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17 – Existem relacionamentos sem conflitos? – Não, porque as pessoas são diferentes umas das outras e isso resulta nas divergências que formam os conflitos. Regina briga muito com o marido por causa de dinheiro. Os dois trabalham e Marcelo ganha um pouco mais do que ela, mas gasta além do que ga- nha, alegando que precisa aproveitar as boas coisas da vida. Regina, para evitar dívidas, acaba pagando contas que caberiam a ele, mas fica revoltada com isso porque considera essencial ter uma reserva para as emergências. Os pais de Leonardo foram à escola pedir à diretora que mudasse o menino de turma porque dois cole- gas estavam implicando demais com ele. A diretora argumentou que esse problema já estava sendo tra- balhado em sala de aula e que o projeto pedagógico De onde surgem os conflitos? 1 O Bom Conflito_H.indd 17 O Bom Conflito_H.indd 17 3/7/2008 10:28:15 3/7/2008 10:28:15

Conflito

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    Existem relacionamentos sem confl itos? No, porque as pessoas so diferentes umas das outras e isso resulta nas divergncias que formam os confl itos.

    Regina briga muito com o marido por causa de dinheiro. Os dois trabalham e Marcelo ganha um pouco mais do que ela, mas gasta alm do que ga-nha, alegando que precisa aproveitar as boas coisas da vida. Regina, para evitar dvidas, acaba pagando contas que caberiam a ele, mas fi ca revoltada com isso porque considera essencial ter uma reserva para as emergncias.

    Os pais de Leonardo foram escola pedir diretora que mudasse o menino de turma porque dois cole-gas estavam implicando demais com ele. A diretora argumentou que esse problema j estava sendo tra-balhado em sala de aula e que o projeto pedaggico

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    da escola considerava importante desenvolver nas crianas a habilidade de resolver confl itos e en-frentar difi culdades. Leonardo continuou pressio-nando os pais a pedir uma mudana de turma para livr-lo dos meninos chatos, apesar da melhora do convvio aps o trabalho com a turma. Os pais, insatisfeitos com a postura da diretora, acabaram mudando Leonardo de escola.

    Luiz Carlos um comerciante bem-sucedido que comeou com uma pequena loja de cama e mesa no centro da cidade e atualmente est frente de oito lojas em diversos bairros. Quando seu fi lho Je-rnimo se formou em administrao de empresas, comeou a trabalhar no escritrio central e passou a criticar o pai, por achar antiquado seu modo de gerenciar as lojas. Aps um perodo de srios con-fl itos, em que Jernimo quase desistiu de trabalhar com o pai, Luiz Carlos aceitou algumas idias ino-vadoras do fi lho que resultaram em maior expan-so do negcio.

    Que diferenas no conceito de viver bem provocam tantos confl itos entre Regina e Marcelo com relao ao uso do dinheiro? Que aes a diretora da escola pode-ria ter utilizado com os pais de Leonardo para evitar que eles tomassem a atitude de tir-lo da escola? Como Luiz Carlos e Jernimo conseguiram conciliar diferentes vises de gerenciamento para que a cadeia de lojas prosperasse ainda mais?

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    As razes do confl itoO confl ito ocorre quando as duas partes acham que

    suas necessidades no podem ser satisfeitas simultanea-mente. O confl ito tambm surge quando ambas as partes desejam a mesma coisa, mas o acesso ao que desejado muito desigual.

    Os confl itos se originam de diferenas de:

    Valores (diferentes vises de certo/errado, diferentes estilos de vida, religies, cultura).

    Estruturas (desigualdade na distribuio de recursos, de poder, de autoridade).

    Defi nies de papis, de tempo, de dinheiro, de relaes (comunicao ruim, emoes fortes, compor-tamento, percepes, falta de confi ana).

    Informao (por falta ou erro, interpretao, mtodos de avaliao, interesses).

    Maiara e Luciana so scias de uma confeco e es-to se desentendendo. Maiara trabalha mais de dez horas por dia, preocupada com encomendas e entregas; Luciana, a estilista, no quer nem ouvir falar de fi car depois das cinco da tarde. As duas se complementam nas funes, mas tm fi losofi as de vida diferentes: uma quer trabalhar intensamente para alavancar a empresa, a outra quer vi-ver a vida com tempo para se divertir; uma quer expandir rapidamente o negcio, a outra acha que o que ganham sufi ciente e no est disposta a sair da zona de conforto.

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    Maiara est acumulando ressentimento; Luciana est im-paciente com as exigncias da scia. O clima entre as duas est tenso.

    O desafi o encontrar a rea de semelhana entre elas, apesar das divergncias, e colocar o foco no negcio: at que ponto a igualdade de carga horria fator fundamen-tal para avaliar a equivalncia de dedicao? Como es-colher bons critrios para avaliar a contribuio de cada uma para o crescimento da empresa? Quais as metas que querem alcanar?

