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Contratos, Práticas Comerciais
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MATERIAL DIDÁTICO
CONTRATOS, PRÁTICAS COMERCIAIS E SUA
RESPONSABILIDADE
U N I V E R S I DA D E
CANDIDO MENDES
CREDENCIADA JUNTO AO MEC PELA PORTARIA Nº 1.282 DO DIA 26/10/2010
Impressão e
Editoração
0800 283 8380
www.ucamprominas.com.br
SUMÁRIO
UNIDADE 1 – INTRODUÇÃO ................................................................................. 03
UNIDADE 2 – PRÁTICAS COMERCIAIS ............................................................... 05
UNIDADE 3 – PRÁTICAS COMERCIAIS ABUSIVAS ........................................... 22
UNIDADE 4 – CONTRATOS .................................................................................. 46
REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 62
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UNIDADE 1 – INTRODUÇÃO
O consumismo é o sistema que dá a tônica da sociedade atual, moderna,
contemporânea, exigente, rápida, inovadora!
Como refletem FRANCISCO OTÁVIO DE MIRANDA BEZERRA;
CHRISTIANE DE ANDRADE REIS MIRANDA BEZERRA (2009), a sociedade de
consumo em massa traz as vantagens de uma pluralidade de produtos oferecidos
por uma gama de fornecedores de modo a otimizar o processo de satisfação das
necessidades básicas e conspícuas dos consumidores. No entanto, em vista mesmo
da concorrência dos fornecedores na tentativa de captação da sua clientela, há o
correspondente contra-ataque de marketing. A publicidade e todos os mecanismos
postos a serviço do fornecedor pelos agentes de marketing permitem a divulgação
do produto e/ou serviço e o estímulo, por meio de variadas técnicas, do seu
consumo.
Nesse processo de captação da curiosidade do consumidor, cujo fim
primordial é a criação do desejo de consumir e a efetiva contratação neste sentido, o
fornecedor exerce a sua infinita capacidade criativa. Sem dúvida que, no exercício
da liberdade de iniciativa, a publicidade e demais práticas comerciais tendentes a
otimizar as vendas são fruto da liberdade geral de ação. Porém, em vista do
exercício regular do direito de estruturar as diversas práticas comerciais, não poderá
o fornecedor incorrer em abuso. Afinal, o abuso de direito finda por figurar, com
expressão do próprio Código Civil, em modalidade de ato ilícito.
Pois bem, essa breve introdução mostra claramente que veremos ao longo
desta unidade as práticas comerciais abusivas e, na sequência, os contratos
enquanto negócio jurídico e selador das relações de consumo, bem como a
responsabilidade de todos nesses processos.
Ressaltamos em primeiro lugar que embora a escrita acadêmica tenha como
premissa ser científica, baseada em normas e padrões da academia, fugiremos um
pouco às regras para nos aproximarmos de vocês e para que os temas abordados
cheguem de maneira clara e objetiva, mas não menos científicos. Em segundo lugar,
deixamos claro que este módulo é uma compilação das ideias de vários autores,
incluindo aqueles que consideramos clássicos, não se tratando, portanto, de uma
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redação original e tendo em vista o caráter didático da obra, não serão expressas
opiniões pessoais.
Ao final do módulo, além da lista de referências básicas, encontram-se
inúmeras outras que foram ora utilizadas, ora somente consultadas, mas que, de
todo modo, podem servir para sanar lacunas que por ventura venham a surgir ao
longo dos estudos.
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UNIDADE 2 – PRÁTICAS COMERCIAIS
2.1 Conceito
As práticas comerciais servem e alimentam a sociedade de consumo,
aproximando os consumidores dos bens e serviços colocados a sua disposição no
mercado de consumo. ANTONIO HERMANN DE VASCONCELLOS BENJAMIM
(1999, p. 213) define práticas comerciais como “os procedimentos, mecanismos e
técnicas utilizadas pelos fornecedores para, mesmo indiretamente, fomentar,
manter, desenvolver e garantir a circulação de seus produtos e serviços até o
destinatário final”.
Por definição, práticas comerciais são as atividades profissionais e/ou
técnicas, ações, métodos e instrumentos (enfim, é o tão falado marketing) que
fornecedores utilizam para exercer suas funções no mercado. São atividades e
estratégias que os fornecedores utilizam para fomentar a comercialização de
produtos e serviços. Ora, se os velhos comerciantes, no lato sentido1, já eram
considerados profissionais desde a Idade Medieval, hoje, com muito mais razões
histórico-sociais, essas práticas profissionais, em que pese sempre tão necessárias,
exigem regras mais adequadas ao contexto atual da intermediação
produção/consumo (AMARAL, 2010).
Assim, os pós-modernos fornecedores, sucessores daqueles velhos
comerciantes, agora precisam atuar segundo normas jurídicas menos corporativas,
mais democráticas e socialmente mais justas, ou seja, normas jurídicas coerentes
com as exigências da civilização contemporânea.
Com efeito, a inquietude diante da imoral exploração da necessidade, da
inexperiência e da incapacidade crítica alheia é historicamente remota. Já no Código
de Hammurabi (2.300 a.C.) prescrevia-se regra contra o enriquecimento em
1 Comerciantes são os que exercem o comércio de modo habitual, esse é o conceito clássico que abrangia (e ainda abrange, de certo modo) os mercadores, os leiloeiros, os trapicheiros, os banqueiros, os corretores, os transportadores, etc. Depois do nosso novo Código Civil, esse conceito (de comerciante) está absorvido pelo de empresário, que pela nova lei, é a pessoa que exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços.
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detrimento de outrem (Lei 48 – modificabilidade unilateral dos ajustes por
desequilíbrio nas prestações, em razão de forças da natureza).
As Escrituras estão repletas de ditosos mandamentos semelhantes. As
Ordenações Filipinas (livro V) puniam a usura com a pena de degredo na África,
dobrada na reincidência. O nosso Código Penal de 1890 (art. 340) da mesma forma
já exprimia tênue preocupação com o poder econômico (AMARAL, 2002). Contudo,
só após a 1ª Guerra Mundial (1914-1918) é que se acentua a busca deste velho
ideal.
É que o capitalismo atual já incorpora valores, antes mais afeitos ao regime
econômico oposto. Na verdade, aqui se pode falar de uma grande síntese, ou de
uma dialética superação, ou seja, o capitalismo se aperfeiçoa e sua ordem jurídica a
isso se conforma. A ordem jurídica do atual capitalismo exige ponderação, ética e
acima de tudo compromisso com dignidade humana. Nesse diapasão é que
podemos situar a regulação das chamadas práticas comerciais pelo CDC, em seu
Capítulo V (arts. 29 a 45).
De relevo, aqui, é a extensão no conceito de consumidor, que se verifica no
art. 29. Nessa sede normativa dá-se outra equiparação (uma está no art. 2º,
parágrafo único, a coletividade de pessoas; mais outra no art. 17, as vítimas de
acidente de consumo) aos consumidores (não é, mas equipara-se e trata-se como
fosse).
JOÃO BATISTA DE ALMEIDA (2010), também explica que a evolução das
relações de consumo conduziu à necessidade de novo tratamento do tema atinente
à oferta e à publicidade. As disposições do direito comum (CC de 1916, art. 1.087;
Código Comercial, arts. 121 e ss.) mostraram-se insuficientes e inadequadas para
regular a nova realidade, por duas razões principais:
a) como a oferta e a publicidade eram desconhecidas ou incipientes no fim
do século XIX e começo do século XX, os Códigos Comercial e Civil, de 1850 e
1916, respectivamente, regularam minimamente a matéria;
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b) ainda assim a escassa regulamentação considerava a igualdade das
partes e tinha presente o entendimento de que a oferta se dava entre pessoas
determinadas, pressupondo a bilateralidade proponente-aceitante.
Em consequência dessa insuficiência normativa e da manifesta
desatualização dos diplomas vigentes, o consumidor era frequentemente lesado, à
constatação de que, ao contrário do que ocorre na esfera civil, a oferta nas relações
de consumo pode dar-se entre pessoas indeterminadas, alcançando tanto o
consumidor efetivo – aquele que atua adquirindo produtos ou serviços – como o
potencial – aquele que está propenso a consumir ou exposto às práticas de
consumo, como oferta, publicidade e práticas abusivas (art. 29).
Também o consumidor potencial, sujeito à influencia generalizada da oferta
e da publicidade merecia proteção da lei. E, também, porque a falta de tratamento
minudente do tema no regime anterior, a oferta e a publicidade transcorriam em
franca liberdade, com inevitáveis abusos, como anunciar e não cumprir, tornando
necessária tal regulamentação para definir-se de que forma deveriam processar-se
seus requisitos, regimes de responsabilização, etc., o que acabou positivado nos
arts. 30 e seguintes da lei de proteção (ALMEIDA, 2010).
São práticas comerciais reguladas pelo CDC:
2.2 Oferta
De acordo com o art. 31, temos que a oferta e apresentação de produtos ou
serviços devem assegurar informações corretas, claras, precisas, ostensivas e em
língua portuguesa sobre suas características, qualidades, quantidade, composição,
preço, garantia, prazos de validade e origem, entre outros dados, bem como sobre
os riscos que apresentam à saúde e segurança dos consumidores.
Sendo a oferta o momento antecedente da conclusão do ato de consumo,
deve ser precisa e transparente o suficiente para que o consumidor, devidamente
informado, possa exercer o seu direito de livre escolha. Assim, as informações
devem ser verdadeiras e corretas, guardando correlação fática com as
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características do produto ou serviço, redigidas em linguagem clara, lançadas em
lugar e forma visíveis.
Além disso, devem ser escritas em língua portuguesa. Devem incidir sobre
os elementos que interessam ao consumidor para fazer sua escolha, como
características e dados técnicos (qualidade, quantidade, composição, preço,
garantia, prazos de validade, origem, além de outros) e potencialidade danosa
(riscos que apresentam à saúde e segurança dos consumidores). Pode-se dar por
qualquer forma de veiculação; se mediante publicidade, deve seguir a
regulamentação dos arts. 36 a 38.
Em caso de oferta por telefone ou reembolso postal, há um requisito extra:
para possibilitar a responsabilização, o nome do fabricante e seu endereço deverão
constar obrigatoriamente na embalagem, publicidade e impressos utilizados na
transação comercial (art. 33).
Seguindo o mesmo entendimento, mas com outras palavras, toda
informação ou publicidade, suficientemente precisa, veiculada por qualquer forma ou
meio de comunicação, com relação a produtos e serviços que alcance o consumidor,
é oferta. Oferta, assim, é toda proposta, policitação, promessa de fornecimento de
produto ou serviço mediante apresentação/exposição (vitrine, por exemplo),
informação (orçamento, apreçamento) ou publicidade (anúncio em qualquer dos
meios de comunicação). Tem a oferta por finalidade alcançar o consumidor como
provável cliente (NASCIMENTO, 1991, p. 36).
A oferta é um tipo/espécie do gênero de declaração unilateral e receptícia de
vontade. Receptícia, porque carece ser veiculada, exposta, ou seja, chegar ao
conhecimento de, pelo menos, um ou de indeterminado número de consumidores
(coletividade, público em geral, mercado consumidor). Unilateral, porque na
essência jurídica, a oferta é estruturalmente uma só vontade, a do ofertante
(policitante/proponente) (AMARAL, 2010).
Vale dizer, uma só vontade, mas que vai em busca de sua destinação que é
encontrar-se com a outra vontade, a do consumidor-aceitante, quando, então, a
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oferta se aperfeiçoa e alcança sua finalidade: o negócio jurídico de consumo, já
agora bilateral (vontade do ofertante e vontade do aceitante).
A oferta é feita sempre pelo fornecedor interessado na apresentação, lançamento, divulgação ou venda de produto ou serviço. Além de responsável pela oferta que fizer diretamente, o fornecedor é solidariamente responsável por aquela feita por seus empregados, agentes e representantes, inclusive autônomos, que em nome dele atuarem (art. 34) (ALMEIDA, 2010, p. 108).
No âmbito do direito do consumidor, a oferta é regida pelo indeclinável
princípio da vinculação, ou seja, o ofertante se obriga por tudo que ofertar, anunciar,
informar; é a ética popular do “prometeu tem de cumprir”. No regime do CDC toda
oferta gera, pois, um vínculo do fornecedor – ofertante com o consumidor – aceitante
(consumidor efetivo ou potencial/equiparado). Já no regime civil, nem toda
veiculação/anúncio de produto ou serviço vincula seu veiculador, sendo, no mais das
vezes, considerado um simples convite à oferta (uma mera pré-oferta).
A oferta, pelo CDC, tem a amplitude da possibilidade de conclusão do
negócio de consumo, pelo Código Civil tem abrangência bem reduzida. Porém, para
a oferta (pelo CDC) obrigar quem a faz, é indispensável que dois pré-requisitos
sejam atendidos:
a) só existirá vinculação se houver exposição, veiculação, ou seja, se a
oferta chegar ao conhecimento do consumidor, porque oferta que não sai do âmbito
subjetivo do ofertante é vontade apenas interna, não declarada;
b) a oferta (informação, publicidade ...) há de ser suficientemente precisa.
Ora, sendo a oferta pressuposto necessário da formação do negócio jurídico
bilateral de consumo (vontade/ofertante versus vontade/aceitante-consumidor) só
pode mesmo ser vinculativo o que puder ser, objetiva e utilmente, exigível na
conclusão do negócio jurídico de consumo. Essa precisão suficiente só pode ser
entendida como um atributo objetivo negativo da oferta, eis que ela não apresenta
os “requisitos essenciais” – como vem inovar nosso atual Código Civil, em seu art.
429 – para a finalização do contrato e, por isso, exatamente por isso, a oferta assim
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exteriorizada não tem os elementos constitutivos mínimos para uma vinculação
obrigacional (AMARAL, 2010).
Assim, há de se entender bem essa cláusula (oferta suficientemente precisa)
que não significa uma licença para que o ofertante possa usar da intransparência, de
falsidade, da indução a erro (arts. 36 e 37) no marketing de atração do consumidor.
É que aqui, também, persiste a vedação geral, nas relações de consumo, do dolus
bonus (oferta inocente), ou seja, o artifício da inverdade, ou do exagero para atrair o
cliente.
