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Universidade Estadual de Maringá 12 a 14 de Junho de 2013 1 DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM? FÁVERO, Maria Teresa Martins (UEM) CALSA, Geiva Carolina (Orientadora/UEM) 1. INTRODUÇÃO Nos últimos anos multiplicaram-se as pesquisas e publicações relacionadas às dificuldades de aprendizagem (learning disabilities). A maioria destes estudos busca caracterizar e diferenciar os alunos com Dificuldades de Aprendizagem. Apesar de todo o esforço as Dificuldades de Aprendizagem (DA) ainda representam um distúrbio de difícil definição e inconsistente classificação, identificadas geralmente em razão do baixo desempenho escolar (FLETCHER, MORRIS & LYON, 2003). Na tentativa de definir as DA, ocorre-me dizer que poucos a explicaram com tanta clareza como Ysseldyke e Algozzine no artigo intitulado “LD or not LD: That’s not the Question!”, publicado nos EUA, em 1983, no Journal of Learning Disabilities. Em nota introdutória os autores apontam que, solicitados a escrever um artigo sobre as Dificuldades de Aprendizagem ficaram apreensivos. Foi então que a letra de uma canção dos Beatles lhes pareceu perfeita para explicar o tema proposto: Her name was McGill. And she called herself Lil. But everyone knew her as Nancy 1 . Tal como ocorre com a garota da música, podemos encontrar diferentes nomenclaturas para o conceito de “dificuldades de aprendizagem” (também denominado “baixo rendimento”, “insucesso”, “fracasso”, etc., e, se aplicado a domínios específicos, pode receber o nome de “dislexia”, “incompetência leitora”, “dificuldades específicas de aprendizagem”, entre outras). Esta pluralidade pode ser vista ainda sob diferentes olhares, uma vez que os médicos consideram-na em uma perspectiva neurológica e bioneurológica, enquanto que psicólogos e pedagogos propõem uma multiplicidade de fatores do tipo psicológico, pedagógico, sociológico e cultural. O que se observa é que esta multiplicidade de 1 O nome dela era Magill, mas ela se chamava de Lil. Mas todos a conheciam como Nancy.

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Universidade Estadual de Maringá 12 a 14 de Junho de 2013

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DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM?

FÁVERO, Maria Teresa Martins (UEM)

CALSA, Geiva Carolina (Orientadora/UEM)

1. INTRODUÇÃO

Nos últimos anos multiplicaram-se as pesquisas e publicações relacionadas às

dificuldades de aprendizagem (learning disabilities). A maioria destes estudos busca

caracterizar e diferenciar os alunos com Dificuldades de Aprendizagem. Apesar de todo

o esforço as Dificuldades de Aprendizagem (DA) ainda representam um distúrbio de

difícil definição e inconsistente classificação, identificadas geralmente em razão do

baixo desempenho escolar (FLETCHER, MORRIS & LYON, 2003).

Na tentativa de definir as DA, ocorre-me dizer que poucos a explicaram com

tanta clareza como Ysseldyke e Algozzine no artigo intitulado “LD or not LD: That’s

not the Question!”, publicado nos EUA, em 1983, no Journal of Learning Disabilities.

Em nota introdutória os autores apontam que, solicitados a escrever um artigo sobre as

Dificuldades de Aprendizagem ficaram apreensivos. Foi então que a letra de uma

canção dos Beatles lhes pareceu perfeita para explicar o tema proposto: Her name was

McGill. And she called herself Lil. But everyone knew her as Nancy1. Tal como ocorre

com a garota da música, podemos encontrar diferentes nomenclaturas para o conceito de

“dificuldades de aprendizagem” (também denominado “baixo rendimento”,

“insucesso”, “fracasso”, etc., e, se aplicado a domínios específicos, pode receber o nome

de “dislexia”, “incompetência leitora”, “dificuldades específicas de aprendizagem”,

entre outras).

