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Apresenta a o que é conflitos, conflitos socioambientais e histórico dos mesmos.
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Olympio Barbanti Jr. - Conflitos Socioambientais: Teorias e Prticas 1
CONFLITOS SOCIOAMBIENTAIS: TEORIAS E PRTICAS
Olympio Barbanti Jr. Professor-visitante Departamento de Economia Universidade Federal do Paran Introduo
Estudos sobre conflitos esto entre os mais antigos na histria do homem. Mesmo antes da
formao das escolas de pensamento na Grcia antiga, estrategistas de guerras elaboravam
suas teorias de pr-militares sobre formas de ataque e defesa. Ao longo da histria da
humanidade, diversos campos do conhecimento, da Psicologia Economia, contriburam para
a interpretao destas formas violentas de conflitos, como tambm de outras formas mais sutis
de embate entre indivduos, entre grupos sociais e, afinal, entre Estados.
Apesar da riqueza das contribuies, boa parte do debate terico ficou at recentemente
reduzido a dois conjuntos de contribuies oriundas majoritariamente dos campos da
Sociologia e da Economia Poltica. Lipset (1985), por exemplo, identifica esses campos como
sendo os das escolas de conflito e de consenso. O primeiro reuniria um conjunto de autores de
formao predominantemente marxista e neo-marxista, como Althusser e Gramsci, alm do
prprio Marx. O segundo campo seria o de escolas funcionalistas e de teorias de sistemas,
com suas razes em nomes como Durkheim e Talcott Parsons, por exemplo.
A diferenciao bsica entre esses dois grupos pode ser resumida pela passagem de Lipset,
segundo o qual o Marxismo, que pe em evidncia o conflito de classe e as contradies
estruturais como motores de mudana, entendido como diametralmente oposto ao
funcionalismo, com as premissas, supostamente conservadoras, de que tudo o que existe
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necessrio e de que os laos interdependentes entre instituies e prticas significam que as
conseqncias sociais da mudana social planejada so imprevisveis e muitas vezes
desastrosas (1985, p. 16). Nos dois casos h um essencialismo. A viso marxista acredita
que a fonte dos conflitos se encontra nas relaes socioeconmicas, que necessariamente
colidem entre si e com isso provocam a mudana do sistema capitalista. A viso funcionalista
credita a existncia dos conflitos natureza humana, e sustenta que possvel resolver
conflitos por meio da mudana nessas relaes.
No Brasil, a influncia da anlise marxista nas cincias Humanas e Sociais informou de
maneira decisiva a tnica e a direo das anlises sobre conflitos sociais, pelo menos at a
segunda metade da dcada de 80. A partir deste perodo, a queda dos sistemas polticos e
econmicos dos pases socialistas propiciou a busca de outros marcos tericos, ganhando
nfase os enfoques de consenso. Tais enfoques so compatveis com as preocupaes
ambientais que passaram a ter maior destaque no Brasil justamente no mesmo perodo.
Embora a defesa do meio ambiente seja justificvel em si mesma por razes ticas, ele
tambm possui uma raiz terica e prtica eminentemente liberal. A necessidade de se cuidar
dos problemas ambientais foi incorporada pelo discurso do establishment poltico e
empresarial capitalista em menos de uma dcada porque, em sntese, a destruio ambiental
compromete a reproduo do capital.
Embora o problema tenha sido identificado e reconhecido, sua incorporao lgica
econmica ainda parcial. A degradao ambiental ainda vista como uma externalidade aos
custos econmicos (Mota, 2001) na maior parte dos casos. Adicionalmente, outros valores
econmicos que podem ser considerados valores associados preservao ambiental no so
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contabilizados, tais como os valores de no uso associados preservao (Pearce e Turner,
1990). Apesar dessas limitaes, inmeras teorias e prticas de promoo do desenvolvimento
com preservao ambiental foram introduzidas internacionalmente nos ltimos quinze anos, e
colocadas em prtica no Brasil, especialmente nos programas e projetos de proteo s
florestas tropicais Amaznica e Atlntica.
