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CENTRO UNIVERSITÁRIO “BARÃO DE MAUÁ” DIALOGUS Revista dos cursos de História e Pedagogia ISSN 1808-4656 Ribeirão Preto v. 11 n.1 e n.2 2015 p. 269

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DIALOGUS, Ribeirão Preto v.11 n.1 e n.2 2015. 1

CENTRO UNIVERSITÁRIO “BARÃO DE MAUÁ”

DIALOGUSRevista dos cursos de História e Pedagogia

ISSN 1808-4656Ribeirão Preto v. 11 n.1 e n.2 2015 p. 269

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2 DIALOGUS, Ribeirão Preto v.11 n.1 e n.2 2015.

FICHA CATALOGRÁFICADIALOGUS (Graduações em Geografia, em História e em Pedagogia – Centro Universitário “Barão

de Mauá”) Ribeirão Preto, SP – Brasil, v.11, n.1-2, jan/dez 2015. Semestral

14,7 X 20,7. 269p.

2015, v11 n.1-2ISSN 1808-46561. Educação. 2. História. 3. Geografia.I. Centro Universitário Barão de Mauá.II. Cursos de Graduação em História e em Pedagogia.CAPA – “Acesso restrito” Autor da Foto - Sandra Araujo

DIALOGUS é uma publicação semestral dos cursos deHistória e Pedagogia mantidos pelo Centro UniversitárioBarão de Mauá, Ribeirão Preto, SP. Solicita-se permuta.As opiniões emitidas são de responsabilidade dos autores.É permitida a reprodução total ou parcial dos artigos desdeque citada a fonte.

EXPEDIENTE

ChancellerProf. Dr. Nicolau Dinamarco Spinelli (in memorian)ReitoraProfa. Dra. Dulce Maria Pamplona GuimarãesVice-ReitorProf. João Alberto de Andrade VellosoPró-Reitora de EnsinoProfa. Me. Valéria Tomás de AquinoPró-Reitora de Pós graduação, extensão e Iniciação científicaProfa. Dra. Joyce Maria W. GabrielliPró-Reitor AdministrativoAntônio Augusto Abbari DinamarcoCoordenadora de Graduação em HistóriaProfa. Dra. Lilian Rodrigues de Oliveira RosaCoordenador de Graduação em PedagogiaProf. Me. Cícero Barbosa do Nascimento

Comissão EditorialProf. Ms. Cícero Barbosa do NascimentoProfa. Dra. Lilian Rodrigues de Oliveira RosaProf. Ms. Rafael Cardoso de Mello

Conselho Editorial

Andréa Coelho Lastória, profª Drª (USP)Antônio Carlos Lopes Petean, prof. Dr (UFU).Aparecida Turolo Garcia, profª Drª (USC)Beatriz Ribeiro Soares, profª Drª (UFU)Carlo Guimarães Monti, prof. Dr. (CUBM)Cecilia Adriana Bautista Garcia, profª. Drª. (UMSNH/MEX)Charlei Aparecido da Silva, prof. Dr.(UFGD)Dulce Maria Pamplona Guimarães, profª. Drª. (CUBM)Edvaldo Cesar Moretti, prof. Dr. (UFGD)Fábio Fernandes Villela, prof. Dr. (UNESP)Filomena Elaine Paiva Assolini, profa. Dra. (USP)Francisco Sergio B. Ladeira, prof. Dr. (UNICAMP)Humberto Perinelli Neto, prof. Dr. (UNESP)Ivan Aparecido Manoel, prof. Dr. (UNESP)José Luís Vieira de Almeida, prof. Dr. (UNESP)Lélio Luiz de Oliveira, prof. Dr. (USP)Marilia Curado Valsechi, profª Drª (UNESP)Maria Lúcia Lamounier, profª Drª (UNESP)Nainora Maria Barbosa de Freitas, profª Drª (CUBM)Pedro Paulo Funari, prof. Dr. (UNICAMP)Robson Mendonça Pereira, prof. Dr. (UEG)Sedeval Nardoque, prof. Dr. (UFGD)Silvio Reinod Costa, prof. Dr. (CUBM)Solange Vera N. Lima D’Água, profª Drª (UNESP)Taciana Mirna Sambrano, profª Drª (UFMT)Vera Lúcia Salazar Pessoa, profª Drª (UEG)

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PREFÁCIO

É com muita satisfação que o Centro Universitário Barão de Mauáentrega a comunidade o décimo primeiro volume da Revista Dialogus. Talfelicidade se materializa por muitas razões, dentre elas a manutenção daqualidade de seus escritos e o cumprimento com sua função - a qualificaçãode nossa Instituição de Ensino Superior.

Este ano a revista proporciona dois espaços distintos de discussão,igualmente propositivos e necessários em suas áreas do conhecimento:“História econômica” e “Educação especial”. Sobre o primeiro dossiê, ficaevidente a capacidade da Revista em reunir contribuições geradas depesquisas recentemente realizadas em excelentes programas de pós-graduação, tocando questões que envolvem o universo econômico daHistória; já quanto ao segundo, podemos dizer que a equipe responsávelnão se esquivou ao difícil e urgente debate sobre a educação especial eseus múltiplos dilemas.

Salientamos, com isso, que os cursos de História e Pedagogia doCentro Universitário Barão de Mauá continuam a exercer o papel de difusoresdo conhecimento científico, muito além dos muros de nossa instituição.

Em função disto, ver nascer mais um volume da Dialogus significaparabenizar todos os envolvidos e projetar mais para 2016, tempo em quea revista continuará a tecer novos diálogos junto aos pesquisadores e leitores(internos e externos), nacionais e internacionais.

Reitoria do Centro Universitário Barão de Mauá

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Apresentação do primeiro e do segundo número do décimo volume

Em dez anos de publicações, a Dialogus passou por muitas fases– muitas conversas. A publicação de entrevistas com inúmeraspersonalidades influentes nas Ciências Humanas (como Dulce MariaPamplona Guimarães, Vera Lúcia Salazar Pessôa, José William Vesentini,José Eustáquio Romão, Michele Sato, Maria de Fátima Garcia de Matos,etc.) ou fora do ambiente acadêmico (o Cacique Raoni e o jornalista LuísCarlos Eblak) nos recorda de nosso intento primeiro, aquele de criar espaçoe oportunizar diálogos sem fim, demarcado já na primeira edição de 2005.Na crença que estes diálogos tragam um homem mais complexo e menosmarcado pelos limites de cada campo científico, continuamos firmes naconvicção de que este projeto está mais vivo que nunca!

Foram muitos artigos e resenhas, contribuições nacionais einternacionais. Além dos dossiês que tangenciaram problemas(preferencialmente) em História, Geografia e Educação, recebemoscontribuições de filósofos, advogados, biólogos, arquitetos, jornalistas, todosinteressados em conversar com nossos leitores.

Este ano, contamos com muitas contribuições em História eEducação. Salientamos a presença dos pesquisadores na área de HistóriaEconômica, tais como Carlo Monti, Alcione Más, Lélio Oliveira, Maísa Cunha,Caio Andrade, Pedro Tosi, Victor Oliveira e Renato Marcondes; além deRosana Constâncio, Beatriz Spinelli, Ivani Silva, Zélia Bittencourt, Cátia Walter,Joyce Gabrielli, Luciana Rodrigues e Sueli Teixeira, autoras vinculadas aspesquisas de Educação Especial.

Para além destes, convidamos a leitura dos escritos de Antônio doVale, Ivan Manoel, Graziela Varella, Ilse Silva, Luana Rocha, Irving Malaguti,Lilian Rosa e Luana Inouye, responsáveis diretos em mais um volume denossa revista. Boa leitura.

Comissão Editorial

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DOSSIÊ“HISTÓRIA ECONÔMICA”

13 Os acordos de trabalho nas lavouras de café em Ribeirão Preto (1910– 1940).Labor relations in coffee business, RIbeirão Preto (1910-1940).Carlo Guimarães MONTIAlcione Albuquerque MÁS

27 Os documentos e a História Econômica RegionalDocuments and regional economic history.Lélio Luiz de OLIVEIRA

37 Um olhar sobre os registros de casamento da paróquia NossaSenhora da Conceição de Franca - SP, século XIXA look at the marriage records of the Parish “Nossa Senhora da Conceição” ofFranca - SP, XIX century.Maísa Faleiros da CUNHA

49 A legislação como discurso: o Convênio de Taubaté e a construçãoda Modernidade republicanaThe legislation as discourse: the “Convênio de Taubaté” and the constructionof the republican modernity.Caio Pedro Vioto de ANDRADEPedro Geraldo Saadi TOSI

67 Além dos grandes: os pequenos cafeicultores de Ribeirão Preto(1904-37)Beyond the great: smallholder coffee growers of Ribeirão Preto (1904-37)Victor Augusto de Almeida OLIVEIRARenato Leite MARCONDES

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8 DIALOGUS, Ribeirão Preto v.11 n.1 e n.2 2015.

DOSSIÊ“EDUCAÇÃO ESPECIAL”

87 Tradução comentada: singularidades e especificidadesComment translation: singularities and specificitiesRosana de Fátima Janes CONSTÂNCIO

125 Os multiletramentos e as novas tecnologias como formas deletramento para alunos surdosThe multiliteracies and new technologies as forms of literacy for deaf studentsBeatriz G. SPINELLIIvani Rodrigues SILVAZelia Z.C.L. BITTENCOURT

145 O PECS-adaptado e a flexibilização de um programa de comunicaçãoalternativa no ensino regularThe Adapted-PECSS and the flexibility of an alternative and argumentativecommunication program in mainstream educationCátia Crivelenti de Figueiredo WALTER

163 Processo de inclusão de estudantes com necessidadeseducacionais especiais no ensino superior: um relato de experiênciaInclusive schooling process for students with special needs in graduate education:a testimony of experienceJoyce Maria Worschech GABRIELLILuciana Andrade RODRIGUESSueli Cristina de Pauli TEIXEIRA

ARTIGOS/ARTICLES

177 O naturalismo em John Dewey e a transcendência em Paulo Freire:ensaio crítico sobre o enfrentamento dos desafios filosófico-pedagógicosNaturalism in John Dewey and transcendence in Paulo Freire : a criticalessay on the clash of philosophical and pedagogical challengesAntônio Marques do VALEIvan Aparecido MANOEL

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209 Supervisor escolar: o desafio da prática e da teoria na organizaçãodo trabalho pedagógicoSchool supervisor: the challenge of practice and theory in the organization ofthe pedagogical work Graziela Alves da Silva VARELLA

223 Reforma do Estado e política cultural no Estado do Maranhão nosanos 1990State reform and cultural policy in the State of Maranhão in the 1990s.Ilse Gomes SILVALuana Tereza de Barros Vieira ROCHA

235 O projeto Ciranda como alternativa educacionalThe “Ciranda project” as a educational alternativaIrving Spinelli MALAGUTILilian Rodrigues de Oliveira ROSA

249 Dificuldades de aprendizagem no ensino superiorLearning difficulties in higher educationLuana Alves INOUYE

261 Índice de autores/Authors index.

262 Índice de Assuntos.

264 Subject Index.

266 Normas para publicação na revista DIALOGUS.

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DOSSIÊ

“HISTÓRIA ECONÔMICA”

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OS ACORDOS DE TRABALHO NAS LAVOURAS DE CAFÉ EMRIBEIRÃO PRETO (1910 – 1940)

Carlo Guimarães MONTI *

Alcione Albuquerque MÁS **

RESUMO: As relações de trabalho na cafeicultura sofreram transformações coma inserção da mão-de-obra livre, remunerada e com acesso às lavouras dealimentos. Verificamos como se deu o processo de trabalho e as mudançasocorridas diante das crises da cafeicultura até o momento em que o café perdeulugar para outras atividades produtivas.

PALAVRAS-CHAVE: Cafeicultura; Trabalhado Agrícola; Ribeirão Preto.

O presente estudo tem por objeto de estudo as relações de trabalho naslavouras de café em Ribeirão Preto entre os anos de 1910-1940. Buscamosresponder a questão, se houve mudanças nessas relações e como ostrabalhadores se adaptaram às novas realidades econômicas do município entreo período de auge da atividade cafeeira e seu declínio. Em meio a esse arranjo,procuramos conhecer como foi organizado o sistema de trabalho.

A pesquisa foi organizada tendo como fontes as escrituras de contratosagrícolas dispostas no 1º Tabelião de Notas de Ribeirão Preto. Neste estudooptamos por analisar duas modalidades de contratação, as parcerias e asempreitadas, por serem pouco trabalhadas.

As parcerias eram firmadas para a formação de cafeeiros ou para suamanutenção, mas poderiam se destinar a outras atividades produtivas e eramregidas pela meação da produção. O proprietário fornecia a terra, as sementes,mudas e adubos, enquanto o trabalhador participava com o trabalho, pagando oaluguel da terra com parte da safra bruta, ou com o equivalente em dinheiro, naproporção estipulada de acordo com as normas contratuais.

Já nas empreitadas, a contratação dos serviços era feita a um grupo deempreiteiros ou a um empreiteiro que ficava responsável por formar uma equipe* Carlo G. Monti é Doutor pela FCHC-UNESP-Franca, Mestre em História pela FFLCH-USP, Professordo CEUBM nas graduações de História e Jornalismo. Coordena o Curso de Especialização em História,Cultura e Sociedade. E.mail: [email protected].** Alcione Mas é Professora de História da Rede Estadual. Especialista em História, Cultura e Sociedade(CEUBM/RP). E-mail: [email protected].

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de trabalho e o pagamento era relativo ao número de pés de café formados outratados, podendo ser feito em parcelas ou no fim do prazo contratual.

Nosso recorte temporal foi dividido em dois momentos importantes paraa cafeicultura do município. O primeiro que vai de 1910 a 1920, representa operíodo de auge em que Ribeirão Preto foi o maior produtor de café (Marcondes,2007, p. 5). Nele encontramos quarenta e quatro escrituras de contratos deempreitada.

O segundo período que vai de 1930 a 1940, representa o declínio daprodução de café, neste encontramos quatro escrituras de contratos de parcerias.

Nesse momento, a cafeicultura se expandia para o oeste e sul, RibeirãoPreto diminuía a sua importância na produção dentro da cafeicultura paulista(Marcondes, 2007, p. 7). Assim, essas parcerias passaram a ser feitas com o fimde organizar outras culturas, que não o café, como algodão, cereais e verduras.

Nossos objetivos são verificar, além das modalidades de contratação, oslocais das propriedades, as formas de remuneração e a presença da policulturana época.

O estudo é constituído por quarto seções, a primeira foca o panorama daatividade cafeeira desde a chegada do café a São Paulo até o momento de suadecadência. A segunda aborda o significado econômico do café para RibeirãoPreto, a terceira e quarta analisam as relações de trabalho por meio das escriturasde contrato de empreitada e parceria agrícolas.

A atividade cafeeiraA ascensão da atividade cafeeira teve vez no século XIX, quando o café se

estabeleceu no Vale do Paraíba e região de Campinas, com o aumento daprodutividade, colocou o Estado de São Paulo em destaque no Brasil.

Com o passar do tempo, os solos já cansados e em vias de esgotamentodo Vale do Paraíba impeliram os cafeicultores a procurarem regiões novas. ThomasWalker (2000) destaca que, no século XX, São Paulo era o principal Estadobrasileiro responsável pela produção do café, participando nas primeiras décadasdo século com percentuais acima da metade da produção nacional.

Isso se deve, em boa medida, às políticas governamentais adotadas desde1906 que culminaram na criação do Convênio de Taubaté (Torelli, 2004). Esseconvênio foi assinado por representantes dos maiores Estados produtores decafé – São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro – com o objetivo de valorizar oproduto no mercado internacional por meio do controle da oferta.

O governo compraria o excedente para garantir o equilíbrio entre oferta e

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demanda e o financiamento necessário para essa compra seria feito medianteempréstimos estrangeiros. Além disso, foi proposta uma ‘Caixa de Conversão’para estabilizar o câmbio que impediria a valorização e proibiria a exportação decafés inferiores (Torelli, 2004).

Os plantios eram mantidos para suprir a perda das zonas antigas. E aforte geada de 1918, apesar de prejudicar a safra, fez com que se descartasse asuperprodução como fator de risco (Garcia, 1999).

Na década de 1920 o Estado interferiu em virtude dos efeitos da inflaçãoque afetou o nível de emprego e salários, reduzindo o potencial de consumo e ocrédito internacional para as casas importadoras. A queda do preço do café seriaiminente e a intervenção foi necessária, pois era o principal produto de exportaçãono país. (Garcia, 1997).

Decidiu-se, então, pela formação do ‘Conselho de Defesa Permanentedo Café’ para fornecer empréstimos aos cafeicultores e comprar os excedentes,ainda com o objetivo de regularizar a oferta. Assim, foi criado o Instituto de Defesado Café, mais tarde Instituto do Café. No entanto, aumentava-se o risco desuperprodução ao se controlar a oferta e não a produção. A manutenção deliderança no mercado não resistiu por muito tempo. Apesar da queda dos preços,não houve aumento de consumo que pudesse dar conta da superprodução emlongo prazo, culminando no fim da prosperidade do café (Walker, 2000).

Sobretudo, a crise mundial promoveu importante interferência naeconomia, afetando dramaticamente o setor cafeeiro, que jamais voltou a ter osignificado econômico de outrora. Ao mesmo tempo em que havia uma grandesafra de café no Brasil, a crise diminuiu a demanda, dificultando programas quesuportassem apoiar financeiramente os cafeicultores e o setor perdeu seu lugarprivilegiado na economia paulista, sendo substituído aos poucos por umaagricultura diversificada e pela industrialização (Marcondes, 2007).

Ribeirão Preto: o significado econômico do caféA região Mogiana tinha grande representatividade na produção da

Província de São Paulo e dominava o mercado nacional no final do século XIX,atraindo grande contingente de trabalhadores rurais. De inicio a procura porRibeirão Preto se deu com o declínio da faina aurífera em Minas Gerais que levouos moradores dessas áreas a se deslocarem para novas regiões em busca demelhores condições econômicas (Faleiros, 2007)

Em meados do século XIX, surgiram os primeiros sítios, às margens doscórregos Retiro e Ribeirão Preto, e os mineiros que povoaram essa região se

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dedicavam, principalmente, a uma economia agrícola de subsistência e criaçãode gado.

O município originou-se da doação de terras à Igreja para a formação dopatrimônio de São Sebastião em 1856, se constituindo num povoado que foielevado à freguesia em 1870, e passou à categoria de vila em 1871, sendodesmembrada da Vila de São Simão (Lopes, 2009).

Formaram-se as primeiras fazendas produtoras de café a partir de 1870,tendo como elemento facilitador de acesso ao município a instalação da estradade ferro em 1883 que ajudou a atrair cada vez mais cafeicultores. Nesse período,as ferrovias avançaram a partir da linha Jundiaí-Campinas até chegar a Franca,seguindo para o Triângulo Mineiro (Tosi, 1998).

Sobretudo, as ferrovias acompanharam a expansão cafeeira, favorecendoo desenvolvimento da região que até meados do século XIX era somente um localde passagem para Goiás e Minas Gerais, onde havia exploração de minérios(Garcia, 1997).

A partir das fazendas Laureano e Lageado, originaram-se as demais. Afazenda Laureano era de propriedade de Vicente J. dos Reis e foi dividida pormotivo de herança e venda. Em 1877, João Franco de Moraes Otávio reuniualgumas parcelas e formou a fazenda Monte Alegre, resultado da união daLaureano com a Ribeirão Preto Abaixo. Em 1890, após novas divisões por herançaou venda, algumas parcelas foram adquiridas por Francisco Schimidt.

A fazenda Lageado que pertencia a família Junqueira desde 1842 foifracionada em parcelas após 1880, teve parte vendida à Martinho Prado Júnior eà Henrique Dumont no final do século XIX.

Com status de cidade, a urbanização de Ribeirão Preto aumentou oconsumo de gêneros alimentícios, vestuário e moradia e, para além do complexocafeeiro, outras atividades ganharam espaço, no qual os pequenos produtores dealimentos e algumas indústrias de pequeno porte produtoras de aguardenteabasteciam as novas vilas que se formavam no entorno das fazendas (Silva, 2006).

Algumas ações impulsionaram a cafeicultura, como a propaganda queLuiz Pereira Barreto fazia no exterior sobre o café Bourbon, introduzido por ele nomunicípio. Inicialmente apenas local, o contingente de mão-de-obra foi aumentadocom a chegada dos imigrantes e de indivíduos de outras regiões do país, parasuprirem a demanda da produção.

Em 1887, foi implantado o Núcleo Antonio Prado em terras devolutas deRibeirão Preto. Constituído por uma sede e loteamentos de chácaras, tinha o

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objetivo de atrair e fixar imigrantes para suprirem a demanda de mão-de-obra nasépocas de maior demanda nas fazendas. No restante do ano, praticava-se a culturade alimentos em lotes do próprio Núcleo e o excedente era comercializado nacidade, além de atividades de comércio. (Silva, 2008).

A resolução dos problemas de mão-de-obra foi fundamental para aconsolidação do café como principal atividade financeira em Ribeirão Preto.Segundo Marcondes, (2007), a produção em 1904-5 foi a maior do Estado de SãoPaulo e ficou acima de dois milhões de arrobas, continuando nesse patamar, até1917-1918.

Todavia, o impacto da geada de 1918 contribuiu para a redução daprodução a 560 arrobas. O censo de 1920 mostrou uma redução do número deestabelecimentos plantadores de café, talvez em decorrência também da geadade 1918. A produção que atingiu apenas 741.080 arrobas colocou o municípiocomo sexto maior produtor do país e manteve a tendência ao declínio na décadade 1920, se acentuando na seguinte. (Marcondes, 2007).

Além disso, Ribeirão Preto enfrentava a concorrência de outros municípiosquanto ao volume de produção, como Jaú e Pirajuí, mesmo antes da crise de1929. Sobretudo, o café estava se expandindo para o oeste e para o sul, o quereduziu a participação do município no total da colheita do Estado. Em 1911-12representava 6% e em 1925-26 chegou a 3,3% e na década seguinte, propriamente,nas safras de 1937-38, representava 1,4% do total do Estado, quando se reduziu aimportância de Ribeirão Preto na cafeicultura. (Faleiros, 2007).

O trabalho nas lavouras de caféO trabalho nas lavouras de café foi realizado até 1888 pela mão-de-obra

escrava, coexistia com um tipo de relação econômica que seria o prenúncio doque viria a ser o campesinato (Monti, 2005).

Conforme aponta Muller, (2005), havia um espaço dentro da propriedadedo senhor, para a produção de alimentos de subsistência com a permissão decomercialização do excedente, o que possibilitou a alguns cativos passarem àcondição de libertos e pagar por suas alforrias.

Essa relação econômica foi denominada por Ciro Flamarion Cardoso de“brecha camponesa”, segundo ele, havia um proto-campesinato nas Américas eque esteve presente no Brasil. (Cardoso, 1987).

Sobretudo, ao mesmo tempo em que o cativo tinha uma relativa autonomia,com a possibilidade de uma economia própria ao escolher o que plantar e vender,também se aproximava da condição de camponês. Por outro lado, essa relação

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servia de instrumento apaziguador, evitando as fugas e rebeliões ao mesmo tempo,em que, diminuía as despesas dos senhores em relação à manutenção dos cativos(Cardoso, 1987). Entretanto, começaram a surgir mudanças que apontavam paraa necessidade de inserção da mão-de-obra livre.

Com as diversas ações favoráveis à abolição, a proibição do tráficonegreiro, a Lei Eusébio de Queiróz (1850), as declarações das leis do Ventre Livre(1871) e do Sexagenário (1885), muitos fazendeiros, especialmente os de SãoPaulo, precisaram recorrer à contratação de trabalhadores imigrantes.

No final do século XIX, propriamente nas regiões consagradas como degrande importância para o capital cafeeiro, o Vale do Paraíba, o Oeste Antigo(Campinas) e Oeste Novo (Ribeirão Preto), as fazendas de café despendiamgrandes investimentos com infra-estrutura, máquinas para beneficiamento, meiosde transporte e estradas. Além disso, os fazendeiros só conseguiam obter osrendimentos e auferir lucros após, aproximadamente, seis anos decorridos doplantio (Garcia, 1997). Todavia, havia dificuldades para lidar com uma nova formade trabalho que não fosse a escravidão, por receio de que a abolição representasseo fim da economia agrícola (Prado, 1996). Ainda nessa época, os negrosdesempenhavam função de colonos nas fazendas, mas também exerciamfunções de camaradas, carreteiros e pedreiros. (Monsma, 2008).

A presença da mão-de-obra nacional era solicitada para a derrubada dematas, cultura de alimentos, manutenção de estradas, e os migrantes quepassavam pelas fazendas se ocupavam como vendeiros, tropeiros e nasempreitadas. As referências aos trabalhadores nacionais foram sempre negativas,vistos como instáveis, preguiçosos, sendo difícil mantê-los atrelados às fazendas.(Lamounier, 1984).

Ademais, havia a preocupação com a vadiagem. O surgimento do CódigoCriminal (1830) impôs uma legislação que saía do âmbito da conduta social parainfluenciar a forma de contratação. Sendo assim, os fazendeiros entendiam essaslegislações como forma de manter a disciplina no trabalho.

Mesmo quando se colocaram a favor da mão-de-obra nacional, oscafeicultores ainda viam com dificuldades a questão da vadiagem e nãoacreditavam na eficácia da legislação. Em 1879 foi aprovada a Lei de Locação deServiços, ampliando as garantias dos contratos agrícolas firmados com nacionais,imigrantes e libertos (Lamounier, 1984).

Entretanto, essa lei era rígida e estabelecia penas severas como prisõese trabalho forçado para os que não cumprissem os contratos ou se envolvessemem rebeliões e greves. Além de controlar a mobilidade dos libertos, estabelecia

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sanções contra a vadiagem (Lamounier, 1984).A expansão cafeeira demandou mão-de-obra também na construção de

ferrovias e os nacionais buscavam essa opção nas entressafras do café (Tosi,1998).

A modalidade de contratação por meio da parceria foi a primeira formaescolhida para incentivar a imigração, mas não alcançou êxito. Os trabalhadoresse endividavam assim que chegavam às fazendas com a obtenção de produtosque não podiam produzir como sal, querosene, vestuário e insumos necessáriosao trabalho na lavoura (Monti, 2014)

Essas despesas eram deduzidas do pagamento previsto com a lida nocafé. Assim, permaneciam em condições similares às dos escravos, o que gerouuma série de revoltas, culminando na proibição da imigração (Silva, 2006).

Um novo sistema promovido pela Sociedade Promotora de Imigraçãosurgiu em 1886 e trazia como diferencial o subsídio das passagens, sem quefosse demandado algum encargo ao trabalhador. Com isso, fomentou-se a mão-de-obra livre por meio de unidades familiares que substituíram gradativamente aescrava (Garcia, 1997).

Essa nova alternativa de contratação ficou conhecida como colonato efoi aceita com mais interesse porque combinava salário, ganhos por empreitadae permitia o acesso ao cultivo de alimentos (Faleiros, 2007).

O colonato era caracterizado por um contrato padrão que poderiacontemplar três formas de remuneração, o pagamento a dinheiro para o trato dospés de café, para a colheita e para o trabalho diário sem especialização, além damoradia gratuita. O salário era calculado por uma quantia fixa referente a mil pésde café tratados, por unidade de volume colhido ou por dia trabalhado (Faleiros,2008).

Os trabalhadores contratados por esse sistema eram enviados aosnúcleos coloniais criados por incentivo governamental. Todavia, poderiam residirem modestas casas muito próximas umas às outras que ficaram conhecidascomo as colônias das fazendas de café (Garcia, 1997).

Os imigrantes vinham com a promessa de um dia terem acesso àaquisição de terras. No entanto, a terra era considerada forma de acúmulo deriqueza e sua ocupação até 1850, era por meio de quem primeiro tomasse posse,ou por meio de distribuição aos fazendeiros pela Coroa, gerando a necessidadede um instrumento de regularização.

Por meio da instituição da Lei nº 601 de 1850 (Lei de Terras), buscava-seresolver o problema pela compra, obrigando os posseiros a regularizarem suas

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terras, ficando passíveis de serem consideradas devolutas, caso não fossemcultivadas no espaço de dois anos.

Alguns posseiros deixavam pequenas casas e plantações para nãocaracterizar abandono. Para os imigrantes, o acesso à propriedade de terras eradificultado devido aos preços bastante elevados (Stolcke, 1986).

Os primeiros contratos agrícolas foram firmados em cadernetas, de acordocom a Lei do Patronato Agrícola de 1911, aprovada por Manoel Joaquim deAlbuquerque Lins, na ocasião presidente do Estado de São Paulo.

O Patronato Agrícola era uma agência estatal, subordinada ao Secretáriode Agricultura, que tinha como objetivo determinar o cumprimento dos contratosagrícolas (Welch, 2008).

Os cafeicultores também contratavam trabalhadores a jornal ouempreiteiros e até mesmo parceiros para realizar o trato, ou seja, a manutençãodos cafezais ou para a formação de novos cafeeiros. A contratação era por tempodeterminado, firmada por meio das escrituras de contratos agrícolas.

Relações de trabalho: as escrituras de contratos agrícolasAnalisamos, em nosso período de estudo, 48 escrituras de contratos

agrícolas firmados com parceiros e empreiteiros e encontramos denominaçõesdiferentes para designar o trabalhador rural que apareceu como: empreiteirocolono, parceiro colono, parceiro, empreiteiro, trabalhador e lavrador.

Havia certo padrão nessas escrituras, mas algumas cláusulas, além daprevisão de garantia de qualidade dos serviços e cumprimento de prazo, permitiama imposição e o mando.

Ademais, os cafeicultores tinham o poder de julgar condutas e decidir seelas eram ou não convenientes porque ainda não havia leis trabalhistas queamparassem os trabalhadores rurais. O primeiro Código Civil, Lei nº 3.071 de 1ºjaneiro de 1916, entrou em vigor apenas em 1917 com normas para locação deserviços. No entanto, esse Código escrito no século XIX, era amparado por idéiasconservadoras de uma sociedade ainda não habituada com a mão-de-obra livre.

Observamos que as escrituras de empreitadas firmadas com o coronelJoão Ferreira Penteado no período de 1912 a 1922 resguardavam o direito dedespejar os trabalhadores sem nenhuma indenização, caso julgasse ocorreralguma situação de desrespeito à ele, à sua família ou à administração da fazenda.(Livros de Notas, 1917, p. 341).

Conforme aponta Dall’aba, (2010), as cláusulas contratuais permitiam aautonomia da vontade. As partes tinham o direito de determinar o conteúdo das

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cláusulas contratuais sem considerar se havia desequilíbrio na formação ou naexecução do contrato. Pode-se supor que a maioria da população não usava oCódigo e que a situação viria a mudar com o processo de industrialização, após aI Guerra Mundial.

Surgiram alguns movimentos de contestação. Na Fazenda Iracema,pertencente ao Coronel Francisco Schimidt, aproximadamente, setenta famíliasde colonos organizaram uma greve, em maio de 1912. Já que trabalhavamclandestinamente para evitar serem substituídos por trabalhadores dasproximidades. A greve perdurou até Schimidt aceitar aumentar seus ganhos em20%, ou seja, de 500 para 600 réis por saca de 50 litros de grãos de café colhidos(Welch, 2008, p. 8).

No ano seguinte, com a queda dos preços do café, os fazendeiroscortaram os salários, mas mantinham em alta os preços das mercadorias vendidasaos trabalhadores nas fazendas, enquanto, o plantio das culturas de alimentosera restringido. Desta vez, mais de dez mil colonos se organizaram contra diversasfazendas, incluindo a fazenda Macaúbas do coronel Schimidt. Como os grevistasnão cederam, aproximadamente, 140 colonos de origem italiana foram deportadosao serem tidos como agitadores (Welch, 2008, p. 9).

As greves, principalmente, as dos anos de 1910-13 tiveram relação comos preços do café e a proibição do plantio de alimentos (Stolcke, 1997).

De acordo com o Relatório da Secretaria da Agricultura (1914 a 1930), asprincipais reclamações encaminhadas ao Patronato Agrícola eram atraso depagamento, multas injustas, erros nas contas, rompimento, violação dos contratos,demissões violentas ou injustas, maus tratos e violações da liberdade pessoal e,especificamente em 1918, estragos da geada.

Uma forma de coibir as manifestações na fazenda Dumont foi destacar apalavra grevista em tinta vermelha em suas cadernetas para impedir que seempregassem em outras regiões. Apesar de inúmeras tentativas para apaziguaros conflitos, não se conseguiu impedir as greves e a organização dos trabalhadores(Paziani, 2005). No entanto, permaneceu o autoritarismo da elite cafeeira que sófortaleceu a grande mobilidade de uma fazenda a outra na busca de contratosmais vantajosos (Garcia, 1997).

O trabalho nas lavouras iniciava em setembro ou outubro de acordo com oCalendário Agrícola e compreendia diversas tarefas, como a realização de capinas,limpeza dos terrenos para evitar proliferação de pragas e ervas daninhas, espalhamentodo cisco. Era preciso replantar as eventuais falhas, tendo em vista que as covas deve-riam render de três a seis pés de café (Livros de Notas, 1917, p. 255).

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Os contratos demonstram que integrado ao plantio e manutenção doscafeeiros, havia a policultura e a criação de animais, principalmente, galinhas,porcos e cabritos. As roças de alimentos poderiam ser cultivadas entre as ruas decafé ou em porções de terras fora da lavoura, sendo comum o cultivo de milho,arroz e feijão.

Verificamos que as empreitadas eram a maioria, destinadas ao caféenquanto as parcerias poderiam ser firmadas para outros tipos de produção,como hortaliças, frutas, verduras, canaviais, cereais, algodão, criação de gado,produção de farinha de mandioca, fubá e aguardente.

Vimos que nas parcerias o pagamento era a meação da produção e nasempreitadas, a dinheiro em parcelas trimestrais ou anuais. A remuneração tambémcompreendia o recebimento dos frutos que fossem colhidos entre o terceiro e oquarto ano. Aos proprietários se destinavam os frutos do quinto ou sexto ano,como mostra a empreitada firmada para a Fazenda São José, antiga FazendaJacutinga em Jardinópolis.

Em 1912, José Soretta entregou a João José Pereira dez mil covas paraformação e dois mil pés de café já formados. O prazo era de cinco anos e opagamento 100.000 réis por mil pés de café formados por ano. O pagamentoseria em parcelas trimestrais, descontando-se as falhas a 500 réis cada.1 Osfrutos do quarto ano eram do empreiteiro que deveria colher para o fazendeiro osfrutos do quinto ano, recebendo por esse serviço 500 réis por alqueire (Livros deNotas, 1912, p. 198).

Havia tarefas remuneradas, além daquelas inerentes ao café. Numa dasempreitadas do Coronel Elisiário Ferreira de Camargo Andrade para o ano de1912, a contratação era para o trato de 250 a 300 mil covas que deveriam serformadas no prazo de um ano nas Fazendas Bello Horizonte e São Manoel.

Além disso, o trabalhador receberia 15 contos de réis para realizar aroçada da mata das duas fazendas. Deveria abrir carreadores, sendo remuneradoem 300 réis por braça e aproveitar toda a madeira de lei, tendo o direito de receber2.500 réis por cada torada. (Livros de Notas, 1912, p. 270). Todavia, demais tarefascomo os chamados de socorro a incêndios e outras emergências, conservaçãode cercas, estradas e pastos não previam remuneração, sendo obrigatórias.

Os adiantamentos eram comuns, podendo ser em grãos para o cultivoda roça de alimentos, como mostra uma das empreitadas de Luiz A. Pinto, para oano de 1912, ele oferecia no primeiro ano, meio ou um carro de milho, de acordocom o tamanho da família do empreiteiro, para ser restituído com a primeira3 Entende-se por falhas as covas que apresentassem número inferior a três pés de café.

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produção de alimentos que colhesse, na proporção de 5% dos mantimentos.Caso necessário, o empreiteiro poderia receber adiantamento a dinheiro quedeveria ser restituído a juros de 8% ao ano (Livros de Notas, 1912, p. 305).

Assim, podemos entender que havia incentivo à policultura por ser umsetor rentável, também, ao proprietário da terra, mesmo em época de auge daatividade cafeeira.

Em alguns casos, a remuneração não previa pagamento a dinheiro, comona empreitada que Francisco Foglia firmou em 1916 com o Coronel João Penteadopara a Fazenda Tamboril em Taquaritinga. A empreitada para o trato de 39.000pés de café seria paga com a colheita dos frutos do café e com os mantimentosque os trabalhadores produzissem de seu plantio de milho e feijão (Livros deNotas, 1916, p.173).

Eram recorrentes as cláusulas que previam a preferência de comprapelos fazendeiros, da produção da roça de alimentos o que denota ser vantajosaa intermediação da alocação desses excedentes no mercado.

As escrituras de contratos também mostram que houve mobilidade deempreitadas a outros municípios de São Paulo, como Santa Cruz do Rio Pardo,Taquaritinga, Avanhandava, Catanduva, Ibitinga e para municípios de Minas Gerais.

Pode-se supor que os cafeicultores estavam investindo em outros locaise Ribeirão Preto se tornou um local de agenciamento de trabalhadores que,provavelmente, já prestavam serviços para os cafeicultores do município, defronteira do café no final do século XIX, a cidade passou no inicio do século XX, aagir como frente de expansão para a atividade cafeeira.

Sobretudo, o volume dos contratos era sensível ao movimento do mercadoe, apesar da defesa permanente na década de 1920, retraiu definitivamente coma crise de 1929. Houve a redução da produção cafeeira, tendo como conseqüênciaa erradicação de milhões de pés de café (Faleiros, 2007). O impacto da crise de1929 repercutiu de forma intensa para a decadência da atividade cafeeira naregião.

As grandes propriedades acabaram por perecer na década de 1930 e adecadência da cafeicultura provocou a fragmentação de diversas propriedades,como a Fazenda Dumont fracionada pela Companhia Agrícola de Colonização –CAIC a partir de 1940 e que também foi responsável pela venda de lotes de outrasfazendas de Ribeirão Preto na década de 1950, como a Guarani, São Bento,Palestina, Restinga e Iracema (Faleiros 2007, p. 128).

Em Ribeirão Preto havia a possibilidade da aquisição de lotes no NúcleoAntonio Prado e abertura de comércio ou pequenas oficinas (Silva, 2008).

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As escrituras de contratos agrícolas mostram que no período de declíniodo café os trabalhadores firmaram contratos de empreitada em outros municípiosou preferiram as parcerias em Ribeirão Preto para outros tipos de produção.

Sobretudo, a partir de 1937 não mais se firmavam escrituras de contratosde empreitada em Ribeirão Preto, prevalecendo as parcerias para o plantio dealgodão, cereais e verduras.

Em finais da década de 1940, o café foi substituído por outras formas decultura e, somente com a entrada da cana-de-açúcar é que houve certaestabilização quanto ao número de contratações. Antes disso, a plantação dealgodão foi uma alternativa, além da comercialização de arroz e milho,demandados pelo crescimento urbano (Silva, 2001).

Considerações finaisAs políticas voltadas à abolição e a expansão do café para o oeste paulista

demandaram mão-de-obra no final do século XIX, ocasião em que Ribeirão Pretoocupava lugar de destaque na economia cafeeira do Estado de São Paulo.

Os trabalhadores rurais estiveram submetidos às sucessivas crises dacafeicultura que, aliadas a outros fatores, contribuíram para o abandono doscafezais no município e a busca por empreitadas em outros locais de trabalho.

A geada de 1918 reduziu drasticamente a produção cafeeira quepermaneceu em declínio na década de 1920 e as políticas de defesa conseguiramo quanto possível, adiar o destino que a faina cafeeira enfrentaria, haja vista omovimento de recuperação e retração sofrido até a derradeira crise de 1929.

A grande crise não foi o único fator a contribuir com a decadência do cafée as mudanças nas relações de trabalho, mas decidiu sobre o movimento deabandono da faina cafeeira e a fragmentação de diversas grandes propriedades.

Na década de 1930, os trabalhadores que permaneciam em RibeirãoPreto buscavam as parcerias para outros tipos de produção. O que indica umaprodução agrícola em constante mutação quanto aos produtos e áreas a seremtrabalhadas.

As empreitadas e parcerias, mesmo sendo utilizadas com o fim de seremcontratos mediadores de relações de trabalho, foram empregados para açõesespecificas, uma para o plantio do café a outra para a cultura de produtosalimentícios, demonstrando a existência de lavouras para além do café. Ambasas lavouras coexistiram em tempo e espaço, mas foram organizadas por contratosdistintos.

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MONTI, Carlo Guimaraes; MÁS, Alcione Albuquerque. Labors relations in coffebusiness, Ribeirão Preto (1910-1940). DIALOGUS. Ribeirão Preto. v.11, n.1 e n.2,2015, pp. 13 - 26.

ABSTRACT: Labor relations in coffee have been transformed with the insertion ofthe free paid manpower and access to food crops. We checked how the workingprocess was and the changes against the coffee crisis until coffee lost room forother productive activities.

KEYWORDS: coffee; rural workers; Ribeirão Preto.

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OS DOCUMENTOS E A HISTÓRIA ECONÔMICA REGIONAL

Lélio Luiz de OLIVEIRA *

RESUMO: O artigo apresenta aos jovens historiadores alguns documentos produzidosno passado, ressalta a importância de análise crítica dos dados, bem como a viabilidadede realização de pesquisas históricas regionais sobre o mundo rural.

PALAVRAS-CHAVE: documentos históricos, história econômica regional.

IntroduçãoO objetivo deste artigo é apresentar aos jovens historiadores alguns

documentos produzidos no passado e demonstrar algumas possibilidades deanálises dos mesmos, visando a realização de pesquisas históricas relativas aomundo rural, de caráter regional. Serão demonstrados três documentos: ostestamentos, os inventários post-mortem e as escrituras de compra e venda. Adocumentação citada refere-se à região do nordeste paulista, correspondente áVila Franca do Imperador, durante o século XIX.

Os documentosOs testamentos. Os testamentos são documentos muito antigos e

tradicionais, elaborados por decisão única de alguma pessoa possuidora de bensde algum valor, que ainda em vida determina o destino do seu patrimônio porocasião de sua morte. É a última vontade da pessoa, porém, respeitando alegislação em vigor na sua época.

Olhando para o passado de longa data e sabendo da grande concentraçãode recursos nas mãos de poucos, resulta que uma gama imensa da populaçãonão tinha o que formalizar e muito pouco tinha para transmitir para a próximageração, o que era feito informalmente. Assim, esse tipo registro – o testamento –se restringia a um grupo restrito de pessoas, especialmente em tempos maisremotos.

Durante o período medieval europeu, a Igreja tinha muito controle sobre osregistros dos bens e interesse direto na partilha dos melhor aquinhoados. Muitosregistros eram escriturados pelos padres das paróquias, que além de cobrar as* Doutor em História Econômica, FFLCH-USP. Docente do Departamento de Economia da Faculdade deEconomia, Administração e Contabilidade de Ribeirão Preto.– FEARP, da Universidade de São Paulo.– USP. E-mail: [email protected]

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custas da produção do documento em si, podiam ter uma certa influência sobre aparte do patrimônio do testador que seria doado à Igreja, a título de boas obras e doscuidados com a alma do falecido. A Igreja diante do montante doado ficava encarre-gada de realizar as rezas por vários anos visando a salvação do doador. (Ariès, 2014).Porém, boa parte dos testamentos foram escriturados pelos notários nos cartórios,com caráter civil, especialmente a partir do período moderno. Mesmo assim, nãohavia impedimento se alguma pessoa solitariamente fizesse o seu testamento depróprio punho expondo suas derradeiras vontades. Logicamente, as legislações epráticas portuguesas foram transpostas para a realidade colonial do Brasil.

Se o testamento foi elaborado em cartório, o tabelião ou escrivão iniciaas escritas esclarecendo que aquele é um documento público: Saibam quantoseste instrumento público virem, ou dele notícias tiverem... Anota a data por extenso.A seguir, o Tabelião esclarece que compareceram perante ele: o testador, astestemunhas idôneas e o testamenteiro; livres de qualquer coação e deespontânea vontade, e em juízo perfeito. Todos eles qualificados por nomes,ascendências ou origens, profissões, estado civil..., e tudo mais que identificaos indivíduos naquela comarca. Na sequência são concretizadas as disposiçõesa respeito da parti lha futura do patrimônio. O testador deveria legar,necessariamente, dois terços dos seus bens aos seus herdeiros legítimos ediretos: à viúva, se casado, e aos filhos, se os tivesse. Porém, tinha plenaautonomia em relação ao destino de um terço do patrimônio, que poderiabeneficiar a quem desejasse. Poderia ser: um filho legítimo que ficariaencarregado de cuidar da viúva na falta do testador; um ou mais filhos bastardos;uma instituição ou ordem religiosa; e assim por diante. Nas chamadas OutrasDisposições, o testador poderia, se lhe conviesse, por exemplo: pedir perdão deatos, perdoar pessoas, revelar segredos, alforriar escravos... Tudo transcrito otestamento seria firmado, ou seja, assinado pelos de direito.

Pois bem, a seguir os inventários post-mortem. A instrumentalização dosinventários remonta um passado longínquo. Seus ritos e a linguagem foram sendo,em boa parte, reproduzidos no decorrer no tempo. O fortalecimento dos EstadosNacionais e a laicização da sociedade favoreceu a centralização dos registrosdos inventários nos cartórios, inclusive para o controle dos impostos no momentoda transmissão dos bens.

Quanto mais recuado no tempo, mais detalhadas são as descrições sobreos indivíduos envolvidos e os seus bens. Isso pode ser verificado nos inventáriosproduzidos no Brasil durante o período colonial (Machado, 2006), adentrandopelo século XIX no período imperial. Em muitos casos a identificação do falecido

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ou falecida que legava seus bens aos herdeiros era feito da forma mais minuciosapossível, como: nomes e sobrenomes (incluindo dos seus ascendentes diretos), senascido no lugar ou originário de outras paradas, profissão, cargos, patentes… Issotalvez decorrente do constante trânsito das pessoas no processo de ocupação denovos territórios. (Faria, 1998). Em outras situações, quando as pessoas envolvidastinham vínculo perene na comarca e eram amplamente conhecidos os detalhes daidentificação reduzia-se, às vezes, somente aos nomes e sobrenomes.

No que tange ao relato dos bens a serem partilhados, são especificadospor itens, seguindo geralmente esta ordem: bens imóveis, benfeitorias, escravos,semoventes (gado), bens pessoais ou trastes de casa, e por fim, as dívidas ativas(a receber) e passivas (a pagar).

Os bens de maior valor como as terras e benfeitorias, e posteriormente aslavouras de café, tinham suas especificações mais ou menos pormenorizadas,nos parece, segundo os interessados. Mesmo por ocasião da Lei de Terras, em1850, quando os proprietários ou posseiros das áreas rurais tiveram que ir até aparóquia mais próxima para registrar os domínios, estes registros não foramelaborados de forma padronizada. O que acontece é que em regiões mais antigasos registros constam muitos dados, já nas áreas de ocupação mais recente há omínimo de dados. Conjugam, nestas situações, os interesses dos proprietários ouantigos posseiros com a formação e preocupação dos escrivães. Abaixo umexemplo de registro decorrente da Lei de Terras, no município de Franca-SP.

Abaixo assinado por mim nesta Freguesia na Fazenda da Reçaquinha (sic) umaparte de terras de cultura e campos, houve por herança de nossos finados pai esogro, em comum com minha mãe e sogra e outros mais, como consta no Inventário.Assino a rogo de Elias Ferreira Barbosa, José Alves da Silva. Forão me (sic)apresentados dous (sic) papeis de registro do mesmo theor (sic). Cidade de Franca,dezanove (sic) de junho de mil oitocentos e cinquenta e seis. Vigário Joaquim FerreiraTelles (APESP).

Sobre as terras, em determinados processos há a indicação das áreas(geralmente em alqueires), das divisas com os confrontantes, incluindo os marcose as divisas naturais. Não havia um padrão para designar as áreas, sendoencontrados termos como braças, léguas, varas. Uma propriedade poderia ter‘tantas’ léguas de testada por ‘tantas’ de fundo. (Costa, s/d; DIAS, 1998). Incluía-sea qualidade da terra: área de cultura, de cerrado, de campos, de mata, de capoeira.As denominações comuns eram: fazendas, terras, sorte de terras, parte de terras,sítios, chácaras, terrenos. Às vezes o escrivão anotava que tal gleba de terrascorrespondia anteriormente a uma concessão de sesmaria ou teria sido adquirida

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por negócio de compra e venda, citando os documentos de origem.As benfeitorias consistiam nas melhorias implementadas na chamada terra

nua. Eram as casas de morada ou de vivenda e outros apetrechos que facilitavamas lidas rurais. As construções no interior do Brasil eram feitas utilizando-se dosrecursos disponíveis (Martins, 2004), como a casa herdada por Antônio VieiraVelho em 1822: casa com duas lanças (sic) cobertas de palha, com portais. (AHMF,1822). Muitas vezes a cobertura poderia ser também de capim. Posteriormente,no período do avanço da cafeicultura houve mudanças nas construções, tantodos proprietários como dos colonos: casa coberta de telhas e outras moradasanexadas, de telhas, com quintal, além de uma casa ‘meia água’ e casas decolonos (AHMF, 1890).

Os escravos, se o inventariado fosse possuidor de algum, eram descritosindividualmente. Constava o nome, o sexo, a cor (negro, pardo, mulato…), a origemse africano ou da terra, a idade aproximada, se gozava de boa saúde ou se possuíaalguma enfermidade, a profissão (em alguns casos), e por fim o valor. Nem sempreeram especificados todos os dados. Geralmente eram descritos primeiro oshomens, depois a mulheres e depois as crianças. Em alguns inventários hádescrição de casais com filhos. Um bom exemplo era o caso de um escravo denome Olivério, de 21 anos de idade, mulato, descrito como oficial de alfaiate, quevalia 380$000. (AHMF, 1822), outro era Joaquim, sem idade declarada, crioulo,que era carpinteiro ou carapina, com valor de 650$000. (AHMF, 1830). Os valoresapresentados são descritos em Mil Réis. Por exemplo, o escravo Joaquim foiavaliado em seiscentos e cinquenta mil réis.

Os semoventes eram os animais possuídos pelos proprietários de terras.Destacavam-se os bovinos, equinos, muares e suínos, que eram animais denegócio, de consumo e do trato cotidiano. Aqui um exemplo: Margarida Francisca,viúva de Antônio José de Souza, possuía um rebanho de 297 cabeças – 46 bois decarro (23 juntas de bois), 11 bois de corte, 98 vacas, oito reprodutores, 21 novilhas,76 garrotes, oito carneiros, dois muares, dois cavalos e 25 éguas, totalizando5:324$496 (cinco contos, trezentos e vinte e quatro mil e quatrocentos e noventa eseis réis) (AHMF, 1829).

Os bens pessoais ou trastes de casa às vezes eram relatados com minúcias.Há descrições sobre agulhas e carretéis de linhas de costurar; roupasespecificando o estado de conservação ou a precariedade. No inventário deDomingos Martins de Brito consta um vestido de pano azul em bom uso; umavestia (sic) de pano azul inferior velha; uma vestia (sic) de chita em bom uso; umpar de calças de pano em bom uso; um par de calças de paninho, usadas; um

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colete de seda preta; uma camisa de morim com fafados (sic), nova; um lenço depescoço de chita; uma toalha de mão, de algodão; um par de botinas e couro, embom uso; uma escova de escovar botas, usada e 15 sacos de algodão grosso,pequenos.

Além das roupas, outros itens destacados são, por exemplo, objetos deouro e prata. Em ouro eram geralmente joias de pequeno tamanho, como: um parde brincos de ouro avaliado em 6$400. Em prata, havia objetos como esporas,assim descritas: uma espora de prata de mulher com peso de quarenta e oitooitovas (4$100) e um garfo e uma colher de prata (8$000). (AHMF, 1825). Osobjetos em cobre, na maioria eram tachos usados para o cozimento de alimentos.Um objeto caro se comparado aos outros bens: um taxo (sic) de cobre em bom usocom peso de nove libras (3$000). (AHMF, 1828). Os pratos eram feitos de estanhoou louça. Um lote de “sete pratos de estanho fora visto e avaliado em 2$240; onzelibras de estanho em pratos velhos, a quatrocentos e vinte a libra (4$620). (AHMF,1825). Os objetos feitos em louça receberam as seguintes descrições: 17 pratosfundos de louça (1$700), 3 pratos pequenos ($240), 2 tigelas e nove pires de louça($320). (AHMF, 1822).

Os chamados trastes de casa eram poucos em cada inventário. Asdescrições identificavam os objetos, seu tamanho, se eram novos ou velhos, seuestado de conservação e os preços. Um catre usado forrado de tabuas (3$600).Os valores das caixas variavam: uma caixinha com fechadura (1$200), uma caixagrande velha (2$000) e um caixão grande e velho (3$000). Mesas e bancos eramcomuns: uma mesa velha de 12 palmos de comprimento (1$600); um banco deencosto ($640); um banco liso velho ($320); uma poltrona de mola ($480). (AHMF,1828b).

A inclusão de todos os bens no rol com minúcias, muitas vezes sãoexplicadas pelo caráter rústico da vida e pela dificuldade de aquisição ou produçãode objetos dentro de uma região e de contexto econômico específico. De meadosdo século XIX adiante as especificações sobre os bens foram sendo simplificadase os objetos estritamente pessoais foram desaparecendo dos inventários, ficandosomente aqueles de maior valor. É claro que os bens miúdos continuaram a serpartilhados, mas possivelmente de maneira informal.

Incluídos nos trastes de casa estavam também alguns objetos próprios dosserviços da fazenda como: 2 laços novos de laçar animais; 3 libras de meia deferro em pregos de pregar; um carro de boi”. (AHMF, 1828c). São encontradas,também, as ferramentas de roça e ferramentas de carpintaria. As primeiras sãoassim descritas: 6 enxadas em bom uso; 4 enxadas velhas; 4 foices; 3 foices

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cegadas (sem corte); um machado cegado; e um macho velho para rachar lenha.As ferramentas de carpintaria mais comuns foram assim citadas: duas enxóschatas, cegadas; um formão grande em bom uso; 2 formãos (sic) pequenos; umaserra de mão, de palmos; uma serra pequena com armação; um martelo; duaslimas muito velhas e um compasso de ferro. (AHMF, 1828a). Os arreios ou selas,incluindo outras peças próprias para montaria dos eqüinos ou muares eram peçasde partilha: uma sela velha tinha o valor de $4600, um lombilho com freio era2$400, e somente um freio $200.

Os carros de bois, principal meio para o transporte de mercadorias naregião, era muito comum nos inventários. Um carro de boi em bom uso valia emmédia 16$000. Os carros vinham acompanhados de cangas (peças para atar osbois) e fueiros: cinco cangas muito velhas. (AHMF, 1825). No entorno das casasde morada, geralmente situavam-se as outras instalações, a saber: curral detábuas, casa pequena de madeira lavrada dentro do curral, paiol coberto de telhas,quintal cercado por valor (sic), monjolo e rego d’água. (AHMF, 1893). Ora, ao redorda casa era que o leite era tirado para o gasto e feitura do queijo. As roças, tambémpróximas, forneciam os alimentos, como o milho e feijão, que eram processadosno interior da casa.

Depois das descrições pormenorizadas dos bens avaliados existe todo otrâmite do processo de inventário post-mortem, como comprovações depagamentos de impostos, emolumentos e taxas. Depois, a partilha em si dos benspara cada uma dos herdeiros legais. Há, contudo, casos de processos quetramitaram muitos anos devido, por exemplo, a contestações por parte dosherdeiros e possíveis redefinições das partilhas.

Por fim, as escrituras de venda e compra (compra e venda) de imóveisque são documentos comprobatórios de transmissão de bens, com fé pública, etambém são de grande valia para o historiador. A exemplo dos inventários sãodocumentos públicos, produzidos nos cartórios pelos escrivães juramentados, ouseja, produzidos por funcionários civis do Estado. Mesmo assim fazem referênciasà religião.

O texto das escrituras geralmente inicia-se assim: Saibam quantos vieremque no ano de Nosso Senhor Jesus Cristo de hum (sic) mil oitocentos e dez,compareceram perante mim Escrivão do Primeiro Cartório de Notas desta Comarca,os seguintes vendedores e compradores... A seguir, ocorre a nomeação equalificação, primeiro do vendedor e a na sequência do comprador. Em ordem,os nomes e sobrenomes (às vezes os nomes dos ascendentes destes, mas é maisraro), a localidade do nascimento, a idade, o local de residência, profissão e

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estado civil. Se casados, os cônjuges também são nomeados e qualificados,incluindo aqui o regime do casamento. A seguir há a descrição do imóvelnegociado com as especificações: nome da propriedade (exemplo FazendaMonjolinho), área (alqueires, litros, hectares...), qualidade da terra (exemplo: decultura de primeira ou de segunda; de campos, benfeitorias (casas, currais, cercas,instrumentos como monjolos e moinhos, aguadas...), e depois o valor da transaçãoem moeda corrente, discriminando o valor da terra e das benfeitorias (se não forterra nua). Adiante, os termos acordados para a realização do pagamento, se àvista, se em parcelas com os valores e os prazos discriminados, se com acréscimode juros há a indicação das alíquotas e formas de cálculo (se os juros sãocapitalizados ou não) e finalmente as penalidades pelo possível não cumprimentodo contrato. Uma penalidade comum é o retorno da propriedade ao vendedor emcaso de inadimplência. E por fim, a declaração de que o imóvel não possui algumgravame ou ônus, como uma hipoteca por exemplo.

Os documentos descritos – testamentos, inventários post-mortem eescrituras de compra e venda – conjugados com outros como relatórios agrícolas,listas nominativas e censos populacionais… possibilitam um bom resgate dopassado histórico vivido no mundo rural. Tanto que esses documentos têm sidoamplamente utilizados para fundamentar dissertações de mestrado, teses dedoutorado e artigos científicos, com ampla repercussão no meio acadêmico(Cunha; Simões & Paula, 2008).

É evidente que todo documento deve ser questionado e relativizado deforma crítica pelo historiador. (Valentim, Motta, Costa, 2013). Porém, quando setem um projeto de pesquisa com um tema e problema(s) bem definidos o respaldodos documentos – analiticamente verificados – facilitam em muito odesenvolvimento da pesquisa.

A história regional tem avançado significativamente, no sentido tanto dequestionar como reafirmar em outros termos as grandes sínteses históricas jáproduzidas. Assim, delimitar o regional com suas especificidades e ritmos, utilizandode documentos disponíveis, contribui de forma relevante para o conhecimentohistórico.

Considerações finaisO diálogo entre os aspectos teóricos e documentais vinculados à disciplina

História são frutíferos quando se aplica à determinada região. Desta forma, osdocumentos, dispostos anteriormente neste artigo, possibilitam o resgate da vidamaterial dos indivíduos, das diferenças de riqueza, das formas de aquisição,

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acumulação e perdas de bens por heranças e compras, das características daescravaria, do cotidiano da produção para a sobrevivência e para os mercados,das redes de negócios, créditos e dívidas, dos perfis fundiários, do peso dasestruturas culturais… Enfim, um leque imenso de possibilidades para o historiadorque se dispõe a vasculhar o passado.

OLIVEIRA, Lélio Luiz de. Documents and regional economic history. DIALOGUS.Ribeirão Preto. v.11, n.1 e n.2, 2015, pp. 27 -35.

ABSTRACT: The article presents the young historians some documents producedin the past, underscores the importance of critical data analysis, and the feasibilityof conducting regional historical research on the rural world.

Keywords: historical documents, regional economic history

DocumentosArquivo Histórico Municipal de Franca “Capitão Hipólito Antônio Pinheiro – Franca-SP – AHMF:AHMF – Inventário de Rosa Maria de Viterbo. Proc. 20, cx.2, 1822.AHMF – Inventário de Joanna Bernarda de Freitas. Proc. 26, cx.2, 1825.AHMF – Inventário de Antônio Borges de Gouvêia. Proc. 44, cx.3, 1828(a).AHMF – Inventário de Domingos Martins de Brito. Proc. 50, cx.3, 1828(b).AHMF – Inventário de Felipe José dos Santos. Proc. 45. Cx. 3, 1828(c).AHMF – Inventário de Margarida Francisca. Proc. 54, cx.4, 1829.AHMF – Inventário de Feliciano Carlos de Souza. Proc. 63, cx. 4, 1830.AHMF – Inventário de Hortência Eufrásia de Jesus. Proc. 704. 1890.AHMF – Inventário de Balbina Maria de Jesus. Proc. 591, 1893.

APESP – Arquivo Público do Estado de São Paulo. Registro de Terras. Municípiode Franca.

Referências bibliográficasARIÈS, Philippe. O homem diante da morte. Trad. Luísa Ribeiro. São Paulo:UNESP, 2014.CUNHA, Alexandre Mendes; SIMÕES, Rodrigo Ferreira; PAULA, João Antônio dePaula. História econômica e regionalização: contribuição a um desafio teórico-metodológico. Estudos econômicos, São Paulo, v.38, n.3, p.493-524, jul./set., 2008.

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DIAS, José Luciano de Mattos. Medida, normalização e qualidade. Aspectos dahistória da metrologia no Brasil. Rio de Janeiro: Inmetro, 1998.FARIA, Sheila de Castro. A colônia em movimento: fortuna e família no cotidianocolonial. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1998.COSTA, Iraci Del Nero. Pesos e medidas no período colonial brasileiro:denominações e relações. (mimeo).MACHADO, Alcântara. Vida e morte do bandeirante. São Paulo: Imprensa Oficial,2006.MARTINS, Paulo César Garcez. A vida cotidiana dos paulistas: moradias,alimentação e indumentária. In: SETUBAL, Maria Alice (dir.). Terra paulista:histórias, arte, costumes. Modos de vida dos paulistas: identidades, famílias eespaços domésticos. São Paulo: CENPEC; Imprensa Oficial, 2004. p.89-184.VALENTIM, Agnaldo; MOTTA, José Flávio; COSTA, Iraci Del Nero da. Distribuiçãoe concentração da riqueza com base em inventários post mortem napresença de casos de riqueza líquida negativa. História, v.32, n.2, p.139-162,dez. 2013.

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UM OLHAR SOBRE OS REGISTROS DE CASAMENTO DAPARÓQUIA NOSSA SENHORA DA CONCEIÇÃO DE

FRANCA - SP, SÉCULO XIX

Maísa Faleiros da CUNHA *

RESUMO: O artigo apresenta as principais orientações que guiaram a confecçãodos registros paroquiais de casamento no Brasil. A partir do levantamento,transcrição e sistematização de informações provenientes das atas paroquiais decasamento de pessoas livres que se uniram na Paróquia Nossa Senhora daConceição de Franca entre os anos de 1806-1888, apresentamos os caminhosde nossa pesquisa (acesso à fonte, livros consultados e abrangência temporal,construção do banco de dados), as informações presentes nos registros decasamento, assim como, verificamos, em que medida, as orientações da IgrejaCatólica foram seguidas pelos párocos locais.

PALAVRAS-CHAVE: História Demográfica; Casamentos; Franca-SP; Século XIX.

