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CONTROLE DE CONVENCIONALIDADE (NA PERSPECTIVA DO DIREITO BRASILEIRO) Luiz Guilherme Marinoni Titular de Direito Processual Civil da UFPR. Pós-Doutor pela Universidade Estatal de Milão. Visiting Scholar na Columbia University. Advogado em Curitiba e em Brasília. Sumário: 1. Hierarquia normativa dos tratados internacionais dos direitos humanos. A posição do Supremo Tribunal Federal; 2. Significado de supralegalidade dos tratados internacionais; 3. Modos de controle da convencionalidade no direito brasileiro; 4. Controle de supraconstitucionalidade; 5. O controle de convencionalidade pela Corte Interamericana de Direito Humanos; 6. Objeto e parâmetro do controle de convencionalidade na Corte Interamericana; 7. Os precedentes no âmbito do controle de convencionalidade 1. Hierarquia normativa dos tratados internacionais dos direitos humanos. A posição do Supremo Tribunal Federal Tem importância, diante da jurisdição do Estado contemporâneo, investigar a possibilidade de controle jurisdicional da lei a partir dos tratados ou convenções internacionais de direitos humanos 1 .É evidente que esta investigação requer a prévia 1  Frédéric Sudre,  A propos du “dialogue de juges” et du controle de conventionnalite, Paris: Pedone, 2004; Mohamed Shahabuddeen,Precedent in the World Court , Cambridge, Cambridge University Press, 1996; André de Carvalho Ramos, Teoria Geral dos Direitos Humanos na Ordem Internacional . Rio de Janeiro: Renovar, 2005; Flávia Piovesan, Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional . 7ª ed. São Paulo: Saraiva, 2006; Antônio Augusto Cançado Trindade, ―A interação entre direito internacional e o direito interno na proteção dos direitos humanos‖.  Arquivos do Ministério da Justiça, n. 182, 1993, p. 27-54; Ernesto Rey Cantor, Controles de convencionalidad de las leyes. In: Mac-Gregor, Eduardo Ferrer e Lello de Larrea,  Arturo Zaldívar (coords.). La ciencia del derecho procesal constitucional: estudios en homenaje a Héctor Fix-Zamudio en sus cincuenta años como investigador del derecho. México: Instituto de Investigaciones Jurídicas de la Unam/Marcial Pons, 2008, p. 225-262; Néstor Pedro Sagués, El “control de convencionalidad” como instrumento para la elaboración de un ius commune interamericano. In: BOGDANDY, Armin Von, MAC-GREGOR, Eduardo Ferrer,  ANTONIAZZI,Mariela Morales (Coord.). La Justicia Constitucional y su internacionalización ¿Hacia un ius contitutionale commune en América Latina? Tomo II. México: Instituto de Investigaciones Jurídicas de la Unam, 2010. p. 449-468; María Carmelina Londoro Lázaro, El principio de legalidad y el control de convencionalidad de las leyes: confluencias y perspectivas en el pensamiento de la Corte Interamericana de Derechos Humanos, Boletín Mexicano de Derecho Comparado, México, v. 128, mai/ago 2010, p. 761-814; Juan Carlos Hitters, Control de

Controle de Convencionalidade

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CONTROLE DE CONVENCIONALIDADE (NA PERSPECTIVA DO DIREITO BRASILEIRO)

Luiz Guilherme MarinoniTitular de Direito Processual Civil da UFPR. Ps-Doutor pela Universidade Estatal de Milo. Visiting Scholar na Columbia University. Advogado em Curitiba e em Braslia.

Sumrio: 1. Hierarquia normativa dos tratados internacionais dos direitos humanos. A posio do Supremo Tribunal Federal; 2. Significado de supralegalidade dos tratados internacionais; 3. Modos de controle da convencionalidade no direito brasileiro; 4. Controle de supraconstitucionalidade; 5. O controle de convencionalidade pela Corte Interamericana de Direito Humanos; 6. Objeto e parmetro do controle de convencionalidade na Corte Interamericana; 7. Os precedentes no mbito do controle de convencionalidade

1. Hierarquia normativa dos tratados internacionais dos direitos humanos. A posio do Supremo Tribunal Federal

Tem importncia, diante da jurisdio do Estado contemporneo, investigar a possibilidade de controle jurisdicional da lei a partir dos tratados ou convenes internacionais de direitos humanos[footnoteRef:1]. evidente que esta investigao requer a prvia anlise do status normativo dos tratados de direito humanos em face da ordem jurdica brasileira. Caso o direito internacional dos direitos humanos seja equiparado lei ordinria, obviamente no h como pensar em al-lo ao patamar de parmetro de controle. No obstante, especialmente diante da deciso tomada pelo Supremo Tribunal Federal no recurso extraordinrio 466.343[footnoteRef:2], em que se discutiu a legitimidade da priso civil do depositrio infiel em face do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Polticos e da Conveno Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de San Jos da Costa Rica), importante considerar duas posies que elevam o direito internacional dos direitos humanos a um patamar superior, dando-lhe a condio de direito que permite o controle de legitimidade da lei ordinria. A posio que restou majoritria no julgamento do recurso extraordinrio, capitaneada pelo Ministro Gilmar Mendes, atribuiu aos tratados internacionais de direito humanos um status normativo supralegal, enquanto a posio liderada pelo Ministro Celso de Mello conferiu-lhes estatura constitucional. Ao lado destas posies, cabe ressaltar, tambm, a que sustenta a supraconstitucionalidade destes tratados internacionais[footnoteRef:3]. [1: Frdric Sudre, A propos du dialogue de juges et du controle de conventionnalite, Paris: Pedone, 2004; Mohamed Shahabuddeen,Precedent in the World Court, Cambridge, Cambridge University Press, 1996; Andr de Carvalho Ramos, Teoria Geral dos Direitos Humanos na Ordem Internacional. Rio de Janeiro: Renovar, 2005; Flvia Piovesan, Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. 7 ed. So Paulo: Saraiva, 2006; Antnio Augusto Canado Trindade, A interao entre direito internacional e o direito interno na proteo dos direitos humanos. Arquivos do Ministrio da Justia, n. 182, 1993, p. 27-54; Ernesto Rey Cantor, Controles de convencionalidad de las leyes. In: Mac-Gregor, Eduardo Ferrer e Lello de Larrea, Arturo Zaldvar (coords.). La ciencia del derecho procesal constitucional: estudios en homenaje a Hctor Fix-Zamudio en sus cincuenta aos como investigador del derecho. Mxico: Instituto de Investigaciones Jurdicas de la Unam/Marcial Pons, 2008, p. 225-262; Nstor Pedro Sagus, El control de convencionalidad como instrumento para la elaboracin de un ius commune interamericano. In: BOGDANDY, Armin Von, MAC-GREGOR, Eduardo Ferrer, ANTONIAZZI,Mariela Morales (Coord.). La Justicia Constitucional y su internacionalizacin Hacia un ius contitutionale commune en Amrica Latina? Tomo II. Mxico: Instituto de Investigaciones Jurdicas de la Unam, 2010. p. 449-468; Mara Carmelina Londoro Lzaro, El principio de legalidad y el control de convencionalidad de las leyes: confluencias y perspectivas en el pensamiento de la Corte Interamericana de Derechos Humanos, Boletn Mexicano de Derecho Comparado, Mxico, v. 128, mai/ago 2010, p. 761-814; Juan Carlos Hitters, Control de constitucionalidad y control de convencionalidad. Comparacin (critrios fijados por la Corte Interamericana de Derechos Humanos),Estudios constitucionales, vol. 7, Nm. 2, 2009, pp. 109-128; Allan R. Brewer-Caras, La aplicacin de los tratados internacionales sobre derechos humanos en el orden interno, Revista Iberoamericana de Derecho Procesal Constitucional, n. 6, 2006, p. 29 e ss.] [2: PRISO CIVIL. Depsito. Depositrio infiel. Alienao fiduciria. Decretao da medida coercitiva. Inadmissibilidade absoluta. Insubsistncia da previso constitucional e das normas subalternas. Interpretao do art. 5, inc. LXVII e 1, 2 e 3, da CF, luz do art. 7, 7, da Conveno Americana de Direitos Humanos (Pacto de San Jos da Costa Rica). Recurso improvido. Julgamento conjunto do RE n 349.703 e dos HCs n 87.585 e n 92.566. ilcita a priso civil de depositrio infiel, qualquer que seja a modalidade do depsito (RE 466.343, Pleno, Rel. Min. Cezar Peluso, DJe 05.06.09).] [3: Ver Nstor Pedro Sagus, El control de convencionalidad como instrumento para la elaboracin de un ius commune interamericano. In: BOGDANDY, Armin Von, MAC-GREGOR, Eduardo Ferrer, ANTONIAZZI, Mariela Morales (Coord.). La Justicia Constitucional y su internacionalizacin Hacia un ius contitutionale commune en Amrica Latina? Tomo II, cit., p. 449 e ss. ]