Essas iniciativas foram ancoradas na idia de que vivel, e lgico, promover-se o
desenvolvimento sustentvel, pois o atendimento s necessidades das futuras geraes
depende de que hoje se faa uso racional dos recursos naturais existentes. Existem pois duas
suposies fundamentais na promoo do desenvolvimento sustentvel: a de que
economicamente racional e eficiente aderir ao mesmo, e a segunda de que uma atitude
humana racional subscrever sustentabilidade pois a ausncia de sustentabilidade coloca em
risco a reproduo da vida humana. Isto implica em que as relaes socioeconmicas no
sustentveis podem existir com base na defesa do interesse particular e imediato, mas no por
muito tempo. Uma mudana em direo a prticas sustentveis, com uma viso de interesse
comum, difuso, e de atendimento s necessidades futuras, seria inevitvel.
Esta viso, que ganhou ressonncia no movimento ambientalista brasileiro, sustentada pela
tese de que as idias so motores da prtica. Conforme notam Alonso e Costa (2000), esta
viso encontra respaldo no trabalho de Viola e Leis (1995) para quem a inevitvel expanso
da boa nova ambientalista faria convergir os diversos setores da sociedade em torno da defesa
da sustentabilidade. Para Alonso e Costa, nesta perspectiva analtica a questo ambiental
reduzida progressiva adeso dos atores a valores ambientalistas, resultando na suposio de
que dos valores comuns nasceria o consenso em prol de ideais de desenvolvimento
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sustentvel (p. 120). Segundo os autores, da viso de Viola e Leis deriva a interpretao de
que no haveriam conflitos ambientais, a no ser em um sentido: como conflitos de valor,
transitrios por definio, j que, uma vez esclarecidos, os atores tenderiam a aderir a prticas
sustentabilistas (Alonso e Costa, 2000, p. 120).
Trabalhos acadmicos desta natureza contriburam para que no Brasil a teoria e a prtica do
desenvolvimento sustentvel no tenha abordado at o momento, com a nfase necessria, a
questo de conflitos sociais tantos aqueles que j existem na sociedade como aqueles que de
alguma maneira so colocados em movimento pela introduo de prticas de
sustentabilidade. No momento, entretanto, existe um esforo de incorporao do tema conflito
na anlise de questes ambientais e na promoo de polticas pblicas e projetos ambientais.
Apesar de positivo, este esforo tem trazido consigo poucas contribuies tericas anlise
da relao entre promoo do desenvolvimento sustentvel e conflitos sociais.
A discusso desta questo est apresentada neste trabalho, que est organizado em trs partes.
A primeira analisa de que forma a relao entre conflitos sociais e os uso dos recursos
naturais (ou a chamada questo ambiental) tem sido abordada no pas, destacando-se uma
proposta de formulao de uma sociologia dos conflitos ambientais. Na segunda parte,
apresenta-se um breve histrico de conflitos sociais de repercusso internacional que
imprimiram novos rumos ao mundo, e se faz uma correlao com as respostas dadas pela
sociedade, em especial nos Estados Unidos, para a gesto destes mesmos conflitos. Procura-se
com isso mostrar como a gesto de conflitos surgiu e encontra-se claramente definida em
diversos campos das sociedades ocidentais. Na ltima parte analisa-se brevemente os quatro
principais campos tericos de estudos de conflito.
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Enfoques de Conflito e Meio Ambiente no Brasil
Uma das tendncias do momento pode ser chamada de instrumentalizao do tema. Nesta
tendncia, o uso da palavra conflito aparece dissociada de teorias de conflito.
Aparentemente, o termo conflito parece substituir o termo problema. O texto que se
referia a um problema ambiental hoje descreve um conflito ambiental. Um exemplo desta
tendncia a publicao de Theodoro (2002) Conflitos e Uso Sustentvel dos Recursos
Naturais, uma coletnea de dezoito textos dos quais nenhum apresenta uma discusso sobre
qual a perspectiva terica utilizada para se definir o que seja um conflito e, portanto, quais
so as variveis em anlise. Desta forma, as contribuies feitas por esta tendncia residem no
aspecto descritivo de projetos que possuam alguma dimenso conflituosa, ainda que se possa
argumentar que mesmo uma descrio deveria indicar qual o marco terico que ilumina o
problema.
