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CORTE ESPECIAL
AÇÃO PENAL N~ 33-0 - RS
(Registro n 2 92.0000027-4)
Relator: O Sr. Ministro Assis Toledo
Revisor: O Sr. Ministro Garcia Vieira
Autor: Ministério Público Federal
Réu: Celso 'Iesta
Advogados: Drs. Eduardo Ferrão e outros
Assistente: Dr. Alexandre Machado da Silva
Advogados: Drs. Henrique Fonseca de Araújo e outro
EMENTA: Ação penal originária contra Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado.
Lesões corporais resultantes de agressão praticada em sessão plenária do Tribunal (art. 129, caput, do Cód. Penal).
Autoria e materialidade comprovadas. Defesa apoiada na tese da legítima defesa real ou, alternativamente, putativa. Não comprovação de uma ou de outra, por ausência de injusta agressão real ou suposta e pela ocorrência de evidente excesso doloso na reação contra a pretensa provocação da vítima.
Procedência da denúncia para condenação do acusado, pelo crime do art. 129, caput, do Cód. Penal, a três meses de detenção, com sursis.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos vo-
tos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, julgar procedente a denúncia, condenando o réu como incurso no art. 129, caput, do Código Penal à pena-base de 3 meses de detenção e, na ausência de
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causa de aumento ou de diminuição, tomando-a definitiva. Em conseqüência, conceder a suspensão condicional pelo prazo de 2 anos, sem condição especial; deixar de converter a pena em multa por considerar que esta última seria insuficiente para reprovação do fato, se considerada a circunstância em que ocorreu e a qualidade do agente, tudo nos termos do voto do Ministro-Relator. Votaram de acordo os Ministros Garcia Vieira, Revisor, Edson Vidigal, Waldemar Zveiter, Fontes de Alencar, Cláudio Santos, Anselmo Santiago, José Dantas, Antônio 'Ibrreão Braz, Bueno de Souza, José Cândido de Carvalho Filho, Américo Luz, Jesus Costa Lima, Costa Leite, Nilson Naves, Eduardo Ribeiro, Dias Trindade e José de Jesus. O Ministro Antônio de Pádua Ribeiro não participou do julgamento. Os Ministros Hélio Mosimann, Peçanha Martins, Pedro Acioli e Cid Flaquer Scartezzini não compareceram à sessão por motivo justificado. Os Ministros Edson Vidigal e Anselmo Santiago compareceram à sessão para compor quorum regimental. Sustentaram, oralmente, os Drs. Paulo André Fernando Sollberger, pelo Ministério Público Federal, Henrique Fonseca de Araújo, Assistente do Ministério Público Federal, e Eduardo Ferrão, pelo réu.
Brasília, 21 de março de 1994 (data do julgamento).
Ministro WILLIAM P ATTERSON, Presidente. Ministro ASSIS TOLEDO, Relator.
Publicado no DJ de 18-04-94.
RELATÓRIO
O SR. MINISTRO ASSIS TOLEDO: O Ministério Público Federal ofereceu denúncia contra Celso 'resta, Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Sul, pelo crime de lesões corporais (art. 129, caput, do Código Penal), assim relatando o fato:
"2. Na Sessão Plenária de 4 de setembro de 1991, o Tribunal de Contas votava a 'Ibmada de Contas da Brigada Militar do Estado, exercício de 1984, sendo Relator o denunciado, Conselheiro Celso 'resta.
3. A certa altura do julgamento, o Conselheiro Alexandre Machado da Silva suscitou questão de ordem, da qual se originou áspera troca de palavras entre S. Excia. e o denunciado. Este, inopinadamente, levantou-se e passou a agredir com socos na cabeça o Conselheiro Alexandre, que permaneceu sentado sem poder levantar-se, até que a agressão cessou pela intervenção de outros Conselheiros, tendo o Conselheiro Porfírio Peixoto contido o denunciado e o Conselheiro Marcelo Tostes ajudado a vítima a levantar-se de sua cadeira.
