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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS Pós Graduação em Ciências da Religião Camila Campos Marçal da Cruz DIÁLOGO E SENTIDO: Vida espiritual e encontro inter-religioso na sociedade contemporânea Belo Horizonte 2017

DIÁLOGO E SENTIDO: Vida espiritual e encontro inter

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Page 1: DIÁLOGO E SENTIDO: Vida espiritual e encontro inter

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS

Pós Graduação em Ciências da Religião

Camila Campos Marçal da Cruz

DIÁLOGO E SENTIDO:

Vida espiritual e encontro inter-religioso na sociedade contemporânea

Belo Horizonte

2017

Page 2: DIÁLOGO E SENTIDO: Vida espiritual e encontro inter

Camila Campos Marçal da Cruz

DIÁLOGO E SENTIDO:

Vida espiritual e encontro inter-religioso na sociedade contemporânea

Dissertação apresentada ao programa de Pós-

Graduação em Ciências da Religião, da Pontifícia

Universidade Católica de Minas Gerais, como

requisito parcial para obtenção do título de Mestre

em Ciências da Religião.

Orientador: Prof. Dr. Roberlei Panasiewicz

Área de Concentração: Religião e Cultura.

Linha de Pesquisa: Pluralismo, Imaginário Religioso

e sociedade.

Belo Horizonte

2017

Page 3: DIÁLOGO E SENTIDO: Vida espiritual e encontro inter

FICHA CATALOGRÁFICA

Elaborada pela Biblioteca da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais

Cruz, Camila Campos Marçal da

C957d Diálogo e sentido: vida espiritual e encontro inter-religioso na sociedade

contemporânea / Camila Campos Marçal da Cruz. Belo Horizonte, 2017.

148 f.: il.

Orientador: Roberlei Panasiewicz

Dissertação (Mestrado) – Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.

Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião

1. Psicologia fenomenológica. 2. Espiritualidade - Experiências. 3.

Alteridade. 4. O Contemporâneo. 5. Pluralismo religioso. 6. Religião e cultura. I.

Panasiewicz, Roberlei. II Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.

Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião. III. Título.

CDU: 248

Page 4: DIÁLOGO E SENTIDO: Vida espiritual e encontro inter

Camila Campos Marçal da Cruz

DIÁLOGO E SENTIDO:

Vida espiritual e encontro inter-religioso na sociedade contemporânea

Dissertação apresentada ao programa de Pós-

Graduação em Ciências da Religião, da Pontifícia

Universidade Católica de Minas Gerais, como

requisito parcial para obtenção do título de Mestre

em Ciências da Religião.

Orientador: Prof. Dr. Roberlei Panasiewicz

Área de Concentração: Religião e Cultura.

Linha de Pesquisa: Pluralismo, Imaginário Religioso

e sociedade.

____________________________________________________

Prof. Dr. Roberlei Panasiewicz PUC – Minas (Orientador)

____________________________________________________

Prof. Dr. Miguel Mahfoud - UFMG

____________________________________________________

Prof. Dr. Paulo Agostinho Nogueira Baptista PUC-Minas

Belo Horizonte, 30 de agosto de 2017.

Page 5: DIÁLOGO E SENTIDO: Vida espiritual e encontro inter

Ao meu querido filho, Theo, com muito amor e gratidão.

E a todos aqueles que não desistem dos seus sonhos e que se realizam fazendo desse mundo,

um lugar melhor de se viver.

Page 6: DIÁLOGO E SENTIDO: Vida espiritual e encontro inter

AGRADECIMENTOS

A Deus pela oportunidade e pelo cuidado que tem comigo e que se mostra palpável

através de tantas pessoas especiais que “encontro” pelo caminho. Espero poder retribuir,

sendo também fonte de cuidado.

A todos os responsáveis pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião da

PUC/MG e aos colegas pelo comprometimento com a qualidade do curso e acolhimento em

todo o meu processo enquanto discente. Aos colegas do REPLUDI, pela troca sempre tão rica

e importante para o meu crescimento acadêmico. Em especial ao colega (e sempre professor)

Alexandre Kaitel e aos professores Antônio Cantarela e Fabiano Campos, pelas orientações

pontuais e cuidadosas.

Aos amigos e companheiros de vida, sempre fonte de amor, diálogo e incentivo;

sobretudo, aos amigos Júlio Giovanni, Angélica Martins, Leonardo Koury, Júlia Leite,

Ranucy Campos e Rita Grassi, pelas conversas que foram oportunidades de aprofundamento e

ampliação reflexiva sobre a temática da pesquisa.

Ao Paulo Pacheco pelo acolhimento e disponibilidade demonstrados desde a época da

faculdade, como professor e orientador. E, principalmente, pela confiança e amizade, que se

tornaram apoio fundamental para que eu seguisse na trajetória acadêmica e vida pessoal

buscando ser coerente com os meus desejos de realização e valores.

A toda a minha família, em especial aos meus pais e irmãs, pelo apoio e suporte no

cuidado com o meu filho nos momentos em que eu precisei me ausentar para a pesquisa. Sem

vocês, isso não teria sido possível.

Às pessoas da banca que se dispuseram a ler e avaliar essa pesquisa. Ao Paulo

Agostinho por ter sido um leitor atento desde o momento do projeto, com instruções pontuais

e questionamentos que me fizeram crescer ao longo desse período. Ao Miguel Mahfoud, que

ao longo da minha trajetória acadêmica, se tornou uma referência como psicólogo e educador.

Sua presença torna esse momento ainda mais cheio de significado. Obrigado por ter aceitado

o convite em contribuir com suas orientações.

Agradeço, especialmente, ao meu orientador, professor Roberlei Panasiewicz, por sua

orientação e cuidado durante toda essa trajetória. Ter sido acompanhada por você foi um

privilégio, que fez valer a pena cada dificuldade enfrentada antes e durante essa etapa. Sua

compreensão tornou esse período de descobertas, tanto pessoais quanto acadêmicas, mais leve

e inesquecível!

Page 7: DIÁLOGO E SENTIDO: Vida espiritual e encontro inter

O sentido da minha vida é ajudar as pessoas a encotrar o sentido da vida delas.

Viktor Frankl

Page 8: DIÁLOGO E SENTIDO: Vida espiritual e encontro inter

RESUMO

Ao analisar o desenvolvimento da sociedade moderna, percebemos que, a despeito de todo o

progresso econômico e tecnológico, a sociedade vive um momento de crise espiritual. Na

realidade brasileira, esse contexto de globalização e pluralidade, somado à procura cada vez

maior das pessoas por experiências espirituais e religiosas, torna o convívio com as

diversidades religiosas um desafio urgente. Sendo assim, o objetivo dessa pesquisa é refletir

sobre as necessidades e possibilidades do ser humano contemporâneo encontrar sentido para

sua vida e, principalmente, compreender como as religiões podem contribuir para favorecer

esse movimento ontologicamente humano. Não obstante todos os meios de comunicação que

favorecem o contato, o ser humano contemporâneo tem se mostrado cada vez mais fechado e

intolerante em relação às diversidades. Precisamos pensar critérios para um convívio com as

diversidades que considere-o em sua totalidade e que proporcione mais sentido e paz para a

humanidade. Nesse sentido, acreditamos que as religiões podem contribuir, através do diálogo

entre elas, para a ampliação da consciência em relação às alteridades, através do cultivo do

cuidado consigo, com o outro e com a nossa casa comum. As premissas do diálogo inter-

religioso pressupõem abertura dialogal, humildade, conhecimento de si, reconhecimento da

alteridade e, portanto, vão ao encontro da estrutura humana e da necessidade que temos de nos

constituirmos como pessoa e de oferecer um sentido para a nossa existência, a partir e através

dos nossos relacionamentos. Como procedimento metodológico, foi dada preferência para

revisão bibliográfica. Em um primeiro momento, contemplamos a estrutura humana de acordo

com a perspectiva da psicologia fenomenológica. Destacamos o ser humano como um ser

relacional, que se estrutura a partir do convívio com as alteridades e que, no contato com o

mundo, busca um sentido para sua existência. Em seguida, apresentamos as características da

sociedade contemporânea em relação aos axiomas que a sustentam e quais as consequências

desse modo de vida na compreensão que o ser humano tem de si mesmo, dos outros e do

mundo. Por fim, mostramos a importância do diálogo, sobretudo do diálogo inter-religioso

nesse contexto de pluralidade. E tendo em vista a responsabilidade das religiões na construção

dessas pontes, consideramos que uma práxis dialogal pode favorecer a construção da

subjetividade humana e uma convivência com a diversidade que priorize o cuidado com as

alteridades.

