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Dedicatória
Dedico este livro a minha família e aos meus amigos que me
incentivaram e deram apoio para que esta obra fosse publicada.
Graças ao meu sonho e muito trabalho que foi determinante em minha
conquista.
Agradeço a todos que direta ou indiretamente ajudaram-me na conclusão
do livro.
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Direitos reservados
Todos os direitos são reservados.
Esta é uma obra de ficção, nomes e fatos não são reais.
Toda e qualquer semelhança será mera coincidência.
É proibida a cópia, reprodução, distribuição, exibição, criação de obras
derivadas e uso comercial sem a minha prévia permissão.
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Sumário
I – O Sítio
II – Desentendimento entre Letícia e o Prefeito
III – Conselho de Maria Aparecida
IV – Letícia resolve vender a Pousada e descobre desfalques
V – Veneranda sente atração por Letícia
VI – Os conchavos políticos
VII – Veneranda seduz Letícia
VIII – As falcatruas na prefeitura
IX – Maria aparecida incentiva Letícia a candidatar-se a Prefeita
X – Inicio das Obras superfaturadas
XI – Maria Aparecida chama Letícia para vir a Lindos Montes
XII – Letícia vence as prévias do partido e é lançada como candidata
XIII – Sai à primeira pesquisa de intenção de votos
XIV – Gilberto é preso pela polícia
XV – Com a queda nas pesquisas o Prefeito em exercício joga sujo
XVI – O prefeito usa a gravação contra Letícia em seu discurso
XVII – Chega o dia das eleições
XVIII – Capitulo Final
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Sitio Três Marias
Capitulo I
Maria Aparecida, Maria de Fátima e Maria de Lourdes são irmãs, são
negras e reside na zona rural da cidade de Lindos Montes, região sul de
Minas Gerais.
Lá elas possuem um sítio chamado Três Marias.
O nome das irmãs deve-se à devoção que sua mãe, uma devota
fervorosa a Cristo, deu o nome às filhas com o nome das Santas a quem
ela mais rezava.
O sítio era tocado pelas irmãs e por alguns funcionários fixos, e outros,
por temporadas.
A irmã mais velha, Aparecida, cuidava da plantação de café arábica de
excelente qualidade; Fátima, a irmã do meio, cuidava da plantação de
cana de açúcar, e Lourdes, cuidava das vacas leiteiras e da queijaria
existente na propriedade.
O café era vendido a uma torrefadora de café da região sul do estado. A
produção de cana de açúcar era dividida em duas partes, uma delas para
fazer rapadura e da outra, era feita uma cachaça artesanal muito
apreciada e bastante consumida na região.
O leite retirado das vacas também era dividido; uma parte era consumida
in natura pelos moradores do sítio e também pelas crianças que ficavam
na creche mantida pelo sítio. Essa creche atendia aos pais carentes da
região que precisavam trabalhar nas lavouras e não tinham com quem
deixar os filhos, e a outra parte do leite ia para a queijaria e era
transformado em diversos tipos de queijo.
Na região elas eram conhecidas também por serem benzedeiras e
rezadeiras.
Todos os finais de semana o sítio era visitado por muitas pessoas; a
maioria vinha para ser benta pelas irmãs, e o restante do pessoal vinha
para comprar os produtos fabricados pelo sítio.
Além de benzedeiras, elas faziam aconselhamentos para as pessoas que
as procuravam.
Um exemplo de conselho foi o pedido de Dona Neuza, uma pequena
comerciante, dona de um pequeno bar na garagem de sua residência e
queria montar um bar maior próximo à praça central da cidade. Foi
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aconselhada a montar uma pastelaria naquele local, uma vez que Dona
Neuza era conhecida pelos deliciosos salgados que fabricava.
Dona Neuza resolveu então abrir a pastelaria e o negócio prosperou em
pouco tempo, tanto é que ela teve que abrir uma segunda loja, pois o
movimento era intenso e já não dava conta de tantos pedidos. Uma vez
por mês ela levava salgados de graça para a creche mantida pelo sítio.
Políticos eram sempre vistos visitando o sítio; eles queriam obter
informações sobre candidatura, se deveriam ou não tentar um cargo
público.
Em uma dessas visitas, o atual prefeito da cidade o Sr. António Moraes
de Azevedo, foi pedir informação sobre sua candidatura à reeleição na
cidade e foi aconselhado por Maria Aparecida a deixar a política, uma
vez que ele vinha fazendo uma má administração e ele seria derrotado
pelo candidato de oposição. Por este motivo o clima esquentou e o
prefeito saiu do sítio praguejando.
O prefeito pensou consigo mesmo:
- Onde já se viu como ela pode dizer uma coisa dessas, que eu estou
fazendo uma má administração? Elas vão ver só, essa fama delas vai se
acabar!
Chegando a seu gabinete na prefeitura, ficou pensando no que fazer
para desestabilizar as três irmãs e ficou absorvido nesse pensamento até
o final do expediente.
No final da tarde o prefeito foi para casa sem saber o que faria em
relação às três irmãs.
Ao chegar a casa, sua esposa e Primeira Dama, Dona Rosana, o
aguardava na sala de visitas e ao vê-lo com cara de preocupado,
preparou uma bebida para ele. Entregou-lhe o copo com a bebida e
perguntou:
- Você parece preocupado, aconteceu alguma coisa?
- Fui ao sítio das irmãs Maria e tive uma conversa com a Aparecida,
Perguntei a ela sobre uma possível reeleição e sabe o que ela
respondeu?
- Não, o que ela disse a você?
- Ela teve a cara de pau de dizer que eu não estou fazendo uma boa
administração na prefeitura, onde já se viu uma coisa dessas?
-Tem razão, meu bem, ela não pode dizer uma coisa dessas, justo agora
que você reformou a praça central da cidade, e olha que ficou uma
graça!
- E a iluminação, você viu como ficou?
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- Nossa, meu bem, a iluminação ficou linda, deve ter custado o olho da
cara!
- Ficou caro, sim, foi feito sem licitação; o pessoal da cidade queria a
iluminação urgente e eu chamei a empresa do meu tio Roberto para
fazer o serviço e, por esse motivo ficou caro, mas você viu que ficou bem
iluminada.
- Nesse ponto você tem razão, a praça ficou bem iluminada.
Assim que Dona Rosana terminou de falar, a campainha da casa tocou e
Dona Maria, empregada da casa, foi atender, Rosana disse a ela:
- Dever ser a Letícia, esposa do vereador Valdomiro, ela me ligou
avisando que vinha para batermos um papo.
- Oi Rosana, tudo bem? Vim ver aquele vestido que você mandou fazer e
pediu para eu vir dar um conselho.
- Olá Letícia, tudo bem, eu estava aqui conversando com António a
respeito da iluminação da praça, de como ela ficou bonita.
- Realmente a praça ficou maravilhosa e muito bem iluminada, mas ficou
muito caro, mas muito caro mesmo.
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Capitulo II
- Vocês não entendem de política. – Disse o Prefeito em tom de
deboche.
- Isso é o que você pensa. Retrucou Letícia em tom desafiador.
António olhou fixamente nos olhos de Letícia e disse:
- Você pode até entender de política, mas saber fazer é outra estória.
- Então você acha que eu não tenho condições de exercer um cargo
publico?
- Exercer cargo um público pode sim, mas não dessa magnitude.
- Um dia veremos isso.
Como a conversa estava ficando meio alterada, Dona Rosana chamou
Letícia para subirem ao quarto, para ver o vestido que a Primeira Dama
usaria na festa de aniversário da cidade, e as duas foram para o quarto.
- Nossa Rosana, que lindo seu vestido! E os acessórios, você comprou
também?
- Claro, me deixa pegar para você ver.
Em poucos instantes, Rosana trouxe um colar de ouro com pequenas
pedras de esmeralda que combinavam com a pulseira e o vestido da
mesma cor.
- Nossa Rosana, é maravilhoso! Você deve ter pagado muito caro!
- Foi um mimo que meu marido me deu.
- Ele não economizou no mimo, mas já vou indo, tenho muita coisa para
fazer, tchau, amiga.
- Tchau, me avisa quando comprar o seu, eu quero ver primeiro.
- Está feito.
Dona Maria acompanhou Letícia até a porta.
- Maria, como vai a sua filha, Regina? Ela está bem? Perguntou Letícia à
Dona Maria.
- Está muito bem, ela até pediu para agradecer aquelas roupas que a
senhora deu, ela achou chique e vai para a faculdade com as roupas que
ganhou.
- Fico feliz que ela tenha gostado! Obrigada por me acompanhar até a
porta.
- Não há de quê, a senhora é sempre muito gentil.
Enquanto isso, Rosana voltou à sala para conversar com seu marido.
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Conversaram sobre vários assuntos até que António, em um tom
debochado, disse à sua esposa:
- Essa sua amiga está se achando.
- Vamos mudar de conversa. Disse Rosana.
- Tem razão, essa conversa não leva a nada, e vê-se que ela não tem
tino político.
- Vamos jantar. Disse Rosana.
- Vamos sim que essa conversa me deu fome.
Os dois foram para a sala de jantar que já estava sendo servido por
Dona Maria.
Jantaram em silêncio, e assim que terminou, o prefeito foi para o
escritório e Dona Rosana foi assistir a sua novela preferida.
Assim que a novela terminou, Rosana foi até o escritório e perguntou ao
seu marido se o mesmo iria subir para dormir. Seu marido estava
conversando com um vereador ao telefone e disse a ela que ela poderia
ir subindo, que logo ele iria também.
Rosana subiu para seu aposento, depois escovou os dentes e ficou de
frente para sua penteadeira escovando seus cabelos; ficou pensando na
conversa entre seu marido e a amiga.
- Se a Letícia se candidatasse, acredito que ela teria uma boa quantidade
de votos, afinal, ela é bem conhecida e muito querida na cidade. –
Pensou ela enquanto passava um creme em seus pés e um hidratante
pelo corpo todo, colocou uma camiseta bem larga e comprida e foi para
cama dizendo:
- Deixa pra lá, vou dormir que é melhor.
Seu marido subiu para o quarto em pouco tempo e tentou falar com sua
esposa, mas ela já havia pegado no sono e dormia profundamente.
No outro dia pela manhã, na zona rural da cidade no Sítio Três Marias,
as irmãs preparavam-se para atender as pessoas que ali chegavam para
serem bentas ou atendidas, pois era um sábado de sol e o movimento no
sítio era grande desde as primeiras horas do dia.
Elas deram-se as mãos e fizeram orações para trazer paz de espírito e
discernimento para as pessoas que procuravam alívio, conforto e
sabedoria para enfrentarem seus problemas.
Uma das pessoas que veio ao sítio para comprar queijos e solicitar que
Aparecida a benzesse, foi Letícia.
- Bom dia, Dona Aparecida, eu vim fazer umas comprinhas e gostaria
que a senhora me benzesse.
- Bom dia Letícia, como vai a senhora?
- Muito bem, obrigada por perguntar.
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- Você quer que eu a benza, não é?
- Isso mesmo, hoje eu não estou me sentindo muito bem, eu dormi bem,
mas continuo com sono, meu corpo está pesado.
Aparecida. Como faz sempre, colocou a mão na cabeça de Letícia fez
várias orações em voz baixa, fez o sinal da cruz na região da têmpora
frontal, outro sinal da cruz na região do queixo e por fim fez o sinal da
cruz em frente ao coração, no peito de Letícia.
Quando ela terminou de benzê-la perguntou se ela estava bem, se ela
estava em paz.
Letícia respondeu afirmativamente e fez uma pergunta:
- Dona Aparecida, hoje a senhora demorou um pouco mais em benzer-
me, há algo errado comigo?
Aparecida respondeu.
- Não, minha filha, não há nada de errado com você, gostaria apenas de
dar-lhe um conselho.
- Sim, Dona Aparecida, pode me dizer.
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Capitulo lll
Tudo o que você fizer, faça com amor, se entregue por inteira, não deixe
o ódio nem o rancor e muito menos a raiva, dominar seus pensamentos;
nunca tome nenhuma decisão precipitada, pese sempre os prós e os
contras, você vai precisar muito disto lá na frente.
- O que a senhora quer dizer com isso?
- Ainda não está muito claro e não posso te adiantar nada, só posso te
dizer para não esquecer minhas palavras, coração na frente de tudo.
- Não é nada de ruim, não é?
- Não, pode ficar tranqüila minha filha, vá com Deus.
- Obrigada, Dona Aparecida, e a senhora, fique com “Ele”.
Letícia saiu do sítio com este pensamento:
- O que será que ela quis dizer com isso, colocar o coração na frente de
tudo? Deu um sorriso, afinal, ela havia dito que não era nenhum
problema.
Ao chegar à sua casa, Letícia ligou para sua amiga Veneranda.
- Veneranda é a Letícia, tudo bem com você?
- Eu sei que é você, Letícia, eu vi o número no meu celular, está tudo
bem, e com você?
- Tudo bem também, nós podíamos tomar um chá hoje à tarde? Preciso
conversar com você.
- Algum problema?
- Não, não é nenhum problema, só quero colocar o papo em dia.
- Pode ser lá pelas quatro horas?
- É perfeito, está marcado então.
Letícia foi até a cozinha e pediu para Dona Elza, empregada da família,
servir o almoço, o que foi feito prontamente.
Enquanto almoçava, Letícia ficou prensando nas palavras de Maria
Aparecida.
- O que será que ela quis dizer faça tudo com amor? Ficou intrigada e
chamou sua empregada.
- Elza, faz um favor, vem até aqui, gostaria de conversar com você um
pouquinho.
Elza veio prontamente atender a patroa.
- Pois não, Dona Letícia, em que posso ajudar?
- Hoje fui lá, ao Sítio Três Marias, para comprar alguns queijos e eu pedi
para a Maria Aparecida me benzer.
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- Que bom que a senhora foi lá, Dona Letícia, eu sempre que posso vou
até lá para comprar alguma coisa ou só para me benzer.
- Então, depois que ela me benzeu ela disse uma coisa que me deixou
intrigada.
- O que ela disse para a senhora?
- Para eu colocar o coração à frente de tudo que eu fizer. O que será que
ela quis dizer com isso?
- Isso eu não sei não, senhora, mas deve ser alguma coisa importante,
se não ela não ia falar isso para a senhora.
- Acho que você tem razão, mas isso me deixou intrigada, bom, deixa
para lá por enquanto.
- Está bem, Dona Letícia, agora me deixa voltar aos meus afazeres.
- Ok Elza, obrigado.
Letícia continuou a almoçar em silêncio.
Após o almoço, Letícia foi ao lavabo escovar os dentes e pentear os
cabelos, lavou o rosto, olhou-se no espelho e foi para sala a fim de
assistir um pouco de televisão para ver as notícias. Assim que terminou,
ela pegou seu notebook e entrou na rede social e passou a ver as
mensagens deixadas por seus amigos; aproveitou para atualizá-lo, e
após ela ficar um tempo entretida com seu computador, sua amiga
Veneranda chegou para o encontro marcado do chá da tarde e ela nem
havia se dado conta.
- Veneranda você já chegou, eu nem a vi chegar! Eu estava tão entretida,
desculpe-me.
- Não tem problema, você pode ficar tranqüila, como vão às coisas, tem
alguma novidade?
- Não muita, hoje fui ao Sítio Três Marias, fiz umas comprinhas e
aproveitei para me benzer.
- Já faz algum tempo que eu não vou lá, também estou precisando
comprar algumas coisas.
- Podemos marcar um dia e vamos lá juntas.
- Boa idéia, qual dia é melhor para você?
- Ah! Veneranda seria bom na semana que vem tipo sexta-feira, o que
você acha?
- Pra mim, está ótimo.
- Eu fui lá e me benzi como eu te disse, e ela me falou uma coisa que
não sai do meu pensamento.
- Puxa vida, amiga, o que foi que ela disse?
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- Ela disse que tudo o que eu fizesse, deveria colocar o coração na
frente. Eu não entendi muito bem o que ela quis dizer, então perguntei se
era alguma coisa ruim e ela disse que não.
- Amiga você está bem com seu marido?
- As coisas vão relativamente bem, por que me fez esta pergunta?
- Como ela disse para colocar o coração na frente de tudo, foi por isso
que eu perguntei.
- Não é isso, ela me disse que alguma coisa não muito clara ainda
estaria para acontecer, mas não era nada ruim.
- Então, não sei, mas se ela falou que não era nenhum problema você
não deveria se preocupar.
- Isso é verdade, vamos deixar isso pra lá, me lembrei de outra coisa, eu
estava na casa do prefeito conversando com a Rosana sobre a
iluminação da praça e não é que o prefeito falou que eu não entendo
nada de política? Isso me deu uma raiva e eu saí de lá furiosa.
- Esse prefeito é muito arrogante, e eu ouvi dizer que ele ia se candidatar
à reeleição.
- A Rosana que me desculpe, mas eu não vou votar nele.
- Muito menos eu.
- Você sabe quanto ele gastou com a iluminação da praça central?
- Você está dizendo aquela, da igreja matriz?
- Sim, esta mesmo.
- Ficou muito caro?
- Ficou mais de dois milhões de reais.
- Não acredito! Só para colocar algumas lâmpadas coloridas, não é
possível uma coisa dessas, ele deve estar louco!
- E tem mais uma coisa, ele disse que o Roberto, tio dele, fez o trabalho
e como foi em regime de urgência, por este motivo ficou caro.
- Nem que ele tivesse que importar lâmpadas ficaria este preço.
- Pois é amiga, depois ele diz que eu não entendo de política. Ele ainda
vai engolir essas palavras, mas vamos mudar de assunto, eu estou
querendo ir para Poços de Caldas para vender aquela pousada que eu
tenho lá.
- Por que você vai fazer isso, Letícia? É uma pousada aconchegante, eu
mesma já fiquei hospedada lá com meu namorado.
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Capitulo IV
- É eu sei, mas precisa fazer algumas reformas e caiu muito o movimento
de turistas que visitam a cidade. Eu fico aqui longe e não consigo ver o
que está acontecendo lá, então resolvi vender.
- Quando você pretende ir lá?
- Eu estou pensando em ir amanhã, você que ir comigo?
- Claro que quero ir, você vai amanhã a que horas?
- Estou pensando em sair cedo, lá pelas oito horas, está bom para você?
- Pra mim, está ótimo, está marcado então.
- Eu passo na sua casa às oito horas, esteja pronta.
- Ok minha amiga, então eu já vou indo para ir preparando algumas
coisas.
- Ok então, até amanhã.
- Até lá.
No outro dia, no horário marcado, Letícia passou na casa da amiga
Veneranda e foram para a cidade de Poços de Caldas.
Chegando à cidade foram direto para a pousada e foram recepcionadas
pelo Senhor Gilberto, gerente do local, que com surpresa e apreensão,
as acomodou no sofá de estar da recepção.
Ao ver a cara de surpresa e apreensão do senhor Gilberto, Letícia
perguntou:
- Algum problema com a pousada, Senhor Gilberto?
- Não, Dona Letícia, por que a pergunta?
- Sua reação a me ver chegando à pousada.
- É que eu fiquei surpreso, afinal, a senhora veio sem avisar, a senhora
quer alguma coisa, uma água, um suco ou um café?
- Não, obrigada, e você, Veneranda, quer alguma coisa?
- Quero sim, me traga um copo de água e um café, por favor.
- Você pode providenciar para nós, senhor Gilberto.
- Claro, já estou indo buscar, só um minutinho, por favor.
Assim que o senhor Gilberto saiu da sala, Veneranda fala para Letícia:
- Você também percebeu que o Sr. Gilberto ficou com uma cara estranha
quando nós chegamos?
- Percebi sim, e foi por isso que eu perguntei para ele se tinha algum
problema, tem alguma coisa errada acontecendo aqui e eu preciso saber
o que é.
E Letícia continuou:
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- Quando ele chegar, você toma a água e o café, pede licença e diz que
vai até o toalete, depois vai dar uma olhada na piscina e aproveitar tomar
um pouco de sol e enquanto você estiver lá, eu converso com ele.
- Ok, deixa comigo.
Assim que o senhor Gilberto voltou com o café e a água, Veneranda
tomou a água e o café rapidinho, pediu licença, saiu e foi sentar-se em
uma das espreguiçadeiras da piscina.
Enquanto isso, quando Letícia preparava-se para falar com o senhor
Gilberto o interfone tocou e ele atendeu rápido não dando tempo para
Letícia entrar no assunto, era um hóspede precisando de um auxilio com
a televisão que não estava funcionando e ele foi até lá para verificar.
Ao ver o senhor Gilberto saindo da sala de estar da pousada, dona Rosa
que é camareira foi até a recepção para conversar com dona Letícia.
- Dona Letícia será que eu posso falar com a senhora em particular.
- Sim dona Rosa pode falar do que se trata.
- Bem, é que é uma coisa muito chata e eu não queria conversar aqui.
- Vamos até o meu escritório e lá conversamos com calma.
Ao chegarem ao escritório dona Rosa foi logo falando.
- Dona Letícia é uma coisa muito chata, mas é meu dever falar para a
senhora.
- Pode falar Rosa, o que está acontecendo?
- A senhora sabe que eu trabalho aqui há mais de dez anos e sempre
cumpri com as minhas obrigações.
- Eu sei disso, Rosa, você não precisava nem me contar; quando eu
estava aqui na pousada, via seu trabalho e ele era muito bem feito, eu
sempre valorizei, não é verdade?
- Claro que sim, mas não é sobre isso que eu quero falar, é sobre o que
vem acontecendo aqui enquanto a senhora não está.
- Então me explica o que está ocorrendo na pousada, na minha
ausência.
- Bom, se a senhora verificar no livro de entrada de hóspedes vai verificar
que só quarenta por cento dos vinte quartos estão ocupados, mas se a
senhora for ver, a ocupação é bem maior, ou seja, temos quatorze
quartos com turistas. A senhora está entendendo o que eu estou
tentando dizer? Não que eu esteja reclamando do meu trabalho, não é
isso, eu tenho medo que a senhora, vendo que a pousada não lhe dê o
lucro que a senhora espera, venha fechar a pousada.
- Você está me dizendo que há muito tempo estou sendo enganada?
- Não sei quanto tempo faz, só estou dizendo para a senhora dar uma
olhada em tudo.
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- Obrigada por me avisar, Rosa, eu vou verificar isso agora mesmo.
- Por favor, não diga que eu disse essas coisas para a senhora.
- Pode deixar Rosa, não vou falar com ninguém que nós tivemos essa
conversa, agora sei por que ele fez cara de poucos amigos quando eu
cheguei aqui na pousada.
- Bom, se a senhora me dá licença, eu vou voltar aos meus afazeres.
- Pode ir, Rosa, muito obrigada.
- Por nada, Dona Letícia.
Dona Rosa saiu e foi arrumar um quarto que faltava para fazer a limpeza.
Assim que a Rosa saiu, Letícia foi até a recepção, olhou nas prateleiras e
encontrou o livro de entrada e saída de hóspedes e constatou que
realmente só estava com oito quartos ocupados.
Quando o senhor Gilberto voltou de verificar a televisão com defeito de
um hóspede, viu Dona Letícia vendo o livro de entrada e saída de
hóspedes e já imaginou o que vinha pela frente. Perguntou:
- Algum problema, Dona Letícia, para a senhora verificar o livro de
hóspedes?
- Não sei, diga-me o senhor se existe algum problema com o livro de
hóspedes.
- Não tem problema nenhum, por que a pergunta?
- Vamos dar uma volta pela pousada e eu te respondo a sua pergunta.
Os dois saíram da recepção e Letícia ia enumerando os quartos
ocupados, e ao final haviam quatorze quartos ocupados.
- Vamos voltar à recepção, Senhor Gilberto, eu acho que temos que
conversar, e o senhor já sabe o teor de nossa conversa.
O senhor Gilberto foi calado até a recepção, pois já imaginava o que iria
acontecer.
Chegando à recepção, Letícia foi verificar no computador as planilhas
dos hóspedes e teve a mesma constatação, somente oito quartos
ocupados e então ela disse ao Senhor Gilberto:
- O senhor tem algo a me dizer sobre isso, Senhor Gilberto? Temos
quatorze quartos ocupados e só temos oito lançamentos no livro, existe
uma diferença de seis ocupações.
- Sabe o que é Dona Letícia, eu ainda não tinha terminado de dar
entrada no livro quando a senhora chegou, o pessoal tinha acabado de
chegar à pousada, por isso ainda não está no livro.
- Senhor Gilberto, não me tome por ignorante, este pessoal não chegou
hoje eles já estão aqui há alguns dias, e o senhor teve todo o tempo do
mundo para atualizar o livro.
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Letícia pediu licença para o Senhor Gilberto para sair do escritório e
pediu para que ele a aguardasse lá.
Ela foi até a piscina, chamou sua amiga Veneranda e pediu para ela
chamar os hóspedes para uma reunião rápida, na sala de TV da
recepção.
Veneranda perguntou o que estava acontecendo e Letícia disse que
depois daria os detalhes para a amiga.
Veneranda foi aos quartos, à piscina e aos lugares comuns da pousada e
chamou os hóspedes para a reunião conforme o pedido de sua amiga.
Em poucos instantes, todos estavam acomodados na sala da recepção e
Letícia, acompanhada do Senhor Gilberto, chegou logo em seguida,
Desculpou-se pelo incômodo, mas precisava tirar algumas dúvidas.
Ela estava com uma prancheta nas mãos com algumas fichas
preenchidas e algumas em branco; ela disse que iria chamar alguns
nomes para conferência.
O primeiro nome a ser chamado foi o Senhor Humberto. Letícia pegou a
ficha dele e entregou-a a fim de que ele verificasse se todos os dados
estavam corretos.
Ele leu a ficha e disse que estava tudo ok. Ela agradeceu e disse que ele
já estava dispensado e pediu para que ele aproveitasse bem o dia.
O segundo a ser chamado foi o Senhor Renato que também fez a
mesma coisa que o senhor Humberto. E assim foi feito com todos os
hóspedes que estavam com a ficha preenchida no livro de hóspedes da
pousada.
Nesse momento só sobraram às pessoas que não constavam no livro.
Letícia dirigiu-se a um casal sentado em um canto da sala e perguntou o
nome a eles, que prontamente se identificaram.
- Meu nome é Leandro Carlos da Silva e minha esposa chama-se
Adriana Gomes da Silva; nós estamos aqui em lua de mel.
- Vocês preencheram a ficha de entrada da pousada?
- Sim, na quinta feira, quando chegamos fizemos as fichas e entregamos
ao Senhor Gilberto.
- Desculpe-me, mas o Senhor Gilberto deve ter perdido as fichas. Será
que seria possível você preenchê-las novamente?
- Sim, claro sem problemas.
Letícia entregou a ficha para o casal para ser preenchida e perguntou de
uma maneira bem sutil ao casal:
- Desculpe-me perguntar, mas como será a forma de pagamento que
vocês irão fazer? Isso é só para constar em sua ficha, para quando
vocês voltarem em outras oportunidades irá receber descontos.
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- Nós já pagamos e foi à vista. Depois do casamento houve uma festa e
no final, o pessoal cortou minha gravata. O pessoal dava dinheiro por um
pedaço e como não queríamos ficar com muito dinheiro em espécie, nós
pagamos à vista por uma semana de estada na pousada.
Com muita perspicácia, Letícia disse ao casal:
- O Senhor Gilberto concedeu desconto para pagamento à vista para
vocês?
- Sim, ele nos deu cinco por cento de desconto no valor total.
Letícia agradeceu o casal, pegou a ficha que eles haviam acabado de
preencher e disse que eles poderiam voltar a desfrutar da pousada, e
desculpou-se pelo incômodo.
A mesma coisa aconteceu com o Senhor Adalberto e sua esposa Irene.
E quando lhe foi perguntado sobre a forma de pagamento, eles
informaram que havia sido pago com cheque.
O mesmo aconteceu com o Senhor António e Dona Emília, um casal de
idosos que estavam na pousada há quase uma semana e também havia
pagado em cheque.
Estes também preencheram a ficha e também foram liberados por
Letícia.
Ainda restavam três quartos. Letícia dirigiu-se a uma moça que estava
em um canto da sala e perguntou:
- Qual seu nome?
- Bruna Almeida.
- Bruna, você preencheu a ficha?
- Não, eu sempre venho com meu namorado à pousada, nunca precisei
preencher a ficha.
E continuou:
- Acho que é o mesmo que acontece com você, não é Gisele? E apontou
para uma moça que também aguardava para ser indagada.
E com um movimento afirmativo com a cabeça, Gisele concordou com a
amiga e disse:
- O Senhor Gilberto me conhece desde pequena porque sou amiga da
sobrinha dele, então, acho que nem é preciso preencher a ficha, acho até
uma perda de tempo.
Letícia pediu para que eles aguardassem um pouco mais para ouvir a
uma senhora que estava impaciente.
Então, por último, Letícia dirigiu-se para uma senhora de meia idade e
perguntou o nome e a mulher respondeu:
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- Meu nome é Cláudia, e olha meu bem, eu sou amiga do Senhor
Gilberto. Ele sempre me chama quando a pousada está com pouco
movimento, para passar uns dias com ele.
Letícia lançou um olhar furioso sobre Cláudia, mas relevou, ela era
apenas uma convidada do Senhor Gilberto. Ela agradeceu e liberou-a
para voltar ao seu quarto. Fez o mesmo com a sobrinha dele o
namorado.
Letícia disse ao Senhor Gilberto que ouviu a tudo calado:
- Agora que estamos a sós, o que o senhor tem a me dizer, Senhor
Gilberto?
Ele sentou-se frente a frente com Dona Letícia, mas ficou cabisbaixo sem
dizer uma palavra.
Letícia foi ao computador, entrou no site de seu banco e fez uma
verificação no extrato bancário da conta-corrente. Verificou que não
havia nenhum lançamento a crédito dos hóspedes que haviam pagado
antecipadamente, a favor da pousada.
Letícia imprimiu e mostrou o extrato de conta corrente ao Senhor Gilberto
e então disse:
- Está vendo, Senhor Gilberto? Foram feitos alguns pagamentos
antecipados e nenhum deles está depositado na conta da pousada e isto
é um crime; chama-se apropriação indébita. Eu deveria chamar a polícia,
e não contente com isso o senhor ainda colocou pessoas nos quartos
sem que tivessem preenchido uma ficha. E se acontecesse alguma coisa
com a pousada, como eu iria responder para o seguro?
Senhor Gilberto, ainda com a cabeça baixa e visivelmente constrangido,
assumiu os erros cometidos e então disse:
- Desculpe-me, Dona Letícia, mas eu não tenho explicação para os fatos,
se a senhora quiser me demitir eu irei compreender.
- Senhor Gilberto, como o senhor sabe isso é caso para demissão por
justa causa, eu até deveria chamar a polícia, mas vou fazer um acordo
com o senhor, vou aceitar um pedido de demissão por escrito de próprio
punho e você me entregará na frente de duas testemunhas. Eu vou
deixar os hóspedes que pagaram antecipado ficarem até o final do tempo
acertado, uma vez que eles não são culpados do ocorrido; agora, quanto
a sua sobrinha e suas amigas, elas deverão pagar pela estada ou
descontarei do que o senhor tem para receber de indenização.
- Tudo bem, Dona Letícia, eu concordo com a senhora e mais uma vez
peço desculpas pelo ocorrido; a senhora sempre foi tão generosa comigo
e eu cometi um erro imperdoável. Quando eu poderia voltar para receber
os meus direitos?
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- Bom Senhor Gilberto, hoje é dia dez. Vou pedir para o pessoal do
escritório de contabilidade fazer os cálculos e acredito que o senhor
possa receber sua indenização dia dezessete, e lá mesmo no escritório
eu faço o pagamento. Só mais uma coisa, o senhor pode fazer a carta de
demissão agora, por favor?
- Posso sim, senhora, vou fazer agora mesmo.
- Então vou chamar duas testemunhas, apenas para que não haja
dúvidas, o senhor pode aguardar um minuto que eu vou chamá-las?
Enquanto isso, o senhor pode ir preenchendo a carta.
O Senhor Gilberto pegou uma folha de papel timbrado e pôs-se a redigir
a carta de pedido de demissão. Letícia foi até a recepção e chamou sua
amiga, Veneranda. Pediu para que esta chamasse a camareira Rosa,
para irem até o escritório da pousada.
Quando as duas chegaram ao escritório, Letícia disse:
- Vocês me desculpem por tê-las chamado. O Senhor Gilberto está
pedindo demissão e eu queria que as duas testemunhassem o fato.
O senhor Gilberto entregou a carta de demissão, Letícia leu-a em voz
alta e entregou a carta às duas testemunhas, para verem o conteúdo da
mesma.
Letícia aceitou o pedido de demissão do Senhor Gilberto e disse:
- Bom, acho que está tudo certo, o Senhor pode pegar suas coisas
pessoais e particulares e sair, e no dia dezessete pode ir ao escritório de
contabilidade para receber sua indenização.
O Senhor Gilberto pegou seus pertences pessoais e os colocou em uma
caixa de papelão, despediu-se dos presentes e foi embora calado.
Neste mesmo dia, um pouco mais tarde, a sobrinha, o namorado e as
amigas do senhor Gilberto fecharam as contas e foram embora da
pousada.
No final da tarde, Letícia conta para Veneranda detalhes dos fatos
ocorridos na pousada.
Veneranda ficou pasma e comentou:
- Você deveria chamar a polícia e mandar prender esse homem. Não
acredito que ele foi capaz de fazer uma coisa dessas!
- Veneranda, eu também pensei em fazer isso, mas resolvi não fazê-lo;
como estou pensando em vender a pousada, isso poderia ser
propaganda negativa, uma vez que a pousada é muito bem conceituada
aqui na região.
- Você tem razão, Letícia, eu não tinha pensado por este lado.
- Amanhã vamos a uma imobiliária, vou pedir uma avaliação da pousada
e colocá-la à venda.
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- Vamos lá sim, amanhã, você tem algum valor em mente?
- Tenho sim, mas como o Senhor Gilberto omitia alguns hóspedes então
o preço vai ficar um pouco abaixo do que eu imagino.
- Você tem razão, esse homem aprontou muito, você não acha?
- Acho, mas agora o melhor é esquecê-lo e tocar pra frente, vamos
deixar essa estória pra lá. Vamos jantar?
- Eu também já estou com fome.
- Eu pedi para a Rosa limpar um quarto para nós. Tem algum problema
para você se nós ficarmos no mesmo quarto?
- De jeito nenhum, é até melhor, assim poderemos conversar um pouco.
- Então vamos lá, quero aproveitar para tomar um banho porque hoje foi
um dia daqueles.
- Vamos porque eu também quero tomar um banho e trocar de roupa,
esta já está grudada no corpo.
As duas foram para o quarto a fim de tomarem um banho e trocarem de
roupa e irem jantar.
Já instaladas no quarto, Letícia perguntou para Veneranda:
- Você fica com a cama da direita ou da esquerda?
- Qualquer uma, pra mim tanto faz, direita ou esquerda.
- Bom, então eu fico com a da esquerda que fica mais próximo do
toalete, porque eu, no escuro, vivo tropeçando.
- Pode ficar com ele, então.
- Veneranda você quer tomar banho primeiro?
- Vá você primeiro, eu espero.
Letícia foi ao banheiro, tirou a roupa e foi para o chuveiro; abriu os
registros da água e os regulou para uma temperatura morna. Ficou
parada por um instante deixando a água escorrer por todo seu corpo;
lavou os cabelos e os enxaguou e logo após passou condicionador.
Enquanto passava esponja com sabonete pelo corpo, sua amiga,
Veneranda veio até a porta da toalete e perguntou:
- Amiga você trouxe hidratante?
- Trouxe sim, mas você não vai passar creme antes do banho não é?
- Claro que não, eu estava organizando minhas coisas quando percebi
que não havia trazido o meu.
- Sem problemas, pode usar o meu à vontade.
- Obrigada. Letícia, eu posso dizer uma coisa?
- Claro, fala.
- Você está com um corpinho com tudo em cima.
- Obrigada, ainda bem porque isso é reflexo de uma alimentação
balanceada e muita malhação.
22
- Eu também preciso malhar, mas eu sou muito preguiçosa.
- Quer entrar na academia que eu faço? Aí nós poderemos ir juntas.
- Boa idéia, nós vamos fazer isso assim que voltarmos.
Letícia terminou seu banho, enrolou-se em uma toalha e voltou para o
quarto a fim de enxugar-se. Enquanto isso, Veneranda foi para o banho e
ela já estava no banho quando foi à vez de Letícia vir até a porta da
toalete e perguntar:
- Veneranda, onde você deixou o hidratante?
- Deixei sobre o criado mudo, desculpe-me por não colocar de volta junto
a suas coisas.
- Não faz mal, agora a pouco você falou que eu estava com o corpo em
forma, mas você está com um corpinho de causar inveja para muita
menina nova.
- Menos amiga, menos.
- Ah, ah, ah! Veneranda, você é demais!
Enquanto Veneranda terminava de tomar banho, Letícia passou
hidratante pelo corpo, vestiu uma camiseta e uma calça jeans.
Assim que Veneranda se enxugou, ela passou hidratante pelo corpo,
vestiu calça legging e uma camiseta e disse:
- Vamos jantar agora me deu fome.
- Então vamos lá, eu também estou com fome.
As duas foram para o restaurante da pousada, pediram salada mista,
batata souté, filé de frango grelhado e legumes na manteiga.
Enquanto jantavam, conversaram sobre diversos assuntos até que em
determinado momento, Veneranda perguntou para Letícia sobre o sítio
Três Marias.
- Letícia, eu estava pensando no que você havia me falado, sobre
colocar o coração na frente de tudo, conforme indicação da Maria
Aparecida. Foi isso que você fez em relação ao Senhor Gilberto?
- Não, eu não tinha nem pensado nisso, só se foi inconsciente, mas foi
sem querer.
- Mudando de assunto, está muito bom o jantar, a cozinheira é muito boa.
- É a Odete, que trabalhava lá na minha casa. Você se lembra dela? Ela
morava em Lindos Montes e ia se mudar para Poços de Caldas. Eu
aproveitei e perguntei para ela se aceitaria trabalhar aqui na pousada, e
ela aceitou.
- A Odete é aquela baixinha com cara de brava, que eu brincava com
ela?
- É ela mesma.
- Puxa, que legal, ela é boa cozinheira mesmo, hein?
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- Tem razão, por isso eu não quis perdê-la, ela cozinha muito bem. Bom,
eu já terminei o jantar.
- Eu também já terminei. Você sabe que horas são?
- Já são oito horas e trinta e cinco minutos, por quê?
- Porque está quase no horário da novela, você está acompanhando?
- Mais ou menos, de vez em quando eu assisto. Você está
acompanhando?
- Eu estou, vamos lá à sala assistir um pouco de TV.
- Vamos lá que eu quero ver as notícias do dia.
As duas foram para a sala de TV assistir as notícias e a novela e em
seguida, Letícia chamou a amiga Veneranda para irem dormir.
As duas foram para o quarto e começaram a trocar de roupa. Veneranda
perguntou à Letícia:
- Letícia, quem vai gerenciar a pousada na falta do Senhor Gilberto?
- Ainda não pensei nisso, você tem razão, preciso por alguém no lugar
dele.
- Eu estava pensando ficar aqui na cidade por um tempo, eu poderia
tomar conta para você até você vender.
- Você faria isso, ficaria aqui até eu vender?
- Só preciso voltar para Lindos Montes para pegar algumas roupas,
trazer meus cremes e perfumes e objetos pessoais.
- Então está combinado, e depois nós acertamos salário e essas coisas
todas, mas só uma pergunta... Você não está namorando o Sérgio?
- Estava, mas eu terminei, agora quero dar um tempo, estávamos
brigando muito e eu preferi terminar.
- Mas você gostava tanto dele.
- E ainda gosto, mas ele é muito ciumento, fica marcando em cima, até
com minhas amigas do Face book ele ficava se metendo, e aí eu cansei.
- Puxa que chato vocês formavam um belo casal.
- Eu sei agora o melhor é esquecer.
- Você é quem sabe, boa noite, Veneranda.
- Boa noite, Letícia.
Veneranda estava eufórica com a possibilidade de trabalhar como
gerente da pousada que adormeceu rápido; Letícia por sua vez,
demorou-se um pouco para dormir mesmo ela estando cansada pela
viagem e o estresse da demissão do Senhor Gilberto. Já era madrugada
quando ela finalmente pegou no sono e em pouco tempo estava
dormindo profundamente. Começou a sonhar com Maria Aparecida, e em
seu sonho ela veio até a pousada. Letícia perguntou a ela o que ela quis
24
dizer com colocar o coração à frente de tudo. Maria Aparecida sorriu e
disse:
- Calma, você logo saberá, visite-me mais vezes no sítio e aos poucos
você terá ciência do que deverá fazer.
O sono de Letícia foi um pouco conturbado; ela se remexeu bastante na
cama até a alta madrugada quando conseguiu relaxar um pouco e o
sono foi mais calmo.
Letícia acordou bem cedo e foi à toalete, lavou o rosto, escovou os
dentes e foi tomar um banho; abriu a ducha e deixou a água correr pelo
corpo pensando sobre o sonho e achou melhor ter calma e esperar os
acontecimentos. Quando terminou seu banho, enxugou-se e colocou
uma calça jeans e camiseta e saiu da toalete com uma toalha enrolada
nos cabelos e viu que sua amiga estava acordando.
- Acorda preguiçosa, hoje temos muita coisa pela frente.
- Nossa, acho que dormi demais, eu devia ter colocado o celular para me
despertar.
- Não é tão tarde assim, vai lá tomar um banho enquanto eu termino de
secar os cabelos.
- Então vou rapidinho para não te atrasar.
Veneranda foi à toalete enquanto Letícia secava os cabelos, e em pouco
tempo Veneranda estava de volta ao quarto e colocou calça jeans e
camiseta e Letícia brincou com ela:
- Vamos cantar aonde?
- Nossa! – Nem tinha percebido, colocamos a roupa igual, só o tom da
cor da camiseta que é diferente.
- Vamos indo, me indicaram a Vivalar Negócios Imobiliários que é bem
conceituada aqui na região.
- Então vamos nessa, eu já estou pronta.
- Vamos tomar um café primeiro antes de sairmos.
- Boa idéia, eu sou péssima quando fico sem comer nada.
Elas dirigiram-se até o restaurante, comeram apenas alguns pedaços de
frutas, voltaram ao quarto, escovaram os dentes e saíram para a
imobiliária.
Chegando lá, elas foram recepcionadas pelo corretor de imóveis, o
senhor João Luiz, um homem calvo e baixo e um pouco obeso e com voz
calma, perguntou-lhes em que poderia ajudar.
Letícia cumprimentou-o, fez a apresentação de ambas e foi direta ao
assunto.
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- Estou vendendo minha pousada que fica aqui na cidade, não sei se o
senhor conhece... Chama-se A Pousada do Sossego e gostaria que o
senhor fizesse a avaliação.
- Conheço sim, é aquela que fica no alto da colina Monte Verde, ela é
cheia de árvores ao redor.
- Sim, é esta mesma.
- Muito boa ela, é bem conhecida da região, já virou até ponto de
referência, mas posso perguntar por que a senhora está vendendo?
- Eu moro na cidade de Lindos Montes, não dá para vir e voltar todos os
dias, e fica difícil de administrar de lá, por isso decidi vendê-la.
- Podemos ir até lá para fazermos uma primeira avaliação?
- Sim, se o senhor quiser, podemos ir com meu carro.
- Não, obrigado, eu vou com meu carro, assim a senhora não precisa
voltar aqui.
- Não seria incômodo algum, vamos lá então.
- Vamos.
Foram todos para a pousada e chegando lá, o senhor João Luiz foi
verificar as acomodações, o terreno, o restaurante, a cozinha e assim fez
em todas as instalações da pousada; por fim pediu para verificar a
contabilidade para saber o faturamento da empresa e toda
documentação correspondente à mesma.
Letícia informou que isto poderia ser conseguido com a Conta
Contabilidade, ela faria a solicitação da documentação e o Senhor João
Luiz poderia ir retirar lá.
E assim fez Letícia, ligou para o senhor Homero proprietário da Conta
Contabilidade e fez o pedido da documentação necessária, e informou
também que o senhor João Luiz da imobiliária iria ir retirar os
documentos.
O senhor Homero, por sua vez, informou que iria levantar todos os dados
e providenciaria para que o Senhor João Luiz fosse retirar toda
documentação em três dias úteis.
Ela informou que ele iria precisar levantar também o faturamento dos
últimos doze meses.
O Senhor Homero informou que estes balanços também estavam
inclusos no prazo que ele havia passado.
Letícia agradeceu ao Senhor Homero a rapidez com que ele efetuaria o
levantamento, e disse ao senhor João Luiz que poderia retirar
diretamente com o senhor Homero no prazo de três dias úteis.
O senhor João Luiz disse a Letícia:
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- Assim que eu tiver em mãos a documentação da contabilidade, farei a
avaliação bem rápida.
O Senhor João Luiz despediu-se de ambas e foi embora; já era quase
hora do almoço quando ele saiu e Letícia disse para Veneranda:
- Eu já estou com fome, vamos almoçar.
- Eu também estou com fome, que horas são?
- Já é uma hora da tarde.
- Vamos almoçar então.
- Depois do almoço nós podemos voltar para Lindos Montes.
- Está tão bom aqui que eu não voltaria tão cedo para lá, não quero ver a
cara do Sérgio tão cedo.
- Nossa, amiga, que raiva é essa?
- Deixa pra lá, chegando a Lindos Montes só vou arrumar uma mala e
amanhã mesmo volto pra cá e fico tomando conta da pousada até você
vender.
- Tudo bem pra você mesmo? Não vai ter nenhum problema?
- Claro que não, fique tranqüila, vai ser ótimo passar uma temporada
aqui.
- Só que eu vou pagar um salário para você.
- Não precisa de nada disso, amiga, será um prazer ficar aqui.
- Não senhora, você vai precisar de dinheiro para seu dia a dia, não vai
trabalhar de graça de jeito nenhum.
- Bom você é quem sabe, para mim não teria problemas.
Foram as duas ao restaurante da pousada, pediram uma salada mista.
Letícia pediu filé de frango grelhado e Veneranda pediu salmão grelhado,
e quando acabaram de almoçar foram para o quarto arrumar as coisas
para voltarem para Lindos Montes.
As duas ficaram sentadas em suas respectivas camas arrumando as
malas para voltarem; enquanto faziam isso, ficaram conversando sobre
amenidades do dia a dia.
27
Capitulo V
Letícia levantou-se, foi até o toalete, escovou os dentes, tirou a roupa e
foi tomar um banho.
Veneranda foi logo depois. Enquanto Letícia tomava o banho, Veneranda
escovou os dentes e também tirou a roupa e ficou em pé em frente ao
box onde Letícia se banhava. Passou a observá-la atentamente.
Ao perceber que Veneranda a observava, Letícia perguntou:
- Está olhando para ver se eu tenho celulite?
- Ai, desculpa amiga, foi sem intenção, eu estava pensando em outra
coisa e nem me dei conta. Disfarçou.
Letícia terminou de tomar banho, enrolou-se em uma toalha e saiu do
box, e enquanto ela se enxugava, foi a vez de Veneranda tomar banho.
Letícia vestiu-se e foi terminar de arrumar a mala. Assim que Veneranda
terminou de tomar banho, fez o mesmo, vestiu-se e fechou a mala que já
estava pronta. Letícia disse:
- Podemos ir.
- Vamos lá, Letícia, eu já estou pronta.
Letícia e Veneranda foram à recepção e encontrou a Senhora Rosa,
camareira da pousada. Letícia disse a ela:
- Rosa, eu e Veneranda já estamos indo para Lindos Montes e gostaria
de informar que a Veneranda irá voltar amanhã e passará a cuidar da
pousada como gerente. E continuou:
- Eu estou pensando em vender a pousada, mas você fique tranqüila, eu
irei recomendar você ao novo proprietário, e se ele não quiser ficar com
você, eu mesma vou colocar você em outro hotel ou pousada de amigos
que eu tenho relacionamento.
- Que pena que a senhora vai vender Dona Letícia, eu gosto muito de
trabalhar aqui e a senhora é uma excelente patroa.
- O tempo dirá se eu vou vendê-la mesmo, e gostaria de agradecer o que
você fez pela pousada, e eu vou te dar um aumento de salário para
recompensar sua atitude.
- Nossa Dona Letícia, eu é que tenho que agradecer.
Letícia e Veneranda despediram-se do pessoal da pousada e voltaram
para a cidade de Lindos Montes, já no meio da tarde.
Elas foram conversando sobre os acontecimentos e assim a viagem foi
bem rápida. No final da tarde chegaram a Lindos Montes e Letícia deixou
Veneranda em sua casa. Letícia, antes de ir embora, perguntou:
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- Amanhã você vai direto para Poços de Caldas ou vai passar em minha
casa antes de ir?
- Eu vou passar em sua casa antes de ir, pode ser que você se lembre
de algum detalhe que possa me dizer.
- Ok então, até amanhã, vou ver se como alguma coisa ou tomar um
suco antes de dormir porque eu estou exausta.
- Eu também estou cansada, até amanhã.
Letícia chegou a sua casa e encontrou seu marido Valdomiro assistindo
TV e falando ao telefone com o senhor António, prefeito da cidade. Ele a
viu chegar e fez um sinal que logo desligaria e ela ficou ali, parada,
ouvindo a conversa. No final ele disse:
- Certo, amanhã conversamos sobre isso, vai ter comissão para votar a
favor, não é?
O Prefeito concordou, e Valdomiro disse:
- Então está bom, conversamos amanhã.
- Que estória é essa de comissão na câmara que você estava falando
com o prefeito? Indagou Letícia.
- Nada não, você não entende disso, isso é política, meu bem.
E ele veio até Letícia e beijou-a na face.
- Agora você também vem me dizer que eu não entendo de política, só
porque eu sou mulher, não entendo nada de política.
- Não foi isso que eu quis dizer, meu bem, é que tem coisas que você
não precisa saber.
Letícia respondeu de maneira desafiadora.
- O quê, por exemplo? Aceitar propina em troca do voto, aceitar
comissão de empreiteira do tio do prefeito que vence a concorrência
pública de forma fraudulenta? É isso que você chama de fazer política?
- Calma, meu bem, não precisa ficar nervosa, só estou fazendo política
do jeito que ela é.
- Não! – Você está fazendo política do jeito que você quer, da maneira
que lhe convém, e isto não é política!