Conferir aos tratados internacionais de direitos humanos o status de direito ordinrio no s legitima o Estado signatrio a descumprir unilateralmente acordo internacional, como ainda afronta a ideia de Estado Constitucional Cooperativo e inviabiliza a tutela dos direitos humanos em nvel supranacional[footnoteRef:4]. [4: Registre-se passagem do voto do Ministro Gilmar Mendes no recurso extraordinrio n. 466.343: preciso ponderar, no entanto, se, no contexto atual, em que se pode observar a abertura cada vez maior do Estado constitucional a ordens jurdicas supranacionais de proteo de direitos humanos, essa jurisprudncia no teria se tornado completamente defasada.No se pode perder de vista que, hoje, vivemos em um Estado Constitucional Cooperativo, identificado pelo Professor Peter Hberle como aquele que no mais se apresenta como um Estado Constitucional voltado para si mesmo, mas que se disponibiliza como referncia para os outros Estados Constitucionais membros de uma comunidade, e no qual ganha relevo o papel dos direitos humanos e fundamentais.Para Hberle, ainda que, numa perspectiva internacional, muitas vezes a cooperao entre os Estados ocupe o lugar de mera coordenao e de simples ordenamento para a coexistncia pacfica (ou seja, de mera delimitao dos mbitos das soberanias nacionais), no campo do direito constitucional nacional, tal fenmeno, por si s, pode induzir ao menos a tendncias que apontem para um enfraquecimento dos limites entre o interno e o externo, gerando uma concepo que faz prevalecer o direito comunitrio sobre o direito interno.Nesse contexto, mesmo conscientes de que os motivos que conduzem concepo de um Estado Constitucional Cooperativo so complexos, preciso reconhecer os aspectos sociolgico-econmico e ideal-moral como os mais evidentes. E no que se refere ao aspecto ideal-moral, no se pode deixar de considerar a proteo aos direitos humanos como a frmula mais concreta de que dispe o sistema constitucional, a exigir dos atores da vida scio-poltica do Estado uma contribuio positiva para a mxima eficcia das normas das Constituies modernas que protegem a cooperao internacional amistosa como princpio vetor das relaes entre os Estados Nacionais e a proteo dos direitos humanos como corolrio da prpria garantia da dignidade da pessoa humana (Voto do Min. Gilmar Mendes no RE 466.343, Pleno, Rel. Min. Cezar Peluso, DJe 05.06.09).]

Ademais, a prpria Constituio faz ver a superioridade dos tratados internacionais sobre a legislao infraconstitucional[footnoteRef:5].Diz a Constituio Federal que a Repblica Federativa do Brasil buscar a integrao econmica, poltica, social e cultural dos povos da Amrica Latina, visando formao de uma comunidade latino-americana de naes (art. 4, pargrafo nico); que os direitos e garantias expressos nesta Constituio no excluem outros decorrentes do regime e dos princpios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a Repblica Federativa do Brasil seja parte (art. 5, 2); que os tratados e convenes internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por trs quintos dos votos dos respectivos membros, sero equivalentes s emendas constitucionais (art. 5, 3); e que o Brasil se submete jurisdio de Tribunal Penal Internacional a cuja criao tenha manifestado adeso (art. 5, 4).Assim, a prpria Constituio enfatiza a dignidade dos tratados internacionais dos direitos humanos, reconhecendo a sua prevalncia sobre o direito ordinrio. [5: Em matria tributria, o tema da supralegalidade dos tratados est sendo debatida no Supremo Tribunal Federal. O entendimento do Min. Gilmar Mendes, no RE 460.320/PR, foi veiculado no Informativo n. 638 do STF: O Plenrio iniciou julgamento de recursos extraordinrios em que discutida a obrigatoriedade, ou no, da reteno na fonte e do recolhimento de imposto de renda, no ano-base de 1993, quanto a dividendos enviados por pessoa jurdica brasileira a scio residente na Sucia. Na espcie, no obstante a existncia de conveno internacional firmada entre o Brasil e aquele Estado, a qual assegura tratamento no discriminatrio entre ambos os pases, adviera legislao infraconstitucional que permitira essa tributao (Lei 8.383/91, art. 77 e Regulamento do Imposto de Renda de 1994 - RIR/94), isentando apenas os lucros recebidos por scios residentes ou domiciliados no Brasil (Lei 8.383/91, art. 75). A pessoa jurdica pleiteara, na origem, a concesso de tratamento isonmico entre os residentes ou domiciliados nos mencionados Estados, com a concesso da benesse. Alegara, ainda, que, nos termos do art. 98 do CTN, o legislador interno no poderia revogar isonomia prevista em acordo internacional. Ocorre que o pleito fora julgado improcedente, sentena esta mantida em sede recursal, o que ensejara a interposio de recursos especial e extraordinrio. Com o provimento do recurso pelo STJ, a Unio tambm interpusera recurso extraordinrio, em que defende a mantena da tributao aos contribuintes residentes ou domiciliados fora do Brasil. Sustenta, para tanto, ofensa ao art. 97 da CF, pois aquela Corte, ao afastar a aplicao dos preceitos legais referidos, teria declarado, por rgo fracionrio, sua inconstitucionalidade. Argumenta que a incidncia do art. 98 do CTN, na situao em apreo, ao conferir superioridade hierrquica aos tratados internacionais em relao lei ordinria, transgredira os artigos 2; 5, II e 2; 49, I; 84, VIII, todos da CF. Por fim, aduz inexistir violao ao princpio da isonomia, dado que tanto o nacional sueco quanto o brasileiro tm direito a iseno disposta no art. 75 da Lei 8.383/91, desde que residentes ou domiciliados no Brasil. O Min. Gilmar Mendes, relator, proveu o recurso extraordinrio da Unio e afastou a concesso da iseno de imposto de renda retido na fonte para os no-residentes. Julgou, ademais, improcedente o pedido formulado na ao declaratria, assentando o prejuzo do apelo extremo da sociedade empresria. Ante a prejudicialidade da matria, apreciou, inicialmente, o recurso interposto pela Unio, admitindo-o. Assinalou o cabimento de recurso extraordinrio contra deciso proferida pelo STJ apenas nas hipteses de questes novas, l originariamente surgidas. Alm disso, apontou que, em se tratando de recurso da parte vencedora (no segundo grau de jurisdio), a recorribilidade extraordinria, a partir do pronunciamento do STJ, seria ampla, observados os requisitos gerais pertinentes. No tocante ao art. 97 da CF, consignou que o acrdo recorrido no afastara a aplicao do art. 77 da Lei 8.383/91 em face de disposies constitucionais, mas sim de outras normas infraconstitucionais, sobretudo o art. 24 da Conveno entre o Brasil e a Sucia para Evitar a Dupla Tributao em Matria de Impostos sobre a Renda e o art. 98 do CTN. Isso porque essa inaplicabilidade no equivaleria declarao de inconstitucionalidade, nem demandaria reserva de plenrio. Quanto suposta afronta aos artigos 2; 5, II e 2; 49, I; 84, VIII, todos da CF, aps digresso evolutiva da jurisprudncia do STF relativamente aplicao de acordos internacionais em cotejo com a legislao interna infraconstitucional, asseverou que, recentemente, esta Corte afirmara que as convenes internacionais de direitos humanos tm status supralegal e que prevalecem sobre a legislao interna, submetendo-se somente Constituio. Salientou que, no mbito tributrio, a cooperao internacional viabilizaria a expanso das operaes transnacionais que impulsionam o desenvolvimento econmico, o combate dupla tributao internacional e evaso fiscal internacional, e contribuiria para o estreitamento das relaes culturais, sociais e polticas entre as naes. O relator frisou, no entanto, que, pelas peculiaridades, os tratados internacionais em matria tributria tocariam em pontos sensveis da soberania dos Estados. Demandariam extenso e cuidadoso processo de negociao, com a participao de diplomatas e de funcionrios das respectivas administraes tributrias, de modo a conciliar interesses e a permitir que esse instrumento atinja os objetivos de cada nao, com o menor custo possvel para a receita tributria de cada qual. Pontuou que essa complexa cooperao internacional seria garantida essencialmente pelo pacta sunt servanda. Nesse contexto, registrou que, tanto quanto possvel, o Estado Constitucional Cooperativo reivindicaria a manuteno da boa-f e da segurana dos compromissos internacionais, ainda que diante da legislao infraconstitucional, notadamente no que se refere ao direito tributrio, que envolve garantias fundamentais dos contribuintes e cujo descumprimento colocaria em risco os benefcios de cooperao cuidadosamente articulada no cenrio internacional. Reputou que a tese da legalidade ordinria, na medida em que permite s entidades federativas internas do Estado brasileiro o descumprimento unilateral de acordo internacional, conflitaria com princpios internacionais fixados pela Conveno de Viena sobre Direito dos Tratados (art. 27). Dessa forma, reiterou que a possibilidade de afastamento da incidncia de normas internacionais tributrias por meio de legislao ordinria (treaty override), inclusive em sede estadual e municipal, estaria defasada com relao s exigncias de cooperao, boa-f e estabilidade do atual panorama internacional. Concluiu, ento, que o entendimento de predomnio dos tratados internacionais no vulneraria os dispositivos tidos por violados. Enfatizou que a Repblica Federativa do Brasil, como sujeito de direito pblico externo, no poderia assumir obrigaes nem criar normas jurdicas internacionais revelia da Constituio. Observou, ainda, que a recepo do art. 98 do CTN pela ordem constitucional independeria da desatualizada classificao em tratados-contratos e tratados-leis. (...) ]

Frise-se que o 3 do art. 5 assim como o seu 4 - foi inserido pela emenda constitucional 45/2004, deixando claro que a atribuio da qualidade de emenda constitucional aos tratados requer aprovao em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por trs quintos dos votos dos respectivos membros. De modo que a prpria Constituio previu condio especfica para os tratados internacionais de direitos humanos assumirem a estatura de norma constitucional.

No obstante, argumentou-se, quando do julgamento do referido recurso extraordinrio n.466.343[footnoteRef:6], que os tratados internacionais de direitos humanos teriam status constitucional, independentemente de terem sido aprovados antes da emenda constitucional 45/2004. Concluiu o Ministro Celso de Mello, neste julgamento, que as convenes internacionais em matria de direitos humanos, celebradas pelo Brasil antes do advento da emenda constitucional 45/2004, como ocorre com o Pacto de San Jos da Costa Rica, revestem-se de carter materialmente constitucional, compondo, sob tal perspectiva, a noo conceitual de bloco de constitucionalidade. [6: RE 466.343, Pleno, Rel. Min. Cezar Peluso, DJe 05.06.09.]

