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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA
CENTRO SÓCIO ECONÔMICO
DEPARTAMENTO DE ECONOMIA E RELAÇÕES INTERNACIONAIS
ANDREA DOS SANTOS
DESENVOLVIMENTO COMO LIBERDADE EM AMARTYA SEN
Florianópolis, 2013
ANDREA DOS SANTOS
DESENVOLVIMENTO COMO LIBERDADE EM AMARTYA SEN
Monografia submetida ao curso de Relações Internacionais da Universidade Federal
de Santa Catarina, como requisito obrigatório para a obtenção do grau de
Bacharelado. Orientador: Prof. Dr. Marcos Alves Valente
Florianópolis, 2013
ANDREA DOS SANTOS
A Banca Examinadora resolveu atribuir a nota 7.0 à aluna Andrea dos
Santos na disciplina CNM 7280 – Monografia, pela apresentação do
trabalho DESENVOLVIMENTO COMO LIBERDADE EM
AMARTYA SEN.
Banca Examinadora:
_______________________________________________
Prof. Dr. Marcos Alves Valente
Orientador
_______________________________________________
Prof. Felipe Amin Filomeno
Universidade Federal de Santa Catarina
_______________________________________________
Isadora Cristina de Melo Coan
Universidade Federal de Santa Catarina
Florianópolis, 11 de dezembro de 2013.
Dedico esta monografia a minha mãe Deljanira Crispim dos Santos que sempre me
fez acreditar que todos os nossos sonhos são possíveis.
Liberdade essa palavra que o sonho humano alimenta:
Que não há ninguém que explique,
E ninguém que não entenda!
(Cecília Meireles - Romance XXIV do Romanceiro da Inconfidência)
RESUMO
Esta pesquisa investiga o conceito de liberdade concebido nas obras de Amartya Sen –
economista indiano que se consagrou ao receber o Prêmio Nobel em 1998, com sua
abordagem acerca do processo de desenvolvimento – principalmente do livro
“Desenvolvimento como Liberdade”. Nesse livro o autor define o desenvolvimento a partir
das pessoas utilizarem suas capacidades em prol de realizarem aquilo que elas consideram
importante para si. Essa visão de liberdade é definida ao longo desta investigação, bem como
sua ligação com conceitos de liberdade positiva e negativa provindos do liberalismo e
evidenciados por Isaiah Berlin. Demonstra-se, de igual maneira, a inclusão da abordagem de
Sen no posicionamento da liberdade negativa, mas com características também da positiva. A
liberdade é essencial para o processo de desenvolvimento nessa teoria, e na presente pesquisa
identificam-se os contornos desta liberdade, principalmente afastando-se da relação entre
liberdade e o liberalismo econômico. O objetivo principal desta pesquisa: é definir o conceito
de liberdade para Amartya Sen a partir da perspectiva do desenvolvimento, e analisar como
essa liberdade se inter-relaciona com as noções de liberdade estabelecidas por considerações
liberais e, especialmente, com a liberdade neorrepublicana proposta por autores como Skinner
e Pettit. Evidencia-se também como a teoria de Sen aproxima-se e ou difere-se do conceito
republicano de liberdade, definido como ausência de dominação.
Palavras-Chave: Amartya Sen; Desenvolvimento como liberdade; Capacidade; Liberdade
Positiva; Liberdade Negativa; Neorrepublicanismo, Quentin Skinner, Phillip Pettit.
ABSTRACT
This research investigates the concept of freedom, conceived from the works of Amartya Sen
- Indian economist who was consecrated to receive the Nobel Prize in 1998 with his approach
on the development process - particularly the book " Development as Freedom " . In this book
the author defines people´s development as their abilities to performing of what they consider
important. This view of freedom is defined throughout this research as well as its connection
to concepts of positive and negative liberty from liberalism and evidenced by Isaiah Berlin . It
is shown , in the same way , the inclusion of Sen's approach in positioning of negative
freedom , but also the positive characteristics . Freedom is essential to the developing process
of this theory , and in the present study identifies the contours of freedom , especially away
from the relationship between freedom and economic liberalism . The main objective of this
research is :defining the concept of freedom to Amartya Sen from the developmental
perspective , and analyzing how this freedom is interrelated with the notions of freedom
established by liberal considerations and especially the freedom neo republicanism proposed
by authors such as Skinner and Pettit . Also evident as the theory of Sen approaches or differs
in the republican concept of freedom, defined as absence of domination.
Keywords : Amartya Sen , Development as Freedom ; Capacity; Positive Freedom , Negative
Freedom ; Neo Republicanism, Quentin Skinner , Philip Pettit
LISTA DE ABREVIATURAS
ONU Organização das Nações Unidas.
PNUD Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento.
IDH Índice de Desenvolvimento Humano.
PIB Produto Interno Bruto
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ..................................................................................................................... 9
CAPÍTULO I
1 REFERENCIAL TEÓRICO ......................................................................................... 12
1.1 O ideal de liberdade republicana ............................................................................ 13
CAPÍTULO II
2 A CRÍTICA DE AMARTYA SEN À VISÃO DE DESENVOLVIMENTO A PARTIR
DA PERSPECTIVA DO CRESCIMENTO ECONÔMICO.................................................. 18
2.1 Desenvolvimento como liberdade .......................................................................... 24
2.1.1 As privações e as expansões de liberdade na teoria de Amartya Sen ................ 24
2.1.2 A condição de agente no processo de desenvolvimento ................................... 30
CAPÍTULO III
3 O PAPEL DO LIVRE MERCADO E DAS INSTITUIÇÕES ....................................... 32
3.1 Insuficiência de liberdades substantivas ................................................................. 36
3.2 A importância da democracia e da participação pública.......................................... 39
CAPÍTULO IV
4 LIBERDADE E LIBERALISMO ................................................................................. 47
4.1 A influência de John Rawls .................................................................................... 51
4.2 Liberdade positiva e negativa ................................................................................. 54
CAPÍTULO V
5 REPUBLICANISMO ................................................................................................... 61
CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................... 72
BIBLIOGRAFIA ................................................................................................................. 77
9
INTRODUÇÃO
Em 1998 o economista indiano Amartya Sen recebeu o premio Nobel de Economia
devido suas contribuições para a nova compreensão de conceitos como miséria, pobreza,
fome e, principalmente, do chamado Estado de Bem Estar ou “Welfare state”. Entre outras
contribuições Sen mostrou que o desenvolvimento de um país não está unicamente ligado ao
crescimento econômico medido através do Produto Interno Bruto (PIB), mas está
essencialmente relacionado às oportunidades que este brinda a sua população para fazer
escolhas e exercer a cidadania. O que implica além da garantia dos direitos básicos, como
saúde, proteção ou educação, também a garantia de outros direitos como segurança,
habitação, liberdade e cultura.
Suas ideias contribuíram à criação do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do
Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), através do qual este
organismo determina estatisticamente, desde a última década do século XX, o nível de
desenvolvimento dos países membros da Organização das Nações Unidas (ONU).
Dentre sua extensa obra destaca-se nesta pesquisa a abordagem de Sen sobre a
liberdade, como analisada no livro “Desenvolvimento como Liberdade” (SEN, 2010). Nesse
texto o autor critica o papel do desenvolvimento que está relacionado unicamente com fatores
como: a renda particular, a industrialização, o avanço tecnológico ou o crescimento do PIB.
Para Sen, essas questões podem contribuir para a expansão das liberdades usufruídas pelos
membros de uma sociedade, mas o desenvolvimento não pode ser considerado como um fim
em si mesmo, e deve estar relacionado, essencialmente, com a melhoria da vida e o
fortalecimento das liberdades dos indivíduos.
Disposições sociais e econômicas, como serviços de educação e saúde, e os direitos
civis, como a liberdade política, são colocados pelo autor como meios promotores do processo
de desenvolvimento e fatores de promoção de liberdades substantivas. Estas últimas deveriam
ser as indicativas do êxito de uma sociedade segundo a teoria do Desenvolvimento como
liberdade, visão que se contrapõe àquele que se baseia apenas na renda. As liberdades
substantivas são resultado do desenvolvimento e, por isso, a ausência de condições sociais e
econômicas (como a falta de serviços de saúde ou condições de educação) limitam também as
ações dos cidadãos, assim como suas liberdades, o que impede seu acesso aos alimentos,
medicamentos ou remédios, conhecimento e até a atuar politicamente.
10
Este trabalho busca analisar o conceito de “liberdade como desenvolvimento”
proposto por Amartya Sen, considerando suas relações com as diversas noções de liberdade
estabelecida por pensadores liberais e, especialmente, com a liberdade neorrepublicana
proposta pelo historiador Quentin Skinner e pelo filósofo Phillip Pettit. Procura-se também
evidenciar que a ideia de “liberdade como desenvolvimento” do pensador indiano
complementa-se com o conceito republicano de liberdade definida como ausência de
dominação.
É importante notar que o conceito de liberdade é um tema de discussão relevante na
teoria e história política das últimas duas décadas. Segundo Silva (2008) a principal
motivação deste debate vem da crítica dos teóricos neorrepublicanos à concepção de liberdade
da linha dominante do pensamento liberal contemporâneo, assim,
Há algo de profundamente contestável, sugerem os neorrepublicanos, numa
compreensão da liberdade que atenta exclusivamente para a ausência de
impedimentos à realização das escolhas por parte dos agentes individuais. A
entronização do individualismo atomista de parte da tradição liberal anglófona dos
últimos dois séculos teria resultado numa filosofia política e num ideal de liberdade
refratários à aceitação da ideia de bem comum e, consequentemente, inibidores da
disposição dos cidadãos para o cumprimento de deveres sociais indispensáveis à boa
ordem republicana (SILVA, 2008, p. 151-152).
Ainda que Amartya Sen se debruce sobre alguns dos temas dessa discussão, seu
objetivo principal não é analisar o conceito de liberdade, mas suas implicações e efeitos em
relação ao desenvolvimento. Nesse sentido, esta pesquisa busca contextualizar e colocar as
ideias de Sen em relação à liberdade dentro deste debate entre o liberalismo e o
Republicanismo, caracterizando e analisando suas implicações para o desenvolvimento.
A principal fonte de dados desta pesquisa são as obras de Amartya Sen,
essencialmente o livro “Desenvolvimento como liberdade” (2010). Analisam-se também
alguns livros de Quentin Skinner (1996, 1999, 2010) e Philip Pettit (1997) para caracterizar a
visão republicana; e de Norberto Bobbio (2000) e John Rawls (2011) para abordar a visão
liberal.
Para apresentar a temática e desenvolver o objetivo proposto, este trabalho estrutura-se
em cinco capítulos. No primeiro, apresenta-se o processo de formação conceitual da ideia de
liberdade e suas transformações na teoria e prática política desde o fim do século XIII até
final do século XVI, baseado na analise do processo de formação do conceito moderno de
Estado do historiador Quentin Skinner no livro “As Fundações do pensamento político
moderno” (1996).
11
O segundo capítulo faz uma descrição das principais críticas feitas por Amartya Sen
ao conceito de desenvolvimento sob a ótica do crescimento econômico. Apresenta-se o
conceito de liberdade como desenvolvimento e sua relação com as privações fazendo ênfase
nas liberdades constitutivas e como elas contribuem para o desenvolvimento e para sua
própria expansão. Neste capítulo trata-se também a ideia de “condição do agente” como
membro público e sua relação com o conceito de bem-estar.
No terceiro capítulo trata-se o tema do livre mercado e as instituições. Considera-se
inicialmente a leitura e defesa de Sen sobre Adam Smith e, posteriormente, examina-se a
forma em que o mercado ajuda a fortalecer o papel do Estado para além da renda. Analisa-se
também a relação entre pobreza e a insuficiência de liberdades substantivas, para finalmente
considerar a relação entre democracia, participação política, liberdade e desenvolvimento.
O quarto capítulo centra-se no liberalismo. Apresenta-se a liberdade entendida no
cerne desta linha de pensamento e as diferenças entre liberdade negativa e positiva. Levando
em conta as influencias do liberalismo igualitário de John Rawls no pensamento de Sen,
aborda-se o pensamento deste teórico inglês e sua teoria sobre liberdade, direitos e bem-estar.
No último capítulo este trabalho foca no republicanismo. Considera-se a visão de
Skinner e Pettit na denominada linha neorromana no qual consideram a liberdade como os
valores soberanos da república, consideração que dialoga com o conceito de liberdade de Sen.
12
CAPÍTULO I
1 REFERENCIAL TEÓRICO
Negligenciar o campo do pensamento político porque seu tema instável, de limites
enevoados, não pode ser apreendido pelos conceitos fixos, modelos abstratos e finos
instrumentos adequados à lógica ou à análise linguística – exigir uma unidade de
método na filosofia e rejeitar tudo o que o método não possa tratar com sucesso – é
apenas permitir-se ficar à mercê de crenças políticas primitivas e não criticadas. Só
um materialismo muito vulgar nega o poder das ideias e afirma que os ideais são meros interesses materiais disfarçados. Talvez, sem a pressão das forças sociais, as
ideias políticas sejam natimortas: o certo é que sem essas forças, a não ser que se
cubram de ideias, continuam cegas e sem direção (BERLIN, 2002, p. 228).
Para analisar o desenvolvimento como liberdade em Amartya Sen considera-se
necessário começar contextualizando o conceito de liberdade como apresentado pelo
historiador Quentin Skinner no livro “As Fundações do pensamento político moderno”
(SKINNER, 1996). Seguindo a abordagem “historicista das ideias” da Escola de Cambridge
do pensamento político, Skinner analisa nesse livro os principais textos do pensamento
político da Idade Média e começos da era moderna, apontando alguns aspectos do processo
pelo qual se formou o conceito moderno de Estado.
A obra em questão apresenta, contextualiza e analisa o pensamento político de vários
autores desde o fim do século XIII até final do século XVI, pois, segundo o ator, é nesse
período que se formaram os “principais elementos de um conceito de Estado passível de
dizer-se moderno” (SKINNER, 1996, p. 9). A ideia de liberdade, como se descreve ao longo
deste capítulo, é um dos conceitos centrais que caracterizam o pensamento dessa época e
sustentam o conceito moderno de Estado.
É importante ressaltar que um dos grandes propósitos de toda a obra de Skinner é a
contestação da concepção liberal de liberdade, dirigindo seus esforços a estudar e promover a
liberdade cujas raízes encontram-se na antiga República Romana. E, como será analisado no
Capitulo 5 do presente trabalho, o conceito Republicano de liberdade promovido por Skinner
e pelo filósofo irlandês Philip Pettit estruturam o conceito de liberdade de Amartya Sen.
O destaque da forma em que Skinner analisa o conceito de Liberdade no livro “As
Fundações do pensamento político moderno” radica não só na sua tentativa de resgatar as
raízes do conceito na Idade Média, mas principalmente no uso da metodologia historicista das
13
ideias. Essa metodologia baseia-se em situar os textos em um contexto que permita identificar
o que os autores estavam fazendo ao escrevê-los, ou seja, procura a compreensão do
significado dos textos políticos do passado através da reconstituição dos contextos
linguísticos e normativos em que esses textos foram criados (SILVA, 2008). Skinner afirma
que “se quisermos compreender tais textos, devemos ser capazes de oferecer uma explicação
não meramente do significado do que foi dito, mas também do que o autor em questão pode
ter tido a intenção de dizer ao dizer o que disse” (SKINNER, 2002, p.79).
Assim o método indica que para estudar um autor do passado o historiador das ideias
deve explicar o contexto discursivo em que o texto foi produzido, para descobrir qual o
objetivo de comunicação de quem o escreveu. Depois é necessário identificar entre as
diversas possibilidades de significado descobertas, aquela que seja igual à afirmação real. Daí
a importância do conhecimento histórico sobre o momento em que os textos foram
registrados. Pois é justamente a história que nos permite identificar os problemas que atraíram
a atenção dos autores clássicos. Sobre essa finalidade, Skinner (2002, p. 87) afirma que “o
contexto social figura como a estrutura última a partir da qual podemos decidir quais
significados convencionalmente reconhecíveis alguém poderia, em princípio, ter desejado
comunicar”.
Com essa metodologia Skinner debruça-se sobre os principais escritos de autores
como Dante, Marsiglio, Bartolus, Maquiavel, Erasmo e More, Lutero e Calvino, Bodin e os
revolucionários calvinistas, apresentando com clareza as complexas relações entre a teoria e a
prática política.
1.1 O ideal de liberdade republicana
O ideal de liberdade que vai estruturar o pensamento de boa parte dos pensadores do
Estado Moderno analisados por Skinner nasce em meados do século XII e tem uma
importante relação com a organização social e política do norte da Itália. Nessa região as
cidades tinham se organizado de forma diferente à monarquia hereditária que regia o resto da
Europa e que caracterizava a sociedade feudal. Essas cidades conformavam-se como
repúblicas independentes, com uma forma de autogoverno precedida pelo poder de um
funcionário chamado de podestà que tinha o poder supremo sobre a cidade. Esse podestà era
14
eleito pelo voto popular, governava por máximo um ano e seguia dois conselhos: um com
quase seiscentos membros, e outro menor com uns quarenta cidadãos.
Apesar dessas condições, as cidades do norte da Itália seguiam sendo por direito
consideradas vassalas do Santo Império Romano, e desde o séc. IX sofreram diversas
tentativas de conquista pelo Império Germânico, situação que ameaçava constantemente sua
relativa “autonomia”.
As cidades de Lombarda e Toscana que resistiram no campo de batalha às múltiplas
tentativas de ataque do Império, também criaram diversas “armas ideológicas” para defender
sua estrutura política e sua “liberdade”. Nesse sentido, a ideia de liberdade que demandavam
estas cidades tinha duas conotações: de um lado o direito a não sofrer controle externo de sua
própria vida política, o que Skinner denomina afirmação de sua soberania; e do outro, o
direito de se governarem segundo melhor entendessem, ao que Skinner chama de defesa de
suas constituições Republicanas.
Essa liberdade exigida pelas cidades do norte da Itália, que se referia à independência
política e autogoverno republicano, foi defendida e argumentada por vários pensadores
florentinos entre os que se destaca Bartolo de Saxoferrato, quem se empenha em defender em
termos legais essa liberdade.
Também os pensadores do movimento humanista cívico, que vinha surgindo desde
começos do século XIII e que iria a influenciar o desenvolvimento do pensamento político da
renascença, dedicaram boa parte de suas obras a defender, através da retórica nascente, esse
ideal de liberdade. As principais questões que esses autores levantavam relacionavam-se às
possíveis ameaças à liberdade especialmente:
O problema do aumento da riqueza privada, pois segundo eles o lucro
particular era hostil à virtude pública.
A questão de assegurar o bem comum, ou seja, de como a cidade podia atender
uma unidade entre os interesses da cidade e os cidadãos enquanto indivíduos.
E o problema de quais deviam ser as virtudes que os cidadãos e, especialmente,
os governantes deviam ter para manter a liberdade da cidade.
Os pensadores escolásticos também aportaram a esse propósito de defesa da liberdade
das cidades republicanas. Destacam-se Ptolomeu e Marcílio de Pádua que foram fortemente
influenciados por Aristóteles cujas obras começaram a ser traduzidas para o latim já a final do
séc. XII. Esses dois pensadores expressam uma preferência pela liberdade republicana e têm
uma marcante consciência de que há, no seu tempo, uma pressão e ameaça a essa liberdade
pela ação dos tiranos. Eles acreditavam que a maior debilidade dessas cidades era a sua
15
extrema dependência às facções, a permanente discórdia e falta de paz interna (SKINNER,
1996, p. 77). Assim, afirmam que o valor supremo na vida política devia ser a obtenção e
manutenção da paz e a unidade, e dessa forma, o maior perigo para a liberdade era o problema
da discórdia civil.
O mais importante que Skinner ressalta em relação ao pensamento de Ptolomeu e
Bartolo é que eles conseguem defender a preservação da liberdade das cidades republicanas
em oposição ao que Tomas de Aquino promulgava: a necessidade de serem governadas por
uma única pessoa, um príncipe, pois ele seria o único capaz de dissolver as facções e
assegurar a paz. E assim escreve Skinner (1996, p. 86):
É contra essa ortodoxia que a defesa da liberdade republicana montada por Marsílio
e Bartolo tem de ser entendida. Eles concedem que o valor fundamental na vida
política consiste na conservação da paz. Mas negam que esta seja incompatível com
a preservação da liberdade. A mensagem final que deixam para seus contemporâneos é, assim, que um povo pode desfrutar das bênçãos da paz sem
precisar perder a liberdade: e, para tanto, a condição é que o papel de “defensor da
paz” seja assumido pelo próprio povo.
