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08/02/2017 Desonrados e banidos Revista de História http://www.revistadehistoria.com.br/secao/capa/desonradosebanidos 1/2 Desonrados e banidos Dos inconfidentes condenados ao degredo, uns padeceram mais que outros, e poucos, como Francisco de Paula Freire de Andrada, tiveram a chance de voltar ao Brasil Adelto Gonçalves 9/9/2007 Francisco de Oliveira Lopes viveu no Bié, em Angola. Os José de Resende Costa, pai e filho, também foram condenados ao degredo na África Ocidental, mas em locais afastados um do outro. O pai ficou na Guiné. O filho chegou a desempenhar as funções de secretário de governo em Cabo Verde. Depois da Independência (1822), integrou a Constituinte de 1823 ao lado de outro antigo inconfidente, o cônego Manoel Rodrigues da Costa, que cumprira sua pena em dependências eclesiásticas em Lisboa. Ambos tornaram‐se sócios do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Longe da sua terra, dos parentes e dos amigos, pode‐se imaginar que a vida dos degredados esteve cercada de privações e sofrimentos. Mesmo Tomás Antônio Gonzaga, talvez o mais célebre dos inconfidentes, não teve um exílio dourado, conforme chegou a ser propalado. Nomeado promotor de defuntos e ausentes em Moçambique, Gonzaga, já quase cinqüentão, casou‐se com Juliana de Sousa Mascarenhas, de 19 anos, com quem teve dois filhos. Alguns historiadores, como o professor português M. Rodrigues Lapa, apontaram‐na como "a herdeira da casa mais opulenta de Moçambique em negócio de escravatura". Hoje se sabe que o sogro de Gonzaga, Alexandre Roberto Mascarenhas, era na verdade um escrivão, subordinado do poeta. Formado pela Universidade de Coimbra, Gonzaga de fato trabalhou, como advogado, para grandes senhores negreiros e, como juiz interino da Alfândega, foi acusado de ter favorecido os interesses da elite negreira. Chegou a possuir 30 escravos, mas nunca foi um potentado, como chegou a ser dito. Morreu entre 25 de janeiro e 1º de fevereiro de 1810, aos 65 anos. Adelto Gonçalves é professor titular da Universidade Santa Cecília, do Centro Universitário Monte Serrat e autor de Gonzaga, um poeta do Iluminismo (Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1999). Com exceção de Tiradentes, os demais inconfidentes se livraram da forca, mas não do desonroso degredo, tendo poucos deles experimentado a ventura de retornar ao Brasil após cumprida a pena. O poeta de Marília de Dirceu e ex‐ouvidor de Vila Rica, Tomás Antônio Gonzaga, foi desterrado para a Ilha de Moçambique juntamente com Vicente Vieira da Mota e José Aires Gomes. Este último, destacado para viver em Inhambane, não resistiu à vida de dificuldades que passou a levar naquela pequena vila africana, e morreu pouco depois. Dos condenados ao degredo na costa africana oriental, Salvador Carvalho do Amaral Gurgel, o mais jovem entre os inconfidentes, foi o último a morrer, aos 50 anos, em 1812. Depois de atuar como cirurgião e de ocupar o cargo de vereador da vila de Inhambane, Gurgel seria transferido, em 1804, para o regimento de infantaria da Ilha de Moçambique, como cirurgião‐mor. Em Inhambane deixaria fama entre a gente humilde, porque fabricava medicamentos na botica do regimento e os distribuía entre os pobres, sem cobrar nada. José Álvares Maciel, outro inconfidente, foi desterrado para Luanda, na África Ocidental, onde morreu em 1804. Também em Luanda foi viver o tenente‐coronel Francisco de Paula Freire de Andrada, cunhado de Maciel e, na qualidade de comandante do regimento de cavalaria regular em Vila Rica, responsável pela estratégia militar dos inconfidentes. Inicialmente, Andrada cumpriu parte do degredo no presídio de São José de Encoge. Em 1808, obteve autorização para retornar ao Brasil. Viveram também em Luanda o sargento‐mor Luís Vaz de Toledo e Pisa e o coronel Domingos de Abreu Vieira, que morreu no presídio de Nossa Senhora da Conceição de Muxima. O poeta e ex‐ouvidor da comarca de Rio das Mortes, Inácio José de Alvarenga, morreu em Ambaca, também em Angola, em maio de 1792, vítima de uma doença tropical, logo depois de chegar ao seu destino de desterrado.

