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Seminário sobre Paredes de Alvenaria, P.B. Lourenço & H. Sousa (Eds.), Porto, 2002 77 CONCEPÇÃO E PROJECTO PARA ALVENARIA Paulo B. LOURENÇO Professor Associado Universidade do Minho Guimarães SUMÁRIO Na presente comunicação abordam-se aspectos de concepção e projecto na construção em alvenaria, discutem-se exemplos de realizações recentes e apresentam-se alguns dos contributos da Universidade do Minho nesta área. Recorrendo à normalização europeia recente, bem como aos novos produtos e tecnologias é possível melhorar a prática tradicional, quer eliminando as anomalias que se verificam frequentemente, quer melhorando o desempenho das paredes de alvenaria relativamente às suas exigências funcionais, quer potenciando a utilização da alvenaria estrutural como uma tecnologia de construção concorrencial para edifícios de pequeno e médio porte. 1. INTRODUÇÃO É por volta dos anos 9000 a 7000 a.C., com as primeiras civilizações, que a história da arquitectura se inicia e, simultaneamente, a alvenaria surge como uma técnica de construção. Os materiais utilizados nas unidades de alvenaria 1 foram a pedra e o tijolo de barro seco ao sol ou cozido, e nas juntas, o ligante foi a cal, o saibro, o barro, o betume, o gesso, etc. 1 A designação “unidade de alvenaria” está consagrada no Eurocódigo 6 como “elemento produzido para ser utilizado na construção de alvenaria”. Exemplos de unidades de alvenaria são o tijolo cerâmico e o bloco de betão. O termo português resulta da tradução da designação anglo-saxónica “masonry unit”.

CONCEPÇÃO E PROJECTO PARA ALVENARIA Pag 77-110.pdf · 78 Concepção e projecto para alvenaria A primeira ameaça ao domínio da alvenaria como solução estrutural ocorreu em meados

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Seminário sobre Paredes de Alvenaria, P.B. Lourenço & H. Sousa (Eds.), Porto, 2002 77

CONCEPÇÃO E PROJECTO PARA ALVENARIA

Paulo B. LOURENÇO Professor Associado Universidade do Minho Guimarães

SUMÁRIO Na presente comunicação abordam-se aspectos de concepção e projecto na construção em alvenaria, discutem-se exemplos de realizações recentes e apresentam-se alguns dos contributos da Universidade do Minho nesta área. Recorrendo à normalização europeia recente, bem como aos novos produtos e tecnologias é possível melhorar a prática tradicional, quer eliminando as anomalias que se verificam frequentemente, quer melhorando o desempenho das paredes de alvenaria relativamente às suas exigências funcionais, quer potenciando a utilização da alvenaria estrutural como uma tecnologia de construção concorrencial para edifícios de pequeno e médio porte. 1. INTRODUÇÃO É por volta dos anos 9000 a 7000 a.C., com as primeiras civilizações, que a história da arquitectura se inicia e, simultaneamente, a alvenaria surge como uma técnica de construção. Os materiais utilizados nas unidades de alvenaria1 foram a pedra e o tijolo de barro seco ao sol ou cozido, e nas juntas, o ligante foi a cal, o saibro, o barro, o betume, o gesso, etc.

1 A designação “unidade de alvenaria” está consagrada no Eurocódigo 6 como “elemento produzido para ser utilizado

na construção de alvenaria”. Exemplos de unidades de alvenaria são o tijolo cerâmico e o bloco de betão. O termo português resulta da tradução da designação anglo-saxónica “masonry unit”.

78 Concepção e projecto para alvenaria A primeira ameaça ao domínio da alvenaria como solução estrutural ocorreu em meados do século XIX, quando se iniciou a produção de vigas e pilares em ferro fundido. No final deste século, as técnicas de construção de edifícios altos já tinham eliminado a necessidade de paredes de grande espessura nos pisos inferiores. No entanto, o colapso da alvenaria como material estrutural iniciou-se no princípio do século XX, com a introdução de regulamentos na Alemanha, França e Reino Unido para estruturas de betão armado. Este material é durável, resistente, moldável e económico pelo que a utilização da alvenaria como material estrutural foi fortemente abalada nos países mais desenvolvidos. A situação actual é que os materiais estruturais mais antigos, nomeadamente a alvenaria e madeira, foram praticamente banidos dos currículos das licenciaturas em Engenharia Civil e Arquitectura. Em consequência, a geração actual de consultores e projectistas ligados à Construção Civil, com honrosas excepções, desconhece outros materiais estruturais para além do aço e do betão. É de supor que o desconhecimento sobre materiais e técnicas “tradicionais” resulte em: (a) um enviesamento na reabilitação de construções existentes e (b) uma avaliação incorrecta da segurança destas construções; ou, de outra forma, em intervenções ineficientes na maior parte do património construído. A este propósito, salienta-se que mais de 60% dos edifícios em Portugal são em alvenaria resistente (33% dos edifícios com paredes resistentes sem serem em betão armado e 30% dos edifícios em pedra, ver Quadro 1).

Quadro 1: Número de edifícios existentes em Portugal para os diferentes materiais de construção, de acordo com o número de pavimentos [1]

Principais Materiais Nº EDIFÍCIOS, EM FUNÇÃO DO Nº DE PAVIMENTOSUsados na Construção Total Com 1 Com 2 . . . Com 5 Com 6 Com 7 ou mais %

Elem. Resistentes 2861502 1530513 1115155 21918 8822 15279 100Betão Armado 916035 400656 384764 16095 6756 13106 32Paredes resistentes s/ serem de betão armado

945762 571411 323644 4149 1589 1539 33

Pedra 881830 464626 386051 1369 421 562 30

Madeira 31800 20147 10355 73 46 12 1Outros 86075 73673 10341 232 40 60 3Paredes exteriores 2861502 1530513 1115155 21918 8822 15279 100

Alvenaria de tijolo 1428650 745328 544588 66711 6338 10941 50Alven. blocos de betão 662216 321891 288238 31115 1870 3713 23

Pedra não aparelhada 588120 322248 246955 14305 393 415 20Madeira 23383 16508 6258 401 18 25 0.8

No caso particular da alvenaria, um aspecto chave é a heterogeneidade. As técnicas construtivas em alvenaria são diferentes de um país para outro e recorrem à utilização de materiais de natureza diferente. Com a excepção de situações particulares, a troca de experiências e a transferência de tecnologia / conhecimento à escala internacional mostram alguma tendência para tornar os mercados mais homogéneos e indiferenciados. No entanto, as tradições regionais, as dificuldades de certificação de alguns produtos específicos, os custos de transporte, a transferência da tecnologia de produção e a formação dos operários contribuem fortemente para dificultar esta tarefa de homogeneização. O material mais utilizado nas paredes de alvenaria, em países desenvolvidos, é, geralmente, o tijolo cerâmico, mas a utilização de blocos de betão também ocorre com frequência (seja em

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blocos furados ou em blocos de betão celular). Em alguns países, a utilização de blocos sílico-calcáreos é também corrente. Como facilmente se comprova, a homogeneização não é tarefa fácil uma vez que se adoptam materiais diferentes para as unidades de alvenaria. No limite, e para o mesmo tipo de material, a falta de uniformização pode também ser considerável. Por exemplo, as unidades de alvenaria cerâmicas possuem inúmeras configurações, ver Figura 1.

(a) (b) (c) (d)

Figura 1 : Representação esquemática de alguns tipos de unidades de alvenaria cerâmicas: (a) tijolo maciço, (b,c) tijolos perfurados e (c) tijolo vazado.

O tijolo maciço é a unidade de alvenaria cerâmica mais tradicional e, geralmente, apresenta dimensões reduzidas. Os tijolos perfurados podem ser semelhantes aos tijolos maciços, com uma percentagem de furação pequena (15-20%) para tornar o material mais leve e económico, ou ser de maior dimensão e possuir um elevado número de furos de reduzida dimensão, normalmente verticais. Finalmente, os tijolos vazados possuem, em geral, uma elevada furação (normalmente horizontal) e são de dimensão elevada. A Figura 2 ilustra o panorama europeu e a falta de harmonização referida, a todos os níveis. No entanto, a normalização recente para alvenaria (incluindo o Eurocódigo 6 – Projecto de Estruturas de Alvenaria, e o Eurocódigo 8 – Disposições para Projecto de Estruturas Sismo-resistentes) permitem considerar a heterogeneidade referida em projecto corrente, de acordo com a filosofia actual de segurança. A existência da nova regulamentação e o aparecimento de novos produtos permitem afirmar que as estruturas modernas de médio porte, bem como a reabilitação de estruturas existentes, podem utilizar alvenaria estrutural de forma competitiva. 1.1. A alvenaria e os terramotos Um aspecto crítico na utilização de alvenaria em Portugal é a sismicidade que, regulamentarmente, tem de ser considerada em todo o país. Os efeitos dos sismos sobre as estruturas dependem de inúmeros factores e, frequentemente, são de interpretação difícil. Os danos podem ser atribuídos não apenas à intensidade e as características dinâmicas do sismo, mas também à localização do edifício e às condições geológicas do local, à articulação estrutural e não-estrutural da construção, à sua morfologia, ao tipo de fundações, aos materiais de construção, ao estado de manutenção da construção, ao respeito pela regulamentação sísmica, etc. As características principais que garantiram a sobrevivência às acções sísmicas de inúmeras construções em alvenaria até aos dias de hoje foram (a) a regularidade da forma e construção da estrutura, com a capacidade de resistir à acção sísmica e (b) o emprego de materiais de construção aptos a fornecer a resistência necessária para resistir a acção sísmica.

