos de cristais iônicos, que contêm

elétrons d no nível de valência.

Essa teoria permite se fazer uma abordagem bastante simples da

formação dos compostos de coordenação, possibilitando fácil visualização

dos efeitos das ligações metal-ligante sobre os orbitais d.

Com essa visualização, facilmente se estabelece a distribuição

eletrônica nos orbitais formados (a partir dos orbitais d) durante a

coordenação e, como conseqüência, se pode explicar os espectros de

ultravioleta e visível, as propriedades magnéticas, as cores e alguns

aspectos estruturais e termodinâmicos dos compostos de coordenação.

Apesar disso, essa teoria que surgiu na mesma época da TLV, por

cerca de vinte anos foi usada quase com exclusividade pelos físicos,

especialmente em estudos sobre espectros de ultravioleta e visível. Só a

partir de 1950 é que os químicos começaram a usá-la intensivamente.

A pouca utilização dessa teoria em estudos sobre compostos de

coordenação nas décadas de 30 e 40, deveu-se, principalmente, ao sucesso

alcançado pela TLV, que respondia, naquele período, à maioria das

questões de interesse dos químicos, nas investigações sobre este tipo de

compostos.

Page 39: Compostos de coordenação - Parte 1 (nova)

4.5.1- ASPECTOS PRELIMINARES

Para se entender as interações responsáveis pelos efeitos de campo

cristalino, é necessário que se tenha um bom conhecimento das relações

geométricas e espaciais dos orbitais envolvidos na formação dos

compostos, especialmente sobre os orbitais d.

Revisando-se alguns aspectos sobre estes orbitais, se pode dizer que

a mecânica ondulatória prever a existência de seis funções de onda

tetralobados, cujos contornos estão representados graficamente na figura 4.

.

Figura 4: Funções de onda tetralobados e os orbitais d

Porém a mecânica quântica prevê a existência de, apenas, cinco

orbitais d, que são os quatro primeiros acima representados (dxy, dxz, dyz e

Page 40: Compostos de coordenação - Parte 1 (nova)

dx2

- y2) e o quinto é o orbital dz

2, constituído pela combinação das funções de

onda que definem os orbitais dx2- z

2 e dy2- z

2. Como os dois têm

componentes sobre o eixo z, o orbital dz2 tem alta densidade eletrônica

sobre este eixo e menor no anel localizado sobre o plano xy.

Em átomos ou em íons isolados, os cinco orbitais d são degenerados.

Isto é: apresentam a mesma energia. Porém, quando esses átomos ou íons

estão combinados com espécies químicas ligantes (que podem ser outros

átomos, íons ou moléculas), as energias dos orbitais d tornam-se diferentes.

Nos compostos formados nessas combinações, os ligantes formam o

campo cristalino, que é o fator determinante das diferenciações de energia

(ou quebra da degenerescência) dos orbitais d. Os mecanismos imaginados

para se explicar as interações entre estes campos e os orbitais d, constituem

as bases da Teoria do Campo Cristalino (TCC).

Esta teoria tem como pressuposto básico, admitir que a interação

metal-ligante é, exclusivamente, de natureza eletrostática. Nela, as espécies

ligantes (ou os pares eletrônicos ligantes) são entendidas como cargas

pontuais negativas – sejam elas procedentes de íons (quase sempre ânions),

moléculas ou radicais – que interagem com elétrons d do elemento central.

Estas cargas, atuando de forma pontual sobre os orbitais d, promovem o

desdobramento destes em novos grupos de orbitais, cujas energias são

diferentes.

Pode-se dizer que os orbitais d perdem a degenerescência - existente

quando os mesmos não estão sob a influência de forças externas (espécies

atômicas, iônicas, moleculares ou campos de força interagindo com eles)

ou internas (assimetria na distribuição eletrônica) - gerando novos orbitais

de energias diferentes.