Introdução1

No período colonial, as informações a respeito dos arranjos matrimoniais(tanto do ponto de vista laico como eclesiástico) encontram-se nas Ordenações,Disposições do Concílio de Trento (1545-1563) e Constituições Primeiras doArcebispado da Bahia (1707)2. Até a República (1889), cabia à Igreja arrolar os

* Doutora em Demografia. Pesquisadora do Núcleo de Estudos de População “Elza Berquó”– NEPO/Unicamp. [email protected] O artigo é parte do Relatório Final de Pesquisa enviado ao CNPq em fevereiro de 2015 (Chamada MCTI/CNPq /MEC/CAPES Nº 18/2012 - Ciências Humanas, Sociais e Sociais Aplicadas). Desta pesquisa,financiada com recursos do CNPq, também resultou o trabalho: Cunha e Teixeira, 2014.2 “Ao descobrimento do Brasil vigiam essas Ordenações Afonsinas, seguida das Ordenações Manuelinas,cuja impressão primeira é de 1521. Após essa data, muitas leis esparsas chamadas ‘extra-vagantes’,foram publicadas. Duarte Nunes Leão as reuniu e compilou, tendo sido confirmadas pelo alvará de 14 defevereiro de 1569. Essa compilação foi fundamento e fonte principal das Ordenações Filipinas, que lhessobrevieram dos Filipes de Espanha, datando a primeira publicação de 1603, revalidada por D. Joao IV dePortugal pela lei de 29 de janeiro de 1643. As Ordenações vigoraram no Brasil influenciando as suas leisaté mesmo no século XX (República), a par com a legislação local brasileira (…). Regia-se a Igreja Católicano Brasil pelas Constituições do Arcebispado de Lisboa, já adaptadas às filosofias e normas do ConcílioTridentino, até a publicação em 1707 das Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia (…)” (Levy,2012, p. 18-19).

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registros de batismo, casamento e óbito. Assim, o casamento celebrado pelaIgreja Católica tinha efeito civil e era o único reconhecido juridicamente.

Ao disciplinar sobre uma instituição que remonta às origens dahumanidade, a Igreja Católica especifica um conjunto de cânones que orienta aunião de cristãos e estipula determinações que vão além de um contrato entreduas pessoas. Quando realizado entre batizados o matrimônio é também umsacramento, evidenciando seu caráter espiritual.

Em 11 de novembro de 1563, o concílio adota um conjunto de textos comportandotrês partes distintas: um rápido preâmbulo doutrinal, doze cânones muito curtosredigidos sob a forma “Se alguém diz que …, que ele seja anátema”, enfim um longodecreto disciplinar, De reformatione matrimonii, dividido em dez capítulos. Os cânoneslançam o anátema contra todos aqueles que negam as seguintes proposições: ocasamento é um sacramento (cânone 1), monogâmico (can. 2) e indissolúvel (can.5 e 7); a Igreja tem competência exclusiva em matéria de causas matrimoniais (can.12) seja para dizer os impedimentos e dispensar de alguns deles (can. 3 e 4),autorizar em certos casos a separação “de leito” (can. 8) seja para proibir a “soleni-dade” das núpcias” em certas épocas do ano (can. 11); enfim, os clérigos secularese regulares não podem contrair matrimônio (can. 9) e o estado de virgindade ésuperior ao estado do casamento (can. 10) (Lebrun, s.d., p. 25).

Ao ordenar sobre o casamento, as Constituições da Bahia (1707)destacam tratar-se ao principio de um contracto com vinculo perpetuo, eindissolúvel, pelo qual o homem, e a mulher se entregarão um ao outro, devendoocorrer a partir do consentimento mútuo (Vide, 1853, p. 107).

Na tentativa de disciplinar a vida sexual e conjugal de seus fiéis, a Igrejainstituiu o matrimônio religioso como o único casamento legal pós Concílio deTrento. Apesar disso, outras formas de união como os matrimônios clandestinos,ocultos ou de consciência, juntamente com o concubinato constavam dasOrdenações e faziam parte de costumes arraigados que ainda persistiram poralgum tempo em Portugal (Levy, 2012, p. 215). Na Colônia, costumes indígenascomo a poligamia continuaram a ocorrer mesmo com a cristianização.

O modelo de família cristã baseado no matrimônio religioso (monogâmicoe indissolúvel) foi transposto à América Ibérica pelo clero católico e acabou pornortear a vida social e a formação familiar de livres, escravos, negros, brancos,índios e mestiços. No entanto, questões de ordem prática e simbólica muitasvezes impossibilitaram a efetivação de um matrimônio, especialmente no tocanteaos custos de uma cerimônia, à apresentação de licenças de impedimento, àausência do clero, às distâncias geográficas consideráveis entre as paróquias e

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os fregueses, além das distâncias socioeconômicas e étnico-raciais tão marcadasem uma sociedade hierárquica e escravista como a brasileira.

Se muitos casamentos não puderam ser oficializados, por outro lado,alguns outros realizados podem não ter sido arrolados. Em concordância comLouis Henry, acreditamos que no caso do casamento o sub-registro seja umproblema menos acentuado em relação ao óbito e ao batismo (em que se registrao sacramento e não o nascimento).

São fortuitas as omissões que advêm de circunstâncias, a doença do pároco porexemplo, ou de esquecimentos, quando o pároco ou o oficial público tinham o mauhábito de não redigir imediatamente as certidões; estas omissões podem abranger astrês categorias de certidões, mas são menos prováveis nas certidões de casamentodevido à sua importância. Esta última causa de omissão acidental desaparece quandoas certidões são assinadas pelas testemunhas e pelas partes (Henry, 1988, p. 58).

Dentre os três assentos, os registros de casamento são os mais profícuosem informações a respeito das pessoas envolvidas no evento e das característicasem que foi realizado. Apesar de as Constituições Primeiras da Bahia estipularem aforma e o conteúdo dos registros de casamento, nem sempre os párocosrespeitaram tais orientações.

Conformando-nos com a disposição do Sagrado Concilio Tridentino ordenamos,que no livro que no título 20 á num. 70 temos mandado haja para nelle se fazerem osassentos dos casados, se assentem seus nomes, e de seus pais, e mãis, e dastestemunhas que forem presentes, e dia, lugar e Igreja, onde se receberão, tudo porlettra ao comprido, e não por algarismo, ou abreviatura pela maneira seguinte, porse evitarem os enganos, que do contrário podem, e costumão suceder.

Aos tantos de tal mez, de tal anno pela manhã, ou de tarde em tal Igreja de tal Cidade,Villa, Lugar, ou Freguezia, feitas as denunciações na fórma do Sagrado ConcilioTridentino nesta Igreja, onde os contraentes são naturaes, e moradores, ou nesta, etal, e taes Igrejas, onde N. contrahente é natural, ou foi, ou é assistente, ou morador,sem se descobrir impedimento, ou tendo sentença de dispensação no impedimento,que lhe sahio, como consta na certidão, ou certidões de banhos, que ficão em meupoder, e sentença que me apresentarão, ou sendo dispensados nas denunciações,ou differidas para depois do Matrimonio por licença do Senhor Arcebispo, em pre-sença de mim N. Vigario, Capellão, ou Coadjutor da dita Igreja, ou em presença deN. de licença minha, ou do Senhor Arcebispo, ou do Provisor N., e sendo presentespor testemunhas N. e N., pessoas conhecidas, (nomeando duas, ou tres das que seacharão presentes) se casarão em face da Igreja solemnemente por palavras N.filho de N., e de N., natural e morador de tal parte, e freguez de tal Igreja, com N. filhade N., ou viúva que ficou de N. natural, e morador de tal parte, e Freguezia desta,

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ou de tal Parochia: (e se logo lhe der as bênçãos acrescentará) e logo lhe dei asbençãos conforme os ritos, e ceremonias da Santa Madre Igreja, do que tudo fiz esteassento no mesmo dia, que por verdade assignei.

E assignará como as testemunhas nomeadas ao pé de cada termo o Parocho, ouSacerdote que assistio ao Matrimonio, e os termos se farão ao mesmo dia, em que oscasamentos se celebrarem, e antes de sahir da Igreja em razão de assignarem logoas testemunhas, sob pena de duas patacas por cada termo, que se não fizer (Vide,1853, p. 130).

A normatização da cerimônia de casamento buscava orientar os párocos euniformizar a anotação dos registros. Objetivava também ordenar a formação dafamília, deixando nas mãos da Igreja a responsabilidade sobre os assuntosmatrimonias. A Igreja agia nos domínios portugueses atrelada ao Estado, e no tocanteaos registros vitais, se encarregava de tal incumbência através do padroado régio.

Um olhar sobre os registros de casamentoA prática de registrar os batismos, os casamentos e os óbitos garantiu a

existência de séries completas no tempo e delimitadas no espaço (de formageral, a paróquia)3. A leitura e transcrição das atas paroquiais é um trabalho lentoe moroso, por se tratar de fontes primárias manuscritas. A maior parte dos livroscom os assentos paroquiais católicos se encontram em poder das paróquias. Oestado de conservação dos livros é bastante variado, assim como sua legibilidadee acesso. Recentemente, o sítio Familysearch.org mantido pela Igreja de JesusCristo dos Santos dos Últimos Dias disponibilizou temporariamente as imagensdigitais dos livros com os assentos paroquiais pertencentes a diversas paróquiasdo Brasil, facilitando sua consulta e até mesmo a realização de pesquisas decunho histórico demográfico e sociocultural. Atualmente (e infelizmente), asimagens referentes a diversas paroquiais já não se encontram mais disponíveis.

A leitura, transcrição e sistematização das informações presentes nosassentos de casamento pertencentes à Paróquia Nossa Senhora da Conceiçãode Franca – São Paulo foi feita por alunos(as) de graduação dos cursos deCiências Sociais e História (IFCH/ Unicamp) durante 2013 e 2014, os quaiscoletaram 4.753 registros de casamento de pessoas livres entre os anos de 1806a 1890 (figura 1)4. No entanto, serão analisados 4.702 casamentos de pessoas

3 Uma caracterização dos registros paroquiais encontra-se em Cunha, 2013.4 O trabalho de leitura e transcrição das fontes, em diferentes momentos, foi feito pelos assistentes depesquisa Eduardo Teixeira Akiyama, Thiago da Costa Amado, Nicolas Assaf, Breno Cobra M. da Rosa eCarla Dias de Oliveira, aos quais explicito meus agradecimentos.

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livres para o período 1806-18885, uma vez que 25 registros referentes ao livro 4não puderam ser aproveitados em virtude de páginas danificadas ou rasgadas(figura 2). Identificamos a existência do registro, mas não pudemos verificar dadosessenciais como data da cerimônia e o nome de, pelo menos, um dos cônjuges.

As informações provenientes dos registros de casamento foram inseridasno software estatístico SPSSS dando origem a um banco de dados com múltiplaspossibilidades de análise. As atas trazem o local e data do evento, o nome dosnubentes, filiação, o nome de duas testemunhas e do oficiante. Outras trazemainda o horário da cerimônia, naturalidade, local de residência e informam onome do cônjuge falecido em caso de noivo (a) viúvo (a)6. Esses não trazem aidade ao casar dos nubentes, o que nos impossibilita analisar a idade ao casar.

Os livros consultados se encontram depositados no Arquivo da CúriaDiocesana de Franca-SP:

a) Livro de Casamentos no. 1 (fevereiro 1806 – janeiro 1829) = 641registros - coletados de 125 imagens,

b) Livro de Casamentos no. 2 (janeiro 1829 – novembro 1840) = 646registros – 98 imagens,

c) Livro de Casamentos no. 3 (novembro 1840 – novembro 1860) =1.089 registros– 224 imagens,

d) Livro de Casamentos no. 4 (dezembro 1860 – outubro 1879) = 1.590registros – 251 imagens,

e) Livro de Casamentos no. 5 (novembro 1879 – junho 1889) = 736registros – 166 imagens (de um total de 227 imagens).

Para exemplificar como as orientações das Constituições Primeiras eramseguidas (ou não) em uma paróquia paulista, transcrevi registros de casamentoda Paróquia Nossa Senhora da Conceição de Franca durante o século XIX. Comose observa, nem sempre foram anotadas todas as informações exigidas peloConcílio de Trento, que por sua vez orientou a compilação das Constituições daBahia em 1707.

5 O período que nos interessa se estende até 1888, no entanto, antes de finalizarmos a transcrição dosregistros de 1888 encontramos assentos esparsos para os anos de 1889 e 1890, que não aqui foramincluídos.6 Os registros camento referentes à Paróquia Nossa Senhora da Conceição de Franca foram disponibilizadosem formato digital na página https://familysearch.org/search/image/index#uri=https%3A%2F%2Fapi.familysearch.org%2Frecords%2Fwaypoint%2FMMPL-R3S%3A490617735%3Fcc%3D1719212.

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FIGURA 1 – Imagem 53, Livro 3 de Casamentos da Paróquia Nossa Senhorada Conceição de Franca-SP

FIGURA 2 – Imagem 222, Livro 4 de Casamentos da Paróquia Nossa Senhorada Conceição de Franca- SP

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FIGURA 3 – Banco de dados SPSS, Casamentos da Paróquia Nossa Senhorada Conceição de Franca-SP, 1806-1888

[Livro 1, imagem 6, p. 5 frente] Aos dois dias do mes de Julho Mil oito Centos Sette aSnesta Freg.a da Franca Conforme o Conc. Trid. e Const. Sereceberão em ma presa

em Matr.o e com palavras de mutuo Consen/o Fran.co Borges do Nascim.to n.al daFreg.a de S. Bento de Tamandua e Anna de Jesus n.al da Freg.a do Pillar da V.a dePitangui ambos do Bispado de Marianna lhes conferi as bensoens nupciaes naforma do Ritual Romano Sendo testemunhas presentes Manoel Ribr.o Guim.es Soltro

e Jeronimo Als da S.a Cazado que commigo assignarão Doque para constar fiz esteassento.[assinam] O Vigro- Joaqm- Miz’ Roiz’M.el Ribr.o Guim.es Jeronimo Alves da Sa

[Livro 2, imagem 61, 2ª encadernação, p. 16 verso] Aos dez de Janeiro de mil e oitocentos e trinta e seis anos n’esta Matriz da Franca feitas as admoestaçoens CanonicasSem rezultar impedimto algum em minha prezença Se receberão em matrimonio Compalavras de prezente Francisco de Freitas Pedrozo filho legitimo de Joaquim deFreitas Pedrozo, e Raquel Innocencia, natural da Freguezia de Jaquy deste Bispa-do, e Rita Maria de Jesus filha legitima de Custodio Raphael da Silva e FranciscaFernandez natural da Freguezia de Araxá Bispado de Goyaz, e lhes Conferi asbençoens nupciaes na forma Ritual Romano. Testemunhas Antonio Corrêa Neves eJose de Freitas Pedrozo todos desta Freguezia.

[assinam] O Vigro Manuel Coelho Vital

Antonio Corr.a Neves Joze de Freitas Pedroso

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[Livro 3, imagem 95, p. 100 frente] Aos vinte e seis de Janeiro de miloitocentos ecincoenta nesta Freguezia de Franca ao meio dia feitas as admoestaçoens Canonicase sem rezultar impedimento algum com licença do misto [?] Reverendo Vigario daVara Joaquim Martins Rodrigues, em minha prezença se receberão emmatrimoniopor palavras de prezente os Contrahentes Jose Alves de Oliveira natural de Mogimirimdeste Bispado filho legitimo de Salvador Alves de Oliveira e de Maria Joaquina Leite,e Maria Moreira de Jesus natural desta Freguezia filha natural de Eufrazia Maria deJesus, e logo lhes conferi as Bençoens nupciaes na forma do Ritual Romano sendotestemunhas Vicente Ferreira de Padua Marques e Francisco Antonio da Silveiracazados todos desta Freguezia.[assina] O P.e Manuel Coelho Vital.

[Livro 4, imagem 117, p. 74 frente] Aos oito de Outubro de mil oito centos e cetentaanos nesta Matriz da Franca feitas as admoestações canonicas sem impedimentoperante o Pe Joaquim Ferreira Telles e as testemunhas Antonio Joaquim Machado eJoaquim Felis de Andrade se receberão em matrimonio Antonio Caetano Alves,viuvo por obito de Maria Custodia do Espirito Santo, com Maria Joaquina da Costa,viuva por obito de Vicente José Parreira, moradores nesta Freguesia, e não lhesconferio as bênçãos nupciais do Ritual Romano por serem viuvos.

Autorisado Padre Luiz de Góes Conrado.

[Livro 5, imagem 28, p. 228 frente] Aos dezesete de Junho de mil oito centos e oitentae dois anos nesta Matriz da Franca, feitas as admoestações canonicas e dispensadode segundo grau de consanguinidade perante o Padre Alonso Ferreira de Carva-lho, e as testemunhas Jose Rodrigues da Costa e Antonio Alves Taveira, se recebe-rão em matrimonio Camillo Borges de Govéa Junior filho legitimo de Camillo Borgesde Govéa e de Rita Roza de Jesus, já falecida; com Anna Thereza de Jesus filhalegitima de Antonio Francisco da Silva, já falecido, e de Thereza Maria de Jesus,ambos naturaes desta Parochia da Franca, e lhes conferi as bençãos nupciaes doRitual Romano.

Autorisado Padre Luiz de Góes Conrado.

É importante destacar que as Constituições orientaram os padres a manteros registros de livres e escravos em livros separados. Esta orientação não foiseguida pelos párocos de Franca, pois os assentos de livres e escravos sãoanotados conjuntamente. O casamento religioso de escravos já foi analisado empesquisas anteriores (Cunha, 2014 e 2013).

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Um primeiro olhar sobre o registro de 1807, chama a atenção pelo usocorrente de abreviações (explicitamente não recomendada pelas ConstituiçõesPrimeiras) e a ausência de informações sobre a filiação dos noivos. No entanto, afiliação dos noivos passou a ser sistematicamente anotados pelo padre a partir de1812, já a naturalidade dos nubentes foi arrolada vulgarmente em todo o períodoanalisado. Talvez o papel fosse caro e escasso, por isso o pároco optou porsimplificar o registro com abreviaturas e omissão de informações, diminuindo aslinhas a serem escritas.

O segundo registro (de 1836) apresenta informações mais completas enão se utiliza de abreviações. Encontra-se em bom estado de conservação e delegibilidade. O terceiro assento (datado de 1850) não traz a assinatura dastestemunhas. Além disso, a letra que copia o registro é distinta daquela que aassina (o padre Manoel Coelho Vital). Observamos a mesma ocorrência nosregistros dos livros 4 e 5. A letra que transcreve o registro é distinta da anotação“autorizado o Padre Luiz de Góes Conrado”. É possível que um “escrivão” anotouos registros em um momento posterior à realização da cerimônia, já que o padreapenas assinou os registros. Apesar da menção das testemunhas, elas nãoassinam o registro. As Constituições da Bahia previam multa caso as testemunhasnão assinassem o assento, no entanto, as assinaturas estão ausentes em boaparte dos livros de casamento da Paróquia de Franca.

O horário da cerimônia foi omitido dos assentos a partir da década de1860. Assim, nos livros 4 e 5 já não encontramos essa informação. No registro dolivro 4, por tratar-se de noivos viúvos, a informação da filiação e naturalidade nãoaparecem, já os nomes dos cônjuges falecidos são citados, característica que serepete em todo o período analisado para os assentos com um ou dois cônjugesviúvos. No registro de 1882 (livro 5), vemos a indicação de “dispensado de segundograu de consanguinidade”, sendo, portanto, competência exclusiva da IgrejaCatólica “dizer os impedimentos e dispensar de alguns deles” (Lebrun, s.d., p. 25)no caso de cônjuges com até o quarto grau de parentesco consanguíneo.

Considerações finaisOcupamo-nos de apresentar as possibilidades e as limitações de se

trabalhar com fontes manuscritas eclesiásticas. Os registros paroquiais decasamento permitem uma série de abordagens quantitativas e qualitativas, desdea perspectiva da história demográfica à história social da família. Podemosconfirmar a importância da união formal perante a Igreja Católica, sem, contudo,deixar de considerar outras formas de união e de formação da família que também

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estiveram presentes na Colônia e no Império brasileiro.No tocante ao registro de casamento dos livres, foi possível perceber que

as informações (e as lacunas) presentes nos registros de casamento podem sermais ou menos frequentes em razão do zelo do pároco. Os padres foram, demaneira geral, cuidadosos ao indicar a data, o local, o nome e filiação dos noivos,assim como a presença de duas testemunhas. No entanto, houve o uso deabreviaturas (não recomendado pelas Constituições), a assinatura/rubrica dastestemunhas consta apenas nos assentos realizados na primeira metade do séculoXIX, a informação de naturalidade e de local de residência dos noivos (as), apesarde ser recorrentes, nem sempre estiveram presentes.

CUNHA, Maísa Faleiros da. - A look at the marriage records of the Parish“Nossa Senhora da Conceição” of Franca - SP, XIX century DIALOGUS. RibeirãoPreto. v.11, n.1 e n.2, 2015, pp. 37 - 47.

ABSTRACT: The article presents the main orientations that guide the developmentof the parish registers of marriage in Brazil. From the survey, transcription andsystematization of information from their parish minutes of free persons of marriagethat came together in the “Paróquia Nossa Senhora da Conceição de Franca”between the years 1806-1888, we present the methodology of our research (accessto source, consulted books and temporal scope, database construction), theinformation provided in the marriage records, as well as find out, to what extent, theguidelines of the Catholic Church were followed by local parish priests.

Keywords: Demographic history; weddings; Franca-SP; XIX century.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:CONSTITUIÇÕES Primeiras do Arcebispado da Bahia, feitas e ordenadas peloIlustríssimo e reverendíssimo Senhor D. Sebastião Monteiro da Vide, arcebispodo dito Arcebispado, e do Conselho de Sua majestade, propostas e aceitas emSínodo Diocesano, que o dito senhor celebrou em 12 de junho de 1701. SãoPaulo: IHGB ,1853.CUNHA, M. F. Regimes demográficos no norte paulista: Vila Franca doImperador, século XIX. Relatório final de pesquisa, fev.2015. 44p.______. TEIXEIRA, P. E. Se receberão em matrimônio: o casamento de cativos emduas vilas paulistas. In: VI Congreso de la Asociación Latinoamericana de Población,

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2014, Lima – Peru. Anales del VI Congreso de la Asociación Latinoamericana dePoblación, 2014. P. 1-20. Disponível em: http://www.alapop.org/Congreso2014/DOCSFINAIS_PDF/ALAP_2014_FINAL375.pdf______. Fontes documentais para o estudo da população e da família escrava:Franca-SP, Século XIX. Mediações - Revista de Ciências Sociais, Londrina, v. 18,p. 206-225, 2013. Disponível em: http://www.uel.br/revistas/uel/index.php/mediacoes/article/view/16455.HENRY, L. Técnicas de análise em demografia histórica. Trad. de J. ManuelNazareth. Lisboa: Gradiva, 1988.LEBRUN, F. A vida conjugal no Antigo Regime. Lisboa: Edições Rolim, s/d. [aversão em francês é de 1975].LEVY, M. S. F. Temas conjugais: um diálogo entre os costumes e as leis. SãoPaulo: Paulistana, 2012. (Coleção Humanidades).

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A LEGISLAÇÃO COMO DISCURSO: O CONVÊNIO DETAUBATÉ E A CONSTRUÇÃO DA MODERNIDADE

REPUBLICANA

Caio César Vioto de ANDRADE *

Pedro Geraldo Saadi TOSI **

RESUMO: O artigo pretende discorrer sobre como a legislação brasileira doinício do século XX constitui um material de análise que permite compreender asrupturas causadas pela Proclamação da República. Serão analisados: o pedidode aprovação do Convênio de Taubaté pelo senado de São Paulo e os debatesparlamentares em torno do tema. Desta forma, se discutirá o uso da legislaçãocomo discurso, na perspectiva da sociedade patrimonialista e da modernidaderepublicana.

PALAVRAS-CHAVE: Legislação; Patrimonialismo; República; Convênio deTaubaté.

Transformações na concepção de direito: a influência da teoriaeconômica, a idéia de “planejamento” e o papel da ideologia

Hayek (1985), em seu livro “Direito, Legislação e Liberdade”, buscaconceituar diferentes formas de concepção do direito e como estas mudamhistoricamente, influenciadas e sendo influentes no que se refere às relaçõesentre Estado e sociedade.

Para o austríaco, a idéia de “lei” surge antes mesmo da atividade legislativa,tendo origem nas próprias interações entre os indivíduos ao longo do tempo, naqual se estabeleceram normas de conduta individual pactuadas pelos indivíduos.Com o tempo, algumas regras são preservadas e outras caem em desuso. Noentanto, tal processo não é planejado por ninguém, não é produto da racionalidadearticulada de um indivíduo ou grupo, mas de uma racionalidade sistêmica,

* Graduado em História – Mestrando - Programa de Pós-graduação em História - Faculdade de CiênciasHumanas e Sociais - UNESP - Univ. Estadual Paulista, Campus de Franca, CEP: 14409-160, Franca,São Paulo - Brasil. E-mail: caio.vioto.yahoo.com.br** Doutor em História Econômica – Membro do Programa de Pós-graduação em História – Faculdade deCiências Humanas e Sociais – UNESP - Univ. Estadual Paulista, Campus de Franca, CEP; 14409-160,Franca, São Paulo – Brasil. E-mail: [email protected]

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baseada no fato do conhecimento humano ser assimétrico, limitado e disperso.Tais leis possuem caráter geral, não buscando se ater a especificidades, nem seantecipar aos acontecimentos já que, para Hayek, uma das características daação humana é tomar decisões diante de ignorâncias e incertezas, sendo assim,impossível “planejar” um padrão pré-definido de como os indivíduos devem agir.Tal processo é, grosso modo, o que o autor chama de “ordem espontânea”.

No entanto, com a crescente complexidade da sociedade e do Estado,surgiram cada vez mais normas organizacionais a fim de instruir a condutaadministrativa do Estado e as formas pelas quais se deveriam alocar os recursosmateriais. Com o tempo, tais normas, segundo Hayek, ganharam o status de“leis”, pois o governo passou a reivindicar para estas a mesma respeitabilidadedas chamadas, pelo autor, verdadeiras leis.

Assim, conforme o austríaco, é possível dizer que a atividade legislativasurge da necessidade de se estabelecer normas organizacionais e, ao longo dotempo, foi ganhando mais poder, até acabar em uma “fusão” com as normasrelativas à conduta justa dos indivíduos. Assim, direito público e direito privado,progressivamente, tornaram-se cada vez mais indiferenciados quanto ao seuprocesso de formulação e seu “status” perante a sociedade.

Historicamente, de acordo com Hayek, um ponto chave foi a RevoluçãoInglesa. De acordo com ele, no século XVIII, a luta contra o absolutismo monárquico,imbuída por ideais de liberdade, passaram a preconizar instituições como aConstituição e a descentralização de poder como formas de garantir a liberdade.Também data deste período a percepção de que o legislativo também pode tornar-se tirânico, e seu poder também deveria ser restringido.

No entanto, Hayek observa que a limitação do poder do Estado, por meioda Constituição e da separação dos poderes, foi sendo gradativamente substituídapela idéia de democracia, no sentido de soberania popular, ou seja, representanteseleitos por voto que se organizavam, entre outras formas, em assembleias edecidiam sobre questões diversas. Esta nova configuração política trouxe implícitaa ideia de uma auto regulação do poder do Estado, uma vez que este emanaria dopovo.

A democracia, assim, por ser um sistema estável e legitimado, e por tercomo característica a possibilidade de troca pacífica dos governantes, acabouganhando poderes ilimitados no que refere à capacidade de legislar. Ademais,esta se transformou num sistema de barganha e numa conciliação de interessesde grupos que, conforme se articulam e constituem maiorias, conseguem fazerprevalecer seus objetivos.

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A transposição deste formato para países sem uma tradição liberal, ouseja, de um poder limitado e descentralizado, gerou ainda mais distorções.

Hayek considera que “o principal instrumento de mudança intencional nasociedade moderna é a legislação” (1985, p. 72), mas que, por mais que se tenteracionalizar o sistema jurídico, é impossível refazê-lo em sua totalidade, e aelaboração de leis é algo em fluxo, feito com base no que existia anteriormente eque gera consequências não-intencionais que passarão por tentativas de correçãoposterior.

No entanto, quando a sociedade se encontra diante de um período em quese pretende remodelar a filosofia geral do direito, isso pode fazer com que seacelere de tal forma as consequências não previstas até que estas saiamcompletamente dos limites das intenções iniciais.

Outro aspecto central abordado pelo pensador austríaco é que asconcepções contemporâneas de direito derivam, em grande parte, de concepçõeseconômicas. De acordo com o autor:

Isso se torna evidente quando examinamos o modo como os juristas explicam emgeral as grandes transformações sofridas pelo caráter do direito nos últimos cemanos. Em toda a literatura jurídica, seja ela inglesa ou americana, francesa ou alemã,essas modificações são atribuídas a supostas necessidades econômicas (HAYEK,1985 p. 75).

A maioria destas concepções, por sua vez, possui uma aversão aocapitalismo, em especial à sua suposta fase liberal. O argumento geral é que,após a Revolução Industrial, as condições de vida dos trabalhadores foramrebaixadas e que a concorrência traria prejuízos sociais. Em face disso, teria setornado necessário um “planejamento”, que deveria ser institucionalizado pelaatividade legislativa.

Outra ideia corrente, segundo Hayek, é que os males sociais necessitariamque “algo fosse feito” para corrigi-los. Tal ação deveria ser atribuída ao legisladore sua própria atividade derivaria de uma sabedoria intrínseca. Assim, o êxito ou ofracasso de uma determinada política seria resultado do grau de sabedoria dosagentes governamentais, o que denota uma perspectiva racionalista, em que épossível entender a realidade em suas especificidades e modificá-la a partir daimplantação de elementos desejáveis.

Tais concepções sobre o que é o direito e de como deveria ser atividadelegislativa influencia o Ocidente de forma geral.

Conforme o historiador econômico norte-americano, Robert Higgs, sãoas “flag words” ou “palavras-bandeiras”, que buscam compreender o discurso e a

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ideologia a partir do uso e da significação dada a determinados termos. Porexemplo, a palavra “democracia”, aparece sempre positivamente, em quase atotalidade dos discursos políticos das mais variadas linhas de pensamento,enquanto a palavra “estatização” aparece de forma positiva ou negativa,dependendo da perspectiva ideológica. Desta forma, pode se classificar as“flagwords” como universais ou discriminantes.

No estudo da ação humana, nada é mais fundamental, de acordo comHiggs, do que a consideração sobre o que os atores sociais envolvidos acreditam.Deste modo, as percepções diante de determinadas situações, pelodesconhecimento, fazem com que as pessoas conduzam seus interesses numamais ou menos densa rede de ignorâncias e incertezas. Para lidar com estecontexto de incertezas, os indivíduos e grupos formam um sistema de crenças.

Dessa forma, a ideologia é uma forma de entender a relação entresociedade e Estado, pela mediação dos atores sociais, permitindo a compreensãode como os grupos de interesse agem de forma a fazer valer seus objetivos pormeio do uso do aparato estatal.

Nem é preciso salientar as discussões e contrassensos que o termoideologia gerou nos debates em torno das ciências sociais. Assim, se faznecessário optar por uma linha de pensamento a fim de facilitar a abordagem deum determinado objeto de pesquisa a ser analisado.

De acordo com Higgs, a ideologia é uma crença mais ou menos coerentee bastante abrangente sobre as relações sociais. Por coerente, significa quedeterminados elementos de crença combinam entre si, de forma coesa, porémnão necessariamente de maneira lógica do ponto de vista formal. A abrangênciase refere a abarcar uma grande variedade de categorias e inter-relações sociais.A despeito disso, tende a girar em torno de alguns valores centrais como, porexemplo, liberdade individual, igualdade social ou glória nacional.

Teria também, a ideologia, quatro aspectos estruturantes distintos:cognitivo, afetivo, programático e solidário, estruturando a percepção epredeterminando o entendimento do mundo social com símbolos característicos,dizendo se o que o indivíduo vê é bom, ruim ou neutro, fazendo com que a ação,de acordo com estas cognições e avaliações estejam comprometidas com umsistema de crenças que podem ser expressas no âmbito da ação política buscandodeterminados objetivos sociais.

Durante um período de crise, o papel da ideologia se torna mais importanteou, simplesmente, mais visível, tanto na tentativa de manter a ordem, quanto demudá-la.

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Pela identificação dos imperativos ideológicos dos atores políticos (antes dissoatores sociais), pode-se entender melhor suas ações. A identificação pode serobtida por uma análise das palavras dos líderes e da elite dos grupos sociais epelos fatos, a ação política propriamente dita, sendo assim, a ideologia é maisprovável de ser decisiva em momentos de crise quando algumas situações deescolha social se mostram mais claramente. Da mesma forma, a linguagem e osdiscursos nunca são neutros, porém, a ideologia não tem um compromisso estritocom a lógica e os fatos, mas com a justificativa e o convencimento.

Expostas estas características, o autor pretende dar um caráter empíricoà ideologia que, por sua vez, permitem uma análise mais rigorosa dos discursospolíticos, principalmente no que se refere àqueles que procurar propor e justificarum aumento da intervenção do Estado na sociedade (HIGGS, 1987, p. 49-54).

Através dessa análise, procuraremos compreender quais as justificativasque eram dadas à questão da intervenção do Estado na economia cafeeira, comose davam as discussões sobre o tema no âmbito político e por qual razão a idéiade mais intervenção do Estado triunfou diante dos problemas do período.

Do Império à República: permanências e rupturas na sociedade e na políticaJosé Murilo de Carvalho, ao tratar da formação da República, coloca em

discussão a ideia de que o novo regime seria apenas a consequência de um“arranjo oligárquico”.Pode-se dizer que tal arranjo existiu, foi a “estrutura”, no entantonão existia por si e em si, mas era composto de grupos, de indivíduos, de visões,que mudavam conforme os diversos momentos e pressões,e que eram praticadasde acordo com as articulações possíveis (CARVALHO, 1990, p. 9).

Além disso, o autor ressalta que o instrumento de legitimação da pretensamodernidade, obviamente, foi ideológico, ou seja, “a justificação racional daorganização do poder”. Entre os republicanos no Brasil, havia três vertentes: liberaisà americana, o jacobinismo à francesa e os positivistas. Entretanto, a preocupaçãodestacada pelo autor é como as visões de república ultrapassaram o âmbito daselites, um fenômeno que não ocorreria somente através discurso, mas por outrossinais como imagens, mitos e símbolos. A maior “batalha política” teria sido acriação de um “imaginário popular republicano”, que pretendia legitimar o novoregime, comunicando-se simbolicamente, com o objetivo de construir noções edar forma às práticas coletivas (CARVALHO, 1990, p. 10).

Carvalho destaca que a grande influência para os republicanos brasileirosfoi francesa. A despeito da influência norte-americana nas instituições formais,seu simbolismo não era tão complexo quanto aquele forjado na França. Para

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autor, isso se deve ao fato de que talvez os norte-americanos já estivessem“convertidos” aos valores de sua revolução, portanto a necessidade de símbolosnão foi fundamental (CARVALHO, 1990, p. 12).

A chamada Terceira República francesa, principalmente, teve granderelevância para os republicanos brasileiros, através dos positivistas. De acordocom o autor, a ideia de “ordem e progresso” era compatível com o objetivo de tornaro novo regime um sistema possível. Outra influência francesa que se manteve desdeo Império, marcado pela centralização, foi o direito administrativo francês. Dessaforma, o novo regime, em sua configuração política, administrativa e jurídica,conjugava vários elementos vindos de fora (CARVALHO, 1990, p. 20-23).

Ainda, os vários grupos que procuravam romper com a monarquia seconstituíam com base na ênfase ao Estado, mesmo entre os pretensamenteliberais. A herança portuguesa, reforçada durante o Império, além da escravidão,que abria poucos espaços ocupacionais, levava muitas pessoas a recorrerem aoserviço público como profissão. Além disso, o “bacharelismo”, a migração urbana,entre outros aspectos, todos tendo em vista a salvação pelo Estado, corroboravamesse tipo de visão e prática política e social. A inserção política e econômica eraintermediada e dependente do Estado e pouco preocupada com a afirmação dosdireitos de cidadania.

Conforme a autora Maria Tereza Chaves de Mello, no final do Império apropaganda republicana aludia ao regime como a consagração do progresso, dasoberania popular e da racionalidade, em oposição ao período imperial, vistocomo anacrônico e inadequado aos novos tempos, mesmo considerando suaestabilidade em relação ao outros países do continente, que passa a ser alardeadacomo uma “infantilização social”, conforme um par antônimo assimétrico, definidopor Koselleck, em que há a confrontação de dois conceitos, colocando um deforma com que este não se reconhece. Desta forma, constituiu-se uma visão deoposição ao passado e expectativa social de futuro (MELLO, 2008, p. 15-17).

Esta transformação no “poder simbólico” denota uma mudança no campodas idéias, visando a instauração de novas instituições políticas e modeloseconômicos. Assim, as noções sobre a ideia de “modernidade”, de “nação”, de“progresso” e a “república” em si foram mais cruciais para a mudança dos rumoseconômicos do que as contingências de mercado.

A ideia de progresso ia além do campo material e significava uma concepçãocivilizacional e teleológica. Esta noção passou a predominar nas percepções demundo e de Brasil. Através dela, os embates se construíram em uma nova semânticaem relação à linguagem política e social (MELLO, 2008, p. 17).

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A autora também destaca que, apesar de não ter sido objeto de discussõesou de assimilações “ortodoxas”, as novas ideias serviram como fundamento para sepensar os novos problemas, que necessitariam de solução a partir de uma pretensacientificidade. Neste ambiente, de defesa entusiástica da democracia e da ciência,a república aparecia como uma “culminância política” (MELLO, 2008, p. 20).

Assim, a eficiência dos pares antônimos assimétricos acontece porqueestes canalizam expectativas já presentes, ainda que difusas no meio social epermitem aos contemporâneos a experimentação do processo histórico. No quese refere à dicotomia assimétrica entre monarquia e república, constituiu-se umgrupo autorreferente que foi além dos limites dos partidos republicanos. A renovaçãoda linguagem construiu uma nova cultura, não só política, mas social, no fim doImpério. Com isso, autora conclui que “república foi o nome brasileiro damodernidade” (MELLO, 2008, p. 15).

Antônio Paim, ao tratar do patrimonialismo, nota que o conceito de EstadoPatrimonial pode ser usado de forma heurística no que se refere à realidadebrasileira, levando em conta seus fundamentos morais, que seria, notadamente,a inovação feita por Weber (PAIM, 1978, p. 20).

O autor ainda observa como a obra de Oliveira Viana contribui para odebate acerca das características do Estado brasileiro. De acordo com Paim,Viana procurava identificar os valores arraigados que guiavam a ação dos gruposdominantes. Assim, procurava fazer uma “antropossociologia das elites”, bem comouma história social da economia, buscando compreender as influências culturaisdas práticas econômicas, observando tanto os hábitos quanto as instituições. Apartir disso seria possível fazer uma interpretação acerca dos fatores psicológicose ideais que guiavam a construção das instituições econômicas, possibilitando aconstatação do domínio de “valores pré-capitalistas” que permeavam a cultura eo âmbito social no Brasil (PAIM, 1978, p. 30).

Conforme o autor, a contribuição de Viana foi ter se contraposto à “convicçãosuperficial de que o Brasil é um país novo”, bem como “denunciar a ilusão quantoa possibilidade de imprimir-lhe um rumo qualquer” (PAIM, 1978, p. 31).

Para Faoro, no decorrer de toda a história do Brasil, o patrimonialismoestatal incentivou o setor especulativo da economia, “voltado ao lucro como jogoe aventura”, ao mesmo tempo em que tentou promover o desenvolvimentoeconômico sob o comando político. Também adotou “o mercantilismo comotécnica de operação da economia”, gerando um capitalismo politicamenteorientado, “não calculável nas suas operações”. (FAORO, 2001, p. 875)

Ao contrário do feudalismo, parte-se diante do capitalismo,

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patrimonialismo se acomoda às transições, “em caráter flexivelmente estabilizadordo modelo externo, concentra no corpo estatal os mecanismos de intermediação”,através de “manipulações financeiras, monopolistas, de concessão pública deatividade, de controle do crédito, de consumo, de produção privilegiada, numagama que vai da gestão direta à regulamentação material da economia. “ O autorainda observa que sociólogos e historiadores relutam em reconhecer tal “paradoxo”,em função de premissas teóricas. Além disso, o aparelhamento político, acima dasclasses, constituindo-se em “uma camada social, comunitária embora nem semprearticulada, amorfa muitas vezes”, que conduz esse processo muda e se renova, masimprimindo os seus valores aos “recém-vindos”. (FAORO, 2001, p. 876)

Na esfera propriamente política, “o quadro de comando se centraliza,aspirando, senão à coesão monolítica, ao menos à homogeneidade deconsciência, identificando-se às forças de sustentação do sistema”. Apesar disso,tal “estrutura” não é imune a tensões e conflitos. Assim, grupos, classes, elites,associações procuram fugir da “ordem imposta de cima”, através, por exemplo,do federalismo republicano, chegando a “arredar sem aniquilar” brevemente o“estado-maior de domínio”, porém não sem capazes de se institucionalizarem deforma permanente. (FAORO, 2001, p. 878-879)

No âmbito das leis, da atividade legislativa e seus motivos, Faoro afirmaque “a vida social será antecipada pelas reformas legislativas, esteticamentesedutoras, assim como a atividade econômica será criada a partir do esquema,do papel para a realidade”, de forma antagônica ao pragmatismo político. Aomesmo tempo, a “permanência da estrutura exige o movimento”. Com isso,influências vindas de fora, pelo contato ou intelectualmente, são amoldadas pelas“camadas dirigentes”, que impregna valores peculiares, condizentes com oesquema de domínio. (FAORO, 2001, p. 887)

Para Faoro, a “modernidade”, do final do século XIX e início do XX,relacionava-se à adoção dos modelos liberais, “universalistas”, da França, EUA eInglaterra. No entanto, diante do liberalismo teoricamente dominante e do “domínioconservador dos gabinetes”, a “herança mercantilista” guiava a ação dosestadistas. (FAORO, 2001, p. 597)

Em artigo comparando as visões de patrimonialismo de Sergio Buarquede Hollanda, Raymundo Faoro e Oliveira Viana, Daniel Barile da Silveira, iniciacom considerações a respeito da construção do conceito por Max Weber, a partirde reflexões acerca da ideia de dominação e poder. De acordo com o alemão, adominação é “a probabilidade de encontrar obediência a numa norma dedeterminada conteúdo, entre determinadas pessoas indicáveis”. A partir desta

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definição, nota-se que o conceito de dominação, de acordo com o sociólogo, estáintrinsecamente relacionado à sua concepção de poder, que “significa toda aprobabilidade de impor a própria vontade numa relação social, mesmo contraresistências, seja qual for o fundamento dessas legitimidades”. Deve-se considerartambém, nas relações de poder, a vontade de obedecer, bem como o interesse naobediência, que configuraria a crença na legitimidade e que permite àquele ou àquelesque exercem o poder instituir normas continuamente. (SILVEIRA, 2006, p. 3)

No caso específico do patrimonialismo, os assuntos públicos são tratadosde forma privada, amalgamados em uma única esfera, “comandados e livrementedispostos por ordem da autoridade política”. Além destas prerrogativas dosgovernantes, há também a postura dos funcionários em relação à administraçãopública. Estes a consideram um serviço pessoal, baseado na ideia de obediência,bem como os problemas por eles tratados são considerados “caso por caso”.(SILVEIRA, 2006, p. 5)

Como veremos adiante, este aspecto de “particularizar” os problemas, nocaso as crises econômicas e suas propostas de resolução, está presente nosdiscursos e mesmo na letra das leis do período em questão.

A ordem política do patrimonialismo, portanto, está nela mesma, no Estadoe nos governantes e não na “sociedade civil” (o conjunto das relações privadasentre os indivíduos). Dessa forma, as atividades econômicas também passam adepender do Estado para o seu desenvolvimento.

Na visão de Buarque de Hollanda, o homem público brasileiro reproduziana administração da coisa pública os mesmos aspectos paternalistas que haviamdelimitado sua visão de mundo. Assim, o sistema administrativo ficava à mercê devontades particulares, pouco impessoais e era muito suscetível aos “contatosprimários”. Meira Penna possui uma visão semelhante, usando o termo “sociedadeerótica” para se referir à sociabilidade focada predominantemente nos contatospessoais mais imediatos (SILVEIRA, 2006, p. 8; MEIRA PENNA, 1988, p. 257).

O jurista Oliveira Viana analisa o setor público nacional com o objetivo deperceber sua influência na esfera política. Apesar de ser um homem da área dodireito, usa um método que busca compreender o comportamento social e osaspectos culturais do direito público, ao invés de focar na análise sistemática dasleis pela ciência do direito. A partir da cultura, visa entender a natureza política e ofuncionamento do direito e do Estado. Viana também identifica uma tensão, entreo direito público elaborado “pelas elites” e o usado pelo “povo-massa”, em que osprimeiros, dramaticamente, tentam impor aos últimos. O autor vê a divergênciaentre as leis formais e as regras praticadas pelo povo, sendo que a raiz do problema

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estaria nas “importações” de modelos políticos e sua tentativa de imposição nocenário nacional. (SILVEIRA, 2006, p. 14)

Diante do exposto, podemos ver que o “hiato” entre Estado e sociedade,característico do Brasil enquanto sociedade patrimonial, não foi superado peloadvento da República, mas que o novo regime deu uma nova roupagem àmanutenção das práticas patrimonialistas através do caráter modernizante inerenteàs novas instituições. No entanto, apesar deste redimensionamento formal e datentativa de transformação das práticas sociais, as modernizações aconteceram“de cima para baixo”, da mesma forma, porém com novos elementos simbólicose discursivos, que podem ser observados pela análise das leis e da atividadelegislativa do período.

O Convênio de Taubaté: o discurso da “defesa do café” na legislaçãoA representação do Senado paulista junto ao Congresso Nacional,

pedindo a aprovação do Convênio de Taubaté, em 1906, é um documento muitorico para a análise do tema. Seu conteúdo permite observar as diretrizes da políticaeconômica pretendida, os grupos de interesse envolvidos e a visão que os paulistastinham do regime monárquico e de sua política econômica geral e em relação aocafé. Outro aspecto relevante é que, através da análise de determinados termosusados como forma de persuasão, ao longo do documento, ficam claras asinfluências positivistas do pensamento republicano, bem como faz perceberaspectos muito concretos do patrimonialismo e seu “capitalismo politicamenteorientado”, conforme descrito por Faoro.

Logo nas primeiras linhas do documento, os senadores paulistas dizem-seinspirados por “seus sentimentos de patriotismo” e pedem “os mesmos sentimentosdos senhores representantes da nação”. Também conclamam “os grandesinteresses da Pátria, de seu futuro, do seu engrandecimento”, para a aprovaçãodo convênio firmado pelos presidentes dos três principais estados produtores. Aofim do segundo parágrafo, deixam claros os objetivos gerais: “valorizar o café,promover seu comércio, promover o aumento do seu consumo e a criação dacaixa de conversão, fixando o valor da moeda” (in: ALESP, 1906, p. 1).

Demonstrando consciência de seu lugar na história, aos moldes dopensamento republicano, observado no começo deste artigo, declaram:

Esse notável documento figurará na história pátria como o marco inicial de uma novaorientação nas normas de governo de nosso país, como a inauguração de umapolítica econômica, a única que, na atualidade, deve principalmente preocupar oespírito daqueles que forem chamados a dirigir a nação. (in: ALESP, 1906, p. 1).

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A ideia de “defesa” e de “proteção do café”, e sua relação com a riquezanacional também é exposta no documento:

Consultando os mais vitais interesses e urgentes necessidades da Nação, o Convê-nio de Taubaté traduz o acordo a que chegaram os presidentes dos três Estadosmaiores produtores de café, no sentido de amparar e proteger não somente essagrande lavoura, que constitui a larga base da riqueza pública e do crédito do país,mas também estender esse amparo, essa proteção a toda a produção nacional,agrícola ou industrial. (in: ALESP, 1906, p. 1).

No parágrafo seguinte, justificam o convênio argumentando, ainda quevagamente, que este beneficiaria não somente os três estados signatários:

Inspirando-se em seus sentimentos de patriotismo, os ilustres signatários do Convê-nio, ao estudarem e acordarem os respectivos artigos, não visaram somente asconveniências de seus Estados e sim procuraram, com aquele artigo, estender seusbenefícios efeitos a todo o território da Pátria. (in: ALESP, 1906, p. 1).

Ainda na primeira página, aludem à monarquia como “passado regime” ecolocam que “temos trilhado o caminho errado em busca do progresso eengrandecimento da Pátria”. Outro fator relevante é a idéia de que, influenciadospelos economistas europeus, “nossos homens de Estado” estavam maispreocupados com o “advento da circulação metálica no país” e que isso só seriaconseguido “com a elevação das taxas cambiais”. (in: ALESP, 1906, p. 2)

Novamente referindo-se à monarquia, dizem:Em 67 anos de vida independente, no regime passado, o Brasil arrastou-se comdesanimadora morosidade no caminho do progresso, não obstante os largos perío-dos de paz que gozou. (in: ALESP, 1906, p. 2).

Em seguida, continuam: “Eram tão repetidos os déficits orçamentários quenotável político definia a situação dizendo: ‘O Império é o déficit’” (in: ALESP, 1906, p. 2).

Acrescentam ainda:E, no entanto, mesmo no período da vida nacional monárquica, se não tivessem osolhos sempre voltados para a melhoria cambial, fazendo da alta do câmbio um títulode glória para suas administrações, os nossos estadistas, se quisessem observar eestudar as estatísticas, teriam constatado que os períodos de baixa cambial deramsempre em resultado não só aumento de exportação, como diminuição da importa-ção e consequente aumento de saldos. (in: ALESP, 1906, p. 2).

Observam ainda que uma comissão inglesa para a agricultura constatouque os países que sofriam com crises agrícolas eram os que mantiveram o padrão-

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ouro, causa maior dos problemas econômicos, que tornava desigual e impossívela concorrência com os países de moeda depreciada (in: ALESP, 1906, p. 2)

Para os senadores paulistas, tais conceitos poderiam ser plenamenteaplicados ao Brasil. Sobre isso também, de acordo com os relatores, recaia omaior motivo das polêmicas e oposições ao Convênio, que seriam explicados“pelos grandes interesses que serão contrariados”. (in: ALESP, 1906, p. 3)

Além disso, segundo eles, “a oposição à patriótica medida (...) não temconseguido impressionar a opinião pública e, ao contrário, a idéia de fixação docâmbio tem conquistado valiosas adesões”. (in: ALESP, 1906, p. 3) Citam, emseguida, as opiniões adesistas ao convênio, em especial na capital (Rio de Janeiro):

Neste Estado tem sido quase unânime a manifestação favorável da imprensa e daopinião pública. Os municípios, por suas câmaras, o comércio por seus legítimosórgãos, as associações comerciais, todos em bem fundadas moções, tem apoiado eprestigiado o Convênio. (in: ALESP, 1906, p. 3).

Ao longo da exposição sobre as justificativas de fixação do câmbio, vãosendo suscitados motivos como “sentimentos de honra e dignidade da Nação” eque este “estanca aos especuladores abundantíssima fonte de enormes lucros,com incalculáveis prejuízos para o país, que, pela variabilidade de sua detestávelmoeda de curso forçado, se tem constituído em vasta banca de jogo”. (in: ALESP,1906, p. 2)

De acordo com os senadores, o convênio não prejudicaria ninguém,“exceto os jogadores de câmbio ou aqueles que espreitem a alta para passaremos seus capitais para o estrangeiro”. (in: ALESP, 1906, p. 4)

Continuam no parágrafo seguinte:Ao contrário, devem se esperar de sua execução os mais benéficos efeitos para oprogresso e engrandecimento do país, pelo amparo e proteção que dará ao seucomércio, à sua lavoura e à sua indústria, pela segurança que proporcionará aoscapitais estrangeiros que então se virão nele colocar, pela garantia e fixidez dosalário do trabalhador, rural ou operário que, hoje, com a mesma quantidade depapel, tanto pode receber meia, como uma libra, como cinco shillings (in: ALESP,1906, p. 4).

Também ressaltavam a não mais exigências de se justificar a oportunidadeda “valorização do café”, já que o assunto fora tão “debatido e estudado” e que a“solução” teria que ser imediata, diante da proximidade da nova safra. Outro pontosalientado foi que a valorização deveria ser mantida mesmo caso a crisedeclinasse, já que isso poderia gerar “especulação” devido à formação de estoques

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no exterior. (in: ALESP, 1906, p. 4)Observam, ainda: “Assim, pois, é certo que a situação angustiosa da lavoura

cafeeira impõe aos poderes públicos o dever de agir em seu benefício, semdemora, pronta e resolutamente”. (in: ALESP, 1906, p. 5)

Continuam em seguida:É que estando quase monopolizado em poucas mãos o comércio mundial de café, osintermediários que representam a procura perante o nosso comissário, fazem a este,ou diretamente ao produtor, o preço que o excesso de oferta determina, e assimestabelecem o preço de varejo de modo a assegurar-lhes elevadíssimo senãoexagerado lucro. (in: ALESP, 1906, p. 5).

Observam ainda a necessidade de uma propaganda para fomentar oconsumo, bem como que a valorização aumentaria a arrecadação em impostos.Ao fim do pedido, evocam novamente “para o patriotismo dos dignos representantesda Nação”. (in: ALESP, 1906, p. 6)

Entre os objetivos propostos pelo Convênio de Taubaté, o que gerou maiscontrovérsia foi a criação da “Caixa de Conversão”, que fixaria o valor do câmbio.Sobre isso, um dos posicionamentos mais esclarecedores é do deputadoSerzedello Correia (MT), em discurso no Congresso Nacional, em 1906.

O deputado coloca que nos países de “moeda sã” também há crises deprodução, mas estas se corrigem pela lei da oferta e procura. No entanto, noslugares onde há “circulação inconvertível”, tal lei “deixa de funcionar” e “aespeculação domina os mercados”, criando condições desfavoráveis, gerando“depreciação do papel-moeda, que se torna insuficiente, avolumando-se então aescassez de agente de toda a circulação pela diminuição de seu poder aquisitivo,escassez que é a causa geradora de todas as grandes crises”. Continuaargumentando que: “se for atendida por novas emissões de futuro, mais e mais,arruinarão o crédito, a produção e a Nação”. (in: DOCUMENTOSPARLAMENTARES, 1915, p. 215)

Interessante notar que a posição do deputado, em sua explanação, trataprimeiramente de questões teóricas e técnicas para, só depois, evocarsentimentos nacionalistas e a importância do café, ao contrário do que foi feito nodocumento do pedido de aprovação do Convênio de Taubaté.

Correia ainda afirma que “a questão monetária sobreleva a todas as outras”e não poderia “ser tratada como uma dependência da questão referente àvalorização do café”. Também observa que, em linhas gerais, concorda com asmedidas do convênio, mas que estas deveriam ser complementadas (in:DOCUMENTOS PARLAMENTARES, 1915, p. 215).

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De acordo com o deputado, a crise teria sido gerada tanto pelo excesso deprodução, quanto pelos “vícios do mercado” e diante da impossibilidade de regulara procura, haveria a necessidade de “uma poderosa organização defensiva” no“combate à especulação, regulando as condições de oferta”. Cita como exemploo caso da Rússia, que teria feito algo semelhante em relação ao trigo (in:DOCUMENTOS PARLAMENTARES, 1915, p. 217).

O deputado ainda coloca que:A crise por que essa lavoura não é uma crise parcial, não é crise da lavourasomente, é uma verdadeira crise nacional, porque ela afeta a todos os órgãos vitaisdo nosso organismo social, produzindo extensas e profundas perturbações funcio-nais em todo o mecanismo econômico do país (in: DOCUMENTOS PARLAMENTA-RES, 1915, p. 217).

Continua, a respeito do caráter nacional da crise do café:

A crise que trouxe a sua depreciação não é uma questão de São Paulo, de Minas oudo Estado do Rio; não é uma questão de um grupo numeroso de lavradores, deEstados do Sul, enfim; é, sim, uma questão nacional, uma questão que afeta a toda aFederação, que envolve todos os interesses de todos os Estados, porque ela afetaa todos os órgãos de nosso organismo econômico, a todas as funções da vida denossa pátria em sua integridade física e moral.

É preciso, pois, que os homens públicos olhem para o assunto sem preocupaçõesde zonas, sem a ideia estreita de Estado, e sim como uma questão nacional que atodos interessa igualmente, que a todos prenderá visceralmente nos grandes malese prejuízos que vai causando e semeando (in: DOCUMENTOS PARLAMENTA-RES, 1915, p. 219).

Para o deputado, havia três causas principais para a desvalorização docafé: a superprodução, os vícios de mercado e a “falta absoluta de defesa em quese encontra o produtor”. (in: DOCUMENTOS PARLAMENTARES, 1915, p. 219).Nos atentaremos aqui ao último aspecto.

De acordo com Correia, “os comissários desapareceram, os bancosnacionais arruinaram-se, todas as portas de crédito estão fechadas”. Assim, “semassistência financeira”, o produtor era pressionado a vender logo seu produto, porum preço baixo. Além disso, quem comprava estava menos pressionado devido àsuperprodução, tendo uma oferta sempre abundante. De acordo com o deputado,a desvalorização seria “devida quer a causas naturais, quer a causas artificiais”(in: DOCUMENTOS PARLAMENTARES, 1915, p. 220).

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Assim, conforme o parlamentar era necessário e “urgente dar combate àscausas de caráter artificial”. Continua: “como, porém, combater esse monopólioespeculador e os vícios do mercado? Só por meio de uma forte organizaçãodefensiva com o auxílio da União e dos Estados”. (in: DOCUMENTOSPARLAMENTARES, 1915, p. 222)

Considerações finaisDiante do exposto percebemos que, embora os debates políticos e as

propostas de leis que buscavam sanar a crise cafeeira se referissem a ummomento e a um caso específico, com alusões a períodos imediatamenteanteriores e posteriores, e partissem também de atores sociais e políticosespecíficos, a margem de percepção e ação em relação ao problema estavacircunscrita a uma estrutura condicionante.

Conforme o autor Dale Tomich (2011), para Kosselleck:Os acontecimentos estão enraizados e ao mesmo tempo são restringidos por umasequência temporal que requer uma precisão cronológica estrita no arranjo de seuselementos constituintes. Essa sequência temporal forma um “liminar de fragmenta-ção” abaixo do qual o acontecimento se dissolve. Já as estruturas são concebidasnum plano temporal diferente dos acontecimentos e são entendidas como tendo umaestrutura distinta. Elas representam “aspectos temporais de relações que não entramna sequência estrita dos acontecimentos” e chamam a atenção para fenômenos deduração, estabilidade e mudança a longo ou médio prazo. As estruturas se reprodu-zem por meio de acontecimentos individuais concretos que possuem o seu própriotempo, mas tais acontecimentos só ganham expressividade estrutural dentro doenquadramento dos períodos de longa duração. Não são redutíveis a acontecimen-tos singulares ou a padrões individuais ou sequencias causais de acontecimentos.Os determinantes cronológicos mínimos do “antes” e do “depois” são menos cruciaispara sua descrição. Tais estruturas transcendem o espaço da experiência e da açãode atores específicos. Não se pode reduzi-las à experiência ou ação de pessoasindividuais ou grupos determináveis. Elas existem antes da experiência do aconte-cimento e perduram para além dele. (p. 133-134).

No entanto, segundo Tomich, a existência de estruturas de longo e médioprazo não acessíveis pela experiência não significa uma abordagem teleológicada história e cria, na verdade, a possibilidade de evitar o determinismo. “As estruturasformam o campo de possibilidade e restrição dentro do qual os acontecimentosocorrem. Podem condicionar os resultados, mas não necessariamente osdeterminam” (TOMICH, 2011, p. 134).

Assim, a relação de um acontecimento com o outro não significa um

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nexo causal estrito entre eles, rumo a um caminho predeterminado. No entanto,permite traçar as dimensões sistêmicas das relações e a condições de suareprodução no tempo e espaço.

Com isso, fica clara a permanência da “lógica” patrimonialista quepermeava a forma com que era tratada a questão da crise do café: diante de umproblema da esfera econômica evocava-se uma sólida ação estatal que nãodeveria ater-se somente à resolução imediata daquele caso, mas se manter comoforma de “evitar” problemas futuros, elucidando o que se queria dizer com termoscomo “defesa do café” ou “progresso e engrandecimento da nação”. Ainda, areferência ao período anterior como se este tivesse sido marcado por uma ação“insuficiente” ou “errada” em relação à crise que, por isso, foi agravada e a referênciasempre a “interesses” ou “más intenções” daqueles que detinham o poder político,demonstra que, para os republicanos, bastava a intenção e a vontade do legislador,sempre justificada por “sentimentos de patriotismo” ou “debates e estudos sobreo tema” para que o problema fosse solucionado.

No entanto, a própria necessidade de discussões e justificativas tãopormenorizadas, demonstra que, apesar da margem de ação estar restrita poruma estrutura, algumas questões pontuais, mas que eram essenciais para ainstrumentalização de uma proposta política, passavam por debates e contradições.

Claudia Viscardi, na obra “O teatro das oligarquias”, afirma que o Convêniode Taubaté significou o abandono de quaisquer princípios liberais pelas elitespolíticas do Brasil e que, antes da implantação do acordo, as discussões em tornodas intervenções na economia cafeeira giravam em torno de se estas deveriamou não ser feitas e, após, passaram a se referir sobre como deveriam serimplantadas. De acordo com a autora, o grau de envolvimento de cada estado noconvênio seria relacionado, em última instância, pelo nível de dependência dasreceitas fiscais em relação ao café, e destaca que os interesses dos cafeicultoresnão eram homogêneos, e sem davam em relação às suas posições no mercadocafeeiro, bem como de suas articulações com os interesses dos credoresinternacionais.

Ainda, em relação à questão dos impostos, a autora coloca que desde aprimeira constituição republicana, a principal renda dos estados eram os impostossobre as exportações e, do governo federal, sobre as importações. Como erammuito imprevisíveis, eram motivos de preocupação para as unidades federadas,variando de acordo com o volume de café produzido e dos preços no mercadoexterno, além da política cambial. Desta maneira, toda alteração no câmbio geravatensões que opunham União e estados federados, sendo as articulações

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envolvendo o Convênio de Taubaté, um caso onde se podia notar claramenteessa oposição.

Em detrimento das crises serem geradas por uma série de fatorescombinados, os discursos em relação a isso costumavam focar apenas umaspecto. Por parte dos produtores, as causas seriam os intermediários e aespeculação internacional, que manipulariam os preços. Para os setores, segundoViscardi, “ligados ideologicamente à ortodoxia economia e aqueles voltados paraa diversificação da economia nacional”, a superprodução, gerada principalmentepelo período do Encilhamento, era a principal responsável. No entanto, diantedisso, todas as propostas demandavam mais intervenção do Estado na economia(VISCARDI, 2001, p. 121-142).

Tal fato corrobora mais uma vez as características do patrimonialismo,em que as discussões ocorriam, mas não com projetos qualitativamente distintosou diametralmente opostos. O “capitalismo politicamente orientado” prevalecia,a ideia de que a República era a portadora do progresso também. Assim, adiscussão se dava em torno de ajustamentos posteriores e o objetivo não era acontestação política, com o intuito de fazer prevalecer, momentaneamente,determinado conjunto de diretrizes, mas a cooptação dos atores econômicos,sociais e políticos que tinham alguma objeção, mesmo que muito específica, afim de se criar um modelo que abrangesse os vários interesses envolvidos epermitisse a estabilidade do poder.

ANDRADE, Caio César Viotto de; TOSI, Pedro Geraldo Saadi. The legislation asdiscourse: the “Convênio de Taubaté” and the construction of the republicanmodernity. DIALOGUS. Ribeirão Preto. v.11, n.1 e n.2, 2015, pp. 49 - 66.

ABSTRACT: The paper aims to discuss how the Brazilian legislation of the earlytwentieth century is a material of analysis that allows us to understand the disruptionscaused by the Proclamation of the Republic. They will be analyzed: the request forapproval of the Convênio de Taubaté by the Senate of São Paulo and theparliamentary debates on the subject. Thus, it will discuss the use of legislation asa discourse from the perspective of patrimonial society and republican modernity.

KEYWORDS: Legislation; Patrimonialism; Republic; Convênio de Taubaté.