A tese da constitucionalidade dos tratados repousa sobre o 2 do art. 5 da Constituio. A lgica a de que esta norma recepciona os direitos consagrados nos tratados internacionais de direitos humanos subscritos pelo pas[footnoteRef:7]. Ao afirmar que os direitos e garantias expressos na Constituio no excluem os direitos dos tratados internacionais de que o Brasil parte, o 2 do art. 5 estaria conferindo-lhes o status de norma constitucional. O 2 do art. 5, constituindo uma clusula aberta, admitiria o ingresso dos tratados internacionais de direitos humanos na mesma condio hierrquica das normas constitucionais e no com outro status normativo[footnoteRef:8]. [7: Flvia Piovesan entende que os 2. e 3. do art. 5 da Constituio Federal incorporam os tratados internacionais de direitos humanos no universo dos direitos fundamentais constitucionalmente tutelados: Quanto incorporao dos tratados internacionais de proteo dos direitos humanos, observa-se que, em geral, as Constituies latino-americanas conferem a estes instrumentos uma hierarquia especial e privilegiada, distinguindo-os dos tratados tradicionais. Neste sentido, merecem destaque o art. 75, 22 da Constituio Argentina, que expressamente atribui hierarquia constitucional aos mais relevantes tratados de proteo de direitos humanos e o art. 5., 2. e 3., da CF brasileira que incorpora estes tratados no universo de direitos fundamentais constitucionalmente protegidos. As Constituies latino-americanas estabelecem clusulas constitucionais abertas, que permitem a integrao entre a ordem constitucional e a ordem internacional, especialmente no campo dos direitos humanos, ampliando e expandindo o bloco de constitucionalidade. Ao processo de constitucionalizao do Direito Internacional conjuga-se o processo de internacionalizao do Direito Constitucional. (Flvia Piovesan, Fora integradora e catalizadora do sistema interamericano de proteo dos direitos humanos: desafios para a pavimentao de um constitucionalismo regional, Revista do Instituto dos Advogados de So Paulo, v. 25, p. 327).] [8: Antnio Augusto Canado Trindade, Tratado de direito internacional dos direitos humanos, v. 1, Porto Alegre: Fabris, 2003; Celso Lafer, A internacionalizao dos direitos humanos: Constituio, racismo e relaes internacionais, So Paulo: Manole, 2005, p. 15 e ss; Flvia Piovesan, Direitos humanos e o direito constitucional internacional, So Paulo: Saraiva, 2006, p. 51 e ss; Valerio de Oliveira Mazzuoli, Teoria geral do controle de convencionalidade no direito brasileiro, Revista dos Tribunais, v. 889, p. 105 e ss.]

Contudo, a tese que prevaleceu no julgamento do recurso extraordinrio n. 466.343, como j dito, foi o da supralegalidade do direito internacional dos direitos humanos. Entendeu-se, em suma, que a referncia, por parte da Constituio, a tratados internacionais de direitos humanos, embora no tenha sido casual ou neutra do ponto de vista jurdico-normativo, no conferiu a estes tratados a hierarquia de norma constitucional. O Ministro Gilmar Mendes, em seu voto, observou que a tese da supralegalidade pugna pelo argumento de que os tratados sobre direitos humanos seriam infraconstitucionais, porm, diante de seu carter especial em relao aos demais atos normativos internacionais, tambm seriam dotados de um atributo de supralegalidade. Em outros termos, os tratados sobre direitos humanos no poderiam afrontar a supremacia da Constituio, mas teriam lugar especial reservado no ordenamento jurdico. Equipar-los legislao ordinria seria subestimar o seu valor especial no contexto do sistema de proteo dos direitos da pessoa humana[footnoteRef:9]. [9: RE 466.343, Pleno, Rel. Min. Cezar Peluso, DJe 05.06.09.]

Neste sentido, os tratados internacionais de direitos humanos aprovados em conformidade aos ditames do 3 do art. 5o da Constituio Federal so equivalentes s emendas constitucionais; os demais tratados internacionais de direitos humanos subscritos pelo Brasil constituem direito supralegal; e os tratados internacionais que no tratam de direito humanos tm valor legal[footnoteRef:10]. [10: Consigne-se que h doutrina que no s confere status normativo diverso aos tratados de direitos humanos (norma constitucional), como tambm aos tratados internacionais comuns, que no versam sobre direitos humanos (direito supralegal). Assim, por exemplo, Valerio de Oliveira Mazzuoli: No nosso entender, os tratados internacionais comuns ratificados pelo Estado brasileiro que se situam num nvel hierrquico intermedirio, estando abaixo da Constituio, mas acima da legislao infraconstitucional, no podendo ser revogados por lei posterior (por no se encontrarem em situao de paridade normativa com as demais leis nacionais). Quanto aos tratados de direitos humanos, entendemos que estes ostentam o status de norma constitucional, independentemente do seu eventual quorum qualificado de aprovao. A um resultado similar se pode chegar aplicando o princpio - hoje cada vez mais difundido na jurisprudncia interna de outros pases, e consagrado em sua plenitude pelas instncias internacionais - da supremacia do direito internacional e da prevalncia de suas normas em relao a toda normatividade interna, seja ela anterior ou posterior (Valerio de Oliveira Mazzuoli, Teoria geral do controle de convencionalidade no direito brasileiro, Revista dos Tribunais, v. 889, p. 109). Em recente tese, reafirma o doutrinador: se os tratados de direitos humanos tm status de norma constitucional, nos termos do art. 5, 2, da Constituio, ou se so equivalentes s emendas constitucionais, posto que aprovados pela maioria qualificada prevista no art. 5, 3, da mesma Carta, significa que podem eles ser paradigma de controle das normas infraconstitucionais no Brasil. Ocorre que os tratados internacionais comuns (que versam temas alheios aos direitos humanos) tambm tm status superior ao das leis internas. Se bem que no equiparados s normas constitucionais, os instrumentos convencionais comuns tm status supralegal no Brasil, por no poderem ser revogados por lei interna posterior, como esto a demonstrar vrios dispositivos da prpria legislao infraconstitucional brasileira, dentre eles o art. 98 do Cdigo Tributrio Nacional. Neste ltimo caso, tais tratados (comuns) tambm servem de paradigma ao controle das normas infraconstitucionais, por estarem situados acima delas, com a nica diferena (em relao aos tratados de direitos humanos) que no serviro de paradigma do controle de convencionalidade (expresso reservada aos tratados com nvel constitucional), mas do controle de supralegalidade das normas infraconstitucionais (Valerio de Oliveira. Mazzuoli, Tratados internacionais de direitos humanos e direito interno. So Paulo: Saraiva, 2010, p. 185/186). Mazzuoli, nesta linha, mostra-se contrrio tese da supralegalidade dos tratados de direitos humanos no aprovados por maioria qualificada, negando a posio sustentada pelo STF no recurso extraordinrio n. 466.343, uma vez que esta estaria criando uma duplicidade de regimes jurdicos, imprpria para o atual sistema (interno e internacional) de proteo de direitos (Valerio de Oliveira. Mazzuoli, Tratados internacionais de direitos humanos e direito interno, cit, p. 196).]

2. Significado de supralegalidade dos tratados internacionais

Os tratados internacionais, quando qualificados como direito supralegal, obviamente so colocados em grau de hierarquia normativa superior a da legislao infraconstitucional, embora inferior da Constituio.

O acrdo proferido no recurso extraordinrio n. 466.343, ao reconhecer a ilegitimidade da legislao infraconstitucional que trata da priso civil do depositrio infiel em face do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Polticos e da Conveno Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de San Jos da Costa Rica), enfatizou que, diante do inequvoco carter especial dos tratados internacionais que cuidam da proteo dos direitos humanos, no difcil entender que a sua internalizao no ordenamento jurdico, por meio do procedimento de ratificao previsto na Constituio, tem o condo de paralisar a eficcia jurdica de toda e qualquer disciplina normativa infraconstitucional com ela conflitante[footnoteRef:11]. [11: Voto do Min. Gilmar Mendes no RE 466.343, Pleno, Rel. Min. Cezar Peluso, DJe 05.06.09.]

Vale dizer que a legislao infraconstitucional, para produzir efeitos, no deve apenas estar em consonncia com a Constituio Federal, mas tambm com os tratados internacionais dos direitos humanos. Nesta perspectiva, existem dois parmetros de controle e dois programas de validao do direito ordinrio. Alm da Constituio, o direito supralegal est a condicionar e a controlar a validade da lei.

Isto significa que a lei, nesta dimenso, est submetida a novos limites materiais, postos nos direitos humanos albergados nos tratados internacionais, o que revela que o Estado contemporneo que se relaciona, em recproca colaborao, com outros Estados constitucionais inseridos numa comunidade -, tem capacidade de controlar a legitimidade da lei em face dos direitos humanos tutelados no pas e na comunidade latino-americana.

3. Modos de controle da convencionalidade no direito brasileiro

O controle da compatibilidade da lei com os tratados internacionais de direito humanos pode ser feito mediante ao direta, perante o Supremo Tribunal Federal, quando o tratado foi aprovado de acordo com o 3o do art. 5o da Constituio Federal.Obviamente, estes tratados tambm constituem base ao controle difuso.