Essas interações, devidas à aproximação entre os orbitais dos ligantes

e do átomo central, provocam o aumento da energia desses orbitais. Se o

campo produzido pelos ligantes fosse esférico, as energias de todos os

Page 41: Compostos de coordenação - Parte 1 (nova)

orbitais aumentariam igualmente. Porém, como os ligantes ocupam apenas

algumas posições em torno do átomo central, o campo produzido afetará a

alguns orbitais mais intensamente do que aos outros (figura 5).

Figura 5: Efeito do campo cristalino nos orbitais do átomo central.

Átomo central livre. Átomo central sob Átomo central sob

campo esférico. campo pontual.

Para explicar como os efeitos de campo cristalino afetam os orbitais

do átomo central, serão tomados como exemplo, inicialmente, espécies

químicas do tipo [ML6]q, que constituem os sistemas de mais fácil

visualização.

Por conveniência, considerar-se-á que os ligantes coordenam-se ao

metal ao longo dos eixos, nas posições x, -x, y, -y, z, -z, formando um

complexo ou um aduto de geometria octaédrica. Nessa condição, os

ligantes interagem mais fortemente com os orbitais dx2 - y

2 e d z2 - que têm

maior densidade sobre os eixos coordenados - e menos intensamente com

os orbitais dxy, dxz, e dyz - que ficam entre estes eixos. Isso provoca a

separação dos orbitais d em dois grupos, que são simbolizados por t2g e eg,

entre os quais a diferença de energia é definida pelo parâmetro 10 Dq. As

variações de energia provocadas por essas interações estão representadas

na figura 6, usando-se uma espécie de configuração d10 como referência.

O campo esférico, mostrado nas figuras 6 e 7, é hipotético e nele

todos os orbitais aumentariam de energia simetricamente. Os campos

Page 42: Compostos de coordenação - Parte 1 (nova)

cristalinos reais não têm simetria esférica, o que faz com que as energias

dos orbitais aumentem de formas diferentes em relação ao estado

fundamental.

Figura 6 - Variações de energia dos orbitais d em campo octaédrico

↿⇂

↿⇂

eg

10Dq↿

↿⇂

↿⇂

↿⇂

↿⇂

↿⇂

↿⇂

t2g

↿ ↿ ↿ ↿ ↿ Íon sob campo esférico Complexo

Íon d10 livre Complexo hipotético octaédrico

não têm simetria esférica, o que faz com que as energias dos orbitais

aumentem de formas diferentes em relação ao estado fundamental.

Nas espécies octaédricas, quando ocorre a coordenação, o centro de

gravidade dos orbitais permanece constante. Porém, dois orbitais d (os de

simetria eg) interagem mais fortemente com os ligantes do que os outros

três (de simetria t2g). Vale ressaltar que a diminuição de energia dos orbitais

d, do campo esférico até gerar os orbitais t2g, é igual ao aumento de energia

de d, do campo esférico até formar os orbitais eg, mantendo-se o baricentro.

Assim, cada elétron em orbital t2g tem energia 4 Dq menor do que a energia

que teria se o campo fosse esférico. De forma semelhante, cada elétron em

orbital eg, tem energia 6 Dq maior do que teria em campo esférico.

O valor de 10 Dq depende da força de interação metal-ligante e esta,

por sua vez, depende da natureza das espécies coordenadas, conforme será

visto em seções posteriores.

Energia

Page 43: Compostos de coordenação - Parte 1 (nova)

Em campos octaédrico e tetraédricos, os valores de 10 Dq também

podem ser representados, respectivamente, pelos símbolos ∆o e ∆t.

4.5.1- MEDIDAS DOS VALORES DE 10 Dq

Determinações dos valores de 10 Dq podem ser feitas usando-se a

espectroscopia de ultravioleta e visível, uma vez que as diferenças de

energia entre orbitais t2g e eg, geralmente correspondem a energias de

radiações desta faixa do espectro eletromagnético.