4. A agressão produziu na vítima as lesões corporais descritas no laudo de fls. 04." (Fls. 2/3).
O laudo pericial, a que se reporta a denúncia, foi positivo para lesões corporais, registrando a existência
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de escoriações e equimoses no corpo da vítima.
Recebida a denúncia, em sessão da Corte Especial de 14/5/92 (fls. 86), seguiu-se a instrução.
No interrogatório judicial, o acusado dá sua versão da ocorrência, nestes termos:
" ... Conselheiro Alexandre Machado, há algum tempo vinha agredindo verbalmente não só o denunciado como também a outros conselheiros e auditores; que na data descrita na denúncia o interrogando em sessão da Corte iniciou o exame das contas da Brigada Militar do Estado, referentes ao exercício de 84 e 85. E nessa ocasião, o Conselheiro Alexandre, se encontrava sentado na cadeira ao seu lado; que tanto a cadeira do Conselheiro Alexandre, como aquela usada pelo interrogando era do tipo giratório; que logo no início dos trabalhos, o Conselheiro Alexandre interpelou o interrogando sobre o exame conjunto de contas referentes a dois exercícios, mas com o mesmo ordenador de despesas; após breve debate, o interrogando concordou em dividir o exame dessas contas, passando a fazer o relato sobre as contas do exercício de 84; terminado este relatório o Conselheiro volta a interpelá-lo sobre se ia ou não passar ao exame do exercício de 85; que em resposta o interrogando pediu ao Conselheiro Alexandre que tivesse calma, pois acabara de fazer o relato do exercício de 84 e em seguida passaria ao exame da
matéria restante; que na ocasião, o interrogando declarou que o Conselheiro Alexandre estava muito nervoso, ao que este retrucou, que nervoso era o interrogando, nesse momento, houve troca de palavras em tom alto entre ambos, ocasião em que o Conselheiro Alexandre girou a cadeira em que estava sentado atingindo as pernas do interrogando; que o interrogando então se levantou tendo sido agarrado em sua toga pelo Conselheiro Alexandre; que quando o Conselheiro Alexandre agarrou-o pela toga, levantou o pé encostando-o no ventre do interrogando; nessa ocasião, houve agressões recíprocas entre o interrogando e o Conselheiro Alexandre, com troca de tapas de lado a lado;" ... (Fls. 116/117).
Deferi as provas requeridas na defesa prévia, vindo para os autos levantamento e laudo pericial do recinto do 'fribunal de Contas onde se deu o fato (fls. 133 e segs.), bem como texto de degravação de fita cassete da 42!! sessão plenária do 'fribunaI de Contas, realizada em 4/9/91 (fls. 150 e segs.).
Como prova de acusação, ouviram-se a vítima (fls. 212) e as testemunhas Conselheiro Marcelo Moreira 'lbstes (fls. 216), Conselheiro Porfírio Peixoto (fls. 220), funcionários do 'fribunal de Contas Rui Moreira da Silva (fls. 224) e Murilo Timm (fls. 227) e o advogado Thales Bastos de Araújo (fls. 230).
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Como prova de defesa, foram ouvidos Ricardo Goulart J ahn (fls. 304), Deputado Jorge Alberto Mendes Ribeiro (fls. 346), Senador Pedro Simon (fls. 348), Conselheiro Algir Lorenzon (fls. 403), Milton Renato Varella de Mello (fls. 408), Décio Antônio Hartmann (fls. 409) e Conselheiro Romildo Bolzan (fls. 420).
No prazo do art. 499 do CPP (arts. 226 do Regimento Interno e 10 da Lei 8.038/90), nenhuma diligência foi requerida, limitando-se a defesa a juntar recortes de jornais com notícias sobre a ocorrência objeto da denúncia (fls. 454 e segs.).
Em alegações finais manifestaram-se o Ministério Público (fls. 469/478) e o Assistente (fls. 480/495).
Sustenta o primeiro, em síntese, que as testemunhas oculares do fato são convergentes ao confirmar, sem exceção, a agressão praticada pelo acusado contra a vítima, que ficara semi-inconsciente "ante a violência e o inesperado da agressão".
Examina a prova e conclui pedindo a condenação.
