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 A Geografia Crítica no Brasil 1[1]  Helio de Araujo Evangelista  Resumo: O presente trabalho versa sobre a Geografia Crítica no Brasil. Nós verificamos que a Geografia Crítica apresentou um grande crescimento nos últimos vinte anos, porém ela não o manteve até os nossos dias. Assim, o objetivo deste texto é o de entender porque isto ocorreu. Abstract: This work is about Critical Geography in the Brazil. We observe, after a great development of the Critical Geography in the last twenty years, that it didn’t stand this development until nowdays . So, the goal of this papper is to understand why it happened. Palavras-chaves: Geografia Crítica, Brasil, tendências Work-keys: Critical Geography, Brazil, last tendencies.  Introdução O presente trabalho se propõe a analisar uma corrente da Geografia que já teve maior influência na Geografia Brasileira, a saber: a Geografia Crítica. Durante a graduação, iniciada em 1977, na Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, foi possível acompanhar uma forte renovação do pensamento geográfico combinado ao processo de abertura política.  Numa primeira avaliação, percebe-se que a Geografia Crítica, que atraiu tantos quadros jovens à época, era emulada por um processo político que procurava restabelecer a ordem democrática e lutar pela justiça social.  No entanto, verifica-se, ao lon go da década de 80 passada, qu e ocorreu uma inflexão neste processo, o que levou Oliveira ( 1997, p. 155 ) a observar: “A partir de 1989, esta Geografia ( a Crítica ) começou a apresentar seus  primeiros sinais de esgotamento diante da realidade em transformação, expondo seus limites teórico-metodológicos. A queda do muro de Berlim, o fim da URSS, aliados à crise do marxismo e à falência dos paradigmas da 1[1]  Trabalho publicado na Revista da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Duque de Caxias ( RJ ), setembro de 2000, ano II, nº 2.  

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A Geografia Crtica no Brasil 1[1]Helio de Araujo Evangelista

Resumo: O presente trabalho versa sobre a Geografia Crtica no Brasil. Ns verificamos que a Geografia Crtica apresentou um grande crescimento nos ltimos vinte anos, porm ela no o manteve at os nossos dias. Assim, o objetivo deste texto o de entender porque isto ocorreu. Abstract: This work is about Critical Geography in the Brazil. We observe, after a great development of the Critical Geography in the last twenty years, that it didnt stand this development until nowdays . So, the goal of this papper is to understand why it happened. Palavras-chaves: Geografia Crtica, Brasil, tendncias Work-keys: Critical Geography, Brazil, last tendencies. Introduo O presente trabalho se prope a analisar uma corrente da Geografia que j teve maior influncia na Geografia Brasileira, a saber: a Geografia Crtica. Durante a graduao, iniciada em 1977, na Universidade Federal do Rio de Janeiro UFRJ, foi possvel acompanhar uma forte renovao do pensamento geogrfico combinado ao processo de abertura poltica. Numa primeira avaliao, percebe-se que a Geografia Crtica, que atraiu tantos quadros jovens poca, era emulada por um processo poltico que procurava restabelecer a ordem democrtica e lutar pela justia social. No entanto, verifica-se, ao longo da dcada de 80 passada, que ocorreu uma inflexo neste processo, o que levou Oliveira ( 1997, p. 155 ) a observar: A partir de 1989, esta Geografia ( a Crtica ) comeou a apresentar seus primeiros sinais de esgotamento diante da realidade em transformao, expondo seus limites terico-metodolgicos. A queda do muro de Berlim, o fim da URSS, aliados crise do marxismo e falncia dos paradigmas da1[1]

Trabalho publicado na Revista da Faculdade de Filosofia, Cincias e Letras de Duque de Caxias ( RJ ), setembro de 2000, ano II, n 2.

modernidade na explicao da nova realidade em mudana, inclusive o da teoria social crtica, revolucionam o pensamento e a produo geogrfica em todos os sentidos e direes. Entendemos, no entanto, que possvel vislumbrar estes sinais de esgotamento antes mesmos dos impressionantes episdios que marcaram os pases socialistas, e isto que procuraremos apresentar ao longo do nosso trabalho. *** A realizao do I Encontro de Histria do Pensamento Geogrfico em novembro de 1999 foi marcada por uma surpreendente produo . Nota-se na leitura dos dois volumes dos anais do encontro, que a Geografia Crtica s lembrada, explicitamente, no eixo temtico referente sala de aula. Assim, parece que ocorre hoje o inverso do que ocorria ao incio da dcada de 80, ou seja, enquanto nos meios universitrios a Geografia Crtica propagava-se de forma muito avanada, particularmente entre os graduandos e recm-formados, no sistema de ensino de 1 e 2 graus, os livros didticos comportavam-se de forma relativamente imunes ao que se dava no meio universitrio, os autores em voga, como Igor Moreira, entre outros, no tinham ainda absorvido, em seus trabalhos, a efervescncia do 3 grau. Hoje, no entanto, a partir dos trabalhos de Jos W. Vessentini, Douglas Santos, entre outros, os livros didticos passaram a ter uma nova concepo para a qual a Geografia Crtica trouxe uma contribuio decisiva; mas, no meio universitrio, verifica-se uma certa indiferena quanto Geografia Crtica. A tirar pelos trabalhos encontrados nos anais, possvel perceber uma enorme quantidade de trabalhos histricos voltados, sobretudo, para personalidades brasileiros que pertenceram ou no Geografia; como se houvesse um esforo, inconsciente ou no, de recuperao das razes do que significa pensamento geogrfico. A anlise, no entanto, da Geografia Crtica brasileira um tema por demais vasto, ainda mais que a sua histria ainda no terminou; de modo que pode-se encontrar nestas pginas uma contribuio anlise de quem acompanhou a evoluo da Geografia Crtica, embora no de forma engajada. A Geografia Crtica A origem

A influncia desta corrente de pensamento na Geografia s ocorreu aps a 2 Guerra Mundial...2[2] somente no limiar da crise do pensamento tradicional que as idias de Marx viro tona no debate da Geografia. Tal processo se inicia no ps-guerra, e adquire alguma intensidade nos anos cinqenta, j no bojo de uma perspectiva de renovao da Geografia. ( Moraes, 1987, p. 40 ) Houve diferentes aspectos scio-econmicos que deflagaramm a influncia do marxismo na Geografia; de forma resumida, a partir de Horacio Capel in Filosofia y Cincia en la Geografia Contempornea, cabe destacar: a) aps a morte de Stalin e a tendncia de coexistncia menos beligerante entre os sistemas socialistas e capitalistas, houve um florescimento da reflexo marxista que no se viu to premida em defender as polticas do estado sovitico; b) a expanso dos movimentos libertrios nas antigas colnias dos pases europeus encontrados no Terceiro Mundo impulsionou a reflexo sobre o subdesenvolvimento social e a reflexo sobre a busca de soluo para os problemas sociais encontrados; c) a conscincia da degradao ambiental concorreu com a verificao da deteriorao da qualidade de vida das grandes cidades, justificando o aparecimento de movimentos sociais que procuraram se opor a estes processos. ( 1981, pp. 404-406 ) Segundo Antnio Carlos Robert de Moraes et Costa in Geografia Crtica - a valorizao do espao, os gegrafos que introduziram, na Geografia, uma abordagem crtica foram Pierre George, Bernard Kayser, Jean Tricart entre outros e um marco que formou o grupo de gegrafos da Geografia Crtica foi as Jornadas dos Intelectuais Comunistas realizadas em Ivry, na Frana, em 1953. ( 1987, p. 40 ) Segundo Horacio Capel, o aparecimento da Geografia Crtica nos Estados Unidos ocorreu em 1969, quando foi apresentado na reunio da Associao dos Gegrafos Americanos a revista Antipode. A Radical Journal of Geography editada por Richard Peet . Cinco anos mais tarde, houve a organizao da Geografia Crtica americana atravs da criao da Union of Socialist Geographers e da associao Socially and Ecologically Responsible Geographers ( SERGE ). ( 1981, p. 427 ) Segundo Horacio Capel, a Geografia Crtica surgiu na Europa, em parte, dadas as condies internas e tambm ao influxo da escola americana, que teve forte influncia em pases como a Frana. Neste pas, a Geografia Crtica teve, a partir de Yves Lacoste e a criao da revista Herodote, em 1976, uma intensificao na formao de um expressivo grupo de gegrafos crticos. ( Ibidem, p. 435 ) 3[3]2[2]

R. J. Johnston in Philosophy and Human Geography indica a forte influncia do marxismo na Geografia a partir de

um ponto de vista estruturalista, pelo qual as explicaes dos fenmenos devem estar referenciadas s estruturas que os sustentam, mas que no so imediatamente identificados por estes fenmenos; assim no basta um estudo emprico para compreender a realidade, cabe sim uma anlise que rompa o vu dado por aquilo que nos trs os nossos sentidos e apreenda, atravs de um esforo de raciocnio e abstrao, estruturas universais que dinamizam a sociedade. ( 1986 a, pp. 97-101 )3[3]