- Vamos deixar este assunto para outra ocasião, e mudando de assunto,
como foi lá na pousada? E o meu amigo Gilberto, aquele que eu arrumei
emprego?
Em tom irônico, Letícia respondeu:
- Estava fazendo política igual a você, e eu o demiti.
- Como assim? Não entendi.
- Eu o demiti porque entravam hóspedes na pousada e ele não
contabilizava uma boa parte, ou seja, roubando.
- O que é isso? Eu não esperava uma coisa dessas dele!
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- Deixa pra lá, agora já foi, vou tomar um banho comer alguma coisa e
vou dormir, estou morrendo de dor de cabeça.
- Está bem, boa noite, querida.
- Boa noite.
Ela deu um selinho nele e saiu da sala e foi para o seu aposento.
Assim que Letícia saiu, Valdomiro ligou para o Senhor Gilberto e disse:
- Gilberto, sou eu, o Valdomiro, como você se deixou apanhar assim?
- Seu Valdomiro, ela chegou sem avisar que vinha e o senhor não me
ligou avisando, não deu tempo de fazer nada.
- Agora ficamos nós dois sem esse dinheiro extra, fica de bico calado,
hein, Gilberto?
- Pode deixar, eu não falei nada para ela que uma parte disso ia para o
senhor.
- Vou ver se eu arrumo um emprego para você de assessor parlamentar
aqui em Lindos Montes, e você nem precisa vir, eu mando uma parte do
salário pra você.
- Tudo bem então, Valdomiro, outra hora conversamos pessoalmente.
- Até logo, Gilberto.
- Esse aí não aprendeu nada, nem levar um por fora ele sabe, e a outra
aí, acha que entende tudo de política só porque é casada com um.
Pensou em voz alta Valdomiro.
Em seu quarto, Letícia tirou a roupa e foi para o chuveiro; abriu-o e
deixou a água cair sobre seu rosto. Ela ficou ali, parada por um tempo,
deixando a água escorrer pelo corpo todo a fim de remover toda raiva,
todo nervosismo dos últimos acontecimentos. Tomou um banho
demorado, desligou o chuveiro e enrolou-se em uma toalha e colocou
uma toalha menor em seus cabelos; foi para o quarto e sentou-se na
beirada da cama; ficou ali, parada por uns instantes pensando na
conversa que teve com o prefeito e também com a conversa que teve
com seu marido; fez um gesto negativo com a cabeça e procurou
esquecer; terminou de enxugar-se, secou seu cabelo com secador,
colocou uma camisola e seu hobe e desceu para comer algo.
Chegando à cozinha, ela abriu a geladeira e viu o conteúdo da mesma,
pegou um iogurte e fechou a geladeira, olhou para o vidro com granola e
decidiu comer iogurte com granola.
Quando Letícia se preparava para subir para o seu aposento, viu a porta
do escritório de seu marido entreaberta e com a luz acesa, ela foi até lá.
Quando já estava quase entrando, viu que seu marido estava fazendo
uma ligação no celular. Ela ficou do lado de fora ouvindo a conversa, pois
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já era um pouco tarde para ele estar ligando para alguém e ouviu o que
não queria ouvir.
- Oi Sandra, sou eu, o Valdomiro, estou te ligando porque estou com
muita saudade sua, não agüentava mais esperar, eu fiquei esperando a
Letícia dormir para te ligar.
- Oh Mirinho, eu também estava com muita saudade de você, quando
nós vamos poder ficar juntos para sempre, sem precisar ficar ligando
furtivamente?
- Logo, meu bem, assim que passarem as eleições, eu peço o divórcio
para Letícia.
- Quando que nós vamos nos ver de novo?
- Estou pensando ir amanhã aí, logo após a seção da Câmara.
- Está bem, estarei te esperando amanhã à tarde, então.
- Um beijo, meu bem.
- Um beijo, Mirinho.
Letícia afastou-se com rapidez para que seu marido não a visse sair e foi
para seu quarto quase chorando, não podia acreditar no que tinha
ouvido.
Chegando a seu quarto, Letícia escovou os dentes e foi para cama e
fingiu que dormia, a raiva era evidente, mas ela pensou consigo mesma:
– Vou tirar essa estória a limpo, deixa comigo.
Seu marido demorou-se um pouco a subir para o quarto e quando olhou
para Letícia, achou que ela estava dormindo; deitou-se e dormiu
também.
No outro dia pela manhã, quando acordou, Valdomiro não encontrou
Letícia em sua cama. Ele levantou-se, foi tomar banho, colocou seu terno
e desceu para a copa para o café da manhã. Lá chegando, encontrou
Letícia que estava terminando de tomar seu café e perguntou a ela:
- Acordada logo cedo?
- Não dormi muito bem esta noite.
- Eu dormi igual a um anjo.
- Me poupe de suas ironias.
- Nossa você já acordou com essa raiva toda!
- Eu nem dormi essa noite.
- Por quê?
- Eu estava com enxaqueca.
- Quando eu fui dormir, olhei para você e me pareceu que você que você
dormia tranqüila.
- Apenas parecia, meu bem.
- Eu vou indo, que hoje vai ter votação na Câmara.
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Valdomiro saiu rapidamente de sua casa e nem se deu conta que havia
esquecido seu celular carregando no escritório.
Assim que ele saiu de casa, Veneranda chega à casa de Letícia para
uma conversa, antes de ir para a cidade de Poços de Caldas.
- Bom dia, Letícia. Que cara é essa? Parece que não dormiu muito bem,
está com olheiras. Aconteceu alguma coisa? Estou indo para Poços de
Caldas, lá na pousada.
- Bom dia, Veneranda, nem te conto, aconteceu sim, mas isso eu vou
resolver logo, não precisa ficar preocupada, você está indo para a
pousada e já conhece tudo e todos, eu tenho certeza que fará uma ótima
administração, só não se esqueça de falar com o contador para dar um
aumento de salário para a camareira Rosa.
- Você pode ficar tranqüila, eu vou fazer isso assim que chegar lá.
- Vá com Deus, amiga, se cuida lá e boa sorte, vamos conversar
diariamente. Tudo bem para você?
- É perfeito, ligo para você sempre no final da tarde.
- Está bem, então, tchau.
- Tchau, amiga.
Veneranda foi embora e Letícia foi sentar-se no escritório, para pensar
um pouco na conversa do seu marido com a tal de Sandra. Chegando lá,
se deparou com o celular do marido que estava carregando a bateria; ela
pegou-o e começou a verificar as chamada que seu marido havia feito no
dia anterior. Para sua surpresa, nele constavam as ligações feitas para o
Senhor Gilberto e um número desconhecido, que deveria ser da tal
Sandra.
Ela pegou e discou o número do Senhor Gilberto primeiro. Assim que
este atendeu, disse:
- Valdomiro, no dia dezessete eu vou pegar meus documentos lá no
escritório de contabilidade e vou levar para o Senhor, para registrar-me
como assessor parlamentar como o senhor disse ontem. Está bom para
o senhor?
Letícia fez um esforço para mudar a voz e tentou imitar a voz do marido e
disse apenas:
- Está bom, tchau.
- Tchau, Seu Valdomiro.
Letícia estava incrédula, não podia acreditar no que estava acontecendo,
seu marido era um canalha! Pensou ela.
Logo em seguida ligou para o outro número que estava no celular.
- Oi Mirinho, está com saudades mesmo, hein? Ligando logo cedo... Não
vai à prefeitura hoje?
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Letícia mais uma vez tentou imitar a voz do marido e disse em poucas
palavras:
- Só liguei pra deixar um beijo para você.
- Então, está bem, até de tarde.
- Até lá.
Letícia desligou o telefone, limpou-o com um paninho e o deixou
carregando sobre a mesa conforme estava, e foi para a cozinha.
Em seguida, Valdomiro voltou, entrou em casa, foi até o escritório pegar
o celular que havia esquecido.
Letícia o viu e perguntou:
- O que aconteceu? Não vai ter votação hoje? Desconversou ela,
fingindo não ter visto o celular.
- Não, eu esqueci meu celular, ele estava carregando a bateria lá no
escritório.
- Está bem, tchau, meu bem. Disfarçou.
Ele foi embora e nem percebeu que ela havia mexido em seu celular.
Ali perto, o Prefeito António despediu-se de sua esposa, Rosana, e foi
direto à prefeitura; chegando lá se encontrou com alguns companheiros
de partido; nesse mesmo tempo chegou o vereador Valdomiro, que é de
partido de oposição ao prefeito, mas vota conforme seu interesse
pessoal; cumprimentou o prefeito e também os vereadores da bancada
governista; e então o vereador Valdomiro disse:
- Queria falar comigo, Senhor prefeito?
- Quero sim, Senhor Valdomiro, não só com o senhor, mas com todo o
meu pessoal. Vamos para o meu gabinete.
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Capitulo VI
- Entrem e fechem a porta, por favor. E continuou:
- Eu chamei vocês aqui porque tenho dois projetos que vou enviar à
Câmara e eu não queria perder; o primeiro tem a ver com o Fundo de
Participação do Município, vamos receber a verba do Governo Federal e
eu tenho que destinar vinte e cinco por cento desta verba para a
Educação, e quinze por cento para a Saúde. Pensando nisso, eu e o
vereador Gerson Lino contatamos a empreiteira Empreita Tudo Ltda. de
propriedade do Senhor Reinaldo, um velho amigo meu e acredito até que
vocês o conheçam.
- Eu conheço Senhor prefeito. Disse o vereador Dirceu, um dos aliados
do prefeito.
- Continuando, eu contatei a empresa do Reinaldo porque eu estou
pensando em lançar um Edital de Licitação para reforma e ampliação das
Escolas Municipais, Santa Casa de Lindos Montes e também da
Maternidade do Município com o Fundo de Participação do Município.
- E como vai ser isso? Perguntou Valdomiro.
- Do nosso jeito, como sempre, mas vou precisar do empenho de vocês
para aprovar os projetos.
- E o que consiste o projeto? Tornou a perguntar Valdomiro.
- Funciona assim, faço uma reforminha na escola, dou uma melhorada
na sala dos professores, faço uma sala com computadores e coloco
alguns deles na sala; depois eu mando pintar e pronto, está parecendo
novo. No hospital é a mesma coisa, arrumo as infiltrações, troco alguns
azulejos do centro cirúrgico, pinto novamente e pronto.
- E você já fez uma estimativa de quanto vai gastar, e quanto, entre
aspas, vai economizar? Perguntou Valdomiro.
- Ainda estou levantando, e assim que eu tiver em mãos os detalhes, eu
trago para vocês. Mais uma coisa, eu já ia esquecendo, o Senhor
Reinaldo vai fazer também a terraplanagem das estradas vicinais aqui da
região e eu vou colocar isso no escopo.
- E como isso vai funcionar, Prefeito? Perguntou o vereador Arnaldo.
- Ainda não sei, mas estou pensando em colocar assim: a terraplanagem
e o cascalhamento se fazem necessário para que todo munícipe, mesmo
morando em áreas mais distantes tenha fácil acesso ao hospital ou as
escolas.
- Bem pensado, Prefeito. Assim, o pessoal dos sítios ficará contente.
Disse Valdomiro.
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- Todos não, só alguns, porque só vou cascalhar e consertar as estradas
vicinais próximas de minha fazenda e do sítio de vocês; precisamos
economizar o dinheiro para o município, certo? Ha, ha, ha!
Todos riram com o prefeito.
- Pode contar comigo, Prefeito, estou nessa. Disse Valdomiro
Todos os presentes também concordaram com o prefeito.
- E antes de saírem, quero dizer mais uma coisa, pessoal, ano que vem
teremos eleição para prefeito e vereador e eu vou concorrer à reeleição.
Gostaria de contar com o apoio de todos vocês, e podem ter certeza que
eu irei apoiar a todos vocês para vereadores.
- Pode ficar sossegado, sua reeleição são favas contadas. Disse o
vereador Gerson Lino.
- Ótimo, assim estaremos todos juntos para o próximo mandato. Agora
vamos ao trabalho.
O prefeito ficou em seu gabinete e os vereadores foram para a Câmara
Municipal conversando entre si.
Do outro lado da cidade, no sítio Três Marias, Maria Aparecida recebeu a
amiga, Dona Rita de Cássia, que mora em uma cidade chamada
Muzambinho MG, que fica perto de Lindos Montes.
Elas são amigas de longa data. Dona Rita de Cássia, assim como Maria
Aparecida, é benzedeira em sua cidade. Também faz orações em seu
sítio e também faz parte do núcleo de caridade da cidade aonde mora.
Ela veio até o sítio para conversar com a amiga que há muito tempo não
via e estava com muita saudade; desculpou-se por não vir num final de
semana porque sabia que Maria Aparecida e as irmãs faziam
atendimento às pessoas necessitadas nesses dias.
Maria Aparecida disse:
- Venha, Rita, vamos até a casa sede para conversarmos; vou aproveitar
e chamar minhas irmãs, assim, elas também a vêem, e foram
caminhando até a casa sede do sítio. Chegando a casa, Aparecida a
acomodou em uma poltrona que fica na varanda da casa e pediu à Dona
Isaura, empregada do sítio, que fosse chamar as irmãs para virem até a
casa, pois havia visita, e dona Isaura foi então chamar as irmãs.
- Nossa Aparecida seu sítio está lindo, muito bem cuidado, diferente da
estradinha que vem até aqui! Puxa vida, passei um aperto! Meu carro é
velho e a estrada está com muitos buracos.
- Eu sei Rita, eu já pedi para o vereador Valdomiro e ele não deu muita
atenção; fui então falar com o Prefeito que disse iria resolver logo, mas
até agora só ficou na promessa; disse que está esperando verba do
Governo Federal para o serviço.
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- Nossa! Nunca esteve assim, este prefeito não tem feito nada para
melhorar a cidade!
- Não se preocupe, quando alguém faz algo de bom, é reconhecido, e
quando não faz também é, entendeu?
- Entendi sim, ainda bem que logo teremos eleição; lá na minha cidade
eu acho que o prefeito se reelege.
- Aqui eu acredito que não, ainda bem que quem decide o voto é o povo.
Logo em seguida chegam às irmãs Fátima e Lourdes, que dizem quase
ao mesmo tempo?
- Rita, quanto tempo nós não a vemos! Nós estávamos com muita
saudade sua. Por que demorou tanto tempo para vir?
- Como eu estava falando para irmã de vocês, lá no sítio, sou só eu e o
Luiz, meu marido, e poucos empregados para dar conta de tudo.
- É nós sabemos como é dura a nossa vida, mas temos nosso trabalho
com o sítio e também em ajudar as pessoas que sofrem.
- Vocês disseram tudo. Hoje eu tirei o dia de folga para fazer uma visita a
vocês e saber como andam as coisas aqui na cidade.
- Está indo tudo bem. O clima que não tem ajudado muito, quase não
tem chovido, mas ainda bem que temos um poço artesiano e estamos
conseguindo manter a plantação com uma boa produtividade. Disse
Aparecida.
- Aparecida, você tinha me falado que este prefeito não tem feito obras,
mas eu ouvi lá no centro da cidade de vocês que o pessoal está
gostando da administração.
- Isso eu sei, o povo precisa aprender que para ser bom, tem que ter
obras que tragam desenvolvimento, educação, saúde para a população,
e não pão e circo como estes governantes fazem. Disse Fátima.
- Muito bem falado, irmã. Disse Lourdes.
Aparecida completou.
- Veja um exemplo clássico: nós precisávamos de iluminação pública e o
prefeito colocou luzes coloridas na praça da matriz, no centro da cidade,
a um preço absurdo que daria para iluminar quase que toda cidade.
- Isso não é bom, o povo precisa acordar. Disse Rita de Cássia.
Mal terminou de falar e Dona Isaura chegou até as irmãs e a amiga
trazendo um bolo que havia terminado de fazer, trouxe também um
cafezinho que havia acabado de coar.
- Oh! Isaura, você não precisava se incomodar.
- O que é isso, dona Rita, faz tempo que a senhora não vem aqui e eu
não ia deixar à senhora sair sem provar um pedaço do meu bolo de
milho, que fiz agora a pouco.
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- Você é muito gentil, Isaura.
- Não há de quê. Disse Isaura e saiu.
- A Dona Isaura é um doce de pessoa, não é mesmo, Aparecida?
- Ela já está conosco há mais de dez anos, é sempre bastante prestativa.
As amigas comeram o bolo, tomaram café e ficaram conversando sobre
amenidades até que aparecida perguntou à Rita de Cássia se ela estava
precisando de alguma coisa. Rita respondeu.
- Na verdade eu estou sim, vocês sabe o quanto eu luto para manter a
minha creche, apesar de receber um pouco da prefeitura e eu e o Luiz
colocarmos dinheiro para abastecer a cozinha, sempre falta alguma
coisa, ainda mais neste mês, que tivemos que fazer vários consertos no
sítio e o dinheiro não deu para tudo.
- Fique calma, Rita, diga-me o que você está precisando de mais
urgente? Perguntou Aparecida.
- Não adianta tentar esconder nada de você, não é, Maria Aparecida?
Fico até envergonhada de falar, mas as crianças precisam de mim.
- Não precisa ficar envergonhada, você já nos ajudou algumas vezes e é
nossa obrigação ajudar a quem precisa.
- E eu não sei disto? Por este e por outros motivos eu vim visitá-las; eu
estou precisando de alguns materiais de construção e um pouco de
alimento para nossa cozinha.
Maria Aparecida pediu à irmã do meio, Maria de Fátima, que fosse
buscar papel e uma caneta para anotar tudo o que Rita de Cássia estava
necessitando e assim ela fez, foi até a cozinha e retornou com um bloco
de anotações e uma caneta.
- Pode falar Rita, o que você precisa?
- Preciso de tudo o que está escrito aqui e tirou um pedaço de papel com
a anotação de tudo o que precisava para os consertos no sítio. E
continuou:
- Os alimentos são os básicos, não precisa nada de coisas caras.
- Pode deixar Rita, amanhã mesmo eu vou até a loja de material de
construção do Senhor Jonas e faço o pedido e mando entregar lá no seu
sítio.
- Maria Aparecida, eu não sei o que fazer para agradecer o que a
senhora está fazendo pelas minhas crianças.
- Eu tenho certeza de que se fosse eu que estivesse indo até seu sítio
você faria o mesmo sem pensar, e aproveitando que vou até a cidade
para comprar os materiais, eu vou com a caminhonete e levo para você
os alimentos que tanto você precisa.
- O que posso fazer para agradecer a todas vocês?
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- Apenas reze por nós, quando eu rezo por vocês e vocês fazem o
mesmo por nós, estaremos amparando umas às outras.
- Você é demais, Maria Aparecida, mas já é hora de voltar para meu sítio.
Esta estradinha está muito ruim e eu fico com medo de ir à noite.
- Não se preocupe com isso e vá devagar, e que a Paz de Cristo esteja
com você.
- E que Ele esteja em seus corações.
As amigas despediram-se e Rita de Cássia foi para seu sítio sem
nenhum sobressalto. As irmãs ficaram ali conversando mais um pouco
para apreciarem o por do sol, que é maravilhoso ali na colina.
Logo após o por do sol, as irmãs entraram na casa foram tomar banho e
foram jantar. Assim que terminaram, foram assistir um pouco de televisão
e depois foram dormir.
No outro dia pela manhã, Maria Aparecida despediu-se das irmãs, deixou
instruções com alguns empregados sobre o armazenamento do café que
havia sido colhido e foi para a loja de materiais de construção. Lá
chegando, procurou o Senhor Jonas, que é proprietário da loja.
- Bom dia, Senhor Jonas, como está o senhor?
- Bom dia, Dona Maria Aparecida, como estão às coisas lá no sítio?
- Muito bem, obrigada por perguntar.
- Que é isso Dona Aparecida... A que devo à senhora para vir ao meu
estabelecimento?
Ela tirou a anotação da bolsa e entregou ao Senhor Jonas e disse:
- Verifica para mim se o senhor tem todos estes itens e faça um
orçamento para mim.
Ele pegou o papel que estava com ela, olhou e viu que tinha tudo o que
ela precisava e informou:
- Tenho tudo aqui na loja. Vem, vamos sentar aqui no canto que eu vou
fazer o orçamento.
Em poucos minutos o orçamento já estava em poder de Dona Maria
Aparecida que disse:
- O senhor faz um desconto para pagamento à vista?
- Claro que sim, vou conceder cinco por cento de desconto para
pagamento à vista.
- Negócio fechado, tome o endereço aonde eu quero que o senhor faça a
entrega; já vou preencher o cheque.
Ela entregou ao Senhor Jonas o cheque devidamente preenchido e o
endereço; ele conferiu o cheque para ver se estava tudo ok, pegou o
endereço e perguntou:
- A entrega não é em seu sítio?
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- Não, é no sítio de uma grande amiga minha.
Ele olhou o endereço e localizou no mapa, atrás do balcão.
- Sem problemas, amanhã será entregue.
- Obrigada, Senhor Jonas.
- Não há de quê, Dona Maria Aparecida, volte sempre.
Assim que saiu da loja do Senhor Jonas, Maria Aparecida foi ao
supermercado localizado na região e fez uma boa despesa em
mantimentos, que ela pessoalmente levou ao sítio da amiga.
Chegando ao sítio da amiga, ela parou a caminhonete em frente ao
portão, desceu do carro e tocou o sino que anuncia a chegada de visitas.
Com muita rapidez, Dona Rita de Cássia já estava atendendo a amiga no
portão, ela o abriu e pediu para que Maria Aparecida entrasse.
- Nossa, Maria Aparecida, como você foi rápida! Não pensei que viesse
hoje, eu esperava que viesse no final de semana.
- Eu quero que suas crianças estejam sempre bem alimentadas, por isso
vim hoje.
- Vem, vamos entrar e descarregar lá na despensa.
As duas foram até a despensa e começaram a guardar os alimentos nas
prateleiras. O lugar era bem organizado e em pouco tempo tudo já
estava em seu lugar.
Dona Maria Aparecida tirou da bolsa o recibo de pagamento do material
de construção e avisou a amiga que no dia seguinte o material seria
entregue.
- Como eu posso agradecer essa gentileza, Maria Aparecida?
- Fácil, me mostre como estão às crianças.
- Venha, vamos à creche que eu vou mostrar a você.
Quando chegaram à creche, Maria Aparecida teve uma grata surpresa;
eram muitas crianças e todas estavam divididas por idades, todas
estavam bem tratadas e bem alimentadas, e ela ficou muito feliz com o
que viu.
Logo em seguida chegou o Senhor Luiz, marido de Rita de Cássia, e foi
logo agradecendo a que Maria Aparecida estava fazendo por eles.
- Seu Luiz, eu vim a este mundo para fazer o bem, minha vida seria
indigna se eu não ajudasse as pessoas; todo mundo deveria pensar
assim, porque ajudando o próximo, estaremos ajudando a nós mesmos.
- O coração da senhora é muito puro, não tem lugar para maldades.
- Maria Aparecida, você vai ficar para almoçar? Disse Rita de Cássia.
- Fico sim, eu já até estou com um pouco de fome.
- Então vamos lá pra casa para almoçarmos.
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- Eu gostaria de almoçar aqui junto das crianças, elas me fazem um bem
tão grande.
- Está certo, vamos todos almoçar aqui na creche.
Maria Aparecida, o Senhor Luiz e Rita de Cássia entraram na creche
para almoçarem e sentaram-se numa mesa, no canto, para não
atrapalhar a entrada das crianças que já estavam chegando e sentando-
se nos bancos para almoçarem; em seguida todos fizeram uma oração
para agradecerem os alimentos. Paz e harmonia acompanharam o
almoço até o seu final.
As crianças saíram da mesa e foram até o lavatório escovar os dentes.
Logo após foram ao parquinho existente no local.
Maria Aparecida, satisfeita do que havia presenciado, disse à Rita de
Cássia que já estava de saída, e mesmo com o pedido da amiga para
que ficasse mais um pouco, ela preferiu ir para não chegar à estradinha
que vai até o sítio, à noite.
Elas se despediram e Maria Aparecida voltou ao sítio sem problemas.
Do outro lado da cidade, o vereador Valdomiro chegou a sua casa, da
Câmara de vereadores, e foi conversar com sua esposa Letícia, deu um
beijo em seu rosto e disse:
- Boa tarde, meu bem, tenho uma novidade para você.
- Novidade? Qual novidade?
- Vou votar junto com a bancada do prefeito para uma nova licitação que
logo estará em pauta.
- Você votava contra, e o que o fez mudar e bandear para o outro lado?
- É que agora vem uma licitação grande e eu quero estar dentro.
- E eu posso saber o motivo que o fez mudar?
- Esta licitação está com cartas marcadas e nós vamos ganhar uma boa
grana.
- Nós não, você vai ganhar eu não compactuo com esse tipo de atitude.
- Como não? E o dinheiro que entra aqui em casa?
Letícia, que já estava nervosa com as histórias do Senhor Gilberto e da
amante de seu marido, Sandra, mas havia deixado para conversarem em
outra ocasião, desta vez estourou e respondeu:
- O dinheiro que entra nesta casa provém da minha pousada; ela era da
minha família e ficou para mim depois que meus pais morreram; o seu
dinheiro eu nunca vi, você gasta em jogos, bebidas e mulheres.
- O que você está dizendo? Você não sabe nada!
- Não sei de nada, não é? Mas agora eu vou dizer o que sei sobre você!
O tom da conversa ficou mais alto e a empregada tentou colocar panos
quentes para ver se amenizava a confusão. Letícia disse:
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- Elza, nos dê licença, por favor, que eu quero conversar com o
Valdomiro e essa conversa vai ser definitiva.
Elza saiu da sala e Letícia continuou a conversa com seu marido.
- Valdomiro, você acha que eu não sei de nada, acha que eu não sei
sobre a Sandra, não sei nada sobre seu conluio com o Senhor Gilberto,
você pra mim é um patife.
Valdomiro tentou amenizar e fingir que não sabia de nada.
- Não sei o que você está falando, quem é esta Sandra? – E o que eu
tenho a ver com o Senhor Gilberto?
- Não seja ridículo, eu descobri tudo! Tome o número deste telefone, é o
mesmo que está gravado em seu celular; ligue e veja quem está falando.
Mais uma vez Valdomiro tentou disfarçar.
- Ah! Já sei! Ela é uma eleitora minha e trabalha em um comitê do
partido.
- Você acha que eu sou tonta? Ela é eleitora sim, mas de outra cidade.
Eu liguei para ela no dia que você esqueceu seu telefone celular
carregando no escritório, porque no dia anterior eu ouvi sua conversa
com ela, e você disse que logo me largaria para morar com ela. Agora
você sabe de quem eu estou falando, Mirinho?
Valdomiro estava branco igual a um papel e ainda tentou argumentar.
- Meu bem, você entendeu mal.
- Entendi errado o quê? Eu liguei para ela e ela achando que era você no
telefone ainda me disse:
- Amanhã, depois da seção, eu estou te esperando, Mirinho.
- Calma Letícia você está nervosa!
- Você me pede calma... E ainda por cima tem a conversa com o senhor
Gilberto e ele me disse que você vai arrumar um emprego para ele de
assessor parlamentar; depois de tudo o que ele me fez, ainda tive que
ouvir que foi tudo um plano seu.
- Ele foi demitido, deve ter dito isso porque estava com raiva.
- Ele não sabia que era eu que estava ligando, eu liguei do seu aparelho
e ele foi falando sem saber que não estava falando com você.
- Letícia, não tome decisões precipitadas você pode se arrepender.
- Nosso casamento acabou Valdomiro, pegue suas coisas e saia de
casa.
Valdomiro ainda tentou argumentar.
- Letícia, pense bem, nós temos vários anos juntos.
- Vivemos vários anos juntos e eu não sei quem é você, ou melhor, agora
sei quem é você e minha decisão já está tomada. Eu quero que você
saia imediatamente.
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Valdomiro disse então:
- Vou subir pegar algumas roupas e vou para um hotel aqui da cidade.
Letícia, no final, foi lacônica.
- Vá para a casa da Sandra.
Valdomiro subiu para o quarto para pegar algumas roupas e alguns
objetos pessoais. Logo estava com uma pequena mala.
- Letícia, pense melhor, se eu sair estará tudo acabado entre nós, e eu
não quero isso.
- Me poupe, por favor, amanhã a Elza arruma suas coisas para você
retirar.
Valdomiro ainda tentou uma última tentativa de dissuadi-la e a agarrou e
tentou beijá-la, dizendo que a amava.
Ela conseguiu desvencilhar-se e o empurrou.
- Valdomiro, é a última vez que eu te peço, saia, por favor.
Ele deu-se por vencido e saiu com a cabeça baixa sem dizer uma
palavra.
Assim que ele saiu de casa, Letícia foi para o quarto e chorou muito,
afinal, foram casados por mais de seis anos e não havia desconfiado que
seu marido estivesse casado apenas por interesse. Ela o havia
incentivado a entrar na política e ela mesma havia pagado toda a
campanha com recursos próprios.
Lá no quarto, Letícia chamou sua empregada, Elza, e pediu para que ela
lhe trouxesse um comprimido para dor de cabeça, o que a empregada
fez de imediato. Dona Elza perguntou à Letícia:
- Posso fazer mais alguma coisa pela senhora? Quer conversar sobre o
assunto?
- Agora não Elza, eu estou muito abalada, mas muito obrigada por
perguntar.
A empregada saiu do quarto, deixou as cortinas fechadas e as luzes
apagadas.
Passado um tempo, Letícia, que havia dormido um pouco, sentou-se na
cama, pegou seu celular e ligou para a amiga Veneranda.
- Veneranda boa tarde, tudo bem?
- Tudo bem, mas que voz é essa, Letícia? Aconteceu alguma coisa?
- Sim, acabei de terminar meu casamento com o Valdomiro.
- Não me diga uma coisa dessas! O que aconteceu?
- É uma estória muito longa que eu quero conversar com você
pessoalmente, não quero ficar falando ao telefone. Eu estou indo hoje aí
para Poços de Caldas.
- Então é muito sério mesmo!
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- É sim, logo mais a noitinha eu estarei aí.
- Está bem. Estarei te esperando.
Letícia levantou-se e foi arrumar uma pequena mala para ir para sua
pousada, para conversar com a amiga.
Enquanto ela se dirigia para cidade de Poços de Caldas, muitas coisas
passaram pela cabeça de Letícia; o começo do namoro, o pedido de
casamento, todos aqueles anos de mentiras e ela não enxergava o que
passava a sua volta. Achou-se a maior tola de todas, afinal seu marido e
agora ex, nunca havia trabalhado em empregos fixos, vivia somente de
bicos e ela o transformou em vereador respeitado, mas ela estava
disposta a mudar tudo e foi assim que ela chegou à cidade de Poços de
Caldas.
Logo na chegada, Letícia encontrou-se com a amiga Veneranda e as
duas se abraçaram forte. Letícia ainda chorava um pouco.
- Conte tudo, amiga não me esconda nada! O que aquele cafajeste fez
para você ficar assim dessa maneira?
- Deixe-me acalmar um pouco, vem,vamos entrar que lá dentro eu te
explico tudo.
A sala da recepção estava vazia, mas mesmo assim era um entra e sai
de hóspedes que Letícia chamou-a para irem ao escritório conversarem
com mais calma.
Chegando à sala, Letícia começou a relatar tudo o que de fato ocorreu e
tudo nos mínimos detalhes.
- Não acredito que o Valdomiro teve a ousadia de fazer uma coisa
dessas, Letícia! Este homem é um crápula!
- Eu sei Veneranda, quando eu peguei aquele celular, me deu um arrepio
que eu já imaginava o que estava para acontecer, mas eu não esperava
que tudo viesse à tona assim de uma vez só.
- Foi ele que te apresentou o senhor Gilberto, não foi?
- Sim, ele disse que era uma pessoa de confiança, que ele o conhecia de
um trabalho que ele havia feito aqui na cidade. Bem que eu desconfiei
quando o movimento na pousada começou a cair; no começo foi bem
pouco, mas com o passar do tempo, foi diminuindo a taxa de ocupação e
eu nem desconfiei, eu pensei que fosse uma crise ou algo assim.
- Meu Deus! E essa amante, de onde é e quem é ela? Eu a conheço?
- Não, nem eu a conheço, só sei que o nome é Sandra e o número do
celular dela, aquelas palavras ainda ecoam na minha cabeça:
- Mirinho, te encontro depois da seção da Câmara.
- Porque você não o confrontou de imediato?
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- Eu fiquei muito nervosa na hora, não sei o que poderia acontecer
naquele momento, eu esperava um dia mais calmo e confrontá-lo, mas
aquela conversa de licitação com cartas marcadas me tirou do sério e aí
não teve jeito, veio tudo à tona.
- Meu Deus, esse homem não vale o que come! O que você está
pensando em fazer?
- Ainda não sei, mas quando eu vinha para cá, estava pensando no que
fazer para dar um basta em tudo o que acontece naquela prefeitura,
nesses vereadores mau-caráter.
- Está pensando em se candidatar?
- Não sei, mas está me parecendo uma boa idéia, assim eu mato dois
coelhos com uma cajadada só.
- Como assim? Não entendi!
- Primeiro eu calo a boca daquele prefeito ordinário, em segundo, o meu
marido. Sem apoio, não se elege nem para síndico de prédio.
- Amiga com essa garra você vai longe, e eu estou com você.
- Agora vamos para o quarto, você preparou um para mim?
- Nada disso, você vai ficar comigo no quarto que eu estou alojada.
- Então vamos lá que eu estou muito cansada.
As duas foram para o quarto. Letícia colocou sua mala em cima da cama
e sentou-se na beirada; Veneranda sentou-se na outra cama próxima a
ela. Ficaram conversando um pouco sobre o pagamento do Senhor
Gilberto e Veneranda contou a ela que estava tudo ok, mas se soubesse
do ocorrido, teria pedido autorização para Letícia para não pagar o valor.
Veneranda disse à Letícia:
- Venha, vou preparar um banho para você lá na banheira e fazer uma
massagem em seus ombros; você está muito tensa.
- Um banho de banheira é muito relaxante, acho que vai ser bom, e onde
você aprendeu a fazer massagem?
- No clube, lá em Lindos Montes, tem aquela senhora do departamento
esportivo, a Dona Laura; eu acho até que você a conhece, ela faz uma
massagem maravilhosa. Eu comecei a fazer com freqüência porque eu
tinha uma dor nas costas que me incomodava. Eu conversei com ela e
ela começou a me atender na casa dela; ensinou-me alguns truques.
- Huuum, eu acho que vai ser bom.
- Então venha, eu comprei uns sais de banho que você vai adorar! Tem
um perfume doce, mas bem discreto.
- Vamos lá, então.
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Capítulo VII
Letícia foi ao banheiro e começou a tirar a roupa enquanto Veneranda
enchia a banheira, dosando a temperatura da água; assim que a
quantidade de água e a temperatura estavam ok, Veneranda adicionou
os sais de banho e pediu para Letícia entrar.
Letícia entrou e disse:
- A água está uma maravilha!
Ela fez movimentos agitados a fim de que fizesse bastante espuma e
ficou com os olhos fechados para relaxar.
Veneranda tirou a roupa e entrou na banheira, assustando Letícia.
- O que é isso Veneranda? O que você está fazendo?
- Calma, Letícia, eu só vou fazer uma massagem em seus ombros.
Feche os olhos e relaxe, não pense em nada, limpe sua mente e deixe
que eu faça o resto.
Letícia ficou um pouco ressabiada, mas obedeceu à amiga.
Veneranda sentou-se na banheira atrás de Letícia. Começou a
massagear os ombros da amiga com movimentos delicados e, em pouco
tempo, Letícia estava totalmente relaxada. Inclinou-se para trás
encostando seu corpo ao corpo de Veneranda, e esta, vendo que sua
amiga estava totalmente entregue, abraçou-a por trás com as duas mãos
e perguntou ao ouvido da amiga:
- Se sente melhor?
Ela não conseguiu nem responder, só fez um gesto afirmativo com a com
a cabeça, e num gesto bem suave, Veneranda começou a acariciar a
barriga da amiga. Nesse vai e vem com as mãos, logo estava
acariciando os seios da amiga; Letícia, mesmo atônita ao avanço da
amiga, permitiu que ela continuasse com os carinhos.
Depois de um tempo das duas ali, Veneranda pega o queixo de Letícia e
vira o rosto da amiga e olha diretamente nos olhos dela e a beija
suavemente; Letícia, por sua vez, inclinou-se para trás para olhar nos
olhos da amiga e totalmente entregue e lânguida, permitiu os beijos de
Veneranda.
De repente, Letícia levanta-se ainda aturdida como se tivesse saído de
um transe. Ela olha a amiga, coloca a mão na boca, seu rosto rubra de
vergonha e ela pega a toalha e coloca sobre seu corpo, perguntando
para sua amiga:
- Veneranda o que aconteceu conosco?
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- Não sei Letícia, você estava tão triste... E eu me sentindo tão sozinha e
com muita saudade sua desde aquele dia em que estivemos aqui pela
primeira vez... Eu sei que você precisava de carinho, perdoe-me amiga.
- Eu nunca havia me sentido assim! Esse carinho homo afetivo me
deixou confusa!
- Não fique assim, Letícia, isso ficará entre nós, mais uma vez peço que
me perdoe.
- Você não entendeu, Veneranda, eu não disse que não gostei, foi
totalmente diferente, mesmo sem você tocar as minhas partes intimas,
eu cheguei ao clímax, nunca me aconteceu antes!
- Então, você sentiu o mesmo que eu?
- Não sei o que você sentiu, mas eu fiquei com medo! O que foi isso,
Veneranda?
- Nunca pensei que isso pudesse acontecer comigo, mas você estava tão
linda ali do meu lado, tão necessitada de carinho! Não sei isso foi mais
forte que eu!
Letícia se enxugou e deu uma toalha para a amiga, para ela sair da
banheira. Ela se enrolou na toalha e foi para o quarto.
Veneranda foi logo atrás da amiga e as duas ficaram se olhando sem
dizer uma palavra.
Como já era noite, Letícia chamou Veneranda para irem jantar. Vestiu
calça de moletom e uma camiseta, e Veneranda fez o mesmo; colocou
calça jeans e camiseta e foram para o jantar em silêncio.
As duas sentaram-se à mesa, pediram o jantar e ficaram em silêncio.
Quando o jantar chegou, Veneranda tentou puxar conversa com Letícia.
- Puxa, Letícia você gosta mesmo de grelhado!
Letícia ficou um tempo calada, depois disse:
- Veneranda aquilo foi um erro, não pode acontecer de novo.
- Eu sei, não vai mais acontecer, fica tranqüila.
Novamente o silêncio tomou conta da mesa enquanto as duas jantavam
e assim ficou até o final. As duas levantaram-se e foram para o quarto.
Chegando ao quarto, Letícia, ainda sem acreditar, perguntou:
- O que aconteceu Veneranda? O que foi aquilo? Isso nunca tinha
acontecido comigo, não era para ter acontecido.
- Letícia vamos deixar essa estória para conversarmos num outro dia,
isso foi lindo, foi maravilhoso, nunca havia acontecido comigo também,
mas aconteceu e foi saudável, foi sensível, veio da alma, veio do
coração, mas vamos deixar para conversarmos sobre isso numa outra
ocasião, ainda estamos meio perdidas com o que aconteceu.
46
- Você tem razão, vamos deixar para outra ocasião, vamos mudar de
assunto.
- E mudando de assunto, me fale, está pensando em se candidatar
mesmo?
-Ainda não sei, eu tenho muitas pessoas que confiam em mim e eu acho
até que votariam em mim caso eu me candidatasse. Sabe o que eu estou
pensando? Quero falar com a Maria Aparecida, quero saber o que ela
tem a dizer.
- Você conseguiu descobrir o que ela quis dizer em fazer tudo com o
coração?
- Ainda não, mas quando eu for lá, vou perguntar novamente.
- Faça isso, pode ser que tenha alguma coisa a ver com o que está
acontecendo entre você e seu marido.
- Pode ser, mas isso eu só vou saber quando falar com ela.
- Vamos assistir à novela, esses capítulos da trama estão muito bons.
- Eu não tenho acompanhado, vejo só algumas partes, mas põe lá e nós
assistimos.
Veneranda ligou a televisão e as duas ficaram assistindo a novela, e num
determinado momento, Letícia adormeceu. Veneranda ficou ali assistindo
até o final do capítulo. Assim que acabou, ela levantou-se e cobriu a
amiga; ficou observando-a e foi para cama a fim de dormir.
Letícia ainda dormia quando Veneranda levantou-se e foi tomar banho e
quando acabou, viu que sua amiga ainda dormia. Foi até o restaurante e
tomou seu café da manhã; ficou ali parada pensando no dia anterior
achando que tudo tinha sido uma loucura. Ela mesma não conseguia
acreditar. Ficou ali compenetrada em seus pensamentos que nem viu
quando Letícia chegou.
- Bom dia. Ei, eu disse bom dia.
- Desculpe Letícia, bom dia, eu nem a vi chegar, eu estava absorvida em
meus pensamentos.
- Eu sei, eu estava parada à sua frente por minutos e você nem me
notou, e no que você estava pensando?
- Não estava pensando em nada de mais, eu só estava distante.
- Ah, ta! Será que eu consigo adivinhar seus pensamentos?
- Você me pegou, não vou negar, eu estava pensando no dia de ontem, o
que me deu e o que aconteceu comigo, eu não consigo explicar.
- Veja bem, Veneranda, eu pensei bastante no que aconteceu e isso não
vai se repetir de novo.
- Eu não quero mais falar disso, foi um erro e já está esquecido, vamos
falar da pousada; você viu que em pouco tempo que eu fiquei aqui, muita
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coisa mudou? Até a taxa de ocupação está melhor! Desconversou
Veneranda, para fazer com que Letícia mudasse de assunto, e foi isto
que aconteceu.
- Realmente muita coisa mudou aqui, o que você andou fazendo aqui,
sozinha?
- Eu mandei fazer alguns panfletos, depois eu te mostro, e mandei
distribuir por toda a cidade, são eventos que eu fiz para melhorar a taxa
de ocupação. Eu fiz promoção para finais de semana com preços
convidativos, jantar com música ao vivo, sábados e domingos o
restaurante abre mesmo para pessoas que não estejam hospedadas; no
sábado, a feijoada com pagode já virou mania aqui na região; no
domingo é dia de massa com música italiana, que também é bastante
concorrido.
- Nossa! Você caprichou mesmo! Quando você me disse que iria mudar
as coisas por aqui, eu não esperava que fosse tanto!
- Você se lembra de que eu fiz turismo na faculdade? Então, coloquei em
prática aquilo que eu aprendi.
- Parabéns, você se superou! Minha família ficou aqui por muito tempo e
não tinham pensado nisso e muito menos eu.
- Que bom que você gostou, estou fazendo o meu melhor.
- Vou dizer uma coisa para você, estou mudando de assunto quanto a
vendê-la, se continuar assim, darei sociedade a você.
- Você está brincando? Não é isso, seria o máximo, era o meu sonho
quando fiz a faculdade, eu sonhava ter o meu próprio negócio.
- Se continuar com o movimento bom e o lucro voltar, isso vai ser mérito
seu, e aí eu posso ver isso.
- Fala sério, Letícia, você não está brincando comigo?
- Claro que não, sua boba. Vai ser bom para nós duas, eu mantenho meu
negócio e você terá sua fonte de renda de que sempre sonhou.
- Você vai ver Letícia, eu não vou decepcioná-la.
- Eu tenho certeza disso, mas agora me diga: como foi o caso com o
Senhor Gilberto? Ele reclamou de alguma coisa ou do valor pago?
- Foi até melhor do que eu pensei; cheguei lá com um pouco de
antecedência e conversei com o Senhor Homero da contabilidade e ele
me mostrou os valores que seriam pagos; aí fui até o banco, fiz um
cheque administrativo nominal a ele e voltei e logo em seguida. O Senhor
Gilberto chegou com uma cara de poucos amigos e o Senhor Homero
mostrou todos os detalhes do pagamento; ele concordou com tudo e eu
lhe entreguei o cheque a ele. Ele ainda perguntou se eu não iria cobrar
48
as diárias que ficaram faltando e eu disse que você não cobrou e não
houve desconto; parece que ele saiu satisfeito.
- Ainda bem que este homem trabalhou pouco tempo lá, imagina se ele
fica mais um tempo? Era falência na certa.
- Você fez bem em vir sem avisar ninguém, assim não deu tempo para
ele esconder nada.
- Por sorte eu não avisei o Valdomiro, ele não estava em casa, estava
com aquela sirigaita e com o celular desligado; dei sorte neste sentido.
- Sorte mesmo foi para nós duas.
- Verdade, eu acho que já posso ir embora para Lindos Montes, tenho
muita coisa a fazer por lá.
- Não vá embora hoje, fique aqui comigo mais um pouco, amanhã você
vai embora.
- Veneranda, no que você está pensando?
- Eu não estou pensando em nada, eu estou muito sozinha e queria que
você ficasse mais um pouco para conversarmos.
- Está bem, mas amanhã eu irei embora cedo.
E foi isso que aconteceu as duas passaram o dia juntas conversando
sobre vários assuntos, foram jantar juntas, assistiram à novela e foram
dormir.
No outro dia pela manhã, Letícia acordou cedo, tomou um banho, foi à
cama da amiga e a acordou.
- Ei, você não vai acordar não, preguiçosa?
- Vou sim, eu estava acordada, vou tomar um banho rápido e vamos
tomar o café.
Enquanto Veneranda tomava banho, Letícia preparou a mala para voltar
a Lindos Montes.
Quando terminou de tomar seu banho, Veneranda perguntou à amiga:
- Você esqueceu seus cremes lá no banheiro.
- Eu não esqueci Veneranda, eu vou deixá-los aqui, porque pretendo
voltar logo, e eu não quero ficar levando toda hora pra lá e pra cá.
- Oba! Então quer dizer que você vai voltar logo?
- Pretendo, não quero ficar lá por muito tempo, por enquanto vou ficar um
pouco em cada lugar até eu decidir o que vou fazer.
As amigas foram tomar o café da manhã, ficaram conversando um pouco
e Letícia disse.
- Bom trabalho que você está fazendo aqui, obrigada por tudo, amiga,
logo eu estou de volta.
- Volte logo mesmo Letícia, a única coisa ruim aqui é ficar longe dos
nossos papos.
49
- Está bem, agora me deixe ir logo, quero chegar cedo a Lindos Montes.
- Tchau, amiga, vá com Deus.
- E você fique com ele.
Letícia pegou suas coisas, colocou no porta malas do carro e saiu
acenando para a amiga. Assim que o carro saiu, Veneranda começou a
chorar; foi para o quarto e ficou ali olhando tudo ao seu redor.
Quando chegou à cidade, Letícia foi direta para sua casa e, lá chegando,
encontrou sua empregada, Elza fazendo o almoço e disse a ela:
- Elza, eu cheguei, boa tarde.
- Boa tarde, Dona Letícia, eu não pensei que a senhora viesse hoje,
pensei que a senhora só viesse no domingo à tarde.
- E eu iria vir no domingo mesmo, mas estou pensando em fazer outra
coisa e não queria deixar para semana que vem.
- Eu estou terminando o almoço, a senhora vai querer almoçar?
- Vou sim, mas antes quero tomar um banho, mas antes de subir me diga
uma coisa: o Valdomiro veio buscar as coisas dele?
- Veio sim, ele estava com uma cara que a senhora precisava ver.
- Deixa pra lá, é melhor assim.
- Dona Letícia, eu posso perguntar uma coisa para a senhora?
- Claro que pode perguntar Elza.
- O senhor Valdomiro fez tudo aquilo que a senhora falou?
- Fez Elza.
- Que mau caráter! Eu nunca pensei que ele fosse capaz de fazer uma
coisa dessas com a senhora.
- Para você ver como são as coisas, mas deixa pra lá, isso é passado.
Vou tomar meu banho e você já pode servir o almoço que eu só vou me
lavar.
- Está bem, Dona Letícia, já vou fazer isso.
Enquanto isso, na prefeitura, o Prefeito reuniu-se com seus aliados
políticos para outra reunião, sobre o que estava indo para o plenário para
votação.
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Capitulo VIII
- Bom dia senhores, convoquei a todos porque hoje é o dia da votação
do projeto que eu enviei à câmara sobre as obras das escolas e também
do hospital do município e as estradas vicinais; trata-se do aviso de
licitação que foi enviado o processo administrativo de número 25/2016, e
tomada de preço número 16/2016 que foi enviado à câmara com o
objetivo de licitação de contratação de empresa especializada na
execução de obras e serviços de engenharia na construção e reforma
dos prédios e das estradas vicinais.
Como está elaborado o esquema, prefeito? Perguntou o vereador
Valdomiro.
- O esquema já está marcado assim: como eu coloquei em regime de
urgência, é só vocês aprovarem o projeto e nós lançamos o edital de
licitação no Diário Oficial do município; recebemos os envelopes com as
propostas das empresas, e num tempo recorde, nós abriremos os
envelopes da concorrência e pronto, a proposta do senhor Reinaldo da
Empreiteira Empreita Tudo vence.
- O senhor disse da outra vez que nos daria detalhes, o senhor já tem
isso em mãos? Perguntou o vereador Arnaldo.
- Bom, eu vou falar de valores e como será pago. O valor das obras está
estimado em torno de cinco milhões de reais, mas a proposta do Senhor
Reinaldo é de vinte milhões de reais e será dividida da seguinte maneira:
a empreiteira irá ficar com dez milhões de reais.
- E porque o valor tão alto para a empreiteira?
- O motivo é que ela tem que fazer a obra e emitir notas fiscais com o
valor superfaturado; ela paga os impostos por isso; o restante, que são
dez milhões de reais, será dividido da seguinte maneira: eu vou ficar com
cinco milhões de reais, porque eu tenho que pagar o pessoal que nos
ajudou com a licitação, o pessoal de compras, e mais algumas pessoas;
vocês vão ficar com cinco milhões de reais, ou seja, um milhão de reais
para cada um.
- E não poderá acontecer de outra empreiteira aparecer e quebrar esse
esquema? Perguntou o vereador Gerson Lino.
- Boa pergunta, Gerson Lino. Nós enviamos carta convite para as
empresas cadastradas junto à administração pública, então, só vão
aparecer às três empresas pré-selecionadas por nós, e se, porventura
aparecer outra empresa, nós vamos desqualificá-la por algum dado
técnico, fiscal ou trabalhista.
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- Eu estou de acordo. Disse Valdomiro.