80 Concepção e projecto para alvenaria

(a) (b)

(c)

Figura 2 : Panorama europeu da indústria de unidades de alvenaria cerâmicas: (a) mapa de utilização, (b) percentagens nos diferentes países e (c) produção em 1992.

Infelizmente, inúmeras estruturas não cumpriram as exigências descritas. Em Portugal, em 1755, o terramoto de Lisboa ilustrou os efeitos de um sismo de intensidade elevada e resultou numa forma de construção dúctil e “armada” com elementos de madeira: a Gaiola Pombalina. Outras soluções para a melhoria da resposta à acção dos sismos das estruturas de alvenaria foram propostas: tirantes e varões nas juntas (em ferro), ligadores, tijolos “anti-sísmicos” com sistemas de cavilha, etc. No entanto, a frequência, normalmente reduzida, da ocorrência de sismos num mesmo local, os conhecimentos técnico-científicos limitados, as condicionantes económicos dos proprietários e a ausência de regulamentação conduziram à repetição dos efeitos devastadores dos terramotos. No início do século XX, três terramotos de grande intensidade, ver Figura 3, contribuíram fortemente para a opinião empírica e indiscriminada de que as alvenarias não resistem aos sismos, tendo as estruturas resistentes sido substituídas por estruturas de aço e betão armado (materiais que possuem uma resistência à tracção elevada).

Tijolo maciço Tijolo perfurado

Tijolo vazado

m3 / habitante

maciço

perfurado

vazado

País

Prod

ução

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(a) (b) (c)

Figura 3 : Imagens simbólicas de três grandes terramotos do início do século XX: (a) São Francisco (1906), (b) Messina (1908) e (c) Tóquio (1923).

A experiência dos últimos anos nos países mais desenvolvidos (Loma Prieta, EUA, 1989, Kobe, Japão, 1995, etc.) demonstra que estruturas recentes, construídas em diferentes materiais (alvenaria, aço, betão armado, etc.) de acordo com a regulamentação em vigor, podem sofrer danos importantes ou colapso devido a diferentes causas. A engenharia de estruturas, a engenharia sísmica, a experiência adquirida com estas ocorrências bem como o projecto, concepção, realização e fiscalização apropriados conduzirão num futuro próximo a estruturas com a segurança e economia adequadas. No entanto, a experiência tem demonstrado que, globalmente, a alvenaria não-armada tem uma performance de fraca qualidade, quando sujeita a acções sísmicas. Deste modo a sua utilização nacional apenas deve ser considerada para edifícios de pequeno porte. Pelo contrário, a alvenaria confinada e a alvenaria armada tem demonstrado um excelente comportamento em relação às acções sísmicas [2,3]. Nestes casos, as estruturas existentes que foram reforçadas de acordo com as disposições anti-sísmicas tiveram um comportamento muito satisfatório. 1.2. A alvenaria resistente hoje De forma a tornar a alvenaria resistente competitiva nos países desenvolvidos, ela deverá ser encarada não apenas como um material estrutural mas como uma solução construtiva que contempla os aspectos estruturais, estéticos, acústicos, térmicos, de resistência ao fogo e de impermeabilização. A consideração simultânea dos aspectos estruturais, construtivos e estéticos implica interacção efectiva entre dono-de-obra, arquitecto e engenheiro, o que nem sempre é fácil de conseguir. No Norte de Portugal, a cantaria de granito é tradicional e continua a ser realizada com relativa pouca expressão. A pedra natural é um material de construção caro mas em soluções à vista, a alvenaria parece ser competitiva face à placagem em pedra [4]. Por outro lado, para a realidade portuguesa, verifica-se que os trabalhos de alvenaria, incluindo os respectivos rebocos, correspondam a cerca de 13 a 17 % do valor total da construção [5], o que representa anualmente um valor entre 500 e 1000 MEuro [6]. Este valor só é ultrapassado pelas estruturas de betão. Finalmente, um estudo recente [7], demonstrou que para edifícios de pequeno porte, a alvenaria estrutural é competitiva face à solução tradicional em estrutura reticulada de betão

82 Concepção e projecto para alvenaria armado. Estranhamente, face a estas observações, as aplicações de alvenaria estrutural com base nos aspectos modernos de segurança e cálculo estrutural são praticamente inexistentes em Portugal, onde praticamente todas os edifícios de habitação são realizados com estrutura reticulada de betão armado. Noutros países desenvolvidos, a utilização da alvenaria estrutural nos últimos decénios não sofreu um declínio tão grande e prolongado no tempo. Após a turbulência da primeira metade do século XX, a alvenaria estrutural soube adaptar-se às novas exigências tecnológicas e estéticas da arquitectura contemporânea, mantendo uma posição relevante no mercado, ver Figura 4. 2. CONCEPÇÃO E PROJECTO PARA ALVENARIA A inexistência de regulamentos e normas para alvenaria que disciplinem o dimensionamento da alvenaria para fins estruturais, à parte de outras motivações tecnológicas e decisões arquitectónicas, constituiu de facto, a razão principal para limitar a sua utilização. Os únicos critérios de dimensionamento aplicáveis até aqui eram de natureza empírico-intuitiva e tinham origem na experiência adquirida ao longo do tempo, com base em metodologias de cálculo aproximadas, num formato de segurança desactualizado, e fortemente penalizadoras do ponto de vista económico. A consequência mais negativa da inexistência de regulamentos e normas era a generalização que o projectista era forçado a fazer em face da multiplicidade das tipologias de alvenaria resistente existentes, baseadas em materiais e aparelhos muito distintos. Esta situação encontra-se agora profundamente alterada na generalidade dos países, com a entrada em vigor de normas que regulamentam o projecto e a execução de edifícios em alvenaria resistente. Em particular, as características tecnológicas e físico-mecânicas da alvenaria e dos seus elementos construtivos foram oportunamente regulamentados a nível europeu, através do Eurocódigo 6 e do Eurocódigo 8, ver também [8]. 2.1. Sobre a concepção O processo de projectar um edifício em alvenaria estrutural apresenta algumas particularidades em função dos aspectos tecnológicos e estruturais. Como aspectos mais relevantes sobre a concepção referem-se:

• A existência de algumas restrições relativas à versatilidade dos espaços e à forma da construção;

• O facto dos aspectos construtivos, usualmente desvalorizados em projecto corrente, serem salientados;

• A opção sobre uma solução estrutural em alvenaria necessita de ser tomada na fase de programa base (i.e. a partir da concepção inicial).

Estes aspectos estão directamente ligados com a tipologia da construção em alvenaria, que possui as seguintes características:

• Elementos verticais contínuos, designados por paredes; • Uma associação coerente de volumes (essencialmente rectangulares); • A existência de módulos (que é um conceito novo em relação às estruturas

tradicionais reticuladas) e a existência de paredes divisórias no interior dos módulos (i.e. nem todas as paredes possuem funções resistentes).

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(a) (b)

(c) (d)

(e)

Figura 4 : Exemplos de alvenaria estrutural recente: (a,b) a Suíça é um dos países em que a utilização da alvenaria estrutural se desenvolveu particularmente nos últimos decénios, devido a um regulamento moderno e à caracterização mecânica dos materiais existentes

no mercado. A estrutura duplex com três pisos representada foi realizada com blocos cerâmicos; nos EUA, a utilização de paredes de alvenaria armada preenchida com

betão é corrente, quer para (c) um edifício de habitação com quatro pisos, quer para (d) um hotel com doze pisos, realizado em alvenaria armada com parede dupla em

tijolos cerâmicos; na Holanda a aposta é (e) o desenvolvimento de maxi-blocos (1.0 m de comprimento) para racionalizar a construção.

