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belino-dos-reis-barros
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1. Panorama Histórico
Ainda que a Psicologia da Educação seja um assunto relativamente novo se
comparado com outros do conhecimento humano, sua história é muito extensa para ser
exposta em um seminário, visto que aborda questões que vêm sendo debatidas desde a
filosofia praticada na Grécia antiga até os dias atuais. Sendo assim, nos limitaremos, o
quanto possível, em expor apenas a repercussão que a Psicologia da Educação obteve no
Brasil, a partir da inserção da Psicologia como disciplina nos currículos das Escolas
Normais no início do século XX, mas sem perder de vista os movimentos globais que
influenciaram diretamente na atuação da Psicologia da Educação no Brasil.
A Psicologia da Educação passou por várias transformações, mudando a
definição do termo assim como sua atuação no campo teórico e prático. Todas estas
mudanças e suas distinções têm um sentido sócio-histórico. Essas diferenciações estão
relacionadas, sobretudo, à definição desse campo em termos de objetos de interesse,
finalidades, métodos de investigação e intervenção que, por sua vez, estão relacionados
à visão de homem, de mundo, de sociedade, de educação e de escola.
O termo “Educational Psychology”, traduzido literalmente por Psicologia
Educacional, que também conota Psicologia da Educação, apareceu pela primeira vez,
em termos científicos, em 1903 no livro homônimo de Thorndike nos Estados Unidos.
Posteriormente, esse mesmo autor colaborou para a criação da primeira revista dessa
temática nos Estados Unidos, intitulada “Journal of Educational Psychology”, em 1910.
A partir de então, inspirados por esse primeiro, surgiram outros periódicos de igual
interesse, que tiveram grande repercussão nos Estados Unidos, e que serviram de base
para a Psicologia da Educação como área ou subárea (como alguns autores preferem
chamar) de conhecimento.
A Psicologia, no Brasil, desenvolveu-se estreitamente ligada à Educação,
primeiro campo ao qual se deu a aplicação desta ciência em nosso país. Em termos
técnicos, não foi a Psicologia da Educação que derivou da Psicologia, mas sim a
segunda que derivou da primeira, pois historicamente, no Brasil, desde o início do
século, a Psicologia da Educação tornou-se o fundamento básico da Educação. Somente
na década de 60 surgiram os primeiros cursos de Psicologia (Goulart, 2003).
A Psicologia chega às escolas brasileiras como disciplina optativa no início do
século XX. Não como disciplina independente, mas como um desdobramento da
disciplina “Pedagogia e Psicologia”. Neste período acontecia no país o movimento
higienista brasileiro, oriundo da Europa no final do século XVIII e início do XIX, que
visava, resumidamente, o tratamento moral da loucura, e que buscou a ajuda do Estado
por intermédio das áreas da saúde e educação. Nessa pretensão de ligar a saúde à
educação na cura das doenças mentais, trabalhando com a reordenação moral do
indivíduo, a então constituída Liga Brasileira de Higiene Mental intervinha em todo o
meio social, como indústria, escola, família e outros. (MANSANERA, 2004).
A produção de conhecimento das Escolas Normais, numa perspectiva de se ter
uma pedagogia científica com bases fundamentadas na Psicologia, contribuiu para
consolidação da ciência Psicológica - tanto na elaboração de saberes psicológicos, como
pela prática concreta da aplicação de testes psicológicos - assim como para a formação
dos primeiros psicólogos no Brasil. Essa produção não se deu somente pelo ensino a
partir das disciplinas “Pedagogia e Psicologia”, mas também através da oferta de cursos
de Psicologia experimental, que eram ministrados em alguns Laboratórios de Psicologia
anexos às Escolas Normais.
Com a chegada de psicologistas de renome no país, na década de 1920,
iniciaram-se trabalhos de terapia psicológica, psicopatologia, testes de inteligência em
adultos. Ao final da década já haviam estudos de psicologia aplicada, desenvolvimento
mental de crianças, organização das classes nos grupos escolares, trabalho e vocação,
meio social e escolaridade entre outros (MONARCHA, 2001). A partir do movimento
do escolanovismo na década de 1930 a psicologia torna‐se uma exigência principal para
educação, “não somente a Psicologia, mas outras ciências vieram também dar
sustentação científica à Escola Nova, como a Sociologia, a Antropologia e a Biologia”
(ANTUNES, 1991).