Palavras-chave: Psicologia Fenomenológica. Crise de sentido. Alteridade. Diálogo inter-

religioso.

Page 9: DIÁLOGO E SENTIDO: Vida espiritual e encontro inter

ABSTRACT

In analyzing the development of modern society, we realize that despite all the economic and

technological progress, society is experiencing a moment of spiritual crisis. The Brazilian

context of globalization and plurality, added to the increasing demand of people for spiritual

and religious experiences, makes living with religious diversity an urgent challenge.

Therefore, the goal of this study is to reflect on the necessities and possibilities of the

contemporany human being to find life meaning, and specially to understand how religions

can contribute in favor of such ontological human movement. Despite all the means of

communication that favor contact, the contemporary human being has become increasingly

closed and intolerant in relation to diversity. We need to think about criteria for living with

diversities that considers human beings in their entirety, and offers greater meaning and peace

to humankind. Our hypothesis is that religions can contribute to the expansion of

consciousness in relation to otherness, through dialogue amongst them and through

cultivating caring for oneself, for others and for our common home. The premises of

interreligious dialogue presupposes dialogical openness, humility, knowledge of self,

recognition of otherness and, therefore, meets the human structure and our need to constitute

ourselves as persons and to offer meaning to our existence from and through our relationships.

As methodological procedure, preference was given to bibliographical review. At first we will

contemplate the human structure in accordance to the perspective of phenomenological

psychology. Thus highlighting the human being as a relational being, whose structures are

based in living with otherness and in contact with the world, seeking for the meaning of

existence. Then we will present the characteristics of contemporary society in relation to the

axioms that sustain it and what are the consequences of this way of life in the understanding

that human beings have of themselves, of others and the world. Finally, we will show the

importance of the dialogue, particularly of interreligious dialogue in this context of plurality.

And in view of the responsibility of religion in the construction of these bridges, reflect on

how a dialogical praxis may favor the construction of human subjectivity and a coexistence

within diversity that prioritizes caring for otherness.

Keywords: Phenomenological Psychology. Crisis of meaning. Otherness and interreligious

dialogue.

Page 10: DIÁLOGO E SENTIDO: Vida espiritual e encontro inter

LISTA DE TABELAS

TABELA 1 - Pertença religiosa da população brasileira...................................................... 86

TABELA 2 - Conteúdo disponibilizado pelo Observatório das Religiões............................ 131

Page 11: DIÁLOGO E SENTIDO: Vida espiritual e encontro inter

LISTA DE QUADROS

QUADRO 1 - Diversidade dos pesquisadores do Observatório........................................... 132

Page 12: DIÁLOGO E SENTIDO: Vida espiritual e encontro inter

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO................................................................................................................ 12

2 O SENTIDO DO SER HUMANO................................................................................... 19

1.1 2.1 Uma visão da Psicologia Fenomenológica sobre a estrutura humana...................... 19

2.1.1 Estrutura transcendental: abertura para fora e para dentro de si.............................. 21

2.1.2 Dimensões constituintes do ser humano....................................................................... 22

2.1.3 O aspecto dialógico do reconhecimento de si.............................................................. 26

2.1.4 A primazia do outro na formação do eu....................................................................... 30

1.2 2.2 Uma leitura fenomenológica sobre a busca de sentido.............................................. 32

2.2.1 Religião como fonte de significado último................................................................... 33

2.2.2 Dimensão espiritual na perspectiva fenomenológica .................................................. 36

2.2.3 Liberdade dinamizadora da pessoa humana................................................................ 40

2.2.4 Solidão existencial: um espaço de encontro................................................................ 43

2.3 Experiência como núcleo para o diálogo e busca por sentido................................... 45

2.3.1 Experiência religiosa e experiência de Deus............................................................... 48

2.3.2 Experiência elementar e a construção da empatia...................................................... 50

2.3.3 Por uma educação que favoreça uma formação humana da pessoa........................... 51

2.3.4 Ser pessoa em uma comunidade................................................................................... 54

3 O SER HUMANO NA CONTEMPORANEIDADE..................................................... 57

3.1 Crise de sentido social contemporânea........................................................................ 58

3.1.1 Panorama histórico da Idade Média até a Modernidade............................................ 59

3.1.2 Desenvolvimento e crise da Modernidade: Pós-modernidade..................................... 61

3.1.3 Mercado como suprasentido da Modernidade............................................................. 64

3.1.4 Contribuições da Pós-modernidade para a formação de um ser humano integrado:

esperanças e resistências.................................................................................................

67

3.2 Crise do ser humano contemporâneo.......................................................................... 70

3.2.1 Adoecimento da dimensão espiritual humana.............................................................. 71

3.2.2 Ênfase da dimensão psíquica na contemporaneidade.................................................. 73

3.2.3 Percepção do corpo na cultura contemporânea.......................................................... 77

3.2.4 Lugar do outro na contemporaneidade........................................................................ 79

3.3 Senso religioso e democracia no Brasil contemporâneo .......................................... 82

Page 13: DIÁLOGO E SENTIDO: Vida espiritual e encontro inter

3.3.1 Campo religioso do Brasil contemporâneo.................................................................. 85

3.3.2 Senso religioso contemporâneo.................................................................................... 88

3.3.3 A construção de uma sociedade democrática: religião, ética e política..................... 91

4 O PLURALISMO RELIGIOSO E A EMERGÊNCIA DE UMA PRÁXIS

DIALOGAL.........................................................................................................................

95

4.1 Diálogo: uma resposta à crise espiritual contemporânea.......................................... 96

4.1.1. Uma compreensão acerca da estrutura do diálogo e da linguagem........................... 97

4.1.2 Ausência e urgência de diálogos na Pós-modernidade............................................... 101

4.1.3 Condições para o diálogo inter-religioso.................................................................... 104

4.1.4 Compreensão das formas de diálogo inter-religioso pela perspectiva do

sentido............................................................................................................................

106

4.2 Construção de sentido via diálogo inter-religioso....................................................... 109

4.2.1 Contribuições do diálogo das religiões para a contrução de sentido.......................... 110

4.2.2 A emergência de uma ética da alteridade por uma sociedade tolerante..................... 113

4.2.3 O diálogo entre as religiões como potencializador do relacionamento com as

diversidades.........................................................................................................................

115

4.2.4 Uma educação dialogal que favoreça a consciência e o reconhecimento do

outro......................................................................................................................................

117

4.2.5 As lideranças no diálogo das espiritualidades em prol do cuidado com o

planeta............................................................................................................................

119

4.3 Diálogo inter-religioso como uma práxis..................................................................... 121

4.3.1 Brasil: um espaço de encontro e de tensões................................................................. 122

4.3.2 Promovendo encontros inter-religiosos e discutindo a diversidade religiosa no

Brasil.....................................................................................................................................

125

4.3.3 Observatório Transdisciplinar das Religiões............................................................... 127

4.3.4 Análise da práxis dialogal do Observatório das Religiões.......................................... 130

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS........................................................................................... 134

REFERÊNCIAS.................................................................................................................. 139

Page 14: DIÁLOGO E SENTIDO: Vida espiritual e encontro inter

12

1 INTRODUÇÃO

Abordar a questão do sentido da vida como tema de pesquisa, teve origem na minha

busca pessoal, mas encontrou relevo, sobretudo, na dor das pessoas ao meu redor. Assistir ao

número cada vez maior de suicídio, depressão, queixas em relação ao vazio e falta de sentido,

suscitou questionamentos acerca do nosso modo de vida atual. Consciente de que a maneira

como as pessoas respondem ao sentido da vida, exige um posicionamento pessoal, mas sofre

influências das características predominantes de cada época, me perguntava sobre quais eram

os valores que norteavam o nosso tempo.