    Os problemas so mais fceis de resolver quando:

    As partes tm muito em comum.

    As questes a serem tratadas so claras.

    Os recursos so adequados.

    H opes, incentivos e compromisso.

    Na abordagem de transformao de confl itos, v-se o problema imediato como expresso de um sistema mais amplo de padres de relacionamento construdos no de-correr do tempo. Por isso, a abordagem transformadora liga o presente ao passado. O objetivo criar novas estru-turas e maneiras de interagir no futuro. O problema atual como uma janela atravs da qual podemos ver os pa-dres do relacionamento e as razes do confl ito (contedo do confl ito X contexto emocional e relacional).

    Diferenas culturais precisam ser mais conhecidas e compreendidas para prevenir confl itos no convvio entre funcionrios de diversas nacionalidades nas empresas trans-

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    nacionais. Fechar negcios e parcerias entre latino-ame-ricanos, japoneses, chineses e rabes, por exemplo, exige habilidade para lidar com diferenas que podem constituir fontes de confl ito e de entraves para negociaes efi cazes.

    Porm, considera-se que as razes mais profundas dos confl itos interpessoais encontram-se nos confl itos inter-nos de cada uma das pessoas envolvidas. Por exemplo, o modo como uma determinada pessoa aprendeu em sua in-fncia a lidar com fi guras de autoridade: acatando as or-dens, questionando, rebelando-se, confrontando? Quanto isso colore sua maneira de lidar com os confl itos atuais com professores, chefes e demais autoridades?

    O colorido dos diversos pontos de vistaA percepo rege o comportamento: o modo pelo

    qual as pessoas olham para os fatos determina a maneira como agiro.

    bom lembrar que nossos rgos dos sentidos so extremamente limitados. Nossa viso, por exemplo, per-cebe uma parte bem pequena do espectro de luz, e o mesmo ocorre com a audio. Alm disso, nossas fl u-tuaes emocionais, caractersticas pessoais e histrias de vida so fatores determinantes na nossa percepo seletiva, parcial e fragmentada. Por isso, impossvel perceber corretamente a realidade dos fatos. Inevita-velmente, selecionamos alguns aspectos e nem sequer percebemos outros e damos pesos diferentes queles que conseguimos perceber.

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    Os condminos de um prdio comearam a achar es-tranha a alta rotatividade de porteiros e faxineiros, aps a eleio da nova sndica. Ningum era bom o sufi ciente: Nair olhava com lentes de aumento as defi cincias dos que conseguiam passar em seus rigorosos critrios de seleo. Valorizava to pouco as competncias dos funcionrios a ponto de nem investir em treinamento apropriado: ao pri-meiro deslize, preferia demiti-los. O olhar que privilegia as defi cincias gera aes diferentes das estimuladas pelo olhar que privilegia as competncias.

    Nossa viso de mundo pode entrar em confl ito com a maneira de outras pessoas enxergarem a mesma situa-o. Viso de mundo refere-se a estruturas que contm nossos valores, crenas e suposies, e que infl uenciam nossa identidade (a maneira como nos vemos); a partir da, construmos os signifi cados de nossas vidas e rela-cionamentos. A soluo efi caz para os confl itos precisa levar em conta essas diferenas, sejam elas conscientes ou no.

    Os confl itos surgem a partir das diversas vises dos diferentes atores. Por exemplo: o fi nanciador de projetos sociais quer maior quantidade de casos atendidos para que os resultados tenham mais visibilidade; as ONGs que-rem qualidade e, por conta disso, nem sempre possvel atingir a meta da quantidade. Com essa diferena de olhares, como avaliar a efi ccia dos projetos?

    Mesmo em situaes simples do cotidiano, a diferena de percepo pode resultar em impasses e confl itos. Eleonora, por exemplo, foi criada dentro da tradio de

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    estimular as crianas desde cedo a cuidar de seus per-tences, inclusive lavar as prprias meias, mas seu fi lho argumenta que ela o explora porque seus colegas no so obrigados a fazer isso. Confl itos de opinio ou de valores precisam de comunicao clara para que se descubram caminhos de consenso.

    O convvio entre pessoas de diferentes geraes no ambiente de trabalho (assim como na famlia) pode ser um foco de confl itos ou, por outro lado, representar a ri-queza da diversidade de vises de mundo, valores, metas de vida, expectativas. O que possvel aprender uns com os outros?

    Muitas vezes, o confl ito existe, mas no percebido nem reconhecido: o confl ito latente, que transparece no clima de tenso e insatisfao, intensifi cando a frus-trao, a desconfi ana e a desarmonia nos vrios nveis em que ele se instala (intrapessoal, interpessoal ou or-ganizacional). Ao contrrio do confl ito manifesto, que visvel e palpvel, o latente gera muitas correntes sub-terrneas porque as pessoas envolvidas preferem fazer de conta que o problema no existe, no manifestam claramente seu desconforto ou desagrado e pensam que falar sobre ele mais perigoso do que mexer em casa de marimbondos.

