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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA Faculdade de Educação Programa de Pós-Graduação em Educação CÉLIO ALVES ESPÍNDOLA DESENCONTROS ENTRE TEORIAS E PROPOSTAS DE ALFABETIZAÇÃO DE ADULTOS NA PERSPECTIVA DA PESSOA ANALFABETA Salvador 2008

Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

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Texto bacana sobre analfatetismo

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Page 1: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

Faculdade de Educação

Programa de Pós-Graduação em Educação

CÉLIO ALVES ESPÍNDOLA

DESENCONTROS ENTRE TEORIAS E PROPOSTAS DE

ALFABETIZAÇÃO DE ADULTOS NA PERSPECTIVA

DA PESSOA ANALFABETA

Salvador

2008

Page 2: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

CÉLIO ALVES ESPÍNDOLA

DESENCONTROS ENTRE TEORIAS E PROPOSTAS DE

ALFABETIZAÇÃO DE ADULTOS NA PERSPECTIVA

DA PESSOA ANALFABETA

Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em

Educação, Universidade Federal da Bahia, como requisito

parcial para obtenção do grau de Doutor em Educação.

Orientadora: Profa. Dra. Celma Borges Gomes

Salvador

2008

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374

E77d Espíndola, Célio Alves

Desencontros entre Teorias e Propostas de

Alfabetização de Adultos na Perspectiva da Pessoa

Analfabeta / Célio Alves Espíndola ; orientado por

Celma Borges Gomes. - - Salvador : UFBA, 2008.

267 p.

Tese apresentada à Faculdade de Educação da

Universidade Federal da Bahia ao Programa de Pós-

Graduação em Educação para obtenção do título de

Doutor em Educação.

1. Educação de jovens e adultos. 2. Educação do

campo 3. Movimentos sociais. 4. Analfabetismo. I.

Gomes, Celma Borges, orient. II. Título.

Catalogação na fonte

Bibliotecária Responsável: Nilcéia Aparecida Conceição Santos Campos – CRB5 1378

Page 4: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

TERMO DE APROVAÇÃO

CÉLIO ALVES ESPÍNDOLA

DESENCONTROS ENTRE TEORIAS E PROPOSTAS DE

ALFABETIZAÇÃO DE ADULTOS NA PERSPECTIVA

DA PESSOA ANALFABETA

Tese aprovada como requisito parcial para obtenção do grau de

Doutor em Educação, Área de Concentração: Educação, Sociedade e Práxis Pedagógica,

Universidade Federal da Bahia, pela seguinte banca examinadora:

Celma Borges Gomes – Orientadora________________________________________ Doutora em Sociologia, Université de Paris III, FR

Universidade Federal da Bahia

Lílian Maria Paes de Carvalho Ramos________________________________________ Doutora em Educação, Universidade Estadual de Campinas, UNICAMP

Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro

Eduardo José Fernandes Nunes _____________________________________________ Doutor em Análise Geográfica Regional, Universidade de Barcelona, ES

Universidade do Estado da Bahia

Sara Martha Dick________________________________________________________ Doutora em Educação, Universidade Federal da Bahia, UFBA

Universidade Federal da Bahia

Vera Rudge Werneck_____________________________________________________ Doutora em Filosofia, Universidade Gama Filho, UGF

Universidade Católica de Petrópolis

Ludmila Oliveira Holanda Cavalcanti________________________________________ Doutora em Educação, Universidade Federal da Bahia, UFBA

Universidade Estadual de Feira de Santana

Salvador, 29 de agosto de 2008.

Page 5: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

A

Paulo, in memoriam, e Maria das Dores, meus pais por terem me ensinado a viver.

Mauro Junior, por estar sempre ao meu lado.

Page 6: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

AGRADECIMENTOS

A Deus, por tudo;

Ao Centro Federal de Educação Tecnológica da Bahia (CEFET-BA) – Unidades de

Salvador e Eunápolis – pela liberação das atividades acadêmicas e total apoio a esta

pesquisa;

À Professora Celma Borges Gomes, pela orientação, carinho, amizade, competência e

paciência;

Aos professores Eduardo Nunes, Lílian Ramos, Vera Werneck, Sara Dick, Ludmila

Holanda, pelas observações e contribuições ao trabalho;

À Nilcéia Conceição, bibliotecária do Centro Federal de Educação Tecnológica da

Bahia – Unidade de Ensino de Eunápolis, pela elaboração da Ficha Catalográfica.

Aos colegas de turma, funcionários e professores do Programa de Pós-Graduação em

Educação da UFBA;

Aos especialistas e assentados entrevistados nesta pesquisa, pela disposição, atenção,

respeito e carinho;

Aos homens e mulheres moradores do campo, especificamente aos dos Projetos de

Assentamentos de Reforma Agrária de Eunápolis e região.

Page 7: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

Conhecer e transformar as realidades são

exigências recíprocas.

Paulo Freire

Page 8: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

Resumo

O cenário da educação brasileira tem passado por inúmeras tentativas de

mudanças e, no que tange às políticas sócio-educacionais voltadas para a Educaçao de

Adultos do Campo, pode-se somar mais fracassos do que sucssos. Esta pesquisa tem

como objeto a relação entre Programas de Alfabetização de Adultos e alfabetizandos,

tendo como sujeitos os(as) assentados(as) de Projetos de Assentamentos de Reforma

Agrária no Estado da Bahia. Tem como objetivo esclarecer qual(is) o(s) verdadeiro(s)

motivo(s)/razão(ões) de esses cidadãos ainda permanecerem na condição de analfabetos

ou na condição de analfabetos funcionais. Buscaram-se referências teóricas pautadas em

Paulo Freire e na alfabetização com letramento. Delimitada como Estudo de Caso,

utilizou-se das metodologias de pesquisa documental bibliográfica, história oral de vida,

tendo como instrumentos de coleta de dados e informações, questionários e entrevistas

semi-estruturadas, os quais foram analisados com base na teoria da Análise de

Conteúdo. Concluiu-se que a relação que existiu entre os programas e os assentados

entrevistados, caracterizada como o problema desta pesquisa, pode ser considerado uma

relação pautada no distanciamento, no desrespeito as especificidades e necessidades dos

sujeitos analfabetos e, ainda, como uma relação de pouco interesse pedagógico, porém

essencialmente de cunho político-partidário e financeiro por parte dos programas

implantados.

Descritores: Educação de Jovens e Adultos; Educação do Campo; Movimentos

Sociais; Analfabetismo.

Page 9: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

Abstract

The scenario of Brazilian education has gone through many recent changes with

regard to social-educational policies aimed for Adult Education in the countryside has

met more failures than successes. This study research aims at establishing the relation

between Adult Literacy Programs and its students. Its subjects are the settlers linked to

the Fight for the Land Movement, located at the far south of the state of Bahia. Its goal

is to clarify what are the reasons why these people still remain illiterate or functionally

illiterate in spite of attending the aforementioned programs. The main theoretical

references are based on Paulo Freire’s works on adult literacy. This is a Case Study,

using the methods of Documentary and bibliographic, Oral Life History, as tools for

data collection and information questionnaires. The data was analyzed based on the

theory of Content Analysis. We concluded that the relationship between programs and

the settlers we interviewed, can be considered a relationship based on distance, and

disregard for the specific needs of the subjects, and as a ratio of little educational

interest. We consider this relationship essentially political and financial on the part of

the persons responsible for the programs implemented.

Page 10: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

SUMÁRIO

Lista de Tabelas

Lista de Abreviaturas e Siglas

1.0 INTRODUÇÃO 01

2.0 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA PARA ANÁLISE DOS DADOS E

INFORMAÇÕES

08

2.1. Concepção Teórica de Alfabetização de Adultos de Paulo Freire 12

2.1.1 O Conceito de Alfabetização de Adultos de Paulo Freire 13

2.1.2 A Caracterização dos Sujeitos no Processo de Alfabetização de

Adultos de Paulo Freire

16

2.1.3 Os Limites e Possibilidades da Prática de Alfabetização de Adultos

de Paulo Freire

20

2.2. Concepção Teórica de Alfabetização e Letramento: Ressignificação da

Alfabetização de Adultos

22

2.2.1 Conceito de Alfabetização e Letramento 23

2.2.2 Caracterização dos Sujeitos no Processo de Alfabetização e

Letramento

26

2.2.3 Os Limites e Possibilidades da Prática de Alfabetização e

Letramento

27

3.0 DESENVOLVIMENTO DO ESTUDO 31

3.1. O Problema da Pesquisa 31

3.2. Etapas da Pesquisa 39

3.3 Procedimentos Metodológicos 43

3.3.1 Desvendando o Campo Empírico 43

3.3.2 Caracterização dos Sujeitos em A1 e A2 48

3.3.3 Fontes de Investigação e Referenciais Metodológicos de Coleta de

Dados e Informações

52

3.3.3.1 Pesquisa Bibliográfica Educacional Especializada 53

3.3.3.2 Pesquisa Documental para Análise dos Programas 53

3.4 Instrumentos Utilizados na Pesquisa de Campo 55

3.4.1 Organizando o Campo Empírico 55

Page 11: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

3.4.2 História de Vida como Instrumento de Coleta de Dados e

Informações

57

3.4.3 Entrevistas Semi-Estruturadas com Especialistas 58

3.4.4 Análise da Conversação 59

3.5 Referencial Teórico-Metodológico para Tratamento dos Dados e

Informações

63

3.5.1 História Oral de Vida como Referencial de Análise 63

3.5.2 Análise do Conteúdo 65

4.0 ANTECEDENTES HISTÓRICOS: uma breve retrospectiva da

alfabetização de adultos

69

4.1 A Evangelização: Alfabetização de Adultos no Brasil Colônia 71

4.2 Alfabetização de Adultos por Capelães e Sinhazinhas: o Império 74

4.3 Reflexos da Revolução Industrial na Alfabetização de Adultos no Brasil 77

4.4 A Vergonha Nacional: Analfabetismo, República e a Constituição de 1891 80

4.5 Período Vargas: Redirecionamento da Educação no Brasil 85

4.6 A Redemocratização do Brasil 91

4.7 Novos Paradigmas para a Alfabetização de Adultos 96

4.8 Os Movimentos Populares de Educação, o MEB e Paulo Freire 101

4.9 O Regime Militar 110

4.10 Abertura para a Nova República e os fatores relevantes na construção de

uma sociedade

114

5.0 CONSIDERAÇÕES ACERCA DOS ANTECEDENTES

HISTÓRICOS

130

6.0 NOVOS MOVIMENTOS SOCIAIS E A ALFABETIZAÇÃO DE

ADULTOS NA CONTEMPORANEIDADE

134

6.1 Os Movimentos Sociais 134

6.2 Os Velhos Movimentos Sociais 135

6.3 Os Novos Movimentos Sociais 138

6.4 Propostas dos Novos Movimentos Sociais para a Educação do Campo 147

7.0 DESENCONTROS ENTRE TEORIAS E PROPOSTAS DE

ALFABETIZAÇÃO NA PESPECTIVA DA PESSOA ANALFABETA

156

8.0 CONCLUSÕES 229

9.0 SUGESTÕES PARA A ELABORAÇÃO DE PROPOSTAS DE

ALFABETIZAÇÃO DE ADULTOS

248

10.0 REFERÊNCIAS 250

ANEXOS 256

Page 12: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

Anexo 1 – Modelo de Entrevista Semi-Estruturada realizada com Especialistas 257

Anexo 2 – Modelo dos Roteiros de História Oral de Vida dos Assentados 259

Anexo 3 – Modelo de Autorização 262

Anexo 4 – Modelo de Termo de Compromisso 264

Anexo 5 – Modelo de Transcrição de Análise da Conversação 266

Page 13: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

LISTA DE TABELAS

TABELA 1 – Município de origem dos assentados por assentado pesquisado 46

TABELA 2 – Informações iniciais dos assentados pesquisados 47

TABELA 3 – Eficácia do Pronera nos assentamentos pesquisados 51

TABELA 4 – Número de assentados, por assentamento, que tiveram suas

histórias de vida reconstruídas

52

TABELA 5 - Conceitos de analfabeto e alfabetização e ações educativas em

diferentes momentos da história da educação brasileira

133

Page 14: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

CEAA – Campanha de Educação de Adolescentes e Adultos

CEB – Câmara de Educação Básica

CEDRS – Conselhos Estaduais de Desenvolvimento Rural Sustentável

CEFET/BA – Centro Federal de Educação Tecnológica da Bahia

CETA – Coordenação Estadual de Trabalhadores Assentados e Acampados

CNDRS – Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável

CNE – Conselho Nacional de Educação

CNEA – Campanha Nacional de Erradicação do Analfabetismo

CNER – Campanha Nacional de Educação Rural

CPT – Comissão Pastoral da Terra

CRUB – Conselho de Reitores das Universidades Brasileiras

EJA – Educação de Jovens e Adultos

ENERA – Encontro Nacional das Educadoras e Educadores de Reforma Agrária

FATRES – Fundação de Apoio aos Trabalhadores Rurais da Região do Sisal

FETAG – Federação dos Trabalhadores na Agricultura

FUNDIFRAN – Fundação de Desenvolvimento Integrado do São Francisco

IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

INCRA – Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária

INEP – Instituto Nacional de Educação e Pesquisa

MDA – Ministério do Desenvolvimento Agrário

MEB – Movimento de Educação de Base

MEC – Ministério de Educação e Desporto

Page 15: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

MEPF – Ministério Extraordinário de Política Fundiária

MLT – Movimento de Luta pela Terra

MOBRAL – Movimento Brasileiro de Alfabetização

MST – Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra

NMS – Novos Movimentos Sociais

PAS – Programa de Alfabetização Solidária

PNA – Plano Nacional de Alfabetização

PNE – Plano Nacional de Educação

PNERA – Pesquisa Nacional da Educação na Reforma Agrária

PROEX – Pró-Reitoria de Extensão

PRONERA – Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária

SEC – Secretaria de Educação do Estado da Bahia

UESB – Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia

UFBA – Universidade Federal da Bahia

UnB – Universidade de Brasília

UNEB – Universidade do Estado da Bahia

UNESCO – Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura.

UNICEF – Fundo das Nações Unidas para a Infância

Page 16: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

1.0 Introdução

Sou professor de Língua Portuguesa no Centro Federal de Educação

Tecnológica da Bahia – CEFET/BA, mais precisamente no Extremo Sul da Bahia, região

da Costa do Descobrimento. Tenho participado ativamente como professor capacitador de

monitores-alfabetizadores de assentados, nos assentamentos ligados ao Movimento de

Luta pela Terra (MLT), na região, como parte integrante do “Projeto de Educação e

Capacitação de Jovens e Adultos em Áreas de Reforma Agrária”, proposto pela

Universidade do Estado da Bahia – UNEB – para o Programa Nacional de Educação na

Reforma Agrária - PRONERA.

Nossas vidas só adquirem verdadeiro sentido quando somos capazes de

acreditar numa utopia concreta, a qual nos garanta o desejo de poder seguir adiante na

caminhada. Certamente, a vida se fará significativa quando nela embutirmos o sentido da

crença em uma sociedade mais justa, humana e democrática. Por isso, imbuído de muito

idealismo, porém consciente para ler as entrelinhas das conjunturas e tendências sócio-

econômica-cultural-ideológicas de uma época, tenho a certeza de não haver esgotado,

ainda, a possibilidade de uma proposta de educação que realmente seja voltada para os

interesses daqueles que mais clamam por maiores e melhores oportunidades, e que a

mesma não ignore as forças contrárias existentes.

Sustentado por essa crença na possibilidade de mudança, entendi que, como

professor orientador, somente poderia elaborar algo significativo para os monitores do

PRONERA e, conseqüentemente, para os assentados/alfabetizandos, se me dispusesse a

conhecer as suas peculiaridades, suas realidades e algumas de suas maiores necessidades

educativas.

Page 17: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

2

Pensando assim, optei, inicialmente, por realizar algumas visitas aos

assentamentos da região. Nessa minha experiência, em entrevistas diagnósticas como

professor/orientador, pude perceber que muitos dos assentados analfabetos passavam

algumas informações que poderiam esclarecer os motivos/razões que os mantiveram ainda

na condição de analfabetos. Isso foi possível quando os solicitei que dissessem um pouco

sobre suas “experiências com os estudos”, ao longo de suas vidas.

Os breves relatos de suas histórias de vida, ainda que de maneira informal e

superficial, possibilitaram-me inferências, as quais resultaram na formulação de questões

acerca das experiências educativas vivenciadas por eles.

Esses questionamentos possibilitaram-me uma aproximação com as

realidades desses assentados, cujo objetivo era, inicialmente, atender minhas curiosidades.

Para isso, foi necessário criar instrumentos para compilar dados e informações acerca das

experiências de vida daquelas pessoas em relação à educação, o que resultou em subsídios

importantes na elaboração um projeto maior de pesquisa. Esses dados e informações, agora

melhor elaborados, estão apresentados no item 2.3.1 – Desvendando o Campo Empírico, o

qual constitui parte da Metodologia desta Tese.

A partir dessa primeira aproximação, foram realizadas inúmeras reflexões

acerca do tema, dentre elas a de que os Programas de Alfabetização de Adultos já

implantados no Brasil pautaram-se em interesses que diferem daqueles voltados para a

minimização das necessidades sociais e econômicas que circunstanciam a vida dos

analfabetos. Portanto, as necessidades sócio-econômicas desses analfabetos não se

constituíram como norteadoras na elaboração das propostas de alfabetização de adultos, o

que considero ser um fator de grande importância durante o processo de apropriação da

escrita e leitura, principalmente na idade adulta.

Assim, acredito que as propostas de alfabetização de adultos já implantadas

no Brasil devam ser investigadas e relacionadas com os diferentes momentos e cenários

porque perpassaram a história da educação popular no Brasil, a fim de que se possa

buscar um melhor entendimento das relações que existiram entre essas propostas e os

alfabetizandos em questão.

Page 18: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

3

Para tanto, na elaboração do projeto dessa tese definiu-se que o objetivo

principal dessa pesquisa é perceber e compreender o motivo/razão de essas pessoas não

terem sido alfabetizadas, embora tenham sido implantados diversos programas de

alfabetização ao longo de suas vidas.

A partir do objetivo definido, constituiu-se como objeto dessa pesquisa a

relação que existiu entre os Programas de Alfabetização implantados no Brasil e os

analfabetos/assentados.

Entendeu-se, no entanto, a necessidade de optar por uma metodologia que

possibilitasse correlacionar as histórias de vidas dos analfabetos/assentados do Movimento

de Luta pela Terra - MLT - no Extremo Sul da Bahia - com os principais Programas de

Alfabetização implantados no País.

Partindo da história oral de vida dos analfabetos/assentados como principal

elemento norteador no momento da seleção, os Programas, Projetos e Campanhas de

Alfabetização que foram escolhidos para serem analisados nesta pesquisa, são: a

Campanha de Educação de Adolescentes e Adultos (CEAA) implementada nos anos de

1940 a 1963; a Campanha Nacional de Educação Rural (CNER) implementada em 1949; a

Campanha Nacional de Erradicação do Analfabetismo (CNEA) de 1958; o Movimento de

Educação de Base (MEB) de 1961; Plano Nacional de Educação, que inclui a Mobilização

Nacional contra o Analfabetismo e o Programa Emergencial, ambos instituídos pela LDB

de 1961; Centros Populares de Cultura, motivados pela União Nacional dos Estudantes, de

1963 e 1964; o Movimento Brasileiro de Alfabetização ( MOBRAL) de 1967 a 1985; o

Programa Alfabetização Solidária, de 1996 e o Programa Nacional de Educação na

Reforma Agrária (PRONERA), de 19981.

Esses Programas, cujas diretrizes, objetivos e propostas metodológicas

constituíram o fio condutor para uma revisão de literatura e análise nesta pesquisa, foram

1 Optou-se por dedicar este estudo aos Programas, Projetos e Campanhas implantados até PRONERA, uma

vez que o mesmo constitui-se como um marco inicial da Educação do Campo no Brasil, embora tenha-se

conhecimento outras propostas e políticas de educação do campo mais atuais. Acredita-se que uma maior

dedicação aos estudos dessas novas propostas, formuladas após a implantação do Pronera consista em um

outro objeto de investigação.

Page 19: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

4

criteriosamente selecionados, primeiramente porque foram implantados no período que

compreende a década de 1940 até 1998, com a implantação do Pronera, uma vez que este

período compreende a faixa etária dos sujeitos estudados por essa pesquisa e que, no

entanto, deveriam ter sido freqüentados por eles ou por seus familiares. Portanto,

esperava-se que os tivessem atendido em suas expectativas.

É intenção, portanto, que os relatos de vida desses sujeitos, numa análise

mais detalhada, descortinem ações que possam vir a ser consideradas inadequadas,

possibilitando um melhor entendimento dos fracassos daqueles Programas e, com isso, se

deslumbre uma nova possibilidade para maior acerto nas processos de alfabetização de

adultos futuros.

Portanto, o que se pretende nessa pesquisa em relação aos programas é

analisar:

1 – o momento histórico-político em que os mesmos foram implantados;

2 – os objetivos propostos;

3 – o público alvo que cada um deles pretendia atender;

4 – qualificação exigida para os docentes;

5 – os recursos didáticos disponibilizados;

6 – garantias de acesso e de permanência.

No contexto dessa pesquisa, essas categorias para análise, referentes aos

programas de alfabetização, foram analisadas a partir dos referenciais teóricos eleitos a

partir da consideração de suas concepções de analfabetos e de alfabetização e de suas

propostas para a alfabetização de adultos. Os resultados da pesquisa acerca dos

referenciais teóricos foram relacionados às histórias de vida dos analfabetos/assentados

dos assentamentos, no sentido de dar ouvidos às vozes dos alunos envolvidos nos

programas, o que revelou um novo olhar para o motivo/razão de esses indivíduos ainda

permanecerem na condição de analfabetos ou de eles terem se tornado analfabetos

funcionais2.

Page 20: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

5

Para que o objetivo proposto por essa pesquisa fosse alcançado, tornou-se

necessário conhecer as propostas dos Programas de Alfabetização, assim como as

condições e os períodos em que eles foram implantados; além das condições em que

viviam os sujeitos analfabetos naquele momento.

Assim, a partir do conhecimento dessas realidades, pode-se promover uma

análise das características próprias de cada programa, assim como dos sujeitos analfabetos

envolvidos, as intenções e as perspectivas desses sujeitos mediante esses programas. Desta

forma, percebeu-se que os interesses dos Programas de Alfabetização de Adultos sempre

divergiram dos interesses dos alunos, o que certamente contribuiu para o fracasso de

grande parte de suas ações..

Essa pesquisa tem como um de seus objetivos específicos verificar quais as

contribuições do Movimento Social do Campo, no qual então envolvidos, para que, agora,

estes cidadãos estejam buscando a alfabetização. E, ainda, se a permanência desses

assentados no Programa de Alfabetização proposto pela UNEB ao PRONERA se deve ao

fato deles estarem envolvidos com o Movimento de Luta pela Terra (MLT) ou apenas ao

desejo pessoal da busca do conhecimento das letras.

Faz-se importante ressaltar que se procurou compreender em que sentido

foram cometidos “erros” na condução dos programas ou projetos, enfatizando que tanto

foram aceitas para discussão as interpretações dos próprios analfabetos/assentados, como

elas próprias foram analisadas à luz das interpretações feitas por pesquisadores do tema.

Considera-se extremamente importante informar que a proposta desta

pesquisa, certamente, não é refazer toda a riquíssima história da Educação Popular, ou da

2 Faz-se extremamente importante esclarecer que tomamos, para os fins dessa investigação, a definição de

“analfabeto funcional” como um estado ou condição de um sujeito “alfabetizado”. Portanto, aquela pessoa

que apenas conhece algumas técnicas iniciais de ler e escrever para reproduzir e, assim, servir aos interesses

de outros. Numa análise mais complexa do estado desse sujeito, pode-se dizer que o Analfabeto Funcional

permanece ainda na condição de analfabeto, uma vez que “não pode exercer em toda a sua plenitude os

seus direitos de cidadão” e “seu estado de alfabetizado não alterou seu estado ou condição social, psíquica,

cultural, cognitiva, lingüística e até econômica” (SOARES,2003:20) ou não o levou a “organizar

reflexivamente seu pensamento, a desenvolver a consciência crítica, a introduzi-lo num processo real de

consciência de democratização da cultura e de libertação”. (FREIRE,1980,p.87).

Page 21: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

6

Educação de Jovens e Adultos ou dos Movimentos de Educação de Adultos no Brasil,

mesmo porque se carecia de tempo para trabalhar tantas informações. Acredita-se que

qualquer tentativa nesse sentido correria sério risco de caminhar para o fracasso, visto que

a educação de jovens e adultos se dá em diferentes níveis do conhecimento e compreende

uma acepção vasta, estendendo-se por todas as áreas sociais.

No entanto, essa pesquisa está organizada sob a forma de Estudo de Caso,

desenvolvido numa perspectiva de investigação de cunho qualitativo. Inicialmente, foi

realizada nos assentamentos A1, no município de Eunápolis e A2, no município de Porto

Seguro, uma breve pesquisa, a qual se denominou de “aproximação com campo empírico”,

a fim de que se coletasse maiores informações acerca do problema a ser investigado.

Nessa etapa da pesquisa percebeu-se que os sujeitos assentados envolvidos

são oriundos de municípios do próprio Estado da Bahia, de Minas Gerais e de Pernambuco.

Este último, apenas uma família. A grande maioria dos assentados investigados passou o

período da infância e juventude como trabalhadores rurais em fazendas da região. Muitos

migraram de fazenda em fazenda até ingressarem no Movimento de Luta pela Terra

(MLT), para, depois de assentados, fixarem residência.

A partir dessa primeira investigação, optou-se pela realização de uma

pesquisa bibliográfica educacional especializada, na qual pretendeu reconstruir a trajetória

da educação de jovens e adultos no Brasil, visando obter informações que pudessem

contribuir com as análises realizadas nessa pesquisa.

Paralela à pesquisa bibliográfica, realizou-se uma pesquisa documental

voltada para os principais programas de alfabetização de adultos implantados no País.

Assim, pôde-se perceber as diretrizes que nortearam as ações desses programas, tornando

possível uma comparação entre o que se previa nos documentos – intenções – e o que

realmente foi realizado – realidade, e de que forma..

Num segundo momento, foi realizada uma pesquisa de campo envolvendo

duas categorias de atores envolvidos, ou que estiveram envolvidos, nas ações desses

Page 22: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

7

programas: os assentados analfabetos que participaram ou que deveriam ter participado

desses programas e os especialistas que atuaram nas ações desenvolvidas.

Para a realização dessa pesquisa de campo, envolvendo os assentados

analfabetos foram empregadas as metodologias da História Oral de Vida, utilizando-se de

entrevistas semi-estruturadas e grupos focais. Para coleta de informações junto aos

especialistas, foram realizadas apenas entrevistas semi-estruturadas. As informações

coletadas foram analisadas utilizando-se da própria História Oral de Vida como referencial

de análise, além da Análise de Conteúdo.

A coleta das informações nesta pesquisa de campo foi possível por meio da

gravação das falas dos participantes, as foram selecionadas e transcritas para a realização

das análises. Essa investigação concluiu que os Programas de Alfabetização implantados

não apresentaram ações que tinham como finalidade principal o atendimento ao sujeito

analfabeto, uma vez que não se percebe uma preocupação em minimizar os principais

problemas e dificuldades que sempre se constituíram como obstáculos encontrados por

essas pessoas na busca pela alfabetização. Assim, entende-se que para fazer educação de

jovens e de adultos seja necessário levar em conta o sujeito adulto a quem se destina essa

educação, seu modo e condições de vida, linguagem utilizada, desejos, anseios de

mudanças, expectativas e sonhos.

Faz importante informar que esta pesquisa, portanto, tem um

direcionamento definido, pois está integrada às demais investigações em desenvolvimento

no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal da Bahia, sob a

orientação da Profª. Drª. Celma Borges Gomes, na Linha de Pesquisa “Políticas e Gestão

da Educação”, que compõe o Programa. Esta Linha de Pesquisa contempla estudos e

pesquisas que “investigam os processos da gestão da educação presencial, aberta,

continuada e a distância, bem como questões relativas às políticas públicas da educação,

planejamento, descentralização e municipalização do ensino, autonomia, avaliação e

financiamento. Investiga ainda a escola em seus aspectos institucionais e organizacionais e

a articulação entre a educação e os movimentos sociais”.

Page 23: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

8

2.0 Fundamentação Teórica para Análise dos Dados e Informações

Desde o período colonial até a década de 50, a alfabetização de adultos foi

considerada como um processo de aquisição de um sistema de código alfabético. Esse

processo se dava meramente a partir da aquisição de uma técnica de decodificação oral e

escrita e, tinha a pretensão apenas de instrumentalizar as pessoas codificar e decodificar as

letras, no sentido de se efetivar a relação de leitura e escrita. As experiências desse período

não surgem nem provocam formulações teórico-metodológicas que possibilitem mudanças

nas formas de conceber e desenvolver a alfabetização e muito menos nas formas de

conceber os analfabetos e os alfabetizadores. As práticas de alfabetização de adultos

constituíam-se numa reprodução das práticas desenvolvidas na alfabetização das crianças.

Somente a partir do final da década de 50, no século XX, a concepção de

processo de alfabetização e a educação de adultos passaram a contar com idéias e reflexões

que vieram a romper com os paradigmas já estabelecidos até então. Estas idéias vieram de

Freire , que defendia que a alfabetização deve ser sempre “um ato político e um ato de

conhecimento, por isso mesmo como um ato criador” (FREIRE, 1982, p.21).

Algumas reflexões sobre a Alfabetização partem do princípio de que todos

aprendem e que o processo de ensino aprendizagem parte da construção coletiva, que se

constitui em espaço para reflexão envolvendo todos os agentes das práticas educativas,

principalmente educandos e educadores.

A educação de Jovens e Adultos deve ser vista como educação permanente

cujos princípios pedagógicos são: identidade, diversidade, autonomia, interdisciplinaridade

e contextualização. A concepção de sujeito adulto consiste na apropriação de seu ser como

sujeito reflexivo, expressivo e transformador, tendo em vista uma concepção

epistemológica interacionista do conhecimento; o currículo deve ser proposto com base em

Page 24: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

9

uma ação dialógica, que, por sua vez implica em um processo dialético de reflexão-ação-

reflexão; a inserção crítica na realidade; a problematização.

No período que compreende a década de 80, do século passado, novas

possibilidades de entendimento acerca das concepções de alfabetização de adultos são

anunciadas, dentre elas as contribuições da Psicogênese da Língua Escrita de Emilia

Ferreiro (FERREIRO, 1985) e da teoria Histórico-Cultural, principalmente as idéias de

Vygotsky.

Essas concepções têm como objetivo estudar os elementos constitutivos que

interferem na aquisição da língua escrita, partindo do pressuposto de que esta

aprendizagem envolve um processo de construção pessoal por parte do alfabetizando, mas

que esse processo individual está intimamente relacionado com os contextos e realidades

em que este processo se dá.

“A aprendizagem da leitura, entendida como o questionamento a respeito

da natureza, função e valor desse objeto cultural que é a escrita, inicia-se

muito antes do que a escola o imagina, transcorrendo por insuspeitados caminhos. Que além dos métodos, dos manuais, dos recursos didáticos,

existe um sujeito que busca a aquisição de conhecimento, que se propõe problemas e trata de solucioná-los seguindo sua própria metodologia”.(

FERREIRO,1999, p.27)

A partir de então, confirma-se a idéia de que aprender a ler não é

simplesmente aprender um código de transcrição da fala. Para Ferreiro, alfabetizar é muito

mais do que simplesmente estabelecer associações entre fonemas e grafemas, é apropriar-

se da leitura e da escrita para propor problemas a partir da realidade vivida pelo

alfabetizando e buscar estratégias para solucioná-los.

Na concepção construtivista, o conhecimento é algo a ser produzido,

construído pelo aprendiz enquanto sujeito e não objeto da aprendizagem. Para Vygotsky

(1991), a construção do conhecimento é um processo dialético através do qual ele se

apropria da escrita e de si mesmo como usuário e produtor de escrita, criando para si a

noção de uma nova possibilidade de se colocar diante das realidades.

Page 25: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

10

Antes, pensava-se que as pessoas sem escolaridade, ou seja, analfabetas não

tinham nenhuma noção de como se constituía a escrita antes de serem formalmente

escolarizadas. Sabe-se, portanto, que para aprender a ler e a escrever, o sujeito precisa

construir um conhecimento acerca do que a escrita representa, além da forma em que ela

representa a linguagem graficamente.

Essa capacidade deve ser desenvolvida no processo de alfabetização,

visando a necessidade que as pessoas têm de resolver problemas de natureza lógica, de

relacionar-se em seu cotidiano e de compreender as realidades em que estão inseridas. O

processo de alfabetização de adultos deve, antes de tudo, possibilitar que o sujeito

compreenda de que forma a escrita alfabética representa a linguagem, para que possam

escrever e ler por si mesmas.

A partir da Psicogênese, passe-se a priorizar a atividade do sujeito em

detrimento dos métodos de ensino. O sujeito deixa de ser um reprodutor de ensinamentos

por meio do método de estímulo e resposta e assume a função de sujeito, como ser

cognoscente. O analfabeto passa a perceber a escrita como objeto do conhecimento e a

interagir com esse objeto.

A partir das contribuições de Freire, dos estudos da Psicogênese de Ferreiro,

as propostas e práticas de alfabetização que têm se fundamentado nesses referenciais,

buscam como resultado de aprendizagem o letramento dos jovens e adultos, o que significa

possibilitar-lhes a apropriação da leitura e da escrita e a sua conseqüente utilização plena

nas mais diferentes práticas sociais.

Geralmente, essas práticas sociais desenvolvidas pelo sujeito ainda

analfabeto vêm acompanhadas de uma carga muito grande de preconceito e discriminação,

resultantes do não domínio da capacidade de ler e escrever, o que certamente resulta na

exclusão social desses sujeitos.

Entende-se, portanto, que a exclusão social está intimamente relacionada

com o sistema social capitalista, com suas relações de poder, de produção e reprodução das

relações sociais, de concentrações de bens e riquezas e de desigualdade sociais.

Certamente, esse conjunto de relações repercute de forma negativa e decisiva no processo

Page 26: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

11

de formulação de hipóteses na alfabetização do sujeito adulto. Nesse contexto, os

interesses se confundem e se chocam, gerando medidas de alfabetização de adultos que são

resultantes dessas relações, o que comumente não estão voltadas para o atendimento às

necessidades dos sujeitos analfabetos, mas, muito mais, para a manutenção da ordem

estabelecida.

Para Freire (1980), as hipóteses que o adulto formula sobre a leitura e a

escrita revelam representações sociais intimamente relacionadas às condições concretas de

existência, que são determinadas pela estrutura social. Vários são os fatores que

determinam as condições concretas de vida do analfabeto e, consequentemente,

influenciam o seu processo de aprender a ler e a escrever. Dentre os fatores aos quais se

refere Paulo Freire, pode-se destacar: a procedência rural desses sujeitos; a desqualificação

profissional para atuar no mercado de trabalho na zona urbana; as condições financeiras a

que está submetida a família; estrutura familiar patriarcal, com exclusão da mulher ao

direito à educação; desempenho de ocupações ou profissões manuais e mecânicas que

pouco exigem de leitura e de escrita; experiências mal sucedidas em suas trajetórias

escolares; o não reconhecimento social e familiar da necessidade da escolarização.

Mediante essas breves reflexões acerca da alfabetização de adultos, foram

empregados para análise dos dados e informações coletadas a partir dos interesses que

envolvem os estudos do objeto pesquisado, 03 (três) referenciais teóricos, os quais

nortearam esta investigação. São eles: as teorias de alfabetização de pessoas adultas de

Paulo Freire, as teorias de alfabetização e letramento e as teorias dos Novos Movimentos

Sociais para a Educação do Campo.

Estas teorias foram eleitas a partir da atenção meticulosa e claramente

fundamentada com que tratam as especificidades que envolvem as condições do adulto

analfabeto, propondo idéias, reflexões, caminhos e ações que visam a alfabetização dos

mesmos, percebendo e reconhecendo as diferenças, evitando acentuá-las ou transformá-las

em desigualdades, mas sim, buscando minimizá-las.

Dessa forma, foram definidas três categorias fundamentais para a análise do

objeto investigado, acerca das quais se julga extremamente necessário explicitá-las para o

Page 27: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

12

melhor entendimento acerca do tema. Essas categorias foram geradas a partir das questões

ligadas ao processo de alfabetização de adultos, as quais foram ser esclarecidas.

As categorias fundamentais para análise a serem observados em cada uma

das teorias eleitas para esta investigação, são:

a) apropriação do conceito de alfabetização de adultos;

b) caracterização dos sujeitos (professor e alunos) no processo de

alfabetização de adultos;

c) os limites e possibilidades da prática de alfabetização de adultos.

Procurando sempre destacar como as diferentes teorias de alfabetização de

adultos percebem essas categorias, as quais foram consideradas essenciais no processo de

alfabetização, tornou-se impossível o não privilegiamento das teorias de Paulo Freire para

a alfabetização de adultos, das propostas teóricas de Alfabetização e Letramento e das

teorias dos Novos Movimentos Sociais para a Educação do Campo como referências

teóricas para este estudo, dadas as formas com que tratam e compreendem as

especificidades e as diversidades inerentes à alfabetização de pessoas adultas.

Acredita-se que, após termos construído a fundamentação teórica para

análise, tendo como referências o que cada teoria considera em relação às três categorias

consideradas fundamentais para esta investigação, pode-se caminhar com maior segurança

rumo à realização da pesquisa proposta. Segue-se, portanto, com a realização dessa análise.

2.1 – Concepção Teórica de Alfabetização de Adultos de Paulo Freire

Certamente que as idéias de Freire podem ser associadas às inúmeras outras

concepções de educação e de construção do conhecimento pelo homem. O que se deve

atentar é para o fato de que Freire integra os elementos fundamentais destas doutrinas

filosóficas sem repeti-las de uma forma mecânica ou preconceituosa. A pedagogia de

Page 28: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

13

Freire ganhou credibilidade e aceitação em vários países do mundo, ricos ou pobres,

principalmente por abordar a relação “opressor e oprimido”.

Podemos, portanto, afirmar que a prática da alfabetização de adultos passou

a ter um referencial próprio a partir das propostas e idéias de Paulo Freire. Antes,

constituía-se como referencial para esta modalidade de ensino a concepção acrítica e

meramente reprodutora das contradições sociais existentes, proposta pelos métodos

tradicionais, mecanicistas, infantilizados e alienantes.

Mediante a complexidade das idéias de Paulo Freire, a pretensão de

descrever ou sintetizá-las terá certamente o fracasso como resultado, dada a profundidade,

amplitude e a diversidade de seus trabalhos.

Portanto, não é nossa intenção descrever suas propostas, nem mesmo

sintetizar suas idéias, mas pinçar do seu universo de produção de idéias alguns elementos

essenciais para a formulação do nosso entendimento acerca da alfabetização de adultos, no

sentido de que possamos nos lançar nos desafios que nos dispusemos a pesquisar.

Assim, optamos por realizar um estudo de algumas das principais idéias e

propostas de Paulo Freire, sobre as quais debruçaremos a fim de constituí-las como

subsídios necessários para nossa análise acerca das possibilidades, por ele destacadas, para

a alfabetização de adultos.

2.1.1 O Conceito de Alfabetização de Adultos de Paulo Freire

Paulo Freire inicia suas atividades na área da educação na década de 1940,

como professor de língua portuguesa, no Serviço Social da Indústria (SESI), do qual veio a

ser superintendente. Freire vivenciou a realidade da educação dos operários e trabalhadores

da indústria e dos filhos desses trabalhadores durante 10 anos. Além desta, que destaca

como uma das principais, Freire vivenciou muitas outras experiências que contribuíram

significativamente para a germinação de idéias e propostas.

Page 29: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

14

“... os primeiros momentos de radicalização – nunca de

segtarização – que experimentei, numa prática crescentemente

consciente, se deram no SESI. Eu diria o Setor de Educação, que

tinha a ver com escolas primárias para as crianças das famílias

operárias. Aquele momento durou mais de dez anos. Esta foi toda

a matriz (...) de um lado dos meus primeiros espantos. Espantos

diante da dramaticidade da vida...” (FREIRE, 1987).

Segundo Freire (1987:56), mediante toda a sua trajetória como educador,

vivenciou a experiência do exílio, à qual se refere como possibilidade de viver uma nova

realidade que lhe rendeu novos aprendizados. Afastando-se do Brasil, Freire passa a

elaborar teoricamente seus pensamentos acerca das próprias experiências vividas. Estas,

inicialmente, são relacionadas com suas referência teóricas cristãs e, mais tarde, com um

referencial marxista.

A partir dessa análise da sociedade brasileira com base nesses referenciais

teóricos, Freire (1980) defende a sua visão de mundo, partindo de uma avaliação crítica da

educação existente e apresenta suas concepções para uma educação e uma alfabetização

que problematizam a realidade dos educandos e alfabetizandos e que os conduzam no

caminho da libertação. É nesse momento que percebemos as raízes mais profundas dos

pensamentos de Freire, pois se constituem a partir de uma reflexão acerca da condição do

homem em relação ao próprio homem.

“... os que põem em prática a minha prática, que se esforcem por

recriá-la, repensando meu pensamento. E ao fazê-lo que tenham

em mente que nenhuma prática educativa se dá no ar, mas num

contexto concreto, histórico, social, cultural, econômico, político,

não necessariamente idêntico a outro contexto” (FREIRE,1976).

Portanto, para Freire (1976), apenas a educação e a alfabetização não

consistem em elementos que garantam a transformação das realidades nas quais os

educandos e alfabetizandos estão inseridos, mas constituem-se como elementos que

contribuem para que os sujeitos percebam a situação em que se encontram – a realidade do

mundo e a do meio em vivem –, assim como as possibilidades para que a transformação

aconteça.

Page 30: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

15

É necessário, ainda citando Freire, que se busquem, por meio das práxis

pedagógicas, respostas para as possibilidades de transformações da realidade social

brasileira. Essa proposição de Freire parte da convicção de que vivemos em uma sociedade

organizada em classes, na qual os privilégios destinados a uns poucos, são empecilhos para

que a grande maioria não usufrua dos bens produzidos pela humanidade. Nessa relação, no

meio social, coloca-se um dos principais bens produzidos, o qual é essencial para a

condição humana, que é a educação. O acesso a esse bem produzido pela humanidade é

restrito a uma parte das sociedades, excluindo, assim, a outra parte da população do

mundo. O autor refere-se então, a dois tipos de pedagogia: a pedagogia dos dominantes,

onde a educação existe como prática da dominação, e a pedagogia do oprimido, que

precisa ser realizada, na qual a educação surgiria como prática da liberdade.

Assim, para Freire (1980), o movimento para a liberdade deve surgir e partir

dos próprios oprimidos. Nessa dinâmica do conhecimento, a pedagogia decorrente deverá

ser definida com o alfabetizando e não para ele.

Portanto, percebe-se que, para Freire (1982), não é suficiente que o

alfabetizando tenha consciência crítica da opressão, mas que se disponha a transformar

essa realidade; trata-se de um trabalho de conscientização e politização.

No entanto, a pedagogia do dominante é fundamentada em uma concepção

bancária de educação.

“... o educador aparece como seu indiscutível agente, como o seu

real sujeito, cuja tarefa indeclinável „encher‟ os educandos dos

conteúdos de sua narração. Conteúdos que são retalhos da

realidade desconectados da tatolidade em que se engendram e em

cuja visão ganhariam significação. A palavra, nestas dissertações,

se esvazia da dimensão concreta que deveria ter ou se transforma

em palavras ocas, em verbosidade alienada e alienante”

(FREIRE,1982:65).

Dessa pedagogia resulta uma prática essencialmente verbalista, que se

destina exclusivamente à transmissão de conhecimentos abstratos e sem nenhuma

Page 31: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

16

significação para o educando. Assim, o saber tido como superior e inquestionável é

passado de cima para baixo e de forma autoritária. O educando torna-se um depósito, cujo

objetivo é receber, numa concepção caritativa, o que o educador, sujeito único do processo,

numa atitude de solidariedade e compaixão, tem a doar. Nessa relação de doação e

recepção, numa atitude de passividade do educando, pressupõe-se que o mundo seja um

todo harmonioso, no qual as contradições, que raramente são percebidas e, por poucos, se

dão motivadas por razões que são alheias às vontades dos homens. Garantida a

credibilidade da pedagogia do dominador, perpetua-se a ingenuidade do oprimido.

O conceito freireano de alfabetização de adultos, interesse maior dessa

pesquisa, revela frutos da experiência de Freire com a educação de adultos, a qual não

comunga com o entendimento da alfabetização como mera reprodução mecânica do

pensamento. Portanto, sua concepção reforça a idéia de que a educação e a alfabetização

devam se constituir num processo permanente de consolidação da construção nacional,

processo esse que pode levar o sujeito a tomar para si sua própria história. Para ele é

necessário que se perceba que nenhuma forma de educar é ingênua e que, portanto, deve

ser entendida como um ato político que deve promover a transformação das realidades das

pessoas educandas.

“... a alfabetização de adultos enquanto ato político e ato de

conhecimento, comprometida com o processo de aprendizagem da

escrita e da leitura da palavra, simultaneamente com a „leitura‟ e

a „escrita‟ da realidade, e a pós-alfabetização, enquanto

continuidade aprofundada do mesmo ato de conhecimento

iniciado na alfabetização” (FREIRE,1983: p.48-9).

Desta forma, entende-se que a concepção de alfabetização de Freire visa a

construção de um conhecimento que extrapole o domínio das habilidades necessárias à

leitura das letras, mas, e principalmente, também para a leitura da realidade em que o

educando está inserido.

2.1.2 A Caracterização dos Sujeitos no Processo de Alfabetização de

Adultos de Paulo Freire

Page 32: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

17

Freire se utiliza de explicações acerca do estado dos homens no mundo e

suas relações com o mundo, levando a um entendimento mais profundo de como se deu a

formação da sociedade brasileira, e ressalta os efeitos funestos desse processo no qual não

se nega a ausência de uma experiência democrática. A negação do direito de ser, de saber e

de criar a esses homens constitui-se como base para as explicações de Freire para a

necessidade de uma prática alfabetizadora que evidencia semelhanças marcantes entre os

sujeitos alfabetizadores e alfabetizandos.

Alfabetizandos e alfabetizadores apresentam em suas trajetórias de vida e de

formação aspectos histórico-culturais bastante convergentes. Ambos são seres que

nasceram para viver livres e, mesmo possuindo potencial – liberdade, criatividade, e outros

– para buscar as transformações, ambos sofrem as castrações de uma sociedade autoritária

e dominadora das minorias. Assim, para Freire (1982), alfabetizadores e alfabetizandos,

mesmo sendo diferentes, são sujeitos do mundo e no mundo e o que os diferencia é apenas

que o alfabetizador tem maior experiência no que se refere à sistematimazação do saber em

relação à leitura. Essa maior experiência do alfabetizador se deve às oportunidades sócio-

culturais que tivera, o que lhe permitiu o acesso a esses conhecimentos.

Portanto, não é incompreensível considerar uma difícil tarefa, tanto para os

alfabetizadores quanto para os alfabetizandos, se reconhecerem como semelhantes, uma

vez que ambos são frutos de uma mesma situação histórico-cultural, na qual a relação de

poder se estabelecia de “presente no arbítrio dos poderosos, na empáfia de

administradores arrogantes” (FREIRE,1993,p:51).

Dessa relação, definem-se os comportamentos dos alfabetizadores e

alfabetizandos como dos opressores e dos oprimidos. A carga de submissão em relação aos

seus superiores – escola, família e sociedade – refletem na forma em que tratam os

alfabetizandos, confirmando a condição de auto-submissão. Os alfabetizadores, por sua

vez, espelham estas ações e tratam os alfabetizandos como seus subalternos, levando-os a

crer que devem ser agradecidos por qualquer forma de ajuda dos alfabetizadores:

“... até o momento em que os oprimidos não tomam consciência

das razões de seu estado de apressão „aceitam‟ fatalisticamente a

sua exploração” (FREIRE,1982:55)

Page 33: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

18

Na concepção de Freire (1982), o conhecimento jamais poderá advir de um

ato de doação do educador ao educando, o que nos permite caracterizar ou descaracterizar

as campanhas de cunho solidário e caritativo como de concepções freireanas. A relação

entre esses participantes deve ser de ampliação das possibilidades de contato do homem

com o mundo, que não é estático, porém dinâmico e em processo contínuo de

transformação.

Baseando-se em uma outra possibilidade de conceber o homem e o mundo

bastante diferente da verticalizada, para a concepção de Freire (1982) para a relação entre

os sujeitos deve se dar de forma dialógica. Portanto, o diálogo deve supor sempre a troca

entre os homens que educam e os que são educados, perpassados pelas realidades

propostas pelo mundo em que vivem.

Assim, como resultado dessa relação dialógica, um conhecimento crítico é

alcançado, uma vez que o mesmo fora constituído num processo autêntico e reflexivo.

Tendo descortinado a realidade e se posicionado diante dela, o sujeito tem condições de

perceber a necessidade e a possibilidade de modificá-la.

Partindo do entendimento de que “educar” é processo de construção de um

conhecimento crítico e de libertação do homem de sua realidade à qual está

ideologicamente submetido, torna-se necessária uma postura pedagógica que se constitua

de forma diferente daquelas já institucionalizadas como as melhores. Caso contrário, toda a

concepção até então proposta não passará de palavras vazias e sem sentido, reforçando-se

como novas apenas nos níveis dos discursos, das idéias, mas nunca chegando a se efetivar

como uma práxis diferente das tradicionais. Para Freire (1982), a educação certamente

sempre será ideológica, mas necessita ser dialogante para estabelecer a verdadeira

aprendizagem, pois assim permite que a crítica seja possível a partir das múltiplas

possibilidades de análises de um mesmo fato ou fenômeno.

Não há dúvidas de que a concepção de Freire enxerga o homem como um

ser autônomo, uma vez que está presente em suas idéias o aspecto ontológico, associado à

Page 34: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

19

capacidade de se mudar o que está estabelecido. É exatamente nesse aspecto que homem

difere do animal, pois é capaz de viver não apenas no presente, mas também de vivenciar

os fatos ou fenômenos relacionando-os com outros e com outros seres, portanto é capaz

perceber que não é o único ser no mundo e que tem uma história e uma perspectiva futura.

Assim, esta forma de educação problematizadora proposta pode ser

considerada uma educação do ser visando à conscientização. A conscientização, para

Freire (2000), é a de capacidade de agir intencionalmente, partindo da admiração do

mundo, seguido do desprendimento dele, mesmo estando nele; da problematização e da

crítica ao mundo, gerando o inédito e o viável para a transformação das realidades

opressoras.

Para tanto, torna-se necessário que, primeiramente, o educando conheça a si

mesmo e a sua possibilidade de transformação e de construção do mundo cultural em que

está inserido. Assim, cabe-nos elucidar que na concepção de Freire (1987) cultura se

distingue de natureza, portanto é entendida como os resultados das ações dos homens sobre

o mundo natural, ou seja, é considerada como o resultado do seu trabalho, como poder

transformador sobre o mundo. Contudo, essa possibilidade de percepção do homem a partir

de suas possibilidades de transformar o mundo torna-se responsável pela idéia de resgate

da auto-estima dos homens oprimidos, pois não importa qual a transformação realizada por

eles, mas a transformação do que parecia imutável.

Então, quando se percebe que todas as práticas são resultantes de saberes,

conclui-se que todos os homens possuem saberes, portanto são sujeitos de suas histórias e

culturas. Assim, não se deve, nessa concepção de educação, privilegiar um conhecimento,

ou seja, uma forma de transformar o mundo uma vez que

“(...) tinha a ver com as relações entre o ser humano e o mundo;

papel do trabalho na transformação do mundo e o resultado dessa

transformação se consubstanciando na criação de um outro

mundo que, esse sim, é criado por nós: o mundo da cultura que se

alonga no mundo da História” ( FREIRE, 1987: p.15-6).

Page 35: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

20

A proposta pedagógica de Freire, portanto, é baseada numa possibilidade de

visão crítica e transformadora, voltada para a necessidade de se contrapor à concepção

alienadora e alienante que nasce de uma postura de manutenção das ideologias

reprodutoras e mantenedoras dos modelos de sociedade organizada em classes.

A partir dessa necessidade, Freire (1982) propõe uma “pedagogia dos

homens empenhando-se na luta por sua libertação. Uma pedagogia que tem, nos próprios

oprimidos que se saibam ou comecem a saber-se oprimidos, um dos seus sujeitos”

(FREIRE, 1982: p.43).

2.1.3 Os Limites e Possibilidades da Prática de Alfabetização de Adultos

em Paulo Freire.

Certamente, as propostas de Freire para a alfabetização não são meras

técnicas, mas sim, um método coerente com o posicionamento teórico filosófico defendido

por ele. A partir daí, Freire propõe uma mudança radical nas formas de apresentar os

conteúdos e nos métodos de ensino existentes e passou a acreditar em apenas um método

que denominou de ativo e dialogal.

Partindo da afirmação de que para a alfabetização é necessária a

conscientização, Freire propôs um método que privilegia a ação e o diálogo como

elementos primordiais e essenciais para que se efetive de forma coerente com os princípios

teóricos já apresentados. Torna-se, então, necessária a modificação do conteúdo

programático e da forma como o mesmo é apresentado e interpretado, ou seja, devem partir

dos interesses e devem ser significativos para os educandos.

A percepção dos conteúdos de interesse e como torná-los significativos para

os alfabetizandos deve se dar no diálogo entre alfabetizadores e alfabetizandos. Portanto, o

diálogo é considerado aqui como elemento de intercomunicação que gera crítica e

problematiza, uma vez que numa relação dialógica todos podem perguntar, criticar, tecer

comentários e reflexões acerca de um determinado tema. Assim, o conteúdo do diálogo é o

Page 36: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

21

conteúdo programático da educação, ou seja, na busca desse conteúdo o diálogo deve estar

presente.

É importante acrescentar que o diálogo se constitui como muito mais do que

um meio de trocas de palavras, e sim como meio de ação e reflexão. Assim, as reflexões

sem ações podem se transformar em verbalismos, sem credibilidade, assim como as ações

sem reflexões podem se transformar em ativismo. Ao contrário do educador bancário que

define os conteúdos antes mesmo do primeiro contato com o educando, o educador

libertador organiza, sistematiza e acrescenta e devolve os elementos daqueles

conhecimentos que lhe foram entregues pelos educandos de forma desestruturada. E, ainda,

esses conteúdos a serem trabalhados pelo educador libertador devem ser colhidos na

cultura do educando.

É nesse processo de busca desses conteúdos, os quais devem estar na

cultura dos educandos, é que se dá início efetivo ao diálogo, elemento básico na produção

de uma educação libertadora. Assim, por ser dialógica já se caracteriza como numa relação

problematizadora, o que proporciona condições para que chegue à conscientização acerca

dos temas.

Para uma melhor visualização, apresentamos, a seguir, o método proposto

por Paulo Freire:

A primeira etapa consiste no levantamento do universo vocabular

dos grupos, para a escolha das palavras geradoras. Inicia-se a delimitação da

área e codificação dos elementos significativos ali presentes;

Na segunda etapa, é realizada a organização dos círculos de cultura,

nos quais serão selecionadas algumas situações e contradições que serão

elaboradas para a codificação e servirá de tema;

A terceira fase consiste na representação de uma das palavras, já que

estas pertencem ao universo vocabular dos educandos. Esta fase oferece os

elementos fundamentais para a sistematização dos conteúdos programáticos,

uma vez que se caracterizam como elementos problematizadores de suas

realidades;

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22

A quarta etapa consiste em reunir todo o material possível para

ampliar a consciência e experiência dos educandos, uma vez que é o

momento de devolução das temáticas estudadas pelo grupo de forma

sistematizada e ampliada;

Na quinta etapa, todo o processo culmina na aquisição da leitura e da

escrita. Passa-se à visualização da palavra e ao processo de decodificação

em unidades menores, para reconstituí-la posteriormente.

As concepções e o método de Paulo Freire têm o reconhecimento de quase

todo o mundo, mas como todos aqueles que polemizam o que está tido como pronto e

acabado, também recebem críticas negativas. As críticas mais severas estão relacionadas

com espontaneísmo, a supervalorização da contribuição do educando, as dificuldades de se

estabelecer um diálogo de acordo com o proposto, principalmente quando o alfabetizador

não é um companheiro, mas um professor, e, ainda, a supervalorização da educação como

transformadora das realidades sociais.

Porém, mesmo mediante tais críticas, optamos por constituir as propostas de

Freire como um dos referenciais teóricos de análise nesta pesquisa por considerá-la um

marco importante na evolução da alfabetização de adultos no Brasil e no mundo. Cientes

das críticas atribuídas às teorias de Freire, tomamo-nas como um sinal de atenção especial

no momento das análises das práticas observadas, o que contribuiu com a investigação

realizada.

2.2 Concepção Teórica de Alfabetização e Letramento: Ressignificação da

Alfabetização de Adultos.

No ano de 1986, é introduzida no Brasil, na área da Educação e das

Ciências Lingüísticas, por Mary Kato, a palavra letramento, com o lançamento do livro

“No mundo da escrita: uma perspectiva psicolingüística”, no qual, a autora dizia acreditar

que a “língua falada culta é conseqüência do letramento” (KATO: 1986, p.07).

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A noção de letramento remete à capacidade que pessoas excluídas do

sistema escolar têm para interpretar o mundo a sua volta, independente da alfabetização e

da escolaridade que apresentam. Portanto, o letramento vai muito além da simples

alfabetização escolar, atingindo um nível muito mais amplo de possibilidades para o

sujeito interagir com suas realidades. A concepção de alfabetização com letramento está

ligada à percepção da capacidade de as pessoas que ainda não foram alfabetizadas em

ampliar as possibilidades de seu pensamento, resolver conflitos, formular questões acerca

do seu cotidiano e respondê-las com discernimento. Certamente que o conceito de

letramento tem contribuído para a percepção de que a pessoa não escolarizada tem

capacidades, o que tem diminuído o preconceito e a exclusão dos mesmos.

Com esse importante episódio de adoção do conceito de letramento pelas

Teorias da Linguagem, muitas reflexões acerca dos conceitos de analfabetismo, analfabeto,

alfabetizado, alfabetização tornaram-se inevitáveis e, portanto, necessárias numa discussão

mais aprofundada em torno da Alfabetização de Adultos.

2.2.1 Conceito de Alfabetização e Letramento

Conforme define o Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa,

complementada pela definição de Pinto, analfabetismo é o “estado ou condição de

analfabeto”, e analfabeto é “o que não sabe ler e escrever”, portanto aquele indivíduo que

vive na condição de não saber ler e escrever.

Porém, Soares (2003: p.16), atenta para a estranheza de que o Novo

Dicionário Aurélio ao definir alfabetizar como “ação de ensinar a ler” e alfabetizado como

“aquele que sabe ler”, omita na definição das duas palavras o termo “escrever”. E ainda,

defina letrado como “versado em letras, erudito”, não mencionando a palavra “letramento”,

no sentido de possibilidade de interagir com a cultura letrada sem que se tenha o dim´nio

das técnicas da leitura e da escrita.

Pode-se, então, perceber que ainda hoje não está dicionarizada a palavra

letramento, uma vez que ainda se discute acerca da amplitude de seu significado.

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Para Soares (1986:18), letramento, etimologicamente, é uma palavra da

língua inglesa - literacy, de origem latina – littera (letra) acrescido o sufixo –, que “denota

qualidade, condição, estado, fato de ser”. Tem, portanto, acepção de “estado ou condição

que assume aquele que aprende a ler e escrever”

Percebe-se, então, que nessa concepção de letramento está implícita a idéia

de que “aprender a ler e escrever traz conseqüências sociais, culturais, políticas,

econômicas, cognitivas, lingüísticas, quer para o indivíduo que aprende a usá-la como

para o grupo social a que está inserido”. (SOARES,1986:p18).

Para Leite (2001,p.220), o envolvimento com as práticas de leitura e escrita

constitui-se como uma condição necessária, embora não suficiente, para o pleno exercício

da cidadania. Portanto, deve-se questionar os modelos tradicionais de alfabetização em

contraste com as concepções atuais , que assume como ponto de partida e de chegada para

o processo de alfabetização o texto escrito e falado.

Soares (1995 e 1996), tem se debruçado sobre as questões que envolvem a

chamada alfabetização funcional, alertando para a possibilidade de uma alfabetização que

possibilite ao alfabetizado sua adaptação às novas condições sociais que devem resultar do

processo de alfabetização. Esta nova condição deve vislumbrar possibilidades de superação

das estruturas injustas e desumanizantes.

No entanto, autores como Kleiman (1995), Touni (1995), Soares (1998)

propõem o letramento como um novo conceito acerca da alfabetização, porém não o

substituindo.

Assim, torna-se importante ressaltar que essa possibilidade de concepção de

letramento terá fundamental importância em nossas análises pretendidas nessa

investigação, uma vez que

“Letramento é, pois, o resultado da ação de ensinar ou de

aprender a ler e escrever: o estado ou condição que adquire um

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grupo social ou um indivíduo como conseqüência de se ter

apropriado da escrita” (SOARES: 1986, p.18)

Para Scribner e Cole (1981) apud Kleiman (1995, p:19), letramento pode

ser definido como “um conjunto de práticas sociais que usam a escrita, enquanto sistema

simbólico e enquanto tecnologia, em contextos específicos, para objetivos específicos”.

Torna-se, então, de uma suma importância refletir, um pouco mais, acerca

da possibilidade de significação do letramento, principalmente neste nosso contexto, cujo

tema é a alfabetização de adultos, uma vez que para muitos especialistas a oralidade é o

objeto de análise de muitos estudos sobre o letramento. Isso nos provoca a debruçar ainda

mais sobre a concepção da palavra letramento, a fim de que possamos delimitar melhor

nossa pesquisa.

Kleiman (1995 p.18), alerta para o risco da possibilidade de emprego da

palavra letramento em vez do termo “alfabetização”, este no “fato de que, em certas classes

sociais, as crianças são letradas, no sentido de possuírem estratégias orais letradas, antes

mesmo de serem alfabetizadas”.

Nesse sentido,entende-se que o termo alfabetização não pode ser

confundido ou substituído pelo termo letramento, uma vez que um não substitui o outro e

nem necessariamente são coexistentes. Um sujeito pode possuir letramento sem que ainda

conheça os mecanismos de funcionamento da escrita. Pode, ainda, já conhecer esses

mecanismos e ainda não ter letramento. Portanto, letramento é uma condição do sujeito

que independe da alfabetização, quando este último se refere a conhecimento técnico da

escrita.

No entanto, a concepção dessa referência teórica preza pela construção de

um conhecimento acerca dessas técnicas de funcionamento da escrita mediado pelas

condições para que o sujeito tenha letramento, ou seja, torne-se capaz de apropriar-se

desses conhecimentos e, a partir deles, altere suas posturas diante da vida. Nesse caso, o

sujeito deve reconhecer que há possibilidades de mudanças e, por isso deve procurar

encontrá-las, caso esse seja o seu desejo.

Page 41: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

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2.2.2 Caracterização dos Sujeitos no Processo de Alfabetização e

Letramento

Mediante as afirmativas de Kleiman (1995) e Soares (1986 e 1998), pode-se

estabelecer uma relação de proximidade com as concepções de alfabetização de Paulo

Freire, as quais percebem o analfabeto como sujeito capaz de efetuar leituras, uma vez que

afirma que a leitura de mundo precede a leitura das letras.

Portanto, o adulto analfabeto não deve ser visto como ignorante e imaturo,

mas ao contrário, como alguém que é produtor de cultura e de saberes próprios, ou seja,

possui o que se denomina aqui como “Letramento”. É certo que esse letramento, próprio da

pessoa adulta analfabeta pode ser considerado como resultante de um longo processo de

dominação ideológica, dado o contexto sócio-histórico em que foi constituído. Mas, é um

conhecimento que lhe é próprio e que, portanto, deve ser levado em conta pelo educador

no processo de alfabetização.

A caracterização do sujeito analfabeto no processo de alfabetização com

letramento deve considerar todo o conhecimento e capacidades já adquiridos pelo

alfabetizando para que, a partir dos mesmos, se promova situações em que haja

possibilidade de reflexões e críticas em torno dos mesmos.

Sendo assim, há distinção e proximidades entre os conceitos de

“alfabetização”, elaborado por Freire, e “letramento”, que podem ser estabelecidas como

norteadoras para as análises que constituem os objetivos desta pesquisa.