O segundo, após exame extenso e detalhado da prova, conclui no mesmo sentido, pedindo a condenação do réu nas penas do art. 129 do Código Penal, levadas em conta as circunstâncias do art. 59 e a agravante prevista na letra c, n, do art. 61.
A defesa ofereceu, igualmente, suas alegações finais sustentando a improcedência da acusação.
Salienta, inicialmente, o seguinte:
"1. A prova colhida no curso da instrução longe está - e muito
longe! - de emprestar conforto à pretensão condenatória. Se é verdade que autoria e materialidade do fato imputado emergem dos autos como incontroversas, não menos certo é que suas reais circunstâncias norte adoras desautorizam, in totum, a procedência da peça inaugural.
2. Cumpre ressaltar, ab initio, como dado eloqüentemente sintomático, que a acusação, tanto em sua vertente oficial como em sua manifestação particular, praticamente delimitaram o âmbito de suas alegações finais à reprodução fragmentada da prova testemunhal, mediante a transcrição de trechos de depoimentos. Não procederam à leitura de todos os termos e de todas as peças. Talvez por isso tenham laborado em imprecisões desta natureza:
a) às fls. 469/470 Sua Excelência o Subprocurador-Geral da República, em suas alegações finais, assevera que Todas as testemunhas sem qualquer exceção - contam basicamente a mesma história: após áspera troca de palavras o réu levantou-se de sua cadeira e passou a agredir com socos a vítima que permaneceu sentada, sem levantar-se ou defender-se ...
Permissa maxima venia, tal afirmação não é verdadeira! Ou, pelo menos, é frontalmente desautorizada pelas declarações da testemunha Ricardo Goulart J ahn, Auditor do Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Sul, que assim narra o episódio:
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... que o depoente ficou atônito quando percebeu que os Conselheiros antes referidos se engalfinharam, podendo perceber que ambos estavam, já nessa ocasião, em pé, sendo apartados por outros Conselheiros ... (v. fls. 304).
Ora, não é de ignorar-se que a expressão engalfinhar-se é denotativa de briga, de contenda, circunstâncias que pressupõem, necessariamente (até mesmo por seu conteúdo semântico), reciprocidade de gestos agressivos. Assim, resta nítido que não procede a alegação de que todas as testemunhas - sem qualquer exceção -contam basicamente a mesma história ... Portanto, ao deduzi-la, a acusação não homenageia o conjunto probatório em toda sua amplitude. Ao contrário, labora numa mutilação indesculpável!
b) por outro lado, a douta assistência da acusação, ao concluir suas eruditas razões finais, propugna por veredito condenatório com reconhecimento de circunstância agravante que sequer foi objeto de articulação específica na denúncia (v. fls. 495)." (Fls. 501/502).
Faz um confronto entre a conduta pretérita do acusado e do ofendido, afirmando que este último sempre se revelou "polêmico, explosivo, temperamental, violento", enquanto que o primeiro se apresentava como "bem educado, culto, de fino trato".
'Iece considerações sobre o cenário e as circunstâncias do dia da ocorrência. Afirma que houve provocação da vítima e, finalmente, expõe a tese de defesa com este raciocínio:
"O movimento brusco feito pela vítima, virando-se para o lado do Acusado e batendo nas pernas deste, autoriza a conclusão por uma dentre as duas hipóteses possíveis:
a) ou a vítima pretendeu efetivamente agredir o Acusado por baixo da mesa, de tal sorte que o fez de forma imperceptível para as testemunhas;
b) ou a vítima simplesmente pretendeu virar-se e, inopinada e inadvertidamente, acabou batendo com os pés nas pernas do acusado.
A prosperar a primeira hipótese, a reação do Acusado estaria sob o pálio da legítima defesa real, eis que presentes os requisitos da atualidade e da injustiça da agressão, bem como da moderação no emprego dos meios necessários à defesa.
Se a verdade material abrigar a segunda hipótese, evidente se mostra a configuração, na reação do Réu, da legítima defesa putativa. Afinal, o clima de tensão existente no local, os antecedentes da vítima e a conduta desta virando-se repentinamente e batendo-lhe nas pernas, geraram para o Acusado a convicção de que estava sendo agredido. As circuns-
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tâncias, no caso, justificam plenamente o erro de percepção da realidade." (Fls. 507).