Uma segunda tendncia a setorializao dos conflitos sociais no escaninho terminolgico
ambiental ou socioambiental. Alonso e Costa (2000) identificam os trabalhos de
Hannigan (1995) e Fucks (19996) como sendo contribuies oriundas do construtivismo, que
procuram explicar a existncia do conflito ambiental a partir da construo de uma percepo
social. Trata-se de uma dimenso cognitiva que configura determinadas questes como um
conflito e, especificamente, como ambiental. Ou seja, um conflito no algo dado em si,
existente, mas sim construdo nas relaes sociais. Tambm identificado o trabalho de
Pacheco (1992), que ainda segundo Alonso e Costa (2000), pe nfase na dimenso prtica de
como os conflitos ocorrem no embate entre atores sociais. Os autores destacam que Pacheco
define os conflitos ambientais a partir de trs componentes cruciais: ao (dos agentes
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envolvidos), determinao (dos processos estruturais) e mediaes (polticas e culturais)
(Pacheco et al., 1992, p. 49, apud Alonso e Costa, 2000, p. 125).
Ainda na linha de argumentao em favor da existncia de conflitos ambientais, Alonso e
Costa (2000) propem uma agenda de pesquisa para a construo de uma sociologia
especfica dos conflitos ambientais. Para tanto fazem uso da Cincia Poltica de Charles Tilly
(From Mobilization to Revolution) e da Sociologia Poltica de Sidney Tarrow (Power in
Movement). Os dois trabalhos possuem foco no processo de mobilizao social, com nfase
na anlise de poder. Embora em seu texto Alonso e Costa no cheguem a delinear com clareza
os contornos do que seria uma sociologia dos conflitos ambientais, os autores indicam que
esta faria grande proveito do quatro terico de Tarrow, que analisa o protesto (muito mais do
que um processo de negociao de conflitos) a partir de quatro conceitos bsicos.
O primeiro o de estruturas de oportunidades polticas, que refere-se ao contexto
sociohistricio no qual qualquer evento se localiza, privilegiando portanto uma anlise de
processo na qual o exerccio do poder fundamental. Este o gancho para o segundo
conceito, de lgica da ao coletiva, segundo o qual os agentes coletivos do processo
poltico interagem com o mesmo e assim se formam. O terceiro conceito o de estruturas de
mobilizao, que se refere s formas pelas quais os diversos grupos sociais se articulam e,
mesmo eventualmente em oposio, possuem graus variados de interdependncia. O quatro
conceito o de repertrio contencioso, que refere-se s formas de interpretao da realidade
que diferentes grupos sociais possuem, e que so influenciadas pelo contexto sociohistrico
em que vivem.
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A partir deste enfoque, os autores se propem a estudar o que eles chamam de uma
modalidade especfica de conflito social: o ambiental (Alonso e Costa, 2000, p. 127).
Certamente, esta anlise, como reconhecem os autores, encontra-se no nvel dos processos
polticos macrossociais, e possui o intuito de analisar a questo ambiental brasileira e
portanto o movimento e o discurso ambientalista. Embora os autores apresentem este trabalho
como tendo foco nos conflitos ambientais, parece talvez mais adequado caracteriz- lo como
um estudo de movimentos sociais em torno da chamada questo ambiental, a qual envolve
polticas pblicas e iniciativas privadas. Nas dinmicas sociais, polticas e econmicas destas
relaes surgem de fato conflitos, mas estes no so apenas conflitos entre movimentos
sociais, ou entre grupos sociais estanques. Conflitos envolvem interesses imiscudos que vo
do individual ao coletivo numa mesma dada situao. Uma teoria de processo poltico pode,
portanto, no ser suficiente para explicar o conjunto de elementos presentes em conflitos, tais
quais os psicolgicos. Disto decorre que uma nica disciplina do conhecimento pode no ser
suficiente para se analisar conflitos, principalmente aqueles relacionados promoo de
formas mais sustentveis de desenvolvimento, pois as diversas dimenses da sustentabilidade
implicam justamente num enfoque interdisciplinar.