Os outros vereadores também concordaram com o prefeito e se
fecharam em paus para que nada derrubasse a pauta do dia, que era a
votação da licitação.
Todos os vereadores foram para a Câmara Municipal para votarem a
pauta do dia. O comparecimento foi total, todos os nove vereadores
estavam na câmara para a votação, e quando entrou na pauta de
votação do projeto de reforma das escolas e do hospital da cidade, o
vereador Gerson Lino foi o primeiro a discursar, apoiando o projeto e as
melhorias que aconteceriam na cidade.
Em seguida foi a vez do vereador Valdomiro, que não pertence à
bancada do prefeito, a discursar; ele foi bastante eloqüente em seu
discurso e foi aplaudido pelos vereadores que apóiam o prefeito. O
vereador Arnaldo foi mais comedido nas palavras, mas bastante
convincente.
Os vereadores de oposição tentaram obstruir a pauta, mas sem sucesso;
eles queriam que a terraplanagem fosse mais abrangente no município e
não só por setores, como estava no projeto.
Mesmo com uma disputa acirrada. O presidente da Câmara Municipal
colocou em votação o projeto do prefeito e após algumas discussões, o
projeto foi aprovado por cinco votos a favor e quatro votos contrários.
Os vereadores da situação saíram satisfeitos com o final da votação e os
vereadores de oposição ficaram por mais um tempo no local, discutindo
entre si a derrota que o prefeito havia aplicado sobre eles.
Os vereadores da bancada do prefeito, mais o vereador Valdomiro foram
até o gabinete do prefeito para contar o final da votação; todos se
vangloriaram por seus feitos na Câmara Municipal, o prefeito agradeceu
a todos e agora era a vez dele de tomar as providências.
O prefeito então contatou a secretaria de obras onde a senhorita Juliana
Mendonça é a Presidente da Comissão de Julgamento e Licitação, e por
telefone, o prefeito liberou-a a enviar as cartas convites às empresas que
participariam da concorrência publica.
Assim foi feito, as cartas foram enviadas. Como o processo todo já
estava no Diário Oficial do município com toda documentação necessária
para o processo licitatório, onde compreendia o objetivo da licitação, os
participantes, o que integrava o edital, a entrega dos envelopes contendo
os custos, e os protocolos de entrega das propostas.
O documento foi bem elaborado e bem redigido para não deixar rastros
na condução da administração pública; tudo foi pensado para que não
houvesse problemas na execução dos trabalhos e toda documentação
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deveria estar em ordem; o contrato foi redigido e nele deveriam constar
as planilhas de orçamento, a proposta comercial, o cronograma físico e
financeiro, a declaração de disponibilidade dos equipamentos e
máquinas a serem usadas na execução do trabalho.
A data da entrega dos envelopes contendo a documentação necessária e
a proposta foi marcada, e no prazo correto foi entregue e protocolado no
endereço descrito pelo licitante.
A licitação foi efetuada pelo tipo de menor preço, sob o regime de
execução na forma de empreitada por preço global.
Foi marcada uma seção de abertura dos envelopes e conseqüente
apuração do vencedor da licitação, e como ela foi feita com cartas
marcadas, a empresa Empreiteira Empreita Tudo LTDA foi a vencedora
da licitação e os concorrentes não se opuseram e nem contestaram a
licitação.
A Senhorita Juliana, de posse de toda documentação necessária da
empreiteira vencedora, foi até o gabinete do prefeito e deu as boas novas
para ele.
- Senhor Prefeito, bom dia, estou trazendo o resultado da licitação das
obras do município para reforma da estrada, do hospital e das escolas do
município e como não podia deixar de ser, a empresa do Senhor
Reinaldo foi a vencedora.
- Boas notícias, Juliana, eu vou telefonar para meu amigo Reinaldo e
contar as boas novas, mas antes me diga como foi feita a licitação
quanto ao pagamento.
- Os pagamentos serão efetuados Ad Mensura, nos prazos e
porcentagens constantes no cronograma físico e financeiro, mediante
aferição técnica efetuada por nosso departamento técnico e fiscalizada
pela câmara dos itens executados; ele emite a Nota Fiscal e no prazo
máximo de dez dias, pagaremos os serviços executados. Assim que
terminar a obra, será pago todo o restante.
- Você sabe informar qual o prazo máximo que ele deu para a execução
integral da obra?
- Sei sim, o prazo para a conclusão da obra é de noventa dias a partir da
colocação das máquinas no canteiro de obras.
- Juliana, você está fazendo um ótimo trabalho frente à Secretaria de
Obras.
- Obrigada pelo apoio, Prefeito.
- O que você vai fazer hoje à noite?
- Não tenho nada em mente.
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- Que tal sairmos para tomarmos uns chopes e comemorarmos mais
essa vitória?
- Mas Prefeito, e sua esposa?
- O que tem ela?
- E se ela ficar sabendo?
- Nós saímos para jantar e conversarmos sobre as obras, ela não precisa
saber de mais nada, ou você vai contar alguma coisa?
- Claro que não, porque se ela souber, ela me arranca os olhos e eu
perco meu emprego.
- Eu vou ligar para ela e dizer que vou chegar mais tarde, e eu pego você
na mesma hora e no mesmo lugar de sempre. Se você me der licença,
eu vou ligar para o Senhor Reinaldo para contar os detalhes.
Assim que Juliana saiu de seu gabinete, o Prefeito pegou o celular e
ligou para seu amigo Reinaldo, da empreiteira.
- Reinaldo, bom dia, é o António Prefeito de Lindos Montes, tudo bem?
- Tudo bem comigo, Prefeito, e com o Senhor?
- Tudo bem também. Eu liguei para informar que deu tudo certo com a
licitação e as obras podem começar o mais urgente possível.
- Boas novidades, Senhor Prefeito, na próxima segunda-feira eu começo
a deslocar minhas máquinas para as obras.
- Ótimo! Quanto mais cedo você começar, mais cedo você termina e
mais cedo recebe.
- Todos nós recebemos, não é, Prefeito?
- Não fique falando essas coisas por telefone.
- Prefeito, nós estamos em uma cidade pequena. O Senhor acha que
alguém iria querer gravar nossas conversas?
- É você tem razão, eu fico assistindo muita televisão e vejo a
repercussão que gira em torno disso, eu fico com medo.
- Fique tranqüilo, Senhor Prefeito, os governos estaduais e o governo
federal não fiscalizam as obras, e quando o fazem, não é bem feito; digo
isso porque estou no ramo há muito tempo e nunca aconteceu nada.
Mudando de assunto, como vai ser feito o pagamento?
- Você vai fazendo a obra e vai recebendo à medida que a obra for
caminhando, emite nota fiscal mensalmente, e assim que terminar, você
emite a nota fiscal final e num prazo de dez dias estará tudo resolvido.
- É bom negociar com vocês de Lindos Montes. A propósito, como foi
aquele dia na Câmara com os vereadores? Tudo certo com o valor que
nós combinamos?
- Está tudo acertado, os valores e as datas para receberem o acerto.
- Bom assim, todo mundo sai satisfeito e com dinheiro no bolso.
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- Também acho, agora tenho que desligar, eu vou sair com a Juliana,
chefe do gabinete da Secretaria de Obras.
- Bom passeio, Senhor António, tchau.
- Tchau, nos falamos oportunamente.
A noite chegou e o senhor António foi buscar Juliana na hora e no lugar
marcado; ela já o esperava toda produzida num vestido preto, colado ao
seu corpo, um par de sandálias combinando com o vestido e uma
pequena bolsa. Ela entrou no carro e perguntou:
- Aonde vamos, António?
- Vamos para a cidade Poços de Caldas, lá é bem afastado e não
conhecemos ninguém e podemos ficar mais à vontade, jantamos em
algum restaurante por lá e depois vamos brincar um pouco.
- Então vamos logo porque eu já estou com fome.
Eles saíram da cidade e já estava escuro apesar de não ser tarde da
noite; ela sentou-se no banco do carona e com sua mão esquerda,
acariciava os cabelos de António. Foram conversando durante todo o
trajeto e, de vez em quando, António passava as mãos nas pernas de
Juliana e ela retribuía com beijos no rosto dele.
Ao chegarem a Poços de Caldas, procuraram um restaurante
aconchegante e discreto para sentirem-se mais à vontade.
Quando iam passando com o carro em frente à pousada de Letícia, eles
não perceberam que Veneranda estava saindo para fazer compras. Ela
os viu e pensou consigo:
- O que será que o prefeito António esta fazendo aqui em Poços de
Caldas? E quem é aquela que está com ele? Porque aquela não é a
Rosana, sua esposa.
Ela resolveu segui-los para ver o que estava acontecendo e em pouco
tempo, viu que eles entraram em um restaurante bem reservado, ali
próximo à pousada. Como ela também ainda não tinha jantado, resolveu
que naquele dia, iria jantar fora e verificar o que estava acontecendo,
Veneranda não era muito amiga de Rosana, mas a Letícia, sim, e ela
ficou por ali em um canto sem que os dois a vissem.
Logo ela percebeu que havia uma intimidade entre os dois, não só pelos
beijos, mas também pelas carícias trocadas entre ambos.
Eles jantaram bem rápido, e como o restaurante possuía uma pista de
dança e estava tocando uma música bem lenta e bastante suave, os dois
começaram a dançar, visto que já havia vários casais dançando no local.
Um senhor que estava jantando ali e sozinho, veio até a mesa, se
apresentou e tirou Veneranda para dançar; ela não estava propensa a
aceitar, mas resolveu ir dançar par tentar ouvir o teor da conversa entre
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os dois. Logo que chegou à pista de dança, conseguiu ouvir algumas
frases e teve a confirmação de que havia algo mais entre eles.
Assim que a seleção terminou, Veneranda agradeceu o homem pela
dança e voltou para a mesa, a fim de pedir a conta e ficar em seu carro
esperando eles saírem para segui-los.
Não demorou muito tempo e lá estavam o Senhor António e Juliana
saindo do restaurante. Veneranda pegou seu celular e fez uma gravação
dos dois saindo do restaurante e, antes de abrir a porta para Juliana, o
Senhor António deu um beijo na boca de Juliana e um abraço bem
apertado nela e Veneranda pensou:
- A Letícia não vai nem acreditar!
Os dois entraram no carro e saíram; Veneranda foi logo atrás, os
seguindo para ver aonde eles iriam. Não demorou muito tempo para ver,
porque logo ali na frente eles entraram em um motel, e quando eles
estavam parados na portaria para entrar, Veneranda tirou uma foto e saiu
com seu carro, rumo às compras que ela iria fazer.
Veneranda foi às compras e ficou pensando quem seria a mulher que
estava com o Prefeito. Ela pensou em ligar para a amiga Letícia, mas já
era tarde e ela não queria incomodar e deixou para enviar as fotos e a
gravação do filme para o outro dia.
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Capitulo IX
No outro dia pela manhã, Letícia acordou cedo a fim de ir ao sítio
conversar com Maria Aparecida. Era um sábado ensolarado e ela pegou
o carro e saiu apressada; havia tomado um pouco de café e comeu uma
fruta. Chegando ao sítio, foi recebida pela Maria Aparecida que disse:
- Eu sabia que você viria hoje.
- Como a senhora sabia se eu não comentei com ninguém?
- Você se lembra de que eu a chamei para vir aqui?
- A senhora está me dizendo do sonho que eu tive?
- Não querida, foi eu quem pediu para você vir, para você foi apenas um
sonho, mas a realidade a trouxe aqui.
- Porque a senhora não me ligou pedindo para eu vir aqui?
- Não sei se você sabe, eu não tenho telefone, eu sou avessa à
modernidade, e é por isso que eu pedi para você vir através de seu
sonho.
- Por isso que aquele sonho parecia tão real.
- Isso mesmo, eu queria que você viesse para conversarmos.
- A senhora tem alguma novidade para me dizer?
- Tenho sim, eu gostaria que você se candidatasse como prefeita para a
próxima eleição.
- Não seria melhor eu tentar como vereadora em primeiro lugar, e depois
tentar concorrer como prefeita?
- Não, a cidade precisa urgente de uma nova força política, tudo nesta
cidade precisa ser repensado, e eu gostaria que você pensasse no
assunto.
- Maria Aparecida, eu briguei com o meu marido e me separei dele, eu
não vou ter o apoio dele e não sei quem me apoiará.
- O povo te apoiará, mas não pensa que irá ser fácil, você terá pela frente
uma luta muito grande, e as tentações para parar serão grandes
também, mas você é forte e conseguirá seguir em frente, mas lembre-se
do que eu disse o coração à frente de tudo, e quanto à separação, você
não é a primeira e nem será a última, mas essa não será a sua luta, essa
ainda está por vir.
- Maria Aparecida, você está me assustando! O que você quis dizer com
isso?
- Não precisa se assustar, na vida sempre aparecerá obstáculos que
temos que passar, seja pulando eles, seja dando a volta, ou lutando para
conseguir seus direitos.
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- Você tem razão, mas me diga uma coisa: era isso que você queria-me
dizer sobre colocar o coração à frente de tudo... Eu me candidatar para
prefeita?
- Naquela época eu sabia apenas que você teria algumas lutas pela
frente, mas não conseguia enxergar quais eram as lutas. Eu a chamei
aqui porque uma dessas lutas é a sua candidatura à prefeitura.
- Entendi, mas você acha que eu vou ganhar?
- Só o tempo dirá, dependerá de suas ações e suas atitudes, e
dependerá também da sua vontade de vencer e do por que você vai
lutar.
- Não entendi muito bem o que você me disse. Como assim o porquê eu
vou lutar?
- Como eu disse você terá várias batalhas, e uma delas eu já consegui
identificar, que é a sua candidatura; as outras, ainda existe uma névoa
que encobre minha visão total dos fatos.
- Então, eu ainda vou ter que ficar mais um tempo sem saber o que vai
me acontecer?
- O que acontecerá no futuro é ditado pelas sementes que nós plantamos
hoje.
- Não entendi.
- Vou lhe dar um exemplo: se você plantar um pé de figueira, o que você
vai colher no futuro?
- Assim é fácil, vou colher figos.
- Muito bem, e se você plantar ódio, rancor e antipatia, o que você vai
colher?
- Inimizade, raiva, distanciamento das pessoas.
- Então eu te pergunto o que deve ser plantado hoje?
- Entendi! Tudo depende de nossas ações, tudo o que eu plantar, vou
colher.
- É a lei da vida, tudo o que você fizer com o coração, você terá um
retorno repleto de flores; quanto mais escuridão você instalar em seu
coração, mais imersa na derrota você estará, por isso procure sempre o
caminho da luz.
- Você tem razão, e a qual partido você acha que eu devo me filiar?
- Mantenha-se ao partido de oposição a esta prefeitura que aí está; fique
ao PRDS - Partido Republicano da Democracia Social, não se filie ao
outro, o PPRN - Partido Populista Republicano Nacional.
- Sim, é a esse partido que eu sou filiada PRDS e meu ex-marido é do
partido! Isso não vai criar polêmica?
- Ele vai mudar de partido, se é que já não mudou.
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- Maria Aparecida, você tem certeza?
- Está mais cristalino que água, ele vai mudar de partido e isto é certo, e
o que indica isto é que os vereadores que quiserem mudar de partido
têm até o dia vinte e três de outubro para informar o TRE sobre suas
novas filiações e fazê-lo sem perder o mandado por infidelidade
partidária, mas eles só podem se filiar a um novo partido, e o novo
partido que está sendo criado é o PCL - Partido das Classes Laboriosas.
- Você tem certeza disso?
- Faça uma coisa: espere alguns dias, e se você souber que ele mudou
de partido, dê andamento a sua candidatura e inscreva-se para disputar
o cargo de Prefeita.
- Vou fazer isso, assim que eu souber que ele mudou de partido, eu
saberei que minha luta começará.
- É assim que se fala!
- Muito obrigada, Maria Aparecida! Agora eu vou indo, tenho muita coisa
para pensar.
- Vá com Deus, e lembre-se: o coração à frente de tudo.
- Pode ficar sossegada, e você esteja com “ELE”.
Letícia saiu com a cabeça cheia de dúvidas, quais seriam as batalhas
que ela tinha que travar, será que seu marido realmente irá se desligar
do partido e entrar em um novo, essas respostas ela teria que esperar,
Letícia foi para casa e esses pensamentos rondavam sua cabeça. Já
estava quase na hora do almoço quando Letícia chegou em casa e ela
viu sua empregada. Perguntou:
- Elza, se eu me candidatar você votaria em mim? Eu quero que você
seja sincera.
- Votaria sim, senhora! A Senhora é uma pessoa de bem, muito diferente
do seu marido, e olha, se a senhora se candidatar eu acho até que a
senhora ganha.
- Obrigada pela franqueza, Elza, eu estou pensando em me candidatar à
prefeita da cidade.
- Pois faça isso, Dona Letícia, eu conheço muita gente e a ajudaria em
sua candidatura.
- Vou pensar bem nesse assunto, mais uma vez, obrigada, Elza.
- Não tem de quê! A propósito, a senhora quer almoçar? O almoço já
está pronto.
- Boa idéia, Elza, eu estou com fome, pode arrumar a mesa. E o meu ex?
Por acaso ele apareceu por aqui?
- Não apareceu não, Senhora.
- Enquanto você apronta a mesa eu vou ao escritório, fazer uma ligação.
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- Está bem, Dona Letícia, assim que estiver na mesa eu aviso a Senhora.
Letícia saiu da cozinha e foi ao escritório. Ligou para a amiga Veneranda,
para contar as novidades.
- Veneranda, sou eu, a Letícia, tudo bem com você?
- Oi Letícia, tudo bem, ainda bem que você ligou porque estava louca
para falar com você, mas estava tão atarefada porque o movimento aqui
está uma loucura.
- Não me diga, que notícia boa! Mas eu liguei para perguntar uma coisa
para você.
- O que é? Pode perguntar.
- Você acha que eu devo me candidatar para Prefeita para a próxima
eleição?
- Claro que sim, amiga! Nós já tínhamos falado sobre isso. Por quê?
Você tem alguma novidade?
- Tenho sim, eu fui ao sítio das irmãs e conversei com a Maria Aparecida;
ela me aconselhou a me candidatar ao cargo de prefeita.
- Foi o que eu te disse, você é a pessoa certa para concorrer nesta
eleição.
- Você acha mesmo, Veneranda? Eu fico indecisa.
- Está na hora de você acabar com essas indecisões; você sabe que é
capaz, e você sabe que tem muita gente que votaria em você de olhos
fechados, então, a hora é agora.
- Você tem razão, amiga, eu vou me candidatar.
- É assim que se fala!
- Você me disse que tinha algo para me falar, diga qual é a novidade que
você tem para me dizer.
- Você está com seu celular aí em mãos?
- Sim, por quê?
- Veja as mensagens que eu estou te mandando.
- Espera um pouco, me deixa ver aqui. Acabou de chegar!
Após alguns segundos de espera para carregar a mensagem, Letícia
abre e fica pasma.
- Eu não acredito Veneranda, é o Prefeito!
- Ele está beijando uma moça que eu não sei quem é ela, você a
conhece.
- Deixe-me ver novamente se eu a conheço... Claro que eu conheço! É a
Juliana da Secretaria de Obras, eu já á vi na casa do Prefeito num dia
em que eu estava lá, conversando com a Rosana.
- Agora veja a foto onde eles foram.
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- Não acredito! Eles estão entrando em um motel! Onde você viu isso,
Veneranda?
- Eu estava saindo para fazer compras ontem à noite e dei de cara com
eles; resolvi segui-los e veja só no que deu.
- Se a Rosana souber, vai ser um bafafá daqueles.
- Para você ver como são as coisas, e mudando de assunto, eu mandei
um e-mail para você sobre o andamento das coisas por aqui, veja só
como mudou tudo.
- Ai, Veneranda eu não sei o que faria sem você.
- Por falar nisso, quando você vem para cá?
- Ainda não sei, vou só esperar umas coisas acontecerem para eu ir para
aí.
- O que você vai esperar?
- Por enquanto não é nada, mas quando eu for aí, eu te conto; estou
pensando em ir hoje à casa da Rosana, mas por enquanto não vou
comentar nada a ela sobre os fatos.
- Pelo amor de Deus, não mostre isso a ela! E se você algum dia
mostrar, não diga que fui eu quem gravou, eu não quero inimizade da
Rosana.
- Pode deixar, eu não vou falar nada por enquanto, só vou até lá para dar
uma especulada sobre o ex.
- O que você está querendo saber dele?
- Só quero saber se ele andou falando alguma coisa sobre mim.
- Então está bom, não se esqueça de me avisar quando estiver vindo
para cá.
- Está bom, assim que eu for até aí e dou uma ligadinha antes, tchau,
amiga.
- Tchau, vê se não demora, estou com saudades.
- Eu também, tchau.
Letícia desligou o telefone almoçou e escovou os dentes e foi até a casa
de Rosana. Como a casa é próxima da sua, ela foi a pé.
Chegando lá, ela tocou a campainha e foi atendida por Dona Maria,
empregada de Rosana, que disse:
- Dona Letícia, que bom que a senhora veio! Eu estava mesmo pensando
na senhora.
- Por que, Maria? Não faz tanto tempo assim.
- Eu sei, é que eu gosto da sua presença, faz um bem para Dona
Rosana! Ela anda meio chateada e não sabe muito bem o por que; talvez
ela conte para a senhora, não conte para ela que eu estou te contando.
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Letícia ficou imaginando o que teria acontecido para sua amiga estar
chateada. Foi entrando e disse:
- Pode deixar Maria, eu não vou falar nada sobre isso.
Letícia entrou na residência e deu de cara com a amiga Rosana. Letícia
notou que a amiga estava com uma cara fechada como se não estivesse
se sentindo bem, então ela perguntou:
- Você não está se sentindo bem, Rosana?
- Porque a pergunta? Minha cara não está boa?
-Desculpe-me, boa tarde Rosana, é que eu achei você um tanto quanto
abatida, sua fisionomia me diz que você dormiu pouco.
- Tem razão, amiga, eu não dormi muito bem, e já faz alguns dias que
isto está acontecendo.
- Qual é a razão para você não estar dormindo bem?
- É o António, eu acho que ele tem outra.
Para não deixar à amiga ainda mais por baixo, Letícia ficou calada e
pensou bem nas palavras.
- Porque você diz isso, Rosana?
- Ele some algumas noites e diz que ficou com os vereadores tomando
umas cervejas, mas eu não acredito nessa estória.
- Ele te dá motivos para você não acreditar nele?
- De vez em quando ele me traz uns mimos: uma pulseira de ouro, um
brinco novo, um anel de brilhantes para me agradar, mas eu sei que é
apenas remorso por ter cometido algum erro.
- Não fique assim, pensativa; tire isso da cabeça, talvez ele apenas
estivesse querendo te agradar.
- Você acha isso, amiga?
- Não sei, eu apenas suponho.
Enquanto as duas amigas conversavam, o Senhor António chegou a
casa e viu que sua esposa conversava com a amiga. Ele, para não
perder o tom do deboche, disse à Letícia:
- Olha só a mulher que acha que entende tudo de política! Não
conseguiu nem segurar o marido, vai querer entender de política!
Rosana interveio no deboche do marido e disse a ele:
- Basta, António, você com essa conversa está irritando, e eu não estou
gostando do rumo dela.
Letícia disse:
- Para o seu conhecimento, fui eu quem pediu para o Valdomiro sair de
casa; em segundo lugar, fui eu quem o elegi pedindo votos para ele, e
em terceiro lugar, fui eu quem pagou toda a campanha dele. Quero ver
se agora ele consegue se eleger sozinho.
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- Você vai ver como ele vai se eleger! Ele saiu do partido da qual você o
colocou e está indo para um novo partido que está sendo criado, e eu
serei o padrinho político do seu marido.
Naquele momento, Letícia sentiu um calafrio; parece que ela podia ouvir
o que Maria Aparecida lhe disse. – Seu marido vai trocar de partido e
você poderá se candidatar.
- Senhor António, o Senhor irá se surpreender, mas agora estou disposta
a encarar a política e o Senhor terá notícias minhas.
Rosana, vendo que a conversa iria ficar fora de controle, disse à Letícia:
- Venha, vamos conversar no meu quarto.
- O Prefeito riu e debochou de Letícia novamente.
- Você vai ser mais uma vereadorazinha do seu partido?
Letícia olhou para ele e não respondeu nada; saiu com a amiga para o
quarto.
- Viu como eu me sinto amiga? Ele chega aqui em casa e fica assim,
debochando, me tirando do sério! Eu não sei o que ele está querendo.
- Deixa isso para lá, dê uma gelada nele, ignore-o e você vai se sentir
melhor.
- Você acha amiga, que ele vai mudar?
- Pode ter certeza que vai, ele brincou com fogo, se não se cuidar, pode
se queimar.
- Puxa vida, amiga, não fique nervosa você também, mas me diga o que
veio fazer aqui hoje?
- Vim ver como você estava, fazia tempo que nós não conversávamos e
eu resolvi vir bater um papo com você, e por sorte fiquei sabendo mais
do que eu queria.
- Como assim, amiga? Do que você ficou sabendo?
- Que o meu ex, o Valdomiro, mudou de partido, que ele agora vai andar
com as próprias pernas, sem eu precisar carregar.
- Está certo, mas e esse partido que ele entrou, será que é bom?
- Bom nada, é outro partido pequeno, que não tem representação, e vai
ficar pedindo dinheiro para votar temas polêmicos com o que melhor lhe
convier.
- Você acha isso mesmo?
- Pode ter certeza, Rosana, o Valdomiro se faz de sonso, mas de bobo
ele não tem nada; para esse tipo de coisa ele se acha um espertalhão,
mas com a consciência do povo, este tipo de político cada vez mais vai
estar fora.
- Assim espero. Meu marido nunca falou nada a esse respeito comigo.
Tomara que ele não seja deste tipo de político.
63
- Só o tempo dirá Rosana. Se ele não for um bom Prefeito, os erros vão
aparecer e nós ficaremos sabendo quem são as pessoas.
- Letícia, você fala de uma maneira como se soubesse de alguma coisa.
Letícia rapidamente mudou de assunto, para não precisar dizer o que
sabia.
- Rosana vamos mudar de assunto, me diga uma coisa: você foi à festa
da Amanda na sexta feira?
- Fui, mas estava muito chata, só tinha políticos falando as besteiras de
sempre; aí eu fiquei conversando com a Bruna, filha do Euclides, o ex-
prefeito de Lindos Montes, que é padrinho político do meu marido.
- E não tinha ninguém mais conhecido para você conversar?
- Estava lá a Juliana, aquela da Secretaria de Obras; ela é uma chata, eu
não sei por que, mas não gosto dela. Estava lá também a Eunice, mulher
do Vereador Gerson Lino, mas eu não converso muito com ela; por isso
eu pedi para o António me trazer cedo para casa; ele me trouxe e depois
voltou para a festa.
- Então, ainda bem que eu não fui.
- Se você tivesse ido, poderíamos ficar conversando e a festa não ficaria
tão chata.
- Bom, eu já vou indo, preciso fazer algumas coisas.
- Ainda é cedo, vamos tomar um chá antes de você sair.
- Está bem, mas eu preciso ir tenho muitas coisas a fazer.
Rosana e Letícia tomaram o chá e ficaram conversando por alguns
minutos até que Letícia pediu licença e foi embora; ela não queria perder
tempo e foi até o comitê central do partido e procurou o senhor Ricardo
Amaral, que é o presidente do partido na cidade de Lindos Montes, para
uma conversa sobre candidatar-se e ter o direito de busca de habilitar-se
a um cargo publico. Assim que o encontrou, iniciou a conversa.
- Senhor Ricardo, boa tarde, eu gostaria de conversar com o Senhor
sobre eu me candidatar ao cargo de Prefeita para o próximo pleito; eu sei
que tenho todas as qualificações para disputar a vaga.
- Boa tarde, Letícia, que bom vê-la por aqui! Você está certa de que quer
concorrer à vaga de prefeito na próxima eleição?
- Eu tenho todas as qualidades que o nosso partido precisa, e tenho
certeza que irei ganhar esta eleição.
- Letícia, você sabe que terá que concorrer com outros nomes do partido,
nós teremos que fazer a Convenção Partidária e você já sabe que temos
dois nomes concorrendo a esta vaga.
- Inclua meu nome para eu também concorrer.
- Você tem todas as exigências que a lei determina?
64
- Claro que sim, Senhor Ricardo, tenho mais de vinte e um anos, já sou
filiada ao partido há mais de quatro anos. Bem, como não tenho incorrido
em quaisquer hipóteses de inelegibilidade previstas no Código Eleitoral,
eu gostaria de ser candidata a candidata do partido.
- Eu sei que seu nome é forte, Letícia, então vou incluir seu nome para a
eleição Interna do Partido da convenção partidária, mas eu gostaria de
perguntar se sua decisão tem alguma coisa a ver com a saída do seu ex-
marido do partido.
- Senhor Ricardo, tenho certeza que me sairei muito bem na convenção,
e minha decisão nada tem a ver com a saída do Valdomiro; nós nos
separamos e eu não irei mais financiá-lo em sua campanha, quero
mostrar meu valor e mostrar ao povo de Lindos Montes que existe
política sem vícios.
Letícia agradeceu ao Senhor Ricardo por ele incluí-la como candidata e
saiu.
Assim que Letícia retirou-se, o Senhor Ricardo foi conversar com o
secretário do partido, o Senhor Moacir Fortes.
- Senhor Moacir, boa tarde. Hoje eu fui procurado pela Senhora Letícia a
ex-mulher do vereador Valdomiro e ela está querendo se candidatar à
Prefeita da cidade, o que você acha a respeito?
- Eu acho que é uma boa idéia; ela é bastante carismática, tem um bom
eleitorado, afinal de contas, foi ela que elegeu o Valdomiro; diga-se de
passagem, ainda bem que ele saiu do partido, ele é uma mala sem alça,
e sem a mão dela ele não se elege para nada, a mulherada da cidade
gosta muito dela.
- Vou incluir o nome dela na convenção, você pode verificar isso para
mim?
- Claro, já vou providenciar a papelada, e se você quer saber, ainda bem
que ela entrou para concorrer, assim eu acho que temos condições de
ganhar do Prefeito António.
- Também achei isto, os outros nomes não eram fortes o suficiente para
vencer o António. Tudo certo, então eu já vou indo.
- Está certo Senhor Ricardo, até o final de semana estará tudo resolvido.
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Capitulo X
Enquanto isso, na empreiteira Empreita Tudo, o Senhor Reinaldo da às
ordens para enviar as máquinas para a cidade de Lindos Montes, e
também dá algumas recomendações ao Senhor Egídio, mestre de obras.
- Senhor Egídio, eu o chamei para vir aqui em minha sala porque quero
que o senhor siga minhas instruções à risca; em primeiro lugar, use
somente material extra e não use material de primeira; vamos ter que
economizar o máximo possível, o material de primeira é muito caro, e
leve para as obras um número reduzido de funcionários. Inicie a obra
pela terraplanagem das vias vicinais, mas obedeça rigorosamente o que
está no contrato, não vá fazer serviços extras sem minha autorização.
- Sim, Senhor Reinaldo, pode ficar tranqüilo, eu já trabalho aqui na
empresa há quinze anos e sei como o Senhor trabalha.
- Muito bom, então vamos fazer o seguinte: lá para a terraplanagem, leve
uma retroescavadeira, um trator de esteira, uma carregadeira e três
caminhões basculantes; os caminhões já devem levar as pedras britas
para ser colocada nas estradas vicinais após a terraplanagem, e o
principal, na estrada em frente à fazenda do Senhor António e dos
vereadores que estão aqui na ordem de serviço, faça um bom trabalho; o
restante faz o que der.
- Pode deixar Senhor Reinaldo, o serviço vai ficar de acordo com que o
Senhor mandar; tudo o que estiver na ordem de serviço, será executado
de acordo com o que está escrito, o que não estiver no papel, não vai ser
feito.
- Ninguém de fora manda em você, se pedirem algo que não esteja no
papel, peça para me ligar para tirar a responsabilidade de você; muito
cuidado com tudo, observe sempre a segurança, quero que todos
estejam uniformizados e com os equipamentos de segurança, óculos,
luvas, capacetes, não vou tolerar acidentes.
- Eu sei quanto a isso, vou ficar em cima para que nada de errado
aconteça.
- Ok, para a reforma do hospital leve quatro pedreiros e quatro ajudantes
e o material necessário já está no caminhão carregado. Faça um serviço
limpo e sem desperdícios, faça no menor tempo possível e sem
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atrapalhar o atendimento do hospital. Não vou aceitar reclamação da
prefeitura por uma obra que está sendo feita e atrapalhando o
andamento do atendimento ao público.
- O Senhor pode ficar descansado quanto a isso; para essa obra eu
escalei o Germano, pedreiro que o Senhor conhece muito bem; ele faz
um serviço limpo, rápido e sem desperdício, ali eu sei que não vai ter
problema.
- Para as duas escolas, faça o seguinte: comece primeiro pela EMEI
Professor Euclides Motta, como ela está no centro da cidade, vai dar
mais visibilidade para nossa empresa; portanto quero um serviço bem
feito, mesmo usando material extra no lugar de usar de primeira, não vou
querer ver azulejo soltando e nem piso mau colocado.
- Pode deixar Senhor Ricardo, nada disso vai acontecer, vou ficar indo a
todas as obras para que nada de errado aconteça.
- Bom saber, então mãos à obra, quero tudo isso terminado num prazo
máximo de três meses.
- Pode deixar o Senhor vai ficar contente com as obras, tudo vai ficar
pronto no prazo que o senhor determinou. Agora, posso fazer uma
pergunta para o senhor?
- Claro! O que você deseja saber.
- Eu conheço bem a cidade de Lindos Montes. O Senhor sabe me dizer
por que o prefeito não mandou fazer serviço em todas as estradas
vicinais?
- Isso é coisa do prefeito de lá; parece que ele brigou com alguns
sitiantes e resolveu fazer só nos lugares que foram determinados por ele.
- É triste saber disso, o prefeito briga com alguns que reivindicam
melhorias e a cidade toda paga por isso.
- Mas não é tarefa para nós resolvermos, vamos lá fazemos as obras
solicitadas, recebemos o que nos é devido e acabou.
- Está certo, Senhor Ricardo, eu vou lá para o pátio juntar as equipes de
trabalho, e já estamos indo para Lindos Montes.
- Ok, um bom trabalho para todos vocês. Já sabe, qualquer dúvida é
comigo que você vai conversar.
Assim que o Senhor Egídio saiu da sala, o Senhor Ricardo pensou. – O
Egidio está certo; o Senhor António deveria ter feito na cidade toda,
ainda mais em época de eleição, mas isso quem teria que pensar era o
prefeito.
Enquanto isso, na cidade de Lindos Montes, Letícia liga para sua amiga
Veneranda avisando que irá à pousada.
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- Veneranda, sou eu Letícia, você me pediu para te ligar quando eu fosse
para a pousada, então se prepara porque eu vou aí amanhã.
- Verdade, Letícia? Que notícia boa! Eu estava morrendo de saudade de
você!
- Eu também estou com muita saudade sua.
- Não consigo acreditar, diz isso de novo! Fiquei tão feliz.
- Sua boba, é claro que é verdade! Tenho algumas novidades para te
contar e eu não sei por onde começar.
- Começa vindo para cá logo, e como foi à visita à Rosana?
- Foi horrível, logo após eu ter chegado à sua casa, o Prefeito chegou e
começou com aquelas chacotas que você já sabe; eu resolvi não
responder à altura porque tenho outra coisa em mente que vai tapar a
boca dele.
- Conte pra mim, amiga, o que você vai fazer?
- Quando eu chegar aí eu conto para você; vou resolver algumas coisas
por aqui e depois vou arrumar a mala para ir aí amanhã.
- Vai vir de mala e tudo? Parece que você está querendo ficar por aqui
alguns dias.
- Isso mesmo, eu pretendo ficar alguns dias para descansar, e me
preparar para o que vem pela frente.
- Não me deixa curiosa, me diga qualquer coisa.
- Amanhã eu te conto, não quero estragar a surpresa, agora preciso
desligar, tchau amiga, até amanhã.
- Vem cedo, se não eu acabo morrendo de curiosidade, tchau.
Assim que Letícia desligou, ela ficou pensando na amiga que tanto tem a
ajudado, e da saudade que estava sentindo por não estar perto da
amiga. Um pensamento povoou sua cabeça e ela disse a si mesma. – O
que será isso que me deu? Que saudade é essa da Veneranda?
Ela balançou a cabeça negativamente como se fosse querer tirar o
pensamento de seu cérebro; ela saiu para ir ao banco resolver alguns
detalhes de suas contas bancárias e deixar alguns pagamentos em
débito automático.
Chegando ao banco, foi até a mesa do gerente Vagner, que a
cumprimentou e pediu para que ela se sentar. Perguntou em que podia
ajudá-la.
Ela, por sua vez, tirou alguns pagamentos que precisariam ser pagos
mensalmente e ela queria deixar para ser descontado em débito
automático.
Ele deu documentos para ela assinar, perguntou a ela se queria fazer
alguma aplicação financeira, haja vista que ela estava com dinheiro
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parado em conta corrente. Ela perguntou quais eram as aplicações mais
rentáveis e ele explicou uma a uma, as que corriam mais riscos e até a
mais popular, a poupança.
Letícia fez aplicação em poupança, não por ser a mais rentável, mas a
que mais segurança tinha e o resgate poderia ser imediato.
Letícia saiu do banco no final da tarde e foi até o comitê político partidário
para saber como tinha sido a repercussão de sua candidatura à
candidata do partido. Encontrou o Senhor Roberto Amaral e perguntou a
ele como as coisas estavam andando.
- Letícia, boa tarde, eu quero comunicá-la que sua candidatura foi aceita
sem nenhuma ressalva; agora é fazer campanha junto aos nossos
filiados do partido.
- E quando será a convenção partidária?
- Como você sabe, a convenção partidária será entre os dias dez e trinta
de junho e será convocada a comissão pelo nosso Diretório Municipal.
- Estou ansiosa para que este dia chegue rápido.
- Fica calma, pelo que eu andei apurando, você tem boas chances junto
a nossos filiados, muitos a conhecem e gostaram de sua indicação.
- Fico feliz, assim que o Senhor tiver alguma notícia, por favor, não se
esqueça de me avisar; em minha ficha de filiação ao partido tem o
número do meu telefone celular pode ligar a qualquer hora.
- Pode ficar tranqüila que eu faço isso.
Letícia saiu satisfeita do comitê central do partido, ela sabia que teria que
travar uma batalha com seus companheiros de partido, mas ela sabia
que poderia vencê-los, pois ela era forte no partido. Foi para sua casa a
fim de descansar.
Quando voltava para sua casa a pé, viu as máquinas e os trabalhadores
da empreiteira que haviam chegado para os trabalhos nas escolas e no
hospital; notou que chegou pouco material para as reformas necessárias
e ficou ali por um tempo observando a movimentação; depois de alguns
minutos de observação. Foi para sua casa.
Chegando a casa, Letícia conversou com sua empregada, Elza, para ver
se tinha algum recado e na negativa da empregada, ela avisou que iria
tomar um banho e que em trinta minutos, Elza poderia servir o jantar. Ela
subiu para seu quarto, tirou a roupa e ficou olhando-se no espelho para
ver se encontrava alguma gordurinha sobrando ou alguma celulite, mas
para sua alegria, nada estava fora de lugar; ligou os registros da
banheira, colocou sais de banho, verificou a temperatura da água e
entrou na banheira, encostou-se a um dos cantos da banheira, fechou os
olhos por alguns instantes para relaxar, pegou uma esponja macia e
69
começou a passar em seu corpo com movimentos suaves e por um
instante, lembrou-se de Veneranda a acariciando e ela começou a se
acariciar, suas mãos percorriam todo seu corpo e em alguns minutos ela
estava em êxtase. Quando abriu os olhos, Letícia se sentiu apavorada e
pensava porque aquelas carícias trocadas com Veneranda mexeram
tanto com ela. Ficou ali parada por mais alguns minutos até que se
levantou e saiu da banheira e foi enxugar-se. Seus pensamentos
estavam confusos e pensou:
- Que atração é esta que estou sentindo por Veneranda? O que está
acontecendo comigo? Estou com muito medo.
Letícia colocou uma camiseta longa e uma calça de moletom e desceu
para jantar. Ela ainda estava pensativa quando Elza perguntou:
- A Senhora está sentindo alguma coisa, Dona Letícia?
Ainda atônita Letícia respondeu com uma pergunta.
- Porque a pergunta, Elza?
- Eu estava falando com a Senhora e a Senhora não me respondia;
parecia que seu corpo estava aqui, mas sua mente estava longe.
- Desculpe-me, Elza, realmente minha cabeça estava longe, mas já
voltei, pode servir o jantar.
Letícia jantou calada, e sem dizer uma palavra, ficou ali refletindo por um
bom tempo até que foi interrompida por Elza.
- Dona Letícia, a Senhora tem certeza de que está bem?
- Da pra notar, não é? Hoje eu estou um pouco ansiosa com minha
cabeça cheia de dúvidas; sabe quando a gente está bem, mas não se
sente assim?
- Posso ajudar em alguma coisa? Já faz algum tempo que eu servi o
jantar e a senhora ainda nem tocou na comida; por acaso a comida não
está boa?
- A comida está sim, Elza, eu é que não sei o que está acontecendo
comigo.
- Como foi a conversa lá no seu partido?
- Foi tudo bem Elza, você vai ser a primeira, a saber: eu me candidatei
no meu partido para tentar cargo de Prefeita.
- A senhora vai ser candidata à Prefeita, Dona Letícia?
- Ainda não, eu sou candidata a candidata.
- Não entendi Dona Letícia.
- É o seguinte, Elza, nós damos o nome ao partido e concorremos com
outros candidatos do próprio partido, e quem vencer, vai ser o candidato
do partido, entendeu?
- Ah! Agora entendi quem vencer, vai ser o candidato do partido.
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- Isso mesmo, primeiro vai ter a convenção do partido, quem vencer sai
candidato.
- É por isso que a senhora está no mundo da lua.
- No mundo da lua, boa essa, mais ou menos isso.
- Vai dar tudo certo, Dona Letícia, a senhora é bastante querida na
cidade.
- Tomara, mas agora me deixe comer antes que esfrie e você brigue
comigo.
- Dona Letícia, a Senhora tem cada uma, onde já se viu eu não vou
brigar com a senhora?
- Brincadeira, eu só queria ver sua reação.
Assim que Elza saiu da sala de jantar, Letícia terminou de comer e subiu
para seu quarto; pegou um livro e começou a ler, mas não conseguia se
concentrar com a leitura, seu pensamento estava em outra cidade e
chamava-se Veneranda.
- O que será que Veneranda está fazendo agora? Acho que vou ligar
para ela... Mas pensando bem, já é um pouco tarde para incomodar...
Deixa amanhã eu vou para lá e mato a saudade dela. Pensou Letícia.
No outro dia pela manhã, Letícia acordou, tomou banho, colocou roupa e
desceu para tomar o café da manhã; ela estava agitada, com pressa e
sua empregada perguntou:
- Quanta pressa, Dona Letícia, a senhora já está indo para sua pousada?
- Sim, eu já estou indo pra lá, mas como você sabe?
- Eu deduzi, é que ontem eu a vi arrumando a mala e imaginei que a
senhora estivesse indo para lá. Aconteceu alguma coisa?
- Não, não aconteceu nada, é que eu preciso refletir sobre vários
assuntos, então, resolvi ficar por lá alguns dias.
- Então está bem, já que a Senhora não vai ficar por aqui hoje, vou
aproveitar para ir à casa de minha irmã Odete.
- Tudo bem, Elza, pode ir e se divirta.
- Obrigada, Dona Letícia, e a senhora vai com Deus.
- Obrigada, Elza.
Letícia saiu cedo para Poços de Caldas e foi para lá com um só
pensamento: encontrar Veneranda. Queria conversar com Veneranda e
verificar o que sentia por ela. A viagem foi rápida e tranqüila e ao chegar
à pousada, a primeira coisa que fez foi procurar à amiga e a avistou na
recepção da pousada. Veneranda ao ver a amiga, correu até a portaria
para abraçá-la.
- Letícia, que saudade sua! Eu senti muito sua falta!
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- Eu também, Veneranda, eu pensei muito em você e não podia mais
esperar para te ver, te abraçar, eu preciso muito falar com você.
- Letícia, venha, vamos para o quarto, eu já deixei tudo arruadinho para
quando você chegasse.
- Está bem, então vamos indo.
As duas foram pegar a mala que Letícia trouxe e foram para o quarto; as
duas estavam felizes, se abraçaram novamente num abraço bem
fraterno e Letícia chegou a beijar na boca de Veneranda, que ficou rubra
na hora e perguntou.
- O que foi isso, amiga?
- Vamos entrar que lá dentro eu conto tudo para você.
Elas estavam tão alegres juntas que nem perceberam que Priscila, que é
camareira da pousada e que é amiga do Senhor Gilberto, as observava e
percebeu o beijo roubado de Letícia em Veneranda. Priscila pensou:
- Será que eu vi aquilo, um beijo na boca? De onde eu estou não
consegui ver direito, mas vou ficar de olho e tirar essa estória a limpo,
essas duas não me enganam.
Letícia e Veneranda entraram no quarto e ficaram ali, paradas atrás da
porta, uma olhando fixamente na cara da outra, até que Veneranda
perguntou bem baixinho para a amiga:
- Letícia, o que foi aquilo? Eu quase nem acreditei! Você acabou me
beijando, o que aconteceu amiga?
- Veneranda, já faz algum tempo que eu queria conversar sério com
você. Depois daquele dia na banheira, eu me senti muito confusa com
meus sentimentos, mas depois que eu fui pra casa e refleti direito;
percebi que você faz parte da minha vida e eu, ao seu lado, sou muito
feliz.
- Não me diga uma coisa dessas, amiga! Eu sempre reprimi meus
sentimentos em relação a você com medo de sua reação. Naquele dia eu
pensei que a tivesse perdido para sempre, mas hoje vi que você também
não é indiferente em relação a mim.
As duas se abraçaram novamente, mas dessa vez bem forte; o beijo
entre ambas fluiu naturalmente, sem máscaras, sem medos, sem
preconceitos e elas continuaram abraçadas por um tempo até que
Veneranda a soltou e perguntou:
- O que fez você mudar de idéia a meu respeito?
- Eu não mudei de idéia a seu respeito, eu sempre fui a mesma, só não a
enxergava da maneira que você me via.
- Como assim? Eu não entendi!
72
- Eu sempre queria estar perto de você, compartilhar da sua amizade,
fazer parte da sua vida, mas eu não a olhava com os olhos do desejo;
mas depois daquele dia na banheira, eu comecei a enxergar com outros
olhos, os olhos do desejo, do amor, do carinho.
- Eu a via da mesma maneira, mas sempre tive medo de uma
aproximação maior, com medo de você não entender.
- Me diga uma coisa, há quanto tempo você sente isso por mim?
- Eu sempre gostei de ser sua amiga, estar perto de você me deixava
feliz, você sempre foi bastante divertida. Na época de faculdade, quando
nós estudávamos em salas de aula próximas e ficávamos conversando
no intervalo das aulas, eu mantinha um sentimento por você, mas ainda
não sabia muito bem o que era, e quando terminamos a faculdade e eu
fui trabalhar naquela agência de turismo, eu conheci uma garota
chamada Rebeca; muito legal também, e nós íamos juntas para a
balada, saíamos para happy hour sempre juntas, até que um dia,quando
voltávamos de uma festa e já era tarde, ela me convidou para dormir em
sua casa e eu aceitei; eu havia bebido um pouco e estava meio zonza,
ela me levou para o chuveiro para eu tomar um banho para ver se eu
melhorava do pileque que eu havia tomado; como ela estava se
molhando, ela tirou a roupa e entrou no chuveiro comigo; ela me
perguntou se eu já havia experimentado uma relação do mesmo sexo, eu
disse que não e ela me perguntou se eu queria saber como era. Eu
estava com medo, mas excitada, e queria saber como era e fomos até o
fim.
- E como foi essa experiência?
- Foi bacana, mas eu não sentia por ela o que eu sinto por você, ela era
minha amiga e tudo, mas faltava alguma coisa. Depois teve outra coisa,
eu fiquei com medo do que os outros iriam dizer, fiquei com medo que
ficassem me apontando e me discriminando e resolvi que não mais ia
continuar com a amizade com a Rebeca; saí da agência de turismo, logo
depois comecei a namorar o Sérgio, eu até gostava dele, mas ele era tão
possessivo, tão machista, e eu fui me distanciando dele, a nossa relação
não era de amor; eu buscava uma saída, eu queria saber se eu em uma
relação hetero me sentia mais feliz, mais desejada, mais amada, mas o
Sérgio não me trouxe isso.
- Foi só essa vez com a Rebeca que você se viu numa relação com o
mesmo sexo, ou já houve outras?
- Sim amiga não vou mentir. Lembra quando nós fomos para a banheira
e eu disse que havia aprendido a fazer uma massagem com Laura?
Então, eu e a Laura trocamos carinhos quando eu fui fazer massagem
73
com ela; em primeiro lugar ela começou a passar creme pelo meu corpo
todo e eu percebi que suas mãos me tocavam as partes intímas de uma
maneira deliciosa e eu não fiz nenhum gesto para que ela parasse; aí ela
percebeu que eu estava gostando e fomos até o fim, mas fiquei só
naquela massagem, eu estava me sentindo tão só e carente que deixei
me seduzir; mas passou o tempo e eu e você, Letícia, voltamos a ter
aquela amizade da adolescência; eu me senti tão sua amiga, sempre me
senti segura ao seu lado, sem saber o que estava acontecendo, você me
ouvia, me dava conselhos, e isso nutria esse grande amor que eu sinto
por você.
- Veneranda, me beije como nunca beijou ninguém, eu a quero agora,
quero tudo de bom que você tem a me oferecer, e eu te darei o meu
melhor: a minha alma.
As duas se abraçaram e foram tirando lentamente a roupa uma da outra,
e em pouco tempo estavam na cama entregues ao amor.
Já era fim de tarde quando as duas, exaustas pelo desejo incontrolável
que se abateu sobre elas, deitaram-se abraçadas lado a lado para
descansarem. Veneranda disse a Letícia:
- Nada vai nos separar, eu vou mover montanhas e pedras do caminho
para estar sempre do seu lado.