FONTESALESP. Acervo histórico. Disponível em:http://www.al.sp.gov.br/geral/busca/BuscaDocumentosRepublicaVelha.jsp?inicio=&fim=50&periodo=2&data=&texto=

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caf%E9&localidade=<Acesso em: 14. Jun. 2013.DOCUMENTOS Parlamentares. Política Econômica: valorização do café. Rio deJaneiro: Tipografia do Jornal do Comércio, 1915, 2 volumes.

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ALÉM DOS GRANDES: OS PEQUENOS CAFEICULTORES DERIBEIRÃO PRETO (1904-37)

Victor Augusto de Almeida OLIVEIRA *

Renato Leite MARCONDES**

RESUMO: O artigo procura avançar no estudo da cafeicultura em Ribeirão Pretono início do século XX, quando a cidade era uma grande produtora da rubiácea.O foco do estudo é comparar grandes, médios e pequenos cafeicultores no quetange a desigualdades na plantação, na localização e na especialização.

PALAVRAS-CHAVE: Ribeirão Preto; café; cafeicultura; pequenos cafeicultores.

IntroduçãoA sociedade brasileira é marcada por uma ampla migração, especialmente

nas áreas de fronteira, que foi muito comum durante o boom cafeeiro no estado deSão Paulo. As zonas velhas foram logo abandonadas devido ao cansaço dasterras e os cafezais passaram a ser cultivados nas novas fronteiras agrícolas.Podemos notar este tipo de comportamento em “O Roteiro do café” de Milliet(1982) que mostra o percurso do café, sempre sedento por áreas virgens, partindodo Vale do Paraíba Paulista em direção ao oeste.

Ribeirão Preto, foco do estudo, passou pela fase de início de plantio emzona de fronteira agrícola nas décadas finais do século XIX e o abandono ocorreua partir da década de 1930, quando suas terras não conseguiam mais atingir amesma produtividade de outrora e a grande depressão acelerou o processo. Umfator que deve ser considerado na análise da produtividade do cafezal ribeirão-pretano é a geada, especialmente a de 1918, que castigou o solo da região. Alémdo processo de abandono, algumas fontes citam um processo de desconcentraçãoda terra após a crise de 1929 (MONBEIG, 1984, p. 117). Na década de 1930,segundo a historiografia, houve um movimento de diminuição dos lotes e maiornúmero de cafeicultores.

1 Graduando em economia pela Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade de Ribeirão Preto,FEARP/USP. O resultado deste trabalho é fruto das pesquisas de iniciação científica que fiz com apoio doCNPq. [email protected] Livre-docente pela Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade de Ribeirão Preto, FEARP/USP. [email protected]

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O objetivo deste artigo é saber como estes processos citados nahistoriografia ocorreram na cidade de Ribeirão Preto. Usando informações1 sobreos cafezais possuídos, suas variações ao longo do tempo e trocas realizadasentre diferentes proprietários, conseguimos traçar um panorama da cafeiculturaribeirão-pretana quanto a sua concentração, localização de diferentes estratosde agricultores e a diferença entre a especialização de grandes e pequenoscafeicultores.

A primeira seção do artigo foi escrita para contar a história da rubiácea nomunicípio, principalmente o período em que o café esteve em seu auge e o iníciodo seu declínio. A segunda seção procura analisar a desigualdade existente entreos maiores e os menores cafeicultores da cidade. Para tanto, utilizando asinformações levantadas no censo agrícola e no imposto sobre cafeeiros,calculamos o índice de Gini como proxy da concentração. A terceira seção procuramostrar a aglomeração que havia entre os pequenos cafeicultores emdeterminadas áreas de Ribeirão Preto. Na quarta seção comparamos a distribuiçãoda propriedade de terras apenas para os anos de 1904 e 1937, para os quaispossuímos os dados da extensão da terra dos cafeicultores. Por fim, a últimaseção trata a respeito da diferença na especialização agrícola entre grandes,médios e pequenos cafeicultores.

Ribeirão e o caféA cidade de Ribeirão Preto é bastante conhecida por ter sido um grande

centro produtor de café no final do século XIX e início do século XX, época dosfamosos barões do café da cidade. Uma história um pouco menos conhecida é ada criação do município ainda no meado do século XIX, quando Ribeirão Pretofazia parte do distrito de São Simão. Apesar da escassa informação a respeito doperíodo, provavelmente as pessoas que detinham terras na região nessa épocaeram descendentes e herdeiros dos que se apossaram das terras da localidadequando para lá migraram. A economia da região era baseada na produção dealimentos, gado e açúcar em pequena quantidade. Os primeiros pés de café dacidade foram plantados ainda na década de 1860. (LOPES, 2011, p. 7).

A transformação de São Sebastião do Ribeirão Preto em município se1 Para mais informações acerca das fontes, verificar apêndice.2Além da propaganda recebida a favor em Ribeirão Preto, devemos considerar o aumento da produção decafé no Brasil e seu posterior aumento na participação na oferta da rubiácea. Ambos decorram principalmentepelo crescimento da demanda estrangeira durante o século XIX, cujo aumento é estimado em 2,7% ao anoentre 1830 e 1900 (BACHA, 1992, p. 18). Assim, a demanda excedeu bastante à oferta existente em partedo período, elevando o preço do café no mercado e assim estimulando a produção.

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deu na década de 18702, mesma década na qual a fama de suas terras se espalhoucom os relatos de Luis Pereira Barreto e Martinho Prado Júnior. Isto incentivou amigração de pessoas para a região. Assim, a cidade de Ribeirão Preto recebeumuitos migrantes, especialmente a partir da década de 1870. Muitos deles eramcafeicultores de outras zonas interessados no plantio da rubiácea em RibeirãoPreto, sendo que outras cidades do Oeste Paulista também receberam esse fluxode cafeicultores das zonas mais antigas em decadência, especialmente do Valedo Paraíba. Dois problemas foram percebidos ao início do plantio na cidade:dificuldades no transporte do café até o porto de Santos e a escassez de mão deobra (BACHA, 1992, p.21).

O primeiro problema era regional e foi solucionado com a expansão daslinhas ferroviárias pelo interior de São Paulo. Anteriormente à implantação dosistema ferroviário paulista, o transporte de itens para o porto de Santos era feitoatravés de tropas de mulas, que era um meio de transporte muito custoso paraatender a região de Ribeirão Preto. A primeira linha férrea paulista foi construídapela São Paulo Railway Company, que ligava Santos à Jundiaí e foi inauguradaem 1867. A partir dessa, outras empresas foram construindo ramais para atingirtoda a província. A estrada Mogiana, que atinge a região por nós estudada, começoua ser construída em 1874 desde Campinas, e chegou a Ribeirão Preto cerca deuma década depois (HOLLOWAY, 1984, p. 39). Saes (1981) mostra que existeuma grande correlação entre cidades com aumento na produção de café, aumentopopulacional e criações de ramais nestas cidades. Se por um lado a ferrovia só épossível pelo transporte de café, vide o fato de produtores de outras culturaspagarem mais barato pelo seu transporte, o café também foi estimulado pelacriação das ferrovias, pois a economia no transporte após o emprego das ferroviasera considerável, sendo que transportar uma arroba de café por um quilômetrocustava 490 réis por tropas de mulas e 140 pela via férrea (SAES, 1981, p. 40).

A segunda questão era nacional e foi resolvida com a imigração detrabalhadores estrangeiros subvencionada pelo Estado. As tentativas de importarimigrantes vêm desde meados do século XIX, embora ainda não houvesse aproibição da escravidão. No entanto, o sistema inicial de parceria não agradouaos imigrantes, e muitos voltaram a seus países. Assim, houve um lento, mascontínuo desenvolvimento do sistema para o de colonato (HOLLOWAY, 1984, p.112-119), que era o mais utilizado nos momentos de grandes imigrações. Além deuma área de plantio, os colonos recebiam três tipos de pagamentos monetários:por número de pés cuidados, que depende do número de enxadas que a famíliatem, pelo tanto de café colhido na época da safra, e pagamentos por eventuais

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trabalhos realizados na fazenda, por dia de trabalho. A vinda de imigrantes foiextremamente apoiada pelo governo paulista, que através da Associação Auxiliadorda Colonização e Imigração e depois da Sociedade Promotora da Imigração,dava subsídios para a vinda dos imigrantes (HOLLOWAY, 1984, p. 62-66). Além deganhar subsídio para a vinda em navio para o Brasil, desde 1882 as empresasferroviárias ofereciam transporte gratuito para a fazenda na qual iriam trabalhar(SAES, 1981, p. 42).

Resolvidos tais problemas, o Oeste Paulista pôde se desenvolver maisintensamente como centro cafeicultor. Já na década de 1890, a cidade de RibeirãoPreto contava com 92 cafeicultores, produzindo cerca de 220 mil arrobas por ano(MARCONDES, 2007, p. 176). Foi aproximadamente a partir desta época até oterceiro decênio do século XX que Ribeirão vivenciou seu apogeu, quando onúmero de pés esteve ao redor de 30 milhões3 e a cidade possuía os cafezaiscom maior produtividade. Segundo Marcondes (2007) a produtividade chegou a90 arrobas por mil cafeeiros no início do século XX.

A geada de 1918 prejudicou imensamente a cidade e seus cafezais. Numprimeiro momento a cidade foi bastante prejudicada na colheita de 1919, quandoapenas cerca de um terço dos cafezais deram frutos, estando os outros doisterços queimados. No longo prazo, podemos constatar que a produtividade doscafezais ribeirão-pretanos jamais retornou a patamares anteriores, sendo calculadaem cerca de 60 arrobas por mil pés, aproximadamente, para a década de 1920 epouco mais de 30 arrobas por mil cafeeiros na década de 1930 (MARCONDES,2007, p.179-180).

Durante a década de 1920 a cafeicultura vivenciou um período de relativaestabilidade em termos gerais no município, apesar de um pequeno declínio naprodução. No entanto, este momento não continuou na década de 1930, quemarca uma grande diminuição no número de pés cultivados na cidade.

O Gráfico 1 mostra o número de cafezais e cafeicultores para o ano de1904 e durante o período 1916-19374.

Podemos ver que o número de cafezais varia entre 28 e 30 milhões porano até 1930, a partir de quando sofre uma grande diminuição. Dentre os fatoresque podem ter influenciado essa queda contamos com a crise mundial que seinstaurou em 1929, associada com um desgaste do solo após vários anos de

3 Em grande parte da literatura é dito que o número de cafezais chega a ser acima de 30 milhões, porémcom os dados que obtivemos o número chega a pouco mais de 29 milhões, o que é possível considerandoque estamos trabalhando com uma fonte tributária, a qual as pessoas sempre tentam escapar.4 Não conseguimos achar dados para 1933, portanto este ano está fora das análises.

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plantio. Em relação ao número de cafeicultores existentes na cidade percebemosque após a geada de 1918 há uma diminuição. Possivelmente muitos não foramcapazes de manter seu cafezal após um ano de fracasso. Antes da geada o númerode cafeicultores beirava os 240, ao passo que alguns anos após o incidente chegavaa pouco mais que 200. Poucos anos após a crise de 1929 e o início da queda nonúmero de cafezais há um movimento de aumento do número de cafeicultores.Do total de pouco mais que 200 cafeicultores registrados ao longo da década de1920, verificamos a existência de cerca de 220 cafeicultores por ano na décadade 1930.

Desigualdade entre grandes e pequenos cafeicultoresPodemos observar uma grande desigualdade entre os grandes e os

pequenos cafeicultores. A título de exemplo, no ano de 1916, no qual oscafeicultores de pequeno porte, ou seja, que cultivam até dez mil pés de café,representam 45,6% dos cafeicultores, sua produção chega apenas a 2,1% dototal. No outro extremo, os grandes cafeicultores, com cafezais possuindo maisde 500 mil pés, representam 4,2% dos cafeicultores e 47,4% dos pés de café.Podemos observar mais profundamente a desigualdade através do cálculo doíndice de Gini.

5 Exceção feita aos anos de 1933 por não termos fontes e 1936, pois a fonte do ano omite muitoscafeicultores.

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Para o ano de 1904 e o período de 1916-375 podemos calcular o Gini,apresentado no gráfico 2. Primeiramente nota-se um aumento na concentraçãona cafeicultura ribeirão-pretana entre 1904 e 1916. Podemos observar que paraos anos até 1922 o Gini para a cafeicultura ribeirão-pretana apontaaproximadamente 0,80, variando principalmente para cima. Nos dois anosseguintes vemos que há uma queda significativa e constante, o que traz o índicepara 0,782 no ano de 1924. A alteração mais representativa no período ocorreentre os anos de 1924 e 1925, para quando o índice é de 0,752. No entanto, estamudança não está relacionada apenas a fatores estruturais da cafeicultura nacidade. A mudança é também causada pela divisão das terras de FranciscoSchmidt, que à época era o maior cafeicultor na cidade, possuindo em 1924 3,3milhões de pés, embora sua posse tenha sido maior que 4 milhões em todos osanos anteriores.

Há outros dois casos de desmembramento de grandes fazendas durantea década de 1920. Em 1921 há a separação dos cafezais de Iria Alves Ferreira,contendo quase 1,3 milhão de pés, entre seus filhos. Em 1922, Augusto Junqueiravende cerca de 90% de seus 586 mil pés para três compradores distintos.

Posteriormente observamos que o Gini continua a decrescer de formapouco acentuada, até atingir o seu mínimo nos anos de 1928, 1929 e 1930,quando o índice aponta 0,734. Deste ano em diante há uma pequena elevaçãoaté o ano de 1934, apontando 0,745. Até o final do período ainda há um pequenodecréscimo no índice, que atinge 0,738 em 1937. Podemos dizer que não há

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grandes mudanças nessa década em termos de concentração dos cafezais.Através da análise do gráfico 2 não podemos notar uma desconcentração

na cafeicultura ribeirão-pretana para a década de 1930. Monbeig6, em seu livro“Pioneiros e Fazendeiros de São Paulo” diz:

O abalo de 1929 havia sacudido a sociedade paulista fortemente demais para queela pudesse conservar a estrutura tradicional. Para o fazendeiro, o problema consis-tia-se em refazer-se e compensar as perdas. A solução imediata residia em ir tentara sorte mais longe, com o algodão. Podia igualmente ele vender as matas quepossuía, como reserva de capital, além da frente pioneira. Era o caso de muitosdentre eles. Foi o que fizeram, seja individualmente, seja agrupados em sociedades,seja recorrendo a vendedores profissionais. Naturalmente, já não era possível ven-der superfícies consideráveis e de extensão contínua. Mas, não faltavam comprado-res de pequenas parcelas: uns eram imigrantes japoneses, outros, trabalhadores deplantações arruinadas, colonos que tinham sofrido menos que seus patrões com acrise e que podiam adquirir reduzidos lotes de terra virgem, vendidos a preçosacessíveis. Em virtude de suas sequelas sociais, criava, pois, a crise de 1929 umclima favorável à expansão do povoamento.

Não encontramos evidências deste processo ao analisar a distribuiçãodos cafezais até 1937 com os índices de Gini para diferentes anos. Há até umpequeno aumento no Gini, porém a tendência é mais de manutenção do índice.

Marcondes (2007) aponta o índice de Gini da distribuição da produção decafé para 1890 como sendo 0,720, bastante abaixo do encontrado no períodoestudado. Assim, podemos supor que no período compreendido entre 1890 e1916 a concentração dos cafezais foi bastante relevante, apesar da desigualdadeem 1890 já ser bastante elevada. Entre 1916 e a década de 1930 temos umperíodo de desconcentração na produção cafeeira. A década de 1930 é marcadapor uma estabilidade na desigualdade na posse de cafezais.

Assim, a desconcentração notada ocorre principalmente no meio dadécada de 1920, e não pode ter ligação com a crise de 1929. De certa forma estadesconcentração está relacionada à divisão das terras dos grandes cafeicultoresentre seus herdeiros, portanto a desconcentração não deve ser considerada comodecorrente de uma alteração estrutural da cafeicultura no município.

Concentração espacial dos pequenos cafeicultoresOutro aspecto que nos chamou atenção durante a pesquisa foi a

concentração dos pequenos cafeicultores em alguns bairros. Podemos ver pelaTabela 1 que Barracão, Córrego Jatobá, Subúrbios e especialmente o Morro do6MONBEIG, 1984, p. 117.

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Cipó são bairros em que na maioria dos anos contam com cafezais médiosmenores que 10 mil. O Morro do Cipó, apesar de não ser o bairro com menorcafezal médio, é o que mais representa os pequenos cafeicultores, pois além desua média ser baixa, uma parcela expressiva dos pequenos cafeicultores seencontra neste bairro.

Tabela 1 – Cafezal médio das regiõesRegião 1916 1920 1924 1929 1934Barra 13.750 11.714 10.000 13.500 13.000Barracão 4.611 5.833 8.824 12.222 10.528Catetos 9.333 10.333 13.000 10.333 9.538Córrego Jatobá 7.571 3.333 3.333 3.333 10.000José Jacques 12.000 13.000 50.583 34.417 27.179Lagoinha 26.600 27.400 39.000 42.400 35.143Morro do Cipó 8.714 8.784 9.343 8.429 8.474Palmeiras 22.158 29.909 35.778 46.029 19.222Subúrbios 7.500 7.250 7.250 7.250 8.667Vila Bonfim 141.858 167.041 179.302 204.475 203.810Outros 283.470 293.428 311.380 277.592 218.048TOTAL 125.407 131.486 144.672 140.123 121.876

Os bairros que contam com maior concentração de pequenoscafeicultores são: Morro do Cipó (cerca de 30% dos pequenos cafeicultores temsuas propriedades neste bairro), Barracão (15%), Vila Bonfim (10%), José Jacquese Palmeiras (cerca de 8% para ambos). O Córrego Jatobá e os Subúrbios possuemuma porcentagem menor dos pequenos cafeicultores: 4% e 3% respectivamente.No entanto, a porcentagem de cafeicultores com mais de 10 mil pés de café équase insignificante7 nos bairros, o que torna seus cafezais médios pequenos.

Um dos motivos pelo qual acreditamos que existam tantos pequenoscafeicultores no Morro do Cipó e no Barracão é porque nesses bairros ficava oNúcleo Colonial Antonio Prado, que distribuía pequenos lotes aos interessados8.No trabalho de Silva (2008), há nomes de algumas das pessoas que possuíramlotes no núcleo, e alguns destes nomes também constam nos nossos registros de

7 De fato o Córrego Jatobá possui 1,5% dos cafeicultores com mais de 10 mil pés em 1916 e nos outrosanos 0%. Os Subúrbios contam com 0,9% desses cafeicultores em 1924 e 0,8% nos outros anos.8 Para maiores detalhes no assunto, ver Silva (2008).

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impostos para café, o que nos leva a crer nesta possibilidade.Assim, os pequenos possivelmente se aproveitaram9 de oportunidades

de inserção em determinados espaços mais favoráveis, como apontado nessecaso do núcleo, para entrarem na rentável atividade cafeicultora. Além disso,acreditamos que a proximidade do meio urbano também deve ter favorecido oestabelecimento dos pequenos cafeicultores.

Desigualdade fundiária dos cafeicultoresAlém da discussão da diferença em termos dos cafezais, queremos

analisar a diferença entre os grandes e pequenos cafeicultores em termos deterras. Isso é possível porque além da quantidade de café plantado, as fontes paraos anos de 1904-05 e 1937 nos informam a área das terras que o cafeicultorpossui. Os dados estão nas tabelas 2 e 3.

No seu artigo de 2014, Luna, Klein e Summerhill chegam a dadosparecidos para o ano de 1904, porém sua investigação concerne ao estado deSão Paulo como um todo e para diferentes regiões. Neste caso o estudo é apenaspara a cidade de Ribeirão Preto. Nota-se que os menores são numericamentemais importantes.

Outra faixa de proprietários com uma grande importância é a dos quepossuem entre 101 e 500 hectares de terra. Em 1904, esta faixa representa asegunda com mais cafeicultores, a segunda com mais cafezais e a segunda commaior área de terra. Em 1937, a faixa continua a ser a segunda com maiorquantidade de representantes e segunda com maior área de terra, porém é a quetem mais cafezais, com mais de 50% dos mesmos.

A correlação entre o número de cafezais e a área possuída pela pessoacaiu neste período de 33 anos. Enquanto que para os dados de 1904-05 a correlaçãofoi de 0,821, para 1937 ela é de 0,754. Possivelmente isto se deve a novos cultivos,reduzindo a área e o número de pés de café. Isso indica que a posse de cafezaisestava em menor quantidade nas mãos dos grandes proprietários de terras em1937 do que em 1904-05. Podemos ver que os proprietários de terras que somammais de 1000 alqueires em 1904-05 possuíam mais de 33 mil alqueires e mais de13 milhões de pés de café divididos entre 12 pessoas. A mesma faixa de proprietárioscontava com apenas 6 pessoas em 1937, que perfaziam quase 24 mil alqueiresde terra (queda de quase 30%) e mais de 5 milhões de pés de café (queda de

9 Um ponto importante a destacar é que, apesar dessa concentração dos pequenos cafeicultores em uma dadaregião da cidade, não notamos uma desigualdade na qualidade e na topografia das terras entre grandes epequenos para o ano de 1937, para quando temos os dados relativos ao tipo e à topografia da terra.

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quase 60%).Os Índices de Gini para a concentração fundiária dos cafeicultores foram

mais elevados do que os Gini para os cafezais (como vimos no Gráfico 2),chegando os primeiros a 0,854 para 1904-05 e 0,834 para 1937. A propriedadefundiária tendeu a manter índices de concentração maiores do que os do parqueprodutivo.

Tabela 2 – Cafeicultores, cafezais e área segundo faixas de tamanho - 1904-05

Até 10 84 36,2% 623 2,1% 427 0,9% 1.45911 a 25 41 17,7% 942 3,2% 681 1,4% 1.38326 a 50 24 10,3% 1.239 4,3% 1.001 2,0% 1.238

51 a 100 21 9,1% 1.662 5,7% 1.536 3,1% 1.082101 a 500 43 18,5% 8.303 28,5% 7.457 15,0% 1.113501 a 1000 7 3,0% 3.314 11,4% 5.239 10,5% 633Mais de 1000 12 5,2% 13.010 44,7% 33.528 67,2% 388TOTAL 232 100,0% 29.093 100,0% 49.869 100,0% 583

Tabela 3 – Cafeicultores, cafezais e área segundo faixas de tamanho - 1937

Até 10 82 037,8% 414 2,0% 319 0,7% 1.29811 a 25 34 15,7% 596 2,8% 569 1,3% 1.04726 a 50 18 8,3% 492 2,3% 701 1,6% 70251 a 100 14 6,5% 895 4,3% 1.025 2,4% 873101 a 500 55 25,3% 10.625 50,6% 11.953 27,4% 889501 a 1000 8 3,7% 2.621 12,5% 5.301 12,2% 494Mais de 1000 6 2,8% 5.360 25,5% 23.693 54,4% 226

TOTAL 217 100,0% 21.004 100,0% 43.561 100,0% 482

Área(em

alqueires)

Número decafeicultores

% doscafeicultores

Total decafezaisem mil pés

% doscafezais

ÁreaTotal

% dasáreas

Pés decafé por

área

Área(em

alqueires)

Número decafeicultores

% doscafeicultores

Total decafezaisem mil pés

% doscafezais

ÁreaTotal

% dasáreas

Pés decafé por

área

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EspecializaçãoUma discussão bastante interessante na historiografia consiste na relação

do café com outras atividades agrícolas. O café conviveu com outros cultivos,porém em certos lugares foi quase uma monocultura.

Tomando como base o artigo “Regiões e Especialização na EconomiaCafeeira: São Paulo no início do Século XX” (2011), de Renato Colistete,calculamos o percentual de agricultores de Ribeirão Preto que eramespecializados em café, cana, arroz, milho e feijão, embora no artigo existanúmeros apenas para café e milho para termos de comparação. Colistete optoupor colocar o percentual de especialização de cada zona, então nosso maiorinteresse é comparar a especialização dos agricultores ribeirão-pretanos com oconjunto da zona da Mogiana e ver se a cidade está alinhada com a zona.

Iniciaremos esta seção caracterizando melhor a agricultura de RibeirãoPreto como mostrada pelo censo de 1904-05. Dos cultivos mais constantementepresentes no censo não vemos nenhuma plantação de algodão e nem de fumona cidade. A tabela 4 mostra a área em alqueires que ocupava cada cultivo e oquanto esta área representa do total cultivado na cidade.

Como mostrado pela tabela 4, o café realmente é o produto de produçãomais importante na cidade, sendo que mais de seis décimos da área cultivada emRibeirão Preto é com o cultivo da rubiácea. Em segundo patamar aparece ocultivo de milho e feijão, ambos ocupando ao redor de um sexto da área cultivadano município. O cultivo de arroz chega a quase um vinte avos da área cultivada nacidade, e as produções de cana, videiras e diversos10 são praticamente desprezíveis.

Tabela 4 - Culturas em Ribeirão Preto

Cultura Alqueires cultivados % da área cultivadaCafé 15.205,0 61,5%Cana 72,0 0,3%Arroz 1.189,0 4,8%Milho 4.228,0 17,1%Feijão 3.986,0 16,1%Videiras 1,5 0,0%Outros 50,0 0,2%

10 Em Ribeirão Preto, se vê como diversos os cultivos de 10 alqueires de mamona, 6 alqueires de alfafa,6 de forragens, 8 divididos entre mandioca e farinha e 20 entre forragens e féculas.

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TOTAL 24.731,5 100,0%A tabela 5 nos mostra que em Ribeirão Preto pouco mais de um terço dos

pequenos agricultores são especializados em café, enquanto Colistete, com seusdados sintetizados na tabela 6, mostra que aproximadamente metade do mesmogrupo para a zona da Mogiana é especializado em café. Para os agricultores detamanho médio a discrepância é a menor existente entre cidade e zona: doisterços são especializados na Mogiana e quase três quartos em Ribeirão Preto.Entre os grandes proprietários de terra de Ribeirão Preto há uma especializaçãomuito grande em café, com quase nove décimos deles sendo especializados emcafé, enquanto pouco mais de dois terços do grupo são especializados na zona.Entre os Latifundiários notamos uma queda no percentual do grupo especializadoem café na cidade: pouco mais de oito décimos, enquanto na de zona este grupoé o mais especializado na plantação de café, sendo mais de sete décimos opercentual de latifundiários especializados na zona da Mogiana.

Tabela 5 - % especialização por tamanho da terra Ribeirão PretoTamanho agricultor Café Cana Arroz Milho FeijãoPequenos 35,4% 1,5% 10,0% 31,5% 84,6%Médios 73,3% 8,3% 16,7% 13,3% 70,0%Grandes 89,2% 2,7% 10,8% 0,0% 56,8%Latifundiários 81,8% 0,0% 9,1% 9,1% 90,9%

Tabela 6 - % especialização por tamanho da terra Mogiana*Tamanho agricultor Café MilhoPequenos 51,3% 56,4%Médios 66,1% 40,3%Grandes 68,7% 38,8%Latifundiários 71,1% 37,4%*Tabela construída com os dados de Colistete (2014)

No que tange o cultivo de milho, podemos notar uma diferença entrezona e município, sendo este menos especializado na plantação que aquela.

Entre os pequenos proprietários a especialização é de três décimos emRibeirão Preto e na Mogiana é maior que a metade. Em relação aos proprietáriosde tamanho médio, notamos que quase um sétimo dos agricultores ribeirãopretanos são especializados em milho, enquanto mais de quatro décimos sãoespecializados na zona. Quase quatro décimos dos agricultores de grande porte

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são especializados em milho na zona, enquanto na cidade não vemos nenhumque tenha especialização. Entre os latifundiários, apenas quase um décimo dosagricultores são especializados em Ribeirão Preto e novamente quase quatrodécimos na zona.

Outro ponto a se destacar é que Ribeirão Preto possui um percentual deagricultores especializados em feijão muito grande entre todos os níveis deproprietários. Dos 238 agricultores encontrados na cidade no censo de 1904-05,três quartos são especializados em feijão, embora a Mogiana não sejaespecializada na leguminosa.

Os pequenos possivelmente assumem a cafeicultura como uma culturacomplementar, aliada ao milho e ao feijão, que são as culturas principais. Paracomplementar o argumento, apresentaremos dados retirados também do censoagrícola de 1904-05 para as três culturas mais importantes na cidade, café, milhoe feijão. A produção de milho dos pequenos cafeicultores foi de quase 190 contos,mais de 50%11 do valor produzido, enquanto o valor da produção de café foi dequase 70 contos, menos de 20% do valor produzido, sendo os outros 30%referentes ao plantio de feijão. Por outro lado, os que possuíam mais que 10 milpés de café produziram mais de 6 mil contos de milho, o que representou poucomais de 30% do seu total. De outro lado, o café somou 9,2 mil contos, quasemetade do valor da produção total dos cafeicultores com mais de dez mil pés,sendo que os outros 20% são da produção de feijão. Seja em área cultivada ouvalor da produção, o café atingiu maior importância entre os maiores cafeicultoresdo que para os pequenos.

Considerações finais

Este artigo apresenta três pontos principais que geram conclusões queconsideramos mais importantes para futuras discussões.

Em primeiro lugar constatamos a existência de uma enorme desigualdadena agricultura ribeirão-pretana, seja considerando apenas o cultivo cafeeiro ou aposse de terras. Esta última distribuição é mais desigual que a de cafezais. Noentanto, notamos que a desconcentração dos pés ocorreu, de forma mais evidente,na década de 1920, e não 1930 como cita a historiografia. Além disso, adesconcentração não é causada por mudança na estrutura distributiva, masprincipalmente pela passagem da herança de grandes cafeicultores que viramsuas posses divididas entre seus herdeiros.11 Para cálculo das porcentagens se ignorou as culturas que não fossem as três citadas.

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Outro ponto interessante a se notar no artigo é a concentração que existeentre os pequenos cafeicultores em determinadas regiões da cidade. Notamosque bairros como o Barracão e o Morro do Cipó, que são parte do Núcleo ColonialAntonio Prado, concentram grandes quantidades de pequenos cafeicultores, alémde não contarem com cafeicultores de grande porte, visto que seu cafezal médioé pequeno. Assim, consideramos estes bairros e outros redutos para os pequenoscafeicultores.

Por último, temos a destacar a diferença de especialização entre pequenose grandes proprietários de terra. Nota-se que os pequenos são especializadosprincipalmente em feijão, e pouco em milho e café, comparados à zona daMogiana. Os médios, grandes e latifundiários são mais especializados em cafédo que a média da zona, porém são ainda menos especializados em milho que ospequenos, embora ainda tenham um alto grau de especialização em feijão.

OLIVEIRA; Victor Augusto de Almeida; MARCONDES, Renato Leite. “Beyond thegreat: smallholder coffee growers of Ribeirão Preto (1904-37)” DIALOGUS.Ribeirão Preto. v.11, n.1 e n.2, 2015, pp. 67 - 83.

ABSTRACT: This paper looks to advance further in the study of coffee growers inRibeirão Preto in the beginning of the 20th century, when the city was one of thelarger exporters of coffee. The aim of this study is to compare big, medium andsmall coffee growers about their inequality in plantation, location and specialization.

KEYWORDS: Ribeirão Preto; coffee; coffee plantations; small coffee growers.

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Apêndice – FontesOs dados referentes aos cafeicultores de 1904-05 foram encontrados no

Recenseamento Agrícola realizado no referido ano agrícola, censo amplamenteutilizado por inúmeros pesquisadores em seus trabalhos. Para um períodoposterior, temos dados para os anos entre 1916 e 1932, informações obtidas apartir dos impostos sobre cafeeiros da cidade de Ribeirão Preto. Infelizmente nãoencontramos livros de impostos sobre cafeeiros para o ano de 1933. Ainda temosdados para o período de 1934 a 1937, com ressalvas para os dois últimos anos.Em 1936, a relação de cafeicultores é dos inscritos no Instituto de Café do Estadode São Paulo, relação que não conta com todos os cafeicultores da cidade,especialmente os pequenos. Em 1937, os dados são da relação geral doscafeicultores do município de Ribeirão Preto. Os anos de 1936 e 1937 foramretirados de muitas análises por não comportarem uma relação confiável doscafeicultores.

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Dentre os dados dos cafeicultores coletados nos livros de impostos decafeeiros, que utilizamos para os anos de 1916-35, exceto 1933, as principaisinformações foram: nome dos lavradores (que em alguns casos diverge na maneiraescrita nos diferentes anos), nome da propriedade (ausente para alguns casos),localização (há tendência de maior especificação da localização ao longo doperíodo), número de cafeeiros e montante de imposto pago (no geral 2$000 pormil pés). Os dados referentes ao ano 1937 são mais detalhados, contando comárea de cada propriedade, inclinação, tipo de terra e presença ou não de máquinade beneficiamento na propriedade.

Algumas definições foram tomadas para melhor análise do problema. Aprimeira foi em relação ao que consideraríamos como um pequeno cafeicultor.Eles foram divididos em quatro faixas distintas: os pequenos, com até 10 mil pésplantados, os pequeno-médios, com 10 a 100 mil pés de café, médios com 100 a500 mil pés e os grandes com mais de 500 mil pés de café plantados. Porém, como decorrer do trabalho, a separação mais importante foi entre os pequenos, comaté 10 mil pés como dito, e os que cultivavam mais que 10 mil pés. Nos parecerazoável a escolha de 10 mil pés como uma propriedade pequena porqueaparentemente esta quantidade de pés pode ser facilmente cuidada por umafamília, dado que uma enxada pode cuidar de dois a três mil pés de café(HOLLOWAY, 1984, p. 59).

Quanto a separação dos estratos de proprietários de terra, adotamos atipologia Prado Jr. – Milliet para a seção especialização, como adotada no trabalhode Colistete & Lamounier (2011). Assim, os pequenos proprietários são aquelesque possuem até 25 alqueires de terra, os proprietários de tamanho médio têmterras entre 25 e 100 alqueires, os grandes são proprietários de 100 a 500 alqueirese os latifundiários são aqueles cuja propriedade é maior que 500 alqueires12. Noentanto para a seção de desigualdade na posse de terras usamos umaclassificação própria derivada desta, porém com mais divisões.

12 Para uma discussão mais profunda a respeito, consultar COLISTETE, R. P. & LAMOUNIER, M. L.,The end of plantation? Coffee and land inequality in early twentieth century São Paulo.MRPA, paper nº 31833, p. 10-11.

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DOSSIÊ

“EDUCAÇÃO ESPECIAL”

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TRADUÇÃO COMENTADA: SINGULARIDADES EESPECIFICIDADES

Rosana de Fátima Janes Constâncio*

RESUMO: Este trabalho se propõe a realizar uma tradução comentada de umartigo escrito por autores surdos, intitulado “Os surdos nos rastros da suaintelectualidade específica”, capítulo 7, do livro Estudos Surdos II, escrito porFranklin Ferreira Rezende Júnior e Patrícia Luiza Ferreira Pinto. Para esta análisefundamentou-se no referencial teórico de Vasconcellos e Barbosa; para análisetextual o modelo funcionalista proposto por Christiane Nord. Os principaisresultados evidenciaram que o ato da tradução envolve dificuldades, estudos,pesquisas e a compreensão referencial e metodológica para obter um resultadode qualidade que seja fidedigno ao ato tradutório.

Palavras-chave: tradução comentada – processo da tradução – língua de sinaisbrasileira.

Alguns estudos de tradução e interpretação buscam entender toda asingularidade que tal ato exige, principalmente quando esta tradução einterpretação consideram línguas de modalidades diferentes como o ato deinterpretar a singularidade para a língua de sinais. O objetivo deste estudo foi derealizar uma tradução comentada de um texto científico que apresenta a narrativade autores surdos com formação acadêmica narrando seus conflitos e anseiosvivenciados até se constituírem como ser surdo no encontro com seus pares.

Para a realização deste estudo foi necessário apresentar e definirdeterminados conceitos contextualizando-os a fim de entender a evolução, asdificuldades, as escolhas, os estudos que permearam o desenvolvimento datradução comentada.

A relevância deste trabalho é o de apresentar uma nova maneira deentender o desenvolvimento do ato da tradução realizando-se um comentáriocom as dificuldades e os norteadores para obtenção do êxito em uma traduçãode um texto científico escrito para uma tradução em língua de sinais.

A tradução tem sido definida de várias maneiras sendo considerado um* Profª Mestre do curso Licenciatura Letras Libras - EaD/UFGD e Coordenadora UAB.Este artigo é partede um estudo realizado para obtenção de grau (TCC) do curso Letras Libras. Universidade Federal daGrande Dourados UFGD. Email: [email protected]

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termo multifacetado, pois envolve a arte de dominar, transferir, transladar vertendoo conceito, o significado e o sentido de uma língua para outra.

Destarte, os estudos da tradução apresentam diferentes maneiras deperceber e compreender a importância da língua na vida de um ser humano umavez que a função social da língua posta em uso não se restringe à meracomunicação, mas é primordial na constituição intelectual do ser humano.

Portanto, a língua é a fonte de entendimento do mundo, fonte da vida,pois faz se necessária para a comunicação entre pessoas, povos, cultura e, aidentidade de cada um. Dessa forma torna-se condição essencial para aexistência. Sabemos que é um desafio mental a tradução entre línguas, sendo umdesafio ainda maior quando ocorre entre línguas de modalidades diferentes, poisenvolve habilidades de raciocínio, destreza, fluência para obter êxito na tradução.

Para corroborar com uma boa tradução comentada foi necessário dividiro presente artigo em partes a fim de entender o raciocínio dos autores e amensagem a ser atingida pelo público alvo. Neste sentido a reflexão dos termos ea busca de sinais correspondentes para o ato demandaram pesquisas emdicionários, glossários, pessoas sinalizadoras fluentes nas línguas (surdos eintérpretes) para a tradução.

Os temas que serão apresentados e abordados nos capítulos deste estudotratam sobre o “Referencial Teórico” fundamentado com as teorias deVasconcellos e Aubert com estudos na área da tradução considerando asespecificidades e particularidades que envolvem o ato da tradução interpretaçãoe os envolvidos no processo. Apresenta as especificidades que o ato da traduçãodemanda e os principais norteadores para tal ato.

A “Metodologia” explica os passos, o levantamento da terminologiadefinindo os sinais para cada terminologia, organizando os conteúdos do texto eo planejamento da filmagem e da refilmagem uma vez que foram necessáriasquatro edições até chegar a uma edição significativa que narrasse toda asubjetividade e singularidade presentes no texto científico tão bem redigido enarrado pelos autores surdos objeto da tradução comentada. O planejamentorealizado fez uma análise considerando aspectos como: objetivo geral, ideiaprincipal, função textual, terminologias específicas, as etapas do processo e asobservações finais e pontuais para o desenvolvimento de um bom trabalho detradução comentada.

A “Análise Textual” faz um levantamento das terminologias e do glossáriocom as decisões e justificativas pelas escolhas dos mesmos que contaram coma contribuição e discussão dos termos com intérpretes e surdos envolvidos na

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área da educação, as dificuldades que envolveram escolhas para transmitir comfidelidade o sentido da mensagem que o texto científico se propunha a apresentar. Naelaboração do glossário consta o registro dos sinais em escrita de sinais. Para auxiliarnesta etapa o modelo de Christiane Nord serviu como referencial para entender asquestões da tradução considerando os fatores externos e internos ao texto.

Na “Tradução Comentada” ocorre uma análise e discussão crítica sobreo ato da tradução considerando a fluência, escolhas, clareza e fidelidade ao textooriginal discutindo com a literatura especializada para explicar a execução eescolhas da tradução com as devidas referências oportunizadas no curso e outras,frutos da pesquisa para obtenção de uma análise da tradução com fidedignidadepara tal fim.

Nas “Considerações Finais” apresento as conclusões pertinentes doprocesso de tradução que ocorreram durante desenvolvimento deste estudo comsuas dificuldades, escolhas e as possíveis contribuições de uma análise detradução comentada para todos os envolvidos na área e também para que todospossam compreender as especificidades que demanda uma tradução comentada.

TRADUÇÃO E INTERPRETAÇÃOO termo Tradução pode ter diferentes conceitos, conduzir, transferir,

transpor, transladar, revelar, explicar, manifestar, explanar, representar, simbolizarentendendo o sentido de “passar de uma língua para outra” e, é neste sentidoque será desenvolvido a tradução comentada.

A atividade de tradução é uma das mais antigas do mundo sendo a formaque os homens de diferentes línguas encontraram para se comunicar. A traduçãobusca romper as fronteiras linguísticas não somente nas línguas orais, mastambém nas línguas de sinais.

Existem modalidades linguísticas distintas que envolvem o ato da traduçãoe que precisam da negociação de palavras e sentidos para estabelecer acomunicação sendo necessária a presença de um mediador (que pode ser otradutor, intérprete ou mesmo programa de tradução) quando vivenciam a culturade ouvintes e de surdos.

Neste caso a língua posta em uso é uma língua viso espacial com regras,gramática, estrutura própria com as mesmas singularidades das línguas oraissendo reconhecida no Brasil em 24 de abril de 2002, como LIBRAS. No Brasil asmodalidades destas línguas compreendem a Língua Portuguesa e a LínguaBrasileira de Sinais.

Sabe-se que uma língua não é composta apenas por significados e

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significantes, há toda uma cultura intrínseca nesta língua. Um processohistoricamente constituído, que revela e apresenta características de um povo(no sentido mais amplo). Por isso, podemos dizer também que o processo detradução é uma “negociação”, pois não existe a equivalência perfeita, não háuma tradução única que envolve:

* Língua fonte/de saída/de partida para língua da qual se faz a tradução.* Língua alvo/meta/de chegada para língua a qual se faz a traduçãoPartindo desta premissa na década de 70 a comunidade científica

reconhece o campo disciplinar Estudos da Tradução iniciando estudos epesquisas entre línguas de modalidades diferentes (língua falada e línguasinalizada) abrangendo não só a língua, mas a cultura.

Segundo Vasconcellos por muito tempo houve uma forte predominânciados conceitos onde os tradutores traduziam e os intérpretes interpretavam e quefaltava um campo disciplinar específico para abordar o estudo da tradução deforma mais ampla. Somente na década de 70 é que Holmes, em um congressode linguística em Estocolmo, apresenta um trabalho que passa a ser o marcofundacional dos Estudos da Tradução.

Friedrich Schleiermacher (1813/2001: 35) apresenta algumas conclusõesessenciais para a distinção de tradução e tradução-interpretação que “Por umlado, cada pessoa é dominada pela língua que fala, ela e todo seu pensamentosão um produto dela”. Ele continua: “Mas, por outro lado, toda pessoa que pensade uma maneira livre e intelectualmente independente também forma a língua àsua maneira.” (1813/2001: 37).

Segundo Schleiermacher as palavras têm o seu significado que sãopeculiares aos usuários desta língua, contudo ao interpretá-la nenhuma palavracorresponde exatamente a outra. Isto envolve o domínio e a imersão na culturadas línguas envolvidas na tradução.

Portanto para entender todas as sutilezas que envolvem o ato da traduçãotais como língua, cultura, referenciais, competências, fidelidade é necessárioconceituar e apresentar os diferentes tipos de tradução para compreender comoserá apresentada a análise da tradução comentada que envolve o universolinguístico de surdos e ouvintes.

TIPOS DE TRADUÇÃOÉ preciso compreender quais são os tipos de tradução e suas

especificidades para uma boa atuação e êxito na mediação que envolve aslínguas envolvidas no processo.

Segundo Roman Jakobson existe diferentes tipos de tradução que se

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denominam como intralíngual, interlíngual, intersemiótica.A tradução intralíngual é a tradução dentro da própria língua também

chamada de paráfrase que emerge das diferentes culturas vivenciadas nasociedade. Nesta situação temos texto de partida, o leitor-textualizador e o textode chegada. É possível apresentar como exemplo as variedades lexicais de umaregião para outra. Na língua portuguesa um exemplo é o termo mandioca que emdeterminadas regiões a mesma raiz é denominada de aipim. Na língua de sinaisas variedades de pai/mãe. Este processo também ocorre da linguagem infantilpara linguagem adulta, por exemplo, miau/gato, bibi/buzina.

A tradução interlíngual para Jakobson, não há comumente equivalência,pois as mensagens podem servir como interpretações adequadas, ou seja, aotraduzir de uma língua para outra, a preocupação está em transmitir o conteúdoda mensagem de forma significativa com entendimento fazendo uso daequivalência de sentidos entre línguas diferentes. A tradução interlingual englobatexto de partida, tradutor e texto de chegada.

Também temos a tradução intersemiótica que representa “entre sistemade signos”, ou seja, parte de dois signos distintos. Por exemplo, olho uma figura eescrevo um poema a partir desta figura ou a partir de um poema surge umamúsica, da história em quadrinhos transforma-se em um filme ou desenho animado.Nesta situação há um texto de partida, o intérprete e o ícone de chegada.

O tradutor precisa ter competências e estratégias na sua atuação, poisdificilmente poderá traduzir tudo. Segundo Diniz (2008):

“toda tradução irá, portanto, oferecer sempre algo além ou aquém do chamadooriginal, e o sucesso não dependerá apenas da criatividade nem da habilidade, masdas decisões tomadas pelo tradutor, seja sacrificando algo, ou encontrando a todocusto um equivalente”.

O ano de 1970 foi um marco nos estudos da tradução, pois alguns teóricosiniciam os estudos e pesquisas elaborando um mapeamento do campo disciplinardenominado Estudos da Tradução numa tentativa de mostrar uma visãopanorâmica de como este campo se desdobrou.

James S. Holmes, um pesquisador apresentou um trabalho no anode 1972 em um congresso de linguística que hoje é reconhecido como texto“fundacional” da área “Estudos da Tradução”. Holmes apresentou oralmentee só depois dezesseis anos seu trabalho foi publicado e reconhecido pelacomunidade científica.

Destacam-se dois aspectos de muita importância deste mapeamentoque foi a contribuição para a constituição de seu status de profissional, e a

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conscientização desse profissional no campo de atuação da qual está inserido.Segundo Aubert (1994) a tradução envolve dois tipos de competência

que são essenciais para o ato, que são competência linguística e competênciareferencial.

A competência linguística refere-se ao domínio linguístico que incluio entendimento da estrutura semântica e gramatical para que se possamfazer as escolhas linguísticas que sejam significativas e precisas para oentendimento das línguas de contato, ou seja, língua fonte e língua alvo.

A competência referencial está relacionada a entender e conhecer ostermos léxicos necessários ao ato da tradução com conhecimento sobre osignificado dos termos envolvidos nesta tradução. Contudo é possível sintetizarque na competência linguística é necessário o domínio na sua língua nativa paradesenvolver a habilidade da tradução na segunda língua conhecendo asterminologias envolvidas nas duas línguas conhecendo ambas as culturas.

As competências devem caminhar com equidade, ou seja, é precisocompetência tradutória, linguística e referencial.

Neste sentido o papel do tradutor tem a marca da presença/invisibilidadeonde o mesmo realiza o ato tradutório de forma singular respeitando o universolinguístico envolvido neste processo.

Para este ato todo um processo cognitivo é envolvido, pois a palavra nãotem um sentido fixo e único e esta é a razão pela qual não se pode ser categóricacom relação à totalidade do texto original porque a transferência do significadodepende do contexto em que ocorre. A tradução envolve uma criação subjetiva deentendimento das línguas, culturas e referenciais.

FIDELIDADETudo isto nos conduz a questão da fidelidade. A conclamada “fidelidade”

das traduções não é um critério que leva à única tradução aceitável. Para ECO(2007: 426) a fidelidade é, antes, a tendência a creditar que a tradução é semprepossível se o texto fonte foi interpretado com apaixonada cumplicidade, é oempenho em identificar aquilo que, para nós, é o sentido profundo do texto e é acapacidade de negociar a cada instante a solução que nos parece mais justa.

Arrojo (2002) propõe algumas reflexões sobre a questão da fidelidade,pois considera que as palavras não possuem um sentido único, pois existemambivalências de sentidos constando que nenhuma tradução consegue recuperaro teor do texto original. Neste sentido o tradutor produz de acordo com a expectativado público que irá atingir com o intuito de atender dentro do contexto.

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Campos (1986, p. 13) corrobora com o mesmo pensamento de Arrojo aoescrever:

“De fato, se o leitor tiver a esperança de encontrar o texto original em qualquertradução, por mais fiel que ela seja, verá frustrados os seus propósitos. Mesmoporque nenhuma tradução pode ter a pretensão de substituir o original: é apenasuma tentativa de recriação dele. E sempre cabem outras tentativas. Pode-se dizerque, de um mesmo texto, poderão existir tantas traduções aceitáveis quantos foremos objetivos a que ele puder servir”.

Na questão da fidelidade Aubert (1989) entende que o tradutor tem umcompromisso de conseguir transmitir ao público alvo todo o contexto tornando-seinvisível.

INVISIBILIDADEAubert (1989) assume que há um limite que dificulta perceber,

compreender o apagamento, a invisibilidade, pois o tradutor também é um produtordo texto que exprime a ideia, a subjetividade presente na língua.

Neste sentido o tradutor busca atender as expectativas recriando de formasingular toda a singularidade na sua tradução procurando ser o menos visívelpara oportunizar a sensação da originalidade. Portanto, o processo de traduçãoexige uma tomada de decisão, que exige as competências necessárias, paradesenvolvê-la com responsabilidade pelas escolhas de suas decisões querepresentam uma intervenção consciente e para tal o tradutor precisa realizar suaautoanálise sendo critico e assumindo as devidas responsabilidades por suasescolhas na resolução dos possíveis problemas da tradução.

O PAPEL DO TRADUTOR E A TRADUÇÃOA tradução é um ato comunicativo que necessita do tradutor para mediação,

porém a função não se restringe a mera mediação, mas a compreender e transmitirtoda a essência desta comunicação.

O tradutor é na verdade um leitor de sua própria autoria que a partir desua atuação reflete toda sua subjetividade na interrelação que estabelececonstantemente com o outro com envolvimento de empatia, profissionalismo,competência, fluência, domínio e referenciais que são peculiares para o exercícioda sua função como mediador de línguas, significados e sentidos.

Há também o tradutor intérprete que atua em línguas de modalidadesdistintas contemplado no “território da tradução” e que no Brasil passa a ter umamaior visibilidade a partir da década de 80.

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TERRITÓRIO DA TRADUÇÃOUma nova proposta de mapeamento do pesquisador Williams &

Chesterman surge em 2002, dividindo o ‘território da tradução’ em 12 (doze)áreas contemplando a área da Interpretação e os diferentes tipos deinterpretação em tópicos sendo um deles – Tipos Especiais de Interpretação– que é interpretação de línguas de sinais e interpretação para surdos.

Então uma terceira tabela é apresentada por St Jerome Publishingcom 27 áreas destacando sete para o ato da interpretação: (4) Interpretaçãopara a Comunidade/ Interpretação de Diálogo/ Interpretação para ServiçoPúblico; (5) Interpretação Simultânea e de Conferência; (8) Interpretação Legale Jurídica; (10) História da Tradução e Interpretação; (12) Estudos deInterpretação; (18) Interpretação de Línguas Sinalizadas; e (27) Formação deTradutor e Intérprete.

O Tradutor Intérprete de Língua de Sinais TILS extrapola a condição datradução, pois em situações de interpretação de imagens acústicas para cenasdas línguas de sinais há a necessidade de se colocar no lugar do outro naperspectiva de quem está envolvido na mensagem para garantir a fidedignidadeda informação demonstrando o sentimento, o significado e o teor da mensagem.

É no momento da atuação que o TILS faz suas escolhas compreendendoas informações recebidas, contextualizando-as, para somente depois produzir asua tradução. É possível que ocorra algumas perdas, contudo com o entendimentode toda estrutura da mensagem é necessário tomar decisões nas escolhaslinguísticas a fim de viabilizar uma efetiva comunicação oportunizando saber ameta, tema e objetivo a que se destina para selecionar os detalhes que sãoessenciais para transmitir a comunicação de forma fidedigna sem prejudicar aequivalência de sentidos a que se propõe.

Portanto, o trabalho do interprete envolve conhecimento dos mundos ecultura desenvolvendo a esfera cultural e social no qual o discurso está sendoenunciado. A construção dos sentidos fundamenta-se nas relações sociais entreouvintes e surdos que estão neste limiar da comunicação.

METODOLOGIA APLICADA AO PROCESSO TRADUTÓRIOA beleza e subjetividade da obra instigaram para um aprofundamento

em identificar quem de fato são os autores da obra realizando uma pesquisana plataforma César Lattes foi possível analisar o currículo da autora e dessaforma constatar todo o envolvimento na área da surdez com participaçõesacadêmicas de formação, elaboração e atuação na política educacional dos

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surdos. Quanto ao autor suas referências não foram pela mesma plataforma,mas em outros sites.

Após a leitura do artigo, houve uma releitura com registro dos termosespecíficos para elaboração de um glossário em Língua Portuguesa com ointuito de facilitar o entendimento do artigo tão bem redigido e fundamentadopor um casal de autores surdos que registram suas cumplicidades por ambosserem surdos e terem vivenciado situações de conflitos, buscas, descobertase, de apropriação da língua de sinais, da cultura, da identidade e, do jeito deser surdo.

O título deste artigo justifica-se com o objetivo de narrar quem de fatosão, pois vivenciaram situações de dominação e imposição de uma culturaouvintista que possui uma visão clinica terapêutica da reabilitação da surdezonde até a idade adulta foram educados para o oralismo. Contudo ao atingirema idade adulta vivenciam um novo modelo em contato com seus pares surdose se apropriam de um novo jeito de ser que é o ser surdo que possui umaidentidade própria, uma especificidade linguística e a peculiaridade de suasubjetividade.

Além do glossário da Língua Portuguesa um glossário da Língua deSinais foi elaborado com o objetivo de explicitar os termos que fundamentaramo presente artigo. Para elaboração deste glossário Krieger e Finatto (2004, p.136) definem que “A ficha terminológica é um elemento de grande importânciana organização de repertórios de terminologias e um dos itens fundamentaispara a geração de um dicionário” e propõe um exemplo de ficha paraelaboração do mesmo.

Entretanto, uma adaptação com o objetivo de melhorar a visualizaçãoe criar o próprio glossário considerando também como um modelo o glossáriodo Curso de Letras Libras. Portanto, houve um acréscimo no glossário daescrita de sinais do referido termo.

Realizou-se uma pesquisa dos termos referentes a estes sinais emdicionários, sites e blogs que abordam essa terminologia da Língua de Sinais.Também foi possível contar com auxilio de professores surdos usuários daLibras para auxiliar quanto aos termos específicos.

Essas terminologias específicas são desafios para o ato da traduçãoque demandam as competências apontadas por Roberts (1992) apud Quadros(ano 2004, p.73) que são linguística, transferência, metodológica, área,bicultural e técnica.

A tradução é flexível, pois é preciso adequar o discurso à língua usada,

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observando o contexto de sentido pela exigência da subjet ividade eespecificidade tão peculiar ao jeito de narrar o presente artigo.

Os fatos não narrados apresentando a singularidade de ser surdocom conquistas e desafios vivenciados pelos autores surdos. Assim há umamaneira sutil de perceber e narrar os fatos tão bem fundamentados nosteóricos que embasaram o presente artigo, onde os autores Skliar e Foucaultsão referenciais de um jeito singular de perceber e compreender o ser surdodentro de um paradigma de ser diferente e não deficiente.

Por esta razão a análise do discurso observou que o registro estáintimamente ligado ao contexto da situação vivida pelos autores e que essecontexto se relaciona a cultura ouvintista que vivenciaram até atingir a idadeadulta para depois imergirem na cultura surda. Dessa forma estratégias detradução tais como síntese, acréscimos, omissões, uso do foco, tópicocomentário, de busca, compreensão, monitoração, tomada de decisão eredução são necessárias para que facilitar o entendimento da tradução nalíngua de sinais. No texto não havia imagens e/ou gráficos, portanto não foinecessário tradução interpretação de imagens.

O modo de narrar interpretando a singularidade do jeito de ser surdotão bem apresentado no presente artigo exige além das competências para oato da tradução interpretação laços com a cultura surda para interpretar alémdas palavras, mas no sentido de explicar o modo de narrar o jeito de ser surdopara atingir o entendimento do público alvo a ser atingido na tradução.

Os aspectos l inguíst icos da l íngua de chegada e todas assingularidades, competências e habilidades que envolvem o ato da traduçãotais como, localização de referentes no espaço, uso de expressões faciais eoutros elementos gramaticais na língua de sinais são justificados pelasescolhas tradutórias realizadas a fim de obter sucesso.

Na análise da tradução comentada a metodologia fundamentou-se emBarbosa com seu estudo funcionalista considerando 13 elementos essenciais aserem observados para análise da tradução comentada que são: tradução palavrapor palavra, tradução literal, transposição, modulação, equivalência, omissãoversus explicação, compensação, reconstrução de períodos, melhorias,transferência (estrangeirismo, transliteração, aclimatação e transferência comexplicação), explicação, decalque e adaptação.

Para facilitar a análise também serão utilizados os estudos de Nord(1981, p. 1) que contribuíram para análise da tradução, uma vez que aponta aexistência de uma tríplice aliança que o TILS deve considerar e observar que

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é manter-se leal ao registro do autor do texto fonte, leal ao receptor e a todosenvolvido na tradução interpretação. Dessa forma o ato da tradução de umtexto subjetivo que considera todas as particularidades das especificidadesvividas pelos autores exige domínio, fluência, habilidade e perspicácia parainterpretar fidedignamente.

Segundo Nord há fatores intratextuais que analisam o assunto e aspressuposições dos autores como também fatores extratextuais queconsideram a intenção e o motivo desta comunicação sendo que ambosconsideram a meta e objetivo subjetivo que há no artigo.

ANÁLISE TEXTUALNa singularidade do texto traduzido quem impera é o tradutor numa

relação simbiótica entre tradutor texto. O texto é construído pelo autor depoispassa pelo tradutor que o fará chegar à língua alvo numa difícil relação de perceberquem é o tradutor e o autor.

Neste sentido o tradutor é o local, o agente de atualização do produtofinal, ou seja, o produtor do produto. Então ninguém realização a tradução comoo outro por causa da singularidade e da subjetividade de cada um ser quem é. Asubjetividade é inerente a cada um, a cada pessoa.

Nesta difícil relação simbiótica é que se desenvolve o glossário do artigopara que a unidade possa apresentar a intenção de comunicação dos autores.

O levantamento inicial foi de tradução intralingual onde relacionei vinte eum vocabulários inicialmente e destes segue dezenove encontrados e relacionadoscom seus respectivos significados com o intuito de propiciar um melhorentendimento à subjetividade representada de uma maneira singular no jeito denarrar à história de um casal de surdos.

O segundo passo foi pesquisar os autores citados no texto e para tantorecorri ao banco de dados da plataforma César Lattes, depois por via do correioeletrônico enviei uma mensagem para a autora com o objetivo entender a suanarrativa para depois reler e entender a mensagem implícita e subjetiva dopresente artigo.

O terceiro passo foi de elaborar um glossário terminológico em Librasonde realizei pesquisa com surdos graduados, surdos da comunidade, surdos doCAS onde os mesmos contribuíram para uma discussão crítica do artigo, poisalguns vivenciaram situações semelhantes.

A pesquisa foi realizada em dicionários da Língua Portuguesa, dicionário

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da Língua de Sinais de diferentes autores, dicionários eletrônicos, banco de dadosterminológicos e uma busca em sites da internet para imagens a serem usadasna elaboração do glossário em Libras. Informações com usuários surdos,intérpretes e ouvintes que atuam na área da surdez também foram investigadas afim de facilitar a pesquisa linguística destes vocabulários na língua de sinais comuma interpretação interlingual e para complementar há o registro da escrita desinais sobre as terminologias do glossário.

O planejamento para elaboração dos glossários contribuiu para o ato datradução uma vez que oportunizou discussão, reflexão e análise do artigo do jeitosingular de ser e de narrar não somente os conhecimentos teóricos, mas a relaçãoentre prática e teoria, entre pesquisa e vida. Enfim, o jeito de ser surdo numasociedade que caminha para o processo de inclusão.

Para que de fato ocorresse uma tradução fidedigna aos anseios dosautores do texto científico o ato da tradução conta com o uso de neologismos, usode empréstimos linguísticos, paráfrases, sinalário em uso no glossário do cursode Letras Libras e, os procedimentos técnicos de Barbosa.

O modelo de Christiane Nord corroborou para analisar os fatores externose internos para garantir uma boa tradução oportunizando uma reflexão sobre asescolhas, desenvolvimento, atuação e interpretação.

Modelo de Christiane NordTexto FonteTexto Meta

Texto Fonte Questões deTradução

Texto-meta

Fatores Externos ao Texto

Emissor

Emissor

Receptor

Casal de autoressurdos FranklinFerreira RezendeJúnior e Patrícia

Luiza Ferreira Pinto

Narrar às dificuldadesimpostas aos surdos.

Ler e compreender asingularidade de ser

surdo.

Intérprete Rosanade Fátima Janes

Constâncioapresentar quemsão os autores

Atingir o público desurdos e ouvintesda área da surdez

Interpretar a subje-tividade existente nasentre linhas do artigoPerceber as caracte-rísticas peculiares einerentes ao jeito de

ser surdo.

Sensibilizar e narraro jeito de ser surdo

na sua especificidade

Analisar e refletir sobreo significado de ser

surdo

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Meio

Lugar

Tempo

Propósito(motivo)

FunçãoTextual

Tema

Produção escrita porautores surdos em

forma de artigo.

Interpretação emLíngua de Sinais.

Interpretação emLíngua de Sinais.

UFSC Curso deBacharelado em

Letras Libras

Registro de umartigo representadoautor sendo alunodo curso de Letras

Libras e autoradoutoranda emEducação pela

UFSC.

Polo UFGD

Relação com atrajetória de vida.

Entender a relação doontem e do hoje navida intelectual dossurdos intelectuais

específicos.

Discussão temática atualfrente à nova política

educacional e doreconhecimento

linguístico.

Narrar às dificulda-des impostas poruma sociedade

ouvinte para que ossurdos atinjam o pa-drão da normalidade.

Interpretar toda história,singularidade eespecificidade

linguística dos surdos.

Entender quem de fatosão os surdos e aceitar

a sua especificidadelinguística, cultural e

social

Refletir a trajetóriaintelectual dos

surdos.

Despertarembelezamento e

prazer para entendertodo o vídeo na sua

subjetividade.

Entender quem de fatosão os surdos

intelectuais específicos.

Fatores Internos ao Texto

Os surdos nosrastros de sua

intelectualidadeespecífica.

Os surdos no caminhoda intelectualidade de

ser surdo.

Surdo caminhointelectual ser surdo.

ConteúdoA narrativa de quemde fato são os surdos

intelectuais especí-ficos

Propiciar o acesso àcultura, especificidade

e subjetividade dojeito de ser surdo

Pressuposi-ções

Interpretação datrajetória de vida dos

autores surdos.

Que o leitor sabesobre a pressão e

dominação da culturaoralista.

Entender toda trajetóriavivida pelos autores

surdos.

O bom entendimentodo ato da tradução

interpretação

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EstruturaçãoDe acordo com as

normas vigentes daL.P.

Entender e assimilarnovos vocabuláriosda língua fonte para

língua alvo.

Entender e assimilarnovos vocabuláriosda língua fonte para

língua alvo.

Elementos não verbais

Léxico

Sintaxe

Apresentados noGlossário de L. Pcom vocabulários

específicos e muitobem elaborados.

Elaborada comnecessidade de

estudos e uso dedicionário.

Identificar, criar eapresentar os sinaiscorrespondentes na

LS.

Interpretação

Pesquisada comapoio de surdos e

intérpretes paradesenvolvimento

coeso.

Interpretação de sentidosapresentando as

peculiaridades de sersurdo.

Elementos suprassegmentais

Efeitos do textoSensibilizar o leitor

para o mundosurdo.

Esta tabela foi elaborada contando com a participação do entendimento desurdos intelectuais específicos e intérpretes de Libras que leram o presente artigo paradiscussão de entendimento, análise textual e do próprio objetivo da tradução comentadacom o intuito de garantir fidedignidade à análise textual do mesmo.