Ao ver da defesa, as escoriações no punho esquerdo da vítima denotam sua ação ofensiva e a equimose na região temporal esquerda indica sua posição de frente para o acusado.
Conclui pedindo a absolvição, nos termos do art. 386, V e VI, do Código de Processo Penal.
Com o relatório, encaminhem-se os autos ao Ministro-Revisor (§ 12 do art. 228 do Regimento Interno).
VOTO
O SR. MINISTRO ASSIS TOLEDO (Relator): A autoria e a materialidade do fato não são negadas pela defesa. Nem poderiam sê-lo porque estão comprovadas pela fita gravada que registrou a sessão da Corte e pelo laudo de exame de corpo de delito.
Diz o acusado que fora provocado pela vítima e - mais que isso -chegou a ser atingido em suas pernas, por baixo da mesa, por um movimento brusco. O Conselheiro Alexandre, durante acalorados debates, "girou a cadeira em que estava sentado atingindo as pernas do interrogando" (fls. 116).
O laudo de fls. 136/145 revela ser pouco provável que isso tivesse realmente acontecido, já que as cadeiras
guardam entre si uma distância de 50 centímetros. Mas como se trata de poltronas giratórias com encosto, braços e assento estofados (ver fotos de fls. 143/145), eventual esbarrão nas pernas do acusado seria bastante amortecido e, portanto, não teria o condão de justificar a reação agressiva por ele desencadeada contra a vítima.
Veja-se como relata o lamentável episódio a testemunha ocular, Conselheiro Marcelo Moreira lbstes:
" que o depoente estava presente à sessão, quando se tratava de um processo da Brigada Militar; razões que desconhece imediatamente, fizeram que os dois Conselheiros alterassem suas vozes, momento que, pelo fato inusitado daquela alteração, o depoente olhou onde assentavam-se os dois Conselheiros e, imediatamente após, ao retornar seu olhar para o Plenário, viu que se estabelecia um tumulto de alguém que se levantava açodadamente; foi quando percebeu que iniciava uma agressão do Senhor Conselheiro Celso Testa contra o Conselheiro Alexandre Machado, que estava sentado. Vencido o primeiro momento de surpresa do depoente, notou que se intensificava o pugilato, estando nítidas as desvantagens do Senhor Conselheiro Alexandre Machado, porque continuava sentado, e o Senhor Celso Testa em pé desferia socos em seqüência contra a cabeça do Senhor Ale-
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xandre Machado; talvez porque seja o depoente de formação médica, percebeu a gravidade do fato e correu em direção aos dois, buscando interferir de tal sorte a pôr fim em tal agressão. Nesse momento em que se aproximava dos dois Conselheiros, o depoente, entre os dois, segurou o Conselheiro Alexandre Machado, se pondo de costas para o Conselheiro Celso Testa, e impedindo, com o corpo, que fosse novamente atingido o Senhor Alexandre Machado; que o depoente tentou retirar o Conselheiro Alexandre da cadeira, levantando os dois braços, no que já foi auxiliado por outra pessoa - ao que lhe pareceu, o Conselheiro Porfírio. Ao levantar o Conselheiro Alexandre, girou com ele 180 graus, e gritou várias vezes o nome dele, pois o mesmo estava, usando termo médico, "semi-obnubilado", e não conseguia identificar o que estava acontecendo, nem a identificação de pessoa a pessoa. Ao mesmo tempo em que segurava o Conselheiro Alexandre, viu que, ao seu lado, o Conselheiro Celso Testa ainda desferia socos no Conselheiro Alexandre Machado, por cima da cabeça do depoente, mas verificou que o Conselheiro Porfírio Peixoto já segurava o Conselheiro Celso Testa." (Fls. 217/218).
Essa versão, que evidentemente não apóia as alegações de defesa do acusado, está confirmada por outra importante testemunha ocular - o
Conselheiro Porfírio Peixoto -, citada pelo Conselheiro Marcelo Moreira 'Ibstes como aquele que o ajudou a socorrer a vítima.