Esta observao, combinada a de Moraes sobre a origem da Geografia Crtica ( 1987, p. 40 ), destaca a supremacia

americana em estabelecer a hegemonia das idias. Emborca subjacente na dcada de 50, na Frana, a Geografia Crtica adquiriu capilaridade a partir do seu alcance junto as diferentes aparelhos de divulgao e das instituies de ensino americanas que lhe deram uma popularidade que at ento no tinha alcanado. Josefina Gmez Mendoza et alli in El

Porm, o crescimento e projeo da Geografia Crtica no ocorreu sem os percalos das divises internas e disputas. Na Frana, por exemplo, houve aqueles que comungando a teoria marxista defenderam a abjurao da Geografia na justificativa de que a mesma era uma herana da sociedade burguesa, de base positivista, e, portanto, contrria aos interesses dos trabalhadores, eram os chamados liquidacionistas segundo Yves Lacoste. ( Moraes, 1987, pp. 43-44 ) Nos Estados Unidos, por sua vez, ocorreu uma discusso interna sobre a propriedade de se manter ou no o carter revolucionrio da Geografia Crtica, se deveu ou no ser propugnadora de uma quebra da estrutura social vigente. Horacio Capel exemplificou esta polmica na discusso sobre a adoo do termo radical ou revolucionria pela Geografia. ( Capel, 1981, pp. 430-431) 4[4] Matriz terica Intentaremos, a seguir, analisar o ato de conhecer numa perspectiva marxista, pois isto nos auxilia a compreender melhor o teor da Geografia Crtica. 5[5] Karl Marx foi um homem da tradio revolucionria, herdeiro de uma tradio francesa que buscou a ... a retomada do movimento que foi interrompido, e depois invertido, pela instituio burguesa da repblica ... pela ditadura napolenica, e enfim pela Restaurao e a Contra-Revoluo. 6[6] No se tratava de uma busca por uma situao ideal, mas sim de um movimento social cujos herdeiros dos anteriores revolucionrios eram os operrios , os trabalhadores . 7[7]

pensamiento geogrfico - estudio interpretativo y antologia de textos ( de Humboldt a las tendencias radicales ) chegam a indicar que para a Geografia Radical existiram dois centros priviligiados, o dos Estados Unidos e o da Frana. ( 1982, pp. 135-140 )4[4]

Pelo exposio que se segue, adotado o termo Geografia Crtica, como conhecida esta corrente no Brasil..

Havendo, porm, aqueles, por razes vrias, que procuraram distinguir nesta corrente tendncias revolucionrias ou reformistas, ns procuramos, no entanto, nos ater s principais marcas da Geografia Crtica, sem entrar em nuances das diferenas internas.5[5]

A obra de Karl Marx extremamente ampla, e a apreenso de sua concepo do ato de conhecer encontra-se

disseminada em seus escritos. As obras como Teses sobre Feuerbach, Manifesto Comunista, A misria da filosofia, O capital e seus estudos histricos pontificam a constituio de sua forma de abordar a socieade. Porm, no h um trabalho de sua autoria que sistematize uma gnoseologia. Por esta razo, nos pautaremos em autores que tiveram preocupao semelhante a nossa.6[6] 7[7]

In A filosofia de Marx de tienne Balibar, pp. 30-31, ( 1995 ). Ibidem, p. 31.

Karl Marx ao fixar-se na Inglaterra, em 1850, portanto com trinta e dois anos, j tinha passado por uma srie de movimentos sociais, tendo sido expulso da Frana e Prssia, e perseguido na Blgica 8[8]. Enfim, a constituio de seu pensamento esteve intimamente vinculada a uma atividade poltica, revolucionria, que por sua vez esteve alicerada a uma determinada concepo filosfica de mundo cujas razes podemos encontrar em Hegel .9[9] Sobre Marx, que no chegou a sistematizar o seu mtodo de trabalho 10[10], h fragmentos de reflexes metodolgicas pelas quais Jrgen Kocka chamou ateno para o seguinte: Marx no opera uma separao entre sujeito e objeto, ele entende a realidade como atividade sensorial-humana, como prtica, deste modo, a realidade histrica ...um processo no qual se objetiva de forma permanente, e em medida crescente, o trabalho humano e, atravs deste, a conscincia humana; e isto, por sua vez, constitui condio para influir reflexivamente sobre o sujeito que pensa e age...a realidade no precisa, por princpio, ser estranha e externa ao entendimento racional do homem, uma vez que ela crescentemente mediada pelo trabalho e pelo fato de que a conscincia tornada prtica ajuda na sua constituio. ( 1994, p. 41-42 ). A conscincia, segundo Marx, no se aproximava ...da realidade com categorias estranhas s coisas; ...valores e perspectivas devem ser vistos como momentos do processo social e histrico global, e no contrapostos coisa de forma descompromissada. ( Ibidem, p. 48 ) Esta forma de conceber a realidade interpretado por Jrgen Kocka como a tomada da concepo de Hegel segundo o qual foi localizado uma unidade estruturada em toda a multiplicidade, h um cerne em todos os fenmenos, e isto levou a Marx a reivindicar ...para a cincia a apreenso da essncia das condies histricas, isto , conhecimento da substncia ou apreenso da totalidade. ( Ibidem, p. 46 ) O pensamento de Marx surgiu como uma viso geral da histria humana, detendose com maior profundidade nas caractersticas da sociedade capitalista, e visualizou a partir das contradies inerentes a esta sociedade, uma profunda transformao social. Enfim, o marxismo caracteriza-se por um pronunciamento terico radical. Pretende ser uma cosmoviso e uma revoluo completa. Esta corrente no pode ser caracterizada por uma tica ! O ponto de partida do marxismo o de ter uma concepo da sociedade e histria humana que explicita os grandes movimentos destas mesmas sociedade e histria e, com isso, acredita ter condies de vizualizar o cenrio futuro. No h o mulo da moral em Marx para lutar a favor do proletariado; a perspectiva operacional, ou seja, pela concepo construda, o proletariado corresponde a nova vanguarda da sociedade, tal como foi a burguesia no passado 11[11] !.8[8] 9[9]

Vide Karl Marx - Pequena biografia de Evgunia Stepnova ( 1979 ). Jrgen Kocka ( 1994, p. 46 ), destaca este aspecto mencionando diferentes pensadores contemporneos concordes

com este ponto.10[10] 11[11]

Como destaca Henri Lefebvre in a Sociologia de Karl Marx ( 1979 ) . Naturalmente que na mobilizao poltica a questo tica ( a luta pelos mais pobres ), ou at mesmo o nacionalismo (

defesa dos interesses nacionais ) podem ser utilizados como formas de galvanizar a opinio pblica, porm, estas

O pensamento filosfico da Geografia Crtica, por sua vez, , segundo Josefina Gmez Mendoza et alli in El pensamiento geogrfico - estudio interpretativo y antologia de textos ( de Humboldt a las tendencias radicales ), reconhecido pela sua diversidade de pronunciamentos e direes. ( 1982, p. 135 ) Horacio Capel indica que o marxismo foi considerado at a Primeira Guerra Mundial como um pensamento que proporcionava uma viso completa da sociedade e da natureza, ( 1981, p. 439 ) tendo assim proporcionado uma espcie de um novo padro cientfico, pelo qual seria possvel um forma global de se analisar a realidade.12[12] Aps a Grande Guerra, a interpretao sobre o marxismo primou por uma discusso histrica; j no se alimentava a pretenso desta corrente ser considerada uma nova forma de fazer cincia, mas fundamentalmente uma nova forma de ver a sociedade. Por este enfoque a histria humana seria compreendida por trocas nos sistemas sociais decorrentes do esforo humano em dominar a natureza, e esta mudana seria permeada por um progresso que levaria a um fim. ( Capel, pp. 439-440 ) Josefina Gmez Mendoza et alli observam que o discurso do marxismo na Geografia assumiu duas rotas, a saber: 1 rastreou a existncia de uma teoria geogrfica nos textos fundadores do materialismo histrico; 2 a partir das categorias existentes e do mtodo marxista, operaram novos conceitos para a Geografia. ( 1982, p. 148 ) Pela primeira rota verificado uma divergncia entre aqueles que entendem que Marx teria fundado uma teoria da geografia, como o fez para a sociologia, histria, economia 13[13] ; e os que afirmam Marx teria negligenciado o espao 14[14]. ( Ibidem, p. 149 )

bandeiras decorrem de movimentos tticos que podem ser substitudos assim que ocorram mudanas nas circunstncias ento vigentes.12[12]

Horacio Capel interpreta estar incluso nesta viso a preocupao positivista de que ...el materialismo histrico

dialctico ha formulado las leyes causales del desarrollo de la humanidad, las cuales permiten predecir de forma ineluctable la evolucin pasada - es decir, el origen y desarrollo del capitalismo - y futura - es decir, la necesaria transicin al socialismo - de la humanidad. ( Capel, op. cit. p. 439 )13[13]

Marx no portanto um gegrafo ( assim como no um historiador nem um socilogo ), mas no marxismo, assim

como existe uma teoria da histria e uma anlise da sociedade, existe tambm uma geografia, sempre que por geografia se queira entender principalmente a histria da conquista cognoscitiva e da elaborao regional da terra, em funo de como veio a se organizar a sociedade ( L. Gambi ). No marxismo existem, alm de inmeros temas de pesquisa, tambm uma teoria da geografia e dos limites das condies e fatores geogrficos. ( Quaini, 1979, p. 51 ).14[14]

O que choca no a falta de interesse de Marx para com os problemas geogrficos: a disjuno entre seus textos

tericos mais elaborados, O Capital em primeiro lugar, e seus textos mais circunstanciais, militares ou polticoestratgicos. O que choca no prprio bojo dos textos mais elaborados no tanto a falta de interesse para com os problemas geogrficos do que a irrupo, numa problemtica globalmente a-espacial, de raciocnios geogrficos grosseiramente deterministas. ( Lacoste, 1988, p. 141 ).