Os conceitos agora introduzidos merecem alguma clarificação. A ideia da versatilidade e da liberdade de espaço oferecida por uma estrutura reticulada consolidou uma prática de concepção discutível, em virtude da qual é possível completar um projecto de arquitectura sem colocar o problema de como será resolvida a estrutura do edifício. Esta prática parece resultar

84 Concepção e projecto para alvenaria de uma radicalização das Escolas de Arquitectura (com origem nas Belas Artes), em que os aspectos tecnológicos e construtivos são considerados de diminuta importância relativamente aos aspectos estéticos ou de forma. A consequência mais negativa desta individualização do trabalho dos intervenientes surge na fase de elaboração dos projectos de execução e, essencialmente, na fase de construção em que, na maior parte dos casos, é necessário proceder à elaboração de alterações e variantes durante a realização da obra, cuja realização final se traduz geralmente num aumento de custos ou reviravoltas incongruentes do projecto original. A elaboração adequada de um projecto deveria implicar o conhecimento, desde a fase de concepção do edifício, das limitações impostas por qualquer técnica construtiva ou solução estrutural. A decisão de utilizar uma solução estrutural em alvenaria resistente deverá sempre ser tomada à partida (com o início do projecto de arquitectura). Nomeadamente, a principal característica tipológica de um edifício em alvenaria resistente é a presença de elementos verticais contínuos, geralmente rectilíneos, constituídos por septos de alvenaria destinados a resistir às acções que actuam sobre o edifício, ligados em cada piso a um sistema de elementos horizontais que transmitem acções verticais e distribuem as acções horizontais, numa associação coerente de um sistema de volumes de forma (essencialmente) paralelipipédica, ver Figura 5. Desta forma, a diferença essencial entre uma estrutura reticulada e o edifício em alvenaria resistente é a criação de módulos estruturais que constituem uma primeira hipótese de integração de divisões adicionais do espaço, delimitadas por margens contínuas que representam o posicionamento dos elementos estruturais verticais. A dimensão dos módulos estruturais depende de vários factores, nomeadamente, do vão que se prevê possível e económico para as lajes e das dimensões máximas que se pretendem para as divisões do espaço. É de notar a coexistência de paredes estruturais e paredes divisórias, cuja localização pode ser alterada em cada piso, permitindo elevada flexibilidade na divisão dos espaços. O próprio conceito de tridimensionalidade não deve ser interpretado de forma redutora e não deve fazer esquecer que um módulo estrutural pode também assumir uma forma não paralelipipédica, ver Figura 6. Finalmente, refere-se que a definição dos módulos numa fase preliminar do projecto deve ser adoptada para o controlo das dimensões das paredes em planta e em alçado, de forma a retirar o máximo proveito da modularidade de construção em alvenaria, evitando ao máximo os cortes das unidades elementares, ver Figura 7. Isto é absolutamente essencial no caso de paredes de face à vista, representando uma boa prática de projecto / concepção em todos os casos. Como exemplo de modularidade referem-se os blocos com 0.40 m de comprimento, para os quais as dimensões em planta da construção devem, idealmente, ser múltiplos de 0.20 m (metade do comprimento do bloco ou meio bloco).

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(a) (b)

Figura 5 : Exemplos de módulos estruturais e da sua compartimentação interna: (a) habitação de dois pisos com planta articulada num único módulo estrutural; (b) edifício em banda com

três módulos estruturais e possíveis variações em planta – salienta-se que a associação de volumes rectangulares permite flexibilidade em planta.

Figura 6 : Exemplos de projectos de alvenaria estrutural com forma não paralelipipédica.

Piso térreo

Primeiro piso Paredes estruturais Paredes de contraventamento

86 Concepção e projecto para alvenaria

Figura 7 : Critério de coordenação dimensional numa parede com face à vista.

2.2. Sobre o projecto O Eurocódigo 6 estabelece uma base genérica para o projecto de edifícios e de obras de construção em alvenaria simples, armada, pré-esforçada e confinada, executada com as seguintes unidades de alvenaria de forma regular, assentes com argamassa de areia natural ou britada, ou de inertes leves: unidades cerâmicas, incluindo unidades de cerâmica leve; unidades sílico-calcáreas; unidades de betão de agregados correntes ou leves; unidades de betão celular autoclavado; unidades de pedra artificial; unidades de pedra natural com forma regular. As unidades de alvenaria artificiais podem ser dotadas de furos, seja na direcção paralela ao plano de assentamento (furação horizontal), seja na direcção normal ao plano de assentamento (furação vertical). Outras características significativas são o volume de furos ou percentagem de furação, o volume de qualquer furo, a área de qualquer furo e a largura equivalente (entendida como a espessura dos septos interiores e exteriores, medida horizontalmente através da unidade de alvenaria e perpendicularmente à face da parede de alvenaria resistente). Estas características dão lugar à classificação das unidades de alvenaria em três grupos distintos, ver Figura 8. De uma forma geral, unidades com uma percentagem de furação não superior a 25% são classificadas como unidades do Grupo 1. Unidades com uma percentagem de furação entre 25 e 70% são classificadas como unidades dos Grupos 2a, 2b ou 3. O Documento Nacional de Aplicação (DNA) exige que a percentagem de furação não exceda os 60% e os septos exteriores possuam uma espessura mínima de 10 mm. O tijolo cerâmico vazado corrente em

P.B. Lourenço 87

Portugal não cumpre, em geral, as condições para ser classificado como pertencendo ao Grupo 3, pelo que a sua utilização como alvenaria resistente não é permitida.

(a) (b) (c) Figura 8 : Exemplos da classificação de unidades de alvenaria de acordo com o Eurocódigo 6:

(a) Grupo 1, (b) Grupo 2 e (c) Grupo 3. Um requisito fundamental do projecto é que as estruturas devem ser projectadas e construídas de modo a que possam suportar todas as acções relevantes. Com esse objectivo, adoptam-se valores de cálculo para as propriedades dos materiais, dividindo os valores característicos por uma factor de segurança parcial γM. O Eurocódigo 6 define os valores destes coeficientes parciais de segurança entre 1.5 e 3.0, em função do controlo da execução e da produção das unidades elementares, com a excepção das acções acidentais em que o valor a considerar para γM é igual à unidade. Apresentam-se, em seguida, os aspectos mais relevantes associados às propriedades mais significativas dos materiais, definidas pelo Eurocódigo 6. 2.2.1. Resistência normalizada à compressão fb das unidades de alvenaria A resistência normalizada à compressão é obtida num cubo de 100 mm em condições de seco ao ar. Esta resistência pode ser obtida, para qualquer unidade de alvenaria, a partir de δ××= )( fabricantepelocompressãoàaresistêncidedeclaradovalormf cb , (1) sendo mc o factor de ajuste em função da humidade e δ o factor de forma. As unidades para alvenaria poderão ser ensaiadas em condições de seco ao ar ou em condições saturadas. O fabricante deverá fornecer sempre os resultados obtidos directamente nos ensaios, indicando as condições em que se realizaram os mesmos. No caso da resistência ser obtida em condições saturadas, o factor de conversão para condições de seco ao ar pode admitir-se mc = 1.2. No caso dos ensaios serem realizados em condições de seco ao ar, tal como definido na parte aplicável da EN 771, então o factor de conversão não é necessário (i.e. mc = 1.0).

88 Concepção e projecto para alvenaria 2.2.2. Resistência à compressão da argamassa fm Salienta-se a possibilidade de serem adoptadas argamassas feitas em obra, argamassas pré-doseadas ou argamassas prontas. As argamassas prontas e pré-doseadas devem observar a EN 998-2, sendo actualmente fornecidas com a respectiva classe de resistência. A argamassa feita em obra pode ser especificada através da resistência ou das proporções dos constituintes. Quando a argamassa for especificada através da resistência, a valor da resistência à compressão em MPa deve seguir a letra M. Por exemplo M4 representa uma argamassa com 4 MPa de resistência à compressão. O Quadro 2 apresenta uma lista de resistências para proporções correntes dos constituintes da argamassa.

Quadro 2: Relação entre traços correntes de argamassa e a classe de resistência

Proporções dos constituintes Resistência à

cimento:cal:areia cimento:areia cimento:areia com plastificante

compressão (MPa)

Classe do Eurocódigo 6

1: ¼:3 -- -- 12 M12 1:½:4½ 1:2½ a 3½ 1:3 a 4 6 M6 1:1:6 1:4 a 5 1:5 a 6 4 M4 1:2:9 1:5½ a 6½ 1:7 a 8 2 M2

2.2.3. Resistência característica à compressão fk da alvenaria A resistência característica à compressão da alvenaria simples:

• Pode ser obtida a partir de ensaios de acordo com a EN 1052-1; • Pode ser estabelecida a partir de uma análise de resultados de ensaios baseados na

relação entre a resistência característica à compressão da alvenaria simples e a resistência à compressão das unidades de alvenaria e da argamassa (por exemplo normas de outros países);

• Pode ser estabelecida pelas fórmulas indicadas no Eurocódigo 6. Na prática, recomenda-se a utilização das fórmulas indicadas no Eurocódigo 6. No caso de alvenaria simples realizada com argamassa convencional e com todas as juntas preenchidas, a resistência característica à compressão pode ser calculada através da expressão fk = K fb

0.65 fm0.25, (2)

desde que não se considere fm superior a 20 MPa nem a 2fb, consoante o que for menor e K é uma constante tabelada (entre 0.4 e 0.6). Existem fórmulas específicas para outros tipos de argamassa (argamassa-cola, argamassa-leve e juntas de assentamento descontínuas) que não são reproduzidas nesta comunicação.

