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DESENVOLVIMENTO RURAL E EDUCAÇÃO: um olhar sobre um programa municipal de desenvolvimento rural sustentável com base na agroecologia
Ana Maria Dantas Soares1, Lia Maria Teixeira de Oliveira2, Pablo Mendonça3, Shirlene C. Barbosa4
RESUMO Tendo como pano de fundo o olhar sobre a complexa teia de novas relações que se estabelecem e reconfiguram processos e produtos no mundo rural da atualidade, criando interdependências e demandando novas conceituações e práticas sociais, procura-se nesse trabalho analisar os limites e as perspectivas que se apresentam na implementação de programas municipais voltados para o desenvolvimento sustentável. Pensar em desenvolvimento sustentável é pensar no atendimento às necessidades dos grupos sociais, reconhecendo as diferentes formas de organização e sua articulação com as demandas maiores do conjunto da sociedade, bem como o entendimento de que os problemas sócio-ambientais estão situados para além das questões da técnica e apesar dela. Iluminado pelos aportes teóricos de autores que têm contribuído criticamente para a discussão dos processos e demandas diferenciadas que são estabelecidas a partir das novas configurações do rural, introduzindo novos modelos de atuação e redefinindo, mas não anulando, as questões que dizem respeito à relação campo/cidade, ao lugar do agricultor na sociedade, à importância cultural, social e política da sociedade local, etc. esse estudo busca analisar a construção e implementação de um programa de desenvolvimento rural sustentável, com base na agroecologia, tendo como eixo norteador a educação ambiental, desenvolvido num município situado na baixada fluminense. Palavras-chave: desenvolvimento sustentável, educação ambiental e políticas públicas. ABSTRACT Having as back cloth the view about the complex web of new relationships that are made and reconfigure process and outputs in present time of country world, bringing up interdependencies and calling for new conceptions and social practices, we want, in this work, to analyze the limits and perspectives presents in municipals programs directed to the defensible development, To think in defensible development is to meet the needs of the social groups admitting the different ways of organization and his articulation with the largess needs of the society, like the understanding that which the social-ambient problems are situated beyond and despite to the techniques questions. Illuminated by the teorics aports of autors that they have criticizely contributed for the debate of the process and
1 Docente do DTPE/IE/UFRRJ, Mestre em Educação, Doutora em Desenvolvimento, Sociedade e Agricultura pelo CPDA/ICHS/UFRRJ. Pesquisadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Política Educacional - NEPPE/IE/UFRRJ, nas áreas de Políticas Públicas para a Educação, Educação Agrícola e Educação Ambiental e Coordenadora do Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Ambiental e Desenvolvimento Sustentável - GEPEADS/IE/UFRRJ. E-mail: [email protected]. 2 Docente do DTPE/IE/UFRRJ, Mestre em Desenvolvimento, Sociedade e Agricultura pelo CPDA/ICHS/UFRRJ, Doutoranda em Desenvolvimento, Sociedade e Agricultura. Pesquisadora do NEPPE/IE/UFRRJ, na área de Formação de Professores e Educação Agrícola. Membro do GEPEADS/IE/UFRRJ. E-mail: [email protected]. 3 Licenciado e Bacharel em Ciências Biológicas, pela UFRRJ. Ex-bolsista de Apoio Técnico, no subprojeto de Educação Ambiental, do Programa de Desenvolvimento Rural Sustentável do Município de Paracambi, com base na agroecologia (financiado pela Petrobrás). E-mail: [email protected]. 4 Licenciada e Bacharel em Economia Doméstica, pela UFRRJ. Ex-bolsista de Apoio Técnico, no subprojeto de Extensão Rural, do Programa de Desenvolvimento Rural Sustentável do Município de Paracambi, com base na agroecologia (financiado pela Petrobrás). E-mail: [email protected].
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different needs that are established by the news configurations of the country, introducing new models of acting and redefining, but not annulling, the questions that does respect to the relationship city/couture, to the place of the agriculture in the society and to the cultural, social, politics importance of the local society, this work wants to analyze the construction and implementation of a country defensible development based in " agroecologia", having with leaded shaft the environmental education in a baixada fluminense municipality. Key-words:. Defensible Development. Environmental Education. Publics politics. Introduzindo a temática A temática objeto da nossa preocupação e estudo refere-se, centralmente, à questão
da implementação de políticas públicas voltadas para o desenvolvimento sustentável, em
especial no meio rural, e ao papel que a educação ocupa nesse processo, entendida como
eixo articulador de programas e projetos construídos em parceria entre instituições de
ensino e pesquisa e órgãos administrativos municipais.
Trata-se de analisar, amparados em referenciais teóricos do campo das ciências
sociais e da educação, os processos de desenvolvimento local, no contexto da complexidade
que a contemporaneidade apresenta, a construção de propostas sob a perspectiva de
sustentabilidade e de conscientização dos diferentes sujeitos nelas envolvidos. Para melhor
situar a nossa análise, apresentamos, no quadro geral da atualidade, as percepções sobre o
processo de globalização e as visões sobre espaço local e global; os desafios que se
apresentam ao mundo rural e suas novas configurações. Observe-se que muitas das análises
que têm sido realizadas tendem a simplificações, generalizações e conclusões apressadas
oferecendo assim um panorama pouco claro sobre a situação que o mundo se encontra hoje,
correndo inclusive o risco de incorrer no mesmo discurso de imutabilidade e de falta de
outras perspectivas que vem sendo alardeado pelos arautos da globalização, uma vez que
pode parecer não haver mais nenhuma possibilidade dada. Ao contrário desse
entendimento, nos apoiamos em Galvão (1998, p.150), que se inclina por afirmar que:
"a globalização não é um processo monolítico e unidiredicional, ao qual países e sociedades se devam ajustar passiva e automaticamente. Continua a existir a possibilidade - e a necessidade - de tomar decisões e escolher caminhos".
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É com essa perspectiva que empreendemos a nossa análise, procurando destacar as
diferentes visões que delinearam um programa de desenvolvimento rural sustentável, com
base na agroecologia, levado a efeito no município de Paracambi, pertencente à baixada
fluminense, numa parceria entre a UFRRJ, a PESAGRO-RIO, a EMBRAPA e a Prefeitura
Municipal.