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08/02/2017 Desonrados e banidos ­ Revista de História

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Desonrados e banidosDos inconfidentes condenados ao degredo, uns padeceram mais que outros, e poucos,como Francisco de Paula Freire de Andrada, tiveram a chance de voltar ao Brasil

Adelto Gonçalves

9/9/2007  

Francisco de Oliveira Lopes viveu no Bié, em Angola. Os José de Resende Costa, pai e filho, também foramcondenados ao degredo na África Ocidental, mas em locais afastados um do outro. O pai ficou na Guiné. Ofilho chegou a desempenhar as funções de secretário de governo em Cabo Verde.  Depois da Independência(1822), integrou a Constituinte de 1823 ao lado de outro antigo inconfidente, o cônego Manoel Rodrigues daCosta, que cumprira sua pena em dependências eclesiásticas em Lisboa. Ambos tornaram‐se sócios doInstituto Histórico e Geográfico Brasileiro. 

Longe da sua terra, dos parentes e dos amigos, pode‐se imaginar que a vida dos degredados esteve cercadade privações e sofrimentos. Mesmo Tomás Antônio Gonzaga, talvez o mais célebre dos inconfidentes, nãoteve um exílio dourado, conforme chegou a ser propalado. Nomeado promotor de defuntos e ausentes emMoçambique, Gonzaga, já quase cinqüentão, casou‐se com Juliana de Sousa Mascarenhas, de 19 anos, comquem teve dois filhos. Alguns historiadores, como o professor português M. Rodrigues Lapa, apontaram‐nacomo "a herdeira da casa mais opulenta de Moçambique em negócio de escravatura".

Hoje se sabe que o sogro de Gonzaga, Alexandre Roberto Mascarenhas, era na verdade um escrivão,subordinado do poeta. Formado pela Universidade de Coimbra, Gonzaga de fato trabalhou, como advogado,para grandes senhores negreiros e, como juiz interino da Alfândega, foi acusado de ter favorecido osinteresses da elite negreira. Chegou a possuir 30 escravos, mas nunca foi um potentado, como chegou a serdito. Morreu entre 25 de janeiro e 1º de fevereiro de 1810, aos 65 anos. 

Adelto Gonçalves é professor titular da Universidade Santa Cecília, do Centro Universitário Monte Serrat eautor de Gonzaga, um poeta do Iluminismo (Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1999).

 

Com exceção de Tiradentes, os demais inconfidentes se livraram da forca, mas não do desonroso degredo,tendo poucos deles experimentado a ventura de retornar ao Brasil após cumprida a pena. O poeta de Maríliade Dirceu e ex‐ouvidor de Vila Rica, Tomás Antônio Gonzaga, foi desterrado para a Ilha de Moçambiquejuntamente com Vicente Vieira da Mota e José Aires Gomes. Este último, destacado para viver emInhambane, não resistiu à vida de dificuldades que passou a levar naquela pequena vila africana, e morreupouco depois.

Dos condenados ao degredo na costa africana oriental, Salvador Carvalho do Amaral Gurgel, o mais jovementre os inconfidentes, foi o último a morrer, aos 50 anos, em 1812. Depois de atuar como cirurgião e deocupar o cargo de vereador da vila de Inhambane, Gurgel seria transferido, em 1804, para o regimento deinfantaria da Ilha de Moçambique, como cirurgião‐mor. Em Inhambane deixaria fama entre a gente humilde,porque fabricava medicamentos na botica do regimento e os distribuía entre os pobres, sem cobrar nada.

José Álvares Maciel, outro inconfidente, foi desterrado para Luanda, na África Ocidental, onde morreu em1804. Também em Luanda foi viver o tenente‐coronel Francisco de Paula Freire de Andrada, cunhado deMaciel e, na qualidade de comandante do regimento de cavalaria regular em Vila Rica, responsável pelaestratégia militar dos inconfidentes. Inicialmente, Andrada cumpriu parte do degredo no presídio de SãoJosé de Encoge. Em 1808, obteve autorização para retornar ao Brasil.

Viveram também em Luanda o sargento‐mor Luís Vaz de Toledo e Pisa e o coronel Domingos de Abreu Vieira,que morreu no presídio de Nossa Senhora da Conceição de Muxima. O poeta e ex‐ouvidor da comarca de Riodas Mortes, Inácio José de Alvarenga, morreu em Ambaca, também em Angola, em maio de 1792, vítima deuma doença tropical, logo depois de chegar ao seu destino de desterrado.

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