2.2.4. Resistência característica ao corte fvk A resistência característica ao corte da alvenaria simples:

• Pode ser obtida a partir de ensaios de acordo com a EN 1052-3;

P.B. Lourenço 89

• Pode ser estabelecida a partir de uma análise de resultados de ensaios baseados na relação entre a resistência característica ao corte e a resistência característica inicial ao corte da alvenaria (por exemplo normas de outros países);

• Pode ser estabelecida pelas fórmulas indicadas no Eurocódigo 6. Na prática, recomenda-se a utilização das fórmulas indicadas no Eurocódigo 6. No caso de alvenaria simples realizada com argamassa convencional e com todas as juntas preenchidas, a resistência característica ao corte pode ser calculada através da expressão

+=

tabeladomáximovalorumf

ff b

dvk

vk 65.04.0

min0 σ

(3)

em que fvk0 é a resistência ao corte sob compressão nula, σd é o valor de cálculo da tensão normal ao plano de corte e fb é a resistência normalizada à compressão das unidades para alvenaria na direcção perpendicular às juntas de assentamento. O Eurocódigo 6 apresenta os valores da resistência ao corte sob compressão nula fvk0 e os valores limites para a resistência ao corte fvk. Existem fórmulas específicas no caso de juntas verticais não preenchidas e juntas de assentamento descontínuas que não são reproduzidas nesta comunicação. 2.2.5. Resistência característica à flexão fxk1 e fxk2 A resistência característica à flexão da alvenaria simples deve ser determinada a partir de ensaios de acordo com a pré-norma Eurocódigo 6. No entanto, o projecto de norma actualmente em discussão já apresenta valores tabelados para esta resistência, com plano de rotura paralelo às juntas de assentamento (fxk1) e com plano de rotura perpendicular às juntas de assentamento (fxk2). Estes valores variam entre um mínimo de 0.05 MPa para fxk1 e um máximo de 0.40 MPa para fxk2. Salienta-se que a resistência à flexão da alvenaria fxk1 deve ser utilizada unicamente para o cálculo de paredes sujeitas a acções (por exemplo, o vento) normais à sua superfície. O valor de fxk1 deve ser considerado igual a zero nos casos em que a rotura da parede conduza a um colapso significativo ou à perda completa da estabilidade global da estrutura. 2.2.6. Características de deformação da alvenaria Para efeitos de dimensionamento, pode admitir-se que o diagrama da relação tensões-extensões da alvenaria é da forma parábola-rectângulo. O módulo de elasticidade E da alvenaria pode ser obtido a partir de ensaios, de acordo com a EN 1052-1, sendo o mesmo calculado para um valor de um terço da carga máxima. No caso de não existirem resultados de ensaios disponíveis, o módulo de elasticidade E pode ser admitido igual a 1000fk no caso de estados limites últimos e 600fk no caso de estados limites de utilização. Na ausência de resultados de ensaios, o módulo de distorsão G pode ser tomado igual a 0.4E.

90 Concepção e projecto para alvenaria 2.3. Exemplos de dimensionamento 2.3.1. Acções Verticais Considera-se um edifício com quatro pisos (r/c+3) para dimensionamento. A estrutura do edifício é em alvenaria resistente, com lintéis em betão armado nas zonas necessárias, e a cobertura, com duas águas, é tradicional em madeira. A planta-tipo e alçado do edifício estão representadas na Figura 9.

(b)

Figura 9 : Geometria do edifício a calcular: (a) planta do Piso 0 e (b) alçado direito (Parede A).

Em [8], o dimensionamento completo do edifício está detalhado. Na presente comunicação, resumem-se apenas as etapas necessárias para o dimensionamento da Parede C (parede dupla). O dimensionamento de paredes de alvenaria sujeitas a acções verticais reveste-se de alguma complexidade face aos efeitos de segunda ordem. A quantificação destes efeitos obriga ao cálculo da espessura efectiva da parede, altura efectiva da parede e a diversas verificações, tendo em vista a definição de um coeficiente de redução da resistência em função da esbelteza e da excentricidade de carregamento. De forma sistemática é necessário considerar as seguintes etapas para o dimensionamento do pano interior da parede C:

• Cálculo da espessura efectiva Para paredes duplas convenientemente ligadas, a espessura efectiva tef é igual a

m189.015.015.03 333 32

31 =+=+= tttef , em que t1 e t2 representam a espessura de

cada um dos panos da parede dupla; • Cálculo da altura efectiva

A altura efectiva hef é igual a hh nef ρ= , em que h é o pé-direito do piso e ρn é um factor de redução, com n = 2, 3 ou 4 dependendo do número de apoios dos bordos ou

P.B. Lourenço 91

contraventamentos da parede. Para a parede em análise, obtém-se 65.075.0)725.4/50.275.0(1/(1 2

4 =××+=ρ e 62.150.265.0 =×=efh m; • Verificação da esbelteza

O limite máximo para a esbelteza hef / tef é dado por hef / tef = 1.62 / 0.189 = 8.6 < 27 (EC6) e < 20 (DNA). Salienta-se que o Eurocódigo 8 impõe limites mais reduzidos para a esbeltez, no caso de zonas sísmicas;

• Cálculo do coeficiente de redução da capacidade O coeficiente de redução da capacidade em função da esbelteza e da capacidade de carga Φ é dado por 77.0)189.0/62.1.(0011.085.0 2 =−=Φ ;

• Verificação de segurança Para uma resistência característica da alvenaria fk igual a 5.6 MPa e um coeficiente parcial de segurança igual a 3.0, o valor do esforço axial resistente por unidade de comprimento vale 215/.. =Φ= MkRd ftn γ kN/m (para cada pano). Dado que nRd > nSd, a segurança da parede está verificada.

2.3.2. Acções Combinadas (Esforço normal e corte) Pretende-se verificar a segurança da parede apresentada na Figura 10 e sujeita às acções indicadas.

3.10 m

3.10 m

2.20 m

==

kN30kN70

k

k

QG

kN4=kE

==

kN30kN70

k

k

QG

kN8=kE

t = 0.20 m

VSd

MSd

NSd

σSd, max

lc

l

(a) (b)

Figura 10 : Parede a calcular: (a) geometria e carregamento da parede; (b) esforços na base. De forma sistemática é necessário considerar as seguintes etapas para o dimensionamento:

• Cálculo da tensão normal de cálculo A tensão normal de cálculo σd vale )2.02.2/(154/ ×== ANSddσ = 0.35 MPa;

• Cálculo da resistência característica ao corte

A resistência característica ao corte fvk vale

=+

+=

db

dvkvk f

ff

σσ

14.0034.04.0

min 0 0.34 MPa;

92 Concepção e projecto para alvenaria

• Verificação da tensão máxima de compressão Admitindo uma distribuição triangular de tensões normais na base, ver Figura 10b, o comprimento de contacto na base lc é dado pela expressão

( ) ( ) ( ) m46.1154/932/20.23/2/32/3 =−×=−×=−×= SdSdc NMlell , enquanto que o valor máximo da tensão de compressão é dado pela expressão

04.1)46.120.0/(1522)./(2max, =××== cSdSd ltNσ MPa. Dado que σSd,max < fk, a tensão máxima de compressão está verificada;

• Verificação de segurança ao corte Para um coeficiente parcial de segurança igual a 3.0, o valor do esforço de corte resistente VRd é igual a 33/.. == MvkcEd fltV γ kN. Dado que VRd > VSd, a segurança da parede está verificada.

3. EXEMPLOS RECENTES DE PROJECTO 3.1. Esquadra da GNR em Ourique O primeiro exemplo que se apresenta nesta comunicação é a esquadra da GNR em Ourique, construída durante 2001. A dimensão total do edifício em planta é de aproximadamente 14.0 × 27.5 m2, com uma altura aproximada de 5.90 m. O edifício possui uma cobertura plana, com excepção da zona do átrio, plantão e posto de rádio que possuem um pé-direito de 3.20 m e uma cobertura de uma água, ver Figura 11.

Figura 11 : Esquadra da GNR em Ourique: Alçados lateral e frontais.

Do ponto de vista de estabilidade, o edifício apresenta uma estrutura em alvenaria confinada, ver Figura 12, sendo constituído por paredes em alvenaria resistente, montantes e cintas em betão armado, lajes e sapatas igualmente em betão armado. Os materiais utilizados, ver Figura 13, incluem blocos resistentes com uma resistência média normalizada de 4.0 MPa, argamassa de assentamento, feita em obra, com traço volumétrico 1:4 (M5), aço galvanizado para a armadura das juntas do tipo MURFOR, betão da classe C20/25 e aço da classe A400NR.