Ademais, a caracterizao de um conflito como sendo ambiental implica em um recorte que
o exclui de outras categorizaes. O problema que uma chamada questo ambiental, por
exemplo, a extrao ilegal de madeira numa reserva indgena por ex-trabalhadores rurais sem
terra, pode envolver questes agrrias, trabalhistas, e de gnero, alm de outras vrias. Mas
este um conflito agrrio ou um conflito ambiental? Talvez o mais correto seja ento referir-
se a conflitos sociais e meio ambiente, e procurar uma compreenso terica mais ampla das
caractersticas essenciais desses conflitos sociais. De fato, a literatura sobre conflitos to
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vasta que h propostas de se formar um novo campo de estudos: o da teoria interdisciplinar de
conflitos.
Breve Histrico dos Conflitos Sociais e Respostas de Gesto1
Embora conflitos tenham estado presente na sociedade humana deste seu incio, parece ter
havido um conjunto de elementos que contriburam para a expanso de conflitos a partir de
cerca de 1800. Houve uma acentuada expanso da populao humana; um permanente
crescimento no conhecimento cientfico utilizado para a fabricao de armamentos; houve
tambm um enorme crescimento no Estado-Nao e conseqentemente na sua capacidade de
mobilizar recursos para controle social e violncia. Se de um lado esses elementos
contriburam, por exemplo, para eventos conflituosos do porte das guerras napolenicas, de
outro contriburam para o primeiro mecanismo de regulao de conflitos entre sociedades, que
foi o surgimento da diplomacia. Pela primeira vez se procurou aplicar uma viso analtica
racional para o entendimento e a gesto de conflitos, no caso o conflito entre naes.
Da mesma forma que os conflitos sociais cresceram, tambm cresceu a capacidade humana de
interpretar as e intervir em situaes conflituosas. Na metade de sculo XIX, a Revoluo
Industrial serviu de base para que Karl Marx produzisse uma poderosa anlise dos conflitos
entre classes sociais. Mais tarde neste sculo, o uso poltico de diferenas tnicas e
superioridade racial para justificar o colonialismo foram analisadas por Georg Simmel numa
teoria de conflitos inter-grupais. O mesmo colonialismo fez aparecer outra forma de gesto de
conflitos: o satyagraha, ou a resistncia no violenta, pregada por Ghandi. Esta linha de ao
1 A descrio de eventos histricos e seu relacionamento com conflitos foram retirados de anotaes de apresentao oral do professor Paulo Wehr, departamento de Sociologia, Universidade do Colorado, Boulder, 06 novembro de 2001.
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permanece nos Estudos da Ghandi Peace Foundation, e possui influncia considervel nos
estudos de paz, uma das disciplinas constituintes dos estudos de conflito.
A idia gandhiana de desobedincia civil reaparece na dcada de 1920, nos Estados Unidos,
na forma de greves gerais diante da enorme recesso econmica do momento. A configurao
de uma nova forma de conflito, o trabalhista baseado em direitos, fez surgir uma nova forma
de gesto: os processos de negociao coletiva, amparados por uma nova legislao que
garantia o direito as greve e associao sindical. As mesmas leis americanas da poca
tambm criaram o Servio (Federal) de Mediao e Conciliao. A anlise de conflitos
passou ento a fazer parte constituinte dos programas acadmicos de Relaes Industriais nos
EUA. Poucos anos depois, com o fim da Segunda Guerra Mundial e o incio da era atmica,
constituda a Organizao das Naes Unidas para, entre outras funes, compreender e
controlar conflitos internacionais. Paralelamente, foi criado o Peace Research Institute, em
Oslo, Noruega, o primeiro centro de estudos destinados inteiramente anlise de conflitos.
