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Da Perda do Objeto das questões constitucionais de Repercussão Geral no
STF: Uma Análise Crítica à Luz da Racionalização da Justiça
RESUMO
O Controle de Constitucionalidade no Direito Brasileiro, desde sua primeira
previsão, na maneira difuso-incidental, na constituição de 1891, vem passando por constantes
mudanças, tanto em virtude de alterações legislativas, quanto em face da própria mutação
constitucional.
O objetivo específico do presente trabalho é a abordagem da questão da
legitimidade da decretação de perda de objeto, quando a parte que deu causa à chegada da
questão constitucional relevante ao supremo – através do manejo do recurso extraordinário ou
mesmo através de reclamação constitucional – desiste do processo originário, ou quando a
situação fática que deu causa a reclamação constitucional deixa, pontualmente, de existir.
A partir da análise da objetivação do recurso extraordinário e, como
conseqüência, do próprio controle difuso-incidental – desde que a matéria venha a ser
apreciada pelo STF – constatou-se que a mera desistência das partes do processo originário,
além da mudança pontual do suporte fático que deu origem a questão constitucional
relevante, não pode ser fundamento suficiente para extinção do processo por perda de objeto.
Observou-se que a decretação da perda de objeto de uma questão constitucional
transcendente, pelo Supremo Tribunal Federal, frustra as expectativas democráticas da
comunidade jurídica e dos intérpretes sociais da constituição, que aguardam do STF
pacificação e segurança jurídica sobre temas polêmicos.
As conclusões supra-referidas tiveram como base a análise da jurisprudência atual
do STF, tendo sido feita uma abordagem específica sobre a Reclamação n° 4335-5 – Acre,
além do Re n° 459749/PE, ambas sinalizaram perda de objeto decretada pelo STF, em que
pese possuírem relevante e transcendente questão de fundo constitucional.
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Palavras-chave: Controle Difuso-Incidental de Constitucionalidade; Recurso Extraordinário;
Repercussão Geral
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Sumário
INTRODUÇÃO
1. Controle de Constitucionalidade: Antecedentes Históricos
1.1 A Constituição de 1891 e a influência americana
1.2 A Constituição de 1934 e a mitigação da ausência do STARE DECISIS no Direito Brasileiro10
1.3 A Constituição de 1946 e a emenda 16/65.
a) A atribuição de Poderes ao STF para dar eficácia erga omnes a suas decisões
b) A influência do Modelo Austríaco
1.4 A Constituição de 1967/69
1.5 A Constituição de 1988
2. O Controle Difuso – Incidental e a sua Objetivação, no STF
2.1 A Objetivação do Mandado de Injunção
2.2 O Recurso Extraordinário e a Repercussão Geral
2.3 A Sistemática de Julgamento dos Recursos Repetitivos e a Impossibilidade de Desistência. Nossas
Considerações
3. Estudo de Casos
3.1 O RE 459749/PE e o RE 591874/MS
3.2 A Reclamação Constitucional 4335-5 AC
4. CONCLUSÃO
5. BIBLIOGRAFIA
INTRODUÇÃO
Tema de grande relevância para o neoconstitucionalismo, pretende-se discorrer
sobre o controle de constitucionalidade no direito brasileiro, com ênfase especial no controle
difuso-incidental.
A partir de uma abordagem histórica do controle de constitucionalidade no direito
brasileiro, será debatido se foi realmente opção do poder constituinte atribuir mais poderes ao
STF, possibilitando a extensão para todos de suas manifestações plenárias, em sede do
controle difuso-incidental de constitucionalidade.
Ante a objetivação da análise das questões constitucionais pelo pleno do STF, será
abordada ainda a questão da legitimidade da decretação da perda de objeto das ações que
tramitam no STF, quando a matéria de fundo já foi reconhecida como de repercussão geral,
não se limitando aos interesses das partes que figuram no processo originário.
Após iniciado o julgamento, será demonstrada a importância de uma manifestação
conclusiva do STF, como corolário do princípio da segurança jurídica, haja vista a função
pacificadora e uniformizadora da jurisprudência, exercida pelo STF, enquanto guardião da
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Constituição, ainda que tenha havido eventual perda de interesse recursal, em face daqueles
que deram causa a apreciação da questão constitucional pelo STF.
Mostrar-se-á também que a fixação de teses pelo STF, no controle difuso-
incidental, desde que se atribua eficácia erga omnes, caminha em harmonia com o princípio
da celeridade, tem guarida constitucional, além de contribuir para diminuir o volume de
processos que chegam aos tribunais superiores.
1. Controle de Constitucionalidade: Antecedentes Históricos
Inexistente na Carta Imperial de 1824, o controle de constitucionalidade no
Direito Brasileiro surgiu a partir da Constituição de 18911, na maneira difuso-incidental.
Diz-se que o controle é difuso, quando todos os órgãos do poder judiciário detêm
competência para apreciar a constitucionalidade das leis, ao contrário do controle
concentrado, em que apenas um órgão específico detém tal competência.
Incidental, por sua vez, refere-se ao modo como a questão constitucional é
apresentada no processo. Ou seja, a questão constitucional – na via incidental – deve ser
apreciada como uma questão prejudicial (preliminar), para que se solucione uma lide concreta
entre as partes, num processo subjetivo, não possuindo a decisão judicial, a princípio,
capacidade para atacar a validade da norma frente ao ordenamento jurídico.
1.1 A Constituição de 1891 e a Influência Americana
Como destacado, em 18912, o Brasil adotou o modelo de controle difuso-
incidental de constitucionalidade, recebendo influência norte-americana.
Preliminarmente, para que se possa fazer um controle de constitucionalidade, faz-
se necessário que o país possua uma constituição escrita e rígida, de maneira que se reconheça
a supremacia da constituição em face de outras leis ou atos normativos, como ponderado por
1 BARROSO, Luís Roberto. O Controle de Constitucionalidade no Direito Brasileiro. 4ª ed. São Paulo: Saraiva,
2009, p. 62. 2 O art. 59 §1°, b, da Constituição de 1981, já atribuía competência recursal ao STF, no controle difuso-incidental, para apreciar, in concreto, questões de cunho constitucional, vejamos: “§ 1º - Das sentenças das Justiças dos Estados, em última instância, haverá recurso para o Supremo Tribunal Federal: (...) b) quando se contestar a validade de leis ou de atos dos Governos dos Estados em face da Constituição, ou das leis federais, e a decisão do Tribunal do Estado considerar válidos esses atos, ou essas leis impugnada” (grifos nossos).
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CAPPELLETTI3, ao analisar a Constituição americana e o precedente Marbury v. Madison:
A opção do Chief Justice Marshall, com a proclamação da supremacia da
Constituição sobre as outras leis e com o conseqüente poder dos juízes de não
aplicar as leis inconstitucionais, certamente representou então, repito, uma grande e
importante renovação. E se é verdadeiro que hoje quase todas as Constituições
modernas do mundo “ocidental” tendem, já, a afirmar o seu caráter de
Constituições rígidas e não mais flexíveis, é também verdadeiro, no entanto, que
este movimento, de importância fundamental e de alcance universal, foi
efetivamente, iniciado pela Constituição norte-americana de 1787 e pela corajosa
jurisprudência que se aplicou.
A competência atribuída a cada juiz de ser também um guardião da constituição –
ainda que sua atuação se limite ao controle difuso-incidental de constitucionalidade – está
presente no direito americano e foi seguida, conforme exposto, pelo direito brasileiro.
Entretanto, conforme doravante será demonstrado, não houve plena identidade de tratamento
da matéria entre o Brasil e os EUA.
Um dos grandes problemas do controle difuso-incidental de constitucionalidade é
a criação de insegurança jurídica, em virtude da possibilidade de interpretações divergentes
por parte dos juízes ou tribunais locais. Como a norma, objeto de interpretação, é analisada
num caso concreto, permanecendo intacta no ordenamento jurídico, é possível que em
situações semelhantes um juiz afaste sua incidência, por entendê-la que se trata de norma
inconstitucional, ao passo que, aos olhos de outro magistrado, aquela norma possa ser
aplicada, por reputá-la constitucional, daí a importância de um órgão capaz de uniformizar a
jurisprudência e com competência para exarar decisões erga omnes com efeitos vinculantes.