- Veneranda temos que ir com cuidado, eu também quero ficar com você
para sempre, mas nós temos nossas vidas, nossos amigos, temos os
nossos caminhos e nós temos muita coisa para pensar, precisamos ir
devagar.
- Acho que você tem razão, eu fui muito precipitada não pensei em nada,
só em nós.
- Eu também estou pensando em nós, mas precisamos ir devagar para
sabermos o que realmente sentimos uma pela outra, se realmente é
amor ou se é uma paixão incontrolável; vamos devagar, vamos sentir
nossos corpos, vamos sentir nossas emoções, e depois vamos fundo.
- Letícia, eu não sei você, mas eu estou com fome.
- Eu também, vamos jantar aonde? Aqui na pousada ou vamos fora?
- Vamos fora, assim podemos comemorar.
- Sim, mas vamos devagar porque alguém pode nos ver e ai é confusão
na certa; do mesmo modo que você viu o prefeito com a Juliana, alguém
pode nos ver também; aqui no quarto seremos apenas nós, lá fora
vamos manter as aparências, não deixar ninguém saber, pelo menos por
enquanto.
Com a concordância das duas, Letícia passou então a contar para
Veneranda tudo o que estava acontecendo em Lindos Montes.
74
- Veneranda, as obras do Prefeito já começaram lá na cidade, e pelo que
eu vi o material deixado para as obras era muito pouco; não dava para
fazer uma boa reforma, dava apenas para algumas obras emergenciais,
não acredito que com aquele valor que está na placa da obra seja para
tão pouco, o valor cobrado foi muito alto.
- Será que está trazendo os materiais aos poucos? Aí poderia estar
certo.
- Tomara que você tenha razão.
- Não vejo a hora que as estradas vicinais estejam com a terraplanagem
pronta; elas estão com muitos buracos. Antes de sair, eu vi chegando um
trator de esteira e alguns caminhões basculantes trazendo brita para
colocarem no solo.
- Então, Letícia, eu acho que eles vão fazer um serviço de acordo,
também por aquele preço que você me falou, tem que ser mesmo.
- Não sei não, o Valdomiro estava muito contente.
- Vamos jantar e depois nós fazemos alguma coisa aqui na pousada; eu
quero ver a novela, já está nos capítulos finais.
- Então vamos logo, para voltarmos cedo.
As duas saíram da pousada e foram jantar em um restaurante próximo
porque queriam voltar cedo.
Assim que viu as duas saírem da pousada, Priscila foi até o quarto delas
para dar uma xeretada e ver se encontrava algo que denunciasse que as
duas estavam numa relação homo afetivas, mas não encontrou nada que
pudesse tirar proveito; saiu do quarto discretamente, mas deu de cara
com a Rosa, outra camareira da pousada, que é amiga de Letícia, e
Rosa perguntou à Priscila:
- O que você está fazendo no quarto de Dona Letícia?
Tentando disfarçar o constrangimento, Priscila respondeu:
- Eu vim ver se estão faltando toalhas limpas e se precisa de limpeza.
- Você sabe que sempre sou eu que faço a limpeza no quarto dela, e ela
não quer que ninguém entre no quarto sem autorização.
- Eu sei, mas agora eu já olhei e não tem nada para ser feito, está tudo
arrumado.
- Vá olhar o quarto número quinze do hóspede acabou de sair, deve
estar sujo.
- Está bem, Rosa eu já vou indo.
- O que será que essa menina estava fazendo no quarto da Letícia?
Deixa-me eu ir verificar se tem algo errado antes que Dona Letícia e
Dona Veneranda cheguem.
75
Ela entrou no quarto e verificou se estava tudo em ordem, e como não
havia nada fora de lugar, ela trancou a porta e saiu.
Em pouco tempo Letícia e Veneranda chegam à pousada. Rosa estava
na recepção esperando-as, e assim que entraram na pousada, Rosa foi
conversar com elas.
- Dona Letícia, boa noite, eu queria conversar com a Senhora por alguns
minutos.
- Pois não, Rosa, pode falar, aconteceu alguma coisa enquanto
estivemos fora?
- Na verdade, acontecer não aconteceu nada, mas uma coisa me
chamou a atenção; foi a Priscila, camareira que estava no quarto da
Senhora; eu perguntei o que ela fazia lá, e ela me disse que estava
apenas limpando, mas ela sabe que quem limpa o seu quarto sou eu, por
atender um pedido seu.
- E ela não deu nenhuma explicação sobre o que fazia lá?
- Ela disse que foi apenas curiosidade, mas como ela era amiga do
Senhor Gilberto, eu não espero muita coisa dela.
- Ok Rosa, muito obrigada, amanhã cedo eu vou falar com ela para ela
não entrar lá novamente,
- Está bem, Dona Letícia, agora eu vou me recolher.
- Tudo bem, Rosa, pode ir dormir.
Letícia e Veneranda foram para o quarto e Veneranda perguntou:
- Será que ela viu ou ouviu alguma coisa entre nós?
- Não sei, mas amanhã eu vou verificar agora você sabe por que temos
que ser bastante discretas.
- Olha só como são as coisas, somos livres para fazermos o que
quisermos e vem essa menina para estragar tudo.
- Pode deixar Veneranda, é só a gente seguir com discrição e deixar a
poeira baixar; se ela viu alguma coisa, ela vai querer ficar por perto para
poder filmar e passar para o Senhor Gilberto, mas nós também vamos
ficar de olho nela.
- Se ela só viu, não tem problema, a coisa vai ficar feia se ela filmou.
- Acho que ela não filmou nada, se não ela não viria ao quarto para tentar
encontrar alguma coisa; amanhã vou mandar trocar a fechadura e só eu,
você e a Rosa teremos a chave.
- Boa idéia, assim evitará que essa menina fique bisbilhotando, e se for o
caso, demita-a.
- Vamos ficar assim por enquanto, ela não fez nada, então não temos
motivo, mas se ela forçar uma barra, eu não terei alternativa.
- Vamos para o quarto, não quero perder a novela, já está quase na hora.
76
- Então vamos logo, assim você para de chorar.
- Bobona, eu não estava chorando.
- É brincadeira sua boba, vamos logo.
As duas foram para o quarto e ficaram assistindo televisão deitadas na
mesma cama e bem abraçadinhas, e assim que a novela terminou
novamente elas fizeram amor e já quase no final da noite, as duas
dormiram abraçadas e satisfeitas.
No outro dia pela manhã, Letícia encontrou Priscila em um quarto
próximo ao seu e perguntou:
- Ontem fiquei sabendo que você estava em meu quarto, você quer me
contar por que estava lá?
Priscila já pensava em uma resposta, pois sabia que Rosa iria contar
para elas assim que elas chegassem, então tinha uma resposta na ponta
da língua.
- Desculpe Dona Letícia, eu vejo as roupas que a senhora usa e também
da Dona Veneranda, eu acho o máximo, então resolvi dar uma
olhadinha, espero que a Senhora não fique brava.
- Tudo bem, Priscila, deixa pra lá, do que você viu o que mais gostou?
- Daquela calça jeans de cintura baixa, eu acho demais.
- Eu te dou uma de presente. Então, qual o número que você usa?
- Eu uso tamanho quarenta, mas não precisa se incomodar, Dona
Letícia.
Letícia sabia que era mentira, mas resolveu atender, para não levantar
ainda mais a curiosidade de Priscila.
- Está bem então, hoje mesmo eu trago uma pra você.
- Obrigada, Dona Letícia, mas não precisava mesmo.
Letícia e Veneranda foram tomar o café da manhã e encontraram Rosa
na recepção, e conversaram com ela sobre o caso; disseram a ela que
tudo estava resolvido.
Letícia ligou para um chaveiro, Senhor Daniel, dono da microempresa
Dani Chaves e Carimbos ME, que sempre prestou serviços para a
pousada, e ele informou que viria em seguida.
As duas tomaram café sossegadamente, passados alguns minutos, o
Senhor Daniel chegou para trocar a fechadura. De longe Priscila o viu
trocando a fechadura e pensou:
- Se estão mudando a fechadura é porque estão escondendo alguma
coisa, e eu não sossego enquanto não descobrir.
O Senhor Daniel entregou as chaves à Letícia, recebeu seus honorários,
agradeceu pela preferência e saiu de lá.
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Letícia pegou uma chave, deu uma à Veneranda, que imediatamente
colocou em seu chaveiro, e a outra entregou à Rosa; pediu para que ela
cuidasse bem da chave.
- Pode deixar Dona Letícia, a chave vai ficar no meu chaveiro e ninguém
irá usá-la.
- Muito bom assim, Rosa.
Letícia e Veneranda saíram neste mesmo dia e compraram uma calça
feminina no tamanho quarenta e modelo cintura baixa e entregaram a
Priscila que agradeceu a elas e disse:
Não precisava se incomodar dona Letícia.
- Eu prometi e estou cumprindo o que eu disse.
- Muito obrigado, gostei muito do modelo, é muito atual.
78
Capitulo XI
Os dias se passaram sem que a rotina mudasse. Toda noite Letícia e
Veneranda assistiam televisão e dormiam, mas depois de dois meses,
em uma noite fria, Letícia teve um sonho com Maria Aparecida,
Novamente ela apareceu como se realmente estivesse lá e disse:
- Acorde, Letícia, eu preciso falar com você.
- Letícia abriu os olhos, mas ainda dormia, e perguntou o que Maria
Aparecida queria.
- Você precisa voltar para Lindos Montes; temos muita coisa para fazer
por aqui, e não quero fazer sozinha, preciso de sua ajuda.
- Você pode me adiantar o assunto?
- Diz respeito à empreiteira que está fazendo o serviço aqui na cidade.
- Então está bem, amanhã mesmo eu vou para Lindos Montes.
- Obrigada, Letícia, agora volte a dormir.
Letícia voltou a dormir, mas teve um sono conturbado. Ao acordar, deu
de cara com Veneranda que já estava acordada e que perguntou:
- O que aconteceu esta noite? Você se mexeu a noite inteira! Você teve
algum pesadelo?
- Não, acho que sonhei com a Maria Aparecida, mas foi tão real que eu
pensei que estivesse acordada e sentada na cama conversando com ela.
- E o que ela disse?
- Disse para eu voltar para Lindos Montes, pois ela precisa falar comigo a
respeito dos trabalhos da empreiteira.
- Ela não tem telefone não? Ela poderia te ligar durante o dia.
- Você sabe que ela tem aversão à modernidade, não tem telefone e
muito menos celular.
- Eu não sei viver sem o meu.
- Eu vou pra lá hoje, quero saber o que está acontecendo lá em Lindos
Montes, para Maria Aparecida vir até aqui para me chamar...
- Será que é preciso ir até lá, Letícia? Perguntou Veneranda.
- Preciso sim, tem algo sinistro acontecendo lá, e eu vou ver o que é.
- Mas você vai sair assim, Letícia, só por causa de um sonho?
- Não é um sonho não, Veneranda, eu sei quando Maria Aparecida quer
falar comigo.
- Está bem, mas vê se volta logo, aqui fica muito chato sem você.
- Já se cansou de trabalhar aqui? Você quer voltar?
- Não é isso, você sabe o que eu estou falando, não é?
79
- Sei, mas para isso temos muito tempo, e eu preciso saber o que ela
quer.
- Eu vou sair agora cedo, e se for o caso, eu volto hoje mesmo, se for
demorar mais dias, eu te aviso.
- Está bom, então vá com Deus.
- Vamos tomar café primeiro e depois eu vou pra lá.
- Então vamos indo, porque após o café eu quero fazer a contabilidade
da pousada.
As duas foram tomar café e encontraram as camareiras, Rosa e Priscila,
conversando no corredor, próximo ao quarto das duas. Letícia disse:
- Rosa, bom dia, o quarto já pode ser limpo.
- Já estou indo lá dona Letícia.
Enquanto Letícia e Veneranda foram para o restaurante, Rosa disse à
Priscila que estava indo para o quarto de Letícia e pediu à Priscila para
limpar o quarto dezesseis, que havia ficado vago.
As duas se encaminharam para os quartos e quando Rosa foi entrando
no quarto de Letícia, Priscila ficou observando do lado de fora até que
Rosa fechou a porta, para que ela não ficasse bisbilhotando. Mesmo com
pouco tempo de observação, Priscila notou que apenas uma das camas
estava desarrumada e fez a seguinte observação:
- Se só uma cama está desarrumada, quer dizer que as duas dormem
juntas, meu quebra-cabeça está se formando, preciso apenas ter a
certeza, falta só uma peça.
Letícia terminou de tomar café, despediu-se de Veneranda e foi para
Lindos Montes para conversar com Maria Aparecida, a estrada estava
livre e ela chegou à cidade rapidamente, e mais que depressa foi direto
falar com Maria Aparecida.
Maria Aparecida já a esperava, próxima à porteira de entrada do sítio; ela
entrou com o carro e foi direto à casa principal.
- Vim o mais rápido que eu pude. A Senhora quer falar comigo, Dona
Maria?
- Quero sim, por isso eu a chamei aqui.
- O que está acontecendo?
- Entre no carro, vamos sair que eu quero mostrar algumas coisas para
você.
As duas entraram no carro e Dona Maria Aparecida dava as
coordenadas aonde Letícia tinha que ir; primeiro elas passaram em
frente à fazenda do Prefeito onde a obra já havia sido terminada e viram
que a obra foi muito bem executada e continuou com a peregrinação pela
cidade; em segundo lugar, elas foram ao hospital da cidade onde as
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obras estavam em adiantado estágio de acabamento, mas era difícil não
ver o descaso em que a obra estava sendo tocada pela empreiteira. A
ordem era apenas terminar o serviço no prazo, não importando se a
qualidade do serviço não estivesse a contento. Elas entraram no hospital
e foram aos leitos, foram à cozinha e perceberam que era tudo muito
superficial; um exemplo clássico visto pelas duas foi uma infiltração no
teto da sala de enfermagem que os pedreiros estavam apenas refazendo
o reboque e não atacou o foco da infiltração, que era um vazamento no
banheiro do piso superior. As duas ficaram atônitas com o que viram no
hospital, foram então para a escola onde a obra já havia acabado.
Chegando à escola, viram-na por fora e estava bem pintada, mas era só
chegar perto e ver o descaso com que a obra fora executada; trocaram
apenas os azulejos que estavam faltando, pintaram sobre manchas de
mofo e bolor, que com rápido passar do tempo, as bolhas apareceriam
na pintura e tudo voltaria a ficar feio e a pintura voltaria a descascar.
Já estava quase no fim do prazo para as obras terminarem e o serviço de
terraplanagem já estava quase chegando à rodovia principal que cortava
a cidade. Nem sinal de que fosse feita para o outro lado onde ficam os
sitiantes mais pobres do município e que dependem mais das
estradinhas para escoar a produção de alimentos.
Maria Aparecida perguntou para Letícia se ela já tinha entendido o
recado.
- Letícia, como você pode ver, as obras já estão em fase final de
acabamento e só a metade do município foi beneficiada com essa obra.
O valor gasto é astronômico, daria para fazer duas vezes a cidade inteira
e só foi feito a metade
- Você tem razão, Maria Aparecida, o que nós vamos fazer quanto a
isso?
- Eu vou até a prefeitura falar com o Prefeito, você vem comigo.
- Claro que vou, mas será que ele irá nos atender, sem hora marcada?
- Se ele não nos atender, vamos falar com nossos vereadores e ver o
porquê só a metade da cidade ser beneficiada com as obras.
- Então vamos agora mesmo à prefeitura.
Chegando lá, as duas deram com os burros n’água; o prefeito não as
recebeu, disse que estava com muitas tarefas para resolver. Elas saíram
de lá e as duas foram direto à Câmara de Vereadores, conversar com o
vereador Vanderlei que não pertence à base aliada da prefeitura. O
vereador as atendeu e disse:
- Não podemos fazer muita coisa, o que foi feito está dentro do escopo
da licitação, a empresa está fazendo dentro do proposto.
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- Mas vocês podem fiscalizar as obras, não é para isso que foram
eleitos? Disse Dona Maria Aparecida.
- Sim, a senhora tem razão, para isso dentre outras coisas.
- Mas eu não vi nenhum vereador fiscalizando as obras, e o que está
sendo feito é uma vergonha! Acabamento de obras sem que tenha sido
tirado o vazamento, obras só para uma parte da cidade. Quando vocês
analisaram os documentos para aprovação da licitação, não viram o
escopo da obra?
- Nós vimos e votamos contra, mas o prefeito tem maioria na Câmara e
fomos vencidos nos votos, inclusive o ex-marido de Dona Letícia votou a
favor da obra.
- Isso é um absurdo! As estradas vicinais de Lindos Montes estão todas
esburacadas e quando chovem vira um lamaçal terrível!
- Eu sei, mas quanto a isso, estamos de mãos atadas.
- Mas então comece a fazer alguma coisa, fiscalizar a obra, por exemplo!
- Pode deixar, Dona Maria Aparecida, vou começar agora mesmo.
- Vamos voltar ao sítio, Letícia.
As duas saíram da Câmara de Vereadores e voltaram para o sítio. Já
estava na hora do almoço quando elas chegaram e Maria Aparecida
convidou Letícia para almoçar com ela e as irmãs; Letícia aceitou com
prazer.
Elas se sentaram à mesa juntamente com as irmãs de Maria Aparecida e
começaram a conversar sobre o que seria melhor fazer para aquela
situação. Várias idéias surgiram, mas foram descartadas por não ser
boas o suficiente para que toda comunidade local se beneficiasse, até
que Maria Aparecida deu uma sugestão:
- E se eu empreitar uma obra. Aqui na cidade, para fazer os serviços que
não foram feitos?
- Mas será que isso é possível? Perguntou Maria de Fátima.
- Eu acho que é possível sim, disse Letícia, mas e quanto à verba para
isso?
- Tenho algumas economias e tenho um montante de café que está em
nosso silo que não foi vendido para o torrefador, eu estava esperando o
preço subir mais um pouco, mas se for o caso, eu vendo já.
- Vamos esperar a obra terminar, se a obra não for feita em toda cidade,
aí nós vamos verificar a possibilidade de fazermos por conta própria.
Disse Letícia.
- Pelo que eu vi, faltam quinze dias para o término das obras, vamos
esperar a conclusão da obra e tomar medidas necessárias, se for o caso.
82
- Eu estou de acordo, Dona Maria Aparecida, vamos aguardar o término
das obras.
O almoço ficou pronto e todos comeram em silêncio, parecia que todos
estavam pensando a mesma coisa, e assim que terminaram de almoçar,
ficaram por ali por mais um tempo conversando e buscando soluções
para os problemas da cidade.
- Letícia, você conhece alguma empreiteira fora da cidade? Perguntou
Maria Aparecida.
- Conheço sim, mas vou pesquisar na internet para ver se encontro
outras para fazer uma pesquisa de preço.
- Faz isso meu bem, temos que começar a nos mexer; as estradinhas
vicinais que passam por aqui e por toda essa região precisam urgente de
benfeitorias e pelo visto, não vamos ter.
- A senhora tem certeza que não irão passar por aqui as obras?
- Você viu alguma movimentação de máquinas aqui na colina?
- Nem aqui na colina e nem nas campinas, eu não vi máquina nenhuma.
- Isso precisa ser feito agora, antes que comece a temporada de chuvas,
e aí sim que nada acontecerá por aqui.
- Foi bom a senhora ter me chamado. A senhora tem razão, precisamos
fazer isso agora, vou começar hoje mesmo a ver umas empreiteiras e os
custos das obras.
- Eu vou pedir para o Senhor Manoel Dantas, que foi engenheiro
agrimensor na prefeitura e se aposentou para verificar as medidas exatas
e assim, nós faremos as pesquisas de preço com números reais e não
com suposições.
- A senhora tem razão, vamos esperar primeiro o Senhor Manoel medir,
e depois eu procuro as empreiteiras.
- Vou pedir também para que seja reformada a creche do sítio e também
a creche municipal; as pessoas precisam muito disso.
- A senhora está sempre pensando em ajudar os outros, hein, Dona
Maria?
- Ajudando os outros, estamos ajudando a nós mesmos.
- A senhora tem razão.
- Vamos juntas ao sítio do senhor Manoel verificar se ele pode fazer isso
para nós, Letícia.
- Se a senhora quiser, podemos ir agora, Dona Maria.
- Vamos indo, então.
As duas foram até o sítio do Senhor Manoel verificar se ele poderia
prestar serviços fazendo as medidas necessárias para as obras; o
83
encontraram em seu sítio trabalhando no conserto do telhado. Elas
pararam o carro em frente ao sítio e o chamaram lá na porteira.
Ele veio atendê-las e disse:
- Que bons ventos a trazem aqui, Dona Maria Aparecida?
- Senhor Manoel, estamos aqui para lhe fazer um pedido.
- Pois pode pedir Dona Maria, seu pedido é uma ordem.
- Obrigada Senhor Manoel, mas o que nós precisamos é que o senhor
faça um serviço para nós, se bem que irá beneficiar também ao senhor.
- Pode falar Dona Maria Aparecida, do que se trata?
- Como o senhor já deve ter visto, as obras da prefeitura estão quase no
fim, e nós que moramos deste lado do município não estamos inclusos
nas benfeitorias das estradas vicinais.
- Eles não vão fazer o serviço completo, só do lado de lá da rodovia, só
onde estão o prefeito e os vereadores. Eu não acredito numa coisa
dessas, eu pensei que eles fossem fazer em toda a região.
- O senhor pode verificar, mas os trabalhos estão terminando e nada de
virem para estes lados.
- A senhora tem certeza? Porque eu já estava até contente pensando
que logo eles estariam fazendo o serviço para o nosso lado.
- Mas não irá fazê-lo, as obras já estão no fim e nada de serviço nem
aqui no chapadão e nem lá na colina.
- E o que a senhora quer que eu faça?
- Como o senhor é engenheiro-agrimensor, eu gostaria que o senhor
fizesse um levantamento completo de toda a área que não foi feito
terraplanagem.
- Isso é fácil, mas para que a senhora precisa disto?
- Eu vou fazer a obra que ficou faltante.
- Mas isso tudo vai ficar muito caro, a senhora viu o preço da obra no
outdoor lá na praça?
- Vi, e sei que nosso preço vai ficar muito mais barato e nós vamos
conseguir fazer.
- Está bem, e quando a senhora quer que eu faça?
- Assim que as obras terminarem, eu o comunico e começamos o nosso
serviço.
- Está bem, assim que a senhora quiser pode me chamar.
Letícia e Dona Maria Aparecida foram embora para o sítio das irmãs e
acertaram que, assim que as obras fossem finalizadas, Maria Aparecida
iria chamar Letícia para conversarem novamente.
Letícia foi para sua casa, tomou um banho e desceu para pensar um
pouco, e logo que chegou, sua empregada Elza perguntou:
84
- A senhora vai jantar Dona Letícia?
- Sim, mas me prepare algo leve, alguma salada e um filé de frango
grelhado.
- Pode deixar Dona Letícia, eu vou fazer no capricho, do jeito que a
senhora gosta.
- Obrigada, Elza. A propósito, amanhã eu vou para a pousada.
- Esta bem, Dona Letícia.
Letícia foi para o escritório, pegou seu notebook e começou a verificar
algumas empreiteiras que fazem serviços de terraplanagem, para
verificar qual delas estaria apta para fazer os serviços; ficou por ali um
tempinho entretida com sua pesquisa. Não demorou muito e encontrou
três delas que poderiam fazer a obra e deixou anotado em um canto de
sua escrivaninha. Logo em seguida chegou Elza, avisando que o jantar
havia sido servido.
Letícia foi para a sala de jantar, sentou-se à mesa e esperou Elza servir.
Ela ficou ali parada por alguns instantes e pensou em como poderia
ajudar, mas já estava acertado que iriam esperar o final das obras para
darem inicio à procura de uma empreiteira. Jantou rapidamente e, antes
de subir para seu quarto, pegou seu laptop Chegando ao quarto ela
entrou no Face book para se atualizar e publicar algumas fotos da
pousada. Percebeu que sua amiga Veneranda estava online e disse a
ela que estaria lá no outro dia.
Sua amiga disse que havia ficado contente e que não via a hora do
retorno da amiga. Disse que estava tudo bem na pousada.
Letícia viu algumas publicações de seus amigos, respondeu algumas e
ela curtiu algumas outras mensagens, logo depois ela despediu-se e saiu
do Face book. Ela foi deitar-se e ficou assistindo a novela, costume que
pegou com sua amiga Veneranda. Assim que acabou, ela desligou e foi
dormir.
No outro dia, Letícia acordou cedo e pegou seu notebook e começou a
rever as empreiteiras a fim de deixar mais ou menos acertada uma delas
para quando fosse fazer as obras. Ela identificou-se com uma
empreiteira chamada Empreiteira Terra Plana, e pelo site ela verificou ser
uma empresa conceituada, haja vista as obras que ela havia executado e
também o aparato de máquinas existentes na empresa.
Letícia entrou em contato com a empresa e transferiram a ligação para o
Senhor Leandro, proprietário da empresa. Ela explicou todos os detalhes
que precisavam ser vistos e ele concordou em ir até a cidade de Lindos
Montes para verificarem todo o escopo da obra; ela então pediu alguns
dias para que pudesse ver com o pessoal e também esperar o Senhor
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Manoel terminar de fazer a medição. O Senhor Leandro propôs à Letícia
de enviar dois engenheiros-agrimensores da empresa com todo aparato
para medição, para auxiliar o Senhor Manoel.
Letícia achou uma boa idéia e marcou com o Senhor Leandro de
conversarem a respeito da obra, e como a empresa estava com pouco
serviço, o Senhor Leandro chamou os engenheiros novatos do setor
engenharia que estavam na empresa: o Senhor Marcos e o rapaz
Vinicius para o acompanharem até a cidade de Lindos Montes. Letícia
forneceu o endereço de Dona Maria Aparecida e foi para o sítio.
Letícia ligou para sua casa e disse que não iria viajar naquele dia e ligou
também para Veneranda, para comunicar que só iria depois de resolver
aquele assunto. Veneranda não gostou muito da idéia, mas concordou
com Letícia.
Letícia chegou ao sítio e foi direto conversar com Dona Maria Aparecida
que estava no cafezal. Uma das empregadas do sítio, a Daniela, foi
chamá-la, e em seguida. Maria Aparecida estava lá para atendê-la.
- Aconteceu alguma coisa, Letícia? Perguntou Maria Aparecida.
- Olha, Dona Maria Aparecida, eu andei pesquisando e encontrei uma
empresa que me parece ser bem estruturada para nos prestar os
serviços que nós precisamos. Eu aproveitei e convidei o dono da
empresa para vir aqui na cidade e verificar o escopo do serviço a ser
executado; ele aproveitou para trazer duas pessoas para auxiliar o
Senhor Manoel no serviço de agrimensura.
- Está bem, vai ser bom nós já começarmos a nos mexer para não
atrasar o início de nossas obras; nós temos que aproveitar este tempo
seco.
- Ele disse que chegaria cedo e eu dei o seu endereço a ele.
- Então vamos tomar café enquanto esperamos ele chegar, assim
podemos por nossas conversas em dia.
Não demorou muito tempo e o Senhor Leandro chegou ao sítio
juntamente com seus engenheiros, para conversarem com dona Maria
Aparecida. Ele parou o carro defronte ao portão e tocou o sino para
chamar a proprietária.
Dona Maria Aparecida pediu para a Senhorita Daniela abrir a porteira
para os visitantes. Eles entraram e foram direto para casa central.
Eles se apresentaram e Dona Maria Aparecida fez as honras da casa
convidando-os para sentarem-se a fim de conversarem; ela também se
apresentou e apresentou Letícia a eles.
- Então foi a senhora que entrou em contato conosco lá na empresa?
Perguntou Senhor Leandro.
86
- Sim, fui eu mesma quem liguei para sua empresa, e como o senhor já
deve ter notado, existem muitas máquinas trabalhando aqui na cidade,
mas só estão fazendo uma parte do serviço; a outra parte, nós vamos
fazer particular.
- Como assim vão fazer particular? Por que não está sendo feito na
cidade toda?
- A prefeitura iria receber do governo federal uma verba do fundo de
participação dos municípios e teria que usar uma parte do dinheiro para
educação e outra parte para a saúde. O prefeito fez pequenos reparos
nestes lugares e o restante, ele usou para fazer a terraplanagem e
melhoria nas estradas vicinais, mas usou o recurso para proveito próprio,
ou seja, só se beneficiaram as estradas que ficam perto de sua fazenda
ou dos vereadores que votaram a favor da obra.
- É uma pena a gente ver que neste novo milênio ainda existe prefeituras
com esta mentalidade.
- Nós temos uma pessoa de confiança que é engenheiro-agrimensor; ele
trabalhou na prefeitura até aposentar-se, e ele fará as medidas para nós.
Vamos solicitar os equipamentos de medição para a prefeitura.
- Eu tenho todo esse equipamento e posso emprestar para vocês.
Deixarei aqui na cidade os Senhores Marcos e Vinícius para
acompanharem os trabalhos do Senhor Manoel, e isto são ótimos para
ambas as partes; eu ajudo a vocês com equipamento e pessoal e o
Senhor Manoel os ensina todo o trabalho para eles que são novatos.
- E qual seria o preço desse serviço?
- Eu não vou cobrar nada por este serviço, uma vez que a ajuda é mutua,
e não ficará atrelado a qualquer serviço futuro.
- Vou trazer o Senhor Manoel aqui para conversarmos todos juntos, mas
nós iremos recompensar o senhor Manoel pelo trabalho dele.
- Isso é com vocês, os meus funcionários recebem o salário
normalmente, então, não precisam receber nada por fora.
- Se é assim, vou buscar o Senhor Manoel para a conversa; ele mora em
um sítio aqui pertinho.
- Está bem, nós esperamos.
Letícia saiu par ir buscar o Senhor Manoel e todos aguardaram a
chegada dos dois. Enquanto Letícia estava fora, Dona Maria Aparecida
serviu café aos convidados.
Não demorou muito tempo e Letícia estava de volta ao sítio com o
Senhor Manoel. Ele foi apresentado ao Senhor Leandro, dono da
empreiteira, e também aos senhores Marcos e Vinicius. Tudo foi
explicado ao Senhor Manoel que concordou com o trabalho e cobrou um
87
valor quase que simbólico pela sua execução, já que também iria se
beneficiar com a obra.
O Senhor Leandro ligou para a empresa e pediu para o Senhor
Guilherme, que é o chefe do almoxarifado, para carregar na caminhonete
da empresa os equipamentos necessários para fazer agrimensura. Disse
a ele que desse a ordem ao Senhor Valdemar, que é motorista, trazer o
equipamento para o endereço que ele iria passar.
O Senhor Guilherme procedeu conforme as ordens do Senhor Leandro e
em poucos minutos, o Senhor Valdemar já estava a caminho do sítio das
irmãs Maria.
Dona Maria Aparecida convidou a todos para almoçarem no sítio
enquanto aguardava a caminhonete com o equipamento chegar, o que
foi aceito por todos. Maria Aparecida pediu para a Senhorita Daniela
avisar a cozinheira que iriam ter mais pessoas para almoçar.
Em pouco tempo o almoço estava servido e a conversa na mesa girava
em torno dos serviços que o Senhor Manoel e seus auxiliares iriam fazer.
Após o almoço, estavam todos sentados na varanda da casa quando o
Senhor Valdemar chegou trazendo os equipamentos que seriam usados
para a medição.
Dona Maria Aparecida pediu a todos os presentes que não comentassem
este trabalho com ninguém. O motivo seria se o prefeito soubesse,
poderia atrapalhar os serviços, e todos resolveram guardar sigilo sobre o
trabalho. Caso alguém perguntasse por que estavam fazendo a medição,
era apenas para dizer que estavam medindo para ver se iria ter
continuidade à obra que estava sendo executada, e todos concordaram.
Marcaram o início da medição para o dia seguinte. O Senhor Leandro
disse então que iria embora juntamente com os senhores Marcos e
Vinicius, mas os dois auxiliares do Senhor Manoel voltariam para os
trabalhos. Letícia disse que pagaria a estada dos dois funcionários no
pequeno hotel da cidade, mas Maria Aparecida disse que teria
acomodações para os dois rapazes no próprio sítio, em uma das casas
de colonos que estava vaga. Todos concordaram e Leandro e os rapazes
foram embora para voltarem no outro dia.
No outro dia pela manhã, Senhor Manoel foi ao sítio bem cedo e ficou
aguardando seus auxiliares, mas não demorou muito até eles chegarem,
trazidos pelo Senhor Valdemar. Após tomarem o café da manhã no sítio,
eles começaram os trabalhos; inicialmente pelo chapadão que fica
próximo à estrada, coincidentemente no mesmo lugar onde a obra do
prefeito havia começado, mas para o lado oposto ao que havia sido feito
até então, após o término das medidas do chapadão, eles continuaram
88
rumo às campinas, onde estava à maior parte dos sitiantes da região,
fizeram também as medições nas colinas onde fica o sítio de Maria
Aparecida. Fizeram as medidas em todas as estradas vicinais que não
estavam no escopo das obras do Prefeito e por fim, fizeram as medições
no grotão, que é a parte mais distante da cidade, Por ser um lugar de
difícil acesso situado entre montanhas de relevo fortemente desnivelado,
estes trabalhos levaram alguns dias para ficarem prontos, mas foi bem
executado e por coincidência, terminou no mesmo dia em que a obra do
Prefeito ficou pronta.
De posse dos dados, Letícia e Maria Aparecida chama o Senhor Leandro
para uma conversa no sítio. Ele veio assim que recebeu o chamado, e no
outro dia pela manhã, lá estava o Senhor Leandro no sítio de Dona Maria
Aparecida. Letícia disse a ele:
- Nós daremos preferência à sua empreiteira, mas, de antemão,
queremos comunicar que iremos fazer uma pesquisa de preço com
outras duas empresas concorrentes. Vence a concorrência quem
fornecer o melhor projeto, o melhor prazo, a garantia da obra e,
finalmente, o menor preço.
- Espero não desapontá-las; eu vou fazer o menor preço que eu puder
sem comprometer a qualidade de meus serviços.
- Precisamos de seu orçamento no menor prazo possível.
- Quanto a isso, a Senhora pode ficar descansada, farei o meu melhor.
Ele agradeceu e saiu, e assim que ele se foi, Letícia ligou para as outras
duas concorrentes que enviaram representantes e pegaram a papelada
necessária para fazerem o orçamento, que além das obras de
infraestrutura para as estradas vicinais, constava no escopo a reforma e
ampliação da creche do sítio e também na creche municipal.
Em cinco dias todas as três empreiteiras trouxeram seus orçamentos. O
primeiro a entregar o envelope à Dona Maria Aparecida foi o Senhor
Leandro da Empreiteira Terra Plana, o Senhor Expedito da empresa de
terraplanagem Santo Expedito e a senhora Renata da empresa Renata
Terraplanagem.
Para que não houvesse favorecimento para nenhuma das concorrentes,
os envelopes foram abertos diante dos seus representantes e o menor
preço e prazo era da Empreiteira Terra Plana.
Todos os concorrentes olharam os orçamentos uns dos outros e ninguém
contestou o vencedor. Apesar dos preços estarem num patamar de
quase igualdade, não havia uma discrepância de preço entre os
concorrentes e o valor total da obra de terraplanagem, mais as reformas
89
e ampliações das creches, ficou em um milhão de reais, ou seja, vinte
vezes a menos que a obra executada pelo Prefeito.
Dona Maria Aparecida agradeceu a presença de todos e disse que
gostaria de conversar com o Senhor Leandro, o vencedor da
concorrência, para acertar alguns detalhes.
Os participantes que perderam agradeceram a oportunidade de fazerem
parte da concorrência e que estariam à disposição para futuras
concorrências, e se retiraram.
Dona Maria Aparecida virou-se então para o Senhor Leandro e
perguntou como poderia ser a forma de pagamento e quando eles
poderiam começar a obra.
- Dona Maria, eu posso começar a obra assim que a Senhora me der o
aval para eu iniciar as obras, e quanto à forma de pagamento, eu posso
fazer o seguinte: ir cobrando conforme a obra for sendo executada. Eu
emito nota fiscal da quantidade feita e a Senhora terá um prazo de trinta
dias para pagar a fatura; informo também que todos os impostos serão
recolhidos corretamente e meus funcionários são todos treinados para
executar o melhor serviço para a Senhora.
- Eu tenho mil sacas de café-arábica guardadas em meu sítio, que eu
vou colocar à venda no mercado. Hoje o preço da saca de café-arábica
está em torno de quinhentos e quarenta e cinco reais a saca de sessenta
quilos, mas eu conheço uma senhora que tem uma rede de cafeterias no
centro da cidade de São Paulo, e ela já me ofereceu um preço bem
maior que o de mercado, uma vez que a qualidade de meu café supera o
que existe no mercado. Eu gostaria de entrar em contato com ela e ver
se ela compraria o total do montante armazenado. Um impedimento que
poderia atrapalhar a venda é um acordo verbal que eu tenho com a
torrefadora da região que compra a minha produção, e eu não quero
quebrar este acordo.
- Entendo Dona Maria, eu vou fazer o seguinte: vou dar um prazo para a
Senhora fazer seus contatos e os acertos necessários, e assim que a
senhora tiver uma posição, entre em contato comigo e eu faço o restante.
- Está bem, me dê pelo menos cinco dias para eu conversar com meus
contatos.
O Senhor Leandro despediu-se de todos e deixou o número de seu
celular com Letícia, para que ela retornasse assim que possível.
Dona Maria Aparecida pediu para Letícia entrar na casa com ela para
conversarem a respeito do assunto.
- Dona Maria Aparecida, se a senhora quiser, eu entro com um valor
também para ajudá-la nas despesas.
90
- Isso não seria correto, ainda mais que nós estamos próximos das
eleições e o Prefeito poderia dizer que você comprou os votos dos
eleitores com sua ajuda. Esta briga é minha com o Prefeito e eu quero
fazer o que é certo.
- Não tinha pensado por este lado, realmente alguém poderia usar isso
contra mim, e eu não quero dar sopa para o azar.
- Eu quero que você me ajude da seguinte maneira: primeiro ligue para
este número que está aqui neste papel, é o número da torrefadora de
café, fale com o senhor Armando, ele é o dono, peça para ele vir aqui no
sítio amanhã.
Letícia pegou seu celular e ligou para o número indicado e, assim que
uma pessoa atendeu, ela se identificou e pediu para falar com o Senhor
Armando. A pessoa pediu para que ela aguardasse um pouco, pois já iria
transferir a ligação.
- Alô, aqui quem fala é o Senhor Armando.
- Senhor Armando, bom dia, aqui quem fala é Letícia e eu estou aqui no
sítio das três irmãs. Dona Maria Aparecida me pediu para ligar para o
Senhor e pedir para que viesse ao sítio amanhã cedo.
- Deve ser alguma coisa importante para ela me pedir para eu ir até o
sítio.
- E é! O senhor pode vir aqui amanhã cedo?
- Diga para Dona Maria Aparecida que eu estarei aí amanhã, às nove
horas.
- Eu digo a ela. Muito obrigada por sua atenção.
- Muito bem, Dona Maria, amanhã o senhor Armando estará aqui às nove
horas da manhã.
- Muito obrigada, Letícia, eu não quero fazer a venda sem falar com ele.
Primeiro porque ele é o meu maior cliente, e eu não quero que por este
motivo eu quebre o contrato, mesmo que verbal.
- A Senhora tem razão, mas se ele autorizar a venda a outro cliente, nós
poderemos fazer negócio com a senhora da cafeteria que a senhora me
informou.
- Eu não queria mudar, ele sempre foi correto comigo.
- Vamos fazer o seguinte, eu vou embora porque tenho algumas coisas
para fazer em casa, e amanhã cedo eu volto para conversarmos com o
Senhor Armando.
- Está bem, pode ir, e muito obrigada pela ajuda.
- O que é isso, Dona Maria? Estamos ajudando a nós mesmos.
- Vá com Deus, minha filha.
- E a senhora, fique com Ele.
91
Letícia saiu do sítio e foi embora para sua casa e foi pensando nos
trabalhos que estavam por serem feitos. Ela chegou em casa e ligou para
Veneranda, para avisar que passaria mais alguns dias na cidade de
Lindos Montes.
- Oi Veneranda, bom dia, como você está?
- Eu estou bem e morrendo de saudades. Quando você vai vir para cá?
- Vou ter que ficar mais uns dias aqui na cidade e assim que possível, eu
vou para Poços de Caldas.
- Letícia, como está indo as conversas com as empreiteiras?
- Já foi tudo acertado, nós encontramos uma empreiteira capaz de fazer
o serviço com a qualidade que nós precisamos e adivinha o valor da
obra?
- Não sei, acredito que uns três milhões de reais.
- Nada disso, a empreiteira cobrou um milhão de reais.
- Eu não acredito! Isso ficou bem menos do que as obras do Prefeito!
- Para você ter uma idéia, essa obra vai ficar vinte vezes menor do que a
obra do prefeito, e olha que as medidas são quase as mesmas. Na obra
do Prefeito foram feitos dezessete quilômetros de terraplanagem e
aplicação de cascalho, e a nossa obra tem quinze quilômetros e
quinhentos metros e também será colocado cascalho em toda a obra,
além dos serviços nas creches.
- Esse pessoal brinca com o dinheiro do povo, afinal, não são eles que
pagam os impostos.
- Eu sei como é isso, mas se Deus me ajudar eu vou tentar mudar tudo
por aqui.
- Eu sei que vai, e a eleição está perto.
- E está mesmo, é no ano que vem. O ano já está terminando, não vejo a
hora das plenárias começarem, eu tenho certeza que vou ser a candidata
do partido.
Letícia vamos mudar de assunto, porque você não vem passar esta noite
comigo? Eu estou tão sozinha!
- Não posso, amanhã bem cedo preciso estar no sítio da Maria
Aparecida. Eu marquei com o Senhor Armando, que é o dono da
torrefadora de café que compra toda a produção da Maria.
- E por que ele vai lá? Por que você precisa estar presente?
- Ela precisa vender o café com o preço um pouco maior que o de
mercado; ela já têm uma compradora que pagaria a mais pelo café.
- E porque ela não vende para essa outra compradora. Já que ela paga
um pouco a mais?
92
- Existe um contrato verbal entre a Maria e este Senhor que ela pretende
manter, por isso ela quer conversar com ele.
- Se é assim, tudo bem, eu espero mais um pouco.
- Quando eu voltar, eu vou te recompensar.
- Quero só ver, vou ficar esperando.
- Tchau, Veneranda, eu te amo.
- Tchau Letícia, eu também.
Letícia desligou o telefone e ficou pensativa de como as coisas andariam
dali pra frente. Ela já estava com nojo do Prefeito e seus políticos de
araque, que só prestavam para fazer tramóia.
Não demorou muito tempo e Elza, sua empregada, perguntou a que
horas ela queria jantar. Ela disse que poderia servir às oito horas. Ela
ficou pensando também em Veneranda; se aquilo que sentia por ela era
amor ou uma paixão avassaladora que havia tomado conta dela naquele
dia, na banheira. Subiu e foi tomar banho. Ligou os registros da banheira,
verificou se a água estava numa temperatura agradável e deitou-se na
banheira a fim de relaxar. Após algum tempo ali deitada, Elza bateu na
porta do quarto avisando que o jantar havia sido servido. Ela saiu do
banho, colocou seu pijama de seda na cor rosa e desceu para jantar.
Estava quieta, comendo com calma, esperando que alguma idéia viesse
em sua mente, mas como isso não aconteceu, ela terminou de jantar e
subiu para seu quarto; escovou os dentes e foi para cama assistir
televisão, afinal, a novela estava em seus melhores capítulos.
No outro dia pela manhã, Letícia acordou cedo, trocou-se rapidamente e
foi tomar café, tomou rapidinho, subiu até seu quarto, escovou os dentes
e saiu para ir até o sítio de Dona Maria Aparecida.
Chegando ao sítio, foi conversar com Maria Aparecida que já a esperava,
e ela perguntou se Letícia queria tomar café da manhã. Diante da
negativa de Letícia, foram as duas até a varanda da casa, aguardar a
chegada do Senhor Armando. Não demorou muito tempo e ele chegou,
tocou o sino e a Senhorita Daniela foi abrir a porteira para ele.
- Bom dia, Dona Maria Aparecida.
- Bom dia, Senhor Armando, eu gostaria de apresentar Letícia, minha
amiga.
Ao ver Letícia, o Senhor Armando ficou deslumbrado com a beleza da
mulher e disse:
- Muito prazer em conhecê-la, desculpe-me se eu for inoportuno, mas
você é uma mulher muito bonita. E estendeu a mão para Letícia.
Ela ficou ruborizada pelo elogio, mas agradeceu e estendeu a mão para
o Senhor Armando.
93
- Obrigada pelo elogio, muito prazer.
Ele olhou fixamente nos olhos de Letícia, que mais uma vez ruborizou e
também olhou diretamente nos olhos dele tentando descobrir qual a
intenção de suas palavras.
- Bom, vamos ao que interessa. Disse Maria Aparecida e continuou:
- Eu o chamei para vir aqui porque estou pensando em fazer umas
benfeitorias aqui na cidade. Vou precisar de dinheiro, e como eu tenho
mil sacas de café estocadas em meu silo, gostaria de saber se o Senhor
está interessado na compra.
- A senhora sabe que eu sempre compro toda sua produção.
- Mas dessa vez é diferente; eu preciso de dinheiro vivo e rápido, e o
Senhor sempre me paga o valor de mercado pelo meu café, e eu sempre
entreguei o melhor café aqui da região.
- Eu sei disso, mas aonde a senhora quer chegar?
- Tem uma senhora de São Paulo que é dona de uma rede de cafeterias
muito grande lá, e ela me ofereceu um valor bem maior que o valor de
mercado. Eu teria que ir entregando o café em parcelas, mas ela pagaria
o total antecipado. Antes de fazer negócio com ela, eu gostaria de saber
o que você pensa a respeito.
- Que benfeitorias a senhora quer fazer em seu sítio? Eu poderia
financiar para a senhora.
- Não é em meu sítio, é em toda a região. Não sei se o senhor percebeu,
até uns dias atrás, nós estávamos com obras da prefeitura aqui na
cidade.
- Sim, eu vi algumas obras sendo feitas. Eles fizeram terraplanagem na
metade do município. E quando eles vão fazer a outra metade?
- É justamente isto, as obras acabaram por ali mesmo.
- Não acredito! Como pode uma prefeitura começar uma obra e entregá-
la pela metade?
- Isso não importa, eu quero fazer toda a outra parte que sai da rodovia e
passa por todo o chapadão, passando pelas campinas e vá até o grotão,
que é onde divide nossa cidade com a cidade onde você tem sua
torrefadora.
- Muito bom, a senhora ajudaria a nós também, uma vez que nossos
caminhões de entrega tem que vir por aqui para chegar à rodovia e as
estradas vicinais estão muito ruins; meus motoristas reclamam dos
buracos e temos muitas quebras de caminhões por causa disto.
- Por isso eu o chamei aqui, quero vender meu café, e tenho um preço
por ele, e se o senhor pelo menos chegar perto deste valor, eu fecho
com o senhor.
94
- Quanto é o valor que a pessoa lhe ofereceu pelo café?
- Ela me ofereceu oitocentos reais pela saca.
- Realmente, é um preço imbatível; ela tem as cafeterias e vai usando de
acordo com a necessidade, mas por outro lado, a senhora irá fazer
benfeitorias na estrada vicinal que eu uso muito; eu conseguiria
economizar com peças, economizaria no óleo diesel, uma vez não tendo
tantos buracos, não precisa ficar parando a todo o momento; é um caso
para se pensar...
- O senhor é quem sabe, as benfeitorias são para todos nós.
- Se nós fecharmos negócio a este patamar, não vai incidir sobre os
próximos negócios que hão de vir?
- Você tem a minha palavra, isto estará restrito a esta venda, e as
próximas voltam a ser no valor de mercado.
- Trato feito, o negócio está fechado, eu vou pagar para a senhora
oitocentos reais pela saca de café; hoje mesmo a senhora pode entregar
o café, e como é de praxe, eu tenho trinta dias para pagar, mas como à
senhora está precisando urgente do dinheiro, me dê cinco dias de prazo
para pagamento em sua nota fiscal; eu preciso de dois dias para tirar
meu dinheiro que está aplicado.
- O senhor quer alguma garantia, ou algum contrato de que eu não vou
pedir um preço maior da próxima vez?
- Não é preciso nada disso, sua palavra me basta, há mais de dez anos
que fazemos negócio sem documentos, não é agora que vamos precisar.
- Venha, vamos entrar e tomar um delicioso café que Daniela acabou de
passar.
Todos entraram para tomar café e conversar sobre o assunto e ficaram
ali de conversa por um bom tempo, até que o senhor Armando, que
parecia encantado com Letícia, perguntou.
- Você é casada, Letícia?
- Já fui casada, eu estou aguardando as papeladas de meu divórcio.
- E não pretende se casar de novo?
- Ainda é muito cedo para isso e eu não quero pensar nisso por
enquanto.
Quando percebeu que Letícia não lhe retribuía a sua tentativa de
aproximação, ele desistiu de continuar a flertá-la, e assim que acabaram
de tomar o café, o senhor Armando despediu-se. Dona Maria disse a ele
que estaria entregando o café no dia seguinte. Ele concordou e saiu.
Assim que Armando foi embora, Letícia pediu para Dona Maria
Aparecida benzê-la. Dona Maria disse:
- Vamos até o salão de atendimento.
95
Chegando lá, Maria Aparecida colocou a mão sobre a cabeça de Letícia
e começou a fazer orações e pedido de paz, saúde e prosperidade para
Letícia. Ela ficou com as mãos sobre a cabeça dela por um bom tempo,
sempre orando em voz baixa, até que em determinado momento Dona
Maria disse:
- Você tem certeza que é isso que você quer?
- Não entendi a pergunta.
- Você terá que lutar contra tudo e contra todos.
- Como assim? A Senhora já havia me dito que eu teria que lutar para
conseguir meu espaço.
- Mas agora você tem uma nova luta, e se ela vier à tona como eu acho
que vai, você precisará mostrar toda sua garra para vencer também esta
luta.
- Como a Senhora sabe disso? Perguntou Letícia, que ficou rubra.
- Eu somente sei, e você deve se lembrar do tempo em que eu e minhas
irmãs éramos pequenas e íamos para a escola e todos faziam chacotas
porque somos negras. Nós tivemos que lutar e achar nosso espaço; você
também terá que lutar e achar seu espaço.