Os humanistas florentinos de começos do século XV também defendem nas suas obras
a liberdade das cidades republicanas de um modo tradicional, empregando o termo para
indicar tanto a independência quanto o autogoverno, pois entendiam a liberdade tanto no
sentido de ser livre da interferência externa quanto no de se ter a liberdade de tomar parte
ativa no governo da República. (SKINNER, 1996, p. 98 – 99).
Porém ainda que eles levantassem as mesmas questões que os humanistas cívicos,
chegavam a conclusões bem diferentes. Os perigos que ameaçavam a liberdade para os
humanistas florentinos já não eram mais as facções e o aumento da riqueza, e sim o fato dos
cidadãos não se sentirem mais preparados a lutar para defender sua liberdade de cara às
agressões da tirania, e deixarem a defesa de suas liberdades nas mãos de tropas mercenárias.
Sugeriam como solução a criação de uma cidadania armada e independente, pois como
expressava Leonardo Bruni: todo cidadão devia estar prestes a tomar armas para defender a
liberdade.
O espírito público e a defesa do bem comum passaram a ser para estes humanistas os
principais valores que o corpo dos cidadãos devia ter para manter a liberdade da República.
Pois a nobreza de um cidadão era defendida não pelo valor ou pela antiguidade de sua
linhagem, nem pelas suas riquezas, mas pela “capacidade de desenvolver os talentos que
possui, de atingir um senso adequado do espírito público, e de assim canalizar as energias
para o serviço da comunidade” (SKINNER, 1996, p.102).
16
O humanismo que se difundiu em toda Europa no século XV recobrou uma
perspectiva autenticamente clássica e transformou os ideais e visões sobre a natureza do
homem, a extensão de suas capacidades e os objetivos adequados de vida. Isso trouxe novas
perspectivas em relação à liberdade e aos princípios dos governos republicanos.
A educação dos cidadãos, especialmente dos governantes, e os valores que deviam ter
para levar adiante as cidades passou a ser um tema central entre os pensadores da época. A
virtude cívica seria esse elemento essencial que possibilitaria guiar a República, vencer os
infortúnios que abalavam as cidades constantemente e, principalmente, levar o homem a
excelência. Nesse sentido, para os humanistas do século XV a virtude cívica era o maior valor
que sustentava a liberdade republicana.
Porém na renascença tardia, devido ao triunfo dos príncipes na guerra entre a França e
a Itália, houve um maior conflito entre os defensores das práticas tirânicas e os que defendiam
a liberdade republicana. Os novos humanistas tinham menos interesse em defender a
tradicional concepção republicana de cidadania e centraram sua atenção nas virtudes e formas
em que os príncipes deviam governar. Talvez o mais famoso desses pensadores seja
Maquiavel, a quem Skinner dedica boa parte de suas páginas.
Tanto Maquiavel como outros dos humanistas tardios preocupam-se pelas formas
certas em que deviam ser governadas as repúblicas para defender a sua liberdade, mas
também fazem ênfase em conservar a paz, a tranquilidade e obediência. A ideia da “virtus”,
da virtude, antes analisada pelos humanistas cívicos, ganha uma nova distinção nos
pensadores do século XVI. Para eles as virtudes dos príncipes e dos cidadãos comuns eram e
deviam ser diferentes, e dedicaram suas analises e aconselhamentos aos governantes e não,
como era antes, ao corpo dos cidadãos. Exemplo claro dessa nova virada é o conhecido livro
“O príncipe” de Maquiavel.
Ainda que Maquiavel dê continuidade à defesa da liberdade, o seu aporte particular é a
mudança em relação aos aconselhamentos políticos para o governante, pois ainda que ele
defenda a necessidade de manter as virtudes para governar as Repúblicas, defender seu
governo e sua autonomia, ele considera que a as virtudes de um governante seriam qualquer
qualidades que na prática sejam necessárias para salvar a liberdade da pátria, e nesse sentido
inclui possibilidades contrárias à bondade, à sinceridade, o respeito ou à justiça, para ele:
[...] quando a segurança do país depende por completo da decisão a se tomar, não se
deve levar em conta a justiça ou injustiça, a bondade ou crueldade, ou a sua
dignidade ou infâmia. Ao contrário, descartando-se qualquer outra consideração,
deve-se optar, decididamente, por aquela alternativa que possa salvar a vida e
conservar a liberdade do país (MAQUIAVEL apud SKINNER, 1996, p. 204).
17
A difusão da cultura da renascença na França, Inglaterra e Alemanha levou ao
surgimento de uma nova cultura humanista em começos do século XVI. Os humanistas desta
época continuam analisando e defendendo o mesmo ideal de liberdade, porém com novas
preocupações. A principal delas era o perigo “da saúde pública” ou a falta de espírito público,
entendida como a situação em que o povo ignora o bem da comunidade como um todo e se
interessa com seus interesses individuais ou de facção. Por este motivo, eles colocaram a
virtude no lugar central da sua análise, pois só cultivando determinadas virtudes,
especialmente entre os governantes (príncipes e outros magistrados), era possível manter a
boa ordem, a harmonia e a paz que devia ser o principal objetivo de um governante, para
assim manter a liberdade republicana.
18
CAPÍTULO II
2 A CRÍTICA DE AMARTYA SEN À VISÃO DE
DESENVOLVIMENTO A PARTIR DA PERSPECTIVA DO
CRESCIMENTO ECONÔMICO.
O estudo do desenvolvimento é retratado desde o século XVIII, como modelo de
progresso das cidades. Economistas clássicos como Adam Smith (1988) – inspirador de
Amartya Sen em todas as obras abordadas nesta pesquisa – evidenciava o crescimento através
da acumulação de capital, aumento da oferta de mão de obra e dos salários em conjunto com o
livre mercado internacional. Posterior a Smith, David Ricardo conota o desenvolvimento
como um processo de acumulação autossustentável de capital, que seria interrompido com a
escassez de terra disponível.
A partir da Segunda Guerra Mundial passou-se a considerar o desenvolvimento dos
países tidos como subdesenvolvidos e atrasados através do progresso econômico e social.
Amartya Sen destaca tal observação em sua obra “Economia Del Crecimiento” (1979):
Al principio el interés por el crecimiento no era mucho, pero posteriormente
aumentó en forma considerable. Esto se debió en gran medida a una inmensa
preocupación práctica por el crecimiento después de la segunda Guerra Mundial.
Las economías dañadas por la guerra hacían grandes esfuerzos por reconstruir lo
más rápido posible, los países subdesarrollados trataban de iniciar el desarrollo
económico, los países capitalistas avanzados, relativamente libres de crisis periódicas, trataban de concentrarse en el incremento de la tasa de crecimiento a
largo plazo, y los países socialistas estaban decididos a alcanzar a las economías
capitalistas más ricas mediante una rápida expansión económica. El crecimiento
constituía el interés de todos y no es de extrañar que en ese ambiente la teoría del
crecimiento acaparara la atención de los economistas (SEN, 1979. p.8).
A partir de então, os economistas passaram a se interessar pelo tema e formularam
modelos baseados no crescimento do Produto Interno Bruto (PIB), no acúmulo de capital e no
avanço da industrialização como meio de promover o desenvolvimento, sendo que, até o fim
da década de sessenta os conceitos de desenvolvimento estavam ligados apenas ao
crescimento econômico.
Posterior a esse período, surge a Teoria da Dependência, introduzida por Celso
Furtado, esta assegurava que “toda economia subdesenvolvida é necessariamente dependente,
19
pois o subdesenvolvimento é uma criação da situação de dependência” (FURTADO, 1974,
p.87). Destarte, Celso Furtado trouxe uma conceituação mais humana de desenvolvimento.
Tal iniciativa foi apoiada pelo Banco Mundial, criado como um banco para a
reconstrução da Europa após a Segunda Guerra Mundial, e que visava apenas tratar o
desenvolvimento com a perspectiva do crescimento econômico. Mas na década de setenta
passaram a se considerar as necessidades humanas básicas e na década seguinte destacou-se a
redução da pobreza.
A Organização das Nações Unidas, outra instituição internacional criada após a
Segunda Guerra Mundial e sucessora da Liga das Nações, tem em seu caráter um perfil social
e humanitário previsto desde sua Carta Magna. A preocupação com a concepção do
desenvolvimento foi realçada com a criação dos Objetivos do Desenvolvimento do Milênio,
delineados na Cúpula do Milênio em 2000, em que os países-membros da ONU assumiram a
responsabilidade de erradicar a pobreza e a fome, atingir o ensino básico fundamental,
promover a igualdade entre os sexos e a autonomia das mulheres, reduzir a mortalidade
infantil, melhorar a saúde materna, combater a AIDS e outras doenças contagiosas, promover
a sustentabilidade ambiental e estabelecer uma parceria mundial para o desenvolvimento1.
È visível na abordagem de Amartya Sen de desenvolvimento como liberdade, a
propagação desses fatores como requisitos dos indivíduos de obterem capacidade e assim
usufruírem de liberdade.
Esta proposta de promover o desenvolvimento é característica do Programa das
Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), órgão da ONU criado para tal finalidade e
que aborda atualmente o desenvolvimento humano através do Índice de Desenvolvimento
Humano, que foi instituído pelo economista paquistanês Mahbub ul Haq, em parceria de
Amartya Sen. O relatório do IDH visa buscar soluções para os países menos desenvolvidos,
através de discernimentos sociais, sendo que nestes a liberdade está inserida, em conjunto
com determinantes que envolvem saúde, educação e expectativa de vida. Desta forma, o
desenvolvimento vai além da perspectiva econômica, definida através do PIB, tornando-se
uma busca constante pela promoção do bem-estar social.
Amartya Sen nos mostra esta análise do desenvolvimento como liberdade, ele elabora
ideias que definem a liberdade como o meio e o fim do desenvolvimento, assim para este
economista o desenvolvimento decorre em atribuir capacidades às pessoas para realizarem as
1 Ver a Declaração Do Milênio em http://www.pnud.org.br/ (Consultado em 1 de novembro de 2013)
20
várias coisas que consideram valiosas de fazer ou ter, ao mesmo tempo exercendo a sua
condição de agente.
A tentativa de Amartya Sen de resgatar a moral para o discurso da economia com a
proposta da perspectiva normativa da capacitação é desenvolvida no capítulo a seguir. A base
da argumentação seniana é a sua luta contra a visão da economia do bem-estar tradicional,
cujo fundamento ético é o utilitarismo. Outros pontos a serem destacados referem-se à
interpretação errônea da racionalidade, que remetem a maximização de utilidades, as
comparações interpessoais e distributivas, assim como a preocupação em diferenciar a
condição de agente aos meios e aos fins do desenvolvimento humano.
Em aproximadamente cem páginas dos escritos “Sobre Ética e Economia” é possível
compreender porque Amartya Sen é um dos principais expositores do conceito do
desenvolvimento humano atual, sua linguagem nos remete a uma profunda análise da
economia do bem estar moderno e das necessidades de mudança para a promoção de uma
sociedade mais igualitária.
Esta obra é resultado das Conferências Rover realizadas na Universidade da
Califórnia, em Berkeley, 1986, e nela Sen discute como a economia moderna não leva em
consideração princípios morais, tão destacados na teoria e política desde Aristóteles. Para o
autor, a economia apresenta duas origens, ambas relacionadas com a política: uma provinda
da ética, e outra da engenharia e logística.
Para Sen Aristóteles já evidenciava sua preocupação associando a economia aos fins
humanos, porque mesmo a economia sendo o estudo da riqueza, esta deveria estar interligada
a outros estudos, como a ética e a filosofia política, assim ele diz que “a vida empenhada no
ganho é uma vida imposta, e evidentemente a riqueza não é o bem que buscamos, sendo ela
apenas útil no interesse de outra coisa” (SEN, 1999, p. 19). As razões que temos para
acumular riqueza estão na sua serventia como possibilidade de termos mais liberdade e assim
levar o tipo de vida que temos razão para valorizar.
Sen afirma que Aristóteles também questionava o “como devemos viver?” e associava
a economia à ética, assim o estudo da economia não estava ligado apenas à garantia da
riqueza, mas também da boa vida, da finalidade humana. Ele declarou que sobre a ideia de
“alcançar o bem para o homem” está à visão de que “ainda que valha a pena atingir esse fim
para um homem apenas, é mais admirável e mais divino atingi-lo para uma nação ou para
cidades-estados” (SEN, 1999, p. 20).
A partir destes conceitos Sen defende que a realização social relacionada à ética vai
além de satisfazer a eficiência, é necessária uma "avaliação inteiramente ética que adote uma
21
visão mais abrangente do bem” (SEN, 1999, p.20). Isto porque a importância da ética
diminuiu com o progresso da economia moderna, na qual as análises normativas não levam
em consideração a influência ética no comportamento humano.
Entretanto, Sen deixa claro que a abordagem não ética da economia tem seu valor,
porém ele “gostaria de mostrar que a economia, como ela emergiu, pode tornar-se mais
produtiva se der uma atenção maior e mais explicita às considerações éticas que moldam o
comportamento e o juízo humanos” (SEN, 1999, p.25).
A pobreza do julgamento normativo da economia moderna gera o afastamento entre a
ética e a economia, este argumento é sustentado por Sen devido à ênfase dada ao
comportamento individual. A “escolha racional” passa a ser base para o comportamento
humano real distanciando-se dos direitos essenciais para a vida, tanto que estes são vistos
apenas como instrumentos para gerar eficiência e bens.
Segundo Sen a racionalidade na economia pode ser diferenciada por duas formas: uma
é identificada a partir de escolhas realizadas em diferentes situações, comparando estas
escolhas entre diversas possibilidades de opções possíveis; enquanto na outra a racionalidade
é apresentada como a maximização do autointeresse. Primeiramente o critério utilitarista era
realizado através da soma total de utilidades criadas, para em seguida a utilidade ser realizada
por comparações interpessoais normativas ou éticas.
Com o desuso da abordagem ética as comparações interpessoais de utilidade
restringiram-se à Otimilidade de Pareto, pois “considera-se que um determinado estado social
atingiu um Ótimo de Pareto se e somente se for impossível aumentar a utilidade de uma
pessoa sem reduzir a utilidade de alguma outra pessoa” (SEN, 1999, p. 47).
O Ótimo de Pareto é usado como eficiência econômica, porém considera apenas a
utilidade. Entretanto, Sen aponta como limitado este enfoque, já que “um estado pode estar no
Ótimo de Pareto havendo algumas pessoas na miséria extrema e outras nadando em luxo,
desde que os miseráveis não possam melhorar suas condições sem reduzir o luxo dos ricos”
(SEN, 1999, p.48).
Em seu livro “Desenvolvimento como Liberdade”, Sen afirma que para compreender o
pressuposto utilitarista é necessário ir além das informações incluídas sob o que é a teoria, a
abordagem avaliatória deve levar em consideração as informações excluídas (SEN, 2010,
p.80). Uma vez que, o principio utilitarista priorize os aspectos da utilidade, por mais que
outros aspectos como o instrumental sejam considerados, a finalidade da teoria será a
utilidade.
22
Deste modo, excluem-se questões importantes como as liberdades, já que o
utilitarismo não considera a distribuição das utilidades, mas sim sua maximização, e segundo
Sen “tudo isso proporciona uma base informacional muito restrita, e essa insensibilidade
generalizada constitui uma limitação significativa da ética utilitarista” (SEN, 2010.p. 81).
Em seu livro “Utilitarianism and Beyond” (1982), Sen define o conceito de
utilitarismo:
What, in particular, is utilitarianism? We have already implicitly referred to the
point that it can be regarded as the intersection between two different kinds of
theory. One is a theory of the correct way to assess or assign value to states of
affairs, and it claims that the correct basis of assessment is welfare, satisfaction, or
people getting what they prefer. This theory, one component of utilitarianism, has
been called welfarism. The other component is a theory of correct action, which
claims that actions are to be chosen on the basis of the states of affairs which are their consequences: this has been called consequentialism. Utilitarianism, in its
central forms, recommends a choice of actions on the basis of consequences, and an
assessment of consequences in terms of welfare. Utilitarianism is thus a species of
welfarist consequentalism- that particular form of it which requires simply adding
up individual welfares or utilities to assess the consequences, a property that is
sometimes called sum-ranking. (SEN, WILLIANS, 1982, p.3,4).
A junção destes três elementos delibera a abordagem utilitarista clássica, “nessa versão
utilitarista, define-se injustiça como uma perda agregada de utilidade em comparação com o
que poderia ter sido obtido” (SEN, 2010.p. 85). Ou seja, no utilitarismo uma sociedade injusta
é aquela em que as pessoas são menos felizes.
Nesta proposição o bem-estar pode ser caracterizado por três vertentes da utilidade:
felicidade, desejo e escolha.
A escolha é a possibilidade que a pessoa tem de optar entre uma gama de alternativas,
essa hipótese não oferece comparações interpessoais, já que a escolha das pessoas, além de
poder ser guiada por motivações diferentes uma das outras, não é determinada apenas pelo
bem-estar individual.
A felicidade e o desejo como medidas de utilidades são limitadas, pois dependem de
um estado mental. A felicidade nem sempre representa uma maximização do interesse
individual, isto porque o bem-estar de uma sociedade é sinônimo de felicidade para
determinadas pessoas, superior ao bem estar individual. Como exemplo, Sen (2010) presume
que se um indivíduo que luta pela independência de seu país e consegue alcançá-la, a
principal realização deste ato será a independência, a felicidade será apenas uma
consequência, assim esta conquista não tem um caráter individual, mas sim coletivo.
23
Outra crítica realizada por Sen é a limitação do “welfarismo” ao julgar o bem-estar
através da medição de felicidade. Assim uma pessoa que teve uma vida na pobreza, com
poucas oportunidades, se conforma mais facilmente com as privações da vida, do que outras
que foram criadas na riqueza.
É visível a influência constante das circunstancias sob a medida de utilidade, portanto,
a utilidade não pode unicamente representar o bem-estar, já que, o bem-estar não é a única
coisa valiosa para a pessoa. Do mesmo modo, uma pessoa deseja determinada coisa porque
esta tem valor para ela, mas o que é valorizado por uma pessoa pode ser insignificante para
outra, assim como o que satisfaz uma pessoa pobre é diferente do que contenta um rico.
O cálculo de utilidades pode ser demasiado injusto com aqueles que são
persistentemente destituídos: por exemplo, os pobres-diabos usuais em sociedades
estratificadas, as minorias perpetuamente oprimidas em comunidades intolerantes,
os meeiros em propriedades agrícolas – tradicionalmente em situação de trabalho precária, vivendo em um mundo de incerteza – os empregados exauridos por seu
trabalho diário em sweatshops (estabelecimentos que remuneram pessimamente e
exigem demasiadas horas de trabalho), as donas de casa submissas ao extremo em
culturas dominadas pelo machismo. Os destituídos tendem a conformar-se com sua
privação pela pura necessidade de sobrevivência e podem, em consequência, não ter
coragem de exigir alguma mudança radical, chegando mesmo a ajustar seus desejos
e expectativas àquilo que sem nenhuma ambição consideram exequível. (SEN,
2010.p. 89).
A teoria moderna da utilidade deixa de lado sua realização através do prazer ou desejo,
intitulando-se como uma “representação numérica da escolha de uma pessoa” (SEN, 2010.p.
95). Tal modificação ocorreu devido à critica que foi realizada a esse argumento na qual se
colocava que a comparação entre mentes de diferentes pessoas é impossível, assim hoje “a
utilidades nada mais é do que a representação da preferência de uma pessoa” (SEN,
2010.p.95). Este novo enfoque dado ao utilitarismo, também não permite comparações,
devido à diversidade humana, tanto que esta “figura entre as dificuldades que limitam a
serventia das comparações de renda real, para julgar as vantagens respectivas de pessoas
diferentes” (SEN, 2010.p.98).
Estes problemas na métrica de utilidade demonstram a necessidade de se compreender
a pobreza através da privação real da pessoa, e não apenas pela reação mental que ela
apresenta diante de alguma privação.
A partir deste pressuposto, Sen constrói sua teoria, na qual objetiva substituir os
valores utilitários por uma base informativa que permita realizar exercícios avaliativos das
necessidades reais das pessoas salientando o uso de métodos objetivos ao invés do subjetivo.
No próximo capítulo expõem-se as principais ideias de Sen neste campo de estudo.
24
2.1 Desenvolvimento como liberdade
2.1.1 As privações e as expansões de liberdade na teoria de Amartya
Sen
Após a análise do conceito de desenvolvimento é possível perceber sua consideração
atual em relação à finalidade humana e à ideia de que só é possível consegui-lo através do
enfoque na liberdade. Os principais argumentos apresentados neste item derivam-se do livro
“Desenvolvimento como Liberdade” de Amartya Sen (2010), fundamentado nas cinco
conferências que o autor proferiu como membro da presidência do Banco Mundial em 1996,
material que conjunto com outras obras complementam e até mesmo reproduzem de forma
igualitária sua visão de liberdade.
