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Desnutricao Anemia e Parasitoses

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FERREIRA, Haroldo da Silva et al . Health of marginalized populations: undernutrition, anemia and intestinal parasitic infections among children of a slum of the "Homeless Movement", Maceió, Alagoas. Rev. Bras. Saude Mater. Infant., Recife, v. 2, n. 2, 2002.

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Rev. bras. saúde matern. infant., Recife, 2 (2): 177-185, maio - ago., 2002. 177

ARTIGOS ORIGINAIS / ORIGINAL ARTICLES

Saúde de populações marginalizadas:desnutrição, anemia e enteroparasitoses emcrianças de uma favela do "Movimento dosSem Teto", Maceió, Alagoas

Health of marginalized populations:undernutrition, anemia and intestinalparasitic infections among children of aslum of the "Homeless Movement", Maceió,Alagoas

Haroldo da Silva Ferreira 1

Monica Lopes de Assunção 2

Vivian Sarmento de Vasconcelos 3

Fabiana Palmeira de Melo 4

Cláudio Galindo de Oliveira 5

Tatiana de Oliveira Santos 6

1,6 Departamento de Nutrição da Universidade Federal de Alagoas.Campus A. C. Simões - BR 104 Norte - Km 96,7, Tabuleiro doMartins. Maceió, Alagoas, Brasil. CEP 57.072-970. Tel: (082)214.1158, 214-1160. E mail: [email protected] Curso de graduação em Nutrição da Universidade Federal deAlagoas

AbstractObjectives: to investigate the prevalence of protein-

energy malnutrition (PEM), anemia and intestinal pa-

rasitic infections among children of a slum of the

"Homeless Movement".

Methods: this is a cross-sectional study involving

137 children aged from six to 60 months. Malnutrition

was defined by an z score < -2 of weight for age (WAZ),

height for age (HAZ) and weight for height (WHZ) rela-

tively to the NCHS. The World Health Organization

method (haemoglobin colour scale) was used to cha-

racterize anemia: hemoglobin concentrations ≤ 11g/dL.

All children were submited to feces parasitological exa-

mination.

Results: the prevalence of nutritional deficiency for

WAZ, HAZ and WHZ were, respectively, 22,6%, 16,1%

and 1,5%. Almost all children were infected by, at least,

one parasite (83,2%) and, among these 50,9% were

multiinfested frequent. Ascaris + Trichuris (15,7%) and

Ascaris + Giardia (13%) were the most frequent associ-

ation. These also were the most commonly found para-

sites. Anemia was detected in 96,4% of the children.

Conclusions: considering the high prevalence of

PEM, anemia and intestinal parasitosis and also the

synergic effect between undernutrition and infections,

the health situation of this community is extremely pre-

carious, so demanding a prompt intervention to guar-

antee better growing and developing conditions for

those children.

Key words Nutritional assessment, Protein-energy

malnurition, Anemia iron-deficiency, Intestinal di-

seases, parasitic.

Resumo Objetivos: verificar a prevalência de desnutrição

energético-protéica (DEP), anemia e enteroparasitoses

em crianças de uma favela do "Movimento dos Sem

Teto".

Métodos: estudo transversal envolvendo 137 cri-

anças (6-60 meses). Como indicador da DEP aplicou-se

o ponto de corte z < -2 aos indicadores peso para idade

(P/I), altura para idade (A/I) e peso para altura (P/A),

relativamente ao padrão do NCHS. Para caracterização

da anemia, usou-se método da Organização Mundial de

Saúde, (haemoglobin colour scale). Concentração de he-

moglobina ≤ 11g/dl caracterizou o estado de anemia. To-

das as crianças foram submetidas a exame parasitológi-

co de fezes.

Resultados: as prevalências de deficits nutricionais

para os indicadores A/I, P/I e P/A foram, respectiva-

mente, 22,6%, 16,1% e 1,5%. Quase todas as crianças

apresentaram pelo menos um tipo de parasita (83,2%).

