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1 Conceitos de Geografia Agrária Vitor Vieira Vasconcelos Mestre em Geografia pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais Belo Horizonte, Minas Gerais, 2009 Os Conceitos de Agrário e de Rural Conceitualmente, podemos delimitar o escopo de abrangência do termo ‘’Agrário’’ para as questões produtivas e econômicas que envolvem as atividades de agricultura e pecuária. Ao passo que o conceito de ‘’Rural’’ apresenta-se mais amplo. Pois abarca, além de propriamente ‘’Agrário’’, também os aspectos não agrários que ocorrem no campo. Desse modo, inclui questões culturais e sociais relativas ao homem do campo, o que podemos chamar de modo de vida rural. Geografia da Agricultura, Geografia Agrária e Geografia Rural A diferenciação entre os conceitos de Agrário e Rural, tecida acima, auxilia a elucidar as discriminações terminológicas consensuais, no meio acadêmico, no que se refere a Geografia da Agricultura, Geografia Agrária e Geografia Rural. É possível vislumbrar uma tênue delimitação entre a ‘’Geografia da Agricultura’’ e ‘’Geografia Agrária”, embora usualmente sejam tomados como semelhantes, para em conjunto serem diferenciados da Geografia Rural.

Conceitos de Geografia Agrária

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Os Conceitos de Agrário e de Rural; Geografia da Agricultura, Geografia Agrária e Geografia Rural; O Sistema Agrário de Florestas; A Primeira Revolução Agrícola; A Primeira Revolução Agrária; A Questão Agrícola; Questão Agrária; A Agricultura Familiar

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Conceitos de Geografia Agrária

Vitor Vieira Vasconcelos Mestre em Geografia pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais

Belo Horizonte, Minas Gerais, 2009

Os Conceitos de Agrário e de Rural

Conceitualmente, podemos delimitar o escopo de abrangência do termo

‘’Agrário’’ para as questões produtivas e econômicas que envolvem as

atividades de agricultura e pecuária.

Ao passo que o conceito de ‘’Rural’’ apresenta-se mais amplo. Pois

abarca, além de propriamente ‘’Agrário’’, também os aspectos não agrários que

ocorrem no campo. Desse modo, inclui questões culturais e sociais relativas ao

homem do campo, o que podemos chamar de modo de vida rural.

Geografia da Agricultura, Geografia Agrária e Geografia Rural

A diferenciação entre os conceitos de Agrário e Rural, tecida acima,

auxilia a elucidar as discriminações terminológicas consensuais, no meio

acadêmico, no que se refere a Geografia da Agricultura, Geografia Agrária e

Geografia Rural. É possível vislumbrar uma tênue delimitação entre a

‘’Geografia da Agricultura’’ e ‘’Geografia Agrária”, embora usualmente sejam

tomados como semelhantes, para em conjunto serem diferenciados da

Geografia Rural.

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À Geografia da Agricultura, interessa o estudo sobe a espacialização

dos cultivos agrícolas. Portanto, se preocupa com perguntas tais quais: o que é

produzido, onde é produzido, quanto é produzido.

Na Geografia Agrária, por sua vez, incorpora-se também a atividade da

pecuária. Mais do que isso, o enfoque amplia-se para as considerações

econômicas entre as diversas atividades agropecuárias, formando-se um

sistema econômico complexo.

Por fim, a Geografia Rural incluirá também a ocupação não agrária do

solo. Seu estudo vai mais além do enfoque econômico estrito, pois estuda

também os hábitos, comportamentos, crenças e valores da população rural, em

seus aspectos sociais, culturais e até religiosos. O objeto de estudo da

Geografia Rural torna-se a Paisagem Rural, com toda sua teia de significados e

relações entre os lugares e seus personagens habitantes.

O Sistema Agrário de Florestas

Na antiguidade da história humana, a forma de agricultura típica

consistiu no sistema agrário de florestas. Seu contexto de aplicação se referia a

grandes áreas de floresta, exploradas por pequenos agrupamentos humanos.