No atual sistema normativo brasileiro, os tratados que possuem status normativo supralegal apenas abrem oportunidade ao controle difuso. O exerccio do controle da compatibilidade das normas internas com as convencionais um dever do juiz nacional, podendo ser feito a requerimento da parte ou mesmo de ofcio[footnoteRef:12]. Lembre-se, neste sentido, a deciso proferida pela Corte Interamericana no caso Trabajadores Cesados del Congreso (Aguado Alfaro y otros) v. Peru: cuando un Estado ha ratificado um tratado internacional como la Convencin Americana, sus jueces tambin estn sometidos a ella, lo que les obliga a velar porque el efecto til de la Convencin no se vea mermado o anulado por la aplicacin de leyes contrarias a sus disposiciones, objeto y fin. En otras palabras, los rganos del Poder Judicial deben ejercer no slo un control de constitucionalidad, sino tambin de convencionalidad ex officio entre las normas internas y la Convencin Americana, evidentemente en el marco de sus respectivas competencias y de las regulaciones procesales correspondientes. Esta funcin no debe quedar limitada exclusivamente por las manifestaciones o actos de los accionantes em cada caso concreto, aunque tampoco implica que esa revisin deba ejercese siempre, sin considerar otros presupuestos formales y materiales de admisibilidad y procedencia de esse tipo de acciones.[footnoteRef:13] [12: Mauro Cappelletti, ao tratar do controle de ofcio da validade da lei em face do direito internacional, assim escreve: Va qui comunque tenuto fermo il concetto che supremazia del diritto comunitrio (o, pi in generale, del diritto internazionale imediatamente applicabile), significa invalidit assoluta dela norma interna ad esso contraria, ancorch posteriore: donde appunto la conseguenza che ogni giudice disapplicher dufficio, sulla base di uma mera cognitio incidentalis, tale norma nei casi sottoposti al suo giudizio (Mauro Cappelletti, Giustizia costituzionale soprannazionale, Rivista di Diritto Processuale, 1978, p. 1-32. p. 8-9). ] [13: CIDH, Caso Trabajadores Cesados del Congreso (Aguado Alfaro y otros) v. Peru, sentena de 24 de novembro de 2006.]

Questo interessante se relaciona com a oportunidade de o Supremo Tribunal Federal realizar controle difuso, em face de direito supralegal, mediante recurso extraordinrio. que se poderia argumentar, em primeiro lugar, que tratado no constitui norma constitucional e, depois, que violao de direito supralegal no abre oportunidade interposio de recurso extraordinrio (art. 102, CF). bvio que tratado no se confunde com norma constitucional, podendo assumir este status quando aprovado mediante o quorum qualificado do 3o do art. 5o da Constituio Federal. Sucede que tambm certamente no se equipara, na qualidade de direito supralegal, com direito federal, cuja alegao de violao abre ensejo ao recurso especial (art. 105, CF). Lembre-se que o Supremo Tribunal Federal admitiu e julgou recurso extraordinrio em que se alegou violao de direito reconhecido como supralegal exatamente quando enfrentou a questo da legitimidade da priso civil do depositrio infiel (RE n.466.343).

4. Controle de supraconstitucionalidade

H quem sustente a supraconstitucionalidade da Conveno, ou seja, a invalidade da norma constitucional que contraria a Conveno. Afirma-se, como visto, que a Conveno pode paralisar[footnoteRef:14] a eficcia das normas infraconstitucionais que sejam com ela conflitantes. Lembre-se que, no recurso extraordinrio n. 466.343, concluiu-se que a previso constitucional da priso civil do depositrio infiel (art. 5o, inciso LXVIII), diante da supremacia da Constituio sobre os atos normativos internacionais, no poderia ser revogada pelo ato de adeso do Brasil ao Pacto Internacional dos Direitos Civis e Polticos (art. 11) e Conveno Americana sobre Direitos Humanos Pacto de San Jos da Costa Rica (art. 7o, 7), tendo deixado de ter aplicabilidade diante do efeito paralisante desses tratados em relao legislao infraconstitucional que disciplina a matria[footnoteRef:15]. Porm, seria possvel argumentar que, quando a norma necessita ser controlada pela Conveno, ela j passou pelo filtro do controle de constitucionalidade, de modo que o controle de convencionalidade implica na negao da prpria constitucionalidade. Na verdade, este problema - da supraconstitucionalidade da Conveno - torna-se mais evidente quando a prpria dico da norma constitucional contraria a Conveno[footnoteRef:16]. [14: A expresso utilizada por Frdric Sudre, A propos du dialogue de juges et du controle de conventionnalite, Paris: Pedone, 2004. ] [15: Voto do Min. Gilmar Mendes no RE 466.343, Pleno, Rel. Min. Cezar Peluso, DJe 05.06.09.] [16: certo que, para justificar o controle mediante a Conveno, invoca-se o princpio pro homine, que faz prevalecer a norma que melhor tutela um direito ou uma liberdade. Argumenta-se que se o tratado, na proteo de direito do homem, refora ou amplia direito ou liberdade, ele prepondera, impondo a retirada da eficcia da lei infraconstitucional. V. Mnica Pinto, El principio pro homine. Criterio hermenutico y pautas para la regulamentacin de los derechos humanos. in La aplicacin de los tratados sobre derechos humanos por los tribunales locales, Buenos Aires: Centro de estudios legales y sociales, 1977, p. 162 e ss; Valerio de Oliveira Mazzuoli, Teoria geral do controle de convencionalidade no direito brasileiro, Revista dos Tribunais, v. 889, p. 110. ]

Nstor Pedro Sagus, ao ferir o ponto, sustenta que, se o Estado deve cumprir a Conveno e no pode invocar a sua Constituio para descumprir os tratados internacionais de direitos humanos, isto significa, como resultado concreto final, que o tratado est juridicamente acima da Constituio. Assim, a consequncia do controle de convencionalidade seria o de que a norma constitucional que viola o tratado no pode ser aplicada. No entender de Sagus a prpria norma constitucional, e no a lei infraconstitucional, que resta paralisada. Se, de acordo com o controle de convencionalidade, a Constituio no pode validamente violar o tratado ou a Conveno, isto seria suficiente para evidenciar a superioridade da Conveno sobre a Constituio[footnoteRef:17]. [17: Nstor Pedro Sagus, El control de convencionalidad como instrumento para la elaboracin de un ius commune interamericano. In: BOGDANDY, Armin Von, MAC-GREGOR, Eduardo Ferrer, ANTONIAZZI, Mariela Morales (Coord.). La Justicia Constitucional y su internacionalizacin Hacia un ius contitutionale commune en Amrica Latina? Tomo II. Mxico: Instituto de Investigaciones Jurdicas de la Unam, 2010. p. 465 e ss. Ver Ernesto Rey Cantor, Controles de convencionalidad de las leyes. In: Mac-Gregor, Eduardo Ferrer e Lello de Larrea, Arturo Zaldvar (coords.). La ciencia del derecho procesal constitucional: estudios en homenaje a Hctor Fix-Zamudio en sus cincuenta aos como investigador del derecho. Mxico: Instituto de Investigaciones Jurdicas de la Unam/Marcial Pons, 2008, p. 225-262. ]

Note-se, ainda, que possvel supor lei inconstitucional, mas em conformidade com a Conveno. Sagus faz referncia a hipottica norma constitucional que negue o direito de rplica, retificao ou resposta, expressamente garantido na Conveno (art. 14)[footnoteRef:18]. Adverte que lei que regulamentasse esta norma do Pacto seria inconstitucional, porm convencional. A norma constitucional, ao negar o direito expresso no Pacto de San Jos, seria inconvencional, enquanto a lei regulamentadora seria vlida e no inconstitucional ou nula -, por la superioridad del Pacto sobre la Constitucin, conforme la doctrina del controle de convencionalidad[footnoteRef:19]. [18: Artigo 14 - Direito de retificao ou resposta.1. Toda pessoa, atingida por informaes inexatas ou ofensivas emitidas em seu prejuzo por meios de difuso legalmente regulamentados e que se dirijam ao pblico em geral, tem direito a fazer, pelo mesmo rgo de difuso, sua retificao ou resposta, nas condies que estabelea a lei.2. Em nenhum caso a retificao ou a resposta eximiro das outras responsabilidades legais em que se houver incorrido.3. Para a efetiva proteo da honra e da reputao, toda publicao ou empresa jornalstica, cinematogrfica, de rdio ou televiso, deve ter uma pessoa responsvel, que no seja protegida por imunidades, nem goze de foro especial.] [19: Nstor Pedro Sagus, El control de convencionalidad en particular sobre las constituciones nacionales, La Ley, Doctrina, p. 1, 19.02.2009. ]

A questo do controle de convencionalidade das normas constitucionais foi debatida no caso La ltima tentacin de Cristo, em que a Corte Interamericana declarou que o Chile deveria alterar a sua Constituio. Eis o que se disse nesta ocasio: 72. Esta Corte entiende que la responsabilidad internacional del Estado puede generarse por actos u omisiones de cualquier poder u rgano de ste, independientemente de su jerarqua, que violen la Convencin Americana. Es decir, todo acto u omisin, imputable al Estado, en violacin de las normas del Derecho Internacional de los Derechos Humanos, compromete la responsabilidad internacional del Estado. En el presente caso sta se gener en virtud de que el artculo 19 nmero 12 de la Constitucin establece la censura previa en la produccin cinematogrfica y, por lo tanto, determina los actos de los Poderes Ejecutivo, Legislativo y Judicial. (...) 85. La Corte ha sealado que el deber general del Estado, establecido en el artculo 2 de la Convencin, incluye la adopcin de medidas para suprimir las normas y prcticas de cualquier naturaleza que impliquen una violacin a las garantias previstas en la Convencin, as como la expedicin de normas y el desarrollo de prcticas conducentes a la observancia efectiva de dichas garantas. (...) 88. En el presente caso, al mantener la censura cinematogrfica en el ordenamiento jurdico chileno (artculo 19 nmero 12 de la Constitucin Poltica y Decreto Ley nmero 679) el Estado est incumpliendo con el deber de adecuar su derecho interno a la Convencin de modo a hacer efectivos los derechos consagrados en la misma, como lo establecen los artculos 2 y 1.1 de la Convencin.[footnoteRef:20] [20: Neste caso, o Juiz Augusto Canado Trindade assim argumentou: 14. Si alguna duda todava persista en cuanto a este punto, i.e., a que la propia existencia y aplicabilidad de una norma de derecho interno (sea infraconstitucional o constitucional) pueden per se comprometer la responsabilidad estatal bajo un tratado de derechos humanos, los hechos del presente caso "La ltima Tentacin de Cristo" contribuyen, a mi modo de ver decisivamente, a disipar dicha duda. De los hechos en este caso "La ltima Tentacin de Cristo" se desprende, ms bien, que, en circunstancias como las del cas d'espce, el intento de distinguir entre la existencia y la aplicacin efectiva de una norma de derecho interno, para el fin de determinar la configuracin o no de la responsabilidad internacional del Estado, resulta irrelevante, y revela una visin extremadamente formalista del Derecho, vaca de sentido. (...) la Corte correctame nte determina que, en las circunstancias del cas d'espce, las modificaciones en el ordenamiento jurdico interno requeridas para armonizarlo con la normativa de proteccin de la Convencin Americana constituyen una forma de reparacin no pecuniaria bajo la Convencin. (CIDH, Caso La ltima tentacin de Cristo v. Chile, sentena de 5 de fevereiro de 2001) . ]