Nos EUA, vigente o modelo do judicial review of legislation, qualquer juiz ou
tribunal é competente para apreciar a constitucionalidade das leis e atos normativos, de
maneira difuso-incidental, entretanto a Suprema Corte americana desempenha importante
papel uniformizador no controle de constitucionalidade, uma vez que lá há a incidência do
princípio do Stare Decisis, em que a Corte, ao atribuir eficácia vinculante e erga omnes a suas
decisões, confere “a última e definitiva voz a respeito das questões constitucionais do país”4.
Observe-se que o Stare Decisis, com sua força vinculante, contribuiu para minimizar a
3 CAPPELLETTI, Mauro. O Controle Judicial de Constitucionalidade das Leis no Direito Comparado. Tradução
Aroldo Plínio Gonçalves. Revisão de José Carlos Barbosa Moreira. 2ª ed. Porto Alegre: Fabris, 1999, p. 48. 4 CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Curso de Direito Constitucional. 3ª ed. Salvador: Juspodivm, 2009, p. 277.
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possibilidade de decisões divergentes no modelo difuso-incidental, através da manifestação
final da Suprema Corte, conforme bem destacou o professor Paulo Bonavides5, ao analisar o
sistema americano de controle de constitucionalidade das leis:
As vias recursais se exaurem no aresto final da Suprema Corte. Exerce ela função
unificadora da jurisprudência, pondo termo assim às vacilações interpretativas do
mesmo passo que remove o estado de incerteza e apreensão acerca da validade da
lei, oriunda de decisões contraditórias dos órgãos de jurisdição inferior.
No Brasil de 1891, por sua vez, vigia o controle difuso-incidental de
constitucionalidade, entretanto, ao contrário do sistema norte-americano, não se adotava o
princípio Stare Decisis, carecendo o país de um órgão com poder suficiente para exarar
decisões erga omnes e vinculantes, persistindo o problema da insegurança jurídica, haja vista
a grande possibilidade de divergência entre os juízes ao apreciarem, in concreto, a
constitucionalidade das leis e atos normativos do poder público. Naquela época, não
competindo ao STF essa função de uniformizar a jurisprudência, suas decisões, em matéria
constitucional, também não possuíam força vinculante, nem eficácia erga omnes.
1.2 A Constituição de 1934 e a mitigação da ausência do Stare Decisis no Direito
Brasileiro
Importando parcialmente o modelo de controle difuso-incidental nos moldes
norte-americano, sem o Stare Decisis, o Brasil carecia de um órgão uniformizador, capaz de
suspender leis e atos normativos declarados inconstitucionais pelo judiciário.
Com efeito, nos EUA, competia a um órgão integrante da própria estrutura do
poder judiciário, a saber, a Suprema Corte Americana, dar a última palavra vinculante sobre a
constitucionalidade das leis.
No Brasil, a partir de 1934, a ausência do Stare Decisis começa a ser mitigada,
uma vez que referida Constituição conferiu poderes ao Senado para suspender leis ou atos
declarados inconstitucionais pelo judiciário.
Curiosamente, não foi opção do constituinte originário de 1934 atribuir ao poder
judiciário a função de atribuir eficácia erga omnes às suas decisões em sede do controle
difuso-incidental de constitucionalidade. Pelo contrário, o judiciário apreciava o caso
concreto, vergastava a inconstitucionalidade, mas a norma permanecia vigente no
ordenamento. O poder de suspender as leis e atos normativos declarados inconstitucionais
5 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 12ª ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 281.
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pelo judiciário competia ao legislativo, em especial ao Senado.
Ou seja, o modelo difuso-incidental de controle de constitucionalidade evoluía,
porque as leis tidas como inconstitucionais pelo judiciário já poderiam ser suspensas.
Entretanto, o constituinte originário da época não dera ao STF poderes suficientes para dar
efeitos vinculantes e eficácia erga omnes a suas decisões, tarefa esta que confiou apenas ao
Senado Federal, o que demonstra certa fragilidade não só quanto ao controle de
constitucionalidade, mas também quanto à incipiente separação de poderes.
Permaneceu, portanto, a divergência em relação ao sistema americano, uma vez
que foi atribuída competência para atribuir efeitos vinculantes as decisões do Supremo a um
órgão fora da estrutura do poder judiciário, a saber, Senado Federal, enquanto que, nos EUA,
a própria Suprema Corte detinha tal prerrogativa (Stare Decisis).
Com efeito, não havia uma harmonia temporal entre as decisões do STF, que
declaravam a inconstitucionalidade das leis, e sua respectiva suspensão pelo Senado. Muitas
vezes o STF declarava a inconstitucionalidade e, apenas anos depois, o Senado suspendia sua
eficácia. Outras tantas normas tidas como inconstitucionais pelo STF poderiam também
permanecer em vigor, acaso o Senado quedasse inerte, sem suspendê-las.
Críticas à parte, é possível entender, ao menos do ponto de vista teórico, que, à
época, o povo brasileiro, enquanto titular do poder constituinte originário, ainda não quis
conferir ao judiciário o poder de atribuir eficácia erga omnes e efeitos vinculantes as suas
decisões. Tal poder permanecia, portanto, adstrito ao Senado, que podia suspender as normas
tidas como inconstitucionais pelo judiciário.
Como inovação da Constituição de 1934, destaque-se ainda a introdução da
cláusula da reserva de plenário6, bem como a previsão da representação interventiva7, que foi
precursora da chamada ação direta de inconstitucionalidade interventiva para preservação dos
princípios constitucionais sensíveis, sobre a qual não serão dados maiores aprofundamentos,
6 Assim dispunha o art. 179 da Constituição Federal (CF) de 1934, introduzindo a cláusula da Reserva de
Plenário: “Só por maioria absoluta de votos da totalidade de seus juízes poderão os tribunais declarar a
inconstitucionalidade de lei ou ato do Poder Público”
7 CF de 1934, art. 12, caput, V: A União não intervirá em negócios peculiares ao Estado, salvo: V – Para
assegurar a observância dos princípios constitucionais especificados nas letras a a h do art. 7°, n. I e a execução
de leis federais. §2° Ocorrendo o primeiro caso do n. V, a intervenção só ocorrerá depois que a Corte Suprema,
mediante provocação do Procurador Geral da República, tomar conhecimento da lei que a tenha decretado e lhe
declarar a inconstitucionalidade”.
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por questões de delimitação temática do presente trabalho.
Com efeito, foi apenas a partir da promulgação da emenda Constitucional n°
16/1965, vigente a Constituição de 1946, que o judiciário passou a deter poderes para exarar
decisões vinculantes de eficácia erga omnes, em sede de controle de constitucionalidade,
conforme analisaremos no tópico seguinte.
1.3 A Constituição de 1946 e a Emenda Constitucional (EC) 16/65
a) A influência do Modelo Austríaco
Kelsen, na Áustria, foi o responsável pela criação do controle concentrado de
constitucionalidade, modelo em que a jurisdição constitucional fica atribuída apenas a um
órgão, qual seja, o Tribunal Constitucional, não cabendo, ao contrário do modelo difuso, a
competência genérica a qualquer juiz ou tribunal de apreciar a constitucionalidade das leis,
nos moldes em que realizado pelo direito americano.
Diz-se que o controle é concentrado quando apenas um único órgão é legitimado
para fazê-lo. Principal, por sua vez, refere-se ao fato de que a questão constitucional se mostra
como objeto processual, o qual visa aferir a constitucionalidade da norma, em abstrato, não se
tratando de um controle incidenter tantum, como o incidental.
O projeto de Kelsen foi concretizado, em sua versão inicial, em 1920, quando da
elaboração da constituição austríaca, promulgada em primeiro de outubro,
“Oktoberverfassung”8. O controle austríaco, na maneira inicialmente concebida por Kelsen,
difere do sistema americano nos aspectos subjetivo, modal e funcional.
No aspecto subjetivo, a diferença reside no órgão competente para a realização do
controle, o qual, na Áustria, é restrito ao Tribunal Constitucional (Verfassungsgerichtshof).