Para ilustrar como essas determinações são feitas, será usado, como

exemplo, o espectro do titânio(III) em solução aquosa, pelo fato deste,

sendo um sistema d1, produzir espectros de ultravioleta e visível (UV-Vis)

bastante simples, estando entre os de mais fácil interpretação.

Em meio aquoso, pode-se admitir que o íon Ti3+ fica coordenado as

moléculas de água, formando o íon complexo [Ti(H2O)6]3+. Neste

complexo, o único elétron d do titânio deve ocupar um dos orbitais t2g. Este

elétron, quando excitado por uma radiação ou por outra forma de energia

conveniente, passa para o orbital eg, e esta transição pode ser detectada por

um espectrofotômetro de ultravioleta e visível, aparecendo, no espectro, na

forma de um pico ou banda de absorção, conforme é mostrado na figura 8.

Nesse espectro, o pico de absorção ocorre em 20.300 cm-1, que é a

energia necessária para promover a transição:

t2g1, eg

0 t2g0, eg

1 ; 10 Dq = 20.300cm--1

Esta energia transição é convertida em joules através da equação:

10 Dq = E = hcn

Page 44: Compostos de coordenação - Parte 1 (nova)

onde h é a constante de Plank, c é a velocidade da luz e n é o número de

onda do fóton capaz de promover a transição. Conseqüentemente, o valor

de 10 Dq para o íon [Ti(H2O)6]3+ é igual a:

10 Dq = 6,63.10-34 J.s.3.108m.s-1.2,03.106m-1

ou 10 Dq = 4,04.10-19j

Como será visto em outros exemplos, o valor de 10 Dq varia de

acordo com a configuração eletrônica do átomo central, com a natureza do

ligante e com a geometria do composto formado.

Figura 7: Espectro de ultravioleta e visível do [Ti(H2O)6]3+

Comprimento de onda (λ) em nm 667 500 400 333

20.300 cm-1

15.000 20.000 25.000 30.000

Vermelho Laranja Amarelo Verde Azul Indigo Violeta

Frequência em cm-1

4.5.1 - ENERGIA DE ESTABILIZAÇÃO DE CAMPO CRISTALINO - EECC

Page 45: Compostos de coordenação - Parte 1 (nova)

A energia de estabilização de campo cristalino é definida por uma

parcela expressa em termos de valores de Dq, relacionada com a

distribuição eletrônica em eg e t2g, e outra definida pela repulsão entre os

elétrons quando se emparelham dentro de um mesmo orbital.

Para explicar a origem desses parâmetros, mais uma vez serão

usados compostos de geometria octaédrica, por serem de mais fácil

visualização.

4.5.4.1 – ENERGIA RELACIONADA À DISTRIBUIÇÃO ELETRÔNICA

Nos compostos de coordenação, a distribuição dos elétrons d também

se faz de acordo com a regra da Hund. Assim, espécies d1, d2 e d3, quando

formam compostos octaédricos, apresentam configurações t2g1, t2g

2 e t2g3,

respectivamente. Portanto, esses compostos são estabilizados pela entrada

de elétrons nos orbitais de menor energia (t2g). Essa energia é denominada

Energia de Estabilização do Campo Cristalino (EECC), que para as três

configurações citadas, assume os valores – 4 Dq, - 8 Dq e - 12 Dq.

Para espécies acima de d3, a entrada de mais 1 elétron em t2g pode

fazer aparecer uma energia (repulsiva) de emparelhamento (P), o que

ocorre quando dois elétrons ocupam um mesmo orbital. Esta possibilidade

existe para sistemas de d4 a d7, que podem assumir duas configurações

diferentes, dependendo dos valores de 10 Dq. Se P < 10 Dq (o que ocorre

quando o campo cristalino é forte), espécies com até 6 elétrons d terão

todos esses elétrons em t2g. Se P > 10 Dq (verificado quando o campo

cristalino é fraco), só ocorrerá o primeiro emparelhamento após cada orbital

t2g e eg já está com 1 elétron. Para espécies d7, essas condições de

preenchimento também são observadas e podem existir duas configurações.