A definição de alfabetização como “a ação de alfabetizar”, ou seja, de

“ensinar a ler”, conforme o Novo Dicionário Aurélio, o qual omite a palavra “escrever”,

será complementada, de acordo com sugestão de Soares (1986:16). Portanto, para fins

dessa investigação, alfabetização será definida como “a ação de ensinar a ler e escrever

com letramento”; ou seja, com o uso e práticas individuais ou sociais de leitura e escrita”.

Page 42: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

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Nesse sentido, não basta apenas saber ler e escrever, é preciso também fazer uso do ler e

do escrever e saber responder às exigências de leitura e de escrita: “a reflexão crítica”.

Nesse caso, esta pesquisa teve como parâmetro de análise o que se entendeu

até o momento como letramento. Porém, percebeu-se que um indivíduo, criança ou adulto,

pode não saber ler e escrever, ou seja, ser analfabeto, e ser um indivíduo letrado (neste

caso referente ao termo letramento). Um analfabeto que faz uso das práticas de leitura e

escrita, como ouvir leituras feitas por alfabetizado de jornais, livros ou revistas ou ditar

cartas, bilhetes para um alfabetizado escrever, de certa forma é um indivíduo letrado, pois

faz uso da leitura e da escrita e se envolve nas práticas sociais de leitura. Desta forma,

confirma-se que o conhecimento da escrita e leitura só fazem sentido se constituído com

letramento.

Entendeu-se que existe uma íntima relação entre o estado de letramento e a

teoria de alfabetização proposta por Freire, uma vez que ambos têm como objetivo levar o

alfabetizando a criticar e problematizar suas realidades, para, num segundo momento,

passar à decodificação das palavras, visando a aquisição das técnicas de leitura e de escrita.

Portanto, quando se realiza uma pesquisa com a finalidade de apresentar

dados referentes ao número de alfabetizados e analfabetos ou quantos sabem ler e escrever

ou quando é que a escola consegue garantir este nível de aprendizagem, estas pesquisas

estão tratando da alfabetização nos moldes tradicionais; porém, quando se interessa pelos

usos e práticas sociais resultantes da leitura e da escrita estão tratando de letramento.

A partir daí, torna-se mais simples perceber a diferença entre o alfabetizado

e letrado (referindo-se ao letramento).

2.2.3 Os Limites e Possibilidades da Prática de Alfabetização e Letramento

Mediante tais reflexões, podemos aqui limitar nossa investigação ao nível

de aprendizagem tendo como referencial teórico a alfabetização com letramento. Esta

Page 43: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

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opção se sustenta a partir da nossa conscientização acerca da importância de se ultrapassar

os limites de simplesmente reconhecer as letras numa determinada seqüência, pois não

podemos aceitar que os indivíduos permaneçam dependentes das pessoas alfabetizadas.

Quem aprende ler e escrever – e passa a usar a leitura e a escrita,

envolvendo-se com esta prática – torna-se uma pessoa diferente;

muda o modo de viver, sua relação com os outros e com a sua

cultura. [...] muda sua maneira de pensar, de falar, de participar

da vida da sua comunidade. (SOARES,1988, p. 58)

Deste modo, verifica-se que a leitura e a escrita exercem função importante

em nossas vidas e estão inseridas no processo social. Soares (1988,p.59), sinaliza para as

condições sociais da leitura e nos alerta que sua aquisição é feita de uma forma seletiva.

Segundo a autora, o que se faz nas escolas é apropriação da decodificação mecânica de

símbolos. Os alunos “aprendem a ler”, mas “não se tornam leitores”, o que contribui para

afastá-los, “sobretudo os das camadas populares”, do conhecimento.

Bourdieu apud Magda (1997, p. 55) aponta para o papel da linguagem na

estrutura da sociedade e afirma que a fala, a escrita e a leitura são utilizadas para exercer

influência e poder. Portanto, é a classe dominante que estabelece a linguagem legítima, a

linguagem autorizada. Legítimo, para Bourdieu, é um costume cultural ou um uso que é

“dominante, mas desconhecido como tal, o que quer dizer que é tacitamente reconhecido”.

Para Soares (1988,p.87), “apropriar-se da escrita é diferente de ter

aprendido a ler e escrever”. Aprender a ler e a escrever significa codificar em língua

escrita e a decodificar a língua escrita; apropriar-se da escrita é tornar a escrita própria, ou

seja, assumi-la como sua propriedade. E a partir dessa apropriação construir novos

conhecimentos.

Segundo Freire (1995, p. 52), ler é “reescrever o que estamos lendo. É

descobrir a conexão entre o texto e o contexto do texto, e também como vincular o

texto/contexto com o meu contexto, o contexto do leitor”. Portanto, ler é mais que fonte de

conhecimento, é um modo de existir no qual o “indivíduo compreende e interpreta a

expressão registrada pela escrita e passa a compreender-se no mundo.”

Page 44: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

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A pessoa utiliza da linguagem de acordo com a situação vivenciada,

portanto as palavras são tecidas de modo a “intensificar ou atenuar o relacionamento do

homem com o mundo das coisas” (LAJOLO,1988,p.35). Esse relacionamento é permeado

por medo e fascínio. O homem, como um ser histórico está inserido em um constante

movimento, no qual se faz e refaz, para se mover nesse contexto social, ele utiliza das

palavras. De acordo com a autora, o “relacionamento linguagem e mundo, ora esgarça e

diminui a distância e a convenção que separam palavras e coisas, ora cimenta e fortalece

o espaço que se interpõe entre as coisas e as palavras” (idem,p.35).

Ler não é apenas a simples decodificação de símbolos, inclui articulação

entre as outras diferentes formas de linguagens que constituem o universo simbólico. Ler é

um processo interativo, uma interação intrínseca entre o autor/texto e leitor. Não há

neutralidade e muito menos é um ato banal.

Os programas de alfabetização, responsáveis pelo “processo formal” e

“intencional” da decodificação dos símbolos em nossa sociedade, tem deixado grandes

lacunas no processo de aquisição da leitura e da escrita. O ato de ler muitas vezes é

considerado no cotidiano como algo sem importância. É momento de refletir acerca de

uma alfabetização que trate a leitura como fonte de conhecimento e de interação com o

mundo. É preciso reconhecer a importância da leitura na formação do sujeito e na

emancipação de suas idéias, minimizando o crescimento do analfabetismo funcional.

A problemática atual do analfabetismo funcional é uma questão que afeta

toda a sociedade. Para Maria (2002, p. 18)

“Não é por acaso que a questão do analfabetismo funcional veio à

tona justamente no início dos anos 1970, quando se deflagrou a

crise econômica mundial, com o gigantesco crescimento do

desemprego, principalmente entre os jovens. E, no final dos anos

1980, tornou-se tema central de um discurso econômico.”

Para Esteban (2003, p. 8) “a inexistência de um processo escolar que possa

atender às necessidades e particularidades das classes populares, permitindo que as

múltiplas vozes sejam explicitadas e incorporadas, é um dos fatores que fazem com que

grande potencial humano seja desperdiçado.” É preciso indignar-se perante as situações de

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exclusão presentes nos processos de alfabetização. É preciso desejar e lutar por mudanças.

Para mudar o cotidiano das práxis apresentadas é necessário a participação efetiva dos

envolvidos no processo educacional na construção de um projeto político-pedagógico que

vise a valorização e a participação de todos e, reconhecer que no cenário das salas de aulas,

tece-se tramas que entrelaçam questões sociais, econômicas, políticas e pedagógicas.

Entendemos então que é necessário alfabetizar e letrar (referente ao

letramento), para que esses indivíduos alcancem o patamar de alfabetização proposto por

Paulo Freire, a que atribuiu o seguinte sentido: “alfabetizar é levar o analfabeto a

organizar reflexivamente seu pensamento, desenvolver a consciência crítica, introduzi-lo

num processo real de democratização da cultura e de liberdade” (FREIRE,1980).

Portanto, os limites para alfabetização com letramento ainda são muitos,

uma vez que demanda proporcionar ao alfabetizando um contato maior com o mundo

letrado e com as situações reais do cotidiano, o que implica em mais tempo e,

consequentemente, em maior gasto financeiro e dedicação pedagógica. Porém, quando se

deseja realmente uma transformação no panorama educacional do país, os limites se

tornam imperceptíveis e as possibilidades se ampliam.

Page 46: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

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3.0 Desenvolvimento do Estudo

3.1 O Problema de Pesquisa

O cenário da educação brasileira tem passado por inúmeras tentativas de

mudanças e especialmente no que tange às políticas sócio-educacionais voltadas para a

educação de adultos, infelizmente, podemos somar mais fracassos do que sucessos.

As maiores dificuldades encontradas pelos programas de educação de

adultos no Brasil sempre estiveram ligadas ao pouco, ou nenhum, interesse das autoridades

responsáveis pelo sistema educacional pela real transformação das desigualdades sociais,

nos diversos períodos da história. Essa falta de interesse constitui-se como resultado da

imposição das classes dominantes, cada uma com denominação correspondente ao seu

período de ascensão, em manter o que Durkheim e Parsons denominaram como

"reprodução da estrutura de classe" (1971, p:41) e Bourdieu e Passeron, como "

reprodução das ideologias das classes dominantes" ( 1975, p.20).

Para Bourdieu e Passeron, as reproduções ideológicas se dão a partir do que

denominaram como “violência simbólica”, ou seja, uma violência que está pautada na

relação de poder do dominador sobre o dominado, quando a este são impostas

significações desconhecidas como legítimas, dissimulando uma relação. Porém, esta

relação se dá tendo a força do dominador como forma de imposição de significações , o

que pode ser compreendido como “dominação cultural”.

Esse tipo de dominação pode ocorrer de diversas formas, como formação de

opinião pública por meios de comunicação, jornais, livros, religião, propaganda, moda e

educação no seio da família, mas principalmente, no sistema escolar.

Page 47: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

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A educação escolar, por meio de suas ações pedagógicas, busca estratégias

para justificar e legitimar a cultura dos grupos ou classes dominantes, criando a autoridade

pedagógica, a qual é utilizada como um instrumento de “poder arbitrário de imposição,

que, só pelo fato de ser conhecido como tal, se encontra objetivamente reconhecido como

autoridade legítima” (BOURDIEU & PASSERON, 1975:27).

Portanto, para esses autores, a função da educação, por meio das “ações

pedagógicas” transformadas ideologicamente em “autoridades pedagógicas legítimas”,

consiste em realmente zelar pela reprodução das desigualdades sociais.

A desigualdade social observada no país, fruto de políticas públicas

voltadas para o atendimento dos interesses das elites, reflete-se na precariedade dos

serviços prestados à sociedade, particularmente naqueles ligados à educação e à saúde. A

educação é excludente e a saúde é negligente com as pessoas das camadas menos abastadas

da população, embora sejam, as duas, plataformas de campanhas políticas da maioria

daqueles que representam essas pessoas nos cargos público-adminstrativos do país.

Em meio a essa relação de poder e dominação, as pessoas têm suas

sentenças de vida, as quais já lhes foram dadas desde o nascimento, apenas confirmadas ao

longo de suas trajetórias de vida. Os instrumentos de luta por uma transformação

socioeconômica são sempre negados àqueles pertencentes às classes dominadas,

mantendo-os na condição de menos favorecidos (SOARES, 1998, 45), o que pode estar

confirmando as teorias da “reprodução das estruturas de classes”, descrita por Durkhein e

Parsons e da “reprodução das ideologias das classes dominantes”, por Bourdieu &

Passeron.

Seria de suma importância atentar para a educação como “Paidéia”, como

formação da pessoa humana que ora tenta integrar o homem na sociedade ora tenta

despertá-lo para o seu destino cristão, mas sempre tenta alertar o homem para o seu

contexto histórico, tornando-o consciente de suas responsabilidades de cristão. Enfim,

educar, então, é um ato de formar a pessoa humana, de impor sempre um dever, de

conscientizar, de tornar a pessoa consciente do que é e do que deve ser. Certamente que o

ato de educar implica em conscientização, seja como processo ou como finalidade

Page 48: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

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essencial. Porém, entende-se que esse processo de educar/conscientizar deva acontecer de

forma a aperfeiçoar as faculdades do homem livre3, consciente de seus direitos e deveres

como ser humanizado, que não se repete, mas se inova e cria mediante às situações e

contextos em que vive. Nesse sentido, a educação pode ser denominada como um processo

exatamente por levar a esse dinamismo que é cíclico e interminável, uma vez que se faz

importante a cada situação nova enfrentada pelo homem. Esse dinamismo é possível

apenas através da conscientização do homem, o que só se revela a partir da “educação de

base”.

Por educação de base, entende-se todo o processo de formação que torna o

homem ser humano, é a tomada de consciência de seus conhecimentos mínimos para se

viver humanamente e não apenas como a etapa inicial para o conhecimento letrado

denominada de alfabetização.

Pode-se, portanto, inferir que o processo de educar não se dá sem a

conscientização do homem acerca do que ele é e do que ele pode vir a ser, mas, essa

conscientização só deve ser considerada como positiva quando tem como princípio a

preocupação com homem e seu estar no mundo, com a sua dignidade de pessoa que

transcende o mundo e cria um universo humano. Caso contrário, esta educação estaria a

serviço de uma conscientização ideologizadora de dominação ou de submissão do homem

pelo homem ou, até mesmo, de subversão e estímulo às ações revolucionárias que geram o

enfrentamento entre os homens, o que fugiria aos princípios da humanização.

“A conscientização só é valida se atender às exigências da

própria pessoa, isto é, se no processo de se conscientizar, o valor

3 O conceito de liberdade aqui adotado não se limita à liberdade natural, espontânea para fazer aquilo que

deseja, tal como o pássaro é livre para voar da mesma forma que o leão é livre para devorar o cordeiro, mas

de uma liberdade orientada por regras e normas. Como se pode perceber, a liberdade do homem, constituída

apenas a partir do natural, não basta para dar conta desse homem em seu sentido histórico, como construtor

de sua própria humanidade. O homem não é apenas um corpo na natureza, mas a transcende a partir de

reações a ela, condicionadas às suas inúmeras necessidades, construindo sua própria história. O homem se

posiciona diante dos fenômenos da natureza criando valores e estabelecendo objetivos, construindo um novo

mundo ao seu redor. O homem não se contenta com a liberdade natural, mas sobre, transcende e constrói a

verdadeira liberdade. Nas relações sociais, a liberdade se dá a partir do momento em que o homem torna-se

capaz de perceber-se nas relações com os outros homens sem necessitar submeter-se a eles nem submete-los

a si, mas percebendo-se como iguais. (FÁVERO, 1983).

Page 49: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

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do homem, o significado da comunicação e o sentido do mundo se

adequam às exigências de humanização.” (FAVERO,1983,p.180)

Torna-se, portanto, impossível educar uma pessoa sem conscientizá-la de

seu direito a vida e de seus deveres para com os outros que também têm esse mesmo

direito, o que é um processo de conscientização aceitável. Porém, não é considerado

aceitável utilizar-se desse processo de conscientização para reforçar idéias que tendem aos

interesses de dominação e de submissão, numa postura ideologizadora, o que restringe a

capacidade do homem na busca de sua verdadeira liberdade.

Desta forma, a educação cumpre o seu papel como um dos aparelhos de

controle ideológico mais eficiente do Estado, pois toma para si crianças de todas as classes

e grupos sociais que, num processo longo de escuta obrigatória, recebe passivamente todas

as significações tidas como legítimas envolvidas na ideologia dominante, levando-as a uma

conscientização passiva de seus devidos lugares na sociedade. Porém, Althusser (sd:49),

contrariamente a Bourdieu e Passeron, não nega a luta de classes como uma possibilidade

de transformação social, mas reconhece que os Aparelhos Ideológicos de Estado não

somente devem ser alvo dessas lutas, mas, certamente, também o local dessas lutas.

Partindo das colocações de Althusser, escolhemos como alvo e local de luta

pela transformação ou “movimentação” nas classes sociais um dos Aparelhos Ideológicos

de Estado considerado como bastante eficiente: o Escolar. É nesse espaço que travaremos

nossas batalhas em busca de possibilidades de transformação social.

Portanto, além das dificuldades intrínsecas aos projetos e programas de

educação de adultos já implantados no Brasil ao longo da história, já bastante discutidos

pelos vários estudos realizados em torno desse tema, dentre eles "Educação Popular e

Educação de Adultos" de Vanilda Paiva e “Educar para transformar” de Luiz Eduardo W.

Wanderley, o que se observa como uma dificuldade no processo de educação de pessoas na

fase adulta é que estes programas não foram acompanhados de propostas técnico-

pedagógicas que efetivamente atendessem às reais necessidades dessa classe de cidadãos,

reforçando apenas os interesses de uma classe dominadora.

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Os estudos existentes apontam que essas propostas eram, geralmente,

inadequadas à clientela, além de serem superficiais no ponto de vista do aprendizado e

ocorrerem num curto prazo de tempo. Geralmente, se consolidavam em modelos de

programas já fracassados em outros países ou deles importados de forma acrítica, desta

forma entravando a evolução satisfatória no processo educacional das pessoas.

É com esse olhar que se realizou esta pesquisa, buscando compreender os

possíveis “erros” desses programas de alfabetização de adultos, levantando as falhas

ocorridas e sugerindo propostas que levem em conta os fatores de ordem pedagógica,

social, econômica e lingüística, visando minimizar ou até mesmo evitar a recorrência

dessas falhas nos futuros projetos de alfabetização de adultos.

Mediante o cenário da educação de adultos descrito acima reforçam-se as

afirmativas de que as diferentes questões acerca da Educação de Jovens e Adultos no

Brasil ainda estão longe de serem devidamente esclarecidas. Porém, a investigação dessas

questões pode minimizar estes problemas, tão comuns, quanto antigos, haja vista que o

número de analfabetos no mundo ainda é de aproximadamente 850 milhões de pessoas.

O que se percebe como mais grave é a verificação de que estamos ainda

bastante distanciados de uma compreensão mais justa dos fatores que contribuem com a

manutenção do alto índice de analfabetismo, no caso, brasileiro.

Uma possibilidade de compreensão do processo de alfabetização de pessoas

adultas deve passar pelo entendimento de que o adulto é o membro da sociedade que tem a

responsabilidade pela produção social, pela direção da sociedade e pela reprodução da

espécie. Portanto, deve-se tornar essencial a preocupação com uma política educacional

voltada efetivamente para essa camada da sociedade.

O homem e a mulher adultos são frutos do seu trabalho e sem o mesmo não

subsistem, e é a partir das exigências necessárias à execução desse trabalho que eles se

constituem e direcionam suas famílias, ou seja, seus descendentes.

Page 51: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

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Portanto, é ao adulto que cabe a função de direcionar a sociedade e, sua

influência, sendo alfabetizado ou não, consiste em fator importante quando se refere aos

destinos de uma sociedade. É esse indivíduo que irá decidir, a partir de suas próprias

concepções, definidas acerca da suas necessidades para o seu trabalho, a respeito do tipo de

formação que deverá ser oferecida às suas crianças e adolescentes. Sendo assim, não basta

apenas afirmar a necessidade de investimentos na educação infantil ou de adolescentes

separadas da “educação dos adultos”, pois a educação4 das crianças depende

significativamente das circunstâncias existentes na família.

É certo que a consciência dos pais não vem necessariamente de sua

formação educacional, mas, certamente, a “formação dos pais constitui-se como um dos

fatores de extrema relevância no processo de educação dos seus filhos”.

(PINTO,1986,p.81)

Portanto, na medida em que a sociedade vai se desenvolvendo, a

necessidade da educação, inclusive a dos adultos, torna-se mais importante para o

desenvolvimento educacional, social e econômico do país.

Mas, mesmo entre aqueles que têm um trato mais profundo com os

problemas de educação e de ensino no país, é comum perceber um quase completo

desconhecimento da importância e da significação das questões que envolvem a Educação

de Adultos, no que tange ao desenvolvimento da Nação, considerando a sua relação com o

mundo do trabalho e a formação das pessoas.

Mediante esta situação, pouca coisa é possível alinhar como verdadeira

realização nesta área da educação, quer no plano da ação oficial, quer no que se refere à

iniciativa privada, dadas a pouca capacitação dos trabalhadores para a realização de tarefas

mais complexas, o que contribui para o alto índice de desemprego.

4 Educação aqui está sendo considerada como a formação do homem em toda a sua complexidade, o que o

torna “ser humano”. A educação numa perspectiva de “educação universalizada” descrita por Neidson

Rodrigues (1998), e proposta pela UNESCO aos países em desenvolvimento.

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37

Os cursos de alfabetização de adultos que constituem a forma mais

elementar na solução da questão, quando existem, funcionam com incipiência e insipiência

verdadeiramente lastimáveis. À míngua de recursos, de assistência técnica e mesmo de

atenção esclarecida dos responsáveis pela sua manutenção, não é de se admirar que esses

cursos não atendam aos seus propósitos.

Além disso, no Brasil, os programas de educação de adultos já

implementados sempre foram organizados em função de objetivos políticos imediatos e,

talvez, por isso não tenham conseguido atingir seus principais objetivos, mantendo na

condição de analfabeto um grande número de brasileiros.

Mediante essa constatação, os Programas de Alfabetização implementados

deixaram de atender um número significativo de pessoas e, quando as atendeu,

transformaram muitas delas em analfabetas funcionais.

Assim, o que deveria servir como possibilidade para a solução dos

problemas ligados ao analfabetismo contribuiu para o surgimento de inúmeros novos

problemas, os quais são resultantes de uma relação mal sucedida, portanto frustrada, com

os alunos alfabetizandos.

Acreditamos que a relação que existiu entre os Programas e os alunos

jovens e adultos alfabetizandos ainda não foi suficientemente discutida, portanto, ainda

carece de esclarecimentos para uma melhor compreensão do fenômeno.

A existência de um número alarmante de pessoas analfabetas no Brasil, que

nunca freqüentaram cursos de alfabetização, portanto nunca foram atendidas por nenhum

Programa, somado às pessoas que freqüentaram algum curso, mas não se alfabetizaram ou

se tornaram analfabetas funcionais, constitui fato importante na educação brasileira, o qual

não deve ser ignorado, mas ser investigado.

O reconhecimento da situação educacional que envolve a questão do

analfabetismo no Brasil tem tornado urgentes e necessárias novas investigações acerca do

tema. Assim, estamos diante do problema de pesquisa dessa Tese: Qual a relação que

Page 53: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

38

existiu entre os Programas de Alfabetização e os analfabetos que não tiveram suas

necessidades educacionais atendidas ao longo de suas histórias de vida?

Consideramos, no entanto, “atendidas5 as necessidades educacionais do

analfabeto” a garantia da possibilidade de “acesso” aos programas de alfabetização com

“aproveitamento”. Nesse caso, acesso está sendo considerado como o ingresso do

analfabeto no programa e aproveitamento, como ter sido alfabetizado com letramento.

Para melhor direcionar as investigações pretendidas nessa pesquisa, foram

elaboradas algumas questões norteadoras, as quais foram formuladas com base nos

elementos que constituem a questão central:

1 – Os programas de alfabetização atenderam (acesso e aproveitamento) às

necessidades educacionais desses analfabetos?

2 – Se tiveram apenas parte de sua necessidade educacional atendida

(acesso), por que não se alfabetizaram (aproveitamento) nesse programa, especificamente?

3 – Por que muitos se tornaram analfabetos funcionais?

4 – Que fatores interferiram para que esse processo não se realizasse como

pretendido?

Espera-se que essas questões conduzam a investigação para um

aprofundamento que possibilite perceber se as condições de oferta propostas pelos

Programas viabilizavam o acesso e a permanência dos adultos analfabetos nos cursos de

alfabetização, os quais foram organizados essencialmente para com o fim de atendê-los.

Desta maneira, esta pesquisa constituiu-se na busca pela realização dos

seguintes objetivos geral e específicos, os quais estão vinculados às questões elaboradas

anteriormente.

5 Faz importante esta consideração, uma vez que alguns programas de alfabetização como o PAS não

esclarecem o sentido que dá à palavra “atendidas” e por isso recebem inúmeras críticas, visto que o termo

“atendimento” pode fazer referência à caridade, ou de dar atenção a quem padece

Page 54: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

39

O objetivo geral é compreender o motivo/razão de esses assentados não

terem sido alfabetizados, embora tenham sido implantados vários programas de

alfabetização ao longo de suas vidas.

Os objetivos específicos são em número de quatro, a saber:

Conhecer os Programas de Alfabetização de Adultos

implantados no Brasil nos períodos de vida dos analfabetos/assentados, mesmo

quando não citados por eles em suas Histórias Orais de Vida;

Investigar fatores intrínsecos e extrínsecos aos principais

Programas de Alfabetização que possam ter contribuído com a manutenção

dessas pessoas na condição de analfabetas.

Reconstruir as histórias de vida dos analfabetos/assentados,

relacionado-as com as diretrizes que nortearam as propostas dos Programas

implantados no Brasil, nos períodos de vida desses sujeitos;

Sugerir propostas de Alfabetização de Adultos que visem

minimizar as injustiças que mantêm as pessoas adultas na condição de

analfabetas, tendo como referência as concepções de Alfabetização de Paulo

Freire, de Letramento e Alfabetização, dos Novos Movimentos Sociais para a

Educação do Campo,.

3.2 Etapas da Pesquisa

Esta pesquisa foi desenvolvida em quatro etapas, que se subdividem em

fases da investigação. Estas etapas e fases foram definidas no sentido de melhor orientar o

desenvolvimento da pesquisa, pois em cada uma delas buscamos atender a um tipo de

pesquisa previsto anteriormente.

Page 55: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

40

1ª Etapa:

Pesquisa teórico-bibliográfica, utilizando-se de obras de pesquisadores

conceituados, que tenham se dedicado aos estudos referentes à Alfabetização de Jovens e

Adultos, Paulo Freire, Letramento e Alfabetização, Novos Movimentos Sociais e

Educação do Campo. E, ainda, na pesquisa documental acerca das diretrizes dos

Programas implantados e na realização de entrevistas com educadores dos Programas de

Alfabetização de Adultos da Bahia, incluindo o Pronera.

Consiste nas seguintes fases:

1ª fase: Seleção bibliográfica, leitura e fichamento de obras referentes aos

temas já citados acima;

2ª fase: Reconstrução diacrônica da história dos Programas de

Alfabetização mais citados nas Histórias de Vida dos sujeitos

analfabetos/assentados, enfatizando os mais relevantes aos objetivos desta

investigação.

3ª fase: Entrevista semi-estruturadas com educadores dos Programas de

Alfabetização de Adultos da Bahia, Professora Dilza Atta – Professora

Emérita da UFBA e Pesquisadora dos Temas ligados à EJA na Bahia;

Professora Verônica Rosa Pereira- Pedagoga e Coordenadora das Ações do

PAS e Brasil Alfabetizado no Município de Porto Seguro; Professora

Joseane Batista Alves – Socióloga e Coordenadora do Pronera na UNEB,

Professor Mauro Roque de Souza Junior – Professor e Coordenador

Regional do PRONERA nos assentamentos estudados, os quais também

tiveram seus depoimentos relacionados com as histórias de vida dos

assentados e com as análises dos referidos Programas estudados.

4ª fase: Pesquisa documental e análise das propostas dos Programas e

Campanhas de Alfabetização de Adultos implantados no período em

Page 56: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

41

estudo. Campanha de Educação de Adolescentes e Adultos (CEAA) nos

anos de 1940 a 1963; a Campanha Nacional de Educação Rural (CNER) de

1949; a Campanha Nacional de Erradicação do Analfabetismo (CNEA) de

1958; o Movimento de Educação de Base (MEB) de 1961; Plano Nacional

de Educação; Centros Populares de Cultura, motivados pela União

Nacional dos Estudantes, de 1963 e 1964; o Movimento Brasileiro de

Alfabetização (MOBRAL) de 1967 a 1985; o Programa Alfabetização

Solidária, de 1996; o Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária

(PRONERA) de 1998.

2ª Etapa:

Coleta de dados iniciais, como informações que contextualizam o

movimento de luta pela posse da terra na região, a implantação dos assentamentos em

foco, o número de assentados analfabetos, número de analfabetos envolvidos nos

Programas – universo total e universo a ser pesquisado, número de adultos alfabetizados,

as regiões e os municípios de origem dessas pessoas e outros

1ª fase: Coleta dos dados e informações iniciais;

2ª fase: Organização dos dados coletados;

3ª fase: Análise dos dados iniciais, numa perspectiva quantitativa.

3ª Etapa

Reconstrução da trajetória de História de Vida dos assentados em questão,

voltando-se sempre para os fatores que possam ter contribuído para a manutenção desse

adulto na condição de analfabeto.

Consiste nas seguintes fases:

Page 57: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

42

1ª fase: Entrevista, com roteiro semi-estruturado, com questões abertas,

deixando plena liberdade para o respondente, realizada com

assentados/analfabetos envolvidos no Programa de Alfabetização de

Adultos do Pronera, visando a reconstrução de suas Histórias de Vida;

2ª fase: Levantamento dos principais fatores na História de Vida dos

assentados investigados que possam ter contribuído para a manutenção de

suas condições de analfabetos.

Nesta fase, deverão ser observados atentamente os fatores relatados numa

seqüência de várias entrevistas realizadas em momentos diferentes, em

torno do mesmo tema.

3ª Fase: Análise das informações coletadas nas Histórias de Vidas dos

investigados, tendo como referência a Análise de Conteúdo de Laurence

Bardin.

4ª Etapa:

Confronto entre os resultados das análises realizadas acerca das diretrizes

dos Programas Campanhas examinados, as condições de vida desses assentados nos

momentos em que foram implementados e análise e interpretação das entrevistas com

educadores dos Programas de Alfabetização de Adultos da Bahia.

Consiste nas seguintes fases:

1ª fase: Aproximação das diretrizes norteadoras dos Programas e

Campanhas analisados, momentos de implantação e condições de oferta

desses Programas e Campanhas de Alfabetização de Adultos com relatos

nas Histórias de Vida dos analfabetos/assentados;

2ª fase: Registro das divergências percebidas, após análise comparativa,

entre as diretrizes norteadoras, condições de implantação e oferta desses

Page 58: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

43

Programas e Campanhas de Alfabetização e os fatores relatados nas

Histórias de Vida dos assentados.

3º fase: Elaboração de propostas e sugestões que minimizem o

distanciamento entre as propostas de alfabetização de adultos e a realidade

de vida desses cidadãos.

Tendo as referências teóricas como norteadoras para a análise dos dados e

informações coletadas em campo, seguindo metodologia descrita, ao fim desta

investigação sugere-se uma nova possibilidade de olhar para a Alfabetização de Jovens e

Adultos no Brasil, a fim de que esta possa se constituir, juntamente com outras, na

elaboração de futuras propostas. Esperamos que, partir desse novo olhar, surjam propostas

que realmente estejam afinadas com as proposições teóricas e com as reais condições de

vida dos assentados analfabetos.

A partir do confronto entre os principais pontos de dificuldades de cada uma

das trajetórias de vida desses sujeitos com as propostas já implantadas, esperamos

conhecer a real causa de esses cidadãos ainda permanecerem na condição de analfabetos.

Assim, procurando minimizar esses conflitos, deve-se sugerir algumas reflexões a serem

consideradas no momento de se elaborar uma proposta de alfabetização de adultos. Assim,

espera-se que as mesmas sejam mais coerentes com as necessidades desses sujeitos e com

as teorias existentes, principalmente com as empregadas aqui como referências para análise

dos programas.

3.3 Procedimentos Metodológicos

3.3.1 Desvendando o Campo Empírico

O campo de realização dessa investigação compreende os Projetos de

Assentamento identificados nesta pesquisa como A16, localizado no Município de

6 Por questões éticas e para preservar o sigilo dos assentamentos e das pessoas e que tiveram suas H.V.

reconstruídas e seus dados e informações investigados, optou-se por não revelar seus nomes.

Page 59: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

44

Eunápolis/BA e A2, no Município de Porto Seguro/BA. Ambos na região do Extremo Sul

da Bahia, estado da Bahia.

Esses assentamentos foram escolhidos por apresentarem peculiaridades

bastante divergentes, o que possibilita um “estudo dos casos ou multicasos (...) construindo

as relações contrastantes e totalizantes.” (MACEDO,2004).

O Projeto de Assentamento A1 possui uma história de luta mais acirrada

pela posse da terra, enquanto que no Projeto de Assentamento A2 as lutas pela posse da

terra foram menos acirradas. Talvez, como resultado dos diferentes processos de conquista

das terras, as estruturas físicas das salas de aula também difiram muito entre os Projetos de

Assentamentos. No A1, onde as lutas foram mais acirradas, as salas de aula são bastante

precárias, enquanto que no A2, onde as lutas foram menos acirradas, as instalações são

bem melhores, mas não chegam a ser ideais.

O número de famílias assentadas no A1 é de 250 (duzentas e cinqüenta) e

no A2 é de 350 (trezentas e cinqüenta), o que os caracterizam como os maiores da região

em número de lotes/famílias/assentados.

Dentre os fatores que influenciaram na seleção desses assentamentos,

destacamos a localização e a facilidade de acesso para a realização da pesquisa, uma vez

que não se contou com financiamento ou bolsa. Ainda, levou-se em conta o tempo exigido

para a conclusão da investigação. O A1 está localizado a 10 (dez) quilômetros do centro do

Município de Eunápolis e o A2 a 15 (quinze) quilômetros do centro do Município de Porto

Seguro, ambos com fácil acesso.

Mediante a evidência de alguns fatores ligados ao perfil dos sujeitos desta

pesquisa, os quais motivaram a realização da mesma, optou-se pela realização de uma

breve pesquisa, que consideramos inicial ou de sondagem, a fim de que se levantassem

dados e informações que contribuíssem para a eleição dos caminhos metodológicos a

serem seguidos na investigação.

Page 60: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

45

Para a primeira aproximação com o campo empírico, foi necessária a coleta

de dados e informações iniciais. Para isso, foi elaborado um questionário simples, o qual

foi aplicado aos assentados com idade acima de 15 anos, que participaram do Pronera e

que tivessem sido alfabetizados e, também, aqueles que informaram que participaram do

Pronera, mas não se alfabetizaram por terem evadido do Programa, nos Assentamentos,

totalizando um universo de 149 pessoas.

O questionário possibilitou identificar que a faixa etária dos entrevistados

estava situada entre 18 a 62 anos, e, que 88 deles são do sexo feminino, enquanto 61, do

sexo masculino.

A identificação do município de origem das pessoas/famílias assentadas

apontou para uma grande diversidade, sendo que 134 pessoas/famílias vieram do próprio

Estado da Bahia, 09 pessoas/famílias do Estado de Minas Gerais, 02 pessoas/famílias do

Estado do Espírito Santo e 01 pessoa/família do Estado de Pernambuco, conforme aponta a

tabela 01, a seguir:

Município de Origem Número de

Pessoas/famílias

Camaçã/BA 27

Pau Brasil/BA 09

Mascote/BA 31

Itabuna/BA 08

Ilhéus/BA 05

Una/BA 02

Porto Seguro/BA 11

Santa Maria do Salto/MG 02

Eunápolis/BA 15

Itapebi/BA 03

Guaratinga/BA 01

Medeiros Neto/BA 02

Jucuruçu/BA 01

Itamaraju/BA 04

Page 61: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

46

Viana/ES 01

Linhares/ES 01

Salto da Divisa/MG 06

Itajuípe/BA 02

Itarantim/BA 01

Almenara/MG 03

Potiraguá/BA 03

Jacinto/MG 01

Santa Cruz Cabrália/BA 04

Belmonte/BA 03

Feira de Santana/BA 01

Salgueiro/PE 01

TABELA 01: Município de Origem dos Assentados por assentado pesquisado.

Estes dados evidenciam que alguns assentados percorreram caminhos de

longa e média distância no decorrer das suas vidas até se engajarem no movimento, serem

assentados e terem oportunidade de participar das ações educativas do PRONERA.

Percebeu-se nessa investigação que a maioria dos respondentes já residia

nos municípios da região onde hoje estão os assentamentos, mas não eram nativos.

Portanto, a migração da maioria dessas pessoas já havia acontecido antes mesmo delas se

engajarem nos movimento de luta pela terra. Essa migração só teve fim após engajamento

dessas pessoas/famílias no MLT e conseqüente assentamento.

Quanto ao questionamento acerca do nível de instrução, 79 pessoas

responderam que tinham sido alfabetizadas pelo PRONERA e, 70 pessoas responderam

que ainda eram analfabetas, pois haviam evadido do programa. E, ainda, quando

perguntadas se já haviam freqüentado outros programas de alfabetização antes do

PRONERA, 92 responderam que sim e 57 responderam que não. É importante informar

que aqui nos referimos não apenas a programas de alfabetização de adultos, mas também à

educação escolar em idade regular, o que revelou ser muito grande o número de relações

mal sucedidas entre essas pessoas e a escola.

Page 62: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

47

Do total dos 149 pessoas entrevistadas que participaram do Pronera, 60

consideram que sabem ler e escrever, ao passo que 13 reconhecem saber poucas palavras,

06 só palavras conhecidas e apenas 22 que assinam o próprio nome. As demais 48

efetivamente não têm sequer nenhum desses níveis elementares de domínio de leitura e

escrita.

Mediante tais informações, optamos pela elaboração do quadro abaixo para

melhor visualização dos dados iniciais, acerca dos assentados que de alguma forma

participaram das ações do Pronera nos A1 e A2.

Sex

o

Entr

evis

tados

Fre

qüen

tara

m

outr

os

pro

gra

mas

Não

fre

qüen

tara

m

outr

os

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gra

mas

Consideram que sabem ler e

escrever

Sim

Pouca

s

pal

avra

s

Só a

s

conhec

idas

Ass

ina

o

nom

e

Não

F

88

42

46

47

04

05

05

27

M

61

50

11

13

09

01

17

21

Total

149

92

57

60

13

06

22

48 Tabela 02 - Informações iniciais dos assentados pesquisados.

É importante ressaltar que nos assentamentos estudados existe um total de

33 pessoas analfabetas que não participaram do projeto de alfabetização do Pronera, mas

que esses assentados também tiveram suas H.V. reconstruídas, seguindo critérios

estabelecidos por amostragem, assim como os demais sujeitos assentados dessa pesquisa.

Assim, esta investigação reconstruiu a História Oral de Vida de 19

(dezenove) pessoas desses assentamentos, as quais foram selecionadas tendo como

parâmetro inicial a participação ou não no Curso de Alfabetização de Jovens e Adultos do

Pronera, gerando as seguintes categorias:

Page 63: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

48

1ª Categoria: Pessoas assentadas adultas alfabetizadas pelo PRONERA;

2ª Categoria: Pessoas assentadas adultas alfabetizandas evadidas do

PRONERA;

3ª Categoria: Pessoas assentadas adultas analfabetas que não participaram

do PRONERA

3.3.2 Caracterização dos sujeitos em A1 e A2

Para a realização do Curso de Alfabetização do Pronera, no A1, foram

formadas também 04 (quatro) turmas de alfabetização de jovens e adultos, com 20 (vinte)

alunos em cada uma, num total de 80 (oitenta) alunos alfabetizandos. Desse total de

alunos, foram alfabetizadas um total de 49 (quarenta e nove) pessoas; uma vez que, 31

(trinta e uma) evadiram do curso de alfabetização de adultos do Pronera e não se

alfabetizaram.

No A2, embora seja um assentamento maior do que o A1, foram formadas

04 (quatro) turmas. Dessas turmas, 02 (duas) eram compostas por 20 (vinte) alunos cada,

01 (uma) por 15 (quinze) e 01 (uma) por 14 (quatorze) alunos7, num total de 69 (sessenta e

nove) alunos. Desse total de alunos, 30 (trinta) alunos foram alfabetizados e 39 (trinta e

nove) evadiram do curso de alfabetização de adultos do Pronera e não se alfabetizaram.

Portanto, nos dois assentamentos, 149 (cento e quarenta e nove) assentados

/analfabetos iniciaram as atividades do Curso de Alfabetização no Pronera, sendo que 79

(setenta e nove) foram alfabetizados e 70 (setenta) evadiram do curso, permanecendo ainda

na condição de analfabetos.

Os assentados investigados por esta pesquisa possuem entre 15 (quinze) e

62 (sessenta e dois) anos de idade. Essa faixa etária foi eleita por se considerar jovens e

adultos analfabetos, aqueles que aos 15 (quinze) anos de idade ou mais ainda não se

apropriaram da leitura e da escrita, mesmo tendo participado de Programas de

Alfabetização. Essa faixa etária, em que se considera uma pessoa analfabeta, está em

7 Esta turma teve suas atividades encerradas antes de se concluir o processo de alfabetização devido ao alto

número de evasão dos alunos, ocorrendo a fusão dos alunos nas demais turmas.

Page 64: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

49

consonância com as Diretrizes Curriculares para Educação de Jovens e Adultos, CNE 11/

2000,p.22.

Dada esta grande diferença na faixa etária dos alunos, optou-se por

investigar aqueles com idade mais avançada, uma vez que, acredita-se, deveriam ter tido

maior número de possibilidades e oportunidades de já terem se alfabetizado, o que não

impede de permanecer o critério de sorteio aleatório dentro desta categoria.

Ainda, por se considerar de extrema importância as questões relacionadas

ao gênero, principalmente quanto se trata de oportunidades de acesso e permanência no

ambiente escolar, dadas, infelizmente, às condicionantes sociais que ainda reprimem e

mantêm as mulheres numa condição subjugada, optou-se por considerar também este

aspecto nos critérios de escolha dos alfabetizados e analfabetos investigados e que,

portanto, tiveram suas Histórias Orais de Vida reconstruídas.

Detectou-se que no total de 49 (quarenta e nove) pessoas alfabetizadas pelo

Pronera no A1, 13 (treze) são do sexo masculino e 36 (trinta e seis) são do sexo feminino;

e dentre as 30 (trinta) pessoas alfabetizadas no A2, 09 (nove) são do sexo masculino e 21

(vinte e uma) do sexo feminino.

A partir dessa constatação, optou-se por realizar uma metodologia de

amostragem, selecionando, aproximadamente, 10 (dez) por cento do total de cada

categoria, de cada assentamento para terem suas Histórias de Vida reconstruídas, tendo

como critério o gênero, a faixa etária mais avançada e o sorteio aleatório dentro dessas

categorias.

Caracterização da 1ª categoria de sujeitos investigados:

Seguindo metodologia apresentada, das 49 (quarenta e nove) pessoas

alfabetizadas no A1, 05 (cinco) tiveram sua Histórias de Vida reconstruídas, sendo que,

dessas, 01 (uma) fora sorteada entre as 13 (treze) do sexo masculino e 04 (quatro) entre as

36 (trinta e seis) do sexo feminino. Dentre as 30 (trinta) pessoas alfabetizadas do A2, 03

Page 65: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

50

(três) tiveram suas histórias de vida reconstruídas, sendo que 01 (uma) fora sorteada entre

as 09 (nove) do sexo masculino e 02 (duas) entre as 21 (vinte e uma) do sexo feminino.

Assim, 08 (oito) pessoas que se alfabetizaram no Pronera, nos dois

assentamentos em foco, tiveram suas HV reconstruídas.

Caracterização da 2ª categoria de sujeitos investigados:

Partindo do número de pessoas que evadiram do Curso de Alfabetização do

Pronera, nos dois assentamentos em estudo, que foi de 70 (setenta) pessoas, 31 (trinta e

uma) são do A1, sendo que 18 (dezoito) são do sexo masculino e 13 (treze) do feminino; e

39 (trinta e nove) são do A2, sendo que 23 (vinte e três) são do sexo masculino e 16

(dezesseis) do feminino. Assim, optou-se, também, por reconstruir a História de Vida de

10% do número de pessoas evadidas do Pronera em cada assentamento. Portanto, das 31

(trinta e uma) pessoas evadidas no A1, 03 (três) tiveram suas histórias de vida

reconstruídas, sendo que 02 (duas) são do sexo masculino e 01 (uma) do feminino; e dentre

as 39 (trinta e nove) evadidas no A2, 04 (quatro) tiveram suas Histórias de Vida

reconstruídas, sendo que 02 (duas) são do sexo masculino e 02 (duas) do feminino.

Atentamos que a escolha dos sujeitos dessa pesquisa, dentro das categorias, para terem

suas HV reconstruídas, fora aleatória e se deu por sorteio.

Caracterização da 3ª categoria de sujeitos investigados:

Ainda entre os assentados, estão os sujeitos analfabetos que não

participaram do Programa de Alfabetização do Pronera nos dois Assentamentos

pesquisados. O número de assentados nessa categoria é de, aproximadamente8 , 33 (trinta e

três) pessoas nos dois assentamentos. Dessas pessoas, 21 (vinte e uma) são do A1, sendo

que 09 (nove) são do sexo masculino e 12 (doze) são do sexo feminino; e 12 (doze) são do

A2, sendo que 05 (cinco) são do sexo masculino e 07 (sete) são do sexo feminino..

8 Optou-se por empregar o termo “aproximadamente” por não se conhecer o número exato de analfabetos

nessa categoria, visto que muitos se mudaram para os outros assentamentos durante a pesquisa ou não se

identificaram como analfabetas, impossibilitando uma constatação exata.

Page 66: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

51

Optou-se também pelo critério de amostragem de 10% do total de pessoas

nessa categoria para a reconstrução de suas Histórias de Vida. Para tanto, no A1, dentre as

09 (nove) do sexo masculino, 01 (uma), e dentre as 12 (doze) do sexo feminino, também

01 (uma), tiveram suas Histórias de Vida reconstruídas, num total de 02 (duas); e no A2,

das 05 (cinco) do sexo masculino, 01 (uma), e das 07 (sete) do sexo masculino , também

01 (uma), tiveram suas Histórias de Vida reconstruídas, num total de 02 (duas).

As Histórias de Vida dessas pessoas foram correlacionadas com os

programas e campanhas de alfabetização de adultos já implantados no Brasil e com as

entrevistas concedidas pelos especialistas que atuaram em alguns desses programas, no

estado da Bahia, a fim de que se pudesse compreender a relação que existiu entre essas

pessoas e esses Programas implantados ao longo de suas trajetórias de vidas, principal

objetivo dessa investigação.

Para melhor entendimento e visualização das categorias, critérios e

respectivos assentamentos, de acordo com a eficácia do Pronera, seguem quadros

explicativos abaixo:

Categorização

das pessoas

assentadas

A1 A2

TOTAL

GERAL

FEM MAS TOTAL FEM MAS TOTAL

Iniciaram 49 31 80 44 25 69 149

Alfabetizaram 36 13 49 21 09 30 79

Evadiram 13 18 31 23 16 39 70

Não Participaram 12 09 21 07 05 12 33

*Nº de pessoas

analfabetas

25 17 42 27 17 44 86

Tabela 03 – Eficácia do Pronera nos Assentamentos Pesquisados.

(*) resultado da soma do número pessoas evadidas e do número de pessoas analfabetas que não participaram do curso

de alfabetização do Pronera.

Page 67: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

52

Categorização das

pessoas assentadas

A1 A2

FEM MAS FEM. MAS

Alfabetizados 4 1 2 1

Evadidos 1 2 2 2

Não Participaram 1 1 1 1

Total Parcial 6 4 5 4

Total Geral 10 09

Tabela 04 – Número de Assentados, por assentamento, que tiveram suas histórias de vida

reconstruídas.

Essa investigação conta ainda com entrevistas semi-estruradas, anexo I, as

quais foram realizadas com educadores de renome ligados à alfabetização de adultos e aos

programas nos períodos investigados, tais como Professora Dilza Atta – Professora

Emérita da UFBA e Pesquisadora dos Temas ligados à EJA na Bahia; Professora Verônica

Rosa Pereira- Pedagoga e Coordenadora das Ações do PAS e Brasil Alfabetizado no

Município de Porto Seguro; Professora Joseane Batista Alves – Socióloga e Coordenadora

do Pronera na UNEB, Professor Mauro Roque de Souza Junior – Professor e Coordenador

Regional do PRONERA nos assentamentos estudados, os quais também tiveram seus

depoimentos relacionados com as histórias de vida dos assentados e com as análises dos

referidos Programas estudados.

3.3.3. Fontes de Investigação e Referenciais Metodológicos de Coleta de

Dados e Informações

As fontes de investigação para realização deste projeto constituíram-se com

base na pesquisa bibliográfica especializada, na pesquisa documental para análise dos

programas e na pesquisa de campo.

Page 68: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

53

3.3.3.1 Pesquisa bibliográfica educacional especializada

A pesquisa bibliográfica, geralmente, considerada uma pesquisa

desenvolvida com base em materiais já elaborados, tais como revistas, livros e artigos

científicos. A pesquisa bibliográfica se dedica a análise de fontes que são constituídas

sobretudo por materiais impressos e estão localizadas nas bibliotecas, o que se denominou

nesta pesquisa como “Antecedentes Históricos”.

Nesse trabalho, como em quase todos os tipos de trabalhos desenvolvidos

nessa área, foi realizada uma Pesquisa teórico-bibliográfica, utilizando-se de obras de

pesquisadores conceituados, que se dedicaram aos estudos referentes à Alfabetização de

Jovens e Adultos, às teorias e idéias de Paulo Freire, acerca das teorias da Alfabetização e

Letramento, e, ainda, acerca das teorias dos Novos Movimentos Sociais e suas propostas

para Educação de Adultos do Campo.

3.3.3.2 Pesquisa documental para análise dos programas

Considerada como importante fonte de investigação, a pesquisa documental

foi utilizada como recurso precioso no aprofundamento das análises acerca das propostas

dos Programas de Alfabetização de Adultos estudados.

A pesquisa documental assemelha-se muito à pesquisa bibliográfica, ao

ponto de alguns autores como Gil (2002,p.45) mencionarem a dificuldade em distingui-las

com exatidão, a não ser em relação à natureza das fontes.

Para o mesmo autor, a pesquisa documental se vale de fontes muito mais

diversificadas e dispersas. Nessa categoria estão os documentos conservados em igrejas,

cartórios, museus, sindicatos, partidos políticos, secretarias, institutos e outras instituições

públicas e privadas.

Segundo Macedo (2004,p.170-171), citando Jean-Noel Luc 1993, o

“corpus dos textos oficiais é uma fonte importante para o pesquisador em ciências da

Page 69: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

54

educação”, e mesmo que estes documentos possam apresentar “sombras ideológicas, em

geral, esses documentos oferecem definições significativas sobre políticas educacionais”.

É importante ressaltar que as fontes documentais podem ser consideradas

como relativamente estáveis, o que “facilita sobremaneira o trabalho do pesquisador

interessado na qualidade das práticas humanas e com a fugacidade destas”.

(MACEDO,2004,p.171)

Porém, os documentos podem se apresentar de diferentes formas, o que

pode tornar o acesso a estes documentos bastante difícil, por isso recorreu-se às

orientações de Laville & Dionne (1999, p.167) de que no momento da coleta dos dados e

informações “os dados estão lá, resta fazer sua triagem, criticá-los, isto é, julgar sua

qualidade em função das necessidades da pesquisa, codificá-los ou categorizá-los...”.

Portanto, segundo os mesmos autores (ibidem,p.168), os documentos

devem ser coletados e somente depois devem passar pela primeira organização e,

posteriormente, pelas análises pretendidas.

Assim, optou-se por definir para a primeira organização dos documentos

utilizados nessa pesquisa em relação aos programas da seguinte forma:

1 - o momento histórico-político em que os mesmos foram implantados;

2 - analisar os objetivos propostos;

3 - o público alvo que cada um deles pretendia atender;

4 - qualificação exigida para os docentes;

5 - os recursos didáticos disponibilizados;

6 – garantias de acesso e de permanência.

Dessa forma, o Programas, Campanhas e Projetos foram estudados e

analisados a partir de uma proposta de pesquisa documental que visou à realização dos

objetivos propostas para esta pesquisa como norteador dos estudos acerca dos programas.

Page 70: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

55

3.4 Instrumentos Utilizados na Pesquisa de Campo

3.4.1 Organizando o Campo Empírico

Torna-se nesse momento importante ressaltar que, segundo Paiva (1983, p.

134), os principais problemas que tornaram ineficazes os maiores Programas de

Alfabetização de pessoas adultas no Brasil estão ligados aos planos educacionais com

interesses políticos, métodos fracassados de ensino, influências de organismos

internacionais, influências políticas e carência de recursos.

E ainda que, para Gadotti (2001,p.35), "o analfabetismo é a expressão da

pobreza, conseqüência inevitável de uma estrutura social injusta", e que, para o mesmo

autor, "o analfabetismo não é uma questão pedagógica, mas uma questão essencialmente

política".

Assim, deve-se considerar essas afirmativas bastante provocadoras, pois

certamente nos remetem à reflexões profundas acerca da alfabetização de pessoas adultas

no Brasil. Essas reflexões permitem-nos desconstruir uma história, gerando, como efeito,

um emaranhado de dúvidas em relação às histórias e memórias da educação e da

alfabetização de jovens e adultos no país.

As afirmações de Paiva (1983) e Gadotti (2001) impulsionaram a

formulação de instrumentos de investigação em torno dos diversos fatores que possam ter

contribuído para que as pessoas ainda permanecessem na condição de analfabetas ou de

analfabetas funcionais até tão pouco tempo atrás, ou que ainda permaneçam nessa

condição.

Para isso, a partir da literatura estudada para a construção dos instrumentos

de reconstrução das H.V9. dos assentados foram considerados alguns fatores

9 H.V. de agora em diante será empregado nesta pesquisa para denominar as Histórias de Vida dos

assentados.

Page 71: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

56

condicionantes do acesso e do aproveitamento educacional nos programas de alfabetização

pelos quais os assentados já tenham participado ou que não tenham participado, tais como:

Há casos em que a permanência na condição de analfabeto

foi resultado de opção pessoal.

Há casos em que a permanência na condição de analfabeto

foi resultado falta de condições ou de oportunidade.

As condições sócio-econômicas e outros fatores que possam

garantir o acesso e a permanência dessas pessoas nos Programas não foram

levados em consideração no momento em que foram elaboradas e implementadas

as propostas de alfabetização de adultos no Brasil. – (Aqui nos deteremos aos

programas que serão analisados nessa pesquisa).

O desemprego, os baixos salários e as péssimas condições de

vida dessas pessoas contribuíram para a sua permanência na condição de

analfabetas.

A má formação dos professores/alfabetizadores constituiu-se

como fator relevante para levar essas pessoas à condição de analfabetos

funcionais.

O métodos fracassados de ensino, copiados de forma acrítica

de outros países, estimulou as pessoas ao abandono do curso ou programa. ( Aqui

nos deteremos aos programas que serão analisados nessa pesquisa.)

As carências de recursos didáticos são fatores responsáveis

pela manutenção dessas pessoas na condição de analfabetas.

A inserção dessas pessoas analfabetas no MLT provocou

nelas o desejo ou a necessidade de se alfabetizarem.

Ainda carecemos de um Programa constituído de propostas

que realmente estejam voltadas para os reais interesses dessas pessoas.

Faz-se importante informar que para responder a essas questões, foram

consideradas as percepções dos sujeitos analfabetos/assentados, uma vez que vários

estudos, considerando primordialmente a percepção dos pesquisadores, já foram

realizados.

Page 72: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

57

3.4.2 História de Vida como instrumento de coleta de dados e informações

Embora a História Oral de Vida seja considerada também uma forma de

pesquisa documental, pois os “documentos redigidos a partir da HV, são muitas vezes,

extremamente vivos: neles descobrem-se pontos de vista originais sobre experiências

pessoais, até mesmo íntimas em detalhes...” (LAVILLE & DIONNE, 1999 p159),

optamos por destacá-la, também10

, como instrumento de coleta de dados e de informações

na Pesquisa de Campo, dada a relevância das informações por meio dela coletadas para a

investigação a que se propõe.

Essa possibilidade é confirmada por Meihy (2002, p. 15), ao afirmar que a

HV pode ser um “instrumento eficaz para o estabelecimento de uma ótica diferenciada

das informações e análise conferidas pela História Oficial, sendo capaz, igualmente, de

possibilitar uma nova visibilidade daquele fenômeno histórico.”

Porém, torna-se de fundamental importância ressaltar que a pesquisa que se

utiliza do método HV não deve ser confundida com uma autobiografia, pois consiste num

relato fiel da experiência de um sujeito e da interpretação feita por ele do mundo em que

vive.

Daí, a HV, para Laville & Dionne(1999,p.159), poder ser considerada

como uma forma de Estudo de Caso, pois possui um princípio de apreensão da totalidade

sócio-cultural e histórica.

Nesta pesquisa, a HV, portanto, caracteriza-se tanto como instrumento de

coleta de informações para a realização da investigação quanto como referencial teórico

de análise dessas informações. No caso de sua utilização como instrumento de coleta de

dados e informações, optou-se por organizá-la com base nas sugestões de Meihy

(2002,p.76), anexo II apresentadas a seguir:

10

A expressão “também” foi empregada aqui uma vez que a História de Vida será utilizada

nesta pesquisa como Referencial Teórico-Metodológico na análise das informações.

Page 73: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

58

As entrevistas foram organizadas em 4 (quatro) blocos clássicos na

história oral: infância, evento fundamental, presente e futuro.

As entrevistas, mesmo tendo a referida organização, serão semi-

estruturadas.

Após a autorização prévia11

, as entrevistas foram ser gravadas e

transcritas. As perguntas foram “amplas, sempre colocadas em grandes

blocos, de forma indicativa dos grandes acontecimentos. O pesquisador

deve ouvir mais que perguntar”(MEIHY,2002,p.76).

Buscou-se, dessa maneira, alcançar os pontos contraditórios que geraram as

questões central e norteadoras dessa investigação, pois segundo Ludke (1988,p.61), “a

pesquisa qualitativa é um confronto constante entre as evidências recolhidas e o

embasamento teórico”.

3.4.3 Entrevistas Semi-Estruturadas com especialistas

As entrevistas semi-estruradas têm se tornado uma forma de coleta de

informações para investigações mais comuns, dada a sua possibilidade de maior

flexibilidade em relação aos questionários.

Nesse trabalho, a entrevista semi-estruturada foi norteada pelos interesses

da investigação, detectados nas Histórias Orais de Vida das pessoas assentadas, os quais

foram destacados e registrados em folha própria, conforme anexo I. Esses interesses da

pesquisa foram selecionados pelo pesquisador e estão voltados para o objeto da pesquisa

que é a relação que existiu entre os analfabetos e os programas de alfabetização, visando o

objetivo da investigação.

Dada a dificuldade da realização dessas entrevistas, uma vez que o

entrevistado não é o solicitante, esteve-se atento à motivação adequada e constante do

11

A autorização prévia se deu por meio de termo de compromisso assinado pelo entrevistado (Anexo III)

Page 74: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

59

entrevistado. Por isso, ateve-se ao tema especificado e à escolha e formulação adequada

das questões.

3.4.4 Análise da Conversação

Faz-se importante informar que a Análise da Conversação será aqui

empregada apenas como método de transcrição das expressões orais e não com

possibilidade de discussões das mesmas.

A Análise da Conversação, desde o início, estabeleceu como principal

preocupação a “vinculação situacional e, em conseqüência, como o caráter pragmático da

conversação e de toda a atividade lingüística diária”. (MARCUSCHI,1986,p.08).

Para tanto, deve-se atentar numa transcrição com as informações

adicionais, as que devem ser claramente definidas e em acordo com os objetivos propostos

para a investigação. Assim, não há transcrição melhor, pois todas são boas quando não

desprezam os seus objetivos e não deixam de assimilar o que lhe convém.

Nesse sentido, visando minimizar os problemas que possam vir a interferir

na interpretação das sentenças orais, elegemos os sinais de transcrição sugeridos por

Marcuschi (1986,p.10-3), em anexo IV.

Ainda, uma das preocupações que mais nos desperta a atenção, no que

tange às transcrições das sentenças orais, está relacionada à organização das seqüências,

uma vez que Marcuschi (1986,p.20) nos atenta para algumas possibilidades de elaboração

de perguntas e respostas. Para ele, esta é “uma das seqüências conversacionais mais

comuns (...) e exibe várias formas de realizações” (MARCUSCHI,1986,p.31), às quais

devemos estar atentos, a fim de evitar induções às respostas que desejamos.

Para o mesmo autor, em geral, são identificados dois tipos mais

importantes de perguntas: o tipo “SIM ou NÂO” e o tipo “SOBRE ALGO”; que também

Page 75: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

60

são denominadas como “perguntas abertas” (PA) ou “informativa” (PI) e “perguntas

fechadas” (PF).

Porém, a preferência a esse tipo de pergunta, “SIM ou NÃO”, é em

decorrência das respostas elípticas que, no caso de um “SIM” como resposta afirmativa,

em geral, permitem ao pesquisador (entrevistador) uma gama de interpretações aceitáveis,

tendo o “SIM” como referência interpretativa.

Portanto, visando limitar as possibilidades de interpretação, optamos pelas

perguntas abertas, sempre atentando para o que Marcuschi denomina de “modalizador”.

Em uma pergunta com “modalizador”, pode ser sentida a preferência por uma resposta

esperada, negativa ou positiva. Podemos perceber que, de certo modo, essa pergunta tende

como uma proposta de resposta e não propriamente como uma indagação. Ciente dessas

possibilidades que Marcuschi nos alerta, atentou-se para esses aspectos.

Reforçamos, ainda, que a Teoria da Análise da Conversação somente será

utilizada nesta pesquisa como referência para as transcrições das entrevistas orais e para a

elaboração de perguntas, e não como teoria de análise das respostas ou informações, uma

vez que para isso elegemos a Teoria da Análise do Conteúdo, de Bardin (1977), apoiando-

se na História Oral de Vida.

Optou-se por realizar esta pesquisa de forma que as propostas de

alfabetização dos Programas, Projetos e Campanhas foram estudadas de forma mais

aprofundada, permitindo uma aproximações desse estudo com vozes dos assentados e dos

especilistas, com o objetivo de promover as discussões que levaram ao entendimento de

alguns motivos e/ou razões de essas pessoas permanecerem por tanto tempo na condição

de analfabetas.

Dessa forma, pôde-se perceber a relação que existiu entre os Projetos

implementados e os analfabetos; percepção esta possibilitada pelo acesso às histórias de

vida desses sujeitos assentados e às vozes dos especialistas que atuaram nesses principais

projetos.

Page 76: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

61

Para a realização dessa análise, empregou-se como referência e eixo

norteador as categorias utilizadas para análise dos Projetos, Programas, Campanhas e

Movimentos voltados para a alfabetização de adultos no Brasil.

Portanto, as categorias que nortearam a análise desses documentos nessa

pesquisa, foram as seguintes:

1 – o momento histórico-político em que o programa foi implantado;

2 – os objetivos propostos pelo programa;

3 - o público alvo a quem o programa pretendia atender;

4 - a qualificação exigida pelo programa para os docentes;

5 - os recursos didáticos disponibilizados para o programa;

6 – garantias de acesso e de permanência.

Os Programas, Projetos e Campanhas estudados foram selecionados, tendo

como critérios:

A - a importância histórica percebida nos “Antecedentes Históricos”;

B - a consonância com a faixa etária dos sujeitos investigados;

C - as informações dos assentados dos PA1 e PA2, por meio do questionário

aplicado na “Pesquisa Inicial ou de Sondagem”.

Os Programas, Projetos e Campanhas analisados foram os seguintes:

1 - Campanha de Educação de Adolescentes e Adultos (CEAA-1947)

2 - Campanha Nacional de Educação Rural (CNER- 1952)

3 - Campanha Nacional de Erradicação do Analfabetismo (CNEA – 1958 -

1963 )

4 - Movimento de Educação de Base (MEB) de 1961 – 1964

5 - Plano Nacional de Alfabetização

6 - Centros Populares de Cultura

7 - Movimento Brasileiro de Alfabetização (MOBRAL)

Page 77: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

62

8 - Fundação Educar

9 - Programa de Alfabetização Solidária

10 - Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (PRONERA)

11 - Programa “Brasil Alfabetizado” – MEC

Os especialistas entrevistados, apresentados a seguir, são profissionais que

atuaram, atuam ou vivenciaram como estudiosos, profissionais ou espectadores

experiências relacionadas aos Programas, Projetos, Campanhas ou Movimentos de

alfabetização no Brasil, como profissionais:

D A = Professora aposentada da Faculdade de Educação da Universidade

Federal da Bahia.

M R S J = Coordenador Regional do Pronera no Campus XVII da UNEB,

em Eunápolis.

J B A = Responsável Técnica pelos Projetos da Universidade do Estado

da Bahia para o PRONERA.

V R P = Coordenadora Programa de Alfabetização Solidária em Porto

Seguro

V R P = Coordenadora das Ações do Programa Brasil Alfabetizado em

Porto Seguro

A Tabela 04 representa os sujeitos que tiveram suas Histórias de Vida

reconstruídas.

