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55 Revista Discente Expressões Geográficas, nº 06, ano VI, p. 55 – 70. Florianópolis, junho de 2010. www.geograficas.cfh.ufsc.br CONSIDERAÇÕES SOBRE A FORMAÇÃO DOS ESPAÇOS DE PODER Carlos Henrique Pereira Barbosa Historiador pela UFSC [email protected] Marcos Aurélio Espíndola Historiador pela UFSC, Mestre em Geografia pela USP e Doutor e Geografia pela UFSC [email protected] RESUMO O presente artigo visa fundar bases teóricas preliminares para estudar as relações de poder que perpetram a execução de grandes obras de engenharia, tão em voga nas diversas regiões do Brasil, buscando destarte, compor modelos analíticos às obras assim implementadas. Dentre estas, buscar-se-á enfatizar as que abarcam aproveitamentos hidráulicos de rios e aqüíferos; incluindo as instauradas mediante o Plano de Aceleração do Crescimento do Governo Federal (PAC). Por conseguinte, faz-se necessário um maior aprofundamento sobre o conceito de Poder aqui exposto no aventado por autores pertencentes a linhas de pensamento distintas, destacando os que, com maior precisão e clareza, forneceram elementos essenciais à compreensão das relações de Poder; desígnio que ora torna-se imperioso para a construção de pesquisas futuras. Além do mais, faz-se mister este tipo de digressão, desmistificando o senso comum em torno do conceito de Poder disseminado na sociedade e entendido como domínio unívoco do Estado ou de organizações. Palavras-chave: espaço, poder, relações, aproveitamento hidráulico. RESUMEN El actual artículo pretende fundamentar la teoría para los estudios de las relaciónes de poder que perpetran la ejecución de grandes trabajos de ingeniería, tan en boga en diversas locales de lo Brasil, en busca, entretanto, de componer modelos analíticos para las obras así hechas. Se buscara dar énfasis a las que abarcan aprovechamientos hidráulicos de rios e acuíferos, incluso las instauradas por medio de lo Plan de Aceleración de Crecimiento (PAC) del Gobierno Federal. Así, es hecho necesario un mayor profundamiento del concepto de Poder acá expuesto por lo que ha dijo en actores con pertenecimiento a las líneas de pensamiento distintas, con realce para las que, con mayor precisión y evidencia, aprovisionaran elementos esenciales para lo entendimiento de las relaciones de Poder, designio que es hecho imperioso afín de construir las pesquisas del futuro. Aunque, se hecho preciso este tipo de digresión, desmitificando lo sentido común en torno del concepto de Poder diseminado en la sociedad e entendido como dominio unívoco del Estado ó de las organizaciones. Palavras llaves: espacio, poder, relaciónes, aprovechamiento hidráulico.

CONSIDERAÇÕES SOBRE A FORMAÇÃO DOS ESPAÇOS DE PODER

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Espaços de Poder

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    Revista Discente Expresses Geogrficas, n 06, ano VI, p. 55 70. Florianpolis, junho de 2010.

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    CONSIDERAES SOBRE A FORMAO DOS ESPAOS DE PODER

    Carlos Henrique Pereira Barbosa Historiador pela UFSC

    [email protected]

    Marcos Aurlio Espndola Historiador pela UFSC, Mestre em Geografia pela USP e

    Doutor e Geografia pela UFSC [email protected]

    RESUMO O presente artigo visa fundar bases tericas preliminares para estudar as relaes de poder que perpetram a execuo de grandes obras de engenharia, to em voga nas diversas regies do Brasil, buscando destarte, compor modelos analticos s obras assim implementadas. Dentre estas, buscar-se- enfatizar as que abarcam aproveitamentos hidrulicos de rios e aqferos; incluindo as instauradas mediante o Plano de Acelerao do Crescimento do Governo Federal (PAC). Por conseguinte, faz-se necessrio um maior aprofundamento sobre o conceito de Poder aqui exposto no aventado por autores pertencentes a linhas de pensamento distintas, destacando os que, com maior preciso e clareza, forneceram elementos essenciais compreenso das relaes de Poder; desgnio que ora torna-se imperioso para a construo de pesquisas futuras. Alm do mais, faz-se mister este tipo de digresso, desmistificando o senso comum em torno do conceito de Poder disseminado na sociedade e entendido como domnio unvoco do Estado ou de organizaes.

    Palavras-chave: espao, poder, relaes, aproveitamento hidrulico.