Esta pluralidade pode ser vista ainda sob diferentes olhares, uma vez que os

médicos consideram-na em uma perspectiva neurológica e bioneurológica, enquanto

que psicólogos e pedagogos propõem uma multiplicidade de fatores do tipo psicológico,

pedagógico, sociológico e cultural. O que se observa é que esta multiplicidade de

1 O nome dela era Magill, mas ela se chamava de Lil. Mas todos a conheciam como Nancy.

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olhares sobre as DA, ao tentar facilitar a sua compreensão, acabam criando dificuldades

ainda maiores, que passam a ser um obstáculo ao seu entendimento. A falta de uma

fundamentação teórica consistente provoca o empobrecimento do conceito ou um

preenchimento deste com o senso-comum2. É sobre este olhar do senso comum, que o

presente ensaio incide.

2. DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM?

A literatura de diversos países apresenta uma similaridade na história inicial do

campo das Dificuldades de Aprendizagem. Entretanto, é passível num mesmo país a

existência de diversas definições utilizadas simultaneamente.

A definição das DA pertence a um tipo de definição denominada estipulativa ou

“stipulative definition” (KAVALE & FORNESS, 2000, 2003). As definições

estipulativas têm como princípio que um determinado termo pode ser considerado

equivalente a outro(s) termo(s) dentro de um determinado contexto, desta forma, a

definição apresenta a qualidade de ser útil, porém, não necessariamente verdadeira,

desde que haja um consenso e um valor heurístico presente na definição, esta será aceita

e utilizada (KAVALE & FORNESS, op. cit.).

Numa perspectiva tradicional, as dificuldades são concebidas como perturbações

ou distúrbios, de origem psico-neurológica, intrínsecas ao indivíduo e que ocorrem ao

longo do período escolar (HAMMILL, 1990; KAVALE & FORNESS, 2000).

Kavale & Forness (2000, 2003) analisaram várias definições sobre as DA e

concluíram que “as DA não foram definidas com muita exatidão” (p. 245). Os autores

descrevem que as definições são apenas conceituais (e não operacionais). Além disso,

uma definição conceitual deve ser consensual para que possa servir como ponto de

partida para o desenvolvimento de uma definição operacional, a qual se torna essencial

para o desenvolvimento das práticas interventivas (KAVALE, FORNESS &

LORSBACH, 1991).

2A construção do senso comum se constitui, atualmente, em um tema amplamente estudado pelas ciências humanas. Moscovici (1978) aponta, em seu estudo sobre A representação social da psicanálise, a importância de se compreender como o senso comum transforma os conteúdos científicos, ou de outros saberes formais, em explicações práticas sobre a realidade social, o homem e a natureza.

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Das definições aceitas, Cruz (1999) e Hamill (1990) apresentaram quatro que

incluem todos os elementos que têm sido identificados como essenciais na literatura e

que são defendidos pelos profissionais do campo, apresentando assim uma viabilidade

profissional: a do US Office of Education (USOE) de 1977, a da Association of Children

with Learning Disabilities (ACLD) de 1986, a da Interagency Committee on Learning

Disabilities (ICLD) de 1987 e a do National Joint Committee on Learning Disabilities

(NJCLD) de 1988. Entre as definições apresentadas, os autores concordam que a de

maior aceitação internacional e maior viabilidade é a do NJCLD, mesmo

compreendendo que, devido a questões políticas é pouco provável que esta definição

substitua legalmente a definição do USOE de 1977.

Alem deste aspecto, os estudos sobre as DA apontam a presença alguns critérios

utilizados para definir operacionalmente as DA, os diferentes autores têm feito

referência a uma variedade deles, havendo, contudo, três critérios apontados com maior

freqüência: critério de discrepância; critério de exclusão e critério de especificidade

(CITOLER, 1996; CRUZ, 1999; KAVALE & FORNESS, 2003; GONZÁLEZ, 2004;

FLETCHER et al., 2007).