Visando uma maior facilidade na interpretação das informações, elaborou-se

uma legenda de identificação dos analfabetos assentados, apresentada a seguir

Alf = Alfabetizado(a)

Evad = Evadido(a)

NP = Não Participou do Pronera

Primeiro Número = Assentamento

Segundo Número = Ordem da entrevista

f = feminino

Page 78: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

63

m = masculino

últimos Números = Idade

Exemplo: Alf1.1f53 = Alfabetizada, Assentamento 1, primeira entrevistada, sexo

feminino, idade 53 anos

3.5 Referencial Teórico-Metodológico para Tratamento dos Dados e

Informações

3.5.1 História Oral de Vida como referencial de análise

Faz-se necessário reforçar que a História Oral de Vida foi empregada como

instrumento de coleta de dados e de informação na realização da Pesquisa de Campo e

que, a mesma, também foi empregada como referencial teórico-metodológico de análise

das informações, uma vez que, segundo Macedo (2004,p.177), a HV se desprende da

linearidade e da uniformidade dos fatos narrados pela história oficial. Nesse sentido,

segundo o mesmo autor, a HV proporciona aos “atores sociais ignorados e excluídos (...)

adquirirem a dignidade e sentido de finalidade ao rememorar a própria vida,

contribuindo pela valorização da sua „linha de vida‟ para a formação de outras

gerações”.

Portanto, faz-se necessário destacar a importância da “pesquisa qualitativa

para os estudos interpretativos e da HV como uma de suas ferramentas mais valiosas

quando se trata de analisar a inserção entre a vida individual e o contexto social.”

(MEIHY, 2002, p. 34).

Optamos, portanto, pela concepção qualitativa, numa perspectiva de

História Oral de Vida, uma vez que para Meihy ( 2002, p. 15) a HV “implica uma

percepção do passado como algo que tem continuidade hoje e cujo processo histórico não

Page 79: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

64

está acabado”, ou seja, esse processo estudado ainda está em construção, uma vez que os

protagonistas dessas narrativas ainda estão construindo e vivendo suas histórias

Portanto, entende-se que a história de vida e as narrativas orais e escritas de

si próprio permitem melhor compreender a singularidade e as trajetórias de formação dos

sujeitos nos campos pessoal e profissional já percorridos e os que ainda se percorre.

Embora a HV destoe de outras abordagens metodológicas, a sua

importância reside na apreensão e na análise das interpretações que as pessoas conferem a

sua própria experiência como justificação de seu comportamento.

Portanto, faz-se, importante nesse momento, trazer à tona um diálogo

acerca das possibilidades de pesquisas quantitativa e qualitativa nas ciências sociais, uma

vez que é ainda tema aberto, o que nos possibilita apresentar alguns elementos de

diferenciação entre as duas abordagens.

A investigação quantitativa atua em níveis de realidade, na qual os dados se

apresentam aos sentidos e tem como campo de práticas e objetivos trazer à luz fenômenos,

indicadores e tendências observáveis.

A investigação qualitativa trabalha com valores, crenças, hábitos, atitudes,

representações, opiniões e adequa-se a aprofundar na complexidade de fatos e processos

particulares e específicos de indivíduos e grupos. A abordagem qualitativa é empregada,

portanto, para a compreensão de fenômenos caracterizados por um alto grau de

complexidade interna.

Alguns autores como Macedo (2004,p.70-71) consideram que, do ponto

de vista metodológico, não há contradição assim como não há continuidade entre

investigação quantitativa e qualitativa. Ambas são de natureza diferente. Consideram

ainda que, do ponto de vista epistemológico, nenhuma das duas abordagens é mais

científica do que a outra. Ou seja, uma pesquisa, por ser quantitativa não se torna

“objetiva” e, portanto, “melhor”. Da mesma forma, uma abordagem qualitativa em si não

garante a compreensão em profundidade de um determinado fenômeno.

Page 80: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

65

Assim, podemos considerar que ambas são de natureza diferenciada, porém

não excludentes e podem ou não ser complementares uma à outra na compreensão de uma

dada realidade. Somente quando as duas abordagens são utilizadas dentro dos limites de

suas especificidades é que podem dar uma contribuição efetiva para o conhecimento.

Discutidas as possibilidades de abordagens metodológicas, estamos seguros

de que, para atingirmos os objetivos propostos por esta pesquisa, necessariamente tivemos

que desenvolvê-la utilizando as duas formas de abordagens. A quantitativa para

revelarmos alguns dados estatísticos iniciais importantes para o entendimento do contexto

real, como números de assentados analfabetos, números de analfabetos envolvidos no

Programas de Alfabetização estudado – universo total e universo a ser pesquisado –

número de alunos alfabetizados, número de alunos e de alunas, além do levantamento das

documentações referentes aos Programas analisados.

A abordagem qualitativa fora empregada na análise dos dados e das

informações coletadas na reconstrução da história oral de vida dos analfabetos/assentados

e na realização das entrevistas com os educadores da educação de jovens e adultos e do

campo no Estado da Bahia, tendo como método a realização de entrevistas, conforme já

dito anteriormente.

3.5.2 Análise do Conteúdo

Faz-se importante ressaltar que optamos por empregar os elementos da

Análise do Conteúdo por se constituir como uma análise “utilizada para produzir

inferências de dados verbais e/ou simbólicos, mas obtidos a partir de perguntas e

observações de interesse de um determinado pesquisador”. (FRANCO, 2003,p.10).

A preocupação da Análise do Conteúdo das mensagens, dos enunciados do

discurso e das informações é mais antiga do que os pressupostos que a institui atualmente

como epistemologia, teorias e procedimentos.

Page 81: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

66

A Análise do Conteúdo passou, gradativamente, por várias alterações ao

longo dos anos em que ela foi empregada. Inicialmente, a Análise do Conteúdo, pode-se

dizer, funcionava como a “definição dos símbolos e sinais das mensagens de Deus”

(FRANCO,2003,p.07).

Novamente, com o desenvolvimento da lingüística aplicada, por volta de

1930, outras pressões são exercidas sobre a metodologia da Análise do Conteúdo, o que

gerou e ainda geram muitas críticas e controvérsias.

Para Moscovici apud Franco (2003,p.41), a Análise do Conteúdo se situa

numa “encruzilhada” entre a lingüística e a Psicologia Social. A Psicologia Social se situa

no campo da significação; a Lingüística, na medida em que a Análise do Conteúdo se

interessa pela linguagem, cria uma situação em que reivindica a exclusividade nos estudos

acerca dos temas ligados à linguagem.

Porém, a lingüística tem como objeto de estudo a “língua”; enquanto que a

Análise do Conteúdo tem a palavra como objeto de interesse de investigação.

“A lingüística estuda a língua para descrever seu funcionamento.

A Análise do Conteúdo procura conhecer aquilo que está por trás

das palavras, sobre as quais se debruça”(PÊCHEUX, 1973: p.43;

apud FRANCO, 2003: p.10).

Cabe aqui explicitar que a Análise do Conteúdo se interessa não apenas

pela palavra dita ou escrita, mas pela mensagem também gestual, sentenciosa, figurativa,

documental ou provocada, as quais estão vinculadas, sempre, às situações contextuais em

que estão envolvidas os seus produtores, pois

“(...) mensagens com duplo sentido cuja significação profunda (a

que importa aqui) só surge depois de uma observação cuidada ou

de uma intuição carismática por trás do discurso aparente,

geralmente simbólico e polissêmico, esconde-se um sentido que

convém desvendar” (BARDIN,1977: p.14).

A Análise do Conteúdo, portanto, se presta ao tratamento da informação

coletada que esteja presente na mensagem. Assim, “não” cabe, portanto, a idéia de que a

Page 82: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

67

Análise do Conteúdo, como já fora apresentada em diversos estudos cujas análises se

fizeram a partir dessa concepção, se limita apenas ao conteúdo, uma vez que não somente

pode ser uma análise do “significante” (lexical ou de procedimentos), mas também dos

“significados” (temática).

Várias definições têm sido difundidas no mundo todo acerca da Análise do

Conteúdo. Muitas delas “têm insistido no aspecto manifesto das comunicações e no

caráter sistemático e quantitativo dos procedimentos”. (BARDIN, 1977: p.34). Porém,

continua sendo ponto de partida para definições como a de Berelson apud Bardin:

“Uma teoria de investigação que através de uma descrição

objetiva, sistemática e quantitativa do conteúdo do manifesto das

comunicações, tem por finalidade a interpretação destas mesmas

comunicações” (BERELSON,1971 apud BARDIN,1977: p.36).

Portanto, a Análise do Conteúdo não pode ser considerada como uma

leitura efetuada unicamente das letras ou das palavras, mas também uma leitura que visa a

”realçar de um sentido que se encontra em segundo plano. (...)

Não se trata de atravessar o significante para atingir o

significado, à semelhança da decifração normal, mas atingir

através de significantes ou significados (manipulação) outros

„significados‟ de natureza psicológica, sociológica, política,

história” (BARDIN,1977:41).

A proposta de Análise do Conteúdo constitui-se, afinal, como um conjunto

de técnicas de análise das comunicações. Não se trata de um instrumento, mas de um

leque de possibilidades de interpretações aplicadas a um campo muito vasto: as

comunicações.

Segundo Bardin (1977,p.29), desde que se começou a lidar com

comunicações, que se pretende compreender para além dos seus significados imediatos,

parecendo útil o recurso da Análise do Conteúdo.

Page 83: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

68

Para Bardin (ibdem,p.30), quando aplicamos a Análise do Conteúdo,

podemos dizer que pretendemos atingir dois objetivos básicos:

1 – a Ultrapassagem da Incerteza – o que eu julgo ver na mensagem estará

lá efetivamente contido, podendo esta “visão” muito pessoal, ser partilhada por outros?

Será a minha leitura válida e generalizável?

2 - o Enriquecimento da Leitura – se um olhar imediato, espontâneo e já

fecundo, não poderá uma leitura atenta aumentar a produtividade e a pertinência?

A autora esclarece ainda que a Análise de Conteúdo possui duas funções:

função “heurística” e função de “administração de provas”, que podem na prática dissociar

ou não. No caso dessa pesquisa, usufruiu-se das duas funções, uma vez que a função

“heurística enriquece a tentativa exploratória, aumenta a propensão à descoberta”, uma

vez que pretendemos “descobrir” ou “revelar” os motivos/razões que mantiveram os

sujeitos dessa pesquisa na condição de analfabetos; e a função “administração de provas”,

uma vez que “hipóteses sob a forma de questões ou afirmações provisórias servindo de

diretrizes, apelarão para o método de análise para serem verificadas no sentido de uma

confirmação ou infirmação. É a Análise do Conteúdo “para servir de prova”.

BARDIN,1977,p.30).

Page 84: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

69

4.0 Antecedentes Históricos: Uma breve retrospectiva da alfabetização de adultos

Data de 1730, na Inglaterra, uma das primeiras referências às Escolas

dominicais freqüentadas por crianças e adultos. Segundo Paschoal Lemme, (2000, p.55)

em Memórias 5, foi daí em diante que esse movimento se estendeu por todo o país, pela

Europa e América do Norte. Portanto, naqueles países, os movimentos de educação de

adultos tiveram início nos princípios do século XVIII. Lamentavelmente, porém, este

movimento não se estendeu por outras partes do mundo de forma homogênea.

Nos dias atuais, a pessoa analfabeta, aqui considerada como aquela que não

conhece as teorias e métodos de ler e escrever, ainda é considerada pela sociedade em

geral, embora os especialistas tenham se esforçado para alterar a concepção acerca do

indivíduo analfabeto, como ignorante, incapaz, cega e dependente das outras pessoas que

têm esse conhecimento. Infelizmente, a sociedade ainda vê o analfabeto como portador de

uma doença grave que precisa ser extirpada. Esta ideologia preconceituosa é decorrente do

tratamento que se tem dado às pessoas jovens e adultas desescolarizadas ao longo da

história no Brasil.

Ainda nos dias atuais, as pessoas analfabetas são vistas como menores, sem

direitos, sem cidadania, ou como aquelas que vivem nas trevas ou, ainda, que precisam de

uma ação solidária para alforriá-las e iluminá-las, pois vivem aprisionadas e na escuridão.

É assim que são tratadas, ainda hoje, as pessoas pobres, negras e indígenas deste país. Essa

concepção preconceituosa se constitui a partir do momento em as ações voltadas para essa

modalidade de ensino apresentam cunho puramente solidário e caritativo.

Não é raro depararmos com slogans de campanhas oficiais que emanam

esse tipo de concepção e de consideração acerca das pessoas analfabetas, que são

reconhecidas, ainda, como aquelas que esperam por sua piedade e solidariedade.

É lamentável que ainda persista esse tipo de relação com o analfabeto,

principalmente, partindo de Programas oficiais e nos dias atuais.

Page 85: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

70

Atualmente, ainda repetimos as histórias narradas. Damos provas de que

nossas concepções, embora embasadas por teorias e novas possibilidades de compreensão

do analfabetismo, estão impregnadas pelos discursos preconceituosos e antigos acerca da

capacidade do analfabeto, das possibilidades de alfabetização, das possibilidades de

redução do analfabetismo e da formação do alfabetizador.

Esse comportamento se justifica numa grande inserção ideológica nos

discursos e práticas elaboradas e disseminadas ao longo da história da educação de jovens

e adultos no Brasil.

Porém, não é nossa intenção, aqui, reportarmos historicamente ao passado,

guiados pelo próprio passado, mas por alguns fatos que certamente são mais dignos de

serem narrados e comentados. Ainda que dispuséssemos de tempo, nunca teremos acesso a

todo o passado, uma vez que a historiografia reconhece que “do passado, só temos acesso

a alguns de seus vestígios, os quais chegaram a nós de maneira intencional ou não por

nossos antepassados”. (CERTEAU, 1982,p.47).

Portanto, é plenamente reconhecido que se reconstitui “uma” história acerca

de um objeto ou sujeito e não “a“ história. Assim, admite-se que várias histórias acerca de

um mesmo objeto ou sujeito possam ser feitas. Torna-se, então, necessário que estejamos

atentos à fidelidade dos vestígios do passado, uma vez que, além de serem apenas

vestígios, nem sempre foram ou têm sido conservados adequadamente pela humanidade.

O tema analfabetismo de adultos, como exemplo, tem sofrido, ao longo da

história, várias mudanças em sua concepção, o que altera o seu conceito o qual vai

evoluindo ou retrocedendo de acordo com os interesses de cada época, chegando até nós

apenas os vestígios dessas transformações.

É, portanto, possível compreender o processo de alfabetização a partir de

diversas perspectivas, tornando a tarefa de alfabetizar ainda mais complexa ou mantida

num grau de menor de complexidade, dependendo do contexto histórico em que está sendo

analisada.

Page 86: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

71

Os momentos históricos são perpassados por inúmeros interesses sócio-

políticos- econômicos que insistem na manutenção do status de uma elite social, cujos

interesses desta são priorizados em detrimento dos de outros muitos.

Portanto, procuraremos não nos ater a dados estatísticos para a análise que

pretendemos, sendo que, sempre que possível, estes dados serão utilizados apenas como

ilustrações para afirmativas divulgadas naqueles períodos, uma vez que a concepção que se

tem de analfabetismo, analfabeto, alfabetizado, e alfabetização podem variar de acordo

com o período histórico e, assim, frustrar os números apresentados e conseqüentemente o

leitor.

Um fator que se pode caracterizar como uma das dificuldades na

reconstrução histórica da alfabetização de adultos no Brasil é o fato de que os dados e

informações estão espalhados por diversas instituições em estados e municípios diferentes.

Além disso, o que temos em termos de trabalhos realizados, cujo objeto seja a

Alfabetização de Adultos ainda são poucos e incipientes, dada a importância sócio-

econômica do tema.

Embora se recorra inicialmente a períodos anteriores, pretende-se aqui

focalizar na história os Projetos, Campanhas e Programas de Alfabetização de Adultos do

século XX e início do XXI, mais precisamente a partir da década de 1940, período em que

estes se encontram com os sujeitos dessa pesquisa.

4.1 A Evangelização: Alfabetização de Adultos no Brasil Colônia

O termo “Educação de Jovens e Adultos” é recente no País. No período do

Brasil Colônia, sempre que se falava em educação voltada para indivíduos não-crianças,

fazia-se referência aos adultos que precisavam ser iniciados nas “cousas da nossa fé”.

Como se pode perceber havia uma ligação entre a necessidade de atrelar a educação de

adultos aos preceitos da crença religiosa, permanecendo assim esse caráter religioso

atrelado à educação de adultos. É impossível não ressaltar a fragilidade da educação

escolar naquele período, reconhecendo que ela não contribuía para a reprodução da mão de

Page 87: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

72

obra, uma vez que essa era constituída em sua maioria por escravos. Isso fazia com que

acentuasse o descaso das autoridades pela educação dos adultos.

Pode-se, portanto, afirmar que, desde a chegada dos portugueses no Brasil,

o ensino do “ler e do escrever” aos índios, atrelado às missões catequéticas constituiu uma

forma de ação prioritária naquele período.

Para os jesuítas a alfabetização dos índios era de suma importância, mesmo

que na coroa o povo ainda não fosse alfabetizado. Isso porque, o acesso às letras

portuguesas poderia significar a adesão à cultura portuguesa, uma vez que as “letras” a

serem ensinadas foram criadas pelos colonizadores. Assim, para Paiva (1983) apud Lopes

(2003,p.31), tratava-se de uma atitude cultural de profundas raízes, afinal pelas letras se

confirmaria a organização da sociedade. Porém, os próprios jesuítas, a certa altura do

processo de alfabetização dos índios, julgaram-na desnecessária e se dedicaram à educação

dos “principais”, termo utilizado para designar os estudantes de humanidades. Os padres

jesuítas também se encarregavam das escolas de humanidades dedicadas à formação dos

colonizadores e seus filhos.

Assim, segundo Romanelli (1998,p.35), os padres jesuítas, ministraram no

período do Brasil Colônia, a educação elementar para a população índia e branca em geral,

com exceção das mulheres, e educação média e superior religiosa para os homens da classe

dominante.

Ainda para Romanelli (1998,p.35), a obra de catequese que caracterizava a

presença dos jesuítas na Colônia acabou por, progressivamente, ceder lugar à educação da

elite. Foi com essa característica que a educação jesuítica sobreviveu mesmo após a

expulsão de seus membros do Brasil.

“Dela estava excluído o povo e foi graças a ela que o Brasil se

tornou, por muito tempo, um país da Europa, com os olhos

voltados para fora, impregnado de uma cultura intelectual

transplantada, alienada e alienante.” (ROMANELLI,1998 p:35)

Page 88: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

73

Os jesuítas, chagados no Brasil em 1549, podem ser considerados os

primeiros e principais agentes educativos até 1759 (SOARES & GALVÃO, 2005,p.258).

As ações educativas eram realizadas, neste período, pelos padres jesuítas, os

quais tinham a intenção de difundir o evangelho. Porém, segundo Haddad e Di Pierrô

(2000,p.2), associado a esse objetivo também transmitiam normas de comportamentos,

além dos ofícios necessários ao funcionamento da economia colonial.

Muitos dos métodos de ensino utilizados pelos jesuítas permanecem ainda

presentes em algumas práticas educacionais, apesar de serem consideradas tradicionais.

Embora priorizassem o ensino das letras para as crianças, os indígenas

adultos foram também submetidos a uma intensa ação cultural-educacional.

Inicialmente, considerados como fundamental para a realização dos fins

colonizadores, os jesuítas esforçaram-se muito para aprender as línguas dos índios o que,

segundo Daher(1998) apud Soares & Galvão (2000,p.259) gerou a produção de inúmeros

materiais didáticos para alfabetização em tupi-guarani. Com isso, a comunicação entre

portugueses e indígenas no Brasil estava sendo comumente efetuada na língua tupi-

guarani.

Porém, em 1727, os colonizadores, temerosos a uma possível perda dos

direitos de dominadores, proibiram o uso da língua indígena e passaram a exigir o uso

exclusivo da língua portuguesa.

Com a expulsão dos jesuítas, “pode-se perceber um vácuo na história da

alfabetização sistematizada e significativa de adultos no Brasil” (SOARES & GALVÃO,

2005,p.259).

O que se percebe nesse período é uma ênfase na política do ensino

secundário e um total abandono à educação de adultos no país. A expulsão dos jesuítas

levou a uma total desorganização do sistema de ensino produzido no Brasil.

Page 89: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

74

4.2 Alfabetização de Adultos por Capelães e Sinhazinhas: o Império

Com a expulsão dos Jesuítas, inúmeras foram as dificuldades decorrentes

para o sistema educacional. Segundo Romanelli (1998), em relação às substituições dos

educadores expulsos decorreu um lapso de 13 anos, o que contribuiu ainda mais para o

desmantelamento da estrutura de ensino existente. Leigos foram introduzidos no ensino e o

Estado assumiu os encargos da educação.

Os processos ligados à Educação no período imperial foram marcados por

inúmeras discussões e controvérsias nas assembléias das províncias, a fim de definir

“como se daria a inserção das denominadas classes inferiores da sociedade nos processos

formais de instrução. Essas camadas eram compostas por homens e mulheres pobres livres,

negros e negros escravos, livres e libertos” (SOARES & GALVÃO, 2005,p.260).

A primeira Constituição do Brasil, de 1824, em seu art. 179, sob forte

influência européia, garantiu o direito à “instrução primária e gratuita para todos os

cidadãos”. Assim, entende-se que esse direito se estenda também aos adultos. Porém,

segundo Haddad e Di Pierro (2000,p.03), mesmo com a garantia expressa dos direitos

legais à educação expressos na Constituição, pouco se fez em relação à Educação de

Adultos no período imperial, servindo apenas de inspiração para as futuras Constituições.

Portanto, a situação não mudou em suas bases, uma vez que as concepções

de educação e os métodos pedagógicos dos Jesuítas mantiveram em seus colégios para

formação de sacerdotes e seminários para a formação do clero secular.

Era esse clero que atuava nas fazendas e regiões rurais, de onde vinham e

retornavam após concluírem os estudos, uma vez que eram filhos das famílias proprietárias

dessas terras. Assim, formados pelos seminários jesuítas, retornavam às fazendas, onde se

tornavam continuadores da ação pedagógica jesuítica e se constituíam capelães de engenho

e, por exigência da função, foram também mestres ou preceptores dos filhos da aristocracia

rural. Daí poder se caracterizar como uma educação feita por capelães e sinhazinhas, uma

vez que estas também se ocupavam da tarefa de alfabetizar e educar as novas gerações, já

que o direito constitucional à educação não chagava a todos.

Page 90: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

75

Sob a alegação de que o direito constitucional à educação se destinava

apenas às crianças, este não passou da intenção. Porém, existem ainda outras

possibilidades de se explicar esse descumprimento da constituição no período do Império,

atentando para outros fatores que possam ter contribuído para agravar a situação. Como

poucas pessoas tinham direito à cidadania, uma vez que esta era reconhecida apenas pelo

critério econômico, somente a estas poucas era permitido administrar a educação primária

como um direito legal. Nesse caso, ficavam excluídos os brancos pobres, os negros, os

indígenas e grande parte das mulheres.

Ainda pode-se atentar para o “Ato Adicional de 1834”, que transfere para as

Províncias a responsabilidade de atender a maioria, mesmo tendo menos recursos.

“... ao delegar a responsabilidade por esta educação às

Províncias, reservou ao governo imperial os direitos sobre a

educação das elites, praticamente delegando à instância

administrativa com menos recursos o papel de educar a maioria

mais carente.” (HADDAD e DI PIERRO, 2000 p:2).

Grande parte das províncias brasileiras assumiu-se como responsáveis pela

instrução primária e secundária e, ainda, formularam políticas de instrução para jovens e

adultos, a partir do “Ato Adicional de 1834”.

Segundo Soares e Galvão (2005,p.260), a exemplo de Pernambuco, as aulas

para adultos ficaram divididas em duas partes: uma para aqueles que não tinham nenhum

conhecimento e outra para aqueles que já possuíam algum conhecimento. Essas aulas para

adultos seriam dadas nas escolas noturnas na capital e nas sedes das províncias, assim

como nas escolas dominicais e Casas de Detenção para presos e na aula de cegos no

“Asylo da Mendicidade”. Além disso, a educação de adultos ficou condicionada a

professores e pessoas que se propusessem a ensinar sem nenhuma remuneração, numa

postura solidária e caritativa.

No entanto, pode-se perceber que a educação de adultos nesse período

assumiu um caráter de missão para aqueles que se dispunham a fazê-la por caridade.

Passou a se estabelecer uma ampla rede de filantropia, uma vez que as elites e as

Page 91: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

76

comunidades eclesiásticas se dedicavam à educação de adultos como forma de

contribuírem para a regeneração do povo. A alfabetização de adultos foi colocada “como

égide da filantropia, da caridade, da solidariedade e não de direito”. (SOARES &

GALVÃO, 2005 p:261).

“O ensino para adultos tinha como uma de suas finalidades a

„civilização‟ das camadas populares consideradas, principalmente as

urbanas, no século XIX, como perigosas e degeneradas. Através da

educação, considerada a luz que levaria ao progresso das almas,

poderiam se inserir ordeiramente na sociedade” (SOARES &

GALVÃO, 2005: p.260)

Segundo Haddad e Di Pierro (2000,p.02), mesmo no caso da educação de

crianças, que era prioridade, as experiências domésticas e informais ultrapassavam aquelas

realizadas no interior do sistema formal. Portanto, a educação de adultos no período do

Império no Brasil, quando ocorria, em sua maioria, se fazia na informalidade e era

realizada por aqueles que se dedicavam à caridade de ensiná-los.

A concepção de que o analfabeto era ignorante e incapaz ganhou mais força

no fim do período Império, quando foi divulgada a Lei Saraiva, em 1881. Essa lei

determinava as eleições diretas e foi a primeira a determinar os impedimentos para que a

pessoa não pudesse votar. Até então as restrições para não se poder votar consistiam

apenas em fatores econômicos e sociais, mas não instrucionais. Até a divulgação da Lei

Saraiva, nunca se havia colocado à prova a capacidade do analfabeto de votar, até porque

esta era a condição da maioria das pessoas naquela época, incluindo pessoas da elite como

os grandes proprietários rurais. Segundo Rodrigues (1965) apud Soares & Galvão

(2000,p.262) “o saber ler não afetava o bom senso, a dignidade, o conhecimento, a

perspicácia, a inteligência do indivíduo; não o impedia de ganhar dinheiro, ser chefe de

família, exercer o pátrio poder, ser tutor”.

A partir desse momento, o analfabeto passou a ser visto como incapaz, e

dependente, pois esse discurso justificava a proibição do voto para essas pessoas.

Page 92: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

77

Porém, é certo que a Educação de Adultos no Brasil começou ainda no

Império, a partir da constatação do número ínfimo de pessoas alfabetizadas. No campo do

ensino das primeiras letras, em 1823, através do Decreto de 1º de março, foi criada no Rio

de Janeiro uma escola que deveria trabalhar segundo o “Método Lancaster” ou “ensino

mútuo”, criado por Joseph Lancaster. Este método prevê “que haveria um professor em

cada escola e, para cada dez alunos (decúria), haveria um aluno menos ignorante

(decurião) que ensinaria os demais” (PELETTI & PELETTI, 2003,p.147). Ou seja, cada

uma das dez pessoas alfabetizadas deveriam alfabetizar outras dez e, estes dez, mais outras

dez.

Em 1879, a Reforma Leôncio de Carvalho, com vistas na Lei Saraiva

,defendia a criação de cursos noturnos elementares para adultos analfabetos, pois

acreditava que a proibição do voto seria um incentivo à ampliação da alfabetização de

adultos no País. Até mesmo Rui Barbosa, no parecer 1.882, também considerava os

analfabetos como crianças, incapazes de pensar por conta própria.

Data, portanto, de 1876, o “relatório apresentado pelo então ministro José

Bento da Cunha Figueiredo, no qual informava o número de dois mil alunos que

freqüentavam a escola de ensino noturno para adultos”. (PAIVA,1983.p:69).

O período do Império no Brasil completou seu quadro geral de ensino em

1888, atendendo apenas 250 mil crianças, em uma população estimada em 14 milhões de

habitantes e com “aproximadamente 82% dessa população, com idade superior a cinco

anos, analfabeta.” (HADDAD & DI PIERRO, 2000,p.03)

4.3 Reflexos da Revolução Industrial na Alfabetização de Adultos no Brasil

A Revolução Industrial, iniciada em meados do século XVII, contribuiu

para o reconhecimento da necessidade de se fortalecer a educação básica para todos,

inclusive jovens e adultos. Naquele momento, a educação passou a ser vista como o

Page 93: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

78

domínio da escrita e da leitura, de forma a facilitar o domínio das técnicas de manuseio de

máquinas ou instrumentos de trabalho.

Ocorre que em nosso país a Revolução Industrial só se efetivou de fato no

século XX. Todas as tentativas de industrialização do século XIX redundaram em fracasso

por ferirem os interesses das elites agrárias, as quais contavam com o apoio da Coroa.

Como o trabalho era de natureza agrícola e a mão de obra predominante era constituída de

escravos até a abolição em 1888, não havia interesse algum na educação de adultos.

O problema do analfabetismo só começou a preocupar a partir da segunda

metade do século XIX, com o crescimento das cidades. Nesse período “as técnicas de

leitura e escrita vão se tornando instrumentos necessários à integração” no contexto social

urbano-comercial. (RIBEIRO, 1990,p.28).

Na Europa e na América do Norte, esse período da Revolução Industrial dá

a indicação de que o mundo deveria mudar totalmente o panorama educacional e social até

aquele momento estruturado. As relações sociais e as concepções de valores morais até

então aceitos na história da humanidade passariam, a partir desse marco na evolução da

sociedade e de suas conseqüências, a se determinarem de forma diferente

(PAIVA,1983:60).

Juntamente com essa transformação, também a idéia que o mundo todo

tinha de educação passou a adquirir uma nova concepção. Com a Revolução Industrial, se

consolida uma nova classe social: a burguesia, que passa a assumir o poder e a direção

ideológica da sociedade, tendo como principal aliada a educação.

O marco da sociedade francesa, denominado de Revolução Francesa (1789),

forçou inevitavelmente a desconstrução e reconstrução dos modelos de educação e

sociedade da época, uma vez que esta “deixava de ser um meio de perpetuação das

instituições, de conformismo social, para assumir o papel de propulsora das transformações

que se vinham processando” (LEMME, 2000:56).

Page 94: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

79

Com as transformações ocorridas após a Revolução Industrial, novas

exigências de qualificação na mão de obra foram formando um novo cenário no mundo do

trabalho. Assim, o investimento na educação dos adultos tornou-se uma ação necessária e

urgente. Pode-se dizer que a educação de adultos tem sua história inicial definida em três

importantes pontos:

“1 – A educação de adultos (...) tem profundas raízes nas condições

sociais verificadas no mundo com o advento da Revolução Industrial e

suas conseqüências.

2 – Sua importância cresceu, porém, extraordinariamente, a partir da

Grande Guerra(1914), porque foi sendo considerada como um dos

meios capazes de corrigir ou atenuar os efeitos desastrosos produzidos

por esse acontecimento, sobre a humanidade.

3 – Veio, assim, ganhando rapidamente uma grande unidade de ponto

de vista da compreensão geral do problema, apesar da extraordinária

diversidade dos meios de ação de que se utiliza, e se colocando quase

no mesmo pé de igualdade com as organizações incumbidas da

educação sistemática” (LEMME,2005:26).

O sentido amplo de educação deve dizer respeito à existência do homem em

toda a sua duração e em todos os aspectos. É a partir da educação que a sociedade forma

seus membros, sua imagem, se organiza para se desenvolver e buscar as necessidades dos

sujeitos que a compõe.

Assim, podemos dizer que educação pode ser considerada um fenômeno

cultural, pois não somente os conhecimentos, as experiências, os usos, as crenças e os

valores são repassados aos novos indivíduos pela educação, como também os métodos para

se chegar a essa formação que pode ser denominada formação cultural.

No caso especial da educação do adulto, geralmente a sua educação ou

“formação nesta faixa de idade está ligada, ainda hoje, à modalidade de trabalho social”.

(PINTO,1986:33).

Para compreender essa modalidade, Pinto (1986,p.36), se utiliza das teorias

históricos-antropológicas dialéticas que definem o termo trabalho. Assim, ele justifica que

a educação é parte do trabalho social por tratar de formar os membros da comunidade para

Page 95: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

80

o desempenho de uma função de trabalho no âmbito da atividade total, o que pode lhe

proporcionar uma transformação no contexto social.

Portanto, quaisquer que sejam as considerações sobre o tema educação de

adultos e de jovens no Brasil é preciso registrar que esta modalidade ou experiência de

ensino sempre esteve atrelada às demandas sócio-econômicas do contexto em que são

concebidas. Geralmente, são propostas que discutem, debatem e se justificam a partir da

necessidade de desenvolvimento econômico do país e, ainda, acerca das possibilidades

delas contribuírem com uma força de trabalho. Visam a oferta de mão de obra com maior

escolaridade, mediante demandas que são originárias de um processo de industrialização

emergente.

4.4 A Vergonha Nacional: Analfabetismo, República e a Constituição de

1891.

Nota-se uma regressão nas conquistas do direito à educação com a

promulgação da primeira Constituição Republicana do Brasil, promulgada em 1891, que

consagrou a concepção de federalismo no país, uma vez que essa não traz no seu texto a

referência à gratuidade da instrução, conforme constava na Constituição Imperial de 1824.

(FÁVERO,2001,p.77-78).

Porém, ao mesmo tempo em que não confirma a gratuidade da instrução,

que somente veio a reaparecer na Constituição de 1934, referenda a vinculação do direito

ao voto à alfabetização e elimina a seleção de eleitores por renda. Esta vinculação do

direito ao voto à condição de alfabetizado, inevitavelmente, trouxe conseqüências

negativas para o processo de redução do analfabetismo no Brasil, uma vez que podemos

destacar a banalização do processo de alfabetização para fins exclusivamente eleitoreiros.

Como conseqüência dessa banalização, os processos de alfabetização no país se voltaram

para os interesses particulares de alguns políticos, bastante diferentes dos interesses

educacionais, os quais se restringiram a habilitar os analfabetos para a reprodução do

próprio nome para que passassem a ter direito de votar. Assim a pessoa considerada

alfabetizada não possuía sequer as técnicas mínimas de domínio da leitura e da escrita.

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81

Nesta época, a “população analfabeta brasileira beirava os 85% da

população nacional, o que gerou, entre os intelectuais brasileiros, um sentimento de

vergonha, diante dos países adiantados”. (SOARES & GALVÃO, 2005,p.262).

Com o único objetivo de aumentar a base eleitoral e sem nenhum propósito

de alfabetizar as pessoas, mas sim de transformá-las em votantes, “foram realizadas

inúmeras campanhas de alfabetização de adultos, com as quais obtiveram poucos

resultados práticos sobre a questão da alfabetização.” (PAIVA, 1983,p:61).

Instituiu-se nessa época o movimento denominado por Nagle apud Paiva

(1983) de “entusiasmo pela educação”. A educação para o povo passou a ser considerada

como processo sistemático somente quando a revolução industrial passou a exigir o

domínio das técnicas da leitura e da escrita por parte de um número maior de pessoas. A

partir daí, os socialistas tomaram a educação popular como momento de conscientização

das massas e de disputa do poder político (PAIVA, 1983,p.26-7).

Nesse período, a Educação de Jovens e Adultos não era vista como uma

fonte de pensamento pedagógico ou de políticas públicas específicas. A educação de

adultos era vista com uma preocupação geral, normalmente com instruções concebidas

para as crianças. No entanto, “as preocupações direcionadas para a Educação de Jovens e

Adultos somente aconteceram nos anos 40”. (Idem ,p.92).

Já a partir da década de 1920, muitos movimentos civis e até oficiais se

empenharam na luta contra o analfabetismo, considerado como um “mal nacional” e “uma

chaga social”. Estes movimentos aumentaram a discriminação e o preconceito contra os

analfabetos. A educação passou a ser supervalorizada como fator capaz de solucionar todos

os demais problemas da nação e a ser considerada como a única possibilidade do Brasil

participar do conjunto das “nações de cultura”, caracterizando o movimento denominado

de “entusiasmo pela educação”. Com esses movimentos, os analfabetos passaram a ser

considerados como os culpados por todos os demais problemas da nação. O maior teórico

desta posição foi o médico Miguel Couto, que via o analfabetismo e, extensivamente, o

Page 97: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

82

analfabeto, como causas e não como efeitos do baixo desenvolvimento brasileiro (PAIVA,

o.c.p:29).

Mesmo mediante descaso evidente da União com a educação elementar, nos

primeiros anos do século XX, muitas mobilizações foram organizadas em torno da

alfabetização de adultos. Foi grande o número de reformas educacionais que, de alguma

maneira, preocuparam-se com a precária situação do ensino básico. Porém, “o censo de

1920, (...), indicou que 72% da população acima de 5 (cinco) anos ainda permanecia

analfabeta.” (HADDAD & DI PIERRO, 2000,p.04).

Em vários estados, muitos deles com a área educacional administrada pelos

renovadores da educação, tomaram a iniciativa de implantação de medidas específicas para

a redução do analfabetismo. Dentre os renovadores merecem maior destaque Sampaio

Dória, em São Paulo (1920); Lourenço Filho, no Ceará (1923); Anísio Teixeira, na Bahia

(1925); Francisco de Campos e Mário Casassanta, em Minas Gerais (1927); e Fernando de

Azevedo, no Distrito Federal (1928), na época, Rio de Janeiro. Não havia uma política

nacional, portanto, gozando de autonomia, alguns estados tomaram essa iniciativa.

Segundo Soares & Galvão (2005,p.264, apud Paiva (1983,p.92), foram

também organizadas várias “ligas” nesse período, dentre elas a “Liga Brasileira contra o

Analfabetismo”, em 1915, no Clube Militar do Rio de Janeiro, a qual tinha a pretensão de

se transformar num “movimento vigoroso e tenaz contra a ignorância, visando a

estabilidade e a grandeza das instituições republicanas.” (PAIVA,1983,p.96-97).

A reforma paulista de 1920 iniciou uma fase de preocupações com a

qualidade do ensino destinado às pessoas adultas analfabetas, o que resultou na

tecnificação da educação. A reação a ela veio imediatamente com medidas calcadas em

pareceres técnicos, necessitando do apoio de pessoas especialistas para tais funções. Essas

pessoas, com qualificações para reestruturar/reformar o sistema de ensino no país, saíam

das escolas normais, como Lourenço Filho, ou mesmo do jornalismo, como Fernando de

Azevedo.

Este movimento foi caracterizado como “otimismo pedagógico”, voltado

para a preocupação com o funcionamento eficiente e com a qualidade dos sistemas de

Page 98: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

83

ensino ou dos movimentos educativos. Ele conduziu a educação brasileira para novos

rumos, visando a

“... desvinculação entre o pensamento pedagógico no Brasil e a reflexão

sobre o social, traço que até a década dos anos 60 dominou de forma

quase absoluta os nossos meios pedagógicos, e que ainda hoje pode ser

encontrada nos meios educacionais brasileiros” (PAIVA o.c.p:30-31).

Um novo movimento, denominado “realismo em educação”, constituído em

contraposição aos movimentos “entusiasmo pela educação” e “otimismo pedagógico”, uma

vez que esses privilegiavam apenas uma perspectiva da educação, a social e a pedagógica,

respectivamente. Já o “realismo em educação” preocupava-se com a qualidade do ensino

como requisito indispensável à preparação do homem para as tarefas específicas (sociais,

econômicas, políticas).

Nesse momento, os “renovadores” passaram a exigir da União que esta

assumisse a responsabilidade definitiva pela educação, uma vez que os resultados nessa

área eram lamentáveis e, se comparando com os países latinos e com outros países, essa

precariedade parecia ainda maior.

Na Conferência Interestadual de 1921, convocada pela União e realizada no

Rio de Janeiro, a fim de discutir os limites e as possibilidades do artigo 35 § 2º da

Constituição vigente (1891): “incumbe, outrossim, ao Congresso, mas não privativamente,

animar no país o desenvolvimento das letras, artes e ciências...”, face ao problema do

analfabetismo e das competências da União face às dos Estados. Ela acabou por sugerir a

criação de escolas noturnas voltadas para os adultos com duração de um ano,

subvencionadas pela União, negando interpretação tradicional do art 35. A alegada

carência de recursos da União, aliada ao temor das elites mediante uma incorporação

massiva de novos eleitores e a defesa da autonomia estadual, tornaram sem efeito esta

reforma, a qual foi chamada de Lei Rocha Vaz ou Reforma João Alves.

(PAIVA,1983.p:101-102).

Par a par com os avanços da psicologia, o movimento reformador da década

de 20 ecoa entre nós como portador das idéias da Escola Nova, oriundas inicialmente da

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84

Europa e, no final do período, dos Estados Unidos. Os chamados “Pioneiros da Educação

Nova” são autodidatas que

“... interessam-se muito pelas novas idéias educativas e por sua

aplicação em nossos sistemas educacionais; a excessiva ênfase

colocada sobre essas questões de métodos e de administração, com a

paralela abstração do papel de desempenho pela difusão do ensino no

equilíbrio das forças do país ( real ou potencialmente), é que conduziu

um grande número desses profissionais a preocupações exclusivas com

a otimização dos sistemas educativos” (PAIVA, o.c,p:103-107).

Porém, mesmo entre os “pioneiros” ou “renovadores” havia certo receio de

que a alfabetização pudesse vir acompanhada de formação moral que ameaçasse a ordem.

Em 1916, “Carneiro Leão chegou a afirmar que temia que a alfabetização generalizada

pudesse aumentar a anarquia social.” (SOARES & GALVÃO, 2005, p:264). E, ainda,

“Toda essa gente que, inculta e ignorante, se sujeita a vegetar, se

contenta em ocupações inferiores, sabendo ler e escrever aspirará

outras coisas, quererá outra situação e como não há profissões práticas

nem temos capacidade para criá-las, desejará também ela conseguir

emprego público” (PAIVA,1983 p:92).

Pode-se observar que nesse período o analfabeto passou a ser identificado

como o “povo” e, portanto, continuou sendo visto como “improdutivo, degenerado,

viciado, servil e incapaz, necessitando da ajuda das elites intelectuais para sair da situação

doentia em que se encontrava”. (SOARES & GALVÃO,2005,p.264). Portanto, a

concepção de que a alfabetização devia ser acompanhada de uma formação moral, para que

essas pessoas pudessem ser transformadas em seres produtivos, livres de vícios e ordeiros,

considerava que o analfabeto não tivesse essa formação.

A principal atividade econômica do Brasil nesta época era baseada na

cafeicultura, que ”se limitava praticamente à produção de café para o mercado

internacional”. Os interesses e ações gerais do governo tinham como norte os interesses

desse mercado e dos cafeicultores paulistas. Era o governo que avalizava os investimentos,

contratava os empréstimos para a expansão da produção cafeeira nos países de economia

hegemônica e incentivava a imigração de força de trabalho necessária, em decorrência da

Page 100: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

85

expansão das lavouras. Com o início da crise de superprodução cafeeira, o governo passou

a comprar o produto excedente com auxilio de créditos do exterior, o que ocasionou um

aumento da dívida externa. (FREITAG,1978p:42).

A crise mundial de 1929 encaminha as mudanças estruturais na economia

do país, dentre elas a queda dos preços do café, fazendo com que investimentos financeiros

se desviassem para outros setores produtivos. Estes fatores favoreceram o fortalecimento

da produção industrial no Brasil. Essa substituição no modo de produção no país, por sua

vez, fortaleceu outros grupos econômicos, notadamente a burguesia urbano-industrial.

(FREITAG,o.c,p:43).

4.5 Período Vargas: redirecionamento da educação no Brasil

Segundo Romanelli (1998,p.58-59), a educação ofertada até o momento à

população atendia às reais exigências da sociedade ate então existente, uma vez que a

economia e a sociedade não faziam exigências às escolas em termos de demanda de

recursos humanos, já que a economia era exclusivamente agrária.

Nessa perspectiva, Brandão (1981,p.42) antecipa o que Romanelli

(1998,p.58-59) deixa nas entrelinhas quando coloca que a educação sempre esteve e está a

serviço da sociedade e, ainda, com referência no mesmo autor, que este se constitui como

um dos pontos fracos da educação.

Com a evolução do modelo econômico exclusivamente agrário para um

modelo parcialmente urbano-industrial, passa-se a fazer novas exigências ao modelo

educacional e o fazem sofrer um desequilíbrio. Assim, com a alteração do modelo

econômico, surgem novas e crescentes necessidades de formação de recursos humanos

forçando alterações e reformas no sistema educacional em decorrência das novas

exigências da sociedade.

“O crescimento acelerado da demanda social de educação, de um lado,

e o aparecimento de uma demanda de recursos humanos, de outro,

criaram as condições para a quebra do equilíbrio. Uma vez estabelecido

Page 101: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

86

o desequilíbrio, que se acentuou sobretudo a contar de 1930, a crise do

sistema educacional obedeceu, na sua escala evolutiva, ao jogo de

forças que esses fatores mantinham entre si” (ROMANELLI, 1998, p:

46).

A classe até então hegemônica, apoiada pela igreja, se viu obrigada a dividir

o poder com essa nova classe social, o que gerou uma nova organização dos “aparelhos

repressivos do Estado”. Juntos, latifundiários cafeicultores e a burguesia, apoiados por

grupos militares, assumem o poder com Getúlio Vargas; este, posteriormente, “implanta o

Estado Novo, com traços ditatoriais. Invade as áreas da sociedade civil, assim como as

instituições de ensino, subordinando-as ao seu poder” (FREITAG,o.c,p:43).

A Revolução de 30 ficou constituída como um marco na reformulação das

funções do Estado no país. No que tange à educação, no período anterior, pouco havia

sido feito em relação ao Império. Para efetuar as reformas necessárias, foi instituído o

Ministério da Educação e Saúde composto por técnicos encarregados de promover

mudanças substanciais na educação, do qual Francisco de Campos foi o primeiro a ocupar

o cargo de Ministro da Educação, após ter realizado a reforma no ensino de Minas Gerais.

Alguns dos outros reformadores educacionais da década anterior passaram a

ocupar cargos importantes na administração do ensino no país. Como resultado, o sistema

educacional brasileiro começou a dar formas de sistema organizado e articulado com as

normas federais.

Esses reformadores não estavam comprometidos politicamente, por isso se

preocupavam exclusivamente com os ideais educativos e com os aspectos puramente

técnicos. Assim, “desvinculavam o pensamento pedagógico da reflexão sobre a vida social

e política do país” (PAIVA,1983,p.100).

A resistência dessa neutralidade política fora testada de forma vigorosa com

a revolução de 30, quando os que continuaram a crer nessa neutralidade, se

comprometeram com a ditadura getulista; mas “os que dela se desiludiram, e

Page 102: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

87

comprometeram-se com os ideais democráticos definitivos, não conseguiram continuar sua

atuação técnica no campo educacional”, (PAIVA,1983,p:106) .

A política educacional do Estado Novo não se limita à simples legislação e

sua implementação, mas, acima de tudo, não poupa esforços para transformar o sistema

educacional em um instrumento mais eficaz de manipulação das classes subalternas

(FREITAG,1978,p:46).

Em 1932, é lançado um Manifesto dos pioneiros da Educação Nova que

propunha a reconstrução educacional no Brasil. Dentre as propostas destacamos:

1 – A educação é vista como instrumento essencial de reconstrução da

democracia no Brasil, com a integração de todos os grupos sociais;

2 – A educação deve ser essencialmente pública, obrigatória, gratuita, leiga

e sem qualquer segregação de cor, sexo ou tipo de estudos, e desenvolver-se em estreita

vinculação com as comunidades;

3 – A educação deve ser “uma só”, com vários graus articulados para

atender às diversas fases do crescimento humano. Mas, unidade não quer dizer

uniformidade; antes, pressupõe multiplicidade. Daí, embora única sobre as bases e os

princípios estabelecidos pelo Governo Federal, a escola deve adaptar-se às

características regionais.

4 – A educação dever ser funcional e ativa e os currículos devem adaptar-se

aos interesses naturais dos alunos, que são o eixo da escola e o centro da gravidade do

problema da educação.

5 – Todos os professores, mesmo os do ensino primário, devem ter

formação em nível superior.

Nesse período, é de fundamental importância a participação de Paschoal

Lemme, um dos Pioneiros da Educação Nova e colaborador na administração de Anísio

Teixeira e Fernando Azevedo, sendo o responsável por um dos programas de maior

relevância no país referente à Educação de Adultos.

Page 103: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

88

Em 1937, foi promnulgada a nova Constituição, cujo artigo 129 dedicara-se

ao ensino técnico profissionalizante destinado às classes menos favorecidas, a qual fora

regulamentada em 1942 pelos decretos e leis que serãi descritos posteriormente.

Em 1938 foi criado o Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos (INEP)

que instituiu em 1942 o Fundo Nacional do Ensino Primário, o qual deveria se destinar a

um programa de ampliação da educação primária que incluísse o Ensino Supletivo para

adolescentes e adultos.

Neste período, quando a educação de adultos veio a se firmar como um

problema educacional, esta passa a ter certa independência mediante a criação do fundo

destinado à alfabetização e à educação da população adulta analfabeta.

Este fundo foi reforçado ao final da ditadura Vargas pela criação da

UNESCO (Organização das Nações Unidas para Educação, Ciências e Cultura), ambos

ocorridos em 1945, a qual solicitava aos países integrantes esforços no sentido de

alfabetizar e educar sua população analfabeta. (PAIVA,o.c,p.141).

A UNESCO passou a denunciar ao mundo as “profundas desigualdades

entre os países e alertava para o papel que deveria desempenhar a educação, em especial a

educação de adultos, no processo de desenvolvimento das nações categorizadas como

atrasadas” (HADAD & DI PIERRO, 2000).

Porém, ainda eram poucas as iniciativas referentes a alfabetização de

adultos, o que, segundo Soares e Galvão (2005,p.265), impulsionava as pessoas não

alfabetizadas, principalmente as que moravam nas áreas urbanas, a se inserirem em

práticas de uso da leitura e da escrita.

“Entre as experiências, podemos destacar, no caso de Pernambuco, a

grande força que teve, nos anos 30 e 40, as práticas de leitura oralizada

de cordel. (...) Em muitos casos, as pessoas chegavam a se alfabetizar

através do cordel: a memorização dos poemas, lidos ou relidos por

outras pessoas, permitia que alfabetizando, em processo solitário de

reconhecimento das palavras e versos, atribuísse, ele mesmo,

significados a esse novo sistema de representação – a escrita”

(SOARES & GALVÃO,2005, p:265).

Page 104: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

89

Para Soares e Galvão (2005,p.265), essas pessoas, geralmente, tiveram

experiências traumáticas com a escolarização. Marcadas pelo método do uso a carta do

ABC, meramente abstrato, somado a professores inflexíveis, não conseguiam atingir o

nível de alfabetização desejado. Assim, essas pessoas foram tidas como “cabeças duras”,

“sem jeito para as letras” e “incapazes”. Fora da escola, no entanto, vivenciavam

experiência com as leituras de forma prazerosa e seu sucesso era maior.

Com o Estado Novo, a política educacional no Brasil se transforma

novamente. O novo regime apresentou diretrizes e ideologias próprias a serem embutidas

no sistema educacional. Assim, é descartada a ideologia dos renovadores como principal

referência para a educação brasileira, passando essa referência a estar conectada não mais à

democratização do ensino, mas aos problemas de ordem social e política. A educação

popular volta a ser instrumento de reprodução cultural e social.

A reforma proposta fora concretizada a partir de vários decretos. Dentre eles

estava a reforma do ensino primário, que passou a ser divida escolarização em fundamental

e supletiva. O ensino secundário também sofreu duas alterações: a primeira em 1931, com

o Decreto nº 19.890, de 18 de abril, por Francisco de Campos, e a segunda, em 1942, com

o Decreto de nº 4.244, 09 de abril, por Gustavo Capanema. A essa nova estruturação do

ensino primário e secundário denomina-se Reforma Capanema, em homenagem ao

Ministro da Educação, Gustavo Capanema.

Contrariamente às idéias dos renovadores, não se constituiu nesse período

documento único que disciplinasse a educação no Brasil, mas preferiu elaborar leis e

documentos separados para cada nível educacional.

Para Romanelli (1998,p.141), esta nova organização do ensino, iniciada por

Francisco de Campos e confirmada por Capanema, dava continuidade ao processo de

seletividade, pois o sistema de provas e exames, mantinha a tradição, a rigidez e a

seletividade. Dentre outras determinações consideradas contrárias às idéias dos

“renovadores”, a reforma previa que a educação feminina deveria acontecer em

estabelecimentos próprios e exclusivos. “Morriam, assim, evidentemente, com a lei, alguns

Page 105: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

90

princípios da Educação Nova, proclamados pelos „pioneiros‟. Vencia uma vez mais,

portanto, a velha mentalidade misioneística” (ROMANELLI, 1998:169).

Durante os três últimos anos do Estado Novo, segundo Romanelli

(1898:166-167), foram decretadas as seguintes reformas no sistema educacional, o

Decreto-Lei 4.073, de 30 de janeiro de 1942, Lei Orgânica do Ensino Industrial; o Decreto-

Lei 4.048, de 22 de janeiro de 1942, que criava o Serviço Nacional de Aprendizagem

Industrial; o Decreto-Lei 4.044, de 09 de abril de 1942, Lei Orgânica do Ensino

Secundário; o Decreto-Lei 6.141, de 28 de dezembro 1943, Lei Orgânica do Ensino

Comercial.

A instabilidade política e econômica do Estado populista-

desenvolvimentista representa a aliança entre o empresariado nacional – desejoso de

aprofundar no processo de industrialização capitalista (maior acesso a bens de consumo) –

sob o amparo de barreiras protecionistas, e a política (maior acesso ao poder de decisão). A

política passa a ser dominada pelos empresários. As classes médias, profissionais liberais,

forças armadas, bastante empobrecidas pelo processo inflacionário crescente nesse

período, sentem-se excluídos dos processos decisórios, o que evidencia

“uma nova polarização: de um lado, os setores populares,

representados, até certo ponto, pelo Estado, e por alguns intelectuais de

classe média; do outro, um amálgama heterogêneo que compreendia

grandes parcelas da classe média, chamada burguesia nacional, do

capital estrangeiro monopolista e das antigas oligarquias”

(FREITAG,o.c,p.48-49).

Para Romanelli (1998,p.169), as relações entre a política e a economia

eram mantidas por um equilíbrio mais ou menos estável entre o governo e o modelo de

expansão industrial. Assim, o governo teve papel importante no processo de implantação

de condições mínimas de infra-estrutura e indústria. Nessa relação de proteção, justifica-se

o motivo pelo qual o empresariado não apenas se apoiou no poder público como também o

apoiou.

A penetração cada vez mais intensa do capital estrangeiro no país

contribuiu para que Vargas perdesse apoio e trouxesse o desequilíbrio entre o Governo e

Page 106: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

91

os industriais. Assim, com a internacionalização da economia brasileira os apoios já não

podiam mais coincidir com os apelos da massa e com o nacionalismo. Os rumos do

desenvolvimento precisavam ser definidos e é nessa necessidade de tomadas de decisões

que o Governo de Kubitschek se dedicou, o que resultou numa nova caracterização da

demanda sócio-educacional à qual a educação deveria estar atenta.

As maiores dificuldades encontradas pelos programas de educação de no

Brasil se davam pelo pouco interesse das autoridades responsáveis pelo sistema

educacional na real transformação das desigualdades sociais. Nos diversos períodos da

história; além da imposição das classes dominantes, cada uma com denominação

correspondente ao seu período de ascensão, as propostas educacionais formuladas sempre

tenderam a manter o que Durkheim e Parsons (1971,p.41) denominaram como “reprodução

da estrutura de classes” e Bourdieu e Passeron (1975,p.20), como “reprodução das

ideologias das classes dominantes” .

Essa característica em relação à alfabetização dos adultos se manteve no

período de 30 a 40.

Com a queda da ditadura de Vargas e com as pressões emanadas pela

Organização das Nações Unidas (ONU), que alertava para a urgência de integração dos

povos visando a paz e a democracia, é anunciada a redemocratização do Pai a partir

de1943.

Em meados de 1945, o INEP investe na ampliação do ensino supletivo,

visando atingir, assim, a classe trabalhadora, visando atender determinações das ONU.

4.6 A redemocratização do Brasil

As políticas econômicas adotadas no período de 30, quando a base

econômica se sustentava na agro-exportação, reforçadas pela II Guerra Mundial, deram

origem às políticas de educação de adultos na fase de 45 até 64.

Page 107: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

92

Ocorre que, finda a Guerra, essa situação mudou fundamentalmente. “Os

laços de dependência que durante o período de 30 a 45 foram afrouxados, agora se

restabelecem” (FREITAG,1978,p.47).

Essas características econômicas evidentes no período de 45 permanecem

até os anos 60, correspondem à aceleração e diversificação do processo de substituição de

importações adotado pelos governos da época.

Citando Romanelli (1998,p.167), após a queda de Vargas, no período do

Governo Provisório, foram baixados ainda o Decreto-Lei 8.529, de 02 de janeiro de 1946,

Lei Orgânica do Ensino Primário; o Decreto-Lei 8.550, de 02 de janeiro de 1946, Lei

Orgânica do Ensino Normal, os Decretos-Lei 8.621 e 8.622, de 10 de janeiro de 1946, os

quais criaram o Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac) e o Decreto-Lei

9.613, de 20 de agosto de 1946, Lei Orgânica do Ensino Agrícola.

Como se pode observar, esses Decretos-Lei foram definindo o ensino

técnico profissional no Brasil. Segundo Romanelli (1998,p.167), a inflexibilidade no

ensino profissionalizante traçava o destino do aluno no ato mesmo do momento da

matrícula, uma vez que esta modalidade de ensino não permitia que o aluno aproveitasse

seus estudos caso quisesse reorganizar sua escolha. Essa seria uma estratégia mesmo para

que a formação se desse de forma mais rápida, pois o objetivo era atender às necessidades

do mercado de trabalho, evitando a importação de mão-de-obra especializada.

Portanto, esses decretos-lei, que instituíram essas modalidades de ensino,

deram origem ao ensino técnico profissionalizante, destinado, no artigo 129 da

Constituição de 1937, “às classes menos favorecidas”, objetivando uma educação que

tende a compor o quadro estratégico do governo para solucionar, segundo Hadad e DI

Pierro (2000,p.06), a “questão social”, “atender às necessidades surgidas da transformação

do modelo econômico” e o “combate à subversão ideológica”. Esta é uma das medidas

estabelecidas pelo governo que contribuíram para que, a partir de então, a luta ideológica

por meio da educação, se confirmasse. Segundo Paiva (1983,p.132), pela primeira vez a

luta ideológica através da educação torna-se realidade clara no país.

Page 108: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

93

Inicia-se nos anos seguintes uma mobilização em torno da Educação de

Adultos. A Lei Orgânica do Ensino Primário de 1946, previu o ensino supletivo para

jovens e adultos, assim, foi instalado em 1947 o Serviço de Educação de Adultos (SEA).

Esse Serviço, ligado ao Ministério da Educação e Saúde, tinha como finalidade a

“orientação e coordenação geral dos trabalhos dos planos anuais do ensino supletivo para

adultos e adolescentes analfabetos” (HADDAD e DI PIERRO, 2000,p.06).

Como conseqüência da criação do SEA, houve o surgimento de alguns

movimentos no sentido de ampliar as oportunidades de educação para os jovens e adultos.

Por interesse prioritariamente político, pois era urgente ampliar as bases

eleitorais, uma vez que foi restabelecida a eleição direta no país mediante uma sociedade

composta por mais de 56% de analfabetos com mais de 15 anos de idade, foi lançada, em

1947, sob a direção de Lourenço Filho, a primeira campanha de âmbito nacional visando a

alfabetizar a população, denominada Campanha de Educação de Adolescentes e Adultos

(CEAA), cuja intenção era atingir, principalmente, a área rural.

“Considerada a maior campanha já realizada predominantemente

dirigida ao meio rural, essa campanha teve seu início no final dos anos

40, permanecendo até o fim 63, quando foi extinta. A CEAA nasceu dos

apelos da UNESCO e previa incentivos à educação popular”.

(PAIVA,1983. p.178-179).

Com o início da CEAA, foram criadas dez mil classes de alfabetização em

todos os municípios do país e uma infra-estrutura para atender a educação de jovens e

adultos. Houve, também, a produção de vários materiais didáticos pedagógicos, cartilhas,

livros de leitura e folhetos, além de material elaborado para passar noções de higiene e

limpeza como forma de promoção da saúde, assim como a preservação dos alimentos.

O Primeiro guia de leitura foi organizado a partir das palavras-chaves,

as quais tinham como base para sua formação e aprendizagem o método

silábico. As pequenas frases de testos apresentavam conteúdo moral e

informações sobre a noção de higiene pessoas, saúde coletiva e algumas

técnicas básicas de trabalho. (Campanha de Educação de Adolescentes

e Adultos, 1952 apud SOARES & GALVÃO, 2005,p.266)

Page 109: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

94

A CEAA foi lançada em clima de extrema euforia e estava programada para

alcançar dois estágios distintos. Deveria, primeiramente, atingir o primeiro estágio

denominado de “ação extensiva”, o qual deveria atender um número significativo de

pessoas e compreendia a alfabetização em três meses, e mais condensação do ensino

primário. Este primeiro deveria ser seguido do segundo estágio, denominado de “ação em

profundidade”, o qual o ensino profissionalizante e ao desenvolvimento comunitário.

Porém, a Campanha não conseguiu passar nem pelo primeiro estágio.

Nos primeiros anos, a Campanha conseguiu resultados significativos,

articulando e ampliando os serviços já existentes. Conseguiu criar várias escolas supletivas

por todo o país e em várias esferas administrativas, sustentadas por profissionais e

voluntários.

Porém, a CEAA fez vários apelos ao voluntariado para conseguir minimizar

o “mal do analfabetismo no país”, e, assim, pode-se perceber que “... o aspecto redentor,

missionário e assistencialista da alfabetização de adultos aqui permanece. O grau de

atenção dado à figura do voluntariado foi tamanho que se elaboraram dois documentos

abordando o tema”. (SOARES & GALVÃO, 2005,p.267).

A desorganização e carência de dados que comprovassem a efetividade da

campanha, atrelada aos depoimentos de representantes de vários estados, como exemplos

os delegados mineiros no II Congresso Nacional de Educação de Adultos assim

pronunciaram: “Os vencimentos não atraem os professores mais indicados ou mais

dedicados, e, sim, os mais necessitados” (Seminário, snt, apud SOARES &

GALVÃO,2005).

A ausência de uma experiência mais específica de como alfabetizar pessoas

adultas, os discursos dos dirigentes e coordenadores da Campanha, assim como os recursos

e os argumentos didáticos pedagógicos empregados na CEAA eram os mesmos voltados

para a educação (alfabetização) das crianças. Portanto, resultou em insatisfações por parte

dos envolvidos no processo que afirmaram, no II Congresso Nacional de educação de

Adultos, que a Campanha

Page 110: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

95

“... colocou pela primeira vez de modo mais convincente a pouca

rentabilidade dos programas predominantemente rurais, concluindo os

representantes do Nordeste que o desinteresse do trabalhador rural em

adquirir instrução ligava-se à consciência de que este estudo

rudimentar e de baixa qualidade que lhe era oferecido não melhoraria

o seu nível de vida” (PAIVA,1983,p:194).

Além das dificuldades intrínsecas aos projetos, o que se percebe como uma

dificuldade no processo de educação popular, mais precisamente na educação de adultos, é

que estes projetos não foram acompanhados de propostas técnico-pedagógicas que

realmente atendessem às reais necessidades desses cidadãos. Essas propostas eram,

geralmente, inadequadas à clientela, além de serem superficiais no ponto de vista do

aprendizado, que sempre são previstos para ocorrerem num curto espaço de tempo.

Assim, o analfabeto continuava sendo considerado como incapaz e marginal

e, ele próprio se percebia comparado a uma criança. Pode-se perceber claramente essa

comparação nas publicações destinadas aos professores alfabetizadores da Campanha que

afirmou ser “mais fácil, mais simples e mais rápido ensinar a adultos do que crianças”

(Campanha,1952 apud SOARES & GALVÃO, 2005,p.267).

Com o passar do tempo, fins dos anos 50, as críticas à Campanha foram

sendo realizadas com mais veemência, principalmente pelos próprios engajados.

Certamente, as críticas mais contundentes e que apresentavam uma nova perspectiva para a

alfabetização dos jovens e dos adultos vinham de Pernambuco, lideradas por Paulo Freire.