Finalmente, as espécies d8, d9 e d10 só podem assumir um tipo de

Page 46: Compostos de coordenação - Parte 1 (nova)

configuração, podendo ocorrer mudança quando ocorre distorção tetragonal

das espécies hexacoordenadas.

Nos sistemas de d4 a d8, quando os elétrons permanecem

desemparelhados (em campo fraco), diz que os compostos são de spin alto

e quando os elétrons d são emparelhados (em campo forte) diz-se que o

compostos são de spin baixo.

Os desdobramentos dos orbitais d em campos octaédricos fraco e

forte estão ilustrados na figura 8.

Figura 8 – Desdobramento dos orbitais d em campo fraco e em campo

forteeg

10Dq

eg

10Dq t2g

t2g

D Complexo de Complexo de

Íon livre Campo fraco Campo forte

Nestes diagramas, pode-se ver que o valor de 10 Dq em campo fraco

é menor do que em campo forte e, com eles, aplicando-se a regra de Hund,

obtém-se as configurações eletrônicas das espécies octaédricas.

Vale ressaltar, por fim, que o aumento da força do campo implica em

aumento da estabilização para compostos de coordenação de espécies de d1

a d9, exceto para d5 com spin alto.

E n

e r

g i

a

Page 47: Compostos de coordenação - Parte 1 (nova)

4.5.4.2 – ENERGIA DE EMPARELHAMENTO

A energia de cada emparelhamento (P) é composta por dois termos e

corresponde à energia necessária para promover o emparelhamento de dois

elétrons num mesmo orbital. Um desses termos resulta das repulsões entre

os elétrons que ocupam um mesmo orbital (Pcoul). Esse efeito deve ser

maior nos orbitais d dos níveis quânticos menos elevados do que nos níveis

inferiores (P3d > P4d > P5d) em virtude do aumento do volume dos orbitais, a

medida que o número quântico principal vai aumentando.

O segundo termo é devido ao trabalho de o inverter o campo

magnético (spin) do elétron quando este entra num orbital que já tenha um

outro elétron (Pex). A variação de energia emparelhamento é proporcional

ao número de pares de elétrons que se formam a partir dos elétrons

desemparelhados. Para ilustrar este efeito, a tabela 7 apresenta alguns

valores de energias de emparelhamento calculados de acordo métodos

propostos por L. E. Orgel e J. S. Griffith.

Tabela 7: Alguns valores de Energias de Emparelhamento, em cm-1

Íon Configuração Pcoul Pex Ptotal

Cr2+ d4 5.950 14.474 20.425

Mn2+ d5 7.610 16.215 23.825

Fe3+ d5 10.050 19.825 29.875

Fe2+ d6 7.460 11.690 19.150

Co3+ d6 9.450 14.175 23.625

Co2+ d7 8.400 12.400 20.800

Em sistema d6, a energia de emparelhamento se relaciona à EECC

da forma representada pelos gráficos da figura 10. Nesses gráficos,

Page 48: Compostos de coordenação - Parte 1 (nova)

verifica-se que as linhas correspondentes à EECC para campos forte e fraco

se cruzam no ponto em que 10Dq = P. O campo ligante que assegura essa

condição, faz com que o composto correspondente apresente os estados de

alto spin e de baixo spin em equilíbrio, isto é, com as duas formas

presentes.

A constatação desse fato foi feita pela primeira vez para

compostos do tipo [Fe(S2CNR’R”)3]. Nesses compostos, o ferro(III) pode

apresentar cinco elétrons desemparelhados (S = 5/2), o que ocorre em

campo fraco, ou, apenas, um elétron desemparelhado (S = 1/2), verificado

em campo forte.