Qual o sentido da vida? Qual o sentido da minha vida? Eram perguntas que

acompanharam e sustentaram toda a minha trajetória. No decorrer do tempo pude perceber

que essas questões existenciais não eram privilégio da minha pessoa, mas uma característica

humana que perpassava toda a história da humanidade, se tornando, inclusive, um dos

motivos para o surgimento das religiões.

Provocada pelo interesse em encontrar alternativas para a crise de sentido atual, me

perguntei se as religiões, que entre outras coisas, se ocupam principalmente com questões

relativas ao sentido último da vida, poderiam contribuir para a realização dessa busca de

maneira mais totalizante, mas coerente com as necessidades do ser humano contemporâneo.

Durante a graduação de Psicologia, foi perceptível a quase ausência de assuntos

ligados à religião ou experiências religiosas ou a sua abordagem de maneira restrita e/ou

negativa, resquícios de uma histórica cisão entre ciência e religião, onde esta última, de

acordo com Belzen:

Foi vista como sendo impossível e em outros tida como inútil, e isto, a maioria das

vezes, em razão do desinteresse pessoal ou até da animosidade contra ela por parte

de quem a praticava. Seja como for, muitos psicólogos se perguntavam admirados se

uma Psicologia de cunho científico poderia se ocupar de um objeto tão obscuro

quanto à religião. [...] Contudo, as relações entre Psicologia e religião voltaram

desde fins do século XIX a ser debatidas com maior frequência. (BELZEN, 2013, p.

319).

Não obstante a isso, no decorrer da prática como psicóloga clínica, era recorrente o

aparecimento de temas relacionados à religiosidade, espiritualidade, moral e ética. Um

acompanhamento psicoterápico aborda, em grande parte das vezes, aspectos relacionados a

valores do paciente e inevitavelmente, valores da família e da sociedade na qual estamos

inseridos, valores esses que influenciam diretamente na formação da subjetividade humana:

Page 15: DIÁLOGO E SENTIDO: Vida espiritual e encontro inter

13

Quando um cliente procura uma psicoterapia, ele não traz para o trabalho apenas

determinadas partes de si, e sim seu todo. Esse todo inclui sua religiosidade, de

modo que ela é parte integrante dos diálogos terapêuticos, mesmo quando não

explicitamente nominada. A religiosidade sustenta crenças e posturas diante da vida,

nutre valores e escolhas, influencia a espiritualidade e o contato corporal. (PINTO,

2013, p. 684).

A psicologia fenomenológica – abordagem teórica utilizada nesse trabalho, ao

contrário de algumas das principais abordagens apresentadas durante a graduação em

psicologia, tem um olhar cuidadoso para as experiências religiosas em geral. De acordo com a

fenomenologia, o ser humano possui uma estrutura transcendental, sendo constituído por uma

dimensão biológica, psicológica e espiritual (BELLO, 2004), onde a dimensão espiritual do

ser humano é a responsável pelas perguntas existenciais (FRANKL, 1989), e que pode

coincidir com o aspecto religioso, mas que não se limita a ele.

Apesar de todo esse contexto, ainda existe um tabu em relação ao tema da religião

entre os profissionais de psicologia, tanto em relação à religiosidade do profissional, quanto à

forma adequada de se abordar e/ou conduzir assuntos relacionados à espiritualidade do

paciente, sem que isso possa se confundir com uma atitude apologética ou confessional, mas

que respeite toda a riqueza presente nessa busca que é humana. Resistência que pode ser

comprovada quando, em 2004, ao realizar o trabalho de conclusão de curso sob o tema:

“senso religioso e autoconhecimento” deparei-me com a falta de apoio da instituição em

relação ao tema e à dificuldade em encontrar professores que pudessem oferecer uma

orientação. Dificuldade que foi superada ao encontrar um professor temporário com formação

em fenomenologia e interesse e experiência na área de experiência religiosa1.

Diante desse histórico, e do permanente desejo de me qualificar melhor enquanto

psicoterapeuta e de aprofundar o conhecimento sobre a dimensão espiritual humana, refleti

sobre a possibilidade de continuar os meus estudos em outra área. De acordo com Ferreira e

Senra (2012, p. 263), a área de Ciências da Religião, por sua “pluralidade das disciplinas

científicas favorece uma compreensão mais dinâmica e aberta sobre o objeto em questão, o

fato religioso. Essa demarcação epistêmica permite que se abram sempre novas possibilidades

analíticas sobre o objeto a ser conhecido”. E foi assim, que as Ciências da Religião, se

revelou como uma possibilidade e espaço científico adequado para conhecer mais sobre o ser

humano que busca por sentido e sobre as características da sociedade contemporânea no que

tange ao seu aspecto religioso.

1 Trabalho apresentado como requisito para conclusão do curso de graduação em Psicologia pela PUC/MG, no

ano de 2005, sob orientação do prof. Dr. Paulo Roberto Andrada Pacheco.

Page 16: DIÁLOGO E SENTIDO: Vida espiritual e encontro inter

14

A sociedade ocidental pós-moderna é marcada pelo convívio com diferentes culturas,

proporcionado pelos avanços da modernidade, sobretudo pela globalização e desenvolvimento

das tecnologias de comunicação. Apesar de todos os benefícios alcançados pelos avanços da

modernidade, eles não são suficientes para garantir o convívio com a diversidade e

reconhecimento das alteridades.

O momento atual coloca-nos diante do convívio com uma diversidade cultural imensa

e, sobretudo quando falamos das diferenças religiosas, esse convívio é vivido com tensões. As

religiões coexistem, mas existe pouca ou, em alguns casos, nenhuma disposição para o

diálogo: “O reinado do eu se impõe. Nem sempre de forma agressiva. Prefere prescindir do

outro, desconhecê-lo, a gastar energia em combatê-lo”. (LIBANIO, 2002). Além disso,

assistimos à busca cada vez maior por experiências religiosas dentro e fora das instituições. A

pluralidade religiosa é um fato.

Acontecimentos como a queda do muro de Berlim, a crise do socialismo real e do

neo-liberalismo, a crise ética e de sentido e a fragilização do equilíbrio do universo,

provocaram a perda ou enfraquecimento do potencial de plausibilidade das

narrativas de orientação e sustentação do mundo. O reconhecimento e a acolhida da

diferença emergem hoje como contrapontos à lógica excludente da identidade

egocêntrica que marcou a modernidade e sintonizam um momento novo de busca de

sentido. (TEIXEIRA, 2010a).

Nesse contexto, que alguns autores chamam de crise espiritual contemporânea, urge

pensar critérios para retomar a nossa humanidade e uma boa convivência com essa

diversidade. Será que as religiões, no contexto da pós-modernidade, podem contribuir para

superar essa crise e ajudar as pessoas a encontrarem sentido para a vida?

O pluralismo religioso pode ser um campo repleto de possibilidades de encontros. O

encontro com uma pessoa que possui uma pertença ou experiência religiosa diferente da nossa

é uma ocasião que permite o aprofundamento das próprias vivências. Na medida em que

existe uma entrega e reciprocidade nessa vivência de diálogo, esse encontro se torna uma

possibilidade de problematização do sentido da vida, a partir da provocação que aquele

relacionamento é pra nós. E esse relacionamento pode se tornar uma referência de cuidado,

que pode se estender na responsabilidade por todas as alteridades. Além disso, na perspectiva

do sentido, se "possuímos uma atitude de abertura, mesmo se o encontro que realizamos não

for gerador de diálogo, ainda assim ele pode ser uma possibilidade de reelaboração da própria

experiência, pelo critério da não correspondência". (GASPAR, 2014, p. 19).

Para a compreensão da experiência humana presente na vivência da diversidade

cultural e religiosa atual e do lugar do diálogo inter-religioso nesse cenário, abordaremos o

Page 17: DIÁLOGO E SENTIDO: Vida espiritual e encontro inter

15

pluralismo a partir do conceito de pluralismo religioso de princípio, proposto por vários

teóricos do diálogo inter-religioso como, por exemplo, Claude Geffré (2004). Ele amplia o

conceito de pluralismo para além da constatação de uma variedade cultural e religiosa

existente (pluralismo de fato), para um pluralismo percebido como intencional, como um

desígnio de Deus (pluralismo de princípio), mesmo que ainda misterioso para nós, o que nos

leva a considerar a diversidade como algo que deve ser valorizado.