Global e local: as dimensões do espaço contemporâneo
"...o lugar torna-se o mundo do veraz e da esperança, e o global, mediatizado por uma organização perversa, o lugar da falsidade e do engodo. Se o lugar nos engana é por conta do mundo. Nessas condições o que globaliza separa; é o local que permite a união. Defina-se o lugar como a extensão do acontecer solidário e que se caracteriza por dois gêneros de constituição: uma é a própria configuração territorial; outra é a norma, a organização, os regimes de regulação. O lugar, a região não são mais o fruto de uma solidariedade orgânica, mas de uma solidariedade regulada ou organizacional". (Milton Santos, 1997, p. 20).
Vivemos uma época em que vocábulos como integração mundial,
ampliação de mercados, flexibilização, competitividade, competências, são cada vez mais
utilizados e servem para dar significado ao ideário da globalização. Realmente estamos, sul
e norte, conectados por cabos e satélites, no entanto separados em função da gritante
desigualdade de fluxos e níveis de “interconexão”, da difusão de tecnologias, do comércio e
das comunicações (fortemente concentrados nos países da OCDE), bem como pelas
desigualdades políticas que forçam os Estados mais fracos (ou mais pobres) à aceitação de
agendas políticas sobre as quais não tem o menor poder de escolha, participação ou decisão.
Galvão (1998: 36-88), citando Hurrell e Woods, críticos da globalização, menciona que ela
é, ao mesmo tempo, aberta a escolhas (para os estados mais poderosos) e
conformadora/legitimadora do poder dos estados dominantes sobre os mais fracos. Para se
ter a dimensão em que isso vem se expressando, desde a década passada, uma reportagem
do jornal O Globo, de 1997, refere-se a que “Os países da Organização para a Cooperação
e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) com 19% da população mundial, detém 71% do
comércio mundial de bens e serviços, 58% do investimento direto estrangeiro e 91% dos
usuários da INTERNET”. Por outro lado, “Aproximadamente 1,3 bilhão de pessoas no
mundo não têm acesso à água potável; uma em cada sete crianças em idade de cursar o
Primeiro grau está fora da escola; cerca de 840 milhões de pessoas são desnutridas; cerca
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de 1,3 bilhão de pessoas vive com menos de um dólar por dia”. Esses dados, passados sete
anos, continuam atuais, observando-se que o poder, em nível global, está localizado nos
aparelhos estatais do G-7 e do capital transnacional. Além deles, incluem-se setores
“privilegiados”: firmas envolvidas em comércio exterior e prestação de serviços e
profissionais como operadores financeiros, contadores, consultores e outros.
A globalização aparece como a grande resposta ao apelo da homogeneização
mundial. A “nova ordem” produtiva exige soluções rápidas. Velocidades cada vez maiores
são envolvidas nos processos. As distâncias se encurtam, pessoas se interconectam, o
contato constante é fundamental, a interdependência é gerada pela flexibilização e
especialização do mercado, esse último colocado (ou reverenciado) como a essência do
bem e do progresso, e onde todas as coisas passam a ser resolvidas/direcionadas pela sua
lógica2. A noção de interdependência supõe unidade ou identidades que trazem por traz
uma idéia de igualdade, ou no limite, de complementaridade.
De acordo com o entendimento de Boaventura Santos (2002) a globalização é um
processo muito mais complexo e multifacetado do que a forma como vem sendo tratado
pela mídia e até mesmo por parte da literatura especializada. Para ele não existe uma
entidade única denominada globalização e sim existem múltiplas globalizações que
traduzem feixes de relações sociais, envolvendo múltiplos conflitos. Local e global são
fenômenos opostos, porém, interdependentes.
Observa-se que o novo espaço criado pela ordem capitalista, em prol da produção,
provoca uma nova forma de estar no mundo. Uma nova realidade foi criada rearrumando
as relações societais e garantindo a produção. A expansão urbana, por sua vez, é uma das
causa da hibridação cultural, conforme destaca Canclini (2000: 285), mencionando que
países da América Latina que no começo do século tinham aproximadamente 10% de sua
população nas cidades, concentram 60 ou 70% nas aglomerações urbanas, o que configura
que de sociedades dispersas em milhares de comunidades rurais com culturas tradicionais,
locais e homogêneas e, em algumas regiões, com fortes raízes indígenas, com pouca
comunicação com o resto da nação, passamos a uma trama majoritariamente urbana, em
que se dispõe de uma oferta simbólica heterogênea, renovada por uma constante interação
do local com redes nacionais e transnacionais de comunicação.
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A desterritorialização não é só econômica, mas social, cultural, política e vai influir
na subjetividade dos indivíduos, cada vez mais "moldados" pela mídia, que cria padrões,
costumes, valores, e os impõe, embotando a criatividade e influenciando decisões - em
outras palavras - transformando os indivíduos em verdadeiras marionetes.
Entender a globalização como sendo a possibilidade de um só lugar no mundo,
unificado e unificador, com uma cultura mundial unificada, pode significar o
desconhecimento de que choques culturais3 são inevitáveis e que, muitas vezes, provocam
uma reação de volta ao localismo, numa tentativa de redescobrir as particularidades, para
fugir da pasteurização, embora alguns campos do conhecimento estejam atingindo um certo
grau de homogeneização de procedimentos, práticas de trabalho e culturas organizacionais,
provocadas pela desregulação de mercados e fluxos de capital. (Featherstone, 1996, p. 25).
Tem-se podido observar que um grande contingente humano é levado a um não lugar
social. Ao tempo em que novos valores são vendidos e precisam ser rapidamente
absorvidos, num processo de desculturalização radical, no interior da sociedade capitalista
globalizada grassa a fome, a violência, o individualismo, a miséria e a guerra. Isso sustenta
a tese de que o processo de globalização é desigual e está longe de atender à perspectiva de
“um só lugar”.