    RESUMEN

    El actual artculo pretende fundamentar la teora para los estudios de las relacines de poder que perpetran la ejecucin de grandes trabajos de ingeniera, tan en boga en diversas locales de lo Brasil, en busca, entretanto, de componer modelos analticos para las obras as hechas. Se buscara dar nfasis a las que abarcan aprovechamientos hidrulicos de rios e acuferos, incluso las instauradas por medio de lo Plan de Aceleracin de Crecimiento (PAC) del Gobierno Federal. As, es hecho necesario un mayor profundamiento del concepto de Poder ac expuesto por lo que ha dijo en actores con pertenecimiento a las lneas de pensamiento distintas, con realce para las que, con mayor precisin y evidencia, aprovisionaran elementos esenciales para lo entendimiento de las relaciones de Poder, designio que es hecho imperioso afn de construir las pesquisas del futuro. Aunque, se hecho preciso este tipo de digresin, desmitificando lo sentido comn en torno del concepto de Poder diseminado en la sociedad e entendido como dominio unvoco del Estado de las organizaciones. Palavras llaves: espacio, poder, relacines, aprovechamiento hidrulico.

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    INTRODUO

    Se h poder, h resistncia. Como no jogo fsico de ao e reao, o

    exerccio de um poder implica sempre uma resistncia, isso , um poder contrrio, um contra-poder. Ningum exerce poder

    impunemente, e ningum apenas passivo nas relaes de poder. Michel Foucault

    Pretendemos estabelecer, no presente artigo, um primeiro esboo terico em busca

    de um mapeamento dos meandros em que as relaes de poder manifestam-se,

    constituindo-se na forma de contradies que se embatem e se difundem em todo o

    espao social.

    Tomamos como objeto as grandes obras de infra-estrutura que vm sendo

    empreendidas no pas nos ltimos anos por considerarmos campo frtil para o intuito de

    perscrutar como se do tais relaes.

    As relaes de poder sero aqui discutidas como relaes eminentemente polticas,

    onde esperamos tambm abrir espao para denotar que, sob a forma de relaes radiais

    de poder, tais agenciamentos podem se conjugar a mecanismos centrados em

    dispositivos acumuladores de poder (Estado, organizaes, etc.) e acabar por formar

    fluxos disciplinarizadores ou controladores, os quais se irradiam pela sociedade

    subliminarmente. Neste sentido, concordamos com Chtelet e Pisier-Kouchner, segundo

    os quais, o poder:

    [...] penetra na estrutura delgada da sociedade: identificvel em todos os nveis e, conforme seu objeto, insinua-se, sua maneira, na existncia. [...] e, de certo modo, revelada assim a natureza de todo o poder, o qual, na verdade, no se situa nem em um termo abstrato (o Estado, a lei ou a representao coletiva), nem em uma realidade emprica (o governo ou a classe social), mas forma o prprio tecido (no sentido em que o sangue um tecido) da realidade (CHTELET e PISIER-KOUCHNER, 1983, p. 673).

    O re-escalonamento da discusso sobre os dispositivos e as relaes de poder

    advindos tanto da reproduo do capital, como da esfera simblica, do poltico ou do

    micropoltico e a formao de espaos de poder segundo as correlaes que

    consequentemente se realizam na sociedade o objeto central deste artigo, no sentido de

    que possam ser estabelecidas modalidades sob as quais o poder se apresenta em cada

    caso. Para tal, teremos de realizar uma breve visita a alguns dos principais autores que

    trataram do assunto fora do campo da Geografia, para num segundo momento, alm da

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    composio deste artigo, discutir as relaes de poder sob um prisma especificamente

    espacial. Por isto, autores que do importantes contribuies discusso da cincia

    geogrfica sobre as relaes de poder esto quase ausentes nas discusses levantadas

    pelo presente artigo.

    CONCEPES DE PODER

    Desde as pioneiras especulaes realizadas por Maquiavel em torno das relaes de

    poder que poderiam levar formao do Estado nacional italiano, diversas concepes

    sobre o poder foram concebidas pela tradio filosfica ocidental, embora apenas nos

    sculos XIX e XX elas tenham tornado-se menos especulativas e mais embasadas na

    realidade social concreta.

    At o incio da trajetria intelectual de Karl Marx e F. Engels, as relaes de poder

    permaneceram sendo analisadas to somente sob um ponto de vista centrado nas

    polticas de Estado. Os criadores do Materialismo Histrico foram os primeiros a

    estabelecer uma disjuno entre as relaes de poder e os dispositivos gerenciadores

    centrados no Estado, mesmo no tendo estabelecido sobre este assunto uma

    conceituao rigorosa.

    Dentro da tradio intelectual marxista, Nicos Poulantzas (1971, p. 111), servindo-se

    das obras de Marx e Lnin, conceituou poder como (...) a capacidade de uma classe

    social de realizar os seus interesses especficos, assinalando ainda que esta definio

    reporta-se (...) ao campo das prticas de classe e das relaes entre as prticas de

    classe, isto ao campo da luta de classes: tem como quadro de referncia a luta de

    classe de uma sociedade dividida em classes (idem ibidem, p. 112) e a capacidade de

    uma classe (idem ibidem, p. 114) para realizar tais interesses, organizando-se para tal,

    dentro do quadro delimitado pelas estratgias das outras classes em luta e pelos seus

    prprios fins, em um movimento poltico de classe com vista a realizar os seus interesses

    sob uma forma geral, sob uma forma que possui uma fora social coercitiva universal

    (MARX apud POULANTZAS, 1971, p. 115)1, traando uma ntida linha demarcando onde

    se do os lugares de dominao e os de subordinao.