Paralela a CEAA, iniciam-se as ações da Campanha Nacional de Educação

Rural (CNER) , implantada em 1949. Esta Campanha buscava “estabelecer uma

metodologia de desenvolvimento comunitário nos programas de educação de base no

interior (...) visando à recuperação e o desenvolvimento de comunidades rurais”

(CARVALHO,1977,132). Portanto, a CNER foi criada para atender às necessidades

educativas do meio rural onde residia o maior número de pessoas analfabetas do país.

Acreditava-se que os problemas do meio rural pudessem ser resolvidos com

a educação, num modelo de divulgação da educação associado às características do

Page 111: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

96

“otimismo pedagógico”. Sem nenhuma contextualização com a realidade, acreditavam que

a simples aplicação dos métodos e técnicas sociais seriam suficientes para provocar o

desenvolvimento, uma vez que a razão do atraso se encontraria na escassa preparação do

homem do interior. Coube à Campanha Nacional de Educação Rural cumprir essa tarefa.

Para isso foram implementadas, por todo o Brasil, as “missões” inspiradas nos modelos,

eixos e metodologias das “Missões Mexicanas” (PAIVA, 1983. p.197).

A atuação das Missões, no Brasil, mediante aos objetivos propostos, não

surtiram os efeitos esperados, uma vez que, por um lado estavam baseadas na idéia de que

a ação educativa poderia provocar transformações profundas nas comunidades, e, por outro

lado, estavam ligadas sempre aos detentores do poder nos Municípios, dificilmente

apresentavam problemas, o que não era o esperado. Os que certamente surgiriam não

apareciam, pois em algumas comunidades, as Missões sequer chegaram a se instalar,

porque suas atividades não eram desejadas, pois poderiam quebrar o equilíbrio de forças

entre os políticos locais. Além desses entraves, “a própria metodologia empregada não

visava realmente contestar a legitimidade do poder e das estruturas sócio-econômicas, uma

vez que dependia do poder local para se realizar” (PAIVA, o.c,p.200-2).

Apesar desses entraves, segundo Haddad e DI Pierro (2000,p.07), os

esforços registrados durante as décadas de 40 e 50 conseguiram reduzir os índices de

analfabetismo das pessoas acima de cinco anos de idade para 46,7%, porém o nível de

escolarização dos brasileiros continuava abaixo da média dos países desenvolvidos e até

mesmo dos países vizinhos ao Brasil.

4.7 Novos paradigmas para a alfabetização de adultos.

Mesmo a educação de adultos tendo sofrido um maior impacto a partir de

1962, é possível afirmar que em todo período, compreendido de 58 a 64, podemos

encontrar algumas características que foram mantidas, no que tange à educação de adultos

nesse período. A principal entre essas características, e a que fatalmente teria impulsionado

o desenvolvimento de novos programas, é a que se refere ao preconceito em relação ao

analfabeto.

Page 112: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

97

No entanto, paralelamente às ações do governo, no final da década de 50 e

início da de 60, surgiram os movimentos de educação e cultura popular, muitos deles

inspirados em Paulo Freire.

As críticas à CEAA, dentre elas as enviadas por Paulo Freire, dirigiam-se

às deficiências da administração e também à orientação pedagógica, como “o caráter

superficial do aprendizado que se efetivava no curto espaço/período da alfabetização, a

inadequação do método para a população adulta e para diferentes regiões do país” (MEC -

Ação Educativa, 1977).

Assim, todas as críticas direcionavam para uma nova visão sobre o

analfabetismo e para o analfabeto, assim como para um novo paradigma pedagógico para

a educação de adultos. Esta nova possibilidade de perceber o adulto analfabeto e todas as

questões que envolvem o analfabetismo teve o educador pernambucano Paulo Freire como

idealizador.

As críticas mais contundentes à CEAA foram apresentadas por Paulo Freire

no II Congresso Nacional de Educação de Adultos, realizado em 1958, o qual indicava que

a “organização dos cursos deveria ter por base a própria realidade dos alunos e que o

trabalho educativo deveria ser feito „com‟ o homem e não „para‟ o homem” (SOARES &

GALVÃO, 2005,p.267-268).

Por conseguinte, na concepção de Freire, os materiais didáticos e a

orientação pedagógica não poderiam ser as simples adaptações daqueles empregados para

educar as crianças, mas de acordo com suas realidades e experiências já vivenciadas.

Portanto, um dos pressupostos que sustentavam as propostas de alfabetização de Freire era

o de que a leitura de mundo precede a leitura das letras. O adulto não pode então ser visto

como alguém ignorante e imaturo, mas como um produtor de cultura e saberes próprios.

Antes apontado como causa da pobreza e da marginalização que emperrava

o país no atraso econômico e social perante outras nações do mundo, o analfabetismo passa

a ser entendido como efeito da pobreza gerada pela estrutura social não igualitária,

Page 113: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

98

resultante de conchavos políticos gerados por interesses pessoais e particulares. As

condições de miséria em que os analfabetos viviam é que tinham que ser problematizadas.

“Era preciso, portanto, que o processo educativo interferisse na

estrutura social que produzia o analfabetismo. A alfabetização e a

educação de base de adultos deveriam partir sempre de um exame crítico

da realidade existencial dos educandos, da identificação das origens de

seus problemas e das possibilidades de superá-los” (PAIVA,1983,p.23).

Com a tendência dos movimentos de educação de adultos voltando-

se para uma educação com sentido mais amplo e menos discriminatório, valorizando a

cultura popular, as expressões artísticas e as raízes culturais do povo, o combate ao

preconceito em relação ao analfabeto, que ainda era bastante significativo, tornou-se

menos evidente. Um reforço contra esse preconceito veio da percepção de educação de

Paulo Freire – estruturada a partir do conceito antropológico da cultura – dada a sua

importância para formar uma nova concepção de alfabetização e, conseqüentemente, uma

nova imagem do analfabeto, como homem capaz e produtivo, responsável por grande parte

da riqueza da Nação.

Sendo assim, passa-se a acreditar que uma proposta de educação de adultos

– alfabetização – deva se preocupar inicialmente com o que o adulto ignora, considerando

aqui as necessidades desse indivíduo no seu dia-a-dia, uma vez que, “mesmo o homem

mais culto, o que ele ignora é infinito”. (PINTO,1986:84). É evidente que o educando

adulto ignora os conhecimentos que definem o padrão médio do saber de sua sociedade e

em seu tempo.

O que realmente é significativo no processo de alfabetização do adulto é

que o educador não ignore os fatores sociais que podem ter mantido aquele adulto

analfabeto e, a partir daí praticar uma educação que dê ao aluno a oportunidade de alcançar

a consciência crítica de si mesmo, do seu mundo e de seu trabalho.

Portanto, é preciso estar atento ao que o adulto quer saber para tornar

significativo o seu interesse por educar-se. É evidente que aprender os conhecimentos

básicos do saber letrado e matemático são exigências necessárias fundamentais e

indispensáveis, mas só terão realmente valor se entendidos pelo alfabetizando como

Page 114: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

99

instrumentos para se chegar a muito mais. Assim, “a educação de adultos deve contemplar

as exigências educacionais futuras desses cidadãos” (PINTO,1986,p.86).

Certamente, para se chegar essa educação de adultos pretendida

anteriormente deve-se atentar para as formas de se fazer essa educação, que deve partir da

realidade autêntica do educando, do seu mundo do trabalho, da suas relações sociais, das

suas crenças, valores, gostos artísticos, gíria e outros. Assim, a aprendizagem dos

elementos da leitura tem que partir de palavras motivadoras que são aquelas dotadas

de conteúdo semântico imediatamente percebido pelo aluno.

“A alfabetização é mais que o simples domínio mecânico de técnicas de

escrever e ler. Com efeito, ela é o domínio dessas técnicas em termos

conscientes. É entender o que se lê e escrever o que se entende. (...)

Implica uma auto-formação da qual pode resultar uma postura atuante

do homem sobre seu contexto. Por isso a alfabetização não pode se

fazer de cima para baixo, nem de fora para dentro, como uma doação

ou uma exposição, mas de dentro para fora pelo próprio analfabeto,

apenas ajustado pelo educador. Isso faz com que o papel do educador

seja fundamentalmente dialogar com o analfabeto sobre situações

concretas, oferecendo-lhe os meios com os quais possa se alfabetizar”

(FREIRE, 1989,p.72).

Mediante essa percepção de educação/alfabetização idealizada por Paulo

Freire, o processo de alfabetização de adultos passou a conceber o homem como sujeito de

sua educação e não como objeto dessa. Portanto, reafirma com esse analfabeto um

compromisso com sua realidade, sob a qual ele deve intervir cada vez mais na busca da

transformação e ascensão.

Neste período, observa-se um predomínio do “realismo em educação” em

detrimento do “entusiasmo na educação”, sendo que este desapareceu com o fracasso da

CEAA. Agora, preocupados não apenas com novos métodos mais eficazes, mas com as

conseqüências políticas, sociais e econômicas de seus programas, surgem novos

profissionais da educação voltados para a educação de adultos.

O II Congresso Nacional de Educação de Adultos contou com a

participação de Paulo Freire, teve como objetivo analisar o sentido da educação para o

Page 115: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

100

desenvolvimento e a questão da educação para todos. Visava um estudo do problema da

educação de Adultos em seus múltiplos aspectos.

A importância da educação de adultos passa a ter um caráter de adequação

social. O homem brasileiro precisava adequar-se para sobreviver ao período “dinâmico”

pelo qual o país estava passando. Esperava-se, com o II Congresso de Educação de

Adultos, que os especialistas em educação de adultos apontassem caminhos a serem

seguidos pelo governo Kubitschek.

O período ficou caracterizado na educação de adultos como “educação para

o desenvolvimento”. As condições exigiam cada vez mais pessoas habilitadas e

qualificadas para constituir a mão-de-obra e a mobilização dos processos que levavam ao

desenvolvimento da Nação. Não se tinha tempo para esperar a conclusão dos cursos de

forma regular, e isso tornou necessária a adoção de medidas que visassem uma ação rápida,

intensiva, ampla e de resultados práticos e imediatos.

Com o desejo de constituir novas idéias pedagógicas para a alfabetização e

educação de adultos, variadas teses foram apresentadas, mas pôde-se observar grande

variedade ideológica entre elas.

O processo de educação de massas era o único caminho apontado para uma

revolução brasileira. Uma das principais idéias que surgiram visava “a educação de adultos

como instrumento de transformação social e construção da sociedade futura, sob a

influência do nacionalismo”. (PAIVA,o.c,p:209).

Com relação aos objetivos da educação de adultos, nesse período, estes se

concentravam na demonstração do interesse pela participação no processo de

democratização político-social do país. Dentro dessa nova perspectiva para a educação de

adultos, no Seminário Regional, realizado em Pernambuco, Paulo Freire relatara o tema “A

educação dos adultos e as populações marginais: os problemas dos mocambos, chamando

a atenção para as causas sociais do analfabetismo e condicionando a sua eliminação ao

desenvolvimento da sociedade” (GADOTTI & ROMÃO,2000: p.37).

Page 116: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

101

Nesse Congresso ficou claramente perceptível a tendência do pensamento

educacional brasileiro ao abandono do “otimismo pedagógico” para dar lugar a uma nova

concepção de educação e alfabetização de adultos, agora voltados muito mais claramente

para o “realismo pedagógico” ou seja “a consideração dos aspectos internos do processo

educativo ao lado de sua vinculação com a sociedade” (PAIVA,o.c,p:211) . Assim as

preocupações principais ligadas à educação de adultos voltam-se prioritariamente para a

qualidade do ensino, e não para a criação de novos métodos.

Nasce uma nova concepção de educação de adultos. O adulto analfabeto,

tido como inferior, começa a ser visto sob a concepção defendida por Paulo Freire. Ainda

em 1958 surgiu, como mais um instrumento de difusão da educação de adultos, a

Campanha Nacional de Erradicação do Analfabetismo (CNEA), a qual se destinava à

educação popular em geral e tinha como principal concepção reconhecer a ineficácia das

campanhas desenvolvidas anteriormente.

A Campanha Nacional de Erradicação do Analfabetismo (CNEA) foi criada

como resposta às críticas mencionadas no II Congresso Nacional de Educação de Adultos

referentes às ações, consideradas dispersas e desarticuladas. Como tentativa de superar as

críticas, foram criados projetos-pólos com atividades que integravam a realidade de cada

município e serviam como modelo para expandir a Campanha por todo o país.

Porém, a CNEA (1958), assim como a CNER (1950) pouco se

diferenciaram da CEAA e acabaram sendo extintas em 1963, quando foi criado o Plano

Nacional de Alfabetização pelo Ministério da Educação e Cultura.

4.8 Os Movimentos Populares de Educação, o MEB e Paulo Freire

Segundo Paiva (idem: 251-304), a caracterização do método Paulo Freire

somente foi sistematizado por ele em 1962, e, ainda, afirma a autora que o mesmo não

consistia em uma simples técnica neutra de alfabetizar, mas num sistema coerente, no qual

a teoria informava a técnica pedagógica e seus caminhos.

Page 117: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

102

Desta forma, a história da educação brasileira, particularmente a da

alfabetização de adultos, tem nas idéias de Freire a sua razão maior. Partindo de suas

formulações, as reflexões e práticas que norteiam a educação no país passaram a ter um

referencial próprio e distante das concepções ingênuas e das práticas mecanicistas e

alienantes.

O pensamento pedagógico de Freire, assim como sua proposta de

alfabetização de adultos estimularam os principais programas de educação e alfabetização

popular no país, os quais se destacaram no início da década de 1960. Esses programas

foram idealizados por estudantes, intelectuais e católicos engajados numa proposta de ação

política para os grupos populares.

Dentre os principais programas, destacou-se o Movimento de Educação de

Base – MEB – ligado à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB; os Centros

Populares de Cultura – CPCs , organizados pela União Nacional dos Estudantes – UNE; os

Movimentos de Cultura Popular – MCP, que reuniam artistas e intelectuais com apoio da

administração municipaal de Recife; a Campanha de Educação Popular, o Ceplar, na

Paraíba; o De Pé no Chão Também se Aprende a Ler, da Prefeitura de Natal-RN.

Dentre esses, evidenciamos os MCP, os quais surgiam em diversos pontos

do país, destacando-se na região do nordeste, onde se concentrava o maior número de

movimentos. Certamente, naquele

“momento marcado pelo populismo, pelo nacional-desenvolvimentismo

e pelas reformas de base, a educação de adultos era vista como forte

instrumento de ação política: afinal, mais de 50% da população

brasileira era excluída da vida política nacional, por ser analfabeta”

(SOARES & GALVÃO, 2005,p.269).

Os Movimentos de Cultura Popular surgiram organizados pela sociedade

civil e tinham como objetivo reverter ou alterar o quadro educacional, sócio-econômico e

político do país, a partir da conscientização, participação e da transformação, cujos

conceitos foram elaborados a partir das ações realizadas com a população. Portanto, a

visão de que o analfabetismo era a causa da situação de miséria e marginalização em que

Page 118: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

103

viviam essas pessoas foi alterada, passando a ser considerado como efeito de uma relação

injusta e não-igualitária entre a sociedade.

A alfabetização nos Movimentos de Cultura Popular tinha como princípio

básico em relação à

“incapacidade dos adultos analfabetos de participar das mobilidades de

expressão cultural do nível da atual civilização” de que “um movimento

de alfabetização deve estar consciente de que a solução do problema do

analfabetismo não pode ser buscada em si mesma, porque decorre das

condições estruturais da sociedade, e assim, só pode ser alcançada

através das modificações daquelas condições” (Resoluções do I

Encontro Nacional de Alfabetização e Cultura Popular, apud FÁVERO,

1983,p.239).

Assim, o conhecimento e o saber do analfabeto eram valorizados. Portanto,

o analfabeto passou a ser considerado sujeito produtor do seu próprio conhecimento. Os

Movimentos de Cultura Popular, baseados nas propostas de Paulo Freire, sugeriam a

substituição das cartilhas, pois a própria realidade do educando deveria ser o centro do

processo de alfabetização.

Esses diversos grupos de educadores foram se articulando e pressionando o

Governo Federal para que enviasse apoio às suas ações educativas estabelecendo uma

coordenação nacional, o que culminou, somente em 1964, na aprovação de um Plano

Nacional de Alfabetização, orientado pelas propostas de Paulo Freire.

Porém, governo de Jânio Quadros parecia dedicar-se às causas da educação,

conforme acordo firmado com governadores de estado, mas suas ações resumiram-se

apenas à “criação do Movimento de Educação de Base - MEB, o qual executava ações

desenvolvidas pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB”

(WANDERLEY,1984,p.49).

O MEB nasceu da visão humana, utópica e apostólica do Episcopado

Brasileiro através da CNBB em 1958 e estabelecido em 1961, a partir de uma carta de

princípios, na qual a Igreja Católica afirmava:

Page 119: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

104

“O nosso drama não é só alfabetizar. Junto a isto há urgência de muito

mais: urgência gritante de se abrirem aos nossos camponeses, operários

e suas famílias, as riquezas da educação de base, fundamental,

educação que chamaríamos de cultura popular, a qual tende a fazer o

homem despertar para seus próprios problemas” (MEB apud

WANDERLEY, 1984, p.59).

A filosofia educacional do MEB tem suas raízes nas doutrinas sociais da

igreja católica, porém, para Wanderley (1984,p.48) não se pode ignorar a influência

determinante de duas correntes filosóficas humanistas, nascidas nas décadas de 30 e 40, da

resistência as diversas formas de totalitarismos denominadas Existencialismo e

Personalismo.

Assim, para Landim Filho (1963), apud Fávero (1983,p.177), o MEB toma

para si o termo “base”, não no sentido de princípio ou primeiro, mas o de inicial, como é a

alfabetização para a instrução, mas que é também primeira na medida em que é radical

para o ser do homem. A educação de base quer “dar os conhecimentos mínimos para o se

viver humanamente, portanto assegura o princípio da exigência da pessoa humana de se

humanizar” (WANDERLEY,1984,p.60).

As concepções metodológicas empregadas pelo MEB tinham sua

fundamentação baseada na educação a distância, portanto acreditava no uso da mídia, o

teatro, a televisão e, principalmente, o rádio como meios valiosos para desenvolver a

cultura e politizar o povo. Desde o início de suas ações educativas o MEB utilizava as

redes de emissoras católicas para as áreas do Norte, Nordeste e Centro-Oeste do País.

A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil foi incentivada, por meio dos

apoios recebidos pelo governo de Jânio Quadros, a expandir o MEB por todo o território

nacional. O projeto, então, tornou-se oficial com o Decreto 50.370, de 21 de março de

1961, no qual “o governo federal forneceria recursos através de convênios com órgãos da

administração federal para serem aplicados no programa da CNBB”

(WANDERLEY,1984,p.48).

O objetivo principal do MEB era adequar o trabalho à realidade e

acompanhar realmente as comunidades; efetuar-se num levantamento da situação local e

Page 120: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

105

regional de uma dada área geográfica. Tal conhecimento in-loco, segundo Santos

(2006,p.03), permitia um conhecimento do todo, ou seja, da real situação das comunidades,

partindo-se da observação concreta de seus valores, recursos, problemas, o que propiciava

uma interação que se mostrou fundamental entre a intelectualidade que compunha o MEB

e os cidadãos simples – por vezes – analfabetos das comunidades estudadas.

Este estudo conseguiu atingir um grande número de comunidades uma vez

que

“as rádio escolas radiofônicas eram instaladas nas residências dos

monitores, localizadas em zonas rurais e atingindo pequenos

agrupamentos demográficos, onde nunca houvera antes uma iniciativa

educacional. As escolas radiofônicas pertenciam às comunidades e não

ao MEB” (WANDERLEY, 1984,p.55).

Tendo como base as propostas elaboradas por Paulo Freire, os conteúdos

das aulas eram organizados considerando as realidades e vivências do homem do campo,

para que, a partir de suas experiências e necessidades, passassem a desenvolver habilidades

relacionadas à lingüística, aos cálculos, às noções de saúde e higiene, além dos ligados à

atividade do campo, transformando os conhecimentos em algo significativo para o meio

em que viviam.

Conforme foi dito, o MEB tinha como elemento principal de suas ações a

pessoa humana. Portanto, todas as reações e concepções vindas dos sujeitos a serem

atendidos eram relevadas, visando sempre o objetivo final de promover as condições para a

humanização dos homens.

Portanto, o povo assume dentro do MEB um papel bastante diferente do que

geralmente assume, pois é muito mais amplo do que de indivíduo ou classe, mas de

sujeitos que têm condições de decidir sobre os seus destinos e de compreender que lhes

faltam apenas as condições e os direitos que lhes foram negados.

Alguns aspectos políticos contribuíram para que o MEB fosse perdendo sua

potencialidade. Segundo Wanderley (1984,p.426-427), o movimento ganhava cada vez

Page 121: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

106

mais expressão mundial e isso contribuiu para que as propostas iniciais fossem se

esvaziando. Talvez por orgulho excessivo de alguns participantes, algumas restrições ao

ingresso de novas pessoas foram se acirrando, chegando ao ponto de alguns membros

serem pressionados a abandonar o MEB.

Além, disso, alguns setores da sociedade, certamente em defesa das classes

dominantes, lançaram fortes críticas ao MEB. Essas críticas, segundo Wanderley

(1984,p.470), surgiram do medo que essas pessoas tinham de uma tomada de posição do

homem do campo que alterasse a sua condição de servil. Ainda citando Wanderley

(1984,p.471), o medo dessas pessoas passava também pela perturbação da “ordem e do

progresso”, uma vez que a ordem da forma em que estava muito lhes agradava.

As variadas formas de reação às ações do MEB eram constantes por

representantes da classe dominante, principalmente no que tange àquelas práticas que se

distanciavam das práticas dos proprietários. Assim, eram rechaçadas todas as ações que se

referiam à reforma agrária, ao voto do analfabeto, à propriedade social, às causas da

miséria e outras.

Com o episódio da apreensão do material didático, o livro “Viver é Lutar”

no estado da Guanabara, em 1964, sob a denúncia de que em seu teor havia alusões ao

comunismo, acirraram-se as perseguições aos monitores e animadores do MEB, o que

culminou na repressão, o que atingiu o Movimento ao ponto de ocorrem invasões e

destruições de escolas, confisco de material didático, prisões de monitores e de

animadores.

O MEB necessitava dos recursos do governo para a manutenção das ações

educativas, e, principalmente após 1964, quando o governo militar via com restrições as

ações do Movimento, e o Estado passou a constituir-se por um regime que excluía as

participações populares, o Movimento de Educação Básica viu-se tolhido em suas práticas.

Paralelo a esses fatos ligados ao MEB, no governo de Jânio Quadros, foi

promulgada a Lei de Diretrizes e Bases para a Educação Nacional – LDBEN (Lei 4.024, de

Page 122: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

107

20 de dezembro de 1961). Esta lei veio alterar algumas diretrizes legais de funcionamento

de ensino no país. Por ela

“o Ministério da Educação ficava encarregado de decidir sobre a

aplicação dos diversos Fundos Nacionais (dos três níveis) devendo ser

elaborado um plano para cada Fundo pelo Conselho Federal de

Educação (criado pela Lei e instalado em fevereiro de 1962)” (PAIVA,

1983).

Além da criação desse Conselho, a LDB de 1961 reestruturou os encargos e

obrigações entre os estados e municípios

“transferindo para os governos estaduais e municipais o encargo de

organização e execução dos serviços educativos, cabendo ao governo

federal o estabelecimento de metas a serem alcançadas em todo país e

uma ação supletiva das deficiências regionais através de auxílio

financeiro e de assistência técnica” (PAIVA,o.c,p:225).

Com a renúncia de Jânio Quadros, João Goulart assumiu o governo e deu-se

o início do regime de governo parlamentarista, cujo primeiro ministro, Tancredo Neves,

manifestou interesse em enfrentar o analfabetismo no país. Para isso, lançou, também

paralelamente às ações do MEB, uma campanha de alfabetização que visava resgatar todos

os analfabetos maiores de 15 (quinze) anos.

Porém, a campanha de alfabetização de Tancredo Neves não chegou a ser

implantada e foi substituída pela implementação do Plano Nacional de Alfabetização, em

1964, cujas “metas gerais previam a universalização do ensino primário até 1970 e a

eliminação do analfabetismo...” (PAIVA,o.c,p:226).

Além das ações desenvolvidas pelo MEB, no início da década de 1960,

surgiram vários movimentos direcionados à educação popular por todo o Brasil,

principalmente no nordeste, os quais pretendiam resgatar a conscientização política do

povo brasileiro. Esses movimentos nasceram das preocupações dos intelectuais, políticos e

estudantes com a promoção da participação política do povo.

Page 123: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

108

Nesse sentido foram criados Centros Populares de Cultura por todo o país,

os quais estavam ligados aos movimentos estudantis da época, como à União Nacional dos

Estudantes – UNE - composta por estudantes intelectuais, artistas do Teatro de Arena e

outros grupos, principalmente de São Paulo e Rio de Janeiro.

Dentre todas as idéias que buscavam novas metodologias para a educação

de adultos, a Escola Nova está entre os mais difundidos. Visando a integração do indivíduo

no processo político-ideológico do país de forma não-diretiva, o pensamento escolanovista

“marca a reintrodução da reflexão sobre o aspecto social no pensamento pedagógico do

Brasil” (PAIVA,o.c,p:250).

A partir dessas idéias, inicia-se a busca por novos métodos que resultaram

na elaboração de novas metodologias voltadas para a cultura popular, as quais

influenciaram no Movimento de Educação Popular, além do método desenvolvido por

Paulo Freire.

Os Movimentos mais amplos foram o Movimento de Cultura Popular de

Pernambuco e a Campanha “De Pé no Chão também se aprende a ler”, no Rio Grande do

Norte, a qual se desenvolveu com formulações teóricas semelhantes às do MCP de

Pernambuco.

A Campanha “De Pé no Chão também se aprende a ler” era voltada para a

preocupação com a preservação e o florescimento da cultura Popular que deveria

desempenhar um papel importante na libertação nacional, por isso tinha como lema a

“conscientização da massa popular e a consciência política e social que preparasse o povo

para a efetiva participação na vida da Nação”. (PAIVA,1989,p. 237).

Para Haddad e DI Pierro (2000,p.10), grande parte desses programas já

estava funcionando com os recursos do Estado ou sob seu patrocínio. Pautados nos

movimentos de democratização das oportunidades, uma vez que as características próprias

da educação de adultos havia conseguido seu tratamento específico nos planos

pedagógicos e didáticos, esta passou a ser reconhecida também como um poderoso

instrumento de ação política.

Page 124: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

109

Assim, os movimentos de educação populares atingiram relevância nacional

e internacional, e alcançaram novas oportunidades surgidas como resultados das inúmeras

reivindicações acerca da necessidade de alfabetizar o povo brasileiro.

A principal conquista foi a estruturação de ações educativas visando a

alfabetização de um grande número de brasileiros, por meio do Plano Nacional de

Alfabetização, aprovado em janeiro de 1964, o qual seria dirigido por Paulo Freire.

Paulo Freire estabeleceu uma profunda crítica aos modelos de alfabetização

de adultos convencionais às quais denominou de educação bancária, alegando que a

educação deveria interferir nas estruturas sociais que produzem o analfabetismo.

O Plano Nacional de Alfabetização buscava alfabetizar o adulto em apenas

três meses, e seu principal “objetivo era, antes mesmo de iniciar o aprendizado da escrita,

levar o educando a assumir-se como sujeito de sua aprendizagem, como ser capaz e

responsável” (RIBEIRO, 1997,p.24).

Na concepção elaborada para o Plano Nacional de Alfabetização, a

educação de adultos era vista a partir das causas do analfabetismo, como educação de base,

articulada com as “reformas de base”. (GADOTTI & ROMÃO, 2000: p.36).

Porém, estava tudo preparado para lançamento do programa de

alfabetização no Estado do Rio de Janeiro, quando se deu o golpe de Estado em 1964.

O Programa Nacional de Alfabetização, que seria dirigido por Paulo Freire,

foi extinto através do Decreto n. 53.886/64, após o golpe de governo de 1964. Terminava,

assim, a mais significativa experiência de educação popular no Brasil em função dos

interesses políticos ocasionados e pela mudança de governo.

As idéias de Paulo Freire que sustentavam o Plano Nacional de

Alfabetização passaram a ser “consideradas como revolucionária, subversiva e impregnada

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110

de elementos questionadores do sistema político então instalado” (RIBEIRO, 1997,p.25-

26).

Com este episódio, o analfabeto voltou a ser visto e tratado não como um

ser humano e o analfabetismo como um mal que precisava ser “erradicado” como uma

epidemia.

Com o novo regime de governo, que passou a ser o militar, acentuou-se a

concentração de renda sob o poder de uma pequena classe elitizada e ocorreu o fechamento

dos poucos canais de participação da população nos processos decisórios do governo com

o fim das eleições. Esses processos fazem parte do mecanismo de distanciamento dos

problemas das pessoas pertencentes às camadas menos privilegiadas, o que caracteriza os

objetivos desejados pela democracia e contraria os adotados pelos governos militares.

Além disso, o acesso e a permanência na rede física de educação escolar primária não

ocorreram de forma aberta e indiscriminada, mas de forma controlada e limitada.

4.9 O regime militar

Com o golpe militar de 1964, os programas de alfabetização e educação

popular que se haviam multiplicado por todo o país passaram a ser vistos como uma grave

ameaça à ordem, chegando a quase desaparecer. Alguns poucos sobreviveram nos

municípios dos interiores ou funcionavam de forma clandestina nas grandes cidades. Seus

promotores e idealizadores foram reprimidos, presos e todo o material que seria utilizado,

apreendido. O Programa Nacional de Alfabetização foi interrompido e desmantelado.

As secretarias onde funcionavam alguns trabalhos ligados aos Movimentos

de Cultura Populares foram invadidas e suas principais lieranças presas como “a Secretaria

de Educação Municipal de Natal foi ocupada, os trabalhos da Campanha De Pé no Chão

Também se Aprende a Ler foram interrompidos” ( HADDAD e DI PIERRO, 2000, p.11).

Nesse período, o governo só permitiu a realização de programas

assistencialistas e conservadores. Como exemplo, as ações do MEB foram sendo tolhidas

pelo regime e pela própria hierarquia da igreja católica, chegando a se transformar num

Page 126: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

111

instrumento apenas de evangelização, abandonando as idéias e as propostas de Educação

Popular (WANDERLEY, 1984,p.446).

Para Haddad e Di Pierro (2000,p.10-11), a respostas do novo governo ao

ainda altíssimo índice de analfabetismo que o país apresentava foi a repressão aos

programas que, cujas ações de natureza política contrariavam os interesses do golpe. Como

tentativa de reprimir esses movimentos, o governo exercia a coerção, para garantir o

restabelecimento da ordem e das relações sociais. Mesmo assim, segundo Carvalho

(1997,p.23), algumas práticas com denominação de Educação Popular ainda

permaneceram de forma quase que clandestina no âmbito da sociedade civil.

Enquanto a repressão às idéias de Paulo Freire acontecia em todas as partes

do país, programas de cunho conservadores e tradicionais eram permitidos pelo governo

militar no plano oficial.

“A Cruzada de Ação Básica Cristã (ABC), nascida no Recife, ganhou

caráter nacional, tentando ocupar os espaços deixados pelos

Movimentos de Cultura Popular. Dirigida por evangélicos norte-

americanos, a Cruzada servia de maneira assistencialista aos interesses

do regime militar, tornando-se praticamente um programa semi-oficial,

A partir de 1968, porém, uma série de críticas à condução da Cruzada

foi se acumulando e ela foi progressivamente se extinguindo nos vários

Estados” (HADDAD e DI PIERRO, 2000,p.12)

A Cruzada de ABC tinha um enfoque do problema educacional era bastante

realista, embora seu comportamento muitas vezes apresentasse características do

“entusiasmo”, dada a sua concepção filantrópica e humanitarista da educação.

A Cruzada do ABC atuava principalmente no nordeste brasileiro onde as

idéias e concepções dos Movimentos de Cultura Populares haviam sido semeadas em

maior proporção e precisavam ser neutralizadas. Assim, a alfabetização de adultos era

entregue à orientação norte-americana.

De modo geral, os técnicos brasileiros, já imbuídos das idéias populares de

educação divulgadas anteriormente pelos MCP, começaram a manifestar contra as

campanhas de massa organizadas e orientadas pela Campanha do ABC, e passaram a

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112

recomendar experiências e práxis de alfabetização de adultos e não amplas campanhas

lineares e polivalentes como propunha a Campanha do ABC. Mediante essas críticas e

sugestões contrárias às ações a Campanha foi sendo encaminhada à extinção.

Portanto, após a extinção da Cruzada de ABC, ainda havia a necessidade de

se propor ações que atendessem às exigências do direito à cidadania, cada vez mais

consagrado e legítimo, além das pressões das comunidades nacionais e internacionais.

Em decorrência da extinção da Campanha do ABC, foi criado o Movimento

Brasileiro da Alfabetização (MOBRAL), em dezembro de 1967, com a Lei 5.379, como

Fundação MOBRAL e, posteriormente, foi a implantação do Ensino Supletivo, em 1971,

os quais vieram como respostas a essas exigências.

Neste mesmo período, é promulgada a Constituição de 1967 que mantém a

“educação como direito de todos”, além de estender a obrigatoriedade da escola até aos 14

(quatorze) anos, cria, ainda, uma nova categoria etária, acima de 14 anos, que denominou

de jovens. (Const.1967, Art.168).

Para Horta (2001) in Fávero (2001,p.201), a Constituição de 1967 foi criada

para adaptar a Constituição de 1946 às exigências do modelo militar-tecnocrático

implantando com o golpe em 1964.

A Fundação MOBRAL foi criada para atender a essa categoria de “jovens”,

criada pela Constituição de 1967. A Fundação tinha como objetivo “erradicar” o

analfabetismo e prestar educação continuada aos adolescentes e adultos.

O MOBRAL voltou-se, inicialmente, para a população analfabeta entre 15 e

30 anos de idade e ojetivou a “alfabetização funcional”, uma vez que ela deveria “valorizar

o homem (pela aquisição de técnicas elementares de leitura, escrita e cálculo e pelo

aperfeiçoamento dos processos de vida e trabalho) e a integração social desse homem,

através do seu reajustamento à família, à comunidade local e à pátria”

(PAIVA,o.c,p:293).

Page 128: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

113

O MOBRAL, embora tenha sido criado em 1967, só iniciou suas atividades

em 1969, funcionando com uma estrutura paralela ao MEC. Iniciou com uma campanha

conclamando a população a fazer a sua parte – “você também é responsável, então me

ensine a escrever, eu tenho a minha mão domável, eu sinto a sede do saber”. Porém,

“o MOBRAL surge com força e muitos recursos. Recruta

alfabetizadores sem muita exigência: repete-se, assim, a

despreocupação com o fazer e o saber docentes – qualquer um que

saiba ler e escrever pode também ensinar” (SOARES & GALVÃO,

2005,p.270)

As concepções e procedimentos que sustentaram o MOBRAL não

percebiam que alfabetizar é muito mais do que ensinar a identificar letras.

“O processo de alfabetização não se limita a considerar que se trata de

um mero processo de transmissão de uma técnica particular (ler e

escrever), mas sim considerar que se trata de produzir mudança na

consciência do educando, mudança na qual o conhecimento da leitura é

apenas um dos elementos” (PINTO,1986:98)

Essas críticas foram minando as ações desenvolvidas e o MOBRAL acabou

se caracterizando como um dos caminhos para os desvios de verbas públicas, o que, nos

últimos anos de sua existência, culminou em Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI)

para apurar os destinos e a aplicação dos recursos. Assim como na administração dos

recursos, o MOBRAL passou a ser criticado pedagogicamente por não garantir à

comunidade os estudos a que se propunha a oferecer.

Assim, paralelamente às ações do MOBRAL, outras formas de atividades

ligadas à alfabetização de adultos foram sendo implantadas nas associações de bairro e

comunitárias, sindicatos, igrejas que mesclavam com as ações do MOBRAL, dando origem

a ações contraditórias.

O surgimento de novas propostas e ações para a alfabetização de adultos, as

quais foram de encontro às ações propostas e em execução pelo MOBRAL, acrescidas à

abertura política ocasionada pelo o fim do regime militar, colocaram em dúvida as ações

do Movimento Brasileiro de Alfabetização, que acabou sendo extinto em 1985.

Page 129: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

114

Em substituição ao MOBRAL, surgiu a Fundação Educar, a qual não

executava diretamente nenhum programa de alfabetização de jovens e adultos, mas que

apoiava financeiramente e tecnicamente as iniciativas desenvolvidas com esse objetivo.

4.10 Abertura para a Nova República e os fatores relevantes na construção de

uma sociedade

O primeiro governo civil, após o golpe militar de 1964, marcou a história da

educação de adultos com uma ruptura das políticas desenvolvidas no regime militar, o que

ficou marcado pela extinção do MOBRAL, cuja imagem ficou relacionada com a ideologia

e com as práticas do regime autoritário, portanto, estigmatizado como modelo de educação

domesticadora e de baixa qualidade.

Portanto, foi substituído na Nova República por políticas de incentivo aos

programas elaborados em diversas partes do país, através da Fundação Nacional para

Educação de Jovens e Adultos – Fundação Educar.

A Fundação Educar foi criada em 1985 e estava diretamente ligada ao

MEC, diferentemente do MOBRAL. A Fundação Educar também se apresentava como

diferente em relação ao Movimento que a antecedeu, uma vez que não desenvolvia ações

diretamente ligadas à alfabetização, mas apenas exercia o papel de supervisão e

acompanhamento das ações desenvolvidas pelas Secretarias que propunham e executavam

seus projetos ou programas de alfabetização.

A Fundação Educar, embora em muitos sentidos tenha sido uma

continuidade do MOBRAL, chegando a herdar do MOBRAL funcionários, estruturas e

outros elementos necessários ao seu funcionamento, promoveu mudanças significativas, as

quais foram incorporadas às suas propostas várias inovações sugeridas pela Comissão que,

em 1986, formulou suas diretrizes e propostas político-pedagógicas.

Page 130: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

115

Dentre as principais inovações está a subordinação à estrutura do MEC; a

descentralização das atividades propostas, o apoio projetos, programas e campanhas

promovidas pelos estados e municípios, elaborados de acordo com as necessidades e

realidades específicas de cada região.

Assim, a implantação de projetos e campanhas de alfabetização seguiu o

processo redemocratização do País. A promoção de eleições diretas para os governos e a

liberdade de expressão e organização dos movimentos sociais urbanos e do campo

alargaram as possibilidades dos movimentos que experimentavam e inovavam as práxis

pedagógicas na educação de jovens e adultos. As práticas de alfabetização de adultos,

pautadas no ideário da educação popular, que aconteciam clandestinamente nas igrejas,

sindicatos e instituições sociais civis, voltaram a figurar nos ambientes universitários e

influenciaram nos programas públicos e oficias da educação de jovens e adultos.

Essa política teve curta duração, pois em 1990, o governo de Fernando

Collor de Melo, em vez de ampliar as propostas e sistema de alfabetização tornando-a

prioridade, extinguiu a Fundação Educar e não criou nenhuma outra forma de ação,

sistema, programa, campanha que a substituísse. Assim, a partir do governo Collor, nota-se

a ausência de uma política de alfabetização de jovens e adultos no Brasil.

Porém, numa postura um tanto contraditória, em 1988 foi promulgada a

Constituição Federal, também considerada Constituição Cidadã, a qual entende que o

direito à educação se estende a todos, inclusive aos que ainda não haviam freqüentado o

ensino fundamental. Para Haddad e Di Pierro (2000,p.24), nenhum ganho para a educação

de jovens e adultos foi maior, nesse período, do que o direito garantido no art. 208, da

Constituição de 1988, que garante o direito universal ao ensino fundamental público e

gratuito, independentemente da idade.

Em contrapartida, essa mesma Constituição também transfere a

responsabilidade do Ensino Fundamental para os municípios e estados.

Com a desobrigação do Governo Federal em atender prioritariamente a esse

direito, os municípios e estados iniciaram uma oferta de educação de jovens e adultos,

Page 131: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

116

cujas propostas se diferenciavam umas das outras, assim como os espaços onde a mesma

acontecia, como: universidades, organizações não-governamentais e movimentos sociais.

Assim, nesse período, surgiu uma pluralidade de métodos, práticas e

metodologias para a alfabetização. Dentre os mais divulgados, destacaram-se as

influenciadas da psicologia, da lingüística e da educação, cuja importância se deu ao

estudos de Emília Ferreiro, que estudou também os adultos não alfabetizados e concluiu

que eles desenvolvem hipóteses semelhantes às das crianças a respeito da escrita.

No sentido, iniciaram no Brasil trabalhos devolvidos acerca do

“letramento”, os quais vieram contribuir com subsídios importantes para a compreensão de

como se processa a construção das hipóteses acerca da leitura e da escrita pelos sujeitos

adultos não alfabetizados, o que resultou em novas propostas.

Com esse importante episódio, mo qual já fora discutido anteriormente nos

referenciais teóricos, muitas reflexões acerca dos conceitos de analfabetismo, analfabeto,

alfabetizado, alfabetização tornaram-se inevitáveis e, portanto, necessários numa discussão

mais aprofundada em torno da Educação de Adultos. Por isso, esta teoria será amplamente

discutida no item referencial teórico, uma vez será utilizada como uma das teorias de

referência para análise dessa pesquisa.

Um fenômeno importante, o qual também já fora discutido nos referenciais

teóricos, ganhou evidência nesse período, pois, além de ser extremamente relevante para

nosso estudo, pois tem contribuído para uma nova forma de organização social, portanto,

diretamente associado à ampliação das possibilidades de educação e alfabetização do

jovem e do adulto, são os Novos Movimentos Sociais. Dentre eles, surge o Movimento

dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), em 1979, no Estado de Santa Catarina.

Certamente, nos anos 70 e 80, novos atores sociais surgiram no contexto

social do brasileiro. Esses atores surgiram à revelia do Estado e se reuniam para se

posicionarem contra ele. Assim, surgiram “novos espaços e formatos de participação e de

relações sociais” (GOHN,2002,p.303), que foram ocupados e estruturados pelo que ficou

denominado de Movimentos Sociais.

Page 132: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

117

É evidente que os Movimentos Sociais incomodaram e incomodam o

Estado, pois, o Sistema Social instalado está organizado em classes para melhor controle e

dominação sócio-econômica-ideológica e está sendo ameaçado com a movimentação

desses atores. Conforme o nome sugere “Movimentos Sociais” nos dá a idéia de “mover”,

“movimentar”, mudar de posição, de ponto de vista, ou seja, contrária à idéia de

estabilidade, inércia, mas sim, de movimentar as estruturas que pareciam inabaláveis.

Assim, nos anos 90, o cenário de lutas sociais novamente é alterado.

Surgem os movimentos populares rurais, que cresceram rapidamente no país.

Quase sempre, esses Movimentos Sociais estão questionando as estruturas

e organizações sociais consolidadas e propondo outras novas. Segundo Gohn (2003,p.13),

citando Habermas, os Movimentos sociais podem, “ser considerados inovadores e são

lumes indicadores da mudança social”.

“Eles são uma lente por intermédio da qual problemas mais gerais

podem ser abordados, e estudá-los significa questionar a teoria social e

tratar questões epistemológicas tais como: o que é a ação social”

(MELUCCI,1994:190, citado por GOHN,2002:12)

Portanto, o MST promoveu várias ações, visando a ocupação de terras e,

dentre outros objetivos, a educação “na qual se discute o tipo de educação que deve ser

dada aos filhos dos assentados e o perfil que deve ter os profissionais que trabalham com

as crianças...” (GOHN,2002,p.3004).

Portanto, como era de se esperar, a preocupação, mesmo dentro das ações

dos Movimentos Sociais Rurais, com a alfabetização dos adultos só veio mais tarde,

quando já nos assentamentos rurais sugiram as primeiras turmas de Educação de Jovens e

Adultos.

É importante ressaltar que a educação nos anos 80 e 90 esteve em evidência

na realidade brasileira. A história da educação no Brasil revela que reformas e propostas

para a educação nunca faltaram, porém todas voltadas para corresponderem a interesses de

Page 133: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

118

poucos ou para solucionarem problemas de outras ordens, como política, econômica e

outras e não educacionais, dos períodos em que eram vigentes.

Assim, a prática da educação do campo passou, com os NMS, a ser

discutida nos diversos grupos com interesse nessa área da educação no sentido de que a

mesma contribua na construção da concepção de cidadania coletiva, já discutida

anteriormente.

Nesses espaços de discussões, tem-se tratado, sobretudo, da inadequação

do ensino ao meio a que se destina. O ensino idealizado para as áreas urbanas tem sido

aplicado, ou seja, aproveitado sem nenhuma adaptação para o meio rural.

O surgimento dessas novas formas de organização social e olhares sobre as

possibilidades de alfabetização de adultos do campo levaram à percepção da necessidade

de uma nova forma de se fazer alfabetização de adultos no País.

Porém, tomando um rumo contrário à evolução histórica e dos novos

paradigmas para a educação de jovens e adultos, conforme já fora dito anteriormente, em

março de 1990, o governo do primeiro presidente eleito pelo voto direto, Fernando Collor

de Mello extinguiu a Fundação Educar.

A extinção da Fundação Educar, em 1990, surpreendeu os órgão públicos,

entidades e associações que dependiam dos recursos financeiros para viabilizar seus

projetos e ações. A medida representou a descentralização da educação de adultos,

transferindo diretamente essa responsabilidade para os municípios, que concentraram suas

matrículas nas séries iniciais e, para os estados, que responderam pela segunda etapa do

ensino fundamental.

Infelizmente, o governo federal só voltou a pensar a educação de adultos 06

(seis) anos depois, em 1996, com o lançamento da Campanha de Alfabetização Solidária

(PAS). Pode-se, então, verificar um enorme vazio na história da educação de jovens e

adultos no Brasil neste período.

Page 134: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

119

Durante os dois anos do governo Collor, foi feita a promessa de programar

um movimento denominado de “Programa Nacional de Alfabetização e Cidadania”

(PNAC), o qual chegou a mobilizar algumas representações da sociedade para a

elaboração do Programa, que prometia, dentre outras ações, substituir a Fundação Educar.

Porém, as promessas não passaram das intenções, pois acusado de envolvimentos com a

prática de suborno o Presidente sofreu impeachment, sendo substituído pelo vice-

presidente Itamar Franco, que abandonou o PNAC, uma vez que o programa estava

totalmente desacreditado.

Também, o Plano Decenal, concluído em 1994, próximo do final do

governo tampão de Itamar Franco, estipulou metas que previam o acesso e a progressão no

ensino fundamental de 3.7 milhões de analfabetos e 4,6 milhões de jovens e adultos pouco

escolarizados.

Com isso, a Educação de Jovens e Adultos “chega aos anos 90 reclamando

a consolidação de reformulações pedagógicas que, aliás, vêm se mostrando necessárias

em todo o ensino fundamental” (MEC, 1997,p.33).

Embora as Constituições brasileiras sempre tenham atribuído à União, de

alguma forma, a responsabilidade por suprir as deficiências dos sistemas, de conceder

assistência técnica e financeira no desenvolvimento de programas estaduais e municipais.

O mesmo ocorreu com a Constituição que representa a culminância do movimento de

redemocratização da sociedade brasileira, chamada de Constituição Cidadã – 1988.

A Constituição de 1988 amplia os deveres do Estado para com a Educação

de Jovens e Adultos, uma vez que garante o “ensino fundamentalmente obrigatório e

gratuito, assegurada, inclusive, sua oferta para os que a ele não tiveram acesso na idade

própria” (Art.208).

É bastante clara na Constituição de 1988 a preocupação com a erradicação

do analfabetismo e a universalização do atendimento escolar, constante no art. 214, o que

está diretamente ligado aos interesses da educação de jovens e adultos.

Page 135: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

120

“a Lei estabelecerá o plano nacional de educação, de duração

plurianual, visando à articulação e ao desenvolvimento do ensino em

seus diversos níveis e à integração das ações do poder público que

conduzam à: I – erradicação do analfabetismo, II – universalização do

atendimento escolar”. (Const. 1988, Art. 124).

É importante ressaltar que diminuir o analfabetismo e garantir a

universalização do atendimento escolar significa o acesso de todos os cidadãos brasileiros,

pelo menos ao Ensino Fundamental.

Assim, na década de 90, o maior desafio da sociedade brasileira no campo

educacional se deu em relação à necessidade de se estabelecer uma política de atendimento

ao analfabeto, pautada em uma metodologia específica voltada para o atendimento das

necessidades educativas dos adultos e jovens analfabetos e àqueles que tiveram sua

passagem pela escola fracassada, garantindo a esses cidadãos o acesso à cultura letrada e a

possibilidade de participação mais ativa na sociedade. Acredita-se que a dificuldade maior

fica por conta da necessidade de se desenvolver uma metodologia que realmente não

ignore os conhecimentos e os saberes que os jovens e adultos trazem consigo para escola,

princípio este já contido na proposta freiriana de educação.

Paulo Freire nos mostrou que a pessoa adulta raciocina de acordo com a

realidade vivida e experimentada, individual e coletivamente. Faz planos, define metas e

age de forma deliberada e planejada. Dessa forma, considerando a “bagagem” que o

indivíduo adulto traz consigo, a educação de jovens e adultos exige uma metodologia

apropriada, voltada para o aprendizado do social e para o respeito a essa “bagagem”.

Porém, todas essas concepções acerca da Alfabetização de Adultos são

renegadas a um segundo plano quando se fala em financiamento.

Assim, a reforma educacional iniciada em 1995 veio sendo implantada sob

forte apelo da restrição dos gastos públicos, de forma a cooperar com o modelo de ajuste

econômico implantado pelo Governo Federal.

Page 136: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

121

Como exemplo, o presidente Fernando Henrique Cardoso, ex-ministro do

governo de Itamar Franco, eleito pelo voto direto em 1994 e reeleito em 1998, colocou de

lado o Plano Decenal, recém concluído, e optou pela implantação de uma política pública

que levou à tomada de várias medidas, dentre elas a promulgação da Lei de Diretrizes e

Bases para a Educação Nacional, Lei nº 9394/96 (LDBEN).

Em relação à educação de jovens e adultos, a LDB não apresentou

modificações significativas, uma vez que seus dois artigos destinados a essa modalidade

de ensino reafirmam o direito dos jovens e adultos ao ensino básico adequado às suas

condições de estudos e o dever do poder público em assegurar a sua gratuidade na forma

de exames e cursos supletivos. A LDB 9394/96 reduziu as idades mínimas para os

candidatos se submeterem aos exames supletivos, fixando-as em 15 anos para o Ensino

Fundamental e 18 anos para o ensino médio.

A evolução que podemos considerar mais significativa a partir da LDB

9394/96 está ligada à abolição da distinção entre os subsistemas de ensino regular e o

supletivo, que passa a integrar a educação de jovens e adultos ao ensino básico comum.

Assim, as flexibilidades de organização do tempo escolar propostas para a educação de

jovens e adultos e a aceleração dos estudos passaram a ser entendidas como comuns à

educação básica e não como uma modalidade separada e exclusiva de educação de jovens

e adultos.

A Constituição de 88 e a LDB 9394/96 prevêem que o Governo Federal

elabore planos plurianuais – decenal – de educação, de acordo com a Declaração Mundial

de Educação Para Todos. Assim, o MEC iniciou uma série de consultas que resultou na

elaboração do Plano Nacional de Educação (PNE), divulgado em 1998.

Paralelamente às ações do Governo, as articulações acerca da educação

pelos sindicatos, organizações estudantis, Movimentos Sociais, sindicais e educadores

levaram à realização do II Congresso Nacional de Educação, em Belo Horizonte, MG, em

novembro de 1997, no qual foram apresentadas propostas para a educação brasileira

denominadas de “O PNE da sociedade brasileira”.

Page 137: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

122

Segundo Haddad (2000,p.26), os dois projetos, embora apresentassem

divergências e conflitos, em relação à Educação de Jovens e Adultos não chegavam a ser

de todo divergentes, principalmente no que tange às metas quantitativas a serem atingidas

e ao financiamento.

Assim, baseada na Lei nº 5692/71, que caracterizava a educação de jovens e

adultos como ensino supletivo, a Lei 9.424/96, que regulamenta o Fundo de Manutenção e

Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valorização do Magistério (FUNDEF),

visando a atender ao apelo da restrição dos gastos, deixou praticamente de fora a educação

de jovens e adultos.

Embora tenha sido aprovada, por unanimidade, pelo Congresso, a Lei

9424/96 recebeu vetos do Presidente, dentre eles o que impediu que as matrículas no

ensino fundamental presencial de jovens e adultos fossem computadas para efeito dos

cálculos do Fundo.

Assim, com esse veto, esses indivíduos jovens e adultos somente se

beneficiariam com os recursos do Fundo caso se matriculassem no sistema regular de

ensino, juntamente com alunos que estavam dentro da faixa regular de idade/escolaridade,

ou seja, com alunos de 7 a 14 anos.

Essa medida foi considerada como um desestimulo para o setor público

investir e expandir o ensino fundamental de jovens e adultos no Brasil, já que os recursos

do FUNDEF só se aplicava ao Ensino Fundamental regular.

Pode-se considerar que houve um grande retrocesso no desenvolvimento

das políticas nesta área, principalmente se considerado o momento em que uma grande

parcela da sociedade trabalhadora está reivindicando o seu retorno ou a sua participação na

educação escolar.

Por esses cidadãos estarem fora da idade correspondente à escolaridade, de

acordo com a Lei 9424/96, esses alunos, da Educação de Jovens e Adultos, não eram

Page 138: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

123

beneficiados pelo FUNDEF, uma vez que não eram considerados alunos do ensino

fundamental e sim do ensino supletivo.

Porém, a Lei de Diretrizes e Base para a Educação no Brasil, Lei 9394/96,

vem contradizer essas determinações expressando uma preocupação com a Educação de

Jovens e Adultos que corresponde a um posicionamento mundial.

Em resposta às orientações advindas da conferência Mundial de educação

para Todos, realizada na Tailândia, foi lançado o Plano Nacional de Alfabetização e

Cidadania.

“... mais de um terço dos adultos do mundo não têm acesso ao

conhecimento impresso, às novas habilidades e tecnologias, que

poderiam melhorar a qualidade da vida e ajudar a perceber e a

adaptar-se às mudanças sociais e culturais. Para que a educação

básica se torne eqüitativa, é mister oferecer a todas as crianças, jovens

e adultos a oportunidade de alcançar um padrão mínimo de qualidade

de aprendizagem.” (Declaração Mundial sobre Educação para

Todos,Tailândia,1990).

Com esta afirmação a Declaração Mundial sobre Educação para Todos

sugere que o acesso e a permanência nas escolas com um padrão mínimo de qualidade

sejam garantidos a todos os cidadãos, sem distinção, tendo em vista a melhora da

qualidade de vida. Aí pode-se inferir que esta garantia também deve ser dada aos adultos e

jovens que não tiveram acesso ou tiveram sua sucesso em sua permanência nas escolas

nas idade regular.

Porém, as ações do PNAC foram “desviadas em decorrência do processo

de impeachment que resultou em mudanças no Ministério da Educação”

(BEISEIGEL,1997,p.145).

Ratificando as orientações da Declaração da Tailândia, e e forma ainda de

mais explicita, a Declaração de Hamburgo sobre Educação de Adultos confirma que

“... a alfabetização, concebida como o conhecimento básico,

necessário a todos, num mundo em transformação, é um direito

humano fundamental. Em toda a sociedade, a alfabetização é uma

Page 139: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

124

habilidade primordial em si mesma e um dos pilares para os

desenvolvimentos de outras habilidades (...). O desafio é oferecer-lhes

esse direito... A alfabetização tem o papel de promover a participação

em atividades sociais, econômicas, políticas e culturais, além de ser um

requisito básico para a educação continuada durante a vida.”

(Declaração de Hamburgo sobre a Educação de Adultos, 1997)

Baseado nesses argumentos, o Art. 37, da nova LDB, diz que a “Educação

de Jovens e Adultos será destinada àqueles que não tiveram acesso ou continuidade de

estudos no ensino fundamental e médio na idade própria”, portanto garante o acesso e

permanência desses indivíduos à educação escolar. O § 2º, Artigo 38, desta mesma Lei, diz

que as “práticas de vida, os conhecimentos e habilidades dos destinatários de EJA serão

aferidos e reconhecidos mediante exames”.

A Lei 9394/96 suprime o termo educação supletiva, que separava a EJA da

Educação Regular, mas continua fazendo referências aos exames e cursos supletivos, o que

não impede que se possa conceber a EJA como modalidade da educação básica, passando a

fazer parte do sistema educacional regular. A nosso ver, ela não mais deve ser vista como

uma modalidade extra em relação ao ensino regular.

Neste sentido, podemos perceber que a educação de jovens e adultos ganha,

atualmente, mais uma possibilidade de análise que prevê que aqueles que não tiveram a

oportunidade de freqüentar e concluir o nível mínimo de escolaridade, não devem ser

vistos como cidadãos menores nos contextos sociais e educacionais, pois suas

experiências e vivências lhes dão conhecimentos bastantes para se integrarem socialmente.

Mesmo os indivíduos que não tiveram oportunidade de freqüentar a escola

na época adequada à sua faixa etária e, por isso não conseguem dominar as habilidades

mínimas para a elaboração da escrita e da leitura formal, são capazes de, em seu cotidiano,

fazer uso das mesmas para sua melhor integração e contribuição para a formação cultural

de uma sociedade.

Tanto que, em 1998, esta possibilidade de percepção das pessoas que ainda

não tiveram sua condição de escolaridade transformada ao longo de suas vidas, tornou-se

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125

reconhecida oficialmente no Parecer do Conselho Nacional de Educação e Conselho de

Educação Básica CNE/CEB nº 4/98, o qual afirma que

“... nada mais significativo e importante para a construção da

cidadania do que a compreensão de que a cultura não existiria sem a

socialização das conquistas humanas. O sujeito anônimo é, na

verdade, o grande artesão dos tecidos da história” (Parecer CNE/CEB

nº4/98, apud parecer CNE/CEB 11/2000,p. 07).

No entanto, ao longo dos anos 90, três importantes Programas ligados à

educação de jovens e adultos foram implantados no Brasil: Plano Nacional de Formação

do Trabalhador (PLANFOR), implantado em 1995; o Programa de Alfabetização Solidária

(PAS), implantado em 1997 e o Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária

(PRONERA), implantado em 1998(4).

Segundo Haddad e Di Pierro (2000,p.29), esses programas foram

concebidos com base em pelo menos duas possibilidades comuns de execução: “nenhum

deles é coordenado pelo MEC e todos são desenvolvidos em regime de parceria,

envolvendo diferentes instâncias governamentais, organizações da sociedade civil e

instituições de ensino e pesquisa”.

O Planfor, diferentemente dos demais não está ligado ao ensino

fundamental ou médio, mas destinado à qualificação profissional dos trabalhadores em

atividade. Foi implantado em 1995 e teve sua concepção inspirada no perfil de formação

de trabalhadores requerido pelo mercado de trabalho atual. Além das competências

técnicas específicas e das habilidades necessárias para execução de tarefas, compreende a

educação básica do trabalhador, contribuindo também para elevar o nível de escolaridade

dos jovens e adultos do campo e da cidade.

Este programa é financiado pelo Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) e

é operado por uma rede de parceiros públicos e privados, a qual é composta por

universidades, secretarias de educação municipais e estaduais, sindicatos patronais e de

trabalhadores, “Sistema S” e outros.

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126

Segundo Haddad (2000,p.30), entre 1996 e 1998, quase 60% dos cinco

milhões de trabalhadores atendidos pelo PLANFOR receberam cursos em habilidades

básicas, mas o baixo nível de escolaridade dos cursistas continuou sendo apontado como

obstáculo à eficácia do Programa.

No entanto, contrariamente ao que se esperava, as parcerias financiadas pelo

FAT estão cada vez mais escassas, reduzindo, assim, as ofertas de oportunidades de

educação de jovens e adultos no país.

Segundo Haddad (2000,p.31), o PLANFOR atendeu de forma insignificante

os trabalhadores agrícolas, dedicando-se mais diretamente à formação do trabalhador,

tendo como sustentação o “Sistema S”, portanto com propostas mais voltadas para os

centros urbanos.

E, ainda citando o mesmo autor, a pouca escolaridade dos trabalhadores

atendidos, o que pode estar ligada à alfabetização desses trabalhadores, área de pouca

atuação do PLANFOR, pode estar interferindo negativamente nos resultados de suas ações.

Assim, ressaltamos que o interesse dessa pesquisa não está direcionado para

um estudo aprofundado do PLANFOR, uma vez que, como pudemos perceber, o mesmo

tem propostas de ações voltadas para o trabalhador urbano, embora, em sua concepção se

perceba também o trabalhador do campo.

O PAS foi implantado em 1997 e foi idealizada pelo MEC, porém

coordenada pelo Conselho da Alfabetização Solidária, o qual está ligado diretamente à

Presidência da República. Criada com objetivo de desencadear em todo país um

movimento de solidariedade, cujo objetivo consiste em reduzir os índices de

analfabetismo e as disparidades regionais, teve uma expansão nacional bastante rápida.

O Programa de Alfabetização Solidária (PAS) chegou a atingir 866

municípios e atendeu a 776 mil alunos somente nos primeiros três meses de sua

implantação. Porém, o PAS só conseguiu alfabetizar menos de um quinto desses

Page 142: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

127

participantes. Segundo Haddad (2000,p.31), esse resultado estava muito distante do

esperado e se deve ao tempo demasiadamente curto previsto para a alfabetização.

Com a intenção de atender os municípios com Índice de Desenvolvimento

Humano – IDH – inferior a 0,5%, o Programa propunha que as Instituições de Ensino

Superior do Sul e do Sudeste supervisionassem as ações em localidades do Norte e do

Nordeste.

A Campanha de Alfabetização Solidária, segundo Soares & Galvão (2005,

p.272), chegou a causar espanto e polêmica entre os especialistas e estudiosos da área, por

entenderem que estava pautada em reedições de prática consideradas superadas.

O PAS prevê que a alfabetização deveria acontecer num período de seis

meses, dos quais 01 (um) seria destinado ao treinamento do alfabetizador e os outros 05

(cinco) para desenvolver o processo de alfabetização. Esse Programa era desenvolvido

numa ação conjunta entre o Governo Federal, empresas, administrações municipais e

universidades.

O modelo utilizado para a efetivação das ações do PAS era pautado em

concepções ultrapassadas, o que fez com que recebesse muitas críticas dos especialistas da

área.

Dentre as concepções que norteavam o PAS podemos destacar a de que

qualquer pessoa saiba alfabetizar o adulto. Assim, o Programa contou com algumas ações

que vieram contribuir com o pouco sucesso nos resultados, como considerar que apenas

com a solidariedade dos alfabetizadores que são semi-preparados para a função, seria

suficiente para ser um alfabetizador de adultos.

Além disso, a implantação das propostas de ações era aligeirada para

apresentar resultados quantitativos, e, principalmente, qualitativos. Essas propostas

reforçam sua tendência ao fracasso quando partem de princípios discriminatórios de que o

Norte e Nordeste são subdesenvolvidos e de que o Sul e o Sudeste são desenvolvidos,

Page 143: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

128

numa postura meramente preconceituosa, no sentido de qualificação das Universidades

dessas regiões para acompanhar o programa.

O PAS adotou o slogan “ADOTE UM ANALFABETO”, o que contribuiu

para fortalecer as críticas de que a concepção de analfabeto e analfabetismo, que

direcionava as ações do PAS, seria aquela que os especialistas no assunto julgavam há

tempos ter sido superada e ultrapassada, uma vez que ainda considera o analfabeto como

um indigente, órfão ou alguém desprovido de atenção e que, por isso, necessita ser

adotado ou tutelado por uma pessoa alfabetizada.

“... imagem que se faz de quem não sabe ler nem escrever como uma

pessoa incapaz, passível de adoção, de ajuda, de uma ação

assistencialista, O não alfabetizado, mais uma vez, não é visto como

sujeito de direito. Os resultados do PAS também foram pouco

significativos: menos de um quinto dos atendidos pelo Programa foram

capazes, no final do processo, de ler e escrever pequenos textos”

(HADDAD & DI PIERRO, 2000 apud SOARES & GALVÃO,

2005:272-273).

Um outro programa, também implantado neste mesmo período foi o

Pronera, que consiste num programa que apresenta características bastante diferentes

daqueles já apresentados. Embora seja mantido pelo governo federal, o Pronera é

resultado de uma articulação entre o Conselho dos Reitores das Universidades Brasileiras

(CRUB) e o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).