A pós-modernidade tem como um de seus desafios superar a fragmentação humana

advinda da ênfase dada pela modernidade ao progresso, ao pensamento técnico-científico e ao

individualismo e propor uma nova forma de convívio. Para isso, precisamos reaprender a

elaborar a nossa própria existência, considerando todas as dimensões humanas, sobretudo

através do cultivo da dimensão espiritual, que nos permite fazer reflexões mais aprofundadas

e retomar a importância das nossas relações no processo de conhecimento de si e no

reconhecimento do outro enquanto pessoa.

As alteridades ocupam um lugar de destaque na construção subjetiva dos sujeitos, não

sendo possível pensar uma formação humana que desconsidere a sua importância. Porém, não

sabemos lidar com as diferenças, nem nossas, nem dos outros. “O intolerante desconhece a si

e, portanto, é incapaz de reconhecer a humanidade que habita no Outro, encarnado pela sua

fragilidade, precariedade, provisoriedade.” (ZAMBAM, 2015, p. 373).

Nesse contexto, precisamos pensar formas de convívio com as diversidades que

mantenham a nossa abertura às alteridades e fomentem o cuidado com o mundo e com as

relações de maneira geral. O reconhecimento do valor dessa pluralidade permite-nos perceber

a diversidade como algo positivo e que pode ser aprendido. Mas pra isso, é preciso empenho e

educação, no sentido de que precisamos reaprender esse cuidado e esse reconhecimento do

que nos faz humanos. Sem esse acompanhamento, o pluralismo religioso tende a gerar uma

violência e um vazio ainda maiores.

O objetivo do presente trabalho de pesquisa é refletir sobre as necessidades e

possibilidades do ser humano contemporâneo encontrar sentido para sua vida e,

principalmente, compreender como as religiões podem contribuir para favorecer esse

movimento ontologicamente humano na pós-modernidade.

As religiões, de maneira geral, tratam de questões existenciais e de valores éticos e

morais. Tendo em vista a importância da alteridade na construção subjetiva humana e do

diálogo na formação da nossa identidade, mas diante de um contexto de pluralidade religiosa,

de individualismo e intolerância em relação às diversidades. Nossa hipótese era que o diálogo

inter-religioso poderia contribuir para a busca de sentido individual, pois suas premissas, -

Page 18: DIÁLOGO E SENTIDO: Vida espiritual e encontro inter

16

humildade, conhecimento de si, reconhecimento da alteridade -, que tinham como objetivo

principal a construção de uma sociedade mais pacífica, iam de encontro à estrutura humana de

abertura dialogal, de nos constituirmos como pessoa e de oferecer um sentido para a nossa

existência a partir e através dos nossos relacionamentos.

Esse tema e estudo se justificam como uma tentativa de conhecer melhor as

características da sociedade e do lugar das religiões nesse contexto, além de contribuir com

possíveis caminhos de retorno para que as pessoas se reconheçam em sua humanidade e se

posicionem respeitando o seu senso religioso e a diversidade religiosa. Mostra-se pertinente

nas Ciências da Religião, na medida em que vai de encontro ao interesse dessa área em se

assumir enquanto Ciência interdisciplinar e transdisciplinar, colocando em diálogo Psicologia

e Religião.

Dentro do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião, da PUCMG, essa

pesquisa se realizou através da área de concentração em: Religião e Cultura, sob a Linha de

Pesquisa: Pluralismo, Imaginário religioso e sociedade. E se enquadra na subárea de Ciências

da Religião Aplicada, que tem como temas correlatos a religião e espaço público; política;

ética; tolerância; diálogo inter-religioso; educação religiosa.

A Psicologia, assim como a Ciências da Religião, não se ocupa em provar a

veracidade de determinada religião ou crença, “antes, é o estudo científico, descritivo e

objetivo, do fenômeno religioso no que se refere ao comportamento humano – por excelência,

objeto e trabalho da Psicologia.” (RODRIGUES; GOMES, 2013, p. 333). Se interessa pelo

estudo das religiões e de todas as suas formas de manifestações, na medida em que

compreendê-las, pode ajudar a compreender os processos de subjetivação individuais e as

características culturais de uma época que influenciam nesse processo.

Sendo assim, considerando que a psicologia fenomenológica acredita em uma

antropologia que considera o ser humano através das dimensões biológica, psicológica e

espiritual; antropologia que vai de encontro ao que a Organização Mundial de Saúde

compreende enquanto estrutura humana, incluindo o cuidado com a dimensão espiritual como

fundamental para a saúde humana2. Torna-se extremamente relevante compreender como se

organiza espiritualmente a nossa época.

2 “A Organização Mundial de Saúde, desde 2008, incluiu o bem-estar espiritual como uma das dimensões de

saúde, ao lado dos aspectos físicos, psicológicos e sociais. Esse movimento indica o reconhecimento de uma

relação preterida pelos moldes clássicos da Medicina, que, sob o paradigma empirista das Ciências Naturais, não

legitimava a espiritualidade como parte integrante da saúde humana. Do ponto de vista da Psicologia, é vital para

o trabalho clínico a compreensão da espiritualidade como uma dimensão humana, que pode fornecer conteúdos

interpretativos para comportamentos e vivências do sujeito.” (FRANCO, 2013, p. 402).

Page 19: DIÁLOGO E SENTIDO: Vida espiritual e encontro inter

17

A multiplicação e a diversidade de movimentos religiosos que emergem tanto dentro

como fora de igrejas cristãs despertam a atenção dos que observam o campo

religioso no século XX e no século XXI. A crescente globalização, o

questionamento das tradições culturais e também a valorização da autonomia

individual são fenômenos inter-relacionado que têm sido identificados como

explicação para essa multiplicação de movimentos religiosos e enfraquecimento das

instituições tradicionais. (MARIZ, 2013, p. 301).

Para verificar a nossa hipótese, a metodologia usada foi a de uma revisão bibliográfica.

E nosso trabalho foi sustentado e orientado, sobretudo, pelo marco teórico da fenomenologia e

da teologia do pluralismo religioso.

No primeiro capítulo, apresentaremos a nossa compreensão de ser humano ancorada

na fenomenologia, que tem como pressuposto resgatar o humano nas investigações científicas

e na psicologia fenomenológica, que compreende o ser humano a partir de uma totalidade que

inclui as dimensões biológica, psíquica, espiritual, que se revela no social. Mostraremos como

se dinamiza essa estrutura humana transcendental e capaz de transcendência, que possibilita

uma consciência de si, que, no contato com o real, constrói a sua subjetividade.

Destacaremos o lugar das alteridades nesse reconhecimento do eu e na construção de

uma vida com sentido, e a função da dimensão espiritual, como dimensão de aprofundamento

da vida, nesse processo. A espiritualidade humana é a dimensão que permite, no contato com

a vida, agir com liberdade e responsabilidade diante de tudo que nos acontece. Essa

possibilidade de decisão livre surge a partir dos relacionamentos, mas exige também um

distanciamento reflexivo que permita olhar para as próprias vivências e elaborá-las. Esse

processo de construção subjetiva nunca cessa de acontecer e exige um contexto que favoreça

a sua realização de forma saudável, considerando a totalidade da estrutura humana.

Sendo assim, no segundo capítulo, nós analisaremos como se organiza a sociedade

contemporânea ocidental em relação à necessidade humana de construção de sentido. Para

isso, faremos um breve panorama dos principais pilares que sustentaram a sociedade desde o

início da modernidade até o momento atual e mostraremos como esses axiomas levaram ao

que chamamos de crise espiritual contemporânea.

Em seguida, apresentaremos como essa crise pode ser percebida através dos sintomas

provocados pela fragmentação do ser humano pós-moderno; como a forma que a sociedade

contemporânea se organiza influencia na percepção que o ser humano tem de si mesmo e nas

suas relações. Nossa contextualização estende-se à compreensão do processo de

secularização e pluralismo no Brasil; das características do campo e do senso religioso

brasileiro atual e do lugar que as religiões ocupam hoje na construção de uma democracia.