    1 Os Grifos em itlico so de Poulantzas

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    Poulantzas coloca em relevo que esta capacidade potencial depende dos interesses

    objetivos2 vinculados s prticas de classe e no das estruturas produtivas. Estes

    interesses, concebidos como limites da extenso de uma prtica especfica de classe

    deslocam-se de acordo com os interesses das outras classes em presena, (idem

    ibidem, p. 120) chegando, enfim, concepo, fundamental para nosso os objetivos do

    presente artigo, de que existe uma especificidade nos interesses de classe a serem

    realizados como elementos da noo de poder, j que:

    Com efeito, se os interesses no esto localizados nas estruturas como a situao de classe nas relaes de produo, mas como limites dos nveis do campo das prticas, podemos perfeitamente conceber que se possa falar de interesses relativamente autnomos de uma classe no econmico, no poltico e no ideolgico. O poder situa-se ao nvel das diversas prticas de classe, na medida em que existem interesses de classe relativos ao econmico, ao poltico e ao ideolgico. Mais particularmente, numa formao capitalista caracterizada pela autonomia especfica dos nveis de estruturas e de prticas, e dos respectivos interesses de classe, podemos ver nitidamente a distino entre o poder econmico, o poder poltico, o poder ideolgico, etc., consoante a capacidade de uma classe para realizar os seus interesses relativamente autnomos em cada nvel. Por outras palavras, as relaes de poder no se situam unicamente ao nvel poltico, da mesma maneira que os interesses de classe no se situam unicamente ao nvel econmico (idem ibidem, p. 122).

    Desta forma, instituies sociais, tais como o Estado, as organizaes privadas e

    coletivas, no so detentoras do poder propriamente dito. Pelo contrrio, so as classes

    sociais que investem poder em determinadas instituies, que assim tornam-se centros

    de poder, sendo o Estado, neste contexto, o centro do poder poltico (Idem ibidem, p.

    124). Contudo, isto no quer dizer que instituies como o Estado e seus aparelhos sejam

    rgos ou agncias do poder de classe, j que eles possuem uma relativa autonomia,

    como gerenciadores do controle do metabolismo social nas sociedades do capital, ou

    como diria Poulantzas (idem ibidem), por uma especificidade estrutural, que,

    infelizmente, no pode ser analisada no espao deste artigo.

    Em resposta ao marxismo, as cincias sociais estabeleceram, em diferentes

    momentos, vrias conceituaes relacionadas formao das relaes de poder.

    Enquanto os liberais, ignorando as contradies de classe, mantinham sua crena em que

    o poder o fato de participar na tomada de decises (LASSWELL; KAPLAN apud

    POULANTZAS, 1971, p. 111), funcionalistas, como Talcot Parsons, chegaram a defender

    que o poder emanaria da capacidade de exercer funes em proveito do sistema social 2 Mencionou-se aqui que os interesses de classe so interesses objetivos, a fim de frisar que no se trata de motivaes de comportamentos (idem ibidem, p. 121).

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    considerado no seu conjunto (PARSONS apud POULANTZAS, 1971, p. 112), numa

    forma conceitual to integracionista e alheia aos conflitos de classe quanto a dos liberais

    vulgares mais reducionistas.

    Max Weber, pelo contrrio, admitiu que, nas aes sociais, a tendncia ao conflito

    to natural quanto tendncia integrao (WEBER apud CHTELET; PISIER-

    KOUCHNER, 1983). Para este autor, justamente tal dualidade que funda a ordem

    poltica, pois:

    precisamente essa dualidade que forma o pano de fundo da ordem poltica. Tal ordem aparece desde o momento em que se manifesta o poder: o poder um dado de fato como na filosofia de Hobbes -, e manifesta-se inteiramente na obedincia na qual o indivduo ou o grupo social obriga outros indivduos ou grupos sociais. [...] Desse modo, estamos diante dos elementos essenciais que permitem definir o Estado. Pois na idia de agrupamento poltico est implcita a noo geogrfica de territrio e a noo histrica da continuidade temporal: o Estado, desse modo, a instituio que usa a dominao para se atribuir o monoplio da coero fsica. E cidado que aceita esse monoplio (WEBER apud CHTELET; PISIER-KOUCHNER, 1983, p. 503).