Eis o que diz o segundo Conselheiro:
" ... que houve uma discussão áspera entre os dois e logo a seguir o Conselheiro Testa agrediu o Conselheiro Alexandre; que o Conselheiro Celso Testa sentava ao lado do Conselheiro Alexandre, que, por ocasião da agressão, o Conselheiro Celso Testa se levantou e passou a agredir o Conselheiro Alexandre Machado, que estava sentado; que o Conselheiro Celso Testa desferiu alguns socos mais na cabeça do Conselheiro Alexandre Machado; que a agressão durou alguns segundos; que o depoente procurou segurar o Conselheiro Celso Testa; que o declarante, juntamente com outras pessoas, conseguiu afastar o Conselheiro Celso do Conselheiro Alexandre, e aí se apaziguaram os ânimos;" ... (Fls. 221).
Outra testemunha ocular, o funcionário Rui Moreira da Silva, corrobora essa mesma versão:
" ... que o Conselheiro Celso Testa era o relator de ambos os processos; que, nesta ocasião, o Conselheiro Celso Testa se incomodou com a manifestação do Conselheiro Alexandre Machado e lhe disse que este estava "muito nervosinho"; que, aí, o Conselheiro Ale-
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xandre retrucou ao Conselheiro Celso 'resta com a seguinte frase: "nervosinho está Vossa Excelência"; que, nesta ocasião, o Conselheiro Celso 'resta levantou-se de seu lugar e, dando impressão de que iria se retirar do Plenário, fez um gesto como se estivesse arrumando a beca e desferiu um violento soco, de cima para baixo e da esquerda para a direita, atingindo o lado direito da cabeça do Conselheiro Alexandre; que os Conselheiros Celso 'resta e Alexandre Machado estavam sentados lado a lado na bancada; que, logo em seguida, o Conselheiro Celso desferiu vários socos, atingindo, normalmente, o rosto do ofendido; que o Conselheiro Alexandre Machado continuou na posição sentada, em sua cadeira;" ... (Fls. 224).
No mesmo sentido a testemunha ocular Murilo Timm:
" ... que o Conselheiro Celso 'resta, dirigindo-se ao Conselheiro Alexandre Machado, usou uma expressão tal como: ''Vossa Excelência está nervosinho", ao que o Conselheiro Alexandre Machado respondeu: "nervosinho está Vossa Excelência"; que, nesta ocasião, o Conselheiro Celso 'resta levantou-se de seu lugar, sendo que o mesmo se encontrava sentado ao lado do Conselheiro Alexandre Machado da Silva, ajeitou a toga e, em seguida, desferiu um soco, de cima para baixo, no Conselhei-
ro Alexandre Machado, que estava sentado, tendo o depoente certeza de que o soco atingiu algum ponto da cabeça do ofendido, parecendo-lhe ter sido na parte superior direita;" ... (Fls. 227/228).
As demais testemunhas presentes não discrepam dessa versão, como se pode ver pelos depoimentos do advogado Thales Bastos de Araújo Chaves (fls. 230), do Conselheiro Algir Lorenzon e do Presidente da Corte, Conselheiro Romildo Bolzan.
Este último, depondo em juízo, a fls. 420, foi textual:
" ... que, na referida sessão, enquanto estava sendo relatada a referida tomada de contas, o Conselheiro Alexandre fez uns dois apartes, bem como, levantou questão de ordem de natureza processual; que, em seguida, houve entre os referidos Conselheiros, isto é, Celso 'resta e Alexandre Machado da Silva, uma troca de palavras não regimentais e, às vezes, que até poderiam ser consideradas irônicas; que, após alguns segundos de silêncio, o Conselheiro Celso 'resta, que estava sentado ao lado do Conselheiro Alexandre Machado da Silva, levantouse, desferindo dois ou três tapas que atingiram o Conselheiro Alexandre Machado da Silva; que, neste instante, como Presidente da Sessão, pediu calma aos referidos Conselheiros, sendo também que os demais Conselheiros se colocaram entre os dois; que o Con-
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selheiro Alexandre Machado da Silva permaneceu sentado, mas esclarece que o mesmo fez movimentos com braços e pernas, não podendo precisar se o mesmo estava apenas se defendendo ou então reagindo."