Pela segunda rota importante destacar o mtodo como a afirmao da viabilidade do materialismo como teoria da sociedade. Por esta teoria, h relaes complexas entre a sociedade e o espao; tal posicionamento incorre em negar a autonomia ao espao, tendo seu contedo dado pela sociedade. ( Ibidem, p. 149-150 ) 15[15] A partir da configurao do pensamento marxista na Geografia, onde enfatizado um entendimento historicista da sociedade, surge a dificuldade para se adequar a linguagem da temporariedade com o da espacialidade. Yves Lacoste indica a dificuldade de se ter em Marx um ponto de apoio para a Geografia, como fica claro nesta passagem apresentada por Josefina Mendonza: ...Seala, en efecto, dicho autor que, con el enfoque marxista, los problemas bsicos del entendimiento geogrfico quedan diluidos e irresueltos en un discurso articulado por - y para - otros dominios del conocimiento social, de forma que a menudo no se hace sino extrapolar, para las estructuras espaciales, interpretaciones que remiten a estructuras econmicas y sociales, a reflexiones de la historia y de la economa poltica. Siempre segn Lacoste, el razonamiento marxista no basta, en particular, para garantizar un fecundo entendimiento de las estrategias diferenciales sobre el espacio. Se acepte o no en toda su dimensin la crtica lacostiana al discurso geogrfico marxista, parece indudable que ste supone un modo de entendimiento que, al centrar toda su argumentacin en las capacidades de determinacin que se atribuyen a los procesos histricamente actuantes, se ve abocado a negar de hecho explicita o implicitamente - la espacialidad. ( Grifo nosso, 1982, 152-153 ) Alm deste aspecto, Josefina Mendoza indica um outro ponto que diz respeito a falta de uma melhor compreenso dos aspectos ecolgicos e energticos por parte dos gegrafos marxistas; falta, segundo ela, uma tomada de conscincia conceitual e analtica para tratar destes temas. ( Ibidem , p. 153 ). Sobre a relao homem-natureza, Antnio Carlos Robert de Moraes identifica que o marxismo fora a opo dos gegrafos ... ou a Geografia uma cincia da sociedade ou uma cincia da natureza e sendo adotada a Geografia como cincia social, os fenmenos da natureza so destacados ...enquanto recursos para a vida humana . ( Moraes et Costa, 1987, p. 58 ) 16[16] Na anlise da relao da Geografia Radical com os outros campos da Geografia, por sua vez, verifica-se uma acirrada luta contra a Geografia Quantitativa, no pelo seu15[15]

Pero si el espacio es la proyeccin de la sociedad, slo podr ser excplicado - y sta es la consecuencia

metodolgica fundamental de la asuncin inicial - desentraando en primer lugar la estructura y el funcionamiento de la sociedad o formacin social que o ha producido. ( Mendoza et alli, 1982, p. 150 )16[16]

Durante a realizao do Seminrio de Geografia Humana, do curso de doutorado, coordenado pela Professora Bertha

K. Becker, no primeiro semestre de 1995, pelo programa de Ps-Graduao em Geografia da UFRJ; o prof. Antnio Carlos Robert Moraes teve a oportunidade de externar o mesmo ponto de vista. E, segundo o relato da coordenadora do seminrio, que presenciou um debate de David Harvey com uma ecloga nos Estados Unidos, este deixou claro que o mtodo marxista no foi pautado por uma viso integradora na anlise da relao homem-natureza.

contedo tcnico, mas sim aos seus pressupostos de base positivista. Neste aspecto, h um ponto de proximidade com a Geografia Humanista. 17[17] A Geografia Radical alega que os elaborados mtodos quantitativista, em funo de sua base de apoio, so enfoques que no trazem contribuies para a compreenso da sociedade, alm de ter uma funo mitificadora sobre a realidade; por trs da parafernlia tecnolgica h um subjacente objetivo de no revelar os processos sociais, as dinmicas das lutas travadas no bojo da sociedade. ( Mendoza et alli, 1982, p. 143 ) Deste modo, a Geografia Quantitativa apresenta dois aspectos condenveis, a saber: o reducionismo e o feitichismo espacial. Pelo primeiro aspecto h um esforo de matematizao dos fenmenos naturais e de sua relao com os aspectos sociais, o que segundo Anderson, citado em Mendonza et alli, um forma de camufladamente introduzir a cincia natural na cincia social e desta forma naturalizar as relaes sociais.( Ibidem, pp. 143-144 ) 18[18] O segundo aspecto diz respeito formalizao geomtrica do espao, pela qual as relaes sociais se apresentam como relaes entre reas, assim, o espao tido como uma varivel independente, onde as origens dos processos sociais so detectados e compreendidos por processos espaciais, cuja dimenso unidimensional no destaca a prpria dinmica da evoluo da economia capitalista. ( Ibidem, p. 144 ) Enfim, nestes embates tericos, o marxismo na Geografia forma uma nova escola. Pela primeira vez na histria da disciplina temas sociais e polticos marcados por perspectiva crtica deixam de ser tratados episodicamente, como o fez precursores como Elyse Reclus 19[19], para serem tratados sistematicamente. E no foram poucos os gegrafos que adotaram o marxismo; de certo modo, o marxismo facilitou a resoluo de certos impasses ( p. ex: a glosa de que a Geografia seria uma disciplina a-poltica, neutra, etc. ), pois proporcionou uma viso de mundo ( articulando variveis econmicas, polticas, sociais etc. ), relacionando-a a um projeto poltico ( o que proporcionava um sentido para suas prprias vidas ). Houve a ntida percepo de que se participava de um processo histrico que os arremessava para o futuro - em nome de uma sociedade igualitria.20[20]

17[17]

A explicitao do teor e comparao destas correntes da Geografia foi por ns realizada no texto Os debates recentes

na Geografia e o futuro da disciplina que veio a ser divulgado na Revista FEUDUC, n 1, agosto/99, pp. 44-63.18[18]

Este aspecto trs consequncias para o campo poltico, pois a partir de uma viso natural da sociedade as

desigualdades sociais, por exemplo, so tidas como o aspecto natural de um organismo em crescimento ( ou doente ) cujo problema pode vir a ser superado sem rupturas das estruturas sociais.19[19]

liss Reclus ( 1830-1905 ) que embora no fosse marxista, pelo contrrio, seu adversrio, pois era anarquista e

aliado de Bakunin, grande opositor de Karl Marx na I Internacional, foi precursor de uma linha da Geografia que assume um carter crtico organizao social. ( Andrade, 1985, pp. 15-16 )20[20]

Entre os recalcitrantes, havia o preconceito de serem considerados pr-capitalistas ... coniventes com a sociedade

burguesa ! Assim, no raro, o marxismo alcanou seu avano na Geografia, seno pela livre adoo, pelo menos para se