    De toda forma, nesta concepo historicista que enfatiza tipos ideais e

    sociedades-sujeito, produtos do comportamento dos sujeitos-agentes, Weber (apud

    POULANTZAS, 1971, p. 111) estabelece uma definio mais estrita sobre o assunto.

    Nela, ele defende que o poder a probabilidade de certo comando com um contedo

    especfico ser obedecido por um grupo determinado. Este comando seria exercido dentro

    de uma associao autoritria, manifestao dos valores-fins de sujeitos-agentes,

    levando a discusso weberiana sobre o poder a enveredar o caminho que leva

    problemtica da legitimidade.

    Weber chega, por esse caminho, a estabelecer uma tipologia dos gneros de

    dominao, ou dos poderes, tipificando-os em: poder carismtico, poder tradicional e

    poder racional (CHTELET; PISIER-KOUCHNER, 1983, p. 503 e 504), sem, no entanto,

    nunca sair do nvel da constatao, sem nunca colocar em relevo a real dimenso do

    poltico em sociedades calcadas na realizao do lucro.

    Antes de continuarmos, deve-se ainda dar o crdito necessrio a Weber, por ter

    sido o primeiro cientista social que colocou em evidncia a questo da tcnica nas

    relaes sociais, atravs da racionalidade cientfica e industrial como norma para essa

    acumulao. Mas no pela tipologia weberiana que pretendemos nos embrenhar nem

    no presente artigo.

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    De qualquer forma, todas estas concepes do poder, assim como o pensamento

    que se desenvolveu na esteira destes autores, no conseguiram nem ir alm do

    pensamento marxiano/marxista3 nem se libertar da enganosa centralidade do poder nas

    instituies de Estado e organizaes privadas.

    Mesmo aqueles estudiosos que buscaram no subjetivismo o remdio para o

    marxismo e o estruturalismo, acabaram por relegar as relaes de poder intrapessoais

    para a resenha das foras no legitimadas. Assim, estas noes s vo dar conta,

    quando tanto, das relaes de poder legitimadas, das relaes formatadas e

    institucionalizadas, no da dinmica que as instituem e formatam, sendo o pensamento

    de Weber o ponto de partida para quase todas as argumentaes dos melhores autores

    que se recusam a ver na sociedade a origem de todo o poder, legitimado ou alternativo.

    No por mero acaso que pretendamos estabelecer um dilogo muito prximo com

    o marxismo, j que as alternativas a ele entre o pensamento clssico, no que tange ao

    estudo das relaes de poder, so bastante insatisfatrias para o horizonte terico que

    perpassa este artigo.

    Mas o pensamento de outros autores mais recentes ter igual relevncia para o

    entendimento das relaes de poder que se apresentam em empreendimentos

    pretensamente nacional-desenvolvimentistas como a Transposio do rio So Francisco

    ou a construo de barragens no rio Madeira, entre outras obras includas no Programa

    de Acelerao do Crescimento (PAC) do atual governo brasileiro.

    A literatura acadmica e suas ramificaes, insistentemente, tem-nos iludido no

    sentido de apreender o capital como veculo onipresente da dominao fundada na

    mediao do Estado burgus. Isto se d justamente quando "o intelectual terico deixou

    de ser um sujeito, uma conscincia representante ou representativa. Aqueles que agem e

    lutam deixaram de ser representados, seja por um partido ou um sindicato que se

    arrogaria o direito de ser a conscincia deles" (FOUCAULT apud DELEUZE, 2006, p.

    266), quando "no h mais representao, h to-somente ao, ao de teoria, ao de

    prtica, em relaes de revezamento ou em rede" (Idem ibidem).

    O fato que os intelectuais j no tm mais o mesmo estatuto social de outrora

    frente s massas e s classes dominantes. Fomos impelidos a descobrir

    3 Na verdade, ela no faz muito mais do que corrigir, aprofundando particularmente ao permitir compreender um movimento que a anlise deixava ao jogo dos eventos e dos desejos individuais - o que era estabelecido na Seo VIII de O Capital (CHTELET; PISIER-KOUCHNER, 1983, p. 506 e 507).

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    [...] que as massas no necessitam deles para saber; elas sabem perfeitamente, claramente, muito melhor do que eles; e elas o dizem muito bem. Mas existe um sistema de poder que barra, interdita, invalida esse discurso e esse saber. Poder que no se encontra somente nas instncias superiores de censura, mas que penetra muito profundamente, muito sutilmente em toda a trama da sociedade

    (idem ibidem).

    No somos mais outsiders, malditos ou militantes, embora possamos ostentar

    renomadamente estes eptetos. Pelo contrrio, na atualidade, os "intelectuais fazem parte

    desse sistema de poder e a idia de que eles so agentes da "conscincia" e do discurso

    tambm faz parte desse sistema" (Idem ibidem).