Page 20: DIÁLOGO E SENTIDO: Vida espiritual e encontro inter

18

No último capítulo, trataremos da urgência e da importância do diálogo no contexto da

contemporaneidade, como uma possibilidade de superação da crise espiritual e dos episódios

de violência, sobretudo. Convidamos à reflexão sobre como as religiões poderiam contribuir

para a retomada da humanidade e a construção da paz na realidade atual, marcada pelo

individualismo e pela intolerância, considerando as premissas e formas do diálogo inter-

religioso. Em seguida, apresentaremos a necessidade de que as religiões dialoguem, tanto

entre si, como em outros âmbitos da sociedade, promovendo a construção de sentido humana,

através do diálogo com as diversidades. Esse diálogo necessário deve estar sustentado por

uma ética que privilegie a importância da alteridade e que reconheça o papel fundamental de

uma educação e de educadores que se orientem em prol de uma formação humana integral e

em constante abertura dialogal.

Por fim, tendo em vista a necessidade de uma práxis dialogal, mostraremos algumas

características específicas da realidade brasileira, um espaço que se mostra como

possibilidade tanto de encontros quanto de tensões, que necessita, portanto, de consciência e

comprometimento, para que consigamos favorecer os diálogos em detrimento da violência.

Para Paulo Freire (2011, p.52), “a práxis, é reflexão e ação dos homens sobre o mundo para

transformá-lo”, portanto, apresentaremos também algumas iniciativas de diálogo inter-

religioso no nosso contexto e faremos a apresentação e análise de um espaço virtual que se

propõe a ser um espaço de conhecimento transdisciplinar acerca das religiões e de diálogo

inter-religioso.

Page 21: DIÁLOGO E SENTIDO: Vida espiritual e encontro inter

19

2 O SENTIDO DO SER HUMANO

Neste primeiro capítulo abordaremos uma ontologia do ser humano a partir da

Psicologia Fenomenológica. Detalharemos alguns conceitos da estrutura humana que

consideramos pertinentes aprofundar, para que possamos alcançar o nosso objetivo de

compreender se, e como, o diálogo inter-religioso pode contribuir para que as pessoas

encontrem sentido em suas vidas. As categorias detalhadas serão a abertura à transcendência,

a dimensão espiritual do ser humano e o conceito de experiência. Todas essas categorias serão

apresentadas, tendo em vista o papel fundamental da espiritualidade na construção de sentido

da pessoa humana.

Quando tentamos responder à pergunta “o que nos faz humanos?”, buscamos

identificar uma estrutura que nos caracterize e nos diferencie dos outros seres. Não com o

objetivo de eliminar a diversidade humana, pois “cada pessoa tem suas características

individuais, ainda que haja uma estrutura em comum com todos; todavia, cada um vive de

forma absolutamente pessoal as suas experiências” (ALES BELLO, 2004, p. 133), mas com o

objetivo de, tendo em vista a estrutura humana universal, pensar maneiras de favorecer o

dinamismo propriamente humano, para que cada pessoa possa se expressar de maneira única

diante do mundo e responder ao que a vida lhe propõe, dando maior sentido à sua existência.

Para atingir o nosso objetivo de compreender o ser humano através de uma abordagem

antropológica, primeiro apresentaremos sua estrutura transcendental, dimensões corpórea,

psíquica e espiritual, a formação da consciência de si e a construção de identidade e

alteridade. Em seguida, faremos uma leitura fenomenológica sobre a busca de sentido,

apresentando os conceitos de religião e espiritualidade; espiritualidade antropológica;

liberdade e responsabilidade; solidão e silêncio. Por último, trabalharemos o conceito de

experiência como núcleo para o diálogo e a busca por sentido, onde apresentaremos as

categorias de experiência religiosa e experiência de Deus; experiência elementar e empatia;

formação da pessoa; pessoa e comunidade.

2.1 Uma visão da Psicologia Fenomenológica sobre a estrutura humana

Responder à pergunta sobre o que nos faz "seres humanos" exige uma investigação

existencial. Não podemos falar de uma estrutura transcendental - que também nos constitui -

somente através de conceitos, mas também e principalmente através de observação. Cada

pessoa vê ou entende as coisas segundo sua subjetividade: “o real não pode simplesmente ser

Page 22: DIÁLOGO E SENTIDO: Vida espiritual e encontro inter

20

pensado de fora, o real deve passar pela mediação da subjetividade, que é a verdadeira

reveladora do real” (TREVISOL, 2014, p. 13). Sendo assim, a fenomenologia torna-se a

abordagem mais apropriada para a nossa pesquisa, pois ela tem como pressuposto resgatar o

humano nas investigações científicas. Usaremos uma definição apresentada por Ales Bello,

uma grande estudiosa da obra de Husserl3, para explicar melhor as contribuições da

perspectiva fenomenológica para a compreensão do ser humano. De acordo com esta autora,

Quando se fala em pessoa, na maioria das vezes, inclusive no âmbito das psicologias

que se autodefinem como alternativas, tais como as abordagens holísticas e

transpessoais da atualidade, dever-se-ia também levar em conta o aspecto espiritual

do ser humano, e não apenas a dimensão psíquica, coisa que não acontece. Pelo

contrário, a psicologia fenomenológica se caracteriza pela insistência na dimensão

espiritual, e recorre uma antropologia filosófica que evidencie a estrutura da pessoa.

Com relação a todas as outras posições filosóficas e psicológicas, a novidade na

perspectiva fenomenológica é a modalidade de alcançar os níveis do corpo, da

psique e do espírito através das vivências. (ALES BELLO, 2004, p. 112).

Essa definição do ser humano, constituído pelas dimensões corpórea, psíquica e

espiritual, vem da fenomenologia, em contraponto ao dualismo positivista - com raiz no

pensamento cartesiano, que separa o ser humano em mente e corpo e coloca o pensamento

como soberano. De acordo com Ales Bello (2004), a fenomenologia husserliana propõe uma

visão de homem e de mulher que considera o ser humano na sua dimensão metafísica: “toda

análise que ele [Husserl] propõe, através do processo de redução à essência ou redução

transcendental, visa entender como o ser humano é feito.” (ALES BELLO, 2004, p. 129).

Husserl introduz o conceito da busca pela essência do ser humano em sua estrutura e em cada

momento vivido, trazendo a noção de consciência como fundamental para a compreensão do

mesmo.

Essa concepção da psicologia fenomenológica busca perceber um aspecto do universal

nas particularidades, pois considera que a expressão do eu é particular e universal ao mesmo

tempo e o faz identificando os movimentos do sujeito no processo de constituição do seu

próprio mundo. De acordo com essa concepção, quais seriam as estruturas que nos fazem

humanos?

3A fenomenologia, enquanto uma corrente filosófica, foi fundada por Edmund Husserl (1859-1938). Este autor,

pretendia, através da fenomenologia, criar um novo método de pesquisa, em contraponto ao positivismo

cientifico da época, sobretudo nas ciências humanas.

Page 23: DIÁLOGO E SENTIDO: Vida espiritual e encontro inter

21

2.1.1 Estrutura transcendental: abertura para fora e para dentro de si

O ser humano é aquele que faz investigação – sujeito da pesquisa – e também aquele

que pode ter a si mesmo como objeto de investigação. Essa consciência possibilita a cada

pessoa capacidade de refletir sobre as coisas e sobre si mesmo. Mas antes mesmo da

percepção da consciência sobre eu, sobre quem eu sou, eu já sou. Não é o fato do ser humano

pensar que fundamenta o seu ser, mas o fato dele ser, antes mesmo de pensar sobre ele.

A consciência de abertura é algo fundante do ser humano. Nós somos sujeitos porque

temos esse movimento contínuo de busca, denominado de estrutura transcendental, onde

transcendente seria o que está fora e transcendental aquilo que transcende o objeto, mas serve,

também, para conhecê-lo. Ou seja, tudo aquilo que temos dentro (a priori), que serve para

conhecer o que tem fora, é transcendental. É por isso que nós temos a capacidade de

questionar a nossa própria capacidade de questionar. Isto pode ser levado à condição do

infinito, é o que possibilita o aprofundamento do ser.

Essa característica do ser humano, de ser um ser que interroga e que se interroga, é

denominada por Giussani (1997) de senso religioso. E, de acordo com ele, essa característica

não pode ser eliminada.

Existem perguntas que estão ligadas à própria raiz do nosso agir humano: ‘porque

vale a pena viver? Qual é o significado da realidade? Que sentido tem a existência?