    Em muitas circunstncias, o racismo aparece como um confl ito latente e at mesmo negado (no Brasil no existe preconceito racial). Por um lado, alguns inte-grantes do Movimento Negro acumulam raiva e indig-nao; por outro, muitos segmentos da sociedade no

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    querem a relao explicitamente confl itante, temendo que isso seja negativo ou que v acirrar os nimos. A difi culdade consiste em ver o lado positivo do confl ito e o benfi co da raiva, para abrir caminhos de mudana.Muito esforo feito para manter o confl ito latente por medo de torn-lo manifesto e, portanto, explosivo; com isso, desperdia-se a oportunidade de transformar a sociedade, fazendo-a descortinar um novo patamar deconvivncia democrtica.

    Da mesma forma, na dcada de 70, o movimento fe-minista liderou campanhas que muito contriburam para a visibilidade dos episdios de violncia contra a mulher, denunciando o machismo e a ilegitimidade da percepo deque a defesa da honra do homem mais importante do que a vida da mulher. Confl itos que permaneciam latentes e encobertos pelo silncio passaram a ser mani-festos (embora ainda aconteam inmeros episdios de violncia que continuam guardados entre quatro paredes, por medo e vergonha). Quando a sociedade considera inaceitvel lidar com confl itos conjugais e educar fi lhos de modo violento, isso acaba se traduzindo no campo jurdico: foi assim que a violncia domstica passou a ser considerada crime.

    A mudana na maneira de olhar o confl ito tam-bm altera o colorido da percepo. Muitos parecem insolveis porque as pessoas envolvidas empacam rigidamente em suas perspectivas. No entanto, quando conseguem redefiniro conflito, ao levar em considera-o as verdadeiras necessidades de cada um (por que cada um realmente quer o que diz que quer), a probabilidade

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    de encontrar solues satisfatrias para ambas as par-tes aumenta.

    As pessoas que sentem muita difi culdade de assumir a responsabilidade por seus atos tambm empacam em sua maneira de ver os acontecimentos, achando que elas esto certas e o resto do mundo est errado. Isso acontece com a maioria das pessoas violentas e agressivas e tambm com aquelas que se vitimizam e se sentem eternamente prejudi-cadas ou perseguidas: ela me provocou, por isso bati; eu no ataquei meu colega, apenas me defendi; ningum me compreende; ele acha que sempre sou culpada de tudo o que acontece de errado. A pessoa cabea-dura acha que os outros que precisam mudar e no consegue ver como a rigidez de sua postura intensifi ca os confl itos e a impede de colaborar para que o relacionamento melhore.

    Helosa Primavera, especialista em administrao pblica e gerncia social, sintetiza bem os pontos princi-pais da mudana de paradigma na administrao efi caz dos confl itos: em vez de enfatizar o confl ito, valorizar e legitimar as diferenas; em vez de se preocupar em pesqui-sar culpas e justifi car falhas, procurar a prpria respon-sabilidade; em vez de se preocupar em descobrir quem tem razo, procurar determinar como poderemos obter melhores resultados; em vez de focalizar problemas, construir projetos. Podemos escolher para onde dirigir nosso olhar: nossa percepo tem um grande peso sobre nossas aes. Com isso, segundo essa autora, possvel transitar da cultura burocrtica (especializada em dar justifi cativas para o que no funciona bem) para a cultura gerencial (que produz resultados).

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    O manejo efi caz dos confl itos depende, em grande parte, da capacidade de perceber os diferentes pontos de vista, de ouvir com ateno as histrias contadas a partir de diversos ngulos e de aprimorar a sensibilidadepara ouvir as mltiplas vozes. Esse o ponto de partida para construir, em conjunto, caminhos melhores.

    Como surgem os confl itos destrutivos?Na encruzilhada dos confl itos, encontramos aqueles que

    podem se constituir em oportunidades de mudana e cresci-mento e aqueles que deterioram relacionamentos. Quais os fatores que contribuem para que um confl ito se torne destru-tivo e, na escalada das difi culdades, venha a se tornar intra-tvel? Como evitar que isso acontea? Embora um confl ito intratvel seja de difcil resoluo, h caminhos possveis para, pelo menos, preservar um relacionamento respeitoso.

    Incio considerado pelos vizinhos como uma pessoa de difcil convvio: mal cumprimenta as pessoas, insiste em fumar charuto no elevador, grosseiro com os porteiros e costuma deixar o saco de lixo aberto, espalhando mau cheiro no corredor. A vizinha do andar de baixo est com problemas de infi ltrao em seu banheiro e h duas sema-nas tenta falar com Incio, que, rispidamente, lhe diz que no tem nada a ver com isso e que no quer se incomodar com esse problema. Os vizinhos consideram Incio um su-jeito intratvel.