Boaventura Santos (op. cit., p. 63) enfatiza que local e global não são fenômenos
opostos, mas interdependentes. Ao mesmo tempo em que fenômenos transnacionais se
multiplicam e as relações sociais aparecem como cada vez mais desterritorializadas, novas
identidades regionais, nacionais e locais se constituem. Logo, o global e o local são
produzidos no interior dos processos de globalização. Em seu entendimento, o que
chamamos de globalização é sempre a globalização bem sucedida de um certo localismo: a
globalização sempre pressupõe a localização, pois quando determinados discursos e
práticas são globalizados é porque outros discursos e práticas foram inseridos em uma
posição local, dominada, hierarquicamente inferior. Local é o lugar privilegiado onde as
demandas, as reivindicações, as identidades se expressam. Conforme destaca Leff (2001, p.
2 Jameson (1996) faz uma crítica a essa fetichização do mercado, evidenciando que nesta fase do capitalismo um elemento decisivo é a explosão tecnológica moderna e o seu papel como fonte de lucro e de inovação. 3 Hardt e Negri (2001),citados por Lopes (2002), também salientam o quanto a globalização e a localização são igualmente regimes de produção da identidade e da diferença, da homogeneidade e da heterogeneidade.
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340) se a globalização é o espaço onde as sinergias negativas manifestam os limites do
crescimento, é no local que as sinergias positivas da racionalidade ambiental vão emergir.
O mundo rural e a questão da sustentabilidade
As fronteiras antes bastante delimitadas entre o rural e o urbano têm se tornado
muito imprecisas, nos últimos anos e configuram uma nova realidade, plena de
diversidade4. Conforme enfatiza Ianni (1997), o mundo agrário está tecido e emaranhado
pela atuação de empresas, corporações e conglomerados agroindustriais. Ainda que
subsistam e se recriem as mais diversas modalidades de organização do trabalho e
produção, muito do que se faz no mundo agrário está subsumido pelo grande capital
flutuante pelo mundo afora. O que ocorre com o processo de globalização da economia é
bem definido por Ianni (1997, p.2-13):
“Simultaneamente à nova divisão internacional do trabalho, o que significa um novo impulso no desenvolvimento extensivo e intensivo do capitalismo no mundo, ocorre uma crescente e generalizada transformação nas condições de vida e trabalho no mundo rural. O campo é industrializado e urbanizado, ao mesmo tempo em que se verifica uma crescente migração de indivíduos, famílias e grupos para os centros urbanos, próximos e distantes, nacionais e estrangeiros. A tecnificação, maquinização e quimificação dos processos de trabalho e produção no mundo rural expressam o industrialismo e o urbanismo. (...) ...a globalização do capitalismo está provocando a dissolução do mundo agrário. Isto significa que se reduz ou supera a contradição cidade-campo, o que pode significar que, nos moldes em que se movia até meados do século XX, o mundo agrário deixou de ser um motor decisivo da história”.
4 Sobre essa questão e suas implicações na caracterização do mundo rural de hoje, vários pesquisadores têm lançado seus olhares em busca de um melhor entendimento da complexa teia de novas relações que se estabelecem, reconfigurando inclusive processos e produtos, criando interdependências e demandando novas conceituações, bem como abrindo novas perspectivas de trabalho. Carneiro (1998) faz uma interessante análise dessa rurbanização, problematizando a ruralidade como novas identidades em construção e como produto das novas relações campo-cidade. Segundo ela, ambas encontram-se conformadas por uma revalorização da natureza que, por vários e complexos processos, cria uma urbanidade contemporânea que revaloriza a vida no campo e a produção de alimentos saudáveis. O Laboratório de Pesquisas: DRS registros de novas ruralidades, coordenado pelo Prof. Roberto José Moreira, tem desenvolvido estudos, em bases multidisciplinares, com o objetivo de melhor situar a questão a partir de análises de diferentes realidades. O texto de Moreira, Ruralidades e globalizações: ensaiando uma interpretação, publicado em 2002, nos oferece uma contribuição significativa ao entendimento desse mundo rural que a contemporaneidade re-configura, com suas múltiplas facetas, identidades que se expressam de um novo modo, enfim um espaço de sociabilidade mais complexa e não mais um espaço exclusivo das atividades agrícolas.
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De acordo com Wanderley (2000, p. 89), dois olhares focalizam os processos de
industrialização e de urbanização, que estão no centro da dinâmica das sociedades
capitalistas modernas. Um primeiro olhar que aponta para o desaparecimento completo das
sociedades rurais/camponesas, onde a agricultura é compreendida como um mero campo de
aplicação do capital, como qualquer outro setor passível de investimento. Essa perspectiva
entende o camponês como um agricultor - referido, não mais a um meio de vida, mas a uma
profissão específica. Um segundo olhar, com o qual a autora se identifica, percebe que as
transformações que são introduzidas pelo processo de modernização da agricultura, pela
industrialização e urbanização, redefiniram, mas não anularam as questões relativas à
relação campo/cidade, ao lugar do agricultor na sociedade, à importância cultural, social e
política da sociedade local, etc. Analisando o meio rural como um espaço diversificado, a
autora destaca três posições que estão presentes hoje na discussão sobre a ruralidade: a que
dá prioridade à destinação produtiva do meio rural; a que associa o meio rural a uma
melhor qualidade de vida a que pode aspirar o conjunto da sociedade, inclusive, e
sobretudo, os habitantes das grandes áreas metropolitanas - o que transforma o espaço rural
em espaço de consumo, voltado para atividades relacionadas às funções de residência e de
lazer; e uma terceira posição que também situa o espaço rural como um bem coletivo, não
só como um local para moradia de boa qualidade, mas como parte integrante do patrimônio
ambiental a ser preservado, contra todos os usos predatórios, produtivos ou não
(Wanderley, op. cit., p. 100). O rural apresenta, assim, múltiplas faces, o que complexifica
a própria atividade do agricultor, agora não mais dedicado somente à produção agrícola,
mas atendendo a demandas as mais diferenciadas, muitas delas nitidamente imbricadas com
o urbano. Segundo a autora citada,
“Do ponto de vista do desempenho profissional, parece evidente, que neste novo contexto, a importância e o significado que os agricultores assumem no meio rural dependem, em grande parte, de duas ordens de fatores: por um lado, sua capacidade de adquirir a competência, cada vez mais complexa, exigida pela própria atividade agrícola e, por outro, sua capacidade de ocupar os espaços não agrícolas que se expandem no meio rural”. (Wanderley, 2000, p. 121).