“OS SURDOS NOS RASTROS DE SUA INTELECTUALIDADE ESPECÍFICA”.Para interpretação do tema, o termo rastro corresponde ao sinal de caminho,

pois há na introdução uma justificativa para tal escolha uma vez que a autora apresentaos surdos na sua singularidade e peculiaridades que se encontram nos diferentescaminhos com pessoas nos territórios e ambientes específicos que os conduzemas descobertas de quem são enquanto indivíduos surdos.

Rastros: arrastando pelo chão; rastrear; Osinal correspondente na interpretação seráde caminho, pois o artigo narra à busca eo caminho que trilharam para conseguirimergir e vivenciar o jeito de ser surdo nasua singularidade. Fonte: (Capovilla, 2009,p. 487).

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Intelectualidade: qualidade de intelectual; quetem grande cultura. O sinal em Libras é o

intelectualFonte: (Capovilla, 2009, p. 1286).

O próximo passo foi à introdução onde os autores justificam aspeculiaridades do surdo considerando as pesquisas e apontamentos dos autorescomo Skliar e Perlin (2003).

SKLIAR: é Doutor em Fonoaudiologia e em Educação Especial que descreveque por muitos anos a surdez teve enfoque de reabilitação clínica patológica.Compreende o surdo na sua especificidade linguística. Ele já possui um sinalcriado pela comunidade acadêmica e usado no curso de Letras Libras, porémnão está disponível do glossário do LL. Fonte de referência: surdos acadêmicospolo UFSCAR.

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SUBJETIVAÇÃO: o mesmoque subjetividade: que estásomente no sujeito, no eu;

exprime as ideias oupreferências próprias.Este sinal encontra-se

disponível no glossário docurso de L. L.

PASSAPORTE: fiz o sinal correspondente à“mente aberta”, pois os autores justificam as

mudanças atitudinais ao encontrar seus pares eo jeito de ser surdo.

Fonte (Capovilla, 2009, p. 1490, vol. 2).

NORMALIDADE: o sinalcorrespondente à “padroni-zação”, pois os autoresjustificam como um jeito detrazer para o normal que éser ouvinte.Fonte: (Capovilla, 2009, p.1653, vol. 2).

A explicação do modo de ser surdo apresenta a definição que diferenciao surdo de ser surdo. Neste momento há uma apresentação de autores quediscutem o jeito peculiar de ser surdo com a tematização do desenvolvimento dosintelectuais específicos sob a perspectiva dos autores, de Perlin e Foucault.

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SER SURDO: tem a presença viva e participativa;que pertence à Comunidade Surda e à Cultura doSinal.Fonte: (Capovilla, 2009, p. 2251 + p. 2070 vol. 2).

LÍDERES: pessoas que alcançaram liderança emdeterminada área;Fonte: (Capovilla, 2009, p. 1381, vol. 2).

FOUCAULT: foi um importante filósofo,psicólogo e professor. Fonte do sinal noGlossário do curso de L. L.

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O terceiro passo compreende intelectuais específicos. Há umaexplicação de quem são os intelectuais específicos como pessoas que tiveram acoragem de desafiar os paradigmas existentes para um novo jeito de compreenderquem de fato são os surdos intelectuais como seres pensantes, que indagam econtestam a partir do momento em que rompem e desconstroem paradigmassobre os surdos que eram vistos como pessoas que precisavam da medicalizaçãoda surdez. É nesse momento que o surdo encontra seus pares e compreendem asua singularidade que passam a ser surdos intelectuais específicos que vivenciamo jeito próprio de pensar, comunicar e entender a sua cultura surda.

LÍDERES: chefe; guia;pessoas que alcançaramliderança em determinadaárea. Fonte: (Capovilla,2009, p. 1381, vol. 2).

PÓS-ESTRUTURALISTA: pessoas como Foucault,Derrida preocupados em problematizar a modernidadee a razão com uma critica cultural e social naperspectiva dos modelos vigentes. Criei o sinalcomposto: pós+conhecer+língua, pois não havia sinalcorrespondente.Fonte: (Capovilla, 2009, p.1790/vol. 2 + p. 654/vol.1+ p. 1388/vol.2).

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PASSAPORTE: osinal correspondente à“mente aberta”, pois osautores justificam asmudanças atitudinaisao encontrar seuspares e o jeito de sersurdo.Fonte: (Capovil la,2009, p. 1490, vol. 2).

PODER-SABER: é a questão do empoderamento querepresenta que através do conhecimento e do

desenvolvimento intelectual o surdo passa a ter poder.Utilizei o sinal de poder mais o sinal de saber.

Fonte: (Capovilla, 2009, p. 1766 e 1964, vol. 2).

PARRESIASTA: é o discursopróprio. Para representar o sinalutilizei o sinal já existente dediscurso.Fonte: (Capovilla, 2009, p. 839,vol. 1).

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O quarto passo corresponde aos surdos pesquisadores apresentando-os como sendo os surdos que vivenciaram as dificuldades de experiências vividasque foram impostas por uma sociedade majoritariamente de ouvintes e por estarazão impondo ao surdo à visão clinica da reabilitação da surdez. Entretanto, nosespaços das escolas, bares, associações, universidades e outros os surdosvivenciam a subjetividade de ser surdo. Apresentam-se como pesquisadores quesão sujeito-objeto da pesquisa, ou seja, é a própria pesquisa vivenciando conflitos,pois passam a compreender que a maneira como viveram foram impostas tãosutilmente que somente quando se deparam com o universo surdo é quecompreende quem de fato são.

Há uma narrativa que apresenta as trajetórias vivenciadas pelos mesmossendo vivenciadas sem questionamento, pois havia uma dominação de umacultura majoritária que só foi percebida quando os autores se deparam com osseus pares e passam a vivenciar novas experiências.

SUBJETIVIDADE: que está somente no sujeito,no eu; exprime as ideias ou preferências próprias.Fonte do sinal: glossário do curso de Letras Libras.

O quinto passo surdos intelectuais específicos define quem de fato sãoos “específicos”, pois intelectuais são apresentados como aqueles que possueminstrução e formação educacional. Há uma forte narrativa no modo de secompreender os desafios impostos pela sociedade majoritária na submissão deuma cultura oralista para somente no encontro com seus pares vislumbrar um

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novo jeito de narrar as suas peculiaridades de ser surdo.Nesse momento afirmam que não é todo surdo que poderá ser um surdo

intelectual específico, sendo que se preocupam provar a existência do mesmo.Portanto, há surdos não estão engajados na militância e lutas e é apenas surdos,esta é a diferença. Há uma distinção entre surdo intelectual específico que é oque luta e acredita na sua singularidade de ser surdo, mas há o intelectual universalque detém o saber, mas não está inserido no contexto de ser surdo porque pormuitas vezes não compartilham do jeito de ser e de viver a sua primeira língua, asingularidade da sua cultura e o seu jeito peculiar de ser na sua especificidadelinguística.

SURDOS INTELECTUAIS ESPECÍFICOS:surdos com grande cultura que lhe são próprias;relativo à inteligência. Fiz uso do sinal surdos +inteligente + próprio.Fonte: (Capovilla, 2009, p. 2070 + p. 1286/vol.2).

R E L A Ç Ã OSIMBIÓTICA:vida em comum;intimidade entreduas pessoas.Usei o sinalrelação + união.F o n t e :( C a p o v i l l a ,2009, p. 1909 +p. 2177/vol. 2).

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E S P E C I F I C I D A D E S :qualidade característica de umaespécie; condição de ser peculiara um indivíduo ou grupo deorganismos particulares.Particularidade. Usei o sinal dedetalhe que corresponde àparticularidade.Fonte: (Capovilla, 2009, p.809/vol. 1).

No sexto passo apresenta quem são os deficientes auditivos e, aspolêmicas vivenciadas na luta de interesses que segundo as considerações deSkliar (1998) há uma maneira peculiar de viver e narrar seus próprios anseios,desafios e conquistas. Para os autores os deficientes auditivos e os “outros” quesão médicos, fonoaudiólogos, pessoas da área que visam à saúde clínica nãocompactuando com o discurso da diferença e especificidade linguística. Dessaforma há também os deficientes auditivos que, engajados nos interesses da doutrinavigente da reabilitação por uma forte pressão social, familiar e da comunidadeonde estão inseridos desconhecem o jeito singular de ser surdo na sua plenitudee totalidade como pessoa com uma identidade, cultura e língua própria.

Então, a trajetória vivenciada foi da “deficiência auditiva” para “surdez” edesta para o “ser surdo” que foi vivenciado com conflitos, obstáculos, dificuldadesaté atingir o que de fato acreditam ser que é o “ser surdo” com seu jeito peculiar deser, estar e viver no mundo.

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DEFICIENTES AUDITIVOS: sãopessoas com perda total ou parcial daaudição. Já possui um sinalcorrespondente de uso e domínio comuma todos.Fonte: (Capovilla, 2009, p. 751/vol.1).

D O U T R I N A :P r i n c í p i o sfundamentais deuma crença,sistema ou ciência;n o r m a . F o n t e :(Capovilla, 2009, p.862/vol.1).

O sétimo e último passo é a conclusão com as considerações quedesafiam os leitores sejam eles surdos ou ouvintes a refletir sobre os apontamentosde Foucault e de quem são os surdos intelectuais com suas narrativas do jeitopróprio de ser surdo. Não há uma exigência, mas um convite a refletir e entenderas diferenças existentes.

Portanto, o desafio é o de despertar inquietações que oportunizem abusca de novos conhecimentos sobre o modo de ser e de viver do surdo na suasingularidade respeitando suas escolhas, atitudes, língua e cultura narradas evivenciadas na sua especificidade linguística no contato com seus pares surdos.

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CIÊNCIAS: Conjunto deconhecimentos fundadossobre princípios certos.Saber. Usei o sinal já es-pecífico do termo. Fonte:(Capovilla, 2009, p. 589/vol.1).

TRAJETÓRIA:c a m i n h o ,estrada, meio,trajeto.F o n t e :(Capovilla, 2009,p. 487/vol. 2).

A análise dos léxicos e sinalários correspondentes foram de sumaimportância, pois corroborou para refletir no ato da tradução uma vez que garantiuo entendimento dos termos dando fluência e maior competência para realizaçãode uma interpretação significativa e esclarecedora.

Sem o estudo, a pesquisa terminológica das palavras deste artigo nãoseria possível fazer uma tradução fidedigna respeitando o objetivo do presenteartigo, uma vez que os autores apresentam uma narrativa de suas vidas com seusanseios, dúvidas, encontros e desencontros para somente depois entenderemquem de fato os surdos intelectuais específicos. E é neste momento que descobremquem de fato são como “ser surdo”.

Quando entendemos a subjetividade das palavras é possível pensar aprática da tradução. A justificativa apresentada nas escolhas de sinais possibilitaperceber a peculiaridade e a maneira de como transmitir a mensagem através deuma tradução que envolva o significado, a singularidade, a objetividade e o realsentido do mesmo para depois fazer a análise de uma tradução comentada.

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TRADUÇÃO COMENTADAO foco principal é fazer as considerações de todo ato da tradução

observando e justificando as escolhas considerando os aspectos da análise datradução comentada.

Segundo Robinson (2002, p. 158)“O bom tradutor é aquele que nunca tem experiência suficiente para fazer um bomserviço... As expectativas estão sempre um ou três passos adiante da realidade, omantém o tradutor eternamente incansável à procura de mais experiências”.

Para Fairclough (2008, p.283) “a principal forma de justificar umainterpretação é por meio de análise do texto mostrando que a nossa interpretaçãoé compatível com as características do texto”.

Partindo desta premissa é possível definir a tradução comentadaconsiderando o que Williams & Chesterman (2002, p. 7):

“Uma tradução com comentários (ou traduções anotadas) é uma forma de pesquisaintrospectiva e retrospectiva em que o tradutor traduz um texto e, ao mesmo tempo,escreve um comentário a respeito de seu processo de tradução”.

Dessa forma a tradução comentada possibilita entender todas às nuancesdesenvolvidas no momento da interpretação considerando e analisando asubjetividade presente no artigo tão bem narrado pelos autores surdos queapresentam a importância da mudança atitudinal em suas vidas ao descobriremo modo de ser surdo.

Destarte não é possível fazer uma interpretação literal, pois há umasubjetividade que está implícita no mesmo. A primeira escolha foi do termo “rastro”sinalizado com “caminho” em decorrência do seu significado que, segundo osautores os caminhos trilhados pelos surdos e o encontro com seus pares podemfazê-lo compreender o jeito surdo de ser.

“OS SURDOS NOS RASTROS DA SUA INTELECTUALIDADE ESPECÍFICA”.O termo intitular é apresentando como “escolher o tema”, pois não há o

sinal correspondente; ocorre uma omissão do termo tematizar, pois o mesmo serepete como tematização e tema. Então na frase considerou-se apresentar osentido que os autores se propunham.

No que se refere à frase “nos seus espaços, nos seus territórios, nos seuslocais, na imensidão destes ambientes, na contestação, nos debates”... Os sinaiscorrespondentes foram áreas, grupos, lugar, sociedade, pois as palavras sinôni-mas tem o intuito de mostrar a participação dos surdos em todos os segmentos dasociedade.

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No momento da tradução, segundo Skliar (1998) há um acréscimo paraexplicar que somente quando refletimos sobre nossos atos e pensamentos é quepodemos mudar nossas atitudes e a forma de agir, pois a mente se abre paranovos conceitos. A preocupação não é somente com o sinal específico, masapresentar o sentido que o termo “passaporte dos nossos pensamentos” demanda.Neste sentido ocorre a justificativa da maneira pela qual foram educados até aidade adulta para atingir o padrão da normalidade que é a de ser ouvinte.

Segundo Vinay e Darbelnet (1977: 46-55) apud Barbosa (PÁG. 15) háduas formas de tradução que podem ser direta compreendendo os empréstimos,decalque, tradução literal e de forma indireta compreendendo a transposição,modulação, equivalência e adaptação.

A tradução direta dificilmente ocorre em todo o texto, pois envolve umatradução literal exatamente igual de uma língua para outra. Entretanto, as palavrasapresentam significados distintos dependendo da cultura, do meio e, do significadoimplícito no contexto discursivo. Isto foi possível constatar na tradução do títulodeste artigo.

SER SURDOAo apresentar o ser surdo o sinal apresentado na tradução corresponde

ao sinal de VIVER e SURDO porque os autores querem transmitir a mensagem deapresentar o modo de viver, ser e entender-se como surdo na sua singularidade.

Perlin e Foucault justificam e explicam o que são as especificidades doser surdo e as peculiaridades dos mesmos para refletir sobre quem são osintelectuais específicos. Perlin é doutora surda que compreende o modo singularde ser surdo, e conceitua os lugares onde se encontram os surdos no seu sersurdo. Para o entendimento desta narrativa a troca de embasamento teórico comsurdos que compartilham deste jeito singular de ser surdo foi fundamental para oato da tradução.

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Segundo Perlin (2003):“O surdo na experiência do ser surdo se sente o outro e as resistências, devido àimposição da experiência do ouvinte quando não são acompanhadas de silencio,são resistências povoadas de significados”.

Entender a singularidade da mensagem permite uma tradução desentidos, pois não há como ser de forma literal, mas na abrangência do significadoimposto pela mesma.

Na tradução o entendimento de “pós-estruturalista, em consonância comos pensamentos de Foucault” ocorre uma modulação conforme os estudos deBarbosa, pois há uma mudança no ponto de vista sobre a mesma temática comfocos distintos, ou seja, “cada língua privilegia um aspecto diferente da mesmarealidade” (2004, p.29).

Foucault encontra-se em consonância com o modo de pensar e de sersurdo, pois nas paragens pós-estruturalista somente quando há o conhecimentoe entendimento é que é possível mudar o pensamento. Neste caso uma mudançado conhecimento da especificidade da língua.

Michel Foucault apresenta-se como um escritor que problematiza amodernidade e a razão com uma critica cultural e social na perspectiva dosmodelos vigentes. Seu sinal é realizado com a CM em F, mão deslizando nacabeça para nuca. Representa-se como pensante questionador e reflexivo aosparadigmas socialmente impostos.

Segundo Barbosa (2004), tanto a equivalência formal como dinâmicasão necessárias, pois a formal corresponde em manter o significado em ambasas línguas e, a equivalência dinâmica em entender a naturalidade da informaçãode um jeito que o outro compreenda a cultura e o comportamento que neste casosão peculiares ao modo de ser surdo.

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INTELECTUAIS ESPECÍFICOSBarbosa (2004) considera que há uma expansão no ato da tradução

quando existe há necessidade de entender com fidedignidade a interpretaçãopara atender as necessidades escritas no texto de origem, uma vez que apresentae conceitua objetivamente quem são os intelectuais apresentando-os comoindivíduos que questionam o que lhes é imposto, ou seja, querem entender oporquê dos paradigmas existentes.

Em alguns momentos é possível ocorrer “omissões” de algumas palavrase o uso de paráfrase para dar condições de uma tradução livre que não fiquepresa à terminologia, mas que possa dar significado. Há então “melhorias”, poishá uma liberdade de interpretar para atender o significado.

Dessa forma segundo Berman (2007, p.32) “Toda teoria da tradução é ateorização da destruição da letra em favor do sentido” implica que na atividade datradução tive essa liberdade para que de fato o sentido fosse expresso com fluência,habilidade e desenvoltura.

SURDOS PESQUISADORESNeste período o uso das expressões não manuais, do embelezamento

foi fundamental para que a tradução pudesse transmitir totalmente a compreensãodo sofrimento e de toda trajetória imposta pela sociedade a fim de reabilitar osurdo para o desenvolvimento da oralidade.

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Segundo Venuti (2008) a tradução domesticadora busca ser invisível paramediar sem demonstrar que é outra língua e cultura, mas requer ser invisível aponto de tornar comum a todos com naturalidade esta tradução e este foi o meutrabalho neste período, ou seja, interpretar com “embelezamento” a fim de atingirtoda subjetividade das vivências dos autores.

Há então a necessidade de buscar estratégias de tradução para atenderde forma fidedigna o que propõe a narrativa dos autores surdos. Segundo Alves,Magalhães e Pagano (2011, p.118), um dos recursos pode ser o apoio externocomo, por exemplo, o uso de pesquisas em dicionários, glossários, sites da internet,livros aos quais recorri na tentativa de buscar uma solução para que o TF sejainterpretado com coerência.

Para Bakhtin (2011, p. 24) a visão do outro e sua percepção é diferentedaquilo que somos:

“Quando me compenetro dos sofrimentos do outro, eu os vivencio precisamentecomo sofrimentos dele, na categoria do outro. Relacionar-se ao outro o vivenciadoé condição obrigatória de uma compenetração eficaz e do conhecimento tanto éticocomo estético”.

Ainda conforme Alves, Magalhães e Pagano (2011, p.118) consideratambém a necessidade do apoio interno para o exercício desta função.

SURDOS INTELECTUAIS ESPECÍFICOS Os surdos intelectuais específicos são apresentados como aqueles que

possuem instrução e formação educacional. Ao realizar a tradução havia umanota de rodapé com toda singularidade para entender o quanto a sociedade nãoreconhece o surdo como intelectual específico e foi necessário trazer para o atoda tradução como exemplo para que pudesse dar sentido e ênfase aoentendimento de quem de fato são os surdos intelectuais específicos.

Segundo Barbosa (2004, p: 63-77) para efeito e entendimento é precisoque ocorra uma transferência introduzindo o teor do texto fonte em nota derodapé para explicar e propiciar entendimento ao ato da tradução.

Neste sentido conforme Bakhtin (2011, p. 29):“Trata-se precisamente de me traduzir da linguagem interna para a linguagem daexpressividade externa e entrelaça-me inteiramente, sem reservas, com o tecidoplástico-pictural único da vida enquanto homem entre outros homens, enquantopersonagem entre outras personagens”.

Há uma combinação para apresentar toda relação simbiótica de viverentre ouvintes, deficientes auditivos, surdos, surdos intelectuais e, surdos

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intelectuais específicos. Ocorre uma compensação na tradução no momento emque a nota de rodapé é incorporada para dar entendimento à tradução, pois é umexemplo de uma situação vivenciada e que corresponde ao teor do textojustificando uma situação vivenciada na sua trajetória de ser surdo.

Para apresentar RELAÇÃO SIMBIÓTICA que é a vida em comum;intimidade entre duas pessoas, o sinal relação + união de acordo com Capovilla(p. 1909 + p. 2177) é realizado como contato, pois segundo Barbosa ás vezes sefaz necessário explicar o sentido que se quer traduzir para dar entendimento.

DEFICIENTES AUDITIVOSAo realizar a tradução sobre a polêmica de quem são os deficientes

auditivos e os outros foi preciso enfatizar as considerações de Skliar sobre amaneira peculiar de viver e narrar dos surdos entre seus pares na difícil relação deser ou não ser.

Conforme as considerações de Pagano, Magalhães e Alves (2007) umadas sete etapas compreende a priorização e omissão de informações, que nestecaso houve uma priorização para apresentar as informações mais relevantes dotexto fonte que é de explicar as diferenças não somente nas nomenclaturas, masno sentido vivido pelos autores surdos que compreende o jeito de narrar e vivercomo surdos intelectuais específicos que lutam para o empoderamento do jeitode ser surdo.

Neste caso o sinal de PODER-SABER corresponde a empoderamento: éa questão do empoderamento que representa que através do conhecimento e dodesenvolvimento intelectual o surdo passa a ter poder.

O termo DEFICIENTE AUDITIVO com a definição de que são pessoascom perda total ou parcial da audição. Já possui um sinal correspondente de usoe domínio comum a todos. Neste momento ocorre uma reconstrução do período,

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diminuindo a sentença, a fim de garantir o entendimento sem que ocorra umarepetição de sentidos.

Fonte de Capovilla (p. 1766 e 1964, vol. 2).

Neste caso o sinal de PODER-SABER corresponde a empoderamento: éa questão do empoderamento que representa que através do conhecimento e dodesenvolvimento intelectual o surdo passa a ter poder.

O termo DEFICIENTE AUDITIVO com a definição de que são pessoascom perda total ou parcial da audição. Já possui um sinal correspondente de usoe domínio comum a todos. Neste momento ocorre uma reconstrução do período,diminuindo a sentença, a fim de garantir o entendimento sem que ocorra umarepetição de sentidos.

Fonte de referência de Capovilla (p. 751)

O termo de DOUTRINA com o seu sinal correspondente. DOUTRINA:Princípios fundamentais de uma crença, sistema ou ciência; norma, com a ?

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Fonte de referência de Capovilla (p. 862).

CONCLUSÃOO maior desafio é despertar o interesse para que ocorra uma reflexão e até

mesmo a busca de outras fontes para entender quem de fato são os surdos, suassingularidades e o jeito de ser surdo.

Os sinais de INTELECTUALIDADE ESPECÍFICA e de TRAJETÓRIA sãofundamentais para o entendimento de toda subjetividade narrada, pois a partir daCiência e toda doutrina imposta de maneira sutil é que a Trajetória apresenta oscaminhos para se descobrir como um ser surdo.

Fonte de referência de Capovilla (p. 589).

Fonte de referência em Capovilla (p. 487).

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A essência é a arte da tradução interpretação de línguas de modalidadesdiferentes.

CONSIDERAÇÕES FINAISÉ na singularidade do artigo traduzido e interpretado que aparece as

nuances especificidades e subjetividades próprias do jeito de ser e narrar quem éo ser surdo. A simbiose entre tradução interpretação tem um significado singularporque a partir do momento em que acontece a interpretação é difícil saber quemé o tradutor intérprete e quem é o autor. Há algo em mim que só o outro pode dizere é nesta perspectiva que o ato da tradução interpretação é um ato dialógico, ouseja, é preciso entender, assimilar e compartilhar da cultura, identidade e do jeitode ser surdo para ter êxito na interpretação.

O artigo Os Surdos Nos Rastros De Sua Intelectualidade Específica é escritoe narrado pela maneira de se descobrir a sua identidade no encontro com seuspares e, é nessa narrativa que a interpretação experimentada e vivenciadaapresenta às dificuldades, os anseios, as dúvidas e incertezas para de fatoapresentar o ato da tradução interpretação.

Há na interpretação um limite, pois não é possível que ela aconteça deforma literal em toda a sua extensão, mas há os acréscimos, e uma interpretaçãode sentidos que coadunam com a narrativa peculiar de cada um.

O excedente da atuação da interpretação é porque quando nos olhamosna mesma perspectiva, mas em mundo diferentes, eu interpreto da linguageminterna para a linguagem da expressividade externa enquanto ouvinte em interaçãocom surdos e ouvintes, enquanto personagem ator narrador de outrospersonagens.

Quando eu interpreto eu sou o local, o agente de atualização deste produto,ou seja, eu sou o produtor deste produto. É nesta assertiva que coadunam oescopo de uma interpretação que respeita o teor de todo artigo com asingularidade, as dificuldades e descobertas vivenciadas pelos autores para narraro jeito de ser surdo.

Ninguém interpreta como o outro por causa da singularidade de cada um.A subjetividade do ser é inerente a cada um, a cada pessoa. Só eu posso respondersobre minhas escolhas, minha interpretação e a construção dos sentidosreivindicados pela obra.

Sabe-se que não há o ato da tradução definido como certo ou errado, masa experiência vivencia e imersão na cultura faz com que a tradução interpretaçãoatinja a fluência e competência linguística necessária para desenvolver um bom

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profissional tradutor intérprete.Na verdade o tradutor intérprete é movido pelo jogo de projeções de sua

atuação, de análise e autoanálise. O que eu sou e como interpreto, as minhasescolhas, acontecem em função do que esperam de mim.

A relação que envolve o ato da tradução interpretação constrói o profissionalintérprete de língua de sinais e nesse sentido a questão da alteridade é inescapável.Tudo é marcado pelas relações e pelo contexto envolvido no ato da interpretaçãonuma empatia de sentidos e subjetividades.

Então, os desafios estão presentes em todo ato abrangendo também aprodução de um texto em libras a partir de um original em português, pois não serestringe apenas a área linguística, mas compreende a cultura e a comunidadesocial. Neste caso é preciso ter vasto conhecimento linguístico, referencial etradutória. Portanto, o domínio nas línguas envolvidas é fundamental, observandoque cada língua tem suas regras e estruturas próprias e por esta razão não deveser realizada de forma literal, mas observando os sentidos, a subjetividade,interpretando a equivalência do significado.

É muito importante que o tradutor intérprete tenha estratégias e saibafazer uso da sua intuição e percepção para transpor da sua língua para outralíngua e cultura, ou seja, é preciso desenvolver habilidade, fluência para atenderao seu público alvo com destreza e domínio com todas as competências que oato exige.

A tradução pode acontecer do sentido pelo sentido, da mensagem pelamensagem para que de fato se conserve e preserve a qualidade da atuação nestamediação do ato da tradução.

O intérprete não é somente e simplesmente o indivíduo que sabe e dominaas duas línguas envolvidas no processo da tradução interpretação, mas é aqueleque compreende as sutilezas, especificidades, subjetividades das línguasenvolvidas no processo. Precisa ser ator e saber representar para expressar comembelezamento as nuances de todo contexto.

Portanto, o intérprete é o evento, o local, o espaço e o “outro de mim” narelação da comunicação que se dá no ato da tradução interpretação de línguaportuguesa e língua de sinais ou versa vice.

CONSTÂNCIO, Rosana de Fátima Janes. Comment translation: singularities andspecificities DIALOGUS. Ribeirão Preto. v.11, n.1 e n.2, 2015, pp. 87 - 123.

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ABSTRACT: This study aims to realize a commented translation of an articlewritten by deaf authors titled “Deaf people in the wake of their specific intellectuals”,Chapter 7, the book Deaf Studies II, written by Franklin Ferreira Rezende Juniorand Patricia Luiza Ferreira Pinto . This analysis was based on the theoreticalframework of Vasconcellos and Barbosa; textual analysis to the functionalist modelproposed by Christiane Nord. The main results showed that the act of translationinvolves difficulties, studies, research and referential and methodologicalunderstanding to get a quality result that is trusted to translational act.

Keywords: annotated translation - translation process - speaking Brazilian signals.

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OS MULTILETRAMENTOS E AS NOVAS TECNOLOGIASCOMO FORMAS DE LETRAMENTO PARA ALUNOS SURDOS

Beatriz G. SPINELLI*

Ivani Rodrigues SILVA**

Zelia Z.C.L. BITTENCOURT***

RESUMO: Entender a importância dos pressupostos dos multiletramentos parao contexto de alunos surdos é algo válido, pois pode facilitar a assimilação deconteúdos e fazê-los compreender melhor o funcionamento da línguaportuguesa e de outros conteúdos escolares. O objetivo inicial desse trabalhofoi mapear o uso das novas tecnologias por alunos surdos do Ensino Médio everificar como eles as utilizavam para fins pedagógicos. A partir desses dados,explorar novos usos dessas tecnologias, enfatizando a leitura e a escrita emlíngua portuguesa, propondo aos alunos surdos produção de um materialutilizando as novas tecnologias, no caso, um blog.

PALAVRAS-CHAVES: educação de surdo; multiletramentos; novas tecnologias.

INTRODUÇÃOAs novas tecnologias são parte essencial do cotidiano moderno,

principalmente de jovens em período escolar. Sendo assim, é oportuno se pensarem novas práticas didáticas que incluam tais tecnologias em sala de aula. DeConti et al (2014) consideram tecnologia como o conhecimento de uma técnicadeterminante nas práticas discursivas, deslocando as relações de poder de umdiscurso. Um exemplo citado pelos autores é o uso do computador para realizarpesquisas por meio da internet, possibilitando o acesso a várias plataformas ediversas formas de linguagem, assumindo um lugar de poder, do qual se podequestionar, reformular e pensar, tanto para o professor que media a prática,quanto para os alunos, tornando o lugar de autoria acessível a ambos.

Ao focalizar as novas tecnologias aplicadas ao ensino de línguaportuguesa, deve-se pensar, também, na questão dos multiletramentos, que

* Aprimoranda do Curso de Aprimoramento/Especialização Surdez: Desenvolvimento e Inclusão, bolsistaFUNDAP. Email: [email protected]** Doutora em Linguistica Aplicada, Universidade Estadual de Campinas, Departamento de DesenvolvimentoHumanos e Reabilitação da FCM, Campinas, São Paulo, Brasil. Email: [email protected]*** Doutora em Saúde Coletiva, Universidade Estadual de Campinas, Departamento de DesenvolvimentoHumanos e Reabilitação da FCM, Campinas, São Paulo, Brasil. Email: [email protected]

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permitem negociar com as diferentes variedades de linguagem e discursospresentes na atualidade, permitindo uma ressignificação por parte do alunodas práticas letradas (ROJO, 2013). Além disso, quando se pensa nasmúltiplas práticas de letramentos disponíveis, deve-se considerar de um ladoas múltiplas linguagens, semioses e mídias envolvidas na produção de sentidosdos textos multimodais e, por outro lado, a diversidade cultural trazida pelosleitores/autores contemporâneos a essas criações (ROJO, 2013). Osmultiletramentos, então, devem ser capazes de proporcionar o contato doaluno com as experiências que as novas tecnologias podem proporcionar,seja na forma de pesquisas na internet em texto escrito e até mesmo nautilização e produção de outras formas de linguagem, como vídeos, sons eimagens. A educação de surdos passa, nesse momento, por grandestransformações advindas de ações propostas pelo Decreto 5626 de 2006,que trata de diretrizes para a educação inclusiva. Desde então, muitos autorestêm pensado em novas maneiras de trabalhar com o surdo em sala de aula.Considerando-se esse cenário, este artigo pretende analisar como as novastecnologias e os multiletramentos proporcionados por elas, auxiliam oprocesso de aprendizagem da língua portuguesa escrita por alunos surdos,uma vez que se observa a tendência destes assumirem uma posição passivana sala de aula regular (Góes e Tartucci, 2015) – devido à dificuldade decomunicação entre o aluno e o professor, por exemplo. Pretende aindaapresentar o processo de criação de um blog pelos alunos surdos do ensinomédio, trazendo alguns subsídios sobre o uso das novas tecnologias e dosmultiletramentos em situações didáticas em sala de aula.

O Comportamento Surdo e a EscritaO surdo é considerado um sujeito bilíngue1, ou seja, capaz de se

comunicar em duas línguas – LIBRAS e língua portuguesa. O bilinguismo, aolongo da história, tem sido visto como a soma de dois monolíngues perfeitos,apresentando comportamentos e competências idênticas nas duas línguas, sema interferência de uma na outra. Esta visão, de acordo com Maher (2007a), é ummito, pois as competências do sujeito bilíngue não são fixas e nem estáveis, maspreveem a mudança de código (code-switching) e os empréstimos linguísticos,ou seja, a presença das duas línguas no mesmo contexto, criando, assim, umuniverso discursivo próprio, com práticas discursivas e competências diferentes1 Maher (2007a) comenta que, assim como o índio e o imigrante, o surdo apresenta um bilinguismocompulsório, já que a sua primeira língua não é aquela da maioria dominante na sociedade em que vivem,fazendo com que esses sujeitos necessitem aprendem a língua da maioria.

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nas duas línguas. Trata-se de desmistificar o conceito de bilinguismo visto comoalgo equilibrado, sem acarretar misturas de línguas ou mudança nocomportamento linguístico do falante bilíngue. Maher (2007a) ainda afirma queessa mudança de código não deve ser vista como pejorativa, mas sim como umrecurso linguístico sofisticado e normal.

Na abordagem bilíngue, então, se propõe que sejam ensinadas duaslínguas ao aluno surdo: a língua de sinais, considerada a primeira língua dossurdos, e a língua portuguesa como segunda língua, com foco na leitura e naescrita.

Sendo, então, o surdo um sujeito bilíngue em língua portuguesa e emLIBRAS, devemos considerar, também as características desse sujeito e dessalíngua. Quadros (2004) a define como uma língua visuo-gestual, formada por umacombinação de gestos e estabelecida por meio da visão e da noção de espaço,fornecendo as características necessárias para a formação de gramática de umalíngua. Assim, as línguas de sinais, segundo a autora, são línguas naturais, ouseja, são sistemas linguísticos que possuem todos os critérios de léxico ecapacidade de produzir uma quantidade infinita de sentenças com regrasgramaticais altamente complexas, já que os sinais não são meramente imagens,mas sim, símbolos abstratos e complexos com, pelo menos, três partesindependentes (localização, configuração de mão e movimento2).

Os multiletramentos e as novas tecnologiasUm dos temas mais comentados nos dias atuais é a questão das novas

tecnologias e como elas podem se relacionar com as práticas didáticas emsala de aula. Quando se pensa em tecnologia, esta se relaciona a computadores,tablets e smartphones, ou seja, objetos que fazem uso do meio digital. Noentanto, como demonstram De Conti et al. (2014) ao se retomar a origem gregada palavra “tecnologia” (technikós = técnica, arte; logía = estudo, conhecimento),pode-se pensar que quando se fala em incorporar uma tecnologia na práticacotidiana, esta deve ser vista como um processo de evolução com mudançaspositivas ou negativas no modo de ser e viver do homem. Como exemplo detecnologias incorporadas à vida cotidiana, pode-se citar a roda, o lápis e atémesmo o computador: objetos que mudaram as práticas da sociedade ao longodo tempo.

2 O movimento é o deslocamento da mão no espaço enquanto o sinal é realizado. A configuração de mão éa forma que esta assume na realização do sinal. Por fim, a localização da mãe é o local que o sinal é realizado.Além disso, é necessário considerar as expressões faciais e corporais na LIBRAS (QUADROS, 2004).

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Levando-se em consideração a definição de tecnologia do autor jámencionado, é importante fazer distinção entre os termos objeto, instrumento etecnologia. Quando um objeto passa a ser considerado uma tecnologia e nãosomente um instrumento? Segundo De Conti et al (2014), o objeto não estápresente nas práticas discursivas, está presente apenas no espaço. Tomando-secomo exemplo o computador, ele é objeto quando está presente na sala de aula,mas permanece desligado e sem uso. Um objeto passa a ser instrumento quandoparticipa das práticas discursivas, mas sua materialidade não as determina, deforma que o instrumento apresenta outras formas de reiterar práticas estabilizadaspor outros instrumentos. Voltando ao exemplo do computador, este passa a serinstrumento quando é utilizado para reproduzir o conteúdo que seria realizado nocaderno, ou seja, ao invés de uma redação ser escrita pelo aluno com caneta emum papel, o professor pede que essa redação seja digitada e impressa, ou seja,as relações de poder em sala de aula são reproduzidas, mas não são deslocadas.

Enfim, o objeto pode ser pensado como tecnologia quando, de acordocom os autores, seu uso passa a ser determinante nas práticas discursivas, sendoque seu domínio desloca as relações de poder em um discurso, de modo que atecnologia não é inerente ao objeto, mas se constitui a partir da maneira comoeste participa das práticas discursivas. Pensando no computador, ele é umatecnologia em sala de aula quando os alunos o utilizam para realizar pesquisas, jáque o uso da internet possibilita que seu usuário tenha acesso a várias plataformase a diversas formas de linguagem. O computador passa a ser, então, um lugar depoder, do qual se pode observar, questionar, apagar, reescrever, reformular, pensar,tanto para o professor que media a prática, quanto para os alunos, de forma queo lugar de autoria do conhecimento é acessível a ambos. Como, então, utilizar asnovas tecnologias em sala de aula, com foco no letramento?

Para compreender melhor a relação entre as novas tecnologias e a salade aula, é necessário entender aquilo que chamamos de letramento. Ao longo dahistória, o conceito de letramento foi muitas vezes confundido com alfabetizaçãoe até alfabetismo. Segundo Rojo (2011), a alfabetização pode ser definida como aapropriação do alfabeto e da ortografia da língua que se fala, é um complexosistema de representação e de regras de correspondência entre letras e sons.Rojo (2011) ainda afirma que, até metade do século passado, o fato de alguémassinar o nome já era considerado alfabetizado. No entanto, com a evolução e acomplexidade do mundo industrial, começou-se a exigir também competênciasde leitura e de escrita e, assim, segundo Soares (2008), foi exigido que as pessoasnão só dominassem as técnicas de ler e escrever, mas que também soubessem

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fazer uso delas. A esse processo, deu-se o nome de alfabetismo.Em contraponto ao alfabetismo, o letramento – termo traduzido da palavra

em (inglês literacy, apresentado por Mary Kato no livro “No mundo da escrita”, em1986 – leva em consideração a diversidade de usos e práticas sociais da escrita,podendo o sujeito ser analfabeto, mas estar envolvido em práticas letradas, já queo letramento envolve a escrita de várias maneiras, sejam elas valorizadas ou nãosocialmente e presente em contextos sociais diversos (família, igreja, trabalho,escola etc.) (ROJO, 2011).

Street (1984 apud Kleiman, 1995) destaca que existem duas concepçõesde letramento: o modelo autônomo e o modelo ideológico. No modelo autônomo,a autora destaca que a escrita é vista como um “produto completo em si mesmo,que não estaria preso ao contexto de sua produção para ser interpretado”(KLEIMAN, 1995, p.22). Esse modelo proporcionou vários mitos do letramento,como a dicotomia entre oralidade e a escrita, sendo a escrita vista como formal eplanejada e a fala como informal e sem planejamento. Outro mito foi a relaçãoentre o letramento e o desenvolvimento cognitivo e social, de forma que a escritateria o poder de desenvolver cognitivamente o sujeito e trazer efeitos como amanutenção da espécie, garantir a modernidade e a ascensão e mobilidadesocial. Esses benefícios do letramento, segundo Kleiman (1995) não podem sercomprovados empiricamente por falta de evidências suficientes.

Por outro lado, o modelo ideológico é aquele em que “todas as práticasde letramento são aspectos não apenas da cultura, mas também das estruturasde poder numa sociedade” (KLEIMAN, 1995, p.38). Nesse modelo, considera-seque os eventos de letramento são bastante variados e suas práticas mudam deacordo com o contexto, sendo que uma pessoa pode ser analfabeta e mesmoassim participar dos eventos de letramento, já que, diversas atividades do cotidianoenvolvem a escrita, como pegar um ônibus ou fazer um depósito bancário.

Considerando, então, a multiplicidade de eventos de letramento e depráticas letradas, fala-se atualmente de não apenas um letramento, mas sim deletramentos ou mesmo letramentos múltiplos. A fim de abordar essa diversidadede letramentos, o Grupo de Nova Londres (1996) criou o conceito demultiletramentos, ou seja, um processo que envolve “a multiplicidade delinguagens, semioses e mídias envolvidas na criação de significações para textosmultimodais contemporâneos e [...] a pluralidade e diversidade cultural trazidapelos autores/leitores contemporâneos de significação” (ROJO, 2013, p.14).

Por meio do conceito de multiletramentos, o Grupo de Nova Londres(1996), traz também a Pedagogia dos Multiletramentos, uma forma de chamar a

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atenção para as mudanças recentes na maneira de viver e também das formas designificação que as tecnologias trazem e, assim, repensar o ensino. Na Pedagogiados Multiletramentos, é necessário levar em consideração os diferentes modosde significação (visual, sonoro, espacial, sensorial) e as particularidades que amídia de massa, a multimídia e a hipermídia trazem e também as diferençaslinguísticas e culturais de cada contexto (CHINAGLIA, 2013).

Rojo (2013) apresenta as três dimensões que devem ser consideradasna proposta pedagógica dos multiletramentos: a diversidade produtiva, o pluralismocívico e as identidades multifacetadas. A diversidade produtiva está relacionadaàs mudanças no ambiente do trabalho e com a ascensão do modelo pós-fordistados tempos atuais, é necessário um trabalhador qualificado, flexível, versátil, criativoe capaz de trabalhar em equipe, buscando seu próprio conhecimento e semprese adaptando às constantes mudanças que as novas tecnologias podem trazer.Esse é o tipo de profissional que a escola deve formar.

O pluralismo cívico está ligado à ética e à política e, segundo Rojo (2013),a escola deve ser capaz de desenvolver a habilidade de expressar e representaridentidades multifacetadas apropriadas aos diferentes modos de vida, espaçoscívicos e contexto de trabalho em que os alunos se encontram, ampliando seusrepertórios culturais. Por sua vez, as identidades multifacetadas se relacionam àvida pessoal, onde as pessoas vivem em culturas híbridas e com diferentesgêneros, etnias, orientações sexuais que provocam no sujeito uma consciênciaaltamente descentrada e fragmentada, sendo dever da escola abordar de formacrítica, plural e ética essa diversidade.

Qual seria, então, a relação dos multiletramentos com as novastecnologias? Dentro desse quadro teórico aqui delineado, as novas tecnologiaspossibilitaram o surgimento de novas técnicas, já que, por meio do acesso aInternet, qualquer pessoa é capaz de criar textos e objetos multimodais e atémesmo recriar o conteúdo de outras pessoas, como em sites como a Wikipépedia,que permitem a construção de textos de forma colaborativa entre os usuários. Asnovas tecnologias digitais são capazes de transformar qualquer tipo de linguagemem apenas uma, a linguagem binária, e facilitar a integração entre as diferenteslinguagens. Esse fato transforma os enunciados contemporâneos em multimodaisou multissemióticos, ou seja, enunciados que envolvem outras semioses além daescrita.

Com os novos letramentos, um subconjunto dos multiletramentos quefazem uma reflexão sobre essas novas práticas letradas, Lemke (2010) afirmaque estamos passando da era da escrita para a era da autoria multimidiática, em

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que a escrita é apenas uma parte dos objetos mais amplos da construção designificados, sendo que não se podem construir significados com a língua isolada.

Assim, os letramentos, segundo o autor são sociais porque os aprendemosdentro das relações sociais desenvolvidas historicamente. São legiões, pois sãoprodutos de uma comunidade específica, já que, ser falante nativo não é suficientepara entender as produções dessa comunidade, é necessário entender seuscontextos de uso e de construção de significados. Por fim, os letramentos sãoatos não passivos, pois, para entender um texto, precisamos de um complexo eativo processo de construção de significado. Além disso, Lemke ainda destacaque os letramentos não podem ser analisados isoladamente, já que sempre estãoatrelados às tecnologias disponíveis na sociedade.

Com isso, para ser letrado na atualidade é necessário saber ler, interpretare também criar esses novos enunciados multissemióticos, surgindo novas práticasletradas que estão ligadas às novas tecnologias e suas formas de significação ede funcionamento da sociedade. A essas novas práticas letradas, damos o nomede letramentos multissemióticos.

Contexto e Desenvolvimento da PesquisaO projeto foi realizado durante um ano do curso de aprimoramento/

especialização3 realizado em um Centro de Estudos e Pesquisas em Reabilitação,ligado a uma universidade do interior do Estado de São Paulo. A parte prática docurso foi desenvolvida junto a um dos Programas onde eram atendidos seteadolescentes surdos que cursavam o ensino médio e o ensino fundamental II (9ºano), com idades variando de 15 a 18 anos. As características dos participantesencontram-se na tabela 1.

Tabela 1. Características dos alunos participantes da pesquisa quanto à idade, escolaridadee tipo de surdez.

Nome Idade Escolaridade Tipo de surdezAnne 17 2º ano EM Profunda BilateralÉlcio 17 3º ano EM ModeradaIrina 18 2º ano EM Profunda BilateralJulia 15 1º ano EM ModeradaKarina 17 2º ano EM Profunda BilateralNanda 14 9º ano EF ModeradaSalete 18 2º ano EM Profunda Bilateral

3 O curso de Aprimoramento da FUNDAP “Surdez: Desenvolvimento e Inlusão “ é voltado para a formaçãode profissionais para trabalharem com alunos surdos. Recebe desde 1995 graduados em Letras, Pedagogia,Educação Especial e Fonoaudiologia para formação em serviço e tem carga horária de 1920 horas.

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Os atendimentos eram realizados tanto em sala de aula quanto na salade informática. Na sala de aula, a professora utilizava seu próprio computador econtava também com um projetor, equipamento que permitia com que todos osalunos acompanhassem o que estava sendo feito. Além disso, os alunos tambémutilizavam seus próprios celulares/smatphones com acesso à internet. Na sala deinformática, os alunos eram divididos em duplas, pois não eram disponibilizadoscomputadores individuais.

A operacionalização da pesquisa deu-se em três etapas: observação,familiarização e construção de um blog.

Observação: A primeira etapa foi destinada à fase exploratória e deobservação sobre o uso das novas tecnologias pelos adolescentes surdos. Assimsendo, eles foram expostos a elas e foi observada como era a interação: quaissites eram acessados, os conhecimentos de informática que os alunos possuíame quais aplicativos eram utilizados. Ao final dos atendimentos, a professora deixavaque os alunos utilizassem seus celulares/smartphones de forma livre e observavaquais conteúdos eram acessados. Nessa etapa também foi aplicado umquestionário aos alunos surdos, sobre os aparelhos mais utilizados, onde eramutilizados e para que eram utilizados. Para responder a essas perguntas, apesquisadora reservava um período dos atendimentos em que os alunos poderiamutilizar as novas tecnologias de forma livre.

Foi possível perceber que os alunos utilizam as novas tecnologias paraacessar, principalmente, as redes sociais (Facebook, Whatsapp) e que detinhamgrande conhecimento sobre como utilizar essas ferramentas (Tabelas 1, 2 e 3).

Tabela 2: Distribuição das respostas dos alunos para a pergunta “onde você utiliza essesaparelhos?”

Tecnologia Participantes que utilizam a tecnologia Computador/notebook 7 Tablet 2 Celular/Smartphone 7

Casa Escola CEPREComputador/notebook 5 0 7 Tablet 2 0 2Celular/Smartphone 7 7 7

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Tabela 3: Distribuição das respostas dos alunos para a pergunta: “para que você utilizaessas tecnologias?”

Pesquisas Jogos/ Redes Pesquisas sobreescolares Diversão sociais LIBRAS

Computador/notebook 7 1 7 1Tablet 1 2 2 0Celular/smartphone 0 7 7 1

Por meio das respostas dos participantes da pesquisa, pode-se perceberque as novas tecnologias são utilizadas amplamente pelos alunos surdos,principalmente o computador/notebook e o celular/smartphone. Quanto aocomputador, os alunos mostraram que seu uso não é incentivado na escola,assim como o uso do tablet7. Por outro lado, o celular/smartphone é utilizado portodos os participantes da pesquisa nesse ambiente, mesmo que o uso não sejafeito para fins pedagógicos, como demonstrado na tabela 3, em que todos osalunos não utilizam nenhuma tecnologia para pesquisas escolares, apenas paramomentos de diversão (jogos e aplicativos de fotografia) e para o uso das redessociais.

Além disso, uma questão que chama a atenção nos dados dessequestionário, é que o uso de aplicativos e sites que incentivam e divulgam o usoda LIBRAS não são muito utilizados pelos alunos surdos, mesmo eles possuindoacesso a esses recursos.

Familiarização: A partir dos dados levantados na primeira etapa foi possívelplanejar as atividades da etapa seguinte da pesquisa, onde os alunos entraramem contato mais efetivamente com as novas tecnologias e os multiletramentos nocontexto das práticas didáticas. Essas atividades foram pensadas de forma aincentivar o uso do computador/notebook e, principalmente, dos celulares/smartphones para fins didáticos, já que essa tecnologia é bastante utilizada pelosalunos surdos em qualquer ambiente. Sendo assim, os alunos foram expostosmais efetivamente às novas tecnologias, por meio de atividades de pesquisa detextos na internet, escrita de textos em língua portuguesa, pesquisa de imagens evídeos e também sinais em LIBRAS que eles não conheciam. Por meio dessasatividades, o computador/notebook e o celular/smartphone foram deslocados dasua posição de instrumento para a posição de tecnologia, ou seja, passaram a

4 O uso das novas tecnologias, como o Tablet e o computador, não são incentivados em sala de aula pois,muitas vezes, os próprios professores não sabem como utilizar essas tecnologias de forma didática e demaneira que envolva os alunos.

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ser relevantes para as práticas discursivas em que eles estão envolvidos (De Contiet al, 2014).

Uma das atividades foi pesquisar o significado de palavras que eles nãoconheciam das cartas do jogo “Imagem e Ação”5. Os alunos pesquisaram osignificado da palavra em língua portuguesa, imagens e vídeos sobre aquelapalavra e também utilizaram os aplicativos de línguas de sinais para pesquisaremo sinal daquela palavra. Com essa atividade, foi possível mostrar que o celular/smartphone pode ser utilizado como uma ferramenta de ensino em sala de aula e,principalmente, permitindo, inclusive, modificações na maneira de utilizarem osaplicativos de LIBRAS, a partir dos seus celulares, no cotidiano desses alunos.Eles perceberam que, mesmo tendo domínio de LIBRAS, esses aplicativos sãoimportantes para que eles conheçam mais sobre essa língua, aumentando seuvocabulário acadêmico nessa língua e compreendendo a situação de uso doléxico em si. Além disso, também faziam reflexões sobre a estrutura gramatical deLIBRAS, comparando-a com a do português.

Construção de um blog: Na última etapa do projeto, o objetivo foi que osalunos construíssem um material que envolvesse o uso das novas tecnologias.Assim, os alunos escolheram construir um blog sobre a inclusão de pessoas comdeficiência na sociedade. A construção do blog foi de extrema importância para odesenvolvimento dos alunos ao longo do projeto, pois permitiu o contato delescom diversas formas de linguagem (vídeos, imagens...) e também permitiu que osalunos se tornassem autores de seus textos e não apenas receptores de conteúdosjá prontos, como em geral eles são percebidos na escola.

Os blogs são ambientes virtuais de criação, de fácil utilização e muitasvezes gratuitos. Surgiram em 1999 e são definidos, basicamente, como um diáriovirtual, permitindo que o usuário o utilize como uma ferramenta de auto expressão,disponibilizando seus pensamentos de forma dinâmica e criativa (KOMESU, 2005).Além disso, a criação de um blog, segundo a autora, apresenta característicaspedagógicas relacionadas ao letramento digital, permitindo a interação comtecnologias como o computador.

Franco (2006) destaca que os blogs permitem a publicação de ideiasem tempo real, por meio de textos curtos sobre diversos assuntos. Utiliza alinguagem informal, permitindo uma aproximação entre o leitor e o autor. Alémdisso, a ferramenta permite a divulgação de imagens, sons, vídeos e a interaçãocom outros blogs e sites. Dessa forma, os blogs possibilitam a criação de um

5 Algumas palavras do jogo pesquisadas pelos alunos foram: fonte, figa, ramalhete, revestir, maestro,novelo e borrifar.

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ambiente com diversas semioses e, com isso, é necessário o conhecimento dediversos letramentos ou multiletramentos. Outra característica importante dos blogssão as ferramentas de interação com o público, como o mural, os espaços paracomentários e o livro de visitas, permitindo uma maior interação entre o autor doblog e seus leitores, formando um ambiente de cooperação e de divulgação dediversos discursos.

Enfim, Komesu (2005, p. 99) resume o conceito de blog como uma páginaweb, composta de parágrafos dispostos em ordem cronológica (dos mais aosmenos atuais colocados em circulação na rede), atualizada com frequência pelousuário. O dispositivo permite a qualquer usuário a produção de textos verbais(escritos) e não-verbais (com fotos, desenhos, animações, arquivos de som), aação de copiar e colar um link e sua publicação na web, de maneira rápida eeficaz, às vezes, praticamente simultânea ao acontecimento que se pretendenarrar.

A seguir mostraremos como os alunos surdos chegaram ao formato finaldo blog desenvolvido por eles e quais foram as vantagens da utilização dessaferramenta para o ensino de língua portuguesa.

Antes de criarem seu próprio blog, os alunos entraram em contato comdiversos blogs a fim de conhecerem mais profundamente essa ferramenta. Osalunos pesquisaram, tanto na sala de informática quanto nos tablets e celulares/smartphones diversos blogs com temas variados para compreender melhor suascaracterísticas. A partir dessa pesquisa, os alunos confeccionaram uma lista comas características que um blog deve ter: título de acordo com o tema, apresentaçãodos autores, imagens e vídeos relacionados com o post – que deve ser escrito emlinguagem informal - e espaço para comentários dos leitores.

Depois dessa etapa, os alunos partiram efetivamente para a criação doblog. Foi sugerido pela pesquisadora utilizar a plataforma Wordpress por ser defácil utilização e permitir a escolha de diversos layouts, possibilitando a escolhade todas as características do blog pelos alunos (cor, tipo de fonte, etc.). Para acriação do blog, foi necessária a criação também de uma conta de e-mail emcomum entre os alunos e a criação de uma senha para acesso ao blog. Nesseprocesso também foi escolhido o título do blog: Galera do Centro de Apoio. Pormeio desse título, os alunos pretendiam afirmar que o blog foi feito por pessoasque frequentam o centro de apoio com a finalidade de divulgar suas atividadesnesse espaço.

Sobre o tema do blog, houve várias discussões entre o grupo, apesquisadora e a pedagoga surda e, depois de levantar várias possibilidades, foi

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escolhido escrever sobre a inclusão de pessoas com deficiência na sociedade,não focalizando somente a questão da surdez, como tínhamos imaginado. Comoo tema era inclusão, os alunos pensaram, em um primeiro momento em incluirconteúdos em língua de sinais, gravado por eles mesmos. No entanto, essa ideiafoi abandonada por eles, pois se sentiram envergonhados em gravar os vídeos eexpô-los na Internet.

Quanto à descrição do blog, mais uma vez, os alunos preferiam não seidentificarem como surdos, apenas como participantes do centro de apoio. Destaforma, escolheram a cor azul como cor de fundo do layout, pois é uma correpresentativa para os surdos, devido ao evento Setembro Azul, mas ao mesmotempo preferiram não se identificar como surdos. De acordo com Silva (1999), asidentidades não são fixas, imóveis, permanentes, mas são plurais, múltiplas emuitas vezes contraditórias, é algo que está em construção e em movimento,empurrando o sujeito para diferentes posições. A identidade surda não é diferente.Como se pode perceber, os alunos em muitos momentos se identificam comosurdos e assumem uma identidade surda – como na utilização da cor azul – noentanto, em outros momentos não querem se identificar como tal – como quandonão querem gravar vídeos em LIBRAS, mesmo sendo usuários dessa língua. Istomostra que as identidades dos alunos participantes da pesquisa também não sãofixas e imutáveis: são plurais, múltiplas e contraditórias. Além disso, foram criadasduas novas páginas pelos alunos: uma em que se apresentam como autores eoutra apresentando o centro de apoio.

Na página de apresentação dos autores do blog, os alunos escreveramuma pequena autobiografia. Cada um escolheu uma foto e se apresentou, dizendoo nome, a idade e o que gostam de fazer no dia-a-dia. Uma questão interessanteobservada nesse momento foi que muitos alunos, principalmente, os surdosoralizados, não se apresentaram como surdos, como os alunos B. e M.,representados nos excertos 1 e 2 a seguir.

Meu nome é B., moro Sumaré, tenho 17 anos e estudo no 3º ano A. Eu gosto dezoar, ver vídeo engraçado, tirar fotos, jogar bola, namorar, ir à balada, escutarmúsica, funk6, facebook, whatsapp, sair na rua e andar no shopping.

Eu chamo M., moro em Arthur Nogueira-SP, tenho 14 anos de idade, faço 15 emjaneiro no dia 16, nasci em 2000 em Jaguariúna-SP. Eu vou no centro de apoiodesde quando eu tinha 9 anos de idade e estudo lá até hoje. Gosto de ir para a

6 O aluno em questão possui um bom resíduo auditivo e realmente gosta de escutar música. Além disso,a música esta ligada com a diversão e o entretenimento.

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escola, estudar, tirar foto, mexer na internet, várias coisas. E minha faculdade tenhovontade de ser fono2 e fotografia.

Por meio dessas informações, podemos perceber que para a criação doblog, houve um processo de identificação por parte dos alunos pelo tema quegostariam de escrever, a saber, a inclusão dos diferentes na sociedade,representado pela escolha da cor azul e por ser um tema de interesse deles. Noentanto, ao mesmo tempo, os alunos optaram por não se identificarem comousuários da inclusão, ou por não focalizarem a surdez como tema da inclusão oupor não se identificarem como surdos. Assim, apesar de se identificarem com acausa da inclusão de forma ampla, os adolescentes não quiseram se expor comosurdos que se beneficiam da mesma, assim como ocorre com diversosadolescentes ouvintes. Essa atitude de não se expor, é comum nessa fase.

A escrita e reescrita dos textos que serão apresentados a seguir, foramfeitas em conjunto com todos os alunos e também a pedagoga surda e apesquisadora, por isso, não apresenta as características comuns de um textoescrito na segunda língua desses alunos. Essa atividade se mostrou bastantesignificativa porque a discussão sobre o uso do português (ou de Libras) partiasempre de textos dos próprios alunos e de conteúdos que eles queriamcompartilhar, dando a oportunidade de eles refletirem sobre as regras das línguasnaquele contexto: o português e a Libras.

Depois que todos os detalhes técnicos do blog estavam prontos, os alunoscomeçaram a pensar sobre as postagens. Para a primeira postagem, a professoratrouxe mais sobre o conceito de inclusão, pois percebeu que os alunos nãoconheciam as diversas possibilidades que a inclusão pode oferecer, como sepode observar pelo diálogo abaixo, entre a pesquisadora e a aluna surda N.:

“P: O que você acha que é inclusão?N: É quando fica surdo e ouvinte na mesma sala!P: Só surdo e ouvinte na mesma sala? Não tem nada para ajudar o

surdo?N: Acho que só juntar os dois!Nesse trecho do diálogo entre professora ouvinte e aluna surda, percebe-

se que a aluna entende inclusão apenas o ato de colocar no mesmo espaçopessoas diferentes, sem que haja nenhuma forma de acessibilidade, sem quehaja um projeto escolar em funcionamento que dê suporte a essas diferenças, ointerprete, por exemplo. A partir desse diálogo, discussões sobre a inclusão foram7 A aluna possui uma boa oralização realizada com terapia de fonoaudiologia. Por isso, essa profissão tembastante importância na sua vida.

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feitas e cada aluno trouxe suas observações em relação a sua própria escola. Apesquisadora solicitou, ainda, que os alunos buscassem as diversas formas deinclusão que conheciam e também sobre o sinal correspondente em Libras. Osalunos escreveram seus comentários sobre o assunto, trazendo exemplosencontrados na internet como o cão-guia para cegos, o elevador em ônibus paracadeirantes, as rampas de acesso, os livros em Braille e sobre o interprete deLibras para alunos surdos.

Primeiro os alunos escreveram seus textos individualmente e, depois ascorreções necessárias eram feitas coletivamente entre os alunos, a professoraouvinte e a professora surda. O texto a seguir foi feito pela aluna J.

Imagem 2: texto original escrito pela aluna. Acervo pessoal da pesquisadora.

A aluna J é oralizada e possui um bom domínio da língua portuguesa, porisso, as correções desse texto ficaram mais concentradas em questões deortografia e de oralidade. Quando a aluna fala da importância do intérprete deLIBRAS, ela escreve “indérprete” ao invés de “intérprete”, esse fato pode serjustificado, pois os fonemas /t/ e /d/ são parecidos. Além disso, a aluna escreve“indeficiente” para se referir as pessoas com necessidades especiais, pois, elaconfundiu o uso do prefixo “in” que significa na verdade “não”, o contrário do quequeria escrever. Quanto às marcas de oralidade no texto, pode-se perceber no

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seguinte trecho: “O que eu entendi é que tá faltando coisas de profissões [...]”. Jutiliza a abreviação do “estar” - tá – geralmente utilizado em conversas informais,como na oralidade e na internet (Facebook, Whatsapp).

Depois da atividade de reescrita colaborativa, a aluna postou o seu textono blog, como se verifica na imagem a seguir:

Imagem 3: publicação no blog – “o que é inclusão?” – pela aluna J.

Fonte: https://galeradocepre.wordpress.com/2014/11/01/o-que-e-a-inclusao/

Durante essa atividade, além das questões relacionadas à escrita emlíngua portuguesa, os alunos precisaram entender como as imagens se relacionamcom o texto, por meio da intertextualidade. Intertextualidade, segundo Orlandi(2001), é a relação de um texto com outros textos, verbais ou não, mobilizandoseus sentidos. Assim, um texto não pode ser compreendido isoladamente, masem diálogo com outros textos. Na imagem 2, podemos observar a relação deintertextualidade entre o texto do aluno surdo e a escolha da imagem: o alunoescreveu sobre a importância do cão guia para o cego e, por isso, escolheu umaimagem que o representasse. A escolha dessa imagem foi feita depois que osalunos pesquisaram no Google Imagens as palavras chaves “cão guia” eselecionaram diversas imagens que mostrassem esse tipo de acessibilidade. Porfim, a escolha dessa imagem se deu pelo fato dela apresentar, além da imagem,texto informativo sobre o assunto.

Outro tema escolhido para ser relacionado no Blog pelos alunos foi asParaolimpíadas, por ser uma situação em que a inclusão está envolvida,destacando a importância desse evento para as pessoas com deficiência. Osalunos selecionaram diversas imagens sobre as paraolimpíadas e fizeram um

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resumo das modalidades praticadas nela. Para a publicação no blog, elesescolheram um vídeo do Comitê Brasileiro Paraolímpico, pois era um resumo doevento e escreveram suas considerações sobre o assunto. O texto a seguir foiescrito pela aluna A.

Imagem 4: texto original escrito pela aluna A. sobre o tema esportes paraolímpicos.

A. é surda não oralizada e pode-se perceber no seu texto influência daLIBRAS, por isso, nesse momento foi priorizado um trabalho com a ordem sintáticado português, sempre destacando que a ordem do português é diferente daquelade LIBRAS e, por isso, é algo que os alunos devem prestar atenção na hora deescrever. Além disso, trabalhamos também com a questão da concordância verbal,como no trecho “Porque cegos usa vendas”. Como no caso anterior, esse texto foisubmetido à reflexão e reescrito coletivamente pelos alunos surdos, a professorasurda e a professora ouvinte e depois postado no blog, como demonstrado naimagem a seguir.

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Imagem 5: publicação no blog – “esportes paraolímpicos” – pela aluna A.