- Mas ninguém sabe de nada, nós somos bem discretas!
- Você já tem uma luta pela frente e ela é árdua, mas se você tem
certeza do que realmente quer, você terá que usar todas as suas forças,
mas primeiro precisa saber se sua luta vai valer à pena, ou seja, só o
amor vencerá a batalha, mas se for apenas paixão passageira, sua luta
será em vão. Você precisa ter certeza de seus sentimentos; vá e a
procure, sentem-se para conversar e se realmente você quer incluí-la na
batalha, eu as ajudarei.
- Eu vou hoje mesmo para Poços de Caldas para conversar com ela, eu
também quero saber se ela também quer enfrentar a batalha, e se ela
assim o quiser, nós vamos enfrentar juntas.
- Se assim for, eu as ajudarei sempre que precisarem.
- Dona Maria Aparecida, foi por isso que a senhora disse colocar o amor
à frente de tudo?
- Não, eu ainda não sabia disso, eu sabia que você teria uma grande
batalha pela frente, e na vida só ganhamos quando fazemos com amor, e
foi por isso que eu disse aquilo para você.
- Bom, eu já vou indo, Dona Maria Aparecida, se a senhora precisar de
mim, é só me avisar que eu venho rapidinho.
- Obrigada por me ajudar nesta empreitada, vou precisar sim de sua
ajuda. Vá com Deus, minha filha.
- A senhora fique com Ele.
96
Letícia saiu e foi direto para casa. Chegando lá, foi falar com Elza, sua
empregada, para ver se o almoço estava pronto, e diante da afirmativa,
avisou que iria comer um pouco e logo após o almoço iria para a
pousada.
Letícia almoçou e subiu para seu quarto e escovou os dentes, tomou um
banho, trocou de roupa e ligou para Veneranda avisando que estava indo
para a pousada. Veneranda ficou toda contente ao ouvir a amiga e por
saber que ela estaria indo para lá.
A viagem transcorreu sem nenhum problema e foi bem rápida, e em
pouco tempo Letícia chegou ao seu destino.
Veneranda veio até a portaria para recepcionar a amiga sem notar que
Priscila as observava de longe. Ela deu um grande abraço na amiga e
Letícia percebeu que a camareira estava observando e não deixou que a
saudade e a ânsia de ver a amiga, deixassem transparecer algo mais,
Veneranda por sua vez estava eufórica e percebeu que Letícia estava
um pouco fria e ao abraçar a amiga, perguntou:
- Você me parece um pouco fria, o que foi?
- Temos uma pessoa observando, vamos para o quarto e lá
conversamos.
As duas foram até o carro pegar a mala e foram direto para o quarto. Lá
sim, se abraçaram com muito amor, beijaram-se loucamente e
começaram a tirar a roupa uma da outra numa voracidade sem limites.
As duas foram para a cama e trocaram carícias de todos os modos e
mataram as saudades uma da outra, e após um tempo, ali abraçadas,
Letícia perguntou:
- Me diga uma coisa, Veneranda, você realmente gosta de mim? Quero
que me diga usando as palavras do coração.
- Claro que a amo, eu preciso dar provas para você?
- Não precisa de provas, quero saber se você vai estar disposta a lutar
por nosso amor, porque quando estivermos em Lindos Montes todas às
pessoas vão nos apontar, vão nos julgar, e poderão até nos condenar,
sem que nós tivéssemos feito absolutamente nada.
- Eu sei o que você está falando, quero estar com você para o que der e
vier; não tenho medo do que as pessoas vão dizer, quero ter uma vida
livre e independente, sem precisar dar satisfação de meus atos.
- Então, quer dizer que a partir de agora, nós mantemos uma relação
amorosa?
- Sim, nós seremos unha e carne, uma protegendo a outra.
97
- Assim que se fala, mas por enquanto vamos manter as aparências e
após as eleições, nós assumiremos nosso romance, aí sim poderemos
sair do armário sem culpa.
Letícia e Veneranda continuaram no quarto por mais um tempo se
curtindo e agora num romance sério.
Os dias foram passando sem que mudasse o ritmo das coisas. O
romance estava dando certo e com o tempo, as duas relaxaram na
guarda que mantinham sobre o romance secreto; até que um dia, as
duas estavam deitadas em uma rede colocada em duas árvores que
ficam na parte de trás da pousada, onde é o bosque que pertence ao
local, e sem perceberem que estavam sendo vigiadas por Priscila, Letícia
beija Veneranda, que corresponde passando a mão nos cabelos da
amiga. Priscila pega seu celular e filma as carícias trocadas na rede.
- Eu sabia que essas duas escondiam alguma coisa, agora eu descobri!
Quero só ver o que elas vão fazer quando isso vier à tona, e quando o
Gilberto souber, ele vai ficar de queixo caído! Pensou Priscila.
Numa noite, Letícia e Veneranda estavam dormindo um sono profundo
até que Maria Aparecida surgiu em um sonho para Letícia e avisou:
- Letícia, eu preciso que você venha para a cidade de Lindos Montes, eu
preciso falar com você e também preciso de sua ajuda.
- Está bem, amanhã mesmo eu vou para Lindos Montes.
- Obrigada, e volte a dormir minha filha.
Letícia voltou a dormir e se debateu bastante até voltar a dormir um sono
pesado.
No outro dia pela manhã, Letícia acordou e foi tomar banho; acordou
Veneranda e disse a ela sobre o sonho e avisou que estaria voltando
para Lindos Montes. Veneranda concordou e as duas foram tomar café
antes de Letícia voltar para a cidade.
Tudo transcorreu normalmente na viagem de volta e Letícia chegou ao
sítio de Dona Maria em pouco tempo. Ela tocou o sino para anunciar sua
chegada e em pouco tempo, Daniela veio abrir a porteira; ela entrou e foi
direto para casa principal onde Maria Aparecida já a esperava.
- Dona Maria Aparecida, eu vim o mais rápido que pude, o que a senhora
quer falar comigo?
- Você não notou nada no caminho pra cá?
- A senhora me pegou, eu vim tentando imaginar o que a senhora queria
falar comigo que nem prestei atenção à viagem.
- Você passou por algum buraco?
98
- A senhora tem razão, agora me veio à mente; já fizeram a primeira
parte da obra e ficou uma maravilha, eu não senti nenhum solavanco até
aqui!
- Agora venha ver como ficou a creche que eles reformaram.
- Dona Maria Aparecida, eu não acredito, a creche ficou maravilhosa!
Eles fizeram uma cozinha nova e onde era a antiga, eles fizeram uma
área de convivência, ficou demais!
- Venha ver o que eu fiz aqui atrás, onde era a sala de convivência.
- O que são essas máquinas de costura?
- Quando acabam as colheitas, muitas mulheres perdem o emprego e
ficam sem renda para sustentar suas famílias, e assim elas vão aprender
uma nova profissão e poderão costurar para fora; eu fiz um contrato com
uma empresa de confecção e elas me passam material para nós
costurarmos e também pessoal para ensinar na costura. Nós recebemos
por peça costurada; além de aprenderem uma nova profissão, elas
recebem pelas peças que trabalham.
- Dona Maria Aparecida, a Senhora não existe; além da assistência aos
filhos dos trabalhadores a senhora também pensou nisso.
- Precisamos fazer alguma coisa, não podemos apenas esperar pelo
poder público, temos que agir pelo bem de nossa comunidade.
- Espero que eu seja eleita para poder ajudar em tudo isso.
- Deus queira que sim, mas vamos sair, quero te mostrar a outra parte da
obra que esta sendo executada.
- E o prefeito, não falou nada sobre a obra?
- Eu fui até a prefeitura e conversei com os vereadores de oposição; eles
gostaram da iniciativa e me conseguiu um horário com o prefeito; no
começo ele torceu o nariz e não queria autorizar, mas como as eleições
estão próximas, ele ficou com medo de não autorizar e acontecer
acidentes por causa dos buracos; ele acabou autorizando.
- Ainda bem que ele autorizou!
- Só que ele não é bobo; se acontecer algum acidente por causa da obra
ele vai jogar isso contra nós.
- Acidentes podem ocorrer por qualquer outro motivo.
- Claro que sim, mas até provarmos isso, as eleições já teriam passado,
e ele me fez exigências, disse que iria colocar técnicos da Prefeitura para
fiscalizar as obras.
- Isso é interessante, quando as obras eram da prefeitura, quase não se
via técnicos fiscalizando.
- Nem tudo é perfeito, minha filha, mas vamos ver as obras como estão.
99
As duas foram até o canteiro de obras para verificar como tudo estava
indo, e lá encontraram um fiscal da prefeitura. Perguntaram ao Senhor
Agenor como estavam sendo feito os trabalhos.
- Bom dia para a Senhora, Dona Maria Aparecida e também para a
Senhora, moça.
- Bom dia seu Agenor, como estão indo as obras?
- As obras estão indo muito bem, a empresa está trabalhando de forma
correta e está respeitando todas as legislações, tanto trabalhistas como
ambientais; estão obedecendo todos os padrões técnicos de trabalho.
- Como assim, quais os critérios observados? Perguntou Letícia.
- Veja só Dona, ali eles estão fazendo curvas de nível para que não haja
erosão do terreno, isso porque ela diminui a velocidade da água da
chuva, diminuindo a enxurrada que leva a terra, causando os buracos.
- E você tem acompanhado isso de perto? Perguntou Dona Maria
Aparecida.
- Eu estou todos os dias aqui, e a obra esta de acordo com todos os
padrões, diferentemente das obras feitas pela prefeitura; eu avisava que
precisavam fazer alguma coisa e relatava na prefeitura, mas a obra
continuava e ninguém fazia nada; aí chega uma hora que você para de
falar com as pessoas, e aqui é diferente! Quando eu vejo alguma coisa e
pergunto, em poucos instantes vem um técnico da obra e me esclarece.
Enquanto eles conversavam, o Senhor Leandro, dono da empreiteira,
apareceu e viu Dona Maria Aparecida e Letícia conversando com o
técnico. Foi até elas para saber o que estavam achando das obras.
- Viemos verificar como estão indo as obras e pelo que nós vimos, está
tudo de acordo e o cronograma está perfeito! Disse Letícia.
- E digo mais, está melhor do que eu esperava! Disse Dona Maria.
- E o senhor, encontrou alguma irregularidade?
- A obra está de acordo com os padrões de qualidade, como eu mesmo
falei para a Dona Maria Aparecida.
- Ótimo, assim fico mais tranqüilo porque sei que está tudo dentro da
normalidade.
- Dona Maria Aparecida e Letícia, eu posso contar uma verdade para
vocês?
- Claro! Do que se trata? Disse dona Maria Aparecida.
- Bem, eu queria contar uma verdade para vocês, essa verdade ficou
escondida no orçamento; eu fiz preço de custo na obra de vocês, se
fosse para cobrar o real, valor ficaria o dobro do preço.
- E porque o senhor fez isso? Perguntou Maria Aparecida.
100
- Eu fiz esse preço, não por causa dos olhos bonitos de Letícia e nem
porque eu sou bonzinho; eu fiz isso porque eu queria mostrar que minha
empresa tem qualidade e tem preço.
- Explique melhor, Senhor Leandro - disse Letícia.
- Bom, me deixa explicar do começo; há muitos anos o Senhor António,
que é prefeito da cidade, me procurou na empreiteira e na época, ele
ainda era vereador da cidade e disse que tinha uma obra para ser
executada, lá no Capão que vocês conheciam; hoje existem casas que
foram obra do então vereador, ele iria construir cento e vinte e cinco
casas, e hoje é o bairro do Capão. Nessa época, como vereador, ele
queria que eu entrasse na concorrência e eu venceria, mas eu teria que
colocar o valor da obra mais um valor X, que era para ser dividido entre o
então Prefeito e os vereadores. Diante de minha recusa em dar propina,
eu fui excluído de todas as concorrências dali em diante, e foi por esse
motivo que ele ganhou a eleição; fazendo aquelas poucas casas que ele
disse que viriam mais se ele fosse prefeito, mas nada saiu do papel
desde então. Eu acredito até que meus concorrentes também colocaram
um preço bem abaixo, devido ao mesmo problema.
- Mas o Senhor sabe que isso não implicará que o Senhor seja
beneficiado por este gesto seu! Disse Letícia.
- E eu também não quero me beneficiar por isso; eu quero poder
participar das concorrências, e que elas sejam limpas e transparentes; o
povo precisa de políticos honestos e ele deve começar por sua cidade,
ele precisa saber que tem o poder e ele deve exercer esse poder. E
como ele pode fazer isso, eu pergunto? Participando das reuniões que
existem nas prefeituras com as administrações participativas, onde o
povo pode decidir qual obra é mais necessária para sua cidade ou seu
bairro, ele pode cobrar de políticos que não estão trabalhando em prol da
cidade.
- É assim que se fala! Disse Dona Maria Aparecida.
- Essa obra da Senhora deveria estar orçada em torno de dois milhões
de reais, e para fazer a obra da cidade toda, sairia um total entre quatro
milhões e quatro milhões e quinhentos mil reais. Esse preço seria bem
menor do que foi exposto lá no outdoor, no centro da cidade para fazer a
metade do serviço.
- O senhor tem razão, mas aquela obra foi aprovada pelos vereadores e
agora não podemos fazer mais nada.
- Eu sei Dona Maria Aparecida, e espero que o povo veja isso, mude
esses políticos que aí estão, e digo também isso dos políticos não só da
bancada governista, digo também da bancada de oposição ao governo,
101
que lançam mentiras para que o povo mude de governo e continue a
mesma coisa ou ainda pior.
Todos ouviram atentamente o Senhor Leandro desabafar e todos
concordaram com cada palavra que foi dita. O Senhor Agenor, que foi
enviado pela prefeitura, estava ouvindo e ficou de queixo caído com o
desabafo do Senhor Leandro e pensou consigo mesmo:
- A hora que o prefeito souber, ele vai cair de costas!
O senhor Leandro desculpou-se pelo desabafo, mas queria mostrar para
elas que ainda existem empresas sérias e que elas poderiam contar com
ele quando quisessem.
Elas agradeceram pela honestidade, e por ter contado toda a estória e
esclarecido vários aspectos da política local que ninguém sabia.
O Senhor Leandro pediu licença a todos e foi embora, mas antes de sair,
disse que os trabalhos terminariam logo, e o mesmo aconteceu com o
Senhor Agenor que também se despediu das mulheres e saiu.
Maria Aparecida e Letícia continuaram ali, vendo as máquinas
trabalharem e começaram a conversar entre si sobre a conversa que
Letícia teve com Veneranda.
- Dona Maria Aparecida, eu tive uma conversa séria com ela e nós
vamos encarar tudo de frente, mas por enquanto vamos manter segredo
e, assim que as eleições passarem, nós vamos abrir o jogo com todo
mundo.
- Talvez isso não seja possível, guardar segredo. Quando as eleições
estiverem bem perto, todos vão saber, e sua maior luta começa aí.
- Porque a senhora diz isso? Nós até agora fomos bem discretas e
ninguém viu nada que possa sugerir isso.
- Já está escrito, não tem como fugir do destino; você disse que
enfrentariam, então não tem o que temer.
- Nisso a Senhora tem razão, mas vamos deixar isso para depois, vamos
continuar a ver as obras.
Enquanto as duas continuaram a verificação das obras, o Senhor Agenor
foi até a Prefeitura para falar com o Prefeito.
- Bom dia, Dona Rose, eu queria falar com o Senhor Prefeito.
Dona Rose, que é assessora do Prefeito e faz todo o serviço de
secretaria, perguntou a ele:
- Alguma coisa que eu posso ajudar Seu Agenor?
- Não, eu preciso falar com ele mesmo.
- Vou ver se ele pode atender. Ela pegou o telefone e ligou para o ramal
do prefeito.
102
- Senhor Prefeito, está aqui o Senhor Agenor, que é o engenheiro que
está acompanhando as obras da Dona Maria Aparecida.
- Pode mandar entrar, eu queria mesmo falar com ele.
O senhor Agenor entrou no gabinete do prefeito e foi recebido com uma
pergunta.
- Senhor Agenor, o Senhor veio me trazer alguma notícia das obras?
- Bom dia, Senhor Prefeito, sim, vim trazer algumas novidades.
- Então me diga o que tem acontecido lá, viu alguma irregularidade?
- Irregularidade eu não vi, mas quando eu estava lá, chegou Dona Maria
Aparecida e a Dona Letícia, para verificar as obras e perguntaram para
mim se tudo estava certo, e quando eu fui respondendo, chegou lá um
sujeito chamado Leandro, que é dono da construtora que está fazendo a
obra. Ele disse um monte de coisa sobre o Senhor.
- Não esquenta a cabeça com esse aí, ele é velho conhecido meu,
depois que eu não deixei mais ele fazer obras por aqui, ele vive falando
mal de mim.
- Se é assim, então vou deixar pra lá, mas o Senhor não quer saber o
que ele falou sobre o Senhor?
- Deixa pra lá, é um monte de mentiras mesmo.
- Então está bem, mas só para deixar o Senhor ciente, as obras estão
todas de acordo com os padrões técnicos.
- Está bem, Agenor, muito obrigado pela informação.
- Até logo, Senhor Prefeito.
O senhor Agenor saiu e pensou:
- O Prefeito não quis nem saber o que tinha pra falar com ele. Se
continuar assim, ele vai se dar mal na eleição.
Assim que o Senhor Agenor saiu da sala, o Prefeito ligou para seu amigo
e vereador, Gerson Lino.
- Alô Gerson, bom dia, é Prefeito António.
- O que é que manda prefeito?
- O Agenor, aquele que foi enviado para verificar as obras, esteve aqui.
- E o que ele disse?
- Disse que as obras estão todas corretas e que o Leandro, dono da
empreiteira, esteve na obra e disse um monte de baboseira para a Maria
Aparecida e também para a Letícia.
- O Senhor sabe o que ele disse?
- Aquilo de sempre, nem precisei perguntar para o Agenor porque eu já
sabia a resposta.
- OK, deixa pra lá, quando nós o chamamos para trabalhar conosco ele
se recusou, agora fica aí chorando.
103
- É isso aí, bom, qualquer novidade eu te comunico, um abraço.
- Um abraço, Senhor Prefeito.
Enquanto isso, Letícia e Maria Aparecida se deram por satisfeitas com o
andamento das obras e Maria Aparecida comentou:
- Acho que por hoje é só, se você quiser voltar para Poços de Caldas
pode ir, eu acompanho o restante das obras e, qualquer necessidade, eu
a chamo.
- Está bem, Maria Aparecida, qualquer novidade, me chame que eu
venho rapidinho pra cá.
Letícia levou Maria Aparecida para o sítio e voltou para Poços de Caldas.
No meio do trajeto ficou pensando no que a Maria Aparecida lhe disse,
sobre o pessoal saber de seu namoro com Veneranda.
- Será que alguém viu alguma coisa lá na pousada no dia em que eu e
Veneranda ficamos na rede?
Ela voltou rapidamente para a pousada e chegando lá, pegou Veneranda
de surpresa que não a esperava naquele dia, pois Letícia não a havia
avisado.
Veneranda estava atendendo um casal jovem que haviam acabado de se
casar. Letícia fez um sinal que iria para o quarto e Veneranda concordou
com a cabeça e um sorriso em seu rosto. Depois de acomodar o jovem
casal, Veneranda foi para o quarto; chegando lá, Letícia já a aguardava
ansiosa por seus carinhos, e não foi diferente; assim que Veneranda
entrou no quarto foi recebida com uma chuva de beijos incontroláveis,
até parecia que as duas não se viam há muitos anos.
- Veneranda, eu fiquei tão pouco tempo fora e minha saudade apertou,
não sei o que me deu!
- Eu também não via a hora de você chegar!
- Antes de tudo quero fazer uma pergunta: alguém nos viu enquanto
estávamos na rede aquele outro dia?
- Acredito que não, a pousada estava tranqüila e nós ficamos por pouco
tempo lá; por que da pergunta?
- Dona Maria Aparecida me disse que o pessoal saberia de nossas ações
antes de nós contarmos para todo mundo.
- Agora você me deixou preocupada, mas vamos redobrar a atenção
para não termos surpresas.
Mais alguns dias se passaram sem que nada tivesse ocorrido de
diferente. Até que em uma noite, Maria Aparecida avisou Letícia que as
obras haviam acabado e que estava tudo bem na região.
Com o passar do tempo, o ano terminou e um novo se iniciou sem muitas
mudanças no cenário. Este novo ano passou depressa e logo chegaram
104
às prévias do partido que Letícia era filiada. A convenção foi marcada
para o dia dez de junho do ano em curso e os três candidatos
começaram as conversações com os filiados do partido.
Letícia conversou com os filiados, fez uma campanha interna e discursos
para todos saberem suas propostas.
Uma pesquisa prévia foi feita para saber como estava à expectativa do
partido em torno de seus candidatos e o resultado estava assim disposto:
Letícia tinha trinta e oito por cento dos votos, o Senhor Rogério Mena
tinha trinta e três por cento do eleitorado e o Senhor Francisco Norberto,
tinha apenas vinte e oito por cento dos votos válidos do partido; todos
estavam em campanha e todos corriam atrás de todos para angariar
votos.
No dia marcado para a convenção partidária, estavam os três candidatos
ainda conversando com seus amigos e filiados quando subiu à tribuna
para discursar, o Senhor Francisco, e pegou todos de surpresa, pois
desistiu de candidatar-se a prefeito. Disse que apoiaria Letícia e disse
por que fez isso.
- Bom dia a todos, eu estou desistindo de candidatar-me a Prefeito pelo
partido e queria que todos soubessem da minha decisão. Eu conversei
com quase todos os filiados ao partido de nossa cidade e a grande
maioria havia optado por votar na candidata Letícia; muitos me disseram
que só estariam votando em mim por amizade, mas o nome forte do
partido para concorrer à eleição seria a candidata Letícia, então, nada
mais justo do que apoiar quem realmente tem o poder de ganhar a
eleição. Por isso, eu peço a todos que iriam votar em mim, votem em
Letícia.
Logo depois foi a vez de Rogério Mena discursar. Ele subiu na tribuna e
fez um discurso bastante eloqüente e bastante aplaudido pelos
presentes.
Por último, foi a vez de Letícia discursar. Ela falou de tudo desde o
começo; quando havia entrado no partido, de suas lutas, de seus apoios
políticos, falou também em ética na política, mostrou toda sua garra, seu
empenho em vencer as eleições, mostrou a todos como é fazer política
sem fazer conchavos, sem o toma lá da cá, sem vícios, onde o povo não
seria usado e sim, poderia participar dos projetos da Prefeitura, fazendo
uma administração participativa. Ela ainda nem havia terminado seu
discurso e todos já estavam aplaudindo de pé.
105
Capitulo XII
O presidente do partido, Senhor Ricardo Amaral, pediu então para que
todos os filiados do partido votassem em voto secreto e apenas dois
candidatos estariam concorrendo que eram eles, Letícia e o Senhor
Rogério Mena; o Senhor Francisco Norberto havia desistido de concorrer
de ser candidato do partido.
A eleição transcorreu numa normalidade pouco vista antes, sem brigas
sem confusões, sem ataques diretos entre os candidatos, e um a um os
filiados do partido entraram na cabine de votação e em pouco tempo já
estava terminada, todos haviam votado.
O presidente do partido, Senhor Ricardo Amaral e o Secretário Geral do
partido, Senhor Moacir Fortes, fizeram a contagem de votos diante dos
candidatos a candidato do partido; um a um os votos foram contados e
no final, deu Letícia como candidata do partido com sessenta e quatro
por cento dos votos; o Senhor Rogério teve trinta e quatro por cento dos
votos, dois por cento das pessoas se abstiveram de votar.
Em uma cerimônia rápida, o presidente do partido e o secretário geral do
partido fizeram uma ata de todas as decisões tomadas na convenção e
essa ata foi digitada, assinada e será encaminhada à Justiça Eleitoral, a
fim de apresentar o pedido de registro dos candidatos e a conseqüente
possibilidade de propaganda eleitoral que obedecerá aos prazos
regulamentados por lei.
Nessa convenção ficou definido também que o Senhor Francisco
Norberto será o vice-prefeito da cidade de Lindos Montes e o Senhor
Rogério Mena será candidato a vereador pelo partido e caso ele seja
eleito, será o líder do partido na Câmara Municipal.
Logo após a cerimônia, Letícia subiu na tribuna, agradeceu pelos votos e
comprometeu-se a cumprir com dignidade o voto de todos e discursou
para todos os presentes; prometeu fazer mudanças na política e mostrar
para todos que pode ser feita uma política justa, honesta, direcionada
aos anseios do povo, debatendo todos os temas que afetam o cidadão,
no sentido de detectar problemas e propor soluções, porque a função de
prefeita seria executada com rigor e compromisso com a população.
Letícia discursou por mais de vinte minutos; mais uma vez foi aplaudida
de pé pelos representantes do partido e foi ovacionada pelos presentes.
106
Enquanto isso, na prefeitura, o vereador Gerson Lino foi até o gabinete
do Prefeito para contar os acontecimentos da convenção do partido que
concorrerá ao pleito com o atual prefeito.
O Senhor Gerson Lino chegou ao gabinete, falou com a secretária Rose,
que ligou para o prefeito e esse mandou o vereador entrar.
- Senhor Prefeito, bom dia, venho trazer uma novidade quanto ao seu
concorrente para disputar a eleição.
- Com quem eu vou disputar a eleição?
- Na realidade é uma concorrente, e é a Letícia, ex-mulher do vereador
Valdomiro.
- Não brinca rapaz! Essa mulher é a minha concorrente? A eleição está
no papo, se bem que ela é bastante querida na periferia porque ela fazia
caridade por lá, e sempre ajudou as pessoas, mas eu não vejo muito
perigo, ela é principiante a cargo público e não usa as mesmas armas
que nós usamos.
- O Senhor acha mesmo, Prefeito? Ela vai ser apoiada pela população
negra lá do sítio.
- Não esquenta a cabeça com isso, a maioria dos votos está na região
urbana da cidade e não na zona rural.
- Não sei não Prefeito, nossa zona rural é muito populosa e tem bastante
eleitores.
- Daqui a alguns dias eu vou pedir para fazerem uma pesquisa eleitoral,
pra ver como estamos no município.
- Isso é uma boa idéia, precisamos ver como o povo vai reagir com o
nome dela como candidata.
- Você conhece aquele instituto de pesquisa, o IPEMU, Instituto de
Pesquisa Municipal, que tem ali na cidade de Poços de Caldas?
- Conheço sim, Prefeito, por quê?
- Você poderia ir lá e solicitar para eles fazerem esse levantamento para
nós?
- Posso ir lá sim, eu vou fazer o seguinte, eu vou lá na sexta-feira
próxima e peço para eles virem aqui no dia vinte deste mês, hoje ainda é
dia dez, então vão ter decorrido dez dias de campanha dela.
- Muito bom, Gerson Lino, faça isso mesmo.
- Então eu já vou indo que hoje tem votação na câmara municipal, até
logo, Senhor Prefeito.
- Até logo, Gerson, bom trabalho e obrigado por vir me avisar.
- Não seja por isso, tchau.
O vereador Gerson Lino saiu do gabinete do prefeito e já fora da sala,
despediu-se de sua secretária, Rose, e pensou consigo mesmo:
107
- Acho que vou hoje mesmo lá.
O vereador Gerson Lino foi até a garagem da Prefeitura, chamou seu
motorista para que pegasse o carro da Câmara Municipal, mandou
abastecer e pediu para que seu motorista, o Senhor Elias Rufino, viesse
pegá-lo para irem até a cidade de Poços de Caldas. Assim fez o
motorista, abasteceu e voltou para pegar o vereador, e o motorista
perguntou:
- Vamos para onde, Excelência?
- Nós vamos para Poços de Caldas, eu tenho alguns assuntos pra tratar
lá.
- Ok, pode deixar, e o Senhor sabe o endereço que nós vamos?
- Eu sei onde é o lugar, eu te indico o caminho, pode seguir.
Os dois foram para a cidade de Poços de Caldas, e a viagem ocorreu
tudo bem; o vereador Gerson indicou o caminho até o IPEMU, e
chegando lá foi falar com o senhor Adriano, dono do instituto de
pesquisa.
- Senhor Adriano, boa tarde, meu nome é Gerson Lino e eu sou vereador
de Lindos Montes. O Prefeito, Senhor António, que é seu amigo, me
pediu para vir aqui fazer um pedido.
- Boa tarde e muito prazer em conhecê-lo pessoalmente, o Senhor
António já me falou sobre o senhor, e o que ele deseja?
- Como o senhor sabe, este ano tem eleição para prefeito e vereadores e
o Senhor António está concorrendo à reeleição; ele gostaria de uma
pesquisa de campo para saber como ele está em relação ao eleitorado,
uma vez que este ano a oposição lançou a candidatura de uma mulher e
o prefeito quer saber como ele está nas pesquisas.
- E quando eu posso começar a fazer a pesquisa?
- A oposição começou a fazer campanha hoje que é dia dez, e nós
queremos esperar dez dias para começarmos com a pesquisa.
- Está bem, vou enviar para lá quatro recenseadores para fazerem a
pesquisa no dia vinte deste mês, e como vai ser o pagamento?
- Isso depois o senhor acerta com o prefeito, ele vai te dar detalhes.
- Está bem, depois eu ligo para ele e acertamos um preço justo para
todos nós.
- Eu agradeço muito sua atenção e prazer em conhecê-lo.
- O prazer foi todo meu, até logo então.
O vereador Gerson saiu do instituto e disse ao senhor Elias:
- Aqui está tudo certo, vamos voltar para Lindos Montes.
- O senhor vai almoçar aqui na cidade ou lá em Lindos Montes?
- Vamos almoçar naquela churrascaria do Léo que é meu amigo.
108
- Está bem, então vamos indo, Excelência.
A viagem de volta foi tranqüila e eles pararam na churrascaria Bom
Espeto, de propriedade do Senhor Léo, para almoçarem.
Assim que almoçaram, voltaram direto para a Prefeitura; já estava quase
no final do expediente e foram falar com o Prefeito em seu gabinete.
Chegando lá na prefeitura, foram atendidos por Dona Rose.
- Boa tarde, Rose, nós viemos falar com o Senhor António.
- Desculpe-me, mas o Prefeito saiu mais cedo hoje, ele foi fazer uma
reunião com a diretora da Secretaria de Obras, a Juliana.
- E faz tempo que ele saiu?
- Saiu logo após o almoço e disse que não voltaria mais hoje.
- Entendi, obrigado, Dona Rose.
- Por nada, passar bem.
O Vereador Gerson Lino saiu e pensou consigo mesmo:
- Já sei onde eles foram ver as obras.
Enquanto isso, na sede do partido, Letícia é cumprimentada por seus
correligionários e liga para Veneranda.
- Veneranda boa tarde, adivinha o que aconteceu amiga?
- Boa tarde, amiga, não vai me dizer que você ganhou?
- Ganhei amiga, e foi tudo maravilhoso! Eu tive uma boa porcentagem de
votos e o Senhor Francisco vai ser meu vice na chapa.
- Ele ficou em segundo lugar?
- Não, quem ficou em segundo lugar foi o Rogério Mena.
- E porque ele não ficou de vice?
- Como ele é bastante conhecido também, ele vai sair de vereador para
puxar bastante voto para nosso partido.
- Entendi, estou muito feliz, e eu queria estar aí com você.
- E por que não vem pra cá para comemorarmos?
- E a pousada, amiga?
- Pede para a Rosa tomar conta, afinal, é só por um dia.
- Está bem, eu vou sair daqui em torno das seis horas, devo chegar aí
por volta de oito e meia.
- Então eu te espero para jantar.
- Está bem amiga, até a noite então.
- Até lá, amiga.
Veneranda foi até a recepção e pediu para a camareira Priscila chamar a
Rosa, para ela ter uma conversa com ela. Priscila saiu e em pouco
tempo vieram as duas para a recepção.
- Rosa, eu estou indo para Lindos Montes hoje e queria que você
tomasse conta da pousada pra mim.
109
- Aconteceu alguma coisa lá em Lindos Montes?
- Sim, a Letícia venceu os candidatos do partido e agora ela é candidata
à prefeita de Lindos Montes.
- Que maravilha! Eu espero que ela ganhe, ela é muito responsável.
- Eu também espero, eu vou pra lá daqui a pouco.
- Tudo bem, pode ir tranqüila que eu tomo conta da pousada para a
Senhora.
Veneranda saiu da sala e Rosa disse para Priscila:
- Você não achou o máximo, Priscila?
- Achei sim, legal, não é? Respondeu Priscila em tom de deboche.
Priscila saiu e foi para um canto do lado de fora, pegou seu celular e
ligou para o senhor Gilberto.
- Gilberto, boa tarde, é a Priscila aqui da pousada, tudo bem com o
senhor?
- Oi Priscila, tudo bem comigo, em posso ajudar?
- Eu queria conversar com o Senhor hoje, isso é possível?
- É possível sim, e sobre o qual assunto?
- Não posso ficar falando ao telefone, mas eu tenho certeza que o senhor
vai gostar.
- Faz o seguinte, você sabe aquela padaria que entrega pão aí na
pousada? Eu te espero lá em frente às oito horas, tudo bem pra você?
- Tudo bem, eu saio às seis horas, vou pra casa, janto e te encontro lá às
oitos horas, está combinado assim então, tchau Senhor Gilberto.
- Tchau, Priscila.
Assim que Priscila desligou o celular, ela deu um sorriso e disse em voz
baixa:
- A hora que o pessoal vir minha filmagem, quero ver quem vai votar
nessa vagabunda.
Rosa viu Priscila falando sozinha e perguntou:
- O que você estava falando?
- Hoje estou me sentindo péssima, pareço uma moribunda.
Priscila saiu e Rosa não tinha ouvido muito bem o que ela dizia, ficou
intrigada, mas deixou pra lá.
Veneranda foi para Lindos Montes para encontrar-se com Letícia. Correu
tudo bem na viagem e ela chegou à casa de Letícia na hora marcada;
assim que chegou, Letícia já a esperava na sala de TV e foi até a porta
para atendê-la. Assim que a viu, abraçou-a com muito carinho e
confidenciou em seu ouvido:
- Eu estava com muita saudade sua, mas só para lembrar, a Elza, minha
empregada está em casa.
110
- Está bem, mas depois no seu quarto, eu quero muito você. Respondeu
Veneranda no ouvido da amiga.
As duas entraram e Dona Elza estava na sala cumprimentou Veneranda.
- Olá Veneranda, há quanto tempo não a vejo! Tudo bem com a
senhora?
- Olá Elza, tudo bem comigo, e você cada vez mais jovem, está muito
bonita.
- Obrigada, Dona Veneranda, a Letícia disse que vocês vão jantar aqui e
eu preparei um jantar muito bom, espero que goste.
- Tenho certeza que eu vou gostar você cozinha muito bem, Elza.
- Assim que tiver pronto eu aviso à senhora, Dona Letícia, agora me dá
licença.
- Está bem, Elza, assim que ficar pronta você me avisa, a Veneranda vai
tomar um banho primeiro, vem, vamos subir.
As duas subiram e Elza foi preparar o jantar. Assim que chegaram ao
quarto, as duas se abraçaram e se beijaram e ficaram ali por um bom
tempo, até que Letícia perguntou:
- Quer tomar um banho agora?
- Quero, mas você vem junto, não é?
- Claro, sua boba, por que você acha que eu perguntei?
- Sua safadinha, vamos lá.
As duas entraram no chuveiro e ficaram ali abraçadas deixando a água
cair sobre seus corpos. Letícia começou a passar a esponja com
sabonete com muita suavidade sobre corpo de Veneranda, que se
contorcia toda; logo depois foi a vez de Veneranda passar a esponja em
Letícia, que ficava esfregando seu corpo ao de Veneranda. Abraçaram-
se e se beijaram longamente; após secarem-se foram para a cama e
continuaram com as carícias e nem perceberam que Elza subiu para
avisar a patroa que o jantar estava servido.
Assim que Elza abriu a porta e deu de cara com a cena, ela colocou a
mão na boca e fez um oh! Para chamar a atenção da patroa.
Letícia deu um salto e cobriu-se, cobrindo também Veneranda, Elza
pediu desculpas e desceu para a cozinha, e Veneranda perguntou:
- E agora, Letícia, o que vamos fazer?
- Calma, Veneranda, eu vou me trocar e descer para falar com ela, você
desce mais tarde, eu dou um toque em seu celular.
- Está bem, mas será que ela vai falar alguma coisa com alguém?
- Eu conheço a Elza há muitos anos e tenho certeza que ela vai guardar
segredo.
111
Letícia desceu para a cozinha e encontrou Elza, ela estava com a cara
rosada de vergonha e disse:
- Desculpe-me, Dona Letícia, eu subi para chamar à senhora para jantar
como sempre faço, eu me esqueci de que a senhora estava com visita.
- Você não precisa se desculpar, na realidade quem deve desculpas sou
eu, e você acabou vendo uma coisa que eu ia contar a você com mais
calma, sem deixá-la constrangida, mas já que você acabou vendo, sente-
se aqui que eu quero lhe contar tudo. E continuou:
- Eu e a Veneranda nos conhecemos desde pequenas e sempre
estávamos juntas; um dia nos separamos por causa do destino e eu
casei com o Valdomiro e ela teve seus namorados, e nós nos víamos de
vez em quando. Um dia, quando eu tinha terminado meu casamento com
o Valdomiro, eu fui para a pousada porque estava tendo muitos
problemas por lá, e a Veneranda foi comigo. Nós ficamos em um só
quarto e foi quando descobrimos que uma gostava da outra de uma
maneira mais intensa, você está me entendendo?
- Entender, eu entendo, mas eu não acho certo; mulher tem que ficar
com homem, e homem tem que ficar com mulher, mas eu não sou
preconceituosa, não vou criticar, se a Senhora quer ser feliz eu aceito,
mas eu sou contrária a tudo isso.
- Eu quero a minha felicidade e não queria que você me recriminasse.
- Eu não estou recriminando a Senhora, apenas estou dizendo que não
aceito isso, é diferente, mas se a Senhora está dizendo que é feliz assim,
quem sou eu para me intrometer?
- Tem algum problema para você se nós ficarmos juntas aqui em casa?
- De jeito nenhum, a vida é da Senhora, e dela a Senhora faz o que bem
entende, vou continuar trabalhando normalmente como sempre fiz.
- Elza, eu queria que você guardasse segredo sobre isso, em primeiro
lugar porque muita gente não ia entender, em segundo porque estou em
campanha para prefeita, e inclusive eu ainda não havia dito a você, eu
peço que me desculpe por esta falha também.
- Dona Letícia, eu trabalho com a Senhora há muitos anos, já vi algumas
brigas entre a Senhora e o Senhor Valdomiro e nunca disse nada a
ninguém, não é agora que vai ser diferente.
- Obrigada Elza, eu sei que você é uma mulher exemplar, e eu sempre
confiei em você, muito obrigada por não me desmerecer!
- Nunca faria isso à senhora, existem mil motivos para agradecê-la; a
senhora sempre foi boa comigo e sempre me ajudou nas horas em que
eu precisei, agora é minha vez de retribuir.
112
Enquanto Elza falava, Letícia mandou uma mensagem no celular de
Veneranda pedindo para ela descer.
Veneranda chegou à cozinha com os olhos molhados, pois havia
chorado no quarto, ela olhou nos olhos de Elza e notou serenidade e isso
a tranqüilizou.
- Dona Veneranda, eu estava falando para Dona Letícia que não foi
minha intenção ver alguma coisa entre vocês e peço desculpas por isso,
inclusive a porta estava apenas encostada e não fechada, porque, se
estivesse fechada, eu teria batido na porta antes de entrar.
- Não sei como me desculpar, Elza, a Letícia já contou tudo para você?
- Sim, e não precisam se preocupar, eu vou guardar segredo quanto a
isso, só peço que fechem a porta da próxima vez, eu fui criada de outra
maneira e não aceito isso, mas respeito.
- Obrigada por sua discrição, eu sinto muito pelo constrangimento que a
fiz passar.
- Não se preocupe por isso, agora vamos mudar de assunto, o jantar está
pronto, eu posso servir? Perguntou Elza para por um fim na conversa.
- Pode sim, e o que temos para o jantar?
- Eu fiz frango grelhado, abobrinha recheada e ervilha na manteiga.
- Parece apetitoso. Disse Veneranda e começou a comer em silêncio por
ter entendido as palavras de Elza. Letícia também ficou em silêncio e
Elza pediu licença e saiu da cozinha e foi para seu quarto; as duas
continuaram em silêncio até o final do jantar.
Enquanto isso, lá em Poços de Caldas, Priscila encontra-se com Gilberto
na padaria, conforme combinado.
- Gilberto, boa noite, faz tempo que você chegou?
- Boa noite, Priscila, não, eu cheguei agora a pouco, e o que você quer
me falar?
- Falar não, eu quero mostrar uma coisa para você que vai te deixar de
queixo caído.
- Mostre-me então, agora eu fiquei curioso.
Priscila mostra para Gilberto a gravação de Letícia fazendo uns carinhos
na face de Veneranda. Gilberto observa atento e diz:
- Mas é só isso? Eu pensei que fosse algo mais significativo!
- Você prestou atenção no que viu?
- Sim, a Letícia está fazendo um carinho no rosto da Veneranda e o que
tem isso? Não vi nada de mais.
- Elas são lésbicas, uma está agradando à outra, você não está vendo?
- Isso eu estou vendo, mas dá margem para dúvida, ela pode falar que
estava tirando um inseto no rosto da outra.
113
- Mas na época de eleição ninguém quer saber, eles jogam tudo no
ventilador e pronto, até o outro conseguir provar que era mentira a
eleição já foi para o brejo, você entendeu? Mas que elas estavam se
esfregando estavam.
- Você tem certeza que elas estavam namorando ali na rede?
- Claro que eu tenho se não eu não ia mostrar para você.
- Manda para o meu celular esta gravação, eu vou para a cidade de
Lindos Montes. Daqui a alguns dias e vou mostrar pro Valdomiro.
- Está bem, já estou enviando, pronto, vê se você recebeu e se está tudo
ok.
- Me deixa ver, aqui está, acabou de chegar agora vou ver se está
perfeita... Legal, está tudo certo.
- Então beleza, depois que você falar com o Valdomiro, me liga e diz
como foi.
- Está bem, assim que eu voltar de Lindos Montes eu te ligo, mas
mudando de assunto, você quer tomar uma cerveja comigo? A gente
pode bater um papo e depois sair para algum lugar mais sossegado.
- E o que eu falo pro meu namorado?
- Diz que foi pra casa de uma amiga, desliga o celular e fala que ficou
sem carga na bateria.
- Está bem, mas eu não posso demorar amanhã eu tenho muito trabalho,
aquela pousada está uma loucura.
- Então vamos indo.
Os dois entraram na padaria tomaram cervejas e saíram com destino a
um motel da região, e lá ficaram por um tempo num relacionamento
íntimo, e Gilberto disse a Priscila:
- Você é bem safadinha.
- Meu namorado merecia isso, num outro dia eu peguei no celular dele
uma mensagem que ele trocou com uma amiga dele mencionando
saírem para uma balada, então, tomou o troco.
- Vamos indo, você disse que queria ir cedo pra casa.
- Beleza vamos indo porque tenho muita coisa para fazer em casa ainda
hoje, e falando nisso, será que você pode me deixar em casa?
- Claro, mas e se o seu namorado estiver lá?
- Ele só vem de terça e quinta e nos finais de semana e a essa hora ele
está na faculdade.
Gilberto levou Priscila para casa e ela agradeceu a noite que passaram
juntos.
- Tchau, Priscila, obrigado pela gravação.
Gilberto saiu do encontro pensativo e disse:
114
- Que safadinha essa Priscila! Na pousada parece menina séria, mas
fora é um furacão; bom, agora eu tenho um trunfo na mão, vou ver se
ganho uma grana com isso.
Enquanto isso, na cidade de Lindos Campos, os candidatos saem às
ruas para a campanha. Letícia vai a campo fazer campanha com os
eleitores da periferia da cidade e também nos sítios e chácaras da zona
rural, e seu oponente faz campanha no centro da cidade,
cumprimentando eleitores e tomando cafezinho nos bares com os
eleitores. Assim os dias vão passando e no exato dia vinte deste mês,
chega à cidade três recenseadores para fazerem a pesquisa
encomendada pelo vereador Gerson Lino, a pedido do prefeito António.
Eles foram direto à Câmara Municipal procurar o Senhor Gerson Lino,
que instruiu os mesmos a utilizarem o hotel da cidade como base para
sua pesquisa.
Os recenseadores Rafael, Bruno e Alex são três jovens estudantes de
história de uma faculdade de uma cidade próxima; reuniram-se em um
quarto do hotel e começaram a traçar em como fazer a pesquisa. Rafael
deu a idéia de começarem pela área rural da cidade e vir para o centro, e
Bruno achou melhor começar pelo centro e dirigir-se para a área rural;
pensaram em dividir por setores e escolherem os eleitores por faixa
etária, mas a idéia que mais agradou foi a que Alex apresentou ao grupo.
- Porque não saímos e vamos aos bairros? Escolhemos dez pessoas de
cada bairro independentemente de faixa etária ou posição social; cada
um vai entrevistar três ou quatro pessoas, marcamos em nossas
pranchetas com os dados, voltamos para o hotel, fazemos um gráfico
todo enfeitado e está pronto.
- Não é má idéia, e por onde vamos começar? Perguntou Rafael.
- Vamos pegar o carro, vamos até a parte mais longe da cidade pegamos
algumas pessoas e fazemos o levantamento; vamos vindo para mais
perto do centro e no final, só restará fazer aqui perto.
- Então vamos fazer o seguinte: vocês dois vão para a área rural
enquanto eu fico aqui e vou entrevistando o maior número de pessoas
possível, e assim terminaremos com o menor prazo. Disse Bruno.
- Boa Bruno, sua idéia é muito boa, mas terá que ir a vários bairros.
- Não tem problema, minha tia mora aqui perto e eu conheço bem a
cidade.
- Então está fechado, amanhã logo cedo saímos para fazer a pesquisa,
vocês trouxeram o material de pesquisa?
- Sim, está tudo aqui. Respondeu Bruno.
115
- Beleza, o que vocês acham de dar uma volta pela cidade e ver como
ela é?
- Eu já conheço, vou mostrar para vocês os pontos de maior movimento
aqui da cidade.
Os três rapazes saíram e foram conhecer os melhores pontos da cidade
para se distraírem enquanto o trabalho não começava.
No outro dia pela manhã, os três jovens saem para a execução das
pesquisas de campo. Rafael e Alex vão para a área rural e Bruno fica na
região central e assim fazem por três dias consecutivos, Visitaram um
bom número de eleitores e no terceiro dia, estavam reunidos para
fazerem os gráficos para levarem para a empresa IPEMU, e quando já
estava tudo pronto, Alex disse:
- Vamos dar uma volta pela cidade para ver as meninas, dar uma
paquerada e tomar umas cervejas.
Boa idéia, afinal nós merecemos, nós fizemos um bom trabalho.
Disseram os amigos de trabalhos.
No outro dia pela manhã, os recenseadores desceram para a portaria do
hotel, fecharam a conta e partiram rumo a Poços de Caldas, chegando à
empresa, foram recebidos pelo Senhor Adriano, que perguntou:
- Deu tudo certo lá em Lindos Montes?
- Deu sim, Senhor Adriano. Respondeu Rafael.
- E como foi o resultado? Venham para minha sala para podermos ver os
resultados.
116
Capitulo XIII
- Os três rapazes entraram na sala juntamente com o senhor Adriano,
que já foi pegando a pasta com os resultados; ele olhou, verificou
atentamente os gráficos, deu um sorriso e disse:
- Não achei que seria diferente, vai ser difícil esta moça ganhar do
prefeito com esta margem, sem contar que o António é uma raposa na
política; Deixe-me ver, o resultado é sessenta e dois por cento para o
Senhor António, e trinta e oito por cento para a Letícia.
- Aí estão somente os votos válidos, não estão contemplados votos nulos
e nem os indecisos. Disse Rafael.
- Deixe-me ver como ficou com todos os votos, cinqüenta e nove por
cento para o Senhor António, trinta e cinco por cento para a Letícia, três
por cento de votos nulos e três por cento de indecisos.
- Se bem que nós fizemos uma pesquisa mais ampla no centro da cidade
conforme indicação do senhor, se nós fizéssemos conforme o correto,
estes dados não valeriam. Disse Bruno
- Eu sei, mas quem pediu a pesquisa foi o António, então tenho que fazer
o melhor para ele.
- Quer dizer que quem encomendou a pesquisa, recebe uma pesquisa
melhorada? Perguntou Alex.
- A pesquisa serve de estatística e só, aí eu dou uma manipulada para
agradar meu cliente, se bem que dessa vez não será necessário.
Obrigado rapazes, podem voltar ao trabalho normal, qualquer dúvida eu
pergunto para vocês.
- Obrigado, Senhor Adriano, dá licença. Disseram os rapazes e saíram
da sala.
Assim que saíram da sala, os três rapazes voltaram para seus afazeres e
Rafael falou para Bruno.
- Vivendo e aprendendo, as pesquisas são manipuladas de acordo com
quem solicita a pesquisa, nem em pesquisa se pode confiar.
- Bom, pelo menos a nossa está correta, se bem que nos florimos um
pouco.
- Mas ele não precisa saber.
O Senhor Adriano Ligou para seu amigo, o atual prefeito de Lindos
Montes, Senhor António.
- Senhor António, bom dia, aqui é o Adriano da IPEMU, como vai?
- Oi Adriano, tudo bem meu caro, o que manda?
117
- A pesquisa encomendada pelo Senhor já está pronta, pode mandar o
Gerson vir retirar?
- Eu peço para ele ir até aí. E como ficou a pesquisa?
- O senhor vai se surpreender, mas pode ficar tranqüilo. E o pagamento,
como vai ser?
- Eu mando o cheque da prefeitura, mas você manda a pesquisa como
se fosse senso demográfico do município e gráficos estatísticos, assim, a
pesquisa não sai do meu bolso e ainda levo algum, entendeu?
- Entendi sim, Prefeito, vai ser como o Senhor quiser, eu já vou mandar
tirar a nota fiscal e envio tudo junto com o Senhor Gerson.
- Perfeito, assim fica bom para todos nós, obrigado por tudo, Adriano.
- Por nada prefeito, qualquer coisa que precisar, é só falar comigo, um
abraço.