P.B. Lourenço 93

As paredes exteriores foram executadas em parede simples recorrendo a blocos ISOLBLOCO da Pavileca, com 0.32 m de espessura. Os montantes de betão armado no exterior possuem uma espessura de 0.25 m para possibilitar a aplicação de uma forra térmica com 0.05 m de espessura As paredes resistentes interiores foram executadas com blocos maciços de 0.20 m de espessura e as paredes divisórias interiores foram realizadas com blocos perfurados de 0.12 m de espessura. Na Figura 14 ilustra-se o aspecto da obra na fase de conclusão da estrutura.

Figura 12 : Pormenores de projecto: planta estrutural e corte tipo nas paredes.

(a)

(b)

Figura 13 : Materiais utilizados: (a) armadura de junta Murfor RND-Z.4/80 para controlo da fendilhação; (b) blocos para parede exterior - IsolBloco 0.40 × 0.20 × 0.32 m, forra térmica -

0.40 × 0.20 × 0.32 m, parede interior resistente - Bloco Maciço 0.40 × 0.20 × 0.20 m - e parede divisória interior - Bloco Leve 0.40 × 0.20 × 0.12 m.

94 Concepção e projecto para alvenaria

Figura 14 : Aspecto da estrutura, antes da execução da cobertura plana do 2º piso.

O reboco exterior foi realizado através de salpico e uma camada de base. O salpico foi constituído por uma argamassa fluida de cimento e areia com traço volumétrico 1 : 2 (cimento:areia), a aplicar por projecção manual vigorosa, de forma a constituir uma camada descontínua e rugosa. A camada de base foi constituída por uma argamassa bastarda com traço volumétrico 1 : 1 : 6 : 0.02 (cimento:cal:areia: adjuvante hidrófugo). O adjuvante hidrófugo foi do tipo SIKALITE. A implantação foi cuidada, por forma a respeitar os princípios de coordenação dimensional modular adoptados em projecto. As juntas de assentamento horizontais foram realizadas com duas tiras laterais de argamassa com 0.14 m e espessura de 1.0 cm. As juntas de assentamento verticais eram secas. Nas juntas horizontais foi prevista a incorporação de armadura Murfor RND.4/Z com largura de 0.10 m, da marca BEKAERT, a cada 0.40 m (duas fiadas). Na 1ª fiada junto aos pavimentos térreos, o paramento e a junta de assentamento foram impermeabilizados / adjuvados com hidrófugo para evitar a ascensão de humidade por capilaridade. Os roços para atravessamento ou colocação de tubagens (reduzidos ao mínimo) foram realizados com abre-roços eléctrico. 3.2. Paredes divisórias de elevada dimensão em alçado Inúmeras construções, nomeadamente estádios, igrejas, salas de espectáculos ou centros comerciais, exigem divisórias de dimensões apreciáveis. As paredes de alvenaria representam a solução tradicional, com vantagens funcionais significativas relativamente a soluções leves. No entanto, a construção de grandes panos em alvenaria exige atenção especial, tendo em vista a competitividade da solução (custo e prazo de execução), a segurança e o desempenho em serviço (fendilhação). Apresentam-se em seguida, alguns exemplos recentes de realizações. Recomenda-se que o dimensionamento contemple as seguintes acções:

• Peso próprio As paredes de alvenaria possuem uma rigidez muito elevada para flexão no seu plano. Em consequência, as paredes são incapazes de acompanhar a deformação das lajes, conduzindo a fenómenos de fendilhação conhecidos, tais como os representados na Figura 15a. As anomalias correntemente observadas estão associadas à deformação da laje superior (que se apoia na parede divisória) e à deformação da laje inferior (que

P.B. Lourenço 95

mobiliza a resistência à tracção da parede divisória). Na Figura 15b, apresenta-se um esquema adequado para evitar esta anomalias, promovendo: (a) a separação entre a parede e a laje superior, com recurso à interposição de um material deformável (por exemplo, poliestireno expandido); (b) a separação entre a parede e a laje inferior, com recurso à interposição de uma barreira de estanquidade (por exemplo, uma membrana em PVC); (c) a colocação de armadura de junta generalizada, para controlo de fendilhação, e na base, para resistir ao peso próprio da parede. A armadura na base, deve ser dimensionada, admitindo a flexão da parede entre apoios como uma viga ou viga-parede, em função da relação vão / altura da parede, ver Figura 15b.

(a)

(b)

Figura 15 : Comportamento das paredes divisórias: (a) anomalias correntes associadas à deformação excessiva das lajes; (b) solução para evitar anomalias e efeito de arco entre os

apoios, para o qual é necessário calcular armadura na base da parede.

• Acção do vento De acordo com o artigo 24º do RSA, sugere-se a consideração do valor característico regulamentar para a pressão dinâmica do vento wk. O coeficiente de pressão interior δpi mais desfavorável é de 0.3. Para paredes em edifícios até 15 m de altura, na Zona B (generalidade do território) e Rugosidade do Tipo I (zonas urbanas), a acção do vento traduz-se numa acção uniformemente distribuída normal às paredes, no valor de pWk = δpi × wk = 0.21 kN/m2.

96 Concepção e projecto para alvenaria

• Acção do sismo De acordo com o artigo 30º do RSA, sugere-se a consideração de uma acção uniformemente distribuída normal às paredes, no valor 0.22.α.peso da parede. Por exemplo, uma parede de blocos de betão com 0.20 m de espessura possui um peso específico aproximado de 2.0 kN/m2. Desta forma, para Lisboa (Zona A), o valor da acção uniformemente distribuída a considerar seria pEk = 2.0 × 0.22 = 0.44 kN/m2, o que permite concluir que a acção do sismo é mais gravosa do que a acção do vento. No caso do Porto (Zona D), este valor seria de pEk = 2.0 × 0.22 × 0.3 = 0.13 kN/m2, o que permite concluir que a acção do vento é mais gravosa do que a acção do sismo.

• Controlo da fendilhação A cláusula aplicável para o cálculo da armadura de controlo de fendilhação é a cláusula 5.2.3(3) do Eurocódigo 6: “Nos casos em que a armadura é colocada em juntas de assentamento para controlar a fendilhação ou para garantir uma certa ductilidade, a área da armadura não deve ser inferior a 0.03 % e, em condições normais, o espaçamento vertical não deve exceder 600 mm”. A armadura de junta tem de cumprir a norma europeia EN845-3, obedecendo a requisitos mínimos para protecção à corrosão (aço galvanizado ou inoxidável) e para aderência, ver Figura 16. Salienta-se, em particular, que a utilização de varões correntes é totalmente desaconselhada, resultando num desempenho inadequado face à durabilidade e aderência.

(a) (b)

(c) (d) Figura 16 : Tipos de armadura para juntas de alvenaria: (a) armadura em escada, (b) armadura

em treliça, (c) malha entrelaçada e (d) rede de metal distendido.

P.B. Lourenço 97

3.2.1. Novo Estádio José Alvalade (Sporting Clube de Portugal) Detalha-se a seguir as soluções utilizadas no novo estádio do Sporting Clube de Portugal (Instalações Sanitárias, Clínica e afins). Os materiais utilizados são os seguintes:

• Blocos em betão 50 × 20 × 20 da empresa Verdasca - Grupo 2b (EC6) e resistência normalizada à compressão de 7.3 MPa. Admite-se que a junta de assentamento possui uma espessura de 1.5 cm e a argamassa de assentamento será em traço 1:4 (em peso), com cimento 42,5 (admite-se da Classe M6).

• Armadura de junta do tipo Murfor, em aço A500 galvanizado, com 2 varões de 5 mm e afastamento de 0.15 m (RND/Z.5-150).

• Os pilaretes serão realizados com betão da classe C16/20 (B20) e armadura da classe A500NR.

As paredes das instalações sanitárias possuem um vão de 10.40 m e uma altura de 4.40 m, com aberturas para as portas de acesso às mesmas, ver Figura 17a. Na Figura 17b representa-se a solução de execução prevista inicialmente, que incluía um cinta e um montante aparente, bem como uma cantoneira e ferrolhos para realizar a ligação destes elementos da parede à estrutura de contorno em betão armado.

(a)

1

2

4 4

3

4

Legenda: 1- Cinta com 4φ10 e estribos φ[email protected]; 2 - Pilarete com 4φ10 e cintas φ[email protected]; 3 - Cantoneira L75×75×8; 4 - empalme de 4φ10 chumbados no betão

(b) Figura 17 : Paredes de acesso às instalações sanitárias: (a) arquitectura; (b) solução prevista.