O movimento de Escola Nova encontrou na Psicologia, através dos testes
psicológicos e conhecimento sobre inteligência, maturidade e prontidão para
aprendizagem, explicações para as diferenças individuais que culpabilizavam o sujeito
pela sua condição e ocultavam as desigualdades sociais (Yazzle, 1997).
Com a Era Vargas, as novas perspectivas de industrialização, a modernização
econômica e social e uma reorganização das relações de trabalho, a Psicologia encontra
solo fértil para sua consolidação como ciência no país. Ela se consolida como uma
ciência capaz de formular teorias, técnicas e práticas para orientar e integrar o processo
de desenvolvimento demandado pela nova ordem política e social. Testes e métodos de
avaliação psicológicos são utilizados nos serviços públicos de orientação infantil e
institutos voltados para seleção e orientação de pessoal e organização do trabalho.
Com todos estes desdobramentos socioeconômicos, a Psicologia vai ganhando,
gradativamente, status de disciplina independente nos cursos de pedagogia, ciências
sociais e filosofia. Destacam-se a forte presença da Psicanálise a partir dos anos 1940 e
também do pensamento biologicista medicalizante que se traduzia à época no
movimento higienista. Cresce o intercâmbio com o exterior na medida em que
profissionais estrangeiros vêm ao Brasil ministrar cursos e dirigir grupos de estudos. Ao
mesmo tempo, aumentam as publicações de Psicologia. No plano institucional,
psicólogos se organizam em associações que reivindicam a regulamentação da
profissão. Na década de 1950 uma sucessão de fatos amadurece a luta, surgindo o
primeiro pedido de registro de um consultório de psicopedagogia no Ministério da
Educação; o primeiro Congresso Brasileiro de Psicologia, em Curitiba; o primeiro
anteprojeto sobre a formação e regulamentação da profissão, apresentado pela
Associação Brasileira de Psicotécnica; a criação dos cursos de Psicologia na Faculdade
de Filosofia, Ciências e Letras da USP e na PUC de São Paulo, Minas Gerais e Rio de
Janeiro.
A Lei 4119 de 27 de agosto de 1962 reconhece a profissão de psicólogo, fixa
normas para a atuação profissional e estabelece um currículo mínimo para sua
formação. Os campos de atuação são aqueles que se consolidaram como prática durante
este processo: clínica, escolar-educacional e organização do trabalho.
A ditadura militar e as condições por ela imposta criam problemas para o
desenvolvimento da profissão. A Lei 5692/71 retira a disciplina Psicologia do currículo
do ensino de 2º Grau. A Reforma Universitária de 1968, em nome da democratização do
ensino superior, possibilita a proliferação de faculdades privadas, formando grande
contingente de profissionais sem possibilidade de ingresso no mercado de trabalho, que
se retrai para áreas como a Psicologia. Ao mesmo tempo, essas escolas tornam a
docência uma alternativa de trabalho para psicólogos, muitos dos quais fazem desse
espaço o lócus para a resistência política e para a produção de uma Psicologia crítica,
discutindo e divulgando, entre outras, ideias libertárias inspiradas na antipsiquiatria e
nos grupos operativos, críticas e elaboração de novas possibilidades de atuação na
educação e no trabalho, assim como a busca de novas contribuições teóricas, sobretudo
no âmbito da Psicologia Social.
Em meados dos anos 1970 inicia-se o uso da nomenclatura “Psicologia Escolar”
e com ela as práticas de psicólogos em unidades como prefeituras e centros de
atendimento psicológico específico para atendimento escolar (Taverna, 2003). Também
à época é característica o crescimento da “Psicologia do Escolar”, que mostrava como
objeto de interesse o aprendiz e cuja principal finalidade era compreendê-lo para
contribuir com seu processo educativo. Neste período a primazia do interesse era “na”
criança que “não aprende” no contexto escolar, nos chamados “anormais” e “crianças-
problema”, embora as explicações sobre esse “não aprender” mudem de foco.
Na década de 1980, muitos teóricos passam a criticar o foco na criança, no
educando, no olhar que enfatizava o desenvolvimento individual e a utilização de
instrumental psicométrico, psicanalítico ou a teoria da carência cultural.