    Segundo Louis Kriesberg, quando pessoas ou grupos acreditam que seus objetivos so incompatveis entre si,

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    nasce o confl ito; cada um tenta impor sua vontade ao outro e isso conduz escalada do confl ito destrutivo; quando isso se acentua, o confl ito torna-se intratvel. A maioria dos confl itos contm elementos construtivos e destrutivos e a proporo deles pode variar no desenrolar do confl ito.

    A violncia ocorre quando no se consegue trans-formar o confl ito; a energia mobilizada , ento, usada de modo destrutivo. Os adversrios narram os aconte-cimentos na perspectiva de ns versus eles. O inimigo passa a ser o representante do mal: torna-se difcil per-ceber sua face humana.

    Quando se est mergulhado na prpria dor e nas pr-prias crenas, o confl ito se intensifi ca e no h espao para reconhecer o sofrimento do outro. Mas, quando os adversrios reconhecem a existncia de metas em comum, conseguem trabalhar juntos em cooperao. Por exemplo: no Frum das Famlias, trabalha-se com mes palestinas e israelenses que perderam seus fi lhos em combates e ataques terroristas. Deixam de ser inimigas e passam a ser aliadas, compartilhando a dor da perda e trabalhando pela reconciliao entre os dois povos.

    Um dos principais ingredientes da destrutividade a escalada do confl ito, que resulta do ciclo de provocaes e reaes hostis. O debate vai sendo progressivamente substitudo por confrontaes violentas com o objetivo de atingir o adversrio, em vez de pesquisar os interesses subjacentes que possibilitariam a construo do acordo. As posies fi cam cada vez mais extremadas e a disputa tratvel vai se transformando gradualmente num confl ito intratvel, com os grupos adversrios em p de guerra.

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    Os ataques pessoais so combustveis que intensifi -cam a escalada do confl ito. As pessoas atacadas reagem se defendendo ou retaliando, de modo muito mais intenso do que se o adversrio mantivesse o foco no problema. A vergonha e o sentimento de humilhao tambm so combustveis poderosos que alimentam confl itos, duelos e guerras.

    Infelizmente, em muitas sociedades, as pessoas recor-rem com mais facilidade ao uso da fora para lidar com os confl itos, em vez de desenvolver habilidades que per-mitam uma sada construtiva para os impasses, tais como o poder da persuaso efi caz, do ativismo no-violento e da construo de consenso.

    O que so e o que fazer com os confl itos intratveis?

    E o que fazer quando o confl ito no tem soluo? O mais importante acreditar que, mesmo quando o confl ito in-tratvel, possvel construir um relacionamento respeitoso.

    Os confl itos intratveis so resistentes resoluo, destrutivos, duradouros. s vezes atravessam geraes re-sistindo aos esforos de resoluo. Os exemplos comumente citados referem-se ao confl ito Israel-Palestina, discusses sobre aborto ou direitos de homossexuais. A abordagem precisa ser multifacetada e de longo prazo. Os confl itos intratveis tm efeitos nocivos, mas os adversrios no con-seguem sair deles, porque os custos de sair so maiores do que os de permanecer. Os mtodos de soluo, que funcionam

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    bem em outros tipos, so inoperantes quando o confl ito atinge esse patamar.

    Porm, apesar de o confl ito ser considerado intrat-vel, possvel fazer com que ele seja menos destrutivo, mesmo que nunca se chegue a um acordo fi nal satisfa-trio. Os adversrios podem aprender a conviver com as diferenas com menos hostilidade e violncia. Podem compreender as razes dessas diferenas, embora no seja possvel resolv-las. Quando se consegue criar um ambiente de escuta respeitosa, pessoas que apresentam posies radi-calmente opostas conseguem ultrapassar a barreira dos esteretipos negativos e alcanar pelo menos um nvel mnimo de compreenso. A empatia um ingrediente poderoso na reverso da escalada do confl ito, possibili-tando perceber o outro sem perder a prpria identidade.

    Uma das tticas de transformao de confl itos parti-cipar de projetos conjuntos que incluam pessoas que esto do outro lado, com o fi rme propsito de procurar a rea de interesse comum. Por exemplo, na questo do aborto, os grupos pr-vida e pr-escolha no vo mudar seus valores, mas o comportamento com as pessoas que pensam o contrrio pode mudar, tornando-se mais respeitoso. Desse modo, o confl ito pode continuar, mas torna-se menos destrutivo. perfeitamente possvel discordar de algum sem deixar de respeit-lo. Os dois grupos anta-gnicos podem at mesmo trabalhar juntos em progra-mas efi cazes de preveno da gravidez indesejada. Outro exemplo a discusso a favor ou contra as cotas raciais nas universidades: o ponto em comum a melhoria da qualidade do ensino fundamental para todos.