O critério de discrepância caracteriza-se “por uma falta de concordância entre o

resultado real de uma aprendizagem e o esperado em função das capacidades cognitivas

do sujeito” (CITOLER, 1996, p. 26). Kavale e Forness (2003) apontam o perigo da

utilização exclusiva deste critério para a identificação das DA. Este tipo de atitude faz

com que o mesmo seja transformado num conceito equivalente a DA, o que não é

verdadeiro. O critério de discrepância deve ser entendido como um critério necessário,

mas não suficiente para a identificação das DA (SIL, 2008).

Na literatura, as críticas ao critério de discrepância estão pautadas na relação

entre QI e rendimento (CITOLER, 1996; NAGLIERI & REARDON, 1993; SIEGEL,

1989, 2003, STANOVICH, 1999). Para Correia (1991) vários fatores podem levar uma

criança a apresentar uma discrepância entre o seu potencial intelectual e a sua realização

acadêmica, como por exemplo, fatores emocionais, sociais, pedagógicos, etc. Em contra

partida, não há alternativa passível de substituir os testes psicométricos. Como afirmam

Speece & Shekitka (2002) a o campo das DA se encontra na difícil situação de ter que

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“abandonar a discrepância QI - rendimento sem encontrar uma alternativa viável que a

substitua” (p. 122).

O segundo critério apontado pelos autores procura determinar o que as DA não

são (FONSECA, 1999), caracteriza-se pela exclusão (como o próprio nome diz) dos

indivíduos que apresentam dificuldades de realizações acadêmicas explicáveis por

fatores como: deficiências sensoriais, deficiência mental, alterações emocionais graves,

diferenças socioculturais, ou mesmo ausência de oportunidades educativas (CITOLER,

1996).

Martins (2006) aponta que os problemas em relação às críticas quanto a este

critério, está na interpretação do mesmo. A definição do NJCLD3 diz que “[...] Embora

as dificuldades de aprendizagem possam ocorrer concomitantemente com outras

condições desvantajosas [...] ou com influências extrínsecas [...], elas não são o

resultado dessas condições ou influências”, isto nos leva a crer que as dificuldades de

aprendizagem não podem ocorrer em conjunto com outra condição de incapacidade ou

de desvantagem ambiental, cultural, ou econômica. Para a autora a intenção original da

frase é indicar que “as dificuldades de aprendizagem não podem resultar primariamente

das condições ou das situações mencionadas, mas, presumivelmente, podem ser

secundárias ou estar associadas a elas” (p. 69). Portanto, o critério de exclusão não pode

servir como fator de classificação fortemente válido, mas sim como indicador de

fundamentos facilitadores de serviços (FLETCHER et. al., 2007).

O critério de especificidade (ou inclusão) procura especificar em que âmbitos se

produzem as DA, limitado-a a domínios acadêmicos e/ou cognitivos e a denominações

específicas em função do tipo de problema como, por exemplo, dislexia, disgrafia ou

discalculia (CITOLER, 1996; SWANSON, 1991). Com efeito, se o critério de

especificidade indica o domínio em que a dificuldade de aprendizagem se manifesta,

3 “Dificuldades de aprendizagem é um termo geral que se refere a um grupo heterogêneo de desordens manifestadas por dificuldades significativas na aquisição e uso da audição, fala, leitura, escrita, raciocínio, ou habilidades matemáticas. Estas desordens são intrínsecas ao indivíduo, presumivelmente devem-se a disfunções do sistema nervoso central e podem ocorrer ao longo da vida. Problemas na auto-regulação comportamental, percepção social podem existir com as dificuldades de aprendizagem mas não constituem por eles próprios uma dificuldade de aprendizagem. Embora as dificuldades de aprendizagem possam ocorrer concomitantemente com outras condições desvantajosas (handicapping) (por exemplo, dificuldade sensoriais, deficiência mental, distúrbios emocionais sérios) ou com influências extrínsecas (tais como diferenças culturais, instrução insuficiente ou inapropriada), elas não são o resultado dessas condições ou influências.” (NJCLD, 1994, apud CRUZ, 1999, p.58)

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por outro deixa intacta a capacidade intelectual geral do indivíduo (CITOLER, 1996,

CRUZ, 1999).