Sen (2010) introduz seu pensamento mostrando que a globalização possibilitou a
ligação entre diferentes regiões, tanto no âmbito do comércio e a comunicação, quanto na
propagação de ideias, porém o mundo é composto de privações e problemas sociais.
No século XX estabeleceram-se o regime democrático, o conceito de Direitos
Humanos e a liberdade política. No livro “As pessoas em Primeiro Lugar: a Ética do
Desenvolvimento e os Problemas do Mundo Globalizado” escrito em parceria com Bernardo
Kliksberg, (2010, p.23), Sen afirma que a economia global tem gerado prosperidade em
muitas áreas remotas onde a pobreza dominava até então, porém não é possível reverter à
pobreza do mundo impedindo o acesso dos mais pobres a fontes de tecnologia, ao comércio e
a uma sociedade aberta.
“Na verdade, o ponto central é como fazer um bom uso dos formidáveis benefícios do
intercurso econômico e do progresso tecnológico de maneira a atender de forma adequada aos
interesses dos destituídos e desfavorecidos” (SEN, 2010, p.23)
O principal desafio à globalização está na desigualdade representada pelas
disparidades de riqueza, poder e oportunidades políticas, sociais e econômicas. “A questão
não é somente se os pobres também ganham alguma coisa com a globalização, mas se nela
25
eles participam equitativamente e dela recebem oportunidades justas” (SEN, KLIKSBERG,
2010.p.32).
Vivemos igualmente em um mundo de privação, destituição e opressão
extraordinárias. Existem problemas novos convivendo com os antigos – a
persistência da pobreza e de necessidades essenciais não satisfeitas, fomes coletivas
e fomes crônicas muito disseminadas, violação de liberdades políticas elementares e
de liberdades formais básicas, ampla negligencia diante dos interesses e da condição
de agente das mulheres e ameaças cada vez mais graves ao nosso meio ambiente e à
sustentabilidade de nossa vida econômica e social. (SEN, 2010.p. 9).
Superar tais problemas sociais faz parte do processo de desenvolvimento, Sen busca
demonstrar a importância do papel das diferentes formas de liberdade no combate a esses
males. Para ele “o desenvolvimento pode ser visto como um processo de expansão das
liberdades reais que as pessoas desfrutam” (SEN, 2010.p. 16). A promoção desta liberdade
necessita de fatores já evidenciados pelo conceito de desenvolvimento tradicional, como
crescimento do PNB, aumento das rendas pessoais, industrialização, avanço tecnológico e
modernização social. Mas as liberdades dependem principalmente de outros determinantes
vinculados ao desenvolvimento humano, como educação, saúde, direitos civis e participação
política.
Quanto ao fato da renda servir de medida ao desenvolvimento, Sen afirma que a
riqueza não oferece a possibilidade de se viver para sempre, mas de viver bem, com uma vida
longa e boa, sem miséria e com liberdades, motivos desejados por todos. O autor inicia sua
definição da perspectiva da liberdade, a partir de uma questão fundamental ao conceito de
desenvolvimento, a diferença entre uma concentração econômica e a vida que podemos levar.
Uma concepção correta de desenvolvimento deve ir além da acumulação da riqueza
demonstrada através de indicadores de renda, “o desenvolvimento tem de estar relacionado
sobre tudo com a melhora da vida que levamos e das liberdades que desfrutamos” (SEN,
2010.p.29).
As crises econômicas, cada vez mais constantes no cenário atual, acarretam ainda mais
as privações de liberdade no mundo. Essas privações são definidas por Sen nos países pobres
como: as fomes coletivas e subnutrição, escassez de saneamento básico e água tratada, que
geram doenças e mortes desnecessárias. Enquanto que nos países mais ricos há carência de
serviços públicos, como saúde, educação, emprego e segurança econômica e social. Além
disso, em determinadas culturas há desigualdade entre homens e mulheres, e a privação da
liberdade política e dos direitos civis básicos.
26
“O papel da renda e da riqueza – ainda que seja importantíssimo, juntamente com
outras influências – tem de ser integrado a um quadro mais amplo e completo de êxito e
privação” (SEN, 2010.p. 35). Para o autor, é impossível negar que a privação de capacidades
se dá pela falta de renda, visto que a falta de renda ocasiona péssimas condições de educação,
saúde, alimentação, ao mesmo tempo em que melhores condições desses fatores ajudam na
manutenção de rendas elevadas.
Todavia, a pobreza não é apenas falta de renda, mas privação das capacidades básicas,
por exemplo, Sen (2010) cita o caso do desemprego em algumas regiões da Europa, vivido no
passado, mas que atualmente aflige os países em crise da União Europeia. Tal fenômeno não
provoca apenas a destituição de renda que é suprida com o seguro desemprego, mas, o
individuo desempregado perde a liberdade e habilidade, sendo até mesmo vitima de exclusão
social.
Outra incidência destacada por Sen em países desenvolvidos é a existência de
privações maiores para determinados grupos, como no caso dos negros no EUA que têm uma
expectativa de vida menor à de moradores de países do terceiro mundo como a Jamaica,
porém, estes mesmos negros possuem uma renda per capita maior que os habitantes destes
países subdesenvolvidos.
As influências causais desses contrastes entre os padrões de vida julgados segundo a
renda per capita e os julgados segundo o potencial para sobreviver até idades mais
avançadas, incluem disposições sociais e comunitárias como cobertura médica, serviços de saúde públicos, educação escolar, lei e ordem, prevalência da violência.
(SEN, 2010.p.39).
A partir desta perspectiva de liberdade evidencia-se uma preocupação de Sen (2010)
com a qualidade de vida, portanto, o desenvolvimento almejado, envolve a liberdade dos
indivíduos e dos elementos que a constituem. A expansão das “capacidades” das pessoas
permite que elas possam levar o tipo de vida que elas valorizam. Essa capacidade pode ser
ampliada através de políticas públicas ao mesmo tempo em que ações dessas políticas podem
ser influenciadas pelo uso efetivo das capacidades participativas do povo. Este processo é
caracterizado por Sen como uma “relação de mão dupla”.
O desenvolvimento como liberdade, pode ser definido a partir da constituição da
liberdade em fonte promotora do desenvolvimento e, devido a isso, Sen não especifica uma
lista de instrumentos que deliberam seu objetivo.
27
O desenvolvimento requer que se removam as principais fontes de privação de
liberdade: pobreza e tirania, carência de oportunidades econômicas e destituição
social sistemática, negligência de serviços públicos e intolerância ou interferência
excessiva de Estados repressivos (SEN, 2010. p. 16).
De acordo com o exposto acima é possível afirmar que no mundo contemporâneo
grande parte da população sofre privações de liberdades, estas são caracterizadas por Sen
como liberdades substantivas.
As liberdades substantivas incluem capacidades elementares como, por exemplo, ter
condições de evitar privações como a fome, a subnutrição, a morbidez evitável a
morte prematura, bem como as liberdades associadas a saber ler e fazer cálculos
aritméticos, ter participação política e liberdade de expressão etc. (SEN, 2010.p.55).
A eliminação de privações de liberdades substanciais é constitutiva ao
desenvolvimento, “ver o desenvolvimento como expansão das liberdades substantivas dirige
atenção para os fins que o tornam importante, em vez de restringi-la a alguns dos meios que,
interalia, desempenham um papel relevante no processo” (SEN, 2010.p. 16).
A restrição de ter de supor o comportamento autointeressado pode ser removida se
nossa preocupação principal for as liberdades substantivas que as pessoas desfrutam
(independentemente do propósito com que elas usam essas liberdades) e não o grau
em que seu autointeresse é satisfeito (por meio de seu próprio comportamento
autointeressado). (SEN, 2010.p.159).
Segundo Sen (2010, p. 17) a liberdade é fundamental para o processo de
desenvolvimento, já que o promove por duas razões: a avaliatória na qual é possível avaliar se
houve a expansão das liberdades das pessoas; e a razão da eficácia, em que a concretização do
desenvolvimento depende da condição de agente das pessoas.
Em “Sobre Ética na Economia” Sen expõe este conceito de tal modo que
Primeiro, precisamos distinguir entre o “aspecto do bem-estar”(well-being aspect) e
o “aspecto da condição de agente” (agency aspect) de uma pessoa. O primeiro abrange as realizações e oportunidades do indivíduo no contexto de sua vantagem
pessoal, enquanto o segundo vai além e examina as realizações e oportunidades
também em termos de outros objetivos e valores, possivelmente extrapolando a
busca do bem-estar do próprio indivíduo (SEN, 1999, p.57)
A posição avaliatória difere de abordagens normativas tradicionais como utilidade ou
renda real, o valor da liberdade está além da promoção da liberdade global da pessoa, lhe
oferece oportunidades e resultados. Enquanto que “ter mais liberdade melhora o potencial das
28
pessoas para cuidar de si mesmas e para influenciar o mundo, questões centrais para o
processo de desenvolvimento” (SEN, 2010.p. 33).
Desta maneira a liberdade permite ampliar a capacidade individual, a eficácia social e
a condição de agente, ter mais liberdade para fazer o que é valorizado possibilita o alcance da
liberdade global das pessoas, favorecendo a oportunidade de resultados positivos, e assim
motivando o desenvolvimento.
A capacidade de uma pessoa é formada pelas combinações de funcionamentos, a
capacidade é um tipo de liberdade, a liberdade para escolher o modo como viver. Sen (2010)
expõe o caso em que uma pessoa faz jejum, ela passa fome porque quer, é sua opção, do
mesmo modo, que há pessoas que passam fome, por necessidade, e não por escolha.
“Enquanto a combinação dos funcionamentos de uma pessoa reflete suas realizações efetivas,
o conjunto capacitário representa a liberdade para realizar as combinações alternativas de
funcionamentos dentre as quais a pessoa pode escolher” (SEN, 2010.p.105).
Essa variação de funcionamentos amplia o leque avaliatório, já que não é possível
saber qual o real peso de cada capacidade, pois o bem-estar individual se diferencia da
qualidade de vida geral. Os funcionamentos representam parte do estado de uma pessoa, como
ela escolhe viver ou o que escolhe fazer.
“Diferentes tipos de contingencias acarretam variações sistemáticas na “conversão”
das rendas nos “funcionamentos” distintos que podemos realizar, e isso afeta os estilos de
vida que podemos ter” (SEN, 2010.p.148).
Segundo Sen (2010) para compreender a relação entre desenvolvimento e liberdade é
necessário apreender a eficácia instrumental de liberdades especificas na promoção de
liberdades de outros tipos, e como essas condições de liberdades se inter-relacionam.
“As liberdades não são apenas os fins primordiais do desenvolvimento, mas também
os meios principais” (SEN, 2010.p. 25). De tal modo que uma forma de liberdade está
relacionada a outra e a realização de uma é necessária para a realização da outra, por exemplo,
a liberdade política promove a liberdade econômica e a liberdade econômica ajuda a
promover a segurança econômica, oportunidades sociais facilitam a participação econômica, e
a facilidade econômica ajuda a gerar recursos para os serviços sociais. Assim, uma liberdade
fortalece a outra. “Com oportunidades sociais adequadas, os indivíduos podem efetivamente
moldar seu próprio destino e ajudar uns aos outros” (SEN, 2010.p.26).
Portanto, é possível constatar que a eficácia da liberdade refere-se ao meio e não
apenas ao fim do desenvolvimento. “A eficácia da liberdade como instrumento reside no fato
de que diferentes tipos de liberdade apresentam inter-relação entre si, e um tipo de liberdade
29
pode contribuir imensamente para promover liberdades de outros tipos”. (SEN, 2010. p.57). O
desenvolvimento como um processo de expansão das liberdades reais que as pessoas
desfrutam, é considerado como: 1) o fim primordial, no qual possui papel constitutivo e
importância na liberdade constitutiva; e 2) como meio do desenvolvimento, papel
instrumental (SEN, 2010, p. 54).
Por isso, Sen (2010) ressalta também a importância das liberdades instrumentais na
contribuição para as pessoas viverem livremente. Sen compete às instituições cinco tipos de
liberdades instrumentais: 1)liberdades políticas; 2) facilidades econômicas; 3) oportunidades
sociais; 4) garantia de transparência e 5)segurança protetora. Estas em conjunto promovem a
capacidade geral de uma pessoa, bem como se complementam. É possível defini-las como:
1) Liberdades políticas: oportunidades que as pessoas têm para determinar quem deve
governar, liberdade de fiscalização, de direitos democráticos (como ao voto, a diálogos e
critica política), liberdade de expressão, imprensa livre, etc.
2) Facilidades econômicas: são as oportunidades que as pessoas possuem de utilizar os
recursos econômicos para consumo, produção ou troca. “À medida que o processo de
desenvolvimento econômico aumenta a renda e a riqueza de um país, estas refletem no
correspondente aumento de intitulamentos econômicos da população” (SEN, 2010, p. 59).
3) Oportunidades sociais: é o que a sociedade oferece nas áreas de educação, saúde
etc. Tais condições merecem importância no aumento da expectativa de vida das pessoas,
como boa saúde evita morte prematura, e qualidade de educação permite a participação em
atividades econômicas e políticas.
4) Garantias de transparência: são as possibilidades de confiança que a sociedade
oferece, ou seja, uma pessoa poder confiar na outra. Essa garantia possui um papel
instrumental, pois quando a pessoa tem a liberdade de ser clara, sincera, uma com a outra,
pode-se evitar a corrupção, irresponsabilidade financeira e transações ilícitas.
5) Segurança protetora: oferece a segurança social, quando o sistema econômico está
vulnerável ou em outras condições, como exemplo, visa diminuir a miséria, através de meios
institucionais fixos, como benefícios aos desempregados e indigentes, e medidas Ad Hoc,
para distribuição de alimentos em situações de fome coletiva.
Estes modelos de liberdade estão interligados e proporcionam a ampliação das
capacidades das pessoas. No decorrer deste estudo desenvolvem-se as principais observações
de Sen acerca deste tema, bem como dos elementos vistos até o momento, que constituem
formas de privação de liberdade, possibilitando uma compreensão específica de como cada
30
liberdade substancial é primazia no processo de desenvolvimento idealizado pelo Economista
indiano.
2.1.2 A condição de agente no processo de desenvolvimento
Complementar a definição de racionalidade a partir de escolhas realizadas em
diferentes situações é a alusiva de Sen à condição de agente. Esta merece uma importância
maior em termos de bem-estar, porque, “uma pessoa pode dar valor à promoção de
determinadas causas e à ocorrência de certos eventos mesmo que a importância atribuída a
esses fatos não se relacione com uma melhora em seu próprio bem-estar” (SEN, 1999, P.57).
Deste modo, pode-se “contestar a ideia de que a utilidade e não alguma outra condição é o
que melhor representa o bem-estar pessoal” (SEN, 1999, p.57).
Assim que removemos a camisa-de-força do autointeresse, torna-se possível
reconhecer o fato inquestionável de que a condição de agente de uma pessoa pode
muito bem orientar-se para considerações que não são abrangidas ou pelo menos não
são totalmente abrangidas por seu próprio bem-estar. (SEN, 1999.p.57).
O papel do agente vai além da busca do bem-estar pessoal e, apesar de não haver
nenhuma contradição na existência da condição de agente com o bem-estar individual, Sen
enfatiza que os dois não são a mesma coisa e por isso não devem estar atrelados, já que o
aspecto do bem estar abrange realizações e oportunidades do individuo no contexto de sua
vantagem pessoal, enquanto que o aspecto da condição de agente examina as realizações e
oportunidades indo além da busca do bem-estar individual.
Podemos ver a pessoa em termos de sua condição de agente (agency), reconhecendo
e respeitando sua capacidade para estabelecer objetivos, comprometimentos
(commitments), valores, etc, e também podemos ver essa pessoa em termos de bem-
estar (well –being), o que igualmente requer atenção. (SEN, 2010, p.57).
O termo agente é definido por Sen como “alguém que age e ocasiona mudança e cujas
realizações podem ser julgadas de acordo com seus próprios valores e objetivos,
independentemente de as avaliarmos ou não também segundo algum critério externo” (SEN,
2010, p.34). Este “agente” atua como membro público e como participante de ações
econômicas, sociais e políticas.
31
O bem-estar como condição de agente é representado pela liberdade que a pessoa tem
de realizar aquilo que deseja. Sen afirma ainda que a vantagem de uma pessoa, em termos de
bem-estar, é representada pela liberdade que ela tem e não pelo que ela realiza. “Esse tipo de
consideração nos conduzirá em direção aos direitos, liberdades e oportunidades reais” (SEN,
2010, p.64).
O bem-estar deve ser relacionado à distribuição de renda, injustiça econômica e
condição de agente. Esta condição de agente é uma visão mais abrangente da pessoa porque
leva em consideração a “valorização de várias coisas que ela gostaria que acontecessem e a
capacidade de formar esses objetivos e realiza-los” (SEN, 1999, p.75).
Há inter-relações distintas entre os diversos tipos de liberdade que influenciam no
desenvolvimento, a condição de agente livre e sustentável mantém o desenvolvimento porque
“a livre condição de agente não só é, em si, uma parte “constitutiva” do desenvolvimento, mas
também contribui para fortalecer outros tipos de condições de agentes livres” (SEN, 1999,
p.56).
Para combater os problemas sociais é necessário considerar a liberdade individual
como um comprometimento social.
A expansão da liberdade é vista, por essa abordagem, como o principal fim e o principal meio do desenvolvimento. O desenvolvimento consiste na eliminação de
privações de liberdade que limitam as escolhas e as oportunidades das pessoas de
exercer ponderadamente sua condição de agente (SEN, 2010, p. 10).
A condição de agente faz parte da eficácia do processo de desenvolvimento já que, a
liberdade dada ao agente melhora o potencial das pessoas para cuidar de si mesmas e para
influenciar o mundo, questões centrais nesse processo. Deste modo, as pessoas só atingirão
um nível de desenvolvimento elevado quando compreenderem que grande parte dos
problemas que sofrem no seu cotidiano encontra solução em suas próprias ações, já que elas
são responsáveis por sua evolução pessoal e coletiva.
No aspecto do desenvolvimento como liberdade Sen considera que as pessoas devem
ser vistas como constantemente inseridas na adequação de seu próprio destino, e neste
contexto o Estado e a sociedade possuem um papel de evidência no fortalecimento e amparo
das capacidades humanas2. Em conjunto a esta visão, a condição de agente, em Sen, demanda
que a pessoa seja inserida na sociedade e esteja comprometida com a mesma.
2 este enfoque será sustentado no capítulo próximo.
32
CAPÍTULO III
3 O PAPEL DO LIVRE MERCADO E DAS INSTITUIÇÕES
Não é da benevolência do açougueiro, cervejeiro ou do padeiro que esperamos obter
o nosso jantar, e sim da atenção que cada qual dá ao próprio interesse. Apelamos
não à sua humanidade, mas ao seu amor-próprio, e nunca lhes falamos das nossas
necessidades, e sim de seus interesses. (SMITH, 1776, p.26-27)
Segundo Amartya Sen muitos teóricos que desenvolveram o pensamento de Adam
Smith não passaram apenas da questão colocada na citação acima, ele nega que a mesma faça
referência ao egoísmo humano, e supõe sua abordagem às transações do livre mercado. Sen
menciona este julgamento em todas as suas obras referidas neste estudo, por isso, a
importância de compreender a influência de Smith no seu pensamento.
A interpretação errônea da postura complexa de Smith com respeito à motivação e
aos mercados e o descaso por sua análise ética dos sentimentos e do comportamento
refletem o quanto a economia se distanciou da ética com o desenvolvimento da
economia moderna. (SEN, 1999, p.43)
No livro “Teoria dos Sentimentos Morais”, Adam Smith menciona que:
o homem, segundo os estoicos, deve considerar-se não separado e desvinculado, mas
um cidadão do mundo, um membro da vasta comunidade da natureza” e “no
interesse dessa grande comunidade, ele deve em todos os momentos estar disposto ao sacrifício do seu mesquinho auto-interesse. (SMITH apud SEN, 2010, p 39).
Sen ressalta a defesa da simpatia e prudência em Smith como formadoras do bom
comportamento, assim como o desenvolvimento da perspectiva da capacitação e dos
elementos éticos filosóficos que sustentam a sua argumentação.
Analisando as obras “A riqueza das nações” (1989) e “Teoria dos sentimentos morais”
(1999), Sen afirma que o conceito de desenvolvimento de Smith, era voltado para o bem-
estar, e que os esforços individuais e a capacitação ampliada pelo Estado eram colocados
como necessários ao bem-estar coletivo. Smith foi para Sen o primeiro pensador a considerar
a riqueza, não como bem individual, mas como “pujança da nação”, suscitando o bem estar
geral.