Destas, 50,9% eram poliparasitadas. As associações

mais freqüentes foram Ascaris + Trichuris (15,7%) e As-

caris + Giardia (13%). A anemia foi detectada em 96,4%

das crianças.

Conclusões: em virtude das altas prevalências de

DEP, anemia e parasitoses e, considerando o efeito

sinérgico entre desnutrição e infecções, conclui-se que o

quadro de saúde verificado é extremamente precário, re-

querendo intervenção imediata a fim de garantir me-

lhores condições de crescimento, desenvolvimento para

essas crianças.

Palavras-chave Avaliação nutricional, Desnutrição

protéico-energética, Anemia ferropriva, Enteropatias

parasitárias

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Ferreira HS et al.

Introdução

O estado nutricional pode ser definido como acondição de saúde e a constituição corporal do indi-víduo, resultantes da ingestão e utilização biológicade nutrientes no decorrer de sua vida.1 Enquanto quea ingestão depende fortemente do poder aquisitivodas famílias, a utilização biológica está claramenteassociada a situações tais como as doenças infecto-parasitárias. Tanto uma condição quanto a outra es-tão comprometidas em ambientes caracterizados pe-lo baixo nível socioeconômico. Assim posto, ficaevidenciada a determinação social da desnutrição.Portanto, o estudo de sua prevalência constitui-senum excelente indicador de desenvolvimentosocial.2

A Pesquisa Nacional sobre Saúde e Nutrição(PNSN)3 revelou que 30,7% das crianças brasileiraseram desnutridas, sendo que 5,1% em grau modera-do ou grave de acordo com a classificação de Gomezet al.4 A prevalência de desnutrição (todas as for-mas) foi cerca de duas vezes e meia maior noNordeste (40,0%) do que a encontrada na populaçãodo Sul e Sudeste (20,6%). Para os casos de desnu-trição moderada e grave, a diferença foi ainda maisexpressiva: 10,1% para o Nordeste e 2,4% para o Sule Sudeste.3 Se considerarmos que no âmbito regio-nal existem enormes distorções quanto à distribuiçãode renda e qualidade de vida da população, tais va-lores, quando apresentados para toda a Região oumesmo para os Estados, apesar de serem por si sópreocupantes, mascaram a gravidade com que oproblema se manifesta em localidades mais restritas,onde a exclusão social se apresenta de forma maiscontundente. Assim, a prevalência de desnutriçãodetectada pela PNSN para o estado de Alagoas foibem inferior à que temos encontrado em comu-nidades periféricas desse Estado.5-8 Portanto, justifi-ca-se a condução de inquéritos nessas comunidadesnotadamente submetidas aos fatores de risco nutri-cional.

Segundo Andrade et al.,9 a desnutrição não seconstitui em um fato isolado, mas no efeito da açãorecíproca de fatores socioeconômicos, políticos, cul-turais e ambientais os quais atingem com maior in-tensidade as crianças pequenas que vivem em situ-ações de pobreza extrema.

Esse fato é especialmente preocupante haja vistaque os danos causados pela desnutrição são tão maisseveros quanto mais rápido for o ritmo de crescimen-to e desenvolvimento. Existe um considerável corpode evidências indicando que a desnutrição, em fasesprecoces da vida, promove redução da capacidade derealizar trabalho, maior vulnerabilidade às infecções,

menor capacidade cognitiva, redução na capacidadede biotransformação metabólica, má-absorção in-testinal de nutrientes, entre outros deficits.2

As anemias carenciais, ao lado da DEP, dahipovitaminose A, do bócio endêmico e da cáriedental, representam os principais problemas nutri-cionais de importância clínico-epidemiológica emnosso País.10 As anemias por deficiência de ferro seconstituem em um dos principais problemas desaúde pública em âmbito mundial, atingindo suamáxima prevalência nos países subdesenvolvidose/ou em desenvolvimento. Até predominam padrõesdietéticos deficientes e fatores ambientais adversosque propiciam elevada prevalência de processos in-fecciosos e parasitários refletindo a situaçãoeconômica e social das populações carentes.11

Além da inadequada ingestão de alimentos, asparasitoses intestinais têm sido consideradas impor-tantes fatores na etiologia das anemias carenciais e daDEP.12 Todavia, essa constatação aparentemente ób-via, não tem sido suportada por inúmeros trabalhos,sendo ponto de discórdia entre pesquisadores.13-15

O objetivo deste trabalho foi investigar aprevalência de enteroparasitoses, anemia e desnu-trição energético protéica (DEP), em crianças per-tencentes a população de uma favela da periferia domunicípio de Maceió, bem como verificar a existên-cia de associação entre essas variáveis.