LUIZ OTÁVIO DE OLIVEIRA AMARAL (2010, p. 169) arrisca dizer que tal
vedação, com o novo Código Civil, também está presente nas relações civis,
aquelas não de consumo. Em suma, a oferta, além desses dois pré-requisitos
(veiculada/tornada pública por qualquer meio e suficientemente precisa), obriga o
fornecedor-ofertante a integrar o negócio jurídico que vier a ser concluído a partir
dela. Eis a plena eficácia jurídica do princípio da vinculação da oferta.
Vale repetir, a oferta que não apresentar aqueles dois pré-requisitos poderá
não obrigar o seu ofertante por insuficiência de elementos constitutivos (ou de
destinatário/receptor) da obrigação contratual daí derivada, contudo, tal conduta
(oferta, publicidade lesiva ao consumidor) poderá tipificar até mesmo crime contra as
relações de consumo (arts. 66, 67 e 68).
São efeitos (plano da eficácia jurídica) da oferta para o fornecedor –
ofertante:
a) a oferta passa a integrar o negócio jurídico/contrato;
b) a oferta obriga ao cumprimento;
c) a oferta pode se dar por qualquer meio ou forma:
c.1) por presentação/exposição (vitrine, mostruário, gôndolas etc.);
c.2) por informação (orçamentos, apreçamentos, pedido, etc.);
c.3) por publicidade (anúncios em qualquer meio de comunicação, encartes,
folhetos, mala direta, etc.).
A oferta pelo CDC deve:
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a) ser correta;
b) ser clara;
c) ser precisa
d) ser ostensiva;
e) ser em língua portuguesa.
Os fornecedores-ofertantes respondem, solidariamente, com seus
empregados, agentes e representantes, até mesmo autônomos, que em nome dele
atuaram. O consumidor pode exigir, alternativamente:
a) o cumprimento forçado;
b) outro produto ou prestação de serviço equivalente, pagando ou recebendo
a diferença;
c) rescindir o contrato mediante a restituição da quantia eventualmente
antecipada, monetariamente atualizada, e composição de perdas e danos que
podem ser materiais (emergentes e lucros cessantes) e morais.
Ainda resta deixar claro que, pelo Código Civil atual, pode-se dizer que a
formação dos contratos civis (não de consumo) se dá pela proposta e pela oferta.
Sendo proposta a comunicação dirigida a um destinatário determinado, objetivando
uma contratação específica (convite à contratação), enquanto a oferta é dirigida ao
público em geral, mas se contiver os requisitos essenciais do contrato valerá como
proposta, isso é, obrigará como a proposta. A oferta no Código Civil é declaração
revogável e no CDC é irrevogável (AMARAL, 2010).
Com relação à oferta de componentes e peças de reposição, cumpre
destacar que a oferta está limitada aos fabricantes e importadores (e não aos
fornecedores em geral) e alcança apenas produtos industrializados e compostos em
peças, mas não alcança serviço nem produtos brutos ou singulares, não compostos
de peças e componentes. Já a prestação de assistência técnica, como serviço, é
devida também pelo distribuidor, enquanto não cessar a fabricação da importação
do produto (ALMEIDA, 2010).
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Os fornecedores-fabricantes e importadores deverão assegurar a oferta de
componentes e peças de reposição enquanto não cessar a fabricação do produto.
Cessada a produção ou importação, a oferta deverá ser mantida por período
razoável de tempo na forma da lei (AMARAL, 2010, p. 170).
2.3 Da publicidade
O CDC, no art. 6º, IV, assegura como um direito básico do consumidor “a
proteção contra publicidade enganosa e abusiva, métodos comerciais coercitivos ou
desleais, bem como contra práticas abusivas ou impostas no fornecimento de
produtos e serviços”. Mais adiante, já no art. 37, a Lei nº 8.078/90 vem proibir toda
publicidade enganosa e abusiva.
E no § 2º desse mesmo artigo, o CDC estampa algumas situações
meramente exemplificativas da publicidade abusiva:
§ 2º é abusiva, dentre outras, a publicidade discriminatória de qualquer
natureza, a que incite à violência, explore o medo ou a superstição, se aproveite da
deficiência de julgamento e experiência da criança, desrespeite valores ambientais,
ou que seja capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou
perigosa à sua saúde ou segurança.
Neste subtema do direito do consumidor, a publicidade, não se pode
esquecer o Código de Autorregulamentação Publicitária do Conselho Nacional de
Autorregulamentação Publicitária (CONAR) que estabelece, em seu art. 19, caput,
que toda atividade publicitária deve caracterizar-se pelo respeito à dignidade da
pessoa humana, à intimidade, ao interesse social, às instituições e símbolos
nacionais, às autoridades constituídas e ao núcleo familiar.
Os dicionários registram que publicidade é a qualidade, ou atributo do que é
público; é a atividade que tem por fim fazer conhecer uma marca, incitar o público a
comprar um produto, utilizar um serviço; é anúncio, encarte. Enfim, os especialistas
definem a publicidade como uma atividade profissional dedicada à difusão pública
de ideias associadas a empresas, produtos ou serviços. Já propaganda é um modo
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específico de se apresentar uma informação com o objetivo de servir a uma agenda;
é ação sistemática, exercida sobre a opinião pública, para difundir uma doutrina,
uma ideia, um produto, um sistema de serviços, um espetáculo, etc.; é material ou
trabalho empregado com esse fim; ou ainda peça, anúncio produzido para esse fim
(LAROUSSE, 2007).
O termo publicidade refere-se exclusivamente à propaganda de cunho
comercial; é uma comunicação de caráter persuasivo que visa a defender os
interesses econômicos de uma indústria ou empresa. Já a propaganda tem um
significado mais amplo, pois refere-se a qualquer tipo de comunicação tendenciosa
(as campanhas eleitorais são um exemplo, no campo dos interesses políticos).
Assim, o âmbito da propaganda envolve e contém a publicidade. Em suma,
publicidade é um esforço de persuasão, evidentemente com a finalidade de vendas,
às vezes com arte e às vezes nem tanto, mas sempre visando, desde a causa até o
efeito, uma venda imediata e/ou mediata (AMARAL, 2010).
A publicidade ou propaganda parece mesmo tão antiga quanto a mercancia.
Com efeito, uma tabuleta em argila, encontrada por arqueólogos e contendo
inscrições babilônicas, anunciando a venda de gado e alimentos, demonstra que já
se utilizava de algum tipo de publicidade na Antiguidade. Mas é só após a
Revolução Francesa (1789), com suas radicais transformações no mundo ocidental,
que a publicidade inicia o curso de seu estágio atual e, desde a expansão
econômica do século XIX, a propaganda só vem crescendo de importância.
Antes da Revolução Industrial, o fenômeno concorrencial não se fazia sentir
nos mercados, em nível, por exemplo, da disputa das mercadorias de artesãos
(típica da economia medieval), todavia, com a produção em escala e a
estandardização dos produtos e mais ainda com o surgimento dos grandes
monopólios, tudo se modifica e a publicidade se torna persuasiva e menos
informativa.
O conceito (a imagem mental) de oferta, que acabamos de estudar,
modernamente está muito associado ao conceito de publicidade. É que a marca
característica do mundo moderno (e mais ainda do pós-moderno), a produção em
escala crescente, exigia uma oferta também em escala. É assim que a atividade
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publicitária passa a ser crescentemente o meio utilizado por ofertantes de produtos e
serviços em geral que, agora, demandam destinatários difusos, coletividade, enfim o
mercado consumidor (AMARAL, 2010).
Com efeito, aquela velha e tradicional oferta (ou proposta), aquela carta ou
mensagem cujo destinatário é uma pessoa predeterminada, já agora, em nosso
mundo da produção em massa e do consumo também em massa, essa mesma
oferta já é voltada a um número indeterminado de pessoas, ao público em geral; é a
policitação à coletividade. É, enfim, proposta (de contratação) ao mercado
consumidor.
A oferta, também, passa de individual a difusa, como tudo mais em nosso
mundo contemporâneo. Advirta-se que a publicidade, contudo, não se confunde com
a oferta, aquela, amiúde, é apenas veículo dessa (da oferta); todavia, quando isso
se verifica, o conteúdo da mensagem publicitária tem o mesmo efeito jurídico de
uma declaração unilateral de vontade, vale dizer, cria a obrigação, o vínculo jurídico
do cumprimento do ofertado.
No contexto das práticas comerciais, publicidade é uma forma de veiculação
da oferta, sujeitando-se, como tal, aos mesmos requisitos e regime de
responsabilização (arts. 30, 35, 36, 37 e 38). Define-a o Código Brasileiro de
Autorregulamentação Publicitária como “toda atividade destinada a estimular o
consumo de bens e serviços, bem como promover instituições, conceitos e ideias”
(art. 8º). Na mesma linha, é conceituada pelo Decreto nº 57.690/66 como “qualquer
forma remunerada de difusão de ideias, mercadorias, produtos ou serviços por parte
de um anunciante identificado” (art. 2º).
HERMANO DUVAL (1975, p. 1) ressalta com suporte na doutrina de Roger
Mauduit, a distinção fundamental entre propaganda e publicidade, nestes termos:
tecnicamente, os dois conceitos diferem: enquanto a publicidade representa uma atividade comercial típica, de mediação entre o produtor e o consumidor, no sentido de aproximá-los, já a propaganda significa o emprego de meios tendentes a modificar a opinião alheia, num sentido político, religioso ou artístico.
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A verdade, porém, é que a publicidade deixou de ter papel meramente
informativo para influir na vida do cidadão de maneira tão profunda a ponto de
mudar-lhe hábitos e ditar-lhe comportamento (ALMEIDA, 2010).
Trata-se – é bem de ver – de instrumento poderosíssimo de influência do
consumidor nas relações do consumo, atuando nas fases de convencimento e de
decisão de consumir. Assinalando ser esse fato consequência da “cultura de
massas” em que vivemos, instalada pela exploração dos meios de comunicação,
FÁBIO KONDER COMPARATO (1988, p. 40) traça o quadro dramático, porém real,
a que se vê submetido o consumidor sob o influxo da publicidade comercial. Assim:
o consumidor, vítima de sua própria incapacidade crítica ou suscetibilidade emocional, dócil objeto da exploração de uma publicidade obsessora e obsidional, passa a responder ao reflexo condicionado da palavra mágica, sem resistência. Compra um objeto ou paga por um serviço, não porque a sua marca atesta a boa qualidade, mas simplesmente porque ela evoca todo um reino de fantasias ou devaneio de atração irresistível. Nessas condições, a distância que separa esse pobre Babbit do cão de Pavlov torna-se assustadoramente reduzida.
Para HERMANO DUVAL (1975, p. 152), esse fenômeno é um fato notório
que a mensagem publicitária vai, hoje, além da mera informação. Em uma primeira
etapa, ela informa, na segunda, sugestiona, e, na terceira, ela capta em definitivo o
consumidor. De tanto insistir na mesma tecla, mas sempre revestida de novos
recursos propiciados pela chamada criatividade, (...) a publicidade comercial passa
habilmente da informação à sugestão e desta à captação, isto é, eliminação no
consumidor de sua capacidade crítica ou censura ao que lhe é proposto
(anunciado), o que importa numa violação ao princípio da liberdade de pensamento.
E ao fim de tantas e marteladas repetições, incapaz de distinguir a sugestão do erro,
o público consumidor apresenta-se condicionado à mensagem, isto é, fica com o
produto anunciado para liberar-se de sua promoção, rejeitando, assim, qualquer
outra informação ou crítica, para só se decidir pela que ficou condicionado. Nesta
fase, a pior comunicação publicitária é a da chamada publicidade subliminar, de que
se aproxima a publicidade redacional (...) Claro que o processo de condicionamento
é psicológico, mas o de sua imposição está na função moderna da publicidade.
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A verdade é que antigamente o que importava era saber o que a opinião
pública queria, mas hoje, importa decidir o que ela deve querer.
O quadro assim exposto revela aquilo que é conhecido de todos nós: o
consumidor é induzido a consumir, bombardeado pela publicidade massiva que o
cerca em todos os lugares e momentos de seu dia a dia. Como autômato, responde
a esses estímulos, sem discernir corretamente. Age pela emoção, embotado em seu
juízo crítico. E, se tudo isso ocorre em relação à publicidade normal sobre o homem
médio, pode-se imaginar os efeitos nefastos e devastadores da publicidade
enganosa ou abusiva e daquela incidente sobre pessoas em formação, como
crianças e adolescentes (ALMEIDA, 2010).
A publicidade que antes era mero instrumento de venda e assim, tida e
havida, como juridicamente neutra, com o CDC assumiu novos contornos,
notadamente quanto à responsabilidade profissional (social e legal). O CDC regrou a
publicidade, nas relações de consumo, a partir dos seguintes princípios:
1. princípio da identificação da publicidade (art. 36, caput) – a regra básica é
que se evite a publicidade oculta e subliminar. A peça publicitária precisa garantir ao
consumidor a clara percepção de que a comunicação que o alcança é uma
publicidade (e não uma divulgação de pesquisa, ou de estatística, por exemplo).
Assim, proibida está tanto a chamada publicidade subliminar, ou seja, a
veiculada de uma maneira que atinge, tão somente, o inconsciente do destinatário,
quanto a publicidade clandestina ou simulada, que, às vezes, assume a
configuração externa de “informes econômicos”, “relatos científicos” ou,
simplesmente, de notícia jornalística aparentemente desinteressada, quando, na
verdade, intencionam a divulgação de produtos e serviços. Coincide com a seção 6
do Código de Autorregulação Publicitária;
2. princípio da veracidade (art. 31, c/c o art. 37, §§ 1º e 3º) – veda a
publicidade enganosa (mentirosa/falsa, fraudulenta, omissa, indutora de erro); a
verdade é critério máximo na publicidade destinada ao consumidor. Trata-se de
dever legal imposto aos publicitários (e demais envolvidos nessa publicidade) como
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decorrência direta do superprincípio da boa-fé e o da transparência, que por sua vez
regem superiormente todo o universo normativo consumerista.
A publicidade enganosa pode ser: comissiva (por ato concreto/positivo, por
exemplo: fazer afirmação falsa); ou omissiva (omissão/deixar de informar dado ou
risco ao consumidor).