A teoria da carência cultural parte do princípio de que a
inteligência é algo que se pode aumentar pela
estimulação ambiental. E os programas de educação
compensatória eram isto, era fazer com que crianças
supostamente menos capazes de aprender, porque
teriam um ambiente muito pobre de estimulação,
pudessem ser estimuladas através desses programas
para poderem ir bem na escola. Acreditava-se que desta
forma se poderia garantir na sociedade norte-americana
a igualdade de oportunidades. (Patto, 2010)
A partir da tese de Maria Helena Souza Patto intitulada “Psicologia e Ideologia,
reflexões sobre a Psicologia Escolar” de 1981 nota-se uma mudança provocada pela
crítica da autora ao pensamento tradicional que até então era dominante no âmbito da
Psicologia Educacional e Escolar no país. Muitos pesquisadores acreditam que essa
publicação foi um divisor de águas para a Psicologia Educacional e Escolar no país,
dada a sua crítica ter levado a pensar em outros rumos para a área.
A partir de então é possível observar uma série de mudanças no que se refere ao
objeto de interesse, às proposições de finalidade, assim como os métodos e técnicas de
atuação nesse contexto. A nomenclatura “Psicologia Escolar” passa a ser utilizada para
se diferenciar da Psicologia Educacional, entendida como tradicional e representante de
todo o pensamento anterior de cunho ajustatório, adaptacionista, discriminatório e que
ora assumiu feições biologicistas, medicalizantes, ora defendeu teorias como aquelas
oriundas do pensamento higienista e da carência cultural.
Ao longo das décadas de 1980, 1990 e 2000, uma ideia de crítica veio sendo
desenvolvida e difundida na Psicologia Escolar e, atualmente, é denominada por alguns
autores como Psicologia Escolar Crítica, pois tem como prerrogativa outras bases de
sustentação teórica e metodológica e se caracteriza por propor um olhar para o processo
de escolarização e para o contexto sócio-político-cultural em que estão inseridos os
processos educativos. Nessa visão, tem-se como objeto de interesse a investigação e
intervenção nos contextos educacionais e processos de escolarização. Compreende-se
que o “não aprender” está relacionado a toda uma produção do fracasso escolar, cujas
origens se referem a uma multiplicidade de fatores intervenientes, incluindo as políticas
públicas educacionais, a formação docente, o material didático, a organização do espaço
escolar, entre outros. Nessa linha de pensamento, a função do psicólogo escolar é, de
modo crítico, buscar ir às origens e raízes do processo de escolarização, compreender
suas diferentes facetas, incluir em seu trabalho uma atuação junto ao aprendiz, aos
docentes, à família, à escola, à Educação como um todo e à sociedade em que está
inserida.
2. A Psicologia da Educação nas Licenciaturas.
Os cursos de formação de professores existentes nas diversas instituições de
ensino superior do país são, de modo geral, organizados em disciplinas específicas da
área de origem e em disciplinas denominadas pedagógicas, dentre as quais se encontra a
Psicologia da Educação. Buscaremos, nessa parte, traçar um perfil do ensino da
Psicologia da Educação nos cursos de Licenciatura.
A Psicologia da Educação é considerada, atualmente, tanto um ramo da
Psicologia quanto da Educação e caracteriza-se como uma área de investigação dos
problemas e fenômenos educacionais, a partir de um entendimento psicológico
(MIALARET apud LOEBLEIN et al). Ela procura estudar os aspectos das várias
situações da educação a partir do ponto de vista psicológico assim como das relações
presentes entre as situações educacionais e os vários motivos que as determinam. Seu
domínio é composto pela análise psicológica de todos os aspectos da realidade
educativa e não somente a aplicação da psicologia à educação
Os cursos de licenciatura no Brasil tiveram seu início na década de 30, e a
disciplina Psicologia da Educação passou a constar obrigatoriamente nas grades
curriculares, conforme Guedes (2002), por volta de 1960. O ensino de Psicologia da
Educação se deu de forma fraca e ineficaz, mas esta situação é reflexo da própria
estrutura das licenciaturas. Um exemplo desta influência é o modelo racional-técnico
cuja influência se faz sentir mesmo nos dias atuais.
Conforme citado, a Psicologia da Educação opera sob o modelo da racionalidade
técnica, caracterizado pela aplicação mecânica das teorias de psicologia, levando a um
reducionismo psicológico de fenômenos educacionais amplos. Sua aplicação linear de
princípios e leis gerados pela investigação cientifica faz com que ela ainda funcione
como ideologia de base científica (Gatti: 1995, p16). Diversas pesquisas mostram de
maneira unânime que a Psicologia da Educação tem uma proposta desarticulada da
realidade educacional que os licenciandos enfrentarão. Seu modelo sustenta a
dicotomia entre teoria e prática, pensar e fazer, fundamentos, conteúdos e metodologias.