Note-se que o Presidente Romildo Bolzan depôs como testemunha de defesa.
Outras testemunhas de defesa, Deputado Jorge Alberto Mendes Ribeiro (fls. 346), Senador Pedro Simon (fls. 348), Milton Renato Varella de Mello (fls. 408) e Décio Antônio Hartmann (fls. 409), não presenciaram os fatos. E o depoimento de Ricardo Goulart Jahn (fls. 304), a que se apega a defesa, r~sta isolado nos autos quando afirma "que os conselheiros antes referidos se engalfinharam". Mas, mesmo assim, esse depoimento não deixa de registrar que a iniciativa da agressão coube ao acusado (fls. 304).
Penso que, diante dessa prova robusta, ficou sobejamente demonstrada a procedência da denúncia. O acusado, efetivamente, sem motivo justo, no calor de um debate acirrado e talvez pouco regimental, partiu para a agressão causadora das lesões constatadas pelo laudo pericial, no corpo da vítima, consistentes em escoriações e equimoses, portanto lesões dolosas simples ou leves (art. 129, caput, do Código Penal).
A legítima defesa, real ou putativa, não ficou provada, seja pela inexistência da injusta agressão, atual
ou iminente (art. 25 do Código Penal), seja porque não se demonstrou a ocorrência de qualquer indício de razoável suposição, pelo acusado, de situação de fato que, se existente, tornaria legítima a sua conduta.
Aliás, mesmo que se reconheça a presença de alguma provocação por parte da vítima, pela forma em que se desenvolveram os debates em plenário, isso não bastaria para autorizar a legítima defesa. Primeiro, pela imoderação na reação; segundo, pelo caráter doloso do excesso na conduta de quem prossegue na agressão mesmo depois de separado da vítima pela interferência de terceiros.
Passo à dosimetria da pena.
As circunstâncias judiciais (art. 59 do Código Penal) são favoráveis ao acusado, em sua maioria. Pelos elementos dos autos, é primário e de bons antecedentes. Fixo, pois, a pena-base privativa da liberdade em três meses de detenção, mínimo do art. 129, caput.
Não vejo caracterizada a agravante da surpresa ou traição (art. 61, II, c), pedida pelo Assistente, porque o fato ocorreu no calor dos debates.
Assim, na ausência de causa de aumento ou diminuição, torno definitiva a pena de três meses de detenção. Em conseqüência, concedo a suspensão condicional, sem condição especial, pelo prazo de dois anos. Deixo de converter a pena em multa, por considerar que esta última seria insuficiente para a reprovação de um fato tão grave, se consideradas as circunstâncias em que ocorreu e a qualidade do agente.
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Entre a data do fato (4/9/91) e o recebimento da denúncia (14/5/92) e desta até a presente data, não decorreu o prazo prescricional de dois anos.
Em conclusão, julgo procedente a denúncia para condenar o acusado, pelo crime do art. 129, caput, do Código Penal, à pena de três (3) meses de detenção, com sursis pelo prazo de dois anos.
É como voto.