Visa a manter corretamente informado o consumidor, para assegurar-lhe a
escolha livre e consciente;
3. princípio da não abusividade (art. 31, c/c o art. 37, § 2º) – visa banir a
publicidade abusiva dirigida ao consumidor. Toda publicidade é abusiva quando
ofensiva dos valores éticos e sociais da pessoa humana, da família, que incita a
violência, a discriminação, que explora o medo/superstição, que corrompe a
integridade infantil e os valores ambientais, que ameaça a saúde e a segurança.
Esse princípio sempre esteve implícito na mais rudimentar noção de boa-fé e
ética em geral, mas só agora ganha eficácia social e crescente efetividade.
A violação desse princípio-mor do consumerismo pátrio transgride
simultaneamente um e outro princípio, mas agora de importância de viga-mestra de
todo nosso Estado Democrático de Direito: o valor fundante da dignidade da pessoa
humana (art. 1º, III, de nossa Carta Magna);
4. princípio da transparência da fundamentação (art. 36, parágrafo único) – o
fornecedor (especialmente o anunciante/publicitário) deve manter em seu poder os
dados fáticos, técnicos e científicos que respaldam a veracidade e a boa-fé da
publicidade, eis que esse ônus probatório é sempre do fornecedor-anunciante (e dos
demais envolvidos nessa cadeia de comunicação com o consumidor-alvo).
Essa inversão sequer carece de ato formal, ou seja, de declaração ou
decretação dessa inversão (art. 6º, VIII, direito básico da inversão, automática ou
declarada, do ônus da prova). Além dessa inversão automática, a responsabilidade
civil do anunciante é sempre objetiva;
5. princípio da obrigatoriedade do cumprimento (arts. 30 e 35) – no direito do
consumidor, a informação (qualquer comunicação objetivando um ato de consumo)
assume dupla função: é dever básico do fornecedor (art. 8º) perante os
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consumidores (dever de informar, de transparência, de lealdade, comportamento
universal que o CDC erige como dever jurídico) e também é uma obrigação pré-
contratual (art. 30) porque vincula quem a promove e integra o contrato que dela
derivar, eis que funcionalmente tem valor jurídico de oferta.
A informação e a publicidade (conteúdo e meio para alcançar o público),
direta e individual, midiática e difusa, sempre trará, enquanto eficácia jurídica (efeitos
jurídicos), a obrigação de ser garantida e de integrar o contrato, ou seja, todo
marketing em geral sempre há de vincular tanto na oferta, quanto na publicidade,
porém dois pressupostos hão de se apresentar para que este princípio possa incidir:
a) a informação e a publicidade só vinculam/obrigam se houver exposição/
conhecimento público;
b) para obrigar a oferta (informação ou publicidade) deve ser suficientemente
precisa, ou seja, “o simples exagero (puffing2) não obriga”.
Demais disso, esse princípio, também, gera a responsabilidade civil objetiva
mediante a inversão automática do ônus da prova;
6. princípio da inversão do ônus da prova (art. 38) – pela regra geral quem
alega prova (art. 333, I, do CPC), contudo dada a fragilidade e a vulnerabilidade do
consumidor, tal regra, senão fechava o acesso à justiça, dificultava sobremaneira.
Daí essa diretiva básica prevista no art. 38 do CDC, que é uma especificação da
inversão sediada no art. 6º, III (direito básico, mas genérico e facultativo e que exige
ato judicial concessivo) voltada para o âmbito da publicidade consumerista.
Com efeito, é direito básico, mas nesta norma (art. 38) da inversão tem
natureza específica e exclusiva incidência sobre a boa-fé e a transparência
(veracidade e correção) da publicidade. Aqui, a inversão do ônus probatório é
obrigatória (não é faculdade ou mero poder do juiz) e automática (dispensa ato
formal), ao contrário daquela cuja sede é o art. 6º, VIII (AMARAL, 2010; ALMEIDA,
2010; BENJAMIN, 2008; BULGARELLI, 1985).
2 Puffing é o exagero publicitário, tal como “é o melhor”, “o mais saboroso”, “o mais bonito”. A técnica do teaser tenta provocar a curiosidade apresentando o produto aos poucos, por vezes nem mesmo indicando quem é o anunciante (BENJAMIN, 1995. p. 76-177).
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A questão da inversão do ônus da prova
LUIZ OTÁVIO DE OLIVEIRA AMARAL (2010) levanta o questionamento
sobre qual o momento mais adequado para a declaração da inversão do ônus da
prova em geral. Defende a tese de que o momento processual mais adequado para
essa inversão, em matéria de direito do consumidor, é o que fica entre a propositura
da ação e o despacho saneador, ou seja, por ocasião desse despacho, posto que
assim não ocorrerá o dito fator surpresa e as partes estarão, previamente, cientes,
por meio desse pronunciamento judicial, a quem competirá o ônus da prova.
Com efeito, essa matéria, a inversão do ônus probante, tem a natureza de
instrução ou de procedimento e não de julgamento. Esse momento é o mais
adequado também porque é nele que o magistrado avalia se estão presentes os
requisitos desse benefício, após verificar, segundo as regras de experiência, que as
alegações do autor são verossímeis ou que o consumidor é hipossuficiente.
Outro argumento a favor do saneador e não da sentença, é o fato processual
da fixação dos pontos controvertidos e anterior à instrução do processo, o que evita
prejuízos à ampla defesa do réu (fornecedor/empresário).
A publicidade enganosa é, na verdade, conclusão de um juízo/raciocínio
abstrato em que o resultado danoso ao consumidor é mero exaurimento formal da
conduta civilmente lesiva, mas que, no campo criminal, terá relevância própria e
específica. A indução a erro, ínsita na publicidade enganosa, pode ou não chegar ao
resultado material do dano, ou seja, já basta, para a consumação do ilícito, a simples
probabilidade desse evento; também pode ou não haver a intenção (de dano) do
anunciante, o que importa para o CDC é a conduta apenas formal, irrelevante o
resultado material. É um ilícito (civil) formal estruturalmente análogo aos crimes
formais, ou de consumação antecipada. Daí por que, com razão, HERMAN
BENJAMIN (1991) leciona que há erro potencial e erro real.
Do ponto de vista do CDC, a publicidade pode ser classificada como
enganosa e abusiva, mas essas duas grandes classes podem ainda ser
subclassificadas:
1. Quanto à publicidade enganosa, temos:
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a) inteira ou parcialmente falsa;
b) com potencial de induzir em erro (não há necessidade do resultado
material do erro) o consumidor, até mesmo por omissão.
É enganosa qualquer modalidade de informação ou comunicação de caráter
publicitário, inteira ou parcialmente falsa, ou, por qualquer outro modo, mesmo por
omissão, capaz de induzir em erro o consumidor a respeito da natureza,
características, qualidade, quantidade, propriedades, origem, preço e quaisquer
outros dados sobre produtos e serviços (art. 37, § 1º). Será publicidade enganosa
por omissão aquela que deixar de informar sobre dado essencial do produto ou
serviço (§ 3º). Em ambos os casos, a publicidade enganosa vicia a vontade do
consumidor que, iludido, acaba adquirindo produto ou serviço em desconformidade
com o pretendido. A falsidade está diretamente ligada ao erro, numa relação de
causalidade.
Segundo GINO GIACOMINI FILHO (1991), não há receita para detectar a
propaganda enganosa. Há, porém, indícios que fazem parte de anúncios que não
primam pela precisão da informação, ou então usam artifícios para envolver o leitor
ou telespectador, não propiciando uma compra racional e segura.
2. Quanto à publicidade abusiva, temos:
a) discriminatória de qualquer natureza;
b) que incite à violência;
c) que explore o medo ou a superstição;
d) que se aproveite da deficiência de julgamento e experiência da criança;
e) desrespeita valores ambientais;
f) que possa induzir o consumidor a se comportar de modo prejudicial ou
perigoso a sua saúde ou segurança.
É abusiva a publicidade discriminatória de qualquer natureza, a que incite à
violência, explore o medo ou a superstição, se aproveite da deficiência de
julgamento e experiência de crianças, desrespeita valores ambientais, ou que seja
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capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa à sua
saúde ou segurança (art. 37, § 2º).
Não chega a ser mentirosa, mas é distorcida, desvirtuada dos padrões da
publicidade escorreita e violadora de valores éticos que a sociedade deve preservar.
Além disso, deturpa a vontade do consumidor, que pode inclusive ser induzido a
comportamento prejudicial ou perigoso à sua saúde e segurança (ALMEIDA, 2010).
As possibilidades de indenização para o consumidor lesado por publicidade
enganosa ou abusiva são (iguais as da oferta), ou seja, ele pode exigir:
1. o cumprimento forçado do que foi veiculado pela publicidade;
2. outro produto ou prestação de serviço equivalente, pagando ou recebendo
a diferença;
3. rescindir o contrato mediante a restituição da quantia eventualmente
antecipada, monetariamente atualizada, e composição de perdas e danos que
podem ser materiais (emergentes e lucros cessantes) e morais.
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UNIDADE 3 – PRÁTICAS COMERCIAIS ABUSIVAS
Práticas comerciais abusivas são as condições irregulares de negociação
nas relações de consumo, que ferem a boa-fé, os bons costumes, a ordem pública e
a ordem jurídica. Essas condições têm que estar ligadas ao bem-estar do
consumidor final. É o abuso contra o consumidor. Assim, estão excluídas as práticas
de concorrência desleal, porque são entre fornecedor e fornecedor (SMANIO, 2007).
De acordo com TUPINAMBÁ MIGUEL CASTRO DO NASCIMENTO (1991,
p. 38), práticas abusivas são práticas comerciais, mas relações de consumo, que
ultrapassam a regularidade do exercício de comércio e das relações entre
fornecedor e consumidor.
Para ANTONIO BENJAMIN DE VASCONCELLOS HERMAN (2008, p. 218),
prática abusiva (lato sensu) é a desconformidade com os padrões mercadológicos
de boa conduta em relação ao consumidor.
Não estão previstas apenas no art. 39, que é meramente exemplificativo,
mas estão espalhadas por todo o código, como, por exemplo: art. 10 – colocação no
mercado de produto ou serviço com alto grau de periculosidade; art. 21 – não
emprego de peças de reposição adequadas; art. 32 – falta de componentes e peças
de reposição; art. 36 – publicidade clandestina; art. 37 – publicidade abusiva
enganosa; art. 51 – cláusula contratual abusiva (SMANIO, 2007).
Além de encontrarmos no Direito do Consumidor as práticas comerciais
lícitas e legítimas, temos, também, as práticas abusivas, ilícitas e ilegítimas. São as
práticas abusivas, atividades mercantis, estratégias, ou ações dos fornecedores
(fabricante, importador, vendedor, prestador, anunciante, publicitário, etc.) que
buscam o lucro em face do consumidor e por meio do ato de consumo, enfim, são as
chamadas técnicas de marketing que violam as leis protetivas do consumidor.
Segundo GIANPAOLO POGGIO SMANIO (2007) e LUIZ OTÁVIO DE
OLIVEIRA AMARAL (2010), essas práticas abusivas tem seu rol estampado no art.
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39 de modo não taxativo ou exaustivo, mas apenas exemplificativamente, ou seja,
além dessas hipóteses, outras podem ser encontradas na riqueza fática da vida que
jamais o direito cobrirá completamente. Podem, inclusive, estar em outra legislação.
Por exemplo: Lei dos Crimes Contra a Ordem Tributária, Econômica e Contra as
Relações de Consumo.
3.1 Classificação das práticas abusivas
Tendo em vista o momento em que se manifestam no processo econômico,
podem ser chamadas: se no momento da produção, práticas abusivas produtivas; se
após, para garantir a circulação dos produtos e serviços até o destinatário final,
práticas abusivas comerciais.
Tendo em vista o aspecto jurídico contratual, podem ser: contratuais, se no
interior do próprio contrato; pré-contratuais, quando atuam na fase do ajustamento
contratual; ou pós-contratuais, caso se manifestem após a contratação.
São hipóteses legais (art. 3º, I, CDC):
1º Condicionamento do fornecimento de produto ou serviços
Podem ocorrer duas hipóteses:
a) venda casada, em que o fornecedor se nega a fornecer produto ou
serviço, a não ser que o consumidor adquira também um outro produto ou serviço.
Não só a venda, mas qualquer outra forma de fornecimento pode ser objeto de
prática abusiva (SMANIO, 2007).
Em princípio, essa venda conjugada é simples técnica comercial estudada
em Administração como marketing lateral, em que o fornecedor se utiliza de um
produto ou serviço existente no mercado para lançar outro. O fornecedor quando
pratica a venda casada pretende colocar, novamente, no mercado um produto ou
serviço que está com baixa demanda (AMARAL, 2010).
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A infração, na via administrativa, já era prevista na Lei Delegada nº 4/62, art.
11, letra i. Na esfera civil, o consumidor pode exigir o cumprimento da oferta sem o
condicionamento.
B) condição quantitativa: diz respeito ao mesmo produto ou serviço objeto do
fornecimento. O fornecedor só vende se for x quantia do produto; se for mais ou
menos, não vende. A proibição não é absoluta, já que a lei admite a justa causa. Ex.:
estoque limitado.
O entendimento predominante é que o fornecedor não pode obrigar o
consumidor a adquirir mais do que deseja. Portanto, a justa causa seria apenas para
adquirir menos do que pretende o consumidor. Ex.: Três latas de óleo com desconto:
o consumidor tem direito de adquirir apenas uma sem desconto (SMANIO, 2007).
2º Recusa de atendimento à demanda do consumidor
Desde que o fornecedor tenha estoque de produtos e esteja habilitado a
prestar o serviço, não pode recusar-se a atender à demanda do consumidor.
A lei proíbe recusar atendimento às demandas dos consumidores, na exata
medida de suas disponibilidades de estoque, e ainda, de conformidade com os usos
e costumes.
Configura também infração contra a economia popular, prevista no art. 2º, II,
da Lei nº 1.521/51. Ex.: motorista de táxi que recusa pequena corrida; consumidor
que quer pagar com moedas.
3º Fornecimento não solicitado
O produto ou serviço só pode ser fornecido desde que haja solicitação prévia
por parte do consumidor. Se ocorrer o fornecimento sem solicitação, o consumidor
deve recebê-lo como amostra grátis, não cabendo nenhum pagamento (parágrafo
único, art. 39).