No sistema proposto por Kelsen, enquanto não declarada a norma inconstitucional, ela
presume-se válida, não podendo os juízes ou tribunais ordinários deixar de aplicá-las9,
possuindo as decisões que declaram inconstitucionalidade das leis efeitos, em regra, para o
futuro – ex nunc – ao contrário do sistema americano10.
Quanto ao aspecto modal, no sistema austríaco a questão constitucional é
discutida de maneira principal, haja vista tratar-se de um processo objetivo, em que o objeto
central da discussão é a própria constitucionalidade da lei em tese, não havendo partes com
interesses contrapostos ou mesmo uma lide concreta, ao contrário do sistema americano, em
8 CUNHA JÚNIOR, ob. cit. p. 281. 9 Idem, Ibidem. p. 284.
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que a discussão constitucional é feita de maneira incidental, com vistas a solucionar uma lide
concreta.
Quanto ao aspecto funcional, é de destacar que, no sistema austríaco de 1920, a
declaração de inconstitucionalidade pelo Tribunal Constitucional tinha efeitos ex nunc, daí
ser válida a afirmação segundo a qual a decisão da Corte Constitucional teria natureza
constitutiva, haja vista o fato de que a lei permanecia válida até a declaração de
inconstitucionalidade. Kelsen seguia a chamada teoria da anulabilidade da norma tida por
inconstitucional, ao contrário dos EUA, que atribuindo efeitos ex tunc as suas decisões,
entendiam pela nulidade das normas tidas como inconstitucionais. Destaque-se, por fim, que,
em 1929, houve uma reforma constitucional na Áustria que permitiu, em alguns casos, a
modulação temporal dos efeitos da decisão em sede do controle concentrado de
constitucionalidade.
No Brasil, a Emenda Constitucional n° 16/65 representou a introdução do modelo
concentrado de constitucionalidade, recebendo nítida influência Austríaca.
b) A Atribuição de Poderes Ao STF Para Dar Eficácia Erga Omnes a suas Decisões
Até a promulgação da EC 16/65 o Brasil possuía apenas um modelo de controle
difuso-incidental de constitucionalidade, em que as questões constitucionais eram matérias
preliminares ou prejudiciais para a solução de uma lide principal concreta. O STF, quando
analisava matérias de índole constitucional, ainda não detinha o poder vinculante de suas
decisões, competindo ao Senado a faculdade de suspender a eficácia das normas tida como
inconstitucionais pelo Supremo.
A EC 16/65, além de introduzir, no Brasil, o modelo concentrado abstrato11 de
controle de constitucionalidade, na via principal, conferiu ao STF o poder de,
independentemente de manifestação do Senado, afastar a aplicação, de maneira vinculante e
erga omnes, das normas tidas como inconstitucionais.
Ou seja, o poder de suspensão das normas tidas como inconstitucionais, outrora
atribuído apenas ao Senado Federal pela Constituição de 1934, na vigência de um modelo
difuso-incidental, passa a ser exercido, a partir da EC 16/65, também pelo STF, no exercício
11 Não se desconhece, como já destacado em passagem anterior do presente trabalho, que, desde 1934, o Brasil já possuía a chamada Representação Interventiva, que permitia, em situações excepcionais, a intervenção da União nos Estados. Entretanto, é de se observar que a Representação Interventiva era hipótese de controle concentrado concreto. Concentrado, porque realizado por um único órgão, o STF; concreto porque não atacava nenhum ato normativo ou lei em tese, mas sim atos concretos, taxativamente previstos na citada Constituição, aptos a violar princípios constitucionais sensíveis.
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do novo controle concentrado-principal de constitucionalidade. A resposta direta do STF às
matérias de fundo constitucional, sem a manifestação do Senado, sobretudo no atual momento
histórico, em que se necessita de um razoável ativismo judicial12, acaba fortalecendo o usuário
último da norma, o cidadão, que não mais precisa aguardar às vezes anos entre a manifestação
do Supremo e a suspensão da norma pelo Senado, tida como inconstitucional, no controle
incidental de constitucionalidade.
Questão que voltará a ser debatida, ao longo do trabalho, é se ainda se faz
necessária a manifestação do Senado para suspensão da norma tida como inconstitucional em
sede do controle incidenter tantum, sobretudo quando o Supremo já detém tal prerrogativa na
via principal, considerando-se ainda o fenômeno, cada vez mais constante, da objetivação do
controle difuso-incidental, à luz da necessidade de repercussão geral do recurso
extraordinário, em que o Supremo, analisando apenas o fundo de direito, acaba fazendo um
diálogo entre ambas as formas de controle.
Destaque-se que, a partir de referida EC 16/65, o Brasil passou a conviver13 com o
modelo difuso-incidental, de raiz americana, ao lado do controle concentrado principal, de
influência austríaca, não havendo que se falar em substituição de uma forma de controle por
outra.
1.4 A Constituição de 1967/69
A Constituição de 1967 e a emenda constitucional (EC) n° 1/69 mantiveram os
modelos difuso e concentrado de constitucionalidade.
Além da manutenção da representação Interventiva, presente desde a Constituição
de 1934, destaca-se ainda a instituição, pela EC n° 7/7714, da chamada Representação
12 Não se pode deixar de lembrar que a introdução do modelo concentrado de constitucionalidade, a partir da EC 16/65, se deu em plena ditadura militar. Apesar de já existente, o referido controle pouco foi utilizado na época da ditadura, sobretudo se considerarmos que o STF sequer chegou a apreciar a constitucionalidade dos diversos atos institucionais. Destaque-se ainda que, em 1965, ao publicar o AI-2, o presidente Castelo Branco chegou a alterar a composição do STF, de 11(onze) para 16 (dezesseis) ministros, nomeando jovens ministros ligados à UDN (União Democrática Nacional), movimento ligado ao governo, com a intenção de ter maioria nas decisões do STF. Por refugir ao objeto específico do presente trabalho, recomenda-se, sobre o tema: VALÉRIO, Otávio Lucas Solano. A toga e a farda: o Supremo Tribunal Federal e o regime militar (1964-1969). 2010. Dissertação (Mestrado em Direito) - Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. 13 BARROSO, Luís Roberto. O Controle de Constitucionalidade no Direito Brasileiro. 4ª ed. São Paulo: Saraiva,
2009, p. 64. 14 A EC 7/77 alterou a redação da alínea L do artigo 119 da Constituição de 67/69, incluindo a competência para o STF, a partir de Representação formulada pelo Procurador Geral da República, apreciar a interpretação de lei ou ato normativo federal ou estadual.
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10
Interpretativa, ação que poderia ser manejada pelo Procurador Geral da República para que o
STF desse a interpretação que entendesse adequada aos dispositivos da legislação federal ou
estadual, questionados em face da Constituição. As decisões do STF, na Representação
Interpretativa, eram dotadas de efeitos vinculantes.
A Representação Interpretativa teve transitória passagem pelo direito brasileiro,
não subsistindo com o advento da Constituição de 1988. Caso referida ação permanecesse no
ordenamento pátrio, longe de racionalizar a atividade jurisdicional, o STF acabaria, em última
análise, adquirindo uma atribuição a mais, qual seja, a função de órgão de consulta.
1.5 A Constituição de 1988
A Constituição de 1988 manteve os modelos de controle difuso-incidental e
concentrado-principal, trazendo ainda outros institutos inovadores, como o mandado de
injunção, com vistas a sanar as omissões inconstitucionais, podendo ser proposta por qualquer
do povo que seja privado de exercer suas prerrogativas inerentes à nacionalidade, soberania
ou cidadania.
O modelo de controle concentrado de constitucionalidade também foi ampliado,
mediante a instituição da ação direta de inconstitucionalidade por omissão, além da previsão
da ação declaratória de constitucionalidade e da argüição de descumprimento de direito
fundamental. Destaque-se ainda que houve significativa ampliação do rol de legitimados para
a propositura das ações constitucionais (CF, art. 103), acabando-se com o monopólio outrora
exercido pelo Procurador Geral da República em relação à propositura de tais ações
constitucionais.15
Após longos anos de regime militar, o Brasil da redemocratização possui uma
constituição de vanguarda, destacando-se pelo fortalecimento da jurisdição constitucional.