Métodos

População estudada

O estudo foi realizado numa favela constituída hácerca de três anos por meio de uma ocupação organi-zada pela "União de Movimentos por Moradia emAlagoas", antigo "Movimento dos Sem Teto". Situa-se à margem da BR104, no bairro do Tabuleiro dosMartins, distante 19km do centro de Maceió,Alagoas, Brasil.

Para identificação da população, realizou-se umcenso onde foram cadastrados todos os domicílios eseus respectivos moradores. Segundo esse cadastro,170 crianças na faixa etária de seis a 60 meses deve-riam formar a casuística do estudo. No entanto, de33 não se obtiveram todos os dados (19,4% de per-das). O principal motivo de perda foi a ausência dacriança no domicílio. Nesses casos, geralmente, acriança estava com familiares em outras localidadese, portanto, não submetidas aos mesmos fatores derisco daquelas que efetivamente residiam no local.Assim, foram avaliadas 137 crianças, sendo 50,3%do sexo masculino e 49,7% do sexo feminino.

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Exame coproparasitológico

Os recipientes para coleta das fezes eram entreguesnos respectivos domicílios, após explicação sobre oprojeto e orientação de como proceder a coleta. Asamostras eram recolhidas na manhã seguinte,acondicionadas em depósito resfriado e encami-nhadas ao laboratório do Departamento de Patologiada Universidade Federal de Alagoas para análiseimediata de ovos e larvas de helmintos e cistos deprotozoários (método Hoffman, Pons e Janer).16 To-das as amostras foram analisadas em triplicatas.

As crianças que apresentaram resultado negativoforam submetidas a um novo exame. Todas as cri-anças com resultado positivo eram encaminhadas aoPosto de Atendimento do Projeto, onde as mães re-cebiam orientação sobre a prevenção contra para-sitoses, bem como a medicação específica para trata-mento da criança.

Avaliação antropométrica

Os dados de massa corporal, estatura, sexo e idadeforam coletados por estudantes do curso de nutriçãopreviamente treinados na técnica antropométrica esistematicamente acompanhados por um supervisordo trabalho de campo. As crianças foram pesadas embalança digital Filizolla com capacidade para150kg e sensibilidade de 100g. A estatura das cri-anças menores de dois anos foi verificada estando asmesmas na posição de decúbito dorsal. Aquelas comidade superior a dois anos foram medidas descalças,na posição "em pé". Os estadiômetros (horizontal ouvertical) eram dotados de fita métrica inextensívelcom sensibilidade de 0,1cm.

Os indicadores utilizados para avaliação do es-tado nutricional foram altura para idade, peso paraidade e peso para altura, sendo os resultados expres-sos em escores z em relação ao padrão antropométri-co de referência proposto pelo National CenterHealth Statistics (NCHS). A condição de deficit foidefinida pelo ponto de corte z < -2 desvios-padrão.

Diagnóstico de anemia

O diagnóstico de anemia foi procedido por meio dautilização do "Haemoglobin colour scale" distribuí-do pela World Health Organization (WHO).17

Através de punção digital coletava-se uma gotade sangue a qual era colocada em fita indicadora. Acoloração obtida era comparada àquelas constantesde uma escala com diferentes intensidades de cores,representativas de valores de hemoglobina (Hb) numintervalo de quatro a 14g/dL.

A classificação recomendada pela WHO segun-do Van den Broek,17 quando da utilização desse re-curso diagnóstico é a seguinte: (Hb/dL): não anêmi-co (> 11), anemia leve (8,1 - 11,0), anemia moderada(6,1 - 8,0) e anemia severa (≤ 6,0).