33
No quinto capítulo, de “Desenvolvimento como Liberdade” (SEN, 2010, p.150),
titulado “Mercados, Estado e Oportunidades” Sen assegura que o mercado contribui para
elevar o crescimento econômico. “Como observou Adam Smith, a liberdade de troca e
transação é ela própria uma parte essencial das liberdades básicas que as pessoas têm razão
para valorizar” (SEN, 2010, p.20).
A liberdade do comércio ou da troca pode ser considerada como parte do modo como
as pessoas interagem na sociedade. A liberdade de participar do mercado promove o
desenvolvimento, por isso a falta de acesso ao mercado de trabalho, ou a mercadorias (como
no caso das pessoas que vivem em áreas distantes) acaba privando ou excluindo das
sociedades alguns setores da população.
Portanto, “a privação de liberdade econômica pode gerar a privação de liberdade
social, assim como a privação de liberdade social ou política pode, da mesma forma, gerar a
privação de liberdade econômica” (SEN, 2010, p. 23). Deste modo, define-se o papel dos
mercados no processo de desenvolvimento que contribui para o crescimento e progresso
econômico.
E assim,
A contribuição do mecanismo de mercado para o crescimento econômico é obviamente importante, mas vêm depois do reconhecimento da importância direta
da liberdade de troca – de palavras, bens, presentes. (SEN, 2010, p. 20).
A negação de oportunidades de transações econômicas é uma forma de privação de
liberdade, uma vez que todas as pessoas possuem a necessidade de troca e transação. No
entanto, como já evidenciado anteriormente, Sen não é a favor do argumento no qual apenas
os mercados expandem a renda, a riqueza e as oportunidades econômicas das pessoas.
Sen enfatiza a importância da liberdade das pessoas agir como desejam ao decidir
onde trabalhar, o que produzir, o que consumir etc.
O mercado de trabalho pode ser libertador em muitos contextos diferentes, e a
liberdade básica de transação pode ter uma importância crucial, independentemente
do que o mecanismo de mercado vier ou não a realizar no que se refere a rendas,
utilidades ou outros resultados. (SEN, 2010.p.156).
O foco do mercado deve ser avaliado de acordo com as utilidades que ele possui, e
com os resultados que ele permite alcançar, já que ele promove a possibilidade de escolher
um emprego. Temos boas razões para comprar e vender, para trocar e para buscar um tipo de
34
vida que possa prosperar com base nas transações. “Negar essa liberdade seria, em si, uma
grande falha da sociedade” (SEN, 2010, p. 151).
No entanto, ele também destaca deficiências no modelo de mercado liberal,
visualizadas nos trabalhos adstritos, trabalho infantil e a proibição do trabalho da mulher fora
de casa, tais casos são visíveis em diversas culturas, e principalmente em países
subdesenvolvidos. “Vale a pena considerar simultaneamente a eficiência por meio da
liberdade do mecanismo de mercado, de um lado, e a gravidade dos problemas de
desigualdade de liberdade, de outro” (SEN, 2010, p.160).
O mercado faz parte das instituições vitais para o processo de desenvolvimento,
complementar a ele estão os governos locais, partidos políticos, sistema educacional, mídia e
meios de comunicação.
Do mesmo modo que valores sociais e costumes influenciam as liberdades que as
pessoas desfrutam, as normas comuns interferem em questões como igualdade entre os sexos,
tamanho da família, padrões de fecundidade, cuidado com o meio ambiente. “Os valores
prevalecentes e os costumes sociais também respondem pela presença ou ausência de
corrupção e pelo papel da confiança nas relações econômicas, sociais ou políticas” (SEN,
2010, p. 23, 24).
O desenvolvimento requer uma abordagem múltipla, tal consciência está em destaque
recentemente devido às dificuldades enfrentadas por muitos países. Alguns Estados levaram
em consideração apenas políticas de aspecto liberal como reformas econômicas, que foram
realizadas principalmente em países em desenvolvimento, deixando de lado o investimento
em políticas públicas. Atualmente ocorre nas ações do Estado a necessidade de equilibrar o
seu papel com outras instituições políticas e sociais assim como com o funcionamento do
mercado.
Essa visão de “estrutura de desenvolvimento ampla” é fruto do Banco Mundial, no
qual,
combinar o uso extensivo dos mercados com o desenvolvimento de oportunidades
sociais deve ser visto como parte de uma abordagem ainda mais ampla que também
enfatiza liberdades de outros tipos (direitos democráticos, garantias de segurança,
oportunidades de cooperação, etc.). (SEN, 2010.p.170).
Porém, a base racional do mecanismo de mercado está voltada para os bens privados, e
não para os bens públicos, é necessária a percepção de que o fornecimento de bens públicos
35
vai além do que os mercados privados podem promover. Assim há necessidade de utilizar os
bens públicos para prover as necessidades das capacidades básicas como saúde e educação.
Entretanto devido ao elevado gasto na promoção do desenvolvimento social, os
governos, principalmente dos países mais pobres, optam por investir na estrutura do mercado,
já que a maior parte dessas economias apresenta um ônus fiscal elevado do gasto público,
com déficits orçamentários e inflação alta. Esta instabilidade macroeconômica dificulta ainda
mais tais investimentos.
Por isso, Sen ressalta a importância de políticas públicas que tragam resultados. Em
determinados casos o governo tem um elevado gasto com programas sociais, (como a Bolsa
Família no Brasil), mas ele não promove a capacidade individual da pessoa em busca da
melhoria de sua capacitação, ele apenas lhe aufere renda.
Esse tipo de incentivos direcionados apenas para a renda persiste em privar as
capacidades básicas, visto que, o enfoque da privação de capacidades apresenta algumas
vantagens por prevenir distorções de incentivo em comparação com o baixo nível de renda
como critério de transferências de subsídios. Um exemplo disso é o caso dos pais que deixam
os filhos passarem fome para assim receber auxílio alimentação.
E nesse contexto, permanecem outras características que definem a capacidade além
da renda, por exemplo, a velhice ou a incapacidade física, as pessoas que sofrem essas
privações requerem uma maior atenção. Ao receber qualidade de vida como saúde, educação,
emprego ao invés de renda, os beneficiários tendem a valorizar e fazer melhor uso do que
recebem. Concomitantemente é necessário ampliar através de políticas públicas as
oportunidades de obtenção de renda para que as pessoas as consigam através do seu próprio
esforço. Tais ações permitem “que se atinja mais facilmente o público-alvo, reduzindo a
margem para distorções de incentivos” (SEN, 2010.p.178).
As políticas públicas para promover o aumento das capacidades humanas e das
liberdades substantivas funcionam através da promoção destas liberdades distintas, porém
interligadas. As oportunidades dependem das instituições, já que estas contribuem para o
desenvolvimento das liberdades.
As realizações globais do mundo dependem intensamente das disposições políticas e
sociais. O mercado oferece grandes oportunidades que podem ser compartilhadas como
educação, saúde ou agricultura. Mas, este resultado de eficiência que o mercado gera não
garante sozinho a equidade distributiva. “Os abrangentes poderes do mecanismo de mercado
têm de ser suplementados com a criação de oportunidades sociais básicas para a equidade da
justiça social” (SEN, 2010, p.190).
36
Nos países em desenvolvimento é evidente a necessidade de iniciativas de políticas
públicas na criação de oportunidades, os países hoje considerados desenvolvidos passaram
por este processo. O desenvolvimento humano e dos recursos humanos, além de melhorar a
qualidade de vida de forma direta, melhora também as habilidades produtivas das pessoas, e
assim o crescimento econômico.
Portanto, para Sen (2010), a consciência financeira pode direcionar o desenvolvimento
humano por meios mais produtivos, do mesmo modo, em que o comedimento financeiro que
ameaça o uso dos recursos públicos deveria ser examinado, pois há diversas políticas públicas
que não são claras.
Afinal, para Sen o crescimento econômico auxilia não apenas no aumento da renda
privada, mas possibilita ao Estado financiar a seguridade social e “a criação de oportunidades
sociais como educação pública, serviços de saúde e desenvolvimento de uma imprensa livre e
ativa pode contribuir para o desenvolvimento econômico e para uma redução significativa da
taxa de natalidade” (SEN, 2010, p. 61). Além do Estado é necessário também o
reconhecimento de outras instituições e agentes como responsáveis de promover
oportunidades aos indivíduos.
O comprometimento social com a liberdade individual obviamente não precisa atuar apenas por meio do Estado, deve envolver também outras instituições; organizações
políticas e sociais, disposições de bases comunitárias, instituições não
governamentais de vários tipos, a mídia e outros meios de comunicação e
entendimento público, bem como as instituições que permitam o funcionamento de
mercados e relações contratuais. (SEN, 2010.p.362).
3.1 Insuficiência de liberdades substantivas
Na verdade, o fato mais marcante é o de que, com muita frequência, as mesmas
pessoas que são pobres em termos de riqueza material sofrem também de
analfabetismo, trabalham duramente sob condições terríveis, não têm poder político,
não têm acesso a advogado e são chutadas pela polícia. A linha divisória entre “os
que têm” e “os que não têm” não é apenas um clichê retórico ou slogan eloquente,
mas sim, infelizmente, uma característica substancial do mundo em que vivemos. (SEN, 2010, p.37)
A baixa renda gera privação de capacidades, já que a relação entre renda e capacidade
é afetada por determinados fatores já expostos como: idade da pessoa, seu papel sexual e
social, sua localização e condições epidemiológicas desse lugar, e outras variáveis que
37
dificilmente podem ser controladas. “A pobreza deve ser vista como privação de capacidades
básicas em vez de meramente como baixo nível de renda, que é o critério tradicional de
identificação da pobreza” (SEN, 2010, p.120).
Igualmente, há uma desvantagem na relação entre privação de renda e a conversão da
renda em funcionamentos, por exemplo, os idosos encontram maiores dificuldades em
converter renda em capacidade. Além disso, a distribuição de renda dentro da família tem
grande influência, como no caso de determinadas regiões que priorizam a distribuição de
renda para os homens, ao invés das mulheres. Assim, a privação relativa de renda pode
resultar em privação absoluta de capacidade.
Por exemplo, dar uma fatia maior de renda a uma pessoa que tem mais necessidades
– digamos, devido a uma incapacidade – pode ser visto como contrário ao princípio
de igualar as rendas, mas isso não contesta os preceitos mais amplos da igualdade
econômica, uma vez que a maior necessidade de recursos econômicos devido à incapacidade deve ser levada em conta ao julgarem-se os requisitos da igualdade
econômica. (SEN, 2010, p.146).
Para Sen, há uma ligação entre renda e pobreza, enquanto que a renda é um meio para
obter as capacidades, exercer as capacidades se torna uma forma de gerar renda. Tanto que,
elevados índices de saúde e educação ampliam a possibilidade da pessoa auferir renda, e
reduzir a pobreza.
A pobreza é a privação da vida que as pessoas podem levar e das liberdades que elas
realmente possuem. A expansão da capacidade humana insere-se nessa consideração,
influenciando também a produtividade e a renda.
Outras carências geradas pela pobreza e destacadas em todas as obras de Amartya Sen
são a fome coletiva e a subnutrição. Tais situações poderiam ser eliminadas através de
medidas políticas, sociais e econômicas. Para SEN (2010), estes dois “malefícios” são
suscitados por toda a estrutura econômica e social e não apenas pela falta de produção de
alimentos ou atividades agrícolas.
“Contudo, os incentivos econômicos, por mais importantes que sejam, não substituem
os incentivos políticos, e a ausência de um sistema adequado de incentivos políticos é uma
lacuna que não pode ser preenchida pela operação de estímulos econômicos (SEN, 2010.
p.241).
Além dos males causadores da fome, Sen enfatiza em seu discurso a péssima
qualidade da saúde que leva à morte prematura de crianças ou até mesmo de adultos por
vários motivos: à falta de acesso ao tratamento de doenças curáveis; pela falta de hospitais,
38
médicos, investimentos em saúde; ou por situações associadas à falta de água potável e
tratamento de esgoto.
A saúde está entre as mais importantes condições da vida humana e é um
constituinte criticamente significativo das capacidades humanas que temos razões
para valorizar. Qualquer concepção de justiça social que aceite a necessidade de uma
distribuição equitativa e também de uma exploração eficiente das capacidades
humanas não pode ignorar o papel da saúde na vida humana e as oportunidades das
pessoas obterem uma vida saudável, sem doenças e sofrimentos evitáveis ou
mortalidade prematura. Equidade na realização e na distribuição de saúde, portanto, está incorporada e embutida em uma ampla noção de justiça. (SEN, 2010.p.76)
Outra característica ressaltada por Sen para que o desenvolvimento ocorra a partir das
liberdades, é o papel da mulher como agente, que não visa apenas melhorar o seu bem-estar,
mas seu papel na transformação social.
Além disso, a condição de agente e a voz ativa das mulheres, intensificadas pela
instrução e pelo emprego, podem, por sua vez, influenciar a natureza da discussão pública sobre diversos temas sociais incluindo taxas de fecundidade aceitáveis e
prioridades para o meio ambiente. (SEN, 2010.p. 251).
Conforme Sen a desigualdade entre os sexos é constante, e essa desigualdade amplia a
pobreza. Ser livre em determinado âmbito, como trabalhar fora de casa, contribui para outras
liberdades como não passar fome, redução de doenças e redução da taxa de natalidade (altas
taxas de natalidade geram a negação de liberdades substantivas- devido a gestações frequentes
e ao incessante trabalho de criar os filhos), e isso se acentua no da mulher ter um maior índice
de educação.
A educação também amplia os horizontes, e em um nível material, ajuda a difundir
os conhecimentos sobre planejamento familiar. E, obviamente, mulheres instruídas
tendem a gozar de mais liberdade para exercer sua condição de agente nas decisões
familiares, inclusive nas questões relacionadas à fecundidade e à gestação de filhos.
(SEN, 2010.p.258).
Pode-se dizer que nada atualmente é tão importante na economia política do
desenvolvimento quanto um reconhecimento adequado da participação e da
liderança política, econômica e social das mulheres. Esse é, de fato, um aspecto crucial do “desenvolvimento como liberdade”. (SEN, 2010, p.263).
Com o exposto acima é possível constatar a aproximação do enfoque do
Desenvolvimento como Liberdade com os conceitos estabelecidos no IDH, por exemplo, a
redução da taxa de mortalidade auxilia na redução da taxa de natalidade, e principalmente a
39
educação básica para analfabetos e mulheres, ampliam o conhecimento e comportamento
sobre as taxas de fecundidade.
3.2 A importância da democracia e da participação pública
O século XX estabeleceu a aceitação da democracia como forma de governo em
qualquer lugar do mundo, um exemplo disso é a Primavera Árabe que contagiou a população
dos países árabes a saírem às ruas e lutarem por seus direitos democráticos. Em
“Desenvolvimento como Liberdade” Sen afirma que a democracia insere a cultura e o estilo
de vida ocidental como costumes sociais tradicionais: “o sol nunca se põe no império da Coca
Cola e da MTV” (SEN e KLINGSBERG, 2010, p.308).
Devido ao fato de ser de origem indiana Sen critica tal pensamento afirmando que até
mesmo o Budismo, religião tradicional no oriente, prega princípios de liberdade e democracia.
“O mundo é convidado a entrar para o clube da “democracia ocidental” e admirar e defender
os “valores ocidentais” tradicionais” (SEN e KLINGSBERG, 2010, p. 299). Sen enfatiza que
os EUA e a Europa possuem um ideal de liberdade política e democracia que não são vistos
na Ásia. Por isso, faz-se necessário saber enxergar não apenas se a ausência de liberdades está
presente nas tradições asiáticas, mas se as perspectivas orientadas para liberdade estão
ausentes nessas tradições.
Além disso, é preciso diferenciar entre o valor da liberdade pessoal com o valor da
igualdade entre liberdades, ou seja, entre a liberdade ser individual, ou valorizada de forma
igualitária dentro de determinada sociedade. “O valor da liberdade não está limitada a uma só
cultura, e as tradições ocidentais não são as únicas que nos preparam para uma abordagem do
pensamento social baseado na liberdade” (SEN e KLINGSBERG, 2010, p.308).
A globalização do comércio e da economia, bem como a revolução tecnológica
suscitaram ameaças às culturas nativas, o mundo da comunicação e do intercâmbio, cada vez
mais requer educação e qualificação profissional e para isso se faz necessário a ampliação de
oportunidades nos mais variados modelo de sociedade. “A equidade de oportunidades
culturais e econômicas podem ter imensa importância em um mundo globalizado” (SEN e
KLINGSBERG, 2010, p.309).
40
De fato, eu diria que a principal esperança de harmonia no mundo contemporâneo se
encontra na pluralidade de nossas identidades, que se cruzam umas com as outras e
agem contra as divisões rígidas em torno de uma linha cívica e endurecida de
divisão impenetrável (SEN e KLINGSBERG, 2010, p. 43).
Igualmente, Sen enfatiza o direito das pessoas em desfrutarem da tradição e da cultura
que escolherem, cabe apenas ao povo ter a liberdade de opção e não sua escolha ser
influenciada por governantes, religiosos ou especialistas culturais, ele defende a participação e
a liberdade participativa. É preciso saber reconhecer a importância de uma cultura na outra,
podendo apreciar outras culturas sem perder a nossa, através da tolerância e liberdade.
Reconhecer a diversidade encontrada em diferentes culturas é muito importante no
mundo contemporâneo. Nossa compreensão da presença da diversidade tende a ser
um tanto prejudicada por um constante bombardeio de generalizações excessivamente simplificadas sobre a “civilização ocidental”, os “valores asiáticos”,
as “culturas africanas” etc. (SEN e KLINGSBERG, 2010, p. 317).
Para Sen a democracia tem importância intrínseca na formulação de sua teoria de
Desenvolvimento como Liberdade, já que a democracia mundial permite manifestações que
são formas construtivas do debate público, e este representa o papel de agente das pessoas na
promoção do desenvolvimento.
A democracia, Rawls nos ensinou, tem de ser vista não apenas em termos de cédulas
e votos - por mais importantes que sejam -, mas primeiramente em termos de
“racionalidade pública”, inclusive a oportunidade para discussão pública e também como participação interativa e encontro racional. A democracia deve inserir,
invocando uma frase de John Stuart Mill um “governo através da discussão” (SEN e
KLINGSBERG, 2010, p.54).
A racionalidade requer que os indivíduos tenham vontade política além dos seus
próprios interesses, a democracia como racionalidade pública, demanda o debate político.
Como já destacado anteriormente, a consideração que Amartya Sen realiza do
desenvolvimento é um processo de expansão das capacidades das pessoas de levarem o tipo
de vida que elas desejam, sendo que essas capacidades podem ser ampliadas por meio de
políticas públicas, mas o principal segundo Sen é que as políticas públicas sejam
influenciadas pela participação efetiva da população através de capacidades participativas.
O que as pessoas conseguem realizar é influenciado por oportunidades econômicas,
liberdades políticas, poderes sociais e por condições habilitadoras, como boa saúde,
educação básica, incentivo e aperfeiçoamento de iniciativas (SEN, 2010, p. 18).
41
Em “Desenvolvimento como Liberdade” (SEN, 2010) Sen afirma que a necessidade
econômica amplia a necessidade política, através de:
1) Sua importância direta para a vida humana associada a capacidades básicas (como a
capacidade de participação política e social);
2)Seu papel instrumental de aumentar o grau que as pessoas são ouvidas quando
expressam e defendem suas reivindicações de atenção política (como as reivindicações de
necessidades econômicas);
3) Seu papel construtivo na conceituação de “necessidades” (como a compreensão das
“necessidades econômicas” em um contexto social).
A questão da discussão pública e participação social é, portanto, central para a
elaboração de políticas em uma estrutura democrática. O uso de prerrogativas
democráticas - tanto as liberdades políticas como os direitos civis – é parte crucial
do exercício da própria elaboração de políticas econômicas, em acréscimo a outros papéis que essas prerrogativas possam ter. (SEN, 2010.p.149).
Por isso a importância de governos democráticos, que permitem as pessoas
desenvolverem seus funcionamentos, ampliarem as suas capacidades e assim levarem a vida
que desejam.
O papel constitutivo da liberdade é importante na composição da análise do conceito
de desenvolvimento, porque nas visões menores e mais comuns de desenvolvimento que o
envolvem com crescimento do PNB e ou industrialização, há um questionamento quanto à
participação política ser parte ou não do desenvolvimento. Sen afirma que a participação
política é parte constitutiva do próprio desenvolvimento.
“Mesmo uma pessoa muito rica que seja impedida de se expressar livremente ou de
participar de debates e decisões públicas está sendo privada de algo que ela tem motivo para
valorizar” (SEN, 2010, p.56). E para Sen, embora a pessoa não demonstre interesse em
exercer essa liberdade de participação, ainda assim a privação a impede do direito de escolha.