Fonte: https://galeradocepre.wordpress.com/2014/11/09/esportes-paraolimpicos/F

Fiad (2009, p 147) considera a reescrita como “um conjunto demodificações escriturais pelas quais diversos estados do texto constituem assequencias recuperáveis visando um texto terminal”, sendo uma atividadeimportante para o ensino de língua. Segundo a autora, possibilita modificar asrepresentações sobre a escrita e também categorizar os alunos em seus diferentespercursos de aprendizagem. A autora ainda afirma que reescrever é mais do quemodificar ou rasurar o texto: é um questionamento sobre a sua escrita. Além disso,Coudry e Freire (2005) afirmam que

reescrever é modificar o texto para torna-lo melhor, de acordo com vários critériosenvolvidos na construção da textualidade, sem se limitar à correção, mas apontandodiferentes possibilidades de escrever o que já foi escrito, considerando o nível doaluno e ampliando conhecimentos a serem incorporados ao texto. É isso que promo-ve avanços no processo de aprendizagem e que confere autonomia e autoria aquem escreve. (COUDRY, FREIRE, 2005, p. 52).

Assim, utilizar a escrita dos próprios alunos surdos como ponto de partidapara ensinar a língua portuguesa escrita permite que eles mesmos olhem paraseus textos e percebam quais adequações são necessárias. Esse tipo de reflexãotambém permite a retomada do conteúdo gramatical de forma mais significativa.

CONSIDERAÇÕES FINAISComo demonstrado no estudo realizado com os alunos na primeira etapa

desse trabalho, as novas tecnologias – computadores/notebooks, celulares/smartphones e Tablets – estão muito presentes na vida desses alunos, no entanto,o seu uso não é estimulado para objetivos pedagógicos. Por meio da criação doblog pudemos perceber a importância das novas tecnologias nos processos deletramentos dos alunos surdos.

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As novas tecnologias são elementos importantes para aproximar o alunosurdo da língua portuguesa escrita e de outras línguas uma vez que na internetestá repleta de sites em outras línguas, inclusive com possibilidade de tradução,permitindo o acesso a diversos textos e a diversos assuntos. No entanto, sabemosque os enunciados modernos são formados por diversas semioses e não somentepela escrita e isso pode constituir-se em uma vantagem para o aluno surdo porser essencialmente visual. As novas tecnologias permitem também o contato dosalunos surdos com vídeos, imagens e novos sinais em LIBRAS, importantes paraa construção de conhecimento de mundo desses alunos em modalidadesacessíveis a esse grupo de alunos.

Além disso, a construção do blog permitiu dar um sentido à escrita doaluno surdo, já que eles tiveram a oportunidade de deixar seus comentários noBlog sobre a inclusão e outros temas e também receber comentários de outrosleitores. Esse fato foi importante por deslocar o surdo do papel de mero receptorde conhecimento para produtores de conhecimento, dando-lhes oportunidadede serem protagonistas e não apenas meros copistas.

SPINELLI, B. G.; SILVA, I. R.; BITTENCOURT, Z.Z.C.L. The multiliteracies and newtechnologies as forms of literacy for deaf students. DIALOGUS. Ribeirão Preto.v.11, n.1 e n.2, 2015, pp. 125 - 144.

ABSTRACT: The target of this work was to understand the importance of theassumptions of multiliteracies for the deaf students context in order to facilitate theassimilation of content and make them better understand the functioning of thePortuguese language and other school subjects. The initial aim of this study was tomap the use of new technologies for deaf high school students and see how theyused them for educational purposes. From these data, explore new uses of thesetechnologies , emphasizing reading and writing in Portuguese, proposing to deafstudents producing a material using new technology , in this case a blog.

KEYWORDS: deaf education; multiliteracies; new technologies.

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O PECS-ADAPTADO E A FLEXIBILIZAÇÃO DE UMPROGRAMA DE COMUNICAÇÃO ALTERNATIVA NO ENSINO

REGULAR

Cátia Crivelenti de Figueiredo WALTER*

RESUMO: O objetivo do artigo é descrever os resultados no uso de um programade comunicação alternativa destinado às pessoas com autismo em ambientenatural de ensino, precisamente no Atendimento Educacional Especializado (AEE).As reflexões serão descritas a partir dos resultados no uso do programa PECS-Adaptado (Walter, 2000) por dois alunos com autismo incluídos no ensino regular.Foi possível observar aumento na iniciativa e autonomia nos atos comunicativosdos alunos com suas professoras.

PALAVRAS-CHAVES: inclusão escolar; comunicação alternativa; autismo infantil;atendimento educacional especializado.

IntroduçãoOs problemas de linguagem que afetam um indivíduo nos primeiros anos

de vida podem trazer danos significativos ao seu desenvolvimento global. A criança,desde que nasce, aprende sobre o mundo em que está inserida através dastrocas com o meio e, principalmente, mediante as relações interpessoais,permeadas pela linguagem. Sob a perspectiva histórico-cultural, a linguagem éconstitutiva do individuo, é a via na qual, com a qual e sobre a qual se estabelecemas relações entre as pessoas e a cultura (Tomazello, 2003; Walter & Nunes, 2008).

A escolarização de pessoas com autismo continua sendo o grande desafioda Educação Inclusiva no Brasil. Os documentos oficiais do MEC sobre a inclusãode pessoas com necessidades educacionais especiais no ensino regular vêmpropondo a inserção do aluno em salas regulares de ensino e apontado oAtendimento Educacional Especializado (AEE) como forma de suporte pedagógicopara efetuar tal inclusão (Walter & Nunes, 2013). A despeito do anunciadocomprometimento da legislação e das ações governamentais com a inclusão, épreciso ter em mente que muitas delas têm respondido mais à necessidade deindicadores nacionais frente aos organismos internacionais do que garantido a

* Professora Adjunta do Programa de Pós Graduação em Educação da Faculdade de Educação daUniversidade do Estado do Rio de Janeiro. Brasil. Email: [email protected]

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qualificação do ensino nas escolas (Ferreira & Ferreira, 2004).Quando se trata de inclusão de alunos com TEA, o processo de inclusão

escolar tende a ser mais delicado e um grande desafio aos professores. Ocomprometimento na comunicação, interação social e a presença de padrãorestrito e repetitivo de comportamento podem acarretar prejuízos no sucesso doaluno na sala de aula regular e muitas vezes levam ao fracasso escolar dessaclientela (Camargo & Bosa, 2009; Braga, 2002). A inclusão de alunos com TEA éum processo complexo e pode ser um fator que dificulte a entrada de pessoascom esse diagnóstico em escolas regulares (Gomes & Mendes, 2010).

Os argumentos teórico-empíricos favoráveis à educação inclusiva têm sidoapresentados clara e repetidamente na literatura cientifica, ressaltando a extensãode seus benefícios a alunos com e sem deficiência diversa e seus professores.No cotidiano da escola, contudo, observa-se a crescente presença de crianças ejovens com graves dificuldades comunicativas e de um grande contingente dealunos não alfabetizados e com dificuldades para acompanhar o conteúdoacadêmico proposto pelos professores (Pelosi & Nunes, 2011). Forte liderançados gestores e do envolvimento da família, trabalho colaborativo dos professores,aproveitamento dos profissionais de apoio, formação inicial e continuada dequalidade dos profissionais de magistério, adaptações curriculares e o empregoplanejado e consistente de materiais didáticos adaptados e uso de sistemas decomunicação alternativa são apontados como componentes essenciais ao plenodesenvolvimento da educação inclusiva para todos os alunos (Downing &Peckham-Hardin, 2007; Schirmer, Nunes, Walter & Delgado, 2008; Pelosi, 2008;Bersch & Pelosi, 2007).

O prejuízo linguístico no autismo e nos Transtornos do Espectro doAutismo (TEA) envolve dificuldades na comunicação não-verbal, nos processossimbólicos, na produção da fala, nos aspectos pragmáticos da linguagem (Prizantet al., 2000), nas habilidades que precedem a linguagem, na compreensão dafala, no uso de gestos simbólicos e das mímicas (Perissinoto, 2003; Tomazelo,2003; von Tetzchner et al., 2004).

Segundo von Tetzchner e Martinsen, (1996), a Comunicação Alternativae Ampliada (CAA) também chamada de comunicação não-oral ou comunicaçãosuplementar refere-se a um ou mais recursos gráficos visuais e/ou gestuais quecomplementam ou substituem a linguagem oral comprometida ou ausente. Acomunicação alternativa engloba aspectos muito mais importantes do quesimplesmente o uso de recursos eletrônicos ou pranchas contendo figuras oupictogramas, ela necessita de interlocutores atentos e interessados em secomunicar com a pessoa que não comunica por meio da fala.

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Os distúrbios de comunicação do aluno com autismoExistem alterações na comunicação do individuo com autismo que são

caracterizadas por respostas inadequadas a estímulos auditivos ou visuais eproblemas graves na compreensão da linguagem falada. A fala tende a nãoaparecer e, quando ela ocorre, observa-se a presença de ecolalia, uso inadequadodos pronomes, utilização de estrutura gramatical imatura e inabilidade para usartermos abstratos. Geralmente, o individuo com autismo apresenta incapacidadena utilização social tanto da linguagem verbal quanto no uso de gestos eexpressões corporais (Walter, 2000; Perissinoto, 2003).

Em indivíduos normais, a aquisição da linguagem e a comunicação verbale não verbal se constituem em processos aprendidos naturalmente, a partir dasinterações sociais rotineiras. Na pessoa com autismo, a atenção deficitária e alimitada capacidade interativa, dentre outros fatores, prejudicam a aprendizagemdesses padrões de comportamento (Walter & Nunes, 2008). As autoras afirmamque as pessoas com TEA possuem significativas dificuldades na linguagem e,consequentemente na comunicação. Muitas vezes apresentam falta de intençãocomunicativa, o que torna difícil o processo de interação e relação social. Osdistúrbios na comunicação começam a ser percebidos paralelamente com odesenvolvimento da criança, desde os seus primeiros anos de vida. Tais problemasde linguagem podem trazer danos significativos ao seu desenvolvimento global.

Segundo Glennen (1992), cerca de 60% dos indivíduos com autismopodem desenvolver alguma forma de comunicação apenas se foremsistematicamente expostos a outras modalidades que substituam ou suplementemos padrões comunicativos existentes. Tal afirmação vem reforçar a teoria de quea Comunicação Alternativa vem contribuir de forma significativa no processo nodesenvolvimento e organização da fala das crianças com TEA.

Ao considerar o déficit de comunicação e o distúrbio de conduta comosintomas presentes e marcantes no quadro de autismo, seria lógico raciocinarque estes estão, na maioria das vezes, relacionados entre si. È muito provávelque a ausência ou dificuldade grave em comunicar e interagir com o outro, podeprovocar nesses indivíduos, a presença de condutas agressivas, inadequadas eestereotipadas (Walter & Almeida, 2008).

Não se pode negar o direito de expressão às pessoas com autismo e simgarantir melhores condições para uma comunicação mais clara, que envolvapadrões de comunicação padronizados no seu contexto, deve-se garantircondições comunicativas semelhantes aos indivíduos falantes. Sendo assim, éimportante elaborar e implementar programas alternativos de comunicação que

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possam suprir as necessidades comunicativas tanto no ambiente escolar comono ambiente familiar, uma vez que as pessoas com autismo permanecem muitomais tempo em casa do que na escola. As formas alternativas de comunicaçãodevem proporcionar um estreitamento na relação entre pais e filhos, alunos eprofessores, de modo que necessidades, desejos e emoções possam serexpressos e compreendidos tanto na casa, como em escola (Walter, 2009).

O PECS-Adaptado e sua aplicabilidade no contexto escolarGeralmente a Comunicação Alternativa e Ampliada (CAA) é vista como

um simples método de apoio à fala que poderia suprir a necessidade de secomunicar de pessoas que não falam. Muitas mães referem-se à CAA como umforte empecilho ao desenvolvimento da linguagem, podendo interferir na aquisiçãoda fala. Esse conceito está mudando, pois ele não condiz com a realidade. Muitopelo contrário, as pesquisas científicas vêm revelando resultados favoráveis aoaumento nas habilidades comunicativas em crianças não verbais, que,precocemente, utilizam sistemas alternativos de comunicação (Walter, 2000; VonTetzchner et al., 2005; Nunes, 2003).

O PECS - “The Picture Exchange Communication System” foi desenvolvidopara crianças com autismo e com déficit severo na comunicação oral. O sistemade comunicação alternativo consiste no intercâmbio de figuras como uma formainterativa de transmitir uma mensagem a alguém. As crianças são motivadas asolicitar algo desejado entregando um cartão de comunicação à outra pessoapara obter o item desejado (Bondy & Frost, 1994, 2001). Os mesmos autores têmutilizado esse programa e descrevem resultados animadores e importantes quantoà aquisição de habilidades linguísticas dessa população. Com efeito, criançascom autismo ampliaram o repertório expressivo por meio de figuras e outras pormeio da fala. Foi possível observar que algumas crianças iniciaram a fala deforma espontânea, após o uso do PECS e outras utilizaram as figuras juntamentecom a fala, tornando-se mais independente em suas solicitações diárias. O PECSjá é considerado um prática promissora, baseada em evidências e que vemcontribuindo amplamente no desenvolvimento da comunicação de crianças comautismo.

Uma versão deste sistema proposta no Brasil, com modificações em suaforma de aplicação quanto às fases do programa e às formas de registro, foidenominada de PECS-Adaptado (Walter, 2000). As adaptações propostas sebasearam na metodologia do Currículo Funcional Natural (Leblanc, 1991;Cuccovia, 2003) e consiste em um programa dividido em cinco fases, onde o

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interlocutor interage por meio do intercâmbio de cartões de comunicação com apessoa com autismo, ou com outros déficits severos na comunicação oral, queapresentam dificuldades para iniciar um diálogo de forma espontânea ouinabilidades sociais graves. Por exemplo, o PECS-Adaptado é indicado parapessoas que apresentam comportamento de retirar os objetos das mãos daspessoas ou que não conseguem apontar ou mesmo indicar para as demais ositens desejados.

Coma a finalidade de aplicar um programa de comunicação muito maisflexível, com estilo mais latino, o PECS-Adaptado não exige o ambiente tãocontrolado, como no PECS descrito por Bondy & Frost (2001), e pode foi adaptadoas condições ambientais onde se encontra a pessoa com autismo. Tambémforam modificadas a forma de aplicação quanto às fases do programa e suaforma de registro. No PECS-Adaptado o interlocutor poderá fazer instigações verbaisem todas as fases, mas deverá proporcionar a iniciativa comunicativa da criançacom autismo, permanecendo em silêncio alguns momentos e aguardando pelasolicitação do outro, por meio da troca dos cartões de comunicação.

O programa PECS-Adaptado deve ser utilizado em situações naturais efuncionais do cotidiano de uma criança com autismo e deve iniciar utilizando ositens de maior interesse de cada pessoa. Desta forma, o interlocutor deverácertificar-se que está diante de um item irresistível para determinada criança eque ela deverá realizar a troca da figura pelo item tão desejado. Assim o itempassa ser naturalmente reforçador e ela passa a solicitar novamente o item,entregando a figura do desejado ao seu interlocutor, de forma prazerosa. Ointerlocutor sempre deverá oferecer o apoio verbal, nomeando o item solicitado eproporcionando o modelo oral referente ao símbolo gráfico em questão. Umalista de itens preferenciais da criança e fornecida pelos pais antes de iniciar oprograma do PECS-Adaptado, com o objetivo de conhecer os itens maissignificativos e que sejam mais preferidos por cada indivíduo.

Os símbolos gráficos representativos dos itens utilizados no PECS-Adaptado podem ser desenhos, clip-arts, fotos, imagens, encartes ou figuras desoftwares específicos de comunicação alternativa. Os símbolos gráficos maisutilizados são os pictogramas contidos no software PCS (Picture CommunicationSymbols, Mayer-Johnson, 2011) e atualmente os símbolos do ARASSAC1, quepodem ser acessados gratuitamente. Os símbolos gráficos utilizados devem serrepresentativos dos itens de interesse das crianças com autismo e acompanham

1 Sistema gráfico gratuito, desenvolvido pelo Gobierno de Aragon, Espanha, disponível pelo site:http://www.catedu.es/arasaac/descargas.php#select

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a escrita na parte superior. O tamanho do cartão vai depender da capacidadevisual e geralmente inicia-se com um tamanho em torno de 5 por 5 centímetros eposteriormente os cartões poderão ser reduzidos com a finalidade de fixar maiscartões no álbum de comunicação da criança. Os cartões de comunicaçãodeverão ser reforçados com papel cartão, plastificados e conter velcro, em suaparte traseira, para serem afixados nos painéis, pranchas e álbuns decomunicação.

O PECS-Adaptado pode ser utilizado no contexto escolar, porém aindanecessita de pesquisas que comprovem sua eficácia e sua aplicabilidade emambientes menos controlados e mais naturais de ensino. Pensando nisso foirealizada uma pesquisa no munícipio do Rio de Janeiro, com o objetivo decapacitar professores da rede regular de ensino na aplicação e uso do sistema decomunicação alternativa, baseado no PECS-Adaptado, com alunos sem falafuncional inseridos nas escolas regulares, que frequentam as salas do AtendimentoEducacional Especializado (AEE). Os pressupostos metodológicos e os resultadosserão descritos a seguir.

MétodoTrata-se de um estudo quase experimental, intrassujeitos, observados

em linha de base e intervenção. O presente artigo apresenta os dados de uma dasetapas de um projeto de pesquisa maior, desenvolvido no município do Rio deJaneiro2, onde os professores do AEE receberam um curso sobre comunicaçãoalternativa e especialmente, sobre a aplicação do PECS-Adaptado no contextoeducacional. Após o término da etapa de capacitação duas professoras de salade recursos se interessaram em participar da aplicação deste sistema decomunicação alternativa com seus alunos, sem fala funcional e que apresentavamdiagnóstico de autismo. Cada professora atuou em sua sala de recurso, quecorrespondem as salas de AEE no munícipio do Rio de Janeiro, em duas escolasdiferentes. A seguir, pode ser observado na tabela 1 as descrições dos participantesda pesquisa:

Os procedimentos para a realização do presente estudo seguiram asseguintes etapas:

1. Contato com os familiares dos alunos: a professora fez uma reuniãocom os responsáveis dos alunos, explicando e apresentando a pesquisa e se amesma poderia ser realizada. Cada responsável assinou o termo de participação

2 Projeto financiado pela Faperj (Proc. N.º 110.106/2011), aprovado pelo edital Faperj n.º 21/2010 -programa de apoio à melhoria do ensino em escolas públicas sediadas no Estado do Rio de Janeiro.

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na pesquisa, assim como o uso de imagens para divulgação posterior,concordando com a participação dos alunos.

TABELA 1: Informações detalhadas dos participantes da pesquisaInformações dos sujeitos da pesquisa

2. Linha de base: para cada sujeito foram filmadas três sessões de linhade base, a fim de observar as atitudes e ações dos alunos antes da utilização doPECS-Adaptado. Nestas sessões de linha de base eram filmadas situações deinteração social e pedagógica da professora com o aluno, por aproximadamente20 minutos.

3. Sondagem de lista de interesse dos alunos: para a utilização do PECS-Adaptado é muito importante saber quais são os maiores interesses dos alunosque vão fazer uso deste sistema, pois é a partir das suas maiores vontades quesurgirá a vontade de se comunicar. Portanto, cada professora perguntou aosresponsáveis dos alunos quais eram seus maiores interesses em relação àalimentação (comida e bebida), brincadeiras e jogos e atividades.

4. Confecção de materiais de comunicação alternativa: após saber osmaiores interesses dos alunos, a pesquisadora e as auxiliares da pesquisaconfeccionaram cartões de comunicação com velcro no verso em tamanho 5 cmX 5 cm e utilizaram os pictogramas do PCS4.

Nomes3 Função Local da Salade Recursos

Tempo deatendimento

Total desessões

Carla Professorade AEE (P1)

Sala de AEE2 dias na

semana, 2 horaspor dia.

16Guilherme(11 anos) Aluno (A1)

Adriana

Luciano(8 anos)

Professorade AEE (P2)

Sala de AEE2 dias na

semana, 1hpor dia.Aluno (A2)

8

3 Todos os nomes são fictícios e foram alterados para preservar a identidade dos sujeitos.4 PCS - Picture Communication Symbols – Sistema de símbolos pictográficos e que podem ser encontradosno software Boardmaker (Mayor-Johnson, 2011)

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5. Fase de intervenção - aplicação do PECS-Adaptado: Como já foimencionado anteriormente, o PECS-Adaptado consiste em 5 fases distintas. Asprofessoras Carla e Adriana iniciaram a fase 1 com seus respectivos alunos. Noentanto, a filmagem das sessões com Guilherme começou antes que a de Luciano,e por este motivo, há mais sessões filmadas com o primeiro aluno do que com ooutro. Cabe ressaltar que por ter tido mais tempo de aplicação do programa,Guilherme conseguiu avançar até a fase 2 do PECS-Adaptado, enquanto Lucianopermaneceu na fase 1, até a conclusão desta investigação. A seguir serão descritosos procedimentos necessários nas fases um e dois do PECS-Adaptado,considerando que somente estas duas fases foram aplicadas no presente artigo:

Fase 1: para a realização da fase 1 do programa, a pesquisadora levavageralmente um biscoito recheado para a sala de recursos. A professora seposicionava próxima ao aluno, colocava o cartão sobre a mesa e próximo aoaluno. A pesquisadora se posicionava atrás do aluno, de modo que pudesseoferecer suporte físico quando fosse necessário, procedimento este previsto nafase 1 do PECS-Adaptado. A professora mostrava o biscoito e perguntava se oaluno desejava comer. O aluno mostrava interesse e tentava pegar o alimento. Apesquisadora então, vendo o movimento do aluno em querer retirar o biscoito damão da professora, direcionava a mão dele para o cartão sobre a mesa, e oapoiava a realizar a entrega do mesmo para professora, realizando portanto ointercâmbio do cartão pelo alimento. A professora recebia o cartão e entregavaimediatamente o item desejado, nomeando “biscoito”, e dizendo que haviacompreendido seu pedido. Esse procedimento era repetido sempre que a que oaluno mostrasse interesse em solicitar algo a professora e o suporte era retiradogradativamente.

Fase 2: na fase 2, a professora se posicionava um pouco mais distantedo aluno e este teria que se dirigir a ela para fazer a solicitação do objeto desejado,por meio do intercâmbio do cartão pelo item desejado. Um ouro arranjo esperadopara esta fase é a utilização de outro interlocutor para que o aluno possa solicitarseus itens de interesse a outras pessoas.

6. Análise dos dados: após a coleta dos dados, os mesmos foramanalisados através de transcrição das filmagens, onde foram contabilizadas astentativas de solicitação dos itens desejados pelo intercâmbio dos cartões decomunicação, mediante os níveis de suporte oferecido ao aluno, seguindo o critériodeterminado por Walter e Almeida (2010) e adaptado para o contexto escolar.Assim, para os alunos foram seguidos os seguintes escores, pontuados pelaprofessora ou pela pesquisadora, após análise dos sessões filmadas:

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• 0 – quando o aluno não fazia uso da comunicação alternativa parasolicitar ou informar algo que desejava ou retirava das mãos da professorao item desejado;• 1 – quando era necessário o auxílio físico de tocar no aluno,direcionando sua mão para o cartão de comunicação disposto sobre amesa, representando o item desejado;• 2 – quando era necessário oferecer auxílio verbal para que o alunopegasse o cartão de comunicação e o entregasse na mão da professora,realizando a troca do mesmo, pelo item desejado;• 3 – Quando o aluno necessitava de supervisão por parte daprofessora, ex: “se você quiser algo, você pode me pedir/ você desejaalgo? Me diz o que deseja!”;• 4 – Quando o aluno pegava a figura do item desejando dispostasobre a mesa e comunicava à professora, sem ser instigado previamente,iniciando o ato comunicativo de forma espontânea.A pontuação era anotada em uma folha de registro, que marcava a figura

desejada, número de tentativas de solicitação e o valor do apoio oferecido oureferente a autonomia, representado pelo valor 4, que era a nota máxima. Ao finalda sessão era realizada a média da porcentagem de apoio oferecido considerandoo número de tentativas e quando o aluno obtinha uma porcentagem maior que75% em três sessões consecutivas ou em cinco sessões alternadas, ele poderiaavançar nas fases do PECS-Adaptado.

Os dados quantitativos foram observados por mais dois auxiliares depesquisa com a finalidade de obter fidedignidade nos registros obtidos nas sessõesde linha de base e intervenção. Após análises das sessões filmadas foi possíveldescrever os dados qualitativos referentes aos comportamentos comunicativosdos alunos com suas professoras, no uso do PECS-Adaptado e no comportamentointerativo entre os participantes, assim como a emissão de vocábulos com funçãocomunicativa concomitante com a comunicação alternativa.

ResultadosA partir das análises dos dados de Guilherme e Luciano, observa-se

significativa mudança na fase de intervenção, em relação ao uso dos cartõespara se comunicar por intermédio do PECS-Adaptado. A figura 1 revela a evoluçãode Guilherme nas fases do PECS-Adaptado mediante os níveis de apoio oferecidopela professora Carla.

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FIGURA 1. Porcentagem referente a pontuação recebida por Guilherme nas fases de linhade base e intervenção do PECS-Adaptado.

É possível observar que na linha de base Guilherme não utilizava oscartões de comunicação para solicitar seus itens de interesse. Nesta fase, oscartões eram dispostos na sua frente mas, Guilherme preferia retirar o itemdesejado da mão da professora, que estava exposto pela professora. As sessõesde 4 a 10 demonstram o desempenho de Guilherme na fase 1, onde era exigidoa troca do cartão de comunicação pelo item exposto a sua frente, que foipreviamente checado, se este era do seu interesse. Nas sessões de 11 a 16, aprofessora deu início a fase 2 do PECS-Adaptado, onde o aluno inicia a solicitaçãodo item desejado, aumentando a distância entre professora e aluno e tambémincluindo a solicitação para outras pessoas, no caso foi utilizado o apoio de umaauxiliar de pesquisa. Observa-se que tanto na fase 1 como na fase 2, Guilhermenão apresentou grandes dificuldades em compreender os arranjos ambientais erealizar a troca do cartão de comunicação pelos itens desejados. O pequenodeclínio da pontuação entre as sessões 10 e 12 tem a ver principalmente, com amudança da fase 1 para a fase 2, onde o aluno teve de caminhar até a professorapara solicitar seu item de interesse e também iniciou o pedido para a auxiliar depesquisa, passando a comunicar para outra pessoa. Os itens de maior interessede Guilherme eram: biscoito, revista, pão e maçã.

É possível observar um desempenho acima de 70% em todas as tentativasde comunicação por meio do PECS-Adaptado por Guilherme, sugerindo umaótima compreensão por parte dele e facilidade por aceitar mudanças nas regrasimpostas pela professora. Também foi constado que a professora oferecia muitofeedback positivo para o aluno continuar suas solicitações por meio da troca de

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cartões e sempre emitia o nome dos itens após a solicitação de Guilherme, o quefavoreceu a imitação do aluno dos vocábulos correspondentes aos itenssolicitados. Desta forma, foi constatada evolução na nomeação de Guilhermedos itens solicitados pelos cartões, demonstrando organização lexical após o usoda CAA.

A figura 2 representa a evolução das solicitações de Luciano nas fases doPECS-Adaptado, na sala de AEE com a professora Adriana.

FIGURA 2: Porcentagem referente a pontuação recebida por Luciano nas fases de linha debase e intervenção do PECS-Adaptado.

As três primeiras sessões de linha de base, assim como com Guilherme,repetiu-se no desempenho de Luciano, que não demonstrou conhecimento pelacomunicação por meio do intercâmbio de cartões com sua professora, parasolicitar algum item desejado. É importante ressaltar que Luciano realizou apenasa fase 1 do PECS-Adaptado, representada pelas sessões 4 a 8, em consequênciado número de pois faltas e pelo início tardio das sessões com Luciano. Observa-se que Luciano teve uma evolução gradativa na pontuação, significando que acada sessão ele realizava a troca das figuras pelo item desejado com maispropriedade e necessitando de menor auxílio para comunicar-se com suaprofessora. Outro ponto importante a comentar é quanto a porcentagem de acertoe autonomia atingida por Luciano, demonstrada na figura 2, sendo que somentena sessão 6, ele atingiu índice maior que 75%, valor este, que deve ser mantidoem três sessões consecutivas ou em cinco alternada, critério necessário paramudança de fase no PECS-Adaptado.

Quanto aos dados qualitativos registrados pelas filmagens das sessõesde intervenção foi possível observar discreta mudança no comportamento

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comunicativo do aluno com a professora. Ele passou a buscar mais a professorapara solicitar algo desejado e, apesar de necessitar de mais apoio físico e verbalpara realizar a troca do cartão pelo item desejado, foi possível registrar momentosem que Luciano olhava para a professora, aguardando sua instigação verbal paraque ele solicitasse seu item de interesse. Apesar de Luciano faltar muito nassessões programadas pela professora apresentou evolução no uso do PECS-Adaptado e demonstrou seus interesses pelos brinquedos contidos na sala.Luciano emitiu poucos sons durante o processo de intervenção, não sendo possívelo registro de vocábulos.

DiscussãoO uso de sistemas de comunicação alternativa e ampliada para promover

a comunicação em contexto escolar tem trazido benefícios a toda comunidadeescolar – alunos, mediadores, pais e gestão escolar. As diversas investigaçõesenvolvendo o uso da Comunicação Alternativa no espaço da sala de aula apontampara melhora significativa no que se refere à prática pedagógica e também nasrelações interpessoais dos alunos não oralizados (Nunes, Azevedo & Freire, 2011;Schirmer, 2011; Silva, Oliveira, Silva & Pontes, 2011; Walter & Nunes, 2013; Nunes& Santos, 2015).

Foi possível observar pelas filmagens, que os alunos passaram aconsiderar mais a presença da professora como uma parceira de comunicação,e não somente alguém que segura um item desejado a sua frente. Na medida emque os alunos entregam um cartão de comunicação à professora, ou seja, realizamo intercâmbio pelo item desejado, eles passam a realizar uma ação compartilhada,comportamento este, que pessoas com autismo demonstram dificuldades emdesenvolver (Tomazello, 2003). Assim, proporcionar a comunicação por meio doPECA-Adaptado sugere a promoção das habilidades de compartilhar e iniciareventos comunicativos com outras pessoas.

O PECS-Adaptado se mostrou um eficaz programa de comunicaçãoalternativa para facilitar a comunicação de alunos com autismo no ambienteescolar. A professora Carla notou melhoras significativas na intenção comunicativade Guilherme, assim como este demonstrava sinais de satisfação ao saber quefoi compreendido pela sua interlocutora, como também aumento da emissão pormeio da nomeação dos itens desejados. A cada sessão, a professora se surpreendiamais com as mudanças no aluno, tanto comportamentais, como comunicativas eessas mudanças produziram efeitos positivos, tornando o aluno mais responsivo.Esta afirmação corrobora com os achados de Nunes e Santos (2015), que

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descrevem a evolução na linguagem oral de um aluno que recebeu intervençãoem CAA na sala de aula regular.

Importante ressaltar que é necessário investir nas outras fases do PECS-Adaptado com o objetivo de promover o desenvolvimento das habilidadescomunicativas de pessoas com autismo, desenvolvendo funções mais elaboradasda comunicação humana, como por exemplo: formular frases simples ecomplexas, emitir comentários, expressar sentimentos e formular questões.

Considerações FinaisO processo de inclusão de alunos especiais em escolas regulares ainda

apresenta desafios intensos e necessita de constante interface entre teoria eprática, a fim de buscarmos sempre caminhos inovadores e que beneficie a todosnesta relação mútua. Alunos sem fala funcional são ainda mais prejudicados, pornão serem compreendidos muitas vezes e por serem cobrados sempre por meioda fala. Barreiras como essas podem ser superadas se sistemas alternativos decomunicação forem oferecidos e se tornarem funcionais para estes usuáriosdialogarem com o mundo em sua volta.

Cabe salientar, o quanto a reflexão sobre a responsabilidade de favorecera comunicação, a inclusão e a escolarização destes alunos afetou cada um dosprofessores envolvidos, despertando a necessidade de analisar e refletir sobre asua prática, de buscar auxílios e trocas para transformar os seus comportamentos,bem como para aperfeiçoar suas práticas de ensino. Muitas outras pesquisasserão necessárias para que possamos desenvolver programas que revelem asmelhores práticas baseadas em evidências e assim, podermos contribuir cadavez mais com o processo de inclusão escolar e social de pessoas com autismo.

WALTER, Cátia Crivelenti de Figueiredo. The Adapted-PECSS and the flexibility ofan alternative and argumentative communication program in mainstreameducation. DIALOGUS. Ribeirão Preto. v.11, n.1 e n.2, 2015, pp. 145 - 162.

ABSTRACT: The purpose of this article is to describe the results using an alternativecommunication program for people with autism in natural teaching environment,precisely in the Specialized Educational Service (SES). The reflections will bedescribed from the results in the use of Adapted-PECS program (Walter, 2000) bytwo students with autism included in mainstream education. It was observedincrease in initiative and autonomy in communicative acts of students with theirteachers.

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KEIYWORDS: school inclusion; alternative and augmentative communication;autism; specialized educational service.

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PROCESSO DE INCLUSÃO DE ESTUDANTES COMNECESSIDADES EDUCACIONAIS ESPECIAIS NO ENSINO

SUPERIOR: UM RELATO DE EXPERIÊNCIA

Joyce Maria Worschech Gabrielli*Luciana Andrade Rodrigues**

Sueli Cristina de Pauli Teixeira***

RESUMO: O acesso ao Ensino Superior brasileiro tem se tornado maisdemocrático ao longo dos últimos anos, dando maior possibilidade de ingressode alguns grupos sociais historicamente excluídos, como, por exemplo, o daspessoas com algum tipo de Necessidade Educacional Especial (NEE). Sabendoque a inclusão de estudantes com essa característica já é significativa em muitoscursos de graduação e pós-graduação do país e que, desde 1994, com aDeclaração de Salamanca (ONU,1994), o mundo discute a organização dosespaços para que as pessoas com algum tipo de NEE possam conviver e aprenderjunto com todos os demais, é urgente que se (re)pense a formação dos professores,a acessibilidade institucional, a adaptação curricular e a avaliação nesse nível deensino. O presente trabalho objetiva relatar como uma instituição de EnsinoSuperior particular do Estado de São Paulo está se estruturando para atender estea público que precisa de suportes especiais para aprender e se desenvolverenquanto indivíduos e como profissionais capacitados para o mercado de trabalho.

Palavras-chaves: Inclusão, Deficientes, Ensino Superior

IntroduçãoAtingir o Ensino Superior é desejo e meta de vida para muitos jovens

brasileiros. No Brasil, temos aproximadamente 7 milhões de estudantes nestenível de ensino, de acordo com dados do IBGE (BRASIL, 2011a).

A busca por um diploma de graduação alicerça-se no fato inquestionávelde que a qualificação profissional traz ascensão profissional, aumento salarial e* Doutorado pela Universidade de São Paulo, docente do Centro Universitário Barão de Mauá. Email:[email protected].** Mestrado pela Universidade Mackenzie, docente do Centro Universitário Barão de Mauá. Email:[email protected].*** Doutorado pela Universidade de São Paulo, docente do Centro Universitário Barão de Mauá. Email:[email protected]

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da autoestima. Além disso, de acordo com Carvalho e Waltenberg (2014), aspessoas com maior grau de instrução têm um poder aquisitivo melhor, o que fazcom que estejam menos expostas ao desemprego, gerando, assim, maiorqualidade de vida para estas pessoas.

É sabido que o Ensino Superior chegou ao século XXI não mais só restritoà elite. Este âmbito de ensino está mais acessível às classes socialmente menosfavorecidas, especialmente porque o Brasil criou leis, decretos e resoluções quefavorecem o acesso de pessoas que, historicamente, tinham pouca condição deingresso e permanência em instituições educacionais, como, por exemplo, osnegros, os índios e as pessoas com deficiências (BRASIL, 1988; 1996; 1999;2001; 2008; 2011b; 2013).

Em vista desta maior acessibilidade, os ambientes educacionais brasileirosforam desafiados a buscarem acolher tamanha diversidade de estudantes. Vindoao encontro disso e reforçando a necessidade de responder a esta realidadeprovocativa, o Brasil acatou à perspectiva da Educação Inclusiva quando se tornousignatário da Declaração de Salamanca (ONU,1994, p. s/n), que

[...] consiste em afirmar que as escolas se devem ajustar a todas as crianças,independentemente das suas condições físicas, sociais, linguísticas ou outras. Nesteconceito, terão de incluir-se crianças com deficiência ou sobre dotados, crianças darua ou crianças que trabalham, crianças de populações remotas ou nômades, crian-ças de minorias linguísticas, étnicas ou culturais e crianças de áreas ou gruposdesfavorecidos ou marginais. Estas condições colocam uma série de diferentesdesafios aos sistemas escolares.

Sabendo que a palavra de ordem atual é a inclusão educacional e socialda diferença, neste texto será relatada a experiência de implantação do Núcleode Inclusão e Acessibilidade (NIA) do Centro Universitário Barão de Mauá, RibeirãoPreto/SP, com o objetivo de mostrar o processo de atendimento às necessidadespsicopedagógicas diferenciadas de estudantes com deficiência ou transtornosespecíficos que alteram a aprendizagem, visando a sua permanência e sucessoacadêmico/profissional.

Além do que já pontuamos acima, um relato desta natureza encontra suarelevância nos dados fornecidos pelo Ministério da Educação e Cultura (MEC), oqual coloca que pelo censo brasileiro de 2012 as matrículas deste tipo deestudantes passaram de 5.078, em 2003, para 27.323, em 2012, o que constituium crescimento de 438% (BRASIL, 2012).

Reforçando estes dados estatísticos, tem-se que 45,6 milhões de pessoasse autodeclararam com algum tipo de deficiência, sendo que 18,8% apresentam

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deficiência visual; 5,1% têm deficiência auditiva; 7,0% dizem ter deficiência motorae 1,4% apresentam deficiência intelectual (BRASIL, 2012). Ainda de acordo comdados do Censo da Educação Superior, de 2011, dos 6.739.689 estudantesuniversitários existentes no Brasil, apenas 0,34%, ou seja, 23.250 possuemNecessidades Educacionais Especiais (BRASIL, 2011a).

Outra justificativa importante para as discussões aqui colocadas está nofato de a chegada dos estudantes com algum tipo de deficiência nas universidadespúblicas ou particulares ter exigido mudanças que vão desde a acessibilidadearquitetônica da instituição até o processo de formação dos professores/gestores.Não há uma receita pronta para o acolhimento desses estudantes. Cada instituiçãode Ensino Superior (IES) está se organizando de maneiras particulares, construindosua própria proposta interventiva para cumprir as exigências do MEC com relaçãoao atendimento aos estudantes com Necessidades Educacionais Especiais(NEE). Acredita-se, portanto, que a experiência ora relatada poderá auxiliar outrasIES a aceitarem este desafio e iniciarem a construção de seu próprio projeto deeducação inclusiva.

A gestação e o nascimento do NIA-BMO processo de implantação do Núcleo de Inclusão e Acessibilidade (NIA-

BM) no Centro Universitário Barão de Mauá (CBM) teve início no ano de 2014 ecomo muitos projetos de grande relevância social, nasceu de um desconforto, deuma necessidade institucional. Conscientes de que têm uma missão públicacontra práticas discriminatórias, seletivas e elitistas presentes na EducaçãoSuperior de nosso país, os gestores do CBM implantaram o NIA motivados porpelo menos duas inquietações:

- A exigência do Ministério da Educação e Cultura (MEC) pelocumprimento do Decreto nº 7.611 (BRASIL, 2011b) que prevê a estruturação deserviços de atendimento ao estudantes com Necessidades EducacionaisEspeciais (NEE) no Ensino Superior como forma de reafirmar o compromissocom a promoção dos valores democráticos, com o respeito à diferença e àdiversidade humana;

- O aumento da procura e no efetivo número de matrículas de estudantescom deficiências nos últimos anos, constatação feita por meio de brevelevantamento acerca da quantidade e dos tipos de deficiências que estesapresentavam, realizado na IES, em 2013.

Na ocasião, pode-se averiguar que já havia 20 estudantes com NEEregularmente matriculados em diversos cursos oferecidos pela instituição:

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administração, marketing, gastronomia, psicologia, publicidade e propaganda,enfermagem, análise e desenvolvimento de sistemas, análise e desenvolvimentode sistemas, design gráfico, estética e cosmética, educação artística, serviçosocial, teatro, direito, pedagogia, história e recursos humanos. Também se verificouque as deficiências destes estudantes variavam, sendo elas desde os tipossensoriais (auditivo e visual), até os motores, intelectuais, com transtornos deespecíficos (dislexia, TDAH) ou com Síndromes, como, por exemplo, a de Williams.

Diante destas primeiras constatações, foi possível perceber a urgênciaem se organizar um projeto interventivo que apontasse alguns caminhos para queprofessores, gestores e funcionários possam atender às necessidadeseducacionais desses e de outros estudantes que viessem ingressar na instituição.

O NIA-BM foi concebido com os objetivos de possibilitar a construção deconhecimentos e provocar discussões acercas das diferentes maneiras de dotara instituição com plenas condições de acessibilidade em todas as suasmodalidades ou facetas (SASSAKI, 2002; BRASIL, 2005b), as quais são:

a) Acessibilidade Atitudinal: diz respeito à percepção do outro sempreconceitos e discriminações. Todos os outros tipos de acessibilidade estãointer-relacionados a essa, pois são as atitudes que estimulam ou não a retirada deobstáculos.

b) Acessibilidade arquitetônica ou física: refere-se à eliminação dasbarreiras ambientais. Os exemplos mais comuns desta forma de acessibilidadesão a presença de rampas, barras de apoio, banheiros adaptados, elevadoresadaptados, piso tátil, dentre outras.

c) A acessibilidade metodológica ou pedagógica é aquela quepromove a diversificação curricular, a flexibilização do tempo e a utilização derecursos para possibilitar/otimizar a aprendizagem de estudantes com NEE, como,por exemplo: pranchas de comunicação, texto impresso e ampliado, softwaresampliadores de comunicação alternativa, leitores de tela, entre outros recursos.

d) Acessibilidade Programática acontece quando se busca informar,ampliar o conhecimento e aplicar os dispositivos legais e políticas relacionadas àinclusão e à acessibilidade de estudantes com NEE. Essa acessibilidade éproclamada, também, todas as vezes que novas leis, decretos, portarias sãoformuladas com o objetivo de fazer prosseguir os direitos humanos em todos osseus aspectos.

e) Acessibilidade Instrumental: é aquela que se propõe a ultrapassaras barreiras nos instrumentos, utensílios e ferramentas de estudo (escolar), de

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trabalho (profissional), de lazer e recreação (comunitária, turística, esportiva).f) A acessibilidade nos Transportes é observada quando existe

transporte coletivo à disposição dos estudantes sendo que aqueles que têm algumtipo de limitação locomotora conseguem fazer uso do mesmo com segurança eautonomia.

g) Acessibilidade nas Comunicações diz respeito à eliminação debarreiras na comunicação interpessoal. Um dos exemplos de acessibilidade é apresença do intérprete na sala de aula em consonância com a Lei de LIBRAS eDecreto de Acessibilidade (BRASIL, 2004; 2005a).

h) A acessibilidade Digital que está presente quando há os acervosbibliográficos em formato acessível e também quando se utiliza diferentes recursose ajudas técnicas para que o estudante tenha acesso ao conhecimento,independentemente de sua deficiência.

Desta forma, inicialmente, o foco do NIA-BM voltou-se para a confecçãode um projeto que buscasse assegurar não só o ingresso na IES, masespecialmente em oferecer condições integrais de participação e aprendizagema todos os discentes, garantindo sua permanência na instituição e posteriorinserção no mercado de trabalho.

Planejar e organizar adequadamente espaços de educação no CBM paraindivíduos com NEE, garantindo o ótimo funcionamento de seus próprios recursose o desenvolvimento de potencialidades de todos os seus agentes (estudantes,famílias, profissionais), tornou-se um dos principais motes do NIA-BM.

Os primeiros passos dados do NIA-BMBuscando garantir acessibilidade, permanência e sucesso acadêmico

durante todo o processo educacional, a implementação da inclusão educacionalde estudantes com necessidades de atendimentos especiais foi organizada desdeo vestibular até a conclusão de curso. Com esta finalidade em vista, algumasações institucionais têm sido adotadas. Elas serão descritas a seguir.

a) Escrita cuidadosa dos editais do vestibular e apreciação dosdocumentos comprobatórios.

O suporte é dado ao estudante desde o momento da seleção. Para issohá alguns cuidados discriminados já nos editais dos processos seletivos da IES.Um desses cuidados refere-se à solicitação de apresentação de laudos e relatórios

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detalhados que comprovem a deficiência em questão e necessidades de apoio jáno ato de inscrição deste estudante.

A análise documental é feita pela equipe NIA-BM que verifica se osdocumentos são atuais e se foram emitidos por órgãos competentes ou porprofissionais habilitados, como, por exemplo, para a Dislexia vale apenas os laudos/relatórios emitidos pela ABD, Associação Brasileira de Dislexia.

Outro ponto importante nesta averiguação é constatar se os laudos trazema descrição da problemática, a listagem dos recursos técnicos que devem serutilizados em aulas e nas avaliações, se apresenta conclusão diagnóstica e outrasorientações interventivas. Embora não se deixe de oferecer os suportes solicitadosna ausências desses dados, as informações neles contidas, se adequadas econfiáveis, tem se mostrado de suma importância, servindo, portanto, de nortepara a orientações feitas pela equipe do NIA-BM, sobre o tipo de suporte que ainstituição deve oferecer, tanto pontualmente, no vestibular, quanto ao longo detodo processo acadêmico do estudante, caso este efetivamente se matricule.

É importante destacar que todo este processo é registrado pela equipe,compondo arquivos impressos e digitais, os quais ficam disponíveis para consultasposteriores.

b) Interface com profissionais da saúde e parceria com as famílias.Como todo atendimento específico ao estudante tem como ponto de

partida a apresentação do relatório e/ou laudo de um ou mais profissionaishabilitados, a troca de informações com os diferentes agentes externos que oatendem - psicólogos, psicopedagogos, médicos, fisioterapeutas, dentre outros -tem se mostrado bastante profícua.

A entrevista com a equipe multidisciplinar mostra-se necessária, poisembora o laudo com CID-10 (Classificação Internacional de Doenças) (OMS,1997;2008) seja um documento padronizado e o profissional da área da saúde jáesteja habituado a fornecê-lo aos seus pacientes, as recomendações à instituiçãode ensino muitas vezes são superficiais ou incompletas, o que possibilitainterpretações vagas ou dúbias, podendo acarretar prejuízos na efetivação dosdireitos do estudante com NEE. Desta forma, é muito importante que asrecomendações escritas sejam esclarecidas, que sejam objetivas, de modoque não reste dúvidas acerca de quais são as necessidades educacionais doestudante.

Aliado a isto, comumente é feito contato com os pais, sempre com oobjetivo de obter maiores esclarecimentos ou orientá-los no auxílio aos estudos

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em casa e outros cuidados que se fizerem oportunos à inclusão educacional doestudante. Estes encontros também têm servido para o estabelecimento de umaparceria instituição-família, garantindo maior proximidade no trato com oestudante, o que tem se mostrado de grande valia para seu sucesso acadêmico.

c) Atendimento direto ao estudante, via assessoria a coordenadores,professores e gestores.

A inclusão deve permitir que todos os estudantes tenham igualdade noacesso ao currículo do curso, por meio de atividades diferenciadas, adaptadas e/ou modificadas, de acordo com seu perfil cognitivo e funcional (BRASIL, 1999). Por isso, como parte do processo de inclusão dos estudantes com NEE, o NIA-BM sistematicamente se reúne com coordenadores, docentes, auxiliando naconstrução de novas estratégias metodológicas e encaminhamentos avaliativos,visando um atendimento adequado às necessidades individuais do estudante.

Professores são orientados pelo NIA-BM a seguirem as mesmas rotinasdo restante da classe, oferecendo atendimento diferenciado ao estudante quandofor necessário. Para tanto, tal como se dá com docentes, gestores e famílias,também temos mantido relação próxima e diálogo com o estudante com NEE ebuscado:

- Garantir que ele tenha acesso às tecnologias assistivas, quando fornecessário;

- Prover material didático especializado e/ou adaptado conforme suanecessidade, tanto durante as aulas, quanto durante as avaliações;

- Fazer gravações de materiais didáticos para disponibilizar ao estudantecom esta necessidade;

Corroborando as ações tomadas e acima pontuadas, temos o Decreto3.298, de 20 de dezembro de 1999 (BRASIL, 1999), que dispõe sobre a PolíticaNacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência, que estabeleceo que as instituições de Ensino Superior devem: “[...] oferecer adaptações deprovas e os apoios necessários, previamente solicitados pelo aluno portador dedeficiência, inclusive tempo adicional para a realização das provas, conforme ascaracterísticas da deficiência”. (BRASIL, 1999, p.s/n).

Embora esteja previsto em decreto, neste aspecto, destacamos o quãodesafiante tem sido para o NIA-BM implementar diretrizes para que os estudantesfiquem e participem inteiramente da vida acadêmica, se apropriando dos seusdireitos de estar na sala de aula, valendo-se e compartilhando do conhecimentoali produzido. Parece-nos que a dificuldade se deve, em parte, à formação do

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professor no Ensino Superior que conta com pouco ou nenhum conhecimentoespecífico na área da Educação Especial, alicerçando preconceitos e resistênciasà novas práticas.

No decorrer do trabalho foi possível evidenciar que o uso de recursossimples, como gravador e/ou computador adaptado, bem como a presença deum profissional de apoio pedagógico ao estudante ainda é encarado como regaliae não uma - por vezes, a única - possibilidade para o desenvolvimento integral doestudante com NEE.

Tal constatação revelou outro desdobramento da atuação do NIA-BM: anecessidade sine qua non de oferecer formação sistemática e continuada aosdocentes/gestores para que atuem em salas de aula inclusivas, elemento que sesabe ser essencial para o efetivo sucesso do estudante com NEE em instituiçõeseducacionais.

d) Formação sistemática e contínua em serviço.Desde o início foi possível perceber que o sucesso da inclusão

educacional envolve uma diversidade de ações, dentre os quais está a atuaçãoda equipe de profissionais da IES, especialmente professores e coordenadores.

Por meio de seu trabalho, o NIA-BM notou certa rigidez de pontos de vistapor parte de alguns dos profissionais do CBM, amparados sob um discurso dequalidade de ensino, fato comumente observado em meios educacionais e quenada mais é do que o resultado de uma sociedade que ao longo de sua históriaestigmatiza as diferenças humanas e estimula a competição entre os indivíduos.Esteban (2001, p.28) alerta: “[...] o discurso da busca da qualidade pode estarocultando uma prática cujo o objetivo é aprofundar as distâncias sociais,econômicas e culturais entre os indivíduos [...]”.

Diante disso, foi possível perceber que durante os momentos de formaçãoem serviço organizados pelo NIA-BM era preciso dar ao grupo de docentes/gestoresa oportunidade de re-significarem sua forma de trabalho e de reformularem suaspráticas pedagógicas na perspectiva da educação inclusiva.

Isaías diz a esse respeito:O desenvolvimento profissional docente, [...], compreende um processo sistemático,organizado e intencional que envolve tanto os esforços dos professores em suadimensão pessoal e interpessoal, como a intenção concreta das instituições nasquais eles trabalham de criarem condições para que o processo se efetive, possibi-litando, assim, a construção de sua professoralidade (2007, p. 153).

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A formação continuada para a equipe do CBM, está organizada de formacontínua, com horários flexíveis, possibilitando que todos possam participar. Ocronograma é semestral e contempla diversos temas, indo desde legislação,caracterização das deficiências até a discussão de estratégias metodológicase avaliativas.

Utilizando dinâmicas de grupos e discussões – o que permite escutar econhecer o que o docente precisa, onde está sua angústia - objetiva-se que amédio prazo o grupo possa incorporar que os direitos são iguais a todos e queestes devem ser colocados em prática por meio do reconhecimento de que aequidade educacional implica em diversidade de tratamento pedagógico. Naspalavras de Beche, Silva e Vargas:

Pensar no diferente não significa unicamente atribuir ao sujeito mais ou menos capa-cidades e possibilidades. Significa, sim, deixar de lado parâmetros estabelecidos etrabalhar a partir do que seja ‘diferente’; proporcionando, assim, atendimento espe-cializado para aqueles que dele precisarem (2004, p. 24).

Para otimizar este processo instrucional, o NIA-BM encontra-se em fasede elaboração de textos informativos para circulação e consulta interna, o que,em nosso ponto de vista, poderá auxiliar a IES na prática da inclusão dos discentescom NEE.

CONSIDERAÇÕES FINAISA experiência tem sido gratificante, mas muito há que se fazer ainda para

que nossos estudantes com NEE se sintam verdadeiramente incluídos. Embora odesafio do NIA-BM continue, podemos afirmar que o princípio do processo decompreensão sobre como incluir pessoas com necessidades educacionaisespeciais neste âmbito de ensino já começou. Sabemos que o ponto de partida évalorizar a plena participação do estudantes em todo o processo educacional.

Por isso, o nosso projeto interventivo está comprometido em garantir oacesso a toda a clientela que busca o Ensino Superior, sem que haja qualquerbarreira que venha a atrapalhar seu processo de desenvolvimento. Para tanto,sabemos que o sucesso da inclusão de estudantes com necessidades específicasnas IES provém das possibilidades de se conseguir que avancemacademicamente, o que só será possível por meio do ajuste das práticaspsicopedagógicas organizadas para esses aprendizes.

Tal conquista só será alcançada quando pudermos compreender queos problemas de alguns educandos não são apenas deles, mas derivam, em

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grande parte, do modo como se idealiza e avalia díade ensino-aprendizagem.

GABRIELLI, J. M. W.; RODRIGUES, L. A.; TEIXEIRA, S. C. de P. Inclusive schoolingprocess for students with special needs in graduate education: a testimony ofexperience. DIALOGUS. Ribeirão Preto. v.11, n.1 e n.2, 2015, pp. 163 - 174.

ABSTRACT: Access to the Brazilian graduate education has become moredemocratic over the past few years, providing a greater possibility for some socialgroups historically excluded to start college; for instance, people with some kind ofSpecial Educational Needs (SEN). Knowing that the inclusion of students withthese characteristics is already significant in many undergraduate and graduatecourses and, since 1994, with the Declaration of Salamanca (UN, 1994), the worldhas been discussing the organization of spaces for people with some kind of specialneeds to be able to live and learn together with everyone else, it is urgent to (re)thinkteacher training, institutional accessibility, curriculum adaptation and assessingthis level of education. This study aims at reporting how a graduate educationinstitution in the state of São Paulo is being structured to meet this public, whichneed special support to learn and develop themselves as individuals and as trainedprofessionals for the labor market.

KEYWORDS: Inclusion; disabled; Higher education.

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ARTIGOS

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O NATURALISMO EM JOHN DEWEY E A TRANSCENDÊNCIAEM PAULO FREIRE: ENSAIO CRÍTICO SOBRE O

ENFRENTAMENTO DOS DESAFIOSFILOSÓFICO-PEDAGÓGICOS

Antônio Marques do VALE*

Ivan Aparecido MANOEL**

RESUMO: Este trabalho trata do Naturalismo em John Dewey, contrário a todaautoridade, filosofia e religião anteriores ao seu tempo. Estabelece um paralelocom um Paulo Freire profundamente libertário. Dewey pensa num indivíduo socialpara a indústria, mas Freire quer uma nova sociedade. Adotada abordagemdialético-fenomenológica, critica-se o “religious” de Dewey e se apresenta ohomem como “feixe de relações” aberto ao Transcendente. Valores em Deweynão impedem recusar releituras elitistas.

PALAVRAS-CHAVE: Filosofia da educação; Naturalismo; Transcendência;Indústria; Diálogo-Debate.

IntroduçãoA pesquisa1 realizada pretendeu atender à questão sobre o naturalismo

no filósofo e pedagogo norte-americano John Dewey (1859-1952) e, como quenuma resposta crítica, ressaltar as afirmações e sinais de abertura à* Doutor, Professor Associado da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG, PR), Departamento deEducação.** Doutor, Professor Titular da UNESP, Campus de Franca-SP, Departamento de História.1 Muitos seriam os nomes, e por isso é preciso ser sóbrio: o primeiro autor, Doutor Antônio Marques doVale, agradece a todos os que cooperaram com o principal desta pesquisa em Chicago. Gratidão pelasgenerosas mediações de Pe. Dr. Sebastian MacDonald, C.P., e do Professor Dr. Peter Casarella,Universidade DePaul. Ainda, são lembrados a UEPG, Ponta Grossa-PR, Brasil, e a UniversidadeDePaul, Chicago-Illinois, USA, com o Supervisor Dr. Chris Tirres, e a hospitaleira Congregação Passionista.Ainda agradece sinceramente a numerosas pessoas que, pelo estímulo e mediação, ajudaram para queuma Licença Sabática se realizasse. Doutro Ivan Aparecido Manoel, pela participação no Grupo dePesquisa, “Filosofia, História e Educação” e tarefas afins, teve presença constante na discussão e nodebate dos muitos problemas e resultados aqui trazidos; verdadeiro coautor, teve presença constante naelaboração dos resultados e na revisão final. Professor aposentado, prossegue com importantes investigaçõesprincipalmente no campo da história do Catolicismo no Brasil. Reconhecimento aos autores aqui discutidos:enriquecem este trabalho, mas estes pesquisadores saberão atribuir apenas a si próprios limitações que aboa crítica apontará. [email protected]

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transcendência no brasileiro Paulo Freire (1921-1997). A educação em Freireapresenta afinidades com a Escola Nova de Dewey, pois que aquele foi leitordeste; bem cedo, porém, a crítica a Dewey achou espaço em vários textos deFreire. Para ser adequada e produtiva, uma crítica em torno a obra de alguémdeve dar conta dos ganhos reais e também das dificuldades e contradições;assim, com esta investigação em torno ao naturalismo de John Dewey.

Esta pesquisa partiu das interrogações sobre as dificuldades que abase naturalista do pensamento de Dewey pode colocar: filosoficamente, oproblema de resistir ou não a uma investigação exaustiva e, pois, comunicável, ede favorecer ou não, com abrangência teórico-práxica, a construção da realidademundanal e abertamente humana; pedagogicamente, e em conexão com aorganização das diferentes sociedades, o problema do caminho para formaratitudes melhores nos muitos monitores sociais e mestres, perante a juventudeque eles têm diante de si. Especialmente, será contemplada a expectativa deabertura de adultos e jovens à concepção de homem capaz de se transcender, ouseja, capaz de superar injustiças e conivências nas relações e na organização dosocial, e igualmente de se abrir ao divino como atraente expressão da bondadesem limite e convocação a um agir correspondente. Pedagogicamente, ainda,um problema impreterível é o de, em última análise, os formandos se tornarem ounão prontos e aptos a adotarem posições: aptos a bem situar-se contra as injunçõesde elites que, tradicionalmente, impuseram modos desumanos de viver (e desviver);prontos a assumir compromissos com o ser humano real e histórico e a continuar,no meio das ambigüidades, resgatando lições e experiências de velhos caminhosna humanidade solidária, revisando e moldando formas eficazes de solidariedade.Utopias analisáveis, sonhos freireanos, impulsionam as pessoas a dar sempremais de si mesmas, em liberdade consciente; então, homens e mulheres ousamresistir com criatividade a tudo o que cerceia a positiva participação de todos e decada um. Nas expressões transcendentes do dar muito de si, e do receber comagradecimento, se mostram caminhos para construir decisões pertinentes à justaorganização social; na cooperação e na partilha mais profunda no uso dos bensdisponíveis, bem como no desfrute individual e societário, livre e justo, se projetae se rege um planeta igualitário e, pois, viável.

Em atenção a numerosos aspectos do universo latino-americano, emesmo do universo norte-americano % onde sempre viverem sob opressãoparcelas significativas das populações nativas e também imigradas %, a pesquisadestaca dois tipos de construtiva suspeita: a suspeita de tipo marxiano % semfalar de insistências afins em Nietzsche e Freud %, a reclamar um mais radical

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questionamento, seguido de profunda análise, em especial sobre escandalosasrelações de exploração na produção, na distribuição e no consumo dos bens; e asuspeita metodológica, ativada por importantes contribuições do métodofenomenológico, a propor, este, o exame mais atento sobre todos os eventos ecada uma das muitas dimensões que compõem a existência humana. Estesegundo elemento mencionado, o método fenomenológico, como rediscutidopor vários investigadores e filósofos do século XX, inclusive norte-americanos,implica na vontade e coragem de defrontar-se com o mais fundo da realidade domundo e do homem. Sobretudo no Ocidente, esses filósofos e autores tomam asério a reivindicação por melhor análise da realidade, bem como a impositividadedos reais contextos em que se situam grupos, comunidades e nações % pessoas,trabalhadores, educadores ou educandos, todos intelectuais afinal. Neste debateamplo com os pensadores John Dewey e Paulo Freire, nossos examinados, sãotrazidas à roda linhas referenciais de Karl Marx, Antonio Gramsci, Edmund Husserl,Xavier Zubiri, Ellacuría e Jon Sobrino, Gabriel Marcel, Juan Luís Segundo. Diantedo naturalismo, nas suas diferentes nuances e propostas, o ponto de vista críticotomou em consideração a exigência epistemológica e dialética do cultivo dasuspeita; igualmente % sem perder de vista a provocação dos desajustes nasrelações reais %, acatou a exigência de análise persistente das muitasdeterminações da realidade e das históricas soluções aventadas no campofilosófico-psicológico e noutros, como também, portanto, no religioso.2

Entre os resultados, numa unidade comunicável que impulsiona a novasinvestigações e debates, está o chamado à solidariedade com as maioriasoprimidas da América Latina e, enfim, de todo o planeta. A seguir, ainda, a chamadapara a questão das identidades e também dos grupos religiosos, e religiõeshistóricas, convocados a responder à graça com nova gratuidade e, também, asuperar a realidade puramente natural sempre marcada de ambiguidade. E maiscoisas.

O naturalismo de Dewey, como o de certos outros pedagogos, se expôse se expõe ao grave risco de ficar ao serviço dos que, tendo-se apoderado deelementos da natureza física, se isolaram no alto para sobre ela decidirem. JohnDewey não é um cético simplesmente, mas um intelectual apressado eacomodado na sua militância. Foge de perguntas com freqüência. Repetidamente,nos seus textos, cede ao perigo de, previamente, determinar o lugar social dacriança, do adulto, do imigrante, como também o lugar dos mais afortunados dequalquer tipo de elite; e ele não relata aos vilipendiados e às vítimas de onde foi2 Ver Marx (1999, p.39).

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que, estabelecida e inquestionável, proveio uma direção geral à sociedade (ou aoEstado), à qual lhe toca servir. Assim, muita vez, somente resta aos oprimidosvirem para a luz, em silêncio, e adaptar-se numa atitude abnegada de colaboração.Revela-se difícil discutir o problema da liberdade e, nesta como noutras áreas,entre belezas e ambiguidades, o projeto de John Dewey acaba definindo demais.

Freire, na constância de uma vivência sincera segundo a tradição cristãde opção católica, e sem alardes para humilhar quem quer que seja, com espíritoaberto, realista e crítico, sugere a opção preferencial pelos oprimidos desde bemjovem, permanecendo fiel à causa até o fim. Também resulta das investigaçõesde base que toda pesquisa finca fundamentos sobre a participativa análise darealidade e dos contextos, sem obedecer a donos já fixados. A nova visão sobre arealidade é levada com boa dose de humildade; por isso que ainda se abre aperguntas e novas perguntas, à escuta, e a outras investigações. Na mesmaexperiência sensata e humilde do inacabado, o educador demonstra descer,com prioridade, ao chão do mais oprimido, que aprende e que ensina3.Neste trabalho, colocar John Dewey e Paulo Freire em conjunto não implica emnada parecido com complementaridade. Atende a uma exigência de crítica, poisa opção clara de Freire pelas maiorias empobrecidas sustenta o seu jeito únicode fazer educação, apontando caminhos para rever e superar as ambiguidadesque caracterizaram boa parte da obra deweyana e dos escolanovistas.