Os anos que se seguiram, pós 1988, demonstram uma evolução na jurisprudência
do Supremo Tribunal Federal, no sentido de dar efeitos vinculantes e erga omnes as suas
decisões, ainda que muitas delas não tenham sido fruto de um controle concentrado de
constitucionalidade, o que demonstra uma aproximação cada vez maior entre os dois tipos de
controle (incidental e principal).
2. O CONTROLE DIFUSO-INCIDENTAL E A SUA OBJETIVAÇÃO NO STF
15 BARROSO, Luís Roberto. O Controle de Constitucionalidade no Direito Brasileiro. 4ª ed. São Paulo: Saraiva,
2009, p. 66.
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11
Alguns novos institutos, como a necessidade de repercussão geral como requisito
de admissibilidade do recurso extraordinário, reforçam a idéia de que, mesmo quando resolve
uma lide concreta, em havendo matéria de fundo constitucional, a decisão do STF pode e deve
ter força vinculante.
Inúmeros são os exemplos que demonstram que manifestações em concreto do
STF acabaram tendo força vinculante e efeitos erga omnes, não se limitando as partes
originárias envolvidas na lide, como foi o caso do MI (Mandado de Injunção) n° 670-ES e do
MI n° 708-DF, em que o Supremo viabilizou o direito de greve para os servidores públicos,
estabelecendo a aplicação da lei de greve dos empregados da iniciativa privada (lei 7783/89)
aos servidores da administração pública, naquilo em que for compatível.
Na prática, mediante uma interpretação evolutiva, é possível aferir que desde o
momento em que o STF passou a ter poderes para exarar decisões erga omnes, em sede do
controle concentrado de constitucionalidade, houve esvaziamento da atual redação do artigo
52, X da Constituição, sobretudo porque tal artigo trata de mera repetição que vem sendo feita
desde a Constituição de 1934, em que, vigendo apenas o modelo difuso-incidental de controle
de constitucionalidade, não possuía ainda o STF o poder de dar eficácia erga omnes e efeitos
vinculantes as suas próprias decisões.
Como exemplo prático da possibilidade de atribuição de efeitos erga omnes ao
controle de constitucionalidade realizado pelo STF, ainda que na via incidental, é possível
citar o julgamento do HC (hábeas corpus) n° 82.959, ocorrido em 26/02/2006, em que o STF,
incidentalmente, consignou que era inconstitucional a vedação de progressão de regime
àqueles que cometeram crimes hediondos, declarando a inconstitucionalidade do artigo 2°, §
1°, da lei 8072/90 (lei dos crimes hediondos). Apesar da manifestação do STF ter sido feita
incidenter tantum, tal decisão passou a ter aplicação prática geral, não se podendo olvidar que
a sua extirpação do ordenamento jurídico independeu de qualquer manifestação do Senado
Federal, o que reforça a tese do esvaziamento da interpretação literal do art. 52, X, que
remonta à CF de 1934, tempo em que não fora atribuído qualquer poder ao STF para dar
efeitos gerais as suas decisões.
No mesmo sentido do posicionamento adotado no presente trabalho, manifestou-
se Luís Roberto Barroso16:
16 Idem, Ibidem. p. 130-131.
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12
A verdade é que, com a criação da ação genérica de inconstitucionalidade, pela EC
n. 16/65, e com o contorno dado à ação direta pela Constituição de 1988, essa
competência atribuída ao Senado tornou-se um anacronismo. Uma decisão do Pleno
do Supremo Tribunal Federal, seja em controle incidental ou em ação direta, deve
ter o mesmo alcance e produzir os mesmos efeitos. Respeitada a razão histórica da
previsão constitucional, quando de sua instituição em 1934, já não há lógica
razoável em sua manutenção.
2.1 A Objetivação do Mandado de Injunção pelo STF
Instrumento de concretização dos direitos fundamentais, mediante o controle das
omissões estatais, o mandado de injunção é criação originária do direito brasileiro, a partir da
CF de 1988. Tal instituto, apesar de ser autenticamente brasileiro, possui certa proximidade
com o Verfassungsbeschwerde alemão, sobretudo no que diz respeito à legitimidade de
qualquer do povo para impetrá-lo, desde que se veja privado da realização de um direito
fundamental inerente a nacionalidade, soberania ou cidadania, em face da ausência de norma
regulamentadora estatal.
A inconstitucionalidade por omissão, atacável, in concreto, através do mandado
de injunção, poderá ocorrer quando se estiver diante de normas constitucionais dependentes
de regulamentação infraconstitucional. Tais normas são chamadas de “not self-executing”, se
adotarmos a clássica classificação de Thomas Cooley, diretamente traduzidas por Rui Barbosa
como normas não auto-executáveis, chamadas por Pontes de Miranda como normas “não
bastantes em si”, referidas por José Afonso da Silva como normas de eficácia limitada17.
Ocorre que, sempre que a competência para editar a norma regulamentadora for
do Presidente da Republica, do Congresso Nacional, da Câmara dos Deputados, do Senado
Federal, das Mesas de uma das Casas Legislativas do Congresso, do Tribunal de Contas da
União ou do Supremo Tribunal Federal (STF), competirá ao próprio STF, no exercício de sua
competência originária, julgar as ações de mandado de injunção.
A jurisprudência do STF mostrou clara evolução no que concerne às decisões
exaradas em sede de julgamento dos mandados de injunção. Conforme assinala Dirley18, o
STF, em tímida manifestação inicial, quando do julgamento do MI 107-3, em 1990,
considerou que o mandado de injunção tinha como objeto a declaração, pelo judiciário, da
existência de omissão inconstitucional, a ser comunicada ao órgão legislativo competente em
17 SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das Normas Constitucionais. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 47. 18 CUNHA JÚNIOR, ob. cit. p. 813-824.
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editar a norma regulamentadora faltante. Ineficaz, portanto, a inicial manifestação do STF,
sobretudo porque não havia como se precisar o limite temporal para manifestação do órgão
legislativo, restando prejudicado, em última análise, o cidadão, que permanecia
indefinidamente sem uma resposta concretizadora do poder judiciário.
Na linha defendida por Konrad Hesse19, para quem interpretar é concretizar, pode-
se entender que a missão do STF é dar uma resposta rápida e eficaz à sociedade, que por
vezes tem seus direitos constitucionais suprimidos por ausência de norma regulamentadora.
Não se trata de usurpação de competência, haja vista o fato de que a própria Constituição
atribui ao STF poder para apreciar originariamente inúmeras ações de mandado de injunção.
Outrossim, é de se entender que, conforme a teoria dos poderes implícitos, a Constituição,
quando prevê os fins, deve atribuir meios, daí a validade de uma interpretação concretizadora
do STF ao apreciar matérias de índole constitucional. Na atividade interpretativa, é lícito ao
STF suprir, ainda que transitoriamente, as lacunas do ordenamento, destacando-se que, a
partir do momento em que editada norma regulamentadora pelo órgão competente,
despiscienda se tornará eventual manifestação do STF, daí ser válida a afirmação segundo a
qual a atividade interpretativa concretizadora não é sinônimo de usurpação de competência
legislativa pelo judiciário.
Com efeito, em 1991, a jurisprudência do STF evolui, ainda que de maneira
insuficiente, sobretudo a partir do julgamento do MI 283-5. Naquela oportunidade, o STF
assinalando prazo para que o congresso terminasse o processo legislativo da lei reclamada,
determinou que, acaso o congresso quedasse inerte, seria assegurado ao impetrante título
jurídico, com vistas a obter reparação nas vias ordinárias. Quanto aos efeitos da decisão do
STF, o título jurídico indenizatório só seria conferido ao impetrante do mandado de injunção,
daí ser possível concluir que pessoas que vivenciassem situações jurídicas similares deveriam
impetrar também previamente mandado de injunção para obtenção do seu direito em juízo.