Figura 9: Correlação entre EECC e P em complexos de configuração d6

Força do campo ligante

Quando o [Fe(S2CNR’R”)3] é resfriado até próximo do zero absoluto,

a suscetibilidade magnética observada equivale à de compostos de baixo

spin. Quando aquecido à 350K, a suscetibilidade magnética indica que o

composto passou a ser de spin alto. Por fim, na temperatura ambiente, a

suscetibilidade magnética observada é intermediária entre os estados de

alto e de baixo spin, o que indica a presença dos dois estados no composto.

ENERGIAE

Energia de emparelhamento - P

Valor de 10 Dq

Page 49: Compostos de coordenação - Parte 1 (nova)

Após essas considerações sobre a estabilização causada pelo

desdobramento dos orbitais d (nDq) e sobre a energia de emparelhamento,

pode-se determinar as energias de estabilização de campo cristalino,

através da expressão:

EECC = número de elétrons em t2g x (-4Dq) + número de elétrons

em eg x 6 Dq + número de emparelhamentos

A tabela 8 apresenta as energias de estabilização de campo cristalino

para íons com configurações de d0 a d10, submetidos a campos octaedricos

fracos e fortes, em parâmetros nDq + mP.

Tabela 8: Energia de Estabilização de Campo Cristalino de Sistemas

Octaédricos

Espécies

Campo Fraco Campo Forte

Configuração EECC Configuração EECCd0 Sc3+ t2g

0 eg0 0 Dq t2g

0 eg0 0 Dq

d1 Ti3+ t2g1 eg

0 -4 Dq t2g1 eg

0 -4 Dq

d2 V3+ t2g2 eg

0 -8 Dq t2g2 eg

0 -8 Dq

d3 Cr3+ t2g3 eg

0 -12 Dq t2g3 eg

0 -12 Dq

d4 Mn2+ t2g3 eg

1 -6 Dq t2g4 eg

0 -16 Dq + P

d5 Fe3+ t2g3 eg

2 0 Dq t2g5 eg

0 -20 Dq + 2 P

d6 Co3+ t2g4 eg

2 -4Dq + P t2g6 eg

0 -24 Dq + 3 P

d7 Rh2+ t2g5 eg

2 -8 Dq + 2 P t2g6 eg

1 -18 Dq + 3 P

d8 Ni2+ t2g6 eg

2 -12 Dq + 3 P t2g6 eg

2 -12 Dq + 3 P

d9 Cu1+ t2g6 eg

3 -6 Dq + 4 P t2g6 eg

3 -6 Dq + 4 P

d10 Zn10 t2g6 eg

4 0 Dq + 5 P t2g6 eg

4 0 Dq + 5 P

É importante ressaltar que, nos compostos de spin alto, a energia de

emparelhamento não contribui para instabilizá-los, uma vez que, nos íons

isolados, os emparelhamentos já existem. Esta influência existe, apenas,

nos compostos de spin baixo em que os elementos centrais têm

configurações d4, d5, d6 e d7, pois, nestes, o número de emparelhamentos

Page 50: Compostos de coordenação - Parte 1 (nova)

aumenta durante a formação dos compostos. Mesmo assim esta influência é

superada pela presença de mais elétrons nos orbitais t2g, de baixas energias.

4.5.1 - EVIDÊNCIAS DA VALIDADE DA TCC

A explicação das propriedades espectrais e magnéticas dos

complexos em função de separação dos orbitais d, além de ser uma

importante ferramenta para estudos desse tipo de composto, constitui um

forte indício de que o modelo do campo cristalino seja correto.

Além dos dados espectrais, muitas análises termodinâmicas têm

favorecido a aceitação da TCC. Por exemplo: cálculos de energias de redes

cristalinas mostram que os dados obtidos para haletos de Na+, K+, Ca2+,

Mn2+ e Zn2+, estão muito mais próximos dos resultados experimentais do

que análises semelhantes feitas para haletos de Cr3+, Fe2+, Co2+, Ni2+ e Cu2+,

sendo, todos eles, compostos de spin alto.