Aps a Guerra tem incio um perodo de expanso dos direitos civis, e temas de interesse
comum e difuso so regulamentados na sociedade americana, tais como os direitos tnicos,
dos portadores de deficincia fsica, os direitos relativos s diferenas de gnero e s questes
ambientais. Como resposta ao movimento negro no sul dos EUA, o governo americano cria o
Community Relations Division, para fazer a mediao de conflitos inter-raciais. Nas dcadas
de 1960 e 1970 surgem os processos de mobilizao social que procuram o empoderamento
de grupos desprivilegiados na sociedade americana. Power to the people e black power
so expresses desse empoderamento que resultou num grande aumento (da visibilidade) de
conflitos inter-grupais, inter-pessoais, entre indivduos e organizaes privadas e entre todos
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esses e o Estado. Com uma boa parte dos conflitos indo parar na Justia, esta se viu atolada e
inoperante. Surgiu ento uma forma alternativa de gesto de conflitos fora do sistema legal, o
sistema de Resoluo Alternativa de Disputas (Alternative Dispute Resolution - ADR).
Com o sistema ADR, aparecem novos mtodos de gesto, como a negociao entre partes, a
mediao independente e a arbitragem, alm de vrios outros mtodos hbridos. Nas dcadas
de 1970 e 1980 surgem centenas de programas acadmicos de estudos de conflito nos EUA,
enquanto empresas pblicas e privadas abrem servios de ombudsman (ouvidoria). Na dcada
de 1990 o campo de estudos de conflitos se intensifica nos EUA e em vrios outros pases,
com destaque para os europeus.
Este breve histrico da relao entre a histria de conflitos sociais e formas de gesto destes,
bastante centrada numa perspectiva americana, reconhece Wehr. No entanto, tem sido
justamente a academia americana e as prticas de gesto de conflitos oriundos da sociedade
americana os que mais tm influenciado a teoria e a prtica no campo de conflitos
internacionalmente, com algumas excees como, por exemplo, o estudo do terrorismo.
Wehr (2001), no entanto, salienta que da experincia americana podem ser retirados dois
princpios organizadores do debate que possuem ampla aplicao. O primeiro seria que
cada conflito significativo na histria do homem produziu uma reao nos nveis acadmico e
de gesto, no intuito de compreender e tentar frear as conseqncias perversas do conflito. O
segundo princpio seria que o conhecimento terico e prtico sobre conflitos possui trs
nveis, o do conflito entre Estados, entre grupos e entre indivduos. Embora o autor no tenha
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estabelecido uma relao entre esses trs nveis de conflito, o que parece ocorrer na realizada,
sua identificao merece uma anlise mais aprofundada.
Campos Tericos de Anlise de Conflitos
O conjunto de teorias que abordam conflitos sociais de tal forma grande que aqui se optou
por cham-los de campos tericos. Nesta trabalho, os campos sero divididos em quatro:
teorias com foco nas caractersticas do indivduo, com foco em processos
racionais/matemticos, em processos estruturantes e em processos sociais. No inteno
deste texto aprofundar a anlise de cada um deles, mais sim de oferecer ao leitor uma viso
geral dos campos tericos que compem atualmente os estudos de conflitos. Entende-se que
esses campos tericos podem, e devem, ser combinados para a correta interpretao de
conflitos, especialmente quando estes possuem carter interdisciplinar, como os conflitos
sociais relacionados ao uso sustentvel dos recursos naturais.
Caractersticas individuais
Neste campo se encontram diversas teorias que procuram investigar as caractersticas
individuais do ser humano e suas influncias em um processo de negociao de conflitos. A
literatura sobre conflitos, bem como a experincia prtica em negociao que cada sujeito traz
em seu cotidiano, mostram claramente que a personalidade do indivduo uma dimenso
fundamental no processo de negociao e nos resultados dele. O entendimento de como
caractersticas pessoais predispem um indivduo a responder / reagir no processo de
negociao ajuda todas as partes envolvidas a: (1) revelar e compreender os interesses
psicolgicos e substantivos que jazem nas entrelinhas dos conflitos especialmente aqueles
interesses que permaneceriam no reconhecidos ou desarticulados se a personalidade de quem
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negocia no levada em considerao; (2) agir de forma a facilitar uma postura construtiva no
processo de negociao e a evitar a escalada e o impasse; (3) gerar uma soluo satisfatria
que possa se aproximar das necessidades maiores de cada um dos envolvidos no conflito
(Sandy et al., 2000, p. 289).