Uma pessoa com renda elevada, mas sem oportunidade de participação política não
é “pobre” no sentido usual, porém claramente é pobre no que diz respeito a uma
liberdade importante. (SEN, 2010.p.128,129)
O processo de desenvolvimento requer que a pessoa tenha o direito de participação
pública, que ela não seja privada de exercer seus direitos de cidadão.
O desenvolvimento como liberdade não pode deixar de levar em conta essas
privações. A relevância da privação de liberdades políticas ou direitos civis básicos
42
para uma compreensão adequada do desenvolvimento não tem de ser estabelecida
por meio de sua contribuição indireta a outras características do desenvolvimento
(como o crescimento do PNB ou a promoção da industrialização). Essas liberdades
são apenas parte integrante do enriquecimento do processo de desenvolvimento
(SEN, 2010. p.56).
Além disso, Sen censura à abordagem na qual supõe que os governos autoritários são
benéficos para o crescimento econômico, como é o caso da China, para ele, a democracia e o
exercício dos direitos políticos servem de papel instrumental, uma vez que a pessoa pode
exercer influencia sobre o governo exigindo seu direito de cidadão, e assim usufruindo de sua
liberdade. O direito político em atividade gera uma resposta política mais efetiva nas questões
econômicas, a garantia de discussão e debate crítico é formidável na formação de valores e
prioridades.
Sen enfatiza em todas as obras analisadas que em momentos de prosperidade não é
notável a importância da democracia, mas em períodos de crise sim, deste modo é
imprescindível a ação dos governos democráticos de forma eficaz na prevenção de
calamidades e fomes ou até mesmo em ações que amenizem as desigualdades entre os sexos,
ou seja, em uma democracia o povo tende a conseguir o que exige e não consegue o que não
exige, tanto que “desenvolver e fortalecer um sistema democrático é um componente
essencial do processo de desenvolvimento” (SEN, 2010, p.207).
Vivemos em um mundo no qual a desigualdade entre raças, sexos e classes é latente e
por isso é tão relevante o papel da discussão pública para o reconhecimento da injustiça entre
essas classes. As discussões e os debates públicos possuem desempenho fundamental na
formação e utilização dos valores sociais, nas liberdades políticas e nos direitos civis básicos.
A liberdade de participação crítica é uma das liberdades mais importantes na existência social,
pois desta forma a escolha social não pode estar contida apenas nas falas daqueles que detém
o poder, bem como a democracia e os direitos políticos determinam-se como constituintes do
processo de desenvolvimento.
A política pública tem o papel não só de procurar implementar as prioridades que
emergem de valores e afirmações sociais, como também de facilitar e garantir a
discussão pública mais completa. O alcance e a qualidade das discussões abertas
podem ser melhorados por várias políticas públicas, como liberdade de imprensa e independência dos meios de comunicação (incluindo ausência de censura), expansão
da educação básica e escolaridade (incluindo a educação das mulheres), aumento da
independência econômica (especialmente por meio do emprego, incluindo o
emprego feminino) e outras mudanças sociais e econômicas que ajudam os
indivíduos a serem cidadãos participantes. Essencial nessa abordagem é a ideia do
público como um participante ativo da mudança, em vez de recebedor dócil e
passivo de instruções ou de auxílio concedido. (SEN,2010, p. 358).
43
Contudo, apesar da importância das instituições democráticas, elas não podem ser
vistas apenas como mecanismos mecânicos para o desenvolvimento, seu uso é condicionado
de acordo com as participações disponíveis. “Por mais valiosa que a democracia seja como
uma fonte fundamental de oportunidade social existe ainda a necessidade de examinar os
caminhos e os meios para fazê-la funcionar bem, para realizar seus potenciais” (SEN,
2010.p.209).
A liberdade individual tem um papel importante para o desenvolvimento, e muitas
vezes o Estado pode ser o provedor deste meio.
As liberdades individuais são influenciadas, de um lado, pela garantia social de liberdades, tolerância e possibilidade de troca e transações. Também sofrem
influência por outro lado, do apoio público substancial no fornecimento das
facilidades (como serviços básicos de saúde ou educação fundamental) que são
cruciais para a formação e o aproveitamento das capacidades humanas (SEN,
2010.p. 63).
Portanto, ter a capacidade para levar o tipo de vida que com razão se valoriza, envolve
o desenvolvimento com fatores diferentes ao senso comum, como já visto anteriormente, indo
além de determinantes econômicos, é imprescindível promover os diferentes tipos de
liberdade e os componentes que a constituem.
As disposições institucionais que proporcionam essas oportunidades são ainda
influenciadas pelo exercício das liberdades das pessoas, mediante a liberdade para
participar da escolha social e da tomada de decisões públicas que impelem o
progresso dessas oportunidades. (SEN, 2010, p. 18).
A diferença de caracterização do desenvolvimento pela liberdade ou pelo crescimento
econômico (mesmo sendo complementares) pode ser explicada pela liberdade referir-se “aos
processos de tomada de decisão e às oportunidades de resultados considerados valiosos”
(SEN, 2010.p.370). Estes resultados não são apenas de caráter econômico e sim possuem
outros valores, como por exemplo, a participação política. “Tais fatores também não podem
ser considerados como meios de desenvolvimento, mas sim, como partes constitutivas do fim
do desenvolvimento” (SEN, 2010.p.370).
Deste modo,
Os fins e os meios do desenvolvimento exigem que a perspectiva da liberdade seja colocada no centro do palco. Nessa perspectiva, as pessoas têm de ser vistas como
ativamente envolvidas – dada a oportunidade – na conformação de seu próprio
destino, e não apenas como beneficiárias passivas dos frutos de engenhosos
programas de desenvolvimento. (SEN, 2010.p. 77).
44
Para Sen, a política do consenso social não requer apenas ações individuais, mas sim,
a sensibilidade das decisões sociais para o desenvolvimento de preferências e
normas individuais. Nesse contexto, é preciso atribuir particular importância ao
papel da discussão e das interações públicas na emergência de valores e
comprometimentos comuns. (SEN, 2010. p. 323).
A teoria de liberdade igualitária idealizada por Sen conota a responsabilidade
individual na resolução dos próprios problemas, mas a liberdade substantiva depende das
circunstâncias sociais, pessoais e ambientais. Como exemplo Sen (2010, p. 360), cita o caso
de pessoas que já nascem desprovidas de certas condições mínimas de sobrevivência, desde a
criança que não tem oportunidade de estudo, o jovem que não tem oportunidade de emprego e
se obriga a trabalhar em condições até de escravidão, a menina que sofre em uma sociedade
repressora, ou um adulto doente que não dispõe de recursos para receber o tratamento
adequado. Todas essas pessoas sofrem de privação de liberdade que impedem à pessoa de
exercer sua condição de agente, bem como de ter responsabilidade, já que “responsabilidade
requer liberdade”.
“Assim, o argumento do apoio social para expandir a liberdade das pessoas pode ser
considerado um argumento em favor da responsabilidade individual, e não contra ela” (SEN,
2010.p.361). Uma vez que liberdade e responsabilidade andam juntas,
sem a liberdade substantiva e a capacidade para realizar alguma coisa, a pessoa não
pode ser responsável por fazê-la. Mas ter efetivamente a liberdade e a capacidade
para fazer alguma coisa, impõe à pessoa o dever de refletir sobre fazê-la ou não, e
isso envolve responsabilidade individual. (SEN, 2010.p.361).
Em todas as obras analisadas sobre o conceito de liberdade para Amartya Sen é visível
que estas reproduzem os mesmo temas, porém em cada obra ele destaca um dos componentes
da sua teoria de liberdade substancial. Ainda que esta pesquisa se foque na liberdade através
da ótica do desenvolvimento, em “Teoria da justiça” o foco está na justiça, bem como em
“Desigualdade reexaminada” na desigualdade. E em sua vasta literatura o autor busca
interligar a importância desta gama de componentes que trazem as pessoas à liberdade de
levar a vida como elas gostariam que fosse, de tal forma que para elas ter tal liberdade se faz
necessário desde o momento do seu nascimentos contar com uma base de bem-estar social
que lhes permita desenvolver essas capacidades.
45
“Será que cada liberdade desfrutada pelas pessoas invariavelmente é exercida de um
modo tão personalista que a expectativa de progresso social e ação pública baseados na razão
têm de ser inteiramente ilusória?” (SEN, 2010, p.332). Essa crença é irreal para Sen, já que os
seres humanos possuem comportamentos que vão além do egoísmo e autointeresse, estas
condutas refletem uma ideia de justiça, composta por normas sociais e modos de
comportamento, que podem ser definidos com a liberdade individual. Não que as pessoas
utilizem a ideia de justiça para decidir o modo de exercer sua liberdade, mas,
Os valores sociais podem desempenhar um papel importante no êxito de várias
formas de organização social, incluindo o mecanismo de mercado, a política
democrática, os direitos civis e políticas elementares, a provisão de bens públicos
básicos e instituições para a ação e o protesto públicos. (SEN, 2010.p.333).
O conceito de justiça se relaciona com o desenvolvimento na medida em que a justiça
se engaje em prol de uma ideia de bem estar, esta geralmente é medida através de fatores
econômicos como renda e riqueza, ou seja, de acordo com a utilidade de recursos.
Uma abordagem de justiça e desenvolvimento que se concentra em liberdades
substantivas inescapavelmente enfoca a condição de agente e o juízo dos indivíduos,
eles não podem ser vistos meramente como pacientes a quem o processo de
desenvolvimento concederá benefícios. (SEN, 2010.p. 366).
Sen contrapõe este argumento em diversos discursos, afirmando que a qualidade de
vida é medida através do grau de liberdade das pessoas e a capacidade que elas têm de realizar
o que desejam. De tal modo que na obra “A ideia de Justiça” (SEN, 2011), o autor faz uma
crítica ás percepções de moral inseridas no pensamento moderno, sua teoria ética defende
debates em torno da justiça social, promovendo os Direitos Humanos.
Os Direitos Humanos ocupam um papel de destaque na abordagem do
desenvolvimento, apesar de algumas posições que sustentam que o direito não pode preceder
a instituição do Estado, outras afirmam que os Direitos Humanos são universais, este
posicionamento é o defendido por Sen. Ele também faz referência aos direitos humanos como
um conjunto de pretensões éticas. “Temos de julgar a plausibilidade dos direitos humanos
como um sistema de raciocínio ético e como a base de reivindicações políticas” (SEN, 2010,
p. 295).
Pessoas distintas possuem ideias e modos diferentes de interpretar a ética, mas as
ideias básicas de justiça são comuns a todos. O capitalismo depende de valores e normas
éticas inseridas em seu cerne, estas deixam a desejar nos quesitos referentes à desigualdade
46
econômica, proteção ambiental e cooperação fora do mercado. Como exemplo Sen, cita a
necessidade dos países em desenvolvimento atentarem para valores complementares ao
mercado, como resistir à corrupção. O sistema capitalista tem como grande desafio combater
a pobreza e a desigualdade, dificuldades nos setores públicos, bem como no meio ambiente. E
para Sen a solução está além da economia capitalista, na formação de instituições que
ampliem um desenvolvimento ético.
De fato, o papel dos valores é vasto no comportamento humano, e negar esse fato
equivaleria não só a um afastamento da tradição do pensamento democrático, como
também à limitação de nossa racionalidade. É o poder da razão que nos permite
levar em consideração nossas obrigações e nossos ideais tanto quanto nossos
interesses e nossas vantagens. Negar essa liberdade de pensamento seria uma grave
limitação do alcance de nossa racionalidade. (SEN, 2010.p.347).
Diante desta visão Sen aborda no último capítulo de “Desenvolvimento como
Liberdade” a ideia da responsabilidade da ação humana no mundo, no qual o fato das pessoas
viverem juntas faz com que os problemas sociais sejam responsabilidade de todos. Assim a
ideia de liberdade individual de cada um conota em um comprometimento social.
47
CAPÍTULO IV
4 LIBERDADE E LIBERALISMO
De acordo com o que foi descrito até o momento, a consideração de desenvolvimento
humano através da ótica da liberdade foi um processo que passou por longas transformações,
visto que, o desenvolvimento sempre esteve ligado à ideia de crescimento econômico e
associado ao liberalismo econômico. Todavia, a liberdade endossada por Amartya Sen é
definida por características igualitárias, que define a liberdade como agente do bem-estar
individual. Devido a tais características do modelo defendido por Sen, este capítulo visa
definir um breve contexto histórico do liberalismo e sua ligação com a liberdade.
Visualizando as diferenças entre a liberdade defendida por Sen e os conceitos de
liberdades no cerne do liberalismo conceituam-se também as considerações referentes à
liberdade positiva e liberdade negativa, já que estes posicionamentos são essenciais para a
compreensão do tema.
Apesar de ressaltar que liberdade é a atribuição de capacidade às pessoas para
realizarem as várias coisas que se podem considerar valiosas de fazer ou ter, Amartya Sen não
especifica claramente os alcances dessa liberdade. Com isso cabe a possibilidade de
considerá-la como liberdade individual e associá-la diretamente ao liberalismo econômico; ou
também há a probabilidade de dar um enfoque social ao tema.
Segundo Paim (1987), a presença do liberalismo já era notada na Antiguidade e na
Idade Média, desde a Guerra do Peloponeso, até a democracia Ateniense antes de Cristo. O
liberalismo econômico é apenas uma vertente entre as muitas estabelecidas dentro do
liberalismo. No liberalismo clássico o governo, a sociedade, o indivíduo e o mercado eram
esferas incompatíveis entre si, que a partir do inicio do século XX passaram a estabelecer
ligações.
Atualmente o liberalismo abarca uma gama de vertentes, podendo determinar o
desenvolvimento defendido por Amartya Sen como um instrumento do liberalismo
econômico, por estabelecer a eliminação de privações de liberdade e o exercício da condição
de agente. Mas, a visão de Amartya Sen afasta-se das ideias proferidas pelo liberalismo
48
econômico, já que o objetivo de Sen é resgatar o ideal de liberdade tão perdido ao longo do
liberalismo econômico.
De acordo com Norberto Bobbio em “Direito e Estado no pensamento de Kant” (2000,
p.7), Kant situa-se entre os primeiros pensadores que formularam com toda a clareza a
opinião de que o Estado não tem fins próprios, isto é, os seus fins devem coincidir com os fins
múltiplos dos indivíduos. Kant vai lançar a ideia de que os interesses são extensivos a todos
independentemente do valor desses interesses e assim se entende o inicio da democratização
da ideia liberal.
Bobbio (2000, p.6), observa que o poder vem da representação, ideia formulada pela
primeira vez por Locke, razão pela qual se lhe atribui à formulação originária do liberalismo,
embora essa denominação não tivesse aparecido em seu tempo. John Locke colocou o
individuo no centro do poder político, compreendendo que a sociedade civil e política era o
resultado da associação livre e soberana entre indivíduos também livres e soberanos, com
vista à defesa de seus direitos naturais, entre eles a propriedade. John Locke chegou a afirmar
que:
os homens são por natureza livres, iguais e independentes, e por isso nenhum pode
ser expulso de sua propriedade e submetido ao poder político de outrem sem dar seu
consentimento. O único modo legítimo pelo qual alguém abre mão de sua liberdade
natural e assume os laços da sociedade civil consiste no acordo com outras pessoas
para se juntar e unir-se em comunidade, para viverem com segurança, conforto e paz
umas com as outras, com a garantia de gozar de suas posses, e de maior proteção
contra quem não faça parte dela. (LOCKE, 1994, p.139).
Para Locke (1994), não existia um poder político absoluto e irrevogável, ele acreditava
na importância dos súditos poderem destituir o soberano sempre que este não cumprisse com
seus deveres de legitimo representante dos indivíduos. Esses pensamentos logo se expandiram
por toda a Inglaterra e, mais tarde, vieram a influenciar a Declaração Americana de
Independência e a Revolução Francesa de 1789.
A Revolução Francesa, com sua consagração dos direitos do homem significou uma
respeitável afirmação do valor do indivíduo e foi um marco importante do liberalismo. Tanto
que as ideias liberais francesas vieram a influenciar o surgimento de outro tipo de liberalismo
como o econômico, pois até então o liberalismo proferido por John Locke tinha um caráter
apenas político.
Para Paim (1987, p.33) o liberalismo doutrinário tem na figura de Benjamin Constant
seu grande percussor, que ambientado na Revolução Francesa montou seu sistema a partir da
ideia de liberdade. No prefácio a suas “Mélanges de littérature et politique” afirma:
49
Defendi quarenta anos o mesmo principio, a liberdade, em tudo, em religião, em
filosofia, em literatura, em indústria, em política: e por liberdade, entendo o triunfo da individualidade sobre a autoridade, tanto sobre a autoridade que governaria pelo
despotismo, quanto sobre as massas que reclamam o direito de dominar a minoria
pela maioria (CONSTANT apud PAIM, 1987 p37).
Para Bobbio (2000, p.9) os conceitos de Tocqueville também são extremamente
pertinentes ao proclamar a democratização do ideal liberal. Assim, a democracia se justifica
pelo fato de acatar aos interesses e bem-estar do maior número (o que sugere Benthan). Mas
esse bem-estar da maioria corre perigo, a partir do momento em que toda democracia
aproxima-se à centralização estatal e assim acaba gerando o despotismo que possibilita um
governo tirânico.
Segundo Donald Stewart JR em seu livro “O que é Liberalismo?” (1990), no século
XVIII foram concretizadas as liberdades fundamentais através do direito, da liberdade de
imprensa e a revolução industrial. O liberalismo tradicional foi modificado por Keynes, na
influência que exerceu sob a concepção do New Deal de Roosevelt como propagador do
BIRD.
Contudo, foi com Adam Smith que o liberalismo econômico ganhou força intelectual,
admitindo que, ainda que não haja benevolência recíproca entre os homens, resta entre eles
um vínculo social mantido por razões econômicas. Lembrando a célebre passagem sobre o
açougueiro, o cervejeiro e o padeiro em “A Riqueza das Nações”, Amartya Sen defende
Smith ao afirmar que ele é o primeiro a compreender o liberalismo econômico na ótica do
mercado e do bem-estar social.
Para Stewart (1990), a importância da independência econômica é tão relevante para o
liberalismo clássico que o próprio conceito de liberdade é associado a este tema, esta
liberdade é traduzida pelo fato de se produzir para o mercado. Porém, o mercado não é
traduzido apenas como um lugar de trocas, para o liberalismo clássico, toda a sociedade
constitui o mercado. Ele é mais um mecanismo de organização social do que um simples
mecanismo de regulação econômica.
A doutrina liberal econômica também concebe o denominado Estado-mínimo. Resta
ao Estado, nessa situação, tão somente o papel de produzir direito e segurança como garantia
da propriedade privada. Entretanto, com o tempo, até mesmo a sociedade francesa começou a
perceber que a ideia do liberalismo econômico não trazia um resultado eficaz para a
sociedade, e que não se podia perceber o mercado e a liberdade individual egoísta como
elementos exclusivos do desenvolvimento.
50
Stewart Jr (1990) afirma que essa mudança foi denominada de declínio ou crise do
liberalismo econômico que aconteceu no final do século XIX e no inicio do século XX. Esse
período foi marcado pelo ataque à concepção de liberdade adotada pelo liberalismo, foi a
partir daí que surgiram doutrinas alternativas como o socialismo, neoliberalismo, liberalismo
remodelado e o republicanismo, este último será tratado com maior precisão no último
capítulo deste trabalho.
O socialismo surge como uma crítica à incapacidade do liberalismo de atender as
expectativas do bem-estar social, isto porque, enquanto os ricos como os banqueiros e
empreendedores possuíam vantagem nesta nova ordem econômica, os trabalhadores não
sentiam os benefícios do sistema liberal, e sim, a crescente desigualdade econômica.
Com uma alternativa ao socialismo, surgiu o liberalismo social (que percebia a
sociedade como uma associação cooperativa que visava à autorrealização pela busca do bem
comum). É no cerne do liberalismo social, que surgem os pensamentos de Amartya Sen e sua
teoria do desenvolvimento.
O neoliberalismo surge na década de 40 do século XX, alcançando seu ápice após a
queda do Muro de Berlim e com a busca da ampliação do mercado. O neoliberalismo possui
como característica a não distinção entre economia e política, a subordinação da liberdade
econômica, e do mesmo modo que o liberalismo clássico, foca-se no individuo e acredita que
o Estado é utilizado para preservar o funcionamento da economia de mercado.
Segundo PAIM (1987) no neoliberalismo os direitos sociais são incompatíveis com os
direitos civis e políticos, e por serem considerados como redistribuição da riqueza, vão contra
o livre mercado e a globalização econômica. Os neoliberais defendem ainda o capitalismo
através da divisão do trabalho, única forma de organização social. Assim, entende-se o
neoliberalismo como uma oposição ao socialismo e ao liberalismo social e, apesar de ser uma
retomada do liberalismo clássico, não pode ser confundido com o mesmo já que possui
critérios próprios de entender a liberdade, inclusive conseguindo ser mais egoísta que os
próprios ideários do liberalismo clássico.