Nas licenciaturas a pesquisa como pratica intencional ainda é pontual e esporádica. O
aluno enxerga o estágio como uma oportunidade de aplicar seus conhecimentos técnicos
(quando deveria ser um espaço da vivencia do cotidiano escolar). Percebemos que a
perspectiva técnica ainda é grande. Também se ajunta a realidade o fato de o
psicologismo e o conhecimento genérico e naturalizante da criança e do jovem, ao invés
de um conhecimento sobre a condição humana, ainda prevalecerem. E uma questão que
aparece com frequência é a ausência de relação dos conteúdos específicos de
licenciatura e as disciplinas pedagógicas.
Atualmente, tem-se buscado um novo olhar sobre a disciplina, de forma que ela
não considere apenas os fatores psicológicos, como também a realidade dos processos
educativos, promovendo assim uma inter-relação, ao invés de uma simples aplicação de
teorias à prática educativa (LIMA, 2006). Ao lidar com essa realidade, o professor deve
estar ciente, por exemplo, da inter-relação que se estabelece entre professores e alunos,
conhecendo bem o contexto em que eles estão inseridos, assim como o próprio perfil do
alunado.
Por ser uma disciplina investigativa e analítica, a Psicologia da Educação traz
em si mesmo a autocrítica e observação de seus trabalhos, resultados e realidades. E
ainda que em situação de reestruturação e reafirmação, ela se torna completa e
renovável com a afirmação de preparar o professor para:
lidar com a complexidade do mundo atual, com constantes mudanças,
levando em conta os desafios sócio-econômico-culturais da atualidade, que
sejam preparados no sentido de buscarem o conhecimento durante toda a
vida, ou seja, que se possa criar habilidade de aprendizado contínuo, já que a
atualidade demanda aprofundamento intelectual, além de especializações
estreitas. (LIMA, 2006: p.1)
3. Contribuições da Psicologia da Educação.
Antes mesmo de se tornar uma ciência propriamente dita, a psicologia já era, de
alguma forma, praticada por homens que se preocupavam com questões relacionadas à
natureza e à mente humana. A capacidade de aprendizagem, a linguagem e o raciocínio
sempre intrigaram o homem. No Brasil, são encontrados registros do período colonial
que mostram a preocupação dos jesuítas com temas como a família, desenvolvimento e
aprendizagem infantil, além de aplicações conceitos da psicologia no processo de
educação. Os registros apontam para o uso de técnicas de prêmios e punições para os
alunos, a fim de estimular a aprendizagem e exercer um controle sobre o
comportamento do jovem (Barbosa e Souza, 2012).
Mesmo com diversos registros e documentos que apontam para a existência de
uma psicologia secular, enquanto ciência, os dados apontam para uma consolidação a
partir do fim do século XIX e início do século XX. No Brasil, o marco inicial do
surgimento da psicologia se dá no ano de 1962, com a criação e legalização da profissão
de psicólogo. Mas, ao contrário do que parece ter acontecido no resto do mundo, a
psicologia no Brasil nasceu totalmente atrelada a questões educacionais e de
aprendizagem (Barbosa e Souza,2012).
A Psicologia da Educação surgiu sob uma influência higienista e focada no
desenvolvimento infantil. Era apoiada em ideias biologizantes, medicalizantes e inserida
num contexto psicanalítico, estando preocupada com o aluno “problema”, “anormal”
e/ou com “deficiência de aprendizagem”. Com o tempo, o foco de seu trabalho foi
mudando, incorporando, rejeitando e transformando conhecimentos. O foco passou pelo
aluno, pela sociedade, pela cultura e assim por diante.
Ao longo da história da psicologia surgiram diversas correntes de pensadores
com teorias que visavam maximizar a eficiência de aprendizagem segundo alguns
fatores básicos para promover tal processo. Essas correntes, na maioria dos aspectos
conflitantes, são a maior contribuição da Psicologia da Educação, uma vez que
promovem um debate a respeito das melhores abordagens e ações que visem melhorar o
processo de educação. Algumas correntes principais e mais influentes são:
Behaviorismo; o construtivismo de Piaget; a influência sociocultural de Vygotsky; o
Humanismo de Carl Rogers; e até fortes influências da Psicanálise de Freud.