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    importante relembrar que a percepo infl uencia a ao: se as partes encaram o confl ito como intratvel, tendero a agir de modo extremado, como os homens-bomba. Porm, se as pessoas conseguirem transformar o confl ito destrutivo em construtivo, ser possvel encon-trar uma sada, mesmo que no cheguem a um acordo satisfatrio. Apesar disso, podero aprender a viver com essas diferenas irreconciliveis, com menos desconfi ana, hostilidade ou violncia; podem aprender a compreender as diferenas, mesmo que no concordem com elas.

    importante ressaltar que alguns confl itos, que eram considerados insolveis e intratveis, acabaram se resol-vendo. possvel reverter a escalada dos confl itos, como mostram alguns episdios que aconteceram em diferentes regies do mundo na dcada de 90: terminou a Guerra Fria entre Estados Unidos e Unio Sovitica; terminou o Apartheid na frica do Sul. Mas o caminho nem sempre fcil, como mostra o confl ito entre Israel e Palestina.

    H custos e benefcios no confl ito intratvel. Os custos so claros: morte, destruio, misria, humilhao, raiva, medo, alm do prejuzo da qualidade do relacionamento. Por outro lado, existem os benefi ciados, como alguns lderes que insistem em dar prosseguimento ao confl ito, mesmo quando h muitos prejudicados. Isso faz com que o confl ito continue intratvel, porque, para esses benefi -ciados, manter o confl ito melhor do que resolv-lo. Gui e Heidi Burgess desenvolveram o mtodo da confrontao construtiva para lidar com os confl itos intratveis, redu-zindo seu potencial de destrutividade: eles sugerem que os grupos envolvidos desistam do objetivo ideal de resol-

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    v-los e se concentrem em criar alternativas para lidar com os confl itos de modo mais construtivo.

    Reconhecendo que nem sempre possvel encontrar uma soluo satisfatria para todas as partes envolvidas, esses autores comparam os processos do confl ito destru-tivo com as doenas que atacam nosso corpo (no s dos indivduos, mas tambm de organizaes e das sociedades): algumas podem ser curadas quando tratadas no incio; com outras, s possvel um tratamento paliativo. Como na medicina, a preveno o melhor remdio. E, em muitos casos, o melhor que se pode conseguir a transformao construtiva das relaes confl ituosas.

    Nos confl itos intratveis, em que os adversrios esto empacados na desconfi ana recproca (ou nas respectivas posies), os mediadores e outros intermedirios desem-penham um papel essencial para facilitar as negociaes. Louis Kriesberg sugere vrias linhas de ao para que os mediadores facilitem a mudana do estilo da discusso. Por exemplo: No, de jeito nenhum! d margem per-gunta: Ento, qual a modifi cao que tornaria essa pro-posta aceitvel?. Isso signifi ca ir alm de simplesmente rejeitar uma proposta e pensar no que poderia torn-la aceitvel. Os mediadores, indo de um lado a outro, sabem o que cada lado quer, do que est disposto a abrir mo e o que no d para modifi car.

    Pedir desculpas e perdoar so fundamentais no processo de longo prazo de soluo de confl itos intratveis. So in-gredientes essenciais da reconciliao e da paz duradoura. Os violadores de direitos humanos devem assumir a res-ponsabilidade por seus atos e pedir desculpas a partir de re-

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    morsos sinceros por ter feito mal s vtimas. As pessoas que foram feridas ou humilhadas anseiam por um pedido de desculpas. Isso importante porque os confl itos intratveis deixam marcas profundas nos sentimentos de medo, raiva, mgoa, tristeza, mesmo bem depois de terminada a luta.

    Um pedido sincero de desculpas pode restaurar um relacionamento; no entanto, pedir desculpas de modo mecnico, apressado ou falso agrava o confl ito. Por outro lado, perdoar no esquecer, muito pelo contrrio: per-doamos algo de que nos lembramos. Pedir desculpas importante mesmo quando o ato violento foi praticado por indivduos ou grupos de geraes anteriores; foi o que Joo Paulo II fez quando pediu perdo pelos pecados cometidos pela Igreja Catlica ao longo da histria. Aprender a perdoar importante para manter em bom estado o tecido social e melhorar a sade individual e coletiva. No se apaga o passado, mas se muda o pre-sente e o futuro.

    No processo de reconciliao, os adversrios procuram examinar e transitar pela dor resultante do confl ito, en-contrando maneiras de conviver, construindo uma relao de confi ana e cooperao. Cada dor tem sua prpria travessia, e algumas delas so particularmente longas e rduas. H inmeros exemplos de projetos conjuntos que promovem o convvio entre faces inimigas: times de futebol com hutus e tutsis no Burundi; escolas bilnges para rabes e judeus, alfabetizados em ambos os idiomas; padarias nas Filipinas com empregados muulmanos e cristos. Esse trabalho conjunto estimula a reconciliao, a quebra dos esteretipos e a transformao do confl ito,

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    e pode, a partir da pequena rea do projeto, estender-se para mbitos maiores.