O senso religioso está exatamente no nível destas perguntas. Elas são expressões de

todas as pessoas, mesmo aquelas que negam o valor teórico e filosófico de tais

perguntas. [...] O senso religioso é uma dimensão de todo e qualquer gesto, de todo e

qualquer minuto da existência. Trata-se de uma energia que dirige o fim das nossas

ações para uma determinada direção. (GIUSSANI, 1997, p. 18).

Esses questionamentos são possíveis porque o ser humano possui uma capacidade de

transcendência que se volta para fora e para dentro de si mesmo (RAHNER, 1989). Essa

capacidade de transcender, de ter uma experiência reflexiva que nos permite sair de nós

mesmos para ter uma dimensão existencial da nossa própria vida, revela a própria estrutura

humana.

Aprioridade e abertura essencial. A estrutura do sujeito é antes ela mesma estrutura

apriorística, ou seja, ela constitui lei prévia que regula o que e a maneira como algo

pode anunciar-se ao sujeito que conhece. Como um buraco da fechadura constitui lei

que determina qual chave lhe serve, mas precisamente por isso revela também algo

da própria chave. (RAHNER, 1989, p. 31).

Page 24: DIÁLOGO E SENTIDO: Vida espiritual e encontro inter

22

Essa estrutura transcendental permite à pessoa apreender os significados da realidade e

reconhecer o Mistério presente em cada momento. Ela é possível, pois o ser humano possui

uma dimensão espiritual, mas a consciência de não se reduz ao espírito, ela diz respeito ao

todo – corpo, psiqué e espírito: “isso implica que a consciência não é um lugar físico, não é de

caráter espiritual ou psíquico, mas é um ponto de convergência das operações humanas, que

nos permite dizer o que estamos dizendo ou fazer o que fazemos como seres humanos.”

(PINTO, 2013, p. 183).

Essa consciência de permanece nos acompanhando o tempo inteiro. Trata-se de uma

consciência que determina o nosso modo de nos relacionarmos com tudo, por causa dessa

abertura que possuímos tanto para o interior quanto para o exterior. Rahner (1989) faz ainda

uma distinção entre consciência de e consciência para, sendo a primeira uma consciência que

trata a consciência em relação às escolhas que fazemos no nosso cotidiano e, a segunda, a

consciência da somatória de todas essas escolhas e da direção que elas apontam na nossa vida.

O ser humano possui a originalidade de refletir sobre sua própria existência, mas para

que ele possa tematizar sobre algo, é necessário que tenha existido um contato anterior à

reflexão: “todos nós somos sujeitos e existe uma estrutura comum entre todos nós, que é dita

transcendental. E indica que nós temos dentro de nossa estrutura algumas potencialidades, ou

vivências, que ativamos no contato com a realidade externa.” (ALES BELLO, 2004, p. 95).

Existem vários modos de conhecer e de entrar em contato com o mundo. Alguns deles

são os nossos pensamentos, sensações, emoções e sentimentos. E como esse contato humano

com o mundo exterior se processa na realidade?

2.1.2 Dimensões constituintes do ser humano

A vida é um processo em constante expansão, que se dá através da articulação entre as

dimensões biológica, psicológica e espiritual.

A corporeidade está especialmente representada pelas disposições genéticas, pelo

sensorial e pela sexualidade, compondo, com a intencionalidade, o corpo vivido; o

psiquismo está especialmente presente na possibilidade de se ter presentes a

institualidade, a percepção, as emoções, os sentimentos, a cognição, a inteligência, a

memória, a atenção, compondo a apropriação da realidade e o senso de identidade, e

influenciando fortemente o comportamento; a espiritualidade está especialmente

presente na possibilidade de hierarquização dos valores (ética), nas decisões, na

reflexão profunda sobre a existência e sobre os impulsos psíquicos, e,

fundamentalmente, na necessidade que tem o ser humano de tecer um sentido para a

sua vida, de ter um bom motivo e um horizonte para continuar vivendo. (PINTO,

2013, p. 683).

Page 25: DIÁLOGO E SENTIDO: Vida espiritual e encontro inter

23

O conhecimento do mundo e de si mesmo se inicia através do corpo, sendo este, ao

mesmo tempo, limite e abertura para o mundo e também espaço onde emerge a nossa

percepção de afeto. O ser humano se estrutura através do afeto que recebe desde o primeiro

dia de vida (muitos dizem que ainda no útero) e isso se dá, principalmente, através do contato

com seu corpo, tornando assim, o toque físico a nossa primeira linguagem.

O corpo é o lugar dos sentimentos, da vontade, das tomadas de decisões. O corpo

não é a prisão da alma, mas é o que torna a pessoa visível e a coloca em contato

direto com as coisas e com os outros seres humanos. Pelo corpo é possível penetrar

na experiência dos outros seres humanos e no seu ‘mundo’ interior. Quando se vê

uma pessoa sorrindo ou chorando, olhando a expressão facial, sabe-se o que se passa

com a pessoa. O primeiro elemento que salta aos olhos quando se encontra alguém e

que desperta a atenção é a corporeidade. (ROSA; SILVA, 2015, p. 96).

Inicialmente nos percebemos como sendo nosso corpo, para só depois passarmos à

compreensão de ter um corpo. “O foco central da existência humana é que o ser humano

nasce corpo biológico, se exterioriza, mas, ao dar intencionalidade a sua existência no contato

intersubjetivo e na contemplação cósmica, desenvolve suas potencialidades e passa a construir

um mundo com sentido. Isso é propriamente tornar-se humano.” (PANASIEWICZ, 2011,

p.17). Essa intencionalidade se dá primeiro através do corpo, pois mesmo que ainda não

tenha desenvolvido uma linguagem formal, ali acontece uma apreensão do outro e uma

expressão de si mesmo.

Percebemos e somos percebidos pelo outro, primeiramente, através do nosso corpo. A

corporeidade é a nossa primeira dimensão de contato com o mundo e através dela

apreendemos a vida que acontece em nós e fora de nós. Essa apreensão acontece por meio de

três pontos de consciência importantes: a consciência de si; a consciência de sermos

delimitados e, por último, a de compreendermos o outro como diferente.

Nossos primeiros relacionamentos constituem a base do nosso conhecimento. E a

gênese da nossa experiência de humanidade - enquanto criança - acontece principalmente

através do contato físico. É pelo toque que apreendemos (sentimos) o amor quando estamos

recém-nascidos e, através da separação – e da consciência dessa separação - dos corpos, se dá

o início do nascimento do eu. Porém, o corpo humano não é estático, ele é animado por uma

força vital de onde emerge a nossa pessoalidade que, de acordo com Ales Bello (2004),

seriam as nossas dimensões psíquica e espiritual:

O aspecto vital do ser humano se divide em dois grupos de atos: atos que têm

características psíquicas (no sentido de que imediatamente temos uma reação) e dos

que têm capacidade de controlar essas reações (como por ex. a reflexão), que

Page 26: DIÁLOGO E SENTIDO: Vida espiritual e encontro inter

24

chamamos de atos do espírito. A capacidade de reflexão não é percepção, nem

reação afetiva, sendo ativada pela vontade: ‘eu quero refletir’. O ser humano é um

ser cultural, porque é um ser espiritual, ou seja, é um ser que sabe produzir, que se

expressa no nível que chamamos espiritual. (ALES BELLO, 2004, p. 56).

A dimensão psíquica se encontra entre o corpo e o espírito e é a percepção humana

que interioriza o mundo exterior, a maneira como nós sentimos a nossa realidade e tudo que

nos acontece: nossas emoções, sentimentos, instintos.

Se, por um lado, a presença do mundo através do corpo acontece de forma imediata,

ou seja, ele se apresenta no aqui e agora da história, por outro lado, a presença no

mundo através do psíquico passa a ser mediata. Antes a construção do eu corporal

processava-se na passagem de uma presença natural para uma presença intencional

no mundo. Agora, há a presença do filtro da percepção e do desejo. Aqui, a

passagem do estar-no-mundo para o ser-no-mundo provoca a interiorização do ser

humano. Seu mundo interior começa a aflorar cada vez com maior intensidade. É o

emergir da sua consciência. (PANASIEWICZ, 2011, p. 17).