Em relação ao exposto, há de se levar em conta que embora haja concordância

entre os autores quanto às vantagens e importância de cada um, todos eles apresentam

limitações ou críticas, principalmente quanto a dificuldade em medi-los e validá-los,

dificultando a operacionalização da definição das DA (KAVALE & FORNESS, 2003).

Para Fonseca (1999), o campo educacional, ainda está cercado de problemas

quanto à terminologia, à classificação e à definição que envolve o conceito de DA.

Enquanto não se clarificar a complexidade do problema, torna-se difícil pensar em

programas educacionais apropriados às necessidades específicas de todas as crianças.

Vale ressaltar, que para o autor, além dos três critérios referidos, há um quarto critério,

geralmente esquecido, mas de fundamental importância, que se refere à necessidade de

adequadas condições pedagógicas para se definir uma DA. Enquanto este critério não

for devidamente compreendido e aplicado, a escola4 continuará a ser “reprodutora” de

crianças com DA, cujos distúrbios, mal definidos e por várias vezes erroneamente

identificados, resultam em atitudes negligentes e indolentes. Um contexto de

representações que pode “criar” os evitáveis estigmas escolares do insucesso e do

fracasso escolar.

Para além dos problemas atribuídos as indefinições das DA e aos critérios de

classificação, é preciso que se busque outro olhar. É preciso conceber as dificuldades de

aprendizagem na sociedade atual, compreendendo a construção da subjetividade do

indivíduo e os processos ocorridos em sua cultura. Portanto, é necessário focar os

sentidos atribuídos a dar aula, as dificuldades atribuídas pelos professores e pelos alunos

e aos fatores constitutivos das representações das DA.

2.1. DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM? OUTRO OLHAR

A construção do sujeito se dá a partir de uma dada realidade social, realidade

esta da qual ele faz parte. A educação não é, portanto, um ato isolado, onde uma

dificuldade de aprender possa ser vista apenas e unicamente como resultado de

4 Por “escola” compreendem-se todos os sujeitos envolvidos no processo educacional.

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processos cognitivos individuais. Aprender envolve a relação professor/aluno, a escolha

dos conteúdos, a metodologia, a forma de avaliação. Dessa forma, é possível que nem

toda Dificuldade de Aprendizagem possa realmente ser uma “dificuldade de aprender”.

Uma busca na literatura nos leva a crer que a construção de tal fenômeno possa estar

fundamentada nas representações sociais.

De acordo com Moscovici (1978) “as representações individuais ou sociais

fazem com que o mundo seja o que pensamos que ele é ou deve ser. Mostram-nos que, a

todo instante, alguma coisa ausente se lhe adiciona, e alguma coisa presente se

modifica.” (p. 59). Assim, as representações sociais não são apenas opiniões sobre

determinado fenômeno, mas “teorias” que abarcam um sistema de valores, idéias e

práticas compartilhados socialmente, que nos permitem “classificar pessoas e objetos,

comparar e explicar comportamentos e objetivá-los como parte de nosso ambiente

social” (GAMA, 1991, p.358).

Jodelet (1990) define a noção de representação social como “[...] uma forma

específica de conhecimento, o saber do senso comum, cujos conteúdos manifestam a

operação de processos generativos e funcionais socialmente marcados, ou seja, uma

forma de pensamento social” (p.361). Alves Mazzotti (1994), no texto intitulado

“Representações Sociais: aspectos teóricos e aplicações à Educação” descreve

claramente este processo:

Nas sociedades modernas, somos diariamente confrontados com uma grande massa de informações. As novas questões e eventos que surgem no horizonte social freqüentemente exigem, por nos afetarem de alguma maneira, que busquemos compreendê-los, aproximando-os daquilo que já conhecemos, usando palavras que fazem parte de nosso repertório. Nas conversações diárias, em casa, no trabalho, com os amigos, somos instados a nos manifestar sobre eles procurando explicações, fazendo julgamentos e tomando posições. Estas interações sociais vão criando "universos consensuais" no âmbito dos quais as novas representações vão sendo produzidas e comunicadas, passando a fazer parte desse universo não mais como simples opiniões, mas como verdadeiras "teorias" do senso comum, construções esquemáticas que visam dar conta da complexidade do objeto, facilitar a comunicação e orientar condutas. Essas "teorias" ajudam a forjar a identidade grupai e o sentimento de

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pertencimento do indivíduo ao grupo (ALVES-MAZZOTTI, 1994, p. 61).