A regra é o consumidor tomar a iniciativa de adquirir produto ou serviço. Por
isso, o legislador vedou a conduta de enviar ou entregar ao consumidor, sem
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solicitação prévia, qualquer produto, ou fornecer quaisquer serviços, pretendendo
com isso, preservá-lo de ser importunado com a remessa de produtos não
solicitados e do desconforto de providenciar a devolução, quando não quiser adquiri-
los.
4º Aproveitamento da hipossuficiência do consumidor
O fornecedor não pode valer-se da fraqueza ou ignorância do consumidor,
tendo em vista sua idade, saúde, conhecimento ou condição social, para impingir-lhe
seus produtos ou serviços. Aqui estão incluídas as técnicas mercadológicas, a
propaganda, o marketing, as práticas comerciais de modo geral.
A lei busca impedir que o fornecedor inescrupuloso tire proveito da situação
de fragilidade e hipossuficiência do consumidor idoso ou menor, doente, rude ou
com reduzidas condições de discernimento, objetivando com isso preservar os
direitos à higidez física e patrimonial e de livre escolha.
5º Exigência de vantagem excessiva
Vantagem excessiva é a vantagem exagerada, incomum, desproporcional.
Basta a exigência para configurar a prática abusiva. Pode ocorrer na fase pré-
contratual.
A ideia central é assegurar o equilíbrio contratual, impedindo que o
fornecedor, utilizando-se de sua condição de superioridade econômica, cause
prejuízo ao consumidor. É sancionado civil e administrativamente.
6º Serviços sem orçamento e autorização do consumidor
Para que o fornecedor possa dar início ao serviço, é preciso a autorização
do consumidor. Autorização expressa. Aprovação expressa do orçamento. Não
basta só a apresentação do orçamento. Tem que haver concordância expressa do
consumidor.
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Se existirem práticas anteriores entre o consumidor e o fornecedor, estas
regularão o relacionamento entre ambos. A regra não é absoluta: pode ser
modificada pela prática entre as partes (SMANIO, 2007).
Se o serviço for prestado sem autorização, será considerado amostra grátis,
não decorrendo nenhum pagamento (analogia do parágrafo único, art. 3º). Objetiva-
se moralizar a atividade, em face dos costumeiros abusos até então ocorridos de
lucro fácil no momento da entrega do trabalho. Trata-se de infração administrativa,
com reflexos na esfera civil (art. 40, § 3º).
7º Divulgação de informações negativas sobre o consumidor
Nenhum fornecedor pode divulgar informação depreciativa sobre o
consumidor. Se, porém, o consumidor exorbita de seu direito, age de má-fé, não há
proibição legal de repasse de informações.
O objetivo da vedação é evitar constrangimento ao consumidor quando tiver
de defender seus direitos, impedindo que o fornecedor se utilize desse fato para
denegrir a imagem daquele no meio comercial e social.
8º Colocar no mercado produtos e serviços em desacordo com as normas
técnicas
Se existir norma técnica expedida por órgão público, ou mesmo entidade
privada credenciada pelo CONMETRO (Conselho Nacional de Metrologia,
Normalização e Qualidade Industrial), cabe ao fornecedor respeitá-la.
As normas técnicas devem ser obrigatórias para configurar a prática
abusiva, ou seja, o CONMETRO deve aprová-las e obrigar seu uso em todo o
território nacional. Há normas de caráter facultativo. Ex.: as registradas e as
probatórias (experimentais), essas não configuram prática abusiva.
O Judiciário pode fixar normas mais rígidas. As normas técnicas funcionam
como mínimo e não impedem o controle judicial.
Além de infração administrativa, constitui conduta punível criminalmente, em
vista de sua subsunção ao tipo penal do art. 2º, III, da Lei n. 1.521/51.
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9º Recusar a venda de bens ou a prestação de serviços a quem se disponha a
adquiri-los mediante pronto pagamento
Esta prática abusiva, não prevista na versão original do CDC, foi introduzida
por meio da Lei nº 8.884/94, art. 87, que alterou a redação do art. 39 para o
acréscimo de incisos. Desde então passou a integrar o rol das práticas abusivas
previstas.
É necessário que o consumidor queira obter o fornecimento mediante pronto
pagamento, pois, do contrário, se a prazo ou parcelado, poderá justificar o recusa.
São ressalvados os casos de casos de intermediação de bens ou serviços regulados
por leis especiais, ou seja, estão excetuados desta cláusula abusiva. Nesses casos
os fornecedores poderão recusar o fornecimento direto aos consumidores.
10º Elevar sem justa causa o preço de produtos ou serviços
Não previsto no CDC, esta prática abusiva foi acrescentada ao rol daquelas
enumeradas pelo art. 39, pela Lei nº 8.884/94, art. 87.
Consiste em “elevar sem justa causa o preço de produtos ou serviços” (inc.
X), ou seja, qualquer elevação de preço deve ser justificada. A justa causa para a
elevação pode decorrer do aumento de preços da matéria-prima, da correção
substancial dos salários dos empregados, ou outra causa que reflita no custo final do
produto ou serviço. O que não pode é ocorrer elevação sem justa causa, a depender
apenas da vontade do fornecedor, pois isto significa prejuízo certo para o
consumidor e locupletamento ilícito para o fornecedor, situações que o Código busca
sempre coibir.
11º Aplicar fórmula ou índice de reajuste diverso do legal ou contratualmente
estabelecido
A Medida Provisória nº 550/94, convertida na Lei nº 9.870/99, alterou o art.
39 do CDC para inserir, no rol daquelas enumeradas, mais uma prática abusiva,
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qual seja, a aplicação de índice ou fórmula de reajuste diverso do legal ou
contratualmente estabelecidos (inc. XIII).
A norma veio embutida no bojo de Medida Provisória sobre mensalidades
escolares, área em que mais incidia a conduta que se buscou coibir. A vedação, no
entanto, não se aplica exclusivamente a essa área específica, mas em toda e
qualquer relação de consumo em que haja índice ou fórmula de reajuste
estabelecida em lei ou em contrato.
12º lnexistência ou deficiência de prazo para cumprimento da obrigação por
parte do fornecedor
O art. 40 do CDC obriga o fornecedor a entregar ao consumidor orçamento
prévio com as datas de início e término dos serviços (SMANIO, 2007).
Ao contratar o fornecimento de produto ou serviço, as partes devem
convencionar prazos de entrega e o termo inicial da execução dos serviços, o que
proporciona maior segurança para os contratantes e a possibilidade de sua
execução forçada em caso de descumprimento. Por isso, a lei sanciona a conduta
do fornecedor de “deixar de estipular prazo para o cumprimento de sua obrigação ou
deixar a fixação de seu termo inicial a seu exclusivo critério”. Procura-se, sem
dúvida, assegurar o equilíbrio contratual e a efetividade do cumprimento da
obrigação.
Essa prática abusiva, que constava do texto original do CDC como inciso IX
do art. 39, foi revogada pela Lei nº 8.884/94, que inseriu nova prática abusiva como
sendo inciso IX – com isso revogando o inciso original, que tinha outra redação.
Percebido o equívoco, foi reintroduzida pelo art. 7º da Lei nº 9.008/95, como inciso
XII do art. 39 do CDC (ALMEIDA, 2010).
3.2 A cobrança de dívidas
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Ainda no campo da vedação das práticas abusivas, o Código tratou, em
seções autônomas, da cobrança de dívidas e dos bancos de dados e cadastros de
consumidores, justificando-se o tratamento destacado em face da relevância
atribuída aos temas e da importância de regulamentá-lo minuciosamente (ALMEIDA,
2010).
As dívidas passivas oriundas de relações de consumo, ou seja, os débitos
que o consumidor tem o dever de pagar, de honrar, são cobráveis (enquanto direito
subjetivo de crédito do credor) dele, consumidor-devedor (enquanto titular do dever
jurídico de débito – sujeito passivo/obrigado da dívida), com alguns limites legais tais
como: a) não expor o consumidor a ridículo (art. 42); b) não poderá a cobrança
submeter o consumidor-devedor a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça
(AMARAL, 2010).
Ciente dos constantes abusos que se perpetravam nessa área, com ofensa
à dignidade do devedor, exposição a ridículo e utilização de práticas violentas, como
ameaça e constrangimentos, é que o legislador procurou restabelecer o império do
direito, ou, no dizer de um doutrinador, “o modo civilizado de se cobrar”. Colima-se,
com o tratamento legislativo da questão, fazer com que o exercício regular do direito
do credor se compreenda dentro dos limites legais, não os o recebimento do crédito,
o que era e continua a ser exercício regular de direito (CC, art. 188, I), mas a
utilização de métodos condenáveis e ofensivos à dignidade humana, que se procura
extirpar do meio social.
Fiel a esse pensamento, o Código procurou sancionar de forma direta as
condutas que afetavam a dignidade do consumidor inadimplente, estabelecendo
taxativamente que ele será respeitado em sua integridade física, psicológica e moral,
ao impedir sua exposição a ridículo e sua submissão a constrangimento ou ameaça
de qualquer tipo ou natureza (art. 42).
Veja-se que a lei impede apenas a cobrança abusiva. O consumidor pode
sofrer constrangimentos legais, como protesto do título, penhora, execução, falência,
etc. Além disso, pode ser cobrado condignamente em seu trabalho, descanso ou
lazer. O que não ocorre, por exemplo, quando o credor telefona para o chefe do
consumidor dizendo ser ele mau pagador.
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O não cumprimento dessa regra importará a aplicação de sanções
administrativas ao fornecedor (art. 56), a responsabilização criminal (art. 71) e a
imposição das seguintes sanções civis em caso de cobrança de quantia total ou
parcialmente indevida:
a) repetição do indébito, pelo valor igual ao dobro do recebido em excesso,
acrescido de juros e correção monetária desde o recebimento (art. 42, parágrafo
único); e,
b) ocorrendo engano justificável ou boa-fé do credor, permanece a obrigação
de restituir o indébito, porém de forma simples, com incidência de juros e atualização
monetária (idem c/c CC, art. 876).
3.3 Os bancos de dados e cadastros de consumidores
Também aqui o legislador partiu da realidade fática e da vivência prática
para estabelecer normas de proteção ao consumidor.
A norma pelo art. 43 regula todo e qualquer banco ou cadastro de
fornecedores, seja público ou privado, que contenham dados em geral do
consumidor, pessoa física ou pessoa jurídica. Embora o alvo mais visível dessa
norma seja mesmo os serviços cadastrais de inadimplentes, os SPC, SERASA, etc,
ela tem um espectro muito amplo (AMARAL, 2010).
Atento à verdadeira avalanche de abusos cometidos nessa área – que iam
da utilização irregular de informações para forçar o pagamento de débito até a
inabilitação creditícia do interessado na via extraoficial –, procurou inibir tais
condutas abusivas e regulamentar a matéria mediante o estabelecimento das
seguintes regras:
1ª) acesso – o consumidor tem acesso às informações sobre ele existentes
em cadastros, fichas, registros, bem como sobre dados pessoais e de consumo
arquivados, inclusive respectivas fontes (art. 43, caput);
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2ª) transparência – os cadastros e dados devem ser objetivos, claros,
verdadeiros e em linguagem de fácil compreensão. Não podem conter códigos
indecifráveis, nem informações negativas referentes a período superior a cinco anos
(art. 43, § 1º, 1ª parte);
3ª) retificação – conhecendo as informações a seu respeito, o consumidor
poderá exigir sua imediata correção, quando encontrar inexatidão em seus dados e
cadastros. Feita a correção, o arquivista, em cinco dias úteis, deverá comunicá-la
aos destinatários das informações incorretas, restabelecendo a verdade (§ 3º);
4ª) comunicação – além disso, toda vez que se proceder à abertura de
cadastro, ficha, registro e dados pessoais e de consumo, sem sua solicitação, o
consumidor deverá ser obrigatoriamente comunicado por escrito, para que os
confira, ratificando-os ou retificando-os (§ 2º);
5ª) prescrição – prescrita a dívida, os serviços de Proteção ao Crédito ficam
proibidos de fornecer quaisquer informações que possam impedir ou dificultar novo
acesso ao crédito junto aos fornecedores (§ 5º). A medida, ao contrário de incentivar
o calote, impede a aplicação de pena de caráter perpétuo, vedada pela Constituição
da República (art. 5º, XLVII, b), e uniformiza o tratamento da matéria, ao impedir
efeitos extrajudiciais de dívida prescrita e não permitir que esta venha a atormentar
eternamente a vida do consumidor, cassando-lhe o crédito e a possibilidade de
reabilitação. Se prescreve o direito de punir do Estado, não haveria razão para não
se considerar prescrita a veiculação de mera informação cadastral;
6ª) prazo – os bancos de dados não poderão conter informações negativas
referentes a período superior a cinco anos (art. 43, § 1º,2ª parte). A não observância
dessas regras – mormente impedir o acesso às informações e deixar de corrigir
informações inexatas – constitui infração administrativa, da mesma forma que pode
gerar responsabilização penal (arts. 72 e 73) e abrir ensejo à incidência da o pleito
indenizatório por danos materiais e morais.
Decorridos vários anos de vigência do CDC, constata-se que o Judiciário
não vem encontrando problemas para aplicar o art. 43 e seus parágrafos. Já se
decidiu, por exemplo, que:
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a) a regularidade dos cadastros e informações relativos ao consumidor
interessa não apenas aos cadastrados, mas ao universo dos consumidores (RDC, v.
10, p. 262);
b) entre as duas formas de cancelamento de informações negativas do
consumidor, aplica-se aquela que primeiro se realizar (RDC, v. 2, p. 174);
c) em processo de execução é impossível a expedição de ofício pelo Juízo
com o fito de ser o devedor tachado de inadimplente e omisso quanto ao
cumprimento da sentença (RDC, v. 14, p. 170);
d) deve ser afastada a inscrição do nome do devedor em organismos como
o Cadastro de Inadimplentes do Governo Federal e a Centralização de Serviços dos
Bancos S/A – CADIN/SERASA, quando não caracterizada mora, por importar em
abuso e por constranger ao pagamento indevido (RDC, v. 23-4, p. 319);
e) estando em discussão no Judiciário a própria existência do débito,
descabe o registro do nome do suposto devedor no Serasa (RDC, v. 23-4, p. 310).