5. O controle de convencionalidade pela Corte Interamericana de Direito Humanos

Como visto, o juzes nacionais tem dever de realizar o controle de convencionalidade[footnoteRef:21]. Porm, a Corte Interamericana tambm realiza o controle das normas internas em face do Pacto[footnoteRef:22]. [21: A Corte Interamericana de Direitos Humanos utilizou a expresso control de convencionalidad, pela primeira vez (25 de novembro de 2003), no julgamento de Myrna Mack Chang v. Guatemala.] [22: Ver Mauro Cappelletti, El formidable problema del control judicial y la contribuicion del analisis comparado, Revista de estudios polticos, n. 13, 1980, p. 61 e ss; Fernando Silva Garca, El control judicial de las leyes con base en tratados internacionales sobre derechos humanos, Revista Iberoamericana de Derecho Procesal Constitucional, n. 5, 2006, p. 231 e ss.]

De acordo com a Conveno, so competentes, para conhecer das questes relacionadas ao cumprimento de suas normas pelos Estados partes, a Comisso Interamericana de Direitos Humanos e a Corte Interamericana de Direitos Humanos (art. 33). A Comisso possui, entre outras funes, a de atuar diante de peties e comunicaes que lhe forem apresentadas em conformidade com os artigos 44 a 51 da Conveno. O artigo 44 estabelece que qualquer pessoa ou grupo de pessoas, ou entidade no governamental legalmente reconhecida em um ou mais Estados membros da Organizao, pode apresentar Comisso peties que contenham denncias ou queixas de violao Conveno por Estado parte. De lado situao de urgncia[footnoteRef:23], a Comisso, ao reconhecer a admissibilidade da petio ou comunicao de violao de direitos, solicitar informaes ao Governo do Estado a que pertena a autoridade acusada de responsvel pela violao. Ao receber as informaes ou depois de exaurido o prazo sem manifestao, a Comisso verificar se existem ou subsistem os motivos da petio ou comunicao, podendo determinar o arquivamento ou declarar a inadmissibilidade ou improcedncia. No sendo estas as hipteses, a Comisso realizar o exame dos fatos, com o conhecimento das partes. Poder pedir ao Estado interessado qualquer informao pertinente, colocando-se disposio das partes interessadas para tentar chegar a uma soluo amistosa (art. 48). Na falta de soluo consensual, a Comisso redigir relatrio em que expor os fatos e suas concluses, agregando-se a ele as exposies verbais ou escritas feitas pelos interessados. Em seu relatrio, a Comisso poder formular as proposies e recomendaes que julgar adequadas (art. 50). Caso no prazo de trs meses a questo no tenha sido solucionada ou submetida a deciso da Corte pela Comisso ou por Estado interessado, a Comisso poder emitir, pela maioria absoluta dos votos dos seus membros, sua opinio e concluses sobre a questo submetida sua anlise. A Comisso far as recomendaes pertinentes e fixar um prazo dentro do qual o Estado deve tomar as medidas que lhe incumbam para remediar a situao examinada. Transcorrido o prazo fixado, a Comisso decidir, pela maioria absoluta dos votos dos seus membros, se o Estado tomou ou no as medidas adequadas e se publica ou no seu informe (art. 51). [23: Artigo 48, 2. Entretanto, em casos graves e urgentes, pode ser realizada uma investigao, mediante prvio consentimento do Estado em cujo territrio se alegue houver sido cometida a violao, to somente com a apresentao de uma petio ou comunicao que rena todos os requisitos formais de admissibilidade.]

Enquanto isto, a Corte Interamericana somente pode ser provocada pelos Estados partes e pela prpria Comisso e, alm disto, apenas poder conhecer de qualquer caso aps esgotadas a fase preliminar de admissibilidade, a instruo do caso e a tentativa de soluo amistosa perante a Comisso, com a expedio de seu relatrio nos termos do artigo 50 da Conveno.

A Corte entendeu, num primeiro momento, que apenas poderia realizar controle sobre norma j submetida a determinado caso. Disse no ter competncia para realizar controle em abstrato, relacionando este com uma funo consultiva. Nesta linha, assim decidiu a Corte: En relacin con el incumplimento por parte del Gobierno del artculo 2 de la Convencin Americana por la aplicacin de los decretos Nms. 991 y 600, esta Corte manifest que la jurisdiccin militar no viola per se la Convencin y con respecto a la alegada aplicacin de algunas de las disposiciones de dichos decretos que pudieren ser contrarias a la Convencin, ya se determin que en el presente caso no fueron aplicadas... En consecuencia, la Corte no emite pronunciamiento sobre la compatibilidad de estos artculos con la Convencin ya que proceder en otra forma constituir un anlisis en abstracto y fuiera de las funciones de esta Corte..[footnoteRef:24] [24: CIDH, caso Lacayo v. Nicaragua, sentena de 25 de janeiro de 1995. ]

Este entendimento foi superado no caso Surez Rosero v. Equador, em que a Corte reconheceu sua competncia para declarar a inconvencionalidade de norma que violara o artigo 2 da Conveno, independentemente de a norma ter sido aplicada em caso concreto ou ter causado algum prejuzo. A deciso tem o seguinte fundamento: 97. Como la Corte ha sostenido, los Estados Partes en la Convencin no pueden dictar medidas que violen los derechos y libertades reconocidos en ella (...)Aunque las dos primeras disposiciones del artculo 114 [del Cdigo Penal Ecuatoriano] asignan a las personas detenidas el derecho de ser liberadas cuando existan las condiciones indicadas, el ltimo prrafo del mismo artculo contiene una excepcin a dicho derecho. 98. La Corte considera que esta excepcin despoja una parte de la poblacin carcelaria de un derecho fundamental en virtud del delito imputado en su contra y, por ende, lesiona intrsecamente a todos los miembros de dicha categora de inculpados. En el caso concreto del seor Surez Rosero esa norma ha sido aplicada y le ha producido un perjuicio indebido. La Corte hace anotar, adems, que, a su juicio, esa norma per se viola el artculo 2 de la Convencin Americana, independentemente de que haya sido aplicada en el presente caso (lo ressaltado fuera del texto).[footnoteRef:25] [25: CIDH, Caso Surez Rosero v. Equador, sentena de 12 de novembro de 1997. Cumpre registrar que essa tese fora sustentada pelo Juiz Antnio Augusto Canado Trindade em casos anteriores, mediante votos dissidentes, em que argumentou que a violao das normas convencionais podem ocorrer per se, pelo simples fato da existncia de normas violadoras de direitos humanos, ainda que nunca tenham sido concretamente aplicadas. Assim, por exemplo, no caso Caballero v. Colmbia, sentena de 29 de janeiro de 1997. ]

Para exemplificar a atuao da Comisso e da Corte no controle da convencionalidade das leis oportuna a considerao do caso Barrios Altos. No Peru, lei anistiou os militares, policiais e civis que cometeram violaes a direitos humanos. Esta lei foi editada aps denncia contra pessoas que integrariam um grupo paramilitar - chamado Grupo Colina -, que teria assassinado quinze pessoas no local denominado Bairros Altos, em Lima. A juza que recebera a denncia decidiu que o art. 1 da Lei de Anistia violava garantias constitucionais e obrigaes do Estado diante do Sistema Interamericano. Aps alguns incidentes processuais, foi aprovada nova lei, que declarou que a primeira lei no poderia ser objeto de reviso pelo Poder Judicirio. Em 14 de julho de 1995, a Corte Superior de Justia de Lima decidiu arquivar definitivamente o processo. Assim, o caso Barrios Altos foi levado, por meio de petio, Comisso Interamericana de Direitos Humanos, onde tramitou de 1995 at 2000, quando foi submetido Corte. A Comisso solicitou Corte, alm das providncias pertinentes continuidade da investigao e reparao de danos, que revogasse ou tornasse sem efeito a lei de anistia. Em seu voto, o Juiz brasileiro Canado Trindade afirmou a incompatibilidade das leis de auto-anistia com o Direito Internacional dos Direitos Humanos, concluindo serem elas destitudas de validade jurdica no plano do Direito Internacional dos Direitos Humanos. A Corte entendeu haver incompatibilidade da lei de anistia com a Conveno - j que a lei exclua a responsabilidade e permitia o impedimento da investigao e punio de pessoas ditas responsveis por violaes de direitos humanos -, culminando por decidir pela sua inconvencionalidade, declarando a no aplicao das normas internas com efeitos erga omnes para todos os poderes pblicos[footnoteRef:26]. [26: Corte Interamericana de Direitos Humanos, Caso Barrios Altos vs. Per. Sentena de 14 de maro de 2001: Como consecuencia de la manifiesta incompatibilidad entre las leyes de autoamnista y la Convencin Americana sobre Derechos Humanos, las mencionadas leyes carecen de efectos jurdicos y no pueden seguir representando un obstculo para la investigacin de los hechos que constituyen este caso ni para la identificacin y el castigo de los responsables, ni puedan tener igual o similar impacto respecto de otros casos de violacin de los derechos consagrados en la Convencin Americana acontecidos en el Per. 3. Declarar, conforme a los trminos del reconocimiento de responsabilidad efectuado por el Estado, que ste incumpli los artculos 1.1 y 2 de la Convencin Americana sobre Derechos Humanos como consecuencia de la promulgacin y aplicacin de las leyes de amnista N 26479 y N 26492 y de la violacin a los artculos de la Convencin sealados en el punto resolutivo 2 de esta Sentencia. 4. Declarar que las leyes de amnista N 26479 y N 26492 son incompatibles con la Convencin Americana sobre Derechos Humanos y, en consecuencia, carecen de efectos jurdicos.]