Constata-se que, mesmo em sede de controle difuso, quando o STF debate
matérias de fundo eminentemente constitucional, a atribuição de efeitos apenas inter partes às
decisões prolatadas acaba gerando tumulto processual, uma vez que tem efeito multiplicador
das ações a serem propostas perante o STF, mesmo quando já há posicionamento do pretório
excelso sobre a matéria. Logo, em sendo o STF chamado a debater questões constitucionais,
ainda que em sede de mandado de injunção, a atribuição de efeitos erga omnes as decisões
19 HESSE, Konrad. A Força Normativa da Constituição. Trad. Gilmar Ferreia Mendes. Porto Alegre: Fabris,
1991, p. 27.
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exaradas, mostra-se como medida de maior abrangência, representando verdadeira economia
de escala e pacificando um sem-número de demandas reprimidas, que não precisariam mais
ser levadas à apreciação pelo STF.
O fenômeno da objetivação do mandado de injunção pelo STF refere-se à
possibilidade atual do Supremo, no julgamento de referidas ações, não se limitar a solucionar
a lide concretas, mas de fixar teses, outrora controversas, como meio de pacificação e
prevenção de outras demandas idênticas.
O marco divisor da aqui denominada “objetivação do mandado de injunção” foi a
apreciação feita pelo STF quando do julgamento do MI 670/ES, do MI 708/DF e do MI
712/PA, todos julgados em 25/10/2007, oportunidade em que a decisão do STF, segundo a
qual dever-se-ia aplicar a lei de greve da iniciativa privada, no que for compatível, aos
servidores públicos, surtiu efeito para todos os sindicatos, não só os que impetraram a
injunção, tornando-se despiscienda nova provocação do supremo sobre a matéria por aqueles
que não figuraram como parte nos referidos processos.
Em nova manifestação concretizadora o STF, ao apreciar o mandado de injunção
n° 721-DF, concedeu ao impetrante, servidor público de regime próprio, o direito à
aposentadoria especial previsto no art. 40 § 4º da Constituição Federal, mesmo não havendo
norma regulamentadora específica sobre a matéria para os servidores públicos. In casu, o STF
determinou a aplicação do regime geral dos planos e benefícios da previdência social,
vejamos20:
(...) APOSENTADORIA – TRABALHO EM CONDIÇÕES ESPECIAIS –
PREJUÍZO À SAÚDE DO SERVIDOR – INEXISTÊNCIA DE LEI
COMPLEMENTAR – ARTIGO 40, § 4º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.
Inexistente a disciplina específica da aposentadoria especial do servidor, impõe-se a
adoção, via pronunciamento judicial, daquela própria aos trabalhadores em geral –
artigo 57, § 1º, da Lei nº 8.213/91.
Ao contrário do mero reconhecimento da omissão inconstitucional, o STF
começou a ter uma postura concretizadora, mediante uma decisão com força normativa, nos
moldes em que é feito no direito italiano, em que o judiciário, em caso de omissão
inconstitucional, exara as chamadas sentenças aditivas21. Trata-se de solução provisória para a
20 Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=2291410 , acesso
em 20/08/2010, às 20h13m. 21 BARROSO, Luís Roberto. O Controle de Constitucionalidade no Direito Brasileiro. 4ª ed. São Paulo: Saraiva,
2009, p. 269.
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omissão legislativa, não havendo que se falar em usurpação de competência, sobretudo
porque a superveniência de norma regulamentadora, emanada do legislativo, substituirá de
maneira também legítima, a manifestação do Supremo. O que não pode acontecer é o prejuízo
imediato ao destinatário último da norma, o cidadão, em face da mora do poder legislativa.
Legítima, portanto, é a interpretação concretizadora feita pelo judiciário, na função
integradora das lacunas normativas.
2.2 O Recurso Extraordinário e a Repercussão Geral
A Emenda Constitucional n° 45/2004, introduziu no ordenamento brasileiro a
necessidade de repercussão geral como condição de admissibilidade do Recurso
Extraordinário.
Com efeito, qualquer juiz é livre para aferir a constitucionalidade das leis, ao
apreciar o caso concreto, entretanto, para que tal matéria venha ser apreciada pelo STF,
mediante o apelo extraordinário, o fundo de direito haverá que transcender, não se limitando
ao interesse das partes do processo originário.
Como destacado pelo professor Marcelo Labanca, a necessidade de demonstração
da repercussão geral como requisito de admissibilidade recursal, aproximou ainda mais os
controles concentrado e difuso de constitucionalidade22:
Nesse sentido, o estreitamento da via difusa por meio da exigência de demonstração
da repercussão geral da questão constitucional debatida nos autos termina gerando
um forte indicativo de aproximação dos modelos concentrado e difuso de controle
de constitucionalidade.
A demonstração de Repercussão Geral é fruto de uma necessidade de
racionalização da justiça, em que o STF, com uma única manifestação, pretende fixar uma
tese a ser aplicada em um sem-número de conflitos. Destaque-se ainda que, se a manifestação
plenária do STF, quando da apreciação da constitucionalidade da lei, no controle difuso, não
tiver força vinculante ou eficácia erga omnes, pouca utilidade terá o instituto da Repercussão
Geral, uma vez que demandas similares teriam que novamente ser apreciadas pelo Supremo.
Com vistas a regulamentar o modus operandi do instituto da Repercussão Geral,
foi editada a “lei dos recursos repetitivos” (lei n° 11418/2006, que regulamentou o art. 103 §
22 ARAUJO, Marcelo Labanca Corrêa de; BARROS, Luciano José Pinheiro. Revista da Procuradoria Geral do Banco Central. Vol.1 N.1. Brasília: BCB, 2008, p. 58.
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2° da CF). Com efeito, o tribunal a quo, ao exercer o primeiro juízo de admissibilidade sobre
o recurso extraordinário, selecionará um representativo da controvérsia, o qual será apreciado
pelo STF. Após o STF apreciar o recurso representativo, os tribunais de origem poderão,
aplicando a tese do STF, apreciar a matéria, sendo, na maioria das vezes, desnecessária a
remessa de novos processos sobre a mesma matéria ao supremo, salvo se o tribunal de origem
mantiver tese que contrarie a decisão do STF.
Também não se mostra razoável, como alhures demonstrado, acreditar que a
eficácia erga omnes das decisões do STF, quando exerce controle difuso-incidental de
constitucionalidade, dependa da publicação de resolução do Senado Federal, nos moldes da
literal dicção do art. 52 X, da CF de 1988.
O professor Fredie Didier23 bem pondera que os precedentes em matéria
constitucional, exarados pelo STF, acabam vinculando, seja oriundo de controle difuso, seja
no controle concentrado de constitucionalidade, o que demonstra a aproximação dos efeitos
de ambas as formas de controle, citando, como exemplo, a dispensa do reexame necessário
em caso de decisões baseadas em manifestações plenárias do STF, vejamos:
O §3° do art. 475 do CPC dispensa o reexame necessário, quando a sentença se
baseia em posicionamento tomado pelo Pleno do STF, a despeito de ter sido ou não
sumulado. Neste caso, revela-se a importância que se pretende conferir aos
precedentes do STF, mesmo àqueles oriundos de processos não-objetivos.
Observa-se que a manifestação plenária do STF, quando fixa tese em matéria
constitucional, acaba vinculando as instâncias inferiores, o que se mostra como hábil
mecanismo de racionalização da justiça, uma vez que a matéria já apreciada pelo supremo não
precisará ser repetidas vezes apreciada por aquele colenda corte.
Destaque-se que ainda que institutos típicos do controle concentrado de
constitucionalidade, como a modulação temporal dos efeitos da decisão ou o sobrestamento
do julgamento de processos nas instâncias inferiores até a decisão do STF, já começa a ser
usado no controle incidental.
Com efeito, no controle concentrado, a lei 9868/99, que dispõe sobre o processo e
julgamento da ação direta de inconstitucionalidade e da ação declaratória de
constitucionalidade perante o STF, permite, em seu artigo 21, que se conceda, por maioria
23 DIDIER JR, Fredie. O Recurso Extraordinário e a Transformação do Controle Difuso de Constitucionalidade no Direito Brasileiro, in Marcelo Novelino (org), Leituras Complementares de Direito Constitucional: Controle de Constitucionalidade e Hermenêutica Constitucional. 2ª ed. Salvador: Juspodivm, 2008, p. 276.