3.4 O cadastro de fornecedores
No intuito de proteger reflexamente o consumidor, o Código cuidou do
cadastro de fornecedores. A preocupação aqui foi a de formar um banco de dados
sobre os fornecedores inidôneos ou que se recusam a atender as reclamações
contra si formuladas, mesmo que suficientemente comprovadas. Sabedor dessa
faceta do potencial fornecedor, o consumidor pensará duas vezes e poderá, se
assim o entender, evitar uma contratação que certamente lhe trará transtornos
(ALMEIDA, 2010).
A partir da vigência da nova lei, e com a regulamentação do CDC pelo
Decreto nº 2.181/97, os órgãos públicos de defesa do consumidor (SDE, PROCONS
estaduais e municipais e congêneres) ganharam nova atribuição: a de manter um
cadastro atualizado de reclamações fundamentadas contra fornecedores de
produtos e serviços, com a indicação de atendimento ou não. O cadastro assim
montado deverá ser divulgado anualmente, a fim de que alcance repercussão
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pública, na suposição de que chegará ao conhecimento do consumidor, sem
prejuízo da consulta em qualquer oportunidade. Aliás, as informações constantes do
referido cadastro estão abertas a qualquer interessado (art. 44, caput e § 1º).
Da mesma forma que no cadastro de consumidores, os cadastros e dados
dos fornecedores devem ser transparentes e comunicados ao interessado; devem
ser corrigidos em caso de inexatidão e não devem conter informações de período
antecedente a cinco anos (art. 44, § 2º, c/c art. 43, §§ 1º e 5º), sujeitando o Poder
Público a que esteja vinculado o órgão, em caso de descumprimento, a ser
compelido a organizar e divulgar o cadastro de reclamações inatendidas, bem como
a reparar os danos causados (art. 44, § 2º, c/c art. 22, parágrafo único).
Objeto de apenas um artigo (44) e dois parágrafos no CDC e amplamente
regulamentada pelo Decreto nº 2.181/97, nos arts. 57 a 62, a matéria agora ganhou
maior relevância e melhores condições de implementação (ALMEIDA, 2010).
O cadastro de fornecedores – diz o art. 57 do Decreto – nada mais é do que
o “cadastro de reclamações fundamentais contra fornecedores”, entendendo-se por
cadastro “o resultado dos registros feitos pelos órgãos públicos de defesa do
consumidor de todas as reclamações fundamentadas contra fornecedores” e por
reclamação fundamentada “a notícia de lesão ou ameaça a direito de consumidor
analisada por órgão público de defesa do consumidor, a requerimento ou de ofício,
considerada procedente, por decisão definitiva” (decreto cit., art. 58, I e II). E a
decisão é definitiva – é bom lembrar – quando já não couber recurso, seja de ordem
formal ou material (decreto cit., art. 53).
Os cadastros de reclamações fundamentadas contra fornecedores – tal
como ocorre com os bancos de dados dos consumidores (CDC, art. 43, § 4º) – são
considerados arquivos públicos, por força do art. 60 do Decreto nº 2.181/87, por isso
que submetidos a normas que propiciem sua publicidade, confiabilidade e
continuidade (decreto cit., art. 57).
Os órgãos públicos de defesa do consumidor devem providenciar a
divulgação periódica de tais cadastros, da forma o mais ampla possível. E
obrigatória a sua publicação no órgão de imprensa oficial local, sem prejuízo de
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outras formas de divulgação, inclusive por comunicação eletrônica. A divulgação
será anual, podendo ocorrer em período menor, a critério do órgão responsável
(decreto cit., art. 59, §§ 1º e 2º, 1ª parte).
Tais cadastros deverão conter “informações objetivas, claras e verdadeiras
sobre o objeto da reclamação, a identificação do fornecedor e o atendimento ou não
da reclamação pelo fornecedor”. Não podem conter “informações negativas sobre
fornecedores referentes a período superior a cinco anos, contando da data da
intimação da decisão definitiva” (decreto cit., art. 59, § 2º, 2ª parte, e § 3º). Devem
ser permanentemente atualizados, por meio das devidas anotações, tanto para
incluir como para excluir ou retificar informação (decreto cit., arts. 59, § 3º, e 61).
Por constituírem instrumento essencial de defesa e orientação dos
consumidores, referidos cadastros são a todos acessíveis, gratuitamente, podendo
haver consulta sobre a situação dos fornecedores, principalmente quanto ao
cumprimento das normas do CDC reincidência em caso de descumprimento, etc.
Mas é vedada a utilização abusiva de tais informações ou com outros objetivos,
estranhos à defesa e orientação dos consumidores. Há uma ressalva: tais
informações podem ser utilizadas em publicidade comparativa, pois isso interessa
aos concorrentes, mas interessa também aos consumidores (decreto cit., arts. 57 e
60).
Em razão de existir o Sistema Nacional de Defesa do Consumidor, com
órgãos públicos específicos federais, estaduais e municipais, todos eles poderão ter
seus próprios cadastros. São os chamados cadastros locais, ou setoriais, que
poderão ser consolidados em cadastros gerais, nos âmbitos federal e estadual
(decreto cit., art. 62) (ALMEIDA, 2010).
3.5 Da proteção contratual
Embora tenhamos dedicado a próxima unidade exclusivamente para
discutirmos sobre os contratos, vale inserir aqui que contrato é todo acordo de
vontades com o fim de adquirir, resguardar, transferir, modificar, conservar, ou
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extinguir direitos; são seus requisitos essenciais: agente capaz, objeto lícito e forma
prescrita ou não defesa em lei.
Segundo PABLO STOLZE GAGLIANO e RODOLFO PAMPLONA FILHO
(2007, p. 11), contrato é um negócio jurídico por meio do qual as partes declarantes,
limitadas pelo princípio da função social e da boa-fé objetiva, autodisciplinam os
efeitos patrimoniais que pretendem atingir, segundo a autonomia das suas próprias
vontades.
O CDC regula a relação de consumo que é composta de sujeitos, os
fornecedores e consumidores e objetos que são os produtos serviços, tendo como
finalidade (elemento teleológico) o suprimento de necessidade do consumidor como
destinatário final (SMANIO, 2007).
A proteção contratual no CDC está inserida na regulamentação da relação
de consumo. As normas do Código Civil e Comercial são aplicadas apenas
subsidiariamente, uma vez que o direito privado não atende plenamente às relações
de consumo na atualidade. A proteção aos consumidores passou a ser vista como
de ordem pública.
No CDC, vigora o princípio da conservação do contrato:
Art. 6º, V – a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam
prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que
as tornem excessivamente onerosas.
Vale lembrar que:
o CDC instituiu a boa-fé objetiva como princípio basilar das relações de
consumo (arts. 4º, III, e 51, IV);
o CDC impõe ao fornecedor o dever de prestar a declaração de vontade, se
tiver veiculado a oferta, apresentação ou publicidade (art. 30), efeito
vinculante da oferta – princípio do dever de prestar;
o CDC estabelece a execução específica da oferta como regra (arts. 35, I, e
84, § 1º), deixando a resolução em perdas e danos como subsidiária a critério
do consumidor (arts. 35, III, e 84, § 1º).
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São disposições gerais (arts. 46 a 50 do CDC) – Da proteção contratual
1. Contratos que regulam as relações de consumo
Se a relação jurídica for caracterizada como de consumo, qualquer que seja
a forma adotada para a negociação, haverá a incidência dos dispositivos do CDC.
Ex.: compra e venda, contratos bancários, cartões de crédito, leasing, plano de
saúde, seguros, etc.
2. Necessidade do conhecimento prévio do consumidor sobre o conteúdo do
contrato, sob pena de não obrigar o consumidor.
O fornecedor deverá ter a cautela de oferecer oportunidade ao consumidor
de conhecer o conteúdo do contrato e todas as suas implicações, antes da
conclusão do contrato. Não basta a mera leitura, é preciso o efetivo conhecimento
por parte do consumidor, especialmente dos direitos e deveres que decorrerão do
contrato. É preciso cautela do fornecedor, porque há a inversão do ônus da prova
(art. 6º, VIII, CDC).
3. Necessidade de redação clara e compreensível, para que obrigação assumida
pelo consumidor seja exigível. Ex.: palavras técnicas para leigos, contratos voltados
para pessoas humildes com linguagem inacessível, etc. – depende do caso
concreto.
4. As cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao
consumidor
Por cláusulas contratuais devemos entender todo e qualquer pacto ou
estipulação negocial entre fornecedor e consumidor, seja escrita, verbal, por adesão,
etc.
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Não fere o princípio da isonomia, porque o princípio deve ser entendido
como igualdade substancial, real, ou seja, tratar desigualmente os desiguais na
medida da desigualdade.
5. Efeito vinculante das declarações de vontade constantes de escritos
particulares, recibos e pré-contratos relativos às relações de consumo
As declarações de vontade vinculam o fornecedor, ensejando inclusive a
execução específica. É a imposição ao fornecedor do dever de prestar.
6. Denúncia vazia do contrato de consumo – direito de arrependimento
O CDC dispõe sobre o direito de arrependimento do consumidor, que pode
voltar atrás em sua declaração de vontade de celebrar a relação jurídica de
consumo.
Esse direito poderá ocorrer se a contratação for efetuada fora do
estabelecimento comercial, “especialmente” se for por telefone ou em domicílio. A lei
exemplifica duas hipóteses, além da previsão genérica. Esse direito não precisa ser
justificado pelo consumidor. Não precisa ter motivo declarado. Basta a vontade de
voltar atrás.
Para evitar abusos, o prazo de reflexão é de sete dias, contados a partir da
conclusão do contrato de consumo ou do ato de recebimento do produto ou serviço,
se posterior ao contrato, excluindo o dia do início e incluindo o do final. O prazo não
começará em feriado e se acabar em feriado será prorrogado até o dia útil seguinte.
Quando a relação acontece fora do estabelecimento comercial, o Código
prevê a hipótese de arrependimento quando o consumidor é abordado de forma
mais agressiva, com técnicas de marketing mais incisivas, e não está preparado
suficientemente para contratar. Além disso, o consumidor, nessas práticas fora do
estabelecimento comercial, não tem contato físico com o produto, não pode
examiná-lo para verificar eventuais qualidades e defeitos. Ex.: compra e venda porta
a porta, por telefone, por reembolso postal, fax, videotexto, prospectos, etc.
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São hipóteses de exceção ao direito de arrependimento:
1. caso o consumidor tenha conhecimento dos produtos e serviços e a partir
de então usualmente contrata por telefone com o fornecedor, não há direito de
arrependimento. Entretanto, se houver mudanças nas condições usuais do produto
ou do negócio, não haverá exceção, existindo o direito de arrependimento;
2. se for da essência do negócio ser realizado fora do estabelecimento,
também não haverá direito de arrependimento, como, por exemplo, a compra e
venda de imóvel, que é celebrada, de regra, fora do estabelecimento comercial, no
cartório, na presença de oficial. Se as negociações preliminares ocorreram no
estabelecimento de uma imobiliária, não há direito de arrependimento.
Se exercer o direito de arrependimento, o consumidor terá o direito à
devolução das quantias pagas, monetariamente atualizadas (pelo índice oficial), de
imediato. A cláusula contratual que lhe retire esse direito é considerada abusiva,
sendo nula (art. 51, lI, CDC).
Os gastos do fornecedor com relação a frete, envio de material e outros
encargos não são devidos pelo consumidor. Fazem parte do risco do negócio a ser
suportado pelo fornecedor. Cláusula em sentido contrário será considerada abusiva
por inibir o exercício do direito de arrependimento, sendo nula.
A garantia contratual é complemento à garantia legal. É também facultativa,
a critério do fornecedor, podendo ser acordada entre fornecedor e consumidor.
A garantia legal é obrigatória e independe da vontade das partes. Ex.: Art. 24
do CDC – adequação, qualidade e segurança dos serviços a cargo do fornecedor;
art. 25 do CDC – indenização pelo fato ou vício do produto ou serviço.
A garantia contratual é um “plus” oferecido pelo fornecedor em favor do
consumidor. Será fixada livremente, quanto aos prazos e condições, visando à
competitividade dos produtos no mercado.
A garantia não pode ser dada verbalmente. O CDC exige termo escrito para
que fique expresso o conteúdo dessa mesma garantia. Deve ser também
padronizada, de forma que atinja a todos os consumidores de forma uniforme.
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O consumidor deve ser devidamente esclarecido sobre os termos da
garantia, porque ela é parte integrante do contrato de consumo.
O termo de garantia deve ser preenchido pelo fornecedor por ocasião do
contrato de consumo, e entregue ao consumidor, juntamente com o manual de
instrução e instalação (este é obrigatório) – decorre do dever do fornecedor e direito
do consumidor à informação correta, precisa e adequada sobre os produtos e
serviços.
3.6 Cláusulas abusivas (arts. 51 a 53 do CDC)
No Brasil, antes do CDC, essas cláusulas abusivas eram disciplinadas no
direito positivo, superficial e esparsamente. Daí por que nosso Poder Judiciário
sempre teve de recorrer às regras gerais veiculadas pelos arts. 4º e 5º da Lei de
Introdução ao Código Civil (Dec. lei 4.657/42) para preencher tal lacuna; vale dizer:
decidia-se apenas à luz da analogia, via direito comparado, orientando-se pelos fins
sociais e pelas exigências do bem comum. Também trazia luzes à questão o art. 85,
do velho CC (art. 112 do CC/2002). No velho Código Civil tínhamos dois artigos que
vedavam as chamadas cláusulas leoninas os arts. 115 e 1.372 (art. 122 do CC/02 e
sem correspondente).
Outros diplomas normativos também trataram do tema, entre os quais se
destacam: o Dec. nº 24.038/34, o Dec.Lei nº 857/69 e o Dec. nº 59.195/66.
Enquanto isso, no exterior, a matéria já tinha tratamento mais adequado. Na
Europa, desde 1970, há regras contra essas cláusulas: no Reino Unido, desde 1973,
e depois 1977, na Dinamarca, desde 1974, na Alemanha, desde 1976, na França,
desde 1978 e mais 1988 (normas incorporadas ao Code de Ia Consommation a
partir de 1993). Merece ser ressaltada a Diretiva da CEE 93/13, de 1993. Nos EUA,
desde 1962 o Uniform Commercial Code, seguindo longa esteira jurisprudencial,
permite ao juiz anular toda cláusula abusiva.