O psiquismo dinamiza-se através da maneira como a realidade ressoa dentro de cada

pessoa - a subjetivação do real – quando tornamos nosso aquilo que está fora. Essa

ressonância é registrada através da nossa afetividade. Segundo Giovanetti4(2006), existem

quatro formas de registro da nossa afetividade: 1) prazer, que seriam as sensações agradáveis;

2) emoção, percebidas através do medo, susto, raiva, cólera; 3) sentimentos, sensações mais

duradouras, que implicam a representação do outro e 4) estados de ânimo, como a tristeza e

alegria.

A fragmentação da vida e a falta de afeto provocam abalos no nosso psiquismo, pois

não nos estruturamos psiquicamente sem afeto. De acordo com Bowlby (2006), o afeto

recebido na primeira infância é de extrema importância para a formação psíquica do ser

humano, tendo importância crucial para o seu desenvolvimento, já que “muitas das mais

intensas emoções humanas surgem durante a formação, manutenção, rompimento e renovação

de vínculos emocionais.” (BOWLBY, 2006, p. 98). O afeto, ou a falta dele, tem importância

decisiva na formação da personalidade, podendo até mesmo influenciar no desenvolvimento

de doenças psiquiátricas futuras:

Foi sistematicamente apurado que duas síndromes psiquiátricas e duas espécies de

sintomas associados são precedidos por uma elevada incidência de vínculos afetivos

desfeitos durante a infância. Personalidade sociopática e a depressão, a delinquência

e o suicídio. (BOWLBY, 2006, p. 101).

4 Aula ministrada pelo Prof. Dr. José Paulo Giovanetti, no curso de especialização em Psicologia Existencial e

Gestalt, na FEAD, em Belo Horizonte, no ano de 2006. José Paulo Giovanetti é graduado em filosofia e

psicologia, possui mestrado, doutorado e pós-doutorado em psicologia.

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25

[...] Seja qual for o primeiro padrão a se estabelecer é esse que tende a persistir. Esta

é uma das principais razões por que o padrão de relações familiares que uma pessoa

experimenta durante a infância se reveste de uma importância tão decisiva para o

desenvolvimento de sua personalidade. (BOWLBY, 2006, p. 141).

Ter consciência desse dinamismo humano coloca-nos diante do desafio de refletir

sobre as nossas relações e os valores sobre os quais estamos alicerçando a nossa sociedade e o

cuidado com as nossas crianças. Nas palavras de Boff (2009, p. 93), precisamos “conferir

centralidade ao que é mais ancestral em nós, o afeto e a sensibilidade. [...] Com isso não

desbancamos a razão, mas a incorporamos, no seu aspecto autoreflexivo, como

imprescindível para o discernimento e a priorização dos afetos, sem substituí-los”. Com essa

afirmação, começamos a vislumbrar a dimensão espiritual do ser humano.

As duas primeiras experiências – corpórea e psíquica – são assumidas pelo espírito,

possibilitando que ele se afirme, mantenha e aprofunde sua interioridade. É no

espírito que a unidade do ser humano (ontológica) torna-se realidade. É pelo espírito

que o corpo e psiquismo tornam-se transcendentais e é pelo corpo e pelo psíquico

que o espírito torna-se imanente, ou seja, participa do mundo. [...] A dimensão

espiritual possibilita olhos para que o ser humano reveja, reconfigure e ressignifique

fatos e acontecimentos de sua vida passada e olhos para enxergar com utopia o

futuro que se vislumbra. (PANASIEWICZ, 2011, p. 19).

A capacidade de refletir e analisar a realidade não pode ser considerada superior ao

mundo que se apreende através das afetividades (psiquismo), mas a dimensão espiritual é

fundamental para ajudar a compreender o que sentimos e discernir sobre qual atitude tomar

em relação a esse sentimento. “Através do espírito, a pessoa toma consciência e se posiciona

diante dos aspectos psíquicos e utiliza seu corpo como instrumento ao seu dispor,” (ROSA,

SILVA, 2015, p. 98), para se realizar. Isso fica evidente, por exemplo, no contexto das mães

em período de puerpério ou de um casal apaixonado. Eles precisam discernir sobre qual

atitude tomar em relação ao que sentem. Não se trata apenas de seguir o que sentem, pois se

fosse assim as mães simplesmente cederiam ao cansaço físico e emocional ou uma pessoa

apaixonada iria em direção ao ser amado, independente do contexto.

A nossa psique funciona como um impulso, uma força mobilizadora e a nossa

espiritualidade seria responsável por direcionar essa força de acordo com os nossos valores.

Por isso, não devemos negar nem duvidar daquilo que apreendemos através dos sentidos, mas

refletir sobre o que apreendemos, tanto através das sensações corpóreas como através dos

sentimentos, e permitir que um sentido ajude na compreensão do outro, sem simplesmente

tentar controlar, negar ou explicá-los isoladamente. O ideal seria que, através da observação e

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26

da reflexão sobre nossos sentimentos e sensações, pudéssemos dar-nos conta dos nossos

limites, potências e até mesmo das contradições, permitindo a emergência de um eu mais

consciente de si.

A dimensão espiritual não é uma parte do ser humano, ela é o que nos permite uma

percepção da totalidade, sendo a responsável, nas palavras de Leonardo Boff, por “colocar

questões fundamentais e captar a profundidade do mundo, de si mesmo e de cada coisa.”

(BOFF, 2002a, p. 56). Tais questões devem ser refletidas sempre em um contexto relacional,

pois as três dimensões humanas se dinamizam e ganham unidade no social, como pode ser

ilustrado no seguinte exemplo:

Ao elaborar suas vivências e conferir sentidos ao mundo, singularizando-se, a pessoa

transita entre as diversas dimensões. Para que os conteúdos do psiquismo se

expressem, eles precisam de um lugar que veicule tais reações e as tornem visíveis e

sensíveis, e este lugar é o corpo. A própria percepção tem sua origem na

corporeidade, nos sentidos. No entanto, para que uma pessoa avalie como reais suas

percepções, é preciso que exista um espectador, alguém com quem compartilhar o

fenômeno vivido. É preciso um reconhecimento, pois o homem não se faz sozinho, e

sim na coexistência. Paralelamente a este processo, a pessoa constitui valores e

crenças, exercendo a vontade, a liberdade e a responsabilidade, dentro de seus

limites. Assim, novos sentidos são construídos e decisões são tomadas sobre a

própria vida. Há portanto, uma inseparabilidade das quatro dimensões humanas: o

homem é de fato um ser biopsicossocial e espiritual, construindo-se de forma

integrada. (LUCZINSKI; ANCONA-LOPES, 2010, p. 77).

Essa articulação entre as dimensões corpo, psique e espírito ganha conteúdo no social,

através da dimensão relacional. Sobre isso, Schillebeeckx (1994, p. 73) diz, inclusive, que “a

nossa estrutura pessoal mais profunda é social. O homem é socializado desde a infância, antes

mesmo da consciência pessoal”. Tendo em vista que as nossas vivências se completam nesses

quatro movimentos, como se dá o processo de reconhecimento de si?

2.1.3 O aspecto dialógico do reconhecimento de si

O outro ocupa um papel fundamental no processo de estruturação humana, pois o ser

humano não consegue se conceber enquanto um Eu, se não estiver em relação com um Tu.

Esse sentido que Buber (2001, p. 32) atribuiu ao conceito de relação, “aliado à radical

distinção ontológico-existencial, é uma aquisição que terá profundas influências para a

abordagem da existência humana. Não se pode mais prescindir destas reflexões em qualquer

perspectiva que se tome do humano, seja na antropologia filosófica ou em ciências humanas.”

Essa nossa exigência de ser, segundo Mahfoud (2012), é uma exigência que não objetiva

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27

autonomia, mas ao contrário, se trata de uma exigência radical, que depende do outro para se

realizar.

Para ser, dependo: dependo de que alguém tenha me criado, mas também de que

alguém me receba no mundo humano. Que a existência de minha pessoa faça

sentido, não depende só de mim mesmo: não basta um sentido que fosse válido

somente para mim mesmo; o sentido da minha existência se refere à minha presença

para alguém, no mundo, na história. A formulação do sentido da minha existência

depende de que ela faça diferença num certo contexto, de que faça diferença, de que

eu deixe minha marca. Sem ser recebido no mundo humano, eu não teria condições

de exercer meu dinamismo próprio, não chegaria a ser eu mesmo. (MAHFOUD,

2012, p. 55).