Primeiramente, desmatava-se um perímetro em meio à floresta,

preferencialmente às margens dos rios, por apresentarem solos mais férteis e

úmidos, além de uma facilidade de dessedentação à comunidade. O

desmatamento utilizava-se de instrumentos rudimentares e da prática de

queimada. Os restos do desmate serviriam de madeira orgânica para o plantio,

garantindo uma produtividade satisfatória ao primeiro ano. Contudo, no

segundo ano de produção, a fertilidade do solo, já começava a se comprometer

e no terceiro ano, ainda mais, como anúncio de que a terra deveria ser

abandonada, levando a abertura de uma nova clareira.

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Observa-se que tratava-se de um sistema agrícola itinerante. O sistema

agrícola florestal caracteriza-se por uma exploração e esgotamento intensivo

do solo em uma parcela, com um impacto ambiental inevitável. Como são

necessários no mínimo 38 anos de pausa para uma regeneração plena da

biologia florestal, esse sistema agrícola só se torna sustentável em grandes

áreas florestadas, para uma pequena população. Todavia, conforme a

população humana crescia cada vez mais, os espaços florestais tornavam-se

escassos. Isso dava apenas duas opções: ou se expandia a agricultura para as

savanas, com solos menos férteis, ou não se esperava mais a regeneração

completa das florestas, entrando-se em um ciclo de esgotamento do solo e de

degradação ambiental.

A Primeira Revolução Agrícola

A Primeira Revolução Agrícola se deu no continente europeu. Seu

contexto histórico se deu com a transição do Feudalismo para o Capitalismo.

Nesse período, a expansão das relações comerciais e coloniais trouxe novos

cultivares e conhecimentos para o povo europeu. Além disso, o

desenvolvimento das atividades de artesanato e manufaturas nos burgos

trouxe a possibilidade de construção de equipamentos de trabalho rural com

mais qualidade, eficiência e escala de produção.

A principal transição tecnologia ocorrida na Primeira Revolução Agrícola

foi a passagem do sistema de pousio para o sistema de rotação de culturas. Na

entre safra, passaram a ser cultivadas leguminosas, as quais contribuíram para

a nitrogenação do solo. Também se deve ressaltar a melhoria da eficiência dos

equipamentos de cultivo que empregavam tração animal.

A rotação de culturas, com o plantio intercalado de leguminosas,

continua como um dos pilares tanto da agroecologia quanto da agricultura

capitalista de larga escala. A manutenção do nitrogênio e a ciclagem de

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nutrientes são fundamentais para a produtividade sustentada dos sistemas

agrícolas.

Como consequência, aumentou em muito a produtividade agrícola. Isso

ajudou as superar as crises de escassez de alimento que assolavam a Europa

e que eram um dos principais limitadores para o crescimento populacional, e

também se tornou possível o fornecimento de mais forrageiras para as

atividades de pecuária.

A Primeira Revolução Agrária

A Primeira Revolução Agrária se deu de maneira diferenciada no tempo

e no espaço dos países europeus. O primeiro país a evidenciar os processos

dessa revolução foi a Inglaterra. Nesse país, houve uma aliança entre a

nobreza e a burguesia, constituindo uma estrutura fundiária concentrada onde

estavam presente os proprietários, os cientistas, os patrões administradores e

os trabalhadores assalariados. Muitos camponeses foram expulsos para a

cidade, servindo como mão de obra para a indústria nascente.

Nos países em que o sistema feudal era mais forte, seria preciso de

revoltas e revoluções sociais para que a transição agrícola tomasse palco. Na

França, por exemplo, a burguesia aliou-se aos camponeses na Revolução

Francesa. Isso permitiu que os camponeses se apropriassem das terras,

gerando uma estrutura fundiária mais equitativamente distribuída.