Com a denominada crise do liberalismo, este passou a ser incrementado com diversos
outros nomes como liberalismo social ou liberalismo igualitário, com a intenção de diminuir
as características egoístas do liberalismo clássico e do neoliberalismo e assim buscando
harmonizar os interesses individuais com os sociais. O liberalismo social prega a organização
social da liberdade para a liberdade humana e a ampliação das capacidades humanas.
Após contextualizar alguns dos principais pontos da teoria liberal se faz necessário
discorrer no tópico a seguir sobre John Rawls, pois foi com ele que o liberalismo mudou de
51
direção ao inserir ideias igualitárias ao pensamento liberal que foram expostas no livro “Uma
Teoria de Justiça” de 1971, essa teoria surge como um modelo de liberalismo político ou
liberalismo igualitário e exerce grande influencia sob Amartya Sen, por isso, merece ser
explanada com maiores detalhes.
4.1 A influência de John Rawls
Em todas as obras pesquisadas para entender o conceito de Amartya Sen sobre
liberdade, é visível a influência de John Rawls na formulação de sua teoria. O livro a Ideia de
Justiça (2011), além de ser dedicado a memória de Rawls, faz uma crítica à definição deste
autor sobre as liberdades formais, já que Sen defende o caráter substancial da liberdade.
A obra a “Ideia de Justiça” (2011) parece surgir como um complemento à teoria
seniana, de “Desenvolvimento como Liberdade” (2010), bem como uma resposta à teoria de
justiça de Rawls que serviu de base para a conceituação de Amartya Sen acerca das liberdades
substanciais, na qual a abordagem considera a perspectiva das comparações focada em
realizações.
No primeiro capítulo “Razão e Objetividade” Sen (2011, p.61) afirma que a Teoria de
Rawls propõe a escolha dos princípios de justiça com a rigidez de uma estrutura institucional
única. No segundo capítulo chamado “Rawls e Mais Além” (SEN, 2011, p.82), antes de
criticar a teoria de justiça como equidade, destaca as influências da mesma na formação de
sua teoria de liberdade. Sua crítica refere-se aos princípios de justiça determinar as
instituições sociais básicas que devem governar a sociedade.
Para Sen a justiça além de estar ligada à equidade deve ser derivada dela. Ele
considera que a equidade consiste em não existir preocupação apenas com os interesses
individuais, por isso ele determina a imparcialidade como base da justiça como equidade.
A teoria de John Rawls fundamentou o liberalismo e a moral nos direitos da pessoa e
no contrato social, mostrando-se uma alternativa às posições utilitaristas da época. Para Sen,
ainda no capítulo “Rawls e Mais Além”, isto ocorre porque, como ressalta o próprio Rawls,
ao contrário do utilitarismo (que adota o princípio da escolha racional sem levar em
consideração a distinção entre as pessoas), a sua teoria vê as pessoas como detentoras de
52
necessárias capacidades de personalidade moral que as levam a participar da sociedade vista
como um sistema de cooperação justa para o benefício mútuo.
Deste ideal brotam os dois princípios de justiça de John Rawls: da igual liberdade e da
desigualdade social e econômica. Este último princípio se divide em “princípio da diferença”
e “principio da igualdade equitativa das oportunidades”. John Rawls, com o intuito de
determinar a prioridade de um princípio com relação ao outro, criou a denominada clausula de
ordem léxica ou serial, ao determinar que o princípio de igual liberdade é estritamente
prioritário com relação ao princípio da diferença.
Segundo Sen (2011, p.89) para Rawls:
1. Cada pessoa deve ter um direito igual ao mais abrangente sistema de liberdades
básicas que seja compatível com um sistema semelhante de liberdades para as
outras;
2. As desigualdades sociais e econômicas devem ser ordenadas de tal modo que sejam ao mesmo tempo (a) consideradas como vantajosa para todos dentro dos
limites do razoável, e (b) vinculadas a posições e cargos acessíveis a todos.
Ainda no capítulo citado acima, Sen supõe que a injustiça para Rawls é composta por
desigualdades que não beneficiam a todos. A concepção liberal-igualitária tem por finalidade
conciliar os ideais de liberdade e de igualdade, combinando igual respeito a todas as
concepções racionais da boa vida, que andam lado a lado em nossas sociedades, assim a
preocupação se destinaria a garantir para cada cidadão o que lhe é necessário para procurar
obter a realização de sua concepção de boa vida. Essa teoria compreende a sociedade como
um sistema equitativo de cooperação entre pessoas livres e iguais.
a maior relevância das ideias de justiça está na identificação da injustiça patente,
sobre a qual é possível uma concordância arrazoada, e não na derivação de alguma
fórmula ainda existente para o modo como o mundo deve ser precisamente
governado. (SEN, 2010, p. 365).
A Teoria de Justiça de Rawls pode-se definir de uma maneira simplificada por
intermédio da ênfase aos direitos e a política na promoção do bem estar social, através dos
bens primários. Estes bens “são meios de uso geral que ajudam qualquer pessoa a promover
seus próprios fins, como “direitos, liberdades e oportunidades, renda e riqueza e as bases
sociais do respeito próprio” (SEN, 2010.p. 101). Assim, os bens primários são uma espécie de
vantagem individual que as pessoas possuem, ou seja, oportunidades para realizar seus
objetivos.
53
O uso dos bens primários varia conforme as relações entre renda e bem estar. “Uma
alternativa ao enfoque sobre os meios para o bem viver é a concentração sobre como as
pessoas conseguem viver de fato (ou, avançando, além disso, sobre a liberdade para realmente
viver de um modo que se tem razão para valorizar)” (SEN, 2010, p.102).
Para Rawls essa busca varia de pessoa para pessoa, tanto que,
Se uma pessoa tem uma cesta de bens primários igual à de outra (ou até mesmo
maior) e ainda assim acaba sendo menos feliz que essa outra (por exemplo, porque
tem gostos mais caros), então não necessariamente haveria injustiças no espaço das
utilidades. (SEN, 2010.p.102).
Isto porque cada pessoa é responsável por suas preferências. De acordo com Sen (2010
e 2011), apesar da abordagem de Rawls ampliar o leque informacional, ela deixa de
considerar os elementos que influenciam na relação entre renda e bem estar. Estes podem ser
definidos desde diversidades ambientais, como fatores de doenças, idade, padrão de riqueza.
De acordo com Sen o conceito de desenvolvimento não deve ser estabelecido a partir
de uma expectativa utilitarista, ou da ideia de justiça de Rawls, já que estas se demonstram
incompletas. E afirma que o conceito de desenvolvimento devia ser definido através das
liberdades substantivas, capacidades, de escolher uma vida que se tem razão para valorizar.
As pessoas não necessitam apenas dos bens primários para realizar seus objetivos, mas de
outros fatores, um exemplo disso seria o caso de um doente se realizar menos com bens
primários do que pessoas saudáveis.
Isso acontece porque o liberalismo igualitário não interfere no modo em que os
indivíduos devem viver suas vidas, pois não fornece preceitos para a conduta individual, a não
ser quando essa conduta se refere às injustiças que decorrem do dever da justiça. Mas nem por
isso essa teoria leva em consideração o agente como promotor do bem-estar social, mas sim
como tendo a possibilidade de escolher o seu próprio fim.
Portanto, para Sen um dos grandes problemas da teoria de John Rawls é a negligência
ao papel da capacidade, que se demonstra muito desigual para transformar os bens em
funcionamentos. Isso, porque para Sen, os bens primários podem ser indicadores bastante
imperfeitos da liberdade que essa pessoa realmente desfruta para fazer o que deseja.
54
4.2 Liberdade positiva e negativa
A origem de distinguir entre um sentido negativo e um sentido positivo de liberdade
são expressos neste capítulo através do conceito defendido por Isaiah Berlin, na década de 60.
Para Berlin, considerado um dos principais repercussores do tema, a liberdade pode ser
interpretada com os mais diversos sentidos, tanto que os historiadores das ideias já estudaram
mais de duzentas vertentes registradas sobre o tema. Em sua obra “Estudos Sobre a
Humanidade” no capítulo “Liberdade Política e Pluralismo” (2002, p. 226) ele se dedica a
definir os conceitos de liberdade negativa e liberdade positiva.
As discussões a respeito da liberdade positiva e negativa normalmente acontecem
dentro do contexto da filosofia política e social. Berlin coloca que a liberdade negativa e a
positiva não são somente dois tipos diferentes de liberdade, mas podem ser vistas como
antagonistas, já que são tidas como interpretações conflitantes de um único ideal político.
O motivo que evidencia tal relação é que no sentido negativo, a liberdade é
considerada como ausência de algo (ou seja, de obstáculos, barreiras, restrições ou
interferência de outros), enquanto que no sentido positivo existe a presença de algo (ou seja,
de controle, autodomínio, autodeterminação e autorrealização). Enquanto a liberdade negativa
é geralmente atribuída a agentes individuais, a liberdade positiva é imposta a coletividades ou
indivíduos considerados principalmente como membros de determinadas coletividades.
Berlin (2002, p. 229) delimita duas questões que permitem a diferenciação entre os
dois sentidos de liberdade. Enquanto que a liberdade negativa nos questiona sobre “qual é a
área em que o sujeito - uma pessoa ou grupo de pessoas – é ou deve ter permissão de fazer ou
ser o que é capaz de fazer ou ser, sem a interferência de outras pessoas?”, o sentido positivo
de liberdade pode ser definido por “O que ou quem é a fonte de controle ou interferência
capaz de determinar que alguém faça, ou seja, uma coisa em vez de outra”?
É este último sentido de liberdade que será analisado a seguir. Em seu contorno
político, tem-se considerado que é através da democracia que é possível alcançar a liberdade
positiva. De tal modo que, uma sociedade democrática pode ser compreendida como uma
sociedade livre, porque um membro desta sociedade é livre na medida em que ele participa de
seu processo democrático.
Segundo Berlin, (2002, p. 236 - 237) a definição de liberdade positiva provém “do
desejo que o indivíduo nutre de ser seu próprio senhor”, de suas decisões dependerem apenas
55
dele, sem receber a influência de outras pessoas ou de qualquer outra força externa. Esta ação
é definida pela “razão que me distingue como ser humano do resto do mundo”.
A liberdade que consiste em ser o seu próprio senhor e a liberdade que consiste em
não ser impedido por outros homens de escolher como agir podem parecer, diante
das circunstâncias, conceitos não tão distantes entre si do ponto de vista lógico –
nada mais do que as formas negativa e positiva de dizer mais ou menos a mesma
coisa. No entanto, as noções “positiva” e “negativa” de liberdade desenvolveram-se
historicamente em direções divergentes, nem sempre por passos logicamente
respeitáveis, até entrarem por fim em conflito direto uma com a outra. (BERLIN, 2002, p. 237).
No conceito de liberdade positiva as afirmações “sou meu próprio senhor” e “não sou
escravo de nenhum homem”, remetem à ideia de que o fato da pessoa não ser escravo de
outros homens, não faz com que ela não seja escravo de mais nada, já que para este
posicionamento as pessoas podem ser escravas de si mesmas, de seus pensamentos, vícios e
desejos, e se libertar de tais percepções é que torna um individuo livre.
Berlin supõe que o defensor da liberdade positiva considera o “eu” além do individual,
considerando o como um todo social orgânico "uma tribo, uma raça, uma igreja, um estado, a
grande sociedade dos vivos e mortos dos nascituros" (BERLIN, 2002, p. 238). Os interesses
do indivíduo devem ser identificados com os interesses de todo esse grupo social.
“Essa identidade é então identificada como o eu “verdadeiro” que, impondo sua
vontade coletiva ou “orgânica” única sobre seus recalcitrantes “membros”, alcança sua
própria liberdade “mais elevada” e, portanto, também a deles” (Berlin, 2002, p. 38).
Para Berlin a partir do momento que a sociedade adota essa visão,
[...] estou em posição de ignorar os desejos reais dos homens ou das sociedades, de
amendontra-los, oprimi-los, tortura-los em nome e no interesse de seus eus “reais”,
com base no conhecimento seguro de que tudo o que é a verdadeira meta do homem
(a felicidade, o desempenho do dever, a sabedoria, uma sociedade justa, a auto-
realização) deve ser idêntico à sua liberdade – a escolha livre de seu eu
“verdadeiro”, ainda que frequentemente submerso e inarticulado. (BERLIN, 2002,
p.238).
O conceito positivo de liberdade leva em consideração o domínio sobre si mesmo,
Berlin exemplifica este pressuposto na explanação titulada “A retirada para a cidadela
interior” (2002, p. 240) supondo que o lugar mais seguro em que a pessoa pode encontrar-se
livre é retirando-se para dentro de si mesma.
56
Outro exemplo é o caso de uma pessoa com uma ferida na perna, que tem duas opções
para parar a dor: curar a ferida ou se livrar da ferida cortando fora a perna (isso no caso da
ferida for muito dolorida ou se há dificuldade na cura).
Se me educo a não querer nada que torne a posse da perna indispensável não vou
sentir falta dela. Essa é a auto emancipação tradicional dos ascéticos e quietistas, dos
estoicos e dos sábios budistas, homens de várias religiões ou nenhum credo, que
fugiram do mundo e escaparam do jugo da sociedade ou da opinião pública por
algum processo de autotransformação deliberada que os torna capazes de já não se
importarem com nenhum de seus valores, de permanecerem isolados e
independentes, em suas margens, já não mais vulneráveis a suas armas. (BERLIN,
2002, p. 241).
Berlin acredita que o conceito positivo de liberdade que inspira a liberdade da pessoa
ao se libertar de seus desejos traz consigo o perigo de autoritarismo. Isto porque faz a pessoa
vitima de governos tirânicos, já que ela passa a se conformar com aquilo que este lhe impõe,
de tal modo que uma parte dos membros da sociedade acaba sendo oprimida e excluída
porque a participação não ocorre completamente, pois apesar de ser democrática a sociedade
acaba sendo controlada por uma minoria que está no poder. Neste caso, a maior parte da
população pode ser oprimida em nome de liberdade.
Essa crença de liberdade em seu sentido positivo é criticada por Berlin, pois para ele é
claro que:
A doutrina que sustenta que devo me educar a não desejar aquilo que não posso ter,
que um desejo satisfeito, é uma forma sublime, mas, a meu ver, inequívoca da
doutrina das uvas verdes: aquilo que não posso ter certeza de obter, não posso
verdadeiramente querer. (BERLIN, 2002, p.244).
Baseado na ideia de que a pessoa tem a capacidade de realizar aquilo que deseja. Este
ideal possui suas origens no pensamento de John Stuart Mill, um dos mais influentes
expositores do liberalismo, que também é a favor da liberdade em seu sentido negativo.
John Stuart Mill, afirma em sua obra “Sobre a Liberdade” (1991, p.43), que “o
grandioso e principal princípio para o qual todos os argumentos desenvolvidos nestas páginas
diretamente convergem é a importância absoluta e essencial do desenvolvimento humano na
sua riquíssima diversidade”.
Esta obra é fonte de inspiração de Amartya Sen que depois retoma ideias de Mill como
a seguinte: “[o que] deve haver liberdade para se fazer aquilo de que se gosta no que é
estritamente de interesse individual” (MILL, 1991, 147). Mill defende a liberdade a partir da
57
possibilidade de realização das escolhas das pessoas e de não serem vitimas de arranjos
institucionais ou preconceitos, como no caso das mulheres:
“Nada é mais necessário para o completo removimento do mal do que gozarem as
mulheres dos mesmos direitos, e deverem receber a proteção da lei da mesma maneira que
todas as outras pessoas” (MILL, 1991,149).
Deste modo, Mill promove a não intervenção do Estado na liberdade individual.
“Tal esfera é a esfera adequada da liberdade humana, em primeiro lugar ela refere-se
ao domínio intimo da consciência, exigindo liberdade de consciência no mais
compreensivo sentido, liberdade de pensar e de sentir, liberdade absoluta de opinião
e de sentimento sobre quaisquer assuntos, práticos, ou de especulativos, científicos,
morais ou teológicos. A liberdade de exprimir e publicar opiniões pode parecer que
cai sob um principio diferente, uma vez que pertence àquela arte da conduta
individual que concerne às outras pessoas. Mas, sendo quase de tanta importância como a própria liberdade de pensamento e repousando, em grande parte sobre as
mesmas razões, é praticamente inseparável dela. Em segundo lugar o principio
requer a liberdade de gostos e ocupações; de dispor o plano de nossa vida para
seguirmos nosso próprio caráter de agir como preferimos, sujeitos as consequências
que possam resultar. Em terceiro lugar, dessa liberdade de cada individuo segue-se a
liberdade, dentro dos mesmos limites, de associação entre os indivíduos, liberdade
de se unirem para qualquer propósito que não envolva dano, suposto que as pessoas
associadas sejam emancipadas, e não tenham sido constrangidas nem iludidas.
Nenhuma sociedade é livre, qualquer que seja a sua forma de governo, se nela não se
respeitam, em geral essas liberdades. E nenhuma sociedade é completamente livre se
nela essas liberdades não forem absolutas e sem reservas. A única liberdade que
merece o nome, é a de procurar o próprio bem pelo método próprio, enquanto não tentamos desapossar os outros do que é seu, ou impedir seus esforços para obtê-lo”
(MILL, 1991, p.55-56).
A definição de liberdade acima colocada por Mill, também é relatada por Berlin ao
expor o conceito de liberdade negativa. Tais referências correspondem aos aspectos
evidenciados por Sen, e expostos ao longo deste estudo, por isso, a seguir se define a
liberdade em seu sentido negativo, que gera as bases do pressuposto de “Desenvolvimento
como Liberdade”.
Segundo Berlin (2002, p. 229), a liberdade em seu sentido negativo, considera um
homem livre na medida em que ele não sofre interferência na sua vida, e coloca que “se
outros me impedem de fazer o que de contrário eu poderia fazer, não sou nessa medida livre”.
Essa restrição pode descrever a coação e até mesmo a escravidão. Porém, “a coerção implica a
interferência deliberada de outros seres humanos na minha área de atuação. Só não temos
liberdade política quando outros indivíduos nos impedem de alcançar uma meta” (BERLIN,
2002, p. 229).
Para promover a liberdade negativa é necessária a existência de uma esfera de ação
dentro da qual o indivíduo é soberano, e assim ele pode perseguir seus próprio planos, apenas
58
ocorrendo a restrição de que ele respeite as esferas dos outros. De tal modo, o conceito de
liberdade negativa se concentra na esfera externa em que os indivíduos interagem, fornecendo
uma garantia mais eficaz contra os perigos do paternalismo e autoritarismo percebidos por
Berlin.
[...] afirma-se, muito plausivelmente, que, se um homem é demasiado pobre para
obter algo isento de proibição legal – um pão, uma viagem ao redor do mundo, um recurso aos tribunais -, ele é tão pouco livre para conseguir esse intento quanto o
seria se a lei proibisse sua ação. (BERLIN, 2002, p. 229-230).
A afirmação acima se refere ao pressuposto da liberdade negativa segundo a qual a
pobreza de uma pessoa gera a falta de liberdade e a falta de capacidade para viver do modo
que se deseja, isso “se deve ao fato de que os outros seres humanos fizeram arranjos pelos
quais sou impedido, enquanto outros não o são, de ter bastante dinheiro para pagar o que
desejo possuir, que me considero uma vitima da escravidão” (BERLIN, 2002, p. 230)
Assim,
o critério da opressão é o papel que acredito estar sendo desempenhado por outros
seres humanos, direta ou indiretamente, com ou sem intenção, para frustrar meus
desejos. Ser livre, nesse sentido, para mim significa não sofrer a interferência de
outros. Quanto maior a área de não interferência, mais ampla a minha liberdade.
(BERLIN, 2002, p.230).
A constante influência de algumas pessoas sobre outras e a ampliação do alcance da
liberdade dos fortes em relação aos fracos, leva os pensadores que defendem o conceito
negativo de liberdade a considerar “que a área de livre ação do homem deve ser limitada pela
lei” (BERLIN, 2002, p.230). Pois, segundo os visionários do conceito negativo de liberdade,
somente com a liberdade sem interferência amparada pela lei, que coloca limites às pessoas, é
possível a existência de uma sociedade mais justa.
Berlin afirma que
Hobbes e aqueles que concordavam com suas ideias, especialmente pensadores
conservadores ou reacionários, argumentavam que, se os homens deviam ser
impedidos de se destruir uns aos outros e de tornar a vida social uma selva ou um
deserto, maiores salvaguardas precisavam ser instituídas para mantê-los em seus
devidos lugares; consequentemente, ele queria aumentar a área de controle centralizado e diminuir a do individuo. (BERLIN, 2002, p.233).