Um novo quadro se apresenta então, redefinindo o espaço rural que deixa de ser
sinônimo do agrícola e passa a ser um espaço multifuncional, em que se torna imperioso
buscar equilibrar as funções clássicas de produção agrícola com as novas demandas que
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vão surgindo a cada dia, reconfigurando o rural. Como enfatiza Silva (2000), as atividades
agropecuárias não explicam mais sozinhas a dinâmica da produção e da ocupação dos
espaços no meio rural. Têm crescido as atividades rurais não-agrícolas tais como a moradia,
o turismo, o lazer e outros serviços orientados para um público urbano. Ampliam-se as
atividades de preservação do meio ambiente, seja como oportunidade de gerar renda, seja
como resultado de adequações e exigências legais. Acrescente-se a isso a expansão de
pequenos negócios intensivos tais como floricultura, horticultura em estufas e através da
hidroponia, fabricação de doces caseiros, criação de pequenos animais, entre outros (Silva,
2000, apud Almeida & Biachini, 2001, p. 6). Esse mesmo autor, em outro texto, salienta
que:
“Nos anos 90, a separação entre o rural e o urbano passou a refletir também outras características da chamada ‘modernidade’, ou seja, uma suposta diferença entre uma vida mais agitada e violenta e a sensação de poder desfrutar de momentos de bucolismo. Os espaços mais cobiçados para esse fim têm sido as áreas rurais próximas aos grandes centros urbanos. Por conta dessa proximidade, essas áreas vêm deixando de ser suporte de atividades agrícolas mais tradicionais. Muitas delas estão sendo estocadas, como reserva de valor à espera da chegada de um processo de urbanização obsoleto, no sentido de mal desenvolvido para os padrões atuais de sustentabilidade ambiental. (Silva, 2001, p. 33. grifos do autor).
A questão da Sustentabilidade é colocada na atualidade da discussão sobre as
diferentes formas de organização e desenvolvimento da agricultura, e deve estar na pauta ao
discutirmos os processos de desenvolvimento local. É importante destacar, no entanto, que
o conceito de sustentabilidade não é acabado, como parece ser a impressão gerada a partir
do relatório Brundtland (Nosso Futuro Comum), publicado em 1987, como texto
preparatório para a ECO 92, onde o desenvolvimento sustentável é compreendido como
aquele capaz de garantir as necessidades das gerações futuras, e abarca uma visão de
integração sistêmica entre diferentes níveis da vida social, ou seja, entre a exploração dos
recursos naturais, o desenvolvimento tecnológico e a mudança social. Moreira (1999),
apresenta uma análise aprofundada sobre a questão do conceito de sustentabilidade,
evidenciando que o mesmo apresenta diversas perspectivas impostas por diferentes
interesses econômicos e sociais que se expressam na esfera sócio - política. Segundo ele, a
ação diferenciada destas diferentes perspectivas cria uma nebulosa ambientalista, que
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esconde diferentes interesses e visões de mundo que estão por detrás das correntes político-
sociais, o que viabiliza a existência de conceitos também diferenciados, que são parte
componente dos embates político-ideológicos e econômico-sociais de apropriação dos
conhecimentos e que estão associados aos diferentes conceitos de natureza, de ser humano
e de trabalho produtivo. O autor em pauta destaca que os movimentos ambientalistas
contemporâneos podem representar elementos conservadores e progressistas, nacionalistas
e globalistas, democráticos e autoritários, integradores e excludentes (Moreira, op. cit., p.
262).
Falar em sustentabilidade, numa perspectiva democrática e integradora é ir além das
questões ecológico-ambientais ou das análises meramente econômicas sobre os impactos e
as possibilidades, e enfatizar a preocupação com os problemas sociais e econômicos, com a
justiça, a igualdade e o emprego, com a satisfação das necessidades básicas, a solidariedade
com as gerações futuras, o respeito à diversidade cultural, a preservação do patrimônio
histórico, cultural e natural de uma região, bem como entendermos os diferentes processos
que estão em jogo, pois, conforme destaca Erickson,
“...a sustentabilidade conduz da esfera dos requisitos físicos à exigência de que a sociedade global seja uma sociedade justa. Isto tem implicações éticas: uma ética global de sustentabilidade (...) Uma educação ampla, uma ampla participação nas decisões e uma responsabilidade e coerência social são peças valiosas na transição para uma sociedade sustentável”. (Erickson, 2002, p. 98-9).
Pensar em desenvolvimento sustentável é pensar no atendimento às necessidades
dos grupos sociais, reconhecendo as diferentes formas de organização e sua articulação
com as demandas maiores do conjunto da sociedade, bem como o entendimento de que os
problemas sócio-ambientais estão situados para além das questões da técnica, e apesar dela
e que para enfrentá-los é necessário questionarmos o modelo de sociedade que temos hoje.
É fundamental ter consciência da insustentabilidade do modelo da revolução verde e dos
seus danos, principalmente aos pequenos produtores, bem como os custos ambientais e a
degradação dos recursos naturais provocada pelo mesmo.
Uma alternativa que vem sendo apontada com freqüência para a sustentabilidade na
agricultura é a agroecologia, abordagem que procura utilizar os bens e serviços da natureza
da melhor forma possível como insumos funcionais. Ela favorece os processos
regenerativos (como reciclagem de nutrientes, fixação de nitrogênio, inimigos naturais de
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pestes, etc.) nos sistemas produtivos agrícolas, minimizando o uso de insumos que
ameacem o meio ambiente e a saúde de produtores e consumidores.