O Pronera tem como objetivo introduzir entre as políticas do Governo

Federal ações voltadas para a educação de pessoas adultas na reforma agrária, por isso o

Pronera é coordenado pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária

(INCRA).

O Programa foi idealizado em 1997 e operacionalizado em 1998,

envolvendo o Governo Federal, as Universidades Brasileiras, Sindicatos e Movimentos

Sociais12

.

12

Dedicou-se Item 6.0 a um estudo aprofundado acerca dos Novos Movimentos Sociais e a Educação do

Campo nos dias atuais, uma vez que o problema desta pesquisa foi constituído a partir da relação dos

assentados dos Movimentos Sociais do Campo com a Educação Escolarizada.

Page 144: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

129

O Pronera foi elaborado, tendo como principal alvo “a alfabetização inicial

dos trabalhadores rurais assentados que se encontram na condição de analfabetismo

absoluto. (Manual de Operações do Pronera, 1998).

A esses assentados, o Pronera oferece cursos com duração de um ano

letivo. O seu ponto mais significativo está no envolvimento das universidades parceiras

que proporcionam a formação dos alfabetizadores e a elavação de sua escolaridade básica.

Uma das maiores fragilidades do Pronera está relacionada à condição de

por ser um Programa, não dispõe de recursos financeiros estáveis, mas mesmo assim vem

resistindo aos riscos de descontinuidade, o que foi observado detalhadamente, mais

adiante nesta pesquisa.

Conforme anunciado na introdução dessa tese, encerra-se a pesquisa

bibliográfica nesse momento. Porém, faz-se importante informar que a mesma se dedicou

de forma mais aprofundada aos programas implantados no País desde a CEAA até o

Pronera, por considerar esse período como o de maior interesse dessa pesquisa, de acordo

com os objetivos e problema definidos.

Acredita-se que as políticas adotadas posteriormente a este período para a

Educação do Campo devam ser também estudadas e suas diretrizes analisadas, mas em

momento e em condições diferentes, uma vez que, no momento, não se dispõe de tempo

para tanto.

Page 145: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

130

5.0 Considerações acerca dos Antecedentes Históricos

Podemos considerar que as maiores investidas rumo à organização e à

implantação de ações diretas de alfabetização de adultos no Brasil se deram sob a forma de

Campanhas. Portanto, não nos parece subjetivo nem ingênuo perceber a fragilidade dessas

propostas e ações ao visitarmos o passado e atentarmos para os resultados alcançados, e

concluirmos que acumularam mais fracassos do que sucessos e que as expectativas foram

sendo frustradas ao longo da história.

Infelizmente a evolução da luta para reduzir o índice de analfabetismo no

Brasil é muito lenta e os resultados desanimadores. As Campanhas implantadas se

caracterizam claramente como ações e medidas emergenciais que desconsideram a

educação como um processo que exige tempo e maturação, portanto carece de investigação

teórica e didático-pedagógica consistentes e centrados nas realidades e especificidades dos

educando de cada modalidade, além de investimento e financiamento satisfatório, que

garantam com efetividade os direitos dos cidadãos.

Muitas ações foram implantadas com o objetivo apenas de reduzir os níveis

estatísticos referentes ao analfabetismo, visando a interesses bastante distantes dos

pretendidos pelos educandos.

Nesse sentido, percebe-se claramente que as ações propostas ao longo da

história foram desenvolvidas sempre de forma aligeirada, improvisada, sob a marca da

solidariedade, do voluntariado, da reprodução de métodos já fracassados em outros países,

do material didático transposto de uma realidade educacional (infantil) para outra (adultos).

Portanto, o direito de acesso ao conhecimento das técnicas de leitura e de

escrita passa a ser reduzido, mediante tais ações, à meras ações emergenciais, missionárias

e caritativas.

Para Haddad (2000,p.24), a partir de 1940, o setor público federal passou a

assumir o papel de protagonista na oferta da educação de adultos. Foi assim com as

Page 146: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

131

Campanhas da década de 50, com o MOBRAL e com a Lei 5692/71. Portanto, para o

mesmo autor, o ponto alto da educação de adultos no Brasil é representado pelo

“reconhecimento do direito de todos à escolarização e a correspondente

responsabilização do setor público pela oferta gratuita de ensino

supletivo e de adultos, o que ocorreu com a aprovação da Constituição

de 88” (HADDAD,2000: p.24).

Porém, o que frustra a toda sociedade brasileira é que o reconhecimento se

dê apenas no nível legal e não no nível da ação educacional moral. Esse fenômeno

sociológico pode ser observado a partir das proposições de Touraine (1998), que considera

que as questões ligadas à conscientização social devem-se partir da sociedade para a

sociedade e não imposição por leis, o que veremos de forma mais aprofundada nas teorias

dos Novos Movimentos Sociais, descritas e comentadas mais adiante.

Certamente que, ao longo da nossa história, percebemos que o cidadão

analfabeto não deve ser visto “como vítima, como dignos de piedade, como menores, na

medida em que, mesmo com a ausência do poder público, tomaram iniciativas, realizaram

experiências, se inseriram em práticas de leitura, escrita e letramento” (SOARES &

GALVÃO, 2005,p.274).

“ Em muitos casos, tornaram-se analfabetos por não existirem escolas

nos locais onde moravam quando eram crianças, já que a expansão da

rede escolar fez-se muito lentamente no Brasil; em outros, por terem,

para sobreviver, o tempo destinado à escola dedicado ao trabalho; em

outros, por terem sido afastados da escola que, em sua prática

cotidiana, não teve a competência necessária para, considerando-os

portadores de saberes e produtores de cultura, proporcionar uma

inserção duradoura na rede formal de ensino” (Idem, 2005,p. 274).

Os Programas atuais reproduzem as ações de outros programas já

implantados no país durante todo a trajetória da alfabetização de adultos. Pautados numa

postura assistencialista, com da práxis pedagógicas simplistas de alfabetização, reduzem

este momento importante na construção dos sujeitos à meras oportunidades para se garantir

o caritatismo, adotando um analfabeto, fazendo doações e, assim, eximindo o governo de

suas responsabilidades.

Page 147: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

132

Outro ponto importante a ser observado está ligado à implantações isoladas,

paralelas e descontinuadas, visando apenas a promoção individual e o populismo político

dos governantes.

Pode-se, portanto, considerar que os esforços até então destinados a reduzir

o nível de analfabetismo no Brasil, não passaram de propostas carentes de significação

para os analfabetos e, no entanto, pouco importantes na alteração do quadro referente ao

analfabetismo apresentado, principalmente se comparado a outros países, inclusive aos

vizinhos. Infelizmente, essa realidade pode ser percebida se revisitada a história brasileira

da alfabetização de adultos no Brasil.

Para melhor visualizarmos a trajetória da Alfabetização de Adultos no

Brasil e suas repercussões ao longo da história do país, elaboramos um quadro com os

principais aspectos históricos a serem observados e relacionados com os referenciais

teóricos de análise, o que deverá contribuir com nossas análises futuras.

Os aspectos históricos a serem destacados aqui estão organizados de forma

a contribuir com a análise das relações que existiram entre os Programas e as pessoas

analfabetas, no sentido de se perceber quais as concepções de analfabeto, de alfabetização

e quais Programas foram implantados nos diferentes momentos da história do país. Para

isso definiu-se três aspectos considerados relevantes em cada Momentos Históricos

destacado. São eles: conceito de analfabeto; concepção de alfabetização; Programas,

Projetos, Campanhas e Ações de Alfabetização de Adultos.

Page 148: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

QUADRO FOLHA A3

Page 149: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

6.0 – Novos Movimentos Sociais e a Alfabetização de Adultos na Contemporaneidade

6.1 Os Movimentos Sociais

É inevitável, em qualquer discussão acerca dos Movimentos Sociais, não

considerar a polêmica que tem sido gerada em torno da dificuldade de se definir o que

pode ser caracterizado como um movimento social e, ainda, de reconhecer quais aspectos

devem ser observados no sentido de identificá-los como novos. Neste estudo, tratamos,

inicialmente, de buscar algumas possibilidades e elementos teóricos que visam conceituar

Movimentos Sociais para, mais adiante, identificar o que podemos considerar como

concepções de educação de adultos para os Novos Movimentos Sociais (NMS).

Em vários encontros, congressos e seminários, assim como em diversos

livros ou artigos, essa dúvida fica evidente, uma vez que, diferentemente de outros

conceitos na área das Ciências Sociais, esse assume concepções a partir das quais se

desenvolvem ações, envolvendo um grupo de pessoas que se diferenciam por profissão,

crença, etnia, nacionalidade, faixa etária, gênero, condições socioeconômicas etc. Muitas

vezes as ações coletivas são classificadas como movimentos sociais, assim como alguns

movimentos sociais são identificados como ações coletivas.

Diante dessa dificuldade, cresce a necessidade de se provocar uma

discussão entre os principais autores que se debruçam sobre o assunto, a fim de que

possamos conhecer um pouco mais sobre os “Novos Movimentos Sociais”. Certamente,

não é pretensão esgotar aqui a questão, mas evidenciar alguns aspectos que possam apontar

caminhos no sentido de esclarecer as ambigüidades acerca do assunto.

Page 150: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

135

6.2 – Os Velhos Movimentos Sociais

Ao longo da história das sociedades, pode-se dizer que inúmeros

movimentos sociais sempre existiram e sempre existirão, mas também pode-se afirmar que

estes movimentos apresentam peculiaridades que os diferem de maneira bastante

significativa. Essas diferenças estão relacionadas, essencialmente, com o novo sujeito que

atua nos movimentos, além dos diferentes interesses específicos de luta e reivindicação,

dos momentos históricos, políticos, econômicos e sociológicos em que os mesmos se

destacam.

Os Movimentos Sociais ganham características diferentes a partir das

formas de participação de seus integrantes, o que nos leva, necessariamente, à realização

de um estudo mais atento para entendermos algumas questões em torno da participação.

Para estudar e compreender melhor o que é participação, tomamos como

referência Bordenave (1994). O autor enfatiza que o interesse em participar tem se

generalizado em todo o mundo, e, com isso, surgem associações as mais diversas, como os

movimentos ecológicos, as associações de moradores, as comunidades eclesiais de base,

dentre outras. Esse desejo de participar surge como se a civilização moderna tivesse levado

os homens primeiro a um individualismo massificado e automatizador e segundo, a uma

reação frente à alienação crescente, resultado dessa individualização, levando-os cada vez

mais à participação coletiva. Essa concepção de participação tem contribuído com o

processo de desconstrução do modelo clássico de organização social, que também é

observada por Touraine (1998).

Assim, o uso freqüente da palavra participação revela a aspiração de setores

cada dia mais numerosos a assumirem o controle do próprio destino. Por isso, pode-se

afirmar que o crescimento do associativismo parece indicar que estamos entrando na era da

participação.

Nos Movimentos Sociais, a palavra de ordem é a participação, dado o geral

descontentamento com a marginalização a qual o grupo está sendo submetido, quando

ignorado nos momentos de decisões referentes a assuntos de interesse de todos. A

participação não é somente um instrumento para a solução de problemas, mas uma

Page 151: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

136

necessidade fundamental do ser humano, por isso pode ser considerado o caminho natural

para o homem exprimir sua tendência inata de realizar, fazer coisas, afirmar-se a si mesmo

e dominar a natureza e o mundo.

Pode-se considerar que a participação tem duas bases complementares,

importantes para o entendimento da presença do cidadão nos Movimentos Sociais: a base

afetiva – a pessoa participa porque sente prazer em fazer coisas com outros; e a base

instrumental – participa por preferir fazer coisas com outros com eficácia e eficiência do

que fazê-las sozinho. Assim, a participação é elemento essencial na constituição dos

Movimentos Sociais.

Mas, afinal, o que são Movimentos Sociais? No início do século XX, o

conceito de Movimentos Sociais estendia-se apenas às organizações de trabalhadores em

sindicatos, os quais são denominados de Velhos Movimentos Sociais (VMS). Os conflitos

sociais eram vistos em termos de seus valores baseados em classe, os resultados eram

voltados apenas para uma determinada camada que reivindicava alguma melhora de

condição de trabalho e direitos específicos de um grupo. A participação se restringia a uma

forma individual de reivindicação uniforme e, portanto, os atores eram considerados

irracionais, uma vez que os Velhos Movimentos Sociais baseavam-se em sofrimentos das

populações que favoreciam a necessidade de recursos e de trabalho. Os líderes usavam da

barganha, da persuasão e/ou da violência para influenciar as autoridades nas soluções de

seus interesses.

Porém, a partir da ampliação do campo de estudos das Ciências Sociais,

principalmente no início da década de 1960, as definições acerca dos Movimentos Sociais

foram assumindo uma consistência teórica, embora pareçam ainda imprecisas.

Os Movimentos Sociais antes da década de 1960 foram analisados por

teorias, as quais revelam que esses eram vistos, em termos de seus valores, resultados,

atores e práticas institucionais e explicados como forças de liberação com o objetivo da

integração social. Os Movimentos Sociais, então, decorriam de participações individuais

sem referência à participação social ou coletiva. O crescimento das reivindicações

individuais era gerado pelas tensões estruturais decorrentes da rápida mudança social e a

participação dos Movimentos Sociais era rara, causando descontentamento transitório. Os

Page 152: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

137

movimentos tinham ações distintas e os atores eram “irracionais” e se baseavam no

sofrimento das populações. As táticas dependiam da história anterior das relações com as

autoridades, do sucesso relativo dos encontros prévios e da ideologia dominante.

Melucci (1999), por exemplo, questiona a possibilidade de se definir

conceitos para movimentos sociais por considerar esses conceitos reducionistas e prefere

empregar definições para as “ações coletivas”. Nas teorias do comportamento coletivo e

da sociedade de massas a ação coletiva é o resultado da crise da desintegração da própria

ação social. Para o mesmo autor, os VMS tinham ações dualistas: como efeito das crises

estruturais e das contradições ou como expressão de crenças e orientações.

Para Touraine (1998), os movimentos sociais passaram a ser o próprio

objeto da Sociologia. Com isso, embora o desenvolvimento do conceito tenha passado por

uma evolução significativa ao longo dos anos, ainda não há consenso entre os

pesquisadores sobre o seu significado.

A imprecisão em torno do tema talvez se deva a uma necessidade de

sintonia entre a observação da experiência (campo empírico) e a observação e análise

teórica. Os Movimentos Sociais surgem das lutas sociais que acontecem nos percalços da

evolução de uma sociedade, o que é apropriado pelos estudiosos das Ciências Sociais que

passam a estudar esses fenômenos.

Os chamados Velhos Movimentos Sociais apresentam-se num contexto

sócio-econômico e político do período pós-guerra. Nesse período, tinham-se como temas

centrais o crescimento econômico, as lutas em defesa do avanço nas posições individuais e

coletivas, a segurança militar e o controle social para proteção legal do status. Esses

movimentos sociais destacavam-se pela sua organização em classes-partidos-Estado. Os

partidos e sindicatos eram os protagonistas dos movimentos, os quais eram entendidos a

partir dos conceitos de organização de classes sociais. Os militantes eram identificados não

pelas causas que definiam, mas por suas condições de operariado, elite burguesa, político,

patronal e outros.

Page 153: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

138

O conceito teórico de Movimentos Sociais, por sua vez, torna-se confuso,

dada a impossibilidade de a teoria descrever a prática de seus atores, gerando, assim,

questionamentos como até que ponto a teorização dá conta dessas práticas.

6.3 – Os Novos Movimentos Sociais

Na década de 1970, surgem os Movimentos Sociais pela liberdade e pela

vida, os chamados “Novos Movimentos Sociais”.

Esses Movimentos focalizam a esfera pública por acreditarem dirigir

questionamentos no interesse de todos e que poderiam contribuir mais, agindo do centro do

poder do que criando contra-instituições. Um dos principais temas ligados a esses

movimentos era o reconhecimento da autoridade das burocracias políticas e das agências

do Estado e, por isso buscavam conquistá-las, visando usá-las para alcançar seus próprios

objetivos: as lutas pela vida e pela natureza; direitos à vida, como movimento anti-aborto;

pelo direito de assumir seus prazeres e paixões, pela anti-radicalização. Este tipo de

movimento luta contra a limitação da vida gera contra movimentos. Inicialmente, são

identificados como Novos Movimentos Sociais: Movimento Feminista, Movimento Gay,

Movimento Ambientalista, Movimento de Minorias Raciais, Movimento de Manifestações

Anti-Nucleares.

Os Movimentos Sociais dos anos 1980 têm novas formas de ação e nova

relação com os meios de comunicação de massa, além de linguagens e imaginários

diferentes. Constituem-se como uma crítica não mais ao consumismo, mas ao

produtivismo. São reconhecidos como principais movimentos desse período: Movimento

Verde – contra a poluição e contaminação, pelo natural e contra o artificial; Movimento de

Liberdade e Vida – tendo como valores a igualdade, a fraternidade e a liberdade

(Movimentos Estudantis, Movimentos de Reivindicação Cultural, Movimento dos Direitos

Civis / Igualdade Política, Movimento Feminino)

Esses Movimentos estabelecem um novo tipo de conflito, o qual expressa

uma mudança de valores e de atitudes de populações inteiras, portanto mudanças de

problemáticas: políticas da qualidade de vida, da igualdade de direitos, da realização

Page 154: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

139

individual, de participação e dos direitos do homem. Essas mudanças que envolvem

questões ligadas às concepções básicas culturais de uma sociedade inteira, e por isso são

bastante resistentes a transformação, o que implicará em constantes e longas lutas.

Os Movimentos Sociais dos anos 1990 e atuais não derivam de processos de

mobilização de massa, mas de processos de mobilizações pontuais. A mobilização de

massa se faz a partir de núcleos de militantes que se dedicam a uma causa seguindo as

diretrizes de uma organização. Já a mobilização pontual se faz do atendimento a um apelo

feito, fundamentado em objetivos humanitários. Segundo Gohn (2003,p.108), o conceito

que se dá a esse associativismo é o de Participação Cidadã, a qual envolve direitos e

deveres (diferentemente da concepção neoliberal de cidadania, que exclui os direitos e só

destaca os deveres; os deveres, na perspectiva cidadã, articula-se à idéia de civilidade, à

concepção republicana de cidadão).

Esses aspectos importantes observados nesses Movimentos Sociais estão

intimamente ligados à idéia de valorização e reconhecimento do sujeito em uma sociedade,

o que amplia as dificuldades quando se propõe possibilidades de análise do ator social

como sujeito, conforme passaram a ser vistos os atores sociais dos NMS.

“O sujeito pessoal não pode formar-se a não ser afastando-se das

comunidades demasiadamente concretas, por demais holísticas, que

impõem uma identidade fundada em deveres mais do que em direitos,

insistindo mais na inserção do que na liberdade” (TOURAINE, 1998

p.73).

É importante ressaltar que a necessidade de entendimento entre as teorias

dos Novos Movimentos Sociais se dá uma vez que as ações dos atores sociais se

diferenciaram significativamente ao longo da história. Para Touraine (1998), a diferença

entre os VMS e os NMS não reside na análise da forma de reconstrução do ator, mas na

definição das forças que impedem a essa reconstrução e insistem na redução desse sujeito,

ator social, à sua identidade a partir do seu engajamento a serviço de uma grande causa,

negando-o “o seu direito a existência individual” (TOURAINE, 1998 p.73).

Podemos dizer que a análise das ações coletivas por meio dos movimentos

sociais veio preencher uma lacuna nas teorias de análise sociológica de cunho marxista de

Page 155: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

140

classe social, denominados de Velhos Movimentos Sociais. O sujeito, ator social dos NMS,

não são apenas indivíduos que se identificam por compartilharem de uma mesma luta ou

causa, cultura ou organização econômica, mas aqueles que desejam ser os atores de sua

própria história. Para Touraine (1998 p.73), esse “desejo de individuação” só é possível

“se existir uma interface suficiente entre o mundo da instrumentalidade e o da

identidade”. Nesse caso, é necessário que a idéia da interface seja provocada a partir do

distanciamento para que se constitua o sujeito, caso contrário, “é difícil não cair ao mesmo

tempo na participação imitativa e no enclausuramento comunitário” (TOURAINE, 1998

p.73-74).

Em meados dos anos 1970, novas possibilidades de análise da realidade

social foram surgindo e uma percepção da microestrutura passou analisar os sujeitos dos

movimentos sociais. Ao invés de atentar para a macroestrutura, que via apenas os conflitos

entre as classes sociais, esta nova possibilidade de análise desviou o olhar das lutas de

classes para os movimentos sociais e para os seus novos atores sociais, agora constituído

como sujeitos em ação.

A abordagem marxista, que analisava os movimentos sociais a partir das

categorias de luta de classe, passou a ser criticada principalmente por autores acionistas

como Alain Touraine e outros, os quais não deixam de considerar a importância de Marx

como principal criador do pensamento moderno a partir da percepção real da dominação

social.

Com esse novo olhar voltado para os atores sociais, atento aos seus desejos

e luta pela vida, percebeu-se que os partidos políticos e os sindicatos, organizados a partir

das lutas de classes, perderam o lugar de protagonistas na realidade social, papel que foi

assumido pelos atores dos Novos Movimentos Sociais. Assim, passou-se a aceitar como

uma das principais características desses Novos Movimentos Sociais a possibilidade que

há de se envolver na luta por uma causa sem necessariamente estar condicionado ou

identificado com uma classe social, determinada por categoria funcional, sexo ou opção

sexual etc.

Esses Novos Movimentos Sociais, contrariamente aos velhos, são

reconhecidos pela existência de sujeitos sociais que não se encaixam na configuração de

classe tradicional marxista ou por identidade comunitária enclausuradora. Uma certa

Page 156: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

141

oposição entre classe social e movimentos sociais pode ser percebida a partir dessas

análises, uma vez que “há várias possibilidades de vivência numa mesma classe social”

(TOURAINE,1998 p.45).

Os Novos Movimentos Sociais passaram a perceber os sujeitos de forma

diferenciada da teoria sociológica, criando novas formas de concepção de espaços de lutas

e não se baseando mais em um único modelo clássico de organização de sociedade, o qual

era tido como moderno. Para Touraine (1998 p.38) esse modelo clássico de organização

social, com os efeitos da “globalização”, sofreu uma espécie de desmoramento de sua

estrutura, uma vez que não designa apenas trocas econômicas, mas nos impõe uma

concepção de vida social oposta à que determinava o modelo clássico de ordem social,

fenômeno que o autor denomina de “desmodernização” .

Os chamados Velhos Movimentos Sociais organizavam-se em torno de uma

possível identidade de seus militantes, tais como a identidade dos atores determinada por

categorias relacionadas à estrutura social, tipo de conflito e os espaços desses conflitos. Os

Novos Movimentos Sociais também romperam com este paradigma, pois a posição que os

sujeitos assumem no contexto da estrutura da sociedade não determina mais suas posições

no movimento nem limita sua participação.

Essa nova concepção de movimentos sociais também não define o espaço

conflito, o que evidencia como uma de suas principais características e que o torna novo,

além da capacidade de politização de temas. A não definição do espaço de conflito e a

capacidade de politização de temas possibilitam localizar os Novos Movimentos Sociais

também num espaço de política não-institucinal, uma vez que entende que a política é uma

dimensão presente em toda prática social e não apenas em um espaço específico.

Para Giddens (1997), os NMS conseguem “inserir em domínio discursivo

aspectos dos comportamentos e condutas sociais que até então eram desconsiderados ou

eram acertados como práticas tradicionais”. Para Touraine (1998:p.49), essa capacidade

dos NMS em provocar discussões acerca dos aspectos dos comportamentos, deve-se à

“desinstitucionalização”, caracterizada pelo autor como enfraquecimento das instituições

e que define a “desmodernização”. A “desinstitucionalização” consiste no

desaparecimento e enfraquecimento das normas codificadas e protegidas por mecanismos

Page 157: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

142

legais, assim como de julgamentos de normalidades aos comportamentos rígidos das

instituições.

Uma possibilidade de revisão dos conceitos de Movimentos Sociais foi

proposta por Touraine (2003) a partir da distinção que o autor faz para se evitar chamar de

movimentos sociais qualquer tipo de ação coletiva. O autor propõe diferenciar os

movimentos societais, culturais e históricos. Denominou de Movimentos Societais aqueles

que combinam um conflito social com um projeto cultural, ou seja, defendem um modo

diferente de uso dos valores morais. Por Movimentos Culturais, denominou aqueles que

estão voltados mais na afirmação de direitos culturais do que no conflito, como “os

movimentos das mulheres e movimento dos ecologistas” (TOURAINE,1998 p.112). Por

Movimentos Históricos, denominou aqueles que põem em questão uma elite e apela ao

povo contra o Estado.

Touraine (1998 p.17) propõe uma discussão acerca dos Movimentos Sociais

enfocando-os como “chamamento ao sujeito” o que possibilita uma análise mais ampla dos

fenômenos sociais mais recentes. O autor denomina de “chamamento ao sujeito” a

capacidade dos Novos Movimentos Sociais, mediante geração de tantos novos conflitos

ligados à educação, à saúde, à informação de massa e outros, de chamar os sujeitos como

forma de resistir contra medidas de dominação social que reduzem a prática da democracia

nas relações sociais. Esse “chamamento” não significa induzir esses sujeitos a lutar por um

modelo de sociedade perfeita, mas pela garantia de direitos, de vida e de democracia.

Os atores sociais dos Novos Movimentos Sociais representam uma

categoria de auto-identificação. Não confiam no reconhecimento que possam ter como

parte dos códigos políticos estabelecidos, tais como esquerda/direita,

liberais/conservadores, nem tão pouco como parte dos códigos sócio-econômicos, tais

como classe trabalhadora/classe média, pobres/ricos, populações rurais/urbanas. O

universo do conflito político é mais codificado em categorias tomadas das finalidades, tais

como gênero, idade, localidade dos movimentos sociais.

Assim, os Novos Movimentos Sociais se apóiam na defesa dos sujeitos e

não na busca do poder ou na contestação ao Estado (o que pode vir a acontecer como

conseqüência), pois

Page 158: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

143

“as novas contestações não visam criar um novo tipo de

sociedade, mas mudar a vida, defender os direitos do homem,

assim como o direito à vida para os que estão ameaçados pela

fome e pelo extermínio, e também o direito à livre expressão ou à

livre escolha e um estilo e de história de vida pessoais”

(TOURAINE: 1998, p.56).

Para Touraine (1998), diante da impossibilidade de identificação do

adversário, que não é mais o estado, partido político ou uma classe social, o “chamamento

ao sujeito” passa a ser um processo de identificação e não mais de identidade. O sujeito

pode ser defensor de uma causa, sem necessariamente ser partícipe de suas atitudes e ações

ou comungar com suas ideologias (não precisa ser gay para lutar pela causa gay, nem ser

mulher para lutar pelos direitos da mulher). Assim, os Novos Movimentos Sociais

tematizam questões que antes eram restritas a uma esfera privada, ou seja, àqueles que

sofriam diretamente com as diferenças que queriam ver significadas como gênero,

orientação sexual, etnia e outras. Juntamente com essas questões, lutam pela terra, pela

distribuição de renda, pela igualdade social e outras causas inerentes ao bem estar do ser

humano no mundo.

Para Melucci (1989 p.26), os Novos Movimentos Sociais se incumbem de

revelar os problemas sociais para a sociedade. Para o mesmo autor, ao fazer isso, eles

levantam debates em torno de temas tão específicos e significativos que provocam a

sociedade e acabam afetando as estruturas sociais já consolidadas e que a constituem,

levando-a à transformação.

Os Movimentos Sociais, a partir de meados da década de 1980 até o final da

década de 1990, perdem visibilidade como ações contestatórias, uma vez que o Estado

deixa de ser seu principal alvo de ações contraditórias. Com a promulgação da

Constituição Brasileira de 1988, “muitos movimentos, que tiveram muito vigor nos anos 70

e 80, quando clamavam por direitos, passam a encontrar dificuldades para manter a

mobilização após terem conquistados alguns daqueles direitos em lei” (GOHN,1997

p.20).

Porém, lamentavelmente, essas conquistas fizeram o caminho inverso do

desejado, uma vez que, não partiram da transformação social para o legal. Por isso, as

Page 159: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

144

transformações aconteceram somente no âmbito da legalidade, mas não no seio da

sociedade. Mediante tal situação, os Novos Movimentos Sociais assumiram outras

demandas localizadas agora no âmbito da sociedade civil e agora lutam para garantir esses

direitos de fato.

Com essa nova demanda, os novos movimentos sociais passaram a ser

considerados efêmeros e seus atores temporários. Segundo Melucci (1994 p.190), os NMS

têm função simbólica de “revelar” problemas, lutar por projetos, significados e

orientações sociais, o que dá a eles características de efemeridade.

Para Touraine (1998 p.129), os novos movimentos sociais caracterizam-se

na luta por uma democracia interna, ou seja, no seio da sociedade para a sociedade, pois

querem interferir nos hábitos e valores estabelecidos como melhores.

Segundo Offe, citado por Gohn (1997 p.284), os novos paradigmas dos

Movimentos Sociais estão voltados para a preservação do ambiente, aos direitos humanos,

à paz, às formas não alienadas de trabalho e favorece a autonomia pessoal e a identidade,

opondo-se ao controle centralizado.

As possibilidades de análises dos Novos Movimentos Sociais a fim de se

elaborar um conceito ficam prejudicadas dada a autonomia dos atores sociais

contemporâneos. Assim, afirmar o que há de novo nos Novos Movimentos Sociais

constitui mais um desafio para as Ciências Sociais.

Segundo Gohn (1997 p.30), na América Latina, os Novos Movimentos

Sociais são diferentes dos novos movimentos sociais da Europa. Na Europa, “novo”

significa o oposto de “velho” movimento de classe trabalhadora, enquanto que na América

Latina, “novo” refere-se aos movimentos que não se pautam por relações clientelistas.

Segundo a mesma autora, em ambos os casos, o que há de novo é mesmo a capacidade dos

novos movimentos sociais de politização de novos temas, embora considere que os Novos

Movimentos Sociais na América Latina ainda são marcados por conotações de classes

sociais. Porém, segundo a mesma autora a

Page 160: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

145

“noção de novo sujeito histórico, povo, um dos eixos estruturantes do

movimento popular, reformulou-se, assim como deu novos sentidos e

significados às suas práticas. Resulta desse processo uma identidade

diferente, construída a partir da relação com o outro, e não centrada

exclusivamente no campo dos atores populares” (GOHN,2003 p.24).

Segundo Castells (2002), sob o ponto de vista sociológico, toda e qualquer

identidade é construída, porém a dúvida se instala a partir do momento em que se

questiona com “respeito a como, a partir de quê, por quem, e para quê isso acontece”.

Para o mesmo autor, essa construção da identidade perpassa por toda uma complexa

tessitura que ele denomina de “matéria-prima”, que é fornecida pelas heranças culturais

dos indivíduos. Porém, toda essa “matéria-prima” herdada é processada pelos indivíduos,

grupos e sociedade, “que reorganizam seu significado em função das tendências

sociais...” (CASTELLS,2002 p.22).

Castells (2002) ainda propõe três formas de origem da identidade: a

“identidade legitimadora”, introduzida pelas instituições dominantes da sociedade,

“Identidade de Resistência”, criada por atores que se encontram em posição desvalorizada

pela lógica da dominação, “Identidade de Projeto”, construída por atores sociais,

utilizando-se de qualquer tipo de material cultural ao seu alcance, constroem uma nova

identidade capaz de definir sua posição dentro da sociedade, buscando transformar toda a

estrutura social.

É essa terceira possibilidade de construção de identidade que produz os

“sujeitos”, a quem se refere Alain Touraine (1998, p.73), “o sujeito não é a „alma‟

presente no corpo ou o espírito dos indivíduos. Ele é a procura, pelo próprio indivíduo,

das condições que lhe permitam ser ator da sua própria história”

Nesse momento, permitiu-se estabelecer um diálogo entre as propostas de

Freire para a alfabetização de adultos, da alfabetização com letramento e as teorias dos

Novos Movimentos Sociais dadas as proximidades das idéias acerca do reconhecimento do

sujeito ator e autor de sua própria história.

Talvez seja esta a percepção de Gohn (2003 p.24), quando se refere a

“identidades diferentes”, ou seja, esses novos “sujeitos em ação” tornam-se “atores de

Page 161: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

146

suas próprias histórias”. Suas insatisfações e angústias encontram em outros sujeitos uma

espécie de identificação ou de “solidariedade que reconhece o outro como sujeito em

todas as circunstâncias” (TOURAINE,1998 p.164).

Esses novos sujeitos constituem os chamados “Novos Movimentos Sociais”.

É a identificação, e não mais identidade, que os levam a questionar como a ordem

instaurada se reproduz e não, necessariamente, a ordem em si. Esses atores sociais são

motivados “para a busca de soluções alternativas aos problemas sociais e à própria

preservação da vida no planeta, e não para a sua destruição. Suas ações são motivadas

pela solidariedade e não pelo ódio” (GOHN,2003 p.33).

Nesse novo padrão de organização dos movimentos sociais forma-se uma

rede de movimentos, compostos por sujeitos com desejos comuns, surgidos de seus

próprios descontentamentos ou em solidariedade a outros sujeitos. Assim, como os atores

são “temporários”, essas redes fazem e desfazem seus nós, tornando problemática a

definição de movimentos sociais como sistema fechado.

Para Melucci (1999 p.74-75), as redes são formadas por grupos de atores

imersos na sociedade que se unem com fins específicos e caracterizam-se por essa

associação, movida por razões pessoais ou solidárias, o que promove a participação. Para o

autor, as redes podem ser caracterizadas em dois aspectos relevantes para sua

compreensão: a Latência, que possibilita a experiência do movimento com novos modelos

culturais, e a Visibilidade, utilizada como estratégia para o enfrentamento de uma

autoridade ou tomada de decisão autoritária.

Partindo da idéia de sujeito, construída por Touraine, torna-se interessante a

análise das possibilidades de formação de movimentos em redes. Em outras palavras,

torna-se mais simples compreender como se formam os nós das redes em que constituem

os Novos Movimentos Sociais, ou seja, diante da diversidade dos sujeitos atores sociais, já

não é mais possível falar de um movimento social sem considerar sua articulação numa

rede de movimentos sociais. Portanto, os Novos Movimentos Sociais se tocam nas

diferenças, ou seja, não é possível falar de um sem tocar nos outros, o que dificulta uma

conceituação.

Page 162: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

147

Podemos considerar, portanto, que “Movimentos Sociais” é, ao mesmo

tempo, um conceito e um objeto de pesquisa que tem demonstrado uma continuidade

dentro da área das Ciências Sociais. Um investimento na tentativa de conceituar

“Movimentos Sociais” seria, no mínimo, apenas recuperar os sentidos que os autores dão

aos conceitos em determinados momentos da história e dentro da própria sociologia.

Assim, é certo que, em se tratando das ciências sociais, quando achamos que estamos

conseguindo esclarecimentos para os fenômenos, vem a realidade e altera todo o cenário,

provocando novos questionamentos.

Assim, as possibilidades de transformar o que parece estático numa

“ordem” social, as dos Novos Movimentos Sociais permitem-nos estabelecer relações entre

as teorias até então apresentadas aqui, como referenciais para a análise pretendida por essa

pesquisa, uma vez que estão pautadas no reconhecimento da potencialidade de cada sujeito

para interagir e se relacionar com a realidade de forma crítica e consciente,.

6.4 Proposta dos NMS para a Educação do Campo

O que se percebe como uma das questões mais graves acerca da

Alfabetização de Adultos no Brasil, certamente é a verificação de que ainda estamos

bastante distanciados de uma compreensão mais justa das questões que envolvem o

analfabetismo.

Pode-se, no entanto, considerar que o ponto nodal da alfabetização de

adultos está diretamente relacionado à garantia do acesso e da permanência dos alunos nos

programas, o que certamente implica em medidas e ações, geralmente, não previstas no

momento de elaboração dos projetos. .

A inexistência da previsão dessas medidas e ações nos programas e projetos

de alfabetização de adultos constitui-se como grande dificuldade durante o processo de

implantação dos mesmos, impossibilitando que sejam atingidos os objetivos de

alfabetização no nível desejado ou esperado. Daí, os resultados, em vez de trazerem

soluções para as causas que levam ao analfabetismo, os programas têm produzido outros

Page 163: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

148

problemas, muito deles ainda de difícil reconhecimento, como o “analfabetismo

funcional”.

Esta dificuldade em reconhecer o “analfabeto funcional” dá-se a partir da

necessidade atual de uma “ressignificação dos conceitos acerca da alfabetização,

alfabetizado; analfabetismo, analfabeto; alfabetização funcional, alfabetizado funcional,

analfabetismo funcional, analfabeto funcional e letramento.” (SOARES,2003: p.16).

Assim, torna-se inevitável uma análise mais profunda dessas questões

acerca da alfabetização de adultos, uma vez que, mesmo numa análise mais geral e

superficial das políticas públicas de alfabetização de adultos, não é difícil perceber uma

sucessão de “erros” cometidos pelos programas de alfabetização ao longo da história do

País.

É certo que a educação no Brasil tem passado por inúmeras tentativas de

mudanças e, especialmente no que tange às políticas sócio-educacionais voltadas para a

educação de adultos, infelizmente, podemos somar mais fracassos do que sucessos. Então,

se a escola não tem cumprido com sua função básica explicitada em seus discursos,

podemos classificá-la como ineficaz em sua função básica.

A partir dessa constatação é que os Novos Movimentos Sociais têm buscado

propor novos caminhos para a Educação o Campo, especialmente para jovens e adultos.

Nesse sentido, a educação do campo visa a atender os camponeses e as camponesas, seus

filhos e descendentes, de acordo com suas necessidades e demandas escolares, ao contrário

da educação rural ou para o meio rural que constituía uma reprodução da educação urbana,

como nos atentou Paulo Freire. A Educação do Campo surge do princípio da necessidade

de uma pedagogia com o oprimido e não para o oprimido.

O termo Educação do Campo aparece no documento Por uma educação

básica do campo – texto-base, construído na I Conferência Nacional: Por uma Educação

Básica do Campo, realizada na cidade de Luiziânia, estado de Goiás, no período de 27 a 30

de julho de 1998; evento este promovido pela CNBB, MST, Unicef, Unesco e UnB.

Page 164: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

149

Conforme já fora dito anteriormente, a preocupação com a alfabetização dos

adultos, mesmo dentro das ações dos Movimentos Sociais do Campo, só veio mais tarde,

quando já nos assentamentos rurais surgiram as primeiras turmas de Educação de Jovens e

Adultos.

O cenário da sociedade brasileira nas décadas de 1960 e 1970, no que se

refere à educação, passou por várias reformas pautadas na ideologia do regime militar, que

visava “adequar a educação brasileira às exigências do novo modo de acumulação

associado ao capital internacional”. (GOHN,2001: p.18).

Já nas décadas de 1980 e 1990, a sociedade inicia um processo de

transformação de suas concepções e, a partir daí, aprende a se organizar e a reivindicar

seus direitos, tendo como princípio “qualidade de não-cidadãos que são na prática”.

(GOHN,2001: p.08). Talvez, a partir daí, tenham sido ampliados os conflitos na luta pelo

reconhecimento dos direitos à cidadania aos menos favorecidos.

Podemos então deduzir que, ao reivindicar o direito à cidadania, esses

indivíduos reivindicam propostas que lhes atendam também em suas necessidades

educacionais. Portanto, a prática da educação do campo tem sido discutida nos diversos

grupos cujo interesse se volte para essa área da educação.

Partindo-se da percepção de qual a natureza de educação que está sendo

reivindicada e a que está sendo ofertada nas escolas do campo e qual a sua concepção

estabelece-se, então, uma condição para implementação de uma proposta de Educação do

Campo, conforme ela é hoje concebida. A concepção que se tem hoje acerca de uma

educação que seja “do campo” e não “para o campo” tem como princípio básico a

formação humana plena. Deve ser uma educação voltada para a formação de sujeitos que

construam suas próprias histórias, que observem suas realidades e promovam intervenções

necessárias ao bem estar desse próprio homem, uma vez que ela deve ser uma educação

específica e diferenciada.

Page 165: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

150

“A educação do campo deve ser educação no sentido amplo de processo

de formação humana, que constrói referências culturais e políticas para

a intervenção das pessoas e dos sujeitos sociais na realidade, visando a

uma humanidade mais plena e feliz” (Por uma educação básica do campo

– texto base, 1998).

Um importante ponto discutido nesta concepção de Educação do Campo

está relacionado aos reais interesses das pessoas que vivem no campo. Dessa forma, a

educação do campo tem como objetivo atentar para propostas e ações educativas que

garantam esses interesses e, nesse caso, envolvem, prioritariamente, a especificidade e

diferenciação na organização do tempo escolar, no currículo, nas propostas didático-

pedagógicas, nos recursos e materiais didáticos.

“A Educação do Campo deve atentar para que todas as pessoas do meio

rural tenham acesso a uma educação de qualidade, voltada aos

interesses da vida do campo. Nisso está em jogo o tipo de escola, a

proposta educativa que ali se desenvolve e o vínculo necessário dessa

educação com uma estratégica específica de desenvolvimento para o

campo” (idem)

A opção por utilizar a expressão campo, em substituição a meio rural, tem

como intenção promover a reflexão sobre o sentido do trabalho camponês e das lutas

sociais e culturais de grupos emergentes das áreas campesinas na contemporaneidade. Essa

opção propõe, sobretudo, ao se refletir sobre a educação do campo, que se deve ter em

mente que se trata de uma educação específica e diferenciada.

“A Educação do Campo deve ser uma educação específica e diferenciada ,

seja o conjunto dos trabalhadores e trabalhadoras do campo, sejam os

camponeses, incluindo os quilombolas, sejam as nações indígenas, sejam

os diversos tipos de assalariados vinculados à vida e ao trabalho no meio

rural” (idem).

Desse modo, espera-se que a educação do campo deva ser concebida de

uma forma voltada para os interesses e ao desenvolvimento sociocultural e econômico dos

povos que habitam e trabalham no campo, atendendo às suas diferenças históricas e culturais para

que vivam com dignidade e para que, organizados, resistam contra a expulsão e a expropriação.

Page 166: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

151

A expressão “do campo”, na educação do campo, tem o sentido do

pluralismo das idéias e das concepções pedagógicas. Diz respeito à identidade dos grupos

formadores da sociedade brasileira (conforme os artigos 206 e 216 da nossa Constituição).

Não basta ter escolas no campo, espera-se que se construam escolas do campo. Que essas

escolas se constituam com um projeto político-pedagógico vinculado às causas, aos

desafios, aos sonhos, à história e à cultura do povo trabalhador do campo.

Nesse sentido, no que tange à educação do campo, tem-se tratado,

sobretudo, de uma concepção de educação que considere as dificuldades do ensino nesse

segmento e exija a adequação de suas práxis ao meio a que se destina.

Nessa concepção de educação do campo, proposta pelos Movimentos

Sociais do Campo, não se aceita que ensino idealizado para as áreas urbanas, seus

métodos, metodologias e recursos didáticos, além das concepções ideológicas das

realidades sociais, culturais e lingüísticas, seja aplicado ou aproveitado para o meio rural.

Certamente, na intenção de não perder tempo nem investimento numa outra

proposta que considere a realidade do campo, os projetos são extensivos às pessoas que

residem no campo, o que tem se confirmado como garantia do insucesso. Este tipo de

educação extensiva tem gerado ainda mais dificuldades, além das tantas já comuns aos que

vivem no campo.

Por isso, os movimentos sociais reivindicam uma educação baseada em

interesses de coletividade de diversas naturezas, onde a educação ocupa lugar central na

acepção coletiva da cidadania. Desta forma, entende-se que, quando essa conscientização

de cidadania se constrói no processo de luta que é, em si próprio, um movimento

educativo, ela não se constrói por decretos ou intervenções externas, programas ou agentes

pré-configurados. Nesse caso, a concepção de cidadania se dá num processo de construção

interno, ou seja, no interior da prática social em curso, como fruto do acúmulo das

experiências vivenciadas. Assim, pode-se considerar que a cidadania coletiva pode ser a

propulsora da formação de sujeitos históricos, uma vez que a “cidadania coletiva se

constrói no cotidiano através do processo de identidade político-cultural que as lutas

cotidianas geram” (GOHN, 2001:15-7)

Page 167: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

152

Assim, a prática da educação do campo passou, com os NMS, a ser

discutida nos diversos grupos com interesse nessa área da educação, no sentido de que a

mesma contribua na construção dessa concepção de cidadania coletiva, já discutida.

Nesse espaço, tem-se tratado, sobretudo, da inadequação do ensino ao meio

a que se destina. O ensino idealizado para as áreas urbanas tem sido aplicado, ou seja,

aproveitado sem nenhuma adaptação para o meio rural.

O campo carece ainda de outras propostas – além das que estão sendo

implementadas – que de fato assumam a identidade do meio rural “não somente com forma

cultural diferenciada, mas principalmente como ajuda efetiva no campo específico de um

novo projeto de desenvolvimento do campo”.(KOLLING et alli,1999: p.29).

Segundo Arroyo (1999: p.21), a educação pode ser vista a partir de duas

perspectivas, cujas concepções norteiam os objetivos da educação. Podem-se construir

propostas educacionais tendo como visão final a mercadoria de trabalho ou o terreno dos

direitos; esse último tem sido o olhar dos Movimentos Sociais do Campo.

Nesse caso, os Movimentos Sociais do Campo estão preocupados com uma

educação que tenha como sustentação os valores do campo e que tenham os seres humanos

como centro das ações propostas. Inegavelmente, propõem uma educação sustentada por

uma concepção essencialmente preocupada com o desenvolvimento humano no mundo.

Esta seria uma proposta de educação para a convivência do homem com os

próprios homens, e que, portanto, deve ser pautada nas dimensões dos direitos humanos

com dignidade, princípios de democracia, de desenvolvimento e educação moral.

Assim, pode-se considerar que a caracterização dos sujeitos para essa

concepção de educação do campo consiste naquelas pessoas que realmente vivam no

campo e do campo. Desta forma, espera-se que estejam envolvidas com as

dificuldades/facilidades, limitações/amplitudes e impedimentos/desimpedimentos que

tornam a vida no campo ora mais dura, ora mais flexível e prazerosa. Assim, espera-se

tambem que, quem conhece essas especificidades da vida no campo, possa por meio de

Page 168: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

153

uma educação específica e diferenciada, usufruir mais e melhor do que há de positivo,

minimizando as dificuldades.

No Brasil, tende-se à exclusão e às desigualdades, o que se evidencia ao

considerar a maioria da população que vive no campo como atrasada e fora do contexto da

modernidade. Essa conduta pode ser visivelmente notada mediante retrato atual da

educação no meio rural, que não contemplava o direito à educação do campo.

Mediante as especificidades comuns à realidade desses cidadãos e de suas

condições de vida, a proposta de educação do campo deve ter como ponto central e

essencial as especificidades dos homens e mulheres do campo.

Essas especificidades não devem tornar esses homens e mulheres piores

nem melhores em relação aos da comunidade urbana. Elas são inerentes aos sujeitos e ao

ambiente do campo, o que os torna apenas diferentes em relação aos que vivem nas cidades

e não desiguais.

Portanto, deve-se perceber as diferenças sem transformá-las em

desigualdades, pois “proposta de educação deve ser „do campo‟ uma vez que deve primar

pelos princípios e interesses daqueles que são do campo”. (ARROYO, in KOLLING et all,

1999:26).

Para se chegar a uma proposta de educação que realmente seja do campo, é

preciso que a mesma seja reconhecida por práxis pedagógicas voltadas para o campo,

mediadas pelas diversas reflexões teóricas e que atente para os problemas vivenciados pelo

homem do campo.

Faz-se, portanto, extremamente necessária a criação de estratégias e ações

que visem a alfabetização como processo que possibilite ao homem do campo a reconhecer

a realidade social em que está inserido de forma crítica, percebendo-se como autor de sua

própria história, na perspectiva da concepção de alfabetização proposta por Freire (1989:

p.72); tendo como fim, não o domínio mecanicista e reprodutor das técnicas de leitura e de

escrita, mas a condição do letramento, proposto por Soares (1986: p.18) e Kleiman (1995:

p.18); além da conquista da cidadania coletiva, proposta por Gohn (2001: p.15-7) de

Page 169: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

154

acordo com as propostas para a educação básica, concebida como direito pelos Novos

Movimentos Sociais.(ARROYO,1999: p.21-2).

Surge, então, a questão de como fazer essa educação. Acredita-se que, se se

propõe uma educação cuja concepção seja o “desenvolvimento do ser humano”, deve-se

partir do próprio ser humano, buscando estratégias para se perceber seus desejos, suas

expectativas, suas angústias e suas necessidades como um todo. É com esse entendimento

de educação, tendo o ser humano como seu autor, que os Movimentos Sociais do Campo

redefinem a educação do campo.

Torna-se, então, necessário que se estude a possibilidade de elaboração de

um programa de alfabetização de adultos que contemple as necessidades das pessoas

analfabetas adultas, as concepções de educação para a cidadania, proposto pelos

Movimentos Sociais e as propostas de educação do campo. Aí sim podemos dizer que esse

programa terá o homem do campo como autor e ator.

A educação do campo propõe que seus educadores sejam todos pessoas do

próprio campo, o que constitui hoje como um limite para suas ações, uma vez que ainda

não há no campo pessoas com qualificação adequada em número suficiente para que essa

proposta se ratifique. Além disso, existem ainda alguns fatores que contribuem para que a

proposta de educação do campo seja implantada em toda a sua essência, tais como espaço

específico, estrutura física adequada, material didático específico e outros.

Esta pesquisa utilizou-se dos referenciais teóricos aqui apresentados como

norteadores das análises dos Programas e Campanhas uma vez que as mesmas podem ser

consideradas como teorias que se complementam no estudo das possibilidades de

alfabetização de jovens e adultos. As teorias propostas por Paulo Freire para alfabetização

de adultos têm em sua concepção básica a possibilidade que o educando, por meio da

leitura e da escrita, deve buscar o sentido da transformação suas próprias realidades,

percebendo-a e se percebendo em seus diversos contextos de vida. A teoria da

Alfabetização com letramento tem como concepção básica a apropriação da escrita como

instrumento de transformação de si e de seu entorno, denominado por Freire como “leitura

de mundo”. Assim, a Educação do Campo está também voltada para a formação de valores

do campo e que tenham os seres humanos como centro das possibilidades de uma vida com

Page 170: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

155

dignidade, dentro dos princípios da democracia, do desenvolvimento e da moral, tendo

como fim a libertação dos homens e mulheres do campo.

Page 171: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

156

7.0 Desencontros entre teorias e propostas de alfabetização de adultos na perspectiva

da pessoa analfabeta

A partir desse momento, dedica-se ao estudo detalhado dos Prgramas,

Campanhas e Projetos eleitos para essa investigação. Nesse estudo foram destacados

alguns aspectos considerados relevantes nas proposições feitas por esses Programas para

serem analisados.Esses aspectos foram confrontados com as vozes dos sujeitos assentados

e dos especialistas entrevistados, conforme previsto na metodologia apresentada.

O desenvolvimento dessa análise envolvendo os Programas e as vozes dos

sujeitos dessa pesquisa foram organizadas a partir da ordem cronológica em que os

programas foram implantados.

Campanha de Educação de Adolescentes e Adultos (CEAA-1947)

A Campanha Nacional de Educação de Adultos, iniciada em 1947 e vai até

meados dos anos 50 – foi organizada e coordenada por Lourenço Filho – foi criada sob a

égide de uma política de governo que exprimia o entendimento da educação de adultos

como peça fundamental na elevação dos níveis educacionais da população em seu

conjunto.

Com a vitória dois ideais democráticos, a redemocratização e a reorientação

da política interna, iniciada por Vargas, após o final da segunda grande guerra evidenciou a

necessidade de uma educação das massas como um dos principais instrumentos de

construção de uma sociedade democrática, o que se constituiria de forma mais sólida

através de uma estratégia educacional, voltada para o nível elementar.

Além disso, não se tratava mais de uma discussão sem fundamentos ou

leviana de construir uma sociedade democrática, mais pautada na necessidade de se

Page 172: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

157

escolher uma diretriz política para um amplo programa de educação, o qual seria

possibilitado pelo Fundo Nacional para o Ensino Primário (FNEP).

O que se percebe é que essa discussão não parece ter gerado ações que

fossem ao encontro dos interesses das pessoas analfabetas que viviam nas áreas rurais do

País, uma vez que suas necessidades permaneceram as mesmas, mesmo após a

implementação das ações da CEAA. O que se pode confirmar nas vozes dos sujeitos.

Atenta-se para o fato de que certamente os assentados aqui entrevistados

não participaram da CEAA, uma vez que a mesma fora implantada quando eram ainda

crianças, portanto, fora da idade escolar ou, até mesmo não haviam nascido. Porém, a

apresentação de suas vozes referem-se aos seus pais, os quais deveriam ter sido atendidos

pela CEAA. Algumas vozes foram transcritas ainda, no sentido de estimular nossa reflexão

acerca das falhas cometidas pelos Projetos de Alfabetização ao longo da história, as quais

foram vividas e vivenciadas e marcadas como fatos importantes nas histórias de vida

dessas pessoas.

A CEAA nasceu no momento histórico-político em que Governo Federal

passava a arrecadar verba no Fundo do Ensino Primário (FNEP) e atentar para a

alfabetização de adolescentes e adultos não atendidos na idade normal da escolarização.

Naquele momento, eram consideradas analfabetas as pessoas com idade entre 7 e 10 anos.

Pode-se inferir que, nesse momento, alguns dos sujeitos assentados que

tiveram suas HV reconstituídas tinham idade em torno de 7 a 10 anos, e que, portanto, já

deviriam ter sido atendido pela CEAA, como é o caso da Alf1.1f68, que na época estava

com 10 anos . Porém, percebe-se que a mesma sequer teve idéia de que a campanha

existiu.

Além disso, podemos perceber que um dos fatores comuns entre os

assentados analfabetos é que os pais de todos eles eram ou ainda são analfabetos, e que

portanto deveriam ter sido atendidos por essa Campanha. O que se observa é que a

Campanha, conforme já fora dito anteriormente não conseguiu atingir as pessoas que

estavam nas regiões rurais do país, conforme era previsto em seus objetivos.

Page 173: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

158

Nesse caso, pode-se constatar nas vozes dessas pessoas a enorme

dificuldade vivida quando ainda crianças e lhes foram negligenciadas ações educativas.

Alf1.1f68 Eu sou irmã de oito. É isso mesmo comigo é nove. Só que desses aí só

dois é meu irmão de pai. Os outros não, mas é a mesma coisa né. Somo

tudo fios da mesma mãe, que o que conta para dizer se é irmão ou irmã.

Minha mãe teve muita dificudade para cria noís tudo e a vida era mais

dura naquele tempo. Ela não sabia também não, nem ler nem escrever.

Ah! Eu acho que a gente trabalhava muito e nunca tinha nada. Hoje em

dia a s pessoas que trabaia e ( ) sempre tem alguma coisinha. Os meus

fios cada um já tem sua casinha sua terrinha e num foi ganhada igual a

minha não, sabe. Eles tudo sabe ler e escrever já, aprenderam de

criança ainda. Mas lá em casa todos tinha que trabaiá para ajuda em

casa. Os mais novo lá de casa foro para escola cedo, mais nóis mais

veios não ia não. Meu irmão mais veio de que eu e minha irmã mais

nova de que eu não fomo pra escola não, fiquemo tudo burro rsrsrs.

Mais ninguém ligava pra isso não. Hoje que se tem isso como muito

importante e é isso mesmo, é muito importante.

(...)

Nóis sempre moramo na roça. Lá pros lados de Santa Luzia. Fica perto

de Canavieiras, sabe onde? Então, casei lá. Tive meus fios lá e depois

viemo pra cá, pra Porto Seguro. Meu pai e minha mãe era de lá mesmo.

(...)

A vida era muito difícil. Lá em casa era muito fio e ( )fome nunca

passei...Graças a Deus! Mas dificuldade Hã ! Muita. Minha mãe às

vezes chorava muito e nóis que era mais veios sabia que ela estava

agoniada. Os pequeno nem sabia de nada.

(...)

Meu pai conheci pouco. Minha mãe tamem não sabia lê nem escreve.

Quando nóis preciva escrever aguma coisa? Não precisava não. Ás veis

precisa era de lê. Nóis pedia alguém que sabia. Vizinha, os fios dela

tamém sabia ( ) assim.

(...)

Quando de pequena eu nunca fui na escola não. Ninguém ligava. O que

eu acho é que divia ser muito bom se eu tivesse ido. As pessoa não acha

bom a gente não saber ler. Eu? Eu queria sim ter sabido desde cedo.

Agora eu escrevo e leio. Devagar mais leio e escrevo. M<eu fio fala que

eu to lendo muito ruim, mas pra quem não sabia nada né?

“gargalhadas”

(...)

Não. Nóis sempre moro em fazenda dos outros. Era uns tempo numa uns

tempo notra e assim. Nunca tive nossa não. Agora é que tô tendo minha.

(...)

Desde muito nova eu ia pra roça com minha mãe e meus irmão. Sempre

trabaiei. Depois de mocinha fui trabaiá na casa da dona da fazenda. Lá

fiquei. Era melhor do que na roça. Trabaiava muito, mais era melhor.

(...)

Os fios da dona da fazenda ficava na cidade pra estudar. EU. Eu queria

mas como que ia. A fazenda era longe.

(...)

Na fazenda tinha, sim mas quase ninguém ia. Escola era de manhã e de

tarde. Nóis tinha de trabaiá. Minha irmã mais nova foi e aprendeu lá

Page 174: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

159

Percebe-se nessa fala que as condições sócio-econômicas em que as pessoas

viviam, associadas ao tamanho das famílias, à localização geográfica e à inserção precoce

no mundo trabalho contribuíram como fatores importantes no impedimento do acesso

dessas pessoas ao conhecimento formalizado pela escola.

Tomamos aqui as proposições de Paulo Freire para a educação de adultos,

as quais se voltam para uma possibilidade de educação que promova a leitura de mundo,

considerado como essencial no processo de auto percepção no contexto real, para eu se

deseje e se proponha mudanças. Porém, nesse caso observa-se que essa própria realidade

se constitui como obstáculo para as próprias propostas de educação de adultos. O que se

quer afirmar com essa reflexão é que torna-se necessário que os idealizadores das

propostas de EJA consigam se antecipar a esses problemas para que possam prever ações

que realmente viabilizem o acesso e a permanência das pessoas no Programas, para que

nesse contexto a teoria se processe de forma concreta.

Observa-se, ainda, que a essa pessoa entrevistada é taxativa ao afirmar que

não tinha necessidade de escrever, mas somente de ler. Essa afirmativa, embora cause

estranheza, pode ser relacionada à condição de letramento, uma vez que, sem possuir o

conhecimento das técnicas de escrita, o sujeito faz uso interativo com textos escritos.

As falas dessa assentada levam crer que as ações da CEAA nunca chegaram

até ela o que pode ser confirmado na fala da especialista Profa D.A.

“Eu não lembro muito bem dessa Campanha aqui em Salvador não.

Lembro-me apenas que ela era uma Campanha que surgiu num

momento em que a educação de adultos clamava por alguma medida

que pudesse vir ao encontro das necessidades das pessoas e do

País.(...)Eu me lembro muito bem é das missões. Estas eram ligadas à

CNER”.

Atenta-se nesse momento para o fato de até a especialista Profa. D.A. não

vivenciou as ações da CEAA na Bahia.

Evd1 1f60

A minha família era de sete pessoa. Minha mãe , meu pai e cinco irmãos

Page 175: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

160

(...)

Nois moramo em muitos lugar. Moramo em Jucuruçu, em Itabela,

Montinho e depois viemo pra cá, pra Eunápolis.

(...)

Quando eu era ainda criança lá em casa era tudo muito simpres. Casinha

de pobre mesmo. Muito minino e muita dificuldade pra nóis tudo.

(...)

Meu pai e minha mãoe num sabia lê nem escreve tamém não. Ninguém

ligava muito pra isso não. De aprender

(...) Eu cheguei a ir na escola várias veis mais sempre mudava de lugar e saía

da escola e num começava no outro luga. E::assim:::foi passando o tempo

e eu não aprendi não.

(...)

Já tentei sim. Lá em Itabela tinha o MOBRAL e eu cheguei a ir algumas

veis e até que aprendi a fazer o meu nome que sei fazer ainda. Naquele

tempo eu até lia e escrevia arguma coisa , mais agora esqueci tudo de

novo

(...)

A professora ia lendo um livrinho e nóis ia acompanhando o que ela tava

lendo pra nóis faze. Era assim. E tinha que ir fazendo o que ela lia. Tinha

de reza, tinha de cantas as musica que ela ensinava. Assim.

Dentre todos os assentados que tiveram suas histórias de vida reconstruídas,

todos, sem exceção, são filhos de pais ou responsáveis analfabetos. Observa-se, portanto,

que a CEAA fora criada para direcionar suas ações principalmente às pessoas que

moravam nas zonas rurais, onde se concentrava o maior número de pessoas analfabetas,

mas, quando se ouve as vozes desses sujeitos, confirma-se que esse objetivo ficou

comprometido. Esse fato pode ser confirmado na pesquisa documental que gerou os

“Antecedentes Históricos”, na qual se verificou a criação de uma nova Campanha (CNER),

cujo objetivo era cumprir com o objetivo que fora inicialmente proposto para a CEAA.

Este pode ser confirmado, também, mediante a fala da especialista Profa. D.A.:

“Sim. A CNER foi criada após a CEAA receber inúmeras e acirradas

críticas acerca do seu mal desempenho junto às pessoas que estavam no

campo, o que justificou a criação dessa nova campanha com esse

mesmo objetivo”.

Pode-se observar que nesse momento do contexto histórico em que a

Campanha foi implantada, assistiu-se a um clima de euforia e com marcas do “otimismo

pedagógico” ao lançamento da CEAA, “acompanhada da explicação de seu sentido

Page 176: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

161

político: através de uma orientação quantitativa, busca-se criar as condições para o

funcionamento da democracia liberal.” (PAIVA,1983,p.160).

Percebe-se, portanto, que já nessa primeira Campanha os interesses

meramente políticos individuais se fazem fortemente presentes em detrimento do real

interesse em atender às necessidades e direitos dos cidadãos de ter acesso aos

conhecimentos acumulados pela humanidade.

Pode-se considerar que o objetivo principal da CEAA era o de “elevar os

níveis educacionais da população em seu conjunto”, o que permite uma interpretação de

que a mesma não deveria se dedicar apenas ao enfrentamento do analfabetismo, ou seja, a

Campanha deveria se dedicar a criar meios que visassem ampliar as possibilidades de

acesso e permanência em todos os níveis educacionais. Compreende, ainda, a necessidade

de uma educação voltada para as questões de higiene, moral e civismo. No entanto, a

grande crítica que se faz a essa Campanha é que ela, contrariando seu objetivo, se

restringe, na prática, à alfabetização, mesmo assim, essa alfabetização não chegou até as

pessoas que viviam no meio rural, conforme se confirma na fala assentada a seguir:

Evad1 2m55

Na minha casa era eu , meu pai minha mãe e mais cinco irmão, 8

pessoas.

(...)

Nóis sempre moro lá em em lá Itamaraju. Era numa Fazenda que fica

entre Itabela e Itamaraju. Nóis mudamo algumas veis de lá mais

voltamo. Qdo viemo pra cá é que não voltamo mais pra lá.

(...)

Lá em casa nóis sempre foi casa de pobre. Meu pai e minha mãe

trabaiava muito pra cria nóis tudo. As veis num dava e nóis passava ate

falta das coisas.

(...)

Meu pai e minha mãe num sabia ler nem escrever não. E nóis também

não prendemo não. Eu ainda não sei.

(...)

Quando eu era menino ainda eu nunca foi em escola não. Minhas irmã

mais nova até foro e aprendero quando ficaro na casa de minha tia lá

em Itamaraju, mais eu nunca foi não.

(...)

Não. Nunca não. Nunca tive vontade de ir e nem nunca pensei nisso não.

Só aqui só que eu ainda cheguei a ir por causa que eles falou aí que

quem num fosse não ia podê pegá dinhero no Banco emprestado, por

Page 177: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

162

que tinha de saber assina o nome. Aí eu inté fui, mais num demorei

muito pra larga não

(...)

Quando menino nóis morava na casa lá das fazenda que nóis morava.

(...)

Eu trabaio em desde menino muito novo. Sempre foi assim e é até hoje.