A Geografia Crtica no Brasil O seu aparecimento ocorreu no segundo lustro da dcada de setenta. Nesta poca, a Geografia Crtica iniciou sua influncia no mbito universitrio e teve decisiva participao nas disputas verificadas na Associao de Gegrafos Brasileiros-AGB. Podemos afirmar que o Encontro Nacional de Gegrafos Brasileiros realizado em Fortaleza ( Cear ), no ano de 1978, demarcou o incio da Geografia Crtica a nvel nacional, sendo o encontro seguinte, o de 1980, no Rio de Janeiro, a vitria desta corrente frente s tendncias existentes. Com o estabelecimento da abertura poltica brasileira a partir da dcada de setenta, o marxismo tornou-se um verdadeiro ponto de referncia na Geografia para ajudar a compreender o que se passava e o que passou. Cabe destacar, no entanto, que este vigor da Geografia Crtica foi mais fcil ser verificado no ambiente universitrio e muito menos nos rgos de planejamento do governo. J Armando Corra da Silva observa que o processo de renovao tem, tambm, a concorrncia de uma velha instituio, a saber: o Departamento de Geografia da Universidade So Paulo ( 1984, p.73) Mas, acreditamos que o grande gestor da Geografia Crtica foi o momento histrico que compreendeu o incio de abertura poltica, a volta dos exilados polticos e a realizao de vrias greves de operrios, sobretudo no Estado de So Paulo ( o principal plo industrial do pas ), enfim, uma poca propcia contestao ! Importa frisar que a primeira instituio que passou a divulgar a Geografia Crtica foi a AGB, a universidade enquanto instituio, foi mais lenta em adotar a Geografia Crtica . Alis, a presena da Geografia Crtica nas universidades menos marcante que o verificado na AGB. Esta maior receptividade, poca, pela AGB, decorreu de sua maior permeabilidade aos episdios que ento marcavam a poltica nacional. O resgate das franquias democrticas ( queda do AI-5 em dezembro de 1978, promulgao da anistia e quebra do sistema bipolar da vida partidria em 1979, 21[21] etc. )evitar m interpretao ou obter melhor aceitao em certas coletivos de gegrafos, edies de revistas, encontros acadmicos, etc.21[21]

Ato Institucional n 5 foi adotado pelo regime militar em dezembro de 1968 durante o ento Presidente da Repblica

Arthur Costa e Silva. Este ato legitimou o fechamento do Congresso Nacional, demisso de funcionrios, cassao de mandatos, destituio de cargos executivos, caso fosse interpretado que tais medidas serviriam para conter qualquer movimento subversivo. O AI-5 era visto pelo governo militar como um instrumento til para a defesa de sua revoluo! poca do incio do governo do ento Presidente Joo Batista Figueiredo, em 1979, s havia dois partidos, a Aliana Renovadora Nacional - ARENA e o Movimento Democrtico Brasileiro - MDB, isto porque as regras que reconheciam a existncia de um partido poltico eram extremamente exigentes quanto ao nmero de estados da federao que j apressentassem diretrios regionais, ao nmero de deputados j partidrios da nova gremiao, etc.

propiciaram um clima em que as entidades civis se viram convocadas a participarem do processo. Inicialmente, a prpria estrutura de poder ento vigente na AGB foi avessa adoo de uma nova conduta que s ocorreu a partir da entrada de novos elementos em sua estrutura, entre 1978 e 1980. Um outro fator importante para compreendermos o vigor da Geografia Crtica, poca, foi a volta do exlio do Prof. Milton Santos. A sua obra Por uma Geografia Nova , combinada ao seu estilo carismtico, atraiu para si a ateno da comunidade acadmica e novos adeptos para a nova corrente de pensamento, de tal modo que mesmo aqueles que no somaram com o movimento, reconheceram a sua importncia em funo da estatura intelectual deste professor.22[22] Mas ele no estava sozinho, diversos professores somaram com os seus esforos, destacadamente os professores Armen Mamigonian e Armando Corra da Silva e uma srie de outros mais jovens que ainda no tinham suficiente influncia na estrutura de poder dos meios universitrios, rgos de planejamento e de pesquisa. 23[23] Porm, paulatinamente, por fora das iniciativas tomadas por este novo coletivo em ascenso que no deixou de contar com o apoio da converso de outros gegrafos situados em diferentes locais de trabalho, tivemos uma progressiva expanso da Geografia Crtica. A rigor, a Geografia Crtica expandiu-se sobre um terreno que apresentava resistncias pontuais. A rigor, as principais dificuldades tericas ocorriam dentro da prpria corrente ! No incio da dcada de 70, a Geografia Quantitativa, por exemplo, embora disseminada no ensino de graduao, no se encontrava suficientemente capilarizada. Pelo contrrio, a Geografia Quantitativa estava inserida em algumas ilhas do meio universitrio e rgos de governo. Quanto Geografia Humanista, esta apresentava pequena produo poca. No entanto, como j observado, o que mais influiu a favor da Geografia Crtica a poca . O clima de reabertura poltica incentivava toda e qualquer iniciativa estimuladora de crtica ao governo, ao modelo econmico, injustia social, etc. Para alguns, o BrasilEstes e outros aspectos do regime militar e posterior processo de abertura poltica j podem contar com diversos trabalhos, mas lembraramos a recente obra do ex-ministro Ronaldo Costa Couto - Histria indiscreta da ditadura e da abertura Brasil: 1964 - 1985 por registrar o relato de personalidades diretamente envolvidas no surgimento e/ou enfrentamento ao regime militar. Esta obra vem acompanhada por uma outra - Memria via do regime militar Brasil: 1964 - 1985; todas as duas obras foram editadas pela Record, respectivamente nos anos de 1998 e 1999.22[22]

Pedro Pinchas Geiger ( 1988, p. 80 ) assinala que a sua vinda teve uma repercusso prxima influncia dos

professores estrangeiros que aqui ajudaram a formar os primeiros quadros universitrios tanto no estado de So Paulo, quanto no Rio de Janeiro.23[23]

Houve ainda professores que demonstraram apoio temtica social adotada pela nova corrente, embora no

estivessem articulados ao movimento, tais como Manuel Correia de Andrade e Orlando Valverde.

vivia um grande perodo de efervescncia poltica, chegando a estimular a perspectiva de que pudesse ocorrer mudanas profundas no Brasil. 24[24] Mas este processo no desconheceu srias divergncias internas quanto a melhor forma de se apropriar a concepo marxista, divergncias estas que atingiam as relaes pessoais. O que nos d a impresso, a partir de uma certa poca, de que os gegrafos crticos tinham maiores desentendimentos com os seus prprios pares, do que propriamente com linhas de pensamento adversrias. Estes impasses, em nossa avaliao, decorre de um certo repressamento do seu carter inovador, salvo a rea didtico-pedaggica, onde os livros didticos pautados pela Geografia Crtica, ou influenciados pela mesma, cresciam em importncia at o final da dcada de 80 e incio da dcada de 90. Porm, alm das incongruncias tericas, parece que o grande impasse que a Geografia Crtica enfrentou foi de ordem poltica, o que nos remete AGB. A AGB e as conjunturas nacional e internacional notrio que a Associao de Gegrafos Brasileiros ( AGB ), com a ascenso dos elementos vinculados Geografia Crtica em seus postos de governo, passou a discutir com muito maior nfase temas polticos. Este enfoque visou melhor compreender o que acorre com o Brasil, e, deste modo, vislumbrar quais as melhores alternativas. Esta mudana de rumo da AGB expressa pelas caractersticas assumidas pelo entidade a partir do final da dcada de 70, foi acompanhada por uma profunda alterao do estatuto da entidade, o que abriu a oportunidade de maior atuao de estudantes e professores recm-formados. Assim, a partir do final da dcada de 70, a AGB transformou-se internamente e externamente ao procurar inserir-se nos debates as mudanas que podiam ser promovidas no pas. A primeira metade da dcada de 80, neste sentido, foi extremamente fecunda nas discusses polticas, alm dos impasses tericos.

24[24]

Pedro Pinchas Geiger, em interveno no IV Encontro Nacional de Gegrafos realizado no Rio de Janeiro, em 1980,

observa: Vejo diversos gegrafos preocupados com mudana de modo de produo. No vou discutir se existem, ou no, condies objetivas de mudana prxima do modo de produo. Mas quero lembrar o filme de Eisenstein, Iv o Terrvel: na corte, discute-se a sucesso de Iv, que, morte, est recebendo a extrema-uno. Mas Iv se restabelece, e, como conviver com Iv vivo ? ( 1980, p. 349 )

Observamos que h como que uma grande sintonia entre o teor do processo discursivo encontrado na entidade com o que se passava no centro poltico brasileiro.25[25] Deste modo, parece-nos apropriado analisar o que ocorria na poltica brasileira ao incio da dcada de oitenta. No ano de 1980, ns tivemos a eleio, nos principais estados do pas, de trs governadores de oposio ao regime militar, foram eles: Franco Montoro pelo PMDB ( So Paulo ), Leonel Brizola pelo PDT ( Rio de Janeiro ) e Tancredo Neves pelo PMDB ( Minas Gerais ). A eleio destes candidatos, combinada ao aumento da bancada oposicionista no Congresso Nacional aceleraram as iniciativas em favor da queda do regime militar pontificadas pela defesa da eleio direta para presidente . Contrariamente s expectativas, aps ocorrer uma forte mobilizao social envolvendo milhes de pessoas em vrias passeatas, em todo Brasil, em prol da eleio direta ( emenda do ento deputado federal Dante de Oliveira ), esta medida no foi aprovada em abril de 84. Este desfecho deve ter ocasionado um srio momento de perplexidade na sociedade civil, na medida em que no ficava claro quanto ao possvel caminho futuro da mobilizao. Nesta situao, surgiu a soluo de consenso ao se defender a vitria de Tancredo Neves sobre o ento candidato oficial Paulo Maluf no Colgio Eleitoral, o que de fato ocorreu no incio do ano de 1985. Ora, esta soluo de consenso parece ter quebrado uma expectativa de que a mobilizao social teria vindo para ficar, ou seja, que no teramos apenas uma luta pela Diretas-J, havia questes mais profundas para se enfrentar, por exemplo: a m distribuio de renda, reforma agrria, dvida externa, etc. Outros dois fortes e decisivos momentos da vida nacional foram o falecimento do Tancredo Neves em abril de 1985, no chegando a tomar posse da presidncia, tendo o substitudo Jos Sarney, e a implantao do Plano Cruzado em 1986 que conteve o processo inflacionrio por alguns meses, mas que proporcionou ao ento partido do governo, o PMDB, uma avassaladora vitria nas eleies de novembro daquele ano. Estes dois momentos, embora dspares em suas caractersticas, reforaram no imaginrio da populao brasileira a idia de se ter um pacto em torno do Governo, pois a nova estrutura de poder, de caracterstica civil, mostrava-se bem intencionada em realizar as mudanas desejadas. O surgimento da esperana, na assim chamada Nova Repblica, ou na inteno de melhorar a situao econmica atravs do Plano Cruzado, etc. deslocam o25[25]