O Behaviorismo é uma teoria criada oficialmente no início do século XX, e
busca uma reação ao mentalismo da época. Baseia suas ideias em comportamentos que
sejam observáveis e prega que o aprendizado provém de estímulos ambientais. Ou seja,
o comportamento seria o resultado do arranjo do meio em que está inserido o indivíduo
(Cunha, 1998). Dessa forma, desconsidera a subjetividade, a criatividade e de certa
forma assume que não existam respostas surpreendentes, sendo os educandos totalmente
manipuláveis e controlados. Sua base científica é totalmente objetiva e se limita a
observação de mecanismos de estímulos-resposta a fim de maximizar a ocorrência de
determinado tipo de comportamento ou resposta. Durante bastante tempo,
principalmente durante a década de 60 e 70, essa teoria dominou as práticas
pedagógicas. Embora seja ainda hoje muito aplicada na prática, o behaviorismo já não
possui o status de então. Isso se dá devido ao enfoque excessivo na transmissão de
conhecimentos por parte do professor e absorção por parte do aluno.
Concomitantemente, como uma reação ao behaviorismo, surge o Construtivismo
de Piaget e suas teorias cognitivas. Na contramão das ideias comportamentalistas e
deterministas do behaviorismo, Piaget lança o foco sobre o processo de construção do
conhecimento, da origem e desenvolvimento da capacidade cognitiva (Cunha, 1998).
Piaget afirma a capacidade do ser humano de modificar um conhecimento, criar uma
nova informação, mudar o ambiente e não apenas respondê-lo. A preocupação se foca
no que acontece entre o estímulo e a resposta, admitindo que cada um é capaz de
vivenciar, sentir e responder de maneiras diferentes a um mesmo estímulo, não
existindo necessariamente uma resposta certa e uma errada. Dentre as principais
contribuições de Jean Piaget, está a elaboração de uma teoria que consiste no
desenvolvimento dos estágios cognitivos. Essa teoria busca explicar os estágios de
desenvolvimento cognitivo que o ser humano passa desde a idade infantil até a idade
adulta, não estando relacionado necessariamente à ideia de idade, sendo essa uma mera
referência. Apesar disso, Piaget não desenvolveu uma teoria do processo de ensino-
aprendizagem, porém, traçou diretrizes claras e propôs estágios de desenvolvimento que
devem ser respeitados durante esse processo.
Outra importante contribuição da Psicologia da Educação foi proposta por
Vygotsky. Assim como Piaget, ele se opunha ao determinismo de princípios mecânicos
de estímulo-resposta do behaviorismo e se focava no desenvolvimento cognitivo.
Porém, discordava de Piaget com relação à forma com que esse conhecimento deveria
ser construído. Enquanto Piaget, como dito acima, acreditava que o aluno deveria ser o
construtor do próprio conhecimento, sendo o educador, responsável por gerar as
situações conflituosas para o aluno desenvolver sua cognição, Vygotsky afirmava que o
desenvolvimento cognitivo se dava a partir das relações sociais do aluno, além da
cultura e contexto histórico que esse aprendiz está inserido. O mesmo acreditava que o
professor deve perceber o histórico que o aluno já traz, e através da interação passar-lhe
um conjunto de significados socialmente adequados.
A corrente Humanista teve Carl Rogers como seu principal representante. Essa
teoria sugeria que a melhor maneira de ser ter aprendizagem era a partir da auto
realização do aluno. Ou seja, o aluno iria aprender apenas o que fosse do seu interesse, e
o professor ajudaria a buscar, encontrar os seus interesses. Escolas com essa filosofia se
tornaram muito populares nos Estado Unidos durante a década de 70. Hoje em dia já
não se encontram em grandes quantidades.
Atualmente, não existe nenhuma corrente considerada correta ou adotada em sua
totalidade. O que vemos são escolas que tentam adotar uma base mais inclinada para um
lado ou outro. Embora as teorias de Piaget e Vygotsky tenham bastante aceitação e
pareçam bastante significativas para a construção do processo de aprendizagem e
educação, ainda encontramos, por exemplo, muitas escolas behavioristas (Lima, 1990).
Uma questão séria da educação no Brasil é que nenhuma dessas teorias de
ensino, aprendizagem e educação partiram da realidade brasileira ou sequer parecida.