Diversas teorias no campo da psicologia podem ser utilizadas para ajudar na compreenso dos
aspectos da personalidade num conflito. Em sua anlise, os autores selecionam quatro teorias:
psicoanlise freudiana, teoria das necessidades, teoria do aprendizado social, e teoria da
interao pessoa-situao. No cabe neste trabalho descrever ou aprofundar o estudo destas
teorias, mas sim destacar que esses modelos representativos da personalidade so importantes
em processos de negociao pois, na prtica, os mesmos ocorrem entre indivduos, e no entre
movimento sociais ou entre organizaes.
Adicionalmente dimenso da personalidade, existem outras dimenses afetas aos estudos da
psicologia social que so igualmente fundamentais para o entendimento do ambiente no qual
um conflito se localiza. Entre esses elementos pode-se destacar, por exemplo, a confiana,
preconceito e comunicao. A desconfiana um elemento presente em todo conflito que
adquire uma dinmica negativa. O entendimento das fontes de desconfiana e o uso de
tcnicas para se construir confiana so fundamentais para, por exemplo, colocar-se na
mesma mesa de discusso seringueiros e fazendeiros de gado. O preconceito, normalmente
no expresso no contexto da negociao, traz consigo um vis de julgamento que pode
bloquear negociaes ou conduzi- las a rumos incertos devido a desentendimentos e
percepes equivocadas, como ocorre na relao muitas vezes preconceituosa dos brancos
para com os negros. Falhas em comunicao ocorrem no cotidiano das pessoas, e so ainda
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mais comuns em processos conflituosos que envolvem partes com diferentes formaes
educacionais, estofo cultural e capacidade de articulao mental.
A dinmica de caractersticas individuais, dos indivduos envolvidos em um conflito, pois
fundamental para o entendimento do mesmo e para a conduo de processos de gesto. Ou
seja, para se entender de fato um conflito necessrio olhar-se para quem est em conflito, e
procurar-se desvendar um pouco de sua personalidade e de outros aspectos scio-psicolgicos
envolvidos no conflito.
Processos racionais/matemticos
Algumas das contribuies mais interessantes, e tambm mais polmicas, vm de um
conjunto de teorias que podem ser identificadas como teorias formais. So enfoques que
fazem uso da matemtica para a construo de teorias. Aplica-se, por exemplo, a matemtica
a instrumentos tais quais frmulas estatsticas ou frmulas economtricas. Richardson (1960),
por exemplo, identificou alguns passos que compem o desenvolvimento de modelos
matemticos para a formulao de teorias. Primeiramente identificam-se os conceitos-chave a
serem utilizados como variveis bsicas na construo do modelo. Posteriormente, faz-se
algumas suposies fundamentadas sobre como esses conceitos se relacionam uns com os
outros. Em terceiro lugar, cria-se um modelo matemtico ou estatstico, enfim, uma equao
para exprimir essas idias. Ento analisa-se as conseqncias lgicas da formulao feita.
Aps isso, se est pronto a testar o modelo em relao a algumas informaes concretas, as
quais iro fornecer condies para que o modelo matemtico possa ser revisto e reformulado.
Esse tipo de enfoque tem sido aplicado, por exemplo, na chamada teoria dos jogos (game
theory), bastante aplicada para negociaes de conflito entre empresas em ambientes
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institucionais definidos e com as partes envolvidas conhecendo todas, ou uma parte
significativa, das alternativas de ao. Obviamente essas no so condies presentes na
maior parte das situaes cotidianas, nas quais interfere, por exemplo, uma carga psicolgica
bastante forte. No entanto, o processo de tomada de deciso necessita muitas vezes de alguma
forma de suporte para se poder agir, ainda que se saiba de antemo que este mesmo suporte
possui limitaes. Afinal, para isso que existe o suporte da estatstica.