Dados socioeconômicos e ambientais

Os dados ambientais foram obtidos por observaçãodireta e os socioeconômicos através de entrevistasdurante visitas domiciliares. As informações foramcoletadas segundo um roteiro (formulário específi-co) estabelecido previamente em estudo piloto.

Aspectos éticos

O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética da Uni-versidade Federal de Alagoas, em conformidade comas diretrizes da Comissão Nacional de Ética emPesquisa (CONEP).

Análise dos dados

Os dados foram processados com auxílio do progra-ma "Epi-info 6.0". Na análise estatística, utilizou-seo teste "t" de Student para amostras independentes.Diferenças foram consideradas estatisticamente sig-nificantes quando p < 0,05.

Resultados

As condições de vida verificadas na localidadeforam de extrema miséria. Todos os domicílios erambarracos feitos de caibros cobertos com plástico oupapelão. O piso não tinha revestimento. Não existiabanheiro, de modo que os dejetos eram jogados a céuaberto, juntamente com o lixo em geral. A água eraobtida da rede pública através de algumas torneirascolocadas em pontos estratégicos na favela e ar-mazenada domesticamente em recipientes comotonéis, baldes e garrafas de refrigerante do tipo PET.A maioria das mães das crianças era analfabeta(50,7%) e não estava inserida no mercado de traba-lho. As que estavam, exerciam funções como as deempregada doméstica, lavadeira, etc. A renda fami-liar média foi de R$120,00. Como o número médiode habitantes por domicílio foi de quatro pessoas, arenda "per capita" mensal equivalia a R$30,00, valoresse inferior à quantia usualmente aceita como míni-ma suficiente para a manutenção de uma família:0,25 salário-mínimo per capita18 ou o equivalente aR$45,00. (Os cálculos foram procedidos com baseno salário-mínimo vigente em novembro de 2001:

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R$180,00 ≅ US$72,00).O inquérito parasitológico revelou uma taxa de

83,2% de positividade entre as crianças estudadas.Os parasitas mais freqüentes foram o Ascaris lum-bricoides(47,4%), a Giardia lamblia (32,1%) e oTrichuris trichiura (21,2%), conforme ilustra a Figu-ra 1. O monoparasitismo foi encontrado em 49,1%das amostras analisadas, seguido do duplo para-sitismo com 34,2% dos casos. As associações maisfreqüentes foram entre Ascaris + Trichuris (15,7%) eAscaris + Giardia (13%), uma vez que essas espéciesforam, isoladamente, as mais prevalentes.

A Tabela 1 apresenta os resultados referentes aoestudo parasitológico, conforme as distintas faixasetárias. Verifica-se que à medida que aumenta a faixaetária, aumenta também a taxa de positividade. As-sim, as crianças de seis a 12 meses foram as menosafetadas pelas parasitoses.A Figura 2 ilustra os resultados referentes àprevalência de anemia. Verifica-se que 96,4% dascrianças apresentavam baixos níveis sanguíneos dehemoglobina, ou seja, apenas cinco crianças nãoeram anêmicas.

Figura 1

Prevalência de enteroparasitoses entre crianças residentes em uma favela da

"União de Movimentos por Moradia em Alagoas". Maceió, Brasil.

Schistosoma mansoni

Enterobius vermiculares

Hymenolepis nana

Strongyloides stercoralis

Entamoeba histolytica

Ancilostomo

Entamoeba coli

Trichuris trichiura

Giardia lamblia

Ascaris lumbricoides

0 10 20 30 40 50

Frequência (%)

Para

sita

s

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A classificação nutricional das crianças revelouuma prevalência de deficitspara os indicadores alturapara idade, peso para idade e peso para altura de, re-spectivamente 22,6%, 16,1% e 1,5% (Tabela 2).