De acordo com Jesus (1998, p. 35) a agroecologia poderia ser definida de várias
maneiras: no stricto sensu, pode ser definida como a aplicação de conhecimentos
Ecológicos no manejo dos Agroecossistemas; no lato sensu, pode ser definida como sendo
um novo paradigma, ainda em construção, o qual propõe a abordagem sistêmica aos
problemas da agricultura, tendo como base filosófica o holismo; suas preocupações
abarcam os problemas sociais, econômicos, culturais e antropológicos, que afetam a
agricultura, dando ainda especial ênfase ao equilíbrio no manejo do ambiente. O autor
destaca ainda que há um outro sentido para a agroecologia ligado aos levantamentos
agroecológicos, o que se refere a estudos edafoclimáticos, os quais buscam estabelecer
relações de adaptabilidade de espécies ou variedades de plantas às diferentes regiões e ou
microregiões. A agroecologia se constrói mobilizando os conhecimentos e habilidades dos
agricultores e incorporando os conhecimentos científicos mais avançados trazidos pela
ecologia, biologia, etc., conforme menciona Silva ( 2001, p. 61-2). Esse autor destaca
também que já existem exemplos de experiências agroecológicas em várias partes do
mundo, inclusive no Brasil, evidenciando que é possível aumentar a produtividade dos
cultivos em cerca de 98%, em média. No entanto, a utilização desse sistema exige
habilidade do agricultor, e preparo para atender à sua complexidade., uma vez que ela
busca explorar a diversidade dos ambientes, buscando soluções específicas para cada
situação específica.
Educação Ambiental como possibilidade integradora
"O 'ambiente' é um campo de disputa. Também o é a 'aprendizagem'. Ambos são âmbitos de ingresso a novas maneiras de propor a responsabilidade social e a complexidade do presente o futuro planetário. Nos remetem a uma ética da sustentabilidade enquanto compromisso de responsabilidade com a vida em sua complexidade. O sentido da aprendizagem ambiental é desenvolver ações humanas sustentáveis baseadas em racionalidades e saberes práticos e valorativos que são desempenhados como pensamentos críticos e que associam a afetação sem com o risco e o sofrimento, com a justiça ecológica e social".(Vargas, 2003, p. 129).
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A problemática ambiental no mundo contemporâneo tem sido foco das
preocupações dos mais variados setores da sociedade. Desde a Revolução Industrial, as
cada vez mais crescentes necessidades provocadas pela industrialização e pelos processos
de urbanização, colocam a atividade interventora e transformadora do homem em sua
relação com a natureza sob uma forma acentuadamente predatória. Os danos irreversíveis
ao meio ambiente, o esgotamento dos recursos naturais, as ameaças eminentes de
diminuição progressiva do volume de água potável no mundo, vêm colocando em risco a
qualidade de vida das populações e a sua própria sobrevivência.
A partir da década de 1960 e início da década de 1970, começa a ser destacada a
importância de uma educação voltada para as questões do meio ambiente. A Conferência
das Nações Unidas sobre Desenvolvimento e Meio Ambiente, realizada em Estocolmo, em
1972, é o grande marco inaugural da ênfase na necessidade de um programa de educação
ambiental, de enfoque interdisciplinar, envolvendo os diferentes níveis de ensino, além da
educação não-formal. Em 1977, em Tbilisi, na Geórgia (ex- URSS), ocorreu uma nova
Conferência que resultou num grande compromisso dos governantes, na inclusão da
educação ambiental nos programas e projetos voltados para as questões relacionadas ao
meio ambiente. 20 anos depois, em 1992, realiza-se a Conferência das Nações Unidas sobre
Meio Ambiente e Desenvolvimento, conhecida como Rio-92, da qual se originou a Agenda
21, faz um redimensionamentoe ampliação dos princípios e recomendações de Tbilisi,
realçando a perspectiva estratégica da educação ambiental para a sustentabilidade,
necessária à continuidade da vida no planeta.
A Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável em Johanesburgo – África
do Sul, em 2002, conhecida também como Rio+10, fez um balanço dos 10 anos da Agenda
21 e constatou a permanência da insustentabilidade do modelo econômico em curso. Houve
o consenso de que é fundamental o cumprimento dos compromissos pactuados entre e pelos
governos A diretriz política internacional indicada em defesa de uma sociedade mais justa
e menos desigual é a de reinventar a governança nacional e global. A compreensão dessas
dimensões torna-se fundamental para o desenvolvimento de programas públicos, em
qualquer nível administrativo. Por outro lado, a visão da educação ambiental como
estratégica para o alcance da sustentabilidade social continua presente nas conferências e
acordos internacionais que têm sido realizados, e repercute nas constituições estaduais e
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leis orgânicas municipais, que passaram a mencionar a educação ambiental em seus
respectivos capítulos relacionados ao meio ambiente. (Cf. Guerra, 2000, p. 54).
Destaque-se que a concepção de Educação Ambiental tem múltiplos olhares e
dimensões diferenciadas. Inúmeros autores têm contribuído para um melhor
entendimento/aprofundamento, destacando a complexidade de conceitos, técnicas e práticas
que nela estão envolvidas e que têm a ver com a própria concepção de mundo e de
sociedade que a configura.
O nosso olhar parte de uma concepção de educação ambiental que problematize a
realidade, em seus múltiplos aspectos e encaminhe os sujeitos para a conscientização de seu
verdadeiro papel diante da problemática local e global, como partícipes dos processos de
decisão que devem ser levados a cabo na construção, implementação e avaliação de
políticas públicas direcionadas para a melhoria da qualidade de vida. Neste sentido, é
fundamental
"contribuir na construção da pedagogia da educação ambiental por entende-la como dimensão da educação, como atividade intencional da prática social, que imprime ao desenvolvimento individual um caráter social em sua relação com a natureza e com os outros seres humanos, com o objetivo de potencializar essa atividade humana, tornando-a mais plena de prática social e de ética ambiental. Nesse sentido, educação ambiental exige sistematização através de metodologia que organize os processos de transmissão/apropriação crítica de conhecimentos, atitudes e valores políticos, sociais e históricos. Assim, se a educação é mediadora na atividade humana, articulando teoria e prática, a educação ambiental é mediadora da apropriação, pelos sujeitos, das qualidades e capacidades necessárias à ação transformadora responsável diante do ambiente em que vivem. Podemos dizer que a gênese do processo educativo ambiental é o movimento de fazer-se plenamente humano pela apropriação/transmissão crítica e transformadora da totalidade histórica e concreta da vida dos homens no ambiente”. (TOZONI-REIS, 2003, 172).