VOTO
O SR. MINISTRO GARCIA VIEIRA (Revisor): Sr. Presidente. Materialidade e autoria estão comprovadas. A primeira pelo auto de exame de corpo de delito (fls. 10) e a segunda por testemunhas idôneas, Conselheiros e Assessores do Egrégio Tribunal de Contas que assistiram aos fatos. 'lbdas as testemunhas de acusação e até algumas da defesa, confirmaram que, na Sessão Plenária do Tribunal, realizada no dia 04 de setembro de 1991, após ligeiros e acalorados debates entre o denunciado e a vítima, o prim.eiro agrediu o Conselheiro Alexandre Machado, com vários socos, quando este estava sentado. A agressão continuou mesmo após a intervenção dos colegas e de estar a vítima sendo socorrida pelo Conselheiro Marcelo 'lbsteso A agressão produziu no Conselheiro Alexandre as lesões constatadas pelo auto de exame de corpo de delito. As testemunhas ouvidas, em depoimentos claros, harmônicos, con-
tundentes e convincentes, não deixaram a menor dúvida sobre o fato objeto da denúncia. São significativos e não deixam a menor dúvida sobre os socos desferidos pelo réu contra a vítima que, durante toda a agressão, permaneceu sentada. A ação criminosa foi perpetrada na presença de várias testemunhas. Elucidativos são os depoimentos das testemunhas Rui Moreira da Silva (fls. 19 e 224/226), Ornar Jacques Amorim (fls. 21), Murilo Timm (fls. 22/23 e 227/229), Thales Bastos de Araújo Chaves (fls. 25/26 e 230/232), Marcelo Moreira Tostes (fls. 216/219), Porfírio Peixoto (fls. 220/222) e da própria vítima (fls. 212/215), além de cópia da ata da sessão em que o denunciado agrediu o Conselheiro Alexandre (doc. de fls. 29/43).
O Conselheiro Porfírio Peixoto, testemunha ocular, esclareceu que:
" ... houve uma discussão áspera entre os dois e logo a seguir o Conselheiro 'Iesta agrediu o Conselheiro Alexandre; que o Conselheiro Celso 'Iesta sentava ao lado do Conselheiro Alexandre; que, por ocasião da agressão, o Conselheiro Celso 'Iesta se levantou e passou a agredir o Conselheiro Alexandre Machado, que estava sentado; que o Conselheiro Celso 'Iesta desferiu alguns socos mais na cabeça do Conselheiro Alexandre Machado; que a agressão durou alguns segundos; que o depoente procurou segurar o Conselheiro Celso 'Iesta; que o declarante, juntamente com outras pes-
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soas, conseguiu afastar o Conselheiro Celso do Conselheiro Alexandre, e aí se apaziguaram os ânimos ... " (fls. 221)
Apesar de todo o esforço e brilho, não conseguiu a defesa ilidir a acusação, permanecendo íntegra a denúncia. Não restou caracterizada a legítima defesa. Não se provou nenhuma agressão da vítima ao denunciado e muito menos injusta, atual ou iminente. Debates, ainda que acalorados, em sessão de tribunal, jamais justificam agressão a socos a um de seus membros. Foi uma agressão selvagem, criminosa e injusta. A legítima defesa putativa também não restou caracterizada. Nenhuma circunstância existiu capaz de levar o denunciado a supor estas em face de agressão injusta (arts. 20, § I!!, 1~ parte e 21). Debates acalorados em julgamentos nos tribunais são comuns e não justificam sequer agressões verbais e muito menos físicas.
Não resta a menor dúvida de que o denunciado ofendeu a integridade corporal da vítima e cometeu o crime de lesões corporais (art. 129, caput).
Como o denunciado é primário, de bons antecedentes, e lhes são favoráveis quase todos os pressupostos contidos no artigo 59, sua pena-base deve ser fixada no mínimo legal, e, por ausências de agravantes ou atenuantes, torná-la definitiva.
Assim sendo,
Julgo procedente a denúncia e condeno o denunciado, qualificado às
fls. 116, a três (03) meses de detenção, pelo crime do artigo 129, caput, do Código Penal, com sursis pelo prazo de dois anos.
VOTO-VOGAL
O SR. MINISTRO WALDEMAR ZVEITER: Senhor Presidente, recebi o memorial a que fez referência o nobre Relator. De sua leitura convenci-me, assim como Sua Excelência, de que, embora brilhante, a defesa não conseguiu elidir a peça acusatória.
Por isso, pedindo vênia ao seu nobre subscritor, acompanho os votos proferidos até agora, acolhendo a denúncia, para julgar procedente a Ação Penal, nos termos do voto do Senhor Ministro-Relator.
VOTO
O SR. MINISTRO CLÁUDIO SANTOS: Sr. Presidente, li com atenção as peças do minucioso dossiê que nos foi distribuído, assim como ouvi, também, com toda atenção, as doutas considerações desenvolvidas nesta assentada pelo Eminente Representante do Ministério Público Federal, seu assistente de acusação, bem assim da eloqüente e douta defesa aqui proferida.