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17
absoluta dos membros do STF, medida cautelar determinando a suspensão o julgamento dos
processos que envolvam a aplicação da lei ou ato normativo objeto da ação até o julgamento
da ação.
No controle difuso-incidental, por sua vez, apesar de não haver dispositivo
expresso autorizando, é comum que o ministro relator de recursos extraordinários que
envolvam questões constitucionais controvertidas também determine o sobrestamento do
julgamento dos processos que envolvam matéria semelhante, nas instâncias inferiores, até a
apreciação do tema pelo STF, senão vejamos, corroborando o alegado, notícia extraída do site
do STF, em 27/08/201024:
Ministro Dias Toffoli acolhe parecer da PGR e suspende os processos de
planos econômicos
O ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal (STF), acolhendo parecer da
Procuradoria-Geral da República (PGR), determinou a suspensão (ou
sobrestamento) de todos os processos judiciais em tramitação no país, em grau de
recurso, que discutem o pagamento de correção monetária dos depósitos em
cadernetas de poupança afetados pelos Planos Econômicos Collor I (valores não
bloqueados), Bresser e Verão.
O tema teve a repercussão geral reconhecida e, depois disso, os Bancos do Brasil e
Itaú - partes nos Recursos Extraordinários 626307 e 591797 dos quais Dias
Toffoli é relator - apresentaram petições requerendo a suspensão, em todos os graus
de jurisdição, das demais ações que tratam da cobrança dos expurgos inflacionários.
A decisão do STF nestes dois casos deverá ser aplicada a todos os casos
semelhantes.
(grifos nossos)
A notícia transcrita revela a aproximação atual entre os controles difuso e
concentrado de constitucionalidade. Frise-se ainda que o STF, ao determinar, mediante juízo
monocrático, no controle incidental, a suspensão de processos semelhantes nas instâncias
inferiores, foi além do controle concentrado, uma vez que o art. 21 da lei 9868/99 determina
que a medida cautelar adotada seja aprovada pela maioria absoluta do STF, não conferindo,
via de regra, tal possibilidade de decisão ao juízo monocrático.
24 Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=159923 , acesso em 27/08/2010, às 23h20m.
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É de se destacar ainda o posicionamento dos professores Marinoni e Daniel
Mitidiero25, que identificam plena aproximação entre os controles abstrato e concreto de
constitucionalidade, quando a matéria é levada ao debate pelo pleno do STF, vejamos:
Perante o pleno do Supremo Tribunal Federal são praticamente idênticos os
procedimentos para a declaração de inconstitucionalidade nos moldes concreto e
abstrato. A partir da noção de processo de caráter objetivo – que abrange ambos os
modelos – não existe qualquer razão plausível para se atribuir efeito vinculante a
um modelo e não ao outro.
Marinoni e Mitidiero26 destacam ainda que a lei 9756/98, ao inserir parágrafo
único ao artigo 481 do Código de Processo Civil (CPC), atribuindo efeitos vinculantes às
decisões do STF, nada mais fez do que transformar em direito positivo um entendimento
jurisprudencial já consolidado, no sentido de que não se deve deixar de levar em consideração
as manifestações plenárias do STF, quando a matéria debatida referir-se à constitucionalidade
das leis:
Art. 481. Parágrafo Único, CPC. Os órgãos fracionários dos tribunais não
submeterão ao plenário, ou ao órgão especial, a argüição de inconstitucionalidade,
quando já houver pronunciamento destes ou do Supremo Tribunal Federal sobre a
questão.
Não se pode deixar de reconhecer que o STF tem poderes para dar efeitos
vinculantes a suas decisões plenárias, ao julgar o fundo de direito dos Recursos
Extraordinários, sobretudo quando o poder constituinte derivado, através da EC 45/2004,
introduzindo o artigo 103-A na Carta Magna, foi expressa ao atribuir ao pretório excelso a
possibilidade de edição de Súmulas Vinculantes pelo STF. Com efeito, não se pode olvidar
que, antes mesmo da edição das súmulas vinculantes, as manifestações plenárias do STF já
vinculavam, conforme ficou aclarado pela lei 9756/98, que introduziu o vigente parágrafo
único ao art. 481 do CPC.
Fixadas as premissas básicas, inclusive empíricas, de que o controle difuso-
incidental de constitucionalidade, quando feito pelo pleno do STF, muito se aproxima do
controle concentrado, será feita, no tópico seguinte, breve abordagem sobre a atual sistemática
25 MARINONI, Guilherme Luiz; MITIDIERO, Daniel. Repercussão Geral no Recurso Extraordinário. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 71. 26 Idem, Ibidem. p. 72.
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19
de apreciação dos recursos extraordinários repetitivos, enquanto instrumento de
racionalização do controle difuso-incidental de constitucionalidade.
2.3 A Sistemática de Julgamento dos Recursos Repetitivos e a Impossibilidade de
Desistência. Nossas Considerações
Quando o tribunal a quo seleciona, por amostragem, um recurso extraordinário
representativo da controvérsia constitucional, remetendo-o para apreciação do STF e
sobrestando os demais, isso significa que, ainda que as partes do processo principal desistam,
será importante a continuidade do julgamento, posto que haverá a fixação de uma tese jurídica
sobre a matéria, pelo STF, que pacificará um sem-número de questões, racionalizando a
atividade judicial.
Feitas tais ponderações, a melhor conclusão a que se pode chegar é que o STF,
independentemente da perda de interesse recursal das partes originárias, deve fixar uma tese
sobre a matéria constitucional objeto da controvérsia. Entretanto, a impossibilidade do STF
deixar de apreciar matéria que repercutirá em diversos processos semelhantes, não deve ser
interpretada como impossibilidade de desistência recursal por parte dos litigantes, no processo
subjetivo, posto que, tal vedação acabaria por interferir sobremaneira na autonomia das partes
em, por vezes, realizar uma composição de conflitos.
Em casos deste jaez, em que as partes, no processo originário, desejam desistir,
quando o recurso já foi remetido ao STF, deve-se dar razoável interpretação, de maneira a
harmonizar a necessidade de preservação da autonomia de vontade das partes do processo
subjetivo, com a necessidade de continuidade do julgamento, como medida pacificadora de
processos semelhantes.
Quanto à questão temporal para que se desista do processo, na linha da doutrina e
jurisprudência, é de se considerar como limite o início do julgamento (princípio da unidade do
julgamento), conforme noticiado no informativo n° 540 do STF, vejamos:
O pedido de desistência só é cabível antes do início do julgamento de mérito do
processo. Com base nessa orientação, o Tribunal, resolvendo questão de ordem
suscitada pelo Min. Ricardo Lewandowski, relator, indeferiu pedido de desistência
formulado em duas reclamações, nas quais já proferido um voto de mérito no
sentido da improcedência. Asseverou-se que, do contrário, facultar-se-ia à parte
desistir do processo quando, no curso da votação, identificasse a existência de uma
tendência que lhe fosse desfavorável. O Min. Cezar Peluso, em seu voto,
acrescentou a esse fundamento que o julgamento colegiado seria ato materialmente
20
20
fragmentado, mas unitário do ponto de vista jurídico. Em razão disso, sua
interrupção, depois de proferidos um ou mais votos antes que todos fossem
colhidos, equivaleria, do ponto de vista jurídico, a uma sentença que estivesse
sendo proferida no curso de uma audiência e o juiz, de repente, interrompesse o seu
ditado, o que não seria possível.
Rcl 1503 QO/DF, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 26.3.2009. (Rcl-1503)
Rcl 1519 QO/CE, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 26.3.2009. (Rcl-1519)
Fredie Didier e Leonardo Cunha também defendem a possibilidade de desistência
das partes que tiveram o recurso repetitivo selecionado para serem julgados por amostragem
no Tribunal Superior27. O indeferimento do pedido de desistência implicaria uma violação do
direito dispositivo das partes em transigirem. Em que pese a possibilidade de desistência, o
julgamento da vexata quaestio deve seguir, para fixação de tese sobre o tema controvertido.