De um modo geral, as teorias partem das realidades na França, Suíça, Estados Unidos,
Rússia, dentre outros. Desse modo, cria-se um difícil processo de adequação desse
pensamento à realidade local. Além disso, muitas dessas teorias partiram de ideias que
constituíram um determinado período histórico, necessitando adequação ao momento
atual. O que vemos no Brasil é uma imposição de um pacote educacional idealizado em
outro lugar, com características diferentes (Lima, 1990).
Com tantas diferenças entre as teorias, e com tanta dificuldade em se aplicar as
ideias de cada uma em sua plenitude, os esforços da psicologia devem ser focados em
uma síntese do que pode ser aproveitável e que foi produzido até aqui. Esse é um
trabalho complexo, árduo, com alta demanda de tempo e para longo prazo. Enquanto
isso não é alcançado, os educadores devem estabelecer linhas muito claras de ensino, de
modo a tornar coerente a sua prática pedagógica (Carrara, 2006).
4. A relevância da Psicologia da Educação para o contexto escolar.
Dois questionamentos são frequentemente colocados no que diz respeito à
presença dessa disciplina dos cursos de Licenciatura: o primeiro se refere à sua
relevância para a formação de futuros professores, enquanto o segundo questiona se os
seus conteúdos atenderiam às necessidades dos professores ao lidarem com os desafios
impostos pela escola.
Quanto à relevância da disciplina, destacamos as diretrizes nacionais de
educação, estabelecidas a partir do processo de democratização do acesso ao ensino
fundamental obrigatório e médio. Esse processo veio de encontro a inúmeras
dificuldades de implementação, dentre as quais se destacam o preparo inadequado dos
professores cuja formação, de modo geral, manteve predominantemente um formato
tradicional, que não contempla muitas das características consideradas, na atualidade,
como inerentes à atividade docente.
O processo de elaboração das propostas de diretrizes curriculares para a
graduação inclui, dessa forma, a discussão das competências e áreas de
desenvolvimento profissional que se espera promover nessa formação. As Diretrizes
Curriculares Nacionais para a Formação de Professores destaca que, “para que possa
compreender quem são seus alunos e identificar as necessidades de atenção, sejam
relativas aos afetos e emoções [...], o professor precisa conhecer aspectos psicológicos
que lhe permitam atuar nos processos de aprendizagem e socialização”
Para tal, é fundamental, segunda Lima (2006), que os conteúdos de Psicologia da
Educação estejam em conformidade com o contexto escolar atual. Como exemplo dos
inúmeros desafios que devem ser considerados, destacamos aqui a questão da Educação
Inclusiva, pelo enorme desafio que ela representa, em especial desde sua recente
implementação nas escolas públicas e particulares.
Tradicionalmente, o ensino especial representava um sistema separado de
educação de crianças com deficiência, uma vez que se pensava que suas necessidades
não poderiam ser supridas nas escolas regulares. Atualmente, a Política Nacional de
Educação Especial, na Perspectiva da Educação Inclusiva, garante acesso ao ensino
regular a alunos com deficiências diversificadas, tais como: mental, física, auditiva,
visual, a alunos com transtornos globais do desenvolvimento ou superdotados, desde a
educação infantil até à educação superior. Educação inclusiva, portanto, significa educar
todas as crianças em um mesmo contexto escolar. A opção por este tipo de Educação
não significa negar as dificuldades dos estudantes. Pelo contrário. Com a inclusão, as
diferenças passam a ser vistas, não como um problema, mas sim como diversidade.
Entretanto, parece haver uma discrepância entre a proposta da Educação
Inclusiva e a realidade escolar. Para Mantoan (2003), o sucesso da inclusão de alunos
com deficiência na escola regular decorre das possibilidades de se conseguir progressos
significativos desses alunos na escolaridade. Portanto, o educador deverá desenvolver
um bom trabalho no processo de construção de uma educação que seja, de fato,
amplamente inclusiva. Não se trata, no entanto, de um problema relacionado tão
somente à formação docente, sendo muito mais abrangente e envolvendo todo o espaço
escolar e a própria sociedade em que ele se insere. Faz-se necessário ocorrer mudanças
na questão de gestão escolar, na estrutura física das escolas assim como na própria
concepção que se tem da inclusão desses alunos. Não basta garantir somente na
legislação, é necessário valorizar o professor em sua prática e efetivar as políticas
públicas, saindo da teoria para a prática.