O descumprimento de deciso da Corte Interamericana gera ao Estado responsabilidade internacional. No obstante, alguns Estados no se constrangem em descumprir as decises da Corte, como exemplifica recente deciso do Tribunal Supremo de Justia da Venezuela, que simplesmente declarou ser inexecutvel a sentena proferida no caso Lpez Mendoza v. Venezuela. Neste caso, a Corte determinou a anulao das resolues que cassaram os direitos polticos de Lpez Mendonza, opositor de Hugo Chavz nas eleies presidenciais de 2012, considerando o Estado venezuelano responsvel por violao dos direitos fundamentao e defesa nos procedimentos administrativos que acarretaram a imposio das sanes de inabilitao, bem como responsvel por violao dos direitos tutela judicial e de ser eleito, todos garantidos na Conveno.

Diante disto, vem naturalmente tona a questo da legitimidade da Corte Interamericana para interferir sobre as decises dos Estados. O problema do dficit de legitimidade democrtica dos juzes mais grave no cenrio da justia transnacional. Note-se que, se a autonomia dos direitos humanos importa para a consolidao de um Estado de Direito, tambm interfere nos processos ordinrios de autodeterminao coletiva. Nessa linha, argumenta Owen Fiss que o elemento consensual inerente ao processo de elaborao dos tratados no d aos tribunais internacionais uma base democrtica. Os processos internos de ratificao de um tratado no so necessariamente democrticos. A ratificao de um tratado pela China representaria ato de consentimento entre os seus cidados? Mesmo nos Estados Unidos, a ratificao dos tratados repousa nas mos do Senado, que no est constitudo de acordo com os princpios democrticos, sendo que a forma de consentimento peculiar a esta Casa Legislativa no adequada em termos de poltica democrtica[footnoteRef:27]. Como resultado -prossegue Fiss -, os tribunais internacionais recentemente estabelecidos para proteger os direitos humanos permanecem sem responsabilidade diante dos cidados do mundo organizados de acordo com princpios democrticos e, desta forma, devem ser vistos como uma perda para a democracia, no obstante importantes para a justia[footnoteRef:28]. [27: Owen Fiss. The Autonomy of Law, Yale Journal of International Law, v. 26, 2001, p. 517 e ss.] [28: Owen Fiss. The Autonomy of Law, Yale Journal of International Law, v. 26, 2001, p. 524 e ss.]

Pense-se em pronunciamento da Corte que afeta a autodeterminao do povo de Estado parte, a exemplo do que ocorreu no Caso Gelman v. Uruguai[footnoteRef:29], em que se negou a validade da lei de anistia (lei de caducidad) uruguaia,mesmo quelegitimada, mediante a via da participao direta, em duas ocasies. Ao decidir, afirmou a Corte que el hecho de que la Ley de Caducidad haya sido aprobada en un rgimen democrtico y an ratificada o respaldada por la ciudadana en dos ocasiones no le concede, automticamente ni por s sola, legitimidad ante el Derecho Internacional. La participacin de la ciudadana con respecto a dicha Ley, utilizando procedimientos de ejercicio directo de la democracia recurso de referndum (prrafo 2 del artculo 79 de la Constitucin del Uruguay)- en 1989 y plebiscito (literal A del artculo 331 de la Constitucin del Uruguay) sobre un proyecto de reforma constitucional por el que se habran declarado nulos los artculos 1 a 4 de la Ley- el 25 de octubre del ao 2009, se debe considerar, entonces, como hecho atribuible al Estado y generador, por tanto, de la responsabilidad internacional de aqul. La sola existencia de un rgimen democrtico no garantiza, per se, el permanente respeto del Derecho Internacional, incluyendo al Derecho Internacional de los Derechos Humanos, lo cual ha sido as considerado incluso por la propia Carta Democrtica Interamericana (...) la proteccin de los derechos humanos constituye un lmite infranqueable a la regla de mayoras, es decir, a la esfera de lo susceptible de ser decidido por parte de las mayoras em instancias democrticas, en las cuales tambin debe primar un control de convencionalidad.[footnoteRef:30] [29: A Comisso Interamericana de Direitos Humanos, com base nos artigos 51 e 61 da Conveno Americana sobre Direitos Humanos, apresentou demanda contra o Uruguai em relao ao desaparecimento forado de Mara Claudia Garca Iruretagoyena de Gelman, realizado por agentes estatais uruguaios no final de 1976, bem como supresso da identidade e nacionalidade de Mara Macarena Gelman Garca Iruretagoyena, filha de Mara Claudia Garca de Gelman e Marcelo Gelman. Alegou-se denegao de justia, impunidade e, em geral, o sofrimento causado a Juan Gelman, sua famlia, Mara Macarena Gelman Garca Iruretagoyena e os familiares de Mara Claudia Garca de Gelman, como conseqncia da falta de investigao dos fatos, julgamento e sano dos responsveis em virtude da Lei n. 15.848 ou Lei de Caducidade, promulgada em 1986. (CIDH, sentencia 04 de fevereiro de 2011).] [30: CIDH, sentencia 04 de fevereiro de 2011.]

Os atos praticados por ditaduras militares em detrimento de direitos humanos so reprovveis e merecedores de severa condenao. Trata-se de obviedade. O problema que a Corte, sem questionar a qualidade democrtica das formas de participao direta que deram base lei uruguaia, disse serem elas insuficientes para legitimar a lei perante o Direito Internacional. A Corte, para decidir, simplesmente alegou que a "la proteccin de los derechos humanos constituye un lmite infranqueable a la regla de la mayora". Argumentou-se que a inconvencionalidade da lei de anistia no deriva da ilegitimidade do processo que a fez surgir ou da autoridade que a editou, mas sim da circunstncia de deixar os atos de violao aos direitos humanos sem punio. A inconvencionalidade, afirmou a Corte, decorre de um aspecto material, e no de uma questo formal, como a sua origem.

A ideia de que a participao popular direta constitui uma questo formal, sem importncia - diante da inegvel imprescindibilidade de proteo aos direitos humanos -, requer meditao[footnoteRef:31]. Os direitos humanos no so incompatveis com a democracia[footnoteRef:32]. Ambos convivem e, por isto, esta relao deve ser mediada por uma interpretao democrtica[footnoteRef:33]. A Corte no est dispensada de legitimar suas decises, confrontando os direitos humanos com a vontade da maioria de um pas. Diante disto, ter que evidenciar quando no possvel deliberar e, especialmente, quando uma deciso majoritria, apesar de formalmente tomada, no expressa a vontade real de um povo, por ter sido elaborada sem adequada discusso ou a com a excluso real ou virtual de parte da populao[footnoteRef:34].Assim, caberia Corte demonstrar, de forma racional, ou que a vontade do povo incompatvel com a extino da punibilidade de crimes contra os direitos humanos ou que a deciso majoritria carece de base democrtica. [31: Carlos Santiago Nino, La constituicin de la democracia deliberativa, Barcelona: Gedisa, 1997, p. 21 e ss. ] [32: Carlos Santiago Nino, tica y derechos humanos, Buenos Aires: Astrea, 1989, p. 32 e ss.] [33: Christopher F. Zurn, Deliberative Democracy and the Institutions of Judicial Review. New York: Cambridge University Press. 2007, p. 89 e ss. ] [34: Roberto Gargarella, La justicia frente al gobierno (sobre el carcter contramayoritario del poder judicial). Barcelona: Ariel, 1996, p. 33 e ss.]