    Como evitar que os confl itos se tornem intratveis?

    Clareza de comunicao, esforos sistemticos para descobrir as reas comuns nas divergncias, viso sist-mica, recorrer mediao e arbitragem so medidas importantes na preveno dos confl itos intratveis, em famlias, escolas, empresas e comunidades. As aes feitas sob medida a partir de uma avaliao cuidadosa da situao so mais efi cazes do que receitas prontas que funcionaram em outras circunstncias, porque inspiram idias inovadoras na rea de gerenciamento de riscos.

    Em 2003, uma gangue atacou a fbrica do Rum Santa Teresa, na Venezuela: os gerentes deram aos membros da gangue a escolha de ir para a priso ou participar de um programa de trs meses de treinamento para serem admiti-dos na empresa. O programa foi ampliado para membros de outras gangues, como preparao para o mundo do trabalho, e se refl etiu na queda de 40% do ndice de criminalidade na regio, desmontando inteiramente algumas gangues. Com isso, a fbrica reduziu o risco e aumentou a segurana de modo muito mais efi caz do que as medidas convencionais.

    Com aes de mudana positiva de contexto, as par-cerias articuladas entre ONGs, empresas e os governos podem contribuir signifi cativamente para a construo da cidadania e para a reduo da violncia nas famlias, nas

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    escolas e nas comunidades. Foi o que aconteceu com os programas Comunidade Presente e Escola da Famlia, do governo de So Paulo. Com a deciso de abrir as escolas pblicas nos fi nais de semana como centros de convivncia para a comunidade, as equipes educacionais, devida-mente capacitadas, e um grupo de voluntrios passaram a coordenar atividades esportivas e culturais, ofi cinas de arte e qualifi cao para o trabalho. Com isso, houve uma expressiva reduo dos ndices de comportamentos violentos, tais como brigas de rua e depredao das escolas.

    Em empresas familiares, a difi culdade de fazer a in-tegrao entre a relao familiar e a de trabalho pode re-sultar em confl itos intratveis, que acabam colocando em risco a prpria continuidade da empresa. possvel evitar a escalada do confl ito antes que ele se torne intratvel buscando um entendimento claro do que acontece nessa teia de relacionamentos, para que seja possvel identifi car e combater os principais focos dos problemas que, comu-mente, esto em antigas rivalidades entre os irmos e na difi culdade de separar o papel de pai e o de presidente da empresa, assim como o de fi lho e o de profi ssional que ocupa um cargo executivo.

    Ressentido com o pai que o desqualifi ca perante outros diretores da empresa, Ricardo pensou em se demitir e abrir um negcio prprio. H tambm um relacionamento difcil com seu irmo, convidado pelo pai para assumir um cargo decorativo como vice-presidente o que, segundo seu ponto de vista, serve para encobrir a incapacidade do irmo para exercer outras funes, j que no se preparou adequadamente para o mercado de trabalho. Sentindo-se

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    preterido por ver o irmo como protegido, Ricardo perdeu o entusiasmo que inicialmente tivera quando assumiu o cargo;por outro lado, o irmo, percebendo que Ricardo respei-tado pelo pessoal da empresa em virtude da competnciaque demonstra em seu trabalho, sente-se desmotivadoe pouco faz pela empresa, chegando tarde e tratando os colaboradores com rispidez. Os mltiplos nveis do confl itointerpessoal resultaram em queda de produtividade da em-presa, que comeou a fi car defi citria. Foi preciso contratar um consultor especializado em empresas familiares para diagnosticar o problema e ajudar a formar consensos para melhorar a qualidade do relacionamento familiar, evi-tando que os confl itos se tornassem intratveis e revertendoo prejuzo para os negcios.

    Como atacar o problema sem atacar a pessoa?

    Comumente, nos queixamos: Ela me inferniza!, Ele azeda o clima de qualquer reunio!. Mas, na verdade, o que nos incomoda so alguns comportamentos que consi-deramos problemticos, no a totalidade da pessoa. Para resolver confl itos de modo mais efi caz, precisamos pensar: o problema o problema, no a pessoa.

    Isso acontece mesmo quando uma determinada pessoa,aparentemente, a principal causadora de tumultos no ambiente familiar ou de trabalho. Por exemplo: uma es-cola municipal, sob nova direo, adotou o estilo de ges-to participativa e, com isso, as decises passaram a ser

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    tomadas em consenso. Uma professora antiga, muito auto-ritria, com difi culdades de relacionamento, no coopera:entra muda e sai calada. Mas, como concursada, no pode ser dispensada. Constrangidos, muitos sentem medo dela; como tem alguns aliados que a defendem, o clima do grupo est fi cando pesado, porque ela acabafazendo o que acha certo, sem respeitar as decises tomadas por consenso.