Olhar as DA a partir da Teoria das Representações Sociais, não nos permite mais

a possibilidade de pensar as DA apenas como uma disfunção cujos resultados levam a

uma discrepância capacidade/aprendizagem, pois, a representação dos professores, pais

e alunos sobre as Dificuldades de Aprendizagem, associada à ênfase dada pela escola ao

desempenho escolar, parece constituir um fator preditivo do fracasso escolar (ALVES-

MAZZOTTI, 2003; WILSON E ALVES-MAZZOTTI, 2004; CAMISÃO, 2004;

SCHIAVONI, 2004; ALVES-MAZZOTTI, 2005; ALVES-MAZZOTTI, 2006; OSTI E

BRENELLI, 2009; LIMA E MACHADO, 2010).

Vários pesquisadores têm utilizado a Teoria das Representações Sociais com o

objetivo de estudar o cotidiano escolar e as práticas docentes. Uma revisão destes

estudos realizada por Alves-Mazzotti (2000) indicou alguns achados importantes

relacionados à representação social dos professores no ato educativo, entre eles que: o

baixo nível socioeconômico do aluno tende a fazer com que o professor desenvolva

baixas expectativas sobre ele; os professores tendem a interagir diferentemente com

alunos sobre os quais formaram altas e baixas expectativas; esse comportamento

diferenciado freqüentemente resulta em menos oportunidades para aprender e

diminuição da auto-estima dos alunos; e tais circunstâncias tendem a depreciar o

desempenho do aluno, produzindo o “fracasso escolar” das crianças pobres.

Mantovani (2001) concluiu em seus estudos que para a maioria dos professores,

os alunos com dificuldades de aprendizagem são aqueles que provocam incômodo na

sala de aula. Em contrapartida, esses alunos assumem e desenvolvem atitudes que vão

de encontro ao julgamento de seus professores, e passam conseqüentemente a

desacreditar na sua capacidade de pensar. Portanto, é possível inferir que ao longo do

processo de aprendizagem, alunos e professores, vão incorporando dados e informações,

bem como crenças e tabus, que levam a construção de uma rede de significados. Estes

significados atribuem sentido aos sentimentos, valores e processos vividos por eles no

ambiente social. No cotidiano escolar estas relações significadas são percebidas pelos

alunos e repercutem nos professores, influenciando ações, reações e interpretações por

parte destes, bem como a própria percepção por parte daqueles.

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Na mesma linha teórica das Representações Sociais, Luciano (2006, p.169)

verificou que “a maioria das professoras não se reconhece no sucesso e tampouco no

fracasso de seus alunos. Acreditam que o bom aluno é fruto unicamente de um bom

suporte familiar e de atributos pessoais.”

Colus e Lima (2007) realizaram um estudo com o intuito de verificar as

representações sociais elaboradas por professores sobre o aluno com dificuldades de

aprendizagem no contexto escolar. Os resultados indicaram que os alunos com

Dificuldades de Aprendizagem “são vistos como “diferentes”, destoando-se do grupo do

qual fazem parte, por não se enquadrarem na “norma”, no “padrão” estabelecido no

contexto educacional.” De acordo com as autoras os resultados demonstram que “a

heterogeneidade ainda tem que ser mais bem entendida como contribuição para o

desenvolvimento do aluno”, pois existe uma forte representação de que os educando

devem ser homogêneos.

Donaduzzi e Cordeiro (2007) concluíram em seus estudos, que os professores

não delegam valor aos aspectos cognitivos na aprendizagem escolar, apontam as

atitudes inadequadas por parte da criança e de sua família - independente da proposta

pedagógica da escola ou do trabalho do professor - como fatores determinantes das

dificuldades de aprendizagem.