Sucede que a demonstrao de incompatibilidade entre democracia e direitos humanos no se faz com uma frase impositiva, em que simplesmente se afirma o que se deve evidenciar. Dizer que a vontade da maioria no compatvel com os direitos humanos nada significa. preciso demonstrar, mediante argumentao racional, que, em determinados casos, os direitos humanos so inconciliveis com a democracia[footnoteRef:35]. Frise-se que no se est dizendo que a extino da punibilidade o seja at porque no este aspecto da deciso que aqui importa -, mas que faltou Corte legitimar a sua deciso, assim evidenciando. O ponto, como j dito, nada tem a ver com a essncia perversa dos atos praticados pelas ditaduras militares, mas sim com o questionamento da legitimidade de uma Corte, composta por homens de notvel saber, para negar a legitimidade de uma deciso majoritria sem precisar se preocupar com a sua qualidade democrtica, a expressar a vontade de um povo[footnoteRef:36]. [35: Carlos Santiago Nino, tica y derechos humanos, cit., p. 55 e ss. ] [36: A questo da legitimidade democrtica de uma Corte Internacional foi objeto de estudo de Mauro Cappelletti: problema formidable de la funcin y la legitimidad democrtica de individuos (los jueces) y grupos (la judicatura) relativamente exentos de responsabilidad, que llenan con su propria jerarqua de valores [predilecciones personales] los recipientes relativamente vacos de conceptos vagos como libertad e igualdad, sensatez, ecuanimidad y proceso conforme a derecho. (...) No cabe duda que esta intencin es tan intrpida como fascinante. El Tribunal de Justicia (esos nueve hombrecillos desconocidos para la mayor parte de los doscientos sesenta millones de ciudadanos de los pases comunitarios, carentes de poder poltico, carisma y legitimacin popular) reclama para s la legitimidad y la capacidad para hacer lo que los fundadores no pensaron ni siquiera hacer y lo que los rganos polticos de las Comunidades ni siquiera intentan emprender. Pretenden encontrar, lo que significa esencialmente crear, un bill of rights comunitario que sea vinculante no slo para los rganos comunitarios, sino tambin en ltimo trmino en virtud de la doctrina de la supremaca para los rganos de los Estados miembros y para todos sus ciudadanos. Y para hacer esto, esos nueve hombrecillos poseen virtualmente un solo libro para consultar: el libro no escrito de los principios generales y las tradiciones comunes de los nueve Estados miembros!. Esto puede, sin duda, parecerle a muchos arrogancia ms que valor, utopa ms que sentido comn. Deberamos entonces prevenir a esos hombrecillos para que no persigan un proyecto tan grande como irrealista? O deberamos, por el contrario, considerar de forma totalmente realista que la legitimidad que necesita una judicatura creativa es de un tipo totalmente diferente de la legitimidad que en un rgimen democrtico necesitan los rganos polticos y que, adems, las utopas han sido despus de todo los motores de las ms importantes transformaciones en la historia de la humanidad? Aparentemente, estas conclusiones ms optimistas son compartidas por los rganos polticos mismos de las Comunidades. (Mauro Cappelletti, El formidable problema del control judicial y la contribuicion del analisis comparado, Revista de estudios polticos, n. 13, 1980, p. 61/62 e 91/92).]

6. Objeto e parmetro do controle de convencionalidade na Corte Interamericana

Como visto, a Corte Interamericana entende que o controle de convencionalidade no restrito s normas infraconstitucionais, recaindo, isto sim, sobre as normas de direito interno, a presentes as normas constitucionais. Nestes termos, qualquer ato normativo interno, seja infraconstitucional - lei, decreto, regulamento, resoluo - , ou de carter constitucional, esto sujeitos ao controle de convencionalidade pela Corte.

Enquanto isto, tambm segundo a Corte Interamericana, o material normativo de controle, ou seja, o bloco de convencionalidade[footnoteRef:37], integrado pela Conveno, pelos demais tratados ou convenes de direitos humanos sob a tutela da Corte, bem como pelos seus precedentes.[footnoteRef:38] [37: Humberto Nogueira Alcal, Dignidad de la persona, derechos fundamentales y bloque constitucional de derechos: una aproximacin desde Chile y Amrica Latina, Revista de Derecho (Universidad Catlica del Uruguay), n. 10, p. 131 e ss.] [38: No caso Gmez Palomino v. Peru (sentena de 22 de novembro de 2005), a Corte Interamericana realizou o controle de convencionalidade com base em instrumento internacional distinto da Conveno Americana, adotando como parmetro de controle a Conveno Interamericana sobre Desaparecimento Forado. Sobre o ponto, assim se posicionou Nestr Pedro Sagus: Queda la incgnita de determinar si en verdade la Corte Interamericana ha querido concientemente proyectar la teoria del control de convencionalidade a cualquier tratado, como se desprende de algn voto del tribunal. Es un ponto que mereceria en el futuro una clara explicitacin. En principio, a la Corte Interamericana no le toca tutelar a otros tratados, fuera el Pacto de San Jos de Costa Rica y a los instrumentos que a l se adosen juridicamente, frente a posibles infracciones provocadas por el derecho interno del Estado. (Nestr Pedro Sagus, El control de convencionalidad, en particular sobre las Constituciones Nacionales, La ley, ano LXXIII, n. 35, p. 1-3).]

7. Os precedentes no mbito do controle de convencionalidade

A deciso da Corte determina ao Estado parte a modificao da sua ordem jurdica, a fim de compatibiliz-la com a Conveno Americana. A deciso de inconvencionalidade obrigatria ao Estado parte, nos termos dos artigos 62.3 e 68.1 da Conveno, impondo-se-lhe a reforma da sua legislao ou mesmo da sua Constituio, conforme aconteceu nos casos La ltima tentacin de Cristo e Caesar v. Trinidad y Tobago. O descumprimento da deciso gera responsabilidade internacional (artigos 1.1 e 2 da Conveno).

Portanto, a deciso da Corte no nulifica ou derroga as normas internas. Porm, em casos em que se discute crimes contra a humanidade, a Corte tem declarado a no aplicao das normas internas com efeitos erga omnes para todos os poderes pblicos. Assim ocorreu nos casos Barrios Altos[footnoteRef:39], Tribunal Constitucional de Peru[footnoteRef:40] e La Cantuta[footnoteRef:41]. [39: CIDH, Caso Barrios Altos v. Peru, sentena de 14 de maro de 2001.] [40: CIDH, Caso Tribunal Constitucional do Peru v. Peru, sentena de 31 de janeiro de 2001.] [41: CIDH, Caso La Cantuta v. Peru, sentena de 26 de novembro de 2006.]

De outro lado, a Corte Interamericana vem afirmando a fora obrigatria dos seus precedentes[footnoteRef:42], isto , a eficcia vinculante dos fundamentos determinantes das suas decises. [42: V. Juan Carlos Hitters, Son vinculantes los pronunciamientos de la Comisin y de la Corte Interamericana de Derechos Humanos? Revista Iberoamericana de Derecho Procesal Constitucional, n. 10, 2008, p. 131-155; Humberto Nogueira Alcal, Dignidad de la persona, derechos fundamentales y bloque constitucional de derechos: una aproximacin desde Chile y Amrica Latina, Revista de Derecho (Universidad Catlica del Uruguay), n. 10, p. 131 e ss; Mazzuoli sustenta o dever de o Poder Judicirio levar em conta no somente a Conveno Americana sobre Direitos Humanos, mas tambm a interpretao que dela faz a Corte Interamericana, intrprete ltima e mais autorizada do Pacto de San Jos (Valerio de Oliveira Mazzuoli, Tratados internacionais de direitos humanos e direito interno, cit, p. 183).]

Em 2004, ao julgar Tibi v. Ecuador, a Corte advertiu que un tribunal internacional de derechos humanos no aspira mucho menos todava que el rgano nacional a resolver un gran nmero de litigios en lo que se reproduzcan violaciones previamente sometidas a su jurisdiccin y acerca de cuyos temas esenciales ya h dictado sentencias que expresan su criterio como intrprete natural de las normas que est llamado a aplicar, esto es, las disposiciones del tratado internacional que invocan los litigantes. Este designio, que pone de manifiesto uma funcin de la Corte, sugiere tambin las caractersticas que pueden tener los asuntos llevados a su conocimiento[footnoteRef:43].Em 2006, no caso Almonacid Arellano e outros v. Chile, a Corte Interamericana novamente enfatizou a fora obrigatria das suas decises ao lembrar que, quando um Estado ratifica um tratado, os seus juzes tambm esto submetidos a ele, lo que les obliga a velar para que los efectos de la Convencin no se vean mermados por la aplicacin de normas jurdicas contrarias a su objeto y fin. (...) En esta tarea el Poder Judicial debe tener en cuenta no solamente el Tratado sino tambin la interpretacin que del mismo ha hecho la Corte IDH, intrprete ltima de la Convencin[footnoteRef:44]. [43: CIDH, Tibi v. Ecuador, sentena de 7 de setembro de 2004.] [44: CIDH, Almonacid Arellano e outros v. Chile, sentena de 26 de setembro de 2006.]

A Suprema Corte argentina, no caso Mazzeo, ao reconhecer a legitimidade do controle de convencionalidade, declarouque cuando un Estado ha ratificado un tratado internacional como la Convencin Americana, sus jueces, como parte del aparato del Estado, tambin estn sometidos a ella, lo que les obliga a velar porque los efectos de las disposiciones de la Convencin no se vean mermadas por la aplicacin de leyes contrarias a su objeto y fin, y que desde un inicio carecen de efectos jurdicos. En otras palabras, el Poder Judicial, debe ejercer una especie de control de convencionalidad entre las normas jurdicas internas que aplican en los casos concretos y la Convencin Americana sobre Derechos Humanos[footnoteRef:45]. Neste caso, ao lado de admitir a necessidade do controle de convencionalidade, a Suprema Corte argentina afirmou estar submetida interpretao conferida ao direito convencional pela Corte Interamericana. Ou seja, a Corte deixou claro que, ao realizar o controle de convencionalidade, deve observar o sentido outorgado Conveno pela Corte Interamericana: As, la Corte Suprema de Argentina aplica la pauta de interpretacin que del mismo ha hecho la Corte interamericana, interpretacin conforme a la Convencin Americana como estndar mnimo de respeto de derechos humanos, como asimismo el respeto y resguardo de la jurisprudencia de la Corte Interamericana de Derechos Humanos[footnoteRef:46]. [45: Suprema Corte de Justia argentina, Mazzeo, Julio Lilo e outros; recurso de cassao e inconstitucionalidade, M 2333.XLII, 13.07.2007.] [46: Suprema Corte de Justia argentina, Mazzeo, Julio Lilo e outros; recurso de cassao e inconstitucionalidade, M 2333.XLII, 13.07.2007.]