Isto no era um processo incomum na poca; pelo contrrio, por exemplo, a Sociedade Brasileira para o Progresso da

Cincia - SBPC, ou a Conferncia Nacional dos Bispos Brasileiro - CNBB, entre outras entidades estavam profundamente envolvidas no processo que finalizou o perodo militar no governo brasileiro. Parte deste vigor decorreu da prpria inviabilizao da via partidria enquanto instrumento para alavancar as mudanas desejadas. Mesmo tendo ocorrido melhor abertura dos partidos, as entidades civis encontravam-se marcadas pela participao de diferentes pessoas que viam nestas entidades que em passado recentes no tinham obtidos melhores espaos nos partidos existentes. Assim, s com a normalizao do processo democrtico, que algumas destas entidades passaram a ter um papel menos polticos e mais conformes as suas caractersticas bsicas que a fundaram.

grosso da populao brasileira de qualquer caminho que fosse na direo das quebras das estruturas sociais. Assim, a chamada Nova Repblica, no plano poltico, e o plano Cruzado, no plano econmico, minoram, entre outras iniciativas, movimentos contestatrios mais acentuados na poca Enfim, houve uma mudana de horizonte que acabou afetando as diferentes entidades civis, e naturalmente a AGB. A percepo de que se pudesse ter sinais de um processo mais profundo no pas, revolucionrio, no logrou o sucesso esperado. Porm, esta reteno no foi somente ocasionada pelas circunstncias nacionais, houve as internacionais. A questo do socialismo na dcada de 80 passou por fortes percalos ! O movimento dos trabalhadores porturios de Gdansk, na Polnia, que recrudesceu a partir de 1980 - gerando o movimento Solidariedade, acentuou o processo de sucessivas revises quanto ao adequado papel que os ento pases socialistas teriam no avano do socialismo. O ento euro-comunismo acentuou a adoo de posturas poltcas, distintas da antiga Unio Sovitica e vislumbrou formulao terica que se distanciava cada vez dos postulados do marxismo-leninismo, a saber: a conquista do poder pelo voto !. As polticas de Glasnost e Perestroika adotadas pela ento Unio Sovitica, em meados da dcada de 80, promoveram fortes discusses nos partidos comunistas em diferentes pases. Foi a poca que o principal vetor da causa socialista no globo, a URSS, abandonou, na prtica, o postulado da ditadura do proletariado em favor de uma abertura poltica e econmica. Por fim, a repentina queda do bloco socialista, em 1989, e, em seguinte, o da prpria Unio Sovitica no dia de Natal do ano seguinte, demarcaram uma acentuada virada da histria da humanidade. Foram fatos impressionantes tendo em vista que na primeira metade do sculo 20 o marxismo-leninismo teve grande expresso no campo poltico, econmico, filosfico... e, de 1917 at o final da dcada de 70, aproximadamente 1/3 da humanidade encontrava-se sob sua influncia; no entanto, em menos de 10 anos, a partir de meados da dcada de 80, ocorreu um verdadeiro desmoronamento do sistema socialista de governo! Isto no deixa de causar espcie, pois esta ocorreu sem declarao de guerra e durante um sculo que apresentou duas guerras mundiais, extermnio de milhes de judeus, vietnamitas e africanos, exploso de artefatos nucleares, etc. O bloco socialista simplesmente implodiu e tivemos a oportunidade de ver, pela televiso, esta mudana ! Estas consideraes de ordem mais abrangente, versando sobre as circunstncias nacionais e internacionais, se de um lado ajudam a compreender o refluxo do movimento

comunista ao final da dcada de 80 e incio da dcada de 90 26[26],por outro lado, no so suficientes para explicar a retrao que a Geografia Crtica tem hoje na produo geogrfica. Um aspecto a ser destacado diz respeito aos prprios limites encontrados nos que promovem a Geografia Crtica no pas. Por incongruncias que no estamos ao par, o certo que no h unidade entre os gegrafos crticos. 27[27] O que ocorre um certo n de pessoas afinadas com a concepo marxista, mas que no conseguem transferir esta afinidade terico-metodolgica em uma verso propriamente geogrfica de forma coesa. As divergncias quanto forma de se realizar esta passagem mostram-se muito sria. De modo que no possvel estabelecer esta escola, em termos institucionais, tal como ocorreu, por exemplo, com a Universidade Estadual de Rio Claro em relao Geografia Quantitativa durante uma certa poca. Avaliao A nossa poca caracteriza-se por um profundo aceleramento das relaes sociais, investimento financeiros, decises polticas ... como se em uma dada dimenso de tempo ocorressem mais coisas, simultaneamente, ocasionando mudanas mais densas e rpidas. H um processo veloz que a tudo e a todos procura enveredar, juntar, em nome de uma produo. Neste sentido, as verdades estabelecidas deixam de s-la e a perplexidade a tnica neste momento.28[28] Para onde vamos ? Neste contexto, no campo da cincia, uma nova aventura procura ser empreendida, tal como a iniciada por Ren Descartes sculos atrs. A teoria do caos, o paradigma da complexidade, a abordagem interdisciplinar ou transdisciplinar, enfoque holstico, etc. so correntes que procuram dar conta de nosso admirvel e assustador mundo novo. A Geografia, por sua vez, como tanto outras disciplinas, tambm enfrenta problemas quanto a sua permanncia no cenrio futuro. Quanto Geografia Crtica ... esta ainda existe ( ou resiste ? ) !

26[26]

Este refluxo atinge no s os partidos ( que comungam o iderio marxista-leninista ), mas a linha editorial de

colees de livros, os quadros polticos e o de intelecutais que passam a ser em menor nmero, etc. Enfim, h toda uma rede de relaes e projetos correlatos que so sriamente atingidos por este refluxo.27[27]

O texto de Armando Corra da Silva - A renovao geogrfica no Brasil - 1976/1983 ( as Geografias Crtica e

Radical em uma perspectiva terica ) publicado pelo Boletim Paulista de Geografia n 60, de 2 sem. 83/1 sem. de 84, pela seo AGB de So Paulo, apresenta um quadro representativo de quem estava diretamente envolvido neste processo.28[28]

sintomtico, deste perodo, que o cientista poltico Ren Dreifuss que escreveu um trabalho marcante sobre

ascenso dos militares ao poder, em 1964: a conquista do estado, tenha recentemente publicado o livro A poca das perplexidades .

No Brasil, o seu destino parece estar bem articulado ao da AGB e produo de livros didticos. Embora no tenha sido o nosso objeto uma anlise detida da AGB e dos livros didticos, foi-nos possvel notar que a partir de um certo momento esta entidade, que existe desde a dcada de 30, foi o principal instrumento de divulgao da Geografia Crtica29[29], ficando por conta dos livros didticos a capilarizao do fomento de uma nova conscincia poltica . Se comparamos a AGB do tempo da Geografia Crtica com a AGB do tempo que a produo geogrfica no era realizada pela universidade 30[30] , mas pelo IBGE, temos uma notria diferena de estilo, enquanto no primeiro momento promoveu-se encontros relativamente fechados, mas com grande rigor acadmico 31[31], no segundo incentivou-se, com mais intensidade, encontros com grande afluncia de pessoas, destacando-se sobretudo a presena de professores. 32[32] Hoje, aps mais de 20 anos do incio da Geografia Crtica em termos nacionais, parece que ocorre um processo inverso ao de 1979. Enquanto neste ano, a Geografia Crtica iniciou a sua capilarizao nas instituies e mentes, mas no acessava a estrutura de poder;29[29]

Em entrevista com Milton Santos, e publicada pela revista Geosul, n 12/13, 2 sem. de 1991 e 1 sem. de 1992, ele

aborda a cobertura que a AGB lhe deu quando de sua volta para o Brasil. Esta cobertura lhe era til, assim como ao prprio movimento que vinha sendo desenvolvido.30[30]