O STF já se manifestou favoravelmente à possibilidade de desistência das partes
do recurso paradigma selecionado para apreciação na sistemática dos recursos repetitivos. Em
tal julgado, ao invés de dar seqüência ao julgamento para fixação de uma tese, o STF deferiu
o pedido de desistência e extinguiu o processo por perda de objeto, apesar de posteriormente
ter admitido a repercussão geral noutros processos similares utilizados como paradigma,
vejamos28:
Petição/STF nº 55.990/2008
RECURSO EXTRAORDINÁRIO – DESISTÊNCIA – HOMOLOGAÇÃO.
1. Juntem.
2. Eis as informações prestadas pelo Gabinete:
(...) Aponta a existência de outros extraordinários – nºs 441.298 e 475.654, da
relatoria de Vossa Excelência –, a versarem também sobre desvio de finalidade e
violação ao artigo 150, § 6º, da Constituição Federal. Entende que a apreciação deste
extraordinário poderá vir a causar-lhe prejuízos, ante a irrecorribilidade das decisões
proferidas em repercussão geral e a possibilidade de o “leading case” gerar a
inadmissão sumária dos recursos que tratem da mesma questão. Apresenta
substabelecimento.
27 DIDIER JR, Fredie; CUNHA, Leonardo José Carneiro da. Curso de Direito Processual Civil. 7ª ed Vol. 3. Salvador: Juspodivm, 2009, p. 323-324. Noutro sentido, afirmando a impossibilidade de desistência na sistemática do julgamento dos recursos repetitivos, entendeu o STJ (REsp. 1.058.114 e REsp 1.063.343). 28 Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/diarioJustica/verDiarioProcesso.asp?numDj=91&dataPublicacaoDj=21/05/2008&incidente=2568797&codCapitulo=6&numMateria=72&codMateria=3 , acesso em 29/08/2010, às 23h20m.
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Em 18 de abril de 2008, Vossa Excelência pronunciou-se a favor da existência de
repercussão geral. Não tendo ocorrido até esta data qualquer outra manifestação dos
Ministros desta Corte. O prazo termina em 8 de maio próximo.
A subscritora da peça está regularmente credenciada no processo, contando com
poderes especiais para desistir.
3. Ante o disposto no Regimento Interno desta Corte, homologo o
pedido de desistência do recurso para que produza os efeitos legais. Insiram a
notícia no sistema, considerado o prejuízo da repercussão geral.
4. Publiquem.
Brasília, 24 de abril de 2008.Ministro MARCO AURÉLIO, Relator
Quando o STF admite o pedido de desistência das partes, no processo subjetivo
em que declarada repercussão geral da questão constitucional, deixando de dar seqüência ao
julgamento para fins de fixação de tese pacificadora, acaba indo na contramão da
racionalização da justiça. Com efeito, a declaração de repercussão geral é feita justamente
para que se solucione, num só julgamento, um tema controverso que pode interessar a um
número indeterminado de pessoas.
Feitas tais ponderações, é de se defender que a melhor interpretação conciliadora
seria no sentido da possibilidade de desistência das partes sem decretação de extinção do
processo por perda de objeto, desde que se desista antes do início do julgamento, dando-se
seqüência à apreciação da lide para fins de fixação da tese solucionadora da controvérsia
constitucional, de maneira a pacificar um sem-número de processos semelhantes.
Não é razoável que o STF, uma vez admitido o recurso extraordinário, decrete a
extinção do processo por perda de objeto, uma vez que frustra justas expectativas sociais e da
comunidade jurídica, que aguarda pronunciamento conclusivo do STF sobre muitos temas
polêmicos, de cunho constitucional.
Ora, se o STF adotasse o posicionamento aqui defendido, qual seja, a
possibilidade de desistência sem decretação de extinção do processo por perda de objeto,
prosseguindo o julgamento para fixação de uma tese, haveria uma maior racionalização da
justiça, sobretudo porque a extinção de um processo e a reapreciação da mesma matéria de
idêntico fundo constitucional, em processo posterior, representa desnecessário adiamento na
fixação na solução da questão constitucional objeto da controvérsia.
22
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Nó tópico seguinte, será feita crítica análise jurisprudencial de situações em que o
STF, no momento em que poderia, dada a repercussão geral de seus pronunciamentos, fixar
entendimentos conclusivos sobre questões constitucionais relevantes, quedou-se inerte,
extinguindo o processo por perda de objeto, ante a perda de interesse recursal dos litigantes,
no processo subjetivo.
3 Estudo de Casos
Não raro são os casos em que o STF decreta a extinção do processo por perda de
objeto, ante a desistência das partes, e, tempos depois, na contramão da celeridade, volta a
enfrentar questão constitucional semelhante, noutro processo.
3.1 O RE 459749/PE e o RE 591874/MS
No RE 459749/PE o STF discutia se deveria haver responsabilidade objetiva do
concessionário, nos termos do art. 37 § 6°29 da CF, em relação a terceiros não-usuários do
serviço público. Durante o julgamento, houve conciliação entre as partes do processo
originário, o que acarretou a extinção do processo, por perda de objeto, mesmo após a
admissão da repercussão geral do Recurso Extraordinário em comento. Naquela oportunidade,
na linha em que defendida no presente trabalho, deveria o STF, mesmo acatando a transação
das partes, dar seqüência à apreciação da matéria, para fins de fixação de uma tese sobre o
tema, enquanto medida de racionalização da justiça. Destaque-se que, no recurso em análise,
o STF admitiu a desistência mesmo após o início da apreciação da matéria, violando,
portanto, o princípio da unidade do julgamento, vejamos30:
DESPACHO : Embora o processo se encontre no Supremo Tribunal Federal, em
virtude da interposição de recurso extraordinário, cabe ao Juízo de origem, no
âmbito ordinário, a apreciação do pedido de homologação da transação, que se
encontra a fls. 274.
Se o referido pedido for deferido, ficará, em conseqüência, prejudicado o
recurso extraordinário, sem necessidade de os autos retornarem a este Tribunal.
Assim, baixem os autos à Vara de origem, para a análise do aludido pedido,
devendo o Juízo comunicar a esta Corte seu desfecho.
29 Assim dispõe o art. 37 § 6º da CF: As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa. 30 Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=2320549 , acesso em 29/08/2010, às 22h54m.
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23
Sem prejuízo, como o julgamento presente feito já tinha sido iniciado,
comunique-se à Secretaria das Sessões para as baixas de estilo.
Brasília, 17 de dezembro de 2007. Ministro JOAQUIM BARBOSA, Relator
Quase dois anos após a extinção do RE 459749/PE, por perda de objeto, o STF
voltou a discutir matéria de idêntico fundo de direito, qual seja, a responsabilidade objetiva da
concessionária de serviço público em relação a terceiro não-usuário. Quando do julgamento
do RE 591874/MS, em 26/08/2009, o pleno do STF, fixou a tese de que a concessionária
também responderia objetivamente pelos danos causados em relação a terceiros não-
usuários31:
EMENTA: CONSTITUCIONAL. RESPONSABILIDADE DO ESTADO. ART.
37, § 6º, DA CONSTITUIÇÃO. PESSOAS JURÍDICAS DE DIREITO PRIVADO
PRESTADORAS DE SERVIÇO PÚBLICO. CONCESSIONÁRIO OU
PERMISSIONÁRIO DO SERVIÇO DE TRANSPORTE COLETIVO.
RESPONSABILIDADE OBJETIVA EM RELAÇÃO A TERCEIROS NÃO-
USUÁRIOS DO SERVIÇO. RECURSO DESPROVIDO. I – A responsabilidade
civil das pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviço público é
objetiva relativamente a terceiros usuários e não-usuários do serviço, segundo
decorre do art. 37, § 6º, da Constituição Federal. II - A inequívoca presença do
nexo de causalidade entre o ato administrativo e o dano causado ao terceiro não-
usuário do serviço público, é condição suficiente para estabelecer a
responsabilidade objetiva da pessoa jurídica de direito privado. III – Recurso
extraordinário desprovido.