Assim que desligou o telefone, Adriano disse:
- Se deixar, esse aí tira até o dinheiro da própria mãe, nunca vi ninguém
assim, faz trapalhada em tudo! Meu Deus!
No fim de semana, no sítio das três irmãs, Maria Aparecida está
atendendo as pessoas que vem para serem bentas; Maria de Lourdes e
Maria de Fátima estão nas lojas que vendem os produtos do sítio. Muitos
vêm também para perguntar em quem deveriam votar e Maria Aparecida
fala para todos que votem em quem seu coração mandar, e ela dizia:
- Olhem bem para os candidatos, e quem tocar seu coração, vote nele,
assim vocês não errarão. Votem nas propostas dos candidatos, votem
em quem vai produzir algo em benefício da população, mas se o
candidato vier com promessas vazias, ou atacando o adversário ao invés
de apresentar propostas, não vote nele. Vocês devem ir aos comícios
que os candidatos vão fazer e vocês poderão tirar as conclusões.
As campanhas estavam nas ruas, nos bares, nas casas das pessoas, e
os dias foram passando e o nome de Letícia foi ganhando força. Ela se
lembrou do que Maria Aparecida lhe disse, sobre fazer as coisas com o
coração à frente de tudo. Ela mandou fazer milhares de balões de ar na
cor vermelha em forma de coração; o pessoal enchia os balões nos
comícios e entregavam aos presentes, juntamente com um pequeno
panfleto dobrado em forma de um caderninho, e lá constava o nome da
candidata com seu respectivo número. Dentro do panfleto constavam
suas propostas para governar a cidade e atrás, continha frases de efeito,
frases de autoajuda, receitas de doces e salgados, e aquilo faziam com
que as pessoas não jogassem fora e nem descartassem os panfletos,
para não perderem as receitas; assim gravavam melhor o número da
118
candidata. Dessa forma ela tinha conseguido conquistar muitos votos e já
estava quase empatando com seu oponente.
Mas, numa noite, ela estava em um comício e seu celular tocou enquanto
ela estava esperando ser anunciada pelo Senhor Homero, porta-voz do
comício. Ela olhou e viu que conhecia o número, era de Gilberto, e
resolveu atender.
- Senhor Gilberto, eu estou prestes a fazer um comício aqui na cidade,
será que o Senhor poderia ligar amanhã durante o dia?
- Dona Letícia, boa noite, já faz algum tempo que não nos falamos e eu
serei breve, eu tenho em minhas mãos uma gravação da senhora junto
com a Veneranda trocando carícias em uma rede de dormir. Será que
agora eu tenho sua atenção?
Letícia paralisou, seu corpo estremeceu e ficou gelada, sua voz não saía
e ela não conseguia responder.
- Vejo que a senhora está um pouco confusa, e vou fazer o seguinte:
amanhã eu ligo para a senhora na parte da manhã e conversamos sobre
o assunto.
Letícia só conseguiu dizer:
- Está bem, ligue amanhã cedo.
- Boa noite, Dona Letícia, bom comício para a senhora. E Gilberto
desligou o telefone.
Aquela noite foi tensa para Letícia, ela quase não conseguiu falar com o
público e as horas demoraram a passar. Quando Letícia foi para casa,
sentia suas pernas tremerem e quando chegou em casa, subiu para o
quarto. Veneranda a esperava e ao ver a amiga, branca igual a uma
folha de papel, perguntou o que havia acontecido.
- Letícia, você esta com uma cara muito estranha.
E Letícia desabou a chorar. As lágrimas corriam sobre seu rosto e ela
começou a contar o que havia acontecido, mas o choro e os soluços não
deixavam sua voz sair. Veneranda não conseguia entender o que a
amiga falava. Veneranda chamou Elza para auxiliar a amparar Letícia.
Elza veio rápida e viu sua patroa encolhida sobre a cama e chorando
muito. Elza foi até seu aposento, pegou um calmante leve e ofereceu
junto com um copo de água para Letícia.
- Tome Letícia, é aquele calmante leve que você tomava quando estava
nervosa ou com enxaqueca.
Letícia pegou o comprimido e o copo com água e tomou-o, abraçou-se à
amiga e disse:
- Ele me ligou, agora está tudo acabado.
- Quem ligou para você? O que está acabado? Foi seu ex-marido?
119
- Não, foi o Gilberto, foi ele que me ligou.
- E o que o Gilberto queria?
- Ele disse que tem uma gravação de nós duas deitadas sobre a rede, lá
na pousada.
- Ah meu Deus, não pode ser! Quem fez essa gravação? Foi naquele dia
que nós conversamos sobre ficar juntas e resolvemos contar para todo
mundo, depois das eleições?
- Isso mesmo, alguém lá na pousada deve ter gravado quando nós
estávamos na rede.
- Quem poderia ter feito isso?
- Penso eu que foi a Priscila, ela ficou muito tempo rodeando a gente, e a
Rosa lá da pousada já tinha me falado sobre ela.
- E porque ela fez isso com a gente? O que ela vai ganhar com isso?
- Não sei, mas vou ter que descobrir.
- Porque você não fala com a Maria Aparecida para ver o que ela tem a
dizer?
- Boa idéia, Veneranda, talvez seja isso que ela quis me dizer com que
eu teria muito que lutar ainda. Amanhã bem cedo eu vou falar com ela.
- Agora vê se você se acalma um pouco, nós vamos precisar de forças
para passar esta tempestade.
- A senhora quer mais alguma coisa, Dona Letícia? Quer que eu faça um
chá para a senhora e para a Dona Veneranda?
- Faça isso, por favor, Elza, traga-me uma xícara de chá.
Elza saiu do quarto de Letícia e foi até a cozinha preparar um chá para a
patroa e também para sua amiga; ela fez um chá de erva cidreira para
acalmar a patroa, ela providenciou bem rápido e levou para as amigas.
- Prontinho, aqui está, Dona Letícia, aproveita que está quentinho.
- Letícia e Veneranda tomaram o chá, devolveram as xícaras para Elza.
Ela os pegou e disse que iria para o quarto dela e se a patroa precisasse
de alguma coisa, era só chamar. Letícia e Veneranda agradeceram a
Elza, que saiu do quarto, e ainda conseguiu ouvir Letícia chorar e se
lamentar; as duas se abraçaram e tomaram à decisão de enfrentar o
Senhor Gilberto juntas. Veneranda disse:
- Venha, Letícia, deite-se aqui, durma um pouquinho isso ira lhe fazer
bem.
- Você tem razão, quando nós estamos com a cabeça quente, nós não
pensamos direito. Vamos ver o que o Gilberto pretende com isso.
- Isso mesmo, agora nós devemos dormir que é o melhor remédio,
apague a luz, por favor.
120
- Letícia apagou a luz e as duas foram dormir. Veneranda pegou no sono
rapidamente, mas Letícia demorou-se a dormir, virando-se de um lado
para outro na cama. Quando conseguiu pegar no sono, logo ela começou
a sonhar e Maria Aparecida veio até ela e disse:
- Porque você chorou tanto? Eu não disse para você que teria que
passar por isso?
- Eu sei, mas eu não pensei que fosse dessa maneira. O que o Gilberto
quer comigo?
- Isso você vai ter que perguntar a ele, mas eu já te adianto, esteja
preparada para tudo, aja com a razão sempre; para ganhar um jogo é
necessário saber se defender e deve saber quando atacar lembre-se
disto.
Assim como veio, Maria Aparecida se foi, e o sono de Letícia acabou
calmo e sereno.
No outro dia pela manhã, Letícia acordou cedo e acordou Veneranda,
dizendo:
- Acorde, nós precisamos sair cedo, eu quero ir ao sítio de Maria
Aparecida.
- Ainda é muito cedo, vamos ficar só mais um pouquinho.
- Não posso, eu sonhei com a Maria Aparecida e quero conversar com
ela.
- Está bem, então vamos lá.
As duas se levantaram, tomaram banho e desceram para a cozinha a fim
de tomar café. Elza já estava com tudo preparado, esperando pela
patroa.
- Você levantou cedo, Elza, não precisava se incomodar.
- Eu sei, mas eu tive um sonho com a Maria de Fátima e ela me pediu
para preparar um café da manhã reforçado para a Senhora, porque
vocês iriam precisar.
- Está bem, então vamos a ele logo.
As duas tomaram o café da manhã e foram para o sítio e chegando lá,
Maria Aparecida já as esperava.
- Maria Aparecida, sua benção. Disse Letícia.
- Deus as abençoe. – Disse Maria Aparecida para as amigas.
- A senhora já sabe por que viemos aqui?
- Sim, eu sei, mas me conte como foi.
- Eu tinha um empregado que estava dando desfalque na pousada e eu o
mandei embora, paguei todos os direitos dele, e ontem a noite ele me
ligou dizendo que tinha uma gravação, onde eu e Veneranda estamos
juntas em uma rede de dormir.
121
- E o que ele quer com isso?
- Ainda não sei, ele disse que me ligaria hoje de manhã.
- Então vamos esperar o que ele tem a dizer, e ai nós tomaremos
providências.
- Letícia você pode gravar a conversa que tiver com ele e aí a gente vê o
que pode ser feito.
- Boa idéia, eu vou fazer isso, assim que ele ligar eu vou gravar toda a
conversa e ver o que ele realmente deseja.
- Bom agora que sabemos o que vamos fazer, entrem vamos tomar um
cafezinho enquanto esperamos.
As três entraram e lá estavam às irmãs de Maria Aparecida. Letícia e
Veneranda as cumprimentaram e as irmãs retribuíram o cumprimento,
mas saíram para atender as pessoas que estavam chegando ao sítio
fazer compras e serem bentas por elas.
Não demorou muito tempo e Gilberto ligou para Letícia.
- É ele no telefone, eu vou atender.
- Não se esqueça de gravar a conversa.
- Ainda bem que você me lembrou, eu já ia esquecendo.
- Alô, aqui é a Letícia, pode falar Senhor Gilberto.
- Você está sozinha?
- Sim, por quê?
- Só para saber, então como eu ia dizendo ontem, eu tenho uma
gravação de você e sua amiga Veneranda trocando uns carinhos na
rede, lá na pousada.
- Sim, eu sei disso, você já me falou, e o que você pretende com isso?
- Para não mostrar para ninguém e apagar o conteúdo da gravação eu
quero cem mil reais.
- Você está me chantageando, Senhor Gilberto?
- Eu não chamo isso de chantagem, eu chamo de vender uma coisa que
a Senhora quer.
- E quem fez esta gravação?
- Isso não importa, o que importa é que eu tenho esta gravação e quero
cem mil reais.
- Como e quando eu posso ver esta gravação?
- Você pode vir para cá sozinha, eu mostro para você, você me dá o
dinheiro e quando eu receber eu apago na sua frente.
- Isso é um caso de polícia, Senhor Gilberto.
- Você vai querer fazer escândalo? Isso não é bom para sua carreira
política.
- Senhor Gilberto, me deixe pensar, me ligue daqui um pouquinho.
122
- Está bem, você tem dez minutos, eu ligo de novo.
Letícia desligou o telefone e perguntou à Maria Aparecida:
- E agora, o que é que eu faço?
- Diga que você vai retirar o dinheiro e vamos levar para ele, nós vamos
até a delegacia de Poços de Caldas e falamos com o delegado de lá e
fazemos um flagrante de extorsão.
- Mas isso vai aparecer nos jornais de lá e sempre tem alguém que lê
essas notícias, logo elas chegam aqui na cidade.
- Você acha que pagar para ele vai resolver o problema? Se alguém
filmou e entregou a ele, essa pessoa também tem a gravação. E o que
você vai fazer? Vai pagar a todos que tiver a gravação?
- Nesse ponto você tem razão, você acha melhor fazer isso?
- Sim, nós não podemos ceder a estas chantagens, isso porque, queira
ou não queira, esta estória vai aparecer e você me garantiu que iria lutar
até o fim.
- Tem razão, e o que vamos fazer?
- Vamos fazer como eu lhe disse, primeiro vamos a uma delegacia e
conversamos com o delegado, armamos um flagrante e ele vai preso.
Quem mais tiver esta gravação, vai pensar duas vezes antes de agir.
- Está certo, vamos fazer assim então.
- Quando ele ligar, você fala que vai retirar o dinheiro e vai para a cidade
de Poços de Caldas e vai pagar ele na praça principal da cidade onde
tem o coreto, lá na cidade nós pensamos no resto.
Não demorou muito tempo e Gilberto tornou a ligar.
- E aí, Dona Letícia, já sabe o que vai fazer?
- Senhor Gilberto, eu vou pagar o senhor, eu vou até o banco retiro o
dinheiro e levo para o Senhor.
- E onde vai ser o pagamento?
- O Senhor pode vir na pousada e lá eu faço o pagamento.
- Lá na pousada não, lá tem câmeras e você pode filmar.
- Então eu o pago lá na praça principal, lá onde tem o coreto, está bem
assim?
- Tudo bem. E a que horas vai ser isso?
- Três horas da tarde, assim vai dar tempo de eu retirar o dinheiro e o
tempo de viagem até aí.
- Mas você vai ter que vir sozinha, senão, eu não vou falar com você.
- Pode ficar tranqüilo, eu vou sozinha.
Assim que desligou o telefone, Gilberto disse:
- Essa grana está no papo, agora aquela boba vai me pagar direitinho.
E lá no sítio, Veneranda perguntou à Letícia:
123
- Você gravou esta conversa com ele?
- Sim, é claro, está tudo gravado, e o que vamos fazer agora?
- Vamos para Poços de Caldas, direto para a delegacia de polícia. Disse
Maria Aparecida.
Maria aparecida, Veneranda e Letícia pegaram o carro e foram para a
cidade de Poços de Caldas. A viagem foi tranqüila e rápida e em pouco
tempo, estavam diante do primeiro distrito policial de Poços de Caldas.
Elas entraram e foram recebidas pelo investigador Anderson, que
perguntou em que ele poderia ajudar.
- Nós queremos fazer um boletim de ocorrência de extorsão. Disse
Letícia.
- E quem é a senhora?
- Meu nome é Letícia e sou candidata à Prefeita de Lindos Montes, Eu
recebi um telefonema de uma pessoa tentando me extorquir.
- E a Senhora conhece a pessoa em questão?
- Conheço sim, ele é um ex-funcionário da pousada que fica aqui na
cidade, onde eu sou a proprietária.
- E a senhora tem alguma prova desta tentativa de extorsão?
- Tenho sim, eu vou mostrar ao senhor.
Letícia mostrou a gravação para o investigador que ouviu atentamente o
teor da conversa e disse:
- Vamos falar com o delegado, o Doutor Rodolfo; ele dará as diretrizes do
que devemos fazer neste caso.
Todos foram para a sala do delegado que fechou as portas para ouvir o
que as mulheres tinham a dizer. O investigador Anderson mostrou o
conteúdo da gravação ao delegado. O delegado Rodolfo ouviu a
gravação e perguntou:
- A Senhora já fez o pagamento?
- Não, e nem vou pagar, eu quero este homem preso.
- Então vamos fazer o seguinte: eu vou enviar dois investigadores para a
praça; A senhora vai com escuta e uma minicâmera oculta e um fone de
ouvido para nós passarmos informação para a senhora; assim que a
senhora fizer a entrega do dinheiro, nós daremos voz de prisão a ele.
- Mas se ele vir pessoas por perto ele não vai pegar o dinheiro.
- Os investigadores irão disfarçados, e todos terão escuta e eles saberão
à hora de agir, eles não vão levantar suspeita, isso a senhora pode ficar
tranqüila.
- Mas eu não trouxe o dinheiro que ele pediu.
- A Senhora tem algum dinheiro na bolsa?
- Sim, eu tenho dois mil reais na bolsa que eu trouxe para a viagem.
124
- Vamos recortar papel e colocar uma nota na frente e ele pensará que é
todo o dinheiro e assim que ele pegar o dinheiro nós daremos voz de
prisão.
O delegado contou todos os detalhes em como Letícia deveria proceder
diante do senhor Gilberto, e como seria a operação policial. O delegado
mandou o investigador Anderson juntamente com o investigador Renato
colocarem o disfarce de gari e irem para a praça e que ficassem
próximos ao coreto. Assim o fizeram; colocaram o traje de gari e
testaram os fones de ouvido, fizeram um teste na aparelhagem de
filmagem e gravação e tudo estava funcionando perfeitamente. Os
investigadores foram para a praça e ficaram por lá varrendo e
disfarçando. Na hora marcada, o delegado mandou Letícia ir ao encontro
do Senhor Gilberto, enquanto ele, Dona Maria Aparecida, Veneranda e
outros policiais foram em um veículo van descaracterizado e com vidros
escuros e ficaram ali próximos acompanhando o desfecho.
Letícia chegou de carro à praça. Suas pernas tremiam e ela estava muito
receosa com o desfecho do caso, mas o delegado a todo o momento
pedia calma à Letícia, que ouvia tudo com seu fone. Ela desceu e ficou
andando por ali por alguns minutos e não demorou muito o Senhor
Gilberto chegou, e ele disse:
125
Capitulo XIV
- Letícia, eu fiquei escondido ali atrás para ver se você tinha vindo
sozinha. Você trouxe meu dinheiro?
- Trouxe, está aqui no pacote, deixe-me ver a gravação.
- Eu vou mostrar para a Senhora, mas primeiro, deixe-me ver o dinheiro.
Letícia abriu o pacote só um pouquinho, e eles viram notas de cem reais
e ela fechou rapidamente e disse.
- Porque você está me extorquindo esse dinheiro? - Você trabalhou para
mim durante muito tempo, eu paguei sua indenização certinha, sem nada
faltar, porque você está fazendo isso?
- Primeiro porque eu não gosto de você, Letícia; segundo, porque você é
uma lésbica e sapatão e eu resolvi acabar com sua carreira política antes
mesmo de ela começar.
- Então quer dizer que, além de extorquir dinheiro, você é homofóbico e
está me agredindo verbalmente?
- Me dá logo esse dinheiro e vamos parar com tanta estória, vocês
deveriam morrer, nenhuma presta.
Letícia já estava quase chorando, mas conseguiu conter a emoção e
disse:
- Agora me deixe ver a gravação.
Gilberto mostrou a gravação para Letícia e ela por sua vez, deu o
dinheiro para ele. Assim que ele pegou o dinheiro, os investigadores
entraram em ação e deram voz de prisão para Gilberto e lhe tiraram o
celular em que continha a gravação para usá-lo como prova.
- Aqui é a Polícia, o senhor está preso, tem o direito de ficar calado e
tudo o que disser poderá ser usado contra o senhor. Disse o
investigador Renato.
Neste instante, Letícia desabou a chorar e foi amparada por Maria
Aparecida e Veneranda.
- A senhora trouxe a Polícia? Sua vagabunda, sua piranha! Trouxe
também à amiga sapatão! E quem é essa nega? É sua namorada
também?
- O senhor havia sido flagrado em extorsão, você responderá também
por injúria, homofobia e racismo e são crimes inafiançáveis. Disse o
delegado Rodolfo.
Todos foram para a delegacia e chegando lá, Gilberto disse:
126
- Letícia, você pensa que acabou você pegou uma cópia, mas existe
outra.
- Então o senhor vai me dizer quem tem a outra cópia.
- Eu sei que existe uma cópia, mas eu não sei quem tem. Mentiu
Gilberto.
- O senhor fique tranqüilo, nós vamos descobrir e esta pessoa fará
companhia para o Senhor. Disse o Doutor Rodolfo.
- Eu não falo mais nada, só vou abrir a boca diante do meu advogado.
- Leve ele para a cela, enquanto isso eu vou preparar um boletim de
ocorrência juntamente com o escrivão Douglas. A senhora vai prestar
queixa, não é?
- Sim, é claro, eu quero esse crápula preso.
O delegado Doutor Rodolfo e o escrivão Douglas, fizeram um boletim de
ocorrência e colocaram todos os pormenores possíveis para não deixar
margem para o advogado de defesa. O delegado recolheu as fitas de
vídeo e as gravações de voz para perícia, tomou depoimento de Letícia e
arrolou Veneranda e Maria Aparecida como testemunhas no caso de
extorsão; colocou Veneranda como vítima de crime de homofobia e abriu
inquérito também como crime de racismo tendo como vítima Maria
Aparecida. Após os depoimentos, dispensou as mulheres.
Gilberto pediu para ligar para um advogado. O delegado permitiu e ele
fez a ligação, mas ao invés de ligar para um advogado, ele ligou para
Priscila.
- Alô, Priscila, aqui é o Gilberto, eu preciso que você me faça um favor.
- Pode falar Gilberto, você já falou com o vereador Valdomiro?
- Não, eu estou preso e preciso de sua ajuda.
- O que aconteceu?
- Eu peguei aquela gravação, e antes de entregar ao Valdomiro, eu
queria ganhar uma grana da Letícia, só que ela armou uma arapuca para
mim e trouxe a polícia.
- Você é um inútil mesmo, Gilberto, como se deixou ser pego?
- Isso agora não vem ao caso, manda este vídeo gravado para o
Valdomiro, diz que fui eu quem mandou, e pede para ele arrumar um
advogado para mim.
- Está bem, mas não conta nada sobre mim para a Polícia.
- Pode deixar, eu não vou contar nada.
Priscila fez de acordo com o que Gilberto havia passado só que eles não
sabiam que o telefone era monitorado pela polícia que interceptou o
telefonema entre Priscila e Gilberto.
O delegado voltou à sala de interrogatório e disse ao Senhor Gilberto:
127
- Então o senhor tem outros cúmplices, Senhor Gilberto?
- O Senhor estava ouvindo a conversa, isso é ilegal!
- Seria ilegal se o senhor estivesse usando o seu celular, e nós
precisaríamos de uma autorização judicial para poder fazer a escuta,
mas o senhor está usando o meu telefone.
Enquanto as três mulheres iam embora, Letícia perguntou para Maria
Aparecida:
- E agora, Dona Maria Aparecida, o que vamos fazer?
- Vamos voltar para a cidade de Lindos Montes e você retoma sua
campanha; o delegado disse que o processo vai correr em sigilo de
justiça.
- Mas, e se alguém mais recebeu esta gravação?
- Qual o problema? Nós vamos fazer a mesma coisa que fizemos com o
Senhor Gilberto.
- Minha carreira política nem começou e já vai acabar.
- Você vai entregar os pontos?
- Não é isso, mas vai ficar uma mancha na minha campanha eleitoral.
- Ter a Veneranda como sua companheira é ter uma mancha?
- A Senhora não entendeu o que eu quis dizer.
- Entendi muito bem, e se você realmente vai ficar com a Veneranda, é
melhor que todos saibam antes de votarem, porque, se depois da eleição
você assumir o relacionamento com ela, todos vão achar que vocês os
enganaram e nas próximas eleições, você não teria chance nenhuma.
- A senhora acha isso mesmo?
- Sim, eu também penso assim, se eu for votar em alguém, eu quero que
a pessoa mostre suas qualidades e seus defeitos, se bem que isso não
seja um defeito e sim uma opção sexual sua.
- A Senhora tem razão, nós vamos lutar cada batalha e tenho certeza
nós vamos vencer.
- É assim que se fala! Nós teremos que perseverar para poder vencer, e
só a autoconfiança nos trará a vitória.
As três mulheres voltaram para a cidade de Lindos Montes e quando
chegaram lá na cidade, já era noite e Letícia chamou Dona Maria para ir
jantar em sua casa; ela aceitou.
Chegando a casa, Dona Elza veio correndo perguntar se tudo havia
acabado bem.
- Na medida do possível, Elza. O delegado prendeu o senhor Gilberto,
mas ele não quis denunciar quem mais tinha aquela gravação.
- Nunca pensei que aquele homem que já esteve aqui em sua casa,
conversando com o senhor Valdomiro, pudesse fazer uma coisa desta.
128
- Para você ver até onde chega à maldade das pessoas, mas vamos
deixar isso pra lá. Você fez o jantar?
- Fiz sim Dona Letícia, me desculpe Dona Maria Aparecida, eu peço a
sua benção.
- Deus te Abençoe.
- A Senhora vai jantar aqui conosco?
- Sim, a Letícia me convidou e eu aceitei.
- Então eu vou colocar mais um prato na mesa.
O jantar correu bem, todos jantaram em silêncio e assim que terminou de
comer, Dona Maria pediu para que Letícia a levasse em casa, e assim
ela o fez.
Quando Letícia voltou para casa, Veneranda a esperava em seu quarto,
e Veneranda disse:
- Vá tomar um banho, eu já tomei e vou te esperar.
- Eu preciso mesmo de um banho para tirar toda essa energia negativa
que caiu sobre mim.
Letícia tomou um banho demorado e deixou que a água escorresse pelo
seu rosto, a fim de que aquela energia negativa se dissipasse. Assim que
acabou de tomar banho, secou-se, colocou uma camiseta bem larga e
folgada e foi deitar-se. Veneranda a esperava e ela deitou-se no ombro
da amiga e ficou ali até adormecer; seu sono foi calmo apesar do dia
estressante.
Letícia dormia calmamente, mas não sabia o que a esperava, Priscila
ligou para o senhor Valdomiro e enviou a mensagem para ex-marido de
Letícia. Assim que ele recebeu a mensagem, ele ficou sem entender
quem estava falando, mas quando Priscila falou que quem pediu para
ligar foi o Senhor Gilberto, ele quis saber mais detalhes.
- Senhor Valdomiro, boa noite, quem fala é Priscila, eu sou amiga do
senhor Gilberto. Ele me pediu para entrar em contato com o Senhor, por
acaso o Senhor recebeu uma mensagem em seu celular?
- Sim, eu recebi, mas não abri porque pensei que fosse algum trote ou
algum vírus.
- Mas não é nenhum vírus, abra e veja o senhor mesmo do que se trata e
depois eu explico o que está acontecendo.
Valdomiro abre a mensagem e vê sua ex-mulher juntamente com a
amiga dela, a Veneranda, trocando carinhos na rede lá da pousada e diz:
- Não é possível! Como pode ser uma coisa dessas? Eu não posso
acreditar, deve ser alguma montagem ou algo assim!
Logo em seguida, seu celular toca novamente.
- O Senhor viu a mensagem com a gravação?
129
- Sim, eu vi, mas deve ser alguma montagem.
- Não é montagem, eu trabalho na pousada e vi a Letícia juntamente com
Veneranda na rede e gravei; então enviei esta mensagem para o senhor
Gilberto para ele enviar ao Senhor, para que fosse usada pelo Senhor na
campanha, mas o Gilberto antes disso, quis tirar dinheiro da Letícia e a
extorquiu.
- E ela pagou por esta gravação?
- Pagou nada! Ela chamou a polícia e o Gilberto está preso.
- Não me diga uma coisa dessas! A Letícia sempre teve pavor de polícia
e pagaria para ter a gravação apagada.
- Pode até ser, mas o Gilberto disse que ela apareceu com o delegado,
com a Veneranda e também com uma senhora negra.
- Você disse negra?
- Sim, por quê?
- Por acaso o nome dela é Maria Aparecida?
- É isso mesmo, o nome dela é este mesmo.
- Só pode ser aquela bruaca, foi ela que mandou a Letícia chamar a
polícia.
- Isso eu não sei, só sei que o Gilberto pediu para o senhor arrumar um
advogado para ele.
- Esse Gilberto é muito burro, ele já tinha feito outra asneira antes, mas
ela deixou para lá e pagou à indenização dele, agora ele me apronta esta
outra!
- O Gilberto é muito ganancioso, ele faz as coisas sem pensar.
- Eu vou ver o que posso fazer por ele, eu vou arrumar um advogado
para ele, mas, mudando de assunto, você disse que foi você quem
gravou este vídeo, isso não é montagem? O fato ocorreu mesmo?
- Isso mesmo, as duas estavam na rede quando uma fez carinho na
outra.
- Você tem certeza que era carinho mesmo, elas não estavam vendo
como estava macia a pele da outra?
- Isso pode até ser, mas que era carinho, não tenha dúvida, porque era
eu quem limpava o quarto delas, mas elas desconfiaram de mim porque
eu estava olhando demais, e não deixaram mais eu limpar aquele quarto.
- As duas dormiam no mesmo quarto?
- Sim, e foi por isso que eu desconfiei, eu olhava o quarto e somente uma
das camas estava desarrumada.
- Será que ela escondeu de mim todo este tempo que era gay?
130
- Isso eu acho que não, quando a Veneranda ficava aqui sozinha e a
Letícia vinha aqui na pousada, no começo não me parecia que existisse
algo entre as duas.
- Está bem, faça o seguinte, vá até a delegacia e fale com o Gilberto que
eu vou arranjar um advogado para ele, e peça para ele ficar de bico
fechado.
- Eu não quero ir até a delegacia sozinha, eu tenho medo que ele tenha
dito alguma coisa que me incrimine.
- Vou fazer o seguinte então, amanhã eu ligo para o advogado amigo
meu, aí de Poços de Caldas, e peço para ele ir até a delegacia. Depois
eu vou para Poços de Caldas e me encontro você em algum lugar e você
vai comigo até a delegacia.
- Se for assim, tudo bem, mas precisa ser depois das duas horas, este é
o horário que eu saio da pousada.
- Está bem, eu encontro você na porta da pousada amanhã às duas
horas da tarde.
- Legal, eu vou esperar o senhor na portaria do lado de fora.
- Até amanhã, Priscila.
- Até amanhã, Senhor Valdomiro.
- Esse Gilberto só arruma encrenca, bem agora ele faz uma coisa desta!
Pensou Valdomiro.
No outro dia, bem cedo, Valdomiro acordou e ligou para o seu advogado,
Senhor Germano que mora em Poços de Caldas. Pediu para ele ir à
delegacia de polícia e procurar o Senhor Gilberto que estava recolhido
naquela cidade, e o Senhor Germano perguntou qual era o problema que
ele tinha se envolvido. Senhor Valdomiro contou o que sabia até então, e
que às duas horas da tarde estaria na cidade para acompanhar o
processo.
Quando o relógio marcava duas horas na praça central da cidade, o
vereador Valdomiro estava na portaria da pousada para pegar Priscila.
Ele a viu e perguntou se ela era a garota de nome Priscila e, diante de
sua afirmativa, o vereador se apresentou a ela e a convidou a entrar no
carro para irem juntos até a delegacia.
Priscila entrou no carro de Valdomiro e nem percebeu que Rosa a
observava, saindo da pousada com o vereador. Rosa pensou:
- O que será que o ex-marido da Dona Letícia está fazendo aqui na
cidade? E ainda por cima saindo com essa garota? Vou ligar para a
Letícia.
Rosa Ligou para Letícia e foi logo perguntando:
131
- Boa tarde, Dona Letícia, a senhora pediu para seu ex-marido vir aqui na
pousada falar com a Priscila?
- Oi Rosa, não, eu não falo com o Valdomiro faz tempo, por quê?
- Ele esteve aqui na pousada e deu carona para ela e me parece que ela
o estava esperando, porque ela ficou parada na portaria por alguns
minutos após a saída.
- O que será que ele quer com ela?
- Não sei Dona Letícia, eu vim até a recepção e fiquei olhando ela ali,
parada, e pensei que o namorado viria buscá-la, mas de repente surge o
senhor Valdomiro e eles conversam, os dois entram no carro e saem e
eu fiquei sem entender nada. Resolvi ligar para a Senhora.
- Você fez bem em me ligar, Rosa, eu te agradeço, eu vou verificar o que
ele quer com ela, mais uma vez obrigada, Rosa.
- Dona Letícia, quando a Veneranda vai voltar para a pousada?
- Ainda não sei, eu vou conversar com ela para saber.
- Assim que ela vier me avisa, tchau, Dona Letícia.
- Tchau Rosa, e mais uma vez, muito obrigada.
Assim que Letícia desligou, Veneranda perguntou quem era e Letícia
respondeu:
- Veneranda você não vai acreditar o que aconteceu!
- Quem era ao telefone? Diga-me de uma vez!
- Era a Rosa, lá da pousada.
- E o que a Rosa queria? Será que aconteceu alguma coisa lá?
- O Valdomiro foi até a pousada e a Priscila o estava esperando na
portaria, ela entrou no carro dele e saíram os dois juntos.
- O que seu ex-marido queria com a Priscila?
- Certeza eu não tenho, mas acho que ele ficou sabendo da prisão do
Gilberto, e como ela é amiga dele, eu acho que eles foram para a
delegacia.
- Ainda bem que o Gilberto não tem mais a gravação.
- Pode até ser que ele não tenha, mas eu acho que foi a Priscila quem
enviou para o Gilberto a gravação, e se for isso, ela também tem a
gravação e é por isso que o Valdomiro está lá na cidade.
- Será que ele está envolvido nesta estória?
- Envolvido eu não sei, mas ele vai querer tirar proveito disto.
- Como assim?
- Ele vai querer aparecer como um santo, que sua mulher o abandonou
para ficar com outra, vai ser vítima e eu serei a bruxa má.
- Não acredito que ele seja tão sujo para usar isso.
- Ele ficou muito magoado e vai querer usar isso em sua reeleição.
132
- Eu espero que ele se dê mau igual ao Gilberto.
- Eu também, mas vai ter muita confusão até a eleição; mudando de
assunto, quando você vai voltar para a pousada? A Rosa me perguntou.
- Eu queria ficar por aqui e te ajudar e estar do seu lado para o que der e
vier.
- Você poderia ir lá e ficar até a poeira abaixar; se houver alguma
mudança, eu ligo para você voltar.
- Será que é uma boa idéia a gente se separar agora? O pessoal poderá
pensar depois que nós estávamos escondendo algo deles.
- Isso pode deixar comigo, eu a Dona Maria Aparecida vamos dar um
jeito.
- Você é quem sabe, se você quiser, eu vou amanhã de manhã.
- Faça isso, e se eu perceber que terei problemas, eu ligo para você
voltar, afinal, Poços de Caldas fica aqui perto.
- Está bem, então liga para a Rosa e avise-a que eu estarei indo para lá
amanhã de manhã.
- Vou fazer isso já.
Letícia ligou para Rosa para dar a notícia.
- Rosa como vai? Eu estou te ligando para avisar que a Veneranda
estará indo para a pousada amanhã de manhã.
- Está bem, Dona Letícia, eu vou deixar o quarto dela arrumado.
- Obrigada por sua ajuda, eu vou precisar muito de você.
- Pode contar comigo sempre, eu estarei esperando a Veneranda
amanhã.
Enquanto isso, lá em Poços de Caldas, o advogado amigo do vereador
Valdomiro, chega à delegacia para conversar com seu cliente Gilberto.
Ele se apresenta ao delegado Rodolfo.
- Bom dia, meu nome é Germano e eu sou advogado do Senhor Gilberto.
Será que eu poderia vê-lo?
- Bom dia, eu sou o delegado de polícia da cidade de Poços de Caldas e
eu mesmo vou levá-lo para conversar com seu cliente; ele está em uma
cela separado dos demais presos, por ele ter ensino superior.
Enquanto o advogado Germano, contratado por Valdomiro, vai conversar
com seu cliente. Valdomiro e Priscila estão a caminho da delegacia e vão
conversando.
- Priscila, foi você quem gravou aquela cena mesmo?
- Claro, eu desconfiei das duas quando elas começaram a ficar muito
próximas uma da outra. No começo elas eram um pouco mais distantes,
mas depois de um tempo começaram a dar bandeira e eu resolvi ficar de
olho.
133
-Você é bem espertinha, hein? Quantos anos você tem?
- Eu tenho vinte e dois anos, por que a pergunta?
- Eu notei que você é uma menina muito bonita, inteligente, me parece
uma pessoa bem carinhosa; seu namorado deve ser um rapaz de sorte.
Neste momento, Priscila notando que o vereador Valdomiro estava de
olho nela, mentiu e disse para ele:
- Eu não estou namorando, eu procuro uma pessoa um pouco mais
experiente para eu namorar.
- Puxa vida, você não está namorando? As pessoas de Poços de Caldas
não estão enxergando direito para deixar uma menina tão bonita sozinha.
- Obrigada pela gentileza, eu estou procurando um namorado, e eu
queria que fosse assim como o senhor, bonito, elegante, inteligente.
- Não me chame de senhor, assim eu vou parecer mais velho; chame-me
de Miro, mas isso é só para os íntimos.
- Miro, achei bonito, é assim que vou chamá-lo daqui pra frente.
A conversa estava bem animada e eles chegaram à delegacia e foram
procurar pelo Senhor Germano.
O delegado os atendeu.
- Pois não, em que posso ajudá-los?
- Meu nome é Valdomiro, eu estou procurando o senhor Gilberto que
está preso aqui na delegacia.
- O advogado dele, o senhor Germano, já está com ele lá na cela, eu vou
levá-los até eles.
- Obrigado, Doutor delegado.
O delegado levou-os até o senhor Gilberto e o Advogado Germano.
Assim que chegou próximo ao Gilberto, o vereador Valdomiro não se
conteve e disse:
- Gilberto, você é muito burro, eu falei para você não fazer coisa errada
porque eu ia lhe dar um cargo na prefeitura de assessor, mas você não
me ouviu.
- Desculpe Senhor Valdomiro, eu estava muito bravo com a Letícia e
queria dar o troco por ela ter me demitido, mas saiu tudo errado, o
senhor precisa me ajudar.
- Eu chamei o Doutor Germano, que é um dos melhores advogados da
região sul de Minas Gerais, e ele vai fazer o possível para tirá-lo daqui,
mas você vai ter que ficar de bico calado, só responder o que o
advogado mandar.
- Está bem, Senhor Valdomiro, eu vou fazer tudo o que o senhor
Germano disser.
134
- É melhor assim, deixe o Doutor Germano fazer o que ele sabe fazer
melhor.
- Bom, agora que todo mundo se entendeu, eu quero ficar sozinho com
meu cliente para poder agir rápido.
- Está bem, então Priscila e eu já vamos indo embora para deixá-los mais
sossegados para conversarem.
- Obrigado Priscila, por ter chamado o advogado.
- Não seja por isso, cuide-se Gilberto.
Valdomiro e Priscila saíram da delegacia no final da tarde e Valdomiro
perguntou à Priscila:
- O que você quer fazer agora? Quer ir para casa, ou quer ir tomar um
chope para relaxar e tirar essa tensão toda?
- Se o senhor quiser, podemos ir tomar um chope, mas sem
compromisso.
- Claro, somente como amigos, e onde tem um lugar legal?
- Vamos lá à lanchonete do francês, lá tem um chope muito bom e o
serviço é de primeira.
- Me indique o caminho porque nesta cidade eu não conheço muita
coisa; diga-me lá, o lugar ali é sossegado?
- Relaxa, hoje é dia útil, este horário não tem quase ninguém lá.
- Mostra o caminho.
Priscila indicou o caminho da lanchonete para Valdomiro que disse:
- Mais uma vez você me chamou de senhor, quando você vai mudar?
- Está bem, eu já sei, é Miro.
- Boa garota, você está estudando?
- Sim, eu estou fazendo faculdade à noite.
- E hoje você não vai à escola?
- Vou sim, eu só vou tomar um chope com você, conversamos um pouco
e você me leva até em casa.
Como a lanchonete era próximo da delegacia, eles chegaram bem
rapidinho.
- Pronto, é aqui a lanchonete do francês.
- É bonita! E por que tem esse nome?
- Porque o dono é francês, o nome dele é Jean.
- Eu devia ter imaginado.
Assim que se sentaram à mesa, o Senhor Jean, que é o dono do local,
veio atendê-los; deu o cardápio e ficou aguardando o pedido. Eles
pediram uma porção de provolone à milanesa e dois chopes. O Senhor
Jean anotou o pedido e saiu deixando os dois conversando.
135
Valdomiro, que já estava bastante interessado em Priscila, fez muitas
perguntas a ela, e ela respondeu a quase todas elas e também fez
algumas perguntas para Valdomiro, que também respondeu a maioria
delas. Uma das perguntas deixou Valdomiro parado por alguns segundos
para responder.
- Miro você é casado?
- Eu fui casado por um tempo com a Letícia. Disse ele, depois de uma
pausa para responder.
- Não acredito! Você foi casado com a Letícia e está ajudando o
Gilberto?
- Você disse certo, foi, mas meu casamento acabou já faz algum tempo.
Sobrou muito ressentimento entre eu e ela.
- Você é bem sacana também.
- Ela ia querer me ver fora da política. Eu a derrubo primeiro, e ela com
todo esse alvoroço que vem pela frente, não vai conseguir se eleger;
enquanto isso, eu que fui traído, vou conseguir me reeleger.
- Eu queria estar por perto para ver sua vitória.
- Você quer ficar comigo, Priscila?
- Não sei, esse negócio de ficar não é comigo, eu gosto de
relacionamento sério, não sou como essas meninas. Disse Priscila com
segundas intenções.
- Está bem, eu vou reformular a pergunta, você quer namorar comigo?
- Eu preciso de um tempo para pensar e depois eu dou a resposta.
Enquanto eles conversavam, o pedido chegou e eles ficaram saboreando
o petisco e os chopes.
Em um dado momento, Priscila perguntou as horas para Valdomiro que
respondeu a ela e perguntou:
- Porque a pressa?
- Como eu te disse, eu estou estudando e preciso ir para a faculdade,
você me leva em casa, não é?
- Claro que eu a levo!
Valdomiro chamou o Senhor Jean e pediu a conta, que em poucos
minutos estava em suas mãos. Ele pagou e deixou o troco e saiu com
Priscila rumo à sua casa. Ela indicou o caminho e ao chegarem à frente
de sua casa, Valdomiro perguntou se ela já tinha a resposta para sua
pergunta, mas ela fez charminho e disse que ainda não tinha a resposta.
Ele ficou um pouco chateado. Ela disse para ele voltar lá no sábado, que
ela iria dar a resposta para ele. Ele despediu-se de Priscila, que com um
selinho despediu-se de Valdomiro.
- Tchau, Miro, eu te espero sábado para dar a resposta.
136
- Tchau, Priscila, então posso vir sábado?
- Sim, é claro, até sábado.
- Até lá, Priscila.
Valdomiro foi embora todo contente pensando que havia conquistado
Priscila que não estava nem ligando para Valdomiro, ela só queria se dar
bem e pensou:
- Vou grudar nesse trouxa; esse Mané vai me dar à segurança que eu
quero; ele até que não é feio, eu vou namorar ele e assim que o divórcio
dele sair, eu me caso e paro de trabalhar, vou viver na boa.
Enquanto voltava para casa, Valdomiro pensava em Priscila, em como
ela era jovem, como ela era bonita, e que Letícia iria morrer de ódio
quando os visse juntos, e assim ele poderia vingar-se dela.
Logo em seguida Priscila ligou para o Senhor Valdomiro e cancelou o
encontro que havia marcado com Valdomiro, pois não quis arriscar, afinal
ele poderia perder a eleição.
Lá na cidade de Lindos Montes, Letícia retoma a campanha e faz um
comício muito bem elaborado, mostrando a todos os presentes sua
plataforma de governo e como ela vai administrar a cidade juntamente
com a população. Ela é muito aplaudida e a população da cidade
começa mudar a tendência de voto, reforçando sua candidatura.
137
Capitulo XV
Por outro lado, o Prefeito em exercício e candidato da situação, pede
uma nova pesquisa eleitoral para o IPEMU que indica uma queda na
candidatura do atual prefeito e uma ligeira margem de Letícia à frente
das pesquisas. Se a eleição fosse naquele dia, Letícia sairia vitoriosa nas
eleições. O prefeito António chama seus aliados para uma reunião em
seu gabinete a fim de mudar a tendência de queda de sua candidatura.
- Boa tarde pessoal, eu chamei todos aqui porque eu pedi uma nova
pesquisa eleitoral e pelas primeiras informações, dão conta de minha
queda na tendência de voto.
- E o que devemos fazer Senhor Prefeito? Perguntou o vereador Gerson
Lino, aliado do prefeito.
- Preciso de algo novo para mudar esta tendência, alguma coisa que
mude o rumo das pesquisas, e gostaria de saber se alguém tem algum
fato novo que possa reverter esse quadro de queda.
Valdomiro, que também fazia parte da reunião, se mantinha em silêncio;
ele, apesar de querer dar o troco em Letícia, tinha receio de que as
pessoas soubessem o que sua antiga esposa havia feito e a reação de
seus amigos a este fato. Ele estava relutante em usar a gravação em que
Letícia aparecia deitada na rede, trocando carinhos com sua amiga
Veneranda, mas sua cobiça por poder e o medo de não conseguir se
eleger, ele não pensou duas vezes, ele levantou a mão e pediu a palavra
e disse:
- Eu tenho algo que pode mudar o rumo das eleições.
Todo olho voltou-se para Valdomiro e ele virou o alvo das atenções, e
então ele tomou coragem e disse:
- Eu tenho uma gravação em que a Letícia está deitada em uma rede
com a sua amiga Veneranda, trocando carinhos homossexuais.
Houve um silêncio repentino e por alguns segundos, ninguém abriu a
boca, não acreditando no que ele havia dito, afinal, ele foi casado com a
Letícia por alguns anos, e como seria possível ela ter escondido dele
esta estória? Todos ficaram atentos ao que Valdomiro tinha a dizer.
- Isso mesmo, vocês ouviram bem! A Letícia passou a gostar de mulher e
depois de nossa separação, ela passou a dividir a cama com sua amiga
Veneranda.
138
- E essa gravação, nós poderemos ver o que tem nela? Perguntou o
prefeito.
- Eu vou mostrar para vocês.
Valdomiro tirou do bolso seu celular e com alguns toques na tela, as
imagens contendo o namoro de Letícia com Veneranda estava ali
exposto diante dos presentes da reunião. O burburinho foi enorme e ele
teve que passar as cenas por várias vezes para que todos tomassem
ciência dos fatos.
- E nós poderemos usar estas imagens em nossos comícios? Tornou a
perguntar o Senhor António, o Prefeito.
- O senhor viu as imagens? Acredito que, como nossa cidade é pequena
e o que impera é a lei dos bons costumes, nossa eleição vai estar
garantida.
- Eu vou fazer uma votação com os presentes para saber se nós vamos
ou não usar estas imagens em nossos comícios; o primeiro a quem eu
vou perguntar é para o Senhor Gerson Lino. O que você acha vereador?
- Eu acho que não deveríamos usar estas imagens apenas por uma
questão de princípios; nós não iríamos querer que eles usassem tal
subterfúgio contra nós.
O rumor foi total dentro da sala de reunião, ninguém concordou com o
que o vereador Gerson Lino havia falado e o Prefeito interveio.
- Pessoal, nós temos que ir com calma, essa foi a opinião dele, vamos
continuar com a votação e o próximo a votar é o vereador Arnaldo.
- Eu voto em usar as imagens, eu não acredito que se nossos opositores
tiverem algo contra nós, eles não irão usar.
O Prefeito passou a palavra para todos os presentes e um a um, eles
foram dando suas opiniões e sugestões. Por fim, apenas o vereador
Gerson Lino votou contra usar as imagens, e como voto vencido,
concordou com o pessoal do partido em usá-las.
- Certo pessoal, nós já temos como mudar as intenções de votos, me
envie esta mensagem e eu vou pedir para o Reinaldo, que é nosso
publicitário, editar ela para mim. Ele é muito bom com vídeos e a partir de
amanhã, eu começo a mostrar o vídeo nos comícios, eu quero ver só o
que vai acontecer.
Naquela noite, Letícia parecia antever os acontecimentos e num comício
na periferia da cidade, fez o povo vibrar com suas palavras. Ela era o
anseio do povo, e num discurso bastante eloqüente, fez o pessoal gritar
já ganhou, já ganhou! Letícia foi para casa muito feliz e satisfeita com o
resultado de seu discurso.
139
Chegando a casa, Letícia tomou um banho, desceu para a cozinha e leu
o jornal da cidade. Lá já apontava que Letícia venceria seu rival, mas
com o discurso que ela fez em seu comício, estes números deveriam
subir mais ainda a seu favor. Ela pediu para Elza lhe preparar um lanche
light com salada e ricota em um pão de forma integral; ela tomou suco de
laranja e ficou pensando no que Gilberto havia feito; ela ficou por ali mais
alguns minutos e subiu para dormir. Lá em seu quarto escovou os
dentes, penteou os cabelos e foi para cama, ela ligou para sua amiga
Veneranda e contou como havia sido o dia e ela estava muito feliz com o
resultado. Elas ficaram conversando durante alguns minutos até que
Letícia disse à Veneranda que iria dormir, pois estava exausta.
Como Letícia estava muito cansada ela pegou no sono rapidamente e
em poucos minutos já estava em um sono profundo. Ela teve um sonho
com um encarte em forma de coração, na cor vermelha, onde na primeira
parte havia seu rosto e o número do partido, e dentro dele continha
algumas poesias e frases de autoajuda. A parte de trás continha dicas de
como e quando plantar legumes e hortaliças, e não demorou muito
tempo para que Maria Aparecida viesse até ela para conversarem. Maria
Aparecida perguntou a ela:
- O que você achou do coração com sua foto?
- Ficou lindo, gostei da parte interior com as frases de autoajuda e
também das poesias.
- Já que você gostou você deve mandar fazer igual ao que você viu e
distribuir em seus comícios; isto irá ajudar em muito em sua candidatura.
- Não seria mais barato fazer apenas um folheto com a minha face e o
meu número?
- Ficaria mais barato sim, mas se você prestar atenção, a maioria das
pessoas joga fora os panfletos, mas se tiver algo que a pessoa goste, ela
irá guardar e assim você será lembrada sempre.
- A senhora teve uma boa idéia!
- Obrigada, mas o que vale é o que você tem a dizer, e hoje você fez
muito bem, você fez um discurso ímpar, sem igual, e é o que tem valor.
- As coisas parecem que estão ficando no lugar, tudo está indo bem.
- Mas você terá dias de tempestade; uma nova etapa começará amanhã
e você precisa ser forte e determinada. Não deixe que nada a abale e
esteja sempre alerta, seu caminho é longo e eu vou ajudá-la no que for
preciso, mas primeiro você terá que andar com suas próprias pernas.
- O Senhor Gilberto está preso, então eu não corro perigo.
140
- Ele é a pessoa que você menos tem que se preocupar. Seus inimigos
são muitos e estão unidos para derrubá-la; seja forte e lute com garras e
dentes, mas lembre-se, sempre usando o coração à frente de tudo.
- Eu vou ser forte, vou usar todo meu interior e fazer das tripas coração
para lutar contra meus oponentes, eu não irei agredi-los, irei mostrar ao
povo somente o que irei fazer se eu for eleita, sem mentiras, sem falsas
promessas, e meu coração estará à frente de tudo.