A Tabela 3 apresenta a classificação antropo-métrica das crianças conforme as diferentes catego-rias em termos de parasitismo intestinal, enquanto a

Tabela 4, faz o mesmo, porém em relação à anemia.Aparentemente, o pior desempenho relativo aocrescimento, foi encontrado entre as crianças para-sitadas por duas ou mais espécies. No entanto, aanálise estatística indicou não haver diferença sig-nificante entre nenhuma das categorias apresentadas(p = 0,45).

Tabela 1

Caracterização das crianças segundo faixa etária e positividade para enteroparasitoses. Favela da "União de

Movimentos por Moradia em Alagoas" Maceió, Brasil.

Parasitológico de fezes

TotalPositivosNegativos

n

10

7

2

4

23

62,5

24,1

7,4

11,4

16,8

6

22

55

31

114

16

29

57

35

137

37,5

75,9

96,5

88,6

83,2

6 - 12

12,1 - 24

24,1 - 48

48,1 - 60

Total

% n n%

Idade

(Meses)

Figura 2

Distribuição de crianças de seis a 60 meses conforme a classificação quanto à magnitude da anemia.

Favela da "União de Movimentos por Moradia em Alagoas" Maceió, Brasil.

3,6 %

38,7 %

41,6 %

16,1 %

45

40

35

30

25

20

15

10

5

0

Não anêmico Anemia leve Moderada Severa

Freq

uên

cia

(%)

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Tabela 2

Distribuição de crianças em diferentes faixas etárias com déficit nutricional. (z < -2dp da mediana do padrão do NCHS), de acordo com os

indicadores antropométricos. Favela da �União de Movimentos por Moradia em Alagoas�. Maceió, Brasil.

P/I = peso para idade, A/I = altura para idade, P/A = peso para altura

Tabela 3

Escore z (média ± dp) para três indicadores antropométricos, segundo categorias relativas ao enteroparasitismo. Crianças de seis a 60

meses residentes na favela da "União de Movimentos por Moradia em Alagoas�. Maceió, Brasil.

P/A

Número de espécies por hospedeiro

%

2

n = 39

3 ou +

n = 19

1

n = 56

A/I

P/I

P/A

-1,00 ± 0,9

-0,66 ± 1,1

-0,01 ± 1,1

-1,26 ± 1,2

-0,90 ± 1,1

-0,13 ± 0,8

-1,26 ± 1,4

-0,97 ± 1,1

-0,23 ± 0,8

-1,26 ± 1,2

-0,63 ± 1,0

0,22 ± 1,0

-1,26 ± 1,2

p = 0,34

-0,88 ± 1,1

p = 0,39

-0,10 ± 0,8

p = 0,66

Positivos

n = 114

Negativos

n = 23Indicador

n%n%n

16

27

94

137

3

8

11

22

18,8

29,6

11,7

16,1

1

10

20

31

6,3

37,0

21,3

22,6

1

1

0

2

6,3

3,7

0,0

1,5

6,1 - 12

12,1 - 24

24,1 - 60

Total

A/IP/InFaixas etárias (meses)

Tabela 4

Escore z (X ± dp) para três indicadores antropométricos, segundo categorias relativas à anemia. Crianças de seis a 60

meses residentes na favela da "União de Movimentos por Moradia em Alagoas". Maceió, Brasil.