1- Evolução do pensamento de John Dewey num caminho “naturalista” ouexperimentalista

Numa expressão para o grande público, assim foi definido o“naturalismo”. “Naturalism is a metaphysical theory that holds that all phenomenacan be explained mechanicistically in terms of natural (as opposed to supernatural)causes and laws. Naturalism posits that the universe is a vast ‘machine’ or‘organism’, devoid of general purpose and indifferent to human needs and desires”4.Na continuação, ainda é esclarecido que o naturalismo equivale, muitas vezes, aateísmo, materialismo, e outros ismos. Esse breve artigo também explica que osdeístas admitem um criador do universo; transcendente, mas como não interferena Natureza, é desnecessário para que se possa entender o mundo. Deus aparece,3 É nesse sentido que Freire se exprime ao dizer, em Pedagogia do Oprimido, que o oprimido, inclusive,educa o opressor; nesse sentido do serviço, o teólogo Jon Sobrino, num método próximo à fenomenologia(Zubiri), escreveu que a missão de ensinar consta da vida dos pobres, pois eles também ensinam naIgreja. Ver Sobrino (1985).4 The Skeptic’s Dictionary. http:// www.skepdic.com.

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afinal, como hipótese desnecessária, supérflua para a investigação científica.J. P. Dougherty, em seu artigo recente para uma Enciclopédia Católica,

considera que com John Dewey o naturalismo se fortaleceu na filosofia norte-americana e atingiu maior expansão. É atinente às teorias de Dewey a observação,nesse artigo citado, sobre a inaceitabilidade da tese naturalista de que oconhecimento certo seja somente o conhecimento chamado científico (Dougherty,2003). Em resumo, pois, o que Dewey comunicou no seu livro “Experience andnature”.

O caminho de John Dewey, ele ainda bem jovem, vai na direção de umpeculiar tipo de monismo; ele mesmo se quis chamar de “monista” (Hickman,1992). Muitos homens sem nenhuma crença o consideram também ateu, namedida em que percebem nele a constante retomada de posições radicalmentecontrárias a qualquer afirmação do divino. Entretanto, no período de sua juventude,conforme as “Correspondências”, fora apresentado como “verdadeiro e leal emmatéria de religião”5, bem como pessoa de “irreprochable moral character” peloprofessor H. A. P. Torrey, seu amigo principal e muito fiel6; até certa idade, najuventude, dera sinais de interesse por atos religiosos, como quando foi ao serviçoreligioso do domingo, em Burlington, onde ensinava – trata-se de uma carta ànoiva Alice. Ali, nessa igreja, sentiu que os anos trouxeram expressiva troca depessoas7.

Em 1884, porém, já demonstrando novo tipo de segurança, faz crítica aoscurrículos, revela sua preocupação com a falta de abertura para as ciências;inclusive, augura “thorough scientific treatment of Philosophy” nas Universidadese Faculdades8. Só mais tarde afirmará explicitamente ser um “monista”, preferindoporém, ser chamado de experimentalista, ou, melhor, de “instrumentalista” % defato, tentará ir descobrindo cada vez melhor a influência da tecnologia e damaquinária na construção da própria sociedade; este o sinal de que pensava nosocial, isto é, pensava na unidade da sociedade. Em seguida àquela conquista desegurança íntima, não surgiram mais evidências de ter frequentado a comunidadereligiosa de fé cristã (protestante). Certas hesitações na fé, já na adolescência,pareciam arrebentar num grande distanciamento, e foi afirmado que aos trintaanos de idade já se definiu como um “unbeliever” (Guinlock, 1985). John Dewey eAlice Chipman se casaram em 1886; por essa época, seguro no trato com aspessoas, mesmo com seus professores antigos, continuava leitor de Goethe e5 1883.04.03 [00426]. In: Hickman 1992.6 1883.04.05 [00427]. Ibid.7 1885.06.25 [00014]. Ibid.8 1884.01.17 [00429]. Ibid.

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ostentava crescer nele o interesse por tecnologia e indústria9.Desde 1879, estudando na recém-fundada Universidade de John Hopkins

(Baltimore, 1876), se enfrentara com duas posições: a idealista-metafísica de tipoescocês, com hegelianos e kantianos à frente, e a experimentalista, a linha dasimpatia do primeiro Presidente Daniel Coit Gilman. Na sua tentativa de reconciliarreligião e ciência, o jovem Dewey aderia mais a T. H. Green, Edward Caird eGeorge S. Morris. Do outro lado, porém, revelava ter herdado interesse porproblemas epistemológicos, e, então, por compreender “a natureza da mente, daverdade, do conhecimento”. A investigação ante estes últimos problemas veiomarcar, sobremaneira, a sua caminhada de oposição à metafísica, como tambémdefinir para sempre a sua crítica a toda tradição filosófica, educacional e religiosa(White, 1964, p.3-7). Aqui, é interessante lembrar, em Dewey, o supramencionadoobjeto da epistemologia colocado sob o termo “natureza”; interessa analisá-lorapidamente, dada a sua afinidade com o experimentalismo que ele, sobretudo,abraçou de vez após o ingresso na Universidade de Chicago (1895).

Na sua obra de 1916 (Dewey, 1966), Dewey ainda usará de umaconceituação formal, com natureza reminiscência hegeliana: tratará de “Natureza”,não como o conjunto de realidades empírico-materiais, mas tratará de naturezacomo “ideia”. Observar a seguinte expressão, após mencionar “the nature ofphilosophy”: “Our further task is to extract and make explicit the idea of philosophy,implicit in these considerations”. Igualmente, fala de “natureza do método” (p.64),da “natureza da experiência” (p.139), ou da “natureza do tema a discutir” (p.180).Sempre se trata da idéia que ele tem, explicada, comunicável, numa teoria isentade dualismos, de modo que aparecem em unidade, sobretudo, quanto àexperiência após a reflexão, o elemento ativo e o passivo (ver p.139).

E, junto com a apresentação teórica, o uso do conceito “problema” (Dewey,1966, p.323-324). Nesse parágrafo, Dewey apresenta o que, anteriormente, nosseus radicais e otimistas propósitos experimentalistas, poucas vezes desejouapresentar: problemas, mais do que soluções, valorização diferente da filosofia, ea confissão de não ter explicações para tudo no âmbito do “social”. Esse tópico aíreferido nos introduz em algo que se tornou chamativo na parte final de umaimportante obra de comentário (McDermott, 1973)10. Poder-se-ia dizer que sãoalguns “nós” que pediriam discussão mais profunda. Ao lado da admiração pelacompetência metodológica de John Dewey (p.575), McDermott estaria propondo9 1886.04.01 [00039]. Ibid.10 Ver em John J. McDermott 1973, p.575-723, o capítulo VIII, com longos extratos de Dewey, sob este título: “Experience as Problematic:Ethical, Political, Religious and Social Dimensions”.

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que, malgrado a força de convicção de Dewey - quase inflexível -, teria sido bemque este admitisse não trazer boa resposta a notáveis questões no corpo de suafilosofia pretensamente totalizante.

A obra de Stephen M. Fishman e Lucille McCarthy (2007) procura construir(reconfigurar), para Dewey, uma filosofia da esperança, respigando nos textosdele, com o fim de obter um paralelo com outras filosofias da esperança; é umtrabalho de fôlego, no qual analisam também o brasileiro Paulo Freire, o francêsGabriel Marcel e o norte-americano C. R. Snyder. Steve (nome simplificado notexto) cita motivos pessoais pelos quais divulga e defende os valores de Dewey:são ajuda nas dificuldades encontradas na revisão de sua própria educação,apoio para entender e melhorar a própria tarefa na sala de aula, desafio ante avida e os esforços para melhor vida atual. (p.xvii-xviii). Steve enfatiza o tema dagratidão perante o que os nossos antepassados (ancestors) construíram e perantea natureza, de modo que também deve incrementar seu significado no seu meiopresente, mantendo os hábitos de vida decente e refinada (refined). Steve mostraa tendência a insistir na “adaptação”, bem como no “crescimento” e no “progresso”.Concordando com Marcel quanto à questão sobre o mau uso da ciência, queimpediu maior justiça social, Steve diz que tais foram percepções de John Deweytambém; entende que os julgamentos da vida acontecem, e que cada um se vaiajustando de novo e a cada vez (again and again: p.52), e agindo por nós mesmos(p.53). Desta vez, Steve chama de “naturalista” a Dewey (deixando Marcel comoum “supernaturalista”).

Em ambientes religiosos, a tendência que predominou foi a de apresentarDewey como um monista (Dewey usou do termo) ou um não-teísta. Para esclarecer,se pode recorrer a J. A. McWilliams, que, num comentário a Dewey, explicou:“...monism means that there is only this world, there is nothing else” (Williams,1942, p.140). Admitido que esse mesmo autor, corretamente, diz que monismo %embora não mencione Deus % é igual a panteísmo e que, então, os monistas semostram “so gluttonous for religion that they gratify their appetite on everything”(p.141). Agora, se põe em aberto um outro problema, que é o do otimismo comumaos monistas, muito dados à alegria, mas também dispostos a fugir à consideraçãodas dificuldades que a vida coloca no caminho de milhões (p.206).

Ora, com Stephen Fishman e Lucille McCarthy são ressaltadas ascontribuições de Dewey para a pedagogia e a filosofia da educação, mas estetrabalho prossegue propondo uma abordagem sincera dos limites do filósofonorte-americano.

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2 - Especificações sobre o significado do naturalismo de John Dewey porele mesmo e comentadores

John Dewey insistiu muito por afastar do pensamento do homem todotipo de dualismo. Por isso, se engolfou numa batalha contra as tradições, filosofiase autoridades anteriores, dualistas todas elas segundo sua concepçãoexperimental e progressiva; tradições e “tradicionalistas”, portanto, surgiam comomerecedores de forte descaso. Dewey devia ter admitido, porém, algumadualidade e visão dialética sobre a realidade, quer dizer, também alguma correçãoaos seus pontos de vista. A questão deverá ser desenvolvida nas páginas seguintesdeste trabalho.

Não fica bem claro entre os comentadores qual foi o processo interior,no jovem Dewey, que se concluiu pelas declarações pelo monismo e tambémpelo abandono da fé cristã – a fé que ele compartilhara com a família na IgrejaCongregacionalista. Nesse caso, os seus defensores somente festejam umdeterminado progresso visto na conquista de independência e autonomia, e nãoadmitem questão. Houve quem tentasse detectar uma rebelião pessoal, anunciadana adolescência, por influências negativas advindas, ou da personalidade de paie de mãe, ou da falta de um caráter religioso definido no caro professor Torrey.Fez um caminho para o materialismo desde cedo, e as cartas poderiam expressaralgo nesse sentido. (Ver Correspondence). Uma breve biografia sua deixa entenderque antes dos quarenta anos de idade já se declarava pessoalmente comomaterialista (Guinlock, 1985, p.150).

No seu Instrumentalismo (ou Experimentalismo), Dewey foi fechando umaopção por uma filosofia ao seu modo. Influência maior, as aulas de George SylvesterMorris; através deste, encontrou Hegel e também Francis Bacon, e ainda aprendeucerta empáfia (trapping) (White, 1943, p.12-15). Da condição de professor envolvidocom Filosofia da Educação e Pedagogia em Michigan, Dewey, já aceito por WilliamHarper, partiu para a jovem Universidade de Chicago, para aí ensinar na Pedagogia,e depois fundar o Laboratório de Pedagogia. Mais que tudo, porém, foi desenvolvendosua filosofia, que apareceu de corpo inteiro na obra escrita junto com alunos seus1887. Surgiu, aí, uma “Escola” de pensamento filosófico em Chicago, para admiraçãode Peirce, o professor que em Michigan, em 1887, havia recebido com algumdesdém o primeiro livro do jovem Dewey, do “pobre Dewey”.

Ele foi afirmando uma filosofia experimental-instrumentalista propositiva,dir-se-ia militante. A militância se pode captar por claras expressões em “A CommonFaith”, livro largamente divulgado (Dewey, 1934)11, ou mesmo num outro livro,11 A primeira edição foi a de 1916.1886.04.01 [00039]. Ibid.

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resultado das conferências no Japão em fevereiro e março de 1919 (Dewey, 1921).Sua militância podia constar como sinal daquela (ainda) hipotética rebeliãosupramencionada ou ainda como resultado do impacto produzido pelo professorMorris. O fato é que ele abandonou o trabalho da sala de aula com crianças ejovens e, já em New York, preferiu dedicar-se às “Lectures”; com isso apoiavafinanceiramente os filhos. Nas “Lectures”, foi consolidando as próprias posiçõesfilosóficas pragmático-experimentalistas e até se arrojando a falar também ele deuma “filosofia americana”.

Em linhas gerais, e a partir de obra de 1927 % foi definitivamente revisadaem 1929 (Experience and Nature, segunda edição revisada) %, é apresentado talexperimentalismo, ao qual ele mesmo chamou de “naturalismo empírico” (Dewey,1971). No Prefácio, Dewey informa tratar-se de um método do naturalismoempírico, com a ajuda do qual aceita a situação presente e as conclusões daciência moderna (p.xvi); adverte que há valores que devem ser reforçados, enquantooutros valores vão ser destruídos. Assim, prosseguiu com o método que,devidamente fiel à natureza, não pode invocar como “salvação”; pelo contrário,esse método inspira a mente a, com coragem e ante as perplexidades de ummundo novo, criar novos ideais e valores. (p.xiv-xv).

O capítulo I, introdutório a essa obra de 1927, avisa que não se trata deconclusões agnósticas, mas de um crescimento progressivo que indica umanatureza (ao modo darwiniano) sempre a despontar. (p.23). O segundo capítuloguia para a experiência vivida naquele período dos anos 20 e distingue umempreendimento prático no qual se dá a recorrência de estabilidades, fatos e leis,e também um lado teórico: pluralidade, mudança, coisas particulares. As filosofiasprocuraram sufocar esse lado teórico, diz Dewey, mas a ciência combateu aingênua fixidez de substâncias e ficou com os eventos qualitativos. Os várioscapítulos seguintes sugerem, em especial, numa nova filosofia, a restauração dacontinuidade, visto que, não podendo mais separar natureza e experiência, já nãointeressa considerar um objeto de pesquisa (subject matter) (p.329), mas,sobretudo, interessa assumir a ciência como método crítico. (p.332-334). Depoisde expor uma teoria dos valores que vai para além da fluidez bergsoniana – ver odécimo e último capítulo – Dewey oferece palavras finais de conclusão, repetindoque, sem separar natureza e experiência, se tem de promover a harmonia e derestaurar a continuidade. (p.xx; p.352-354).

Como outros trabalhos de Dewey, esse não apenas inclui aepistemologia, mas, sobretudo, aborda as questões de ética. Quanto à ética, elejamais se salvou de algumas contradições: a da teleologia com a recusa dos fins;

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a da progressividade e da continuidade; a do otimismo em tomar a natureza comorealidade tão ordenada e capaz de se renovar sempre para permitir ganhar “againand again”; a de desprezar a inteligência dos outros povos, dos religiosos, dosantigos, dos pequenos; a de tomar pouco a sério as lutas contra a opressão epelos direitos humanos.

Prerrogativa maior dessa “filosofia norte-americana”, de certo a principalpara Dewey, é a de ser uma filosofia social. Social, porque – a sua concepção –tem de auxiliar para a edificação de uma sociedade mais dada ao conhecimentoreflexivo, igualitária, harmoniosa e eficiente, configurando-se apenas ao presenteque se vive. Assim que a educação deve servir à transformação social.

Dewey recusa uma teleologia, já foi dito, recusa tratar de fins, mas comfrequência, se refere a uma progressividade e uma direção. E ele foi cobradoquanto à perda do indivíduo em suas teorias, % os fins não seriam mesmo deeleição do indivíduo %, como também quanto à negação dos fins. Alan Ryan,comentador de Dewey, concorda que este seja criticado, pois abusa da negaçãodos fins. Ryan percebe que é convincente a crítica lançada por Robert Hutchinscontra Dewey com este teor: “… we can defend Mr. Dewey’s goals, and Mr. Deweycannot. All he can do is say he is for them. He cannot say why, because he canappeal only to science, and science cannot tell him why he should be for science orfor democracy or for humana ends” (Ryan, 1995, p.341). Segundo Dewey, que sereporta às teorias de Darwin, a natureza já não consta como o lugar da ordem,quando, de fato, se percebe que a natureza não é assim tão “ordenada” no social.Ora, Steve Fishman12, assumindo-se como deweyano e exaltando Dewey, adotaum otimismo exagerado ao aceitar a aplicação da teoria evolucionista como umtodo ao campo do social e do conhecimento. Num encômio à orientação biológicade Dewey (contra Gabriel Marcel, pela transcendência, pelo “sobrenatural” [p.44]),Steve assume tal posição de excessivo otimismo ao dizer que o avanço se dá pelo“adjust again and again” e que, no caminho, cada um age por si mesmo (“we actfor ourselves”), como também arrisca muito para ganhar muito (risking a lot togain a lot [p.52-53]). De fato, Steve parece desconhecer o que verificaram osestudiosos das teorias da administração: que há um jogo-de-ganhar-e-perder, eque não é possível ganhar sempre. Aqui, mais uma vez, Dewey e o deweyanismose revelam muito reticentes, fracos, em termos de dialética13.

Gabriel Marcel será retomado adiante, mas pode constar aqui umabreve proposição tirada do seu texto acima mencionado: “(...) from my own

12 Ver Fishman and McCarthy (2007).13 Idem.

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standpoint, the distinction between the natural and the supernatural must berigorously maintained”14. É uma afirmação que se pode abrir à dialética e, nomínimo, convoca para uma forte e construtiva discussão; é pertinente a afirmação,e, se não promete ser a última palavra, já consta como importante provocaçãopara a mesma discussão.

John Dewey detém crenças e convicções muito seguras. Ele crê nanatureza, como aparece ela em conceitos retirados de Rousseau15. Rousseausempre influiu com este seu ensinamento: “education is a process of naturalgrowth”; a criança, pois, na sua infância, deve experimentar o que é ser criança(p.13); como animal jovem que é, a criança quer dedicar sua vida ao movimento,à atividade; se não foi adaptada pela natureza à inação, também o não foi paraabsorção de fatos complicados (p.14). Em velhos tempos, os pais acreditavamque as crianças deviam ficar sentadas na sala, ouvindo o professor, falando sóquando autorizadas a falar; os pais mandavam obedecer. (p.79). Todos pensavamnuma disciplina imposta por “autoridade”, de modo que o pequeno selvagem setornasse um homenzinho. Entretanto, segundo Rousseau e Dewey, na liberdade epor si, a criança descobrirá o jugo da necessidade mantido sobre o seu pescoço,e aprenderá que precisa do apoio dos adultos, do professor; achando-se no mundodas coisas, poderá testar os próprios impulsos e, descobrindo-se num mundosocial, encontrará o que pode ou não pode fazer. (p.82-83). Convencido de que seaprende para agir socialmente e para a sociedade, Dewey teceu prolongadoscomentários sobre visitas a uma escola onde aplicavam o método de MariaMontessori: ele observou, negativamente, que os monitores orientavam, aí, paraum trabalho muito individual, mas aprovou a liberdade de que as crianças gozavamnesse modelo. (p.84-96).

John Dewey crê na escola, especialmente depois de ter observado ascrianças no espaço escolar. Ele sonha que se construa a democracia, como aentende; adquirem construí-la com as crianças, pois que elas, gostando de agir eaprendendo a agir, adquirem na mesma escola, aos poucos, os conceitos dereconstrução e progressividade, de progresso, de indústria e trabalho; indo alémde suas dramatizações, adquirem formação para o trabalho e a responsabilidade.(p.72). Evidentemente, junto com as professoras, Dewey chega a uma teoriapedagógica rica e atraente, atraente também quanto ao trabalho; não abre mão,porém, da recusa a discutir se é um trabalho livre ou não o que realizam nasociedade do seu tempo.

14 Marcel 1948, p.30.15Ver J. Dewey, and E. Dewey 2008, p.13-14; p.79-96.

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Em seu naturalismo, Dewey descarta as religiões. Em nome dos seusconceitos de sociedade, de serviço, de autoridade, Dewey rejeita grupos antigosou históricos, religiões com seus líderes ou mestres. No livro intitulado “A CommonFaith”, se pode conferir o que ele diz, inclusive quando distingue entre “religião” e“religious”. Ele admite uma fé, mas fé no conhecimento apenas; é uma fé científica,porque ele, na suposição de que as autoridades religiosas não apoiaram a ciênciae não formaram para o social, para o serviço aos demais e para o trabalho, agorapropugna uma fé na mesma ciência e contra quase tudo o que é antigo emtermos de filosofia e também de religião. Como já foi exposto, o naturalismo anti-dualista de Dewey implica, sobretudo, a confiança no empírico e na “experiência”.Seu recusa de dualismos exclui a fé em Deus, no sentido como é apresentadapela vivência dos diferentes povos e grupos religiosos e pelas diferentes teologias.Sua crítica vai a tudo e a todos que favorecem alguma “superstição” (Dewey,1967, p.312-313). Sem dúvida, com a perda da filosofia, e com a imposição dafilosofia deweyana, ainda fica uma pergunta, não descartável, à qual ele nãooferece resposta satisfatória: “O homem, quem é ele, afinal?”. Malgrado o otimismopragmático ou interessado, ínsito em muitos norte-americanos, deve ser mantidaaberta a discussão, sempre reveladora de muitas contradições.

A obsessão que, no seu “instrumentalismo”, rege os esforços de Deweypela superação de todo e qualquer dualismo acaba sufocando o homem sob apura materialidade da natureza e a pura empiria. Ele põe a perder qualquer aberturado homem ao que se chamou de inefável, indizível, inenarrável, não aprisionável,imutável, o desconhecido, o mistério, o “Absoluto”; considera que o “Desconhecido”(Unknown) só prejudicaria uma vida melhor para todos. E Dewey se fica, então, nametafísica da pura mudança de um puro Heráclito, de platônicos e neoplatônicos,e como reapareciam em Hegel. Nada de permanência, nem de Parmênides,nenhuma dialética enquanto oposição, mas a mudança da mudança (Dewey,1971, p.45-46). De fato, ele polariza na sua oposição a toda filosofia e tradiçãoreligiosa % acaba deixando vivos alguns empíricos, especialmente Francis Bacon% e oposição a outros grupos “culturais”. Querendo corroboração para a sualinha filosófica, Dewey deixa que a exaltem como a “filosofia americana”, e não dáa lição maior, a do humilde aprofundamento na realidade, no contexto; como queesquecido de que outras pretensões entrariam ou entram de permeio, escapa aocontrole do debate.

Tem pertinência o que aqui convém lembrar: toda filosofia, limitada notempo e no espaço, leva a sua marca cultural.

Muitos comentadores de Dewey, mesmo se concordes ou

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condescendentes diante dele em vários pontos, mostraram a dificuldade delepara a discussão fundamental sobre direitos humanos; fugia à questão sobre umvalor intrínseco da pessoa humana e, pouco dialeticamente, sem análises,imaginava preservar um superior interesse do “social” (Betz, 2003, p.18-41). Umamigo e discípulo dedicado à sociologia, e quase contemporâneo, Alfred Schutz,lamentou que Dewey não tivesse seguido as propostas da fenomenologia eassumido aquela tendencialidade de Husserl, que implica em considerar tanto osujeito, como o objeto, para, então, buscar análises mais consistentes. Foi ocaminho também de Webb (Webb, Rodman, 1978). Para enriquecimento dasposições de Schutz, Rodman sugere prestar melhor atenção às ciências sociais,principalmente a uma Sociologia bem científica e refletida, ciência com a qualteve trato e experiência por longos anos; insiste que “experience has an integraland dialectical connexion with both ego and world”. (p.106). Os dois, Schutz eWebb, detectam sérias lacunas nos posicionamentos básicos de John Dewey e ocriticam, ainda que terminem por valorizá-lo grandemente.

De posições católicas, dois dados podem ser apresentados. Atento aodestaque alcançado pela obra deweyana, James Collins descobre, na naturezaque Dewey desenha, um homem que se põe como responsável pelo seu própriodesenvolvimento, um agente no qual transpira o fazer e o desfazer; difícil pois,acompanhar Dewey, que representa uma crise de valores, alguém que, jovem eapressado, quis sobreviver a um acelerado abandono de posições idealistasanteriores (Collins, 1960). A seguir, Thomas P. Neill já é expressivo no título de seuartigo (Neill, 1960), no qual também manifesta quase que a mesma coisa, falandoda ambivalência quanto ao passado. Este pesquisador fica ainda pensando naexpressão de cunho popular usada por um professor de New York: como seconhece a altura de um homem pela extensão de sua sombra no solo, seja ditoque Dewey projeta longe a sua sombra. Parece ironia? Pode ser. Certo é quemuitos teriam querido contemplar, em Dewey, mais intensos raios de luz a iluminaros caminhos da filosofia e da educação no seu País.

Importante referir que, em torno ao sentido da filosofia, ou em torno a umsistema filosófico, pode reinar grande diversidade de opiniões. Mas, há temasque são recorrentes, jamais ocultáveis. É que o objeto teima, então, por voltar àbaila nas discussões, e o sujeito não permanece sozinho, triunfando por si só.

Se de análises se trata, sobra o que e por onde buscar. Uma radicaloposição às religiões em Dewey assevera que elas obstruem o caminho aoprogresso. Ora, o progresso tecnológico alcançado até finais do século XIX, epelo século XX afora, se deu em meio a frequente rumor de celebrações religiosas

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de tipo variado e impulsionado por pessoas que tinham fé; isso, seja dito, desde aIdade Média. Os discípulos de Dewey também ostentaram atitudes diferentes, oracom explícita radicalidade antirreligiosa (Sidney Hook, Estados Unidos), orasuperando azedumes e, com prontidão, voltando a trabalhar no âmbito do público,na medida em que era possível e em que a conjuntura permitia as novidades (umexemplo em Anísio Teixeira, Brasil). Ademais, quando se dispôs a falar de Emerson(1902), Dewey caiu numa situação contraditória ao rebaixar a figura do artista.Verdade que ele manifestou respeito pelo transcendentalismo holístico deEmerson, mas haveria de diminuir o artista. Na ocasião, mencionou no artigo afigura (predominante) da “patronage”; o “patron”, detendo os meios financeiros,submetia o artista, como que um dócil hóspede. Uma questão de radicalidade, enão fica mesmo claro se criticaria alguma associação poderosa nas realizaçõessocioeducativas, pois que a “patronage” já representou a dominação da burguesiae do rei, na Idade Média e na Renascença, enquanto o intelectual tinha de cair nasubserviência.

E outras perplexidades se insinuam, como sobre a relação entrepluralismo e a própria defesa de um indefinido “religious” numa obra que trata defé apenas no poder do conhecimento científico. Falta de análises, principalmenteeconômicas. E sempre de novo, na sua vaga democracia, a insistência numcontrole sobre as vozes de quem trabalha. Daí a opção, em Reconstruction inPhilosophy, por aquela (hegeliana, bem parece) opção prussiana de que o Estadodeve ser o coordenador de todas as associações (Dewey, 1921, p.203-204). Semfalar da ausência de impacto, em Dewey, da Escola de Frankfurt, a qual já advertiasobre os perigos da visão unidimensional do homem (o tecnológico em H.Marcuse) e falava do desligamento de indivíduo e comunidade e vice-versa (osestudos de Theodor Adorno).

Como foi dito, John Dewey reflete devagar, não muda muito. É mesmomilitante, porém; e então cresce a interrogação se, no seu naturalismo, terá gruposfortes às suas espaldas e quais.

Com seriedade filosófica, ninguém justificaria afirmar o descaso pelavelha Europa, por suas Universidades, intelectuais e políticos, povos inteiros eculturas, levas de migrantes com sua contribuição tecnológica e crítica, e mesmopela fé e sentimentos cristãos arraigados.

Essas interrogações, impreteríveis, conduzem a lembrar Paulo Freire, oqual, pela abrangência de sua síntese filosófica e pedagógica, aponta riscos eequívocos nas propostas dessa filosofia norte-americana. É necessáriocontemplar o ser humano como ser multidimensional e, então, ter em vista os

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limites do pragmatismo e experimentalismo de Dewey e as contradições na suaconcepção do “social” e da solidariedade. Tal pragmatismo deixa desaparecer oindivíduo e o “diferente”, sobretudo aquele que alçaria voz “diferente” em meio àmonotonia dos refrães elitistas. Dewey comete excessos nas “polarizações” dasua militância; um exame sério em torno a isso mal começou.

3 - Trajetória de Paulo Freire, o conjunto de sua obra e a crítica da escolanova

A experiência de Paulo Freire na educação é outra, especialmentequando abraça honestamente a proclamação do direito dos pobres à dignidade ea uma boa educação. Versão “popular” e crítica de “Educação para todos”, numpositivo e real favorecimento às maiorias e a cada oprimido. Ideologicamente, émais convincente que as colocações filtradas e “equilibradas” da UNESCO, dasmodernizadoras “idealidades” do brasileiro Anísio Teixeira ou do paranaenseErasmo Pilotto. Freire, como alfabetizador, educador de adultos e formador deprofessores, como filósofo da educação e filósofo político, já atraiu a atenção atéde muitos norte-americanos desde os primeiros escritos.

Paulo Freire adverte para ter cuidados com a insistência no apenas mudar.Só isso já revela ter lido, sim, John Dewey e o seu discípulo William Kilpatrick.Veja-se o livrinho de Freire Educação e mudança, de 1981. Aparecem aí doislugares, ao menos, em que ele emprega termos de Dewey16, num sinal explícitode que pretende debater. Além dessas expressões pontuais, examina a questãodo “adaptar”, que implicaria aceitação subalterna. Sem se importarem com queJohn Dewey e alguns comentadores insistam em diferenciar entre o “adaptar” e o“ajustar”, Freire e outros reagem. John Dewey foi, sim, homem “do seu tempo”,como foi comentado: a cada década dos seus trabalhos, pois – também na décadade 1920 %, viveu em contextos que ele até recusava analisar abertamente. Suaintenção taylorizante de inserir os trabalhadores e imigrantes num processoobediente de boa produtividade ficou ostensiva. Fez análises unilaterais e a pessoahonrada do trabalhador ficou para depois. E ainda, Dewey bem pouco criticou acientífica sociologia da administração de Winston Taylor, que projetava o controlede tempos e movimentos para “otimizar” a exploração da mão-de-obra na indústria.E depois, com dificuldade se achariam nele as experiências tímidas, mas positivas,da escola de administração das Relações Humanas, de Elton Mayo, comopassariam por longe as propostas mais atraentes de Mary Parker Follet (Quincy,

16 Ver Dewey 1971. Dewey reprova a ideia bergsoniana de Deus e diz que mudança da mudança épirotécnica cósmica, é “prescrição”.

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1868 – Boston, 1933), a qual soube mostrar o conflito como inocultável “fato davida”.

A obra de Dewey insiste sobre a “novidade”. Não é nisto original, pois a“novidade”, em geral muito própria dos textos dos pensadores esotéricos, reconduzpara o idealismo das leituras gnóstico-neoplatônicas e renascentistas, bem comopara o entusiasmo pela ciência, para o romantismo, para os projetos da nova eiluminada burguesia, proprietária e industrializante. O entusiasmo de Dewey pela“nova ciência” e pela “novidade” foi o que mais chegou a suscitar os seus excessosde radicalização de que acima já se tratou.

Reflexão filosófica, Paulo Freire a coloca em Pedagogia do Oprimido eem Educação e mudança, entre outras obras.

Na linha crítica de Freire, se tem de reconhecer validade, tanto a Heráclito,como a Parmênides; faz viver a constante dialética do mudar e do permanecer:com a coragem para assumir um e/ou outro, e não fugir a uma exigente análisede qualquer situação nova. Um livro com rica exegese dos pré-socráticos deGérard Légrand17, intima a vigiar contra o equívoco de certas polarizações, porqueParmênides, longe de apenas um metafísico e abstrato, é alguém com os pés narealidade empírica; e porque o fluido, em Heráclito, se junta também com a firmezae a estabilidade do Logos, do Discurso. E, sobretudo, é interessante ver como oalemão Jörgen Rüsen, nas suas investigações sob o título História Viva (2007), sedispôs hoje a reafirmar criticamente o valor da tradição. A partir desses dados sebusca ver como é produtivo ler e entender Xavier Zubiri (1984), que foi chamadoo último dos grandes metafísicos; não precisa assustar-se ninguém, se logo outrossurgirem. Bons fenomenólogos oferecem ajuda para interpretar Paulo Freire,valorizar o seu espírito: de serviço autêntico às maiorias do Brasil, fidelidade àAmérica Latina e ao mundo.

Alguns sérios equívocos em torno a Paulo Freire também ganharamespaço entre comentadores nos Estados Unidos. Alguns pretenderam atribuir-lhe, como atrás já ficou explicado, um objetivo quase que único, a saber, lutarcontra o analfabetismo de uma população campesina considerada miserável.Teria parecido um idealista ingênuo, traçando para si a missão de um técnicoalfabetizador, desarvorado, mesmo que atraente aos olhos das multidões de pobrescampesinos. Com efeito, Paulo Freire oferece grande riqueza em termos degenerosidade (boniteza, entenda-se), mas precipuamente, a capacidade de sériosexames da realidade, exames feitos a partir do real. Ele, de posse de um título degraduação universitária em Direito, ou passando a ser professor no meio das17 Ver: Gérard Légrand 1997, especialmente os capítulos sobre cada um dos filósofos, Heráclito e Parmênides.

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maiorias pobres, não se dedicou à alfabetização e educação elementar semmais, nem projetou nunca a imagem de um sentimentalista romântico ou de umradical ingênuo. Se ele trabalhou com o campesino, foi em dura e gratificantesolidariedade, convicto de que mais aprendia do que ensinava; a mesma coisa noexílio distante, depois. Portanto, afirmações de incompreensão não desprestigiamo legado freireano. Simplesmente, Freire não admite o descaso pelo pequeno.Trabalhou com o campesino, sim, mas angariou e formou monitores, professores,lideranças de muito valor.

Betz entendeu que Freire não teve diante de si apenas os mais “miseráveis”dos brasileiros; amou-os, porém, e viu o povo todo com dignidade e com direitos.Um potencial de vida mais humana, inclusive porque inteligente (Betz,1992: p.110-111). A ação suscitada no meio dos pobres, e o mesmo protesto vindo do opressor,historizam a fé, a transcendência de quem se abre aos pequenos sem se impormeias medidas. Na imanência, então, muitos e muitos saíram da condição detímidos analfabetos. Foi um bem que a América do Norte se tivesse voltado paraPaulo Freire, mesmo para o relerem; mas também há que lhe ser fiel, deixar queFreire seja Freire. Certos intérpretes, em eventuais “reconfigurações” interessadasnão devem suprimir o passado de Freire, nem fazer dele um deweyano. A históriaimpede igualar os dois filósofos. Alguns comentários pareceram negar-se a revercomo se deu o movimento de populações no Nordeste Brasileiro e no Brasil todo,quando a força de estruturas econômicas injustas arrastava levas e levas para ascidades, num êxodo rural intenso e antes jamais imaginado. Se não se sabe docontexto de Freire, nada de Freire se sabe. E um discurso “qualquer”, ou se tornainócuo ou muito cruel.

Tem-se de pensar na força ideológica do rádio, especialmente nos anos40 e 50; tratava da leitura e da escola e mexia com os sonhos de futuro que os paisnutriam quanto aos filhos. Claro que o velho rádio falava de realidades em rápidosresumos – muito rápidos embora, alguma informação circulava e aguçava asinteligências. Os mais idosos de hoje souberam como no final dos anos cinquenta,e até os setenta, no Brasil, o discurso vago das promessas de trabalho estável e desalário mensal serviu de propaganda para afastar muita gente da área rural – e ohomem da lavoura e da fazenda migrou para a periferia da cidade. E então, sim,bateu a fome à porta de quem, antes, tivera o que comer a cada dia na roça.Durante o período de governo de exceção, pela ditadura militar de liberais comseus financiadores, foram planejadas reformas educacionais, com adaptação aoprojeto econômico que, para as elites, o momento parecia requerer. Um novoinstituto nacional de alfabetização, o MOBRAL, ajudava em algo, mas facilitava a

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manipulação política, enquanto a filosofia e o método freireanos, mais autênticospor seu lado humanizante, traziam para debaixo da luz a face escondida darealidade brasileira. Era difícil, aliás, a confrontação com os meios decomunicação, já bem poderosos, fossem eles renovados ou novos.

No período subsequente à ditadura militar, houve debates e revisãoeducacional; nem tudo alcançou êxito total, mas o método de Paulo Freireanimava muita gente, e ele até apareceu como o mentor da reeducação entreclasses médias que chegavam a desejar um País com real participação popular.Falava-se de abertura democrática; se bem que a palavra democracia, debaixode suspeitas, também habitava os discursos de grupos dominadores que serecompunham.

Na década de 80, a grande proposta era buscar capacitação para otrabalho, mas se repensava a relação fé e política para esses momentos de buscapela “redemocratização”, e o método Paulo Freire lá estava de algum modo.Freireanos de várias formações procuravam maior espaço nas escolas públicase até nas particulares de maior comprometimento com o povo. Na linha daeducação popular, na pastoral de católicos e de protestantes históricos, nascomunidades de base, na Pastoral da Terra, nos vários movimentos sociais, láestava Paulo Freire como inequívoco apoio para a solidariedade entre os grupospopulares.

Paulo Freire chegou a ser alternativa real, também para muita militânciasocial e política de esquerda, em geral uma esquerda firme, que evitava queimaretapas. Teria sido Freire, como algumas pessoas julgaram depois, simplesmenteum liberal? Quem chamou Paulo Freire de liberal depressa teria mudado se olesse seriamente, se aceitasse o convite às análises, e a entender melhor doseventos políticos, econômicos e educacionais entre 1950 e 1988.

Em Nova York, alguém rotulou Freire de revolucionário. Também esserótulo não podia dizer nada. O certo é que, manuseado por uma compreensãopobre, ele foi empobrecido, se não traído, para preconizarem uma paz qualquer.Em particular, porém, se tem de dizer que predominava, contra as propostas dePaulo Freire, um uso até deweyano dado a rejeitar leituras e análises aprofundadasdo contexto. Moacir Gadotti, numa primeira ocasião já distante, escreveu que oeducador, renomado mundo afora, era um escolanovista; depois, em livro, e comodiretor do Instituto Paulo Freire, afirmou que não há o que discutir em termos derótulos filosóficos: Paulo Freire é Paulo Freire, e basta (Freire, 1981)18. Esse casobem revela a dinâmica brasileira da reflexão sobre os muitos materiais disponíveis,18 Aqui, o Prefácio de autoria de Moacir Gadotti (Freire 1981).

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e a intensidade do debate sobre epistemologia e contextos. Freire é ele mesmocom a sua autenticidade, coerência, humildade, transcendência cristã, e quem oler bem, desarmado, aprenderá com ele a ser “honesto com a realidade” % arealidade, esse convidativo e provocante “feixe de relações”.

Houve diferentes restrições de educadores norte-americanos a JohnDewey e boas parcelas de sua obra; desde Alfred Schutz, aluno de Dewey, cominclinação maior à Fenomenologia, até Michael Apple, com suas fontes e análisesmarxistas. Entre outros, marxistas como Dermeval Saviani; e religiosos feridosnas suas opções pela fé e humanismo solidários; e conservadores; e tendênciaslibertárias variadas. Afinal, pessoas nas quais o anúncio não sufoca as denúncias.Nos Estados Unidos, críticas acerbas propalaram e propalam que Dewey controloudemais a educação norte-americana. Conforme Freire, contudo, os envolvidosem diferentes áreas % do conhecimento, da economia, da religião, da ética epolítica % têm de aceitar denúncia contra si mesmos. No seu jeito e atitude,muitos professores aprenderam um olhar melhor para os oprimidos, vigiarammais pela dialética mudança-permanência, revisaram os projetos pessoais. ComPaulo Freire, diminuem de muito as hesitações ante o avanço do Projeto-Homem.

No Freire de Pedagogia do Oprimido (Freire, 1985, p.93), se aprofundama dialética mudança-permanência e impõe sinceras e sérias análises (p.72-73).Não sem forte influência e impacto pessoal de cristãos como o suíço Karl Jasperse o francês Gabriel Marcel (este visitou São Paulo, Brasil, em 1949). O complexosistema de influências filosóficas % de cunho tomista, e neotomista, marxista,positivista e liberal, fenomenológico-existencialista, mas, sobretudo, as de índolepolítico-nacionalista %, forçaria a que Freire lesse também Dewey. Contudo, Freirese dedicou cedo a uma crítica perspicaz e libertadora, fundado em boas razões.Relações intelectual e afetiva com a própria realidade do Nordeste e com o antigoMEB, com membros do ISEB (Instituto Superior de Estudos Brasileiros, no Rio deJaneiro), levaram Freire a alfabetizar com entusiasmo, com “boniteza”, a investigarmais sobre a consciência crítica, a publicar descobertas, a trazer bem ao chão asorientações do filósofo Álvaro Vieira Pinto e a falar simples e didaticamente delibertação real, histórica. Juntava refletidamente filosofia, sociologia, economia epolítica, cultura, fé cristã engajada. Em tempos já de abertura política, publicou ocitado livrinho “Educação e mudança” (1981); nele, colocou elementos de síntesepara uma pedagogia brasileira libertadora, assumindo debater com posiçõesfilosófico-pragmáticas de Dewey e Kilpatrick e com slogans da propagandaneocapitalista. E tudo porque, acatando a realidade, aprendia sempre de novo enão aceitava evadir-se diante de problema nenhum.

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Alguns autores mencionados da Universidade Fordham, de New York,ainda pareceram fechados às posições de Paulo Freire e o chamavamrevolucionário. Freire trata da violência de resposta, sim, como outros trataram(ver Testemunhos vivos, como os de El Salvador), e isso já anunciam por si omodo da transcendência no Freire cristão (Freire, 1985, p.93). Destacar demaisum Freire da revolução violenta, lançá-lo como rebelde de opções-limite, seriamesmo insuficiente e indevido: poderia destruir o filósofo e a filosofia, o pedagogoe a pedagogia e, com isso, também sufocar o direito e a justiça.

4 - Questão da transcendência: a confrontação Dewey e Freire e a buscapela autenticidade religiosa

Paulo Freire, em sua abertura ante a realidade multifacetada emultidimensional, e, mais, ante a real opressão de grande parte da população,emite sempre sinais da transcendência cristã. Católico, respeita as culturas e asmuitas expressões religiosas que, para subsistir ou para mudar, se enfrentarãocom debates também internos. Igualmente, ele demonstra um inegável respeito àpessoa, ao indivíduo, ao crescimento de cada um. Transcende-se, e dá sinal datranscendência divina, no saber manter-se situado e situar-se, consciente do riscoà própria segurança e até à própria vida. A Fenomenologia, da qual bebeu, contouantes na formação de Xavier Zubiri; depois, na de Ignácio Ellacuría, como nospressupostos filosóficos do amigo e teólogo Jon Sobrino. A Fenomenologia,participando na consolidação de pressupostos nesses homens, recentementeajudou a falar da mediação de Deus num amor verdadeiro e palpável e nasinceridade com o real. Nos escritos filosóficos de Karl Rahner, ficou consagradaa expressão “transcendência na imanência” (como que um “não só, mas também”),e ela permeia toda a sua obra teológica; sem dizer que os textos do ConcílioVaticano II a divulgaram muito. Os relevantes encontros latino-americanos deMedellín (agosto e setembro de 1968) já superaram dualismos suspeitos aqualquer autenticidade cristã, abraçando uma concepção histórica e dialética,retamente secularizada, da realidade como tal.

Os Colégios Pontifícios, Pio Latino-americano e Pio Brasileiro, em Roma,tiveram uma semana de estudos com o educador, de tempo em tempo, nos iníciosdos anos setenta: dentre estudantes e estudiosos daquela época, não faltariamtestemunhas da seriedade da sua cristã e histórica opção pelos oprimidos. AsCartas à Guiné Bissáo puderam confirmar a sua capacidade (cristã) detranscender-se, sobretudo pelo respeito ao jeito de ser do povo e dos líderespopulares locais (Paulo Freire. Pedagogy in Process – The Letters to Guinea

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Bissao). Neste mesmo sentido, manifestações pessoais dele, encontradasfacilmente com a ajuda de ferramentas como YouTube. Veja-se como diz oprefaciador Jonathan Kozol a respeito de Freire: “...he broadens the dialogue atlast, to reach more than a highly educated few.” (p.4). Foi ainda nesse sentido quesurgiram, na adiantada maturidade, obras como Pedagogia da Esperança,Pedagogia da Autonomia, Monitor de Monitores.

Contrário de Dewey foi também Xavier Zubiri. Aqui o mencionamosainda para dizer que pareceu corrigir a todos, mas tinha a pretensão insuprimível,na verdade, de forçar à sinceridade com o insuprimível real. Nele, a sinceridadecom Deus % Deus atraente, mas não manipulável (o “deixar Deus ser Deus” deZubiri e de Sobrino) %, é a superação de toda arrogância. Humilde superaçãoque cabe dentro das melhores utopias humanas. E por isso a dificuldade depensar que as experiências psicológicas de Dewey, da Escola Laboratório, ou asua pragmática “filosofia americana”, mesmo que adaptadas ou filtradas porcomplicadas configurações, devam ser tidas como valor a exportar sem mais.Hoje se tem a sensação de pretenderem construir uma só e mesma América compensamento único e novo dogma, o dogma monista das ciências e daexperimentação. Experimenta-se o temor de que a nova religião terá como sumo-sacerdote um norte-americano, no lugar do chefe elitizado da Associação PositivaInternacional de Paris. A ideia assusta; o espírito científico assombra, por fazerlembrar coisas já vivenciadas no passado.

John Dewey, em boa parte, desacredita dos adultos, desconfia dos pais;e põe a escola como a redentora perante todas as mazelas econômicas, políticas,culturais. A filosofia da educação, no Brasil, já projetou essa crítica mais vezes,pois ele, ansioso por tudo mudar, ele valoriza demais o Estado e sobrevalorizasomente a escola e as associações de sua eleição. Ainda se pergunta se o realfracasso do Laboratório não se teria originado da contestação dos mesmos pais.Em abril de 1904, com apoio de amigos, Dewey se transferiu para Nova York, paraa Universidade de Columbia, a fim de se dedicar a conferências filosóficas maisdo que a propostas pedagógicas.

Dewey se torna festejado e reconhecido por intelectuais de elite; outros,porém, não aceitam sufocar a pergunta sobre como reagem os que guardamuma fé religiosa, cristã ou outra, e terminam por falar do reducionismo dele. Nestetrabalho, então, se adota como princípio organizador o buscar um diálogo“teimoso”, sem ludibriar a existência de oposições, sem desprezar opositores. AIgreja Católica tem procurado preservar a caridade e manter atitude observadorae paciente; esforça-se por sempre educar para o mundo, argumentando a partir

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da mesma ciência, opondo “razão a razão” % expressão da prudência, tirada dareflexão filosófica e pedagógica de Newman (Newman, 1959, p.236-238).

Na América Central, os Jesuítas da UCA de San Salvador % UniversidadeCentro Americana –, como sinal de abertura ao transcendente e da presença doseu Senhor Crucificado e Ressuscitado, lembraram o modo gratuito, com absolutaentrega, da luta de muitos % luta, sinal da boa vontade % pelos direitos humanosde todos.

Vários textos do jesuíta uruguaio Juan Luís Segundo, no avançado séculoXX, enunciaram pesadas críticas ao liberalismo dos próprios liberais. Mais jovem,ele quisera tratar de investigar a pastoral latino-americana e motivações ocultasque a impulsionavam, e, para isso, passara a destacar muito o conhecimento e o“saber” – cristão é aquele que sabe. Tendo, porém, amadurecido sua reflexãosobre sociedade e teologia, fez incursões na metodologia, na obra Libertação daTeologia (Segundo, 1978)19. Nessa obra, tratou do “círculo hermenêutico”.Denunciou as vontades corporativas dos liberais voltadas ao possuir e ao dominar.Escolheu quatro autores para analisar; analisou-os, e elegeu James Cone comoo mais completo, Cone que, no livro estudado, exibia a mais coerente profundidadeno exame da vida religiosa protestante dos afro-americanos dos Estados Unidos.Luís Segundo reclama por um sóbrio respeito à vida e à cultura, e também àreligião, cobra pelos pressupostos filosóficos e pelo franco debate entre as diversasCiências Humanas. Na América Central, especialmente nas duas décadas desetenta e oitenta, esses princípios e valores atribuíram relevância à fé cristã, epropuseram o respeito pelos homens de boa vontade que lutavam pela vida e peladignidade dos oprimidos. É muito limitado afirmar deweyanamente que se estánum mundo industrializado, e que todos devem saber adequar-se comresponsabilidade (to adapt e to adjust). O “círculo hermenêutico”, na versão deLuís Segundo, encaminha à comprometida profundidade por causa da riquezade análise e de interlocução provocadas. O “círculo” em Heidegger é construtivo,mas pode expor ao risco da fácil polarização por um lado mais forte ou privilegiado.Para Luís Segundo, que examina todos os aspectos da realidade complexa, setem de manter o espaço da religião e do sagrado, fenômenos por nadadescartáveis nas análises e debates. O debate das diferentes áreas doconhecimento força por preservar o conhecimento do outro, a atenção àmultidimensionalidade da existência humana, a busca por captação maior e oanseio por totalidade; a abertura aí revelada garante contra as manipulaçõesinteressadas.19 Ver: “O Círculo Hermenêutico”, capítulo I, 9-43.

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Também aí se trabalha um conceito de transcendência que ajuda aentender Paulo Freire, e vice-versa. Pode ver-se, a Fenomenologia latino-americana cobra da realidade e de cada um. Porque as análises daFenomenologia tendem a superar dualismos, se chegou a captar a exigência deanalisar sinceramente a realidade e, com isso, se abriu caminho para a utopia dasolidariedade: utopia dos pobres, que passam a ensinar oferecendo, tambémeles, as suas análises; tendo aprendido a discutir as relações numa época, essespobres ensinam como se dá da vida e também como se dá a vida. Esses conceitossão difundidos por Jon Sobrino; são centrais em sua teologia e nos seuspressupostos filosóficos, graças à convivência com Zubiri e Ellacuría. Entende-seque em Paulo Freire já não se trata simplesmente da revolução humanizadora,mas também da historização dos melhores conceitos de fé. Então, mesmo osconceitos doxológicos não são, de maneira nenhuma, descartáveis: é a afirmaçãoda ortopráxis % superados os dualismos, evidentemente % para ter pés no chão,para ficar próximo aos pobres em pobreza solidária.

Porque Paulo Freire, crítica e sinceramente cristão, mostra que o sercristão se manifesta na abertura aos pobres, reprova as elites poderosas quandoelas pretendem forçar a Igreja a estar do seu lado: “When they insist on the neutralityof the Church in relation to history or to political action, they take political stands thatinevitably favor the power elites against the masses” (Freire, 1985, p.121-122).Outra vez, como compreender na Igreja o transcendente? O Concílio Vaticano II,e muitos na Igreja Católica, centrando-se na pessoa de Jesus Cristo (e daí evitandodualismos), insistiram sobre “transcendência na imanência”, visando ao ganhopara a justiça e a solidariedade. Foi a afirmação de uma sadia “secularidade”contra o simples secularismo; ou melhor, foi a fé vivida numa história viva. Todosse lembram do compromisso com o “século”, com o mundo, na expressão do jámencionado Joseph Cardijn e da Ação Católica dos inícios do século XX: muitosjovens aprenderam a valorizar o mundo do trabalho e dos trabalhadores, maisainda porque a expressão religiosa simbólica e amorosa ajudava a congregarpessoas solidárias e a consolidar comunidades autênticas.

O religioso age segundo tradições também. Sempre resgata a história, ahistoricidade; o passado constrói o presente. Um limite em John Dewey, o deinsistir unilateralmente no que é novo, demonstra que ele nunca superou certavisão idealista e hegeliana da realidade; conforme essa visão, e sem análises,preconizava a entrega ao imaginado como já sendo inserção no real. A Igrejacristã e católica, que adotou uma tradicional seleção dos textos bíblicos“canônicos”, conseguiu evitar fugas para o que é vago, fantasioso, inumano.

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A missão de Freire, missão histórica e por todos na Pátria, foi“revolucionária” porque foi diferente. Sabendo da realidade, ia dando respaldoscom realismo, e nada por conta própria nem por interesse particular; pressõesnunca desanimaram Freire, nem mesmo as da violenta ditadura militar.

Após o Concílio Vaticano II, num resgate prático-doutrinário atésurpreendente, houve os dois Encontros latino-americanos, o de Catequese e odo CELAM (Bispos), em Medellín, Colômbia, agosto e setembro de 1968respectivamente. Diferentes dados aí presentes já faziam entender que não erapossível ficar-se, sem mais, com as propostas dos liberais, do pragmatismo, dasmultinacionais, das forças arbitrárias industrializantes, da violência desmedidaem nome do Estado. A Bíblia nas mãos, a prudência dos textos orientadores, tudolevara à recusa da pura imanência na produção e do acúmulo escandaloso decapitais: na pregação e reflexão das comunidades eclesiais de base, játranspareciam também os apelos de Paulo Freire para aprender com o oprimidoe agir segundo uma consciência crítica e libertadora.

5 - Permanente risco do naturalismo: elitismo, e educação que não libertaA proposta de John Dewey de um “religious” como substitutivo para a

“religião” histórica, para as diversas religiões históricas, poderia apresentar-secomo uma solução equivocada diante de questões antropológicas profundas:revelando uma carência de melhores considerações ante o fenômeno da religião,contém elementos falaciosos, perigo para a manutenção de respeito e paz quetodos desejam. Preconizando nova “fase” (Hegel?), desconsidera a existênciacomplexa de muitas e variadas tradições religiosas, bem como agride todareligiosidade popular sincera, de qualquer índole que seja.

Os “círculos de cultura”, base do método freireano, teriam contribuiçõesa dar para o trato com o “sagrado” e sua vivência contextualizada. Esses “círculos”não permitem escamotear um domínio opressor; rejeitam um serviço disfarçadoaos pobres; promovem análises “desideologizantes” e impedem elitismo dócilperante a burguesia e seus associados.

Os “círculos de cultura” ressaltam a causa das maiorias. Na serenaliberdade de um debate no “círculo”, sempre veio ao centro uma síntese informativacontrária à abdicação classista em favor de quem pode mais. Evidentemente, nãoé fácil manter a vigilância. Baste lembrar que os próprios intelectuais do ISEB(Instituto Superior de Estudos Brasileiros), na década de 1950, iniciaram oferecendoum apoio quase irrestrito às classes sociais industrializantes e perigosa“modernização acelerada” da burguesia.

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A figura de Anísio Spínola Teixeira, no Brasil, também se coloca nocerne das discussões. Trabalhou com denodo pelo avanço dos estudos científicos,preocupou-se com a educação pública, influiu discretamente no ISEB. Essefundador do INEP e da CAPES, um discípulo brasileiro de Dewey, não fez todas assínteses necessárias; embora, num certo espírito liberal, também não tenha sidoum extremado militante pelo projeto naturalista, como o foi o seu mestre norte-americano. Radical na exclusão da ideia de um Deus, usou de alguma moderaçãono rejeitar autoridades filosóficas, religiosas e pedagógicas; não parece ter militadoabertamente por um “religious” que equivalesse ao amor ao conhecimento e aoespírito científico. Também a Igreja, no seu tempo (melhor se diria as Igrejas), nãocruzou os braços ante as agressões injustas à religião como tal e a certoselementos da história, nem os cruzou ante a alternativa duvidosa de umademocracia “controlada” por elites mais “inteligentes”. A democracia liberal oupragmática, na suas afirmações insuficientes ou não debatidas, não convence asmaiorias e os que a elas se aliam sinceramente. E a disputa polarizada entreescola pública e escola privada, em que Anísio Teixeira desempenhou papel dedestaque, acabou redirecionada, porque, de fato, nenhum sistema político cuidara% e ainda não cuidaria % de prover com boa escola nem as áreas rurais, nem asperiferias urbanas. Sabia-se, criticamente, que o escolanovismo terminava,sobretudo, por priorizar a formação de mão-de-obra % inserção dos migrantesinternos e dos afro-americanos % e por reforçar as ideologias favorecedoras ocapital industrial.

As presenças de Dewey e de Anísio Teixeira, com seu pragmatismo,aguçam, in signo contrario, os esforços pelo exercício da análise crítica. A dialéticade permanências e mudanças vai cobrar legítimos espaços de serviço autênticoao homem todo e a todos os homens da nação.

Freire é cristão confesso % mas nem só por seu dizer ele será apreciadoe reconhecido; é do fazer, e bem por causa de sua fé. Ele crê que Deus estápróximo e que se aproxima em Jesus, Enviado de Deus e Filho Único; e por issomesmo dá nova profundidade e respeito às culturas, aos velhos, aos simples, aosempobrecidos. Na sua abertura aos oprimidos e aos que deles se fazem parceiros,Freire busca servir em totalidade. O marxismo e um amálgama cultural críticoconstruído na convivência com pessoas simples são fatores importantes paraPaulo Freire; ele que já leu e assimilou o método fenomenológico, com a exigênciade “sinceridade com o real” (expressão encontrada em Zubiri, Ellacuría, Sobrino).Cuidando pela “redução sociológica” (como é vista na obra do sociólogo brasileiroGuerreiro Ramos), e cobrando análises, Paulo Freire animava e acatava os seus

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“círculos de cultura”; nesses “círculos”, todos juntos trabalhavam por que a palavravoltasse à boca do oprimido, e este participasse, com palavra livre e clara, nocontrole das decisões sem delegar responsabilidades.

A Fenomenologia construiu importante consagração e notável exemploem El Salvador, por abertos debates e análises, serviço e humildade. Foi aí, vendofidelidade ao povo dos pobres (a de Dom Oscar Romero e de muitos mais), evendo muita gratuidade nos sofrimentos da resistência armada contra osopressores, que se pôde escutar essa proclamação: Deus passou por El Salvador.

No Brasil também, no dia-a-dia, se reivindica um honesto respeito pelafé e religiosidade dos jovens, ou pela opção religiosa do outro / diferente, ou pelareligião da outra comunidade ou etnia. Ainda se cometem radicais polarizações,alheias à reflexão e ao debate, a exemplo da que catalisou a atenção de AnísioTeixeira por ocasião de sua batalha pela escola pública % pública, de qualidade,gratuita, e também laica. Teixeira se pôs em aberto conflito contra a Igreja e a fédo povo, como supondo que o cerne dos problemas brasileiros estivesseprimariamente na religião, na religiosidade. Hoje, evidentemente, é até inaceitávelestar insistindo nos inimigos de Anísio Teixeira, pois é cabível, por outro viés,inquirir se ele e os grupos que o acompanhavam ou lhe davam patrocínio seaplicaram realmente a pesquisas e diálogo profundos e desinteressados.

O livro do Professor Pedro Pagni sobre Anísio Teixeira20, de valor por umlado, insiste, pelo outro, sobre a existência dos inimigos de Anísio, os inimigos dasua atuação (leia-se: a Igreja Católica). Ora, como a realidade é dialética, é válidodizer que ainda permanecem em aberto interrogações sobre as razões básicaspara a crítica de cristãos ao fundador do INEP. Não é questionador organizar-seum comemorativo Arquivo Anísio Teixeira, oferecido ao público (buscar na Web),mas é deveras questionador que o Arquivo venha iniciar-se com a cópia de umacarta de contestação escrita por um grupo de Bispos católicos do Rio Grande doSul. Militância em excesso aparece na escolha dessa página. Sem dúvida, oherói Anísio, pura vítima anticlerical, não teria tido apenas inimigos; ele podeangariar boa cota de respeito e amizade em atenção a tantos outros méritos. OSite, em vez de instrumento de comemoração, com oferta de materiais valiosos,arrisca a se parecer com um Manifesto contra a Igreja Católica (outra vez). Faltamelhor racionalidade, nas nossas academias, quando omitem que todo grupotem o seu corpo de doutrina (Paul Ricoeur) e é sempre convocado a expô-lo aopúblico. Um grande mínimo – sobre cuja importância muitas pessoas simples

20 Ver Pagni 2008, p.19-39. A insistência contra a ação anterior da Igreja e de católicos se destaca no primeirocapítulo, de índole biográfica – metade dessas páginas apresenta uma referência negativa a católicos.

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bem compreenderam nos debates dos “círculos de cultura” – foi suspeitarem decríticos que enxergam “dogmatismo” apenas nos outros.

O naturalismo de John Dewey força a repor essa conflituosa problemática.Sem negar que possam existir parcelas de boa vontade e de transcendência,com a tácita adesão ao Absoluto que é Amor gratuito e sem medida, muitosauguram, de preferência, que elites intelectuais, sem arrogância situadas ondequer que seja, investiguem com análises multifacetadas, sinceras e profundas, epassem a admitir ao debate e até à festa de celebração, os resultados quedespontam de paisagens periféricas. Como as análises e o conhecimento estãodisponíveis em arraiais dos mais diversos, Paulo Freire anima as pessoas arefletirem e agirem, amorosas e também corajosas, sem receio perante elitismosatrevidos.

A preocupação de norte-americanos por operar de novo a exportação dafilosofia de Dewey para as Américas de baixo suscita desconfortáveisreminiscências. A Doutrina Monroe, inclusive dentro dos Estados Unidos, recebeuresposta há muito tempo. Discussões em diferentes tonalidades nunca seencerraram, e então perduram marcas ideológicas que remetem a colonialismocultural, nacionalismo unilateral, duvidosos pluralismo e cosmopolitismo.

Fundamentalmente, o que pensam mesmo os pobres e oprimidos sobreos direitos humanos? Eles ainda não foram escutados. Os textos de Dewey tambémpodem inculcar que a massa não tem conhecimento, não pensa, não escuta, nãovê, não fala (Paulo Freire, num rodapé, refuta o discurso de mau político: “falareipor vocês!”). Nos seus objetivos bem definidos, que permeiam toda a sua obra,Dewey ainda prestou fraca atenção ao povo, ao “social” suarento amontoadojunto das fábricas.

Paulo Freire soube captar os momentos de modo humano e político, econtinua sendo o grande questionador, acordando povos inteiros privados do direitode se defender, de se organizar.

Ultimamente, caravelas do Norte vão atracando de novo nesta AméricaLatina, trazendo um claro projeto experimentalista-pragmático. Tempo de vigiar,pois não podem bastar discursos vagos nem personalidades afáveis e pacíficasincursionando no meio dos pobres. Os pobres da América Latina estão a requerermuita profundidade e sinceridade perante o real. A obra de Dewey, se tomada bemcriticamente, se envolver muitos debatedores, irá reabrir um caso de historiografiacrítica e até reativar um clamor pela vigilância.

O respeito pelas opções religiosas, no método fenomenológico faz lembrarque as análises não são descartáveis, e que importa a publicação dos resultados.

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A Igreja Católica % com outras Comunidades Eclesiais % tem exercido trabalhosautênticos de serviço procurando reunir dados. Por exemplo, os levantamentosestatísticos organizados pela Comissão Pastoral da Terra e da Água (CPTA),inclusive os referentes à violência contra lavradores e indígenas, revelam muitosgrupos de pessoas abnegadas e em luta solidária. Também escolas dirigidas porreligiosos e religiosas têm oferecido educação eficaz e realista sob muitos aspectos;foram chamadas de escolas e universidades comunitárias. É preciso reconhecerque, por séculos, e até agora, houve progressos socioeconômicos e científicos,ao mesmo tempo em que religião e pessoas religiosas estiveram ativas e emcirculação. Os argumentos de grupos adversos à religião, de que esta seriadiscrepante com o legítimo progresso, teriam de ser reexaminados, de modo quegrupos religiosos populares, sobretudo, desfrutem do direito de reclamar assentoem círculos abertos para comunicação, debate, atuação e decisões. Sem dúvida,autoridades religiosas, cidadãs por justo título, também podem abrir espaço entreas numerosas instâncias de serviço autêntico à justiça.