Em termos de tutela contratual do consumidor, o CDC traz dois momentos
distintos: no primeiro, que vai da efetiva formação do vínculo contratual (a fase pré-
contratual), em que se estabelecem novos direitos para o consumidor e respectivos
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deveres para o fornecedor; em outro e posterior momento, o CDC vem fixar normas
proibindo expressamente as cláusulas abusivas nos contratos de consumo,
garantindo, assim, uma proteção a posteriori do consumidor, por meio de um efetivo
controle judicial do conteúdo dos contratos.
As cláusulas abusivas não se esgotam no rol estampado no CDC, posto que
o Secretário Nacional de Direito Econômico está autorizado pelo art. 58 do Dec. nº
2.181/97 (que regulamenta o Sistema Nacional de Defesa do Consumidor) a editar,
via portaria e anualmente, rol, também, exemplificativo de outras cláusulas assim
reconhecidas e logo potencialmente nulas por abusividade (AMARAL, 2010).
Cláusula abusiva é a notoriamente desfavorável ao consumidor, parte mais
fraca da relação processual. Também chamadas de cláusulas opressivas, onerosas
ou excessivas, elas quebram o equilíbrio entre as partes. Não são apenas as
cláusulas de adesão, podendo ser referentes a qualquer cláusula contratual, escrita
ou verbal (SMANIO, 2007).
No âmbito da proteção contratual estabelecida pelo CDC, as cláusulas
abusivas merecem um tratamento atencioso (AMARAL, 2010).
De acordo com art. 51, caput, as cláusulas abusivas são nulas, sendo que a
nulidade deve ser reconhecida judicialmente, por meio de ação direta (ou
reconvenção), de exceção substancial alegada em defesa (contestação), ou por ato
ex officio do juiz. A sentença que reconhece a nulidade não é declaratória, mas
constitutiva negativa. E seu efeito opera ex tunc (desde o momento da efetuação do
contrato).
Por ser matéria de ordem pública, nulidade de pleno direito, não é atingida
pela preclusão, podendo ser arguida a qualquer tempo e grau de jurisdição,
impondo-se ao juiz o dever de pronunciá-la de ofício. A ação para pleitear em juízo o
reconhecimento da nulidade é imprescritível, posto que o Código não fixou prazo
para seu exercício (SMANIO, 2007).
As cláusulas abusivas relacionadas no CDC art. 51, são exemplificativas, ou
seja, o CDC apenas enunciou algumas das cláusulas consideradas abusivas,
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havendo outras disposições esparsas no Código. O caput do art. 51 é expresso em
utilizar a expressão entre outras. Exemplo: eleição de foro prejudicial ao consumidor.
O juiz poderá reconhecer e declarar determinada cláusula, atendidos os
princípios da boa-fé e da proteção ao consumidor.
O art. 6º, IV, do CDC, dispõe genericamente que o consumidor tem o direito
de proteção contra as cláusulas abusivas, não restringindo a amplitude deste direito.
São espécies de cláusulas abusivas:
1. cláusula de não indenizar – é nula a cláusula que contenha óbice ao dever
legal de indenizar. A proibição atinge qualquer cláusula que tenha por objetivo
exonerar, impossibilitar ou atenuar a responsabilidade do fornecedor (art. 51,
I);
2. cláusula de renúncia ou disposição de direitos – as normas do CDC são de
ordem pública e interesse social. A cláusula de renúncia ou disposição de
direitos não tem validade porque quebra o equilíbrio contratual;
3. cláusula de limitação da indenização com consumidor/pessoa jurídica – na
hipótese da relação fornecedor-consumidor pessoa jurídica, a lei abranda a
proibição da cláusula de exoneração da responsabilidade. Permite a
estipulação de limitação da indenização, mas não a exoneração, desde que a
situação seja justificável. Ficará ao juiz a decisão sobre a situação, se é
justificável ou não, para limitar a indenização. Ex.: fornecedor vende
computador de grande porte para consumidor pessoa jurídica – estipula
limitação da responsabilidade em caso de dano;
4. cláusula que impeça reembolso da quantia paga pelo consumidor – quando o
consumidor tem o direito conferido pelo CDC de reembolso das quantias
pagas ao fornecedor, é nula a cláusula que lhe retirar o direito. Ex.: direito de
arrependimento;
5. transferência de responsabilidade a terceiros – as partes devem suportar os
ônus e obrigações decorrentes da relação de consumo, não podendo o
fornecedor transferir a terceiros sua responsabilidade. Isto não se aplica ao
contrato de seguro que pode fazer o fornecedor com uma seguradora, para
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garantir-se dos riscos de sua atividade. O CDC prevê expressamente a
possibilidade (art. 101, II), inclusive com a hipótese de chamamento ao
processo da seguradora para ressarcimento ao consumidor;
6. colocação do consumidor em desvantagem exagerada – o juiz é que avaliará
em cada caso concreto a desvantagem do consumidor: o § 1º do art. 51
estabelece, exemplificativamente, algumas hipóteses de vantagem exagerada
do fornecedor:
a. ofensa aos princípios fundamentais do sistema jurídico. Ex.: afastar
normas básicas do CDC;
b. restringir direitos ou obrigação fundamentais inerentes à natureza do
contrato, ameaçando seu equilíbrio. Ex.: preço excessivamente elevado;
c. excessiva onerosidade ao consumidor.
7. cláusula incompatível com a boa-fé e a equidade – também ficarão a critério
judicial no caso concreto. Exemplo: a cláusula surpresa, que surpreenda o
fornecedor durante a execução do contrato;
8. inversão prejudicial do ônus da prova – se for em prejuízo ao consumidor, a
cláusula será nula;
9. arbitragem compulsória – as partes podem contratar a arbitragem para
solucionar problemas decorrentes da relação de consumo. Será uma espécie
de transação realizada entre as partes, tratando-se de direitos disponíveis. O
que não é admitido é a cláusula que obrigue à arbitragem, ou deixe a critério
do fornecedor sua determinação. A cláusula prévia de arbitragem é proibida,
ou seja, aquela que disponha que qualquer litígio decorrente do contrato será
resolvido por juízo arbitral. Porém, nada impede que, surgindo litígio ou
discussão determinada, em concreto, as partes optem pelo juízo arbitral;
10. representante imposto para concluir outro negócio jurídico pelo consumidor –
Ex.: contratos bancários, de cartão de crédito, de compra a prazo, em que há
cláusula que determine um representante ao consumidor, para que, em seu
nome, emita nota promissória, letra de câmbio, enfim título de crédito, etc.;
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11. opção exclusiva do fornecedor para concluir o contrato – não é admitida a
cláusula que obriga o consumidor a aceitar a opção do fornecedor de concluir
ou não o contrato a seu exclusivo critério;
12. alteração unilateral do preço – o consumidor não pode ser obrigado
contratualmente a aceitar o acréscimo no preço decorrente exclusivamente da
vontade do fornecedor. Se ocorrerem modificações da situação econômica,
os participantes da relação de consumo deverão discutir livremente as
cláusulas contratuais;
13. cancelamento unilateral do contrato por parte do fornecedor – a lei permite
cláusula com a previsão de cancelamento por ambas as partes, colocando
fornecedor e consumidor em posição de equilíbrio, mas veda cláusula em que
o cancelamento do contrato fique a exclusivo critério do fornecedor;
14. ressarcimento unilateral dos custos de cobrança – igualmente, a lei determina
que esse direito pode ser estendido aos dois polos da relação de consumo e
veda sua estipulação apenas em favor do fornecedor;
15. modificação unilateral de contrato – não é lícita a cláusula que permite ao
fornecedor alterar unilateralmente o conteúdo ou a qualidade do contrato.
Todas as alterações contratuais devem ser discutidas entre fornecedor e
consumidor.
O controle administrativo das cláusulas contratuais pode ser efetivado por
meio de Inquérito Civil – Ministério Público – resultando em acordo extrajudicial ou
propositura da ação civil pública para a proteção judicial da relação de consumo
contra as cláusulas abusivas.
Qualquer pessoa pode representar ao Ministério Público para sua
intervenção no controle das cláusulas contratuais (SMANIO, 2007).
A compra e venda à prestação (art. 53, CDC), seja de móveis ou imóveis, a
lei veda cláusula que estipule a perda total dos valores pagos pelo consumidor em
caso de resolução do contrato por inadimplência do mesmo. É idêntica a situação
para a alienação fiduciária. É permitida, contudo, a estipulação de pena ao
consumidor pelo inadimplemento contratual, desde que essa pena seja equitativa.
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Sobre os contratos de adesão (art. 54, CDC), são contratos cujas cláusulas
tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidas
unilateralmente pelo fornecedor, sem que o consumidor possa discutir ou modificar
substancialmente seu conteúdo.
O conceito abrange tanto os contratos chamados de adesão, quanto os por
adesão. Quer sejam as cláusulas estipuladas pelo Poder Público (de adesão) como,
por exemplo, as cláusulas de fornecimento de energia elétrica, quer estipuladas
unilateralmente pelo fornecedor (por adesão), desde que não possam ser recusadas
substancialmente pelo consumidor, estarão abrangidas pelo conceito.
A lei não veda sua existência, mas estipula certas regras protetivas ao
consumidor:
a inserção de cláusula no formulário não desnatura o contrato de adesão;
somente é admitida cláusula resolutória se a escolha for do consumidor
aderente;
os contratos de adesão poderão ser escritos ou verbais;
os escritos deverão ter redação clara e legível, possibilitando o efetivo
conhecimento do consumidor;
as cláusulas limitativas de direitos do consumidor deverão ser regidas com
destaque, permitindo imediata e fácil compreensão (SMANIO, 2007).
3.7 Cláusulas abusivas acrescidas
O art. 56 do Decreto nº 2.181/97, determina que a Secretaria de Direito
Econômico divulgue, anualmente, elenco complementar de cláusulas contratuais
abusivas. Esse elenco, meramente exemplificativo, tem o objetivo de orientar os
órgãos integrantes do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor e,
principalmente, possibilitar a fiscalização e a aplicação de penalidades quando o
fornecedor estabelecer obrigações iníquas ou abusivas, que coloquem o consumidor
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em desvantagem exagerada ou sejam incompatíveis com a boa-fé e a equidade
(CDC, art. 51, IV, c/c o Dec. n. 2.181/97, art. 22, IV).
Assim é que:
a) por meio da Portaria nº 4, de 13-3-1998, da SDE – Secretaria de Direito
Econômico (publicada no DOU, 16 mar. 1998, Seção I), foram divulgadas as novas
cláusulas abusivas que integram o elenco daquele ano;
b) em 19-3-1999 foi assinada a Portaria nº 3, da SDE (publicada no DJU, 22
mar. 1999), elencando as cláusulas abusivas relativas ao ano de 1999;
c) por meio da Portaria nº 3, de 15-3-2001, da SDE do Ministério da Justiça,
foram divulgadas dezesseis novas cláusulas abusivas (DOU, 17 mar. 2001, Seção I,
p. 1); e,
d) finalmente, pela Portaria nº 5, de 27-8-2002, da mesma Secretaria, foi
complementado o elenco com mais cinco novas cláusulas abusivas (DOU, 28 ago.
2002, p. 48) (ALMEIDA, 2010).
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UNIDADE 4 – CONTRATOS
Segundo RONALDO ALVES DE ANDRADE (2006), o contrato de consumo
não desponta como nova figura contratual e tampouco configura contrato inominado,
como o de leasing ou de provimento de acesso à internet. Ele é sim, novo
tratamento jurídico, pelo qual os princípios de direito privado são revistos a atender
ao interesse coletivo e não só ao direito exclusivo das partes envolvidas diretamente
na relação contratual. Assim, no que tange às relações consumo, princípios como
pacta sunt servanda e relatividade do contrato – abandonados para adequar o
contrato, que até a metade do século XX era a relação jurídica basicamente privada
e envolvia somente as partes contratantes, a um novo paradigma de relação social e
jurídica, ou seja, a relação coletivizada, na qual a pessoa natural ou mesmo jurídica
não mais é considerada como um ente privado, mas como um ente coletivo,
perdendo sua identidade personalizada para tornar-se o consumidor ou o
fornecedor.
Evidentemente que o direito privado tradicional demonstrou-se insuficiente
para regrar esse novo paradigma de relação jurídica, e surgiu o direito o consumidor
trazendo novos princípios em substituição aos de direito exclusivamente privado que
se tornaram inaplicáveis.
O contrato não deixou de existir com o surgimento desse novo paradigma e
tampouco faleceu a autonomia da vontade. Ele continua a existir e a regrar as
relações jurídicas firmadas entre os contratantes, mas sua formação, execução e
resolução passaram a obedecer a princípios que melhor se coadunam à
coletivização das relações sociais e jurídicas.
Na tradição do Código de Napoleão, que inspirou o nosso Código Civil de
1916 e também o de 2002, o contrato é o negócio jurídico que relaciona duas ou
mais pessoas acerca de determinada obrigação, criando entre elas vínculo jurídico
que as obriga mutuamente ao cumprimento das obrigações que assumiram.
JACQUES GHESTIN (s.d apud ANDRADE, 2006) traz interessante escorço
histórico asseverando que, nos primórdios das diversas sociedades, o contrato não
era individual, mas coletivo, vigorando quanto às obrigações a lei do grupo, que era
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ditada pelo seu chefe, de forma que o contrato tinha a natureza de estatuto, sendo
certo que sua natureza coletiva advém até mesmo da etimologia da palavra
“contrato”, que vem do latim conclure que deriva de contrahere, que significa
agrupar, reunir, concluir.
Somente com a evolução das sociedades e dos direitos individuais foi
agregada ao contrato a vontade individual dos contratantes, a qual passou a ser
submetida às regras jurídicas que atribuíram ao Judiciário o poder de impor sanções
àqueles que descumprissem as obrigações assumidas.
A noção de contrato está ligada à vontade das partes, ou seja, à liberdade
de manifestação de vontade, pois em princípio as pessoas são livres para vincular
sua vontade ao cumprimento de determinada obrigação à qual eventualmente se
tenham obrigado (ANDRADE, 2006).