    O pesquisador que pretende se manter crtico diante da realidade scio-espacial j

    no deve se posicionar "um pouco na frente ou um pouco ao lado' para dizer a muda

    verdade de todos; (...) [deve] antes, lutar contra as formas de poder exatamente onde ele,

    como intelectual, ao mesmo tempo o objeto e o instrumento: na ordem do 'saber', da

    'verdade' da 'conscincia', do 'discurso' " (idem ibidem, p. 266 e 267), o que leva a teoria,

    a prtica terica do intelectual contemporneo a ser prxis, mesmo que no constituda,

    necessariamente, sob a perspectiva materialista histrica. " levando-se em conta que a

    teoria no expressar, no traduzir, no aplicar uma prtica; ela uma prtica. Mas

    local e regional, como voc [Deleuze] diz, no totalizadora" (idem ibidem, p. 267).

    O mundo contemporneo continua repleto de formas de dominao extra-

    econmicas, psicossociais, polticas e scio-culturais. Em seus estudos sobre o

    nascimento da instituio carcerria e a constituio do dispositivo de sexualidade,

    Foucault demonstrou-nos, de forma cabal, a existncia de assincronias entre Estado e

    poder. O poder, segundo o filsofo francs, incide de forma descentrada, atingindo a

    realidade mais concreta dos indivduos - o seu corpo - [situando-se] ao nvel do prprio

    corpo social, e no acima dele, penetrando na vida cotidiana e por isso podendo ser

    caracterizado como micro-poder (MACHADO, 1988, p. 196). Portanto, o poder no se

    dissemina somente junto ao capital ou a partir do Estado, mas atravessa as barreiras

    institucionais, realizando-se em formas mutantes, que podem tornar-se tanto reacionrias

    como inovadoras.

    Para escapar do paradigma estruturalista sujeito/objeto, Foucault deixou de lado a

    anlise das prticas sociais, o que se representou, ao mesmo tempo, a fora e o

    calcanhar de Aquiles de todo o seu pensamento. Fora, porque atravs deste caminho

    conseguir estabelecer a arqueologia discursiva dos poderes que incidem e modificam as

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    realidades sociais institudas - atravs da anlise discursiva dos construtores das

    disciplinas cientficas burguesas, traando sua genealogia desde suas primeiras

    manifestaes, no sculo XVII at o estabelecimento, no que ele chama de poca

    clssica (sculo XIX), de um poder fundado numa socializao das condutas que se

    traduzem num melhor controle sobre a populao, materializando-se como lugar de

    produo de verdades. Como menciona Dosse:

    Resolutamente nominalista, Foucault desliga-se de prticas ou de uma abordagem institucional do poder. Para ele, tampouco, se trata de fazer uma sociologia histrica de um interdito, mas a histria poltica de uma produo de verdade. O poder, j em Survellier et punir, no mais percebido aqui como uma mquina de encerramento, o lugar de uma estratgia de verdade, cuja vertente de interdies seria to somente a expresso dos seus limites. O novo rumo adotado por Foucault, que se desfaz de uma concepo puramente negativa do poder, deve ser associado a uma nova relao com a poltica, nesses tempos em que as perspectivas de uma revoluo se distanciam (DOSSE, 2007, p. 421).

    Fraqueza devido ao fato de, como acima aludido, no poder dar conta das relaes

    infra-estruturais de poder em resposta aos contra-poderes de forma to profunda como

    deles tratou, acabando por abandonar qualquer tentativa neste sentido. Desta forma, seu

    mtodo arqueolgico acabou por servir de plataforma para todo o tipo de experimento

    ps-moderno e foi vulgarizado to rapidamente como o fora, anteriormente, o pensamento

    marxiano.

    No entanto, em sua ltima virada metodolgica, no incio da dcada de 1980,

    Foucault (1984) inicia a construo de uma hermenutica do desejo, (...) uma histria do

    pensamento, por oposio histria dos comportamentos ou das representaes: definir

    as condies nas quais o ser humano problematiza o que ele e o mundo no qual ele

    vive (FOUCAULT, 1984, p.14). Enfim, uma histria dos dispositivos, que toma a

    sexualidade como construo disciplinar e o poder como objeto para apreender melhor as

    prticas constitutivas do sujeito para melhor control-lo.

    Por conseguinte, constituindo o universo do sujeito, o poder est presente em toda

    parte, tanto nos grandes tratados comerciais e nas relaes sociais de produo, como

    nos pequenos empreendimentos locais, assim como nas relaes interpessoais. O poder

    apresenta-se como uma instncia comum, desdobrando-se e ramificando-se em

    numerosos ns que mediam outras relaes sociais.