Uma coisa é central: enquanto se caminha lento na história, se firma ocostume de cooperar, para então carregar os outros, os mais fracos, sem pretensãode recompensa. Enquanto isso, leituras e ações alternativas vão fortalecendo nosoprimidos a consciência de suas próprias existências, de maneira que,reconhecidos, agradecidos e gratuitos, participem na construção de uma históriasem enganos nem exclusões.

Propostas finais

Amor tão grande assim, só podia ser divino. Essa uma conhecidaexpressão do teólogo Leonardo Boff, quando abordava a transcendência e o divinoem Jesus de Nazaré. Tal expressão também repõe o tema da vocação religiosado homem; o encontro com o divino tem sua mediação no amor % gratuito % aopobre. É religioso, é mediação de Deus o amor autêntico que dá vida ao outro, dáa vida pelo outro. Expressões do transcendente podem ser, tanto a abertura aooutro na interlocução pessoal, como a construção em que um povo simples esábio participe acima de todo cálculo. Transcendência não combina, pois, comos cálculos da produtividade e do mercado na indústria capitalista: privilegiam olucro e rebaixam as pessoas.

Se o diálogo tem afinidades com o amor e aproxima as pessoas, o lucrodeprime dos dois lados. Se, liberto na transcendência, o homem denuncia oprevalecer da lógica do mercado, como aconteceu com Freire e com os seus

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monitores, espalhados como força crítica e força de ação no Brasil inteiro; comoaconteceu com muitos movimentos por fé comprometida ou por solidariedadeeficaz – a Ação Popular, o MEB, as Cebs, a CPT, o CIMI, o MST e vários tipos desindicato; como, afinal, começou a acontecer na escola brasileira – na medidaem que, em sincera solidariedade, aceitou acolher jovens e crianças das classes“subalternas” e de grupos discriminados e oprimidos.

Marx é ateu, bem possivelmente. Também Antonio Gramsci. Lidos, ambos,por muitos teólogos e agentes de pastoral ligados à Teologia da Libertação, porquecontribuíram, porque tiveram valores reais a oferecer. Assim, se acham valoresnoutros filósofos e pedagogos que ajudam a uma direção, partners leais que nãoforçam a nenhuma aceitação em totalidade. Ora, por que não admitir que seleiam como clássicos a John Dewey e William Kilpatrick e mesmo a AnísioTeixeira? Mas, os latino-americanos, nas suas elaborações inteligentes,conectados na realidade e no debate participativo, na utopia e no sonho de umasociedade nova, farão avaliações e autoavaliações com liberdade e autonomia.Depois das análises, eles, também inteligentes, buscarão o debate com seusautores e variados assessores, assumirão um tipo de leitura, a leitura, dirão eles,“que nos convém”21. Se se levantar a suspeita contra as imposições aceleradoras,vindas de elites interessadas, passará cada interlocutor a usar do direito (e dever)de recompor análises e reabrir discussões.

Os latino-americanos quererão examinar de que pluralismo tratam osinvestigadores norte-americanos. Betz (2001) citou Richard McKeon, que, inclusive,exerceu tarefas na Unesco. McKeon teria preconizado certa apatia perantequalquer debate, e uma convivência indiferente (ingênua ou esperta?) às váriastendências; talvez algo como um “laisser aller”, evasivo e frustrante para muitos.Ele teria pensado como que um círculo sem dialética e sem debate.Espontaneísmo do tipo encontrado Dewey, quando este aborda coordenação doEstado sobre todas as associações. Ora, pessoas e associações não abraçamum pacifismo qualquer; nem lhes basta “mostrar serviço”, naquele jeito comoalguns pensam de maneira submissa e utilitária, ou do jeito como os dominadorescogitam.

Mais uma vez: Dewey já se encontra na América Latina, e serviu a diferentesleituras, aproveitado em áreas diversas. No Brasil, foi divulgado por Anísio Teixeirae pelo INEP. O próprio Professor Dermeval Saviani, na sua cerrada dialética

21 Ver A. Teixeira 1954, p.16-33. Está-se usando expressão “programática” do IPES, Seminário deempresários, militares e assessores no Rio de Janeiro nos inícios do regime de exceção; entretanto, oIPES toma expressão de Teixeira, o que primeiro a divulgou.

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marxista, acabou reconhecendo os valores de certas propostas técnicas da EscolaNova deweyana. Outras leituras, evidentemente, podem surgir ou ressurgir.Aguardá-las-á, porém, a cada vez, o crivo de uma análise crítica – por exemplo,para dizer que religião e tradições históricas e historicidade serão caminhospossíveis e aceitáveis, não obstante eventuais e analisáveis limitações.

Contra muitos pragmáticos, é dado afirmar abertura à transcendência deum Deus que se aproxima e, conjuntamente é entrega ao serviço do outro e domundo. Não em diálogos e pluralismos quaisquer, não para uma historizaçãoqualquer do religioso, do sagrado. O debate sério respeita e defende os melhoresprojetos de vida e de justiça para todos. Nessas terras de latinos e de muitosindígenas, de hispânicos e de afrodescendentes, se sabe que quando as pessoasdo povo se calam, já estão, não obstante, refletindo de bem longe, coisa que aselites em geral não conseguem captar. Não são poucos, entretanto, os intelectuaisou docentes ou agentes sociais e religiosos (de fés muito variadas) que, comoPaulo Freire, persistem na opção pelo popular, pelos oprimidos, pelos explorados,promovendo educação libertária. A exigência a prosseguir é permanente, comovinda de uma realidade que se impõe e impele ao desconhecido, cobrando umamor não facilmente programável, amor sem medida.

Dewey tem contribuições a dar, mas se deve buscá-las para além do seuelitismo limitador. Há deweyanos neste nosso mundo plural, estimulando parareflexões e acirrados debates. Freireanos, contudo % comprometidos com odesafio da alteridade e com a causa dos oprimidos %, não haverá de faltar.

VALE, Antoônio Marques do; MANOEL, Ivan Aparecido. Naturalism in John Deweyand transcendence in Paulo Freire : a critical essay on the clash ofphilosophical and pedagogical challenges DIALOGUS. Ribeirão Preto. v.11,n.1 e n.2, 2015, pp. 177 - 208.

ABSTRACT: This work deals with Naturalism in John Dewey, who was opposed toevery authority, philosophy and religion before his time, establishing a parallel witha deep libertarian, Paulo Freire. Dewey’s concern was to mould a social individualfor the industry, but Paulo Freire cared for a just society. It adopts a dialectical-phenomenological approach, criticizing Dewey’s “religious”, presenting man as a“cluster of relations” opened to the Transcendent. Values and elitist misconceptionsare in conflict in Dewey.

KEYWORDS: Philosophy of Education; Naturalism; Transcendence; Industry;Dialogue-Debate.

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* Graduação em Pedagogia-Habilitação em Séries Iniciais, Especialização em Supervisão e OrientaçãoEducacional pelo Centro Universitário Barão de Mauá, Ribeirão Preto, São Paulo, [email protected]. Orientadora: Carolina Donega Bernardes.

SUPERVISOR ESCOLAR: O DESAFIO DA PRÁTICA E DATEORIA NA ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO PEDAGÓGICO

VARELLA, Graziela Alves da Silva*

RESUMO: O presente trabalho tem como objetivo reconhecer o real cotidiano darelação entre a teoria e a prática da ação do supervisor escolar com o propósitode motivar a equipe, apresentando uma contribuição específica e importante noprocesso de ensino e aprendizagem. A questão norteadora será compreender omovimento necessário que envolve as relações entre professor, aluno e o própriosupervisor, de forma simultânea. Para analisar tais relações foi realizada umapesquisa bibliográfica. Os dados permitiram perceber que a realidade do cotidianoescolar se torna distante da teoria desejada e por vezes a manutenção do regimede atividades dentro de um programação/projeto pode fracassar diante da falta decomprometimento por parte dos variados níveis do sistema educacional. Nessecontexto caberá ao supervisor, envolver os aspectos gerais de atuação coletiva,articulando as dimensões técnica, cognitiva, afetiva e político social, contribuindopara um processo pedagógico de sucesso.

PALAVRAS-CHAVE: Supervisão Educacional; Professores; Educação.

1 INTRODUÇÃOAs ideias que compõem este artigo foram desenvolvidas e aprofundadas

como parte de aprovação para o Curso de Pós Graduação em Educação:Supervisão e Orientação Educacional, em 2015, pelo Centro Universitário Barãode Mauá. As fontes de embasamento estão contidas nos registros de pesquisadoresque estiveram dentro do espaço escolar. Repensando sobre o desafio de colocarem prática as teorias que se referem na organização do trabalho pedagógico dosupervisor, senti-me instigada à observar cientificamente como deveria ocorrer atroca de experiências entre o supervisor, o professor e o aluno; e também como sedá esse enlace entre a teoria e a prática estabelecendo o sucesso na educação.

Estas e outras sistematizações sobre a ação da supervisão nos sistemasescolares nos remetem a linha do tempo da supervisão e a motivação, que quando

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presente instiga tanto alunos quanto professores. Elevar e aprofundar essa reflexãotem servido para promover discussões teóricas desde o surgimento da presençada ação de um supervisor dentro das indústrias.

O estudo teórico permite afirmar que houveram evoluções na sociedadeque transformaram as práticas do supervisor, propiciando condições de intervirnas mudanças educacionais necessárias a escola. Assim, a disciplina dePrincípios e Métodos de Supervisão e Orientação Educacional passou a comporo referencial pesquisado, neste artigo, a partir dos dados contidos na pesquisa“Supervisor Escolar: o desafio da prática e da teoria na organização do trabalhopedagógico”.

Para construir o referencial, esta pesquisa traçou os seguintes objetivos:identificar o surgimento do trabalho da supervisão no Brasil; propor reformulaçõesem torno das ações que contribuem decisivamente nas práticas pedagógicas eeducativas que norteiam o contexto escolar; envolver os aspectos gerais da atuaçãocoletiva, pois o sucesso da escola se dá na ação e no envolvimento da relaçãoprofessor-aluno e supervisor-professor. Estes objetivos foram elaborados a partirde referências das pesquisas: Alarcão (2004), Anjos (1988), Brasil (1996), Delors(1998), Libâneo (1994 e 2013), Oliveira (2012), Rangel (1988 e 2001), Rolla (2006)que apontam alguns caminhos possíveis para ação do supervisor escolar.

Ao examinar o desenvolvimento destas pesquisas, percebeu-se que afunção de um supervisor evoluiu com o passar dos tempos, criando possibilidadesde um novo processo de reconstrução da atuação do supervisor, refazendo seusmovimentos e apontando suas contradições. Diante disto busquei na pesquisabibliográfica, amparo para problematizar estas práticas.

A partir de uma visão dialética de educação, a escola é percebida comoparte de produção de conhecimento resultante da relação professor/aluno; relaçãoem que todos estão para aprender e ensinar. Entendendo assim, estas ideiasdemonstram que a necessidade de esclarecer, repensar, reestruturar e reorganizaras práticas do supervisor com o professor e a escola deve ser permanente econstante, para que esse setor da educação seja permanentemente renovado eatualizado.

2. Os três tempos da supervisão educacional no BrasilEm tempos passados, as ações de supervisão eram presentes, mas não

como assessoramento aos docentes e estudantes, e sim como prática de controlee vigia de corpos, movimentos e atitudes. O supervisor era um carrasco, travestidode nobre e sacerdotes dentro da vida escolar, ou era aquele que possuía atribuições

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de recenseamento desses espaços.Ao observar todos esses processos, passamos pela Grécia Antiga e em

Roma, adentramos então a Idade Moderna. Nesta época, através da RevoluçãoFrancesa, surge o termo “inspetor de ensino”, que exercia a função de controladordas ações dos alunos e professores, bem como, aquele que zelava pelaorganização no ambiente de trabalho.

Saviani (2003, p. 26), registrou em sua obra que a função de SupervisorEscolar surgiu para “emprestar à figura do inspetor um papel predominantementede orientação pedagógica e de estímulo à competência técnica, em lugar dafiscalização para detectar falhas e aplicar punições [...]”.

Com o passar dos anos, os discursos foram se modificando e a figura dosupervisor foi se transformando, nessa transformação foi ganhando novas funções,mas o estigma de controlador permaneceu. Os rastros de controle, no entanto,permaneceram em atividades esparsas e isoladas, mas sem fugir da etimologiada palavra supervisão (sobre/ação de ver), este acompanhamento dentro dosespaços escolares fez jus ao termo “olhar de cima” no controle da ação do outro.

Nesse momento, a atividade desse profissional ainda não era de orientaros professores em suas práticas, deixando cada qual, muito distante um do outro.Mas a atividade escolar começa a absorver esse profissional no acompanhamentodas ações do professor em relação aos alunos. E, então, um diálogo começa aacontecer.

No que se refere à supervisão no Brasil, a história aponta seus primeirosregistros de desenvolvimento no cenário sócio-político-econômico uma ação muitoatrelada à Revolução Industrial, que procurava através de uma função de controledos funcionários, obter uma melhoria na qualidade e na quantidade da produçãodas indústrias. Com as mudanças da sociedade, como as inovações tecnológicasno século XVIII, ocasionaram-se mudanças significativas na organizaçãoeconômica.

De modo a garantir o sucesso na qualidade e na produtividade dasindústrias, pensou-se em novas formas de organização do trabalho, surgindo entãoo supervisor nas indústrias. A ideia de supervisão teve referencias positivas decontrole e ampliou-se para outros segmentos da organização social até chegaraos espaços escolares.

Nesse momento, a supervisão sofre a influencia das teorias administrativas eorganizacionais, o que marca uma importante etapa da história da supervisão noBrasil. Surgem novas literaturas que ainda são utilizadas pelos supervisores quandose referem ao desenvolvimento de suas ações (OLIVEIRA, 2012, P. 12).

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No entanto, à medida que as ações do supervisor foram se desenvolvendona escola, observou-se a necessidade de repensar sobre a sua atuação,procurando modificar o seu conceito de “controlador” e aquele com umpensamento linear e doutrinário. Nesse contexto, a Supervisão Escolar ganhouvisibilidade e foi legalmente instituída através da LDBEN 9394/96, em seu título VI:

Art. 64. A formação de profissionais de educação para administração, planejamento,inspeção, supervisão e orientação educacional para a educação básica, será feita emcursos de graduação em pedagogia ou nível de pós-graduação, a critério da instituiçãode ensino, garantida, nesta formação, a base comum nacional. (BRASIL, 1996).

Tornando-se obrigatória para o seu exercício, primando por uma posiçãode contribuição específica, este fruto de estudo e trabalho do supervisor entrounum movimento de processo que se desenvolvesse na escola. De forma aassegurar sua eficiência; enredando-se cada vez mais em acompanhamento dasatividades escolares, permitindo as relações entre professor, aluno e o própriosupervisor. A participação efetiva deste profissional com competência teórica,técnica, humana e política estabeleceu uma nova visão de ação coletiva,articuladora na tomada de decisões humanizadoras.

Segundo Rangel (1998, p.13):a ação supervisora quando situada no âmbito do trabalho pedagógico deve ter porfunção a coordenação e organização comum do trabalho de estudos e práticas quepromovam a integração das pessoas que as realizam.

Portanto, esta ação, que antes não direcionava o olhar para umaaproximação com o professor, começou a ter espaço. Dessa forma, fazendo comque o supervisor articule o trabalho pedagógico com o intuito de promover umaconstante reflexão sobre a sua prática. Para que essa ação fosse cada vez maistransformadora, o caminho é promover um caminho que permitisse oaperfeiçoamento no contato com o professor, oferecendo assim uma educaçãode melhor qualidade aos alunos.

Percebe-se que a ação supervisão desde o seu inicio, organizou-se,passou por críticas e adaptou-se ao longo do tempo. Pode se ver que o seudesenvolvimento foi crescente e positivo, tendo mudanças na prática, em suaconcepção da palavra “supervisor” e na presença de leis específicas para estecargo.

Aqui no Estado do Rio Grande do Sul, os primeiros registros acerca dafunção de supervisor escolar, surgiram em 1875 em alguns registros informais. Afunção era descrita como:

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inspeção ou fiscalização de ensino e zelar pelo cumprimento das diretrizes legais. Em1938, foram nomeados os primeiros Orientadores de Educação Elementar comatribuições de orientar, assistir diretores e professores, sob forma de estímulos ecooperação em todas as atividades escolares (ANJOS, 1988, p. 12).

Partindo da concepção de Rangel (1998, p.13) os conceitos das funçõesda supervisão ficam caracterizados como “um trabalho de assistência ao professor,em forma de planejamento, acompanhamento, coordenação, controle, avaliaçãoe atualização do desenvolvimento do processo ensino-aprendizagem.”. Por isso énecessário que todas as escolas tenham em cada segmento, os seus devidosprofissionais atuando na gestão educacional. Pois o que se vê em algumasinstituições é a falta deste profissional. Ou ele “existe” e muitas vezes são impedidasde realizar a sua função, pois tem que resolver conflitos entre alunos, pois não háorientador, ou até mesmo exercer o papel de professor substituto.

Acredito que razões como estas, não podem ocorrer, deve haver umaação conjunta dos profissionais nas suas devidas funções, pois no momento emque um destes deixa de cumprir com suas responsabilidades, acaba pordesestruturar todo o ciclo da ação pedagógica, comprometendo o projetoeducativo.

Apontar dados que compõem uma ação satisfatória que faça valer asatuações deste profissional dentro da escola, no que diz respeito a todo coletivo,é executar uma longa e complexa historia com muitos desafios e lutas, onde avivencia e a compreensão de todo o processo educativo conquistará asreformulações que contribuam para uma prática supervisora voltada para atransformação.

3. A ação instigadora do supervisor escolarNa construção da melhoria da qualidade da educação, a escola tem

buscado uma formação integral onde a mediação do conhecimento está na açãodocente entre aluno, escola e sociedade. Uma das questões fundamentais naação do Supervisor Escolar está no enfrentamento sobre os novos desafios quesurgem diariamente no contexto escolar, especialmente, acerca de todo oprocesso que promova este encontro de integração e aplicação nos métodos eorganização do ensino.

Para Alarcão (2004, p. 35), este profissional seria uma espécie de líderpedagógico, e diz mais, define o trabalho do supervisor como sendo “odesenvolvimento qualitativo da organização escolar e dos que nela realizam seutrabalho de estudar, ensinar ou apoiar a função educativa por meio de

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aprendizagens individuais e coletivas”.Para isto o Supervisor Escolar precisa orientar e atuar junto aos

professores, considerando o fato de planejar e desenvolver suas ações gerais,centrada na apropriação de conhecimentos, na qualidade social e pedagógicanum processo de ensino de competência e compromisso ético.

Pensamos que, para enfrentar essas mudanças, a ação e a reflexão atuam simulta-neamente, porque elas estão sempre entrelaçadas. Podemos refletir sobre nossaação, transformando nossa ação em pensamento. Ao mesmo tempo, podemos tradu-zir ideias em ações. (LIBÂNEO, 2013, pg. 39).

Delinear a construção de uma ação reflexiva e efetivá-la na ação é aintervenção que o supervisor deve desenvolver no contexto escolar. Em auxilio aoprofessor na sua atuação na sala de aula, este profissional deve ter em mente oquanto se faz necessário o uso desta busca de comunicação e troca deexperiências para posterior construção de identidade do educando. Nesse sentidoao traduzir as ideias e efetivá-las, regerá um trabalho compartilhado onde a escolase tornará um espaço vivo, onde todos possam atuar.

Para melhor elucidar, o Supervisor Escolar fará a construção de umacompetência docente coletiva onde o seu posicionamento não se dará de formaneutra. A fim de dar crescimento a essas mudanças deve haver diálogo, troca deconhecimentos e articulação no projeto educativo, trazendo riqueza de ideias aocurrículo, trabalhando com habilidade de criar situações para auxiliar osprofessores na resolução dos problemas de ensino e aprendizagem.

Para que estas transformações ocorram é importante um posicionamentode memória pensada para frente, como algo que é necessário e desejado paratodos. Desse modo, a ação deste profissional deve ser reflexiva e investigativa,ligada diretamente nas dimensões técnica, cognitiva, afetiva e político social,fortalecendo os diferentes segmentos que fazem à escola, então o trabalho emequipe dentro da escola terá qualidade educativa e uma prática reflexiva aos querealmente necessitam, pensando e agindo sobre a qualidade dos meios. Nessaesfera educacional surgirá a lealdade e a “cultura do nós”, excluindo a “cultura doeu/ supervisor x eles/professores”. Na ação dos meios e na prática coletiva dogrupo, nascerá um novo cenário e assim a verdadeira história daquilo que precisaser modificado se concretizará.

Assim, a supervisão caracteriza-se por “(...) um trabalho de assistência aoprofessor, em forma de planejamento, acompanhamento, coordenação, controle,avaliação e atualização do desenvolvimento de processo ensino-aprendizagem”

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(RANGEL, 1988, p.13 apud ALARCÃO, 2007, p.12).Segundo Libâneo (2013, pg.40) a eficácia da organização do trabalho

pedagógico:Em especial, depende de uma boa estrutura de coordenação pedagógica que façafuncionar uma escola de qualidade, propondo e gerindo o projeto pedagógico,articulando o trabalho de vários profissionais, liderando a inovação e favorecendo aconstante reflexão na prática e sobre a prática.

Um aspecto relevante para um positivo desenvolvimento da escola sãoidentificar as necessidades da escola, do aluno e do professor, e com eles priorizarum trabalho educacional de qualidade. Essa compreensão mobiliza a ação dediálogo com os professores e apresenta uma ação que leva em consideração avalorização e o reconhecimento das pessoas, incentivando potencialmente amotivação e trabalhando as necessidades. É preciso ter claro também que o quese espera deste profissional é um trabalho de ação compartilhada, para além doaconselhamento ou supervisão profissional.

Baseada em uma nova visão do trabalho do supervisor escolar, a grandetransformação está em obter apoio destes outros elementos que compõem aescola, provocando-os de maneira positiva a construir projetos ousados eempreendedores, buscando renovar constantemente os objetivos. Estaaproximação dará concretização às atividades, enriquecendo o saber pedagógico.

Neste processo, o professor atuará na construção do desenvolvimentodo aluno e o supervisor escolar na sua especialidade com foco no trabalho doprofessor.

O planejamento é um processo de racionalização, organização e coordenação daação docente, articulando a atividade escolar e a problemática do contexto social. Aescola, os professores e alunos são integrantes da dinâmica das relações sociais;tudo o que acontece no meio escolar está atravessado por influências econômicas,políticas e culturais que caracterizam a sociedade de classe. (LIBÂNEO, 1994).

A fim de alcançar estes objetivos, constitui-se neste trabalho coletivo,uma série de estratégias que enfoquem todos esses processos deaperfeiçoamento, onde o fazer pedagógico apontará um desempenho maissatisfatório, buscando o melhor funcionamento da instituição e da educação deseus alunos num ato integralmente coletivo. É importante destacar esta ação emconjunto onde o professor conhece e domina os conteúdos sistematizados doprocesso de ensinar e aprender, e o supervisor escolar, detêm conhecimentosacerca das atividades e das formas de encaminhar esses saberes, levando em

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consideração as condições subjacentes daqueles que aprendem.Diante desse horizonte de desenvolvimento das atuações do supervisor,

encontramo-nos em ressignificação desse papel no contexto escolar e na formaçãodocente revela a importância dessas funções no cotidiano escolar. Contudo, épreciso ter em vista que esse movimento de reconstrução é necessário em todosos tempos, pois ação do supervisor está entrelaçada aos significados construídoshistoricamente, onde a sua identidade era/é de um profissional que atua sobreoutro ou até mesmo para realizar trabalhos da direção ou orientação.

No desafio da constante construção, esta ação gerada num fazer-sedemocrático considerando outro modo de olhar a supervisão, é estabelecer umverdadeiro diálogo na manifestação de pensar novas formas de atuação, onde otrabalho do supervisor encontrará uma condição de atuação diferente do professorem sala de aula, mas essa diferença não implicará desigualdade de condiçõesde pensar o trabalho em que ambos estão envolvidos e para o qual se encaminhamas suas ações.

Segundo (ROLLA, 2006, p. 98):Além de todos os desafios naturais à função do Supervisor Escolar, surge mais este:construir sua liderança com base nas relações saudáveis, nos princípios e na ética.As escolas, de uma forma geral, precisam adaptar-se às novas realidades que seapresentam, precisam adequar-se à lógica do mercado que dita as regras de sobre-vivência no mundo capitalista.

Encarar o cotidiano como processo em que os conhecimentos, avançose retrocessos são tecidos através dos saberes do professor, aluno e supervisor éconstituir uma posição solidária. Ressalta-se, no entanto, que para que essaatuação seja contemplada, é preciso que a escola conte com todos que compõema gestão educacional com uma atuação docente constante, embasada em teoriae práticas educativas que contribuam para o exercício da função.

4. Contribuições para repensar sobre a educaçãoO termo Educação procede do latim Educare, que significa instruir, criar.

A palavra é composta por ex (“fora”) educere (“guiar, conduzir, liderar”). Ou seja,educar trazia a ideia do “Conduzir para fora”. Outras fontes dizem “Extrair de dentro”.Se fôssemos dar uma missão a essa palavra, essa missão seria: Dispondo para omundo por meio da instrução, induzindo uma pessoa para fora de si mesma,manifestando o que mais existe além dela.

Segundo Jacques Delors (1998, p.89), “A educação deve transmitir, defato, de forma maciça e eficaz, cada vez mais saberes e saber-fazer evolutivos,

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adaptados à civilização cognitiva, pois são as bases das competências do futuro”.Para o autor, a educação provê de alguma maneira, as representações de ummundo complexo e em constantes mudanças onde ao mesmo tempo é necessárioorientação para criar as possibilidades de cruzar através dele.Neste contexto, a escola enquanto agente da educação assume um espaço deexploração, onde não é mais possível conceber como aprendizagem, somente abagagem pessoal estabelecida por nossas vivências.É preciso aproveitar todas as ocasiões de atualização que o mundo exige e aomesmo tempo permite. Enriquecer estas primeiras vivências é harmonizar-seneste mundo de transformações, desenvolvendo as potencialidades humanas.

Para poder dar resposta ao conjunto das suas missões, a educação deve organi-zar-se em torno de quatro aprendizagens fundamentais que, ao longo de toda avida, serão de algum modo para cada indivíduo, os pilares do conhecimento: apren-der a conhecer, isto é adquirir os instrumentos da compreensão; aprender a fazer,para poder agir sobre o meio envolvente; aprender a viver juntos, a fim de participare cooperar com os outros em todas as atividades humanas; finalmente aprender aser, via essencial que integra as três precedentes. (DELORS, 1998, p.98 e 99).

Nesse momento, o aprender a conhecer, está plenamente ligado àsatitudes de desconstrução da aprendizagem de uma realidade vivida, para validara reprodução do pensamento sobre um novo olhar. É preciso querer saber sobreo desconhecido, abrindo caminhos no desejo do saber, lançando o movimentoda construção de novos paradigmas.

Lançando interesse no desafio de recriar o sentido de aprender, permitindoa consolidação de uma prática questionadora inserida na ação do pensar. Destaforma, a escola se torna lugar de janelas para outros saberes não oficiais ouformais, que apresentam as diferentes culturas na experiência humana. Comesta contribuição para novas composições naturais dos saberes e datransdisciplinaridade. Já não é possível nem adequado,

(...), pois, não basta, de fato, que cada um acumule no começo da vida uma deter-minada quantidade de conhecimentos de que possa abastecer-se indefinidamente.É, antes necessário estar à altura de aproveitar e explorar, do começo ao fim davida, todas as ocasiões de atualizar, aprofundar e enriquecer estes primeiros conhe-cimentos, e de se adaptar a um mundo em mudança. (DELORS, 1998: 89).

Para que a escola contribua ainda mais no desenvolvimento dos seus, osprofessores devem observar as crianças com muita atenção, para conhecê-lasmelhor. A partir do momento em que conseguem obter o máximo de informaçõessobre as características e curiosidades dos alunos, torna-se possível estimulá-los

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propondo atividades que apresentem a medida certa de desafios que despertema atenção e proporcionem a autonomia.

O aumento dos saberes, que permite compreender melhor o ambiente sob os seusdiversos aspectos, favorece o despertar da curiosidade intelectual, estimula o senti-do crítico e permite compreender o real, mediante a aquisição de autonomia nacapacidade de discernir. (DELORS, 1998, p. 91).

Aprender a fazer implica a questão da participação onde a modernidadeexige não somente a qualificação profissional como também a competênciapessoal que cria um passaporte para enfrentar diversas situações que requeriniciativa. Este tipo de aprendizagem facilita a comunicação em grupo resolvendoconflitos dentro de um plano de estabilidade emocional. Ao longo da vida criamosum passaporte para uma cultura geral que constitui, o gosto pela educaçãoconstante, à medida que abastece as bases para a continuidade de abertura deoutros campos de conhecimento.

No contexto do aprender a viver juntos, está o grande desafio da educaçãopara o seu desenvolvimento, pois as pessoas estão cada vez mais distantes, e omeio propicia a isto, pois está cercada de violência e falta de valores. A tarefa éintensa, pois perpassa por conflitos e preconceitos. A dificuldade de socialização,fechada em si mesma entrelaça as profundas cicatrizes de culturas e seguir emfrente torna a vida escolar, algo complicado.

É de louvar a ideia de ensinar a não-violência na escola, mesmo que apenasconstitua um instrumento, entre outros, para lutar contra os preconceitos geradores deconflitos. A tarefa é árdua porque, muito naturalmente, os seres humanos têm tendênciaa supervalorizar as suas qualidades e as do grupo a que pertencem, e a alimentarpreconceitos desfavoráveis em relação aos outros. (DELORS, 1998, p. 97).

É preciso aprender a viver. Como enfoque, o desejo de um ambienteharmonioso e uma educação de paz, de cooperação e interdependência, nosremete a uma mudança educacional que prima pela gestão de conflitos diáriosque muitas vezes causam um trauma devastador, de solidão e marcas profundas.Portanto, a escola tem o desafio e dever de oportunizar situações de coletividade,administrando com mais facilidade, a crise de valores e atitudes negativas porque passamos. Em um novo cenário, estaremos colaborando para um mundopacífico, onde realmente poderemos afirmar que vivemos numa sociedade justa,sem exclusão, onde impera a educação, a solidariedade e o amor ao próximo.

De acordo com Delors (1198, p. 102)Aprender a ser, para melhor desenvolver a sua personalidade e estar a altura de

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agir com cada vez maior capacidade de autonomia, de discernimento e de respon-sabilidade pessoal. Para isso, negligenciar na educação nenhuma das potencialidadesde cada indivíduo: memória, raciocínio, sentido estético, capacidades físicas, aptidãopara comunicar-se.

Como podemos perceber o ato de aprender a ser, contempla um conjuntode atitudes e aprendizagens que a escola deve fornecer para que as criançastenham referencias intelectuais para enfrentar a sociedade. As aprendizagensque os alunos devem levar para a vida devem fazê-los interpretar, reformular,articular emoção e conhecimento para adaptar-se neste mundo cheio de desafios.

Conforme descrito na página 110 do documento da UNESCO:O desenvolvimento tem pôr objeto a realização completa do homem, em toda a suariqueza e na complexidade das suas expressões e dos seus compromissos: Indiví-duo, membro de uma família e de coletividade, cidadão e produtos, inventos detécnicas e criador de sonhos.

Portanto a educação deve preparar as crianças e os jovens a seremcapazes de construírem pensamentos autônomos e críticos, além de personalidadeprópria contribuindo para a solução dos grandes problemas da humanidade. Assim,faz-se necessário a emancipação de nossas expressões, que busque um desenhode uma nova realidade, para si próprio e para os demais indivíduos a sua volta.

5. CONCLUSÃOÉ visível que, dentro de uma escola, cada profissional dentro das suas

atribuições e competências tem a sua importância e responsabilidade de subsidiarum trabalho que emana para o coletivo. Nesse sentido é bastante relevanterepensar a função do supervisor no contexto escolar.

Pensando em um processo de aprendizagem de sucesso é possível contarcom o conhecimento específico do Supervisor Escolar para contribuir na tomadade decisões do grupo escolar, bem como para construir soluções diárias para asproblemáticas da cultura escolar. Suas ações de motivação frente ao grupo detrabalho tem peso no processo decisório de um projeto coletivo e na tomada dedecisões do planejamento de atividades que os levem a novos ensinamentos,avaliando a realidade educacional e a execução de atividades que construam umconhecimento que subsidiará essa contribuição ativa.

A supervisão Escolar pode e deve ser entendida como suporte pedagógico,pois a sua importância e trabalho vai além da ação de fiscalizar e cobrar o trabalhodos professores, ela é cotidiana e extrapola os aspectos meramente pedagógicos,inserindo-se na luta geral para superar a sociedade contraditória e injusta em que

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vivemos. Esse profissional tem nas mãos a contribuição específica deaprendizagem e ensino e também a oportunidade de qualificar o trabalhopedagógico e motivar os coletivos docentes superando as práticas tradicionaisda organização escolar histórica que prevalecia.

A ação do supervisor com os demais sujeitos envolvidos no âmbitoeducacional deve ser de atenção em todo o processo de desenvolvimento daaprendizagem, buscando meios de transformá-la em um conhecimento legitimadoe sempre ajustado pela ação-reflexão-ação.

É nessa moldura que o sujeito supervisor, se torna responsável peloprocesso de fazer acontecer e se necessário, lança a busca de caminhos para amelhoria dos mecanismos que levam ao conhecimento. Atualmente, o papel dosupervisor se torna essencial, como também, de grande importância na construçãode uma educação que agregue não somente a qualidade, mas a formação integraldo ser humano.

Considero que todo este processo é complexo em sua realização eexigente na ação coletiva, ou seja, a qualidade dessas ações é responsabilidadede todos os segmentos nele envolvidos. Ressalto que muito mais que o vínculo docoletivo, é a ação de cumplicidade na elaboração dos projetos pedagógicos, queapontam para um novo saber constituído e construído por desejos de umasociedade mais democrática, mais justa e solidária.

Ainda há um longo caminho a trilhar, mas vamos passo a passo à buscade compartilhar e ressignificar as nossas dificuldades e aprendizagens.

Percebendo através das leituras que o trabalho de supervisão escolar,ainda é um pouco negligenciado e reduzido ao mero trabalho de redigir ataspunitivas e verificar o trabalho desempenhado pelos professores acredito que énecessário perceber as possibilidades de mudança da cultura escolar, contidasna valorização deste profissional. Pois na atuação do mesmo, está o suporte,cada vez mais, necessário para os profissionais da docência.

Assim, esta pesquisa abriu as portas da curiosidade acadêmica e meinstigo a continuar buscando respostas nesse campo, de forma que eu possacontribuir com acadêmicos em busca de bibliografias e também para odesenvolvimento da temática.

VARELLA, Grazilela Alves da Silva. : School supervisor: the challenge of practiceand theory in the organization of the pedagogical work DIALOGUS. RibeirãoPreto. v.11, n.1 e n.2, 2015, pp. 209 - 222.

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ABSTRACT: This work aims to recognize the everyday relationship betweenthe theory and practice of the school supervisor action in order to motivate theteam, with a specific and significant contribution in the process of teachingand learning. The main question will be to understand the movement thatinvolves the relationship between teacher, student and the supervisor,simultaneously. To analyze such relationships a literature search was conducted.Our interpretation of the data leads us to believe that the reality of everydayschool life becomes far from the desired theory and sometimes maintenanceactivities regime within a program / project may fail due to the lack ofcommitment by the various levels of the education system . In this context itis up to the supervisor, engage the general aspects of collective action,coordinating the technical, cognitive, emotional and social policy, contributingto a pedagogical process of success.

KEYWORDS: Educational supervision; teachers; Education.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICASALARCÃO, Isabel. Do olhar supervisivo ao olhar sobre supervisão. In:Supervisão pedagógica: princípios e práticas. 4. ed. Campinas: 2004, p. 11-55.ANJOS, Almerinda dos. Relação entre a função de liderança do SupervisorEscolar e a satisfação de professores: estudo de caso na 1ª D. E. de PortoAlegre. Dissertação (Mestrado em Educação). Porto Alegre: PUCRS, 1988.BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional Nº 9394/96, de 2 dedezembro de 1996. Publicada no Diário Oficial da União, de 23 de dezembro de 1996.DELORS. Jacques. Educação: um tesouro a descobrir. São Paulo: Cortez,1998.LIBÂNEO, José Carlos. Organização e gestão da escola: teoria e prática. SãoPaulo-SP: Heccus, 2013.LIBÂNEO, José Carlos. Didática. São Paulo: Cortez, 1994 (Coleção magistério 2°grau. Série formação do professor).OLIVEIRA, Eloiza da Silva Gomes; GRISPUN, Mirian Paura Sabrosa Zippin.Princípios e métodos de supervisão e orientação educacional. Curitiba-PR: IESDE,2012.

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REFORMA DO ESTADO E POLÍTICA CULTURAL NO ESTADODO MARANHÃO NOS ANOS 1990

Ilse Gomes SILVA*

Luana Tereza de Barros Vieira ROCHA**

RESUMO: O artigo analisa a política cultural no Estado do Maranhão, no contextoda Reforma Administrativa do Aparelho do Estado no período de 1994 a 1998. Arelação com o poder político local e o capital transnacionalizado em uma formaçãosocial marcada por práticas políticas autoritárias e oligárquicas. O governo deRoseana Sarney (1994 a 2002) é um marco histórico-político no processo deaplicação de políticas neoliberais no Brasil e de dominação do fazer culturallocal.

PALAVRAS-CHAVE: Políticas Públicas; Poder Político; Reforma do Estado; CulturaPopular.

1- INTRODUÇÃOAs duas últimas décadas do século XX foram marcadas por mudanças

na ordem econômica e política que inaugurou uma nova hegemonia de caráterneoliberal. A crise na esfera econômica resultou na reestruturação produtiva eexigiu mudanças na forma de intervenção do Estado. Entretanto esse processo sedesenrolou de diferentes maneiras e intensidade seguindo a especificidade decada formação social e o contexto de resistência política dos movimentos dostrabalhadores.

Nos países centrais ficou evidente o esgotamento dos mercados internos,ocorreu à queda da produtividade e consequente lucratividade das empresas e, odólar se desvalorizou. As medidas de enfrentamento da crise giraram em torno doincremento da financeirização, do aumento da taxa de exploração da força detrabalho com a implantação de novos regimes de trabalho. O movimento derevalorização do mercado atingiu a esfera da política no momento em que as

* Cientista política, professora doutora do Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas do Departamentode Serviço Social e do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal do Maranhão naCidade de São Luís-MA, Brasil.** Especialista em História do Maranhão do Departamento de graduação em História e mestre do Programade Pós-Graduação em Políticas Públicas do Departamento de Serviço Social da Universidade Federal doMaranhão. [email protected]

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classes dominantes não apenas responsabilizaram o Estado pela crise econômicacomo impuseram mudanças de flexiblização dos direitos sociais e trabalhistas,como alternativa para uma resolução da crise.

Nos países periféricos e semiperiféricos a crise foi sentida com maioragressividade visto que as instituições multilaterais dos países centrais exigirammaior abertura dos mercados internos para o capital externo e flexibilização dasrelações de trabalho tendo o Estado como principal agente na construção dascondições políticas e ideológicas para a hegemonia do neoliberalismo.

No Brasil, esse projeto teve uma temporalidade diferenciada. Na décadade 1980 os movimentos sociais e sindicais estavam em uma fase de grandemobilização e se constituíram em força política capaz de criar barreiras àimplantação das medidas neoliberais. Enquanto isso, a década de 1990 foimarcada pelo auge do neoliberalismo, e sua maior expressão foi o governo dopresidente Fernando Henrique Cardoso ao implementar o Plano Diretor da Reformado Aparelho do Estado em 1995. A reforma do Estado foi legitimada pela defesa danecessidade de tornar o Estado mais eficaz e eficiente e de construir as condiçõespara a inserção do Brasil no chamado mundo globalizado (SILVA, 2003).

Esse processo teve um forte apelo ideológico, principalmente pela defesada estratégia de se atingir a governabilidade que, segundo os defensores doneoliberalismo, estava ameaçada pela crise na economia e pelo alto “custo Brasil”.As medidas implicaram em profundas mudanças na natureza universalista epública das políticas de Estado, na amplitude dos direitos sociais e na delimitaçãoda área de atuação do Estado.

No Maranhão, a defesa da Reforma do Aparelho do Estado foi assumidapela então governadora Roseana Sarney que assumiu o governo em 1994 com odiscurso da modernização do Estado e do desenvolvimento da economia ancoradonas mudanças neoliberais.

O governo de Roseana Sarney para o processo de manutenção do poderdo grupo Sarney na política maranhense é de vital importância por um conjuntode traços que permitem afirmar que em seu governo as estruturas de poder foramreorganizadas de modo a garantir a sua hegemonia na esfera local e seu poderde barganha na esfera nacional.

A governadora Roseana Sarney retoma o discurso da “modernização”através da implantação de políticas neoliberais, com o propósito declarado deintegrar o estado ao mundo “globalizado” dando ênfase às “vantagenscomparativas” que o Maranhão apresenta, como a força de trabalho desqualificadae desorganizada e os incentivos fiscais oferecidos pelo Governo.

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O governo organizou sua intervenção basicamente em seis eixos: ageração de emprego e renda, a modernização do aparato burocrático estadual, areforma agrária, o desenvolvimento do turismo e o desenvolvimento cultural.

O artigo se volta para o primeiro mandato da governadora Roseana Sarney,que corresponde ao período de 1994/1998, com o objetivo de analisar a políticacultural no contexto da Reforma do Aparelho do Estado e seus reflexos nasexpressões da cultura popular. Nossa intenção é demonstrar as formas deinstrumentalização da cultura popular para responderem as necessidades delegitimação do poder político do grupo dominante e da indústria cultural e doturismo.

2- REFORMA DO ESTADO E POLÍTICA CULTURAL NO MARANHÃOA proposta da reforma do Estado surge no cenário internacional como

alternativa do neoliberalismo a crise econômica que se instalou no final dos anos1970. A ideologia neoliberal responsabilizou o Estado-previdência pela criseeconômica do capitalismo e propôs a reforma do Estado como alternativa capazde proporcionar um novo momento de crescimento econômico. Foi implementadainicialmente pelos governos Reagan, nos Estados Unidos, e Thacher, na Inglaterra,a partir dessa experiência se espalhou pelos mais diversos países, sendo aplicadade acordo com as condições políticas de cada formação social.

No Brasil, o debate sobre a reforma do Estado surge impulsionado pelasinstituições financeiras multilaterais, em plena crise da dívida externa dos paísesperiféricos. Vinculam a liberação de novos investimentos financeiros às reformasneoliberais, nomeadamente a reforma do Estado. O governo do então presidenteFernando Henrique Cardoso construiu as condições políticas e econômicas paraa implementação das reformas neoliberais ao encaminhar em agosto de 1995 aoCongresso Nacional, o Projeto de Emenda Constitucional n. 173 sobre a reformado aparelho de Estado (SILVA, 2003).

O Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado foi implementadosem muita resistência dos movimentos sociais, que no momento já estavamfragilizados com as medidas neoliberais efetivadas pelos governos anteriores.Suas metas de privatização de empresas públicas, de terceirização, publicizaçãoe redefinição do papel regulador do Estado foram alcançadas implicando emprofundos danos na universalidade das políticas sociais, ameaçando direitossociais duramente conquistados pelas classes trabalhadoras.

No Maranhão esse processo foi abraçado por Roseana Sarney que seelegeu em 1994 reatualizando o discurso da modernização, que ao longo dos 46

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anos de domínio do grupo político do ex-presidente José Sarney tem sido a marcaideológica de sua legitimação no Maranhão.

A reforma do aparelho do Estado foi implantada através Lei n. 7.356, de29 de dezembro de 1998 (MARANHÃO, 1998) e significou reordenamento político-institucional das funções do aparelho do Estado. Á exemplo do governo federal, agovernadora realizou privatizações, terceirizou serviços públicos e orientou a gestãopública para as necessidades do mercado globalizado, numa perspectiva degerenciamento do serviço público. É nesse contexto que discutiremos a políticacultural.

A política cultural no governo de Roseana Sarney assume importânciavital dentro dos eixos de intervenção do governo, diferentemente das gestõesanteriores. Em seu governo, expressões culturais são levadas a um processo deinstitucionalização assumindo funções políticas e mercadológicas com objetivosclaros de sustentar a imagem de Roseana Sarney como provedora e protetora dacultura popular. Dessas expressões culturais as festas juninas e o carnaval foramprivilegiados com muitos recursos financeiros. Entretanto, para receber essesrecursos o governo impõe mudanças em todo o processo de organização dasbrincadeiras de modo a corresponderem aos novos padrões da indústria doturismo.

O governo, através da política cultural, estabeleceu os espaços demanifestação dessas expressões e o tempo de apresentação de cada brincadeira.

O governo maranhense organiza, permanentemente, festejos públicos em diferenteslocais, com ampla concentração popular, tendo como pólo de atração, artistas famo-sos, danças, farta venda de bebidas, etc. Batiza-se a grande festa de acordo com onome do bairro ou da religião escolhida (...) certamente é uma iniciativa inspirada navelha prática dos imperadores romanos, denominada panem et circenses (emborasem panem, pelo que talvez mais apropriado fosse denominar cachaçorum et circen-ses) (COUTO, 2003, p. 65).

No governo Roseana Sarney houve como se refere CARDOSO (2003, p.30), a inédita configuração de desenvolvimento e estratégias de “recriação datradição ora com vistas ao mercado, ora com vistas à apropriação política dealgumas manifestações culturais populares, gerando uma modificação na relaçãodos indivíduos com sua cultura e com os chamados de refuncionalização dacultura popular”.

A valorização da cultura popular é percebida principalmente no segundomandato, já no contexto de implementação da Reforma do Aparelho do Estado.Nesse período os investimentos foram administrados pela Fundação Cultural do

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Maranhão (FUNCMA).Em gestões anteriores também ocorreu o interesse pela área cultural.

No governo de Eugênio de Barros, no ano de 1953, foi criada a Secretaria deEstado dos Negócios de Cultura e em 1967, no governo de José Sarney foi criadoo Conselho Estadual de Cultura. O governado Pedro Neiva de Santana, emdezembro de 1971 criou a Fundação Cultural do Maranhão e no governo de JoãoCastelo em junho de 1981 foi criado o Instituto Maranhense de Cultura, quesubstituiu a então Fundação Cultural (COUTO, 2003).

Embora se perceba uma preocupação com a cultura em gestõesestaduais anteriores, o governo de Roseana Sarney tem uma ação que sediferencia dos anos anteriores. Nesse governo a intervenção no setor cultural seamplia para órgãos como bibliotecas, museus, teatros e arquivos públicos,abrange o apoio direto as expressões culturais e desenvolve projetos no interiordo estado.

A FUNCMA tem a função de administrar e coordenar as ações de órgãose prédios que trabalham com as várias expressões culturais. Como expõe Couto:

Sede da Fundação, Sede do Extinto Conselho Estadual de Artes Visuais, GaleriaNagy Lajos, Museu Histórico e Artístico do Maranhão, Museu de Arte Sacra, Capelado Senhor Bom Jesus dos Navegantes, Capela do Senhor Bom Jesus da Coluna,Capela das Laranjeiras, Cafua das Mercês, Sede da Diretoria do Patrimônio Cultu-ral do Maranhão, Sede do Departamento do Patrocínio Histórico e Artístico doMaranhão, Centro de Criatividade Odylo Costa Filho, Centro de Cultura PopularDomingos Vieira Filho, Biblioteca Escolar da Praia Grande, Arquivo Público doEstado do Maranhão e Casa de Cultura Josué Montello (COUTO, 2003, p. 71).

A fala do Senhor Basílio1, integrante do Boi da Fé em Deus, sotaque dezabumba, pertencente ao grupo A, nos permite visualizar melhor esse momento:

Olha na década de noventa, já existia ajuda para os grupos. O Governo já patroci-nava os grupos, agora de lá pra cá melhorou muito. Mas existia sim, existia, atéporque o nosso festival, ele fez treze anos. Agora treze anos e a gente já tinha járecebia... No primeiro ano não teve ajuda, mas no segundo a gente já teve ajuda dacultura municipal, depois da cultura estadual. Então já tinha (...) De Noventa... No-venta e quatro, no governo de Conceição Andrade, ela era municipal, a ConceiçãoAndrade ela já tinha participação sim com a cultura. O governador era Lobão,também freqüentava algumas das brincadeiras (SEU BASÍLIO, 2007).

1 Liderança do Bumba-meu-boi de sotaque de zabumba da Vila Passos.

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2-1 Cultura Popular e Política cultural: prioridadesNa gestão de Roseana Sarney se priorizou, na capital, duas das principais

expressões culturais de forte apelo popular: o carnaval e as festas juninas. Nesseartigo voltaremos nossa atenção apenas para as festas juninas.

No Brasil, as expressões culturais das classes populares foramhistoricamente rejeitadas por parte das classes dominantes. Isso começa a mudarquando o movimento modernista, a partir das décadas de 1920 e 1930, realizauma espécie de aproximação entre esses dois pólos. (NOGUEIRA apudMARQUES 2005). No Maranhão, por exemplo, as apresentações de grupos deBumba-meu-boi foram proibidas até as primeira metade do século XX de dançremna região central de São Luis, local de moradia da classe dominante. Até hojeesse período é lembrado por muitos organizadores de grupos de Bumba-meu-boi, como Dona Terezinha Jansen que faz menção às ações de Seu Laurentinoque muito sofria com a repressão na década de 70:

Era meio pesada. Porque Boi não podia passa da li de dentro: do Canto da Fabrilpra cá. Mas ele como era muito ousado às vezes passava, só não foi preso totalmen-te porque ele tinha amigos, porque ele trapaceou, mas isso ai é como hoje, hoje agente tem muitos mecanismos e antigamente a gente não tinha tantos assim, um oudois (...) (TEREZINHA JANSEN, 2007).

A penetração das expressões culturais das classes subalternas nosespaços das classes dominantes se iniciou na gestão do governador José Sarneynos anos 60. Nessa época, o governo do estado recebeu no Palácio dos Leões,sede do governo, várias expressões culturais populares, principalmente gruposde Bumba-meu-boi, em uma demonstração de aproximar esses grupos com apolítica e de confirmar a suposta preocupação do governador com a culturapopular. Essa prática política e os respectivos objetivos de se reafirmar comoprotetora da cultura popular foi mantida pela então governadora Roseana Sarney.

Observamos que essa proximidade com as expressões culturais dasclasses populares ocorre quando há a percepção, por parte dos grupos políticosdominantes, da enorme popularidade dessas expressões. Percebem que essaproximidade com a cultura popular é um importante mecanismo de atingir emanter-se no poder político, como disse a Dona Terezinha Jansen (2007): “com odecorrer do tempo e com as pessoas que vinham para defender a nossa Culturaisso foi mudando como, por exemplo, a Roseana”.

Em 1996, ocorreu um investimento financeiro significativo em váriasexpressões culturais das classes populares com a realização de convênios como governo federal através do Fundo Nacional de Cultura e executado pela

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Comissão Maranhense de Folclore. O governo do estado também buscou ainiciativa privada para disponibilizar mais recursos as festas populares. Osconvênios alcançaram cerca de 214 grupos folclóricos e a apresentação de 252expressões culturais (COUTO, 2003).

Esse projeto de apoio a cultura popular teve uma expressiva divulgaçãona mídia dando muita visibilidade a política cultural da governadora RoseanaSarney consolidando sua imagem e seu discurso de protetora da cultura popularmaranhense. Para Nogueira (2005) uma das conseqüências foi as expressõesculturais “deixarem de ser expressão dos quintais dos maranhenses para setransformar” em espetáculo de consumo “além de (re) afirmar as relações dedependência e aprofundamento do poder político e do capital” (NOGUEIRA, 2005).

A ação política da governadora de apoio a cultura popular gerou umaumento na popularidade de Roseana Sarney e se estabeleceu como uma aliançaentre o governo e as camadas populares em defesa da cultura, sendo que ambospactuam com um acordo de ajuda mútua.

No ano de 1997, os investimentos aos tradicionais arraiais e gruposfolclóricos continuaram. Recebeu apoio, os Arraiais da Praia Grande, da VilaPalmeira, incentivado pela Associação de Bumba Bois de Matraca da Ilha eSotaques do Maranhão, e o Arraial do Projeto Reviver de responsabilidade daUnião de moradores do Centro Histórico de São Luís. Também foram realizadosvários eventos de apoio a estes grupos como o Encontro Geral de confraternizaçãodos grupos de Bumba-Meu-Boi dos diversos sotaques, ocorrida na Madre Deus,na Igreja e Largo de São Pedro no dia 29 de junho em homenagem ao SantoPadroeiro dos pescadores; o Desfile no João Paulo dos grupos de Bumba-meu-boi sotaque de matraca realizado no dia 30 de Junho, e por fim, o Festival deBumba-meu-boi sotaque de zabumba na Avenida Newton Bello, s/n no Bairro doMonte Castelo, nos dias 26 de Junho. (COUTO, 2003).

No mesmo ano, o Estado intensificou os investimentos e divulgação desuas atividades voltadas para as expressões culturais, em especial, os festejosjuninos, justamente com a parceria da Secretaria Extraordinária de ComunicaçãoSocial2. Foram feitas “95 (noventa e cinco) placas de outdoor em 07 (sete) praçasnas cidades como São Luís, Imperatriz, Belém, Parnaíba, Palmas, Teresina eFortaleza” (COUTO, 2003, p.82), na segunda quinzena do mês de Junho. Adivulgação das expressões culturais atingiu todo o país quando anúncios nasprincipais revistas de circulação nacional (Revista Veja e Revista Isto É), bemcomo, a exibição de um filme na Rede Globo de Televisão, em horário de4 A Secretaria de Comunicação Social foi extinta em 1999 por ocasião da Reforma do Aparelho do Estado.

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audiência nobre foram realizados.Para receber investimentos financeiros, o governo agiu diretamente na

organização e padronização dos espaços, calendário e formas de apresentaçãodas brincadeiras, de modo a atingirem um padrão de alcance nacional einternacional. Foi exigido que esses grupos de expressão popular setransformassem em “personalidades jurídicas, de direito privado, sem finslucrativos”. Coube ao governo a responsabilidade em determinar os locais e aquantidade de apresentação. Estabeleceu cachê por apresentação, que varia deacordo com a classificação de cada grupo. O resultado dessa ação, seu deucomo: a relação de dependência dos grupos folclóricos com o governo(NOGUEIRA, 2005),isto se verificou no depoimento das seguintes lideranças doBumba-meu-boi de sotaque de zabumba: “Esse cadastro é feito por eles lá atravésdo CNPJ, do estatuto, e da ata de fundação a secretaria tem isso lá e lá ela faz oconjugado dela” (SEU CONSTÁCIO, 2007).

E,A gente vai na Cultura e no Município e eles dizem onde a gente se apresenta.Antigamente isso não existia, hoje é feito um cadastro, você vai lá se cadastra, tacadastrado você leva a Ata pra normalizar... O Estatuto, o CNPJ, aí ta bom. Sabetodos esses documentos parece que é emprego, e é emprego porque a genteganha com apresentação. O problema é que o dinheiro é muito, pelo contrário! Aquiessa moda de pagar brincante ainda não chegou, mas tem Boi por aí que paga(DONA MARIA DA PAZ, 2007) (...)

Quanto aos locais de apresentação, foram criados os Vivas em váriosbairros de São Luis como: Madre Deus, Renascença, Maiobão, Liberdade, Bairrode Fátima, Anjo da Guarda, João Paulo, Praia Grande, entre outros.

O governo maranhense organiza, permanentemente, festejos públicos em diferenteslocais, com ampla concentração popular, tendo como pólo de atração, artistas famo-sos, danças, farta venda de bebidas, etc. Batiza-se a grande festa de acordo com onome do bairro ou da religião escolhida (...) certamente é uma iniciativa inspirada navelha prática dos imperadores romanos, denominada panem et circenses (emborasem panem, pelo que talvez mais apropriado fosse denominar cachaçorum et circen-ses) (COUTO, 2003, p. 65).

Na opinião de Nogueira (2005) e Cardoso (2005) esses Vivas funcionavamcomo um mecanismo que provocava nas expressões culturais a “quebra daespontaneidade e da tradição” uma vez que definiu e direcionou os locais deeventos para as apresentações e, revelou os interesses eleitorais de dirigentes

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políticos e da indústria do turismo.Com o cadastro, a Secretaria convocou os grupos para se apresentarem

em determinados locais, designando cada um a determinados arraias já definidos.Seu Mundinquinho diz claramente como isso é feito:

Olha a gente vai lá. A brincadeira já é cadastrada lá, lá a gente só faz reforçar chegalá o responsável pelo cadastro. Aí reforça o cadastro, aí na época do São João eleschamam a gente, as pessoas e dão aquela lista, a listagem da gente. Roseanadeixou pra nós dez apresentações cada brincadeira, esse Governador tirou duas,só ficou oito, ele tirou duas de cada. (SEU MUNDIQUINHO, 2007).

Os grupos de destaque (pertencentes à categoria A e em alguns casos,B), geralmente, eram e continuam a ser encaminhados para os arraiais situadosem áreas nobres (Renascença, Vinhais, Madre Deus, entre outros) enquanto osde categoria C destinavam-se para os espaços da periferia.

Eles classificam a brincadeira que tem maior número de componentes, melhor orga-nização, o melhor enfeite, então é isso que classifica... Então veja bem, pra a brinca-deira chegar à letra A, ela depende de alguma coisa também, porque hoje asbrincadeiras, estão indo para os arraiais se apresentarem incompleta, porque, porexemplo, o Boi de Zabumba, tem os cabeceiras, têm os batuqueiros, temos vaquei-ros, têm as tapuias, esses são os componentes e tem a burrinha, e o Boi, esses sãoos componentes do Boi de Zabumba. Mais... Aí entra o peitoral, a saiota e a perneiraque muitos hoje não estão usando, muitos estão usando pela metade. Têm também,o Pai Francisco e a Catirina que não estão usando tudo isso, então isso desclassificaa brincadeira pra chegar no nível A, ela tem que ta completa com todos essescomponentes. (SEU BASILIO, 2007).

Percebemos-se nas falas das lideranças dos grupos de diferentesclassificações os locais que se apresentam, revelando a hierarquização e/oudiferenciação estabelecida pelo governo. Esse processo evidencia, além doaspecto político, a intervenção do poder econômico que alimentou a indústriacultural, transformando a brincadeira em espetáculo adequada ao mercado doturismo.

Olha às vezes era no Reviver, era nos arraiais. Nos Vivas, o Boi da Fé em Deus seapresenta no Renascença, no Shopping São Luis, no Sesi, na Madre Deus, noReviver, na Praça Maria Aragão (SEU BASILIO, GRUPO A, 2007).

Era a mesma coisinha. Quando a gente ia se apresentar no Viva do João Paulo, noMonte Castelo, a apresentação é pelo Estado. Se a gente vai para o calçadão doJoão Paulo que tem os Vivas que pertence ao Estado eu só vou para fazer apresen-tação e assim sucessivamente (SEU CANUTO, GRUPO B, 2007).

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Exatamente. Ai a Secretaria chama aí chega lá ela entrega o papel comprovando:você vai se apresentar no João Paulo, vai se apresentar no Cohatrac, ta se apre-sentando na Cidade Operaria (SEU CONSTÂNCIO, GRUPO C, 2007).

A política de incentivo às expressões culturais teve continuidade nosegundo mandato de Roseana Sarney. Nessa gestão, foi realizada a ReformaAdministrativa do Estado (Dezembro de 1998) e a Secretaria de Estado da Culturafoi extinta e implantada em seu lugar, a Gerência Adjunta de Cultura, vinculada àGerência de Desenvolvimento Humano. Com a criação da FUNCMA, recomeçoufortemente o investimento por parte do Estado aos festejos juninos. Como destaque,teve-se o apoio do tesouro estadual com um investimento de R$ 415.000,00(quatrocentos e quinze mil reais) e, também, da firma TELEMAR, patrocinandoR$ 152.267,00 (cento e cinqüenta e dois mil duzentos e sessenta sete reais) deacordo com a Lei Federal de Incentivo à Cultura.

Pelo exposto, podemos entender que a política de incentivo a culturapopular maranhense, durante o primeiro mandato de Roseana Sarney (nos anosde 1994 a 1998) funcionou como um importante mecanismo de manutenção dopoder político e econômico. A manutenção do poder político pode ser percebidaquando a governadora se apresentava e se legitimava como protetora da culturapopular ao disponibilizar consideráveis recursos orçamentários para os festejosjuninos e a outras brincadeiras tradicionais, ao mesmo tempo em que criou laçosde fidelidade política com esses grupos. A importância para o poder econômicoligado a indústria do turismo, ocorreu ao transformar essas brincadeiras emmercadorias e submetidas às exigências do mercado e da indústria cultural.

3- CONCLUSÃOA política de incentivo a cultura na gestão de Roseana Sarney provocou a

institucionalização e instrumentalização da Cultura Popular na “busca deneutralizar a crítica e dá vazão ao espetáculo voltado para o show e o prazer dasmassas” (NOGUEIRA, 2005), bem como, ressignificou as expressões culturaispopulares, como manifestações da cultura oficial na dada localidade.

Essa preposição pode ser observada na fala de Dona Terezinha Jansen,do Boi da Fé em Deus (2007) que ao obter recursos financeiros por meio de umaentidade vinculada ao governo do Maranhão tem de cumprir algunscompromissos, caso contrário determinadas restrições são colocadas, como adistribuição de poucos recursos financeiros destinados ao custeio de despesas,limitadas apresentações em arraiais/Vivas, resultando com pouca divulgação dascriações juninas.

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Essa instrumentalização das expressões culturais atingiu,respectivamente, fins de ordem eleitorais e mercadológicos. Os mecanismosutilizados pela governadora Roseana Sarney garantiram a manutenção do poderpolítico pelo grupo que governou o Estado do Maranhão a mais de 50 anos compráticas políticas oligárquicas.

A política de fomento da cultura popular em São Luis pelo governo RoseanaSarney, revelou como sendo um processo gradual de transformação damercadoria em cultura e da cultura em mercadoria. Isso é visível quando o espaçopúblico está a cada dia mais dependente do mercado de bens culturais e artísticos,que por sua vez, é regido pela produção e pelo consumo. Numa perspectiva tem-se claramente, como se refere CARDOSO (2003, p. 27-28) um “balcão desubsídios,” “uma relação clientelista, visivelmente eleitoreira, em que passa atrocar apoio financeiro por apoio político” e, tudo isto, na lógica do capitaltransnacionalizado que adapta diferentes e amplas instâncias sociais aosinteresses do mercado enquanto o Estado cria mecanismos de legitimação edominação das classes populares.

SILVA, I. G.; ROCHA, L. T. B. V. State reform and cultural policy in the State ofMaranhão in the 1990s. DIALOGUS. Ribeirão Preto. v.11, n.1 e n.2, 2015, pp. 223- 234.

ABSTRACT: The article analyzes the cultural policy in the state of Maranhão, inthe context of Administrative Reform of the State apparatus from 1994 to 1998. Therelationship with the local political power and the transnationalized capital in asocial formation marked by authoritarian and oligarchic political practices. Thegovernment of Roseanna Sarney (1994-2002) is a historical and political milestonein the process of applying neoliberal policies in Brazil and make local culturaldomination.

KEYWORDS: Public Policy; Political Power; State Reform; Popular Culture.