Anemia

Moderada

n = 57

Severa

n = 22

Leve

n = 53

A/I

P/I

P/A

-1,27 ± 0,97

-0,95 ± 0,91

-0,19 ± 0,86

-1,14 ± 1,44

-0,73 ± 1,26

-0,01 ± 0,90

-1,26 ± 1,14

-0,78 ± 1,13

0,03 ± 1,05

-1,35 ± 0,86

-1,36 ± 0,87

-0,38 ± 0,60

Não anêmico

n = 5Indicador

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Discussão

A prevalência de enteroparasitoses foi superior a83%, sendo que as crianças com mais de dois anosde idade eram quase todas parasitadas. Mesmo entreas menores de um ano, apesar da menor magnitude,essa ocorrência foi também elevada (37,5%). Costa-Macedo et al.19 encontraram uma prevalência de8,3% de enteroparasitoses em crianças menores deum ano de uma área periférica do município deDuque de Caxias, Rio de Janeiro. Outros autorestambém têm encontrado prevalências crescentes deparasitoses, conforme a faixa etária.20-22A partir dosegundo semestre de vida inicia-se uma etapa do de-senvolvimento que permite à criança maior mobili-dade no ambiente, aumentando dessa forma aschances de contaminação.21 Considerando, ainda, aextrema precariedade ambiental em que vivem ascrianças estudadas, o desmame que ocorre nessa faseda vida e a paulatina introdução de novos alimentos,oferecidos, quase sempre, em condições higiênicasinsatisfatórias, contribuem para o aumento da in-cidência das parasitoses

Vários fatores ambientais facilitadores da in-fecção enteroparasitária estavam claramente pre-sentes no âmbito da comunidade estudada, entreesses a ausência de água de boa qualidade e de fos-sas, dejetos e detritos a céu aberto, solo úmido, altastemperaturas, grande proliferação de insetos e difi-culdade de acesso aos serviços públicos de saúde.

Os parasitas mais freqüentemente encontradosem diversos estudos são o Ascaris lumbricoides,oTrichuris trichiura e a Giardia lamblia15,20,23coin-cidindo com os nossos achados. Devido à altaprevalência e a freqüência de reinfecções, a as-caridíase e a tricuríase representam, de acordo comHeyneman,24 um importante problema de saúdepública, em conseqüência da desnutrição e do atrasono crescimento que podem ocasionar. A giardíasepode apresentar-se de forma aguda, principalmentecomo diarréia, subaguda ou assintomática. Mesmoentre os assintomáticos, obtém-se freqüentementeevidência de má-absorção intestinal, prejudicandoassim o estado nutricional.25

Vale ressaltar que o inquérito detectou um casode esquistossomose mansônica. Diante da importân-cia epidemiológica desse fato, realizou-se a uma in-vestigação criteriosa a respeito. Era uma menina dequatro anos procedente há seis meses da área ruraldo município de São José da Lage, reconhecida-mente área endêmica dessa parasitose. No mesmodomicílio havia mais 10 pessoas cujos exames defezes foram todos positivos para S. mansoni.Não foiconstatada a presença do hospedeiro intermediário

(Biomphalaria glabrata ou straminea)em possíveiscriadouros nos arredores da favela. A família foi en-caminhada para a Fundação Nacional de Saúde (FU-NASA) a fim de receber tratamento específico.

A quase totalidade das crianças estudadas apre-sentava algum grau de anemia. Saloojee e Pettifor26

relatam que em países subdesenvolvidos, metade doscasos de anemia existentes em crianças e gestantes,principais grupos vulneráveis, é decorrente da defi-ciência de ferro (anemia ferropriva). Admite-se quea ocorrência de anemia ferropriva na infância sejaproveniente da combinação de necessidades excep-cionalmente elevadas de ferro, impostas pelo cresci-mento, dietas pobres nesse mineral e da alta freqüên-cia de enfermidades infecto-parasitárias.27

A prevalência de anemia no Brasil em criançasmenores de cinco anos varia de 25 a 68%.28 Assim,a prevalência ora divulgada excede às existentes emqualquer outro contexto, evidenciando, mais umavez, o papel preponderante da condição socioe-conômica sobre as enfermidades carenciais.

Independentemente das causas que determinamo estado anêmico, associam-se ao mesmo graves pre-juízos para o desenvolvimento cognitivo e motor dacriança e para o seu futuro aproveitamento escolar,do que resulta a grande importância que se deve darao controle da anemia na infância.29

Quanto ao estado nutricional, a maior freqüênciade deficits, dentre os três indicadores estudados, foiobservada para a relação estatura para idade(22,6%). Utilizando um ponto de corte menos rigo-roso (z <-1dp), não adequado para diagnosticardesnutrição, porém de maior utilidade para indicarsituação de risco (triagem),2 essa prevalência sobepara 65%. (Na população de referência (NCHS), onúmero de indivíduos abaixo desse ponto de corte éde apenas 16%). Essa é uma característica de popu-lações submetidas à desnutrição crônica, onde a in-adequada ingestão e/ou utilização biológica de nutri-entes, compromete o crescimento e o desenvolvi-mento da criança.30 A baixa prevalência de deficitspara a relação peso para altura justifica-se pela ade-quação da massa corporal à menor estatura apresen-tada pela criança para a respectiva faixa etária. As-sim, na população estudada, os deficitsde peso paraidade são explicados pela menor estatura dos indiví-duos.