A partir de uma pesquisa de campo realizada tanto em escolas de formação
docente da rede pública estadual do Rio de Janeiro quanto em escolas de ensino
fundamental, Lima (2006) conclui, a partir das respostas dos professores de Psicologia
da Educação e professores das séries iniciais, que “os conteúdos de Psicologia da
Educação relativos ao desenvolvimento cognitivo e aprendizagem, afetividade na
relação professor-aluno e diversidade no contexto social da criança”, como trabalhados
nos cursos de formação, “mantém-se distanciados da realidade escolar que o professor
das séries iniciais encontra em seu cotidiano” (p. 89). Isso ocorre por diversos motivos,
entre os quais: a insuficiência de carga horária da disciplina, a inadequação dos
conteúdos e a própria formação dos professores de Psicologia da Educação.
Há, portanto, o sentimento de que a formação docente não prepara o futuro
professor para os desafios que se colocam diante dele. Não por acaso, dentre as
propostas de mudanças mais recorrentes apontadas por docentes e alunos, temos a
necessidade de se estabelecer os conteúdos a partir da realidade do cotidiano escolar
(LIMA, 2006). Precisamos, no entanto, nos questionar o que está por trás desse
sentimento constante de que os conteúdos oferecidos nos cursos de Psicologia da
Educação não seriam suficientes para a formação docente.
Sadalla, em uma pesquisa sobre a visão dos licenciandos sobre a Psicologia da
Educação, destaca a importância dos valores e crenças dos professores no processo de
ensino-aprendizagem, uma vez que eles exercem uma influência sobre a seleção de
conteúdos, assim como nas demais decisões tomadas em relação à aprendizagem dos
alunos nas diferentes situações que se configuram na prática docente. Observa ainda
que, embora os licenciandos não se refiram diretamente à Psicologia em suas crenças,
fazem referência constante a questões próprias do espaço escolar que são, por sua vez,
discutidas pela Psicologia, como por exemplo a interação professor-aluno e o processo
de ensino-aprendizagem.
Faz parte dessas crenças, justamente, a ideia de que o conjunto de
conhecimentos adquiridos nos cursos de Psicologia da Educação não estaria em
conformidade com a realidade escolar, espaço onde ele deveria ser aplicado. Sadalla
atribui essa concepção à visão prioritariamente tecnicista presente desde o surgimento
dos cursos de Licenciaturas no Brasil, ainda nos anos de 1930, cujos reflexos podem ser
sentidos até hoje. Visto que a Psicologia da Educação procura debater aspectos
relevantes à formação e prática docente, sendo, dessa forma, relevante para os cursos de
Licenciatura, o que se deveria esperar, segundo ela, não é uma simples aplicação de
conhecimentos psicológicos na prática pedagógica, mas antes uma “reflexão acerca da
prática docente” (SADALLA et al, 2005, p. 6). Para que isso seja possível, faz-se
necessário ter uma nova compreensão sobre a Psicologia da Educação, enquanto uma
disciplina que, “dotada de conhecimentos próprios, considere tanto os fatores
psicológicos quanto a realidade dos processos educativos, admitindo-os numa inter-
relação, ao invés de uma simples aplicação de teoria à prática educacional”.
(SADALLA et al, 2005, p. 6). Sua contribuição perpassa a própria formação identitária
do professor, indo além de uma série de conhecimentos teóricos a serem empregados
por ele em seu contexto educacional específico, visto aqui como uma relação conjunta
entre ação e reflexão.
Dentro da perspectiva de uma escola cada vez mais inclusiva e socialmente
abrangente, o ensino da Psicologia da Educação deveria ser orientado, portanto, de
forma a preparar o professor para dialogar de forma ativa e reflexiva com indivíduos e
situações particulares presentes no contexto escolar em que está inserido, mais do que
simplesmente para aplicar os conhecimentos adquiridos ao longo de sua formação.
Mesmo porque essa ideia subentende uma realidade pouco complexa, em que seria
possível enquadrar os alunos e as diferentes situações em uma série de padronizações.
Ainda assim, não se pode negar os inúmeros desafios com os quais jovens professores
têm de lidar no ambiente escolar e a necessidade de se refletir sobre eles, assim como
sobre as possibilidades de interferência do professor como um operador de mudanças
nesse contexto.
Mais do que nunca, o desenvolvimento de uma postura investigativa, reflexiva e
crítica parece ser fundamental para que sejam promovidas mudanças significativas na
formação docente e na melhoria do ensino.
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