    Qual o problema a ser atacado nesse caso? A difi -culdade de fazer a transio para um novo modelo de gesto. Qualquer mudana institucional gera essa mistura de desejo de melhorar e medo de que a situao piore, se complique ou d muito trabalho. A conduta resistente da professora expressa essa difi culdade: ela a porta-voz do medo da mudana que, em maior ou menor grau, todos sentem. Grupos e organizaes costumam rejeitar grandes mudanas que demandam transformaes signifi cativas na maneira de pensar e de agir, especialmente quando os modelos so impostos pela nova diretoria, sem que se faa o trabalho de amadurecer as propostas de mudana com a equipe.

    A difi culdade de defi nir o problema a ser atacado e, conseqentemente, centrar-se na busca de solues faz com que famlias ou equipes de trabalho continuem pa-tinando em crculos, perpetuando queixas, reclamaes e acusaes recprocas (mais do mesmo) que pioram o clima do relacionamento e no resolvem o problema. Luiz Fernando, gerente de projetos de uma empresa, colocou em sua sala um cartaz: Em vez de trazer reclamaes, traga solues. Ele enfatiza com sua equipe que s est disposto

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    a conversar sobre o problema uma nica vez: a partir da, os esforos se concentram sobre as solues possveis.

    Ao tentar responder pergunta: Qual o problema que precisa ser atacado? preciso ter habilidade para separar as pessoas do problema. Como diz William Ury, consultor sobre Negociao, isso signifi ca ser gentil com as pessoas e duro com o problema. Em outras palavras, aprender a atacar o problema sem atacar as pessoas. Quando as pessoas gastam muita energia se atacando, a briga se torna interminvel e o problema que elas querem resolver fi ca sem soluo.

    Em reunies de condomnio, comumente os nimos se exaltam e as pessoas se atacam, em vez de concentrarem seus esforos para descobrir o que fazer com relao s reas comuns e possveis danos (elevadores rabiscados, carros mal estacionados que invadem a rea de outros, som alto demais, saco de lixo aberto no corredor).

    Dentro de casa, o espao coletivo fonte de confl itos em que pessoas se atacam em vez de atacar o problema. Por exemplo: quatro pessoas precisam usar o banheiro da casa de manh cedo, antes de sair para a escola ou para o trabalho. Com freqncia, tentam resolver o problema socando a porta do banheiro ou xingando quem est demorando a sair. Mas o problema : como quatro pes-soas podem se revezar para usar o banheiro de manh cedo? O foco no ataque ao problema pode gerar solues mais efi cientes.

    Na esfera governamental, h uma infi nidade de exem-plos em que as autoridades se atacam e no resolvem os

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    problemas que afl igem a populao. No combate ao mos-quito transmissor de dengue, diante do incrvel aumento dos casos de pessoas infectadas, assistimos a discusses interminveis para determinar o culpado pela inefi cincia das aes. Quem o principal responsvel: o prefeito, o go-vernador ou o presidente? Afi nal, o mosquito municipal, estadual ou federal? Enquanto isso, o nmero de pessoas com dengue continua aumentando. O mesmo acontece com o despejo de esgoto: a Companhia de gua e Esgotos e a prefeitura trocam acusaes e a contaminao continua fa-zendo estragos. Mais do mesmo nas campanhas eleitorais: para conquistar votos, muitos candidatos atacam os adver-srios, em vez de apresentar seus projetos de governo.

    No entanto, quando h um esforo sincero para deixar vaidades, rivalidades e interesses pessoais em segundo plano, possvel construir uma estratgia suprapartidria para atacar problemas maiores que afl igem a todos, tais como a (in)segurana pblica. Por exemplo, quando go-vernadores de diferentes partidos se unem para traar um plano de ao coordenada com o objetivo de reduzir os ndices de criminalidade, a populao consegue ver alguma luz no fi m do tnel e renovar as esperanas de exercer o direito de ir e vir com mais tranqilidade.

    Mas nem tudo so espinhos: h tambm parcerias efi cientes entre os poderes, o terceiro setor e empresas conscientes de sua responsabilidade social. Quando esses esforos se somam, aumenta a possibilidade de construir acordos que transcendem as divergncias pessoais: pre-feito e governador que so adversrios ferrenhos podem se unir para atender o objetivo de trabalhar bem (ou, do

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    lado menos bonito, formar alianas convenientes para seus interesses pessoais).

    Na rea de famlia, tambm h possibilidades de passardo ataque recproco ao ataque dos problemas em comum. Por exemplo: o casal que antes se amava e, depois da sepa-rao, passou a se odiar, tenta superar suas divergncias para construir consensos quanto criao dos fi lhos.