- É assim que se fala! Bom trabalho! Lembre-se, sempre que você for
golpeada e cair, peça auxílio ao Senhor Jesus. Ele lhe dará a mão para
levantar-se.
- Obrigada, Maria Aparecida, pela ajuda.
- Obrigada a você, porque você estará ajudando a cidade toda.
E assim como veio, Dona Maria Aparecida se foi, e Letícia voltou a ter
um sono calmo. No outro dia acordou bem disposta; tomou um banho,
escovou os dentes e desceu para tomar café da manhã. Elza já havia
preparado tudo e aguardava a patroa descer para tomar seu café, e ao
ver a patroa bem disposta, disse:
- Bom dia, Dona Letícia, eu vejo que hoje a senhora acordou bem
disposta.
- É verdade Elza, eu tive um sonho com a Maria Aparecida e ela sempre
tem palavras encorajadoras, palavras para levantar o astral; e eu preciso
estar com o astral alto porque hoje vem chumbo grosso.
- A Dona Maria Aparecida disse isso para a Senhora?
- Sim, vai ter tempestade, mas eu estou preparada para tudo.
- Pode contar comigo, Dona Letícia.
- Eu sei disso e espero que você esteja comigo nessa hora.
- A senhora vai sair agora cedo?
- Vou sim, Elza, eu vou até a gráfica para mandar imprimir uns folhetos e
eu gostaria que você fosse comigo escolher.
- A Senhora quer que eu vá junto?
- Sim, vá tirar esse seu uniforme, coloque uma roupa confortável e
vamos lá.
- Já estou indo, vai ser bem rapidinho, eu não vou demorar.
Elza trocou de roupa rapidamente, e em poucos minutos Elza já estavam
a caminho da gráfica, juntamente com Letícia.
Letícia sabia que Elza tinha muitas amigas no bairro onde morava, e era
uma pessoa bem quista pelos vizinhos; era uma pessoa inteligente e por
isso, Letícia a levou junto consigo até a gráfica. Ela a levou justamente
para que lhe ajudasse a escolher as frases que iriam constar em seu
folheto de propaganda política. Elza tinha as características e ambições
141
das pessoas que moram na periferia da cidade e era justamente este
publico alvo que Letícia queria se aproximar, e era de quem mais ela
precisava.
Elas chegaram à Gráfica do Traço e Ponto LTDA e procurou pelo
proprietário, Senhor Éder, que era o homem que vinha produzindo os
panfletos que estavam sendo feitos pelo partido político de Letícia. Assim
que o encontrou Letícia, disse:
- Bom dia, Senhor Éder, eu estava a sua procura.
- Bom dia, Letícia, como tem passado?
- Eu vou bem, e gostaria de apresentar minha empregada e amiga, Elza.
Gostaríamos de fazer folhetos de campanha e tenho uma idéia que
gostaria de apresentar ao senhor.
- Muito prazer, Dona Elza. Pois não, Dona Letícia? Qual a sua idéia e em
que eu posso ajudá-la?
- Minha idéia é bem simples, é como se fosse uma folha de papel
dobrada ao meio; fazendo assim ela terá quatro lados, onde na primeira
parte, eu iria colocar minha face e o meu número de candidata, nas
partes internas eu gostaria de colocar frase de autoajuda e algumas
poesias consagradas de autores famosos de nossa literatura, e na parte
posterior, poderíamos colocar épocas de plantio dos produtos de nossa
região.
- Muito bem pensado, Dona Letícia! Eu gostaria de escolher algumas
frases para a Senhora. Disse Elza.
- É justamente isso que eu queria te trazendo aqui, eu gostaria que você
escolhesse algumas frases do gênero.
- Que bacana Dona Letícia, e onde vamos procurar as frases?
- O senhor Éder já as possui aqui em um catálogo, vamos procurar.
Elas procuraram no livro algumas mensagens de autoajuda, umas de
autocontrole e por fim, frases de reflexão, e na parte posterior colocaram
como plantar hortaliças e legumes.
Elas elaboraram um modelo e o Senhor Eder sugeriu algumas fotos
pequenas dos produtos e fez um esboço em seu computador. Ficou tão
rica de detalhes que as duas concordaram na mesma hora com o layout
sugerido pelo Senhor Éder.
- Ficou muito bom assim, Senhor Éder! O Senhor acertou em cheio as
nossas aspirações. Disse Letícia.
- Eu também achei maravilhoso, está de um bom gosto que seria
impossível alguém que pegá-lo, não ficar com o folheto.
Enquanto Letícia e Elza escolhiam o que colocar nas ruas, o Prefeito
estava usando uma gráfica de fora da cidade para fazer cartazes,
142
banners e cavaletes, que estavam sendo colocados em postes e nas
calçadas das ruas e avenidas principais da cidade, que além de
atrapalhar a circulação de pedestre pelas calçadas, causava uma
poluição visual de tanta propaganda política.
O povo, cansado de ver este tipo de propaganda, com falsas promessas
e sujeira pela cidade toda, cada vez mais declarava seu voto a favor de
Letícia. O prefeito, vendo que sua popularidade havia caído, mandou
fazer uma nova pesquisa de intenção de voto, e mais uma vez
comprovou que sua candidatura não ia bem; ele só tinha trinta e cinco
por cento das intenções de voto contra sessenta e cinco por cento de sua
adversária política. Ele foi até a empresa de publicidade que estava
fazendo sua campanha, encontrou com o Senhor Reinaldo e perguntou
se ele já havia editado a gravação. O Senhor Reinaldo mostrou ao
prefeito como ficou a gravação; ele gostou da editoração e perguntou
como faria para mostrar isso ao povo. O Senhor Reinaldo disse então:
- Nós vamos colocar um telão na praça central amanhã para o seu
comício, e pelo que eu soube, a Letícia vai fazer comício amanhã na
periferia da cidade. Eu acho que é à hora certa de nós mostrarmos este
vídeo. Falta pouco para as eleições e não dará tempo para ela reverter à
situação, mas quero adverti-lo, esta gravação só consegue mudar o voto
em cidades pequenas como a nossa porque nos grandes centros, isso
não iria mudar muito o pensamento das pessoas.
- Aqui na cidade, o povo ainda pensa na moral e nos bons costumes e é
nesse ponto que eu quero ganhar votos.
- Nesse ponto o Senhor pode levar vantagem.
- É bom saber, porque vou começar a colocar esta gravação a partir de
amanhã.
- Pode colocar, eu já mandei o pessoal da agência de publicidade colocar
o telão na praça ao lado do palanque onde o senhor vai discursar.
- Muito bom, então, até amanhã no comício.
- Até lá, Senhor Prefeito.
O prefeito saiu satisfeito com a editoração feita pelo Senhor Reinaldo e
queria comemorar. Ele ligou para a Juliana, que é sua amante, e a
chamou para saírem, para conversarem sobre o assunto. Ela aceitou e
perguntou ao Prefeito a que horas ele queria ir.
- Vamos depois do almoço. Você diz ao pessoal que vai verificar algumas
obras e eu digo a minha mulher que vou fazer campanha política. A
gente se encontra no mesmo lugar.
- Está bem, então fica combinado o seguinte, às duas horas a gente se
encontra na saída da cidade.
143
- Muito bom, até lá então.
- Até lá, António.
O Prefeito foi para sua casa e encontrou sua mulher na sala lendo uma
revista de fofocas da TV, e sem mesmo dar um beijo ou fazer um carinho
em sua esposa, ele disse:
-Você está de novo com esta revista de fofoca da TV? Não tem outra
coisa para fazer?
- Sim, eu tenho muita coisa para fazer, mas como sou negligenciada pelo
meu marido, e não posso acompanhá-lo em seus comícios como as
outras esposas que vão junto com seus maridos, então eu fico em casa,
fazendo o que bem entendo.
- É por isso que eu não quero que você vá, é muita futilidade!
- Você está passando dos limites! Eu nunca fui uma mulher fútil, fiquei
assim porque você está muito distante, já não me procura mais, até
parece que você tem outra.
- Você não tem outra coisa para fazer ao invés de ficar me atacando com
estas estórias ridículas de ter outra mulher?
- Se eu descobrir que você tem outra mulher, você vai ver só o que eu
sou capaz de fazer.
- Você não vai fazer nada! Quer voltar a morar no bairro da periferia onde
você morava? Quer ficar com uma pensão mixuruca? Isso você não
quer, não é? Vê se para de pegar no meu pé! Eu estou com fome. Já tem
almoço pronto? Eu quero almoçar cedo porque tenho um compromisso
político à tarde e não quero perdê-lo.
- Você pode ir almoçar, eu não estou com fome, vou almoçar mais tarde.
- Está bem, eu vou almoçar, porque eu estou com fome.
O Prefeito foi almoçar e Rosana, sua esposa, ficou ali pensando que
deveria fazer para mudar esta situação. Seu marido não ligava mais para
ela, estava sempre distante, não a procurava na cama, ela sabia que
aquilo só poderia ser uma coisa, ele tem outra mulher! Pensou ela.
Rosana resolveu sair do marasmo em que se encontrava e dar um novo
rumo a seu casamento; resolveu que iria ligar para seu primo Eduardo,
que é investigador particular. Ela aproveitou que seu marido foi à toalete,
lavar as mãos para almoçar, e ligou para seu primo.
- Alô, é você, Eduardo?
- Sim, sou eu Rosana, em que posso ajudá-la?
- Eu queria que você seguisse o António para mim, ele anda diferente
comigo, ele nunca para em casa e eu acho que ele tem outra mulher.
- Ele não para em casa porque é época de eleição, vai ver que é por
isso.
144
- Uma mulher sabe quando está sendo traída, e eu tenho certeza que ele
tem outra.
- E quando você quer que eu comece?
- Hoje e agora, ele está almoçando e disse que vai sair, e eu tenho que
descobrir o que ele anda fazendo pelas minhas costas.
- Você vai querer serviço completo, digo, vigiar, filmar, gravar tudo?
- Isso mesmo, eu quero um serviço completo e eu pago pelos seus
serviços.
- Mas Rosana, é época de eleição, seu marido pode perder!
- Se ele estiver me enganando, vai perder mesmo, é esperar pra ver.
- Então, tudo bem, eu vou pegar minhas coisas colocar em minha bolsa e
já estou indo para aí.
- Se acontecer alguma coisa diferente enquanto você não chega, eu te
aviso, e quando você chegar, me mande uma mensagem no celular.
- Está bem, eu já estou indo então.
- Não o deixe perceber que está sendo seguido.
- Pode ficar tranqüila, prima, esse é o meu negócio, eu só ganho quando
os outros perdem.
- Me mantenha informada, tchau.
- Pode deixar comigo, tchau.
Eduardo pegou sua filmadora, sua máquina de tirar fotos à longa
distância, seu microfone que consegue captar até mesmo cochichos e
saiu em direção à casa de sua prima Rosana. Lá chegando, mandou
uma mensagem informando que já estava a postos, próximo à sua casa.
Ela respondeu que ele já havia almoçado e estava escovando os dentes
e iria sair a qualquer momento.
Assim que o prefeito saiu de sua casa, Eduardo o segue bem
disfarçadamente e à distância, ele vai narrando em um gravador toda a
movimentação do Prefeito desde a saída de sua casa, e para sua
felicidade, a primeira parada do Prefeito é em um posto de gasolina que
fica na saída da cidade. Eduardo fica com sua câmera a postos e não
demorou muito tempo, Juliana veio ao encontro do Prefeito. Ela havia
deixado seu carro no posto para lavar como pretexto, caso alguém
perguntasse onde ela tinha ido. Ela diria que havia levado seu carro para
lavar e assim não levantaria suspeita, mas ela não sabia que Eduardo os
seguia. Ela entrou no carro do Prefeito e ele dirigiu-se para a cidade de
Aerado MG e foi para um parque que lá existe. Ficou conversando com
Juliana por um bom tempo. Enquanto conversavam, trocavam carinhos e
beijos. No final da tarde, quase noite, os dois foram a um restaurante
com música ao vivo e jantaram tudo sob o olhar atento de Eduardo que
145
não parava de filmar e fotografar. Eles foram dançar e Eduardo pegou
seu microfone e gravou também a conversa entre o Prefeito e Juliana.
- E então, amor, quando você vai se separar da Rosana?
- Eu já te falei, só estou esperando passar as eleições, e assim que a
eleição acabar, eu vou até lá e acabo com aquela megera, e dou um
ponto final em meu casamento! Eu já não agüento mais aquela inútil, fica
o dia inteiro vendo revista, é muita futilidade!
- E você vai ser assim, durão comigo?
- Claro que não, meu amorzinho, você só me traz felicidade.
- Ainda bem, eu não quero ver você nervoso.
- Vamos indo, já está ficando tarde.
- E aonde nós vamos?
- Vamos naquele motel que nós passamos em frente que você falou que
é muito bonito.
Eles foram ao motel sem notar que Eduardo registrava tudo com sua
câmera. Entraram e Eduardo conseguiu gravar com seu microfone
quando a atendente de portaria disse ao Senhor António:
- O Senhor pode ir para o quarto vinte e um.
Ele agradeceu e entrou com seu carro. Eduardo deu a volta e numa rua
de trás do motel, deixou seu carro, escalou o muro e mexeu na câmera
que vigiava o pátio do motel; tirou o foco de visão do pátio e deixou de
maneira que não dava para ver sua entrada e saída do motel onde à
mesma era monitorada pela recepção. Ele arriscou muito em ser pego
porque alguém poderia surpreendê-lo e ele foi com sua câmera até a
janela, que estava semiaberta para entrar um pouco de ar. Conseguiu
gravar as cenas de sexo do Prefeito com Juliana. Assim que conseguiu
as imagens, ele saiu rapidamente sem ser notado. Antes de sair, voltou a
câmera do motel à posição normal, pulou o muro e foi embora.
Assim que saiu, Eduardo ligou para sua prima Rosana e contou o
ocorrido. Ela pediu para ele vir a casa dela para mostrar a gravação. Ele
disse que já era tarde; o Prefeito poderia voltar a qualquer momento e
pegá-los com a fita antes de eles a assistirem. Ela disse a ele que estaria
na casa dele no outro dia pela manhã.
Ele concordou com sua prima e assim daria tempo de ele colocar tudo
em um pen drive para entregar a ela.
Rosana estava nervosa, andava de um lado para outro com a notícia do
primo. Foi até o quarto, pegou todas as suas jóias e todo dinheiro que
havia no cofre e escondeu em um lugar seguro. Aproveitou que seu
marido não estava em casa, retirou o dinheiro da poupança que estava
em um banco e transferiu para sua conta particular, onde o Prefeito não
146
tinha acesso. Foi para cama para tentar dormir, mas só conseguiu dormir
após tomar um calmante.
Depois de um tempo o Prefeito chega a sua casa, e de mansinho, vai
para o quarto, sem perceber que sua cama já estava armada.
Rosana dormia à custa do calmante, e ele foi para cama dormir como se
nada tivesse acontecido. Como ele estava exausto, dormiu rapidamente.
No outro dia bem cedo, Rosana acordou, tomou um banho e escovou os
dentes e desceu para tomar o café da manhã.
Dona Maria, a empregada, ao ver a patroa acordada bem cedo,
perguntou se ela queria alguma coisa e ela respondeu que só queria o
café da manhã bem rápido. Dona Maria trouxe o café para a patroa que
tomou rapidamente; comeu uma fruta, subiu para o quarto e escovou os
dentes, trocou de roupa e saiu de casa apressada, rumo à casa de seu
primo Eduardo.
Em poucos minutos, Rosana estava na casa de seu primo. Ela apertou a
campainha e, como seu primo demorou um pouco a sair, ela tocou a
campainha repetidas vezes, fazendo seu primo Eduardo sair de pijama
para atendê-la.
- Calma, prima, que pressa é essa? Eu não ia fugir você bem que podia
ter vindo um pouco mais tarde, ainda é muito cedo!
- Cedo nada, o António está dormindo e eu quero que continue a dormir
por um bom tempo ainda, deixe-me ver as filmagens.
Eduardo liga o computador e mostra as imagens; primeiro mostrou as
fotos do Senhor António com Juliana no posto de combustível, depois
mostrou as fotos deles dançando no restaurante, depois o vídeo dele
beijando Juliana na boca e a entrada deles no motel; mostrou também as
imagens colhidas no interior do quarto do motel, e por fim, colocou a
gravação de áudio em que o prefeito diz que vai se separar da esposa
assim que as eleições passarem.
- Então é isso que esse canalha pretende? Ele me paga! Eu quero um
pen drive com uma cópia desta filmagem e me faça outra, que eu quero
levar para a Letícia.
- Seu marido vai perder a eleição com isso.
- Não tem problema, eu tenho algum dinheiro e jóias que eu posso me
desfazer e assim, eu compro uma casa e abro um comércio de roupas
que sempre foi o meu sonho, mas o António não me deixava trabalhar, e
eu tenho muitas amigas que tenho certeza que serão minhas clientes.
- Se é assim, tudo bem, me deixa copiar para você.
- Obrigada, você foi muito legal, quanto eu devo para você?
147
- Não precisa pagar, apenas faça uma recomendação quando alguém
perguntar se você conhece um detetive particular.
- Pode ficar descansado, você será recomendado para todos os meus
conhecidos. Tenho certeza que haverá muito trabalho daqui por diante.
- Então, eu só tenho a agradecer.
Rosana saiu da casa de seu primo e foi direto falar com sua amiga
Letícia. Chegando a sua casa, Elza a atendeu e pediu que ela entrasse e
aguardasse, pois Letícia acabara de acordar e já estaria descendo para
tomar o café da manhã. Ela iria subir e avisar a patroa da sua visita, e
assim fez Elza, subiu e avisou a patroa que sua amiga Rosana a
aguardava lá em baixo.
- O que será que ela quer aqui a essa hora da manhã? Ainda não são
nem nove horas.
- Não sei Dona Letícia, mas me parece que ela está bem nervosa, tanto
é que ela me pediu para vir avisar.
- Nossa, será que aconteceu alguma coisa com ela? Avise que eu já
estou descendo.
- Dona Letícia pediu para avisar à senhora que ela já está descendo.
- Está bem, Elza, muito obrigada.
- Olá Rosana, o que a trouxe aqui tão cedo? E porque essa aflição?
- Bom dia Letícia, eu quero lhe mostrar uma coisa que você vai ficar
estarrecida.
- É sobre o que?
- Vamos até o seu computador que eu te mostro.
As duas foram até o escritório e Rosana pediu para Letícia colocar o pen
drive em seu computador para ver.
Assim que Letícia colocou o pen drive, as imagens começaram a vir
rapidamente e elas olharam todo o conteúdo do pen drive, todas as
imagens, todas as fotos e também o áudio.
Rosana começou a chorar e disse que iria se separar de António e que
Letícia poderia usar as imagens, se ela quisesse.
Letícia foi verdadeira com a amiga dizendo:
- Rosana, me perdoe por eu ainda não ter mostrado a você uma coisa
que vai deixar você chocada, mas eu não iria mostrar para você antes
das eleições; também não quis usar o que eu tenho, porque acho que
seria uma atitude baixa de minha parte se assim o fizesse, venha ver.
Letícia mostrou o vídeo do Senhor António com a Juliana na cidade de
Poços de Caldas, que foi gravado pela Veneranda.
- Eu não acredito! Você tinha este vídeo e não me mostrou!
148
- Você poderia não acreditar e achar que nós fizemos isso por causa das
eleições, mas você pode ter certeza que eu mostraria a você assim que
as eleições passassem.
- Você ia me mostrar mesmo, amiga?
- Claro que ia mostrar, até agora eu não mostrei nada a ninguém, a única
que viu até agora foi você, e também não usaria isso em minha
campanha.
- Como ele é cachorro! Nunca pude pensar que ele fizesse uma coisa
dessas comigo! Eu sempre fui amiga dele, sempre fui companheira,
nunca neguei nada a ele, mesmo quando eu não queria.
- Veja o Valdomiro, o que fez comigo! Depois de vários anos, descobri
um monte de sujeira que ele fazia comigo.
- Não me diga! O que ele fez com você, amiga?
- Você sabe que eu tenho uma pousada lá em Poços de Caldas, e lá eu
tinha um funcionário que estava me roubando, e quem tinha me indicado
esse funcionário foi o Valdomiro. Quando eu cheguei a minha casa e
contei para o Valdomiro o que o funcionário havia feito, ele disse que o
cara era um cretino, mas depois eu descobri que os dois estavam me
roubando juntos.
- Não me diga uma coisa desta! É canalhice demais!
- Sem contar que eu também descobri que ele tinha outra, aí não teve
jeito, o coloquei pra fora de casa.
- Eu vou fazer a mesma coisa que você, eu vou acabar com meu
casamento.
- Rosana, tenha calma, espere passar a eleição, você já sabe o que ele
vai fazer, então, o melhor é ter calma. Quando chegar à hora, você faz a
melhor partilha de bens que puder.
- Não sei se eu vou ter esse sangue frio, eu só vou esperar mais alguns
dias para ver o que acontece; se ele tentar me fazer de boba de novo,
ele vai ver só o que eu sou capaz.
- Mudando de assunto, eu quero te contar uma coisa que já não é
segredo, mas eu gostaria de contar com seu apoio, e sua compreensão.
- Você pode contar comigo, eu vou te dar todo o apoio no que você
precisar.
- Você conhece a Veneranda? Então... Eu e ela começamos um
relacionamento homoafetivo.
- Eu não acredito! Você foi casada durante vários anos e a Veneranda
também teve vários relacionamentos heterossexuais. Como isso pôde
acontecer?
149
- Isso é inexplicável, foi uma coisa de momento; nós estávamos abaladas
em nossos relacionamentos, eu tinha acabado de me separar do
Valdomiro e ela já havia terminado com o Sérgio, seu antigo namorado.
Uma se consolou com a outra e descobrimos que nos gostamos mais do
que uma simples amizade.
- O que eu posso dizer diante disso? Eu só posso aceitar, afinal, vocês
são maiores de idade, sabem o que querem, e se é assim que vocês se
sentem felizes, eu só tenho a dizer que sejam felizes.
- Obrigada por seu apoio, eu não queria que você ficasse sabendo pela
boca dos outros, afinal, isso é uma coisa íntima nossa.
- Você pode ficar sossegada, em meu pensamento, todos têm direito à
felicidade, seja ela como for.
- E o que você pretende fazer com seu marido?
- Ainda não sei, mas isso não vai ficar barato, mas seja o que for eu vou
enfrentar com naturalidade. Eu já vou indo, tome esta cópia, eu fiz para
você, se você precisar usar, pode usar.
- Rosana, você é uma pessoa maravilhosa! Obrigada por ter me trazido
isto, eu não vou usar, mesmo que isto custe a minha eleição, quero fazer
uma campanha limpa.
- Espero que todo político pense assim um dia, e só para você ficar
sabendo, meu voto é seu, eu já vou indo, tchau.
- Rosana, você sempre foi e sempre será uma das melhores amigas que
eu tenho, tchau, amiga.
Rosana saiu da casa de Letícia e foi para sua casa. As imagens de
António com a Juliana não saíam de sua cabeça. Seus pensamentos
eram de revolta e de jogar tudo para o alto e mandar seu marido embora
de casa, mas resolveu dar ouvidos ao que Letícia havia dito. Chegou em
casa e seu marido acabara de acordar; estava na cozinha tomando café,
e ele lhe perguntou.
- Onde esteve? Desci e não a vi! Perguntei para a Maria e ela me disse
que você saiu cedo.
- Fui conversar com a Letícia, saber como ela está; fazia tempo que não
a via e queria uns conselhos sobre uns vestidos que eu quero comprar.
Disfarçou Rosana.
- Mas você precisava ir tão cedo? Por que não deixou para mais tarde?
- Eu liguei para ela ontem e ela me disse que iria sair cedo, e me pediu
para ir bem cedinho. Desconversou.
- E escolheu algum vestido bem bonito ou um terno? Disse em tom
irônico.
- O que você quer dizer com isso?
150
- Que sua amiga talvez não goste de vestido e sim de ternos.
- Ela sempre teve bom gosto com vestidos, e eu não estou gostando do
jeito que você está falando dela.
- Você nem conhece direito essa mulher, é apenas uma colega de escola
que se separaram quando você se casou e ela também; cada uma foi
viver a própria vida e agora fica atrás dela, e eu não quero que você a
veja de novo.
- E quem é você para me impedir de ver quem eu quero? Eu sou livre
para escolher minhas amizades.
- Eu vou mostrar uma coisa para você que vai fazer você mudar de idéia
sobre essa sua amiga.
- O que você quer me mostrar?
- Veja, é uma gravação de sua amiga Letícia com a amiga dela,
Veneranda, em uma rede de dormir.
Rosana viu o conteúdo da gravação e não se conteve.
- O que tem isso? São duas mulheres em uma rede trocando carinhos e
isso não tem nada de mais.
- Como não tem nada de mais? Isso é lesbianismo, são duas mulheres
que não valem nada!
- Não, António, isso são duas mulheres que se amam e isso é diferente.
- Quero ver se a cidade pensa assim.
- Você não vai mostrar isso para a cidade, faltam poucos dias para a
eleição, seria uma baixeza de sua parte.
- Eu só vou usar se eu estiver perdendo.
- Se você fizer isso, eu vou embora, é jogar muito sujo.
- Duas coisas: se você quiser ir embora pode ir, isso é eleição, você quer
que ela ganhe a eleição?
- Quero que você ganhe com seus próprios méritos e não com
chantagem.
- E ficar quatro anos amargando a derrota?
- E daí, qual o problema?
- Rosana, vá ver seus vestidinhos, você não entende nada de política, eu
já falei isso para você e para aquela sua amiga.
- Se você usar esta gravação contra ela, você vai acabar mal, escute
bem o que eu digo.
- Rosana, me deixe em paz, eu tenho muita coisa para pensar e para
fazer, e não posso ficar de papo furado com você.
- Você escutou bem, se você usar isso contra ela, eu vou estar contra
você!
- Rosana, se você me ameaçar de novo, você vai ver o que bom.
151
António parte para ignorância e acerta um soco na cara de Rosana, que
vai ao solo chorando, e diz a ela:
- Se você sair por aquela porta para contar para alguém, você escolhe
uma foto bem bonita para estar no seu jazigo.
Sem saber, sua empregada, Maria assistiu a tudo e conseguiu uma
gravação da agressão e também da ameaça. António saiu de casa
nervoso e com cara de poucos amigos.
Assim que António saiu de casa, Maria foi socorrer a patroa que se
levantou chorando, e com o rosto vermelho por causa da agressão.
- A Senhora quer alguma coisa, Dona Rosana?
- Você viu o que ele fez comigo, Maria?
- Vi sim, e fiz uma gravação da agressão e também da ameaça.
- Você gravou isso? Deixa-me ver.
Realmente ficou gravado a agressão e também a ameaça contra
Rosana.
- A Senhora quer ir a uma delegacia prestar queixa contra seu marido?
Agora, aqui na cidade, tem a Delegacia da Mulher.
- Não sei Maria, deixe-me pensar um pouco, ele parecia um animal, acho
que ele está pressentindo que vai perder.
- Dona Rosana, é verdade o que ele falou da Letícia?
- Sim, é verdade, eu já sabia, ela falou pra mim, mas o que tem isso?
- Então ele vai querer usar isso contra ela.
- Ele que não ouse em fazer isso, porque, se ele fizer, eu acabo com a
candidatura dele.
- Eu gosto muito da Dona Letícia, ela sempre me dava roupas para eu
levar para minha filha, mas o povo daqui é atrasado, e eu não sei como
eles vão reagir nessa hora.
- Se algo sair errado, nós vamos entrar para ajudar nossa amiga.
- É assim que se fala Dona Rosana, a senhora tem certeza que não quer
ir à Delegacia da Mulher?
- Hoje não, vai depender do que ele fizer hoje à noite; se ele usar essas
imagens, amanhã nós vamos à delegacia, agora eu vou subir para meu
quarto, eu estou morrendo de dor de cabeça, por favor, me traga um
comprimido.
Maria subiu e levou o comprimido para Rosana; ela estava muito triste e
nervosa com a situação, ela estava prestes a se separar e sua amiga de
infância estava prestes de ser atacada verbalmente por seu marido, mas
em poucos minutos o calmante que Rosana tomou fez efeito e ela
dormiu.
152
Letícia estava em sua casa, fazendo um discurso para falar ao pessoal
que mora na periferia, e estava bastante compenetrada em seus
pensamentos que nem percebeu que Elza a chamava para almoçar.
- Desculpe-me, Elza, eu não ouvi você me chamar.
- É que a Senhora estava bastante entretida com o que a Senhora estava
escrevendo que nem me ouviu.
- Eu estava escrevendo o meu discurso para falar hoje à noite. Você quer
ouvir o que eu escrevi?
- Quero sim, Dona Letícia.
Letícia leu para Elza, que ouvia atentamente cada palavra e até se
emocionou com o que Letícia havia escrito e disse:
- Dona Letícia, a Senhora escreve muito bem, a Senhora vai fazer isso
tudo que a Senhora escreveu?
- Vou sim, Elza, isso tudo é possível; se nós usarmos o dinheiro que vem
do governo federal de forma racional, eu tenho certeza que dá para fazer
isso e muito mais.
- Dona Letícia, se a Senhora fizer a metade do que falou, nosso
município será um dos melhores da região.
- Elza, o governo federal repassa aos municípios vários benefícios que
devem ser usados de forma transparente para os fins a que se destinam.
Um exemplo: o dinheiro que é liberado para a educação deve ir para a
educação, o dinheiro destinado à saúde, deve ir para a saúde e assim
por diante, mas se o dinheiro for usado de forma irregular para outra
finalidade e não a que se destina, o povo fica sem os benefícios.
- Eu estou conversando com o pessoal aí na rua que eu conheço, eu falo
para todo mundo que se a Senhora ganhar, quem vai ganhar é o povo e
realmente eu não estou mentindo.
- Obrigada, Elza, eu sei que posso contar com você, mas vamos parar de
conversa senão a comida esfria.
- Tem razão, vamos lá que eu sirvo a Senhora.
Letícia ficou almoçando juntamente com Elza que fazia companhia à
patroa, e as duas ficaram ali por um bom tempo, conversando sobre a
eleição que já estava bem perto.
A noite chegou e antes de Letícia sair, e já pressentindo um mau agouro,
ela fez uma oração pedindo clareza nas palavras e que a iluminasse para
que ela conseguisse passar toda a veracidade de suas palavras.
153
Capitulo XVI
No centro da cidade, o atual Prefeito e candidato, Senhor António, foi até
a sede do partido; encontrou-se com seus correligionários e também com
seu articulador político, e também o Senhor Reinaldo, publicitário de sua
campanha à Prefeitura; todos foram para o palanque montado na praça
central da cidade. Já havia bastante gente aguardando a chegada do
senhor António. A praça estava cheia porque os marqueteiros de
campanha do Prefeito, durante o dia, abordaram as pessoas na rua
dizendo para que eles não perdessem o comício do Prefeito porque ele
teria revelação bombástica e que a cidade precisava saber, mas a
maioria da cidade estava no comício de Letícia.
Letícia fazia seu discurso, e o povo ouvia atentamente a todas as
palavras com muita atenção; eles estavam ávidos em saber como seria a
nova administração da cidade e Letícia os deixou entusiasmados.
E do outro lado da cidade o senhor António faz seu discurso enaltecendo
seus feitos na administração, as obras de infraestrutura do hospital e da
escola municipal e de mobilidade rural. Num determinado momento ele
pede para ligar o telão e ligar o laptop que continha as imagens e mostra
as cenas de Letícia e Veneranda trocando carinhos numa rede de dormir.
O povo, incrédulo, não consegue acreditar nas imagens e acreditam
serem imagens forjadas, mas o Prefeito reitera que são imagens
verdadeiras e chama alguns vereadores para afirmar sobre a veracidade
das imagens. Todos mencionam serem verdadeiras. O pessoal pede
para ver de novo e novamente as imagens são mostradas. O burburinho
é geral, todos comentam as imagens, as pessoas que estavam indecisas
já passam a apoiar o prefeito, outros querem ouvir a versão de Letícia
sobre a veracidade das imagens e o comício ficou tumultuado até seu
final e o pessoal dizendo que aquilo era inadmissível; o Prefeito dizia que
a cidade primava pela família e pelos bons costumes e ele como um
homem do povo, não poderia admitir tal ofensa à cidade. O falatório foi
geral até o fim do comício.
Letícia também encerrou seu comício e ela muito animada porque o povo
entendeu o que ela queria fazer caso fosse eleita; ela ainda não sabia
154
que o senhor António havia mostrado as imagens no comício dele e foi
para casa muito satisfeita.
No outro dia não se falava em outra coisa na cidade; até o jornal da
cidade citava o fato da candidata à Prefeita ser homossexual. Não
demorou muito tempo para que Elza lesse o jornal e fosse avisar a
patroa.
- Letícia, bom dia, desculpe-me acordar a Senhora, mas você precisa ver
isto.
Letícia levantou num sobressalto e perguntou a Elza:
- Do que se trata Elza? Por que me acordou tão cedo?
- Veja o jornal da manhã de hoje.
No jornal estava escrito tudo sobre o caso de Letícia e Veneranda,
inclusive uma foto do telão foi tirada na hora em que passavam as
imagens.
Letícia respirou fundo, ela sabia que aquilo iria acontecer, mas não
naquela proporção; ela sentou-se na cama, seus olhos encheram-se de
água e ela ficou pensando em como devia reagir. Enquanto estavam no
quarto, a campainha tocou e Elza desceu para atender a porta. Era um
jornalista do jornal local e queria uma declaração de Letícia. Elza o
dispensou dizendo que a patroa ainda dormia e depois ela daria
esclarecimentos sobre o caso.
Elza retornou para o quarto e Letícia perguntou quem era. Elza
respondeu que era um repórter do jornal local, mas ela conseguiu
dispensá-lo sem maiores problemas.
Logo em seguida a campainha tocou novamente. Elza ficou furiosa
pensando ser novamente o repórter. Desceu as escadas correndo e
abriu a porta e quando ia falar, viu que quem estava na porta era Maria
Aparecida e ela disse:
- Dona Maria Aparecida, bom dia, a senhora já soube?
- Sim, eu já soube e quero falar com a Letícia.
- Entre, eu vou avisar a ela que a senhora está aqui para falar com ela,
eu tenho certeza que ela vai ficar feliz em vê-la.
Elza subiu as escadas rapidamente e avisou a patroa que Dona Maria
Aparecida estava na sala a aguardando.
- Maria Aparecida, aqui em casa a essa hora? Será que, além disso, tem
mais alguma coisa?
- Não sei Dona Letícia, ela só disse que queria conversar com a senhora.
- Avisa a ela que eu só vou escovar os dentes e tomar uma ducha bem
rápida e já desço.
- Está bem, eu aviso a ela.
155
Elza desceu e pediu para Maria Aparecida aguardar que a patroa já
desceria; ofereceu um café a ela, que aceitou e sentou-se no sofá da
sala, e enquanto isso Elza foi para a cozinha buscar o café que tinha feito
há poucos minutos atrás.
Não demorou muito tempo Letícia desceu para atender a Dona Maria
Aparecida, que a esperava no sofá da sala e então Letícia perguntou:
- A senhora já está sabendo?
- Sim, é por esse motivo que estou aqui. Ontem minha irmã, Maria de
Fátima, esteve na cidade fazendo compras e demorou-se um pouco, e
quando ela saia do supermercado ela viu um alvoroço e quis saber o que
estava acontecendo; disseram para ela ir ver o comício do Prefeito, e foi
quando ele reprisou as cenas de você e Veneranda, juntas. Ela voltou
para o sítio e me contou e é por isso que estou aqui.
- E agora, o que a Senhora acha que eu devo fazer?
- A Elza me contou que há pouco tempo atrás veio aqui um repórter do
jornal da cidade, você vai fazer o seguinte, quando ele vier e perguntar
toda a verdade você vai dizer que no comício você vai explicar toda a
história ao povo.
- E eu devo contar toda a verdade?
- Claro, ou você quer mentir ao povo? Você vai negar as evidências?
- Não foi isso que eu quis dizer. Devo contar todos os detalhes?
- Não, os detalhes não são necessários, conte apenas a verdade, eu e
minhas irmãs iremos a seu comício para dar uma força para você.
Depois que você falar com o repórter, você vai até as duas rádios da
cidade dizer que vai contar toda sua estória em seu comício.
Maria Aparecida estava certa, não demorou muito tempo e o repórter do
jornal da cidade, o Correio de Nosso Povo, estava outra vez na porta da
casa de Letícia e desta vez ela o atendeu e fez conforme recomendação
de Maria Aparecida. Ela informou que contaria toda a estória em seu
último comício antes das eleições. Em seguida, ela pegou seu carro e foi
direto para a rádio mais ouvida pela população de Lindos Montes e disse
a mesma coisa, para todos comparecerem a seu comício para ouvir toda
a verdade. Quando ela saia da rádio para ir até a outra, ela notou que as
pessoas a apontavam e imediatamente ligavam o rádio para ouvir se ela
havia dado alguma entrevista para a rádio. Letícia assim fez na outra
rádio da cidade, que era ouvida pelo público de baixa renda e também do
pessoal da zona rural. Letícia voltou para casa e se sentiu aliviada, pois
ela conseguiu olhar nos olhos das pessoas e não sentiu ódio e nem
desprezo delas, apenas curiosidade.
156
Letícia chegou a sua casa e Dona Maria Aparecida e Elza estavam
ouvindo as rádios e os comentários que os locutores estavam fazendo.
Muita gente ligou para a rádio para saber se a notícia era verdadeira, Se
Letícia iria contar toda a estória... Diante da afirmação, todos diziam que
não perderiam o comício de jeito nenhum. Maria Aparecida disse:
- O tiro do Prefeito saiu pela culatra.
- Como assim Maria Aparecida? Eu não entendi.
- Hoje é o último dia de campanha, e onde você acha que todos estarão?
No seu comício ou no do prefeito?
- A Senhora tem razão, sem querer ele fez campanha para nós, não
importa se é negativa ou positiva, mas o importante é que quase toda a
cidade vai estar no meu comício.
- Você dirá toda a verdade, e falará tudo o que você vai fazer na política,
não necessariamente nessa ordem.
- Como assim, o que eu devo falar primeiro?
- Primeiro você vai dizer o que você pretende fazer como Prefeita da
cidade e aí sim você vai contar a verdade, porque se você disser a
verdade sobre você em primeiro lugar, muitos perderão o entusiasmo e
poderão ir embora, então, faça em primeiro sua campanha política.
Letícia, Maria Aparecida e Elza continuaram ali conversando sobre como
mostrar toda a verdade para o povo sem chocar a opinião publica.
E na casa do prefeito, Rosana desceu para tomar café e sua empregada,
Maria, a chamou num canto e contou o que havia ocorrido no comício de
seu marido. Disse que a rádio estava anunciando a todo o momento que
Letícia daria um pronunciamento em seu último comício de campanha.
Rosana ficou pasma, não acreditando que seu marido fosse capaz de
usar aquelas imagens contra Letícia. Ela se encheu de coragem e disse
à Maria:
- Hoje nós vamos à Delegacia da Mulher fazer a ocorrência de agressão
contra minha pessoa.
- A senhora vai tomar café?
- Coloca rapidinho um café com leite e umas torradas que nós vamos
assim que eu terminar de tomar o café.
Assim que Rosana terminou de tomar seu café da manhã, ela e Maria,
sua empregada, foram para a Delegacia da mulher. No caminho, Rosana
perguntava se as lesões estavam à vista e sua empregada disse que o
olho estava um pouco roxo e as marcas das tapas estavam quase
desaparecendo.
- Ainda bem que você gravou, vou mostrar tudo para a delegada.
157
Chegando à delegacia, Rosana e Maria foram atendidas pela delegada,
Doutora Rosângela. Assim que entraram, a delegada notou o hematoma
no olho esquerdo de Rosana e perguntou:
- Vejo que a Senhora tem um hematoma em seu olho, o que foi que
aconteceu?
- Foi meu marido, ele me atacou com um soco e também alguns tapas e
me empurrou e eu fui ao solo.
- E a Senhora tem testemunha do ocorrido?
- Sim, eu tenho, esta é Maria, minha empregada, que presenciou tudo e
ainda por cima conseguiu fazer uma gravação.
- Venha, vamos sentar para fazermos um boletim de ocorrência.
Rosana e Maria foram até a sala da delegada e relataram tudo o que
havia acontecido. Mostraram também a gravação feita por Maria. A
delegada chamou a escrivã de polícia, Rosemeire, para transcrever os
relatos de Rosana e assim foi feito um boletim de ocorrência. A delegada
enviou Rosana para o IML para fazer um exame de corpo de delito, e o
mesmo foi feito rapidamente, mas por estar dentro do prazo para a
eleição, a delegada não pode ir prender o senhor António porque não foi
em flagrante e a lei não permite.
- Se a senhora tivesse vindo ontem, ele poderia ser preso em flagrante,
mas a senhora deixou passar vinte e quatro horas, então, não podemos
prendê-lo; mas vamos autuá-lo por lesão corporal dolosa, e assim que
passar a eleição nós vamos trazê-lo à delegacia para prestar
depoimento. Se a senhora quiser, vou fazer uma ordem de restrição em
que ele não pode chegar a menos de trezentos metros da senhora, o que
Rosana aceitou, e de posse do boletim de ocorrência, Rosana e sua
empregada, Maria, foram embora.
Na parte da tarde, o Senhor António recebeu uma intimação da delegacia
onde ele deveria prestar declarações por sua agressão a sua esposa. Ele
procurou por ela e não a encontrou; ela foi para a fazenda da família
juntamente com sua empregada.
No final da tarde, as pessoas da cidade de Lindos Montes começam a ir
para a praça que fica na periferia da cidade. Alguns moradores que
moram próximos ao local colocaram cadeiras para assistir. O povo foi
chegando de todos os lugares: da periferia, do centro da cidade, da zona
rural, ninguém queria perder um só minuto do comício.
Na praça central da cidade, onde o comício do Senhor António estava
sendo realizado, poucas pessoas compareceram para assistir; lá só
compareceram pessoas ligadas ao partido e algumas pessoas que já
158
haviam declarado votos ao prefeito, e também uma minoria de pessoas
contrárias ao homossexualismo.
O Prefeito chegou e subiu no palanque e viu que lá estavam poucas
pessoas. Perguntou o motivo a um assessor que informou que o maior
número de pessoas foi ao comício de Letícia, porque ela havia ido às
rádios e disse que iria contar a verdade sobre os fatos.
- Então quer dizer que não adiantou nada eu mostrar as cenas?
- Eu acho que nós demos um tiro no pé, o senhor deveria mostrar hoje as
imagens e não ontem, por que ela teve este tempo para se defender.
- Quem é o publicitário que está tomando conta da campanha dela?
- Ela não chamou nenhum publicitário para ajudá-la, quem a está
ajudando é a Dona Maria Aparecida.
- Aquela preta novamente atrapalhando meu caminho.
- Tomara que ela não consiga impressionar o povo, todo mundo foi ver o
que ela tinha a dizer, se eles não gostarem do que ouvir, os votos voltam
para nós.
- Eu conheço o povo daqui da cidade, eles são da família e dos bons
costumes, não vão votar em lésbicas.
- É melhor a gente pegar leve, as imagens não criaram o impacto
desejado. Faça um discurso exaltando suas obras e diga que ela nunca
teve nenhum cargo político e nem administrado qualquer órgão publico.
- Acho melhor eu fazer isso mesmo e esperar que ela não consiga
reverter o quadro.
E lá na periferia o pessoal está se acotovelando de tanta gente. Letícia
sobe ao palco para seu discurso final; uns aplaudem, outros vaiam, e
passados alguns segundos, Letícia olha para a platéia e começa seu
discurso de encerramento enfatizando as obras que irá fazer, e como ela
irá utilizar os recursos públicos. Letícia foi enumerando tudo o que iria ser
feito para a melhoria da cidade no setor de saúde, da educação, do
transporte e da segurança, com a criação de uma unidade da Guarda
Civil. Passado algum tempo de seu discurso com o povo ouvindo
atentamente, Letícia pegou o microfone em mãos e começou a contar a
versão dos fatos ocorridos.
- Eu quero falar abertamente com vocês. Eu sei que muita gente viu as
imagens que o Senhor António mostrou em seu comício, e quero dizer a
vocês que elas são verdadeiras.
Ouviu-se oh! Em vários lugares do público e ela pediu a palavra
novamente.
- Por favor, deixe-me continuar. Eu e a Veneranda sempre fomos amigas
desde a infância e, por contingências da vida, cada uma seguiu o seu
159
caminho. Eu me casei com o Valdomiro e a Veneranda teve seus
namorados. Com a descoberta da amante de meu marido, eu me refugiei
em minha pousada. Lá chegando, eu e a Veneranda que também havia
acabado o namoro, acabamos ficando mais íntimas, Descobrimos que já
não era amizade que existia entre nós, e sim, amor, e nós já havíamos
decidido contar a todos; mas meu ex-marido pegou uma gravação que
havia sido feita por uma funcionária da pousada e entregou ao Prefeito
para me desmoralizar. Eu queria enfatizar que minha preferência sexual
jamais irá tirar meu foco na melhoria da cidade.
Em um determinado momento, Maria Aparecida, que estava no
palanque, pediu a palavra.
- Como eu sempre disse a todos que me procuraram, a todos os meus
fregueses e a todos os meus fornecedores, o motivo de eu não entrar
para a política e também não incentivar em quem votar, pois vocês tem o
livre arbítrio para votar em quem quiser, eu só quero contar uma estória
para vocês que tem a ver com discriminação. Quando meus pais vieram
morar em Lindos Montes, eles compraram um pequeno sítio na zona
rural da cidade, eles ouviam: - O que esses negros querem aqui? Por
que eles vieram pra cá com tanta cidade para irem? Mas eles nada
falaram, engoliam a seco todos os desaforos que lhe eram proferidos e
mesmo assim, eles sempre ajudaram os que mais necessitavam sem
pedirem nada em troca. Eles prosperaram e tiveram três filhas, e nós
crescemos ouvindo muita piada de mau gosto contra nós; quando nós
íamos à escola muitos nos ridicularizavam pela nossa cor. Lembro-me de
uma vez, quando a professora da escola perguntou o que cada uma
queria ganhar de presente no Dia das Crianças; quando chegou a vez de
minha irmã mais nova, a Maria de Lourdes, ela disse que queria ganhar
uma boneca.
- E o que disseram a você, Maria de Lourdes?
- Eu disse que queria ganhar uma boneca, e uma pessoa me disse só se
for uma boneca de piche. Isso me magoou bastante e eu não preciso
dizer a vocês quem disse essa frase.
- Estão vendo? O tempo passou e hoje somos respeitadas e respeitamos
a todos com a mesma distinção, mesmo aqueles que nos atacaram.
Hoje, a maioria de vocês freqüenta o meu sítio e não existe nenhuma
discriminação contra nós. Agora isso acontece com Letícia e Veneranda.
Elas sempre foram da cidade e vocês sempre foram amigas delas. O que
a fazem mudar? O fato de elas se gostarem, o fato de elas assumirem
sua sexualidade? Temos que deixar nossos preconceitos de lado e ver a
vida por um novo prisma, onde o respeito ao próximo seja a peça
160
fundamental para a convivência das pessoas. Somos livres para escolher
nosso destino, para escolher nossas roupas e também com quem nós
queremos namorar; vocês são livres para escolher o novo Prefeito da
cidade de vocês, e eu não vou dizer vote nesse ou naquele; vocês são
livres para escolherem o que for melhor para a cidade e não se ela gosta
de mulher ou se o outro candidato é bonito, votem de acordo com seus
anseios e não de acordo com seus preconceitos.
Com muitos aplausos, Maria Aparecida agradeceu a presença de todos e
pediu que Deus iluminasse o caminho de todos na hora do voto. Ela já
estava se despedindo quando um alvoroço na parte de trás do palanque
havia se formado. Era Dona Rosana e o vereador Gerson Lino, da
oposição. Eles queriam falar. Algumas pessoas chegaram a vaiar os
dois, mas Maria Aparecida pediu para que eles subissem ao palco para
falar. Letícia pediu silêncio para ouvir o que eles tinham a dizer. A
primeira a falar foi Dona Rosana, mulher do Prefeito.
- Todos vocês me conhecem, eu sou Rosana, mulher do Prefeito António
e estou aqui para dar um depoimento e meu testemunho; primeiro quero
dizer que fui agredida pelo meu marido, aqui está à prova, vou tirar meus
óculos e mostrar o hematoma para vocês. Quero também mostrar o
boletim de ocorrência que eu fiz por essa agressão feita justamente por
quem, em seu comício, diz que é pela família e pelos bons costumes da
cidade. Se essa agressão é pelos bons costumes, não quero ver o que
não for, e em segundo lugar quero dizer que conheço muito bem Letícia
e Veneranda; elas são duas mulheres de bem e só querem fazer o bem
pela cidade. Agora eu quero passar a palavra para o senhor Gerson, que
quer conversar com vocês.
- Boa noite, eu hoje era para estar no comício do Prefeito, mas resolvi vir
aqui para dizer para todos os presentes que eu fui totalmente contra
mostrar aquelas imagens, mas eu fui voto vencido e não pude fazer nada
a respeito, mas eu posso vir aqui e pedir desculpas por não ter feito nada
em relação a isso; eu sei que errei no passado, mas quero me redimir, e
se eu merecer o voto de vocês, e tenham a certeza que vou fazer tudo o
que estiver ao meu alcance pelo bem da cidade, eu quero agradecer a
atenção de todos vocês. Votem com o coração!
Assim que saíram do palanque, Rosana e Gerson Lino foram aplaudidos
pelo público pelas declarações. Logo após isso foi à vez de Letícia
agradecer a presença de todos, e assim ela terminou seu comício,
fazendo um coração com as mãos. A platéia aplaudiu entusiasticamente
o gesto de Letícia e começou a se dispersar indo para suas casas com
um pensamento: em quem votar. Muitos iam perguntando em quem
161
votariam, e outros, já declarando seu voto: uns em Letícia e outros em
António, só as urnas decidiriam com quem o povo estaria.
Um novo dia começou e Letícia ligou bem cedo para Veneranda. Contou
como havia sido o dia anterior, ela disse que contou a todos sobre o
relacionamento delas e como o povo reagiu diante dos fatos. Veneranda
perguntou qual foi a repercussão, mas Letícia ainda não tinha idéia.