O contexto: caracterização e problemáticas O município de Paracambi possui 179,8 Km2 de extensão territorial, sendo 80% de
área rural e 20% área urbana, estando localizado no limite noroeste da região metropolitana
do Rio de Janeiro, aproximadamente a 80 Km da capital.
Dados do último senso apontam para uma população de 41mil moradores e
densidade demográfica de 200 hab/Km2. A maior parte está concentrada na área urbana,
com apenas 10% no meio rural, muito embora o município apresente 80% de área rural e
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20% de área urbana. Desta população total, 28% é composta por jovens com idade de 0 –
14 anos; ao passo que 28% encontra-se em idade produtiva, 15 – 64 anos. Todavia, 65%
desta população ativa apresenta-se empregada fora do município; e somente 5% da
população total, está acima de 64 anos. Este quadro associado a concentração de renda e a
ênfase da economia local ao setor terciário, configura um problema, que é mais um reflexo
da situação nacional: êxodo rural e cidades “dormitórios”.
De maneira geral, 4% da população apresenta ganhos acima de 10 salários mínimos,
enquanto cerca de 60% recebem até 2 salários mínimos. Comércio e serviços são os
maiores geradores de renda, ao passo que a agricultura e pecuária somam apenas 4% na
economia local. Apesar deste quadro, ressalta-se que a agricultura ainda representa 30% do
produto econômico, com destaque para a agricultura familiar. Todavia, a falta de incentivos
do poder público para a fixação no campo e a ausência de políticas bem sucedidas, vem
contrariando a notória aptidão agrícola da região, contribuindo ainda mais para o
agravamento da crise. A baixa remuneração do pequeno produtor, associando a
descapitalização às dificuldades para o auxílio fiscal; o incipiente nível tecnológico ao
aumento da pressão urbana, somada as dificuldades para escoar a produção, orientam um
círculo vicioso, onde a baixa produtividade é um resultado e ao mesmo tempo um
impulsionador do problema.
No que diz respeito aos aspectos físicos observa-se que uma vasta área de
floresta ombrófila, ainda pode ser observada principalmente nas cotas mais altas, sendo
muito comum áreas de pastagem no restante e desmatamentos associados as queimadas
recorrentes. Alguns rios tiveram sua profundidade reduzida, em consequência deste uso
desordenado do solo e dos recursos naturais. A Bacia do Rio dos Macacos recebe esgoto
“in natura” e efluentes industriais, a Microbacia do Saudoso também sofre com os dejetos
lançados diretamente em seus rios e córregos e o Rio Santana vem sendo agredido com a
extração de areia. A coleta de lixo está abaixo dos padrões mínimos nas comunidades mais
distantes e de difícil acesso, predominando em muitos deste locais o depósito a céu aberto.
As belas cachoeiras, que podem vir a se constituir num atrativo para o turismo ecológico,
estão totalmente poluídas, na maioria das vezes em virtude da própria ação dos moradores,
que possuem criações de pequenos animais, cujos dejetos nelas são lançados.
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No que diz respeito à questão educacional observa-se que a rede escolar (educação
infantil, ensino fundamental e médio) é predominantemente pública (municipal e estadual)
sendo que em nível superior existe um Instituto de Tecnologia, que oferece dois cursos, um
deles o de Tecnólogo em Ciências Ambientais, evidenciando a centralidade do problema
ambiental nas preocupações das políticas públicas.
O Programa, objeto de nossa análise, partiu de solicitação da Prefeitura Municipal,
através da Secretaria de Agricultura, e foi construído de forma participativa, por docentes,
pesquisadores e técnicos, da UFRRJ, da PESAGRO-Rio e da EMBRAPA-Solos, dentro de
uma perspectiva de projeto integrado de pesquisa. Foi composto por seis projetos:
Agricultura Orgânica; Criações de Animais Domésticos; Manejo e Conservação dos
Recursos Hídricos; Piscicultura; Planejamento e Uso do Solo; Plantas Medicinais; Extensão
Rural e Educação Ambiental. O objetivo geral era o de desenvolver ações diagnósticas e
propositivas numa perspectiva interdisciplinar, voltadas para o Desenvolvimento Rural
Sustentável das microbacias hidrográficas do município de Paracambi - RJ, com base na
Agroecologia. Mais especificamente buscou-se apoiar e contribuir para a efetivação de
políticas públicas destinadas à melhoria da qualidade de vida, e ao mesmo tempo contribuir
para o resgate da cidadania rural e reconstrução das relações ecológicas para a promoção da
conservação ambiental, através de dinâmicas de integração comunitária. As ações a serem
desenvolvidas tinham como perspectiva a relação harmoniosa do homem com o meio
ambiente, possibilitando a produção sem a destruição dos recursos naturais. Partiu-se do
entendimento de que as ações locais, dinamizadas a partir da democratização das ações, do
protagonismo daqueles que foram excluídos do processo produtivo e do fortalecimento da
agricultura familiar, possibilitando a geração de empregos, além de todo um
encaminhamento no sentido da sustentabilidade ambiental, poderiam realmente configurar-
se na efetivação de políticas públicas voltadas para a melhoria da qualidade de vida. Em
função das necessidades de financiamento, houve uma pequena reformulação do Programa
inicial e, com uma formatação que o caracterizou mais como proposta de extensão, foi
submetido e obteve financiamento da Petrobrás, que além de recursos para material
permanente e de consumo, viabilizou oito bolsistas de apoio técnico, permitindo o
desenvolvimento de cada um dos projetos, sob a supervisão dos docentes e pesquisadores
das instituições anteriormente citadas.