Segundo ORLANDO GOMES (2000, p. 21), a moderna concepção de
contrato como acordo de vontades por meio do qual as pessoas formam um vínculo
jurídico a que se prendem se esclarece à luz da ideologia individualista dominante
na época de sua cristalização e do processo econômico de consolidação do regime
capitalista de produção.
O consenso de vontades fundado na livre manifestação de ideias e desejos
constitui o fundamento do contrato, de maneira que, livremente exarado pelos
contratantes, tem força jurídica de vinculá-los de tal modo e força que faz lei entre
eles; vale dizer que, pelo contrato, as partes contratantes criam uma lei especial
para reger aquela específica relação jurídica.
Novamente é ORLANDO GOMES (2000, p. 10) quem fornece um conceito
notável para contrato: “o negócio jurídico bilateral, ou plurilateral que sujeita as
partes à observância de conduta idônea à satisfação dos interesses que regularam”.
No sistema legal do Código Civil, o contrato é assim, considerado negócio
jurídico bilateral, uma vez que tem a finalidade de adquirir, resguardar, transferir,
modificar ou extinguir direitos.
Dessa forma, considerando que a assunção de obrigações implica
necessariamente aquisição, modificação ou extinção de direitos, o contrato é
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legalmente negócio jurídico bilateral porque depende da manifestação de vontades
de ao menos duas partes, impondo a ambas deveres a serem cumpridos, ainda que
se trate de contrato gratuito, pois mesmo neste, ambas as partes têm obrigação,
embora não equivalentes (ANDRADE, 2006).
4.1 O contrato como negócio jurídico
Como vimos, o contrato pertence à categoria dos negócios jurídicos
bilaterais, em que o surgimento do vínculo obrigacional tem por base o acordo de
duas ou mais vontades; acordo este que pode visar tanto à criação, quanto à
modificação ou extinção de obrigações. Não é por outro motivo que desde o Direito
Romano o contrato, ao lado do quase contrato, delito e quase delito, sempre foi
tratado como causa ou fonte das obrigações. No direito moderno, ao lado do ato
ilícito e da declaração unilateral de vontade, o contrato permanece como fonte das
obrigações (KHOURI, 2006).
O Direito Romano, como apontam vários doutrinadores, entre os quais CAIO
MÁRIO DA SILVA PEREIRA (1996) não emprestava a qualquer acordo de vontades
a força obrigatória, que lhe vieram emprestar posteriormente os direitos medieval e
moderno. Apegados de forma radical ao formalismo, os romanos distinguiam os
pactos dos contratos; distinção esta que foi eliminada pelo direito moderno.
No Direito Romano, o pacto e o contrato eram espécies do gênero
convenção. O pacto era acordo de vontades criador de obrigações inexigíveis
coativamente ou naturais. Ou seja, diante do inadimplemento de qualquer obrigação
surgida de um pacto, o credor não teria como exigir o seu cumprimento forçado.
Como na obrigação natural tratada no direito moderno, o pagamento era inexigível,
mas, uma vez feito espontaneamente pelo devedor, tornava-se irrepetível.
Já o contrato era a espécie de convenção, cuja obrigação que dele emergia
podia ser exigida coativamente. Em outras palavras, pode-se dizer que, ao contrário
dos pactos, as obrigações decorrentes dos contratos eram exigíveis desde que
presas a alguma causa civilis. O que seria a causa civilis?, questiona Khouri.
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Esta definição de causa civil nunca foi muito clara, mas para a maioria dos
estudiosos do Direito Romano consistia no cumprimento de formalidades, como a
stipulatio, acordo de vontades anunciado em público com o cumprimento de
algumas solenidades. Daí decorre a conclusão de que o acordo de vontades que
não estivesse vinculado a alguma causa civil reconhecida pelo Direito Romano, ou
mesmo que vinculado a uma causa civil não houvesse cumprido as solenidades
públicas, fosse tratado como pacto inexigível ou obrigação natural.
O formalismo dos contratos assim concebido pelos romanistas cedeu por
influência do direito canônico, que colocava o pacto no mesmo patamar jurídico do
contrato, não havendo motivo para distinção. O fato é que, por influência dos
canonistas, os contratos livraram-se do formalismo romanista e passaram a
prestigiar a declaração de vontade, independentemente do cumprimento de qualquer
solenidade. Se antes a forma era a regra, hoje constitui exceção. O simples
consenso, então, é suficiente para a formação do contrato. É a prevalência do
consensualismo sobre o formalismo; consensualismo esse que é adotado pelo
direito contratual contemporâneo, inclusive pelo novo CC, em seu art. 107, que
assim dispõe: “a validade da declaração de vontade não dependerá de forma
especial, senão quando a lei expressamente o exigir.” Não é por outro motivo que o
contrato simplesmente verbal, ainda que sem documento algum escrito, é dotado de
plena eficácia no direito brasileiro (KHOURI, 2006).
4.2 A função social do contrato
Como vimos, a ideia de contrato é tão antiga como a própria humanidade, na
medida em que os seres humanos sempre buscaram viver em sociedade. Nesse
sentido, o contrato se origina como forma de perpetuação da espécie, ou seja, os
negócios jurídicos surgem com o objetivo de preservação da vida humana no
planeta. No que se refere à concepção atual de contrato ela vem sendo delineada
desde os primórdios do Direito Romano, tendo sempre como base a realidade social
(VENOSA, 2008).
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Essa espécie de negócio jurídico é regido por diversos princípios, alguns
tradicionais e outros modernos entre os mais importantes estão: autonomia da
vontade, força obrigatória dos contratos, relatividade dos efeitos contratuais, boa-fé
objetiva e a função social (OLIVEIRA, 2010).
Nas codificações modernas, dentre as quais está o Código Civil Napoleônico
de 1804, a denominada liberdade de contratar tem caráter essencialmente
capitalista, na qual predomina a autonomia da vontade, em que as partes discutem
livremente as condições do contrato em situação de igualdade, ao mesmo tempo em
que está relacionada à propriedade. O princípio da obrigatoriedade dos contratos
esta revestido do mesmo sentido. Já no contexto atual, a autonomia da vontade é
mitigada e a força obrigatória dos contratos não se mede mais sob o prisma do
dever moral de manutenção da palavra dada e sim na realização do bem comum.
Assim sendo, a liberdade de contratar está subordinada ao interesse social
(GONÇALVES, 2009, p. 3).
Acerca desse novo entendimento no que se refere ao contrato e sua função
social, CAIO MARIO DA SILVA PEREIRA (2006, p. 15) diz que
a função social do contrato é um princípio moderno que vem a se agregar aos clássicos do contrato, que são os da autonomia da vontade, da força obrigatória, da intangibilidade do seu conteúdo e da relatividade dos seus efeitos.
No que tange a realidade brasileira o princípio da função social ganha
relevância a partir da promulgação da Constituição de 1988, por meio da
resignificação da ideia de propriedade e dos demais diplomas legais dela
decorrentes.
Se fizermos um recorte no tempo e voltarmos no pós Segunda Guerra
Mundial veremos que foi nesse momento que os ordenamentos jurídicos começaram
a perceber que a todo o direito individual deveria necessariamente corresponder
uma função social (FARIAS; RONSENVALD, 2009).
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Instala-se uma nova ordem jurídica, que se distancia da teoria clássica em
decorrência de transformações históricas tangíveis. Essa conjuntura histórica e
social vai dar origem a uma nova concepção acerca dos contratos privados, levando
o Estado a criar mecanismos de intervenção nos negócios individuais. Assim, os
legisladores do século XX passam a inserir a função social no direito de propriedade
(OLIVEIRA, 2010).
De acordo com GUSTAVO TEPEDINO (1999), esta inserção faz parte de um
projeto constitucional de despatrimonialização do direito privado. Desde então, a
ideia do interesse social passa a nortear os contratos privados e o princípio da
função social é compreendido como algo que interessa a toda a coletividade
(VENOSA, 2008).
Nessa esteira, FLÁVIO TARTUCE (2007, p. 248) percebe a função social do
contrato “como regramento contratual de ordem pública (art. 2035, parágrafo único,
do CC), pelo qual o contrato deve ser necessariamente, analisado e interpretado de
acordo com o contexto da sociedade”.
Ainda sobre o tema, o mesmo autor conclui que a função social constitui
verdadeiro princípio geral do ordenamento jurídico, abstraído das normas, do
trabalho doutrinário, da jurisprudência, dos aspectos sociais, políticos e econômicos
da sociedade.
A função social do contrato também se encontra fundamentada
constitucionalmente por meio do princípio da função social da propriedade lato
sensu (art. 5º, XXII e XXIII), bem como no princípio maior de proteção da dignidade
da pessoa humana (art.1º, III), na busca de uma sociedade mais justa e solidária
(art. 3º, I) e na isonomia (art. 5º., caput).
Em vista disso, MARIA DA CONCEIÇÃO MELO OLIVEIRA (2010) ressalta
que o contrato deverá ser analisado em consonância com o direito concreto, ao
mesmo tempo em que deverá ser mantida a segurança jurídica.
Dissertando sobre o tema, PABLO STOLZE GAGLIANO e RODOLFO
PAMPLONA FILHO (2009, p. 54) asseveram que obrigações até então esquecidas
pelo individualismo cego da concepção clássica do contrato, ressurgem
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gloriosamente a exemplo dos deveres de informação, confidencialidade, assistência,
lealdade, etc. E todo esse sistema é, sem sombra de dúvida, informado pelo
princípio maior de proteção da dignidade da pessoa humana.
Para os civilistas, a função social do contrato está amparada, entre outros
direitos fundamentais, na dignidade da pessoa humana e como tal diz respeito à
sociedade como um todo (OLIVEIRA, 2010).
Em se tratando do Código de Defesa do Consumidor, justifica-se sua função
social diante das transformações sociais e do domínio do capital sobre as vidas das
pessoas, ou seja, os contratos passaram a ser vistos e interpretados de acordo com
essa nova realidade, principalmente os contratos de consumo.
O CDC apresenta como princípio fundamental implícito, a dimensão social
dos pactos, sendo este considerado a base para a própria concepção do contrato de
consumo. Em verdade, não havia razão para o estatuto cunsumerista explicitar a
dimensão social dos contratos, pois este, em si, representa a própria
regulamentação da função social do contrato nas relações de consumo. O principal
papel do CDC é manter o equilíbrio entre as partes contratantes, a fim de corrigir
uma situação que historicamente foi marcada pela desigualdade, na qual o
consumidor sempre esteve à mercê dos abusos dos fornecedores (OLIVEIRA,
2010).
A dimensão social dos contratos, no CDC, fica evidente nos arts. 46 e 47 ao
disporem que as cláusulas ambíguas e desconhecidas do consumidor não devem
ser consideradas, ao mesmo tempo afirmam que a interpretação contratual deverá
ser aquela mais benéfica ao consumidor. Esse princípio também se torna claro no
art. 51, desse mesmo diploma, que reconhece a possibilidade de anulação de um
contrato de consumo que contiver cláusulas abusivas.
4.3 Desistência contratual no CDC
O arrependimento contratual é direito subjetivo/faculdade do consumidor
consoante se pode ver na norma vazada no art. 49 do CDC. No prazo de sete dias,
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contados da assinatura do contrato ou do recebimento do produto/serviço, o
consumidor pode desistir dessa relação de consumo, sempre que ela ocorrer ou se
efetivar fora do estabelecimento comercial. Com efeito, o ato de consumo efetivado:
em via pública, por telefone, por e-mail, porta a porta, por e-mail (...).
Esse direito subjetivo extintivo, variação especial do gênero resolução
contratual, tem por pressuposto fático o ato/negócio jurídico de consumo ter sido
concluído fora do recinto tradicionalmente utilizado para tanto: a casa comercial, a
loja, enfim a conclusão desse negócio há de se ter dado nas dependências
comerciais do fornecedor.
O valor ou bem juridicamente tutelado na espécie é a liberdade, sobretudo
psíquica, do consumidor, que nessa situação (fora do recinto, do domicílio pontual
comercial), pode estar inibido em sua aptidão de decidir racionalmente, em face das
agressivas e sub-reptícias técnicas de convencimento/venda (AMARAL, 2010).
Hoje é bem frequente o consumidor ser “amarrado” contratualmente e por
tempo cada vez mais dilatado, é a chamada “fidelização”. A desistência tem sido
sancionada nessas avenças de mera adesão. No entanto, um contrato jamais pode
prever que o consumidor, caso venha a desistir, perderá todas as prestações já
pagas, porque isso é expressamente proibido pelo art. 51, lI, do CDC.
Também não se poderá contratar, ou melhor, predispor multa superior ao
restante do contrato pendente de execução ou um valor fixo, porque essa multa
deve ser proporcional ao tempo de contrato restante. O contrato de consumo é, por
definição e em princípio, contrato por necessidade, logo raramente o consumidor
contrata cogitando desistir. Todavia, se o motivo da desistência for, por exemplo, a
má-prestação do serviço, a multa contratual será indevida, podendo, ainda, o
consumidor exigir eventuais perdas e danos (AMARAL, 2010).
Como regra, no direito civil, o sinal dado por um dos contratantes firma a
presunção de acordo final e torna obrigatório o contrato (CC de 1916, art. 1.094).
Convencionando-se o direito de arrependimento, não obstante as arras dadas, o
arrependido perdê-las-á em proveito do outro, se as deu, ou restitui-las-á em dobro,
se o arrependido foi o que as recebeu (CC de 1916, art. 1.095). Em suma, na área
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civil o arrependimento é possível, mas gera consequências, como a perda ou a
restituição. Dispositivo semelhante, com ligeira alteração, consta do novo Código
Civil (art. 420).
A lei de proteção trouxe inovação nessa área, porém de forma limitada. Para
os fornecimentos feitos no estabelecimento comercial, em presença do consumidor
ou seu representante, em prévio conhecimento dos termos contratuais e mediante
suficiente reflexão, vigora o princípio pacta sunt servanda, ou seja, o consumidor
deverá cumprir o que contratou, sujeitando-se às consequências do inadimplemento
(ALMEIDA, 2010).