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    Nestes casos, a hierarquizao territorial funciona como um palimpsesto4 em que

    cada ncleo social subjugado acaba por aderir despercebidamente. Apesar disso, em

    certos casos tpicos, possvel chegar a uma anlise mais pormenorizada dos poderes

    em ao num determinado espao social. As aes que envolvem pessoas e

    comunidades h muito instaladas, conforme pressupostos tcnicos e arbitrrios, tm com

    certeza muito a nos dizer sobre agenciamentos que envolvam relaes no

    necessariamente associadas aos dispositivos concentradores de poder.

    Ser o destino de toda regio com potencial hidrulico ou hidrovirio que to

    providencialmente, com suas privilegiadas posies geogrficas, sacrifiquem os

    territrios etolgicos originrios (GUATTARI, 1992, p. 169) onde se constituram

    comunidades, para tornarem-se simples enclaves dos fluxos de poder do capital industrial

    e financeiro, intermediados pelo Estado?

    Ou seriam as populaes e territrios destas regies as mais novas vtima do

    engodo progressista?

    Ou ainda; poderiam ser mais algumas das locatrias das benesses que o capital

    arrenda para algumas comunidades por um pouco de iluso: a iluso de ter-se tornado

    moderna num mundo que j no mais moderno?

    No processo em questo, o poder do Estado e das organizaes aparece como foco

    central a mediar s aes e sua interao com os objetos. Mas se, no entanto, o poder

    encontra-se em todas as relaes humanas, ento contra-poderes de classe e de suas

    fraes, poderes intrapessoais ou internalizados, atuam num universo de sujeitos

    descentrados e instituies centralizadoras e difusoras de poder. Faltar-nos-iam apenas

    as mediaes necessrias para relacionar o poder difuso nos sujeitos internalizados e o

    poder de classe investido nas instituies, mas alguns autores podem nos ajudar a tapar

    esta lacuna.

    Os estudos de Deleuze e Guattari (1992) e Levy (1995), entre outros autores mais

    recentes, nos possibilita subsdios para estabelecer mediaes, pois, ao ressaltarem a

    importncia dos planos de imanncia (DELEUZE e GUATTARI, 1992, p. 51 a 61) que

    revertem em agenciamentos microscpicos na forma dos micro-poderes, mostraram a

    espacialidade da vida social (espao externo), o espao vivido e socialmente produzido;

    assim como alguns gegrafos, como Claval (1979), Raffestin (1993) e Santos (2004).

    4 Clastres (1988) identificou, no Brasil, uma cultura de cermica cuja produo era quase em srie, mas os moldes em que as cermicas eram confeccionadas o palimpsesto modificavam-se a cada novo objeto confeccionado.

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    Esses autores complementam o quadro terico inicial sob o qual as relaes de poder de

    todos os tipos podem ser trabalhadas em estudos sobre a formao scio-espacial de

    territrios por aes e objetos tcnicos associados a vrias formas de manifestao dos

    poderes, como nas obras de engenharia que tem sido edificadas nos ltimos anos sob os

    auspcios da planificao liberal do atual governo.

    Alm das consideraes que sero aqui tecidas, feitas no intuito de estabelecer uma

    caracterizao que possa dar conta de como os capitais5 estruturam subjetividades, em

    seu raio de ao incidente sobre/sob todas as instncias (global, local e sobre os

    agenciamentos intermedirios)6 teremos que diferenciar as maneiras e modalidades que

    caracterizam as correlaes de poderes em territrios formados por intervenes de

    engenharia. Adentraremos, assim, por vezes, o territrio do mental e do simblico, pois se

    trata, aqui, de estudar uma srie programada de desterritorializaes e

    reterritorializaes, tanto fsicas como sociais.

    Trata-se de uma grande rede de transterritorializaes que est sendo tecida nos

    cursos das Bacias Hidrogrficas, nos sertes e nas veredas de vrias regies do territrio

    brasileiro, afetando os suportes simblicos de todos os elementos da cultura, arruinando o

    patrimnio histrico das cidades e das comunidades, deslocando e apagando as

    memrias (tanto individuais como coletivas), redimensionando as relaes econmicas,

    recondicionando a cidadania, desgastando o senso de coletividade, enfim, interferindo em

    todas as relaes e recolocando formaes scio-espaciais; recompondo-as, ou no, em

    novos habitus.

    Esta noo, a de habitus, levantada por Bourdieu, fundamental, j que:

    [...] permite que se tenha acesso a uma realidade mais rica, feita de hbitos, de necessidades, de prticas, de inclinaes, e, no obstante, articulada num espao em trs dimenses: vertical com avaliao do capital econmico, escolar, cultural, etc.; estrutural com o que ope num mesmo campo o capital econmico e o capital cultural; e enfim, a dimenso da trajetria que permite reintroduzir um movimento na estrutura e traduzir a Antiguidade na possesso desse capital econmico/cultural. a coalescncia dessas trs dimenses que permite definir um habitus (DOSSE, 2007, p. 378).