É possível perceber que a intenção de “elevar o nível de educacional da

população em seu conjunto”, principal objetivo da CEAA parece não ter sido uma

realidade na vida desses sujeitos que tiveram suas HV reconstruídas, uma vez que entende-

se que “a elevação dos níveis educacionais da população em seu conjunto” esteja se

referindo a muito mais do que alfabetizar, o que nem isso se chegou a cumprir,

principalmente para essas pessoas que se encontravam nos meios rurais e dele

sobreviviam. Nesse caso, a Campanha não previu condições básicas e elementares que

garantissem o acesso e a permanência dessas pessoas nas ações educativas. As principais

necessidades apontadas estavam ligadas ao trabalho para garantir o sustento da família. É

inquestionável que a necessidade básica, primária de sobrevivência sempre foi e sempre

será privilegiada em detrimento da escolarização pelo analfabeto, cabendo, portanto, aos

idealizados das campanhas e projetos a previsão de medidas que visam a minimizar estas

questões.

No entanto, percebe-se, que na prática a CEAA sequer se fez presente no

campo, revelando uma grande carga do que foi considerado como “entusiasmo pela

educação”, ou seja, a Campanha ficou encarregada de solucionar os principais problemas

sociais, políticos e até de ordem econômica, vivenciados pelo país naquele momento de

sua história, o que talvez tenha contribuído para o fracasso das ações mais elementares.

Nas falas dos assentados, a seguir, pode-se ter uma idéia dos problemas

vivenciados por estas pessoas e, sem muito esforço, perceber a pretensão, no mínimo,

ingênua de uma campanha de educação em solucioná-los apenas com medidas

pedagógicas. Certamente, o “entusiasmo pela educação” está fadado ao fracasso,

comprometendo até mesmo as ações básicas previstas.

Page 178: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

163

Alf1.2f52

“A minha mãe teve muitos filhos, só que muitos morreram ainda

criança. Não sei ainda o que acontecia. Me lembro de alguns, uns

quatro que morreram mais grandinhos. Os outros morriam muito

pequeno ainda. Somos em quatro os que ficaram sabe? Depois de velho

já morreu uma irmã minha. Bonitona e nova com 38 anos.”

(...)

“Nóis morava em Pau Brasil. Morava na roça. Na fazenda dos Braga.

Lá perto de casa tinha uns índio que ainda tem lá [Pataxós Hã Hã Hãe]

e era muito ruim. Eles e nóis que não é índio vivia em confusão. Era

sempre uma morte e outra”

(...)

“Nóis era pobre né, como somo até hoje. Mais era muito mais defici

naquele tempo. Meu pai e minha mãe trabaiava na roça e nois tudo ia

junto com eles, né? Lá em casa ninguém nunca estudou naquela época

não.”

Percebe-se que, de acordo com a s Histórias de Vida apresentadas, a CEAA

não atingiu a intenção de penetrar no campo, uma vez que as condições de vida aqui

descritas não possibilitavam sequer o acesso das pessoas à alfabetização, muito menos

tiveram condições de transformações sócio-econômicas, ou seja , das realidades em que

estejam inseridos.

A CEAA tinha também como diretriz política, a quantidade, e como diretriz

técnica, a tentativa de conciliar a campanha de massa (extensiva) com a qualidade e a

continuidade do ensino (profundidade). Porém, o aspecto da quantidade sobrepôs, pois a

intenção qualitativa, a “ação de profundidade”, nunca chegou realmente a se concretizar

senão em aspectos de amplitude muito restritos”. (PAIVA,1983,p.179).

Assim, pode-se inferir que, mediante sua realização muito mais ampla no

sentido da quantidade em relação à profundidade (qualidade), o principal fundamento

político estava meramente ligado às intenções de ampliação das bases eleitorais no sentido

de se manter a hegemonia rural.

A CEAA foi criada com a intenção de atender a todos os cidadãos brasileiros

analfabetos, considerados pelo próprio coordenador da Campanha Lourenço Filho, idealizador

central da Campanha, como marginais “que não podem estar ao corrente da vida nacional”.

Associada a essa idéia, reafirmou a crença de que o adulto analfabeto é incapaz ou menos capaz

que o indivíduo alfabetizado.

Page 179: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

164

Evad1 3f48

“Nóis era pobre. Eu nunca tive pai né. A gente seguia minha mãe e

minha vó, que trabaiava nas fazenda e nóis ajudava. Era muito difícil a

vida, mas elas sempre nos educou melhor de que esses minino são hoje

em dia. Até quando nóis era pequeno, era só ela olhare pra nóis que

nóis num bolia em nada do outro. Nada tinha não. Lá em casa, era só

um olhado de mãe pra nóis que ficava quietinho, já hoje!?”

Estes cidadãos, que foram considerados como marginais e que não poderiam

participar do corrente da vida nacional, ou seja, não eram considerados cidadãos, sempre

contribuíram para o desenvolvimento do País, com sua força de trabalho com sua produção

e com seu suor, geralmente para manter aqueles mesmos que não as consideravam como

pessoas de bem.

Na concepção ideológica da CEAA, o analfabeto não possuía sequer os

elementos rudimentares da cultura de nosso tempo. A educação teria, portanto, objetivos

de integração do homem marginal nos problemas da vida cívica e de unificar a cultura

brasileira.

Alf 1.3f60 “Lá em casa tinha de tudo. Nóis nunca passamo falta

das coisas. Era tudo muito simples e de pobre. Minha mãe cuidava

da casa meu pai trabalhava na roça. Cuidava das criação e a

gente ajudava em tudo, na casa pra minha mãe e na roça pro meu

pai. Meu pai e minha mãe era muito severo com nóis. Tinha de

respeitar os mais velho, não podia bolir no que era dos outro.

Nóis fomo educado assim”

Não faz sentido uma concepção de cultura que considera pessoas que

desenvolviam e desenvolvem técnicas de cultivo da terra, de criação de animais e

conhecimentos diversos acerca de diferentes temas relativos à vivência do homem no

mundo possam ter sido consideradas como pessoas que não detinham uma forma de

cultura.

Os estudos realizados nesta pesquisa, permite-nos considerar que o homem

busca transformar os elementos que a natureza oferece em instrumentos ou técnicas que

facilitem sua sobrevivência, o que é denominado como cultura, ou seja, conhecimento. No

Page 180: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

165

entanto, a concepção de que essas pessoas não têm nenhuma cultura, parte da idéia

preconceituosa e discriminatória de que exista uma superioridade entre as culturas e que

somente os conhecimentos das pessoas consideradas pertencentes à elite social são

reconhecidos como cultura e, portanto, superior aos demais.

Felizmente, essa idéia de marginalização do analfabeto não permaneceu

durante todo o tempo em que durou a CEAA. Na medida em que a experiência foi

demonstrando que a esta concepção teórica não correspondia à realidade, novos estudos

foram sendo feitos, provocando o surgimento de novas idéias. Dessa forma, pode-se inferir

que o preconceito não resistiu a prática educativa, a qual obrigou os técnicos a reverem

seus conceitos.

Nos primeiros anos, a Campanha conseguiu criar várias escolas supletivas

por todo o país e em várias esferas administrativas, sustentadas por profissionais e

voluntários.

Como, infelizmente ainda persiste nos atuais projetos destinados à educação

de Jovens e adultos, a CEAA também fez vários apelos ao voluntariado para conseguir

minimizar o “mal do analfabetismo no país”, e, assim, pode-se perceber que “... o aspecto

redentor, missionário e assistencialista da alfabetização de adultos aqui permanece. O grau

de atenção dado à figura do voluntariado foi tamanho que se elaboraram dois documentos

abordando o tema”. (SOARES & GALVÃO, 2005, p.267).

Segundo Paiva (1983,p.190), a Campanha deveria ser lançada tendo como

base os convênios já firmados entre a União e as Unidades da Federação. À União coube a

responsabilidade do planejamento geral, da orientação técnica e o controle geral dos

serviços, tais como recursos financeiros e fornecimentos do material didático; às Unidades

Federadas coube a difusão dos objetivos da Campanha, que “deveria ser feita de modo a

estimular a colaboração de voluntários nas atividades de CEAA.”. Percebe-se, portanto,

que o quadro docente para atuar nas atividades desenvolvidas pela Campanha foi composto

a partir de uma forte chamada ao voluntariado e ao caritatismo.

Aos professores era oferecida uma gratificação “pro-labore”, em níveis

abaixo dos salários normais dos professores. Tudo fazia parte de uma

estratégia que visava a conduzir a comunidade a participar da

Page 181: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

166

alfabetização de adultos como tarefa cívica e por isso aberto ao

voluntariado, cuja função era manter aceso o interesse pela instrução

popular e criar uma mística em torno do problema”

(PAIVA,1983,p.191)

Especialista Profa. D.A.:

“Não me recordo muito bem de como eram preparadas as pessoas que

iriam alfabetizar nesta Campanha, mas posso afirmar que eram

convocadas para a prática solidária dessa ação e que não se exigia

formação específica.”

A partir dessa informação, podem-se afirmar que a CEAA tinha em seu

critério de seleção de professores para alfabetização de pessoas adultos um forte apelo ao

caritatismo e à solidariedade, características essas que permanecem associadas ao perfil

dos educadores da EJA até os dias atuais.

Neste momento, reporta-se às afirmativas de Paulo Freire em relação ao

perfil do educador, uma vez que considera que o conhecimento jamais poderá advir de um

ato de doação ou de caridade, mas da relação livre estabelecida entre as pessoas no

processo de construção do conhecimento. Portanto, numa relação de solidariedade e de

caridade, o sujeito educando estaria submetido a uma relação de desigualdade.

Esse fator, torna-se, portanto, extremamente importante para o sucesso das

ações que tenham os referenciais teóricos aqui empregados como norteadores das ações

educativas.

Pode-se observar que a responsabilidade pelo fornecimento do material

didático para CEAA era de responsabilidade da União, que segundo Beiseigel (1974) e

Paiva (1983) se preocupou com a elaboração de materiais didáticos adequados às

características intelectuais, sociais e culturais dos indivíduos adultos. Porém, “o material

didático e a orientação metodológica da Campanha são uniformes para todo o país, sendo

igualmente empregados em meio urbano e rural” (PAIVA, 1983).

Atenta-se para a contradição aqui evidenciada na CEAA. Se se prepara um

material didático específico para adultos na alfabetização, demonstra, com essa ação que

reconhece que o adulto apresenta especificidades que vão exigir um material diferenciado

daqueles utilizadas para alfabetizar crianças. Até nesse momento, tem-se a impressão que

Page 182: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

167

ainda não se havia percebido as diferenças regionais, culturais e linguüísticas que

interferem no processo de construção de um conhecimento que seja verdadeiramente

significativo para o alfabetizando. A CEAA, assim como vários outros projetos de

alfabetização de adultos, devido à ausência de uma experiência mais específica de como

alfabetizar pessoas adultas, trazia nos discursos dos seus dirigentes e coordenadores, assim

como os recursos e os argumentos didáticos pedagógicos, idéias e propostas voltadas para

a educação (alfabetização) das crianças, sem nenhuma adequação para os interesses e

discursos da pessoa adulta.

Infelizmente nenhum dos sujeitos assentados dessa pesquisa por vários

motivos, tais como: condições sócio-econômicas precárias, localização das aulas, área de

extensão da Campanha, teve acesso às ações desenvolvidas pela CEAA, portanto não

temos como analisar a relação que existiu entre essas pessoas e os recursos didáticos

disponibilizados pela Campanha. Mas, mesmo assim, insistimos na análise dessa

Campanha por entendermos que a relação desses sujeitos com a mesma acorrera de forma

indireta, uma que os mesmos deixaram de usufruir dos benefícios que a mesma traria se

tivesse obtido êxito em suas ações.

Entretanto, mediante o fracasso das ações em massa que vinham sendo

desenvolvidas pela CEAA, uma nova programação transforma em ações isoladas, dando

origem às chamadas missões que se desenvolviam no meio rural através do poder local,

atentando para as especificidades ali existentes. Porém, muitas dessas missões sequer

iniciaram suas atividades, uma vez que gerou insatisfação e temor por parte dos detentores

do poder naquelas áreas. Essas missões estavam ligadas mais diretamente à CNER.

Percebe-se, por meio de estudos, que a CEAA não apresentou nenhuma

ação voltada diretamente à garantia de acesso e de permanência dos alunos adultos nos

programas por ela organizados. Conforme aponta Osmar Fávero, uma das principais lições

da Campanha consiste, em reconhecer já “no final dos anos 50, que só ação de

alfabetização não resolve, tem que ter uma ação mais ampla junto às comunidades”.

Assim, infere-se que a Campanha, embora possa ser considerada um grande

avanço ou marco inicial das políticas públicas voltadas para a educação de jovens e adultos

no Brasil, não teve uma preocupação voltada para os sujeitos principais desse processo que

Page 183: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

168

são os jovens e os adultos analfabetos ou com pouca escolaridade, tais como a garantia do

acesso e da permanência desses sujeitos nos programas desenvolvidos.

Especialista Profa. D.A.:

“O que podemos dizer de melhor acerca da CEAA é que neste momento

a Campanha oportunizava aos especialistas da época estudos que

resultaram em sugestões do que não se devia fazer em relação à

Educação de Jovens e Adultos. Até então não se tinha nenhuma

referência para estudos acerca desse assunto no Brasil. Foi um

momento muito importante, por isso”.

Percebe-se, assim, que a Campanha não faz nenhuma menção às políticas

de garantia do acesso e da permanência das pessoas nas ações ou atividades propostas para

a alfabetização. Infelizmente, conclui-se que a Campanha, assim como muitas outras

medidas, que se afirmam como voltadas para os cidadãos adultos analfabetos, não

priorizam em suas propostas as ações que prevejam a garantia do acesso e da permanência

dessas pessoas nos programas.

Nessa análise, não temos condições de retirar das Histórias de Vidas dos

assentados informações que nos revele como essa campanha interferiu em suas formações

e de forma que eram desenvolvidas as ações, uma vez que os mesmos ainda não estavam

em idade para ter vivenciado estas experiências.

Campanha Nacional de Educação Rural (CNER- 1952)

A CNER nasceu em 1952, depois da realização da experiência realizada em

Itaperuna, RJ. Nesta experiência, foi colocado em prática um projeto de educação integral,

onde era desenvolvidas várias ações que iam desde a alfabetização até a continuidade dos

estudos, além de cursos profissionalizantes, noções de saúde e higiente. Foi idealizada para

atender principalmente às necessidades gerais das comunidades rurais, inclusive as

educacionais e, assim, cumprir a função fracassada pela CEAA.

Nesse momento, a maioria dos assentados, sujeitos desta pesquisa, ainda

não estavam na faixa etária adequada para serem considerados analfabetos. Mas, assim

como a CEAA, consideramos que os pais desses sujeitos, que também permaneceram

Page 184: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

169

analfabetos durante toda a vida, deveriam ter sido atendidos e alfabetizados por essa

Campanha.

Alf2 2f44

Era eu e mais sete irmão. Oito no total.

Meu pai e minha mãe era analfabetos, os dois .

Lá em casa uns aprenderam a ler e escrever quando de pequeno e

outros não.

Não tinha condições de ir pra escola não, por que era muito longe. Pra

ir e até volta o dia já acabava só com a gente na estrada. Ai num dava

pra fazer mais nada. Nem mesmo pra estudar em casa num dava. E

tinha que trabalha em casa e na roça.

(...)

Eu morava aqui perto em Itabela. Na roça né? Perto de Montinho.

Depois nos viemo pra aqui, pra Eunápolis. Meu pai , minha mãe e meus

irmão.

(...)

Ah! Nóis sempre fomo pobre , né? Tinhao que comer, fome num

passava, mais num tinha uma roupa direito, um calçado essas coisa

assim não tinha não.

(...)

Meu pai e minha mãe são analfabetos até hoje.

(...)

Eu cheguei a ir na escola em Itabela quando era menina mocinha já.

Foi tarde demias e aí era motivo de resenha dos meninos e meninas.

Acabei parando de ir. Cheguei a aprender algumas letra mais muito

pouco. O meu nome sempre fiz. Aprendi de pequena ainda, mais outras

palavra assim, não, eu não sabia. Achei muito bom agora eu saber.

(...)

Ah! Já sim. Foi no MOBRAL. Mas lá, quando eu tive corage de ir já

tinha um tanto de gente indo. Aí eu fiquei atrasada lá na leitura do

livrinho (Cartilha). A professora falou que não podia volta pra trás. Eu

não sabia as letra de antes e não sabia e os outro sabia. Já lia. Eu então

desanimei e não fui mais.

Funcionava na Igreja, no Salão. Eu tinha uns 20 anos de idade.

(...)

Quando de criança não. Nós morava na Casa do Sítio que meu pai

trabalhava.

(...)

Lá em casa todo mundo sempre teve de ajuda. Era muita gente em casa

e todos tinha que ir pro trabalho logo cedo (ainda criança)

Atenta-se, ainda, para o fato de que os assentados, sujeitos dessa pesquisa,

não tinham idade para fazer parte do público alvo a ser atendido pela CNER. Porém

algumas falas contidas em suas Histórias de Vida remetem a seus pais, o que pode também

levantar o não atendimento dessas pessoas, mesmo que de forma indireta.

Page 185: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

170

A CNER foi lançada, inicialmente, conforme já fora dita, como uma

experiência no município de Itaperuna, atendendo às orientações resultantes do Seminário

Interamericano de Educação de Adultos, realizado em 1949, sob o patrocínio da Unesco.

Esse Seminário pretendia analisar as diversas experiências implantadas, no sentido de que

a partir daí pudessem ser construídas bases para a elaboração de propostas e orientações

aplicáveis, com as devidas adaptações, pelos diferentes países.

Inicialmente, a preocupação com a educação rural deveria ser um dos

objetivos da CEAA, porém, suas atividades e ações não se direcionaram para estas regiões,

o que ficou evidenciado no Seminário Interamericano, ao ponto de se sugerir a elaboração

uma nova proposta com esse fim, surgindo, assim, a CNER.

Especialista Profa. D.A.:

“Esta Campanha sim foi muito difundida no estado da Bahia por meio

das missões, que realmente adentravam nas regiões rurais com o

objetivo de educar e de alfabetizar as pessoas. Foi um período em que

havia muito mais pessoas nas áreas rurais do que nas áreas urbanas.

Então, era extremamente necessário que se chegasse até essas pessoas

para a transformação do País e, principalmente, para viabilizar

recursos estrangeiros”.

A CNER visava a “estabelecer uma metodologia de desenvolvimento

comunitário nos programas de educação de base no interior (...) visando à recuperação e o

desenvolvimento de comunidades rurais” (CARVALHO,1977,132). Portanto, a CNER foi

criada para atender às necessidades educativas do meio rural, onde residia o maior número

de pessoas analfabetas do país.

A CNER pode ser considerada uma das campanhas mais importantes e

abrangentes em favor da educação rural no Brasil. Foram ações realizadas por meio das

missões rurais inspiradas nas missões mexicanas e nas sugestões do Seminário

Interamericano, que inicialmente estavam ligadas à CEAA.

Porém, pode-se perceber que a intenção de “estabelecer uma metodologia

de desenvolvimento comunitário nos programas de educação de base no interior”, não

Page 186: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

171

chegou até aos sujeitos dessa pesquisa, uma vez que em suas vozes perceberam-se as

dificuldades encontradas por eles para terem acesso à educação no meio rural.

Alf1.5m54

Meu pai tinha oito filho. São três com a minha mãe que era a primeira

mulher dele e depois ele foi mora com uma outra mulhe e teve mais

cinco lá com ela. Meu pai também morava lá na fazenda e era um home

muito correto com as coisa dele e nunca deixo de ir lá em casa pra ver

nóis e ajudava muito minha mãe a cria nóis. Minha mãe nunca arrumo

outro home não. Fico cuidando de nóis e até hoje ela mora aí com nóis.

Ela e meu pai num sabe ler nem ecreve não. Meu irmão aprendeu nem

sei onde. Acho que os filho deles que são tudo estudado ensinaro ele e

ele aprendeu, com certeza. Lá em casa era nóis e minha mãe que

trabalhava na casa da fazenda que nóis morava. A mainha trabalhava

na cazinha da fazenda e aí era bom pra nóis pq ela levava as coisa da

fazenda pra nóis lá em casa. A dona dexava elas da cozinha leva. Nóis

até ia lá pra cume lá mesmo. Também ela chegava de noite ainda e saía

de noite. Nóis ficava lá pela fazenda afora. Era muito bom.

(...)

Nóis sempre moramo lá nessa fazenda. Até depois de casado eu morei lá

ainda. Na mesma casa. A minha mulhe trabalhava tb na cozinha com

mainha. Aí foi mais fácil dá certo, nóis dois.

(...)

Nóis era pobre. Porque tinha e num tinha. Podia ser que nóis podesse

fica lá pra sempre, mas o dia que o dono quisesse podia mandar nóis

embora porque nóis num tinha nada ali. Nada era nosso mesmo, de

verdade. Então é melhor ter menos da gente do que ter o que é dos

outro. Ali nóis nunca que ia ter nada nosso mesmo.

(...)

Mainha é analfabeta também. Não sabe ler nem escreve. É igual eu era

também. Nóis na fazenda num tinha escola não. A escola era só lá na

cidade aí só os filho do patrão é que ia e voltava todo dia. Nóis nem

pensava nisso não.

(...)

Eu e o meu irmão até chegamo a ir uma veis com os filho do patrão,

mais num dava não. Nóis num compreendia nada que a professora

falava. Ela gritava e minha cabeça esquentava. Aí num fomo mais não.

Assim que nóis chegava lá na escola da cidade os outro menino ficava

olhando a gente assim diferente::: ficava fazendo resenha e aí num fomo

mais não. A patroa até falava com mainha que nóis tinha que ir, mas

nós num quis não.

(...)

Nóis morava numa casa de colono da fazenda. Num era nossa. Era da

fazenda. Sempre moramo lá, até que o dono da fazenda morreu e mulhe

dele vendeu a fazenda e foi embora de lá.

(...)

Quando nóis era minino até que nóis num tinha que trabalha mesmo

não. Mainha é que mandava a gente fazer as coisas lá da casa da

fazenda e minha irmã ajudava ela na cozinha. Nóis passava o tempo era

por ali mesmo. Por perto da casa da fazenda. Tinha umas obrigações

com as criação, de cuida do terrero da casa, mais sempre perto de

mainha.

Page 187: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

172

Mesmo nos casos em que as pessoas que viviam no meio rural não tinham

tanta necessidade de se envolver com o trabalho, as campanhas não conseguiram atingi-las

por outros motivos, tais como distância entre suas casas e escolas, as diferenças

lingüísticas e o reforço negativo da diferença entre as pessoas que viviam no campo e as

que viviam na cidade, com o privilegiamento da cultura urbana.

Neste caso, percebe-se que a CNER também não atingiu seu propósito

principal, pois essas pessoas não tiveram atendidas o seu direito a uma educação que

privilegiasse a sua cultura, a sua linguagem no processo de construção do conhecimento

escolarizado, assim como tiveram os sujeitos que viviam no mesmo urbano.

Se a CNER tinha como objetivo estabelecer uma metodologia educacional

específica e diferenciada para as pessoas que viviam no interior do país, então esperava-se

que fosse criadas escolas ou outras ações que, assim como do meio urbano privilegia o

atendimento aos homens da cidade, privilegiassem o atendimento às necessidades

educativas do homem do campo, sem com isso simplificar ou ridicularizar o processo

ensino-aprendizagem.

Em relação à eficácia da CNER, podemos identificar algumas controvérsias

entre as falas dos sujeitos assentados, que revelam não terem tido acesso às ações da

referida Campanha e o que alguns autores pesquisadores afirmam, o que pode ser

explicado quando se observa a extensão regional da Campanha, a qual se desenvolveu com

maior eficiência em algumas regiões e menor em outras.

Segundo Paiva, as atividades, nas regiões de maior aceitação da Campanha,

eram voltadas para a educação de base, para organização de cooperativas rurais, para

assistência sanitária, cívica e moral e para a introdução de melhorias técnicas agrícolas.

Para isso, “as missões penetraram no interior para incentivar a elevação dos padrões de

vida e a solução dos problemas coletivos através da organização comunitária”.

(1983,p.197).

Page 188: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

173

Porém, para a mesma autora, muitas dessas missões não chegaram se quer a

funcionar, pois iam de encontro aos interesses dos patrões e proprietários das fazendas, que

eram quem as financiavam. Em algumas regiões as missões se desenvolveram mais, como

nas proximidades de Salvador, BA, conforme a especialista entrevistada Profa. D.A..

“As missões não se voltavam apenas para educação escolar, mas

também para as técnicas de plantio, de criação de animais, auto-

cuidado com a saúde, higiene etc. (...) Aqui, em cidades mais próximas a

Salvador, as missões se desenvolveram até bem, mas em cidades mais

no interior não fora permitida nem a implantação ou chegada delas”

Nesse caso, chama-se a atenção para a localização geográfica em que os

sujeitos assentados entrevistados residiam naquele tempo. Conforme dados desta pesquisa,

a grande maioria residia na região da Costa do Descobrimento, Extremo Sul da Bahia,

acerca de 700 Km da cidade de Salvador e distante até mesmo das capitais de outros

Estados. Se se atenta para as vozes dos assentados e as compara com as diretrizes da

Campanha e com as do especialista percebe-se que há uma certa contradição entre as

afirmativas e os relatos dos assentados. As falas dos assentados deixam claras as condições

sociais em que viveram a infância e até o momento em que foram assentados pela reforma

agrária. Assim, percebe-se que para os entrevistados desta pesquisa, a CNER não chegou

até eles, e suas condições de desfavorecidos e de não alfabetizados permaneceu mesmo

após a implementação da referida Campanha.

A justificativa de que em algumas regiões a implantação da CNER foi

dificultada pelos fazendeiros, representantes da elite dominante, não isentam da

responsabilidade as autoridades e o Estado pelo fato de não se ter garantido o direito à

educação a todos os brasileiros.

A CNER pretendia atingir principalmente o homem que vivia no meio rural.

Sua missão era interferir no processo evolutivo natural do campo, alterando sua forma de

ver e perceber o mundo em que vive de forma a levá-lo a uma compreensão tida como

melhor. Percebe-se que o discurso da campanha, voltada para o homem que vive no meio

rural, tende a percebê-lo como indivíduo que tem uma idéia errada de valores humanos.

Reforça-se a idéia de superioridade e do preconceito de que o homem do campo deva ser

igual ao homem da cidade em suas crenças, cultura, percepção de mundo e forma de se

relacionar com seus semelhantes. A CNER pretendia

Page 189: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

174

“contribuir para acelerar o processo evolutivo do homem rural nele

despertando o espírito comunitário, a idéia de valor humano e o sentido

de suficiência e responsabilidade para que não se acentuassem as

diferenças entre a cidade e o campo em detrimento do meio rural onde

tenderiam a enraizar-se a estagnação das técnicas de trabalho, a

disseminação de endemias, a consolidação do analfabetismo, a

sublimação e o incentivo às superstições e crendices.”

(PAIVA,1983,p.197)

Observa-se que contrariamente ao que propõe a teoria de Paulo Freire, a

teoria da alfabetização com letramento e as Propostas dos NMS para a educação do campo,

a CNER tinha como um de seus propósitos transformarem os homens e mulheres do campo

em réplicas de homens e mulheres das cidades, para assim minimizar as diferenças.

Porém, o que se espera segundo esses referenciais teóricos, não é minimizar

as diferenças, mas sim acentua-las no sentido de percebê-las, de não ignora-las, buscando

um processo natural de reconhecimento dessas diferenças sem a intenção de comparação

entre o que é superior ou inferior, mas apenas diferente.

Alf 1.2f52

“(...)A minha mãe teve muitos filhos, só que muitos morreram ainda

criança. Não sei ainda o que acontecia. Me lembro de alguns, uns

quatro que morreram mais grandinhos. Os outros morriam muito

pequeno ainda. Somos em quatro os que ficaram sabe? Depois de velha

já morreu uma irmã minha...”

O que se percebe nessa fala é que o objetivo de contribuir para o processo

evolutivo do homem rural parece não ter sido alcançado, uma vez que a pessoas revelam

que viviam a mercê de doenças consideradas corriqueiras e sem nenhuma perspectiva de

melhora de suas considerações.

Especialista Profa. D.A.:

“Não há dúvidas de que as missões foram criadas especialmente para

atender às necessidades das pessoas que viviam nas zonas rurais. E a

assistência era integral a essas pessoas”.

Aqui, pode-se perceber que os assentados entrevistados por essa pesquisa

deveriam ser considerados como público alvo das ações da CNER, porém, na reconstrução

de suas Histórias de Vida, percebeu-se que não é o que aconteceu, segundo os relatos dos

mesmos, uma vez que esses sujeitos não perceberam sequer ações educativas e muito

Page 190: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

175

menos assistência integral, este fato, pode estar relacionada a localização geográfica em

que os sujeitos se encontravam e a pouca idade dos mesmos no período em que a

Campanha foi implantada.

A CNER teve suas bases inspiradas na CEAA. Esta, em relação ao corpo

docente para atuar em suas ações, obteve sucesso principalmente em dois aspectos: o da

colaboração popular voluntária e o dos recursos. No que tange à formação e treinamento de

professores para aturem na educação rural, a CNER teve uma preocupação maior nesse

sentido, uma vez que promovia cursos de formação de professores leigos.

Especialista Profa. D.A.:

“Nesta época a gente trabalhava em vários projetos de alfabetização

aqui em Salvador e em outros municípios da Bahia, e quando a gente

recebia algum professor ou alfabetizador que tinha sido capacitado pela

CNER, logo se percebia a diferença na qualidade do trabalho

apresentado. Adequação a realidade dos alunos, material específico

confeccionado pelos próprios alunos, alfabetização com reflexão acerca

de temas polêmicos. Era assim, mas eles iam se capacitar lá no estado

do Rio de Janeiro, São Paulo e em Minas Gerais, o que ampliava os

custos.”

As atividades da CNER tinham como ponto forte o Centro de treinamento

de Professores Leigos, destinado a formar professores leigos para atuar nas missões rurais,

além de preparar os filhos de agricultores para as atividades agrárias. Ainda existiam

cursos especiais para capacitação de pessoal que atuava na própria Campanha.

No entanto, percebe-se ainda o forte apelo ao voluntariado e ao caritatismo

na tentativa de se amenizar os problemas educacionais no país, principalmente os ligados à

Educação de Adultos.

Infelizmente em relação a capacitação de docentes para atuar na CNER, não

se teve como coletar informações a partir das HV dos assentados entrevistados, uma vez

que não vivenciaram nenhuma experiência proposta pela Campanha.

Também, não se conseguiu informações precisas acerca de como foram

produzidos os materiais didáticos e como esses recursos didáticos chegavam às salas de

aulas para os alunos. O que se conseguiu foi apenas uma fala da especialista Profa. D.A.,

Page 191: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

176

mas não se referindo à atuação desses educadores nas ações da CNER, mas em outras

ações não mencionadas por ela.

Especialista D.A.:

“A gente percebia a capacidade desses alfabetizadores capacitados pela

CNER, mas a confecção dos materiais era feita por eles mesmos. Não

tenho noticiais de que algum órgão ou segmento da sociedade tinha esta

responsabilidade.”

Pode-se perceber que grande parte do que se considera sucesso na CNER

está ligado a fatores relacionados às condições de acesso e de permanência das pessoas nas

atividades desenvolvidas. No caso da CNER, esta relação está ligada ao fato de que as

atividades eram desenvolvidas no interior, ou seja, no próprio campo ou local onde as

pessoas estavam inseridas. Eram as atividades que vinham até às localidades consideradas

necessitadas. Talvez, não se tenha pensado nessa estratégia como forma de garantir o

acesso e a permanência das pessoas nas atividades, uma vez que não está evidenciado

como objetivo. Inevitavelmente, essa pode ter sido uma das principais ações no

atendimento a aqueles que vivem no e do campo, dada essa estratégia de interiorização das

ações.

Infelizmente esta estratégia pode também ter contribuído para o fracasso da

CNER uma vez que a assistência integral funcional com sucesso, enquanto projeto piloto

no município de Itaperuna. Porém quando se tentou estender essas ações por todo o País,

os altos custos financeiros tornaram-se evidentes, impedido o avanço das ações.

Especialista Profa. D.A.:

“Como as missões eram desenvolvidas junto às comunidades, lá mesmo

nas áreas de zonas rural, talvez seja esta já uma política de acesso e de

permanência”.

Esse fato pode servir como uma explicação para que as ações do CNER não

tenham chegado até aos sujeitos assentados entrevistados desta pesquisa.

NP1 1f50

“Nunca fui na escola não. Quando nóis era pequena nenhum lá de casa

foi em escola não. Ninguém nem falava nisso.”

(...)

“Não nunca, nunca tive como estudar não.”

Page 192: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

177

(...)

“Não. Morava na casa da fazenda.”

(...)

“Lá em casa todo mundo tinha de trabaíá. Ia pra roça logo de pequeno

ainda.”

O que se conclui efetivamente é que quando se observa as falas dos

assentados, percebe-se que as mesmas contradizem as propostas das diretrizes para a

Campanha, uma vez que em seus relatos, eles nunca vivenciaram nenhuma ação educativa

nas regiões em que viviam.

Certamente, a formação do educador deve ser considerada como uma ação

importante que vai indiretamente interferir na garantia da permanência do aluno em sala de

aula, porém, se se considerar que ações diretas voltadas para garantia do acesso e da

permanência do aluno nas atividades propostas para a alfabetização do jovem e do adulto,

percebe-se que a Campanha não propôs ações diretas nesse sentido, uma vez que não prevê

atenção aos filhos dos alunos nos momentos de estudo e de aula, redução de carga-horária

de trabalho, bolsa escola, merenda, material didático individual e outros.

Campanha Nacional de Erradicação do Analfabetismo (CNEA – 1958 - 1963 )

Faz-se importante ressaltar que no período em que a CNEA foi implantada,

grande parte dos entrevistados desta pesquisa já se encontravam na condição de jovens e

adultos analfabetos, uma vez que suas faixas etárias já se enquadravam entre aquelas que

já deveriam ter tido acesso e domínio da linguagem escrita.

A Campanha Nacional de Erradicação de Analfabetismo (CNEA) foi criada

em janeiro de 1958, logo após a extinção da CEAA. O fracasso da CEAA levou à

convocação do II Congresso Nacional de Educação, o qual tinha como objetivo, segundo

Paiva (1983,p.206) “uma revisão conjunta dos profissionais da educação daquilo que se

fizera no país nessa matéria e de busca de soluções mais adequadas para o problema”, o

que acorreu no mesmo ano em que foi criada a CNEA.

Page 193: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

178

A CNEA foi programada, inicialmente, como projetos pilotos que atendiam

uma determinada população em uma determinada região, conforme já mencionado no item

“Antecedentes Históricos”.

Com base nas idéias de se instalar projetos-pilotos de escolarização

primária foi lançada a CNEA, em 1958.

Essa Campanha surgiu no momento em que se reconhecia a ineficácia das

campanhas anteriores. Entendeu-se, portanto, que seria necessária a realização de estudos e

experiências, que deveriam ser desenvolvidos e adaptados para serem estendidos para todo

o País, assim esperava-se que a CNEA chegasse a um número maior de pessoas e

evitassem novos fracassos.

Alf1 3f60

“Como eu já lhe disse, eu e as minhas irmã nunca fomo na escola não.

Só meus irmão que foram.” (...) “Todo mundo ia pra roça quando meu

pai mandava. Tinha que ajuda né. Por que senão ficava ainda mais

difícil a vida.” (...) “Daquele sítio a gente tirava tudo, mas minha mãe

achô de vende. Aí piorou. Fomos trabaiá pro otros. Ganhava pouco.

Minha irmã e eu ah foi horrível esse tempo. Ficava no serviço, na casa

das patroa, direto quais nem ia em casa.”

Porém, percebe-se que esta intenção não foi alcançada, uma vez que

nenhum dos sujeitos desta pesquisa, em idade escolar, não foi atendido por essa Campanha

e entendendo que seus pais eram todos analfabetos, os mesmos também não foram

atendidos.

Inicialmente, o principal objetivo da criação da CNEA foi o de dar soluções

racionais, encontradas através de pesquisas e experimentos, aos problemas educativos,

visando a responder às críticas advindas do II Congresso Nacional de Educação. Porém,

mais tarde, os objetivos dessa Campanha foram mais claramente definidos como “a

verificação experimental da validade sócio-econômica dos métodos e processos de ensino

primário, de educação de base e de educação rural, utilizados no Brasil, visando determinar

os mais eficientes meios de erradicação do analfabetismo no Brasil” (PAIVA,1983,p.215).

Nesse momento alguns dos assentados, sujeitos dessa pesquisa, já se

encontravam na condição de crianças e jovens analfabetos, uma vez que alguns já

Page 194: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

179

deveriam ter tido o seu direito de acesso à educação garantido. Porém, a realidade nesse

momento é mais uma vez interpretada no sentido de tornar o analfabeto o culpado pelas

condições de atraso em que o país se encontrava em relação a outros países.

Alf1.1f63 – “Oh! Depois de velha esta foi a segunda veis que eu tentei

estuda. A primeira foi logo que nóis chego aqui. Tinha umas aula lá na

igreija de Porto e eu cheguei a ir lá umas veis, mais num deu certo não.

Eu num conseguia aprender aquelas coisas que a nocinha ensinava não.

Ela deu pra nóis um livro e ficava querendo que nóis lesse junto com

ela, mais como que nóis ia lê com ela se nóis num sabia. A gente ficava

escutando ela lê e com os livro aberto. Aí num voltei mais não. Ficava

muito cansada e tinha que trabaiá. Eu fui aprender a lê e escreve aqui,

na comunidade. (...) Antigamente, na fazenda, não tinha pra gente veia

não, tinha só pros pequeno. ((srsrsr)). Eu fui lá pra perguntar, mas a

professora disse que só era pra criança.

No momento em que Alf1.1f63 se refere às vezes em que procurou a escola

“lá na fazenda”, a mesma deveria ter encontrado alguma ação da CNEA, pois naquele

tempo ela estava com 12 anos de idade e já estava na condição de jovem analfabeta. O que

se constata, portanto, é que a CNEA não atendia aos objetivos propostos. O que se pode

considerar, no entanto, de extrema importância nessa fala, é a disposição e o desejo que

sempre acompanhou Alf1.1f63 para estudar, e que, infelizmente, seus direitos e desejos

foram ignorados.

Quando ela se refere às aulas que chegou a freqüentar na igreja de Porto

Seguro, a mesma não sabe informar qual era o programa, projeto ou campanha, mas pode-

se inferir que seja, tendo como base o tempo em que está na região, alguma ação do

Mobral, pois algumas atividades eram desenvolvidas nos salões de Igrejas Católicas, sobre

o qual dedicaremos estudo detalhado mais adiante.

O que se pode inferir é que as ações da CNEA se quer chegaram a ser

implantadas no País como se pretendia, dados principalmente aos altos custos de sua ações,

as quais apresentavam resultados satisfatórios nos projetos-pilotos, mas eram inviáveis em

relação aos custos financeiros quando se tentava estendê-las para todo o País.

Especialista Profa. D.A.

“Acerca da CNEA, não tenha muitas lembranças. Lembro-me do

movimento da Campanha e que as concepções eram bastante

Page 195: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

180

contundentes no sentido de erradicar com o analfabetismo pois ele era a

causa de todo o atraso em que o país se encontrava.”

Assim, após estudos de propostas e estratégias de combate ao analfabetismo,

pensou-se inicialmente em uma campanha nacional. Mas, para que ela obtivesse sucesso

seria necessário investir muito dinheiro. Como não existiam recursos, por medida de

economia, a campanha deveria contar com o voluntariado dos professores. Nesse sentido,

mais uma vez as propostas teóricas para a alfabetização de adultos entram em conflitos

com as práticas desenvolvidas pelas campanhas.

Mediante tal situação de carência de recursos financeiros, surge a proposta

de organização de projeto-piloto de escolarização primária da população em idade escolar

e dos que já tivessem ultrapassado tal idade, cujos resultados seriam aplicados como base

para outros projetos em diferentes partes do país. Assim, foram implantados projetos

pilotos isolados, os quais deveriam gradativamente ser ampliados.

Essa Campanha tinha como principal público alvo as crianças e os

adolescentes jovens, uma vez que o estudo e a experiência piloto revelaram um alto índice

de evasão de pessoas adultas das ações educativas dos projetos pilotos. Assim, segundo

Paiva (1983,p.217), “os altos índices de evasão vieram mais uma vez provar que só era

possível atingir uma parcela dos analfabetos: aqueles que ainda possuíam esperança de

melhoria social e profissional”.

Quando se atenta para aspectos das HV relacionados às oportunidades que

os sujeitos desta pesquisa tiveram de acesso à alfabetização durante a vida adulta, as vozes

se agrupam em coro, tornando uma só:

Alf1.2f52

Eu mesmo não. Sempre quis aprender mais num deu não.

(...)

Se tinha eu não sabia não, mas se tivesse sabido que tinha escola pra

gente veia (rsrs) eu tinha ido mais cedo aprender.

Alf1.3f60

Não. Depois de velha não. Só agora mesmo e só aqui mesmo.

(...)

Pra fala verdade nem sei se tinha. Agente nem falava de aprender. Só

lembrava quando precisava ler ou assinar papel, aí era uma vergonha.

Page 196: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

181

Alf1.5m54

Não depois de grande não. Nunca foi não. Só agora aqui mesmo.

(...)

Tinha sim senhor, mas eu não fui não por que era na cidade. Lá na

fazenda num tinha não. Lá era só pros pequeno. E eu tamem num queria

isso não. Nem preocupava com de aprende não. Outro jeito de ir

aprende num tinha, né? (risos)

Observa-se que a intenção da Campanha não fora concretizada, pois as

pessoas aqui entrevistadas não tiveram a oportunidade de priorizar a sua possibilidade de

alfabetização ou sequer tiveram informações de que as mesmas existiram, mesmo havendo

sido implantada ações que se diziam direcionadas a elas. A relação dos sujeitos desta

pesquisa com o mundo do trabalho fora muito forte, e tem-se a impressão que esta relação

precoce foi ignorada pelos idealizados dos projetos e campanhas de alfabetização

implantados.

Ora! Se uma campanha é criada para atender a determinado público alvo,

todas as especificidades e dificuldades desse público devem ser observadas anteriormente e

a ações devem se direcionar no sentido de minimizá-las.

Mediante essa comprovação, a CNEA era radicalmente contra as campanhas

de massa, pois enfatizava o papel da escolarização primária das crianças como solução

para o analfabetismo. Nesse sentido, especialista apontam que a discriminação e o

preconceito para com o sujeito analfabeto nesse período tenham se acentuado

significativamente, uma vez que investir apenas nas crianças para “erradicar o

analfabetismo” significava que o adulto seria gradativamente eliminado da sociedade, uma

vez que estavam fadados à condição que lhes fora socialmente imposta até o fim de suas

vidas.

Porém, negligenciar ao homem seu direito à educação é negar-lhe o básico

da condição de cidadão e de ser humano, a liberdade e a libertação, estabelecidos como

princípios da educação do campo.

Como medida de economia e restrições dos gastos, pensou-se em dinamizar,

reorientar ou mesmo criar uma nova Campanha contra o analfabetismo com a colaboração

do voluntariado. Portanto, a CNEA foi considerada por muitos estudiosos uma extensão

Page 197: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

182

CEAA, e no que tange ao corpo docente, manteve-se a mesma proposta da Campanha

anterior: o voluntariado. Mediante esta afirmação, observa-se que a teoria proposta por

Paulo Freire mais uma vez foi contrariada, quando é proposto o voluntariado para a ação

de alfabetizar pessoas adultas.

Devido a carência de informações e detalhamentos da propostas da CNEA,

não se tem informações precisas de como foram produzidos os materiais didáticos e como

esses recursos didáticos chegavam às salas de aulas para os alunos.

Ao realizar a análise documental das diretrizes que nortearam as ações da

CNEA, não se percebeu nenhuma orientação acerca do material didático a ser utilizado nos

processos de alfabetização de adultos. Assim, conclui-se que não houve esta preocupação

nesse aspecto, uma vez que a prática vivenciada era da utilização dos mesmos recursos e

materiais didáticos utilizados na alfabetização de crianças pequenas para a alfabetização de

adultos, sem nenhuma adaptação ou adequação para o novo fim.

No entanto, como medidas de acesso e permanência dos alunos no projeto-

piloto, eram oferecidos serviços de assistência à saúde e puericultura, além do

fornecimento de todo o material didático necessário, merenda, roupas e calçados.

Porém, atentamos que essas ações somente ocorreram nos Projetos Pilotos.

Essas ações de acesso e de permanência contribuíram para o encarecimento das ações da

Campanha, que inicialmente tinha a intenção de funcionar como um laboratório para

depois essas experiências fossem levadas para todo o País.

Porém estas medidas que visavam ao acesso e à permanência dos alunos nas

atividades e ações desenvolvidas eram de custos financeiros muito altos, o que impedia as

ações de acontecerem da mesma forma quando ampliadas para outras regiões ou

implantadas em áreas mais amplas. Percebe-se, portanto, que o reconhecimento da

necessidade de implantação de medidas afirmativas voltadas para a garantia do acesso e da

permanência das pessoas nos programas de alfabetização já se fazia presente desde então,

porém, o impedimento financeiro resultante da não priorização dessas ações pelo governo

impedia o avanço das propostas.

Page 198: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

183

Essa afirmativa se confirma na fala da especialista Profa. D.A.:

“Infelizmente, teve-se notícias de que as ações desenvolvidas

dentro dos Projetos Pilotos eram bastante significativas para

educação rural, mas que por motivos financeiros, por ter que ser

altos os investimentos, era inviável sua expansão para todo o

Brasil”.

Percebe-se, portanto, que a falta de investimento financeiro para

viabilização os projetos, mesmo que esses projetos sejam comprovadamente positivos,

sempre se caracterizou como um entrave. Isso deixa claro que a alfabetização da pessoa

jovem e adulta, desde então, nunca foi prioridade no Brasil

Movimento de Educação de Base (MEB)

O Movimento de Educação de Base (MEB) constitui-se como organismo da

Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), cuja iniciativa pioneira da Igreja

Católica se deu com as escolas radiofônicas no meio rural, o que abriu caminho para a

criação oficial do MEB em 1961. Sua origem está relacionada à percepção, pela Igreja

Católica, da necessidade de se posicionar favorável ao processo de mobilização e

politização que vinha sendo desempenhado pelas camadas populares do meio rural do

Brasil, no sentido de solucionar os problemas sociais que afligiam a população,

especialmente o analfabetismo.

Com isso, no 1° Encontro de Educação de Base, realizado em 1960, surgiu a

idéia de expandir as iniciativas das escolas radiofônicas para outras dioceses, pois as

experiências veiculadas até aquele momento se desenvolviam satisfatoriamente. Surgiu,

então, a necessidade de criação de um órgão nacional que encaminhasse esse tipo de

atividade da Igreja. Nascia, assim, o MEB.

Considerando o engajamento que já vinha se fazendo em relação ao

operariado urbano e aos estudantes, e a partir da mobilização de populações do meio rural,

a Igreja disseminou programas educativos de alfabetização de jovens e adultos através de

suas redes de emissoras de rádios - escolas radiofônicas. As experiências pioneiras foram

realizadas em Natal/RN e Aracaju/SE.

Page 199: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

184

Ainda, segundo a especialista entrevista nesta pesquisa, Professora D.A., o

MEB surgiu também motivado por um movimento interno da Igreja Católica.

“O MEB surgiu de uma outra mobilização promovida pela Igreja

Catótilca denominado de „Movimento de Ação Católica‟ que tinha como

objetivo incentivar a participação de pessoas leigas das atividades da

Igreja. Isso ocorreu no pontificado de João XXIII e estava ligado às

doutrinas para os Católicos (Juventude Católica). Esses jovens

receberam da igreja um treinamento denominado de „diagnóstico a luz

do evangelho, cujo método tinha como base filosófica o tripé – VER,

JULGAR E AGIR – assim, observa-se a realidade – VER – uma das

realidades era o analfabetismo – JULGAR – AGIR – intervir na situação

de analfabetismo – AGIR. Porém, surgem as dúvidas de como fazer essa

intervenção.Assim surgem as ações do MEB.

Desde seu início, a prática educativa do MEB teve, no pensamento do

educador Paulo Freire, seus principais referenciais filosóficos e pedagógicos. Para Paiva

(1983,p.240) o MEB, além de oferecer uma educação de “formação cristã”, num sentido

catequético, o que suprimia ao enumerar seus objetivos, tinha como princípio fundamental

o sentido lato de educação como processo que visa formar o homem. O MEB tinha como

lema educar o homem para levá-lo ao caminho da realização humana.

“oferecer uma educação de base que levasse ao camponês uma

concepção de vida, tornando-o consciente de seus valores físicos,

espirituais, morais e cívicos; um estilo de vida que guiasse seu

comportamento nas esferas pessoal, familiar e social; e uma mística de

vida que atuasse como força interior que assegurasse dinamismo e

entusiasmo no cumprimento dos seus deveres e no exercício de seus

direitos”

Nesse sentido, pode-se afirmar que as ações do MEB tinham como

finalidade a conscientização do homem da sua condição de ser humano, e que por isso, não

podia se passar como mero repetidor de ações incompreendidas e sem constituir-se sujeito

produtor de sua própria história. Portanto, essa concepção está em consonância com as

propostas teóricas de Paulo Freire, da alfabetização com letramento e da educação do

campo, as quais norteiam as análises desta pesquisa.

O objetivo principal do MEB era adequar o trabalho à realidade e

acompanhar realmente as comunidades; efetuar-se num levantamento da situação local e

regional de uma dada área geográfica. Tal conhecimento in-loco, segundo Santos

(2006,p.03), permitia um conhecimento do todo, ou seja, da real situação das comunidades,

Page 200: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

185

partindo-se da observação concreta de seus valores, recursos, problemas, o que propiciava

uma interação que se mostrou fundamental entre a intelectualidade que compunha o MEB

e os cidadãos simples – por vezes – analfabetos das comunidades estudadas. Com isso, este

estudo conseguiu atingir um grande número de comunidades:

“as rádio escolas radiofônicas eram instaladas nas residências dos

monitores, localizadas em zonas rurais e atingindo pequenos

agrupamentos demográficos, onde nunca houvera antes uma iniciativa

educacional. As escolas radiofônicas pertenciam às comunidades e

não ao MEB” (WANDERLEY, 1984,p.55).

Ainda, talvez, como resultado desse estudo para o reconhecimento das

realidades das pessoas para as quais as ações do MEB deveriam se voltar é que destacamos

a fala da especialista Profa.D.A.:

“Dentre as ações do MEB, a Alfabetização se caracterizava como

apenas uma entre tantas outras. Além de alfabetizar o MEB ainda se

incumbia com outras formações como levar conhecimentos que

tornassem o homem, principalmente do campo, capaz de se perceber

como ser humano no contexto em que vivia e a partir dessa percepção

buscar alternativas de mudanças em sua condição de vida. O MEB

passou a dotar as idéias de Paulo Freire em suas ações de

alfabetização.”.

Nesse sentido, a Educação de Base era definida pelo MEB como o

"conjunto de ensinamentos destinados a promover a valorização do homem e o surgimento

de comunidades".

Dessa forma, pode-se afirmar que as intenções educativas do MEB estão

alinhadas com as concepções de alfabetização propostas como referencias teóricos desta

pesquisa, os quais tomam o termo “educação de base” como princípio da formação

essencial do homem enquanto ser humano.

Por isso, as atividades de animação popular e de alfabetização de jovens e

adultos desenvolvidas pelo MEB, visavam, especialmente, a alfabetização da população

em regiões que apresentavam alto índice de pobreza e não escolarização, representação

máxima da condição do homem, ao qual é negada a condição humana.

Segundo afirma a especialista Profa. D.A., as ações do MEB foram

desenvolvidas nas áreas urbanas e rurais.

Page 201: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

186

“O MEB tinha ações sendo desenvolvidas tanto nas áreas urbanas como

nas áreas rurais”.

Porém, mais uma vez, as vozes dos sujeitos assentados entrevistas desta

pesquisa, não revelam nenhuma experiência vivida por eles que nos permitissem relaciona-

las com ações do MEB.

Alf2.1f61

Querer estudar a gente sempre quis né? O probrema eera que a gente

tinha muita outras coisa, filho, serviço a vida pra cuidar, né? Mas,

assim, a gente sabe que podia ser melho se um de nóis já sabesse cedo.

(...)

Não. Nunca foi aprender não. Só agora aqui no assentamento que eu

pude ir e aprender

(...)

A gente até ás vezes ouvia falar de escola pra gente adulta que não

sabia ler nem escrever, mais a gente nunca atentou de ir não. Ah! Era

serviço, cansada, tinha acordar cedo, a cabeça ruim de preocupação.

Isso.

Diante dessa afirmativa, pode-se concluir que as ações do MEB, embora

sejam consideradas extremamente relevantes para a alfabetização de adultos no Brasil,

ainda não foi suficientemente eficaz ao ponto de chegar a essas pessoas, que ainda

permaneceram na condição de analfabetas e sem acesso às ações educativas propostas.

Como todas as Campanhas de Educação de Adultos, havia, também no

MEB, uma forte chamada ao voluntariado e ao caritatismo. As animações eram feitas por

pessoas da própria comunidade que apresentavam características de liderança. A eles, “não

eram oferecidas melhores condições para o desempenho das funções.” (FÁVERO,1983,

p.202).

Observa-se, portanto, que as ações do MEB embora pautadas nas idéias de

Paulo Freire, no que tange às relações com o docente estão em desacordo, assim como com

as propostas de educação do campo, talvez por essas ações terem sido motivadas por

questões ligadas à religiosidade.

Page 202: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

187

Especialista Profa. D.A.:

“Essa, acredito eu, seja uma grande dificuldade de saber. Trabalhava-

se com pessoas leigas da igreja (voluntários) e, pode-se dizer que tinha

pessoas com diversas qualificações”.

Entende-se que a dificuldade da especialista entrevistada em afirmar acerca

da exigência da capacitação para atuar como docente na alfabetização proposta pelo MEB

possa ser o reflexo da pouca relevância dada a esse aspecto pelo próprio MEB, considerado

pelas teorias de Paulo Freire, da alfabetização e letramento e, principalmente, pela proposta

de uma Educação do Campo como de extrema importância e relevância, dada a

necessidade de estabelecimento de relações complexas entre o educador e o educando,

como por exemplo o respeito mútuo do conhecimento de ambos, a sensibilidade diante das

dificuldades do educando e o desenvolvimento de propostas didático-pedagógicas

específicas para que ocorra o processo de aprendizagem de acordo com o desejado.

As concepções didático-metodológicas empregadas pelo MEB tinham sua

fundamentação baseada na educação a distância, portanto acreditava no uso da mídia, do

teatro, da televisão e, principalmente, do rádio como meios valiosos para desenvolver a

cultura e politizar o povo.

“A Animação Popular é uma tarefa da comunidade. Faz-se através da

transformação de um conjunto de indivíduos, que vivem juntos, em uma

integração de pessoas que pensam, planejam e agem em comum,

buscando atender a todos como membros da comunidade.” (

FÁVERO,1983,p.205)

Especialista Profa. D.A.:

“ O MEB tinha como recurso valioso a onda de rádio. Foram

distribuídos rádios de onda cativa (com somente uma onda) para todas

as pessoas. Os programas de educação de todas as formas eram

transmitidos por esse rádio e chegava a muitos pontos do Brasil”.

(...)“O MEB nunca fez uso de cartilhas”. (...) “Com tempo, a pouca

atenção financeira e recursos repassados ao MEB (ditadura), essa rádio

passou a ser comercial, o que passou a enfatizar as idéias

ideologizadoras do regime atual, naquele momento.”

Os contatos via rádio e presenciais periódicos com as pessoas das

comunidades faziam com elas descobrissem seus valores, sua capacidade e seus próprios

Page 203: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

188

recursos para aprendizagem, despertando-as para o interesse em assumir o trabalho dentro

da comunidade.

“Estamos convencidos de que o homem é sujeito de sua própria

educação. Nosso trabalho consistirá, sobretudo, em suscitar e manter

condições para que este homem possa engajar-se neste processo,

dinamizando-o a partir de seu próprio crescimento. (...) Compete-nos

assumir também, através dos assessores do MEB, a responsabilidade do

processo. (FÁVERO,1983,p.207)

Estes contatos são confirmados pela especialista entrevista, quando se refere

aos animadores do MEB, os quais foram mencionados também nos Antecedentes

Históricos.

“Acredito que as visitas dos animadores foram uma das principais

formas de se manter interesse das pessoas nas ações do MEB.”

Embora as afirmações obtidas por meio da pesquisa bibliográfica e

entrevista com a especialista indiquem este contato das ações do MEB com as pessoas das

comunidades atendidas, principalmente com aquelas que viviam no meio rural, observa-se,

pelas vozes dos assentados entrevistados nesta pesquisa que eles nunca tiveram a

oportunidade de se alfabetizar na idade adulta, embora declarem que sempre teve vontade

de aprender, mas as condições econômicas e sociais nunca foram favoráveis.

Portanto, pode-se concluir que as ações propostas pelo MEB para a

alfabetização de adultos, infelizmente, não foram suficientes ao ponto de chegar até a essas

pessoas, uma vez que nenhum dos assentados entrevistados mencionou o rádio ou os

animadores do MEB em suas entrevistas, embora tenhamos insistido para que eles se

lembrassem de alguma outra forma de estudar que não fosse indo a uma escola ou tenho

aulas convencionais.

Plano Nacional de Alfabetização (PNA)

Em 1962, um grupo de estudantes ligados à igreja católica e à União

Nacional dos Estudantes (UNE) tentou encontrar no Ministério do Trabalho alguma

possibilidade de financiamento para que se desenvolvesse uma política de trabalho voltado

para a Educação de Adultos, a qual teria o método de Paulo Freire como norteador

Page 204: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

189

pedagógico e metodológico, o que vinha se tornando uma proposta viável, porém, mesmo

existindo uma parte dos recursos gerados pelos impostos sindicais, o que poderia ser

destinado a essa área da educação, com a substituição do então Ministro Almino Afonso,

toda a idéia deixou de ser colocada em prática.

No entanto, este mesmo grupo de estudantes partiu para o Ministério da

Educação, integrando a assessoria do então Ministro Paulo de Tarso. Esses estudantes

lograram a implantação de um plano de educação de adultos, em nível nacional, e sob a

coordenação federal, uma vez que todas as campanhas nesse sentido haviam sido extintas.

O então ministro, sensível à situação da educação de adultos no país, pois já

havia demonstrado isso ao iniciar uma ação voltada para esta área da educação, com a

criação do Projeto Piloto do Método Paulo Freire, em Brasília. Assim, já na gestão de Júlio

Sambaqui, foram convocados para uma reunião os líderes da UNE e de outros movimentos

estudantis, cuja finalidade era a deflagração de um grande movimento nacional de

alfabetização. O responsável pela Campanha de Alfabetização da UNE, após contestar as

medidas improvisadas, foi convidado a trabalhar, juntamente com uma grande equipe, na

elaboração de um Plano Nacional de Alfabetização.

O Plano Nacional de Alfabetização manteve as proposições dos grupos

católicos, porém, com uma diferença bastante significativa: “embora prevendo ações de

grupos de estudantes e entidades sindicais, não entregava a elas a execução do programa,

incumbindo-se dela o próprio Ministério” (PAIVA,1983p.256). O PNA tinha como

principal objetivo alfabetizar 5 milhões de adultos até o ano de 1965, ou seja, num período

de 2 (dois) anos.

Especialista Profa. D.A.:

“Lembro-me muito bem que os movimentos estudantis daquele momento

tinham uma preocupação muito forte com a alfabetização de adultos e,

por isso criavam vários movimentos com a finalidade de alfabetizar e

promover ações de conscientização das pessoas acerca, principalmente

de conhecer os seus direitos ”.

O PNA iniciou suas atividades através de dois Planos Pilotos. Um

localizado na região sul e outro na região nordeste do País. Os projetos tinham absoluta

Page 205: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

190

autonomia didático-pedagógica e eram coordenados pela Comissão Nacional de

Alfabetização – a qual “não tinha existência legal nem funcionava de forma efetiva.”

(PAIVA, 1983, p.256).

A partir das experiências realizadas, as atividades propostas pelo PNA

seriam estendidas por todo o País e previam alfabetizar até 2 milhões de adultos

analfabetos em todo o Brasil.

O público-alvo (regiões) escolhido para a realização dos projetos pilotos

teve como principal fator de interferência na escolha das regiões as questões político-

partidária e de influência.

Percebem-se, nesse momento, que não foram considerados fatores

específicos, os quais envolvessem as características dos sujeitos analfabetos, nem sequer

aspectos regionais, culturais ou lingüísticos, ou ainda, sociais ou econômicos que

pudessem ser relacionados ao analfabetismo nos critérios de escolha das regiões, mas

apenas e meramente influências político-partidárias e de relação de poder.

Segundo a especialista entrevistada já eram aceitas por todos os projetos

como as mais adequadas para a EJA.

“Sim. Quase todas as pessoas que atuavam na Educação de Jovens e

Adultos já estavam convencidas de que as teorias propostas por Paulo

Freire seriam as mais adequadas e já se fazia este tipo de educação em

quase todos os projetos existentes na época. Porém, oficialmente, o PNA

não chegou a ser implantado no País, devido ao golpe de estado de

1964”.

Diante do exposto, pela entrevistada, pode-se perceber que na prática as

idéias que sustentavam teoricamente as ações propostas pelo PNA já estavam sendo

colocadas em prática, porém não eram, ainda, oficializadas. Talvez isso justifique o

porquê de nenhum de nossos entrevistados terem vivenciado nenhuma dessas ações que

aconteciam ainda de forma muito tímida.

Page 206: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

191

O fato de o PNA não ter chegado a ser implantado em todo o Brasil limitou

as possibilidades de análises propostas por esta pesquisa acerca do mesmo, uma vez que

não se têm como relacionar suas ações com as vozes dos assentados entrevistados. Porém,

a investigação se dá a partir dos dados da pesquisa bibliográfica realizada e da entrevista

com a especialista.

Assim, no que se refere ao docente para atuar no PNA foi realizada a

abertura de inscrições para as pessoas que participariam do curso de treinamento de

Coordenadores. Não se tem informações de quais qualificações as pessoas teriam que

apresentar no momento da inscrição e nem no momento em que fossem selecionadas. Para

esta capacitação de coordenadores, foram deslocados de Pernambuco e de São Paulo

membros da equipe de Paulo Freire, com o objetivo de realizar este curso.

Em seguida foram feitas inscrições para seleção de alfabetizadores, para as

quais não se conseguiu notícias de quais requisitos seriam necessários para esta inscrição.

Segundo Paiva (1983, p.257) foram inscritos cerca de 7.000 interessados, dos quais 5.000

foram submetidos a um teste, que selecionou 1.000 dentre os candidatos. Este curso

funcionou até o dia 31 de março de 1964, quando se deu a mudança de governo.

Segundo a especialista entrevistada estes cursos de capacitação docente

eram voltados para um aprofundamento das concepções teóricas e dos métodos de

alfabetização propostos por Paulo Freire:

“Os futuros alfabetizadores e supervisores recebiam um curso de

treinamento, no qual eram trabalhadas as concepções filosóficas e

pedagógicas acerca da teoria da alfabetização de Paulo Freire”.

Mesmo sem estar oficialmente institucionalizado, o PNA já havia recebido

verbas para sua efetivação.

“(...) foram encomendados quadros-negros especiais cujo verso servia

para projeção de slides e preparado o material didático com base na

pesquisa do universo vocabular então realizada; foram preparados

filmes coloridos sobre o problema do analfabetismo para apresentação

no interior, organizou-se concurso de sambas e marchas sobre

alfabetização no Zicartola, o Serviço Nacional de Teatro encarregou-se

Page 207: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

192

da apresentação de peças sobre a alfabetização através de uma equipe

ambulante em todo o Estado do Rio de Janeiro...” (PAIVA,1983,p.257)

Não se conseguiu perceber nos textos lidos durante a pesquisa documental

realizada nenhuma política voltada exclusivamente para a garantia do acesso e da

permanência dos adultos analfabetos nas atividades desenvolvidas.

Não foi possível estabelecer nenhuma relação entre os depoimentos dos

assentados e as propostas de alfabetização do PNA uma vez que o mesmo não chegou a ser

implantado devido à mudança do regime de governo.

As idéias e propostas de alfabetização que compunham o PNA divergiam

das idéias daqueles que assumiram o poder para governar o País. As ações propostas pelo

PNA eram voltadas para a libertação do individuo da condição de oprimido, tendo ele

próprio a capacidade de se perceber e perceber as possibilidades de mudança para que esta

transformação fosse possível. Porém, para o novo regime, essas idéias eram consideradas

subversivas e iam de encontro aos interesses da nação. Nesse caso, a “nação” estava sendo

considerada apenas a elite e as classes dominadoras.