98 Concepção e projecto para alvenaria Na Figura 18a ilustra-se a solução adoptada, com recurso a armadura de junta. As vantagens da solução alternativa adoptada são significativas. A armadura de junta é introduzida na argamassa, não conduzindo praticamente a alterações no processo de construção tradicional de alvenaria. Desta forma obtém-se um material homogéneo, com características adequadas para limitar as patologias associadas à fissuração generalizada, e com propriedades resistentes às acções referidas. As outras vantagens relativamente à solução proposta em projecto, incluem a dispensa da necessidade de utilização de bloco distintos para realizar a viga-cinta (bloco em U) e para realizar o montante não aparente (bloco de duas células abertas), a dispensa de preencher os reforços de betão e a dispensa de armar estes elementos, de que decorre uma maior rapidez de execução e uma maior racionalidade da construção. Na Figura 18b ilustra-se o modelo de cálculo adoptado para as acções normais ao plano da parede.

1

2

2

2

3

4 4

Legenda: 1- Uma armadura RND/Z.5-150 na base da parede; 2 - Uma armadura RND/Z.5-150 cada 3 fiadas (ou cada 0.645 m); 3 - Dez armaduras RND/Z.5-150, 4 - Dois ganchos LHK/S 170

(a)

PV PV PV

PH

(b)

Figura 18 : Paredes de acesso às instalações sanitárias: (a) solução alternativa adoptada e (b) modelo de cálculo.

Para os panos de parede com elevado desenvolvimento em planta (superiores a 30 m), a solução proposta baseou-se na colocação de montantes de betão armado inseridos em blocos de duas células abertas. Atendendo a que se utilizou armadura de junta, foi possível aumentar

P.B. Lourenço 99

significativamente a separação entre os montantes. Atendendo à irregularidade dos vãos das paredes, foram calculados painéis “tipo”, indicando-se o vão máximo que cada solução consegue vencer. Em função destes resultados, a obra foi preparada, analisando o vão livre de cada painel e optimizando a solução face a esse mesmo vão livre (i.e. entre paredes transversais ou pilares). Foram utilizadas as seguintes soluções tipo (altura máxima das paredes h < 4.40 m), ver também Figura 19:

• Espaçamento dos montantes até 7.4 m, sem apoio no topo Armadura de junta (em geral): RND/Z.5-150, cada 3 fiadas (0.645 m) Armadura na base: 3 fiadas consecutivas Montantes (4φ16+φ[email protected])

• Espaçamento dos montantes até 7.4 m, com apoio no topo Armadura de junta (em geral): RND/Z.5-150, cada 3 fiadas (0.645 m) Armadura na base: 3 fiadas consecutivas Armadura no topo: 2 fiadas consecutivas Montantes (4φ10+φ[email protected])

• Espaçamento dos pilaretes até 9.0 m, com apoio no topo Armadura de junta (em geral): RND/Z.5-150, cada 2 fiadas (0.43 m) Armadura na base: 4 fiadas consecutivas Armadura no topo: 2 fiadas consecutivas Montantes (4φ10+φ[email protected])

1

2

1

2

1

2

2

2

3

L < 7.40m

H < 4.40m

Pilarete

4φ10

φ[email protected]

Poliestireno 3 Cantoneiras

Legenda: 1- Três armaduras RND/Z.5-150 na base da parede; 2 - Uma armadura RND/Z.5-150 cada três

fiadas (ou cada 0.645m); 3 - Duas armaduras RND/Z.5-150 no topo da parede

Figura 19 : Exemplo de uma das soluções tipo realizadas no novo estádio do Sporting. Na Figura 20 apresentam-se algumas fotografias da execução, num total de 5.000 m2 de parede com as soluções descritas, em Agosto de 2002.

100 Concepção e projecto para alvenaria

(a)

(b)

(c)

(d)

Figura 20 : Novo estádio do Sporting Clube de Portugal: (a) Aspecto geral do estádio e das paredes (Julho de 2002); (b) execução de uma junta com a armadura pronta para inserção

a meia altura da junta horizontal; (c) aspecto dos ganchos de suporte das vergas; (d) aspecto final das paredes das instalações sanitárias.

3.2.2. Novo Estádio da Luz (Sport Lisboa e Benfica) A solução a adoptar para as paredes no estádio da Luz é semelhante à referida anteriormente. As paredes estão a ser realizadas com blocos em betão 50 × 20 × 15 m (Grupo 2b e resistência à compressão de 6.2 MPa). A argamassa de assentamento é pré-doseada (classe M10). A armadura de junta a adoptar será do tipo Murfor, em aço A500 galvanizado, com 2 varões de 4 ou 5 mm e afastamento entre varões longitudinais de 0.10 m, respectivamente RND/Z.4-100 e RND/Z.5-100. As soluções tipo adoptadas para um vão de 7.0 m são:

1. SOLUÇÃO 1 – Altura do pano de parede (h < 4.30 m) Armadura de junta (em geral): RND/Z.4-100, cada 2.5 fiadas (0.525 m). Na prática, alternar cada 2 fiadas (0.42 m) e 3 fiadas (0.63 m). Armadura na base: 3 fiadas consecutivas 2. SOLUÇÃO 2 – Altura do pano de parede (4.30 m < h < 6.30 m) Armadura de junta (em geral): RND/Z.5-100, cada 3 fiadas (0.63 m). Armadura na base: 3 fiadas consecutivas

No Quadro 3 apresenta-se a folha de cálculo que conduziu ao dimensionamento indicado para a Solução 1. No total serão construídos cerca de 20.000 m2 de parede com as soluções propostas.

P.B. Lourenço 101

Quadro 3: Exemplo de dimensionamento com folha de cálculo (1/3)

Prof. Doutor Eng. Paulo B. LourençoUniversidade do MinhoDescrição: Parede com 7.00m (L) x 4.30m (H) x 0.15m (W)

Blocos creme 50x20x15 com 1.5 cm de junta horizontal de assentamentoPeso dos blocos Pb (indicação do fornecedor) 14.5 kgEspaçamento horizontal sh 0.50 mEspaçamento vertical sv 0.215 mÁrea da junta horizontal (por bloco) Ahb 0.0040 mÁrea da junta vertical (por bloco) Avb 0.0009 mResistência média (fornecedor) fb,f 6.2 MPaFactor de correcção δ do EC6 (Tabela 3.2) 1.25Resistência normalizada à compressão fb

7.75 MPaVolume de furos 50.0%Grupo do EC6 (Tabela 3.1) 2b

Argamassa SECIL MartingançaTraço em peso n.a.Classe da argamassa M10Peso Volúmico γa (majorado de 10% para tomar em consideração a armadura de junta)

2090 kg/m3

Cálculo das propriedades da alvenariaResistência à compressão normalàs juntas horixontais fk , com K = 0.5

3.37 MPa3.37 GPa

Resistência à compressão paralelaàs juntas horizontais fkh = 0,3 fk = 1.01 MPa

Resistência ao corte fvk

0.20 MPa

Resistência à flexão na direcção normalàs juntas horizontais fxk1 (BS5628) 0.18 MPa

Resistência à flexão na direcção paralelaàs juntas horizontais fxk2 (BS5628) 0.43 MPa

Armadura do tipo BEKAERT MurforTensão de cedência fyk 500 MPa

Geometria e peso da paredeComprimento l 7.00 mEspessura t 0.15 mAltura h 4.30 mPeso específico por m2

1.74 kN/m2

Coeficientes de segurançaCoeficiente de segurança das acções γf 1.5Coeficiente de segurança da alvenaria γM 2.5Coeficiente de segurança do aço γs 1.15Coeficiente de segurança do betão γc 1.5

=×= δfbb ff ,

=

×+×+×

×=havb

vahbvhb

sAsAssP

p/

/)/(81,9

γγ

== 25.065,0. mbk ffKf== kk fE .1000

=+=+

=b

vkvk f

ff

065,02,002,04,0

min 0 σ

102 Concepção e projecto para alvenaria

Quadro 3: Exemplo de dimensionamento com folha de cálculo (2/3)

Acção Vertical na ParedeAcção uniformemente distribuída pv = 0 kN/m2

Acção do VentoPressão uniformemente distribuída pw = 0.21 kN/m2

Cálculo da Acção SísmicaCoeficiente sísmico (máximo 0.22, RSA) 0.38 kN/m2

1. Distribuição de momentos flectoresOs valores dos momentos flectores são calculados de acordo com o Eurocódigo 6

Suponhamos que é utilizada armadura com 5 mmcom afastamento 0.63 mou cada 3 fiadasA largura da armadura é de 0.10 mA altura efectiva d é de 0.125 m

1a. Cálculo do momento resistente característico na direcção paralela às juntas horizontaisO valor da armadura proposta de flexão As = 0.31 cm2/mO valor do momento resistente característicoé de 1.8 kN*m/m

c/ z < 0,95d, igual a 0.117 m

1b. Cálculo do razão de ortogonalidade entre momentos resistentes característicosA razão de ortogonalidade µ entre as resistências características à flexão, vale

0.38

Da tabela, para a razão h / l = 0.90obtém-se um valor de α = 0.056

Os momentos flectores são dados por normal às juntas 1.58 kN*m/mparalelo às juntas 0.59 kN*m/m

1c. Verificação da armadura colocadaO valor da armadura proposta de flexão As = 0.31 cm2/mO valor do momento resistente característico

é de 1.6 kN*m/m OK

c/ z < 0,95d, igual a 0.108 m

1d. Verificação da armadura mínimaO valor da armadura mínima para controlo da fendilhação é de 0.03% (ambas as faces) 0.45 cm2/m

O valor da armadura colocada é 0.62 cm2/m OK

1e. Verificação das tensõesA resistência ao corte tem de cumprir

0.03 MPa OK

As tensões de tracção na direcção normal às juntas horizontais valem a meio vão

0.18 MPa OK

== zfAM yksRk ..