    Aes simples podem facilitar o processo de separar as pessoas do problema: sentar lado a lado, diante de um quadro em que se escreve o problema, facilita a percepo de ns contra ele em vez de eu contra voc. Dessa forma, as pessoas conseguem deixar de ser adversrias para se tornarem scias do problema a ser atacado.

    Gandhi considerava seus oponentes como parceiros na busca de sadas justas para as disputas, e no como inimigos a serem humilhados ou derrotados.

    A escuta respeitosa um magnfi co recurso de co-municao, porque permite ir mais fundo no iceberg do confl ito. Considera-se que 50% do processo de re-solver confl itos depende da escuta. A partir da, pos-svel compreender, expressar sentimentos, ter empatia. William Ury sugere que, no papel de negociadores, con-ciliadores ou mediadores, para ir alm das aparncias no confl ito, preciso:

    Pesquisar os interesses subjacentes (necessidade de segurana, de reconhecimento; os valores no so negociveis, porm no costumam ser incompat-veis entre as partes).

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    Focalizar os interesses e no as posies (o que as pessoas dizem que querem, e isso negocivel).

    Transformar adversrios em aliados (scios do problema).

    Concentrar-se em criar alternativas (opes).

    Construir o acordo.

    O importante perceber que, por mais que o relacio-namento esteja complicado, essencial que os adversrios encarem o problema como uma tarefa a ser enfrentada em conjunto.

    E o que de melhor pode acontecer com Regina e Marcelo, Leonardo e seus pais, Luiz Carlos e Jernimo?

    No circuito interativo, o que um faz infl uencia o que o outro faz e vice-versa: quanto mais Regina se res-ponsabiliza pelas contas, mais Marcelo se sente livre para gastar no que lhe d prazer. Desse modo, estabelecem um crculo vicioso, em que o problema se cristaliza nas brigas interminveis. Talvez essas brigas estejam preenchendo outras necessidades que no esto muito aparentes (um jogo de me e fi lho ou o medo de ter uma relao afeti-va mais ntima); mas, se no for o caso, outros tipos de acordo podero ser mais efi cientes, como, por exemplo, o compromisso de colocar parte do dinheiro de ambos num caixa nico destinado a pagar os gastos fi xos, progra-

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    mar uma poupana compulsria para os gastos variveis e aproveitar a vida com o que sobrar.

    H pais que pensam que fazer tudo o que o fi lho deseja a melhor maneira de educ-lo. Tm difi culdades de per-ceber o valor de desenvolver na criana a habilidade de lidar com confl itos desde cedo, inclusive para conseguir transformar pessoas chatas em interessantes, superando as difi culdades de convvio. No caso de Leonardo, a equipeescolar promoveu aes nesse sentido, porm essa era ape-nas uma parte do problema. A outra era vencer a resistncia dos pais para perceber a necessidade do fi lho em aprender a construir acordos de convvio com os colegas cha-tos. As perguntas refl exivas so instrumentos preciosospara convidar as pessoas a pensarem mais a fundo e rever suas posies. Se a diretora examinasse com os pais de Leonardo como eles pensam em estimular no fi lho a capa-cidade de resolver confl itos, como imaginam que o meninose comportaria encontrando situaes semelhantes em outraescola, juntamente com outras aes para motivar os pais a serem parceiros das aes escolares, talvez Leonardo encon-trasse condies de desenvolver melhor sua intelignciade relacionamento.

    Integrar o relacionamento familiar com o trabalho nas empresas familiares um grande desafi o. As vises e as experincias de diferentes geraes muitas vezes se cho-cam; o fi lho sente que precisa se afi rmar como adulto e profi ssional competente e, nesse processo, pode querer jogar fora o beb junto com a gua do banho, criti-cando o que o pai empreendedor fez porque nem tudo coincide com o que aprendeu nos livros, com difi culdade

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    de reconhecer o que foi e ainda vlido; por outro lado, o pai que abriu o caminho pode estar com difi culdades de se atualizar e at mesmo de acompanhar a rpida mu-dana de cenrios e se aferra a mtodos que deram certo no passado, porm, deixaram de ser o melhor que pode ser feito na atual conjuntura. A necessidade de rever po-sies, a abertura para aprender com o fi lho e, juntos, se dedicarem ao objetivo comum (preservar a continuidade da empresa e torn-la melhor do que j ) podero esti-mular mudanas essenciais. Por parte de Jernimo, o re-conhecimento do valor do pai na histria da empresa at os dias atuais e, por parte de Luiz Carlos, a valorizao do empenho do fi lho em contribuir positivamente para o negcio, juntamente com a humildade de permanecer um eterno aprendiz, ajudaram os dois a superar a armadilha das crticas demolidoras e a construir uma parceria efi -ciente para o bem da empresa.

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