Diferente é o tratamento no caso de essa contratação do fornecimento de
produto ou serviço ocorrer fora do estabelecimento comercial, via de regra por
reembolso postal, Internet, telefone ou em domicílio. Nessa hipótese, presumindo
que o consumidor não teve condições de examinar de visu o produto ou serviço, ou
que, pelas circunstâncias, não refletiu o bastante sobre a aquisição que fazia, o
legislador deferiu-lhe o direito de arrependimento, ou seja, de desistir do contrato
(art. 49).
Para tanto, algumas regras foram fixadas: a) só vale para contratação fora
do estabelecimento comercial; b) o arrependimento deverá ocorrer no prazo de sete
dias a contar da assinatura do contrato (em domicílio) ou do ato de recebimento do
produto ou serviço (reembolso ou telefone); e, c) o consumidor receberá de volta os
valores eventualmente pagos, a qualquer título, durante o prazo de reflexão, sendo a
devolução imediata e monetariamente atualizada.
A lei não regulamentou a questão atinente às despesas efetuadas ou
prejuízos sofridos pelo vendedor durante o período de reflexão.
Assim o fazendo, permite ao intérprete a conclusão de que a devolução se
dará sem qualquer dedução, pelas seguintes e inafastáveis razões:
a) tratando-se de restrição ao direito de arrependimento, deveria ser
expressa na lei tal dedução;
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b) quando pretendeu ressalvar as deduções, o legislador o fez
expressamente (art. 53, § 2º), de sorte que seu silêncio nesse tema tem o significado
de negar a via compensatória ou ressarcitória ao fornecedor; e,
c) além disso, as despesas e eventuais prejuízos enfrentados pelo
fornecedor são inerentes à atividade comercial sob a modalidade de vendas
agressivas por telefone, reembolso postal ou em domicílio. Admitir-se o contrário
será desestimular o uso do direito de arrependimento, criando limitações legalmente
não previstas ao consumidor, sujeitando-o a deduções que certamente serão feitas
unilateralmente pelo economicamente mais forte. Em suma, o que é direito dele
passaria a ser pesadelo (ALMEIDA, 2010).
4.4 Contrato de crédito e financiamento
Quando o fornecimento envolver outorga de crédito ou concessão de
financiamento ao consumidor, o fornecedor deverá informá-lo, previamente e de
forma adequada, sobre dados essenciais, como preço do produto ou serviço em
moeda corrente nacional, o montante dos juros de mora e da taxa efetiva anual de
juros, os acréscimos legalmente previstos, o número e periodicidade das prestações
e a soma total a pagar, com e sem financiamento (art. 52, I a V).
Ao direito de informação do consumidor (art. 6º, III), corresponde o dever
específico do fornecedor. O objetivo da lei é permitir ao consumidor, ciente dos
encargos que assumirá, uma decisão livre e amadurecida.
Duas outras regras foram estabelecidas em favor do consumidor:
a) ele poderá liquidar antecipadamente o débito, total ou parcialmente,
mediante redução proporcional dos juros e demais acessórios (art. 52, § 2º), sem
que a isso se oponha o credor; e,
b) em caso de inadimplemento da obrigação, o credor poderá cobrar multa
de mora, no percentual máximo de 2% (art. 52, § 1º, com redação dada pela Lei nº
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9.298, de 1º-8-1996), vedado qualquer índice superior a esse, constituindo abuso o
desrespeito às normas referidas.
A jurisprudência, no que se refere ao item em exame, vem manifestando o
seguinte entendimento:
a) controvertida em Juízo, a relação negocial de natureza bancária, com
ampla discussão sobre a natureza e acessórios do débito, não é plausível que
conste o nome do devedor registrado no Serasa, como mau pagador,
impossibilitando-lhe o acesso ao crédito bancário (RDC, v. 23-4, p. 314);
b) a comissão de permanência não pode ser cumulada com correção
monetária, limitada a cobrança ao índice de correção contratualmente eleito (RDC,
v. 121, p. 166);
c) é nula obrigação cambial assumida por procurador do mutuário vinculado
ao mutuante, no exclusivo interesse deste (Súmula STJ 60); e,
d) em contrato bancário, havendo divergência quanto ao índice de correção
monetária, prevalece o mais favorável ao aderente (RDC, v. 23-4, p. 323)
(ALMEIDA, 2010).
4.5 Contratos de compra e venda e alienação fiduciária
Também nessa área atuou o legislador, ampliando o esquema protetivo do
consumidor. Nos contratos de compra e venda com pagamento parcelado, bem
como na alienação fiduciária em garantia, o consumidor tem assegurado o direito à
restituição das prestações pagas, considerando-se nulas de pleno direito as
cláusulas que estabeleçam o contrário, isto é, a perda total das prestações pagas
em benefício do credor (art. 53, caput).
O objetivo da lei é propiciar o entendimento entre as partes, para a solução
amigável da pendência, e desestimular o credor de tomar atitudes drásticas, como a
resolução do contrato e a retomada do produto alienado. Certamente será mais
interessante a via amigável à devolução das prestações pagas. Com tal dispositivo,
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coíbe-se também o enriquecimento ilícito do credor que retomaria o bem vendido ou
alienado e ainda ficaria com as parcelas pagas, o que, além de imoral, era
francamente desfavorável ao consumidor (ALMEIDA, 2010).
Assim vem-se manifestando a jurisprudência acerca da compra e venda:
a) é draconiana a cláusula penal que estipula a perda de todas as parcelas
pagas, pelo que devem ser restituídas aos seus clientes, perdendo o promissário
inadimplente apenas o sinal, assegurado o seu direito de reaver as demais quantias,
corrigi das após o desembolso (RDC, v. 20, p. 161, 167 e 184; v.221, p. 185);
b) as sucessivas pactuações de aditivos ao contrato de promessa de compra
e venda dilacera o equilíbrio contratual, uma vez que onera excessivamente o
promissário comprador, enquanto mantém intacta a contraprestação do promitente
vendedor (RDC, v. 23-4, p. 376); e,
c) não obriga o consumidor a contrato celebrado em que as cláusulas
relativas ao uso do imóvel adquirido pelo sistema de tempo compartilhado constam
de Regulamento que somente lhe foi entregue depois da assinatura do contrato
(RDC, v. 22, p. 239; v.23-4, p 221).
Sobre alienação fiduciária vêm os tribunais assim decidindo:
a) é parcialmente incompatível o art. 22 do Decreto-Lei nº 911/69 com o
CDC, pois permite ao credor a alienação unilateral, sem fiscalização e sem hasta
pública do bem apreendido (RDC, v. 23-4, p. 282);
b) o Decreto-Lei nº 911/69 não foi inteiramente recepcionado pela
Constituição Federal de 1988, sendo ainda parcialmente revogado pelo CDC (RDC,
v. 23-4, p. 284);
c) a terceiro de boa-fé não é oponível a alienação fiduciária não anotada no
Certificado de Registro do Veículo Automotor (Súmula 92 do STJ) (RDC, v. 171, p.
190); e,
d) a cláusula de eleição do foro, em contrato de alienação fiduciária, deve
ser interpretada em favor da parte aderente (consumidor), sendo considerada
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abusiva na hipótese de acarretar-lhe ônus excessivo, a teor do que dispõe o art. 51,
§ 1º, III, do CDC (RDC, v. 21, p. 148).
Ainda sobre alienação fiduciária, é de registrar que o STF, pelo seu Plenário,
decidiu no sentido de que o art. 42 do Decreto-Lei nº 911/69, que equipara o
devedor- fiduciante ao depositário infiel, foi recebido pela Constituição de 1988 (HC
n.131-RJ,j. 22-11-1995, publicado no DI, 4 dez. 1995) (ALMEIDA, 2010).
4.6 Contratos de consórcio
Disposição semelhante foi estabelecida para os contratos de consórcio. O
consorciado terá direito à compensação ou à restituição das parcelas quitadas,
considerando-se nulas de pleno direito as cláusulas que disponham em sentido
inverso (art. 53, § 22 c/c caput). Com uma restrição: a administradora do consórcio
poderá descontar do consorciado a vantagem econômica auferida com a fruição, ou
seja, com o uso do bem em sua posse temporária, bem como os prejuízos causados
ao grupo com sua saída. Feitas essas deduções, o consorciado não poderá ser
obstado de desistir do contrato, nem impedido de receber a restituição ou de
compensar-se (ALMEIDA, 2010).
Da mesma maneira que no tópico anterior, o objetivo é afastar o
enriquecimento ilícito, agora da administradora e do grupo. Em arrojados e
importantes pronunciamentos, o Superior Tribunal de Justiça, desde 1990 (antes,
portanto, da vigência do Código do Consumidor), vinha decidindo que a restituição
da quantia paga ao consorciado retirante ou excluído deveria ser efetuada em valor
atualizado. Resultaram tais julgamentos na Súmula 35, assim redigida: “incide
correção monetária sobre as prestações pagas, quando de sua restituição, em
virtude da retirada ou exclusão do participante de plano de consórcio (DJU, 21 nov,
1991, p. 16774).
Quanto ao tema consórcio, a jurisprudência dos Tribunais, após a vigência
do CDC, tem manifestado os seguintes posicionamentos:
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a) o consorciado excluído tem direito à restituição imediata dos valores
pagos, corrigidos a partir do desembolso, com juros desde a citação, declarando-se
a nulidade da cláusula leonina que manda aguardar o encerramento do grupo e que
manda restituir os valores sem juros e sem correção monetária (RDC, v. 19, p. 250;
v. 11, p. 171 e 236; v. 91, p. 145);
b) prevendo o contrato de adesão a grupo de consórcio, foro diverso do
domiciliado aderente, deve tal cláusula ser desconsiderada, a fim de facilitar o
acesso a Justiça, ante a possibilidade de sacrifício desproporcional que possa advir
a este (RDC, v. 19, p. 123);
c) os direitos dos participantes de grupos de consórcio caracterizam-se
como individuais, homogêneos, decorrentes de origem comum, estando legitimados
ad causam para interpor ação coletiva às associações legalmente constituídas
(RDC, v. 14, p. 175);
d) é impossível a compensação de crédito existente em um grupo de
consorciados com o débito em outro, embora se trate do mesmo consorciado,
porque os grupos são autônomos, oriundos de contratos próprios e formados por
pessoas diferentes (RDC, v. 13, p. 137): e,
e) a qualquer tempo, pode o consorciado exigir da administração de
consórcios prestação judicial de contas, desde que se forme litígio a respeito da
administração dos valores arrecadados (RDC, v. 11, p. 252).
A Lei nº 11.795 de 08-10-2008, vigente cento e vinte dias após a publicação,
ou seja, 9-2-2009, regulamentou o Sistema de Consórcios, abordando os conceitos
fundamentais, as normas de administração, as atribuições do Banco Central, o
contrato de consórcio em espécie, o funcionamento e o encerramento do grupo,
recursos não procurados, administração especial e liquidação judicial, com
penalidades.
Desse modo, esses contratos passaram a ser regidos pelas normas da nova
lei, sem prejuízo da aplicação do CDC, naquilo que com ela não conflitarem, como
requisitos de validade e outras normas do contrato de adesão, cláusulas abusivas e
seu sancionamento, ocorrendo verdadeira simbiose entre as leis.
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Embora a lei não use a terminologia consumerista, é inegável que o
consorciado será sempre o consumidor que contrata o serviço e a administradora, o
fornecedor tipificado no CDC, ou seja, a pessoa jurídica que o presta, o que traz o
contrato para a órbita da legislação protetiva. Não há como negar que essa
modalidade contratual configura uma relação de consumo, fenômeno de massa e se
faz entre partes típicas, mediante contrato de adesão, em que o consorciado adere
às cláusulas predeterminadas pela administradora, praticamente sem margem de
negociação (ALMEIDA, 2010).
Interessante julgado sobre o tema estabelece que o consumidor que desiste
de consórcio tem direito à devolução das parcelas pagas, mas não de forma
imediata, e sim somente trinta dias após o encerramento do grupo, depois que
ocorre a incidência de juros de mora.
Segundo o relator, a razão para que assim se proceda reside no fato de que
o consorciado retirante ou desistente não pode ter mais direitos do que o último
contemplado com o bem, ao término do prazo previsto para o grupo (STJ, REsp
1.087.601-GO, 3ª T., rel. Min. Massami Uyeda, j. 17-2-2009, v. U., DJe, 1º abr.
2009).
4.7 Contratos de adesão
O contrato de adesão representa a antítese da ideia de contrato paritário,
pois enquanto esse significa igualdade entre as partes, naquele há imposição de
vontade quanto ao conteúdo contratual. A autonomia de vontade nesse tipo
contemporâneo de contrato é bastante limitada. Com efeito, essa autonomia sempre
vicejou no terreno fértil da liberdade individual, por isso mesmo em termos de
contrato em geral, jamais a lei exigiu prévia negociação ou confabulação entre as
partes, nem mesmo se impunha o livre debate ou regateio das cláusulas contratuais
(AMARAL, 2010).
Os contratos de adesão (art. 54, CDC) avultaram em importância no campo
das relações de consumo. De um lado, pela multiplicidade contratual das relações
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de consumo, manifestada na ampla e variada gama de contratos; de outro, pela
impossibilidade prática da contratação individual nos moldes clássicos; por fim, pela
desigualdade dos contratantes, tornando possível o abuso do disponente no ato de
formulação das condições gerais do contrato, tendo em vista que o consentimento
do consumidor se dá pela simples adesão ao conteúdo preestabelecido.
Por outro lado, a não regulamentação dessa modalidade contratual na via
legislativa deu maior (ou total) liberdade aos fornecedores disponentes, que atuavam
com desenvoltura no estabelecimento das condições, sem qualquer parâmetro legal,
sofrendo rara censura do Judiciário, no caso concreto, se e quando a questão a ele
fosse submetida.
A regulamentação do contrato de adesão e das cláusulas abusivas no
Código do Consumidor em boa hora outorgou indispensável proteção contratual a
uma categoria que sofria constantes abusos e prejuízos em decorrência de sua
fragilidade e de ter de aderir a condições que não discutiu, nem tinha meios de
conhecer em extensão e profundidade, e que, por isso, eram-lhe praticamente
impostas (ALMEIDA, 2010).
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REFERÊNCIAS REFERÊNCIAS BÁSICAS
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