Entre esses dois grupos de íons, uma das diferenças existentes, é

que, no primeiro, as configurações eletrônicas são simétricas (d0, d5 ou d10)

e, no do segundo grupo, (d6, d7, d8 e d9) são assimétricas.

Considerando-se que a energia de ligação entre pares iônicos seja

dada pela equação:

E= Z+. Z-/r

seria de se esperar que, na série de dihaletos do terceiro período, de CaX2 a

ZnX2, as energias reticulares crescessem gradualmente, já que os raios

iônicos diminuem do Ca2+ para o Zn2+. Verifica-se, porém, que esse

aumento não é constante, ocorrendo pontos de mínimos nas configurações

d0, d5 e d10, que são os casos onde se tem 0Dq de energia de estabilização

de campo cristalino, conforme está ilustrado na tabela 9 e na figura 10.

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Tabela 9 – Energias reticulares (U) dos cloretos e dos óxidos da série do cálcio(II) ao zinco(II).

CompostosU

em kJ/mol CompostosU

em kJ/mol Configuração EECC

CaCl2 2.258 Cão 3.401 d0 – t2g0, eg

0 0

ScCl2 2.380 ScO d1 – t2g1, eg

0 ´-4Dq

TiCl2 2.501 TiO 3.811 d2 – t2g2, eg

0 ´-8Dq

VCl2 2.579 VO 3.863 d3 – t2g3, eg

0 ´-12Dq

CrCl2 2.586 CrO d4 – t2g3, eg

1 ´-6Dq

MnCl2 2.537 MnO 3.745 d5 – t2g3, eg

2 0

FeCl2 2.631 FeO 3.865 d6 – t2g4, eg

2 ´-4Dq

CoCl2 2.691 Côo 3.910 d7 – t2g5, eg

2 ´-8Dq

NiCl2 2.772 NiO 4.010 d8 – t2g6, eg

2 ´-12Dq

CuCl2 2.811 CuO 4.050 d9 – t2g6, eg

3 ´-6Dq

ZnCl2 2.734 ZnO 3.971 d10 – t2g6, eg

4 0

Figura 10 – Energia reticular dos cloretos do cálcio(II) ao zinco(II)

2.200

2.400

2.600

2.800

3.000

CaCl2 ScCl2 TiCl2 VCl2 CrCl2 MnCl2 FeCl2 CoCl2 NiCl2 CuCl2 ZnCl2

U e

m k

J/m

ol

Uma evidência mais conveniente, já que está se discutindo

compostos de coordenação, é a análise das energias de hidratação de íons

de metais de transição. Nesse caso, apesar das medidas serem feitas em

soluções diluídas, pode-se considerar que apenas seis moléculas de água

Page 53: Compostos de coordenação - Parte 1 (nova)

entram na esfera de coordenação, formando complexos octaédricos. Pode-

se considerar, portanto, que as entalpias de hidratação sejam iguais às

entalpias de formação de complexos hexaqua, [M(H2O)6]q.

Colocando-se num gráfico as entalpias de hidratação da série de

cloretos, do Ca(II) ao Zn(II), observa-se um comportamento semelhante ao

verificado para as entalpias reticulares destes sais.

Para consolidar, mais ainda, a evidência de que a estabilização por

campo cristalino realmente existe, se podem determinar as EECC dessa

série de complexos (usando espetroscopia de UV-Vis, por exemplo),

subtraindo-se as energias de hidratação correspondentes. Um gráfico dos

resultados obtidos com essa operação aproxima-se bastante daquele que se

obtém considerando-se, apenas, efeitos de tamanho.

Comportamento semelhante é observado para outros dados

termodinâmicos de muitos compostos produzidos por outras séries dos

tipos apresentadas, com ligantes diferentes.

1