A produo universitria passou a tomar maior vulto com a expanso dos cursos de ps-graduao, na dcada de 70,

o que certamente deve ter influido na criao dos Encontros Nacionais de Gegrafos - ENG, proporcionando encontros com grande afluncia, isto antes da Geografia Crtica tomar vulto no cenrio brasileiro. O que os gegrafos crticos introduzem de novo a temtica poltica acompanhada por novos quadros nos postos de governo da AGB, seja em sees locais ou a nvel nacional.31[31]

Sobre esta comparao, em entrevista com Roberto Lobato Corra, e publicada pela revista Geosul, n 12/13, 2 sem.

de 1991 e 1 sem. de 1992, ele chega a afirmar: Objetivamente falando acho que a AGB tradicional era mais proveitosa. Contudo ns temos que ser realistas, e pensar um pouco nas centenas e centenas de estudantes de geografia e professores do secundrio que necessitam de um Encontro para aperfeioamento. Acho que a AGB atual tem seus mritos, sobretudo porque, atravs de suas Mesas-Redondas e cursos, tem suprido uma deficincia grave dos cursos de graduao. Portanto, a AGB atual tem um enorme papel social... ( p. 36 )32[32]

Cabe notar que no tempo que a produo geogrfica estava sob a influncia direta do IBGE, esta produo estava

articulada a uma clara lgica de planejamento, visando possvel interveno no territrio nacional, logo, os trabalho discutidos nos encontros promovidos pela AGB so sobretudo de ordem prtica. Em entrevista com o Prof. Orlando Valverde em maio de 1994, ele destaca o significado estratgico da criao do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica - IBGE durante a ditadura de Getlio Vargas. A perspectiva de que uma nova guerra ser novamente deflagrada na Europa leva o governo a ter iniciativas que lhe facultem melhores conhecimentos sobre as caractersticas, potencialidades, recursos do pas. O IBGE ao proporcionar um quadro cada vez mais exato da realidade brasileira faculta ao estado nacional, que encontrava-se em franco processo de fortalecimento, uma maior eficincia em suas intervenes, mitigando a ao dos poderes das oligarquias regionais que encontravam-se alojadas nas estruturas de governos estaduais.

hoje, alguns de seus representantes encontram-se bem situados em termos profissionais, mas verifica-se uma retrao de seu campo de influncia. Parece que a Geografia Crtica enquanto movimento parou ! E parou no por falta de conscincia dos impasses que atravessam a corrente 33[33], mas porque a poca que a ensejou no existe mais, seja a nvel nacional, seja a nvel internacional.

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O trabalho do Ruy Moreira - Assim se passaram dez anos - ilustra bem as dificuldades tericas na poca ( 1992 ) .

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ENTREVISTAS UTILIZADAS

Profs: Roberto Lobato Corra, Armen Mamigonia, Carlos Augusto de Figueiredo Monteiro, Manuel Correia de Andrade, Milton Santos e Orlando Valverde publicadas na revista GEO-SUL, Revista do Departamento de Geocincias da UFSC, n 12/13, ano VI, vs. pgs., 2 semestre de 1991 e 1 semestre de 1992. Prof. Spiridio Faissol publicada na revista GEO UERJ, Revista do Departamento de Geografia da UERJ, Rio de Janeiro, n 1, pp. 79-94, 1997. Prof. Pasquale Petrone publicada na revista GEO-SUL, Revista do Departamento de Geocincias da UFSC, n 15, ano VIII, pp. 103-137, 1993. Geopoltica34[1]

Helio de Araujo Evangelista

Resumo: O artigo aborda a geopoltica, tendo por objeto a sua relao com a geografia poltica a partir de textos de gegrafos brasileiros. Ao final, apresentamos nossa posio sobre o tema.

Abstract : This article deals with the geopolitics. It has for objective to show the relationship between political geography and geopolitics by using texts brazilian geographers. At the end, we explain our position about it.

Apresentao34 [1]

Uma verso deste trabalho foi publicada na Revista de Geocincias, do Instituto de Geocincias da

Universidade Federal Fluminense, ano 1, n 1, 2000.

Ao retomarmos as argumentaes favorveis ou contrrias transferncia da capital brasileira para o interior do Brasil, encontradas em Vesentini ( 1996 ) e Vasconcelos ( 1978 ), chama-nos a ateno a polmica que envolveu o gegrafo alemo, naturalizado americano, Sr. Leo Waibel, que ento prestava seus servios no Conselho Nacional de Geografia. Desta polmica, pelo artigo intitulado Determinismo Geogrfico e Geopoltica ( contribuio ao problema da mudana da capital ) ,35[2]

o Sr. Leo Waibel comenta o

Relatrio Tcnico da Comisso de Estudo para a Localizao da Nova Capital do Brasil, no qual observado que o trabalho do engenheiro Cristvo Leite de Castro, escrito sob a orientao de Leo Waibel, coloca ...a rea do Retngulo de Cruls em 6 lugar por no ter querido se elevar at o plano geopoltico do problema, preferindo ficar no plano de puro determinismo geogrfico ... ( 1961, pp. 612-614 ).36[3] O primeiro aspecto que Leo Waibel esclarece quanto ao determinismo, ele entende ser este um conceito introduzido por Ratzel pelo qual os elementos da geografia humana seriam determinados, principalmente, pelos fatores naturais. Waibel, enquanto discpulo de35

[2]

Ele foi originariamente publicado no O Jornal, do Rio de Janeiro, a 19 de dezembro de 1948 e

reproduzido no Boletim Geogrfico de 1961, n 164, pp. 612-617.36

[3]

O engenheiro Cristvo Leite de Castro, como explicita o prprio texto de Leo Waibel, teria redigido o

relatrio da Segunda Expedio Geogrfica que compreendeu trs meses de trabalho de campo, contando com a atuao de seis membros do Conselho Nacional de Geografia chefiados pelo sr. Fbio Macedo de Soares Guimares. A equipe, de forma unnime, foi desfavorvel localizao da Comisso Cruls, chefiada pelo astrnomo Cruls ao incio do sculo, que indicava, tendo por base parmetros eminentemente fsicos, a localizao da capital num quadriltero do planalto goiano.

Alfred Hettner, considera que os fatores fsicos no tem tamanha densidade para exlicar a dinmica social. A deciso cabe ao homem, ao seu estgio de desenvolvimento, ao poder da sua vontade ( que forte ) e ao esprito. Esta a filosofia geogrfica que hoje em dia geralmente aceita na Frana e na Alemanha... ( Ibidem, p. 613 ) Sobre o trabalho desenvolvido pelo astrnomo Cruls, ele observa que os fatores fsicos assumiram grande destaque na indicao da localizao da futura capital, e :

Os fatres humanos mereceram ali muito pouca ou nenhuma considerao, e a est, sem dvida, o mrito da Segunda Expedio Geogrfica, que aplicou os princpios da geografia humana ao problema da futura capital. Se h um determinismo geogrfico em algum dos dois relatrios, le est no da Comisso Cruls e no no nosso! nestas circunstncias, a observao do senhor presidente de que mesmo sse ( o nosso ) relatrio confirma e completa os dizeres essenciais do relatrio da Comisso Cruls para mim completamente desprovida de sentido. ( Ibidem, p.. 614 )

Quanto acusao de que Leo Waibel no teria se elevado ao plano geopoltico do problema, este retrucou: Mais uma vez le errou ; o que eu no quero rebaixar o meu padro profissional ao nvel de um geopoltico! Para os gegrafos alemes a palavra Geopolitik tem sabor amargo. A geopoltica aquela pseudo-cincia que largamente responsvel pela catstrofe da Alemanha atual, ... ( Ibidem, p. 614 )

E Waibel continua : ...O grande problema : qual a diferena entre a Geopolitik de Rudolf Kjelln e a Politische Geographie de Friedrich Ratzel ? Esta pergunta nunca foi respondida satisfatriamente. ( Ibidem, pp. 614-615 ) 37[4]

Pelo exposto, h uma notria repulsa ao termo geopoltica, porm, nos dias atuais, costuma ser muito mais usado que geografia politica. Por qu esta ambiguidade ? o que procuraremos tratar nas linhas que se seguem a partir de autores brasileiros que chegaram a abordar o tema de forma aprofundada.

A geopoltica brasileira

Percebe-se na literatura nacional uma certa dicotomia entre uma escola militar, para a qual no poucos civis prestaram seus servios, e uma escola acadmico-civil, mais recente, que trazem modos distintos na anlise da relao entre geopoltica e geografia poltica. Pela primeira escola, destacamos as contribuies dos militares Mrio Travassos ( 1938 ), Golbery do Couto e Silva ( 1981 ), Meira Mattos ( 1979 ) e Octvio Tosta ( 1984 ). Nesta corrente no incluimos Nelson Werneck Sodr que embora militar no veio a configurar com os autores mencionados um coletivo coeso. Cabe ressaltar ainda que para a formalizao desta corrente, dita militar, contribuiram civis, particularmente, Everardo Backheuser, Delgado de Carvalho e

37

[4]

Ao longo do texto, Waibel tece uma srie de comentrios sobre a Comiso que definiu a posio que a

capital do Brasil atualmente ocupa.