Observa-se que o STF deveria ter fixado tese sobre o tema supra desde 2007,
entretanto, optou pela decretação da perda de objeto do RE 459749/PE que discutia matéria
similar, só voltando a debater a citada questão constitucional em 2009, quando apreciou o RE
591874/MS. Ora, naquela oportunidade o STF deveria ter aceitado a desistência das partes,
sem decretar a extinção do feito. Frustrando a comunidade jurídica e as justas expectativas
sociais, o STF passou quase dois anos (entre 2007 e 2009) para enfrentar novamente o tema,
na contramão da defendida racionalização da justiça.
Adotada a tese aqui defendida, qual seja, a possibilidade de desistência das partes,
no julgamento do Recurso Extraordinário, sem decretação da extinção do processual por
perda de objeto, dando-se seqüência ao julgamento para fins de fixação de tese pacificadora
31 Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/diarioJustica/verDiarioProcesso.asp?numDj=237&dataPublicacaoDj=18/12/2009&incidente=2635450&codCapitulo=5&numMateria=41&codMateria=1 , acesso em 29/08/2010, às 23h40m.
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24
sobre o tema controvertido, haveria uma solução jurídica mais rápida sobre diversos temas de
fundo constitucional, diminuindo-se os efeitos deletérios que o fator tempo32 representa para
um acesso eficaz à justiça.
3.2 A Reclamação Constitucional 4335-AC
No julgamento do HC 82959, em 26/02/2006, incidentalmente, o STF consignou
que era inconstitucional a vedação de progressão de regime àqueles que cometeram crimes
hediondos, declarando a inconstitucionalidade do artigo 2°, § 1°, da lei 8072/90 (lei dos
crimes hediondos), vigente à época do julgamento.
Apesar da manifestação do STF ter sido feita incidenter tantum, tal decisão
passou a ter aplicação prática geral, não se podendo olvidar que a sua extirpação do
ordenamento jurídico independeu de qualquer manifestação do Senado Federal.
Entrementes, em 2007, ocorreu que um juízo de execuções penais, no Acre, negou
pedido de progressão de regime, manejado pela Defensoria Pública, que beneficiaria vários
réus que cumpriam pena de reclusão em regime integralmente fechado pela prática de crimes
hediondos33. A Defensoria Pública, irresignada com a decisão a quo, ingressou com
Reclamação Constitucional (Recl. 4335-5 AC) alegando violação ao que ficou decidido pelo
STF no HC 82959.
O Ministro Gilmar Mendes, relator de referida reclamação, manifestou-se no
sentido da atribuição de eficácia erga omnes à decisão plenária do STF, no julgamento do HC
82959, filiando à interpretação evolutiva, segundo a qual a manifestação do Senado, nos
termos preconizados no art. 52, X, CF, serviria tão somente para dar publicidade às decisões
do Supremo Tribunal Federal.
Em que pese o relevante debate de fundo constitucional, qual seja, a possibilidade
de se atribuir eficácia erga omnes às decisões plenárias do STF, quando exaradas em sede de
controle difuso-incidental de constitucionalidade, a Reclamação 4335-5-AC acabou perdendo
seu objeto, ante a publicação da lei 11464/2007, que expressamente previu a possibilidade de
progressão de regime para os condenados de cometerem crimes hediondos.
Mais uma vez perdeu o STF a oportunidade de fixar, de maneira definitiva, uma
interpretação evolutiva sobre o tema, nos moldes defendido no presente trabalho, de maneira a
garantir que as decisões plenárias do STF tenham eficácia erga omnes, independentemente da
32 CAPPELLETTI, Mauro; BRYANT, Garth. Acesso à Justiça. Trad. Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Fabris, 2002, p. 20. 33 CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Curso de Direito Constitucional. 3ª ed. Salvador: Juspodivm, 2009, p. 321-322.
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forma de controle de constitucionalidade aplicada, seja o controle concentrado ou no difuso.
Infelizmente, o STF terá que aguardar uma nova provocação para rediscutir a possibilidade de
se atribuir eficácia erga omnes às decisões exaradas em sede de controle incidental de
constitucionalidade, independentemente de manifestação do Senado Federal, uma vez que o
arquivamento da Recl. 4335-5 AC se deu antes da fixação de tese pacificadora sobre o tema
constitucional objeto da controvérsia.
Para os constitucionalistas que acompanhavam o julgamento de referida
reclamação só restou a frustração de assistir à decretação de perda de objeto, antes de ser
definitivamente firmada a interpretação evolutiva ora defendida, qual seja, a possibilidade de
se atribuir eficácia erga omnes às manifestações plenárias do STF, em sede do controle difuso
de constitucionalidade, sem a participação anômala do Senado Federal34.
4. Conclusões
1. A existência de repercussão geral como condição de admissibilidade do
recurso extraordinário é prova cabal da racionalização da justiça, uma vez que as matérias,
mesmo no controle difuso-incidental, necessitam ser relevantes para um sem-número de
demandas, não se limitando ao interesse dos litigantes, no processo subjetivo.
2. Por afetar um sem-número de casos similares, é que se defendeu a
impossibilidade de extinção do processo por perda de objeto, em caso de desistência das
partes no processo subjetivo que chega ao STF via recurso extraordinário. Em casos desse
jaez é de se defender a possibilidade de desistência das partes sem decretação de extinção
processual por perda de objeto, dando-se seqüência ao julgamento iniciado para fins de
fixação de tese pacificadora da controvérsia constitucional.
3. A necessidade de repercussão geral para o juízo positivo de admissibilidade do
apelo extraordinário, é sinal indicador de que a manifestação do STF haverá de ser vinculante
e erga omnes, caso contrário, a modificação introduzida pela EC 45/2004 seria inócua, uma
vez que mostra-se contraditório afirmar que a questão constitucional deva ser transcendente e,
ao mesmo tempo, entender que o julgamento da vexata quaestio constitucional deva se limitar
às partes do processo subjetivo.
34 Observe-se que o posicionamento exposto no presente trabalho, no sentido da interpretação evolutiva do art. 52, X, da CF, é objeto de polêmica, sobretudo se considerado o fato do julgamento da Reclamação 4335, ainda não concluído, ter sido alvo de posições divergentes dentro do próprio STF. Em sentido contrário à tese da interpretação evolutiva assaz defendida, destaca-se o posicionamento do ministro Sepúlveda Pertence, segundo o qual permanece hígida a competência histórica do Senado, assinalando que o STF, quando quiser atribuir efeitos vinculantes, em controle incidental de constitucionalidade, poderá se valer da edição de súmulas vinculantes.
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4. O posicionamento defendido no presente trabalho também caminha em direção
à celeridade e ao acesso à justiça, uma vez que a atribuição de eficácia erga omnes e a
vinculação dos juízes de primeiro grau as decisões plenárias do STF que declaram a
inconstitucionalidade das leis, em controle difuso-incidental, fazem com que não se precise
mais manejar novos recursos extraordinários para se obter respostas a questões que já foram
anteriormente apreciadas pelo STF, ante a força vinculante e eficácia geral de seus
precedentes.
5. Como demonstrado no estudo de casos, o STF, na contramão da racionalização
da justiça e de sua função de uniformizadora da interpretação constitucional, já extinguiu
diversos processos em que julgava recursos extraordinários, ante a desistência das partes,
mesmo após admitir a repercussão geral, adiando a fixação de entendimento pacificador em
diversos temas de fundo constitucional, como o fez ao extinguir o RE 459749/PE, só voltando
a enfrentar matéria similar mais de 02 (dois) anos depois do arquivamento de referido recurso,
mediante o julgamento de um novo Recurso Extraordinário, que enfrentou matéria de idêntico
fundo de direito (RE 591874/MS).
6. A resposta direta do STF às matérias de fundo constitucional,
independentemente da participação do Senado, devidamente utilizada, acabaria fortalecendo o
usuário último da norma, o cidadão, que não mais precisaria aguardar, no mais das vezes,
anos entre a manifestação do Supremo e a suspensão da norma pelo Senado, tida como
inconstitucional, no controle incidental de constitucionalidade.
5. BIBLIOGRAFIA
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