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A Questão Agrícola

A Questão Agrícola surge com o questionamento sobre se a agricultura

conseguiria suprir a demanda de alimentos para uma sociedade cada vez mais

urbanizada. Se preocupa com o que é plantado, onde é plantado e com a

eficiência e produtividade das técnicas empregadas. Suas principais variáveis

são a quantidade e o preço dos alimentos produzidos.

Questão Agrária

A Questão Agrária advém com a preocupação sobre se o campo

conseguiria fornecer a mão de obra demandada para as atividades industriais e

urbanas. Ela se sustentou com a mecanização da agricultura de larga escala e

com as mudanças das relações trabalhistas rurais. Esses dois processos,

concomitantes, liberaram um grande excedente de mão de obra para as

cidades. Vis a vis, as cidades não foram capazes de absorver eficientemente

entre essa mão de obra, o que gerou a proliferação de periferias favelizadas.

Essa situação degradante de uma grande massa, sem emprego urbano e sem

a alternativa de um sustento rural, também impulsionou a emergência de

movimentos de luta pela terra, como o MST (Movimento dos Sem Terra).

A Questão Agrária, pois, preocupa-se com as transformações nas

relações trabalhistas rurais e suas consequências econômicas e sociais.

As transformações por que passa o espaço rural envolvem aspectos da

Questão Agrícola e da Questão Agrária, de forma consorciada. Tome-se por

exemplo a mecanização da agricultura capitalista, que ao mesmo tempo em

que aumenta a produtividade, também expulsa os trabalhadores rurais para as

cidades.

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Todavia, como o agronegócio se volta mais para a exportação, para a

agroindústria e para os biocombustíveis, sempre é levantada a dúvida se os

gêneros alimentares de primeira necessidade não entrarão em escassez.

Afinal, seria a agricultura familiar uma grande responsável pela produção de

gêneros básicos. A estrutura fundiária pode ser causa de uma crise agrícola e

agrária.

Além disso, o cenário agrícola contemporâneo demonstra que a questão

agrícola está relacionada menos à escassez de produção e bem mais à forma

socialmente injusta com que essa produção é distribuída. A massa da

população das periferias não possui dinheiro para prover-se de uma

alimentação digna, mesmo que os alimentos estejam apodrecendo nas

prateleiras dos supermercados. Enquanto isso, uma quantidade enorme de

cereais é direcionada para a pecuária, com objetivo de atender a uma dieta

ostensivamente super-protéica dos países desenvolvidos. Essa super-

produção de cereais poderia resolver facilmente a fome do mundo, se

houvesse uma intenção nesse sentido.

A Agricultura Familiar

No que diz respeito ao meio ambiente, a ocupação territorial promovida

pela agricultura familiar dá origem a uma paisagem heterogênea como um

mosaico onde se justapõem diversas culturas e fragmentos dos ecossistemas

nativos. Essa ocupação é antagônica à da agricultura empresarial de larga

escala, que se caracteriza por extensas áreas de monocultura. Comparando os

dois modos de ocupação, o da agricultura familiar tende a preservar melhor a

biodiversidade, permite um melhor fluxo gênico, dificulta o alastramento de

pragas e proporciona uma melhor qualidade e quantidade de recursos hídricos.

Quanto à importância econômica, é necessário contextualizar o

momento atual, em que passamos por uma inflação sem precedentes no preço

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dos alimentos em todo o mundo. Nessa conjuntura, a agricultura familiar

brasileira assume um papel econômico de destaque, pois é responsável por

grande parte da produção nacional de alimentos. Além de assegurar a

soberania alimentar brasileira, o caráter de subsistência da agricultura familiar

ainda garante a segurança alimentar de uma parcela expressiva da população

empobrecida rural.

Inobstante, não faltam desafios para o desenvolvimento da agricultura

familiar. Há muito a se fazer pela modernização do sistema produtivo desses

agricultores, para que se aumente a produtividade e, ao mesmo tempo, se

mantenha uma utilização sustentável dos recursos naturais. Todavia, o

investimento da agricultura familiar pode permitir que aumente-se a qualidade

de vida de uma grande parte da população, rural, historicamente

marginalizada.