Therezinha de Castro ( esta falecida recentemente ao incio do ano ). A rigor, a contribuio destes decorre de uma poca na qual o dilogo entre civis e militares era mais fluente. Assim, no exclusivamente o paramento militar que configura este coletivo, mas assim o designamos por formar uma unidade que veio a ser mais estimulada pela Escola Superior de Guerra, criada em 1949. O segundo grupo teria uma ndole influenciada pela ambincia acadmicouniversitria, do qual destacaramos : Wanderley Messias da Costa ( 1992 ), Jos William Vesentini ( 1996 ), Andr Martin ( 1993 ), Demtrio Magnoli ( 1988 ), Manoel Correia de Andrade ( 1989 ) e Bertha Koiffman Becker ( 1988 ) . 38[5] Destaca-se, pela linha dos militares, que a geopoltica a face dinmica da prpria geografia poltica, isto porque a geopoltica teria a incumbncia de inspirar raciocnios que enveredariam em favor da formulao de estratgias de caractersticas militares . Assim, a geografia poltica teria um papel eminentemente informativo, ficando geopoltica a incumbncia de traar diretrizes estratgicas para o exerccio do poder. J na linha do pensamento civil, verifica-se uma diferena interna. Pois h os que entendem ser a a geopoltica como algo a ser proscrito enquanto uma verso ideolgica ( de cunho facista ) que pouco contribuiu para o avano da geografia. Por esta linha destacaramos Wanderley Messias da Costa.

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Isto sem mencionar os autores de reas de conhecimento distintas da geografia, mas voltados discusso

do tema, tais como Miyamoto ( 1995 ) e Mello ( 1999 ), que curiosamente, somam com a posio dos que defendem a geopoltica, como os militares, enquanto uma feio dinmica da reflexo poltica sobre bases territoriais, feio esta que a geografia poltica no teria logrado alcanar.

Por outro lado, h os que entendem ser a geopoltica um cabedal de conhecimento no passvel de ser descartado pela comunidade acadmica; particularmente, por este caminho, perfila Bertha Koiffman Becker.

Geopoltica e a geografia poltica

Para o Gen. Meira Mattos ( 1979 ) a geografia poltica ficou no campo das cincias geogrficas como a entendiam Whittlesey, Renner, Brunhes, Vallaux e tantos outros, enquanto que a geopoltica de Kjllen e de Ratzel adquiriu o sentido dinmico das cincias polticas, indicadora de solues governamentais inspiradas na geografia. Na escola raztzeliana, alinharam-se Kjllen, Maul, Mackinder, Spykman e o Haushofer. Mahan, norte-americano, anterior a Ratzel, pode ser considerado o precursor da teoria geopoltica com a sua concepo de destino manifesto, que tanta influncia teve nos rumos da poltica exterior dos Estados Unidos. O despretgio da geopoltica como cincia vem de sua apropriao pelos adeptos do Gen. Karl Haushofer que, depois da ascenso de Hitler na Alemanha, apoderaram-se do Instituo de Munique e transfomaram a geopoltica em um pretexto cientfico para justificar as teses do expansionismo nazista. A teoria do lebensraum - espao vital - que dominou o esprito geopoltico da Alemanha nazista, foi responsvel pelo seu descrdito como cincia. ( Mattos, 1979, p. 4 )

Para o general Golbery do Couto e Silva ( 1981 ), por sua vez, a geopoltica de Kjelln, tanto quanto a de Haushofer, sempre se props a ser conselheira da poltica, sendo

essencialmente uma arte, uma doutrina, uma teoria e nunca uma cincia. Para Kjellen, ela era apenas um dos cinco grandes ramos em que dividia a poltica; e, embora nas mltiplas definies da escola alem se fale tanto em arte, como em doutrina e mesmo em cincia, a geopoltica sempre caracterizada como base da ao poltica; o prprio Haushofer buscou ressaltar o seu carter dinmico. ( Silva, 1981, p. 29 )

A geopoltica sobretudo uma arte - arte que se filia poltica e, em particular, estratgia ou poltica de segurana nacional, buscando orient-las luz da geografia dos espaos politicamente organizados e diferenciados pelo homem. Seus fundamentos se radicam, pois, na geografia poltica, mas seus propsitos se projetam dinamicamente para o futuro. ( Silva, 1981, p. 33 )

A geopoltica nada mais que a fundamentao geogrfica de linhas de ao poltica, quando no uma proposio de diretrizes polticas formuladas luz dos fatores geogrficos, em particular de uma anlise calcada, sobretudo, nos conceitos bsicos de espao e de posio. Um dos ramos, portanto, da poltica, como a imaginara o prprio Kjelln e sempre a qualificou, entre ns, o mestre Backheuser: poltica feita em decorrncia das condies geogrficas. ( Silva, 1981, p. 64 ) Wanderley Messias da Costa ( 1992 ) , por sua vez, observa:

... Descartadas as confuses e dissimulaes em torno do rtulo, pode-se afirmar com relativa segurana que a geopoltica, tal como foi exposta pelos principais tericos, antes de tudo um subproduto e um reducionismo tcnico e pragmtico da geografia poltica, na

medida em quem se apropria de parte de seus postulados gerais, para aplic-los na anlise de situaes concretas interessando ao jogo de foras estatais projetado no espao. Nesse sentido, a exemplo do que ocorre com parte da cincia econmica em relao economia poltica clssica, a geopoltica representa um inquestionvel empobrecimento terico em relao anlise geogrfico-poltica de Ratzel, Vallaux, Bowman, Gottmann, Hartshorne, Whittlesey, Weigert, e tantos outros. Essa a questo essencial, desde logo, que deve sobrepor-se s demais, a comear dos artifcios notoriamente simplrios como o de tentar situ-la como cincia de contato entre a geografia poltica e a cincia poltica, a cincia jurdica, etc., bastante comum nas introdues de inmeros generais-gegrafosgeopolticos, a comear por Haushofer. Por outro lado, o assunto tambm est sujeito a todo tipo de confuso terminolgica, j que anlises e estudos ditos geopolticos podem freqentemente tratar-se de estudos geogrficos-polticos, preferindo os autores a utilizao da primeira expresso por simples comodismo vocabular ou modismos. Finalmente, e aps um processo de filtragem por que passou no perodo do ps-Segunda Guerra, especialmente em suas conotaes ideolgicas vinculadas ao nazismo, muitos autores, at mesmo os crticos da velha geopoltica, passaram a adotar esse rtulo em seus estudos de geografia poltica. ( 1992, p. 55-56 )

Bertha K. Becker ( 1988 ) , por sua vez, observa que a busca de novos paradigmas da cincia e o rompimento das barreiras entre as disciplinas - a transdisciplinaridade parecem hoje tornar-se uma exigncia. E o rompimento da barreira entre a geografia e a geopoltica numa perspectiva crtica, integrando a natureza holstica e estratgica do

espao, pode representar um passo importante nesse caminho, pois que o poder e o espao e suas relaes so, sem dvida, problemticas contemporneas significativas. Neste ponto, h uma distino clara entre Becker e Costa. Este ltimo destaca o carter ideolgico que a geopoltica tem; para Becker, no entanto, a geopoltica tem um carter instrumental que no pode ser desprezado, embora isto no a leve olvidar da ideologia que permeia a geopoltica, como podemos perceber pela passagem abaixo.

Mas a herana de Ratzel, embora por alguns exacerbada, foi, em geral, negada pelos gegrafos que, ao recusarem sua concepo determinista, negaram tambm toda a sua riqueza terica. Sua herana foi por outro apropriada. Permaneceu, assim, a Geografia, margem de todo um conjunto de tcnicas e de um saber que instrumentalizam e pensam o espao a partir da tica do Estado ( e tambm da grande empresa ) - embora com ele colaborando direta ou indiretamente - o que certamente a esvaziou de seu contedo. Negar, portanto, a prtica estratgica, seja a das origens da disciplina, seja a teorizada por Ratzel, seja a da Geopoltica explcita do Estado Maior ou a implcita na prtica dos gegrafos, negar a prpria Geografia, que foi, assim, prejudicada no seu desenvolvimento terico e na sua funo social. E repensar a Geografia envolve necessariamente o desvendar da Geopoltica, sua avaliao crtica e seu resgate, e o trazer desse conhecimento para debate na sociedade. Em outras palavras, nesse campo de preocupaes, Geografia caberia a teorizao sobre a prtica estratgica desenvolvida pela Geopoltica. ...