Todos estes estudos corroboram com a idéia de Alves-Mazzotti (2000) sobre as

representações dos professores sobre o modelo de aluno ideal. Para a autora, este é “[...]

um modelo ideal de aluno que não corresponde ao aluno concreto que hoje constitui a

maior parte da clientela da escola pública do ensino fundamental: a criança pobre, cujos

pais têm baixa ou nenhuma escolaridade e lutam pela sobrevivência” (ALVES-

MAZZOTTI, 2000, p.58). Além disto, a visão dos professores sobre a família destes

alunos é coerente com esse perfil: uma família pobre, desestruturada, pouco

escolarizada, ocupada demais na luta pela sobrevivência e que não dá assistência aos

filhos, delegando à escola funções que tradicionalmente lhe cabiam (ALVES-

MAZZOTTI, 2006; SALES, L. C.; LIMA 2007).

Patto (2000) realizou vários estudos sobre o “fracasso escolar” das crianças

pobres, dentre as explicações encontradas, a da carência cultural foi a mais citada,

predominando até os dias atuais, mesmo que sob diferentes aspectos. A autora afirma

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que a maioria das explicações baseia-se em estereótipos, “suposições fundadas em

preconceitos” (p. 155). Tais suposições, veiculadas nos cursos de licenciatura, nas salas

de aula, nas conversas informais, contribuem para a formação de representações sobre o

aluno com dificuldades de aprender.

É neste sentido que este ensaio busca destacar este outro olhar para as

Dificuldades de Aprendizagem, um olhar a partir da teoria das representações sociais,

pois esta fornece subsídios para a compreensão das concepções que estão

“impregnadas” no ambiente de ensino e aprendizagem. Segundo Gilly (2001):

As representações sociais, enquanto sistemas autônomos de significações sociais, são o produto de compromissos contraditórios sob a dupla pressão de fatores ideológicos e de imposições relacionadas ao funcionamento efetivo do sistema escolar. O peso destas últimas parece ainda mais forte, tendo em vista que os indivíduos são diretamente afetados pelas – ou implicados nas – práticas cotidianas. (GILLY, 2001, p. 337).

As representações “estabelecidas” levam o professor a ter baixas expectativas

sobre os alunos com dificuldades de aprendizagem. As pesquisas cujo foco busca

analisar a expectativa dos professores da escola pública mostra que estes são

extremamente pessimistas, como se a situação de pobreza fosse algo que não possa ser

mudado, revelando também um sentimento de frustração e de impotência diante das

dificuldades da tarefa de educar (ALVES-MAZZOTTI, 2010, 2006; 2003).

Mais especificamente, essas pesquisas mostraram que os professores apresentavam os seguintes padrões de comportamento diferenciado com relação aos alunos sobre os quais tinham baixas expectativas: (a) interagiam menos com eles; (b) olhavam menos para eles ao dirigir perguntas para a turma; (c) chamavam-nos menos para ir ao quadro; (d) esperavam menos tempo por suas respostas; (e) quando eles demonstravam alguma dificuldade em responder, chamavam outro aluno ou davam logo a resposta, ao invés de tentar ajudá-los a chegar à resposta correta, refazendo ou repetindo a pergunta; (f) criticavam-nos mais por respostas incorretas; (g) elogiavam-nos menos por respostas corretas; (h) elogiavam-nos por respostas incorretas; (i) deixavam mais freqüentemente de dar feedback às suas respostas em

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situações grupais; e (j) davam-lhes feedback menos preciso e menos detalhado (ALVES, 19835).