A prevalência de enteroparasitoses, bem como ade anemia, foi extremamente alta, atingindo, pratica-mente, todas as crianças avaliadas, o que dificultou oestudo da associação entre essas condições e os indi-cadores antropométricos em virtude de que o grupo"não doente" ficou bastante restrito. A esse respeito,a literatura não tem convergido no sentido de es-

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clarecer o problema. Tsuyuoka et al.31 verificaramque crianças com enteroparasitoses apresentavamvalores de peso para altura inferiores aos daquelascom resultados negativos. No entanto, outros au-tores13-15,22não verificaram associação entre a in-fecção enteroparasitária e o estado nutricional.

Tomkins32 relata que a Giardia lambliae o As-caris lumbricoides,parasitas mais freqüentes emnosso estudo, podem interferir no crescimento se es-tiverem presentes em grande número ou se a in-gestão alimentar e as condições gerais de saúde dohospedeiro forem precárias. Correia e McAuliffe,25

relatam estudos que demonstraram má-absorção in-testinal em crianças infectadas por Giardia lambliaou Ascaris lumbricoides, com prejuízos ao seu esta-do nutricional. Ferreira et al.,33 em estudo experi-mental com camundongos, verificaram que a esquis-tossomose não afetava a absorção intestinal de pro-teínas quando os animais recebiam dieta balanceada,porém agravava a má-absorção presente nos animaisdesnutridos pelo consumo de uma dieta multidefi-ciente.

Além da possível má-absorção induzida por pa-rasitas intestinais, outros mecanismos poderiam oca-

sionar alterações no estado nutricional. Entre essesse incluem a anorexia, a atrofia de vilosidades, as al-terações enzimáticas (diminuição da lactase e pepti-dases presentes nos vilos), a desconjugação dos áci-dos biliares (limitando a produção de micelas), acompetição por nutrientes e o aumento das necessi-dades energéticas.32

O perfil ora apresentado corrobora os argumen-tos de Andrade et al.,9 de que a desnutrição é deter-minada pelo efeito da ação recíproca de diversos fa-tores. Na população estudada, a interação entre amiséria, o meio ambiente inóspito e a falta deatenção à saúde, gerando fome e infecções cons-tantes, são responsáveis pela situação caóticaprevalecente. Em virtude das altas prevalências dedesnutrição, anemia e parasitoses intestinais encon-tradas e, considerando o efeito sinérgico entre desnu-trição e infecções, conclui-se que o quadro de saúdeverificado é extremamente precário, requerendo in-tervenção imediata a fim de garantir melhorescondições de crescimento, desenvolvimento e quali-dade de vida a essas crianças.

Agradecimentos

Os autores agradecem aos técnicos da Fundação Na-cional de Saúde Antônio Soares S. Sobrinho e JoãoFlorentino dos Santos, pela realização dos examesparasitológicos; aos estagiários do Laboratório deNutrição Básica e Aplicada da Universidade Federalde Alagoas, pela colaboração na coleta de dados; aosProfessores Carlos Gonçalves de Oliveira e Célia

Dias dos Santos pela revisão crítica do manuscrito; àSecretaria de Saúde de Alagoas e à Fundação deAmparo à Pesquisa do Estado de Alagoas (FAPEAL)pelo apoio financeiro e, em especial, às lideranças da“União de Movimentos por Moradia em Alagoas” ea todas as mães e crianças que, gentilmente, se sub-meteram a este trabalho.

Referências

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Recebido para publicação em 29 de maio de 2002Versão final reapresentada em 2 de julho de 2002Aprovado em 2 de agosto de 2002