    5 O que existe hoje so vrios capitais, o sufixo ismo cai, sobrando apenas o capital, pois o debate ideolgico-tico no se faz mais. So os mercados socialmente construdos que do tnica. Ver Bourdieu (1989) capital simblico p. 15 a 44; capital social p. 29; capital poltico, p, 164, 167, 187 e 190 a 196; capital jurdico, p. 219; capital econmico e cultural, p.12. 6 Segundo Latour (1994, p. 119 a 121), esses agenciamentos intermedirios seriam as redes.

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    A mediao do habitus permite escapar alternativa entre subjetivismo e objetivismo

    na pesquisa das intervenes tcnicas do capital nos espaos tradicionais de reproduo

    social, campo onde os simbolismos entram em jogo; onde o habitus como senso do jogo

    o jogo social incorporado, convertido em natureza (BOURDIEU apud DOSSE, 2007, p.

    380). por meio e em meio a este jogo que estabelecemos os princpios para um estudo

    que leve a fundo as implicaes das demandas simblicas de poder, as quais, muitas

    vezes, esto por trs das presses e aes efetuadas no processo por dispositivos

    centralizadores de poder, conformando-se num efetivo poder simblico, no

    [...] poder simblico como poder de constituir o dado pela enunciao, de fazer ver e fazer crer, de confirmar ou de transformar a viso do mundo e, deste modo, a ao sobre o mundo, portanto o mundo; poder quase mgico que permite obter o equivalente daquilo que obtido pela fora (fsica ou econmica), graas ao efeito especfico de mobilizao, s se exerce se for reconhecido, quer dizer, ignorado como arbitrrio. Isto significa que o poder simblico no reside nos sistemas simblicos em forma de um illocutionary force, mas que se define numa relao determinada e por meio desta entre os que exercem o poder e os que lhe esto sujeitos, quer dizer, isto , na prpria estrutura do campo em que se produz e se reproduz a crena. [...] O poder simblico, poder subordinado, uma forma transformadora, quer dizer, irreconhecvel, transfigurada legitimada, das outras formas de poder: s se pode passar alm da alternativa dos modelos energticos que descrevem as relaes de fora e dos modelos cibernticos que fazem delas relaes de comunicao, na condio de se descreverem as leis de transformao que regem a transmutao das diferentes espcies de capital, o trabalho da dissimulao e de transfigurao (numa palavra, de eufemizao) que garante uma verdadeira transubstanciao das relaes de fora fazendo ignorar-reconhecer a violncia que elas encerram objetivamente e transformando-as assim em poder simblico, capaz de produzir efeitos reais sem dispndio aparente de energia (BOURDIEU, 1989, p. 14 e15).

    O que se apresenta na concretude social, portanto, so relaes rizomticas de

    poder que se conjugam a mecanismos centralizadores de poder, todos alimentados pela

    luta das classes sociais e entremeadas, como quiasmas, por habitus que incorporam

    dispositivos mentais e simblicos tornando o jogo de poderes interrelacionados, ao

    mesmo tempo, irreconhecvel e palatvel para as componentes irredutveis da sociedade:

    os seres humanos.

    CONSIDERAES FINAIS

    da forma como se apresenta construdo neste artigo que concebemos as

    modalidades de correlacionamento entre os diferentes fluxos, agenciamentos e relaes

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    de poder que atuam nos espaos formados pela realizao dos grandes projetos de

    aproveitamento hdrico que esto sendo executados no pas nos ltimos anos.

    Em meio desta combinao complexa, que inclui elementos atuantes em diversas

    direes e trajetrias, formam-se combinaes entre aes e objetos. Formam-se o que

    podemos denominar Espaos de Poder.

    Espaos de poder constituem-se, desta forma, em espaos de conflito, de luta social,

    onde agenciamentos contraditrios relacionadas contra-poderes e demandas fractais

    operam em contraponto s instncias de poder institucional legitimadas. a que se

    observa a resistncia, mas a tambm que se d o espao de ao dos poderes

    relacionados mdia e ao Estado, como agentes restauradores das verdades do

    establishment.

    neste espao, enfim, que podemos averiguar os poderes em ao e definir como

    as relaes por eles formalizadas por meio da luta social se estabelecem na realidade

    concreta.

    Assim, ficam manifestas as correlaes de fora que levam realizao de obras

    que aproveitam a gua de forma a causar consequncias scio-espaciais que, muitas

    vezes, se mostram funestas para as comunidades envolvidas, enquanto favorecem

    queles conglomerados industriais e grandes proprietrios agrcolas responsveis por

    tantas aes destrutivas e reprodutoras da iniqidade que caracteriza a formao social

    brasileira.