Estou convicto de que, realmente, a prova coletada corrobora os fatos delituosos narrados na denúncia, como aliás demonstrado no voto do Eminente Relator, bem assim no do Sr. Ministro-Revisor. De tal sorte,
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estou de acordo com S. Exas. e assim acompanho, em sua extensão, os votos do Sr. Ministro-Relator e do Sr. Ministro-Revisor.
VOTO
O SR. MINISTRO ANTÔNIO TORREÃO BRAZ: Sr. Presidente, as provas da materialidade e da autoria são indiscutíveis. Ademais, não restou comprovada causa de exclusão da ilicitude ou da culpabilidade. É verdade que ressuma dos autos ser a vítima um provocador de situações de confronto, mas, no caso, as suas provocações não seriam de molde a autorizar o violento revide do acusado, que se excedeu e revelou ser portador de personalidade violenta.
Acompanho o Ministro-Relator.
VOTO
O SR. MINISTRO AMÉRICO LUZ: Sr. Presidente, acompanhei detidamente as colocações feitas pelo Ministério Público e pelos Advogados e não tenho dúvida em fixar a pena em três meses de detenção, grau mínimo, afastada a agravante de traição e surpresa, e conceder a suspensão condicional da pena, nos termos dos votos proferidos pelos eminentes Ministros-Relator e Revisor.
VOTO
O SR. MINISTRO JESUS COSTA LIMA: De início, registro a excelên-
cia da sustentação oral que acaba de fazer o ilustre advogado encarregado da defesa do acusado.
No entanto, quem está denunciado, sendo processado e julgado, é o Conselheiro Celso Testa por fatos ocorridos no recinto do Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Sul e durante uma sessão de julgamento, e não a vítima, o Conselheiro Alexandre Machado por fatos ou condutas anteriores sem nenhuma relação de causa e efeito com a infração penal de que se trata.
A Defesa não nega a materialidade e a autoria.
A perícia comprovou as lesões.
O eminente Ministro-Relator demonstrou, em seu douto voto, que as agressões verbais e física correm por conta e iniciativa do acusado e realizadas de modo injusto. Ainda se admita tenha ocorrido o choque das pernas por baixo das poltronas, o revide foi excessivo, descaracterizando a pretendida legítima defesa a rigor do disposto no art. 25 do Código Penal.
Com essas considerações, acompanho o voto do Ministro-Relator.
VOTO
O SR. MINISTRO EDUARDO RIBEIRO: Sr. Presidente, a bela defesa, uma das melhores que já ouvi neste Plenário, convenceu-me de que, realmente, é possível terem ocorrido aquelas provocações, mas, como o Relator mostrou muito bem,
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houve revide que foi muito além do que se poderia tolerar, razão por que também o acompanho.
VOTO
O SR. MINISTRO DIAS TRINDADE: Sr. Presidente, faço minhas as palavras do Ministro Eduardo Ribeiro a respeito da brilhante defesa feita pelo nobre advogado do réu.
O laudo do exame de corpo de delito, no entanto, não autoriza a conclusão que pretendeu tirar o nobre advogado, porquanto demonstra que a vítima não se achava em posição de agressão ao réu, para justificar uma eventual legítima defesa. Até o gesto que S. Exa. fez da tribuna, de que a lesão verificada seria na face da mão fechada, como se estivesse
mesmo a agredir, não está corroborada pelo laudo, uma vez que este diz que a lesão é na borda cubital do punho esquerdo.
Há notícia de uma lesão no quarto quirodáctilo esquerdo, mas sem descrever que lesão era essa. E as outras lesões descritas são uma equimose na região temporal esquerda e na frontal direita da vítima. Não há, de modo algum, como admitir-se a condição de agressão à vítima nesse momento.
A prova, bem examinada pelo Sr. Ministro-Relator, demonstra que, realmente, ainda que houvesse possibilidade dessa primeira agressão por baixo da mesa, o réu se excedera no revide.
Acompanho o Sr. Ministro-Relator.
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