As teorias formais so tambm teis, por exemplo, para a simulao de jogos de guerra, nos
quais conflitos internacionais, potenciais ou atuais, so examinados. Na verdade, o trabalho de
Richardson nasceu aps sua participao na Segunda Guerra Mundial, onde ele pde
presenciar a existncia de uma certa regularidade na maneira como batalhas so travadas.
deste campo terico que derivam os conceitos de jogo de soma zero, ou jogo de soma
positiva, que tm sido utilizadas crescentemente na linguagem comum para se referir a
conflitos nos quais um ganha s expensas do outro (soma zero), ou a conflitos nos quais
ambas as partes encontram uma situao de meio termo capaz de atender as suas necessidades
(soluo de soma positiva, ou ganha-ganha win-win). Note-se que do ponto de vista
matemtico muito mais fcil formular um jogo de soma zero (eu ganho voc perde, tal
qual numa guerra) do que um jogo de soma positiva (qualquer resultado acima de zero), pois
neste caso existem inmeros motivos misturados e, no limite, uma infinidade de solues
possveis.
Processos estruturantes
Aqui se assentam as teorias que colocam seu foco de anlise nos elementos que influenciam
ou condicionam a maneira pela qual as sociedades so organizadas. Desta forma, as principais
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divises numa sociedade so vistas como as razes imanentes dos conflitos sociais. Qualquer
possvel tratamento (para se evitar o termo resoluo) de conflitos requer ento algum
reajustamento nessas estruturas sociais. Entre os vrios autores que poderiam ser includos
neste campo terico, na viso de Schellemberg (1996), esto Marx e ps-marxistas como
Dahrendorf e Horkheimer, mas tambm no marxistas, como Max Weber e James Madison.
Talvez o aspecto mais cent ral da teoria de Marx em relao a conflitos reside no entendimento
de que a manifestao de conflitos na sociedade capitalista reflete desigualdades estruturais
que podem ser vencidas apenas com a superao deste sistema econmico. Para tanto, a
melhor forma de se lidar com este conflito por meio de outro conflito: a revoluo. Ou seja,
a mudana social depende de conflitos sociais. Uma segunda suposio na teoria de Marx
que o conflito social parte constituinte da sociedade capitalista, e que a dimenso econmica
das relaes entre classes sociais fundamental no desenrolar de conflitos. Isso implica que,
para Marx, o cerne da anlise no residia no indivduo, os quais deveriam ser compreendidos
em funo da estrutura social na qual esto inseridos. Uma estrutura que deveria ser mudada
fora: Os Comunistas escreveram Marx e Engels (1958) no Manifesto Comunista,
declaram abertamente que os seus objetivos somente podem ser alcanados por meio da
derrubada forada de todas as condies sociais existentes2
Max Weber concordava com Marx em relao ao entendimento de que os conflitos sociais
compem um aspecto importante nas sociedades. Tambm reconheceu que a dimenso
econmica e o poder so elementos centrais no processo de estratificao social. No entanto,
para Weber (1997) a estratificao tambm dependente da reputao social e do prestgio, e
2 Traduo do autor de texto original em ingls.
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do poder poltico, que forma a base de partidos polticos e grupos de interesse. Para Weber, o
poder no eminentemente derivado das condies de domnio (econmico), mas sim
derivado de uma srie de processos que resultam em sua legitimao. Ou seja, a mudana
social pode ocorrer como resultado do conflito social, mas a sociedade capitalista tambm
pode funcionar apesar de seus srios conflitos internos. Estava aberto o caminho para a gesto
de conflitos.
Essas duas contribuies de Marx e Weber serviram de base para uma grande ramificao
terica, cujo espao deste artigo no permite abordar. O que importante ressaltar que,
conforme nota Schellemberg (1996), estas contribuies resultaram em cinco principais
formas de se lidar com conflitos: (1) fuga, (2) submisso, (3) reforma gradual, (4) confronto
violento, e (5) confronto no violento. As formas prticas desta ltima alternativa so
diretamente relacionadas com as teorias de processo social.