Centros Populares de Cultura

Torna-se importante ressaltar que o Movimento de Cultura Popular (MCP)

surge inicialmente como forma de reivindicação. Tem como principal lema a oposição ao

tipo de cultura que serve apenas à classe dominante. Paralelamente, o MCP propõe um

movimento que visa à elaboração com o povo (e não para o povo) de uma cultura autêntica

e livre, na qual o homem brasileiro seja o sujeito dessa construção histórico-cultural.

No entanto, o MCP não se caracterizou como uma campanha, projeto ou

programa, mas como um conjunto de ações coletivas, com características metodológicas

diferenciadas e de acordo com cada realidade a ser enfrentada, tendo como referência os

princípios da educação e cultura popular.

Page 208: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

193

Dessa forma, entende-se que para analisarmos os MCP, conforme proposto

para esta pesquisa, torna-se inviável, uma vez que teríamos que analisar individualmente os

inúmeros projetos executados em todo o País, na perspectiva de Educação Popular.

Portanto, optamos por apresentar alguns desses princípios gerais e

fundamentais para ações voltadas para a alfabetização, consideradas ligadas ao MCP,

tomando como referência a obra organizada por Osmar Fávero (1983,p.25), Cultura e

Educação Popular: memória dos anos 60.

A alfabetização se apresenta como uma tarefa imediata e válida, uma vez

que:

parte do próprio interesse do povo, dando-lhe condições objetivas de emancipação

cultural;

levam o povo à conscientização e conseqüente politização.

Nesse sentido, colocamos como prioritário o trabalho de alfabetização de

adultos, fica claro que a alfabetização dentro do trabalho de cultura popular não constitui

um fim em si mesma mas se traduz com o objetivo de despertar a consciência do povo e,

portanto, servindo como meio e instrumento de sua politização.

Pra que, de fato, a alfabetização cumpra esses objetivos, duas coisas

precisam ser consideradas:

1. A necessidade de um material adequado ao trabalho:

Cartilha elaborada a partir da realidade que representa o ambiente,

levando-se em conta o vocabulário e os costumes próprios;

Livros-textos para leitura complementar, a partir das exigências e

necessidades – de geografia, história do Brasil,ciências naturais, higiene,

política e economia;

Manual de aritmética e cálculo;

Manual para professores;

Material audiovisial que deve ser usado principalmente acompanhando os

debates surgidos a partir da leitura complementar feita através dos livros-

textos.

2. Preparação dos alfabetizadores. Diante dessa nossa perspectiva de uma cultura

criadora, devemos caminhar progressivamente para ir tornando o alfabetizado um

alfabetizador. A preparação dos alfabetizadores deve ser dada a partir de um

Page 209: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

194

curso que lhe forneça as noções básicas para a tarefa a que se propõe, devendo

constar:

Preparo técnico ou orientação técnico-pedagógica, familiarizando o

alfabetizador com método a ser usado a ser usado (global, fonemas ou

silabação, podendo ser utilizados através de instrumentos audiovisuais,

permitindo uma alfabetização em ritmo acelerado);

Debate sobre as palavras-chave, isto é, as palavras politizantes contidas no

texto da cartilha;

Conhecimento da realidade do meio ambiente, para possibilitar um debate

com os alunos sobre seus problemas.

Mesmo diante da impossibilidade encontrada para examinar todos os projetos

desenvolvidos, os quais apresentaram em suas propostas concepções ligadas ao MCP,

acredita-se que os sujeitos desta pesquisa deveriam ter sido atendidos por algumas dessas

ações, porém, infelizmente, não foi o que se detectou quando se deu uma atenção especial

às suas HV , pois quando questionados se alguma vez ao longo da vida haviam tentado

aprender a ler e a escrever na idade adulta, caso tivessem freqüentado alguma dessas ações,

elas teriam sido mencionadas, o que não aconteceu.

A senhor(a) já tentou aprender a ler e a escrever depois de adulto(a)?

Alf 1.3f60 – “Pra fala verdade nem sei se tinha. Agente

nem falava de aprender. Só lembrava quanto precisa ler ou assinar

papel, aí era uma vergonha.”

Alf1.5m54 – “Não. Depois de grande não. Nunca fui não em aula. Só

agora aqui mesmo”. (...) Tinha sim senhor, mas eu não fui não por que

era na cidade. Lá na fazenda num tinha não. Lá era só pros pequeno. E

eu tamém num queria isso não. Nem preocupava com isso de aprende

não.”

Alf2.1f61 – “Não depois de grande nunca pude aprender não. Não

podia pensar nisso. Queria mesmo era criar meus fios e cuidar das

coisas da casa. Quando eu era ainda mocinha, teve época que não sabia

lê nem escrevê nem podia falar que não sabia, por que as pessoas num

gostava não. Fazia pouco caso. Nem conversava com a gente. Hoje num

tem isso mais não”

Page 210: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

195

Evad1 1f60 – “Nunca fui a escola não senhor, nem de pequena nem de

adulta. Aqui eu andei indo umas veis mas como sempre eu não tive

paciência de ir todo dia não. As aulas é de noite e eu não vejo bem as

letra, e eu não quis ir mais não. Eu fico apavorada com tanta coisa pra

guardar na cabeça e não vou mais.”

NP1 1f50 “Nunca fui em escola não. Não sei nem como que é. Eu tinha

vontade de aprender, mas agora não penso mais não.”

O que se percebe mediante as falas dos assentados entrevistados é que

mesmo às ações desenvolvidas pelo MCP, que tinham suas concepções nascidas entre as

próprias comunidades e que, portanto, não foram criadas por pessoas de uma camada

social considerada como superior com a intenção de “atender” a outras pessoas de camadas

diferentes, eles não tiveram a oportunidade de poder contar com essas experiências em

suas HV. Em nenhuma das HV aqui reconstituídas foram mencionadas quaisquer ações

que se possa fazer referência às ações descritas pelos historiadores da educação no Brasil

como ações dos MCP. Esta situação apresenta uma nova possibilidade de olhar para as

ações do MCP considerada surpreendente, uma vez que mediante ao relevo que os

historiadores dão a essas ações, considerou-se decepcionante ouvir as HV aqui

apresentadas.

Certamente, envolvidos pelo entusiasmo que se gera em torno desse

Movimento criou-se uma expectativa de que as suas ações seriam, no mínimo, citadas por

essas pessoas entrevistadas. Nesse caso, reporta-se à história oral de vida enquanto

referencial metodológico de análise empregada nessa pesquisa, ratificando-a como

possibilidade de uma nova visibilidade de um fenômeno histórico.

Movimento Brasileiro de Alfabetização (MOBRAL)

O Movimento Brasileiro de Alfabetização (MOBRAL) surgiu, de certa

maneira, como um prosseguimento das atividades desenvolvidas pelas Campanhas

anteriores, dentre elas a comandada por Lourenço Filho – a CNAA. Certamente, que o que

as difere está no cunho ideológico que as norteavam.

Page 211: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

196

De posse dos textos que orientavam as ações do MOBRAL, numa leitura

mais ingênua, percebe-se uma certa preocupação com a formação do homem enquanto ser

livre13

, porém, em sua prática, a real preocupação do MOBRAL era tão somente fazer com

seus alunos aprendessem a ler e a escrever, sem uma preocupação maior com a formação

do homem.

Nessa etapa da pesquisa torna-se extremamente relevante atentar para a

concepção de alfabetização com letramento e demais concepções utilizadas como

referencial teórico de análise, uma vez que as ações do MOBRAL não tinham esta

preocupação ao alfabetizar as pessoas adultas, o que será detalhado a seguir.

O contexto histórico-político em que o MOBRAL foi implantado pode

servir como explicação para suas ações pedagógicas. Logo após o Golpe Militar em 1964,

muitos educadores, em função de seus posicionamentos ideológicos, passaram a ser

perseguidos pelas forças militares que apoiavam o novo governo, principalmente as ligadas

ao MEB e ao PNA. Dessa forma, muitos deles foram torturados, exilados, demitidos das

Universidades Públicas e, até mesmo, mortos. Com isso, o regime militar imprimiu na

educação, nesse período, marcas do autoritarismo e da conduta antidemocrática, em

consonância com suas posturas, também, em outras áreas do governo.

O setor da educação de adultos não poderia ser abandonado por parte do

Governo, uma vez que era por esse setor que o mesmo se aproximava da população.

Ligados a esse interesse de dominação, as comunidades nacionais e internacionais estariam

cobrando do governo a manutenção dos baixos níveis de escolaridade da população como

fator incompatível com a proposta de uma grande nação, como os militares propunham, em

seus discursos, a construir. Assim, havia uma necessidade de elaborar estratégias que

visassem atender tanto a essas exigências quanto aos interesses hegemônicos do modelo

sócio-econômico implementado no regime militar. Nesse contexto, como proposta

estratégica do Governo Militar, surge o MOBRAL, em 1967.

13

Ver FAVERO, 1983,p.77-81

Page 212: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

197

O MOBRAL foi criado para atender a interesses diversos, tanto internos à

Nação, como externos. O que se pode afirmar é que dentre esses interesses não constavam

aqueles voltados para a transformação das realidades em que viviam as pessoas

analfabetas, excluídas socialmente como se pode perceber na fala da especialista:

“ Sem dúvida nenhuma, o MOBRAL foi implementado para atender às

exigências internacionais e aos anseios da ditadura. Embora tivesse em

sua base teórica as idéias de Paulo Freire como referência para suas

ações, a prática era completamente divergente.” (...)“Aqui em Salvador,

não se tinha muito conhecimento do ocorria no MOBRAL, mas as

pessoas eram contra o movimento.”

O MOBRAL foi criado pela Lei 5.379/67, e tinha como objetivo principal

“conduzir a pessoa humana a adquirir técnicas de leitura, escrita e cálculo como meio de

integrá-la a sua comunidade, permitindo melhores condições de vida”.

Segundo o que se observou na pesquisa bibliográfica, o MOBRAL

realmente se dedicou a parte desse objetivo, uma vez que buscava em suas ações conduzir

a pessoa a adquirir técnicas de leitura, escrita e cálculo, mas não como de integra-la a sua

comunidade, mas enquadra-la ao comportamento considerado adequado pela classe

dominadora.

Especialista Profa. D.A.:

“O MOBRAL realmente se dedicou a fazer com que as pessoas

adquirissem técnicas de leitura e de escrita e de cálculo, não se tem

dúvida quanto a isso, mas a forma de se fazer isso é que era bastante

questionada e ainda é. Não se estava alfabetizando com a concepção de

integrar a pessoa a sua comunidade e etc. O que se fazia no MOBRAL

na se faz com pessoas adultas. Não se ensina a adultos da mesma forma

que se ensina a crianças. Sem contexto e sem adequação a realidade

desse sujeito. O que se fazia era uma espécie de formação de repetidores

de idéias e comportamentos desejados por uma camada da sociedade.

Não se pensava em instrumentalizar essas pessoas para a transformação

de suas realidades”.

Esta afirmativa da especialista pode ser confirmada nas vozes dos

assentados entrevistados:

Alf 1.4f50 – “Lá em Eunápolis eu cheguei a ir nas aulas do MOBRAL

((rsrsrs)). Eu mais a minha irmã até chegamo a aprendê bem, mais

depois ela parô de ir porque tinha vergonha ((rsrsrs)). O povo ficava

Page 213: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

198

rindo quando a gente passava na rua. Eu num ligava mais ela parô. Eu

ainda fui mais. Até que trocaro tanto as professora que tinha dia que

não tinha era nenhuma e nóis voltava pra casa sem tê aula. Até que eu

parei também.Tinha que lê um monte de coisa que a gente não sabia,

mas a professora lia em voz alta, um monte de veis e nóis aprendia a

repeti certinho.” (...) “Bom:::tinha um livrinho que nóis tinha que ir

lendo com a professora. Tinha figurinhas, umas letra grande. Ela

ensinava nóis as letras e depois ensinava nóis a juntá as letra e lê as

palavra. Depois é que tinha o livrinho pra ir lendo junto com todo

mundo.”

Alf 1.1f63 - “Já sim. Na Igreja de Porto tava tento umas aulas e foi lá,

mas num deu pra mim aprender não. A moça (professora) lia os livro lá

pra nóis e dizia que era pra nóis contá o que nóis tinha entendido. Só

que às vezes era muito difícil e às vezes muito de criança as hitória. Aí

eu quis ir mais não.”

Evad2.2f58 - Já tentei sim. Lá em Itabela tinha o MOBRAL e eu cheguei

a ir algumas veis e at´pe aprendi a fazer o meu nome que sei fazer

ainda. Naquele tempo eu até lia e escrevia arguma coisa , mais agora

esqueci tudo de novo. (...) A professora ia lendo um livrinho e nóis ia

acompanhando o que ela tava lendo pra nóis faze. Era assim. E tinha

que ir fazendo o que ela lia. Tinha de reza, tinha de canta as musica que

ela ensinava. Assim.

Pode-se perceber, a partir das afirmativas da especialista, complementada

pela vivência relatada pela assentada que as posturas da professora eram bastante

limitadoras das ações de investigação das realidades dos estudantes e que a leitura, a do

“livro” ao qual se refere é da “cartilha”. Esta cartilha, ora apresentava conteúdos

infantilizados, o que ridicularizava o adulto e ora conteúdos ideologizadores do regime

militar, descontextualizados e inadequados a realidade dos alunos, o que se tornava de

difícil entendimento.

Embora os assentados entrevistas tenham participado das ações do

MOBRAL em municípios diferentes – Porto Seguro, Eunápolis e Itabela – relatam

experiências em sala de aula bastante parecidas, o que pode revelar o condicionamento dos

docentes e a ausência de adequação do método às realidades, as quais certamente seriam

diferentes.

Page 214: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

199

O MOBRAL tinha como objetivo “erradicar” o analfabetismo e prestar

educação continuada aos adolescentes e adultos. Assim, o MOBRAL buscou atingir dois

pontos considerados essenciais:

. dar uma resposta aos marginalizados do sistema escolar.

. atender aos objetivos políticos dos governos militares.

As HV dos assentados entrevistados nesta pesquisa revelam que o

MOBRAL conseguiu atingir os pontos que pretendia, ao passo que deu sim uma resposta

aos marginalizados, uma vez que conseguiu atingir uma área de abrangência que nenhuma

outra campanha ainda havia conseguido implantar suas ações, considerando que essa seja

uma resposta, mesmo que não esteja em consonância com os referenciais teóricos

considerados como norteadores de ações educativas para alfabetização de adultos nesta

pesquisa. Ainda, o MOBRAL conseguiu “atender aos objetivos políticos dos governos

militares”, uma vez que em suas ações a ideologia do sistema de governo era perpassada

em todas as modalidades de ensino do País. Esse objetivo foi tão concretizado que não são

raros os lamentos pelo fim do regime militar, reforçados pelas afirmativas de que “aquela

era a melhor época que o Brasil viveu, pois havia ordem e não era essa bagunça de hoje,

não”.

Essas falas, certamente são resquícios de um momento em que a

massificação ideológica foi bastante fortificada pelo sistema de governo militar, e, esta

contou com as ações do MOBRAL como importantes colaboradoras, pode-se ainda

considerar que todo esse suposto sucesso do MOBRAL deve-se à forma autoritária e

intransigente com que eram conduzidas as ações militares, as quais transferidas para as

ações educativas e para outras tantos setores do governo.

Especialista Profa. D.A.:

“O MOBRAL tinha como pretensão atingir a todas as

pessoas adultas analfabetas, e visava a alfabetizá-las. O MOBRAL, no

que diz respeito a extensão pode ser considerado como um das amplas

campanha de alfabetização de massa já implantadas no Brasil. Chegou

a atingir grande parte do País.”

Alf2.2f44 “Ah! Já sim. Foi no MOBRAL. Mas lá, quando eu tive

corage de ir já tinha um tanto de gente indo. Aí eu fiquei atrasada lá na

leitura do livrinho (Cartilha). Eu não sabia as de antes e não sabia e os

Page 215: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

200

outro sabia. Já lia. Eu então desanimei e não fui mais. (...) Funcionava

na Igreja, no Salão. Eu tinha uns 20 anos de idade.”

Segundo Haddad e Di Pierro (2002), a Gerência Pedagógica Central do

MOBRAL era encarregada da organização, programação, execução e avaliação do

processo educativo, como também do treinamento (grifo nosso) de pessoal para todas as

fases, de acordo com as diretrizes que eram estabelecidas pela Secretaria Executiva.

Especialista Profa. D.A.:

“Ah! Sim. Inicialmente – por que depois nem isso tinha mais – o

MOBRAL possuía uma política de treinamento – digo treinamento no

sentido literal da palavra – para aqueles que atuariam como

alfabetizadores. As pessoas eram convocadas publicamente e algumas,

já com experiências, eram convidadas para atuar. A alfabetização do

MEB e do MOBRAL eram muito diferentes. Alguns educadores não

sabiam diferenciar o que havia de tão diferente, mas diziam que era

diferente. (...)“O treinamento era linear e sem nenhuma possibilidade de

discussão acerca dos métodos e dos materiais didáticos que já vinham

prontos. Não havia possibilidade, portanto, de se alcançar o que estava

por trás do que se estava ouvindo.”

Ao atentar para as falas dos entrevistados, percebe-se que a má formação dos

alfabetizadores constituiu como um elemento importante para a evasão dos alunos da sala

de aula. As atitudes relatadas de forma tão natural pelos entrevistados revelam a carência

de formação pedagógica daqueles que atuam como alfabetizadores. Pode-se, portanto,

inferir que os alfabetizadores não tinham formação específica para atuarem como

educadores, pois acreditava-se e, ainda, os programas atuais acreditam, que seja

desnecessária a formação profissional para exercício de tal função. Para a concepção do

MOBRAL, basta, assim como também para os programas atuais, que se tenha boa vontade

e espírito de solidariedade para que se alfabetize uma pessoa adulta. Assim, os programas

de alfabetização de adultos, ao longo da história da EJA até os dias atuais, negam que para

se alfabetizar jovens e adultos seja necessária formação docente específica, embora já se

tenha estudos comprovando a ineficácia dos programas que ignoraram esta especificidade.

A responsabilidade pela elaboração do material didático e impressos com os

planejamentos das atividades a serem desenvolvidas nas ações do MOBRAL foi repassada

para empresas privadas, segundo as quais, reuniam suas equipes pedagógicas a fim de

Page 216: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

201

elaborarem e reproduzirem esses materiais para serem distribuídos para todo o país,

mesmo já tendo sido discutida anteriormente, pelos especialistas, as questões que

envolvem as diversidades de perfis lingüísticos, ambientais e socioculturais das diferentes

regiões do país.

Especialista Profa. D.A.:

“Todo o material didático produzido para o MOBRAL era reproduzido

para o País inteiro, sem preocupação com as diversidades e diferenças

regionais.” (...) “As cartilhas continham textos e gravuras

infantilizadas.” (...) “Era exigido o uso de uma cartilha com textos

diretivos voltados para a exaltação das idéias e das políticas do governo

militar.”

O livrinho, ao qual os assentados entrevistados estão se referindo em suas

falas, é a cartilha utilizada pelo MOBRAL como principal material didático. Este material

era distribuído por todo o Brasil, para as diversas Regiões, Estado e Municípios. Sendo

assim, pode-se inferir que as recomendações teóricas de Paulo Freire, da alfabetização com

letramento e Educação do Campo, que sugerem a produção do material didático a partir de

elementos que constituem o cotidiano dos alunos ou por eles próprios, são totalmente

ignoradas. As práxis desenvolvidas nas ações do MOBRAL implicam no aumento das

dificuldades de assimilação e construção dos conhecimentos pelos alunos, pois traz uma

realidade geralmente de difícil compreensão, uma vez que exigirá um nível de abstração, o

qual eles ainda não têm condições de promover.

Mediante tal contexto, o processo ensino-aprendizagem fica comprometido

em relação às propostas teóricas estudadas, o que pode levar o educador a proceder de

forma que memorize os conteúdos sem assimilação ou entendimento, o que promove a

formação de analfabetos funcionais ou alfabetizados sem letramento, e quando isso não

ocorre leva à evasão, resultando em mais uma experiência escolar negativa.

Assim não se percebe nenhuma política, ação ou medida realmente voltada

para a solução dos problemas primários enfrentados pelos adultos analfabetos, tais como

ajudo de custo, transporte, merenda, material escolar individual, atendimento aos filhos

menores nos momentos e horários das aulas. Contrariamente, percebem-se as ações

desenvolvidas contribuíram para a evasão daqueles que chegaram a freqüentá-las.

Page 217: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

202

Especialista Profa. D.A.:

“Não me recordo de haver alguma dessas formas de se garantir o

acesso e a permanência dessas pessoas nas aulas não. Parece-me que

essa nunca foi realmente uma preocupação dos idealizadores dessas

campanhas.”

É lamentável que um movimento de alfabetização que teve a abrangência e

a amplitude do MOBRAL tenha contribuído tão pouco, ou até negativamente, para o

desenvolvimento educacional das pessoas brasileiras, e que essas ações tenham sido tão

impregnadas pelo desejo de submeter o homem ao homem, negando ao outro o direito de

se constituir como tal e como igual.

Fundação Educar

A Fundação Educar foi criada em 1985, com o objetivo de substituir as

ações desenvolvidas pelo MOBRAL e esteve subordinada à Secretaria de Ensino de 1º. e

2º. Graus do MEC. Tinha como diretriz para suas atuações o caminho para a

descentralização, o que fez com que a ela assumisse o papel de órgão de fomento e apoio

técnico aos projetos apresentados pelos Estados e Municípios. O objetivo era criar

estratégias para que as ações diretas da Função Educar, antes desenvolvidas pelo

MOBRAL de forma centralizadora, fossem progressivamente sendo assumidas pelos

sistemas estaduais e municipais de educação e pela sociedade civil. Assim, a Fundação

passou de instituição executora direta para órgão de fomento e apoio técnico.

Portanto, cabe aqui esclarecer que as categorias de análises eleitas para essa

pesquisa acerca dos Programas não poderão ser aplicadas à Fundação Educar, uma vez

que, conforme fora dito, a mesma não se caracterizou exatamente como um Programa ou

Campanha ou Projeto, mas como órgão de fomento e apoio técnico a diferentes e diversos

Programas.

No entanto, alguns aspectos podem ser destacados, a fim de esclarecer as

categorias de análise, tal como fora feito em relação aos demais Programas:

Page 218: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

203

O momento histórico-político em que a Fundação foi implantada, o país

passava por transformações significativas em sua estrutura organizacional. Era um

momento em que velhos e novos movimentos sociais e atores da sociedade civil emergiam

com suas idéias e ações até então reprimidas pelo governo militar. Nesse novo contexto

político, esses movimentos adquiriam credibilidade junto à sociedade e se

institucionalizaram com organicidade e reconhecimento, criando, assim, novas formas de

reivindicação e de expressão. Todo esse processo de mudança resultou com promulgação

da Constituição Federal de 1988 e seus desdobramentos.

Porém, mesmo diante de tantas mudanças, os projetos e programas de

alfabetização submetidos à aprovação e aceitação da Fundação Educar tinham que ser

aprovados por uma comissão de avaliação e acompanhamento das ações, o que geralmente

incorria no privilegiamento daqueles com maior influência política ou com menor custo em

detrimento da qualidade e das ações voltadas para a permanência dos alunos nos cursos.

Os projetos eram apresentados, aprovados pela Comissão de Avaliação, os

recursos repassados, autorizada a execução e supervisionados pela Fundação Educar, mas

não se tem registros dos processos e resultados alcançados por cada um desses projetos.

Careceu, portanto, de uma política de avaliação da eficácia dos Projetos executados com

financiamento da Fundação.

A Fundação apresentava mais de um objetivo para a Fundação Educar, os

quais podem ser assim compreendidos:

Objetivo didático-metodológico: Articular em conjunto com o subsistema de

ensino supletivo, a política nacional de educação de jovens e adultos, cabendo-lhe

fomentar nas séries iniciais do ensino de 1º. grau, promover a formação e aperfeiçoamento

dos educadores, produzir material didático e avaliar as atividades.

Objetivo Político: Induzir que as atividades diretas da Fundação fossem

progressivamente absorvidas pelos sistemas de ensino supletivo estaduais e municipais e

da sociedade civil.

Page 219: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

204

Conforme já fora dito anteriormente, a Fundação Educar não apresentava

um público alvo pré-determinado, mas seu interesse era financiar projetos voltados para a

EJA e séries iniciais da educação básica. Portanto, o público alvo específico deveria estar

caracterizado nos Projetos, Programas e Campanhas apresentados pelos Estados,

municípios e sociedade civil.

A Fundação Educar não se constituiu como um Projeto, Campanha ou

Programa específico, portanto não se tem referência acerca da formação e qualificação

exigida para os docentes, uma vez que estas especificidades deveriam constar (esperava-se)

nos Projetos, Programas e Campanhas apresentados pelos Estados, municípios e sociedade

civil, a fim de buscar financiamento.

Percebe-se, ainda, que a Fundação Educar, de acordo com um de seus

objetivos, manteve-se como responsável pela elaboração e produção dos materiais

didáticos em nível nacional. Quanto a essa responsabilidade não se tem a informação de

que forma esses materiais eram elaborados, se a partir de cada projeto apresentado e por

cada município ou estado ou órgãos da sociedade civil responsável, o que talvez seria o

desejado ou se era o mesmo material didático para todos os projetos elaborados por

diferentes municípios, Estados ou regiões do País, o que se considerar ainda pior como um

problema grave se observadas as sugestões elaboradas pelos referenciais teóricos desta

pesquisa.

Não se tem referências acerca das garantias de acesso e de permanência dos

alunos nas atividades dos projetos aprovados, uma vez que não se teve acesso a esses

projetos, até porque seria impossível nesta pesquisa analisar todos eles. Essas exigências

deveriam constar (esperava-se) nos Projetos, Programas e Campanhas apresentados pelos

estados, municípios ou sociedade civil.

Programa de Alfabetização Solidária (PAS)

O Programa de Alfabetização Solidária foi idealizado pelo Ministério da

Educação no governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso, mas é coordenado pelo

Page 220: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

205

Conselho da Comunidade Solidária, organismo vinculado à Presidência da República que

desenvolve ações sociais de combate à pobreza.

Esse Programa foi implementado num período em que os países da América

Latina estavam passando por transformações políticas e sociais bastante significativas.

Essas transformações estavam focalizadas, principalmente, na descentralização e na

privatização.

O governo brasileiro implementou sua Reforma de Estado promovendo

inúmeras privatizações, como era comum em outros países da América Latina na época,

porém com algumas características próprias do governo brasileiro. O então Ministro da

Administração propunha uma reforma que distinguia alguns setores, como de atividades

exclusivas e núcleos estratégicos do governo, que deveriam ser mantidas sob a

responsabilidade do mesmo. Esses eram compreendidos como o núcleo estratégico

(Presidência, Ministérios de Estado e Tribunais Federais) e as atividades exclusivas do

Estado (poder de legislar e tributar, de polícia, forças armadas, órgãos de fiscalização e de

regulamentação). Outros setores e atividades denominadas como a produção de bens e

serviços para o mercado, deviam ser de propriedade privada.

A característica própria da Reforma de Estado do Governo Brasileiro estava

nos serviços tidos como não exclusivos ou competitivos do Estado, ou seja, aqueles que são

de sua responsabilidade, mas não envolvem, porém são subsidiados pelo governo. O

governo propôs, então que esses serviços passassem a ser de propriedade pública não-

estatal.

Criou-se, com isso, o chamado terceiro setor, que inclui “... as instituições

de direito privado voltadas para o interesse público e não para o consumo privado,

[porque] não são privadas, e sim públicas não estatais” (PEREIRA, 1998: p.262). Essa

propriedade “... deve ser pública para justificar os subsídios recebidos do Estado” (Idem,

op. cit.: p.263). Segundo a proposta, o controle do Estado deve ser complementado com o

controle social direto, mediante os conselhos de administração da sociedade. Desta forma

estabelece-se “... um sistema de parceria ou de co-gestão entre o Estado e a sociedade

civil” (id. ib.).

Page 221: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

206

Desse modo, ocorreu a reforma administrativa do Estado apoiada no que se

denominou como publicização das atividades. Dentre estas constam como não sendo

exclusivas do governo, os serviços sociais, culturais, de proteção ambiental, de pesquisa

científica e tecnológica, que passam, então a ser consideradas como atividades públicas

não estatais, e que, segundo o governo da época, assim passariam a ter mais qualidade e

eficiência. Assim, os recursos financeiros do governo poderiam ser destinados a estas

organizações sociais, uma vez que as mesmas não seriam mais reconhecidas como

privadas, mas como organizações de interesse e utilidade pública e, portanto, habilitadas a

receber recursos financeiros e a gerenciar recursos materiais e humanos cedidos pelo

Estado.

Neste contexto, é criado a Comunidade Solidária que teve um começo

ligado à distribuição de cestas básicas, e, por isso, recebeu inúmeras críticas, o que o levou

a mudar de foco, passando a se dedicar a outras ações mais significativas e

transformadoras das realidades, dentre elas: “o fortalecimento da sociedade civil , o que

promoveu o voluntariado na sociedade civil e a criação de novos programas, considerados

inovadores, como: Universidade Solidária, Capacitação Solidária e Alfabetização

Solidária.” (FRANCO,2000).

Certamente nesta pesquisa deteve-se ao Programa de Alfabetização

Solidária, o qual desenvolveu uma fórmula simples e inovadora de estabelecer parcerias

baseadas na articulação e na participação efetiva entre diversos setores da sociedade. As

Instituições de Ensino Superior são encarregadas da execução pedagógica do programa nos

municípios atendidos.

O PAS tem como objetivo reduzir os índices de analfabetismo no Brasil,

focalizando nos analfabetos de 18 a 24 anos como população-alvo e, territorialmente, foi

dirigido aos municípios, com menor Índice de Desenvolvimento Humana (IDH) e que

apresentam porcentagem alta de analfabetos em sua população.

O que se pode perceber é que esse objetivo do PAS foi elaborado de forma a

centrar suas ações no sentido de alcançar um público alvo bastante definido, delimitado e

reduzido. O investimento se deu em sujeito numa faixa etária ainda jovem que, portanto,

pode ser considerada como ainda possível de promover o retorno produtivo do

Page 222: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

207

investimento em sua formação para o País , numa postura meramente capitalista, em

detrimento do desenvolvimento humano, conforme sugere os referenciais que sustentam

esta investigação.

As ações do PAS deveriam se destinar a jovens e adultos com pouca ou

nenhuma escolarização pertencentes às camadas populares, que abandonaram muito cedo a

escola por questões de sobrevivência e que, por isso, entraram no mercado de trabalho

informal, com vinculações precárias e sem as mínimas condições de desenvolverem

plenamente suas potencialidades humanas enquanto trabalhadores.

Segundo a especialista Profa. VRP, no município de Porto Seguro, o PAS

atende efetivamente a todos os moradores:

“Aqui no nosso município são atendidos jovens e adultos analfabetos de

qualquer idade. A única exigência é que sejam moradores do

município.”

Porém, nenhum dos assentados entrevistados por esta pesquisa fez

referência às ações voltadas para a alfabetização de adultos que se pudesse se atribuir ao

PAS. Essa negligência das ações voltadas para essas comunidades são explicadas na fala

da especialista Profa. JBA:

“O que acontece é que os assentamentos não são de interesse das

Prefeituras, uma vez que consideram obrigação do Governo Federal.”

(...) “Várias salas de aula do PRONERA já ficaram sem carteiras

porque a Prefeitura precisou em outras escolas e retirou dessas que

atendem ao PRONERA.”

Pode-se perceber que os sujeitos dessa pesquisa são moradores do

Município e nenhuma ação do PAS é destinada a eles. Assim, entende-se que o PAS ignora

e negligencia os sujeitos analfabetos dos assentamentos de reforma agrária, por entender

que a responsabilidade por garantir o direito a educação dessas pessoas cabe ao governo

federal. Porém, carece esclarecer que os recursos que mantêm as ações do PAS são

oriundas do governo federal, e que se as ações do PAS são destinadas a moradores do

município, portanto os assentados teriam duplo direito de acesso às ações do PAS, mas,

contrariamente a esse entendimento, são excluídos.

Page 223: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

208

O Programa prioriza, na seleção dos seus alfabetizadores, jovens das

próprias comunidades atendidas, que tenham cursado ou estejam cursando o ensino médio

e o magistério, preferencialmente. Estes jovens alfabetizadores passam por um treinamento

(grifo nosso) nas instituições de ensino superior e recebem uma bolsa-auxílio para

desempenhar a função de professor.

Nesse sentido, o PAS, ao buscar dar preferência aos jovens da própria

comunidade para a função de alfabetizadores, está em consonância com as concepções

teórica para a EJA, propostas por Freire e pelo NMS para a Educação do Campo.

Percebe-se, portanto, uma preocupação com a capacitação dos

alfabetizadores, mas prevalece a chamada ao voluntariado, contrariando as propostas de

Paulo Freire e da Educação do Campo.

Infelizmente, em relação à capacitação de docentes, o PAS preconiza que os

alfabetizadores sejam substituídos a cada módulo, no sentido de capacitar um número

maior de pessoas, que posteriormente ingressam no mercado de trabalho. Porém, a

alfabetização de adultos deixa de contar com um elemento importante que é a experiência

dos alfabetizadores.

No entanto, cada instituição de ensino superior parceira do Programa

(universidade, faculdade ou centro universitário) tem autonomia para estabelecer as

metodologias que julguem adequadas ao desenvolvimento dos módulos de alfabetização,

tendo como parâmetro o documento “Princípios Norteadores para a Proposta Político-

Pedagógica do Programa”.

Desta maneira, o PAS possibilita a produção do próprio material didático de

acordo com as realidades e necessidades dos alunos e contextos em que estão inseridos.

Percebe-se, nesse caso, um grande avanço das práxis realizadas pelos programas mais

atuais em direção aos referenciais teóricos desenvolvidos para a EJA e norteadoras desta

pesquisa, se comparados às práticas empregadas em programas anteriores.

Porém, não se percebe de forma clara nenhuma política, ação ou medida

realmente voltada para a solução dos problemas primários enfrentados pelos adultos

Page 224: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

209

analfabetos, tais como ajuda de custo, transporte, merenda, material escolar individual,

redução de carga-horária de trabalho, atendimento aos filhos menores nos momentos e

horários das aulas, que implicam na garantia do acesso e da permanência dessas pessoas

nas ações desenvolvidas pelo PAS.

Infelizmente, mesmo após alguns avanços positivos em relação às práxis já

desenvolvidas se relacionadas com o PAS, ainda se está distante da compreensão dos

idealizadores dessas propostas acerca das garantias de acesso e de permanência nos cursos

e nas salas de aula. Este sim tem se constituído como o ponto nodal da EJA no Brasil

atualmente.

Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (PRONERA)

O Programa guarda a característica de ser um Programa do governo federal,

porém elaborado fora da área do governo federal; surgiu da articulação do Conselho de

Reitores das Universidades Brasileiras (CRUB) com os Movimentos dos Trabalhadores

Rurais Sem Terra (MST).

A questão agrária sempre esteve presente na história do Brasil,

especialmente no que tange à propriedade da terra. Desde o século XIX, encontramos na

agenda de políticos e intelectuais a discussão sobre a necessidade de ordenar o uso e a

ocupação do solo, de legalizar as terras e até mesmo a intenção de reparar injustiças

históricas, através da atribuição de terras aos ex-escravos.

A Lei de Terras de 1850 e demais legislação que se seguiram refletem essa

tendência em ordenar as terras brasileiras. Após algumas décadas de silêncio sobre essa

questão, vamos encontrar no século XX, precisamente nas décadas de 1920 e 1930,

propostas de reforma agrária que surgem no bojo das lutas sociais urbanas de extensão

supranacional.

No entanto, durante todo o período militar prevaleceu a vertente do

desenvolvimento agrícola em detrimento da reforma agrária estabelecida pelo Estatuto da

Terra. Somente na Nova República, surgida com a redemocratização do País após 1985 e

Page 225: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

210

que se estabeleceu a reforma agrária como uma de suas prioridades, criando, assim, um

expressivo número de desapropriações e de projetos de assentamentos de reforma agrária,

proporcionando uma nova realidade no campo.

Com as desapropriações e o desenvolvimento agrícola surgem os conflitos

de terra. Vale aqui ressaltar que a existência de um conflito, não quer dizer o uso da

violência, mas a disputa pela propriedade da terra.

A partir das conquistas das terras, inicia-se um novo processo de luta, agora

pelas conquistas sociais e educacionais. A luta pela democratização da educação dos

povos do campo tem maior ênfase a partir das mobilizações dos movimentos sociais nas

últimas décadas e após as conquistas da posse da terra. Percebe-se, portanto, que as

dificuldades relacionadas ao acesso e a permanência desses sujeitos entrevistados nas

ações educativas dos programas anteriores eram as principais causas do fracasso, o que foi

minimizado a partir do momento em que essas pessoas conquistaram suas propriedades e

se estabeleceram numa região. Somente aí conquistaram o direito a uma educação

especifica, as quais sempre lhes foram negada.

Alf1 1f61 – “Quando de pequena eu nunca fui na escola não. Ninguém

ligava. O que eu acho é que devia ser muito bom se eu tivesse ido. As

pessoa não acha bom a gente não saber ler. Eu? Eu queria sim ter

sabido desde cedo. Agora eu escrevo e leio. Devagar mais leio e

escrevo. Meu fio fala que eu to lendo muito ruim, mas pra quem não

sabia nada né? “gargalhadas”.(...)“Os fios da dona da fazenda ficava

na cidade pra estudar. EU. Eu queria::: mas como é que ia. A fazenda

era longe.” (...) “Na fazenda tinha, sim mas quase ninguém ia. Escola

era de manhã e de tarde. Nóis tinha de trabaiá. Minha irmã mais nova

foi e aprendeu lá.

Evad 1.3 m48 – “Eu fui algumas veis na escola quando eu era menino

ainda. Toda veis que começava a ir, ia uns dia e depois parava por

causa dos serviço que tinha que ir ajudá na roça.”

NP1 2m48 – Quando nóis era pequeno eu fui na escola um monte de

veis mais num continuava até o fim não. Meu pai tirava nóis pra ir pra

roça com ele. Minha mãe achava muito ruim isso e até brigava. Ele

dizia que se nóis num fosse pra roça o que ele tirava sozinho num dava

pra nóis nem comer e nóis tinha que ir com ele trabaiá e largava a

escola. Todo nóis começava e largava. Depois nóis cresceu e nem

começava mais. Era direto na roça.”

Page 226: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

211

Esses relatos descrevem as condições de isolamento e portanto precárias

em que essas pessoas viveram a fase de suas infâncias. Essas condições, nas quais

passaram essa fase de suas vidas, certamente se constituíram em um conjunto de fatores

que contribuíram para que permanecessem na condição de analfabetos até a idade adulta.

Essa realidade relatada retrata a HV de grande parte dos brasileiros que vivem ou viveram

no campo. Essa realidade desperta a sensibilidade de algumas pessoas e estimula a

realização do I Encontro Nacional de Educadores da reforma Agrária (ENERA)

O I ENERA levou seis universidades brasileiras – Universidade de Brasília,

Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Universidade do Vale do Rio dos Sinos,

Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul, Universidade

Federal de Sergipe e Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho – a

discutirem uma participação no processo educacional nos Projetos de Assentamentos de

Reforma Agrária, decidindo dar prioridade à questão do analfabetismo de pessoas jovens e

adultos, sem a exclusão de outras alternativas educacionais. Elaborado um documento

entre as universidades, foi este apresentado no III Fórum do Conselho de Reitores das

Universidades Brasileiras (CRUB), em novembro de 1997, sendo aprovado a proposta que

visava tornar a educação do campo a terceira fase de uma parceria existente entre o então

Ministério Extraordinário da Política Fundiária, o INCRA e o CRUB.

Nesse sentido, o então Ministério Extraordinário de Política Fundiária

(MEPF) criou, em 16 de abril de 1998, através da Portaria n. 10/98, publicada no Diário

Oficial da União do dia 17 de abril de 1998, o Pronera e aprovou o seu Manual de

Operações.

Em 27 de agosto de 2001, através da Portaria/MDA nº 196, é transferida a

Direção Executiva do Pronera para o INCRA, cujas Superintendências Regionais nos

estados poderiam oferecer melhores condições de operacionalização do Programa.

Definido como uma política pública de educação do campo do Governo

Federal, o Pronera, através de seu Manual de Operações (2001), está voltado para

educação de pessoas jovens e adultas das áreas de assentamento.

Page 227: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

212

O Sul da Bahia, espaço de nossa pesquisa, é uma região de Mata Atlântica e

que teve sua ocupação inicial intensificada com a introdução da lavoura cacaueira, árvore

nativa da Amazônia. No início da década de 1990, a disseminação da vassoura-de-bruxa

(doença que dizimou grande parte dos pés de cacau na Bahia a partir do final da década de

1980) e os baixos preços do produto no mercado internacional levaram a um colapso da

economia do cacau, instaurando uma profunda crise econômica em toda a região.

Nos últimos anos do século passado e o início deste, a região sul e extremo

sul da Bahia receberam duas grandes empresas produtoras de celulose (Bahia Sul

Celulose, hoje Suzano e a Veracel Celulose, a primeira no município de Mucuri e a

segunda, em Eunápolis), e as terras que antes serviam para a agricultura e pecuária, agora

são transformadas em florestas de eucalipto.

E assim, mais uma vez, instaura-se uma outra crise na região, atingindo o

pequeno produtor rural: o eucalipto vai expulsando o homem do campo para outras

regiões ou levando-os às cidades. Hoje, o Brasil conta com 4/5 da população residindo nas

áreas urbanas, embora seja um país de dimensões continentais.

No Brasil, segundo dados do Censo Demográfico 2000 do Instituto

Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), cerca de 18,8% da população encontram-se

na zona rural, mesmo representando apenas 1/5 da população, aqueles que permanecem no

campo ainda equivalem a mais de 31 milhões de habitantes. Esse dado mostra-nos o

quanto devem ser consideradas as especificidades apresentadas pela Educação do Campo.

Apesar desse número expressivo de pessoas vivendo no campo, a escola no

campo sempre foi renegada a um plano desprestigiado pelo Estado, mesmo quando o

Brasil ainda era um país predominantemente agrário. É na zona rural que encontramos um

índice de analfabetismo elevado, o que nos permite inferir que o campo tem sido motivo

de descaso das políticas públicas, o que, de alguma forma, pode vir contribuindo para o

abismo social de desigualdade entre campo e cidade, bem como a urgência de tratamento

dessa questão no âmbito da educação do campo.

A desigualdade social observada tanto no campo quanto na cidade é fruto

de políticas públicas voltadas para o atendimento das necessidades e interesses das elites,

Page 228: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

213

quando não, do capital internacional, e reflete-se na precariedade dos serviços prestados à

sociedade, particularmente aqueles ligados à educação, à saúde, à habitação e ao

transporte.

Nesse contexto, foi lançado, então, em 1998, o Programa Nacional de

Educação na Reforma Agrária (Pronera) como um resultado das lutas e conquistas dos

Movimentos Sociais do Campo, o qual tem como objetivo principal fortalecer a educação

nos assentamentos, além de estimular, propor, criar, desenvolver e coordenar projetos

específicos para o campo.

Partindo do princípio da parceria que o Pronera propõe, a Universidade do

Estado da Bahia (UNEB) organizou, em 2002, um Projeto de Educação de Jovens e

Adultos contemplando alfabetização e complementação da escolaridade para educandos

concluintes do curso de Aceleração I, que corresponde às séries iniciais do Ensino

Fundamental, intitulado “Projeto de Educação e Capacitação de Jovens e Adultos em

Áreas de Reforma Agrária” (Projeto da UNEB).

O Projeto da UNEB, de cunho extensionista e em parceria com o Instituto

Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) e em consonância com a filosofia e

objetivo do Pronera, pretende efetivar um processo de educação de amplo alcance social,

visando, além de proporcionar a permanência dos indivíduos no campo, o pleno

desenvolvimento das áreas de assentamentos.

Os pressupostos teóricos e metodológicos do Projeto da UNEB são

norteados pela concepção de Educação de Jovens e Adultos presentes na legislação

vigente e buscam, em sua essência, a educação para a inclusão social do alfabetizando e

para o pleno exercício da cidadania.

A metodologia está embasada na perspectiva de alfabetização sob uma

visão construtivista, que parte do pressuposto que o aluno dispõe de conhecimentos

prévios: seu conhecimento de mundo é o gerador do universo vocabular que compõe sua

alfabetização.

Page 229: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

214

A concepção de Paulo Freire como base teórica para a elaboração das ações

do Pronera é clara no Manual de Operações e na fala da especialista entrevista Profa.

J.B.A, porém a mesma chama a atenção para as dificuldades encontradas em sala de aula e

destaca a pouca formação dos alfabetizadores como principal problema na efetivação

dessas concepções na prática:

“A preferência é que os métodos sejam sugeridos pelos representantes

dos Movimentos Sociais envolvidos. Geralmente, tem como referência as

teorias e métodos de Paulo Freire. Na prática, a alfabetização acontece,

em muitas salas de aula, sob a referência tradicional de alfabetização,

a silabação, dada a profundidade e a inovação freiriana para a pouca

compreensão de alguns alfabetizadores.”

Com a intenção de reverter a realidade de exclusão da educação na

Reforma Agrária, o Pronera visa a participação de diferentes sujeitos nas diversas fases de

desenvolvimento dos projetos, estimulando-os como protagonistas das práticas educativas

implementadas. Essa participação é buscada em seus objetivos, juntamente com o espírito

de igualdade e de justiça, que norteia todo o processo educacional que o Pronera se propõe

a implantar.

Dessa forma, o Pronera desponta como uma política pública que busca

responder, efetivamente, a uma necessidade amplamente sentida e aceita na

contemporaneidade, exigida pelos povos do campo e movimentos sociais, qual seja o de

todos se educarem, oportunizando, assim, um espaço democrático no Campo brasileiro.

Alf2.1f61 - “Eu nasci lá Fazenda Santa Rosa, perto de Pau Brasil. Lá

eu vivi até vim pra. Lá em casa nós era em oito irmão. É contando

comigo. Nós era em cinco mulher e três era homens. Minha mãe e pai

trabaiava junto na roço e nos tudo ajudava. Eu sou a mais velha. Nós

tudo viemos parar aqui na comunidade. Esse lugar tem sido muito bom

pra nós. Nós vivemo a vida toda lá fazenda. Quando nós era pequeno

tinha escola lá pra nóis, mas a gente não ia lá por que tinha que ajuda

na roça. Minha irmã mais nova estudou ela e meu irmão, os outros não.

Eu até cheguei a ir algumas vezes mais eu nunca tive cabeça não.

Preferia ir para a roça. E não era igual é hoje que se os menino não

quiser ir para escola os pai vai preso, né? Naquele tempo, os pai achava

era bom a gente não querer ir para a escola. Era bom que ia ajudar nos

serviço. A casa que nós morava era da fazenda. Nós mesmo num tinha

nada lá não. Tinha as coisas direitinho. Nós trabalhava muito mas era

muito bom lá. A gente era acostumado lá né. Hoje eu não quero volta

pra aqueles lados mais não. Não ficar aqui até morrer.” (...) “Nóis

Page 230: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

215

sempre moramo lá nessa fazenda. Saimo de lá pra vim pra cá. Nunca

morei em outro lugar não.”

Percebe-se na fala dos assentados um certo isolamento que certamente levou

a exclusão dessas pessoas dos processos educativos aos quais tem direitos.

Alf2 3m55 - “Naquela época era muito difícil. Morava longe de tudo.

Nóis ficava lá na roça e não vinha muito cá rua não. Minha vó é que

vinha cá na cidade pra recebê e de veis em quando trazia nóis com ela.”

(...) “Eu cheguei a ir na escola quando era pequeno ainda. Mas, não

tinha escola lá onde nóis morava não. Tinha que andar muito até chegar

lá. Aí foi só uns tempo e depois não fui mais não. A professora ficava

muito zangada com nóis por que nóis faltava muito de aula e naõ sabia

nada de nada. Aí minha mãe falo que não era pra nóis ir mais não.” (...)

“Não senhor. Nunca quis ir na escola não. Depois que nóis veio para cá

para Eunápolis até que tinha escola de noite pra quem já era adulto e

não sabia nada, mas eu nunca fui não. Tava sempre muito cansado e pra

aprender aquelas coisas de escola era muito difícil.” (...) “Ah! Desde

muito novo eu sempre trabalhei na roça, né? Nunca fiz outra coisa não.

É sim. Não fui mais pra escola de pequeno por que tinha que ir pra roça

com minha mãe e com os outro menino e menina de lá.” (...) “Neste meu

período de adulto eu nunca mais quis ir estudar não senhor. Filho

pequeno, as dificuldades que a gente vai passando na vida e nunca quis

ir não senhor.” (...) “Só foi agora que a aula era aqui mesmo e por que

o pessoal daqui da Comunidade ficou falando muito e eu fui.” (...)

“Gostei e aprendi a ler e escrever até bem. Hoje é que eu vejo que eu

perdi muito tempo sem saber.” (...) “As aula aqui foram muito boa. A

gente falava muito das coisa daqui mesmo. Cada um ia falando o que

pensava e a S (monitora) ia conversando e explicando pra nóis como as

coisa é, sabe? Como é que as palavra tem que ser escrita. Aí eu fui

aprendendo.” (...) “Acho que falta muita coisa pra ser uma escola

mesmo, mas a gente aprende sim.” (...) “Primeiro aprendi escrever o

meu nome. Rsrsrsrs. Foi muito bom. Depois fui aprendendo outras

palavras e agora escrevo o que o senhor pedir e leio também.”

O que se pode observar é que enquanto essas pessoas estavam fadadas ao

isolamento social, consequentemente deu-se o isolamento educacional. Portanto, fica

também evidente nas vozes dos assentados, que a exclusão que se deu tanto social quanto

educacional foi minimizada a partir do momento em que eles se engajaram nos

movimentos sociais do campo. Pode-se dizer que a partir desse envolvimento iniciou-se o

processo de conquista da cidadania coletiva, definido por Gohn (2003).

O Pronera pode ser considerado como resultado das lutas e conquistas dos

Movimentos Sociais do Campo, o qual tem como objetivo principal fortalecer a educação

Page 231: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

216

nos assentamentos, além de estimular, propor, criar, desenvolver e coordenar projetos

específicos para o campo.

São objetivos específicos do Pronera: “reduzir as taxas de analfabetismo e

elevar o nível de escolaridade de assentados e assentadas, promovendo a capacitação dos

professores, nos níveis médio e superior, além da formação técnico-profissional.” A

produção de materiais didático-pedagógicos também está incluída nas metas específicas

estabelecidas pelo Manual de Operações.

Essas proposições são encontradas no Projeto da UNEB para o Pronera, o

que se pode confirmar nas falas da especialista Profa. J.B.A.:

“O Projeto de Alfabetização da UNEB para o PRONERA teve como

objetivo principal a redução do número de analfabetos nos

assentamentos de reforma agrária do Estado da Bahia.” (...) “A

concepção de analfabetos para o Projeto está relacionada àquelas

pessoas que não conseguem fazer uma leitura de mundo. Não lêem o

mundo. Pessoas que precisam de ajuda.” (...) “O conceito de

alfabetização para o Projeto é fazer com que estas pessoas realizem a

leitura do mundo em que estão inseridas. Se portar como um cidadão,

reivindicando seus direitos e assumindo seus deveres na sociedade.”

Mediante fala da especialista entrevistada pode-se perceber que as

concepções de alfabetização do Pronera estão em acordo com os referenciais teóricos desta

pesquisa e que essas concepções teóricas aparecem nas falas dos assentados entrevistados:

Alf2.1f61

“Só aqui mesmo no assentamento foi que eu consegui realiza meu sonho

de ler e escrever.” (...) “Ah! Uma vez teve MOBRAL lá na cidade de

Pau Brasil, mas a gente morava lá na roça e não dava para ir não. Era

muito longe. Os pessoal da Prefeitura foi lá falar que era pra gente ir

estudar e aprender, mas ninguém de lá foi não. Foi só aqui mesmo.” (...)

“Não. Nunca foi aprender não. Só agora aqui no assentamento que eu

pude ir e aprende.” (...) “A gente até ás vezes ouvia falar de escola pra

gente adulta que não sabia ler nem escrever, mais a gente nunca atentou

de ir não. Ah! Era serviço, cansada, tinha acordar cedo, a cabeça ruim

de preocupação. Isso.” (...) “Ah sim, é claro. O que a gente aprendeu

aqui é muito importante sim. Só não ter que bota o dedo na tinha, ah já

é muito bom. A gente pega na caneta e fazer o nome da gente. Aí eles

olha e fala “ta certo Dona ... agora é só esperar ou pegar o dinheiro

(rsrsrsrs)” (...) “Ah sim. Eu ô indo sim. Quase num falto. É aqui

pertinho. E gente vai aprendendo pra num esquecer o que aprendeu

né?”

Page 232: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

217

Nesse relato percebe-se que há uma grande satisfação da alfabetizanda com

as ações do projeto, as quais só lhe foram possível o acesso e a permanência quando

assentada pelo Programa Nacional de Reforma Agrária, resultado de lutas dos movimentos

sociais do campo.

O fato de o Pronera ser exclusivo para os assentados da Reforma Agrária,

certamente contribui para o que os objetivos fossem alcançados. Percebe-se que ao longo

de suas trajetórias de vida, pela primeira vez essas pessoas se sentiram realmente parte

envolvida em um programa educativo implantado para ela e com elas, conforme preconiza

as teorias da educação do campo.

Alf2.2f44

“Nós somo os único que tem uma sala de aula mesmo. O J. (monitor) é

que conseguiu esta sala lá na escola da Prefeitura pra nóis de noite

estuda. É sala igual as outra da escola. Não foi fácil. Ele (Monitor) teve

de brigá muito . Teve de ir lá na Secretaria lutá pela sala e pela

condição de nóis estudá lá. Até hoje eles tenta tira nóis de lá. Rsrsrs,

mas agora num tira mais não.” (...) “A sala é igual as outra, tem

quadro, carteira, tem luz boa, tem cartaz nas parede que nóis fazemos

para estudar, tem tudo certinho.” (...) “O J.(monitor) fala que de todos

os assentamentos a única turma que tem sala de aula mesmo é nós. Uma

pena que eu acho que todos devia ter. Por que como que vai estudar sem

ter nem onde senta. Assim num dá não.” (...) “Claro que eu aprendi.

Aprendi tudo que eu não sabia. Agora eu ler e escrever. Claro que eu

erro muito mais qualquer palavra que ocê quiser eu escrevo e leio ela se

ocê escreve. Mas a letra tem que ta boa né, senão rsrsrsrsrs” (...) “Eu

gosto muito de aprender e de ler as história que o J. manda nóis lê. A

gente aprende um monte de coisa lá agora, por que saber lê nóis já

sabe. Agora ta ensinando outras coisa. Cheque, receita de bolo, caixa de

remédio, fazer conta de troco, escrevê carta pros parente, o envelope da

carta. Tá bom mesmo.” (...) “Eu to continuando lá e num quero para

não. Se para esquece o que nóis já aprendeu. Eu ainda quero aprender é

mais coisa.”

Pode-se perceber que, inicialmente, as ações do Pronera conseguem

alcançar os objetivos previstos, uma vez que, conforme os relatos dos assentados

entrevistados, o nível d escolarização nos dois assentamentos realmente fora elevado, se

observado a partir do número de pessoas alfabetizadas pelas ações do Programa.

Page 233: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

218

É importante destacar que as ações do Projeto da UNEB, através do

Pronera, oportunizam a Educação do Campo àqueles que se encontram nos Projetos de

Assentamentos de Reforma Agrária, assentados(as) e filhos(as) de assentados(as), e

distante, às vezes, dezenas de quilômetros de um prédio escolar, abrindo, portanto, um

espaço de inclusão, a partir da educação e da extensão universitária.

O público-alvo do Pronera é a:

“a população dos projetos de assentamentos de reforma agrária,

implantados pelo INCRA ou por órgãos estaduais responsáveis por

políticas agrária e fundiária. Através de jovens e adultos assentados,

beneficiários diretos das ações educativas, o programa busca atender as

demandas de educação das comunidades como um todo”. (ANDRADE;

DI-PIERRO, 2004, p. 29)

Para a Especialista Profa. J.B.A.:

“O Projeto de alfabetização da UNEB para o PRONERA destina-se a

jovens e adultos analfabetos assentados em Projetos de Assentamentos

no Estado da Bahia. Isso não impede que pessoas que estão assentadas

em outras regiões também participem do processo. A continuidade dos

estudos consiste em um outro projeto, também ligado às ações propostas

pela UNEB para o Pronera.”

Percebe-se que há um grande envolvimento das pessoas assentadas nas

ações de alfabetização do Pronera e, ainda, que os assentados que não participaram tiveram

acesso a elas por meio da divulgação dentro dos Projetos de Assentamentos, o que pode ser

considerado como uma forma de acesso.

Alf1.5m54

“Sempre eu quis estudar, só que naquele tempo era do jeito que te falei.

Agora eu acho milhor porque é só gente nossa que ta lá estudando.

Tamo tudo do mesmo jeito, tudo igual. Ninguém sabe nada. Ninguém é

melho que o outro e nóis vamo aprendendo um pouco das coisa. Eu

aprendi a ler e escrever, porque eu num sabia nada. Agora eu leio.

Escrevo também. É bom isso porque a gente fica sem dependê dos outro

pra lê pra gente. Lá a gente senta na mesa da sala nos banco e nas

cadera e ele vai ensinando a gente tudo. É perto porque é aqui na Vila

mesmo. Tem dia que gente ta cansado e não vai. Depois vai de novo. É

assim.” (...) “Eu já tive outra oportunidade de estudar, mas eu não fui

não por que era na cidade. Lá na fazenda num tinha não. Lá era só pros

Page 234: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

219

pequeno. E eu tamem num queria isso não. Nem preocupava com de

aprende não.”

NP1.2m48

Com essas aula que tem aí no Projeto o pessoal fico falando muito na

minha cabeça pra mim ir. Mais eu num quis ir não. Até meus minino

tamém falaro muito pra mim que eu tinha que ir até mesmo pra aprende

a escreve meu nome. (...) Eu num fui não. Agora que ta até melhó minha

vida acho que num carece de aprende nada mais não. Num tenho mais

vontade não.

Observa-se que o Pronera realmente chega ao público alvo ao qual se

destinam suas ações. É certo que uma pequena parte dos assentados teve acesso, porém não

chegaram a participar ou evadiram do Programa sem se alfabetizar. No entanto, o Pronera

ainda carece de ações mais efetivas no sentido de garantir a permanência dessas pessoas

para que haja um maior aproveitamento das ações. Mas, pode-se afirmar que, em se

tratando de chegar ao público alvo para o qual fora destinado o Pronera pode-se considerar

que há sucesso nas ações propostas.

Em relação à qualificação dos monitores alfabetizadores e dos

coordenadores locais, todos são membros da própria comunidade ou indicados pelas

lideranças dos assentados. Após a indicação, devem ser aprovados numa avaliação

escrita/oral aplicada pela universidade interveniente e ter disponibilidade para participar de

cursos de capacitação e escolarização. Esses cursos de capacitação são elaborados,

coordenados e desenvolvidos pela Universidade interveniente e devem ser compostos de

carga-horária mínima de 40 horas-aulas, e devem ser oferecidos a cada semestre. Somente

ao coordenador local é exigida a dedicação de 80 (oitenta) horas mensais ao Projeto. Todo

corpo docente e pedagógico é remunerado pelas atividades que desenvolvem nos projetos.

A alfabetização de pessoas jovens e adultas assentadas deverá

compreender, no mínimo, 400 (quatrocentas) horas presenciais, durante um período de

doze meses. Interessante destacar que o Manual de Operações não esclarece como essas

horas deverão estar distribuídas nos doze meses do curso e seu período deverá ser corrido

- sem recessos – ou não.

Page 235: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

220

O aluno universitário também deverá dedicar o mesmo número de horas do

coordenador local, ser aluno regular de um curso superior na área de educação e apresentar

desempenho satisfatório no curso, além de cumprir o estabelecido no Plano de Atividades

previsto para sua participação no Projeto.

Segundo a Especialista Profa. J.B.A., a formação exigida para o

alfabetizador (monitor) seria, no mínimo, o ensino fundamental, porém essa exigência nem

sempre é possível ser atendida:

“Geralmente, eles tem Ensino Fundamental Completo. Porém, em

algumas salas de aula são escolhidas pessoas que têm maior

escolaridade na comunidade e essa, às vezes não tem nem o Ensino

Fundamental ou mal sabem ler e escrever. Todos são indicados pelos

próprios Movimentos Sociais (lideranças), mas, por isso muitos são

escolhidos, ou seja, indicados pelo bom relacionamento que têm com os

demais assentados na comunidade. O bom relacionamento aceito pela

comunidade é fator importante para a indicação, o que nem sempre

coincide com a escolaridade exigida.” (...)

Em consonância com a concepção de alfabetização na Educação do Campo,

os alfabetizadores têm sim que ser da própria comunidade, uma vez que isso contribui para

uma melhor interação entre educando e educador, favorecendo a aprendizagem. Porém,

considera-se que a pouca formação dos alfabetizadores possa ser constituir como um fator

negativo no processo ensino-aprendizagem, exigindo, portanto, uma proposta de

capacitação que considere a heterogeneidade em relação aos diferentes níveis de

escolaridade dos monitores alfabetizadores.

Segundo a especialista J.B.A, as capacitações ocorrem da seguinte forma:

“Para qualificação dos Monitores, foram oferecidos dois momentos de

capacitação, ministrados pelos alunos universitários, professores da

UNEB ou de outras Instituições de Ensino.” (...) “Os conteúdos

abordados nas capacitações foram sugeridos pelos Coordenadores

Regionais (professor da UNEB), alunos universitários, Monitores

(alfabetizadores) lideranças dos Movimentos Sociais e Sindicais,

Coordenador Local (membro da Comunidade).”

Page 236: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

221

Percebe-se, portanto, a preocupação com as realidades do cotidiano das

pessoas nos assentamentos, com as necessidades pedagógicas dos monitores e interesses

dos movimentos sociais do campo quando se propõe uma construção coletiva dos projetos

de capacitação dos alfabetizadores.

Dessa forma, pode-se dizer que essa é uma postura de construção de

propostas educativas dos assentados e não apenas para os assentados, conforme sugerem as

teorias de Paulo Freire, do letramento e da Educação do Campo.

Especialista Profa. J.B.A.:

“O Projeto ofereceu apenas um treinamento (oficinas) somente para os

alunos universitários, nos quais fazem as orientações e

acompanhamento das atividades dos monitores/alfabetizadores.”

Nessa fala da especialista percebe-se que também houve uma preocupação

com a capacitação dos alunos universitários, no sentido de melhor prepara-los para o

desenvolvimento de suas funções no Projeto. O que pode ser considerada uma ação

positiva do Pronera.

Segundo a mesma especialista, os monitores são pessoas sem formação para

o magistério e são remunerados para o exercício da função:

“A maioria não é professor, mas são monitores. Pessoas dos próprios

assentamentos que são indicadas para trabalharem como monitores

alfabetizadores. Não têm vínculo empregatício não. Recebem uma

espécie de “bolsa” ou “ajuda de custo.” (...) “Os monitores são

remunerados com uma „Bolsa‟, não é vínculo, nem é estágio. É uma

“ajuda de custo” de R$ 300,00 mensais, que com desconto fica em torno

de R$ 252,00.

As capacitações certamente contribuíram de forma positiva para um melhor

desempenho de suas ações alfabetizadoras, o que pode ser percebido na fala dos alunos:

Alf 1.4f50

Foi muito bom. Bom sim. O A ((monitor)) tem jeito pra ensiná a

gente. É, só agora que eu consegui aprendê. Ele conversa com gente

sobre nossos pobremas. Qual a parte que nóis ta achando mais

di:fícil...” (...) “A gente agora tem mais calma pra aprende tb né? Já tá

mais velha, os filho já tá criado, agora vou continua indo nas aula”.

Alf 1.1f63

Page 237: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

222

“Eu fui aprender a lê e escreve aqui, na comunidade. Foi aqui mesmo

na Vila ((assentamento)). Na casa da I (monitora do PRONERA). Ela

tem paciência com a gente. Antigamente, na fazenda, não tinha pra

gente veia não, tinha só pros pequeno. ((srsrsr)). Eu fui lá pra

perguntar, mas a professora disse que só era pra criança.”