REFERÊNCIASCARDOSO, Letícia Conceição Martins. Indústria da Cultura Popular no Maranhão:uma “indústria política”? In: MARQUES, Francisca Ester de Sá (Org.).JORNALISMO CULTURAL: da memória ao conhecimento. São Luís: EDUFMA,2005. p. 29-50.

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COUTO, Carlos Agostinho Almeida de Macedo. INDÚSTRIA CULTURAL EHEGEMONIA: o poder público e a produção e disseminação de bensculturais em São Luís do Maranhão. 2003. 120 f. Dissertação (Mestrado emPolíticas Públicas) - Programa de Pós-graduação em Políticas Públicas,Universidade Federal do Maranhão, São Luís, 2003.FERREIRA, Carla Georgea Silva. BUMBA MEU QUILOMBO: o festival de bumbaboi de zabumba em São Luís. São Luís, 2006.IANNI, Octávio. Neoliberalismo e nazi-fascismo. Crítica Marxista, 7. 1998.SILVA, Gisélia Castro. Estetização Política da Cultura Popular e marketing noGoverno Roseana Sarney. In: MARQUES, Francisca Ester de Sá (Org.).JORNALISMO CULTURAL: da memória ao conhecimento. IN; NOGUEIRA, SãoLuís: CEDUFMA, 2005. p. 09-28.SILVA, Ilse Gomes. Democracia e participação na reforma do Estado. SãoPaulo: Cortez, 2003.

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O PROJETO CIRANDA COMO ALTERNATIVA EDUCACIONAL

Irving Spinelli MALAGUTI∗Lilian Rodrigues de Oliveira ROSA∗∗

RESUMO: A pesquisa mostra a realidade educacional de crianças de umassentamento de terra em Ribeirão Preto (SP). Dentro das leis, elas se deslocamda área rural e vão para a urbana, onde estão matriculadas em uma escola regular.Entram nas salas de aula, sentam nas carteiras e se dispõe como alunos, fato quenão causa estranheza. Ou não causaria, se a realidade vivida por essas criançasnão fosse distante daqueles ensinamentos passados pelos professores e peloscolegas de classe. O resultado é a criação de uma educação alternativa, aplicadano próprio assentamento e que tem os pais e integrantes como principais agentes.Ali, baseada em Paulo Freire, elas aprendem brincando e se interagindo em meioa natureza. Elas aprendem com o que tem em mãos e ao redor. Fiz um trabalhoem campo e pude comprovar não apenas a eficiência de tal aprendizado, tãobem quanto, o fato de as crianças se sentirem mais a vontade quando estudamcom o que conhecem. Através de entrevistas e conversas informais, passei diasnaquele ambiente, agradável por dentro, mas excluído por uma sociedadepragmática. Esse distanciamento entre aluno e escola foi o ponto de partida parao estudo que revelou, além de outros itens, que a realidade atual não dispõe deprofessores preparados, nem mesmo de escolas que possam atender a variedadede culturas que ali permeiam. Com isso, cada vez mais, um ser atuante e político,que cria e inova com uma educação própria, terá participação importante emuma sociedade padronizada por leis e despreparos.

Palavra Chave: MST, Educação, Educação Alternativa, Política.

IntroduçãoComo trabalho de conclusão de curso (TCC) da graduação de jornalismo

– curso realizado no Centro Universitário Barão de Mauá - apresentei umdocumentário de televisão, na qual demonstrei uma ação realizada por integrantes

∗ Jornalista, pós-graduado em História, Cultura e Sociedade pelo Centro Universitário Barão de Mauá. E-mail: [email protected].∗∗ Doutora e mestre em História pela Unesp/Franca. Pós-doutoranda em Políticas Públicas FEA-RP/USP. Coordenadora do curso de História e professora da Pós-graduação História, Cultura e Sociedade doCentro Universitário Barão de Mauá. E-mail: [email protected].

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do assentamento Mário Lago, em Ribeirão Preto, no interior de São Paulo. Otrabalho intitulou-se: “Terra do Saber: uma experiência educativa no MST” emostrava que os participantes mais experientes criaram uma forma alternativa deeducação, baseada na teoria de Paulo Freire e nos costumes e hábitos culturaisde seu “povo”. O objetivo central, segundo eles, era o de aproximar o aprendizadodas crianças com a realidade delas, já que a escola “institucionalizada” não ofazia. As crianças frequentam a escola urbana – em uma caminhada que podedurar até duas horas -, porém sentem dificuldades em aprender, devido aodistanciamento da instituição com a realidade vivida por eles.

Agora, dois anos depois, como trabalho de pós graduação pretendo utilizarargumentos que respondem a essa necessidade: de criar uma forma alternativade educação. Por que moradores rurais precisam ter uma educação própria?Nessa questão, quais as “deficiências” das escolas institucionalizadas? Para isso,pretendo citar bibliografias culturais, voltadas para a educação e principalmenterelacionadas à questão política. Será que existem semelhanças entre umaeducação coletiva e comunitária proposta por Paulo Freire e a ideologia de HannahArendt? Como os dois autores se relacionam?

Como anteriormente pesquisado, há muitos estudos sobre a questão daproblemática da educação, bem como da amplificada definição de política. Noentanto, há uma defasagem quando esses dois temas se misturam e seinterdisciplinam. Ambos, por serem tão compostos, normalmente são usados comoponto crucial e ápice das pesquisas. E apesar dessas justificativas, que um temdo outro, não há sínteses feitas quando ambas são comparadas ao termo coletivo,e, principalmente, para compreender uma ação social conjunta já aplicada naprática. Também é mérito desse trabalho pesquisar se houve a necessidade dacriação de uma educação alternativa que acabou cominando em uma suposta“falha” do sistema educacional. Juntamente com a sua institucionalização.

A ciranda tornou-se um ponto forte e único de representação a partir domomento em que foi a pioneira na criação de forma alternativa de educaçãoinfantil. Há dois anos, quando iniciei o trabalho de filmagens no assentamentoMário Lago, o intuito era o de exibir esse método utilizado pelos moradores daquelelocal. Agora, mais afundo, o tema se mantém pautável contando que se tornouobjetivo de estudo teórico a partir de conceitos políticos. Como será visto naspróximas páginas, contamos com a definição de que a política apartidária estáligada, quase que intrinsicamente, aos conceitos culturais de uma região,justamente por isso, a aplicação da teoria política na ação dos assentados setorna tão útil quanto impecável, no quesito objeto de estudo.

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Afora isso, parti do pressuposto de que mantenho comigo as imagens – eas recordações registradas – de uma educação que já está sendo aplicada, e,ainda que precocemente, mostrando bons frutos. A melhor justificativa para esseestudo é justamente o momento no qual ele está sendo aplicado, e, sem contar,que ainda não há outras pesquisas tão especificamente analisadas.

O assentamento está localizado em Ribeirão Preto, o que facilitou tambéma viabilização de praticar questões referentes ao tema.

Este trabalho pode contribuir na disseminação de práticas alternativas,para que se possa refletir sobre a educação de comunidades específicas noBrasil, tida, segundo Paulo Freire (1991), como inferior, já que não reflete asideologias dominantes. “A educação popular não pode estar alheia a essas estóriasque não refletem apenas a ideologia dominante, mas, mesclados com ela,aspectos de visão de mundo das massas populares” (FREIRE, 1991, p. 53). Diantedisso, o educador afirma que “a atividade prática na realidade concreta, por simplesque seja, é a verdadeira geradora de saber” (FREIRE, 1991, p. 59), o que justificauma educação voltada aos valores culturais de cada grupo.

O trabalho tem como objetivo principal explicar, com enfoque na revisãopolítica, quais foram os pontos fundamentais que resultaram na criação de umaeducação alternativa no assentamento Mario Lago, em Ribeirão Preto. O conceitoteve início em uma estrutura já estabelecida, e atuante, e partiu para o outro ladoda moeda: com o objetivo não mais de mostrar o que está acontecendo, mas opor quê de ter acontecido. Nesse sentido, aplica-se então, visões que secorrelacionam, partindo de uma teoria já estudada – Paulo Freire - com umaestrutura política – Hannah Arendt. Ainda como objetivo do trabalho, cabe umaanálise da precariedade da estrutura política-educacional do ensino deaprendizagem, principalmente no que tange ao “espaço” Brasil, no século XXI.Essa questão é embasada pelos teóricos e também comprovada pelos criadoresda “ciranda”.

A pesquisa é válida quanto a questão do entendimento dos movimentosdos trabalhadores rurais. Nesse item, pensando não no movimento partidário emsi, mas principalmente no que se refere à estruturação da luta por ações sociais,tal como a popularização da educação, sem tirar dela o mérito qualitativo. Aindanesse ponto, vale a disseminação da dificuldade dos moradores dessesassentamentos, que precisam “viajar” horas e horas para conseguir chegar àescola, o que torna um abismo, afastamento e exclusão desses indivíduos.

A pesquisa também é atraída pela relação que há entre os autores dediferentes filosofias: educacional, cultura e política. Aqui é notável o impulso que

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eles dão quando se trata da questão coletiva, do agir em coletivo, mesmo porquenenhuma dessas filosofias trabalha de forma isolada. O ponto comum é, semdúvidas, o trabalho em equipe, o agir em conjunto, viver em sociedade.

Partindo da representação do trabalho feito na graduação, vou prosseguircom as teorias. Primeiro citarei a questão da educação, dos direitos dela e,sucessivamente, do que propõe Paulo Freire. Isto porque o método utilizado noassentamento é baseado nesse autor e em suas práticas, ainda que considerandoos ensinamentos e sínteses do movimento ao qual pertencem. Ainda referente àquestão educacional, trarei duas opiniões e vivências de professores que atuamem redes públicas. Eles apenas têm a função de tornar a teoria mais concreta epalpável, fazendo uma representação da realidade. Mas para isto, fiz um pequenoquestionário com algumas perguntas expressamente objetivas, o que torna aentrevista qualitativa.

Partindo do pressuposto da teoria freiriana, que condena ainstitucionalização educação como um dos fatores que exclui pessoas “fora dopadrão”, vou explicar, ou melhor, definir termos culturais. Eles não apenas explicamparte do movimento dos trabalhadores nesse local como também será ganchopara o auge da pesquisa, que é quando será citada também a questão política.Por sinal, essas três teorias – educação, cultura e política – serão desenhadasdentro de um único enquadramento temático: o coletivo. Vale ainda citar os trêscomo sentimentos de bem comum, comunitário no sentido de popular.

Por fim, trago, então, as teorias políticas. Nesse ponto, citarei como Arendtvisualiza esse termo e a importância dele para a sociedade. O que tem haver acriação de um método alternativo com a questão política traduzida na visão dela.Essa metodologia de estudar uma teoria partindo de uma ação que já estáacontecendo, fazendo uma pesquisa contrária àquilo que é comum, é um doscaminhos para representar de que forma a história, a memória e/ou o tempopodem explicar algo que parece inexplicável. Afinal, como disse Marcos Gigante,durante uma aula ministrada no curso de especialização História, Cultura eSociedade: “Oras, por que estudar os clássicos? Possivelmente porque eles aindatêm algo a dizer, nos dias atuais”.

A questão da educaçãoAs massas, contrariamente ao que foi previsto, não resultaram da crescente igualda-de de condição e da expansão educacional, com a sua conseqüente perda dequalidade e popularização de conteúdo (ARENDT, Hannah. 1973, P. 366).

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A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 205 do capitulo III, prevêque “A educação é direito de todos e dever do Estado e da família”. Isso quer dizerque, pelo menos em tese, todos os cidadãos, principalmente as crianças, têm odireito à educação básica e fundamental. Acontece que existe um processo deverticalização do ensino, em que uma única forma de conhecimento é impostapelos governantes como legítima, o que, consequentemente, resulta napadronização dos conteúdos transmitidos aos alunos.

A escola, para grande parte dos alunos, torna-se uma prisão, desinteressante eobrigatória – e desta forma é impossível realmente aprender algo, só aprendemosaquilo que realmente nos cativa, que consideramos importante para nós mesmos.Claro que grande parte deste desinteresse se dá pelo formato da escola (POSSEBON,2013, entrevista).

A afirmação é da professora de geografia e sociologia do ensinofundamental e médio na área rural de Alto Paraíso de Goiás (Cidade daFraternidade/ Assentamento Sílvio Rodrigues), Alessandra Possebon (2013) – Verapêndice A. Durante entrevista, ela falou que o modelo tradicional aplicado nosdias atuais é militarista e bancário, como afirmado por Freire, no qual o professorage como fonte de informações e sua relação com o aluno é de trocas de notasestritamente quantitativas, o que está completamente dissociado da realidadeatual. Para Érico Lopes Pinheiro de Paula (2013), que foi professor de história,geografia, filosofia e sociologia na rede estadual e hoje atua como técnico emassuntos educacionais da UFTM (Universidade Federal do Triângulo Mineiro) adidática não é ponto pacífico de discussão em nenhum lugar do mundo – Verapêndice B.

A falta de professores atuantes e especializados evidenciam que é deque é preciso buscar alternativas na forma de ensino. E o que não falta sãoexemplos, como esse. Alessandra Possebon (2013) afirmou também que“temos que começar os modelos de um mundo novo, já que temos que sera transformação que queremos”.

Penso que é necessário repensar tudo na escola tradicional e neste viés temosdiversas linhas de escolas democráticas no Brasil e no mundo que têm obtido bonsresultados trabalhndo pela autonomia de alunos e professores (POSSEBON, 2013,entrevista).

Segundo Paulo Freire (1991), na obra A Educação na Cidade, éfundamental perceber que os déficits educacionais resultam do fato de o sistemade ensino desconsiderar as características culturais em que os alunos estão

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inseridos, castigando, entre tantos, as famílias de classes mais populares.Considerando que, do ponto de vista da qualidade do ensino, as crianças defamílias com condições financeiras satisfatórias geralmente são matriculadasem instituições de ensino privadas, o ensino público acaba sendo destinado aosmenos favorecidos economicamente. Para os que conseguem chegar à escola ese manter nela, o ensino público tradicional não consegue oferecer conteúdosque possam ser aplicados efetivamente no dia a dia desses jovens.

Considerando esses pressupostos foi encontrado viabilidade para exploraresse tema. Com base nas teorias apresentadas, parti da hipótese de que o ensinotradicional, por ser padronizado, não responde às necessidades de todos os alunos –com enfoque no caso específico, de crianças e jovens de um assentamento do MST–, já que não leva em conta os valores culturais do campo, especificamente dosassentamentos de trabalhadores rurais. O modelo de ensino público tradicionalpromove uma educação verticalizada, com padrões impostos de cima parabaixo, do governo para as escolas, e não considera como parâmetros para aelaboração do seu planejamento as diferenças culturais existentes nasociedade. O modelo procura unificar o aprendizado, desprezando ascaracterísticas particulares de cada aluno, de cada grupo social.

A questão do analfabetismo de jovens e de adultos está ligada aos déficits quantitativoe qualitativo de nossa educação. Escolas em quantidade insuficiente para atender ademanda popular [...] e educação elitistas, longe das expectativas das classes popu-lares (FREIRE, 1991, p. 64).

A teoria de Paulo Freire e sua proposta de alfabetização, por exemplo,geram reflexões que nos permitem repensar a educação, tendo como ponto departida a vida humana individual, mas sem isolá-la de uma comunidade, de umacultura, da convivência com o outro.

Não podemos, a não ser ingenuamente, esperar resultados positivos de um progra-ma, seja educativo num sentido mais técnico ou de ação política, se, desrespeitandoa particular visão do mundo que tenha ou esteja tendo o povo, se constitui numaespécie de invasão cultural, ainda que feita com a melhor das intenções (FREIRE,1987, p. 83).

Mas como definir a política pública de educação? Para Adão Oliveira(2010) é algo que diz respeito à educação escolar. Em um ambiente formado porsalas de aulas, professores e alunos, dos quais, em sua maioria devem aprendertécnicas da alfabetização tanto quanto especializações em temas recorrentes aomundo. Tudo isso, por se tratar de público, é promovido por órgãos públicos.

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Nesse sistema, é imprescindível a existência de um ambiente próprio do fazer edu-cacional, que é a escola, que funciona como uma comunidade, articulando partesdistintas de um processo complexo: alunos, professores, servidores, pais, vizinhan-ça e Estado (enquanto sociedade política que define o sistema através de políticaspúblicas). Portanto, políticas públicas educacionais dizem respeito às decisões dogoverno que têm incidência no ambiente escolar enquanto ambiente de ensino-aprendizagem (OLIVEIRA, 2010, p.10).

O movimento dos trabalhadores ruraisFoi optado o assentamento Mário Lago, formado por 364 famílias do

MST, que é um dos quatro movimentos que ocupam a Fazenda da Barra, localizadona zona leste de Ribeirão Preto. Através de informações preliminares, fiqueisabendo que no Mário Lago era desenvolvido um projeto paralelo de educaçãocom as crianças e a juventude. Além disso, por termos que gravar diversas vezes,a localização do assentamento facilitaria o deslocamento.

No entanto, a realidade é outra. Segundo Freire (1991), a ideologiadominante encara que qualquer saber que não é aprendido dentro da escolapassa a não ter valor ou, então, um valor diminuído, considerado como inferior.“Na verdade, porém, este saber tão desdenhado, ‘saber de experiência feito’, temde ser o ponto de partida em qualquer trabalho de educação popular orientado nosentido da criação de um conhecimento mais rigoroso por parte das massaspopulares” (FREIRE, 1991, p. 59).

A abordagem das fontes foi por meio da história oral, que, segundo Meihy(2006), é um recurso de apreensão que favorece os estudos de memória eidentidade.

Em conjunto, memória e identidade [grifo do autor] se enlaçam possibilitando arealização de estudos que partamdo tempo presente [grifo do autor], de persona-gens vivos que, mais do que testemunhar um fato, ou relatar trajetórias, permitam vero processo de seleção dos acontecimentos, de constituição de discursos, e assim seabrem a exames que extrapolam a constatação dos fatos. (MEIHY, 2006, p. 110).

Para o CPDOC (Centro de Pesquisa e Documentação de HistóriaContemporânea do Brasil), que funciona como a Escola de Ciências Sociais eHistória da Fundação Getúlio Vargas, as entrevistas são realizadas para acompreensão do passado, quando já existe um fato consumado ou quando sepretende investigar algo, “Além disso, fazem parte de todo um conjunto dedocumentos de tipo biográfico que permitem compreender como indivíduosexperimentaram e interpretam acontecimentos, situações e modos de vida de umgrupo ou sociedade em geral”.

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Visitei o assentamento Mário Lago, em Ribeirão Preto/SP, por oito vezesentre os de maio e setembro de 2012. Na primeira visita, fiz contato com ManuelaAquino, uma das responsáveis pelo departamento de Educação, que nosdisponibilizou material sobre educação do campo e indicou personagens queforam importantes para o desenvolvimento do documentário. Nas outras visitas,foram feitas captação de imagens e entrevistas. As entrevistas foram feitas duranteos meses de agosto e setembro de 2012.

É impossível não colocar em relação o acontecimento rápido desse presente históri-co, feito de sentimento de participação das massas no destino nacional, com o esforçode uma geração de historiadores positivistas para criar no mesmo momento, umaescola histórica propriamente cientifica (NORA. 1988, p. 180).

Se existe alguma conclusão, ainda que precipitada, é a de que se existemnovos caminhos é porque há velhos problemas. Eu, como pesquisador, pretendopartir de um fato – a criação de uma forma nova de educação – e contextualizaruma visão geral de qual a problematização para essa resposta. Segundo Nora(1988), esse retorno do fato é a chance do historiador do presente de deslocaruma mensagem narrativa nas suas virtualidades imaginárias. “De fazer doacontecimento o lugar temporal e neutro da emergência brutal [...] que, sem ele,continuariam enterrados nas rugas do mental coletivo”, como ele mesmo diz.

Mansor (2006), baseada na teoria de Arendt, também acredita nessaforma de recomeçar. O agir identifica a capacidade do homem de desencadearprocessos e impor novos começos, segundo ela. Preocupação essa, que tambémé lembrada por Rémond:

Nos últimos tempos tem sido constante a preocupação dos historiadores em produzirbalanços que proporcionem um quadro geral da disciplina histórica ou de algumsetor especifico desse campo de conhecimento. O objetivo básico desse tipo detrabalho é mapear os desafios e problemas da área, e ao mesmo tempo apontarnovos caminhos e perspectivas (RÉMOND, 1996, p. 5).

Movimentos sociais, cultura e políticaFalar hoje em movimentos sociais é repensar a educação. “Os

movimentos sociais têm tido grande influência na educação moderna. Uma vezque brigam por itens que são de seus direitos, tais como moradia, saúde, comida,transporte, identidade, escolha sexual e outros” (ARROYO, 2003, p. 32).

Para Santos (1987), a cultura, na visão antropológica, é representadapelas várias formas de viver. Essa diversidade é provada pelas transformaçõesocorridas na humanidade, que tendem a acontecer incansavelmente, já que a

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evolução humana ganha vida com a interação da própria cultura com uma culturadiferente. O olhar para o outro, agir em prol da comunidade, saber que temosdiferentes regras e costumes, mas que nem por isso devemos planejar guerras, eque a vida é uma troca de experiências entre culturas são elementos que fazemAlmeida (2010) afirmar que o que existe é uma grande cultura, única e universal.

Ao conseguir entender que existe o “outro”, e que esse “outro” vive harmoniosa-mente da sua maneira, já é um primeiro passo ao reconhecer que nós somos vistosvivendo também diferentes, passando a ignorar que a nossa cultura seja maiscorreta e com isso concluímos que existem trocas, pois o conhecimento é a partesatisfatória da cultura (ALMEIDA, 2010, s/p)

Segundo Laraia (2004), a palavra “cultura” vem da junção do termogermânico Kultur, que era utilizado para simbolizar todos os aspectos espirituaisde uma comunidade, e da palavra Civilization, que se referia principalmente àsrealizações materiais de um povo. Ambos os termos foram sintetizados por EdwardTaylor (2000, p. 25). Com isso, pode-se dizer que, nos dias atuais, do ponto devista antropológico, do qual esses autores fazem parte, cultura é um complexoque inclui conhecimentos, crenças, moral, leis, costumes ou qualquer outro hábitoque esteja inserido pelo homem na sociedade. A diversidade da cultura pode servista em diversas comunidades. Nos movimentos de trabalhadores rurais, porexemplo. Em síntese, seus membros têm uma cultura voltada para a terra, aopasso que o esforço é para que todo o aprendizado seja direcionado às práticasvalorizadas no campo. Hannah Arendt, na obra a condição humana, afirma queconviver em coletivo significa ter um nicho de coisas interpostas entre si, na qual,o mundo ao mesmo tempo separa e estabelece uma relação entre os homens.

A vita activa, ou seja, a vida humana na medida em que se empenha ativamente emfazer algo, tem raízes permanentes num mundo de homens ou de coisas feitas peloshomens, um mundo que ela jamais abandona ou chega a transcender completamen-te. As coisas e os homens constituem o ambiente de cada uma das atividades huma-nas, que não teriam sentido sem tal localização; e, no entanto, este ambiente, omundo ao qual viemos, não existiria sem a atividade humana que o produziu, comono caso de coisas fabricadas; que dele cuida, como no caso das terras de cultivo; ouque o estabeleceu através da organização, como no caso do corpo político. Nenhu-ma vida humana, nem mesmo a vida do eremita em meio à natureza selvagem, épossível sem um mundo que, direta ou indiretamente, testemunhe a presença deoutros seres humanos (ARENDT, 1958, p. 31)

Uma das questões estudadas é justamente essa exclusão política queexiste com uma fatia da população e não digo isso quanto às urnas – mesmo

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porque o Brasil sendo um país democrático obriga toda a população a votar –mas quanto uma política que beneficia poucos. Ainda que superficial, é notávelver que a escolas mantém um sistema que privilegia os alunos que sentam nasfileiras da frente e descriminam aqueles do “fundão”. Mas se isso é um problemada sala de aula, dos professores, da coordenação ou do sistema educacional,não vem ao caso.

O que é então a política, levando em consideração que o surgimento desistemas totalitários, e o fato de que hoje em dia a política dispõe de meios técnicos,na forma da bomba atômica, para exterminar a Humanidade e, com ela, todaespécie de política, como afirma Arendt (1993) na Obra o que é política? A própriaautora acentua que política surge não no homem, mas sim, entre os homens. “Osentido da política é a liberdade”.

Em se tratando de educação pública, podemos supor que ela seja umadessas instituições. E após muitos anos de luta e insistência, o que vemos é umademanda muito grande de iniciativas públicas para o investimento por parte doEstado na oferta e formação de profissionais que correspondam às necessidadesda educação do campo. Essa linha ganhou notoriedade a partir de 1987, quandofoi criado o Setor de Educação, que seria responsável pela organização esistematização de propostas práticas pedagógicas nas escolas rurais. Mas nemsempre foi assim.

Durante muito tempo censurou-se a história política por só se interessar pelas mino-rias privilegiadas e esquecer o povo, as multidões, as massas, o grande número.Talvez fosse uma censura justificada na época em que os historiadores políticos seacantonavam na biografia dos notáveis – mas será que eles o fizeram algum dia?Não se aplica mais, certamente, contra uma história que pretende integrar todos osatores – mesmo os mais modestos – do jogo político, e que se atribui como objeto asociedade global (RÉMOND, 1996, p. 33).

O fato real é que nesse caso real, política e cultura e educação semisturam, tornam-se hábitos. E se “Saber é a primeira forma do poder numasociedade de informação democrática”, como está no livro História: NovosProblemas, de Jacques Le Goff e Pierre Nora (1988), quer dizer que esses alunosdas primeiras fileiras sabem mais e, sucessivamente, tem mais poder?

É na longa duração que se irá buscar a história das formações políticas e ideológi-cas, ou seja, a cultura política, que por sua vez servirá à reflexão sobre os fenôme-nos políticos, permitindo detectar as continuidades no tempo (RÉMOND, 1996, p.49).

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Afora isso, Mansor (2006) revela em sua obra que para esta politica existeum lugar que está na pluralidade dos homens e a autora vai além, afirma que apolítica é a única possibilidade de liberdade. E para isso, sua reflexão refletediretamente aos conceitos gregos, que quer ver acontecer a prática política: “Operigo é a coisa política desaparecer do mundo”. Para Hannah Arendt, segundoMansor (2006), na relação de dominação de poder não há formas ou maneiras denegociação, é uma balança sem equilíbrio. Onde há dominação não há política.

Considerações finaisTrabalhar com uma pesquisa que envolvesse educação sempre esteve

nos meus horizontes, mas confesso que quando tive a oportunidade de adicionara esse tema a teoria política fiquei extremamente surpreso. E com os dias maiscurtos, diga-se de passagem. Como os grandes acontecimentos históricos, otrabalho é árduo, mas representa, no final, uma satisfação na mesma proporção.

Primeiro, há questões bastante contundentes e atuais que se referem àprestação de serviço educacional no que fere aos poderes: privado e principalmentepúblico. Há espaços para todos? As instituições estão preparadas para atender auma demanda brasileira que, como foi comprovado pelo estudo, mistura costumese cultura? E pensando nisso, de que maneira, a política – o ser político, atuante –pode interferir ou modificar essa estrutura já ramificada há tanto tempo?

A resposta torna as questões cíclicas, já que retorna ao início onde érepresentada por uma forma alternativa de educação, da qual, é resultanteprioritária do distanciamento que o ensino público e básico de educação tem deuma parte dos alunos que vivem nas periferias da cidade ou, mais de forma maiscerteira, nos assentamentos de terra.

MALAGUTI, Irving Spinelli; ROSA, Lilian Rodrigues de Oliveira. “The Cirandaproject as an educational alternative” DIALOGUS. Ribeirão Preto. v.11, n.1 e n.2,2015, pp. 235 - 248.

ABSTRACT: This research want to show the educational reality of children of aland settlement in Ribeirão Preto (SP). Within the laws, they move from rural tourban areas, where they are enrolled in a regular school. They enter the classroom,sit in the portfolios and have as students, a fact which is hardly surprising. Or wouldnot cause the reality experienced by these children were not far from thoseteachings passed by teachers and classmates. We believe that the result is thecreation of an alternative education, applied on the settlements and has parents

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and members as key players. There, based on Paulo Freire, they learn playing andinteracting in the midst of nature. They learn with what you have at hand and around.In this field of work, we can see not only such learning efficiency, as well as the factthat children feel more at ease when they study with what they know. This gap betweenstudent and school was the starting point for the study that revealed, among otheritems, that the current situation does not have trained teachers, even schools that canmeet the variety cultures that permeate there. With that, increasingly, a being activeand political, that creates and innovates with its own education, will have an importantrole in a standardized society by laws and despreparos.

KEYWORDS: MST, Education, Alternative Education, Political.

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DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM NO ENSINO SUPERIOR

Luana Alves INOUYE*

RESUMO: As corriqueiras dificuldades de aprendizagem vivenciadas no decorrerda escolarização brasileira são realçadas quando os alunos adentram ao EnsinoSuperior por revelar um histórico de problemas educativos e insucessos. Medianteessa proposição, o texto explora a origem do conhecimento e o repertório defatores que contribuem para acarretar tal circunstância, com vistas à concepçãoconstrutivista piagetiana. Aponta que a atuação dos docentes também podedesignar o fracasso dos educandos, mas destaca que acusar o culpado nãosupera o caso. Desse modo, propõe condições proveitosas para o avanço dosaber com uma prática pedagógica competente, integradora e comprometidacom a formação universitária.

PALAVRAS-CHAVE: Dificuldades de aprendizagem; Ensino Superior; Fracassoescolar.

1 IntroduçãoAs universidades têm como objetivos a difusão do conhecimento científico

e a capacitação profissional, visto que são centros de pesquisa, promoção epropagação da ciência e da cultura (Rankel & Stahlschmidt, 2009). Porém, arealidade da educação brasileira no Ensino Superior delata a presença de grandeslacunas no processo educacional ao evidenciar as dificuldades de aprendizagemdos alunos.

Na década de 1960, com a democratização das escolas no Brasil, novaspercepções surgiram em relação à criança e ao seu desenvolvimento. Assim, aeducação do mundo contemporâneo tem o dever de propiciar a aquisição devalores, atitudes, habilidades e conhecimentos para formar seres conscientes,capazes de participar e criticar a sua dimensão social (Paula & Mendonça, 2009).

Na concepção de habilitar o cidadão, Maia & Scheibel (2010) lembramque esta missão não é única e exclusiva da escola. O apoio e o engajamento dafamília têm excepcional valia na rotina escolar. Mas, por ser um local privilegiadode construção do conhecimento e do intelecto, a escola ganha ênfase pela sua

* Graduação em Ciências Biológicas, Especialização em Docência no Ensino Superior pelo CentroUniversitário Barão de Mauá, Ribeirão Preto, São Paulo, Brasil. Orientador: Carolina Donega [email protected]

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dedicação aos saberes indispensáveis para a existência, pois a educação é uminstrumento primordial ao desenvolvimento contínuo da espécie humana.

Aquino (1998, p. 138) apud Paula & Mendonça (2009) legitima aobrigação da escola na constituição dos cidadãos. Para ele,

[...] sem escola não há cidadania sustentável, nem há desenvolvimento possível. Emsuma: não há transformação nem social, nem humana. Uma pessoa sem escolarida-de é, sem dúvida, meio cidadão, é meia pessoa, em certo sentido. Ou melhor, elapermanece embotada, aprisionada no presente, vivendo à sombra (ou mesmo àmercê) daqueles que têm seus direitos garantidos.

Segundo Saravali (2005), o ensino democrático verdadeiro é aquele queassegura a permanência do educando na escola e que focaliza a sua formaçãocompleta e não somente técnica. Logo, Castanho & Freitas complementam que,os diversificados ambientes educacionais são responsáveis pela ascensão àcidadania e por isso, possuem a tarefa de favorecer e fomentar a educação paratodos, sem discriminações ou privilégios. Em outras palavras, uma escola quenão trate os aprendizes de forma homogênea, mas que atenda à pluralidade, “[...]que respeite diferentes modos de pensar, diferentes valores, culturas, ideias eritmos do desenvolvimento” (Paula & Mendonça, 2009, p. 263).

Os autores apontados atestam que o regime de escolarização é crucialpara a autonomia do indivíduo e acrescentam que não é plausível menosprezar arelevância da qualidade da educação e dos seus fundamentos, uma vez que aescola prepara os alunos para a vida.

Com essa competência definida, Paula & Mendonça (2009) descrevemque, o papel da escola é acolher os mais diversos tipos de estudantes com osseus dons, talentos, aptidões, deficiências, rebeldias e dificuldades.

Ao introduzir uma discussão sobre as dificuldades de aprendizagem, énotório que este tema se configura em um problema comum que atormentainfinitas escolas, famílias e discentes (Mello, 2007).

Em suma, no parecer de Poker (2007), salienta-se que uma extensaporcentagem dos educandos brasileiros apresenta o sintoma do fracasso naescola e a característica compartilhada por este grupo é o fato de não conheceremos conceitos mínimos previstos para a série correspondente à sua idade. E paraagravar mais a situação, a autora acentua que essa defasagem aumentasensivelmente e se alastra por vários países e regiões do mundo. Todavia, aoatingirem a fase universitária, esses alunos expõem claramente o caos daaprendizagem com suas graves faltas de conhecimentos (Saravali, 2005).

Capellini & Conrado (2009) sintetizam que as barreiras vivenciadas ao

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longo do período escolar podem ser caracterizadas como as deficiências nacompreensão de informações pelos estudantes. Tais dificuldades são passageirasou duradouras, mas há possibilidades de acarretarem rendimento inferior, atrasoda fase de aprendizagem, abandono da escola e até a necessidade de um auxílioespecializado.

Inclusive, é válido ressaltar que os sujeitos portadores dessas privaçõesnão possuem deficiência mental e nem baixo quociente de inteligência (Q.I.). Aanálise em questão retrata um grupo heterogêneo de transtornos e seus insucessosescolares estão associados à motivos diversificados, como falta de concentração,de memória, de coordenação, problemas sociais e emocionais. Em consequênciadisso, são rotulados erroneamente como possuidores de pouca inteligência,preguiçosos, desinteressados ou fracos (Saravali, 2005). A propósito, esses rótulossão bastante comuns nos ambientes escolares apesar de não serem úteis, já quenão ajudam a reparar a situação e também não servem para revisar a práticadocente (Saravali & Machado, 2007). Mello (2007) ainda enfatiza que os atos decategorização promovem a exclusão desses educandos das relações sociaisessenciais para o prosseguimento da aprendizagem e com isso, determinamtrajetórias de fracasso escolar com reflexos em variados aspectos de suas vidas.

É no interior das salas de aula que, inúmeros docentes universitáriosenfrentam acontecimentos inconvenientes, pois ao proporem atividadespertencentes aos seus conteúdos programáticos se deparam com o maudesempenho estudantil. As falhas mais corriqueiras são com a leitura e a escrita,o que impossibilita a produção e análise de textos básicos e a organização dopróprio pensamento, além de erros ortográficos e de coesão e coerência. Aliás,obstáculos que aparecem do mesmo modo na área de exatas com os seuscálculos e raciocínio lógico. Como resultado, não há o acompanhamento dasexigências do espaço acadêmico. Dessa forma, o aproveitamento do ensino ficacomprometido e então demonstra que a educação está distante do modelo dedemocracia aspirado (Saravali, 2005).

Entretanto, no entendimento de Berdie (1966); Soares & Almeida (2001)apud Cunha & Carrilho (2005), grande parte dos estudantes que ingressam nasfaculdades visa esta oportunidade com esperança por significar a chance deadquirir uma profissão e mudar o destino do futuro. Em contrapartida, essaexperiência revela uma divergência entre o real e o almejado e com isso, surge afrustração que pode levar até à desistência do projeto de satisfação pessoal.Ghizoni & Teles (2005) apud Bardagi (2007) comentam que a evasão e otrancamento de matrículas são uns dos males que assolam as instituiçõesbrasileiras de graduação e estão em expansão.

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Nesta mesma direção Saravali (2005, p. 141) apud Zaia (2007) observaque “as inúmeras experiências de fracasso podem levar o aluno a formar umaimagem negativa de si mesmo, a ter medo do desafio, a se desinteressar pelasatividades escolares, entre outros aspectos indesejáveis”.

Do ponto de vista de Pascual (2013), traduzir o insucesso escolar dosuniversitários apenas pelo ponto de vista econômico e pela escassez de tempopara dedicação aos estudos é ignorar a conjuntura, uma vez que esses indivíduosao saírem da educação básica carregam consigo uma escolarização insatisfatóriaassociada a múltiplas esferas.

Zaia (2007, p. 21) comenta que:Compreendemos como dificuldades para aprender tudo o que dificulta, emperra,desvia, deforma a reorganização dos conhecimentos. Assim, os fatores que prejudi-cam a reorganização dos conhecimentos podem ser agrupados em diferenças pró-prias do sujeito que aprende e dificuldades provocadas pelas circunstâncias familia-res, escolares, sociais, que o envolvem.

A autora acrescenta ainda que, tanto os fatores do sujeito quanto oscircunstanciais, não agem isoladamente. Pois, as crianças não são socializadasexclusivamente no seio familiar, mas também nas escolas e em sortidos ambientessociais (Paula & Mendonça, 2009).

É fato que, por trás dos alunos que não apresentam produtividade escolarsignificativa, há uma rede complexa a ser examinada e uma atuação pedagógicapara intervir e incitar diferentes metodologias, com a intenção de contemplar osprocessos de desenvolvimento e aprendizagem. Com isso, não se pode consentirque as dificuldades de aprendizagem se desassociem da área pedagógica(Saravali & Machado, 2007).

Centrar as causas do fracasso escolar em qualquer segmento que, na verdade, évítima, seja a criança, a família, ou o professor, nada constrói, nada muda. Imobilizante,constitui um empecilho ao avanço das discussões, da busca de propostas possíveis,imediatas e a longo prazo, de transformações da instituição escolar e do fazer peda-gógico (Collares & Moisés, 1996, p. 217 apud Guimarães & Saravali, 2007).

Saravali & Machado (2007) notam que a dificuldade para aprender podeocasionar o distanciamento e a separação do aluno e do professor, emborareconheçam que este panorama está vinculado à experiência educacional epertence ao ato de ensino e aprendizagem. Nesse sentido, é possível redimir osentimento de culpa do professor que não ensina corretamente ou do aluno quenão aprende.

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Perante o exposto, pesquisas e estudos acerca das dificuldades deaprendizagem são extremamente relevantes, visto que é preciso descobrir osempecilhos do saber, como também é imprescindível avaliá-los e buscar soluçõesque, comprometam ao mínimo na qualidade de formação dos universitários.

2 Desenvolvimento

2.1 Fundamentação teóricaO processo de aprendizagem e a elaboração do conhecimento têm o

seu início desde muito cedo, de maneira natural e espontânea para garantir asubsistência da própria natureza humana. Tais acontecimentos sofrem evoluçõesao longo do tempo e se aprimoram, o que permite a sucessão da vida. Em vistadisso, há numerosas teorias que reconhecem a vocação nata do homem paraaprender (Bossa, 2007).

Primeiramente, Saravali & Machado (2007) ao examinarem o aprender,apontam que esse ato jamais antecedeu a dificuldade, já que o mesmo é filhodela. Para eles, a dificuldade é peculiar à tarefa do aprender, não é uma barreiraimposta entre aquele que ensina e o que aprende, ou seja, faz parte do ensino-aprendizagem. Por certo, o aprender mostra-se sempre ser difícil, pois é no convíviocom o impasse que se constata e se calcula o nível da dificuldade.

Saravali (2005) complementa que, em relação à aprendizagem escolar,este processo tem que ser prazeroso, porque é o momento da descoberta e daassimilação. Contudo, quando não há esta sensação, algo está errado e énecessário verificar a causa, combater e tratá-la.

Para justificar a problematização, Moojen (1999) e Rubistein (1996) apudMaia (2007) mencionam que as dificuldades de aprendizagem podem estarassociadas à fatores cognitivos, sociais, afetivos e pedagógicos. Bem como, Maia(2007) questiona até que ponto o professor se esforça para transformar a suadisciplina um tanto estimulante e atrativa para os alunos. Em consonância, Smith& Strick (2001) apud Saravali (2005) consideram que talvez esses problemas deaprendizado tenham um fundamento biológico, porém o entorno do aluno, suafamília e a escola definem realmente a dimensão da dificuldade.

Uma pesquisa sobre dificuldades de aprendizagem não pode ser baseadaapenas em um único discurso, posto que elas afloram dessa zona mista de fatorese adquirem uma configuração múltipla (Saravali & Machado, 2007).

Segundo Carvalho (2004, p. 71) apud Poker (2007):

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Parece impossível, pois, compreender ou explicar as dificuldades de aprendizagemsem levar em conta os aspectos orgânicos, psicológicos ou sociais, banalizando aimportância de cada um, isoladamente ou desconsiderando suas intrincadas inter-relações. Na verdade, há que examinar o dinamismo existente entre todos os fato-res, sem atribuir unicamente a um deles a responsabilidade pelo sucesso ou fracas-so escolar do aluno.

Diante da visão desses autores, os déficits existentes nos indivíduos, nasinstituições educacionais e nos ambientes domésticos podem ser assumidoscomo potenciais para as dificuldades de aprendizagem e com isso, afetar odesenvolvimento integral dos mesmos.

A fim de explicar a correlação de todos esses elementos e descobrircomo o conhecimento se constitui nas pessoas, é apropriado explorar os estudosdo psicólogo e pesquisador Jean Piaget.

Piaget, com o seu espírito investigativo e questionador, produziu umaampla pesquisa sobre o desenvolvimento humano. Por conseguinte, de acordocom Paula & Mendonça (2009), se interessou pelo campo do fracasso escolar ebuscou razões para as quais os alunos não conquistam o êxito.

A origem do ato de conhecer inquietava Piaget e por isso, averiguou o seudecurso. Por intermédio dos seus levantamentos, observou que o conhecimentoé uma troca que resulta da experiência e interação do indivíduo com o meio. Paraele, o homem nasce com as estruturas biológicas e é sobre ela que o intelecto sedesenvolve, mas para ocorrer são necessários estímulos, manejos e adaptações(Paula & Mendonça, 2009).

Portanto, esse ser está em constante processo de aprendizagem pelasinterações com o entorno e isto estabelece o modo como ele aprende. Essaconclusão foi o objetivo de Piaget e o levou a compreender que os sujeitos seconstituem desde as primeiras atitudes até a maturidade (Paula & Mendonça,2009).

Por conta disso, uma das teorias propostas para justificar as dificuldadesde aprendizagem tem foco na sua obra construtivista. Piaget indaga em suaspublicações como as pessoas alcançam o conhecimento e como progridem dosimples para o complexo. Baseados em seus relatos, esses fenômenos sãoconstruídos ao nascer, entretanto ocorrem de forma lenta e sucessiva. Assim, ocomportamento é uma resposta que varia em função do conjunto de influências eestimulações ambientais e, quanto mais produtivas forem estas permutas, melhorserá o desenvolvimento (Bessa, 2011).

Defronte ao quadro complexo e divergente das dificuldades ao aprender,

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é indispensável evitar ao máximo a postura de culpabilização já existente, postoque, ora responsabiliza a não aprendizagem ao aluno e sua família e ora, aodocente e sua habilidade de lecionar. No entanto, é útil reforçar que quem maissofre são os alunos devido aos rótulos e aos anos de escolarização precária, semdesfrutar dos ensinamentos que o colégio deveria oferecer (Guimarães & Saravali,2007).

Apesar disso, na opinião de Poker (2007), o âmbito escolar, muitas vezes,não se sente agregado ao problema e por isso, não revê suas estratégias deensino e aprendizagem para viabilizar oportunas e valiosas condições deaprendizado.

Smith & Strick (2001, p. 33-34) apud Guimarães & Saravali (2007) advertemque:

A fim de obterem progresso intelectual, as crianças devem não apenas estaremprontas e serem capazes de aprender, mas também devem ter oportunidades apro-priadas de aprendizagem. Se o sistema educacional não oferece isso, os alunostalvez nunca possam desenvolver sua faixa plena de capacidades, tornando-seefetivamente “deficientes”, embora nada haja de fisicamente errado com eles [...] Averdade é que muitos alunos fracos são vítimas da incapacidade de suas escolaspara ajustarem-se às diferenças individuais e culturais.

A esse respeito, Guimarães & Saravali (2007) reiteram que é convenienteenfocar a colaboração e a influência da participação da família na educação deseu filho; a incapacidade e inabilidade de alguns professores, o que expressa osentimento de impotência e, por outro lado, o incômodo e a preocupação se oproblema está centrado nos seus modos de ensinarem ou lidarem com os alunos.

Pimenta & Anastasiou (2002) apud Barbosa (2011) detectam que namaioria das organizações de Ensino Superior, apesar da ampla atuação e títulospor parte do professorado, impera o despreparo e até falta de ciência em relaçãoao que é o processo de ensino e aprendizagem, pelo qual são agentes.

Na mesma direção, segundo Vasconcelos (2003) apud Barbosa (2011),a atuação desse profissional na docência não pode rejeitar que o ato didático-pedagógico está centrado no aluno, mais especificamente, na aprendizagemque o mesmo venha a desempenhar.

Nesse plano escolar, Bessa (2011) pondera que um ambiente acessívele atrativo é que possibilita a socialização e a aquisição de conhecimentos. ParaBarbosa (2011), que concorda com essa posição, é improvável que o estudanteuniversitário alcance uma aprendizagem expressiva se o docente não envolvê-loneste processo.

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Em conformidade com essa reflexão, Mello (2007) argumenta que é vitala parceria entre a universidade e a escola para compartilhar as sapiênciasformadas em ambas as entidades por meio de metodologias de ensino que ajudemos profissionais da educação a aprimorar e apropriar os procedimentos doaprendizado. Enfim, motivar e potencializar os estudantes a aprenderem e oprofessor a ensinar.

2.2 MetodologiaReconhecida a importância do tema abordado, buscou-se analisar as

opiniões de alguns autores sobre as características das dificuldades deaprendizagem e as contribuições dos professores para superar este problemaque atormenta diversos universitários.

O presente trabalho seguiu os preceitos do estudo exploratório, por meiode uma pesquisa bibliográfica constituída de material publicado sobre a temática;livros, artigos científicos, publicações periódicas e conteúdos disponíveis nainternet nos seguintes bancos de dados: LILACS e SCIELO.

Para o desenvolvimento desta investigação e melhor compreensão doassunto, foram realizadas leituras seletivas e aprofundadas de fontes pertinentesna língua portuguesa e delimitadas entre os anos de 2005 a 2013.

Além disso, organizaram-se os dados coletados em fichamentosbibliográficos para a identificação e registros de informações congruentes.

2.3 DiscussãoAcerca da finalidade de sintetizar e avaliar as informações presentes nas

fontes, de forma que estas possibilitassem uma explicação mais abrangente ecoesa ao problema descrito, demonstrou-se que, propiciar desenvolvimentohumano, cultural, científico e profissional aos universitários, exigidos pelo mundoatual, denotam que o trabalho de educar enfrenta um impasse.

Foi constatado nas observações de Bessa (2011) que o ensino no Brasilatribui, principalmente, ao aluno a responsabilidade pelas dificuldades deaprendizagem que tem como sequela, o fracasso escolar.

Dificuldades essas, que no consenso dos escritores revisados, sãonormais e fontes de aprendizagens, uma vez que o aluno em sala de aula estádiante de muitas informações e precisa percorrer uma longa jornada para atingiras sabedorias necessárias para a vida adulta.

Com o intuito de disponibilizar respostas para os questionamentos sobreas dificuldades de aprendizagem, uma das teorias mais usuais para justificá-las

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teve foco na obra construtivista de Jean Piaget.Desse modo, Saravali (2005) elucidou que essa perspectiva é muito coesa

com o cenário educacional recente, pois o conceito básico do construtivismoanalisa os problemas de aprendizagem como fruto de meios desfavoráveis quenão contribuem para o progresso do sujeito. Essa verificação se coaduna comtoda a argumentação do artigo e explica a causa das dificuldades ao aprender.

Com base nessa lógica, Saravali (2005) reforçou que, quando o alunonão usufrui do ensino aplicado na escola, não há apenas explicações intrínsecasa ele, mas há também objeções na sua vinculação com o meio. Por isso, aresponsabilidade pelo fracasso escolar não tem direcionamento apenas nodiscente, visto que o desenvolvimento do mesmo está inteiramente atado àspeculiaridades do meio em que vive.

Na verdade, para os alunos detentores de dificuldades em aprender,faltaram condições propícias que colaborassem para a expansão desse ser comofuturo cidadão.

3 Considerações finaisAo explorar o tema das dificuldades de aprendizagem foi possível constatar

que esta realidade segregadora se constitui, em termos pedagógicos, um dosgrandes desafios dos espaços educacionais a ser enfrentado por toda asociedade. Nesse sentido, em virtude das escassas pesquisas com enfoque aoEnsino Superior, procurou-se discutir como esse problema afeta alunos eprofessores, e reflete no ingresso ao mundo universitário.

A partir das premissas de Piaget, concluiu-se que a dificuldade deaprender não é produto apenas da escola. Há vários fatores que contribuem parao aluno estar diante desta condição e por isso, é preciso examinar todo o contextono qual está inserido, sua relação social e as situações que permeiam suasdificuldades.

Assim, a problemática do não aprender está agregada ao processo ensino-aprendizagem e é natural que ela surja. Não obstante, é preciso buscar a suaorigem e impedir que essa situação finde com o fracasso escolar.

Cabe à escola e, principalmente, às universidades, despertar no aluno odesejo de aprender e para isso, estes locais devem buscar e criar mecanismospara solucionar a questão do desenvolvimento do saber, alicerçados na teoriaconstrutivista. Dessa forma, não basta garantir meramente a universalização doensino, pois é necessário também assegurar uma educação inclusiva comqualidade para todos.

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Essa condição tem como finalidade proporcionar oportunidadeseducacionais apropriadas, conforme as características do alunado e, além disto,suprir o quadro das dificuldades e viabilizar um aprendizado significativo.

Concomitante a isso, ainda é eficaz que as universidades, juntamentecom a sua equipe pedagógica e docentes, revejam seus métodos, suas didáticas,objetivos e currículos. Pois, não é coerente culpar, ignorar a trajetória escolardesses alunos e não tomar atitudes referentes ao problema. É mais valioso intervire fornecer subsídios para a construção do verdadeiro saber e proporcionar aesses sujeitos adaptações para ascender ao Ensino Superior.

Em geral, seria gratificante se o professor ratificasse a sua postura de umeterno aprendiz e incentivasse os seus educandos a fazerem o mesmo, visto queuma intervenção adequada tem a capacidade de levar o aluno a experimentaruma nova dificuldade, que é a dificuldade do seu próprio aprender.

No que se refere às universidades, por estarem inseridas no núcleo socialglobal, é preciso analisá-las e criticá-las, já que possuem compromissoshistoricamente definidos.

Portanto, é sabido que a superação desse descompasso é quaseimprovável, mas é possível fazer da dificuldade um aprendizado, ou seja, aprenderem meio a ela. E essa deveria ser a meta pedagógica daquele que lida com asdificuldades de aprendizagem.

INOUYE, Luana Alves. Learning difficulties in higher education. DIALOGUS.Ribeirão Preto, v.11, n.1 e n.2, 2015, pp. 249 -260.

ABSTRACT: The everyday learning difficulties experienced during the Brazilianschooling are enhanced when students step into Higher Education for revealing ahistory of educational problems and failures. Through this proposal, the text exploresthe origin of knowledge and repertoire of factors that contribute to cause such acircumstance, in order to constructivist Piagetian conception. Points out that therole of teachers can also designate the failure of the students, but points out thataccuse the culprit does not exceed the case. Thus proposes profitable conditionsfor the advancement of knowledge with a competent teaching practice, inclusiveand committed to university education.

KEYWORDS: Learning difficulties; Higher Education; School failure.

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ÍNDICE DE AUTORES/AUTHORS INDEX

Alcione Albuquerque MÁS; p.13Antônio Marques do VALE; p.177Beatriz G. SPINELLI; p.125Caio Pedro Vioto de ANDRADE; p.49Carlo Guimarães MONTI; p.13Cátia Crivelenti de Figueiredo WALTER; p.145Graziela Alves da Silva VARELLA; p. 209Ilse Gomes SILVA; p. 223Irving Spinelli MALAGUTI; p. 235Ivan Aparecido MANOEL; p.177Ivani Rodrigues SILVA; p.125Joyce Maria Worschech GABRIELLI; p.163Lélio Luiz de OLIVEIRA; p. 27Lilian Rodrigues de Oliveira ROSA; p. 235Luana Alves INOUYE; p. 249Luana Tereza de Barros Vieira ROCHA; p. 223Luciana Andrade RODRIGUES; p.163Maísa Faleiros da CUNHA; p. 37Pedro Geraldo Saadi TOSI; p. 49Renato Leite MARCONDES; p. 67Rosana de Fátima Janes CONSTÂNCIO; p. 87Sueli Cristina de Pauli TEIXEIRA; p.163Victor Augusto de Almeida OLIVEIRA; p. 67Zelia Z.C.L. BITTENCOURT; p.125

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ÍNDICE DE ASSUNTOS

autismo infantil; p.145atendimento educacional especializado; p.145café; p. 67Cafeicultura; p.13; p. 67Casamentos; p. 37comunicação alternativa; p.145Convênio de Taubaté; p. 49Cultura Popular; p. 223Deficientes; p.163Diálogo-Debate; p.177Dificuldades de aprendizagem; p. 249documentos históricos; p. 27Educação; p. 209; p. 235Educação Alternativa; p. 235educação de surdo; p.125Ensino Superior; p.163; p. 249Filosofia da educação; p.177Fracasso escolar; p. 249Franca-SP; p. 37história econômica regional; p. 27História Demográfica; p. 37Inclusão; p.163inclusão escolar; p.145Indústria; p.177Legislação; p. 49língua de sinais brasileira; p. 87MST; p. 235multiletramentos; p.125Naturalismo; p.177novas tecnologias; p.125Patrimonialismo; p. 49pequenos cafeicultores; p. 67Política; p. 235processo da tradução; p. 87Professores; p. 209

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Poder Político; p. 223Políticas Públicas; p. 223Reforma do Estado; p. 223República; p. 49Ribeirão Preto; p.13; p. 67Século XIX; p. 37Supervisão Educacional; p. 209Trabalhado Agrícola; p.13tradução comentada; p. 89Transcendência; p.177

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SUBJECT ÍNDEX

Alternative Education; p. 235alternative and augmentative communication; p.145annotated translation; p. 87autism; p.145coffee; p.13; p. 67coffee plantations; p. 67Convênio de Taubaté; p. 49deaf education; p.125Demographic history; p. 37Dialogue-Debate; p.177disabled; p. 63Education; p. 209; p. 235.Educational supervision; p. 209Franca-SP; p. 37Higher education; p.163; p. 249.historical documents; p. 27Inclusion; p.163Industry; p.177Learning difficulties; p. 249Legislation; p. 49MST; p. 235Multiliteracies; p.125Naturalism; p.177new technologies; p.125Patrimonialism; p. 49Philosophy of Education; p.177Political; p. 235Political Power; p. 223Popular Culture; p. 223Public Policy; p. 223regional economic history; p. 27Republic; p. 49Ribeirão Preto; p.13; p. 67.rural workers; p.13School failure; p. 249

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school inclusion; p.145small coffee growers; p. 67speaking Brazilian signals; p. 87specialized educational service; p.145State Reform; p. 223teachers; p. 209Transcendence; p.177translation process; p. 87weddings; p. 37XIX century; p. 37

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Normas para publicação na revista DIALOGUS

Normas para apresentação de originalApresentação: Os trabalhos devem ser redigidos em português e encaminhados via

e-mail, em dois arquivos separados:- um completo (Conforme estrutura do trabalho, abaixo proposta);- outro sem qualquer identificação do autor e com indicação da área e da sub-área do

trabalho, segundo tabela Capes.Os textos devem ser digitados em Word (versão 6.0 ou superior), fonte 11, tipo Arial

Narrown, tendo, no máximo, vinte e cinco páginas (salvo exceção). A configuração da páginadeve ser a seguinte: tamanho do papel: A4 (21,0 x 29,7 cm); margens: superior e inferior: 7,3cm; direita e esquerda, 5,3 cm. Espaçamento: espaço simples entre linhas e parágrafos; espaçoduplo en-tre partes do texto e entre texto e exemplos, citações, tabelas, ilustrações etc.Adentramento: parágrafos, exemplos, citações: tabulação 1,27 cm.

No que tange ao conteúdo dos artigos, os dados e conceitos emitidos nos trabalhos,bem como a exatidão das referências bibliográficas, são de inteira responsabilidade dos autores.

Não serão aceitos trabalhos fora das normas aqui estabelecidas.

Estrutura do trabalhoOs trabalhos devem obedecer à seguinte seqüência: Título; Autor(es - por extenso e

apenas o sobrenome em maiúsculo); Filiação científica do(s) autor(es) - indicar em nota derodapé: Uni-versidade, Instituto ou Faculdade, Departamento, Cidade, Estado, País, orientação,agência fi-nanciadora (bolsa e/ou auxílio à pesquisa); Email; Resumo (com máximo de setelinhas); PALAVRAS-CHAVE (até cinco); Texto (subtítulos, notas de rodapé e outras quebrasdevem ser evitadas); Abstract e Keywords (versão para o inglês do resumo e das PALAVRAS-CHAVE precedida pela referência bibliográfica do próprio artigo); Referências (trabalhos citadosno texto), com indicação de tradução (no caso de obras estrangeiras) e número da edição.

• Título: centralizado, letras em maiúsculo, negrito e fonte 12.• Subtítulos: sem adentramento, apenas a primeira letras do subtítulo deve ser maiúscula

e fonte 12.• Nome(s) do(s) autor(es): nome completo na ordem direta, na segunda linha abaixo

do título, alinhado à direita. Letras maiúsculas apenas para as iniciais e para o sobrenomeprincipal. Fonte 12.

• Resumo: a palavra RESUMO em maiúsculas, em negrito, seguida de dois pontos,na terceira linha abaixo do nome do autor, sem adentramento. Na mesma linha iniciar o texto deresumo.

• PALAVRAS-CHAVE: a expressão PALAVRAS-CHAVE em maiúsculas, em negrito,

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seguida de dois pontos, na segunda linha abaixo do resumo e uma linha cima do início do texto.Sepa-rar as PALAVRAS-CHAVE por ponto e vírgula.

-Referência bibliográfica completa do próprio trabalho em inglês, conforme o exemplo:PÁDUA, Adriana Suzart de. Change and continuity. Comparative notes about

Venezuela´s Bo-livarian Constitution. DIALOGUS. Ribeirão Preto, v.X, n.X, 200X, p. X.• Abstract: a palavra ABSTRACT em maiúsculas, em negrito, seguida de dois pontos,

na se-gunda linha abaixo da referência bibliográfica completa do próprio trabalho em inglês,sem adentramento. Na mesma linha, iniciar o texto do abstract.

• Keywords: a palavra KEYWORDS em maiúsculas, em negrito, seguida de doispontos, na segunda linha abaixo do abstract. Utilizar no máximo cinco keywords separados porponto e vírgula.

- Referências: a palavra REFERÊNCIAS em maiúsculas, em negrito, seguida dedois pontos, na segunda linha abaixo do keywords. Devem ser dispostas em ordem alfabéticapelo sobrenome do primeiro autor e seguir a NBR 6023 da ABNT.

Abreviaturas - os títulos de periódicos devem ser abreviados conforme o CurrentContents. Exemplos:

Livros e outras monografiasLAKATOS, E. M., MARCONI, M. A. Metodologia do trabalho científico. 2. Ed.

São Paulo: Atlas, 1986. 198p.Capítulos de livrosJOHNSON, W. Palavras e não palavras. In: STEINBERG, C. S. Meios de

comunicação de massa. São Paulo: Cultrix, 1972, p.47 - 66.

Dissertações e tesesBITENCOURT, C. M. F. Pátria, Civilização e Trabalho. O ensino nas escolas

paulista (1917-1939). São Paulo, 1988. Dissertação (mestrado em História) - FFLCH, USP.Artigos e periódicosARAUJO, V.G. de. A crítica musical paulista no século XIX: Ulrico Zwingli. ARTEunesp

(São Paulo), v.7, p.59-63, 1991.Trabalho de congresso ou similar (publicado)MARIN, A. J. Educação continuada: sair do informalismo? In: CONGRESSO

ESTADUAL PAU-LISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES, 1, 1990. Anais... SãoPaulo: UNESP, 1990, p.114-118.

Citação no texto: O autor deve ser citado entre parênteses pelo sobrenome,separado por vír-gula da data de publicação: (BECHARA, 2001), por exemplo. Se o nome do

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autor estiver citado no texto, indica-se apenas a data entre parênteses: “Bechara (2001)assinala ...”. Quando for necessário especificar página(s), esta(s) deve(m) seguir a data,separada(s) por vírgula e precedida(s) de p. (MUNFORD, 1949, p.513). As citações de diversasobras de um mesmo autor, publicadas no mesmo ano, devem ser discriminadas por letrasminúsculas após a data, sem espacejamento (PESIDE, 1927a) (PESIDE, 1927b). Quando aobra tiver dois autores, ambos são indicados, ligados por & (OLIVEIRA & LEONARDO, 1943)e quando tiver três ou mais, indica-se o primeiro seguido de et. al. (GILLE et. al., 1960).

Notas - Devem ser reduzidas ao mínimo e colocadas no pé da página. As remissõespara o rodapé devem ser feitas por números, na entrelinha superior.

Anexos e/ou Apêndices - Serão incluídos somente quando imprescindíveis àcompreensão do texto.

Tabelas - Devem ser numeradas consecutivamente com algarismos arábicos eencabeçadas pelo título.

Figuras - Desenhos, gráficos, mapas, esquemas, fórmulas, modelos (em papel vegetale tinta nanquim, ou computador); fotografias (em papel brilhante); radiografias e cromos (emforma de fotografia). As figuras e suas legendas devem ser claramente legíveis após suaredução no texto impresso de 10,4 x 15,1 cm. Devem-se indicar, a lápis, no verso: autor, títuloabreviado e sentido da figura. Legenda das ilustrações nos locais em que aparecerão asfiguras, numera-das consecutivamente em algarismos arábicos e iniciadas pelo termo FIGURA.

Anexo(s): introduzir com a palavra ANEXO(S), na segunda linha abaixo da Referenciabibli-ográficas, sem adentramento. Continuar em nova linha, sem espaço.

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DIALOGUSRua Ramos de Azevedo, n.423, Jardim Paulista

CEP: 14.090-180 – Ribeirão Preto – SPhttp://www.baraodemaua.br/comunicacao/publicacoes/dialogus

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EQUIPE DE REALIZAÇÃO

CoordenaçãoProfª Esp. Cláudia Helena Araújo Baldo

Prof. Ms. Cícero Barbosa do NascimentoProfª Ms. Lilian Rodrigues de Oliveira Rosa

Prof. Ms. Rafael Cardoso de Mello

DiagramaçãoProf. Ms. Rafael Cardoso de Mello

Alberto Giurlani

Revisão Técnica (Normas)Profª Esp. Cláudia Helena Araújo Baldo

Prof. Ms. Cícero Barbosa do NascimentoProfª Ms. Lilian Rodrigues de Oliveira Rosa

Prof. Ms. Rafael Cardoso de Mello

Revisão Técnica (Língua Estrangeira)Prof. Ms. Rafael Cardoso de Mello

Assessoria DiscenteMarjory Attilio Corsino

SOBRE O VOLUMEMancha: 9,6 X 17,7

Tipologia: Arial NarrownPapel: Sulfite 75g

Matriz: offsetTiragem: 450 exemplares

Produção GráficaEditora e Gráfica Padre Feijó Ltda.

Rua Carlos Chagas, 306 - Jardim PaulistaCEP 14090-190

Fone: (16) 3632-2131 - Ribeirão Preto – SP

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