=

−=

k

yks

fdbfA

dz..

.5,01

== 21 ... lpM fSd αγ

== 22 .... lpM fSd αµγ

=

−=

sk

Myks

fdbfA

dzγγ.....

5,01

==s

yksRd

zfAM

γ..

=>db

Vf msd

vk ..γ

=+−= 22 6...

2/.9.0tb

Mhp

MfvM

γγγσ

P.B. Lourenço 103

Quadro 3: Exemplo de dimensionamento com folha de cálculo (3/3)

2. Verificação do efeito de arco entre os apoiosA parede possui rigidez elevada face à laje. Desta forma é necessário, efectuar o dimensionamento para o funcionamento em arco entre os apoios

O momento máximo aplicado de cálculo vale

100.85 kN.m

e o esforço transverso máximo de cálculo vale

57.63 kN

2a. Cálculo de armaduraA razão de l /h é igual a 1.11Para l/h > 2, podemos adoptar a teoria das peças lineares (z=0,8h) mas para l/h < 2, a parede deve ser dimensionada como uma viga-parece com braço z (REBAP), dado por

Neste caso, temos que o braço z = 3.885 m

Considerando a reduzida deformabilidade das vigas paredes, adopta-se um valor reduzido para a tensão de cedência (fyk = 400 MPa). O valor da armadura As a colocar na parte inferior da parede é igual a

0.75 cm2 3 fiadas de RND/Z.5-100

2b. Verificação de corteA resistência ao corte tem de cumprir

0.03 MPa OK

==8.. 2lhpM fSd γ

==2

.. lhpV fSd γ

).3.(15,0 hlz +=

==

=)400.(

.MPafz

MAyk

sSds

γ

=>ht

Vf msdvk .

3.2.3. Odivelas Parque A solução proposta para as paredes no Odivelas Parque é semelhante à referida anteriormente. As paredes estão a ser realizadas com blocos em betão 50 × 20 × 20 m, com vãos correntes de 12.0 m e alturas correntes de 5.80 m. As anomalias em construções semelhantes resultaram na prescrição de paredes de alvenaria fortemente armadas, ver Figura 21. A solução prevista contempla montantes com 4φ10 e cintas de φ6@20 afastados no máximo de 3.0 m e cintas com igual armadura colocadas cada 5 fiadas (ou 1.20 m). Adicionalmente, foram previstos ferros embebidos na laje, a cada 0.40 m. A solução prevista contempla uma viga-cinta de 0.20 × 0.20 m2, com Asl = 4φ10 e Ast = φ6@20 cada 1.20 m. Por metro quadrado de parede, resulta um peso Msl = 4 × 0.785 cm2 × 1 m × 7700 kg / 1.20 m = 2.01 kg e Mst = 5 × 0.283 cm2 × 0.65 m × 7700 kg / 1.20 m= 0.59 kg, num total de 2.61 kg de aço / m2 de parede. Por metro quadrado de parede, resulta um volume Vc = 0.14 m × 0.17 m × 1 m / 1.20 m = 0.0198 m3 de betão /m2 de parede. Desta forma, o custo adicional da viga-cinta prevista por m2 de parede, relativamente a uma parede de alvenaria

104 Concepção e projecto para alvenaria corrente, pode ser estimado em 2.61 kg × 0.78€ (0.65€ × 1.20, face à dobragem e amarração) + 0.0198 m3 × 99.0€ (betão C20/25, S4, agregado máximo 12.5 mm) = 4.0 € / m2 de parede.

Figura 21 : Odivelas Parque – Aspecto da solução-tipo para as paredes de alvenaria (prevista).

A solução prevista contempla ainda um montante vertical idêntico à viga-cinta, cada 3.00 m. O custo adicional é de 1.6 € / m2 de parede. Adicionalmente, tem de ser tomado em consideração o custo da colocação dos ferros embebidos na laje e o custo adicional dos blocos de alvenaria tipo lintel (bloco em U) e tipo montante (bloco de 2 células abertas), que se vai admitir igual a 2.0 € / m2 de parede. A alternativa proposta, semelhante às soluções adoptadas nos novos estádios da Luz e de Alvalade, conduz a um custo de apenas 2.8 € / m2 de parede. Nestes valores não se incluem os ganhos de produtividade significativos com a solução alternativa, que são da ordem de 1 para 2 (alternativa proposta vs. solução prevista), e vão ser admitidos iguais 0.45 h / m2 de oficial (10.5 € / h) e 0.27 h / m2 de servente (8.0 € / h). Estes valores conduzem a uma poupança adicional igual a –6.9 € / m2 de parede. De acordo com os valores referidos, para 20.000 m2 de parede, a alternativa proposta conduz a uma economia igual a [ (4.0 + 1.6 + 2.0) – (2.8 – 6.9) ] euros / m2 × 20.000 m2 = 234.000 euros, sendo a parcela mais significativa associada ao ganho de produtividade de mão de obra.

P.B. Lourenço 105

4. INVESTIGAÇÃO RECENTE NA UNIVERSIDADE DO MINHO 4.1. Modelos de simulação para alvenaria A alvenaria é um material compósito constituído por blocos e juntas de argamassa. Uma análise detalhada, denominada micro-modelação, inclui as juntas e os blocos modelados separadamente. Neste caso, os blocos são representados por elementos contínuos enquanto que as juntas são representadas por elementos descontínuos. Uma outra possibilidade, denominada macro-modelação, é não fazer distinção entre os blocos individuais e admitir que a alvenaria é um material anisotrópico contínuo. Os micro-modelos são aplicáveis em detalhes ou em elementos estruturais de pequena dimensão, em que a interacção entre os blocos e as juntas condiciona fortemente a resposta. Na prática, em estruturas de dimensão apreciável, não é possível modelar cada bloco e cada junta separadamente, pelo que os modelos a utilizar terão de considerar o material como um contínuo, estabelecendo-se uma relação entre tensões médias e extensões médias na alvenaria. O trabalho em curso pretende contribuir para melhorar o conhecimento de estruturas de alvenaria através do desenvolvimento de métodos numéricos sofisticados, capazes de prever o comportamento de uma estrutura desde o estado elástico, passando pela fendilhação e degradação até à perda completa de resistência. Apresentam-se, em seguida, alguns exemplos de aplicação. 4.1.1. Micro-modelação O exemplo apresentado é uma parede sujeita a corte. A parede é constituída por 18 fiadas de tijolo cerâmico maciço, das quais duas estão encastradas em vigas metálicas. Inicialmente, aplicou-se uma compressão vertical uniformemente distribuída de 0.30 MPa. Em seguida, a força horizontal F foi aumentada sob controlo do deslocamento d de forma confinada, i.e. mantendo as vigas de apoio superior e inferior horizontais e impedindo qualquer deslocamento vertical. No início do carregamento, desenvolvem-se fendas horizontais de tracção junto aos apoios inferior e superior mas, na rotura, é visível uma fenda diagonal em zigzag através das juntas e tijolos, em simultâneo com esmagamento das zonas comprimidas da alvenaria. Os diagramas carga-deslocamento obtidos numericamente e experimentalmente estão reproduzidos na Figura 22. Pode-se comprovar que o comportamento experimental é reproduzido satisfatoriamente e a estimativa da carga de colapso é aceitável. As diminuições bruscas de carga obtidas na análise numérica são devidas à abertura completa de uma fenda através de um tijolo. As paredes comportam-se de uma forma bastante dúctil, o que parece confirmar a ideia de que a alvenaria confinada pode sujeitar-se a deformações elevadas após pico com uma pequena redução de resistência, ver também [9].

106 Concepção e projecto para alvenaria

Experimental

d Numérico

F

Figura 22 : Simulação de uma parede sujeita a esforços de corte: diagrama força-deslocamento

e resultados da simulação numérica 4.1.2. Macro-modelação A Figura 23 apresenta os resultados da simulação de um painel submetido a uma acção normal ao plano do painel (representativa da acção do vento ou sismo). O painel está simplesmente apoiado lateralmente, encastrado na base e livre no topo, e a abertura simula a existência de uma janela. A forma de rotura obtida inclui, na parte inferior, fendas diagonais, com origem nos cantos inferiores do painel e uma fenda transversal no eixo de simetria do painel, e, na parte superior, uma fenda longitudinal na base do painel. Esta forma de colapso está de acordo com os resultados experimentais, ver também [10].