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Descortinando as ações
Antes mesmo de se iniciarem as atividades do Programa, houve a preocupação em
criar uma dinâmica de participação entre a equipe de técnicos responsável pela execução,
principalmente para viabilizar o entendimento e a discussão da perspectiva interdisciplinar
e dos conceitos em que as práticas se deveriam embasar, tais como sustentabilidade,
agroecologia, participação e educação ambiental. A contribuição de diferentes autores, em
especial do campo da educação, para subsidiar esse primeiro momento de constituição da
equipe multidisciplinar foi importantíssima, principalmente para a compreensão do real
papel dos técnicos numa atividade dessa natureza. Nesse sentido, ficou muito clara a visão
de que a assistência técnica, para ser verdadeira, só pode realizar-se na práxis. Na ação e
reflexão. Na compreensão crítica das implicações da própria técnica (Cf. Paulo Freire,1982,
p.89). Foi realçado, a todo o momento, que o grupo de técnicos e seus orientadores estariam
também se capacitando juntamente com as comunidades envolvidas nas ações. E, para tal,
além de uma imersão na realidade, possibilitando a percepção das condições existenciais,
da visão cultural e das crenças das comunidades, tornava-se fundamental uma reflexão
constante sobre procedimentos e técnicas utilizados. Destaca-se que essa capacitação inicial
da equipe teve em mente que:
"O conhecimento exige uma presença curiosa do sujeito em face do mundo. Requer sua ação transformadora sobre a realidade. Demanda uma busca constante. Implica em invenção e reinvenção. Reclama a reflexão crítica de cada um sobre o ato mesmo de conhecer, pelo qual se reconhece conhecendo e, ao reconhecer-se assim, percebe o 'como' de seu conhecer e os condicionamentos a que está submetido seu ato". (Freire, 1982)
As discussões iniciais apontaram para a percepção de que, no mundo
contemporâneo, as ações produtivas são marcadas pelo avanço tecnológico dos meios que,
subsidiados pelas ciências, vêm acelerando cada vez mais o processo de transformação das
matérias. A visão simplista das relações sociais, políticas e culturais, é defendida em nome
da técnica, que de maneira centralizada procura acelerar o desenvolvimento. Diversos
exemplos respaldam este modelo equivocado de atividades, que no âmbito da agricultura,
desestabilizam os fluxos ecológicos e os sistemas deles dependentes. Monoculturas, manejo
do solo associado a erosão e assoreamento, práticas agrotóxicas de controle nas cultivares
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em áreas ribeirinhas, falta de estrutura e saneamento básico, são realidades distantes de uma
mudança significativa.
Todavia, ficou claro ao grupo, que emergem considerações alternativas cujo foco da
gestão de uso da terra, não se restringe apenas a uma unidade de produção isolada do
ecossistema e da própria microbacia onde está inserida. Novas propostas ressaltam e
comprovam a importância de um planejamento conjunto, pensado por todos e
principalmente partindo “de dentro” da própria comunidade, através de um olhar crítico
sobre a realidade política-social e cultural vivida pelos agricultores que ali produzem. Neste
sentido, o Diagnóstico Rápido Participativo- DRP, se constitui numa ferramenta específica
de percepção sócio-ambiental, bastante utilizada no mundo inteiro como uma alternativa
rápida, barata e complementar aos modelos convencionais de pesquisa. Foi escolhida essa
técnica para subsidiar as atividades do programa, contando com a o apoio da AS-PTA,
sobretudo por ser um caminho viável para que técnicos e comunidade rural aprendessem a
investigar, analisar e reavaliar a realidade vivida, observando os problemas e as
oportunidades para reverte-los.
Em nossa percepção, o DRP é uma nova forma de entender o Desenvolvimento
Rural e a Sustentabilidade, baseado numa abordagem participativa, onde o “agente externo”
é apenas o facilitador e, não mais o tutor, de um processo de mudança. É um método não
diretivo, que permite uma reflexão – ação conjunta dos membros da comunidade. Uma
proposta baseada na autonomia onde a população alvo tem o papel de identificar seus
próprios problemas (sua causas), experimentar possíveis e principalmente avaliar ações e aí
buscar novos caminhos se necessário. O DRP é antes de tudo uma forma de educação
conjunta, sistemática, mas, semi-estruturada realizada com a comunidade. Uma etapa que
por si só não é o seu próprio fim, e nem suficiente para transformação, mas, que é
fundamental para a reconstrução de uma ponte de comunicação com a comunidade (“auto-
consciente”).
A implantação do diagnóstico e planejamento, com base no DRP, foi subdivida em 05
etapas:
1) Entrevista Semi-Estruturada e Visitas Participativas:
Essa foi uma das principais ferramentas utilizadas para o levantamento de
informações do meio rural de Paracambi, onde questões como organização social,
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produção, comercialização e meio ambiente, foram pré-definidas; Foi a oportunidade ímpar
de aproximar a comunidade das instituições governamentais, e de, por outro lado, fazer
com que a equipe técnica do projeto pudesse ter uma dimensão bem mais consistente dos
problemas da comunidade.
2) Análise Técnica das Informações:
Após as entrevistas, as informações geradas foram sistematizadas e analisadas,
buscando-se uma afinidade entre as diferentes respostas. Transformou-se num momento
importante para evidenciar os problemas, suas causas e possíveis soluções; permitiu à
equipe uma visão do conjunto e a confrontação com teorias e conhecimentos de cada uma
das áreas envolvidas.
3) Análise Conjunta, Socialização das Informações, Planejamento Participativo:
Momento de repasse das informações à comunidade e análise conjunta. Espaço
importante de participação comunitária, viabilizando que a comunidade se auto-conhecesse,
ao confrontar as informações colhidas em cada propriedade, com a discussão em grupo; Foi
construído um elenco de prioridades, com solicitação de capacitações em diferentes áreas.
4) Execução de Ações Planejadas:
Implementação das atividades planejadas em grupo, envolvendo sistema de mutirão
e algumas das capacitações solicitadas pela comunidade.
5) Reflexão e Avaliação Conjunta:
Revisão das atividades experimentadas e redirecionamento das ações. Esse
momento possibilitou explicitar os pontos positivos e negativos de todo o trabalho até
então implementado.