A autora esclarece que apesar destas conclusões, é importante frisar que nem

todo o professor age desta forma; porém, se muitos o fazem isto se torna objeto de

preocupação. A educação que nos foi inculcada é regida pelos princípios de ordem, de

linearidade, de binarismos. O estranho, o diferente, o que não aprende na mesma

velocidade, com a mesma fluidez, perturba e causa inquietação. Como resultado,

nomeamos, diagnosticamos, rotulamos o comportamento destes sujeitos, pois afinal,

diferem do comum. Dessa forma, as representações que pairam sobre este aluno,

articulam significados coerentes às contradições presentes na realidade, legitimando e

justificando o “fracasso escolar” e as práticas educacionais excludentes. Lima e

Machado (2012) afirmam a importância de um olhar mais atento para as representações

sociais dos profissionais da educação, destacando que o estudo das representações

sociais sobre as dificuldades de aprendizagem pode servir de ponto de partida para a

elaboração de políticas educacionais e práticas formadoras que promovam mudanças

significativas no cenário educacional atual.

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Apesar do grande número de pesquisas e publicações relacionadas às

dificuldades de aprendizagem, estas ainda representam um distúrbio de difícil definição

e inconsistente classificação.

Das definições presentes na literatura, são consensualmente aceitas as da US

Office of Education (USOE) de 1977, a da Association of Children with Learning

Disabilities (ACLD) de 1986, a da Interagency Committee on Learning Disabilities

(ICLD) de 1987 e a do National Joint Committee on Learning Disabilities (NJCLD) de

1988, entre estas, a de maior aceitação internacional e maior viabilidade é a do NJCLD.

A falta de uma fundamentação teórica consistente acaba por ocasionar uma idéia

sobre as Dificuldades de Aprendizagem revestida pelo senso-comum. Este senso

5 ALVES, A. J. Classroom interactions of the teacher with mainstreamed handicapped students and their non-handicapped peers. 1983. Tese (Doutorado) - New York University, New York, citado por ALVES MAZZOTTI, 2010.

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comum, foco de estudo da Teoria das Representações Sociais, é uma forma específica

de conhecimento, que estabelece classificações, comparações e explicações sobre

comportamentos do nosso ambiente social.

A compreensão das DAs a partir do olhar das Representações Sociais nos mostra

que determinados “rótulos” ajudam a justificar o “fracasso escolar” e a exclusão de

alunos “classificados” com DA do processo educacional.

Pensar as DA a partir da Teoria das Representações Sociais vislumbra a

possibilidade de transformação e modificação de práticas sociais, por meio da análise de

práticas cotidianas escolares.

4. REFERENCIAS ALVES-MAZZOTTI, A. J. Representações Sociais: aspectos teóricos e aplicações à Educação. Em Aberto, Brasília MEC-INEP, ano 14, nº61, p. 60-78. Jan/mar. 1994, __________________. Representações Sociais: desenvolvimentos atuais e aplicações à educação. In: CANDAU, V. M. (org.) Linguagens, Espaços e Tempos no Ensinar e Aprender. Rio de Janeiro: DP&A, 2000. __________________. Fracasso escolar e suas relações com o trabalho infantil: representações de alunos repetentes, trabalhadores e não-trabalhadores e de seus professores. In: MENIN, S.; SHIMIZU, A. M. (Org.). Experiência e representação social. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2005. __________________. Educação e exclusão social: contribuições do estudo das representações sociais. In: CAMPOS, P. H. F; LOUREIRO, M. C. S. (Org.). Representações sociais e práticas educativas. Goiânia: Editora da UCG, 2003. __________________. O “aluno da escola pública”: o que dizem as professoras. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, Brasília, DF, INEP, v. 87, n. 217, p. 349-359, set./dez. 2006. ALVES- MAZOTTI, J. As Representações do professores sobre o aluno. In: OLIVEIRA, D. A.; DUARTE, A. M. C.; VIEIRA, L. M. F. Dicionário: trabalho, profissão e condição docente, 2010. Belo Horizonte. Anais... Belo Horizonte: UFMG/Faculdade de Educação, 2010. CDROM. CAMISÃO I. F. F. Percepção dos professores do ensino básico acerca da inclusão educativa de alunos com necessidades educativas especiais. 2004. 159 p. Dissertação. (Mestrado em Psicologia) – Instituto de Educação e Psicologia, Universidade do Minho, Braga, Portugal. 2004.

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