Processos sociais
Neste campo esto includas as teorias que procuram estudar o conflito como um processo em
si mesmo, um processo que embora contenha elementos de caractersticas individuais
(psicossociais), e elementos de caractersticas estuturantes, precisa ser compreendido segundo
os elementos da relao entre as partes conflitantes. Este conjunto de teorias inclui
contribuies da Economia, da Sociologia, da Antropologia, e da Cincia Poltica, entre
outras reas do conhecimento. O elemento de amlgama entre as teorias deste campo reside
no enfoque de cunho liberal que as perpassa. Na sua quase totalidade, essas teorias fazem uso
de uma perspectiva funcionalista ou de sistemas para calibrar seus argumentos, os quais,
partem de um conjunto semelhante de suposies identificadas por Northrup (1989):
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(a) as partes envolvidas num conflito so capazes de se relacionar com ele de forma
racional, e manter esta racionalidade num processo para a sua resoluo, o que
implica numa capacidade de estimar os custos e os benefcios de vrias solues
possveis. No entanto, reconhecido, as partes podem no ser capazes de interpretar
de forma adequada vrios aspectos de um conflito, o que entendido como um
problema de falta de percepo adequada do problema.
(b) Uma segunda suposio, que est diretamente relacionada com a primeira, que um
elemento central da possvel resoluo de um conflito o esclarecimento de
percepes equivocadas, por meio de comunicao e atividades de integrao social
com vistas criao de uma dinmica racional, voltada a um processo de tomada de
deciso com vistas soluo do problema de forma cooperativa (ganha-ganha).
(c) Supe-se ainda que esses princpios so vlidos para diferentes nveis de conflitos,
indo do comunitrio ao internacional. Os problemas de desnivelamento que ocorrem
por diferenas de poder so encarados como gerenciveis pela interveno de uma
parte externa.
(d) Por fim, supe-se que possvel estabelecer condies para uma soluo pacfica de
conflitos. Ademais, supe-se que conflitos de longa durao so prejudiciais para as
partes, e que portanto uma soluo rpida para os temas em questo seria ideal, ainda
que elementos do conflito permanecessem no resolvidos.
Esse conjunto de suposies tem informado livros-manuais de negociao, majoritariamente
identificados com processos de com os sistemas de Alternative Dispute Resolution (ADR),
utilizados de forma pouco crtica por acadmicos e consultores, tanto no Brasil quanto no
exterior. Um reflexo da aplicao superficial da teoria o uso pouco crtico do conceito de
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resoluo de conflitos, sem a devida ressalva que, dificilmente, conflitos sociais so de fato
resolvidos. Como nota Northrup (1989), o enfoque da resoluo de conflitos pressupe que
os conflitos residem nas partes em litgio, o que implica em se mascarar o impacto de fatores
polticos, sociais e histricos, (enfim) o contexto mais amplo no qual o conflito est inserido.
Concluso
Este texto procurou identificar os elementos principais de um debate bastante atual sobre
conflitos sociais. Foi inicialmente analisada a relao entre proteo ambiental e conflitos
sociais, dando-se exemplos de como esta relao tem sido abordada no Brasil. Foram tambm
descritos alguns episdios conflituosos da histria mundial, e a resposta dada a eles em
termos de tentativas de se institucionalizar formas de gesto dos conflitos, em especial na
sociedade americana.
Procurou-se mostrar, ainda que com brevidade, que o recorte analtico de conflitos
ambientais, ou conflitos socioambientais, no contribui para a correta interpretao de todas
as dimenses envolvidas num conflito social, mas sim evita a compreenso terica mais
ampla das caractersticas essenciais desses conflitos sociais. Opta-se, ento, pelo uso do termo
conflitos (sociais) e meio ambiente.
De maneira bastante ilustrativa foram apresentadas as linhas centrais de argumentao de
diversas teorias que contribuem para o entendimento interdisciplinar de conflitos. Essas
teorias foram divididas em quatro campos tericos para efeito de aglutinao de seus
principais argumentos. Esses campos so caractersticas individuais, processos
racionais/matemticos, processos estruturantes, e processos sociais.
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Esta anlise, embora no conclusiva, permite contribuir um pouco mais para as discusses
sobre conflitos no Brasil, quer eles se relacionem com problemas ambientais ou no. Em
particular, espera-se ter evidenciado que a correta interpretao de conflitos depende de um
enfoque interdisciplinar que consiga agregar elementos macro, micro e pessoais presentes na
quase totalidade das situaes conflituosas.
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