Mas estes mesmos defensores da liberdade negativa como Mill, Rousseau, Constant, e
Tocqueville, acreditavam que “alguma parte da existência humana deveria permanecer
59
independente da esfera de controle social” (BERLIN, 2002, p. 233) para evitar governos
despóticos. Esta mesma definição é visível nos conceitos já expostos sob a teoria de Amartya
Sen.
Ainda mais próxima da abordagem de Sen, encontra-se a necessidade de saber separar
a liberdade da esfera pública e da privada, mesmo assim, os homens interferem um na vida do
outro, ainda que de modo involuntário. Esta definição relaciona-se à conceituação de Sen
acerca do papel do agente, no qual cada pessoa deve exercer esse papel de modo que promova
a ampliação do sentido de liberdade para as pessoas que acabam tendo suas vidas
determinadas por fatores externos, como a falta de oportunidades.
De fato, oferecer direitos políticos ou salvaguardas contra a intervenção do Estado, a
homens seminus, analfabetos, subnutridos e doentes é zombar da sua condição: eles
precisam de ajuda médica ou educação antes de poderem compreender ou aproveitar
um aumento em sua liberdade. O que é a liberdade para aqueles que não a podem empregar? Sem as condições adequadas para o uso da liberdade, qual é o valor dela?
(BERLIN, 2002, p.231)
Os teóricos da liberdade negativa estão principalmente interessados no grau em que os
indivíduos ou grupos sofrem interferência de organismos externos. “A liberdade buscada
pelos homens difere segundo suas condições sociais ou econômicas, mas a de que a minoria
que a possui conquistou-a explorando ou, pelo menos, evitando contemplar a imensa maioria
que não a tem” (BERLIN, 2002, p.231).
Porém, os pensadores do liberalismo se contrapõem à acepção negativa da liberdade
argumentando que a busca da liberdade (como autorrealização e autodeterminação individual
e coletiva) ao objetivar o alcance da lei, acaba exigindo a intervenção estatal, o que não é
desejado pelos liberais.
O sentido de liberdade definido por Amartya Sen como a possibilidade de opções é
denominada como liberdade negativa, tal distinção também é encontrada em Berlin e Mill.
Segundo esses dois autores há liberdade negativa pelo menos quando há duas características:
Uma atrelada à falta de liberdade como limitada às ações de outros agentes, de tal modo que
as limitações naturais ou impostas a si próprio não são tidas como diminuidoras da liberdade
de um agente. E outra, quando as ações de um individuo livre ou não livre são estabelecidas
com o mesmo valor, ou seja, quando um não é considerado mais livre, do que outro, apenas
porque as opções disponíveis para um são mais valiosas ou favoráveis para a auto realização
do que para outro.
60
Sen rejeita as formulações apresentadas acima, apesar de apoiar a liberdade negativa,
na acepção de Berlin. Assim considera-se neste trabalho as aproximações e discordâncias de
Sen quanto a liberdade em seu sentido positivo e negativo, além do conceito de liberdade no
sentido republicano, por isso, o próximo capítulo visa analisar esse conceito.
61
CAPÍTULO V
5 REPUBLICANISMO
A argumentação sobre o conceito de liberdade de acordo com o modelo de Berlin em
seu sentido negativo suscita um questionamento quanto ao exercício desta liberdade, já que a
liberdade consiste não apenas na permissão de fazer certas coisas, ou não ter restrições em
fazê-las.
Para muitos críticos o ideal de liberdade negativa de Berlin descrita anteriormente (no
qual se enquadra o conceito de liberdade defendida por Amartya Sen), consiste mais em um
conceito positivo de liberdade do que em uma definição negativa. Isso pelo fato da liberdade
positiva se aproximar mais com o crescimento do indivíduo no qual a pessoa é livre quando
desenvolve e modifica seus próprios desejos e interesses de modo independente. Esta não é
uma ideia de liberdade como a mera ausência de obstáculos, mas a liberdade como autonomia
ou autorrealização.
Buscou-se um modelo de pensar o conceito de liberdade, através de outros teóricos da
liberdade que também têm se aproximado da concepção negativa de liberdade, mas ao mesmo
tempo indo além da versão na qual a liberdade não é apenas possível em uma esfera de não
interferência, mas sim possui certas condições em que a não interferência é garantida.
De acordo com o professor e pesquisador do tema Ricardo Silva, em
Neorrepublicanismo e Teoria Democrática (2013) o neorrepublicanismo busca concentrar sua
visão em uma posição alternativa ao imposto pela teoria liberal. Ainda que em um primeiro
momento os neorrepublicanos enfatizassem um modelo positivo de liberdade provindo da
polis ateniense, posteriormente eles passaram a criticar esse republicanismo neoateniense pelo
fato da virtude cívica e da participação não serem consideradas como os valores soberanos do
ideal republicano de liberdade.
Os defensores dessa nova perspectiva preferem compreender a participação e a virtude cívica nos assuntos públicos como valores instrumentais à liberdade, este
sim o valor supremo da ordem republicana. Ancorando-se numa interpretação do
republicanismo moderno como herdeiro de uma tradição tributária mais da antiga
Roma do que de Atenas, os protagonistas desse “republicanismo neorromano”
definem a liberdade como uma espécie de status conferido aos indivíduos/cidadãos
no âmbito de uma ordem jurídico-política configurada contra a dominação; ou seja,
62
um status que previne uma pessoa de encontrar-se na dependência e sob o domínio
do poder arbitrário de terceiros (SKINNER apud SILVA, 2005, p.6).
Deste modo, o ideal a ser definido a seguir remete ao novo republicanismo também
chamado de “republican revival” na teoria política, originados do modelo neorromano
desenvolvido por Quentin Skinner perante a história do pensamento político e por Phillip
Pettit na construção da teoria política. Skinner amplia o referencial teórico do republicanismo
vivenciado em Roma e não em Atenas, enquanto que Pettit faz uso destas definições para
construir a sua teoria política republicana.
Como veremos, nesta visão estão inclusas a constituição democrática e medidas de
preservações contra governos que desfrutam de poder de forma arbitrária, abrangendo
também o exercício de virtudes cívicas por parte dos cidadãos.
Bem como já destacado na definição teórica desta pesquisa, a produção cientifica de
Skinner abrange conceitos trazidos de seus estudos como historiador, em conjunto com seu
enfoque em conceitos políticos e toda sua obra é prestigiada e propagada por inúmeros
intelectuais. O livro “Liberdade Antes do Liberalismo” (SKINNER, 1999), é resultado da aula
inaugural que ele proferiu na Universidade de Cambridge em 1997, como professor de
História Moderna. Neste livro o autor apresenta “uma compreensão neorromana da liberdade
civil” (SKINNER, 1999, p.9). Segundo ele, o ápice da teoria neorromana foi durante a
Revolução Inglesa no século XVII, no século XIX esteve representada pelos colonos
americanos na luta contra a Inglaterra, porém no século XX ela foi perdendo seu espaço para
o modelo liberal vigente.
O objetivo do autor ao abordar o conceito de liberdade provindo do republicanismo
neorromano é: “questionar essa hegemonia liberal mediante a tentativa de repenetrar o mundo
intelectual que perdemos” (SKINNER, 1999, p.10).
Entre os diversos autores que Skinner emprega para definir sua teoria ele afirma estar
consciente de uma dívida especial para com Philip Pettit e seus escritos sobre liberdade, pelos
quais foi “profundamente influenciado” (SKINNER, 1999, p.10). Por este motivo o perfil
deste capítulo está estruturado de um modo que ambas as teorias são utilizadas e
complementam o conceito de liberdade republicana vinculada à vertente neorromana.
No livro titulado “Hobbes e a Liberdade Republicana” (2010) resultado do curso
ministrado por Skinner na Universidade de Oxford durante o ano acadêmico de 2002 e 2003,
ele alega que:
63
O propósito principal deste ensaio é contrastar duas teorias rivais sobre a natureza da
liberdade humana. A primeira, que tem sua origem na antiguidade clássica, está no
centro da tradição republicana romana da vida pública (Wirszubski, 1960; cf.Brunt,
1998, p.281-350). Essa mesma teoria foi a seguir conservado no Digesto do direito
romano (Digest, 1985, 1.5-6, p.15-9), e posteriormente associada às cidades-
repúblicas da Itália renascentista (Skinner, 1978, v.1,p.3-65). Comentadores
recentes, em razão dessa proveniência, tenderam a falar dessa tradição como
distintivamente “republicana” em caráter. Esta etiqueta soa-me anti-histórica, e em
minha própria contribuição para a discussão preferi descrevê-la como “neorromana”
(Skinner, 1998, p.10-1; 2002b, p.14) (SKINNER,2010.p.09).
Ao longo da história o poder soberano já foi lançado nas mãos do rei e nas mãos do
povo, mas a partir de Hobbes e de seu Leviatã (1651) esta concepção gira em torno do Estado.
Para SKINNER (1992, p.193) a visão de liberdade que Hobbes formulou no Leviatã (1651),
resume-se em que,
Ser livre é simplesmente estar desimpedido para mover-se de acordo com os
próprios poderes naturais, de tal sorte que agentes humanos carecem de liberdade de
ação se, e somente se, algum impedimento externo tornar impossível a eles executar
uma ação que, não fosse isso, estaria em seus poderes.
Skinner (2010, p.19-21) ainda afirma que para Hobbes “Um HOMEM LIVRE é
aquele que, naquelas coisas, que por sua força e sagacidade ele é capaz de fazer, não é
impedido de fazer o que ele tem vontade.” Quando dizemos de alguém que agiu livremente,
isto quer simplesmente dizer que ele realizou uma ação que tinha vontade de realizar, e o fez
sem estorvo ou impedimento externo. Para Skinner ao desenvolver essa linha argumentativa
Hobbes objetivava contestar a teoria republicana da liberdade.
Skinner define a concepção que levou em consideração o poder do Estado e a
liberdade de seus súditos, da seguinte forma:
Ser livre como um membro de uma associação civil alegava-se, é simplesmente
estar desimpedido de exercer suas capacidades na busca de seus fins desejados. Um
dos deveres básicos do Estado é impedir que você invada os direitos de ação de seus
concidadãos, um dever que ele cumpre pela imposição da força coercitiva da lei sobre todos igualmente. Mas onde a lei termina, a liberdade principia. SKINNER,
(1999, p.18).
Para Hobbes a obediência através da punição serve para a pessoa agir de acordo com o
que o a lei determina, e não de acordo com a sua vontade própria, já que a lei gera a coerção.
Deste modo, mesmo não existindo a lei a pessoa usufrui de uma liberdade como súdito, tal
argumentação através da qual ele busca negar a teoria de Estado livre. Esta doutrina, porém é
defendida pelos neorromanos, inclusive por Maquiavel em uma de suas grandes obras titulada
“Discursi”:
64
In the Discorsi, Machiavelli famously defies consensus among commentators on the
Roman Republic: unlike his predecessors, Machiavelli attributes the flourishing of
Rome´s freedom and greatness to the tumults resulting from domestic conflicts
between the wealthy nobles and the common people (MCCORNICK, 2013, p.885).
No capítulo titulado “Machiavelli´s discorsi and the pre-humanist origins of republican
ideas” do livro “Machiavelli and Republicanism” (1993) Skinner escreve que:
Machiavelli positive thesis states that the only way to ensure the promotion of the
common good must therefore be to maintain a republican form of government. The
interference is resoundingly drawn in the same crucial passage at the start the book
II. “There can be no doubt that is only in republics that this ideal of common good is
properly considered. For it is only in republics that everything which needs to be
done to attain this objective is followed out (SKINNER, 1993, p.139).
Em relação aos teóricos da Revolução Inglesa do século XVII, Skinner destaca que os
teóricos romanos discutiram a liberdade apenas no sentido político, na relação entre povo e
Estado. “Para eles, a questão central é sempre sobre a natureza das condições que devem ser
preenchidas para que os requisitos contrastantes da autonomia civil e da obrigação política
sejam satisfeitos o mais harmoniosamente possível” (SKINNER, 1999, p.27).
Ao longo de sua abordagem Skinner refere-se a conceitos estabelecidos por teóricos da
“Commonwealth”, como Nedham, Neville, John Hall , Sidney e Harrington.
mais do que seu às vezes ambiguo republicansimo, mais até do que seu
inquestionável compromisso com uma política de virtude, sua análise da liberdade civil assinala-os como os protagonistas de uma ideologia especifica, e mesmo como
os membros de uma escola única (SKINNER, 1999, p. 30,31).
Entre opiniões comuns a estes pensadores destacam-se definições como a liberdade
das associações civis, considerada também com expressões como a liberdade da comunidade
ou o corpo do povo/comunidade. “A principal maneira pela qual esses autores seguem esta
metáfora é examinando o sentido no qual os corpos natural e político são igualmente capazes
de possuir e perder sua liberdade” (SKINNER, 1999, p.32).
Do mesmo modo que os corpos humanos individuais são livres, alegam-nos, se e
apenas se eles são capazes de agir ou eximir-se de agir à vontade, assim os corpos
das nações e Estados são igualmente livres se e apenas se eles são similarmente
desimpedidos de usar seus poderes de acordo com suas próprias vontades na busca
de seus fins desejados. Estados livres, como pessoas livres, são assim definidos por
sua capacidade de autogoverno. (SKINNER, 1999, p.32-33.)
Novamente Skinner cita o “Discursi” de Maquiavel como exemplo de tal afirmação,
no qual as cidades livres são aquelas governadas por sua própria vontade. Skinner interpreta
65
em suas obras o republicanismo de Maquiavel, como uma mudança ao republicanismo
aristotélico no qual enseja a vida política através de uma “boa vida” (como já exposto na
conceituação de Amartya Sen), e contrariando o posicionamento positivo de liberdade, ao
definir a ausência de dependência proposta pelo papel da liberdade perante o republicanismo.
Outra característica enfatizada pelo pensamento neorromano é a consideração dos
chamados Estados escravizados que seriam aqueles que não são governados pela vontade de
seu povo, mas por representantes. Para tal explicação eles fazem uso mais uma vez da
analogia entre corpos naturais e políticos, argumentando que o que significa para uma pessoa
individual sofrer uma perda de liberdade é ser transformada em escravo.
A questão do que significa para uma nação ou Estado possuir ou perder sua liberdade
é dessa maneira analisada inteiramente em termos do que significa cair numa condição de
escravidão ou servidão. Cabe ressaltar que essa argumentação igualmente é originada do
“Discursi” de Maquiavel, fiel representante do pensamento neorromano.
Além disso, o modelo de pensamento de Maquiavel tem suas origens no Digesto do
Direito romano, no qual segundo Skinner já se discute o conceito de escravidão, “O conceito
de escravidão é inicialmente discutido no Digesto sob a rubrica de statu hominis, onde nos é
dito que a distinção mais fundamental no interior do direito das gentes é entre aqueles que são
livres e aqueles que são escravos” (SKINNER, 1999, p.42).
O que define a escravidão na tradição romana segundo Skinner (1999, p.43) é que
mesmo um escravo não sendo coagido, ou não sofrendo interferência de seu dono, ele
continua escravo, já que ele pertence a esta pessoa, ou seja, sua liberdade é fruto do poder de
outra pessoa.
Finally, we might ask what mechanisms the republican writers have in mind when
they speak of using the law to coerce naturally self-interested individuals into
defending their community with courage and governing it with prudence. This is a
question to with Machiaveli devotes much of Book I of his Discorsi, and he offers
two main suggestions, both derived from Livy´s account of republican Rome
(SKINNER, 1993, p 305).
Os primeiros livros da história de Lívio são dedicados principalmente a descrever
como o povo de Roma se libertou de seus primeiros reis e conseguiu fundar um Estado livre.
Thus, while Athens was an economically inegalitarian political oligarchy, we might
conclude that ancient Rome was a combination of both. The Roman republic was
both politically oligarchic and democratic; and while Roman society was
economically inegalitarian in profound ways, Roman citizens enjoyed extensive –
indeed, almost unprecedented- opportunities for upward socio-economic mobility.
(MCCORNICK, 2013, p.882).
66
“O uso da força sem direito é sempre um meio de solapar a liberdade pública”
(SKINNER, 1999, p.48). Entretanto, mesmo um Estado considerado como governado de
forma não tirânica, e perante as leis, não pode ser considerado livre “se sua capacidade para
ação for, de alguma maneira, dependente da vontade de alguém que não o corpo de seus
próprios cidadãos” (SKINNER, 1999, p.49). Esta situação pode ocorrer tanto pelo domínio de
um Estado sobre outro, como no caso de colonização e conquista, ou quanto o Estado permite
qualquer modo de poder privilegiado a quem lhe governa.
By now, I hope, it will obvious what conclusions I wish to draw from this examination of the classical republican theory of political liberty. On the one hand,
it is evident that the republican writers embrace both the paradoxes I began by
singling out. In a manner that contrasts sharply with self-government, but also link
the idea of personal liberty with that of virtuous public service. Moreover, they are
no less emphatic that we may have to be forced to cultivate the civic virtues, and in
consequence insist that the enjoyment of our personal liberty may often have to be
the product of coercion and constraint. (SKINNER, 1993, p 306)
A teoria neorromana foi utilizada como modelo para excluir muitas outras formas de
governo durante, por exemplo, a libertação norte Americana da Inglaterra. E devido a tais
fatores esta teoria recebeu muitas críticas entre estas se destaca, como já exposto
anteriormente, à visão de Hobbes que repudiava a ideia da liberdade individual estar ligada a
liberdade do Estado.
Porém ao defender a abordagem da teoria republicana Skinner expõe que:
Embora seja verdade que estes autores tomam a ideia de Estados livres como seu
ponto de partida, eles o fazem em parte por causa de uma tese radical que desejam
desenvolver sobre o conceito de liberdade individual. Sua tese – para coloca-la do
modo mais tosco – é que só é possível ser livre num Estado livre (SKINNER, 1999, p.56).
Presumindo o pensamento de todos os autores aos que Skinner faz referencia ele
afirma que “a principal conclusão com que esses autores estão comprometidos é então a de
que só é possível gozar plenamente de liberdade civil vivendo como cidadão de um Estado
livre” (SKINNER, 1999, p.61).
Os principais pontos levantados por estes autores para sustentarem tal tese são:
“Antes de tudo, você pode por certo ser privado de sua liberdade se o poder do Estado (ou de
seus concidadãos) é usado para força-lo ou coagi-lo a desempenhar (ou impedi-lo de
desempenhar) alguma ação nem prescrita nem proibida por lei” (SKINNER, 1999, p.61)
67
Como exemplo, Skinner cita o caso do poder estar em mãos de um governo tirânico. A
principal tese em que os autores neorromanos insistem é a de que nem sempre é necessário
sofrer este tipo de coerção aberta para ser privado de sua liberdade civil. Você pode também
se tornar não livre se simplesmente cai numa condição de sujeição ou dependência política,
deixando-se, portanto, exposto ao período de ser privado, por seu governo, mediante força ou
coerção, de sua liberdade ou propriedades.
“Como Sidney deixa claro, é a mera possibilidade de você estar sujeito com
impunidade à coerção arbitrária, não o fato de estar sendo coagido, que retira sua liberdade e
o reduz à condição de um escravo” (SKINNER, 1999 p.63-64). Deste modo é possível viver
em liberdade apenas se todos os homens da comunidade participarem de forma igualitária na
elaboração das leis, “só é possível escapar à escravidão pessoal vivendo como um cidadão
ativo sob uma forma representativa de governo” (SKINNER, 1999, p.67).
Economic inequality is perhaps the greatest threat to the civic liberty that republics, ancient and modern, promise to citizens. Liberty depends first and foremost on
political equality: every citizen ought to influence law and policy-making in a
relatively equal way. At the very least, government ought to be responsive and
accountable to all citizens on a fairly equal basis. (MCCORNICK, 2013, p.879).
No revés republicano, eu sou livre só se viver em uma sociedade com os tipos de
instituições políticas que garantam a independência de cada cidadão a partir de exercícios de
poder arbitrário. Quentin Skinner chamou este ponto de vista da liberdade neorromana,
determinando opiniões sobre a liberdade tanto dos antigos romanos e de muitos autores
modernos. Philip Pettit conceituou esta mesma teoria como republicanismo e esta visão
predomina nos escritos atuais. “In its initial appearance republicanism referred to a body of
ideas said to have animated the men of the revolutionary generation” (APPLEBY, 1992,
p.277).
Philip Pettit, filósofo e professor da Universidade de Princeton (EUA), possui
inúmeros escritos em torno dos conceitos de liberdade e republicanismo. Nesta pesquisa
enfatizam-se as obras “Liberdade como Antipoder” de 1996 e “Republicanism, a Theory of
Freedom and Government” de 1997, já que estas podem ser consideradas suas principais
referências sobre o tema. Além disso, a leitura em torno da obra de Ricardo Silva, pesquisador
destes autores, amplia o leque informacional desta abordagem.