Dentre as atividades que foram implementadas buscando conscientizar os produtores
da necessidade de realizar/participar de um programa integrado, destacamos o “I Fórum
sobre Agricultura Familiar e Desenvolvimento Rural Sustentável: estratégias para o
município de Paracambi-RJ”, além de reunir profissionais da área, estudantes de várias
instituições e produtores rurais do município, contribuiu para que os produtores se
envolvessem com o Programa. Produtores rurais do assentamento rural Vitória da União –
Comunidade do Mutirão foram os que mostraram maior interesse em questões ligadas a
agroecologia. Como conseqüência do trabalho realizado no Fórum aconteceu uma
articulação entre os produtores rurais e o Grupo de Agricultura Ecológica (UFRRJ), que
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desenvolveu um projeto de Extensão Rural naquela comunidade, envolvendo 07 famílias de
produtores rurais. As atividades realizadas eram em sistema de mutirão, e, embora com
inúmeras dificuldades, sobretudo por falta de um maior apoio governamental, trabalhos
importantes foram desenvolvidos como recuperação de nascentes, implantação de área de
agrofloresta, análise de solo, além de visita técnica à Fazendinha Agroecológica na UFRRJ.
O contato dos produtores com o ambiente acadêmico foi um fator bastante positivo, tanto
para eles próprios, quanto para os estudantes que participavam do projeto. Considerações sobre as ações: avanços, dificuldades e perspectivas
Ao término de um ano de trabalho, observou-se que a metodologia adotada não
satisfez a dinâmica e a rotina da política municipal local. Apesar de mostrar-se uma
ferramenta fundamental na geração de informações que nortearam as atividades com a
comunidade, não houve um real entendimento por parte do governo local sobre o método
de trabalho. As autoridades não compreenderam que o DRP se apresenta como um alicerce
para o desenvolvimento e implementação de uma política pública de gerenciamento e uso
da terra. O abismo entre o planejado e o executado pelos órgãos públicos, se materializa
através de um ranço assistencialista que insiste em imperar no modelo de desenvolvimento
tutelado, onde a autogestão torna-se uma barreira sobretudo para a manutenção do poder
local. Outra situação de fundamental importância, é o enfoque predominante das políticas
locais ainda muito voltado para as ações clientelistas, o que pode ser dimensionado a partir
da constatação de que a comunidade que se mostrou mais interessada em participar do
programa, foi a que teve menos apoio por parte do governo local, uma vez que a escolha da
comunidade a ser atendida era feita pela autoridade municipal à qual o Programa estava
subordinado, e os critérios de escolha não ficavam suficientemente claros, contrariando
inclusive um dos propósitos iniciais do Programa calcado na participação coletiva. Muitas
vezes os recursos utilizados para desenvolver algumas das atividades previstas partiam dos
próprios técnicos, que demonstravam com isso um compromisso real com a comunidade
rural, sobrepondo-se à burocracia, tão visível em inúmeros órgãos públicos e que vem
servindo sempre como desculpa para justificar um descaso com a questões emergentes da
sociedade.
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No que diz respeito à efetivação de ações conjuntas, é importante enfatizar a
impermeabilidade entre as secretarias municipais- uma constante do sistema público. A
ausência de comunicação impediu não somente as potenciais parcerias, como muitas vezes
impossibilitou a manutenção dos trabalhos. A verticalização das ações também foi
percebida como um dos agentes distanciadores entre as partes, por esvaziar perspectivas e
torna-las pontuais e isoladas.
Observaram-se, por um outro lado, avanços que, mesmo lentos, frutos do embate de
visões e políticas divergentes, possibilitaram que vários objetivos pudessem ser atingidos.
Um processo bem sucedido de diálogos com algumas comunidades foi iniciado, muito
embora apenas 3 comunidades, de um total de 8, tenham participado efetivamente das
ações do DRP. A apropriação do método e da ideologia que o perpassa também apresentou-
se de forma diversificada, por parte dos membros da equipe e das próprias comunidades,
resultando significativas intervenções e alterações ao longo do desenvolvimento das ações.
Mesmo assim, espaços foram ocupados e muitas experiências foram trocadas em atividades
práticas, capacitações e/ou mutirões.
No âmbito da própria equipe de técnicos ficou constatada a dificuldade em
internalizar e levar à prática ações interdisciplinares, em função principalmente dos vícios
originários de sua formação disciplinar, fragmentada e altamente voltada à especialização.
Essa questão foi bastante discutida e pelas próprias deficiências diagnosticadas decidiu-se
por um acompanhamento mais constante da docente orientadora dos sub-projetos de
Educação Ambiental e Extensão Rural, o que proporcionou a realização de inúmeras
reuniões de discussão ao longo dos primeiros seis meses de execução do programa.
Considera-se que esse foi um espaço fecundo de discussão e de capacitação para toda a
equipe, principalmente por permitir a externalização das diferenças, da diversidade de
olhares, das singularidades, o que já a preparava para o entendimento dessas mesmas
características nos espaços comunitários e na interlocução com os demais atores envolvidos
no processo.
Essa formação em serviço, calcada no privilegiamento de uma ação participativa,
foi ao nosso ver, um dos principais destaques do programa, juntamente com o
desenvolvimento do DRP, que se coloca como uma ferramenta vital para a realização de
trabalhos em comunidades. A convivência com os produtores, a percepção de um aumento
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no grau de conscientização e de organização dos mesmos apontam para perspectivas futuras
de construção de um verdadeiro desenvolvimento sustentável daquelas comunidades, desde
que continuem a desenvolver o seu potencial de crítica e de criatividade. Nesse sentido,
para nós fica a certeza de que devemos ter sempre em mente a afirmativa feita por Leff
(2001, p. 451) de que:
"O mundo de vida é um mundo de sentidos e solidariedades compartilhadas, que se entrelaçam na compreensão dos conhecedores, no diálogo de seus saberes, da diversidade de seres que sonham seus sonhos e que se encontram nessa mutualidade de viver a vida como desejo, como utopia, com abertura para o real possível".
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