    Isto pode ser observado concretamente, tanto nos recentes empreendimentos que

    vem aproveitando a fora hidrulica dos rios no vale do rio Uruguai, conforme Espndola

    (2009), quanto nas mega-usinas hidreltricas erigidas a ferro e fogo pelo nada saudoso

    governo militar, assim como nos empreendimentos mais notveis do atual governo, tais

    como a transposio do rio So Francisco no intuito de irrigar territrios agrcolas

    controlados pelo grande latifndio ou loteados por este em benefcio do agro-negcio, ou

    as grandes hidreltricas que esto sendo erguidas no rio Madeira e em outras bacias

    fluviais para sustentar os empreendimentos eletro-intensivo de grandes conglomerados

    industriais estrangeiros e nacionais ou, ainda, no aproveitamento de grandes bacias

    subterrneas, como o Aqfero Guarani, que vem sendo realizado longe das vistas do

    grande pblico, das instituies acadmicas e das comunidades localizadas acima do

    curso deste rio subterrneo, as quais deveriam ser as grandes beneficirias de seu

    aproveitamento.

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    No por acaso, os resultados gerais de todos os empreendimentos ligados ao

    aproveitamento dos recursos hdricos desde a dcada de 1960, salvo alguns detalhes que

    podem ser reunidos sob a rubrica de compensaes por danos irreparveis ou, para os

    membros da sociedade civil que, por enquanto, no sofrem com as consequncias de

    tais empreendimentos, como fruto de experincias mal sucedidas, tm sido sempre os

    mesmos, dada a correlao de foras extremamente favorvel ao capital que se mantm

    desde ento.

    Seja sob governos ditatoriais, neoliberais, scio-liberais, neo-keynesianos ou

    indefinidos, os dispositivos que emergem das correlaes de foras sociais e acabam por

    definir as formas como vem se dando os aproveitamentos de nossos recursos hdricos

    so extremamente favorveis s demandas advindas dos mais altos escales do capital

    monopolista e associado, ou das oligarquias mais retrgradas que tambm o so, na

    formao social perifrica em que se constituiu o Brasil.

    Em todos os casos, em conseqncia de sua posio extremamente desvantajosa

    nas correlaes de foras envolvidas em cada caso, as resistncias e contra-poderes

    apenas conseguem resultados em contextos de fato consumado, e, to somente

    arranham as vitrias das corporaes e seus associados por meio de penalidades

    alternativas ditadas pela pelo sistema jurdico por elas controlado dando alvio

    conscincia dos que gozam das benesses proporcionadas por tais empreendimentos sem

    pensar na destrutividade que eles proporcionam de forma cumulativa, enquanto os

    responsveis gastam pequenas fraes de seus lucros em compensaes ambientais.

    Quando o desvio do curso do rio So Francisco e as grandes barragens que esto

    sendo construdas mostrarem toda a sua destrutividade, as comunidades e instituies

    que resistiram s demandas pela sua construo estaro esquecidas e apenas ficar

    manifesto a benevolncia das corporaes ao empreender obras de retificao ou

    atividades de manuteno de um meio que j foi destrudo, mas que a mdia e os outros

    meios ideolgicos de alienao de que dispe o grande capital daro como plenamente

    recuperados com simples retificaes instrumentais ou educacionais.

    A complexidade de poderes que se irradiam em cada um dos processos de

    construo destes empreendimentos acaba sendo subsumida s aes do Estado que

    hoje a todos diz ouvir7, mas s a um interlocutor obedece, enquanto o contexto se

    7 Depois de, durante dcadas, fazer ouvidos moucos s demandas contraditrias quelas advindas das grandes corporaes capitalistas e do grande latifndio, o Estado brasileiro pretensamente discute com a sociedade as aes ditadas por instituies multilaterais internacionais. No entanto, estas aes so

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    mantm dentro da normalidade. Um Estado que realiza obras que sero de toda a

    forma, propriedade dos que sempre foram proprietrios, enquanto se mantiverem as

    condies prevalecentes.

    Aos contra-poderes, hoje resta serem contra-poderes; superestimados pela

    academia e desdenhados pela crua realidade do domnio do capital, enquanto lutam

    ingloriamente por reformas que reformem o irreformvel e modifiquem o imutvel,

    enquanto prevalecerem s condies que transformaram a luta de classes e a poltica, a

    nica poltica que assim pode ser chamada, numa fantasmagrica imagem do que deveria

    ser.

    Desta forma, deveremos, em nossos futuros estudos, nos embrenhar no que a

    retardatria, mas realista, Geografia tem a nos dizer sobre os empreendimentos que

    envolvem as aes e objetos intrinsecamente relacionados e estudados neste artigo.

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    sempre implementadas da forma indicada por elas em planos que podem ser encontrados nos sites editados por tais instituies, como uma breve comparao entre o PAC, o Fome Zero e outras iniciativas dos ltimos governos e as sugestes do BM, do BIRD ou da OMC podem nos confirmar.

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