Os autores republicanos inserem na liberdade negativa a visão de que uma pessoa é
livre quando ela possui amparos institucionais que a protejam contra interferência, ou seja,
68
sob o formato da lei. Pettit (1997) em sua obra destacada acima considera que além de
capacitar as pessoas, as leis fazem com que a não dominação seja promulgada.
Ao ponderar a liberdade republicana como não dominação, ele a considera como um
“meio termo” entre a liberdade negativa e positiva. Para Pettit, a questão não é ter todo o tipo
e quantidade de escolhas, mas ter escolhas não dominadas. A dominação corresponde a estar
sujeito a vontades arbitrárias de outros.
A principal critica de Pettit aos conceitos de liberdade positiva e negativa, segundo
Silva (2007). está no não reconhecimento de uma concepção de liberdade que, embora esteja
longe de adequar-se ao modelo da liberdade positiva, também não cabe inteiramente no
modelo da liberdade negativa à moda de Berlin.
Berlin’s taxonomy of positive and negative liberty forecloses a more or less salient
third possibility. He thinks of positive liberty as mastery over the self and of
negative liberty as the absence of interference by others. Yet mastery and
interference do not amount to the same thing. So what of the intermediate possibility
that freedom consists in an absence, as the negative conception has it, but in an
absence of mastery by others, not in an absence of interference? This possibility
would have one conceptual element in common with the negative conception – the focus on the absence, not presence – and one element in common with positive: the
focus on mastery, not interference (PETTIT, apud SILVA, 2007p. 203)
O Republicanismo contemporâneo de Pettit afirma que sua visão de liberdade é
bastante distinta da visão negativa da liberdade porque se pode viver sem interferência e ao
mesmo tempo sem dominação. Por outro lado, a liberdade republicana também difere da
liberdade positiva de Berlin, como exemplificada e criticada no capítulo anterior.
Para o autor, a liberdade republicana não provém da participação pública, mas sim, a
participação é interligada ao conceito de liberdade como não dominação. Para Pettit a
dominação pode ser exemplificada pela escravidão, pois um agente domina o outro apenas
quando ele gera interferência nos assuntos dos outros, causando-lhes dano. Porém, cabe
destacar que este agente não é representado apenas na figura de uma pessoa. Ele pode ser uma
corporação, grupo ou até mesmo um governo tirânico, enquanto que a outra parte é
representada apenas por um individuo ou grupo.
A Liberdade republicana de Pettit ressalta a mesma visão advertida em Skinner, a qual
pode ser pensada como um modelo onde uma pessoa é livre para usufruir dos direitos
oriundos da cidadania republicana, enquanto uma pessoa que não possui essa liberdade é
considerada escrava. A liberdade não é simplesmente uma questão de não interferência, pois o
escravo pode não ter interferência por parte de seu dono e, mesmo assim, continuar com o
status de uma pessoa não livre, sujeito permanentemente a interferências de qualquer
69
tipo. Mesmo o escravo gozando de tal não interferência, ele é, como acredita Pettit, dominado
porque sempre está submisso ao poder arbitrário de seu proprietário.
De acordo com a maior parte do pensamento contemporâneo não há perda de
liberdade sem interferência real, porque não há perda de liberdade em função de sofrer apenas
interferência. Entretanto, segundo Pettit “não há interferência real – nenhuma interferência,
nem mesmo a de um estado de direito não subjugador – sem alguma perda de liberdade:
‘Toda restrição, enquanto restrição, é um mal’, assim expressou John Stuart Mill a ortodoxia
emergente” (PETTIT, 1996, p.11).
Segundo a concepção de liberdade como antipoder, sou livre na medida em que nenhum ser humano tenha poder para interferir em mim: na medida em que
nenhuma outra pessoa seja o meu senhor, mesmo se me faltar a vontade e a
sabedoria necessárias para alcançar o autogoverno. (PETIT, 1996, p.13)
Uma pessoa tem poder sobre a outra ou alguém domina ou subjuga outra pessoa na
medida em que (1) tem a capacidade de interferir (2) com impunidade e à vontade (3) em
certas escolhas que o outro está em condições de fazer.
Pettit exemplifica o primeiro caso abaixo:
O que significa, contudo, ter a capacidade de interferir no sentido explanado?
Lembremo-nos da velha piada: “Você toca piano?” “Não sei, nunca tentei.” A lição dessa piada é que a capacidade para interferir deve ser uma capacidade real, como
poderíamos chamá-la – uma capacidade pronta a ser exercida –, não uma capacidade
que ainda está por ser plenamente desenvolvida: algo de modo algum semelhante à
capacidade virtual de uma pessoa musicalmente bem dotada que ainda há de tentar
tocar piano. (PETIT, 1996, p. 16)
Uma vez que a preocupação da liberdade republicana concebe a ausência de
interferência arbitrária, ou seja, de dominação, ela permite definir a não interferência através
de dois critérios da liberdade: um vem da hipótese de não ter liberdade sem sofrer
interferência e o outro de ter a possibilidade de ter liberdade, ainda sofrendo interferência.
Esta possibilidade ocorre devido ao fato da não dominação, ou o anti poder,
possibilitar que uma pessoa possa confiar, em relação à outra pessoa, no conhecimento que
ambos dispõem sobre os direitos que lhe são compartilhados na sociedade, direito este
propagado pelas leis. “Não vive com medo ou em deferência a outrem. Você é um alguém em
relação aos outros, e não um ninguém; possui direitos sociais e legais” (PETTIT, 1996, p.
595).
Segundo Silva:
70
Ao definir-se pela ausência e não pela presença de algo, a concepção republicana
de liberdade compartilha a preocupação liberal de evitar as consequências
potencialmente ameaçadoras à liberdade individual associadas à ideia de liberdade
positiva. Contudo, o que deve estar ausente não é a mesma coisa para o
republicanismo e para o liberalismo. (SILVA, 2008, p.81)
A segunda característica pode ser definida pela pessoa que tenha a capacidade de
interferir com impunidade e à vontade caso domine a outra completamente. A condição “com
impunidade” significa que não há penalidade. A condição “à vontade”, demanda que a pessoa
possa realizar a interferência a sua maneira. Deste modo, para haver não dominação é
imprescindível que a interferência arbitrária não seja só hipotética, mas que ninguém tenha a
capacidade ou probabilidade de realizar tal interferência.
O terceiro elemento da liberdade como não dominação refere-se aos níveis em que
ausência de dominação é possível, variando conforme a capacidade dos agentes de
interferirem, bem como em algumas esferas onde a interferência causa danos maiores do que
em outras.
Para Pettit a não dominação ou:
O antipoder representa uma forma de controle de que goza uma pessoa com relação
ao seu próprio destino – um obséquio das medidas que reduzem a dominação – e tal
controle representa um tipo muito conhecido de poder: o poder do agente que é
capaz de fazer as coisas acontecerem. (PETIT, 1996, p.28)
Além do mais, Pettit (1996, p.29-30) destaca a possibilidade de se diminuir os
desequilíbrios “dando aos sem poder proteção contra os recursos dos poderosos, regulando o
uso que os poderosos fazem de seus recursos e dando aos sem poder recursos novos, que os
empoderem e que sejam seus próprios”.
Essa ampliação de poder que decorre da não dominação somente é possível através da
inclusão de instituições protetoras, reguladoras e empoderadoras. Estas serão definidas a
seguir para deliberar uma compreensão mais detalhada do tema, que nos servirá de base
posteriormente na comparação de muitos conceitos já definidos por Amartya Sen, mas que
também estão presentes na abordagem republicana de Phillip Pettit.
As instituições protetoras são definidas como a criação “de um sistema de defesa não
ameaçador e por um estado de direito não voluntarístico” (PETTIT, 1996, p. 30). Elas
merecem destaque na definição de Pettit por possibilitarem a não dominação.
A segunda maneira que possibilita a promoção da não dominação se dá através “da
regulação dos recursos dos poderosos, em particular dos recursos que os poderosos podem
71
utilizar para subjugar os outros” (PETIT, 1996, p. 31), bem como aqueles que se encontram
em posições economicamente privilegiadas.
Por fim, a terceira categoria delineada por Pettit é a mesma já descrita por Sen e que
entrou em evidencia no século XX. Esta objetiva dar poder as pessoas, para que elas possam
usufruir de capacidades básicas e, deste modo, não sofrerem dominação. Estas capacidades
são garantidas através do estado de bem-estar social, no qual estão inseridas a promoção de
medidas institucionais relacionadas à educação, saúde, cultura, transporte e comunicação.
Outras medidas a serem promovidas por um estado de bem-estar social são
concebidas com o fim de prover recursos a pessoas em circunstâncias que as tornam
particularmente vulneráveis ao poder de outros; essas incluem medidas como
seguridade social, seguro saúde, seguro contra acidentes e auxílio legal. Da mesma
maneira que a atenção com a liberdade como não-interferência está associada à
preocupação de se maximizar o alcance de escolhas não interferidas, ao menos
quando outras coisas forem iguais, a atenção com a liberdade como antipoder está
associada à preocupação de se maximizar o alcance do gozo das escolhas não
dominadas (PETTIT, 1996, p. 37).
72
CONSIDERAÇÕES FINAIS
No decorrer das obras de Amartya Sen é visível a descrição da evolução do
pensamento de Quentin Skinner e Phillip Pettit. Em “Desigualdade Reexaminada” Sen (2001)
nem sequer chega a citar esses autores, mas em “A Ideia de Justiça” (SEN, 2011) ele responde
às criticas e aos conceitos estabelecidos por Pettit, além de menciona-lo inúmeras vezes.
Conforme exposto anteriormente na definição de Pettit, logo se percebe a aproximação
de sua abordagem, na qual insere o bem estar social como promotor de fontes de não
dominação, com a mesma identidade defendida por Amartya Sen nos funcionamentos
necessários para que as pessoas possam exercer suas capacidades e, assim, viver do modo que
elas consideram valioso para si.
Porém, Amartya Sen no livro “A Ideia de Justiça” (2011) coloca em dúvida tal
afirmação. Ao exemplificar a importância desta ideia, ele cita o caso de: 1) uma pessoa ter
uma doença e não receber a ajuda de ninguém; 2) esta pessoa ter a doença e receber
assistência de voluntários ou seguro social; 3) ou esta pessoa estar doente e ter empregados
que obedecem a suas ordens. Com esta definição Sen destaca que em ambos os casos a pessoa
não tem capacidade, mas no primeiro ela não tem nem capacidade nem liberdade. No segundo
e no terceiro ela tem liberdade, mas no segundo depende da ajuda de outros, enquanto que no
terceiro ela paga por tal função. No terceiro caso ela exerce o poder sobre essa capacidade,
sendo este modelo o defendido pela teoria republicana. Concordando com Pettit, Sen afirma
que a pessoa é livre de um modo diferente no segundo e no terceiro caso e que “a abordagem
republicana capta essa diferença e tem um poder especial de diferenciação que a abordagem
das capacidades não tem” (SEN, 2011, p. 341).
Sen afirma que a maneira visualizada no segundo caso faz parte da nossa sociedade,
onde as pessoas possuem essa necessidade, pois “vivemos em um mundo no qual pode ser
particularmente difícil conseguir completa independência da ajuda e boa vontade dos outros, e
às vezes talvez nem seja o objetivo mais importante” (SEN, 2011, p. 342). Deste modo, Sen
acredita que Pettit não leva em consideração o papel das instituições e do bem-estar social na
promoção da liberdade.
Porém, como já exposto neste trabalho, Pettit considera a essencialidade do bem-estar
na promoção da não dominação, já que quanto maior for o nível de educação e saúde, de uma
pessoa mais apta ela estará para ser livre de um modo que, além de não receber interferência,
também não será dominada.
73
O que Pettit critica como fonte de interferência é a dependência que uma pessoa
doente acaba tendo de outras pessoas. Esta faz com que ela seja dominada e não tenha a
possibilidade de escolha.
Quanto a possibilidade de escolhas, Sen (2011, p. 251) aceita como exemplo de
“consequencialismo” a definição realizada por Pettit afirmando que,
“a grosso modo, o consequencialismo é a teoria segundo a qual o modo de determinar
se uma escolha especifica é a correta para um agente consiste em observar as consequências
relevantes da decisão, observar os efeitos relevantes da decisão no mundo”.
Assim como o modelo proposto por Sen não deixa de considerar a relevância das
capacidades e da ação, este se aproxima do sentido de Pettit:
The basic capabilities required for functioning in one society may be different from
those required in another (Sen 1983; cf. Smith 1976: 870). You need to be able to
provide yourself with enough to eat in any society, as you need to be able to keep
yourself in clothes and to provide yourself with shelter. But what it is to have
enough to eat and what it is to have adequate clothing or shelter will vary from one
sorts of things that are necessary for functioning in one society which are not
necessary in another. (PETIT, 1997, p. 158)
Em relação ao quesito de responsabilidade já destacado ao longo deste texto, Sen
afirma que “é importante notar que o raciocínio sensível às consequências é necessário para
uma compreensão adequadamente ampla da ideia de responsabilidade” (SEN, 2011, p.252).
Para ele a responsabilidade não está inserida apenas na busca da realização pessoal, mas sim
na participação pública.
Conforme discutido no terceiro capítulo, Sen conceitua a maior parte de suas obras
sobre o pressuposto liberal de Adam Smith, porém, interligado a Smith, ele faz uso do ideal
positivo de liberdade visualizado em Aristóteles, o qual ele cita em “Desenvolvimento como
Liberdade”:
Ele declarou que superior a “alcançar o bem para o homem” está à visão de que
“ainda que valha a pena atingir esse fim para um homem apenas, é mais admirável e
mais divino atingi-lo para uma nação ou para cidades-estados” (ARISTÓTELES,
apud SEN, 1999, p. 20)
Assim, um individuo que determina maior importância a liberdade de uma sociedade
do que a sua liberdade individual é considerado por Sen como um exemplo de felicidade que
não é cabível aos conceitos utilitaristas de bem estar ou até mesmo a condição de agente.
Perante a condição de agente a pessoa busca o bem estar da sociedade e, assim, promove o
desenvolvimento. Cabe ressaltar que no processo de desenvolvimento como liberdade a
condição de agente é enfatizada por Sen ao longo de todas as suas obras.
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Em conjunto com tal definição permanece a ênfase de Sen na participação pública.
Esta remete ao ideal de liberdade positiva caracterizado por Isaiah Berlin, e também já
discutido ao longo desta pesquisa.
Pettit critica a defesa de Sen do papel de agente em sua publicação ao afirmar que a
concepção de Sen envolve, caracteristicamente, colocar de lado seus próprios objetivos e agir
nos de outros, e tal preceito para Pettit não é inerente aos atributos humano. Além disso, Pettit
acredita que Sen supõe que as pessoas podem estar tão comprometidas com os outros que
deixam de lado seus objetivos, de modo que a busca de objetivos particulares podem ser
comprometidos pela consideração dos objetivos dos outros.
Apesar do ideal de liberdade positiva no qual se aproxima a visão de Sen ser criticado
tanto pelo ideal negativo de liberdade quanto pelo republicano, a visão de liberdade
relacionada com a participação pública defendida por Amartya Sen aproxima-se do conceito
defendido pelo neorrepublicanismo, que se ampara na “Virtu”.
A liberdade caracterizada por Sen é classificada no sentido negativo de liberdade, pois
este desenvolve o posicionamento herdado de Mill no qual as pessoas possuem a capacidade
para viver a vida do modo que desejam. Esta liberdade, a qual Rawls se refere como a
possibilidade das pessoas levarem as suas vidas como desejam, sem sofrerem a interferência
de terceiros, é segundo Sen (2011, p.339) “o território clássico da obra pioneira de John Stuart
Mill: On liberty (“Sobre a liberdade”). Tal definição já se expos anteriormente na definição
elaborada por Berlin do conceito negativo de liberdade.
Todavia, ao falar de Adam Smith e defender o livre mercado, Sen resguarda com
clareza os ideais liberais, o que acaba sendo uma contradição já que é a favor do Estado
possibilitar a promoção do bem-estar social. O liberalismo como um todo prega a não
intervenção do estado e Sen acredita no investimento do Estado em condições mínimas que as
pessoas possam conviver e buscar o ideal de liberdade que anseiam.
Assim sendo, é visível o alcance da liberdade defendida por Amartya Sen, não como
um conceito especifico de liberdade, mas sim como uma liberdade que remete variáveis
alcances.
Para Sen a orientação do bem-estar pode ocorrer de diversas formas, de acordo com a
liberdade da pessoa, porque o que é cabível para o bem-estar de um não é cabível para o de
outro. Essa relação considera a ideia de liberdade efetiva, exercida pelo controle indireto – ou
seja, nenhum individuo controla a decisão – enquanto que na versão de Phillip Pettit a
liberdade é resultado de uma situação favorável, ou seja, este vê a liberdade independente do
conteúdo, independente do que a pessoa quer exatamente.
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Em algumas teorias da liberdade (freedom), por exemplo, a chamada teoria
“republicana” ou neorromana”, a liberdade (liberty) não é definida apenas com relação ao que uma pessoa é capaz de fazer em determinada esfera, mas também
inclui a exigência de que outros não possam eliminar essa capacidade mesmo que
queiram fazer. (SEN, 2011, p.339)
Deste modo, Sen destaca que a liberdade de uma pessoa pode estar comprometida
mesmo quando não ocorre interferência, visto que a existência de poder arbitrário prejudica a
possibilidade da pessoa agir como deseja, mesmo sem este poder ter realizado alguma
intervenção. Este exemplo é característico de Skinner, já exposto anteriormente, como o
“escravo e seu dono”.
Baseado em fundamentos “republicanos” contra a visão da liberdade como
capacidade, Phillip Pettit argumentou que, uma vez que uma pessoa pode ter a
capacidade de fazer muitas coisas dependentes do “favor dos outros” sustentando
que as escolhas reais da pessoa (ou realizações) são dependentes dessa forma, ela
não é realmente livre (SEN, 2011. p.339).
Para sustentar esta afirmação, tanto Sen quanto Pettit citam o seguinte exemplo: em
relação à uma decisão importante para você, quando há a possibilidade de se escolher entre A
e B, mas o resultado desta decisão depende da vontade de outras pessoas, por mais que a
responsabilidade da escolha seja sua, ela depende da interferência de outro. Assim o conceito
de liberdade substancial, a partir das capacidades caracterizado por Sen, não serve para um
modelo de liberdade sem interferência, já que a pessoa acaba dependendo de interferência. E
para Pettit isso não torna uma pessoa livre, pois “as pessoas continuam sendo escravas mesmo
que as suas escolhas nunca sejam conflitantes com a vontade do seu senhor” (SEN, 2011, p.
340).
Phillip Pettit, (“Capability and freedom: a defence of Sen” Economics and
Philisophy, 17, 2001, p.6). Não estou comentando aqui a parte da “defesa” da
argumentação de Pettit, mas sua critica a minha ênfase nas capacidades, na qual
sugere que ela deveria ser estendida na direção da perspectiva “republicana”, de
modo que as capacidades dependentes do favor não contem como liberdades reais.
Pettit vê isso como uma extensão natural da ideia de capacidade e de sua defesa
(assim como apresentada por mim): “Em minha leitura, a teoria de liberdade de Sen
coincide com a abordagem republicana nessa ênfase na conexão entre liberdade e não dependência” (p.18). Vejo a importância dessa conexão, mas tenho de sustentar
que ambos os conceitos – o republicano e o da liberdade baseada na capacidade –
têm valor, uma vez que refletem distintos aspectos da ideia inevitavelmente plural
de liberdade. (SEN, 2011, p.339)
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Devido a todas essas lacunas visualizadas na teoria de Amartya Sen busca-se a seguir
definir de que modo a teoria da liberdade substancial aproxima-se ou difere-se da teoria
Republicana. Para Sen,
Não há duvida de que o conceito republicano de liberdade é importante e capta um
aspecto de nossas intuições sobre as reivindicações da liberdade, Minha
discordância diz respeito à afirmação de que a ideia republicana de liberdade pode
substituir a perspectiva da liberdade como capacidade. (SEN, 2011, p. 340)
Por conseguinte, conclui-se que, como observa Sen, é possível as duas ideias
conviverem juntas já que ele é contra um conceito unifocal de liberdade. Além disso, ele
destaca que Pettit defende este conceito ao afirmar que “A tensão entre capacidades e
republicanismo como abordagens da liberdade surge se e somente se fizermos no máximo
uma só concessão”. Esta tensão surge ao buscarmos um entendimento unifocal da liberdade,
apesar do fato de a liberdade como ideia ter irredutivelmente vários elementos. De meu ponto
de vista, a concepção republicana da liberdade complementa a perspectiva baseada nas
capacidades, em vez de demolir a relevância dessa perspectiva como abordagem da liberdade
(SEN, 2011, p. 342).
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