Destaca-se nessas falas a importância do tempo de escuta no processo de

alfabetização de adultos, como elemento primordial no estabelecimento da interação

educador/educando, o que só é possível numa relação em que os envolvidos se reconhecem

como partícipes no processo em que estão envolvidos.

Alf1.5m54

“Ele ensina muita coisa lá que gente fica sabendo o que num sabia. Eu

até falo com os outro as coisa que ele ((monitor)) fala lá nas aula. De

cidade, bairro, de Estado da Bahia que é onde nóis ta, dentro do Brasil.

Isso é muito bom de saber. Escreve no cheque tb é bom saber. E outras

coisa. Das árvore que respira que recebe a água. Até a chuva ele falo

pra nóis como é que é que faz e até mostrô.”

Nessa fala percebe-se como o monitor atenta-se para os interesses dos

educandos, partindo de suas realidades, vivências e expectativas para reflexões mais

complexas.

Evad1 2m55

“Bom!::: eu :: não sei bem o que é não, mas lá na aula eu acho que é

assim mesmo. O J (monitor) faz de tudo pra gente continuar, mas eu

num agüentei não. Era muito difícil. Ficava muito cansado e não ficava

acordado na aula não.”

Embora os monitores/alfabetizadores não apresentem, em sua maioria, uma

formação adequada para a função, o fato de eles serem membros da própria comunidade,

conforme preconizam os referenciais teóricos para a Educação do Campo, comprovam que

problemas tão comuns de relacionamento professor/aluno, de contextualização dos

conteúdos com a realidade e cotidiano dos alunos, de consideração às especificidades de

cada aluno, são minimizados, proporcionando uma maior e melhor condição para a

aprendizagem, dado o processo de interação que se estabelece a partir das histórias em

comuns.

Page 238: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

223

Segundo o Manual de Operações do PRONERA, os recursos didáticos a

serem utilizados no processo de alfabetização de adultos devem ser produzidos pelos

próprios alunos, orientados pelos monitores, aluno universitário, coordenador local e

coordenador regional do Projeto. O material básico individual deve estar previsto nos

projetos apresentados pelas Instituições de Ensino parceiras e repassados aos alunos

Segundo a Especialista Profa. J.B.A., o programa não fez uso de nenhum

tipo de cartilha ou de livro didático, o que está em consonância com os referenciais

teóricos estudados nesta pesquisa.

“Não foi utilizado nenhum tipo de cartilha ou livro didático. A

recomendação é que fossem trabalhados textos escolhidos no coletivo

(Monitores e alfabetizandos) de acordo com a especificidade de cada

grupo.” (...) “O material didático individual é solicitado à Coordenação

Geral, aqui em Salvador, pelos Coordenadores Regionais. São liberados

todos os materiais solicitados, tais como: lápis, borracha, régua, vários

tipos de papéis, cadernos, tesoura, estêncil e outros.” (...) No primeiro

projeto de alfabetização os materiais eram comprados em Salvador,

atendendo a relação enviada pelas regionais, já no segundo projeto

definimos que os materiais seriam adquiridos nas próprias regionais,

pois além de beneficiar o comércio local, fica mais barato por eliminar

o serviço de envio.”

Essa fala da especialista está em consonância com as vozes dos assentados

entrevistados e revelam uma grande preocupação do Programa com os recursos didáticos

individuais nos processos de alfabetização, os quais contribuem para que as práticas

desenvolvidas sejam mais adequadas e obtenham melhores resultados.

Alf1.2f52

“Lá tem quadro de professor, pequeno mais tem. Tem papel, lápis,

borrocha, régua, lápis de desenhá, caderno pra escrever, as caderas era

a da casa dela (monitora) mesmo, ou alguém levava. As aulas de

tardinha até de noite, quando agente cansava.”

Atenta-se que no PA1 não há sala de aula para a alfabetização e que as aulas

aconteceram na casa da monitora.

Alf 1.3f60

Page 239: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

224

“Ele dava caderno pra nóis, lápis, papel, lápis de colorir (...) Tinha

um material pra todo mundo. Achei uma beleza. É cada um tinha o seu.”

É nítida da fala dos assentados a empolgação que sentem quando recebem o

material didático individual. Nesse momento percebe-se o quanto a situação de abandono

em que viveram e os tornaram vulneráveis quando a eles se dedicam um mínimo de

atenção e respeito. Ainda percebe-se o quanto de potencial que essas pessoas têm e há

tanto tempo foram subjugadas à exclusão.

Um aspecto que pode ser considerado importante é o fato a adequação do

horário das aulas ao estado físico dos alunos, uma vez que revelam em suas falas que as

aulas iam até quando eles se cansavam. Nesse caso, percebe-se o respeito às condições do

adulto alfabetizando, numa postura que condiz com as referências teóricas dessas

pesquisas.

Evad1 1f60

“Lá tinha tudo que precisa para aprender, mas eu acho que a luz não dá

pra vê as letra.”

Evad2 3m58

“Na aula tinha os materal tudo que a gente precisava, só num deu foi

bom os óculo que chegaro aí já tava no final. Rsrsrs. (...) “Muita gente

aí num foi mais nas aulas por que não conseguia ver as linha do

caderno pra escrever. Eu mesmo fui um que num via nada.” (...) “A

gente cansa o dia todo do serviço e ainda vai quebrar cabeça pra

aprender sem vê rsrsrsr” (...) “Ah! Fiquei nervoso demais :::::num fui

mais não.”

Chama-se a atenção para estas falas, uma vez que elas pertencem a pessoas

que evadiram das ações do Pronera, portanto tiveram mais uma experiência escolar

negativa em suas vidas. Atenta-se para o fato de que, mais uma vez, as necessidades dessas

pessoas foram ignoradas, resultando no fracasso. Entende-se que as principais justificativas

desses assentados para a evasão estejam ligadas à pouca visão, problema que seria

facilmente solucionado caso fosse previsto no momento da elaboração do Projeto, o que

não se considera impossível ser previsto, dadas as características dos sujeitos para os quais

o Projeto fora elaborado.

Os recursos didáticos, que segundo os relatos foram utilizados no Pronera

estão de acordo com o sugerido pelas referencias teóricos que norteiam a EJA, uma vez

Page 240: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

225

que não se faz uso de cartilhas descontextualizadas e todos os alunos recebem material

individual para realização das atividades. Percebe-se que estes investimentos tornam-se

elementos importantes na perspectiva dos alunos para que cheguem à alfabetização.

No entanto, embora os recursos didáticos, a formação dos alfabetizadores e

a concepção de alfabetização estejam em acordo com os referenciais teóricos dessas

pesquisas ainda a carência de política, ação ou medida realmente voltada para a solução de

problemas enfrentados pelos adultos analfabetos referentes às condições de acesso e de

permanência na sala de aula, tais como ajuda de custo, transporte, merenda, redução de

carga-horária de trabalho, atendimento aos filhos menores nos momentos de estudos e

horários das aula.

De acordo com a Especialista Profa. J.B.A., algumas especificidades do

Projeto já contribuem para o acesso e permanência dessas pessoas nas ações, o que pode

ser plenamente aceito com base nos referenciais teóricos:

“O Projeto era desenvolvido apenas em assentamentos e acampamentos

de reforma agrária.” (...) “Os horários das aulas e o calendário são

organizados pelas comunidades. Portanto, tem-se calendário

diferenciado, atendendo as especificidades de cada comunidade, mas

respeitando à carga-horária exigida pelo projeto.” (...) “O Projeto da

UNEB para o PRONERA atende todo o Estado da Bahia.”

Porém, a própria especialista reconhece que o Projeto ainda carece de

propostas no sentido de garantir principalmente a permanência desses alunos no Programa.

Esse aspecto deve ser considerado de extrema importância, uma vez que o acesso sem

permanência amplia as frustrações dessas pessoas, as quais já tem tantas acumuladas ao

longo de suas vidas, afastando-as, talvez, definitivamente das possibilidades de

alfabetização.

“Quanto a assistência aos filhos menores dos alunos (creches ou

atenção nos períodos de aulas) o Programa não oferece nenhum tipo de

atendimento aos filhos menores dos alfabetizandos. O que tem de

informação é que essas crianças são levadas pelas mães para a sala de

aula, permanecendo lá até o fim das aulas.”

Page 241: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

226

Aqui, percebe-se na fala da especialista J.B.A. que a dificuldade de

permanência atinge mais diretamente às mulheres, uma vez que culturalmente, em nossa

sociedade, a elas é reservado o dever de cuidar dos filhos.

“Em relação a redução de carga-horária de trabalho dos alunos

alfebetizandos, não temos como fazer isso, uma vez que os assentados

são autônomos nos PA.” (...) “Também não há nenhum atendimento ao

transporte desses alunos para freqüentarem as aulas de alfabetização.”

(...) Quanto a alimentação – merenda, não tem esse tipo de atenção não.

No último Seminário Nacional em que participamos levamos esta

reivindicação que é uma das mais freqüentes entre os monitores e

alunos. Porém fomos orientados a buscar parcerias com as Prefeituras

para atendimento dessa reivindicação. O que acontece é que os

assentamentos não são de interesse das Prefeituras, uma vez que os

municípios os consideram de obrigação do Governo Federal.”

É importante refletir acerca dessas falas da especialista J.B.A., uma vez que

as ações voltadas para a garantia da permanência das pessoas nos programas educacionais,

principalmente os voltados para a educação de adultos sempre foram ignorados, porém elas

sempre se revelam como principal motivo/razão das pessoas permanecerem nas condições

de analfabetos. Portanto, é inevitável na elaboração de propostas de alfabetização de

adultos que as ações voltadas para a permanência sejam consideradas essenciais.

Especialista Profa. J.B.A.:

“Em relação à Bolsa Escola ou Bolsa Família, também eles não têm

direito não. Acho que nem se pensou nisso.”

Observa-se que a possibilidade de inclusão dos alunos do Pronera ou de

outros programas de alfabetização de adultos nos Programas Bolsa Escola ou Bolsa

Família sequer foi pensada. Considera-se, portanto, uma forma clara de preconceito e

discriminação com o aluno adulto, uma vez que a EJA é uma modalidade de ensino da

educação básica e que por isso, os alunos matriculados têm o direito à inclusão nesses

programas.

Comentários da Especialista Profa. J.B.A.:

“A alfabetização é desanimadora, pois não tem um retorno satisfatório.

Muitos são os desistentes e muitas vezes nós nem temos o retorno final

do aluno (se alfabetizou ou não).”

Page 242: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

227

Considerando os comentários da especialista J.B.A, acerca do Projeto da

UNEB para o Pronera observa-se que há inexistência de instrumentos de avaliação dos

resultados alcançados pelas ações do Pronera, o que amplia a possibilidade de perpetuar

medidas que possam não ter alcançado os objetivos propostos. Isso impossibilita a

proposição de novas medidas que poderiam ser mais eficazes.

“As principais facilidades estão relacionadas ao valor das verbas para

alfabetização que cobrem os custos sem problemas. E ainda o grande

interesse das comunidades em manter os projetos de alfabetização,

mesmo diante das dificuldades, eles os consideram como essencial”.

“A maior dificuldade está no acompanhamento do processo e avaliação

dos resultados alcançados, dada a extensão do Projeto. Por isso, temos

o retorno esperado. Não vejo esse retorno no sentido de saber se

alfabetizou e como ficou agora a pessoa alfabetizada. A gente fica com

esse vazio.

Nesse caso, as pessoas que estão nos assentamentos/comunidades percebem no dia

a dia os resultados dos programas de alfabetização nas ações e concepções dos

alfabetizados, suas posturas, questionamentos, reflexões, o que a Coordenação do Projeto

confirma não ter conhecimento, pois carece de instrumento avaliativo, permanecendo no

vazio.

“Os principais obstáculos/impedimentos são os problemas de

visão dos alunos alfabetizandos e a dificuldade para o exame

médico e acesso à receita médica. A compra dos óculos não é

problema, pois há verba para isso ”

“Pode-se considerar também como uma grande dificuldade a

substituição freqüente dos monitores/alfabetizadores a pedido,

pois desanimam diante dos alunos e da infra-estrutura.”

“Gostaria de dizer que a verba para a Alfabetização é boa. É o

único projeto que o PRONERA financia que dá para todas as

despesas, cabe no orçamento. Normalmente a gente vincula o

Projeto de Alfabetização ao de Ensino Fundamental, pois com

esse dá pra bancar os custos das duas metas (alfabetizar e

escolarizar).”

Nesse caso não é compreensível que a verba destinada à alfabetização seja

alocada para outras ações, enquanto que ainda se carece de tantas ações na alfabetização. A

aquisição de óculos, melhoria nas instalações físicas, merenda, iluminação e outras ações,

Page 243: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

228

conforme relatos dos assentados entrevistados, certamente contribuíram para maior

eficácia do Programa:

Alf2.1f61

(...) “Eu acho muito bom, mas acho que tinha que tinha que ficar

melhor. Os banco, o quadro, a luz é muito ruim. Tem gente que

não vem por que não tem merenda.” (...) “Achei difícil no começo,

mas depois vi que não é tão assim não.”

Percebe-se na fala do aluno que as ações carecem ainda de investimento em

infra-estrutura nas salas de aula e em outras necessidades dos educandos, no entanto, o

Projeto ainda carece de ouvir os alunos para melhor distribuição dos recursos financeiros

destinados à alfabetização de adultos na Reforma Agrária.

Page 244: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

229

8.0 – Conclusões

Inicialmente, acreditamos que seja importante ressaltar que o principal

objetivo desse trabalho é perceber e compreender o motivo/razão de esses assentados não

terem sido alfabetizados, embora tenham participado de programas de alfabetização ao

longo de suas vidas. Nesse sentido, esta investigação dedicou-se a buscar algumas

possibilidades de respostas às questões geradas a partir do problema que se caracterizou

pela relação que existiu entre os programas, projetos, campanhas e movimentos de

alfabetização de jovens e adultos implantados no Brasil e os analfabetos assentados pelo

Programa Nacional de Reforma Agrária nos municípios de Porto Seguro e Eunápolis.

Visou-se, então, a perceber o grau de efetividade das ações propostas para alfabetização de

pessoas jovens e adultas junto às comunidades atendidas ou que deveriam ter sido

atendidas, o que se justificou a partir de crescentes, calorosas e inúmeras discussões

informais acerca da eficácia dessas propostas ao longo das trajetórias de vida dessas

pessoas, que só se alfabetizaram agora ou ainda permanece na condição de analfabetas.

Certamente que, mesmo com os resultados dessa pesquisa, muito do

que se questiona acerca dessas ações ainda permanecerá sem respostas ou esclarecimentos,

dada à amplitude das possibilidades de análise desses Programas, Projetos, Campanhas e

Movimentos, e, portanto, à impossibilidade de se tratar de todos os aspectos que os

envolvem.

Faz-se, portanto, necessário e prioritário afirmar nossa convicção

acerca da importância social e educacional de todas as tentativas de alfabetização de

adultos e jovens aqui discutidas para as pessoas envolvidas direta e indiretamente no

processo, assim como para a região como um todo, em que os mesmos foram implantados.

É incontestável afirmar que as tentativas de alfabetização já

implementadas no País oportunizaram o retorno da possibilidade de escolarização e da

Page 245: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

230

inclusão no processo de socialização de alguns brasileiros que tiveram reingresso e a

permanência nos estudos, o que lhes fora negado em outros momentos de suas vidas.

Porém, da mesma forma, pode-se afirmar que todas essas tentativas

apresentaram falhas muito graves em relação aos caminhos percorridos para atingir os

objetivos propostos. Todas as ações de todos os Programas, Projetos, Campanhas e

Movimentos tinham como objetivo explicito alfabetizar as pessoas em idade jovem e

adultas, com a finalidade de torná-las capazes de se integrar socialmente e de transformar

suas realidades. Mas, infelizmente, as metodologias aplicadas, as quais deveriam levar ao

cumprimento desses objetivos, sempre destoavam das concepções e objetivos propostos e

descambavam em caminhos diferentes.

Faz-se importante ressaltar que o distanciamento não se dava apenas

na prática, mas já na elaboração das propostas de ação. Ora! Se se pretende alfabetizar um

jovem ou um adulto, deve-se priorizar todas a suas dificuldades e as facilidades inerentes

ao dia a dia das pessoas com esta faixa etária, tais como trabalho, filhos, familiares em

geral, crença religiosa, cultura, interesses econômicos, sociais e culturais e outros aspectos

que interferem diretamente no processo e, ainda, no acesso e na permanência dessas

pessoas no ambiente de alfabetização. De forma contrária estaremos, ao elaborarmos as

propostas de alfabetização de jovens e adultos, confirmando práticas tão criticadas e

questionadas. Caso não tomemos consciência destas especificidades desse público,

estaremos ignorando suas dificuldades e facilidades e considerando-os como crianças em

faixa etária adequada ao nível de escolarização. Tem-se, portanto, que considerar estes

fatores uma vez que uma ação proposta para crianças e adolescentes não necessariamente

carece de previsão de atendimento aos filhos dos alunos, de redução de carga-horária de

trabalho ou de recursos didáticos e metodológicos específicos. Porém, mesmo quando se

trata de uma elaboração de proposta pra alunos em faixa etária adequada ao nível de

escolarização é necessário que se atente para as especificidades desses alunos, como

região, faixa etária, cultura, se estão no campo ou na cidade e outras.

Assim, mediante o exposto, o analfabetismo ainda tem se destacado

como um dos principais problemas educacionais brasileiros. Agora, reconhecido pelos

estudiosos como resultante de problemas sociais e econômicos, mas, infelizmente ainda

Page 246: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

231

tem sido considerado por muitos como uma questão particular daqueles oriundos de

camadas mais pobres da sociedade e das áreas consideradas rurais.

Infelizmente, as pessoas analfabetas ainda são vistas como

desqualificadas para o exercício da cidadania e, ainda, para as funções que já exercem com

eficiência, pois são constantemente ameaçadas em seus espaços. Geralmente, não são

consideradas como participantes da construção da sociedade, situação esta que é agravada

quando se vive no campo.

Esta situação de abandono dessas pessoas jovens e adultas a mercê

da própria sorte, sendo ignoradas em suas necessidades educacionais básicas de seres

humanos, o que já se reconhece legalmente como um direito, ainda permanece no país. As

tentativas de prover e garantir o acesso e a permanência desses cidadãos à educação básica

sempre foram intimidadas por interesses financeiros e de dominação. Sempre se

descartaram as iniciativas que realmente eram voltadas para o interesse desses cidadãos,

justificando, sempre, pela escassez de dinheiro, de pessoal, de tempo e outros.

Esta pesquisa oportunizou uma visibilidade maior destas questões, as

quais foram descortinadas e trazidas às claras, uma vez que se percebeu que as

necessidades e os interesses das pessoas analfabetas nunca foram relevantes nos momentos

de se elaborar propostas que visavam a minimizar o analfabetismo no Brasil. O que

surpreende nessa pesquisa é perceber que todas essas especificidades do cidadão

analfabeto jovem ou adulto há tempos são conhecidas dos estudiosos e reconhecidas pelas

autoridades responsáveis pela educação no País.

Sendo assim, cabe aqui uma reflexão acerca de cada uma das

propostas investigadas nesta pesquisa, a fim de que se possa esclarecer uma possibilidade

de compreensão das relações que existiram entre as mesmas e os assentados analfabetos,

A Campanha de Educação de Adolescentes e Adultos pode ser

considerada um marco do início das políticas voltadas para a educação de jovens e adultos

no Brasil. Inicialmente, esta Campanha tinha interesse prioritariamente político eleitoral,

pois era urgente ampliar as bases eleitorais, uma vez que foi restabelecida a eleição direta

no país, mediante uma sociedade composta por mais de 56% de analfabetos com mais de

Page 247: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

232

15 anos de idade. Lançada, em 1947, sob a direção de Lourenço Filho, a CEAA foi a

primeira campanha de âmbito nacional, visando a alfabetizar a população. Sua principal

intenção era atingir, principalmente, a área rural.

Logo de início, percebe-se que a inexperiência no trato com a pessoa

analfabeta jovem e adulta foi um fator importante a ser considerado para justificar o

fracasso da CEAA, uma vez que não se tinha tido essa vivência no País. As concepções de

cunho discriminatório e preconceituoso que imperava na sociedade, e que infelizmente

ainda impera, acentuaram as dificuldades, mesmo nas ações propostas.

Assim, além das dificuldades intrínsecas aos projetos, o que se

percebe como uma dificuldade no processo de educação popular, mais precisamente na

educação de adultos, é que esta Campanha não foi organizada ou planejada tendo como

referências propostas técnico-pedagógicas que realmente se preocupasse em conhecer e a

atender às reais necessidades desses cidadãos analfabetos. Essa proposta era

completamente inadequada à clientela, principalmente a do campo, uma vez que além de

ser superficial no ponto de vista do aprendizado, o qual era previsto para ser construído

num curto espaço de tempo, disponha de métodos infantis de alfabetização, além de

descontextualizados para o homem do campo.

Percebe-se nas falas dos assentados analfabetos investigados que

nenhum deles tinha idade ainda de jovem ou de adulto para terem participado dessa

campanha, mas atentamos para o fato de que os pais de nenhum deles fora atendido. Esta

atenção se fez importante nesta pesquisa por considerar que a importância da alfabetização

para um pessoa pode estar ligada ao reconhecimento e juízo de valor atribuída à leitura

pelos pais.

A CEAA certamente estaria fadada ao fracasso, pois foi elaborada,

partindo do princípio de que a pessoa analfabeta era a própria causadora de sua condição

de analfabeta. Assim, o analfabeto continuava sendo considerado como incapaz e marginal

e, ele próprio se percebia comparado a uma criança.

Embora, a CEAA tenha sido lançada em clima de euforia, e por isso

tenha recebido grandes investimentos, o que se percebe claramente nas entrevistas com os

Page 248: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

233

assentados sujeitos dessa pesquisa é que nenhum deles tenha sido beneficiado por ela,

mesmo que indiretamente, por meio de seus pais. Essas revelações levam-nos a acreditar

que, para essas pessoas aqui investigadas, a CEAA não atingiu o seu objetivo principal que

era alfabetizar os jovens e adultos, maiores de 15 anos de idade, principalmente aqueles

que viviam nas áreas rurais.

As frustrações acerca das expectativas de alfabetização das pessoas

jovens e adultas vão se acumulando ao longo dos anos que se sucedem. As medidas

impensadas no sentido de se resolver de forma imediatista e inconseqüente os problemas

importantes da nação, principalmente os relacionados com a educação, são características

comuns nas ações desenvolvidas no Brasil. Por isso, mediante as críticas advindas dos

especialistas acerca do fracasso da CEAA, surge como seu apêndice a Campanha Nacional

de Educação Rural (CNER).

A CNER nasce da necessidade de se cumprir um objetivo que havia sido

estabelecido para CEAA, a qual desviou suas atenções para um público considerado mais

urbano, portanto com mais facilidades de acesso, negligenciando a população do campo.

É certo que a CNER teve sua importância no que tange à diminuição dos

índices de analfabetismo nas áreas rurais do Brasil. Sua importância se deu principalmente

na formação e na capacitação de formadores alfabetizadores.

A CNER teve suas ações desenvolvidas a partir das missões. Porém, essas

missões, em algumas regiões do País, sequer chegaram a ser implantadas, uma vez que

muitas de suas ações iam de encontro aos interesses dos proprietários de terras, os

latifundiários. Como estas missões eram, em sua maioria, mantidas pelos próprios

fazendeiros, suas ações só eram desenvolvidas com a permissão dos mesmos.

Portanto, não é difícil perceber o porque de nenhum dos entrevistados por

esta pesquisa tenha tido conhecimento dessa campanha de alfabetização, assim como o

porque de seus pais ou responsáveis não terem conhecido ou participado das ações.

Certamente, as ações da Campanha não chegaram até essas pessoas, mesmo ela tendo sido

elaborada com a intenção específica de atendê-las em suas necessidades educacionais.

Page 249: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

234

No entanto, o que se pode concluir acerca de sua interferência nos processos

de garantia dos direitos a educação dos analfabetos do campo foi muito pouco

significativa. Mesmo depois de sua implementação, muitos brasileiros do campo ainda

permaneceram sem ter acesso aos conhecimentos do mundo letrado, acesso esse já

reconhecido mundialmente como um direito de todos.

Em 1958, as críticas acerca da eficácia das Campanhas até então

implementadas no País permaneceram muito fortes, principalmente as vindas do Estado de

Pernambuco, elaboradas a partir das idéias de Paulo Freire. Para atender essas críticas, foi

criada em 1958 a Campanha Nacional de Erradicação do Analfabetismo (CNEA). Esta

apresentava como princípio básico, que norteavam suas ações, as teorias apresentadas por

Freire.

Lamentavelmente, neste período, em torno de 1958, alguns dos assentados

desta pesquisa já estavam numa faixa etária em que já deveriam ter todo acesso a educação

formal e, conseqüentemente, à alfabetização. Porém, o que se pode perceber é que nenhum

desses sujeitos se quer teve informações acerca dessas Campanhas, as quais, segundo seus

registros de criação e implantação, teriam seus interesses destinados a eles. Portanto, o que

se considera é que essa Campanha, assim como as demais implantadas anteriormente, não

chegou a alcançar seus propósitos. Assim como as demais, a CNEA pouco alterou o

quadro de analfabetismo no País, deixando as pessoas, conforme pode-se observar nas

histórias de vida aqui reconstruídas, carentes do atendimento de seus direitos à educação.

Pode-se perceber ao longo da história da alfabetização de jovens e adultos

no Brasil que, a partir do pensamento pedagógico elaborado por Freire, novas

possibilidades didático-pedagógicas foram surgindo e estimulando as principais propostas

de alfabetização, as quais foram idealizadas por estudantes, intelectuais e católicos

engajados numa proposta de ação política para os grupos populares.

Dentre os principais movimentos e programas idealizados a partir das

concepções de educação de jovens e adultos de Freire, destacou-se o Movimento de

Educação de Base – MEB – ligado à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB;

os Centros Populares de Cultura – CPCs , organizados pela União Nacional dos Estudantes

– UNE.

Page 250: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

235

Têm-se informações de que as ações desenvolvidas pelo MEB foram de

grande abrangência em todo o País e que suas ações iam além da simples alfabetização,

pois previam uma formação de base – aqui nos referindo à formação básica para o ser

humano14

.

Porém, em entrevistas utilizadas para a reconstrução das histórias de vida

dos assentados nesta pesquisa, as ações do MEB não foram citadas como experiência ou

vivência educacional de nenhuma dessas pessoas. Nenhum dos assentados entrevistados

mencionou o rádio ou os animadores do MEB em suas entrevistas, embora tenhamos

insistido para que eles se lembrassem de alguma outra forma de estudar que não fosse indo

à uma escola ou tenho aulas convencionais.

No entanto, a especialista que atuou junto às ações do MEB, afirma que “a

principal forma de investimento do MEB na permanência do aluno alfabetizando nos

projetos eram as visitas dos animadores”. Pode-se concluir, portanto, que as ações

desenvolvidas na região em que estavam os assentados desta pesquisa naquela época não

coincidem com a região em que estava a especialista.

Infelizmente, conclui-se que, embora as ações do MEB sejam consideradas

uma das maiores e mais abrangentes formas de possibilitar o acesso das pessoas aos

conhecimentos acumulados pela humanidade, assim como o acesso a condutas e posturas

que colaboram para uma melhor qualidade de vida e de cidadania, estas ações não

chegaram até onde estavam os assentados sujeitos dessa pesquisa.

Ainda, nesse mesmo período, surgem os Movimentos de Cultura Popular.

Estes movimentos foram organizados pela sociedade civil e tinham como objetivo reverter

ou alterar o quadro educacional, sócio-econômico e político do país, a partir da

conscientização, participação e da transformação, cujos conceitos foram elaborados a partir

das ações realizadas com a população. Dessa forma, todo conhecimento e saber do

analfabeto passou a ser reconhecido e considerado no processo de construção do

conhecimento, que passou a ter nesses conhecimentos prévios o princípio de sua

14

- Ver em Educação Popular e Cultura Popular, de Osmar Fávero, 1983.

Page 251: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

236

constituição. Desta forma, o sujeito analfabeto passou a ser considerado sujeito possuidor

de conhecimentos importantes e, assim, a ser produtor do seu próprio conhecimento.

Acredita-se que seja possível considerar que esses movimentos tenham

chegado até os entrevistados dessa pesquisa, não na formatação em que deu neste período

de início dos anos 60, mas adaptado pelas idéias dos novos movimentos sociais, vistos

nesta pesquisa. É possível considerar que as ações dos MCP não se renderam às medidas

radicais impostas como forma de “sufocamento” de suas idéias. Mediante tal resistência,

torna-se possível afirmar que essas idéias/ações permaneceram e permanecem e que,

portanto, chegaram até os sujeitos dessa pesquisa, por meio das ações dos movimentos

sociais do campo, que visaram, inicialmente, a transformar as formas de sobrevivência

dessas pessoas para, somente depois de ter uma condição de vida mais digna, implementar

ações educativas, dentre elas as de alfabetização.

Assim, pode-se afirmar que as idéias e ações do MEB e dos MCP chegaram

até os sujeitos entrevistados por esta investigação. O que se pode lamentar, portanto, é que

essas ações os tenham alcançado tão tardiamente, uma vez que essas pessoas somente

tiveram sua condição de analfabeto alterada mais de 30 anos depois. Isso se deve a lentidão

nos processos de transformação de uma sociedade em que prevalecem os interesses de uma

pequena minoria em detrimento de muitos.

Esses MCP deram origem à principal conquista que foi a estruturação de

ações educativas visando a alfabetização de um grande número de brasileiros, por meio do

Plano Nacional de Alfabetização, aprovado em janeiro de 1964, o qual seria dirigido por

Paulo Freire. Na concepção elaborada para o Plano Nacional de Alfabetização, a educação

de adultos era vista a partir das causas do analfabetismo, como educação de base,

articulada com as reformas de base.

O PNA não chegou a ser lançado, pois ocorreu o golpe de estado e os

militares assumiram o governo do País. Assim, temos como base de análise do PNA

apenas as suas diretrizes e suas propostas. Portanto, embora alguns autores se assegurem

do sucesso do Plano, considera-se, para esta pesquisa, uma proposta sem possibilidade de

avaliação. Parte-se do princípio de que as demais campanhas programas e movimentos

Page 252: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

237

aqui estudados também partem de propostas que apresentam diretrizes que, teoricamente,

podem ser consideradas certas do sucesso, mas que, na prática, se revelaram grandes

fracassos.

É certo que as concepções de Freire para o PNA tendem a uma total

preocupação com homem enquanto sujeito de seu aprendizado e nas possibilidades de

esses aprendizados se constituírem como instrumentos de reflexão e de transformação de

suas próprias realidades em que vivem, o que se constitui como um diferencial bastante

significativo no tange aos aspectos pedagógicos considerados pelas demais campanhas.

Porém, não se considera as idéias e concepções promotoras das dúvidas quanto ao sucesso

garantido do PNA, mas, mediante experiências observadas as dúvidas quanto ao sucesso

advém das condições de viabilização e concretização dessas idéias.

O que se pode considerar como certeza é que, com o episódio do golpe

militar, o analfabeto voltou a ser visto e tratado como pessoa menor, portanto incapaz para

o exercício da cidadania e o analfabetismo como um mal que precisava ser “erradicado”

como uma epidemia.

A partir desse momento histórico para o país e para a EJA, o que vinha

sendo desenvolvido como prática de alfabetização de jovens e adultos, tendo como base

pedagógica as concepções dos movimentos de educação e de cultura popular, o MOBRAL,

logo após o golpe de 1964, reduziu a um exercício de aprender a „desenhar o nome‟.

Percebe-se, a partir das entrevistas com os assentados, que o MOBRAL é a

única das propostas mais antigas de alfabetização que chegou até essas pessoas. E, ainda,

pode-se afirmar, também a partir de suas histórias de vida, que as metodologias

empregadas pelo MOBRAL para que conseguisse os seus resultados eram massificantes e

alienantes, pois os materiais didáticos utilizados, assim como as orientações metodológicas

e pedagógicas empregadas pela ideologia do MOBRAL, reproduziam muitos

procedimentos consagrados no período inicial dos anos 60, porém completamente

desprovidos de sentido crítico e problematizador, que caracteriza o Método Paulo Freire.

Um exemplo é dado por uma das entrevistas dos assentados em que menciona o uso da

cartilha para realização de leitura descontextualizada e desconectada com os

Page 253: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

238

conhecimentos prévios dos alfabetizandos, o que dificultava ou até mesmo impossibilitava

a aprendizagem.

E, ainda, um dos principais fatores que dificultavam a aquisição das leitura

estava ligado ao não reconhecimento pela metodologia pedagógica do MOBRAL, de que

os adultos possuem o letramento, uma vez que os mesmos já fazem uso indireto da leitura

em suas experiências de vida.

Em relação às exigências para a seleção dos docentes, o MOBRAL reincide

na mesma conduta já empregada em programas e campanhas anteriores e

comprovadamente errônea no ponto de vista pedagógico, o que reflete a despreocupação

com o fazer e o saber docente. Desta forma, o MOBRAL entendeu que qualquer um que

saiba ler e escrever podia alfabetizar e com qualquer ou nenhuma remuneração.

Desta forma, entende-se que o fato de o MOBRAL ter o mérito por ter

conseguido atingir um número maior de pessoas e que alguns dos assentados aqui

entrevistados tenham participado de ações promovidas por esse movimento, devam ser

ainda mais duras as críticas em relação ao seu fracasso, pois uma vez que se tenha tido o

privilégio de ter chegado até essas pessoas torna-se inaceitável o fato de a tê-las atendido15

.

Considera-se que o fracasso do sistema educacional, quando o sujeito

envolvido encontra-se na faixa etária adequada à sua escolaridade, seja uma falha com

conseqüências incalculáveis para a formação educacional da pessoa. Porém, torna-se ainda

muito mais grave quando esse fracasso é confirmado com a pessoa já adulta, que se frustra

mais uma vez na EJA. Talvez a EJA seja a última oportunidade de se proporcionar uma

educação digna a esse cidadão e que mais vez é frustrada. Nesses casos, entende que seja

uma situação de extrema responsabilidade e sensibilidade e que deve ser tratada com o

máximo de dedicação, atenção, carinho e profissionalismo por parte de todos os que

constituem o sistema educacional de um país. Portanto, no momento em que o MOBRAL,

assim como muitos outros projetos, programas e campanhas de EJA apresentam em seus

relatórios de desempenho os altos índices de evasão, com os quais, infelizmente, já nos

15

Lembra-se que aqui se refere ao termo “atendido” na forma em que fora definido na nota 4, pg

18 desta pesquisa.

Page 254: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

239

acostumamos, ampliam nossas responsabilidades para com essas pessoas, pois elas podem

estar hoje diante de sua última oportunidade de ter uma educação escolarizada.

Portanto, as relações entre os assentados analfabetos dessa pesquisa e as

propostas de alfabetização de adultos estudadas veio se desdobrando ao longo da trajetória

de vida dessas pessoas de forma bastante desencontrada, alienante e irresponsável. As

pessoas sequer tinham acesso às informações de que tinham direitos à educação, muito

menos às propostas apresentadas. Assim, as ações não estavam chegando até as pessoas

analfabetas e, por isso, logo após a extinção do MOBRAL, foi criada a Fundação Educar.

A Fundação fazia parte do Ministério da Educação e, ao contrário do

Mobral que desenvolvia ações diretas de alfabetização; exercia a supervisão e o

acompanhamento junto às instituições, secretarias, universidades e movimentos populares

que recebiam os recursos transferidos para execução de seus programas.

Porém, essa política teve curta duração, pois em 1990 – Ano Internacional

da Alfabetização – em lugar de se tomar a alfabetização como prioridade, o Presidente

Fernando Collor de Melo extinguiu a Fundação Educar. Infelizmente, perante o espanto de

toda a sociedade, o governo Collor não propôs nenhuma outra ação que assumisse as suas

funções da já extinta Fundação Educar. Tem-se, a partir de então, a ausência do Governo

Federal como articulador nacional e indutor de uma política de alfabetização de jovens e

adultos no Brasil.

Observa-se que naquele momento a relação que existia entre as pessoas

analfabetas e as propostas de EJA era inexistente. Pode-se caracterizar como o momento de

maior descaso e de irresponsabilidade que se pode constatar em toda a história da EJA no

Brasil.

Esta relação só veio acontecer novamente com o lançamento do Programa

de Alfabetização Solidária. Deve atentar para o fato de que o governo teve a forte intenção

em propagar que esse Programa é de caráter não-governamental apenas para reforçar a

tendência do governo em afirmar que as ações e política sociais seriam viáveis à

terceirização, e que, portanto, não necessitavam ser gerenciadas nem idealizadas pelos

órgãos do Governo.

Page 255: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

240

O PAS, embora tenha sido apresentado como uma ação não-governamental,

traz, muito bem definido em seus objetivos e propostas, evidencias do interesse na

diminuição das interferências do governo nas ações voltadas para o social, mas relaciona

os resultados dessas ações a problemas que deveriam ser de responsabilidade do governo,

ou seja, o PAS não é considerado um programa do governo federal, mas deve contribuir

com a solução de problemas que são de responsabilidade do próprio governo, mesmo que

isso implique em prejuízos cumprimento dos objetivos propostas para o Programa de

Alfabetização. O que se torna mais intrigante é que essas propostas interferem diretamente

na qualidade da formação dos alunos do PAS, como por exemplo: a substituição

temporária dos alfabetzadores, a fim de que se dê empregos e qualificação a um número

maior de pessoas. Essa medida é contraditória ao que se entende por elementos que possam

contribuir para a qualidade da educação oferecida, uma vez que, quando o alfabetizador

está capacitado e com experiência, tem que ser substituído. Essa medida não pode ser

considerada como uma medida educacional, mas meramente como ações que visam a

economia dos recursos financeiros aplicados.

Infelizmente, mais uma vez a alfabetização de jovens e adultos assume um

caráter de improvisação que, na verdade, funciona como solução para outros problemas e

deixa de se dedicar ao principal objetivo dos Programas criados para este fim que é a

alfabetização de jovens e adultos.

Percebe-se, ainda, que o Programa de Alfabetização Solidária o PAS, em

suas campanhas de envolvimento da sociedade, utilizando-se do argumento da

solidariedade, convoca-a a adotar um analfabeto. Desse modo, o incentivo às doações

partidas da sociedade transforma o que está constituído como um direito legal

constitucional em uma ação filantrópica e caritativa. Assim, mais uma vez essas ações

solidárias passam a substituir e a isentar o Estado de sua obrigação, transferindo para a

sociedade a responsabilidade com a educação que é dele.

Ainda, o PAS tem em suas propostas de ações o objetivo de estimular os

alunos universitários a realização de estagiários que visem ao atendimento das pessoas

analfabetas, reafirmando uma postura de solidariedade e de envolvimento caritativo com

essas pessoas. O que se pode concluir, a partir dessa proposição, é que essa atitude pode

acarretar nos futuros profissionais da educação uma tendência a perceber os alunos da EJA

Page 256: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

241

como pessoas que não são dignas de terem uma atenção específica e condizente com suas

experiências e expectativas, mas pessoas que necessitam ser tuteladas, portanto incapazes

de se tornarem sujeitos de suas próprias histórias e da construção de seus conhecimentos.

Mais uma vez está-se diante de uma proposta de alfabetização de adultos,

sobre a qual os assentados, sujeitos dessa pesquisa, não fazem nenhuma referência. Esta

ausência de conhecimento dessas pessoas acerca do PAS pode estar relacionada, agora,

neste momento de suas vidas, à situação em que se encontram: assentados pelo Programa

de Reforma Agrária e com possibilidades de acesso a um outro programa de educação, o

qual fora elaborado a partir de suas especificidades, o Pronera. Essa nova realidade social

em que estão inseridos esses sujeitos não significa que a eles fosse restrito o acesso às

propostas do Programa de Alfabetização Solidária. Portanto, pode-se afirmar que, mesmo

diante de tal explicação para o não acesso dessas pessoas às ações do PAS, a mesma não

justifica o porquê de os assentados entrevistados não terem tido sequer conhecimento das

mesmas. Assim, pode-se concluir que não existiu, e nem existe, nenhuma relação entre

esses sujeitos assentados dessa investigação e o PAS.

Nesse cenário, o PRONERA surge como uma das possibilidades de

elaboração de propostas e educação para pessoas ligadas aos movimentos de luta pela

terra, as quais devem ter suas proposições voltadas especificamente e exclusivamente para

esses cidadãos do campo. Essas ações surgiram como muito mais que uma necessidade,

mas como um direito dessas pessoas, as quais, por algum motivo, não tiveram a

oportunidade de ingressar ou de permanecer nos estudos em seu tempo regular.

Assim, por menos significativo que possa parecer e apesar das inúmeras

críticas existentes, conforme pudemos perceber nas vozes da especialista entrevistada, a

conclusão do curso de alfabetização para o alfabetizado na idade adulta, de acordo com as

vozes dos assentados e da mesma especialista entrevistados, é sempre positiva, tanto no

âmbito individual como no coletivo.

Pode-se perceber que, segundo relatos presentes em suas histórias de vida,

os que concluíram a fase de alfabetização do Projeto passaram por um processo de

transformação positiva em suas vidas decorridas da alfabetização. Percebe-se, nas vozes

dos assentados entrevistados, que o fato de eles e os monitores/alfabetizadores residirem

Page 257: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

242

nos próprios assentamentos em que estudam e atuam, respectivamente, e, portanto serem

integrantes de um movimento social do campo e, por isso possuírem um conhecimento

mais aprofundado das realidades e necessidades uns dos outros, pode ser considerado

como um fator de grande relevância no sucesso na busca da alfabetização por muitos

alunos. Esta proposição está preconizada nas idéias de Paulo Freire e nas concepções de

educação dos Novos Movimentos Sociais do Campo como estratégia na busca pelo

sucesso na alfabetização de jovens e adultos.

Associado a isso, pode-se considerar que o acesso ao material didático

disponibilizado para todos os alunos e monitores/alfabetizadores, fato bastante enfatizado

nas entrevistas, fora bastante significativo na realização dos trabalhos. Ainda, o material

didático constituiu-se como elemento motivador para os alfabetizandos, assim como para

os próprios monitores; outro fator motivador era o enorme desejo dos alfabetizandos de

aprender a ler e escrever o próprio nome, principal motivo que levou essas pessoas a

participarem do Projeto e poder ser considerado como essencial para tornarem as ações

propostas como eficazes.

Porém, as críticas negativas não devem deixar de existir, até mesmo por se

ter a certeza de que sempre se pode fazer melhor, se observados os erros e os acertos

cometidos no sentido de tomá-los como possibilidades de aprendizado.

Assim, concluímos que o difícil acesso e a permanência dos alunos em sala

de aula, a acuidade visual comprometida, a inexistência de merenda, a inexistência de

transporte, a ausência de infra-estrutura adequada das salas de aula foram considerados os

pontos nodais que impediram um sucesso maior do Pronera, assim como na maioria das

ações educativas em todas as modalidades de ensino do País, especialmente na Educação

de Jovens e Adultos.

Na tentativa de atentar para as propostas de Freire e dos Novos

Movimentos Sociais para a Educação do Campo no que se refere às experiências e

vivências dos educadores alfabetizadores, o Pronera acaba por esbarrar na pouca formação

desses alfabetizadores, perpetuando uma característica considerada como negativa para o

sucesso das propostas: a pouca ou nenhuma formação dos educadores/alfabetizadores.

Page 258: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

243

No entanto, as principais críticas negativas elencadas acerca do Curso de

Alfabetização do Pronera,, experienciado pelos entrevistados dessa pesquisa, estão

centradas na carência de recursos financeiros destinados à infra-estrutura física das salas

de aulas, à impossibilidade de freqüentar as aulas por motivos de cansaço do trabalho,

além dos horários noturnos de estudos. Assim, pode-se considerar que os referenciais

teóricos discutidos nesta pesquisa atentam para alguns fatores que comprovadamente ainda

carecem de ser considerados no momento de elaborações de propostas futuras de

alfabetização de jovens e adultos, tais como: redução de carga-horária de trabalho,

atendimento aos filhos dos alfabetizandos nos horários das aulas, implementação de

política de ajuda de custos para os que freqüentam regularmente os cursos, transporte que

garanta o acesso, alimentação nos horários das aulas entre outros. Somente após a

implantação de políticas efetivas de acesso e de permanência do aluno nos cursos

destinados à população em faixa etária jovem e adulta acredita-se que a Educação de

Jovens e Adultos esteja sendo considerada, na prática, como uma modalidade de ensino da

Educação Básica, conforme estabelece a legislação vigente no País.

Porém, percebe-se que a especialista entrevistada que atua nas ações do

Pronera afirma que os recursos destinados à alfabetização são suficientes para a

manutenção do Projeto e que os recursos em excesso são destinados a outros Projetos de

continuidade. Nesse caso, pergunta-se o porquê de não investir esses recursos excedentes

na melhoria da qualidade do processo de alfabetização. Pode-se perceber que a especialista

demonstra um certo desinteresse pelos Projetos de Alfabetização, uma vez que tende a

disfarçar uma frustração em relação aos retornos que esperava destas ações. Nesse

sentido, entende-se que o retorno esperado pela especialista seja muito mais voltado para o

atendimento de suas próprias expectativas, desconsiderando o retorno para o próprio

sujeito e para a comunidade em que ele está inserido, como se pode perceber quando ela

mesma afirma que as lideranças dos Movimentos Sociais “não abrem mãos dos Projetos

de Alfabetização de Jovens e Adultos”.

As ações voltadas para a alfabetização ainda estão limitadas às questões de

abrangência política territorial, ou seja, o Pronera tem um público alvo específico, e isto

está previsto em sua formulação enquanto proposta, portanto deve sim se limitar ao

atendimento de pessoas assentadas pela reforma agrária.

Page 259: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

244

A Educação de Jovens e Adultos no Brasil, mediante panorama aqui

estudado, ao longo da história, apresenta atualmente um novo sentido, o qual pode-se

considerar fruto de práticas e lutas pelos direitos legais conquistados. Estes direitos legais,

é certo, ainda estão distantes de serem cumpridos tal qual preconizados e aprovados pelos

órgãos legisladores do País. Esse distanciamento entre o que estabelecem as leis e as

praticas vivenciadas no Brasil ocorre por uma questão de inversão na construção de valores

reconhecidos de uma sociedade. As leis, no Brasil, são utilizadas como instrumento para a

elaboração de valores culturais à sociedade que ainda não o assimila como seu; enquanto

que deveria ser feito o caminho inverso nesta relação: os valores deveriam ser construídos

pela sociedade e, somente depois, regulamentado por leis.

Assim, entende-se que o processo de criação das leis da maneira em que está

ocorrendo, acentua-se o distanciamento entre direitos legais e direito de fato, ou seja, o

cidadão garante os seus direitos nas leis, mas não consegue ter acesso a esses direitos no

seu cotidiano de vida.

Percebe-se que faltam, ainda, políticas públicas mais eficientes e efetivas e

que sejam realmente direcionadas às pessoas que na idade adulta ainda não tiveram uma

oportunidade de sair da condição de analfabeto. A falta de um programa eficiente voltado

para a educação de jovens e de adultos perdura por toda a história da EJA no Brasil,

porém, no decorrer dos anos e a partir dos inúmeros esforços coletivos, pode-se afirmar

que houve avanços. A EJA foi palco de grandes lutas e conflitos de interesses diversos

entre educadores, governos e parte de sociedade dominadora frente às possibilidades de

transformações sociais que a mesma possibilita. Assim, conclui-se com o reconhecimento

de que há muitos esforços e avanços no campo da EJA, mas inda restritos em relação a

orçamentos que não tomam a área como anunciada prioridade dos governantes.

Devido a essa característica política imediatista que perpassa os programas

de alfabetização, estes deixaram de dar a devida importância a alguns aspectos relevantes

dessa camada da sociedade, como condições de acesso e permanência, recursos didáticos

adequados, professores capacitados, além de ignorar as condições sócio-econômicas dos

alunos.

Page 260: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

245

Conclui-se, portanto, que a relação que existiu entre os assentados

analfabetos e os programas implementados ao longo de suas histórias de vida foi

inexistente, não chegando a interferir no rumo de suas trajetórias. Todos os entrevistados

por essa pesquisa permaneceram ignorados e marginalizados durante toda suas vidas pelas

políticas de iniciativa dos governos, que se afirmam como voltadas para as necessidades

deles. Todas as iniciativas previam que o acesso à educação promoveria no cidadão

analfabeto possibilidades de transformações de suas realidades ou, no mínimo sua inserção

na sociedade. Porém, esta pesquisa vem esclarecer que esse “entusiasmo pela educação”

como possibilitadora de todas as transformações porque desejam as pessoas analfabetas,

especialistas e sociedade em geral não ocorre apenas propondo encontros às pessoas para

aprender os códigos de língua. É necessário muito mais do que isso. São necessárias

condições reais de acesso e de permanência dessas pessoas à educação. Entende-se que as

ações que prevejam as condições de acesso tenham início nas condições dignas de

sobrevivência humana, como saúde, moradia, condições de trabalho e sustento individual e

familiar, transporte, alimentação, material didático, estrutura física adequada, atendimento

às dificuldades visuais e outros.

O que se pode afirmar é que apenas dentre os Programas aqui estudados o

Pronera se constitui como a única oportunidade que os assentados entrevistados por essa

pesquisa tiveram de acesso a educação em toda a trajetória de vida deles. E, pode-se

também admitir que o Pronera, apesar das dificuldades apresentadas intrínsecas e

extrinsecas, obteve sucesso em suas ações, uma vez que, antes de serem planejadas as

ações educativas do Pronera, as pessoas passaram por um processo de luta intensa que

resultou de conquistas significativas que geraram grandes transformações em suas

realidades de vida. Conquistaram suas terras para gerar o seu próprio sustento e de sua

família, sua casa própria e condições dignas de vida, resultantes dos benefícios

conquistados para os assentamentos.

Não é possível aceitar que os projetos atuais de ações voltadas para a

Alfabetização de Jovens e Adultos insistam na pouca ou nenhuma qualificação dos

docentes, ignorem a necessidade de transporte, persistam em não oferecer nenhuma

alimentação para alunos nos horários de aulas, não prevejam comodidade para os filhos(as)

dos alunos nos momentos de aula, não se discuta possibilidade de extensão dos benefícios

repassados estudantes na faixa etária considerada regular para os alunos de EJA como

Page 261: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

246

bolsa escola e bolsa família e outros, ignorem que os recursos didáticos e as tendências

pedagógicas devam ser adequadas à idade/maturidade, ao contexto e às realidades desses

alunos; e, ainda, que as aulas devem ser realizadas, preferencialmente, nas

localidades/comunidades em que estão inseridos os alunos. Assim, acredita-se que se

estabelecerá uma relação efetiva com os analfabetos e que resultados, tão desejados por

todos, sejam plenamente alcançados.

Assim, pode-se afirmar que não basta elaborar um Programa ou um Projeto

de alfabetização e convidar as pessoas para participar apenas da execução das ações

previstas por estranhos às realidades vivida e vivenciada pelos analfabetos. É preciso que

esses Projetos se livrem dos estereotipo e ações arcaicas e reconhecidamente fracassadas

de EJA, para atentar para as novas possibilidades para a Educação de Jovens e Adultos.

Esta investigação conseguiu conhecer os Programas de Alfabetização de

Adultos que deveriam ter atendido os sujeitos entrevistados; investigou os fatores

intrínsecos e extrínsecos a esses programas e que, portanto, contribuíram para que os

mesmos não chegassem até aos assentados desta pesquisa; reconstruiu as histórias de vidas

desses sujeitos e relacionou-as com as diretrizes dos programas estudados. Essas ações

compreendem os objetivos específicos desta pesquisa que, portanto, foram alcançados e,

por isso, possibilitaram alcançar também o objetivo geral.

Assim, considera-se alcançado o objetivo geral desta pesquisa, uma vez que

se perceberam os motivos/razões de esses assentados não terem sido alfabetizados, embora

tenha sido implantados vários programas de alfabetização de adultos ao longo de suas

vidas. Compreendeu-se, portanto, que os principais motivos/razões pesquisados estão

relacionados ao não privilegiamento das especificidades e das necessidades dessas pessoas

analfabetas no momento da elaboração e execução das propostas dos programas de

alfabetização de adultos, o que resultou em ações inadequadas, ineficientes e, portanto,

fracassadas.

Mediante esta compreensão acerca dos motivos/razões que mantiveram

essas pessoas na condição de analfabetas, concluiu-se que a relação que existiu entre os

programas e os assentados entrevistados, caracterizada como o problema desta pesquisa,

pode ser considerado uma relação pautada no distanciamento, no desrespeito as

Page 262: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

247

especificidades e necessidades dos sujeitos analfabetos e, ainda, como uma relação de

pouco interesse pedagógico, porém, essencialmente de cunho político-partidário e

financeiro por parte dos programas implantados.

Page 263: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

248

9.0 – Sugestões para a Elaboração de Propostas de Alfabetização de Adultos.

Tendo como referência as considerações feitas a partir da investigação

realizada nesta pesquisa, acerca das relações que existiram entre os diversos programas de

alfabetização de jovens e adultos no Brasil e os sujeitos analfabetos, chegou-se a conclusão

de que se deve, então, elaborar algumas sugestões de fatores que se julgam extremamente

importantes e que devem ser considerados no momento de elaboração de uma proposta que

vise à alfabetização de jovens e adultos.

Inicialmente, entende-se que a proposta deva ser elaborada coletivamente,

portanto, com o envolvimento de pessoas da própria comunidade e deva considerar como

primordial e, portanto como ponto de partida, as condições em que vivem os sujeitos a

serem envolvidos nas ações; os seus interesses, as suas necessidades educativas e

econômicas, a situação familiar, os seus desejos e sonhos, a sua história de vida –

atentando para suas experiências escolares negativas e frustrações em relação à educação

formal – em detrimento das disponibilidades de recursos destinados a essas ações.

Geralmente, as propostas fazem o caminho inverso, partem da quantidade de recursos a

serem destinados às ações.

Entende-se que, quando se limitam recursos financeiros de valores irrisórios

e se anuncia a restrição e contenção de ações como medidas de economia, antes mesmo de

se pensar uma proposta, na verdade não se pretende alcançar os resultados desejados, mas

apenas demonstrar, a quem de interesse, que se está fazendo algo, mesmo que irrelevante

do ponto de vista pedagógico e social.

Deve-se, então, eleger referenciais teóricos que atentam para essas

condições observadas, no sentido de propor ações que vão de encontro aos fatores que

contribuem para que essas condições permaneçam e ao encontro desses sujeitos. Os

referenciais eleitos certamente indicarão as tendências pedagógicas mais adequadas a

Page 264: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

249

serem empregadas, as exigências em relação à formação dos alfabetizadores, sugerirão

formas de elaboração de material didático e, ainda, formas de garantir o acesso e a

permanência desses sujeitos nas ações propostas.

Segundo os estudos realizados nessa pesquisa, pode-se perceber que houve

um grande avanço na elaboração das propostas de ações para alfabetização em relação às

tendências pedagógicas, à adequação dos métodos, à faixa etária jovem e adulta, a

contextualização dos conteúdos às prática e cotidiano dos alunos e, ainda, à utilização de

recursos didáticos específicos.

Porém, considera-se ainda muito grave a pouca importância dada a

formação docente para a função de alfabetizador, o que fica claro na fala da especialista do

Pronera, uma vez que a tendência pedagógica eleita está embasada nas teorias de Paulo

Freire, mas que a pouca ou nenhuma formação dos alfabetizadores inviabiliza a uma práxis

adequada.

E, ainda, é extremamente relevante atentar para as propostas de garantia de

acesso e de permanência nos cursos de alfabetização de jovens e adultos, o que se

considera como ponto nodal da EJA em geral ao longo da história e que permanece ainda

como um problema para essa modalidade de ensino. Considerando todos os fatores

mencionados acima acerca das condições de vida dos sujeitos para os quais as propostas de

ação alfabetizadora está sendo elaborada, cabe aos idealizadores propor ações que vão de

encontro a esses fatores na tentativa de minimizar a evasão nos cursos de EJA.

Deste modo, acredita-se que a EJA seja realmente levada a sério neste País

e que se constitua definitivamente e efetivamente como uma Modalidade de Ensino.

Page 265: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

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SILVA, E. B. Educação e Reforma Agrária. São Paulo:Xamã, 2004.

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Brasil. Vol.III. Petrópolis-RJ:Vozes, 2005.

Page 270: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

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STRECK, D. R. et al. (orgs.). Paulo Freire: ética, utopia e educação. 5.ed. Petrópolis:

Vozes, 2002.

TERZI, S. Revista da FACED/Faculdade de Educação da Universidade Federal da Bahia.

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TOURAINE, A. Poderemos viver juntos? Iguais e diferentes. Petrópolis: Vozes, 1998.

_____. Crítica da Modernidade. Petrópolis: Vozes, 2003.

VEIGA, J.E.. O que é Reforma Agrária.14 ed. São Paulo: Brasiliense, 1994.

VYGOTSKY, L.S. A formação social da mente: o Desenvolvimento dos Processos

Psicológicos Superiores. Tradução: José Cipolla Neto, Luis Silveira Menna Barreto e

Solange Castro Afeche. 4ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 1991

WANDERLEY, L. E. Educar para transformar: Educação popular, Igreja Católica e

política no Movimento de Educação de Base. Petrópolis: Vozes, 1984.

Page 271: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

256

ANEXOS

Anexo 1 – Modelo de Entrevista Semi-Estruturada realizada com os Especialistas

Anexo 2 – Modelo dos Roteiros de História Oral de Vida dos Assentados

Anexo 3 – Modelo de Autorização

Anexo 4 – Modelo de Termo de Compromisso

Anexo 5 – Modelo de Transcrição de Análise da Conversação

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Anexo 1

Modelo de Entrevista Semi-Estruturada realizada com os Especialistas

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

MESTRADO E DOUTORADO EM EDUCAÇÃO

ENTREVISTADO(A):

FORMAÇÃO:

PROJETO:

PERÍODO EM QUE ATUA NO PROJETO:

1 – o momento histórico-político em que o programa foi implantado;

2 – os objetivos propostos pelo programa

3 - o público alvo a quem o programa pretendia atender

4 - a qualificação exigida pelo programa para os docentes

5 - os recursos didáticos disponibilizados para o programa

6 – ações que visam as garantias de acesso e de permanência.

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Anexo 2

Modelo dos Roteiros de História Oral de Vida dos Assentados

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

PESQUISA DE CAMPO – DOUTORADO EM EDUCAÇÃO

INSTRUMENTO DE COLETA DE DAOS E INFORMAÇÕES

Roteiro de entrevista para reconstrução de HV a ser

desenvolvido junto aos assentados, sujeitos da Pesquisa de Doutorado

ENTREVISTADO(A):

ASSENTAMENTO:

DOUTORANDO: Célio Alves Espíndola

PROFESSORA ORIENTADORA: Dra. Celma Gomes Borges

1º MOMENTO: INFÃNCIA

Família: construção familiar na infância,

Locais em que residia;

Condições sócio-econômicas consideradas;

Escolaridade dos seus responsáveis;

Educação escolar: freqüência, período, experiências e considerações pessoais;

Já tentou aprender a ler e escrever depois de adulta (quantas vezes, onde, quando)

Morava em casa própria;

Relação com trabalho;

Outros, de acordo com respostas anteriores.

2º MOMENTO: EVENTO FUNDAMENTAL

Estado civil;

Como entrou para o Movimento sem Terra;

Filhos, netos e outros parentes que moram na mesma casa;

Atividade produtiva;

Relação com o trabalho;

Condições sócio-econômicas consideradas;

Page 276: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

261

Educação escolar neste período: quando, onde, condições de acesso e

permanência, como eram as aulas, as instalações;

Acha que aprendeu algo importante com a alfabetização:

Se não, por quê?

Continuam os estudos?

Considerações pessoais acerca da experiência na alfabetização;

Recursos didáticos, horários de estudar (aulas e em casa);

Outros, de acordo com respostas anteriores.

3º MOMENTO: PRESENTE

Há quanto tempo está no assentamento;

Quantas pessoas moram na mesma casa;

Condições sócio-econômicas consideradas;

Educação escolar no momento – estuda, não estuda;

Significação do estudo no momento;

Atende suas expectativas: ensina e você aprende o que quer;

Diferenças entre o estudo agora e o de antes;

Outros, de acordo com respostas anteriores.

4º MOMENTO: FUTURO

Perspectivas nos estudos.

Perspectivas de vida: permanência no assentamento.

Outros, de acordo com respostas anteriores.

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262

Anexo 3

Modelo de Autorização

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AUTORIZAÇÃO

Eu, __________________________________________, residente em

________________, Estado da Bahia, autorizo o doutorando Célio Alves Espíndola a

gravar e transcrever meus depoimentos e entrevistas para o projeto de pesquisa de

doutorado intitulado “DESENCONTROS ENTRE TEORIAS E PROPOSTAS DE

ALFABETIZAÇÃO DE ADULTOS NA PERSPECTIVA DA PESSOA

ANALFABETA”, realizado na Universidade Federal da Bahia, com a orientação da

Professora Doutora Celma Borges Gomes.

___________________________, ______ de __________________de _______.

________________________________________________________

Assinatura

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264

Anexo 4

Modelo de Termo de Compromisso

Page 280: Desencontros Entre Teorias e Propostas de Alfabetizacao de Adultos Na Perspectiva Da Pessoa Analfabeta

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TERMO DE COMPROMISSO

Eu, Célio Alves Espíndola, aluno do Curso de Doutorado em Educação da Universidade

Federal da Bahia, comprometo-me com o(a) Sr(a)

__________________________________________________________________ a não

divulgar seu nome na pesquisa “DESENCONTROS ENTRE TEORIAS E PROPOSTAS

DE ALFABETIZAÇÃO DE ADULTOS NA PERSPECTIVA DA PESSOA

ANALFABETA”.

__________________________, ______de ______________de _______

_________________________________________

Célio Alves Espíndola

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266

Anexo 5

Modelo de Transcrição de Análise da Conversação

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Sinais

Ocorrência

[[

Falas simultâneas: quando dois falantes iniciam ao mesmo tempo um

turno, usam-se colchetes duplos no início de cada turno simultâneo.

[

Sobreposição de vozes: quando a concomitância de falas não se dá desde

o início do turno, mas a partir de um certo ponto, marca-se, no local, com

um colchete simples.

[ ]

Sobreposições localizadas: quando a sobreposição ocorre num dado

ponto do turno e não forma novo turno, usa-se um colchete abrindo e

outro fechando.

(+) ou (2.5)

Pausas: pausas e silêncios são indicados entre parênteses; em pausas

pequenas sugere-se usar um sinal + para cada 0,5 segundo; para as pausas

além de mais de 1,5 segundo, cronometradas, indica-se o tempo.

( )

Dúvidas e suposições: é comum não se entender uma parte da fala. Neste

caso marca-se o local com parênteses, tendo-se duas opções: (a) indicá-

los com a expressão “incompreensível” ou então (b) escrever neles o que

se supõe ter ouvido.

/

Truncamentos bruscos: quando um falante corta uma unidade, pode-se

marcar o fato com uma barra. Isto também pode ocorrer quando alguém é

bruscamente cortado pelo parceiro.

MAIÚSCULA

Ênfase ou acento forte: quando uma sílaba ou uma palavra é pronunciada

com ênfase ou recebe acento mais forte que o habitual, indica-se o fato

escrevendo a realização com maiúsculas.

::

Alongamento de vogal: quando ocorre um alongamento da vogal, coloca-

se uma marca (dois-pontos) para indicá-lo. Os dois-pontos podem ser

repetidos, a depender da duração.

(( ))

Comentários do analista: para comentar algo que ocorre, usam-se

parênteses duplos no local da ocorrência ou imediatamente antes do

segmento a que se refere. Pode-se coloca-los também entre um turno e

outro.

-------

Silabação: quando uma palavra é pronunciada silabadamente, usam-se

hífens indicando a ocorrência.

” ’ ,

Sinais de Entonação: usam-se aspas duplas para uma subida rápida

(corresponde mais ou menos ao ponto de interrogação); aspa simples para

uma subida leve (algo assim como uma vírgula ou ponto-e-vírgula); aspa

simples abaixo da linha para descida leve ou bruca.

Repetições: reduplicação de letra ou sílaba para as repetições.

Pausa preenchida, hesitação ou sinais de atenção: basicamente usam-se

reproduções de sons cuja grafia é muito discutido, mas alguns estão mais

ou menos claros.

... ou /.../

Indicação de transcrição parcial ou de eliminação: o uso de reticências

no início e no final de uma transcrição indica que se está transcrevendo

apenas um trecho. As reticências entre barras indicam um corte na

produção de alguém.