Figura 23 : Resultados da simulação de um painel submetido a uma carga uniforme para fora

do plano: fendilhação prevista pelo modelo na (a) face inferior e na (b) face superior. 4.1.3. Comportamento cíclico Os modelos numéricos descritos nas secções anteriores encontram-se em fase de desenvolvimento para solicitações cíclicas [11]. Na Figura 24 ilustram-se as potencialidades de um micro-modelo já desenvolvido, apto para reproduzir ensaios experimentais reputados sob cargas cíclicas.

P.B. Lourenço 107

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0 1 2 3 4 5 6Deslocamento normal (normalizado)

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-1.2

-1.0

-0.8

-0.6

-0.4

-0.2

0.0-3.0 -2.5 -2.0 -1.5 -1.0 -0.5 0.0

Deslocamento normal (normalizado)

Tens

ão n

orm

al (n

orm

aliz

ada)

x

������� ExperimentalNumérico

(a) (b)

Figura 24 : Ensaios uniaxiais cíclicos : (a) tracção e (b) compressão. 4.2. Caracterização experimental da alvenaria e seus componentes A Universidade do Minho possui actualmente equipamento sofisticado que permite caracterizar a alvenaria e os seus componentes. Citam-se como exemplos, ver Figura 25 e [11-15], ensaios de tracção uniaxial directa, corte, compressão uniaxial e compressão / tracção biaxial. Os equipamentos disponíveis permitem realizar ensaios sob controlo de deslocamento para forças na ordem da centena de quilos, necessárias para efectuar ensaios de tracção em unidades para alvenaria ou ensaios de corte em juntas, bem como forças na ordem das centenas de toneladas, necessárias para ensaios de compressão em provetes de alvenaria. O equipamento para ensaios biaxiais, em fase de desenvolvimento, é único no país, permitindo caracterizar convenientemente a anisotropia da alvenaria. 4.3. Panos de enchimento em alvenaria em estruturas porticadas No conjunto pórtico preenchido com alvenaria, a rigidez do pórtico é aumentada devido à introdução da alvenaria, e o confinamento do painel pelo pórtico faz com que a alvenaria possa suportar cargas e atingir deformações significativas. Neste contexto, a Universidade do Minho tem conduzido investigação em cooperação com a Universidade Federal de Minas Gerais, a Universidade Federal de Viçosa e a Universidade de São Paulo, Brasil [16-18]. Neste sentido foram realizados diversos ensaios experimentais que permitiram validar uma ferramenta numérica para análise paramétrica, ver Figura 26. Em função dos resultados experimentais e do estudo paramétrico foi possível propor um modelo de dimensionamento de paredes de enchimento em pórticos submetidos a acções horizontais, baseado em modelos escora-e-tirante que conduz a excelentes resultados [18].

108 Concepção e projecto para alvenaria

-5000

-4000

-3000

-2000

-1000

0

1000

2000

3000

4000

5000

-0.5 -0.4 -0.3 -0.2 -0.1 0 0.1 0.2 0.3 0.4 0.5

Deslocamento Horizontal em mm (a) (b)

(c) (d)

(e) (f) Figura 25 : Exemplos de alguns equipamento e ensaios recentes : (a) equipamento para tracção

directa e corte; (b) resultados de ensaios de corte sob carga cíclica; (c) resultados de ensaios sob tracção directa; (d) provetes ensaiados sob compressão cíclica; (e) esquema de ensaio

para corte; (f) equipamento para ensaios biaxiais (em desenvolvimento) .

4.4. Cascas em alvenaria armada Este projecto, financiado pela União Europeia (ISO-BRICK) e com a participação da empresa portuguesa J. Monteiro & Filhos, Lda, tem como objectivos definir a tecnologia de fabrico e

P.B. Lourenço 109

construção de coberturas em cascas de alvenaria armada, bem como, software para a modelação estrutural e projecto. As soluções a propor serão baseadas nas coberturas em cascas de alvenaria armada construídas desde 1950 na América do Sul e na Europa pelo famoso arquitecto Eladio Dieste (com vãos até 50 m), ver Figura 27. O trabalho realizado desde Novembro de 2001, inclui ensaios de caracterização mecânica (tracção directa na junta, corte na junta e tracção sobre rede de metal distendido), ensaios sobre cascas de alvenaria em tamanho real e desenvolvimentos tendo em vista uma pré-fabricação parcial.

Figura 26 : Exemplos de resultados experimentais e numéricos

de paredes de enchimento [16-18].

(a) (b)

Figura 27 : Projecto ISOBRICK: (a) exemplo de arquitectura com cascas de alvenaria armada de Eládio Dieste e (b) solução industrial em desenvolvimento com

vários parceiros europeus, na feira Construmat em Barcelona. 5. CONCLUSÕES Estudos técnico-económicos efectuados em Portugal indicam claramente o interesse em considerar a hipótese de utilização de paredes resistentes em alvenaria para edifícios de pequeno e médio porte. A experiência recolhida em projectos concretos parece demonstrar que é necessário um investimento dos industriais no sentido de proporcionarem soluções de blocos / tijolos adequadas a este fim, salientando-se a rapidez de execução associada a esta solução

110 Concepção e projecto para alvenaria construtiva. Salienta-se ainda o interesse significativo que a solução estrutural recolhe noutros países desenvolvidos e em vias de desenvolvimento, como uma mais valia técnica e como uma mais valia arquitectónica. Apresentaram-se ainda soluções, competitivas e com uma base de dimensionamento racional, que permitem a utilização sem anomalias de paredes de alvenaria sem função estrutural. 6. REFERÊNCIAS [1] Instituto Nacional de Estatística, III Recenseamento geral da habitação: CENSOS 91,

Lisboa, 1991. [2] The Masonry Society, Performance of masonry structures in the Northridge, California,

earthquake of January 17, 1994, EUA, 1994. [3] Oliveira, C.S. et al, Dez anos após o sismo dos Açores de 1 de Janeiro de 1980, SRHOP

Açores e LNEC, 1992. [4] Freitas, A.C.R., Viabilidade técnico-económica de construções novas em alvenaria de

pedra, Tese de Mestrado, IST, 2001. [5] Bezelga, A.A., Edifícios de habitação: Caracterização e estimação técnica-económica,

UTL-INCM, 1984. [6] Instituto Nacional de Estatística, Estatística da construção e obras públicas, Lisboa, 1994. [7] Rei, J.C.M., Edifícios de pequeno porte em alvenaria resistente: Viabilidade técnico-

económica, Tese de Mestrado, FEUP, 1999. [8] Lourenço, P.B., Dimensionamento de alvenarias estruturais, Relatório 99-DEC/E-7,

Universidade do Minho, Guimarães, 1999. [9] Lourenço, P.B., Computational strategies for masonry structures, Tese de doutoramento,

Universidade Técnica de Delft, Países Baixos, 1996. [10] Lourenço, P.B., Anisotropic softening model for masonry plates and shells, J. Struct.

Engrg., ASCE, 126(9), p.1008-1016, 2000. [11] Oliveira, D.V., Experimental and numerical analysis of interface behaviour in masonry

structures, Tese de doutoramento, Universidade do Minho, Guimarães, 2002. [12] Ramos, L.F., Análise experimental e numérica de estruturas históricas de alvenaria, Tese

de mestrado, Universidade do Minho, Guimarães, 2002. [13] Almeida, J.C., Caracterização da alvenaria submetida a esforços de tracção, Tese de

mestrado, Universidade do Minho, Guimarães, 2002. [14] Torres, J.C., Lourenço, P.B., Barros, J.A.O., Characterization of the shear behaviour of

stack bonded masonry, Relatório 02-DEC/E-10, Universidade do Minho, 2002. [15] Torres, J.C., Lourenço, P.B., Barros, J.A.O., Tensile testing of expanded metal sheets,

Relatório 02-DEC/E-11, Universidade do Minho, Guimarães, 2002. [16] Fonseca, G.M., Análise numérico experimental da interação conjunta pórtico alvenaria,

Tese de Mestrado, Universidade Federal de Minas Gerais, Brasil, 1999. [17] Oliveira, J.T., Contribuição ao estudo de pórticos metálicos enrijecidos com alvenaria, tese

de Mestrado, Universidade Federal de Minas Gerais, Brasil, 2001. [18] Alvarenga, R.C., Análise Teórico-Experimental de Estruturas compostas de Pórticos

Preenchidos com Alvenaria, Tese de Doutoramento, EESC, Universidade de São Paulo, Brasil, 2002.