O Tribunal Constitucional da Bolvia tambm j declarou estar vinculado aos precedentes da Corte Interamericana: El cumplimiento de estos requisitos que hacen al Juez natural, permite garantizar la correcta determinacin de los derechos y obligaciones de las personas; de ah que la Corte Interamericana de Derechos Humanos, cuya jurisprudencia es vinculante para la jurisdiccin interna, en su Sentencia de 31 de enero de 2001 (Caso Tribunal Constitucional de Per, prrafo 77), ha estabelecido que toda persona sujeta a juicio de cualquier naturaleza ante un rgano del Estado deber contar con la garantia de que dicho rgano sea competente, independiente e imparcial[footnoteRef:47]. [47: Tribunal Constitucional da Bolivia, Sentencia 0664/2004-R, 06.05.2004.]

Embora a questo ainda no tenha sido bem analisada pela Corte Interamericana e pelos Tribunais nacionais, compreende-se, a partir de decises j proferidas, que se tenta atribuir eficcia vinculante ratio decidendi ou aos fundamentos determinantes das decises, de modo a obrigar os Tribunais nacionais a adotar o sentido atribudo norma convencional pela Corte Interamericana.

Seria possvel argumentar que a Conveno diz apenas que os Estados-partes comprometem-se a cumprir a deciso da Corte em todo caso em que forem partes (art. 68), o que significaria apenas obrigatoriedade de respeito s decises tomadas em processos em que o Estado participou como parte, uma espcie de coisa julgada a impedir a negao da deciso e a rediscusso do caso.

Porm, a obrigatoriedade de respeito fundamentao determinante de uma deciso nada tem a ver com a participao como parte no processo em que proferida. A parte, como bvio, sujeita ao dispositivo da deciso, no podendo dela fugir. Sucede que os fundamentos determinantes ou a ratio decidendi expressam uma tese jurdica ou o sentido atribudo a uma norma diante de determinada realidade ftica[footnoteRef:48]. Esta tese ou sentido, por revelarem o entendimento da Corte acerca de como a Conveno deve ser compreendida em face de certa situao, certamente devem ser observados por todos aqueles que esto obrigados perante a Conveno[footnoteRef:49]. [48: A maior dificuldade no caminho para um entendimento claro de qualquer doutrina de precedente e, portanto, de qualquer direito jurisprudencial, a qualidade controvertida da ratio decidendi (Neil MacCormick, Why cases have rationes and what these are, in: Precedent in Law. Oxford: Clarendon Press, 1987, p. 157). Ratio decidendi pode significar tanto razo para a deciso, como razo para decidir. No se deve inferir disso que a ratio decidendi de um caso precise ser um raciocnio jurdico [judicial reasoning]. O raciocnio jurdico pode ter um papel importante para a ratio, mas a ratio em si mesma mais que o raciocnio, e no interior de diversos casos haver raciocnios judiciais que constituem no parte da ratio, mas obiter dicta (Neil Duxbury, The nature and authority of precedent, New York: Cambridge University Press, 2008, p. 67). The ratio decidendi of a case is any rule of law expressly or impliedly treated by the judge as a necessary step in reaching his conclusion, having regard to the line of reasoning adopted by him, or a necessary part of his direction to the jury (Rupert Cross, Precedent in English Law, Oxford: Clarendon Press, 1982, p. 77). Ver ainda Geoffrey Marshall, What is binding in a precedent. In: Interpreting Precedents: A Comparative Study. London: Dartmouth, 1997, p. 503 e ss; Julius Stone, Precedent and Law: The Dynamics of Common Law Growth. Sydney: Butterworths, 1985, p. 123 e ss.] [49: Como escreve Mauro Cappelletti no ensaio Giustizia costituzionale soprannazionale, ci significa che il giudice nazionale, anzich limitarsi come avrebbe il potere di fare nei limiti che subito vedremo a risolvere la questione con mera cognitio incidentalis e quindi con effetto limitado alla decisione del caso concreto, pu remettere invece la questione alla stessa Corte di Giustizia, che ne far oggetto di un vero e proprio accertamento (pre-judicium), con effetti definitivamente vincolanti per ci che concerne linterpretazione della norma o misura comunitaria in questione. Deve invero riternesi che la decisione della Corte di Giustizia, lungi dallavere unefficacia limitada al caso che ha dato origine alla questione, esplichi i suoi effetti vincolanti erga omnes, e in particolare nei confronti di tutti i giudici nazionali dei paesi comunitari: questi non avranno alternativa che quella di accettare linterpretazione dalla Corte, oppure di risollevare la questione dinanzi alla Corte medesima, a questultima soltanto spettando il potere di overrule una sua propria precedente decisione (Mauro Cappelletti, Giustizia costituzionale soprannazionale, Rivista di Diritto Processuale, 1978, p. 13).]

Como evidente, a vinculao aos fundamentos determinantes das decises da Corte apenas refora a sua autoridade, atribuindo fora aos preceitos da Conveno. De modo que o problema est na necessria elaborao e utilizao de dogmtica capaz de evidenciar a adequada operao com os precedentes, evitando-se a sua perpetuao equivocada, assim como aplicao a casos substancialmente distintos[footnoteRef:50]. [50: Para maior aprofundamento sobre o tema dos precedentes obrigatrios, ver Luiz Guilherme Marinoni, Precedentes Obrigatrios, 2. ed., So Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2011.]

Entretanto, seguindo-se o entendimento do Supremo Tribunal Federal, que confere natureza de direito supralegal s normas convencionais, o precedente convencional contrrio a norma constitucional no detm autoridade sobre o Poder Judicirio brasileiro. Fora da, a vinculao aos fundamentos determinantes das decises da Corte apenas refora a sua autoridade, atribuindo fora aos preceitos da Conveno. De modo que o problema a est na elaborao e utilizao de dogmtica capaz de evidenciar a adequada operao com os precedentes, evitando-se a sua perpetuao equivocada, assim como aplicao a casos substancialmente distintos.

A tcnica do distinguishing, que permite a distino do caso sob julgamento para a no adoo de precedente, tem aplicao tanto mais difcil quantas so as particularidades concretas que envolvem o caso a ser julgado. Como sabido, chegou-se a alegar que a teoria dos precedentes obrigatrios poderia obstaculizar no s o desenvolvimento do direito, mas tambm a sua adequao aos diferentes fatos e valores sociais. Tal alegao obviamente infundada, uma vez que uma teoria dos precedentes no pode deixar de considerar as razes que exigem a revogao dos precedentes e os motivos que impedem a aplicao de um precedente a determinado caso concreto. Isso quer dizer que a modificao dos fatos e dos valores sociais, assim como a alterao da concepo geral acerca do direito, obrigam revogao de precedente, do mesmo modo que podem fazer surgir um outro precedente ao lado do que j existe. Ou seja, para regular o caso submetido a outras circunstncias e valores sociais exige-se outro precedente. Basicamente, a o problema no est na revogao do precedente e na elaborao de um novo, mas na preservao do precedente e na edio de um outro[footnoteRef:51]. A distino sutil, mas tem grande relevncia prtica e terica. Evidencia que, para o desenvolvimento do direito, no basta a revogao de precedente, sendo imprescindvel, diante de fatos e valores igualmente vlidos, a elaborao de outro precedente para a regulao do direito. [51: A no adoo do precedente, em virtude do distinguishing, no quer dizer que o precedente est equivocado ou deve ser revogado. No significa que o precedente constitui bad law, mas somente inapplicable law. In the most routine instances, the activity of distinguishing leaves the authority of precedent undisturbed, for a court is declaring an earlier decision not to be bad law, but to be good inapplicable law (Neil Duxbury, The nature and authority of precedent, cit., p. 114).]

Portanto, a aplicao de precedentes obrigatrios, numa dimenso supranacional, muito mais complicada do que no mbito do direito interno. No plano supranacional, existem diferenas notrias entre as contingncias polticas e as realidades sociais de cada pas, muitas vezes a impossibilitar a definio de uma regulao igualmente legtima para todos[footnoteRef:52]. De modo que o emprego do distinguishing, na dimenso do direito convencional, particularmente legitimado pela diferena entre as realidades de cada pas, o que torna a sua adoo - na perspectiva da diferena entre as realidades e os valores sociais a muito mais frequente do que no mbito das jurisdies internas[footnoteRef:53]. [52: .O poder do precedente depende de alguma assimilao entre o evento em comento e algum outro evento. () A tarefa de uma teoria do precedente explicar, em um mundo em que um nico evento pode ser enquadrado em vrias categorias diferentes, como e por que algumas assimilaes so plausveis e outras no (Frederick Schauer, Precedent, Standford Law Review, v. 39, n. 3, 1987, p. 577). ] [53: Como bvio, poder para fazer o distinguishing est longe de significar sinal aberto para o juiz desobedecer precedentes que no lhe convm. Reconhece-se, na cultura do common law, que o juiz facilmente desmascarado quando tenta distinguir casos com base em fatos materialmente irrelevantes. Diferenas fticas nem sempre so suficientes para se concluir pela inaplicabilidade do precedente, uma vez que fatos no fundamentais ou irrelevantes no tornam casos desiguais. Para realizar o distinguishing no basta ao juiz apontar fatos diferentes, cabendo-lhe argumentar para demonstrar que a distino material, e que, portanto, h justificativa para no se aplicar o precedente. Vale dizer que no qualquer distino que justifica o distinguishing. A distino ftica deve revelar uma justificativa convincente, capaz de demonstrar que o precedente no est a regular o caso sob julgamento. (Luiz Guilherme Marinoni, Precedentes Obrigatrios, 2. ed., cit., p. 326 e ss).]

Alis, interessante notar que, do mesmo modo que as decises da Corte Interamericana tem difcil relao com os processos ordinrios de autodeterminao coletiva, a aplicao de precedentes obrigatrios exige muito mais cautela diante do controle de convencionalidade do que do controle de constitucionalidade.