Contou também sobre a intervenção de Maria Aparecida e também
contou sobre o fato de Rosana ter sido agredida pelo marido e ter vindo a
seu comício dar um depoimento a favor de Letícia. Informou que o
vereador Gerson Lino tinha ido a sua campanha. No momento, o saldo
era positivo, mas teriam que aguardar as apurações, porque o voto
secreto é o maior expoente da opinião pública; as pesquisas não passam
de intenção, mas o que vale é o que fica marcado na urna.
O dia amanhece e o pessoal começa a sair para a rua; é sábado, um dia
antes da eleição e o assunto é sobre quem a vence: Letícia ou António.
Muitos fazem apostas, alguns acreditam que o fato de Letícia ter
escondido seu romance com Veneranda faça o povo votar em António, e
outros acreditam que ela convenceu os eleitores e tenha virado o jogo
político.
O Prefeito sai às ruas para ver como está a repercussão em torno da
eleição. Ele vai a bares, toma café com os eleitores e acena para os
transeuntes. À tarde, ele participou de uma carreata pela parte central da
cidade e também pela zona rural, Letícia por sua vez, depois de
conversar com Veneranda, foi para o comitê do partido onde a
esperavam para uma carreata que começou pela região rural da cidade e
depois para o centro da cidade; como não podia deixar de ser, ela
também cumprimentou eleitores na avenida principal onde existe um
centro comercial. Ela tirou fotos com eleitores e tomou sorvete na
sorveteria local junto com os eleitores, e às dez horas da noite, Letícia e
António se recolheram, pois a legislação não permite carreatas ou
passeatas após este horário.
162
Capitulo XVII
A noite foi longa e nenhum dos candidatos conseguiu dormir tão cedo. Já
era madrugada quando Letícia, com muito custo e à base de calmante,
conseguiu pegar no sono depois de ficar quase uma hora ao telefone
com Veneranda. Já o Senhor António, irado por sua mulher ter feito o
boletim de ocorrência e ido ao comício de Letícia juntamente com o
vereador Gerson Lino, não conseguia pegar no sono. A todo o momento
se virava na cama sem que o sono viesse.
E na manhã de domingo, dia da eleição, o sol brilha forte logo cedo num
lindo dia de primavera e o pessoal sai para votar. Letícia acorda cedo e
desce para tomar café da manhã e encontra Elza, esperando com a
mesa posta e Letícia diz:
- Vou comer só uma frutinha, não estou com fome.
- Não Senhora, a Senhora vai sentar aqui e tomar um café da manhã
reforçado; num dia como o de hoje ficar sem comer não pode.
- Acho que você tem razão, vou me alimentar bem.
Enquanto elas conversavam, Veneranda ligou para Letícia.
- Bom dia, Prefeita, eu estou indo agora cedo para Lindos Montes para
votar e o que eu tenho ouvido por aqui é que você deve ganhar, mas
dizem que a margem será apertada.
- O comentário é muito grande por aí?
- Sim, e aqui existe até aposta quem vence a eleição aí na cidade.
- Aqui também existe esta aposta, mas eu não sei como está o resultado.
- Espero que esteja favorável a você, mas eu vou deixar de conversa que
eu já estou pronta e estou indo para Lindos Montes.
- Eu e a Elza vamos votar agora de manhã porque nossa zona eleitoral é
a mesma e nós vamos juntas.
- Eu estou indo e vou chegar próximo da hora do almoço, eu vou direto
votar e vou para sua casa aguardar a apuração.
- Eu vou para o comitê eleitoral após votar e vou aguardar a apuração de
lá.
- A Elza vai ficar na sua casa?
- Sim, por quê?
- Após eu votar, eu vou até a sua casa para almoçar e depois eu vou até
o comitê.
- É melhor não vir pra cá, pode acontecer de alguém discriminá-la na
porta de sessão eleitoral e acontecer uma propaganda negativa.
163
- Então vou fazer o seguinte, vou almoçar por aqui mesmo e no final da
tarde, eu chego para votar bem no finalzinho da eleição.
- Tudo bem, o que eu não quero é expô-la à discriminação.
- Você tem razão, pode haver tumulto em frente a minha zona eleitoral.
- E vai ter repórter por todo lado.
- E à tardinha depois que eu votar, eu vou para sua casa e lá
conversamos depois da contagem de votos.
- Está bem, até lá então, tchau.
- Tchau.
Assim ficou combinado entre elas. Letícia saiu juntamente com Elza para
irem votar em sua zona eleitoral, e lá chegando havia vários repórteres
aguardando sua chegada para registrar o momento do voto, afinal, essa
era a primeira vez que alguém declaradamente homossexual pleiteava
um cargo desta natureza e com grandes condições de ser eleita.
Quando chegaram para votar, Letícia e Elza foram cercadas por
repórteres da cidade e também de toda região sul do estado; eles
queriam ver Letícia chegando para votar. Após o voto concluído, Letícia
fez com as mãos um coração que era o símbolo de sua campanha, e no
final fez o “V” de vitória, para delírio dos fotógrafos.
Enquanto isso, em outro local da cidade, o Senhor António, juntamente
com os vereadores que o apóiam, chegam para votar. António dá
entrevista para a rádio local e se diz esperançoso da vitória por uma
larga margem de votos.
Letícia, após ter votado, foi para o comitê eleitoral de seu partido e Elza
voltou para casa de Letícia e de lá ficou torcendo pela patroa. António fez
a mesma coisa, assim que terminou de votar e dar entrevistas para
várias rádios, ele também foi para o comitê de seu partido.
O dia demorava a passar e as pessoas vinham e votavam rapidamente,
uma vez que apenas dois candidatos disputavam o cargo de chefe do
poder executivo do município. Este é um cargo de maior importância e
responsabilidade, dessa forma, vale à pena refletir sobre a função da
figura política do Prefeito. Além de elaborar políticas públicas ao bem
estar da cidade e também a qualidade de vida dos seus munícipes, ele,
como chefe do poder executivo, deve administrar a cidade com o
controle do erário ao planejamento e concretização de obras tanto na
área civil e até mesmo na área social. Por esse motivo é importante o
voto consciente, não olhando apenas o candidato em si, mas também a
sua coligação deve ser avaliada.
O voto consciente é uma arma importante contra a corrupção e ao
descaso com o dinheiro público. Isso lhe garantirá quatro anos de
164
crescimento municipal, trazendo mais qualidade de vida porque cabe ao
prefeito não apenas sancionar leis aprovadas pela câmara municipal,
mas também elaborar ou vetar propostas que não são do anseio popular.
A votação estava chegando ao fim. Já eram quatro e meia da tarde
quando Veneranda chega, e quando um repórter a viu e correu para
entrevistá-la. Ela com poucas palavras disse:
- Estou aqui para cumprir meu dever como cidadã.
- E o que você tem a dizer sobre a Letícia? Perguntou um repórter.
- Só posso dizer que é uma pessoa correta em todos seus atos, e o povo
só tem a ganhar se ela vencer as eleições.
- E você realmente tem uma relação homoafetiva com a Letícia?
- Sim, eu tenho, mas isso não entra na disputa eleitoral, o que vale é o
que a pessoa pode fazer em beneficio do povo, e isso ela sabe muito
bem.
- E você tem algum palpite sobre quem vence a eleição em Lindos
Montes?
- Se o povo votou com o coração e com a razão, a Letícia vence fácil.
- E se isso não acontecer?
- O povo terá que amargar mais quatro anos de desmandos e ineficácia
deste Prefeito. Bom, agora me deixe ir, eu tenho muita coisa a fazer,
obrigada, tchau.
Veneranda foi para casa de Letícia e Elza a esperava. Ela tinha se saído
bem com a entrevista, ela não havia demorado muito, não disse nada
que prejudicasse Letícia; quando ela chegou à casa de Letícia já se
passavam das cinco horas da tarde e as sessões se fecharam
pontualmente nesse horário. Praticamente quase todos haviam votado,
foi uma das menores abstenções que já havia ocorrido naquela cidade e
quem ganhou com isso foi à democracia.
O povo tinha em mãos duas opções de voto: votar no continuísmo de
uma cidade parada no tempo, ou votar na esperança de ver uma cidade
melhor, com um novo enfoque político. Mas aquele voto poderia ser uma
faca de dois gumes; Letícia poderia ser apenas uma promessa de um
bom legado, como também poderia ser um fiasco e ela não cumprir as
promessas de campanha. O povo foi às urnas com esses pensamentos.
Logo depois de encerrada as seções eleitorais, os disquetes contendo os
dados das urnas foram levados para o local de apuração. Neste local, os
disquetes foram lidos e os dados transferidos para o Tribunal Regional
Eleitoral através de uma rede segura de uso exclusivo da Justiça
Eleitoral. Nesse tribunal foi realizada a totalização e a divulgação do
resultado.
165
Nos comitês eleitorais dos dois partidos era grande a apreensão e o
nervosismo dos candidatos a Prefeito e também dos vereadores. Todos
aguardavam com ansiedade a divulgação do Tribunal Eleitoral.
Duas horas depois do fechamento das seções, as primeiras urnas
começaram a ser apuradas, e após vinte por cento das urnas serem
apuradas, dava uma pequena margem a favor do Prefeito. Eram urnas
referentes ao centro da cidade, onde o Prefeito mantinha seu reduto
eleitoral, mas quando começaram a contagem dos votos da periferia e
também da zona rural e já haviam sido apurados setenta por centos dos
votos, o quadro modificou. Letícia aparecia com uma grande quantidade
de votos à frente de seu oponente e à medida que o tempo foi passando,
este número aumentou vertiginosamente, não dando chance de virada
para o atual Prefeito. Por fim, saiu o resultado oficial do Tribunal Regional
Eleitoral e os cem por cento dos votos apurados ficaram assim
distribuídos: sessenta e seis por centos dos votos válidos para Letícia e
trinta e quatro por cento dos votos válidos para o Senhor António. A
apuração contou apenas com dois por cento de votos nulos e um por
cento de votos brancos, mostrando a total responsabilidade do povo de
Lindos Montes. Assim que o resultado oficial foi divulgado, uma alegria
no comitê de Letícia contagiou a cidade toda, que saiu às ruas para
comemorar. Houve carreatas com os carros tocando a buzina e houve
também queima de fogos em várias avenidas e praças da cidade.
A alegria foi geral e Letícia chorou muito com a vitória. Ela estava muito
feliz, pois o povo apostou em um trabalho sério, deixando de lado a
discriminação, a intolerância e o preconceito.
Assim que o tribunal divulgou o resultado, Veneranda ligou para a amiga
para parabenizá-la. Letícia disse a ela:
- Venha para cá e traga a Elza junto, nós vamos comemorar a vitória e
eu queria você junto a mim neste momento.
Veneranda foi então para o comitê do partido juntamente com Elza, como
havia pedido Letícia, e assim que chegou Veneranda foi abraçá-la e deu
um beijo em seu rosto; pegou a mão da amiga e a levantou juntamente
com a sua e as duas fizeram o sinal de vitória com os dedos. Elza trouxe
em suas mãos um bolo que continha as frases “EU JÁ SABIA” e
“PARABÉNS PELA VITÓRIA”. Letícia foi às lágrimas com o carinho que
Elza lhe proporcionou e agradeceu por tudo o que tinha feito.
Uma nova etapa estava para acontecer na cidade. Ela se iniciaria em
primeiro de janeiro do ano seguinte, dia da posse da ex-candidata à
Prefeita, agora Prefeita eleita de Lindos Montes.
166
A cerimônia de transmissão de cargo de Prefeita da cidade de Lindos
Montes foi prestigiada pelo judiciário mineiro e lá estava presente o
presidente do Tribunal de Justiça do estado, desembargador Marco
Aurélio Brás de Souza, e o corregedor-geral da justiça, Desembargador
Jairo Mendes Cunha. A solenidade de transmissão do cargo à nova
Prefeita de Lindos Montes, Letícia Gomes da Silva foi realizada na sede
da Prefeitura no Edifício Monte Rei, e reuniu autoridades civis, militares,
eclesiásticas, políticos, e o público em geral.
O dispositivo de honra foi composto pelo Governador Eurípedes
Cerqueira; pelo bispo da cidade, Dom Ivo Mendes; o vereador Gerson
Lino representou os vereadores da casa, o ex Prefeito António Moraes
de Azevedo e pelo atual vice-prefeito Francisco Norberto.
Eurípedes Cerqueira, António Moraes de Azevedo e Letícia Gomes da
Silva fizeram uso da palavra. O Governador falou em aliança com o
poder municipal para todas as áreas de interesse de Lindos Montes; o
ex-prefeito, António, fez um balanço de sua administração, e Letícia citou
algumas prioridades para a sua administração, tais como: a criação de
creches municipais, serviço público de qualidade, melhoria na saúde e
educação, a criação de guarda civil, e o combate à corrupção, e disse
que todo cidadão tem o direito de receber assistência municipal de
qualidade, além do acesso aos direitos fundamentais.
O partido de Letícia conseguiu vitória expressiva na câmara de
vereadores e dos nove cargos de vereador a que a cidade tem direito,
sete deles ficaram com a situação e apenas dois ficaram com a oposição
e eles eram o Senhor Gerson Lino e o Senhor Dirceu Ramos de Souza,
enquanto que pela situação foram eleitos os vereadores Moacir Fortes,
Roberto Amaral, Rogério Mena, Manoel Dantas, Neuza Moura, dona da
pastelaria do centro da cidade, Jurema de Assis, líder comunitária do
bairro Andorinhas e Fabrício de Oliveira, dentista do bem para pessoas
de baixa renda.
É com essa câmara municipal que Letícia irá administrar a cidade de
Lindos Montes, de 678 km quadrados, situada a 850 metros de altitude
na região sul de Minas Gerais, cidade com vinte e cinco mil habitantes
fixos e uma população flutuante de três mil e quinhentas pessoas, que
em época de colheita reforçava o plantel de trabalhadores. Estes vinham
geralmente do nordeste e do norte de Minas Gerais à procura de
emprego.
Após o término da transmissão de cargo e de toda euforia causada pela
eleição, Letícia foi ao Sítio Três Marias agradecer ao empenho, a
167
dedicação e a toda ajuda dada pelas irmãs, sem a qual ela não teria sido
eleita, e lá chegando foi recepcionada pela irmã mais nova.
- Bom dia, Maria de Lourdes, eu vim aqui agradecer a vocês por tudo que
vocês fizeram por mim.
- Nós não fizemos nada, você fez por merecer, venha vamos entrar a
Maria de Fátima e Maria Aparecida, elas estão na creche. Hoje tem uma
festinha de aniversário de um dos meninos assistidos por nossa creche.
Letícia foi até a creche e cantou parabéns, ajudou na distribuição de
doces e salgadinhos para as crianças, e isso foi muito prazeroso para
Letícia que nunca havia experimentado este tipo de alegria; o convívio
com as crianças trouxe uma nova alegria e paz em seu coração e Maria
Aparecida disse:
- Um dia você poderá adotar uma criança e sua vida estará repleta de
amor e felicidade.
- A senhora leu os meus pensamentos.
- Você gosta de criança, não é?
- Sim, eu sempre quis ter um filho, mas o Valdomiro dizia que era cedo
para termos filhos e sempre adiou estes planos.
- Você poderá tê-los, um filho não é filho apenas porque saiu do ventre,
ele é filho quando o amamos como filho e ele se sentirá como tal.
- A senhora tem razão.
- E a resposta para a próxima pergunta é, você irá fazê-lo.
- Como assim? Eu não entendi.
- Você queria perguntar se você faria uma boa administração.
- Isso mesmo, eu ia perguntar isso.
- Como você saberá que está fazendo uma boa administração, vindo à
rua e vendo nos olhos do povo, eles dirão a você se você está
administrando bem.
- E como saber se estou administrando mal?
- Do mesmo jeito, olhando nos olhos do povo, sempre eles dirão a você
que rumo tomar, se você estiver indo bem; quando você sair às ruas e as
pessoas olharem em seus olhos e sorrirem, um brilho estará nos olhos
da pessoa, mas se você sair às ruas e os olhares forem de reprovação
ou você não vir o brilho nos olhos das pessoas, sua administração
precisa mudar.
- A senhora me ajudará neste novo caminho, e a senhora aceitaria um
cargo na prefeitura?
- Sim e não; para a primeira pergunta, claro que a ajudarei em todas as
suas necessidades, e a segunda é não; minha vida é o sítio, e as
pessoas que vêm a mim com suas aflições, seus medos e suas dúvidas,
168
precisam de minha ajuda; eu não posso desampará-las, existem também
as crianças que dependem de mim quando seus pais estão trabalhando.
- Como devo escolher meus secretários?
- Comece pegando profissional de carreira que sempre trabalhou na
prefeitura e foi crescendo com o trabalho; ele sabe o que a cidade
precisa. Depois precisa procurar pessoas competentes para cada área.
Veja o passado dela, se tiver um passado limpo, este serve para o
trabalho.
- Eu estou pensando no Senhor Maurício Soares, aquele engenheiro
agrimensor que trabalhou na prefeitura junto com o Manuel Dantas e
agora está aposentado, para ocupar a secretaria de obras da cidade.
- Viu só como você sabe quem escolher? Ele é um bom nome, é um
homem integro e conhece a cidade como a palma da mão.
Assim, Letícia e Maria Aparecida ficaram conversando durante todo o
dia, elas estavam pensando em nomes para cada secretaria da cidade.
Letícia não queria indicações dos partidos, ela queria apenas pessoas
com qualidade administrativa. A cidade serviria de modelo para que
outras fizessem a mesma coisa, ou seja, o bem da comunidade, e no fim
da tarde, Letícia despediu-se de Maria Aparecida.
Quando estava voltando para casa, Letícia lembrou-se de uma promessa
que havia feito há tempos atrás e pensou consigo mesma:
- Eu estava esquecendo isto, amanhã mesmo vou resolver.
Quando chegou a casa, Letícia foi recebida na porta por Veneranda.
Letícia a cumprimentou com um beijo tipo selinho e disse:
- Amanhã nós precisamos ir para Poços de Caldas, nós precisamos
resolver algumas coisas por lá.
- Teve algum problema lá na pousada?
- Teve sim, mas é fácil de resolver e eu queria que você fosse comigo.
- Está bem, eu vou sim, mas você pode me adiantar do que se trata?
- É uma documentação que precisa ser atualizada. Desconversou
Letícia.
- Está bem, amanhã cedo nós vamos lá, agora vamos subir para tomar
banho e vamos jantar.
- Está bem, vamos lá.
Letícia e Veneranda subiram para tomar banho e, assim que terminaram,
desceram para jantar. As duas ficaram por ali um tempo conversando
sobre a prefeitura e como seria sua administração, e num determinado
momento, Veneranda disse à Letícia:
- Vamos subir, esta é a última semana da novela e eu não quero perder.
- Vamos, e como está a novela? Faz tempo que não a vejo.
169
As duas subiram e ficaram assistindo a novela e quando terminou, elas
namoraram um pouco e foram dormir afinal elas iriam sair cedo para
Poços de Caldas.
No outro dia, Letícia acordou cedo e chamou Veneranda para irem tomar
café. Veneranda acordou e disse para Letícia ir, porque ela ainda ia
tomar banho antes de descer, e foi o que Letícia fez.
Quando Veneranda desceu, a mesa do café da manhã já estava posta e
as duas tomaram um café reforçado antes da viagem.
A viagem foi rápida e sem nenhum problema, Assim que Letícia e
Veneranda chegaram, elas foram recebidas pela camareira Rosa, que
estava tomando conta do lugar e foi logo avisando:
- Eu não mandei a Priscila embora porque eu estava aguardando você
chegar.
- E porque você quer mandá-la embora? Perguntou Letícia.
- Em primeiro lugar, porque foi ela quem fez a filmagem, e em segundo
porque ela também foi indiciada pela polícia.
- E porque ela foi indiciada pela polícia?
- O Gilberto a delatou para a polícia e disse que era ela que havia feito a
gravação, mas como não foi flagrante e ela não tinha antecedentes
criminais, ela não foi presa, É por isso que eu queria demiti-la, e mais
uma coisa, o Gilberto foi solto graças a um Habeas Corpus feito pelo
advogado de defesa.
- Deixa isso pra lá, não vale a pena usar a vingança para corrigir os
erros. Nós devemos esperar para ver o desempenho dela no trabalho, se
estiver de acordo, não vamos fazer nada, mas se o rendimento cair, aí a
estória é outra.
- Por isso eu não quis fazer nada até o momento, mas se ela tivesse feito
isso comigo, ela não ia passar impune, eu ia demiti-la na mesma hora, e
quanto ao Gilberto, ele teve o que mereceu.
- Mas ele saiu da cadeia praguejando.
- Deixa pra lá, agora vamos ao que interessa. Como estão às coisas aqui
na pousada?
- Estamos no início do ano ano, o pessoal está fazendo reservas para os
meses de janeiro e fevereiro. Inclusive o mês de dezembro foi o melhor
da história com a capacidade máxima vendida, ou seja, cem por cento
dos quartos ocupados, janeiro temos oitenta por cento reservados e
fevereiro já esta com setenta e cinco por cento reservados.
- Isso é um bom sinal de que a economia está voltando aos eixos, e fora
isso, tem algum problema urgente para resolver?
170
- Não, senhora, está tudo correndo bem, a senhora quer ver o livro de
entrada e saída de hóspedes?
- Não precisa ser agora, mais tarde eu vejo isso, você é bastante eficaz,
e eu estou com um pouco de pressa, e vou sair logo.
- E aonde nós vamos? Perguntou Veneranda.
- Logo você verá, vamos indo.
As duas saíram de carro e Letícia levou Veneranda até seu advogado,
Saulo Ramos Moura. Chegando ao escritório de advocacia, Letícia disse:
- Pronto, chegamos, vamos entrar.
- O que você veio fazer no escritório de seu advogado?
- Calma que você vai ver.
- O que você está aprontando?
- Vem comigo.
- Doutor Saulo, bom dia, eu preciso conversar com o Senhor.
- Bom dia, Letícia, que bom vê-la! Em que posso lhe ajudar?
- O Senhor se lembra da Veneranda, não é?
- Sim, é claro, bom dia.
- Bom dia, Senhor Saulo.
- Em que posso ajudá-las?
- Eu quero passar cinqüenta por cento de minha pousada para a minha
sócia, Veneranda.
- Veneranda vai ser sua sócia na pousada?
- Sim, e eu vou passar cinqüenta por cento para ela, o Senhor pode fazer
toda a papelada para mim?
- Letícia, o que você está fazendo?
- Você se lembra de quando eu falei para você, que se a pousada
melhorasse em suas mãos, eu lhe daria sociedade nela? Pois então,
chegou à hora.
- Mas Letícia, você não precisa fazer isso, para mim foi a melhor coisa
que me aconteceu, eu trabalhei, e você me pagou direitinho.
- Promessa é promessa e eu vou cumprir, portando, Doutor Saulo, o
Senhor pode dar entrada nos papéis para mim?
- Claro! Eu só preciso do documento de vocês, e que me assinem estes
papéis, eles são procurações para eu poder dar entrada para vocês.
Letícia e Veneranda assinaram os papéis da procuração dando poderes
ao advogado para mudar o contrato social da empresa.
Elas foram embora e Veneranda agradecia muito por Letícia ter tomado
tal atitude e ela nem esperava por isso.
- Você está feliz? Perguntou Letícia.
- Sim, você não existe.
171
- Se você está feliz, é isso que importa.
As duas voltaram para a pousada a fim de descansarem. Logo na
entrada encontraram Priscila, que tentou passar rapidamente pela
recepção sem ser notada, mas foi em vão.
- Bom dia, Priscila. Disse Letícia.
- Bom dia, desculpe-me, eu não a havia visto. Disse Priscila tentando
disfarçar o constrangimento.
- Tudo bem com você?
- Sim, tudo bem, agora me dá licença que eu vou limpar um quarto de
hóspedes que saíram para passear pela cidade.
- Ok, tudo bem, pode ir.
Priscila saiu rapidamente da recepção e foi ao quarto que precisava de
limpeza. Priscila, arrependida do que havia feito com a patroa, afinal
Letícia nunca havia feito nada de mal para ela, ficou ali no quarto
pensando no que fazer, pois ela já não tinha um bom ambiente para
trabalhar. Resolveu voltar a trabalhar no pequeno restaurante de seu pai.
Priscila voltou à recepção onde Letícia e Veneranda estavam e pediu
para falar em particular com Letícia. As duas foram então para o
escritório da pousada, para conversarem.
- O que você quer me dizer, Priscila?
- Em primeiro lugar, eu queria pedir desculpas pelo que aconteceu, a
Senhora sabe que fui eu quem gravou o filme, não é?
- Sei sim, mas você não precisa pedir desculpas.
- Preciso sim, eu sei que errei, mas não quero que a senhora pense que
eu fiz isso por maldade, não foi, foi imaturidade minha, eu via a felicidade
estampada no rosto de vocês e fiquei com inveja de vocês, e peço que a
senhora me perdoe.
- Você não precisa pedir perdão, você errou como todo mundo erra,
agora é deixar pra lá e seguir sua vida.
- Essa é a segunda coisa que eu quero falar com a senhora, eu quero
pedir demissão do meu cargo.
- Se for por esse motivo, você não precisa fazer isso.
- Eu sei, mas eu fiquei sem ambiente, muitos ficam me olhando
atravessado. Meu pai tem um restaurante e uma garçonete que
trabalhava lá, pediu demissão, então eu queria voltar a trabalhar com ele.
- É isso mesmo o que você quer?
- Sim, se a Senhora puder me dar minha demissão, eu faço uma carta
agora mesmo.
- Vou fazer o seguinte, eu vou mandá-la embora e assim você receba
seu fundo de garantia e todos os direitos trabalhistas.
172
- Não sei como agradecer!
- Você já agradeceu se desculpando, e estamos conversando numa boa.
Se você não quiser mais trabalhar com seu pai, as portas estarão
abertas.
- Obrigada, Dona Letícia, eu realmente não sei como agradecer!
- E nem precisa. Era só o que você queria?
- Sim, eu vou me despedir das pessoas, vou juntar minhas coisas e vou
embora.
- Depois você pode ir à Conta Contabilidade. Procure o Senhor Homero e
ele fará toda a formalização da demissão, lhe dará os papéis para você ir
à Caixa Econômica para dar entrada em seu fundo de garantia, e ele a
levará ao sindicato para a homologação.
- Mais uma vez, muito obrigada.
- Só espere uns três dias para ele somar tudo direitinho, e mais uma
coisa: juízo, hein menina?
- Pode deixar, tchau.
- Tchau.
Assim que Priscila saiu do escritório, foi conversar com os companheiros
de trabalho informando à decisão que havia tomado. Enquanto isso,
Veneranda e Rosa foram ao escritório conversar com Letícia que
informou a decisão tomada.
- Não acredito Letícia! Depois de tudo que ela nos fez, você ainda a
ajuda?
- Se nós pensarmos friamente, ela fez uma grande maldade, mas isso
serviu para nos unirmos, talvez nós ainda estivéssemos escondendo
nosso romance se nada disso estivesse acontecido.
- Só você mesmo para encontrar coisas boas nas maldades.
- Bom, agora me deixe ligar para o Senhor Homero da Conta
Contabilidade, para ele fazer os cálculos a que ela tem direito.
E assim fez Letícia; ligou para o senhor Homero e pediu para ele fazer os
cálculos do que Priscila tinha a receber e pediu para ele levá-la ao
sindicato para a homologação.
173
Capitulo Final
Priscila voltou para casa e começou a trabalhar com seu pai no
restaurante da família. Servia as mesas como garçonete e, para sua
surpresa, no segundo dia de trabalho o Senhor Gilberto apareceu lá para
almoçar, e foi logo dizendo:
- Então é verdade que você saiu da pousada?
- O que você está fazendo aqui? E quem te contou isso?
- Em primeiro lugar, eu vim almoçar, e não interessa quem me contou, e
agora me traz um filé com fritas que eu estou morrendo de fome, a
comida da cadeia não é muito boa.
- Um momento que eu já vou trazer o seu pedido.
- Calma, eu quero fazer mais uma pergunta, a Letícia voltou aqui para a
cidade?
- Porque você quer saber? Você já não fez um monte de coisa errada? E
ela foi muito boa com você e comigo.
- Ela me colocou na cadeia.
- Você se colocou na cadeia quando quis extorqui-la.
- Ela não precisava chamar a polícia, ela pagava o que eu pedia e eu
apagava a mensagem.
- Vamos deixar de conversa fiada, eu estou trabalhando e você deveria
fazer o mesmo.
- Você não respondeu minha pergunta, a Letícia está ou não está na
cidade?
- Ela esteve, mas foi embora. Mentiu Priscila para ver se Gilberto parava
com as perguntas.
- Me traz logo meu filé, eu estou com pressa, você é muito mole.
- Só um minuto, por favor. Disse Priscila e saiu.
Priscila foi até a cozinha, fez o pedido de Gilberto, e pediu rapidez na
confecção do prato quando seu pai a interpelou.
- Por que a pressa? Quem é aquele homem?
- Pai, aquele homem é o Senhor Gilberto, o homem que eu havia falado
para o senhor sobre a gravação.
- E o que ele faz aqui?
- Ele soube que eu havia saído da pousada e veio até aqui para
perguntar sobre a Dona Letícia.
- E o que ele quer com ela?
174
- Não sei como eu vou saber?
- Leve logo a comida para ele e não fique de papo furado, ele me parece
perigoso.
- Ele faz muita coisa errada, mas eu não o acho perigoso.
- Mesmo assim, vai lá e libera-o logo.
Priscila levou o almoço para o Gilberto que disse:
- Você é lerda mesmo, porque demorou tanto para trazer a comida?
Priscila se conteve e disse:
- Eu estava esperando eles fazerem o prato.
Gilberto almoçou rapidamente, parecia que fazia dias que não almoçava
direito e sua fome era voraz.
Quando terminou de almoçar, Gilberto chamou Priscila e perguntou
quanto era o valor da refeição, e para se livrar logo dele, ela disse:
- É por conta da casa.
- Melhor assim, eu não tinha dinheiro para pagar mesmo, eu ia pendurar
a conta, tinha que ser fiado.
- Pode ficar tranqüilo, não precisa pagar, como eu disse, fica por conta
da casa.
Assim que Gilberto saiu, Priscila respirou aliviada e disse ao pai:
- Eu vou até a pousada e vou contar para a Letícia que o Gilberto esteve
aqui perguntando por ela, eu volto rapidinho, pai.
- Está bem, minha filha, veja primeiro se ele não está aqui por perto.
- Pode deixar.
Priscila saiu e foi direto para a pousada, Chegando lá, procurou por
Letícia, mas ela já havia voltado para Lindos Montes, e ela pediu o
número do celular de Letícia para a Rosa, que perguntou o que ela
queria com a ex-patroa. Priscila contou à Rosa o que havia acontecido, e
Rosa ficou aflita dizendo:
- Vou ligar agora mesmo e nós falamos com ela.
- Faça isso, eu não sei o que ele queria com ela, mas a cara dele não
nega que ele ia fazer algo errado, ainda bem que ela não está na cidade.
- Alô, Dona Letícia, é a Rosa, a camareira, eu preciso falar com a
Senhora urgente.
- O que foi Rosa? Aconteceu alguma coisa na pousada?
- Não se trata da pousada, eu estou aqui com a Priscila e ela precisa
falar com a Senhora.
- A Priscila? O que ela quer comigo?
- Eu vou passar o telefone para ela.
- Dona Letícia, é a Priscila, eu tenho uma coisa urgente para falar para a
Senhora.
175
- Pode falar, do que se trata? Deu alguma coisa errada na contabilidade?
- Não tem a ver com a contabilidade, deixe-me explicar, eu estava
trabalhando com meu pai no restaurante quando apareceu por lá o
Senhor Gilberto; ele fingiu que queria almoçar, mas na realidade, ele
queria saber se a Senhora estava na cidade.
- E por que ele queria saber sobre mim?
- Isso ele não falou, ele só me perguntou se a Senhora estava por aqui, e
eu disse que a Senhora não estava na cidade, mesmo sem saber. Dona
Letícia, tome cuidado, depois que ele foi para a cadeia ele ficou pior do
que era.
- Obrigada por me ligar, eu vou tomar cuidado.
- Fique com Deus.
- Você também, Priscila, mais uma vez, obrigada.
Letícia ficou intrigada com a ligação de Priscila e comentou com
Veneranda:
- Veneranda você não vai acreditar quem está me procurando lá em
Poços de Caldas!
- Não faço a mínima idéia.
- O Senhor Gilberto esteve no restaurante do pai da Priscila e perguntou
se eu estava na cidade.
- E por que ele queria saber isso?
- Não sei, mas tem alguma coisa por trás disso, e eu vou fazer o
seguinte: eu vou contratar uma empresa de segurança para aumentar a
segurança da pousada.
- Ele sabe que tem câmeras em todos os lugares, ele não vai aparecer
lá.
- Nunca se sabe, vai que ele manda alguém desligar os aparelhos...
- Você tem razão, todo cuidado é pouco.
- Vou ligar para aquela empresa chamada Escolta VIP, de propriedade
daquele meu amigo do Exército, o Lucas Leite; você conhece, é aquele
que é Major.
- A empresa dele é boa, já me falaram dela e me deram ótimas
recomendações.
- Alô, é da empresa de segurança Escolta Vip?
- Sim, em que posso ajudá-la.
- O Major Lucas Leite está?
- Está sim, quem deseja falar com ele?
- Diga que é a Letícia de Lindos Montes, ele sabe quem eu sou.
- Está bem, vou transferir a ligação.
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- Major, boa tarde, tem uma pessoa na linha querendo falar com o
Senhor e ela disse que o nome dela é Letícia e que o Senhor conhecia.
- Letícia... Ah, já sei, é lá de Lindos Montes.
- Isso mesmo Major, eu posso passar a ligação?
- Pode sim Cabo, eu vou atendê-la.
- Alô, Major Lucas falando.
- Alô, boa tarde Major, aqui quem fala é a Letícia de Lindos Montes, nós
estudamos juntos no colégio.
- Sim, eu me lembro de você, como você está?
- Tirando alguns problemas que me apareceram, pessoalmente tudo
bem.
- E o que posso fazer para ajudá-la?
- Eu tenho uma pousada na cidade de Poços de Caldas e eu queria
colocar dois seguranças dia e noite lá, isso é possível?
- Claro que é possível, vou mandar por e-mail o contrato, você assina e
depois digitaliza e me envia de volta no meu e-mail.
- É fácil assim?
- Você quer um segurança para te acompanhar também?
- Eu não preciso, eu só vou querer duas pessoas para segurança lá na
pousada; eu os quero de terno e não com roupas de segurança, para
não chamar a atenção dos hóspedes.
- Tudo bem, você vai estar lá para recepcionar os seguranças?
- Eu não vou estar lá, mas procure pela Rosa, ela está como gerente de
lá, e eu vou dar todas as informações a ela.
- Ok, o seu e-mail ainda é o mesmo?
- Sim, pode enviar que eu faço o resto.
- Ok, eu estou aguardando, e assim que a papelada retornar, eu envio os
rapazes para lá.
Assim que desligou o telefone, Letícia ligou para Rosa na pousada e
avisou que duas pessoas da empresa de segurança chamada Escolta
Vip iriam lá para fazer a segurança do local. Rosa disse que assim se
sentiria mais segura sem a presença do Gilberto.
À noite, em sua casa, Letícia e Veneranda conversam sobre o Senhor
Gilberto, especulando o que ele queria saber lá na pousada.
- Será que ele queria assaltar? Perguntou Veneranda.
- Acho que não, talvez ele quisesse conversar com alguém, mas como
nós estávamos lá, ele resolveu não ir.
- Espero que seja isso mesmo, vamos dormir.
- Veneranda, hoje eu estou com muito sono, eu estou meio mole.
177
As duas foram dormir e pegaram no sono rapidamente, mais do que
depressa, Letícia caiu em sono profundo e sonhou com Maria Aparecida
que disse a ela para tomar cuidado com as viagens que ela fazia a Poços
de Caldas.
No outro dia pela manhã, Letícia acordou e chamou Veneranda e contou
o sonho pra ela, e ela disse:
- Então vamos devagar para não acontecer nenhum acidente.
- Será que era isso que ela queria dizer?
- Por que você não vai até o sítio e pergunta para Maria Aparecida?
- Boa idéia, eu vou fazer isso mesmo.
Letícia foi até o sítio de Maria Aparecida para conversar com ela, e assim
que chegou, perguntou a ela qual o problema que ela estaria
enfrentando. Maria Aparecida respondeu:
- Eu vi um homem barbudo, estava escuro e ele queria pegar você, por
isso eu pedi para você ter muito cuidado.
- Ainda bem que eu coloquei reforço na segurança da pousada, eu me
sinto mais segura agora.
- Mesmo assim é melhor você não viajar hoje.
- Está bem, eu vou deixar para ir amanhã para Poços de Caldas,
obrigada, Dona Maria Aparecida.
- Vá com Deus, mas não se esqueça de tomar cuidado.
Letícia voltou à tarde para sua casa e foi conversar com Veneranda.
- Veneranda, a Dona Maria pediu para nós não viajarmos hoje para
Poços de Caldas, acho melhor nós não irmos para lá.
- Mas eu queria tanto ir para lá, é mais sossegado, não tem esse monte
de gente olhando para nós, o pessoal parece que não se acostumou.
- Só se a gente for com muito cuidado, e sair bem à noitinha.
- Vamos de madrugada, assim ninguém nos vê sair.
O que elas não sabiam era que Gilberto havia ido para a cidade de
Lindos Montes e fazer campana próxima à casa de Letícia e anotar os
horários em que ela saía sozinha. Ele estava vivendo como um mendigo;
ele deixou a barba crescer e sua aparência mudou muito; passou a pedir
esmolas e comida na região, tudo para ficar próximo de Letícia.
Gilberto ficou vários dias de vigília até conseguir o que ele queria, ele viu
que Letícia ia para a pousada todo fim de semana acompanhada de
Veneranda e lá ficavam e só retornavam no domingo à noite.
Gilberto roubou um carro mediante violência e deixou o dono do carro em
um lugar ermo; além de levar o carro levou também à carteira com
dinheiro. Quando Letícia e Veneranda saíram na sexta feira à noite rumo
a Poços de Caldas, Gilberto as seguiu com o carro roubado, mas
178
Gilberto, na ânsia de roubar o carro, não percebeu que um morador da
região viu a cena e levou o homem para a delegacia de polícia de Lindos
Montes. A queixa de roubo foi feita e o alerta geral foi dado.
O Centro de Operações da Policia Militar passou o alerta a todas as
viaturas da região.
- Atenção, todos os carros, foi roubado um veículo Chevrolet, modelo
Onix na cor prata, placa xxx 1234, informo também que o condutor está
armado e é perigoso.
- Repetindo, veículo Chevrolet, modelo Onix na cor prata, placa xxx
1234, o indivíduo está armado e é perigoso.
Sem saber de nada, Letícia e Veneranda saem de casa depois da meia
noite e pegam a estrada rumo a Poços de Caldas. Elas vão com muito
cuidado, sempre atentas a tudo o que acontece na estrada. Como é
madrugada, tudo está calmo, a estrada não tem nenhum movimento e a
escuridão é total; a única coisa que Letícia enxerga é duas luzes vindo
ao longe. Ela verifica pelo retrovisor de seu carro que elas vêm bem
rápidas e diz à Veneranda:
- Vem vindo um louco atrás de nós, ele vem a toda velocidade!
- Fica mais para o canto e deixa-o passar.
Letícia faz isso, fica bem próxima ao acostamento da estrada para deixar
o carro que vinha atrás passar, mas ele não desvia e dá uma batida na
traseira do carro de Letícia; ela quase perde a direção, mas consegue
voltar para a pista.
- Acelera Letícia, esse cara quer que nós paremos para ele assaltar!
Letícia acelera o carro, mas o carro continua vindo em direção à traseira
de seu carro novamente. Mais uma vez ele dá uma batida na traseira do
carro, mas Letícia havia percebido que ele ia fazer isso novamente e
conseguiu manter a direção. A esta altura, os carros iam a mais de cento
e cinqüenta quilômetros por hora. Gilberto consegue emparelhar seu
carro com o de Letícia, que diz a Veneranda:
- É o Gilberto que esta dirigindo o carro, ele está diferente, mas eu o
reconheci.
- Meu Deus, ele quer nos matar!
Gilberto joga o carro em cima do carro de Letícia e eles batem
lateralmente um contra o outro. Gilberto tenta jogar o carro de Letícia
para fora da estrada, mas ela consegue ficar na pista, e ele furioso tenta
mais uma vez, mas quando ele vai jogar o carro em cima do carro dela,
Maria Aparecida aparece sentada no banco de trás do carro e diz:
- Pisa no freio com tudo.
179
Letícia assim o faz. Seu carro bate na lateral traseira do carro em que
Gilberto estava conduzindo; o carro dele gira em torno de si e vai para o
acostamento e capota, e o carro de Letícia, desgovernado, bate contra a
cerca de uma fazenda, mas ela consegue dominar o carro e para um
pouco mais adiante, e não se ferem muito graças aos air bags.
Ao longe, uma patrulha da Polícia Rodoviária Federal viu todos os lances
da perseguição e foi até o carro de Letícia e perguntou o que havia
acontecido. Letícia contou que vinha pela estrada quando o outro carro
veio por trás e bateu em seu carro, tentando fazê-la parar, ela conseguiu
ver quem dirigia e contou a estória aos policiais.
Eles foram ver como estava à outra vítima da batida e constataram que
ele estava desmaiado dentro do carro. Imediatamente eles chamaram o
corpo de bombeiros para a retirada de Gilberto de dentro do carro.
O Policial achou incrível a manobra que Letícia havia feito e perguntou a
ela o que havia acontecido e ela respondeu.
- Não sei, eu só sei que ouvi uma voz me mandando brecar, e quando eu
vi, já estava batendo na lateral traseira do carro dele, e ele saindo da
pista.
- Sargento, o Senhor me dá licença.
- Pois não, soldado, pode falar.
- O condutor do carro estava armado, tem substância no veículo que
parece ser entorpecente, e também tem queixa de roubo.
- Esse aí vai ter muito que explicar.
Nesse momento, Letícia começa a chorar; ela se lembra de que Maria
Aparecida a fez brecar o carro e a salvou do perigo, Veneranda a
consola e em poucos minutos chegou o carro de bombeiros, fez o
resgate de Gilberto e o Levou para o hospital mais próximo.
Chegando ao hospital, Letícia e Veneranda passam pelo médico que
pede à enfermeira que faça um curativo nas escoriações no braço de
Letícia e nas pernas de Veneranda. O médico vai até a maca onde está o
Senhor Gilberto algemado a ela e verifica que ele tem várias
escoriações; uma das pernas parece quebrada e ele pede para serem
feitos alguns Raios-X. O médico manda colocar soro no paciente
juntamente com analgésico, para aliviar as dores de Gilberto.
Depois de todos os exames e com a constatação da fratura na perna de
Gilberto, nela foi colocada uma tala e a perna foi engessada, e com a
recuperação de Gilberto, ele recebe voz de prisão, ali mesmo na maca.
O delegado leva Letícia e Veneranda para a delegacia para prestarem
declarações e fazer um boletim de ocorrência. Gilberto é preso
novamente, desta vez por assalto à mão armada, tentativa de
180
assassinato, posse de entorpecente, dirigir sob efeito de álcool, posse
ilegal de arma. Após elas serem ouvidas como vítimas, o delegado as
liberou e autuou o Senhor Gilberto pelos crimes cometidos. Letícia e
Veneranda foram para a pousada e lá permaneceram durante o final de
semana, se recuperando do susto.
Letícia ligou para a seguradora e a mesma trouxe um carro reserva até
que o carro dela ficasse pronto do conserto da batida. No domingo à
noite elas voltaram para Lindos Montes. Chegando a casa, as duas estão
exaustas por todos os acontecimentos e a empregada Dona Elza
pergunta a elas:
- Que cara é essa? A senhora até parece que viu um fantasma!
- É mais ou menos isso, Elza.
- O que aconteceu?
Letícia disse à Dona Elza que iria tomar banho e depois ela diria tudo o
que tinha acontecido. Letícia e Veneranda subiram para tomar banho e
enquanto isso, Dona Elza preparou o jantar para elas.
Depois do banho, as duas desceram para cozinha a fim de jantarem.
Dona Elza foi logo perguntando o que havia acontecido e Letícia contou
tudo com detalhes. Elza ficou pasma e não conseguia acreditar, ela disse
que tinha visto o tal mendigo várias vezes na rua, mas aquele fato era
inacreditável.
Depois de jantarem, as duas subiram para o quarto e ficaram ali
conversando por um bom tempo, até que bateu o sono e as duas foram
dormir.
No outro dia pela manhã, Letícia acordou cedo. Era um dia muito
importante para ela, era o dia de empossar seu secretariado e ela já
tinha os nomes muito bem selecionados. Todos eles funcionários de
carreira, sem vínculo com partidos políticos. Para a Secretaria do
Planejamento e Finanças, um economista de carreira na própria
prefeitura; o senhor Nelson Venegas, para a Secretaria de Obras e
Serviços Públicos, foi chamado o Senhor Mauricio Soares, que é
engenheiro agrimensor e já havia trabalhado com o senhor Manuel
Dantas na Prefeitura, e ele mesmo sendo aposentado aceitou o cargo;
para a Secretaria da Educação, do Esporte, Cultura e Lazer, foi chamada
a Diretora da Escola Municipal de Primeiro e Segundo Graus da cidade;
a senhora Elaine Gomes, a Secretaria da Saúde e do Bem Estar Social
foi chamado o cirurgião-chefe do Hospital Municipal, Doutor Sérgio Vieira
de Melo, e, para finalizar, a Secretaria da Agricultura e Meio Ambiente o
chamado foi o engenheiro agrônomo e ambientalista da Prefeitura,
Senhor Vanderlei Couto Prado. Nenhum funcionário chamado para
181
assumir as pastas tinha algum tipo de parentesco com Letícia e nenhum
deles foi por imposição política; todos eles eram merecedores dos
cargos. A cerimônia de posse foi bastante concorrida, todos queriam ver
quem eram os escolhidos e todos saíram satisfeitos com as indicações.
Na parte da tarde não houve expediente na prefeitura por conta da
cerimônia e Letícia foi ao sítio de Maria Aparecida para agradecê-la do
ocorrido. Assim que chegou, Letícia foi repreendida por Maria Aparecida.
- Você desobedeceu ao que eu havia lhe alertado!
- A senhora tem razão, eu vim aqui desculpar-me e também agradecê-la
por ter salvado minha vida, eu não saberia o que fazer naquele momento
e ele ia me tirar da estrada. As conseqüências seriam o meu fim e de
Veneranda, que estava comigo.
- Ainda bem que foi apenas danos materiais e que nada de grave
aconteceu com vocês. Mas agora vamos mudar de assunto, eu gostei
dos nomes que você escolheu para as secretarias, são pessoas de boa
índole, e irão ajudar muito em seu trabalho.
- São pessoas de minha confiança, já conhecia a todos eles e sei que
farão um bom trabalho.
- Venha, vamos tomar um cafezinho.
- Bem que eu estou com vontade mesmo, seu café é maravilhoso!
As duas ficaram ali conversando por um bom tempo sobre diversos
assuntos relativos à cidade, e enquanto isso, na cidade de Muzambinho,
que faz divisa com Lindos Montes, o ex de Letícia está morando com sua
amante. Sandra já está cansada de ver o Senhor Valdomiro deitado no
sofá sem fazer nada e ela da um ultimato nele, ou ele arruma um
emprego ou sai da casa dela. Justamente Valdomiro, que nunca gostou
do trabalho e vivia sob as asas de Letícia, tinha que voltar a trabalhar.
Ele pega as últimas economias que recebeu de propina na Prefeitura e
compra uma barraca de produtos importados e começa a trabalhar como
camelô na praça principal de Muzambinho MG. Os vereadores que
perderam a eleição e não foram eleitos, voltaram a seus antigos
trabalhos; quem tinha comércio, voltou para ele; quem era sitiante, voltou
para o sítio e voltou a comercializar seus produtos.
Rosana se separou do ex-prefeito, António, e passou a morar na
fazenda, transformando-a em hotel fazenda; o Senhor António foi viver
com Juliana em outro município e montou uma loja de materiais de
construção.
Aos poucos, a cidade vai tomando forma. O crescimento é evidente: uma
nova escola municipal foi concluída, duas novas Unidades Básica de
Saúde foi entregue à população, foi criada a Guarda Municipal da cidade,
182
foi ampliada a creche municipal e o hospital ganhou uma reforma em
toda sua estrutura, transformando-o em hospital modelo, e novos
médicos foram contratatos pela prefeitura para o posto de saúde e
também como médicos de família atendendo pessoas carentes e com
dificuldades de locomoção em suas residências.
A população andava de bem com a vida, a cidade era próspera e muitos
empregos estavam sendo criados, aumentando a arrecadação do
município.
O povo da cidade já não olhava para Letícia e Veneranda com olhares
atravessados; eles já as respeitavam como um casal normal, e numa
cerimônia patrocinada pela Prefeitura, mas bancada com o próprio
dinheiro de Letícia, foi realizado um casamento coletivo para pessoas de
baixa renda que não podiam pagar a papelada. Pessoas que já moravam
juntas há muitos anos, mas não eram casadas, aproveitaram a ocasião
para oficializar a união, e nesta mesma cerimônia, Letícia e Veneranda
aproveitaram para se casarem, convertendo em casamento a união
estável homoafetiva.
Letícia passou a cuidar exclusivamente da Prefeitura e Veneranda
tomava conta da pousada em Poços de Caldas e todos os fins de
semana ficavam juntas na pousada, que era o seu ninho de amor.
E como era de se esperar, Letícia foi reeleita com esmagadora vantagem
de votos sobre seu adversário. Enfim, a cidade mostrou ao país que é
possível fazer política sem conchavos, sem falcatruas, e acima de tudo,
sem corrupção.
E no sítio Três Marias tudo voltou ao normal. Maria Aparecida, Maria de
Fátima e Maria de Lourdes voltaram às suas atividades como lavradoras
e continuaram a benzer a todos que as procuravam.
Maria Aparecida voltou a aparecer nos sonhos de Letícia, mas
diferentemente das outras vezes, foi para orientá-la e para chamá-la para
o delicioso café.
FIM