A Geopoltica que queremos resgatar a do reconhecimento, sem fetichizao, da potencialidade poltica e social do espao, ou seja, a do saber sobre as relaes entre espao e poder. Poder multidimensional, derivado de mltiplas fontes, inerente a todos os atores, relao social presente em todos os nveis espaicias. Espao, dimenso material, constituinte das relaes sociais e, por isso mesmo, sendo, em si, um poder. A tentativa desse resgate aqui apresentada em questes que constituem a nossa prtica atual de pesquisa, sem a menor pretenso de esgot-las..( 1988,.p. 100 ) A dvida, no entanto, que se abre da leitura do texto de Becker se ela no confunde o resgate da dimenso poltica do espao com o resgate da prpria geopoltica. No podem ser considerados procedimentos distintos ? Mas, por outro lado, possvel retomarmos uma anlise do contedo poltico do espao sem termos em conta o legado da geopoltica ? Ela prope resgatar a geopoltica :

Resgatar no significa negar e sim reler criticamente, aceitando o que se considerar uma contribuio e descartando o que se considerar inaceitvel. A postura metodolgica aqui adotada para tal releitura a que privilegia a construo do objeto de estudo e no o objeto em si. A Geopoltica no est dada - ela construda hoje, no atual perodo histrico, pelo trabalho humanao tanto material quanto intelectual e, assim produzida, tem movimento e abertura para o indeterminado, que essencialmente poltico. Trata-se, portanto, de reconstruir o processo de sua produo material e intelectual no final do Sculo XX, detectando as foras que nele atuam. ....

, portanto, no contexto da instrumentalizao do espao - e do tempo - bem como do reconhecimento de sua potencialidade que se pode resgatar a dimenso poltica da Geografia contida no seu projeto original e posteriormente renegada. ( Ibidem, p. 101 )

Nesta passagem, Becker destaca o objeto em construo, estando a indicar que se a geopoltica foi o qu muitos condenam, poder vir a ter outro perfil. Poder mesmo ? Qual a raiz da geopoltica ? Acaso no o raciocnio pautado em dados geogrficos voltado para a luta ?

A cerne da geografia poltica/geopoltica para Becker encontra-se em duas contribuies de Ratzel, a saber:

1 - A Geografia Poltica como base de uma tecnologia espacial do poder do Estado. A Geografia Poltica deveria ser um instrumento para os dirigentes que, em contrapartida, aprenderiam a instrumentaliz-la. Ela explica que, para compreender a natureza de um imprio, necessrio passar pela escola do espao, isto , de como tomar o terreno ( Korinman, 1987 ). Da a importncia atribuda Geoestratgia e concepo da situao geogrfica como um dispositivo militar para o gegrafo que analisa o comrcio e as relaes em geral, a economia, sempre configurada espacialmente, a guerra; os fatos do espao so sempre singulares, cada qual situado na interseo de processos diversos, onde precisamente devem atuar as estratgicas. 2 - A busca de leis gerais sobre a relao Estado-espao. A busca de leis gerais reside na ligao estreita do Estado com o solo, considerado a nica base material da unidade do Estado uma vez que sua populao, via de regra, apresenta-se diversificada.

Assim, politicamente, a importncia absoluta ou relativa do Estado estabelecida segundo o valor dos espaos povoados. Como uma forma de vida ligada a uma frao determinada da superfcie da terra, o Estado tem como propriedades mais importante o tamanho do seu espao ( raum ), a sua situao ou posio ( lage ) em relao ao exterior - conceitos - chave da Geografia - e as fronteiras. Se o desenvolvimento do Estado um fato do espao, Ratzel admite que seu lao com o solo no o mesmo em todos os estgios da evoluo histrica; em sete leis do crescimento do Estado, estabelece que o crescimento deste depende de condies econmicas e da incorporao de novos espaos, e tarefa do Estado assegurar a proteo de seus espaos atravs da poltica territorial. A concepo organicista de Ratzel no se restringe a comparar o Estado a um ser vivo. Ela reside na naturalizao do Estado, entendido como nica realidade representativa do poltico, nica fonte de poder. Todas as categorias de anlise procedem de um s conceito; Estado e nao se confundem em um s ator, o Estado indiviso, como algo natural, preestabelecido, no se concebendo conflitos a no ser entre Estados. Isso no elimina sua contribuio bsica sobre a tecnologia espacial do poder e sobre a relao Estado-espao naquele perodo histrico. Um segundo momento crucial da relao Estado-espao se configura no segundo ps-guerra, no previsto por Ratzel. ( Ibidem, p. 103 )

Pelo exposto, Becker destaca a postura de quem produz o estudo geogrfico, que deve ser passvel, ou no, de recriminaes. Deste modo, no se deve imputar a um rtulo, no caso geopoltica, a encarnao de algo invlido.

Assim, Becker elogia em Ratzel o fato deste ter colocado o Estado dentro das preocupaes geogrficas. O que cabe, ento, manter este carter renovador de seu pensamento, ao vislumbrar novos horizontes para a geografia poltica. Para Becker, a nova geopoltica, na verdade, resultar da interao entre dois processos, a reeestruturao tecnolgica e os novos movimentos sociais. No entanto, ela ensina que esses movimentos e os atores polticos s podero reverter as tendncias atuais se forem capazes de se situar no novo domnio histrico resultante da revoluo tecnolgica e da reorganizao do capitalismo.

Wanderley Messias da Costa ( 1992 ) sobre a proposta de Becker, observa que ela inovadora : ...sob todos os aspectos, e pe em debate no pas questes fundamentais que transcendem o mbito da geografia. Independente do rtulo pouco apropriado ( por que no resgatar a Geografia Poltica, que afinal sempre gerou as geopolticas ? ), o seu trabalho ( e de seu grupo ) realmente notvel, especialmente porque introduz essa reflexo incorporando o que h de mais avanado no setor ( assunto com o qual nos ocuparemos adiante ). Com ele, tambm, Bertha Becker no resgata esse campo de reflexes apenas para a Geografia, mas, ao lados de alguns poucos estudiosos desses temas nas cincias sociais, recupera-o para o ambiente acadmico. A considerar-se a nossa peculiar histria poltica, isto equivale, no Brasil, a um legtimo resgate civil. ( 1992, p. 228 )

Ao refletirmos sobre a considerao acima, parece-nos que Becker deseja resgatar algo que o primeiro deseja preterir, ou seja, Becker intenciona encontrar na geopoltica instrumentos para melhor resgatar o teor poltico da geografia. J Costa, ao entender que a

geopoltica s se apresenta como um engodo ideolgico, cabe ento descartamos de nosso intinerrio uma preocupao com a mesma !

Na nossa interpretao, a origem histrica dos dois termos, geopoltica e geografia poltica, est pautada pela situao de que esta ltima est mais identificada com a formao de diagnsticos, enquanto a primeira com a proposio de medidas que digam respeito ao do estado. No entanto, esta diferenciao, no curso dos estudos no se mostra to decisiva para se compreender a diferena entre os dois campos. A rigor, nesta discusso, o que est em pauta a questo da legitimidade entre a geopoltica e a geografia poltica. Se no encaramos os dois rtulos como sinnimos, estes campos esto a disputar temas de estudos prximos. E sendo o caso, ao longo do tempo, um ou outro estar sobressaindo ...

Concluso

Entendemos, que a geopoltica, tal como se apresenta hoje, e pelo que foi no passado, parece estar mais apta realar o contedo poltico da geografia. A geopoltica apresenta uma maior densidade poltica em funo, de um lado, por estar marcada por uma maior interdisciplinaridade ( envolvendo diretamente a cincia poltica, assim como a cincia social ) , mas, sobretudo, por estar voltada para a luta/guerra, algo comum na histria humana. Entendemos, tambm, que o carter intrincado do poder na geografia solicita uma melhor compreenso quando temos a perspectiva de que uma guerra est sendo travada (

mesmo quando o conflito incruento, como numa luta comercial ). Esta familiaridade com a guerra, podemos verificar mais claramente na geopoltica ! Pode-se argumentar que na geopoltica encontra-se uma dimenso ideolgica, sustentadora, por exemplo, da ao do Estado. No entanto, esta dimenso ideolgica adquire corpo quando se trava uma luta. Se a pessoa opta em aceitar ou combater este vis, isto decorrer de sua insero na sociedade. Inclusive, poderamos pensar em sentido semelhante em relao geografia poltica, qual no se atribui uma funo ideolgica ... ora, este carter no ideolgico da geografia poltica parece ser a sua prpria ideologia ... Deste modo, o campo de estudo da geopoltica , necessariamente, um campo que envolve todos os artifcios para se controlar as diferentes partes do planeta, inclusive fazendo uso da ideologia. Deste modo, quem se dedica geopoltica cabe percorrer as linhas de pensamento luz dos dilemas que envolviam aqueles que as elaboraram; o que, alis, algo prprio de quem se debrua sobre as cincias humanas como um todo, pois estas esto marcadas pelas circunstncias histricas, ideolgicas, etc.

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