A capacidade de fazer perguntas acerca da própria existência e de se interrogar sobre

o sentido da vida diferencia a pessoa humana dos outros seres existentes no mundo. Cada ser

humano possui uma identidade que é capaz de dizer quem nós somos e nos diferenciar das

outras pessoas. Essa identidade não é nem estática, nem totalmente mutável. Nossa identidade

é formada, ao mesmo tempo, por uma identidade idem e uma identidade ipse5, sendo a

primeira aquela parte de nós que permanece intacta, fixa, apesar do passar dos anos, e a

segunda, aquela nossa parte que se modifica a partir dos acontecimentos que vivemos.

A consciência da nossa existência e finitude nos coloca em relação com algo que é um

mistério gerador de angústias e questionamentos sobre nós e nossa maneira de viver, mas que

ao mesmo tempo se estabelece como uma possibilidade de perceber quem somos e nos

fazemos constantemente. A construção identitária, portanto, não cessa de acontecer até o fim

da vida e se dá através de uma constante interação entre o conteúdo subjetivo interno e os

acontecimentos externos. A unidade básica e estrutural do ser humano é dinâmica e se faz nas

relações. Sendo que, nessa concepção, tanto o agir pessoal quanto o sistema social se

influenciam mutuamente.

O eu individual aparece nas filosofias ocidentais predominantes da subjetividade e

em consequência na maioria das formas da moderna sociologia como algo que está

fora da sociedade, vive em espaço interior, enquanto de outra parte, a sociedade,

muitas vezes inimiga, é colocada fora dos indivíduos: como duas grandezas

autônomas, que, todavia, têm algum contato entre si. Põe-se então aí todo o peso ou

no interior pessoal do homem ou na sociedade. Nos dois casos, um dos polos acaba

sendo de segunda ordem. (SCHILLEBEECKX, 1994, p. 72).

Esse dinamismo humano, de ser ao mesmo tempo agente passivo e ativo em relação ao

social, evidencia o fato de que não somos seres prontos a serem descobertos e nem seres

5 O conceito de identidade idem e identidade ipse foi apresentado e elaborado por Paul Ricouer, em sua obra “O

si-mesmo como um outro”, em 1991.

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28

totalmente construídos. Diariamente nos fazemos e refazemos, através de escolhas e ações.

Compreender que o ser humano é um ser em constante mutação exige que superemos essa

polaridade entre ser humano e sociedade e, além disso, que reconheçamos a presença de uma

alteridade presente dentro de nós.

É preciso destacar, aqui, algo de muito importante: no Eu sou eu já existe uma

dualidade implícita – em seu ego, o sujeito é potencialmente outro, sendo, ao mesmo

tempo, ele mesmo. É porque o sujeito traz em si mesmo a alteridade que ele pode

comunicar-se com outrem. É por ser o produto unitário de uma dualidade

(reprodução por cisão, nos unicelulares; por encontro de dois seres de sexos

diferentes, na maioria dos seres vivos) que ele traz em si a atração por um outro ego.

A compreensão permite considerar o outro não apenas como ego alter, um outro

indivíduo sujeito, mas também como alter ego, um outro eu mesmo, com quem me

comunico, simpatizo, comungo. O princípio de comunicação está, pois, incluído no

princípio de identidade e manifesta-se no princípio de inclusão. Como consequência

do princípio de exclusão, há sempre uma incomunicabilidade do que existe de mais

subjetivo em nós; mas, graças à linguagem, podemos comunicar, pelo menos, nossa

incomunicabilidade. (MORIN, 2003, p. 123).

A alteridade nos constitui e deixa evidente a importância do conhecimento de si e

também do reconhecimento de que, apesar de todo conhecimento, carregaremos sempre uma

alteridade em nós (intra), a ser descoberta diariamente. A consciência dessa alteridade em nós

pode favorecer o reconhecimento do outro, na mesma medida em que reconhecer o outro em

sua alteridade dinamiza o aprofundamento do conhecimento de si, em um processo incessante

e de mútua implicação. O indivíduo só se torna pessoa através do outro.

Portanto, o reconhecimento desta alteridade constitutivamente presente em nós abre

caminho para aprofundar o relacionamento com o outro e com o mundo. O que se

coloca em jogo não é o auto-centramento em que o outro é ocasião para

autoafirmação, objeto a ser disputado/controlado/dominado ou alguém que me é útil.

O reconhecimento de um ponto que nos permite dizer “eu” nos dá condições de

dizer “tu” em termos radicais. Daí emerge sintonia entre “nós”, a um só tempo

dramática (pois cada um precisa trilhar o seu caminho), surpreendente (pois é uma

proximidade na diferença) e transformadora (pois aquele encontro enriquece a

consciência de quem está nele envolvido). (GASPAR, 2014, p.20).

Para compreendermos a formação da identidade torna-se imprescindível que

reconheçamos que cada pessoa é um ser singular, que possui um jeito próprio de manejar

algumas determinações que lhe são inerentes, tais como as características biológicas, culturais

e familiares. Nunca conseguimos fixar o conhecimento sobre outra pessoa, pois ela sempre

nos escapa nas suas infinitas possibilidades de nos surpreender. Definir o outro seria perdê-lo

em sua humanidade.

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29

A socialização primária e secundária são fundamentais na construção identitária e no

reconhecimento da ambiguidade da alteridade que nos apresenta ao outro que existe fora de

nós e, ao mesmo tempo, coloca-nos diante da alteridade que existe em nós.

Destacamos que a forma como se deram os cuidados recebidos pela criança nos seus

primeiros anos de vida, durante a socialização primária, tornam-se variáveis que podem ser

determinantes para o desenvolvimento da criança, no que tange à percepção de si mesma e à

empatia. “A empatia compreende um componente emocional e um cognitivo. [...] Existem

fatores internos e externos que influenciam no desenvolvimento da empatia, sendo os fatores

externos: imitação, estilos parentais e relacionamento entre pais e filho.” (JUSTO;

CARVALHO; KRISTENSEN, 2014, p. 512). Existem práticas parentais que podem ser

realizadas, que ao mesmo tempo que auxiliam a criança a se conhecer, favorecem o

desenvolvimento da empatia. Ou seja, para eu reconhecer que o outro é uma alteridade, eu

preciso, antes, reconhecer os meus sentimentos em toda sua ambiguidade.

Além do reconhecimento de alteridades diante de nós, uma alteridade também se

insinua em nós mesmos. Esse conjunto de exigências e evidências é de algum modo

uma alteridade em nós mesmos e precisa ser respeitada para sermos nós mesmos.

Permanece a possibilidade de ser silenciada, desclassificada, esvaziada, reduzida,

negada; mas se for assim, o sujeito vai contra a si mesmo. Se for ouvida, colocada no

centro, em ponderada, acolhida, afirmada, aí o sujeito pode ser cada vez mais si

mesmo. (MAHFOUD, 2013, p. 117).

Ao mesmo tempo que somos influenciados pelo meio também trazemos algo em nós,

como um dado. O ambiente pode favorecer o emergir e o florescer disso que já é meu, ou

pode dificultar e até mesmo impedir o seu reconhecimento e desenvolvimento, mas não pode

suprimi-lo. Ambientes e sociedades opressoras dificultam o reconhecimento e o emergir do

eu, mas mesmo que não tenhamos total consciência de quem realmente somos, não deixamos

de sê-lo. Ao colocarmos um peso muito grande no indivíduo, desconsiderando a força do

social e das relações para o conhecimento de si, reforçamos a perpetuação de uma construção

subjetiva alienada de si mesmo. Sem conhecimento de que somos seres relacionais, da

importância do outro, da alteridade em nossa vida, não conseguimos avançar no

conhecimento de nós mesmos. Mas como conhecer a nós mesmos, reconhecer a nossa

pessoalidade e, ao mesmo tempo, reconhecer o outro como pessoa?

Page 32: DIÁLOGO E SENTIDO: Vida espiritual e encontro inter

30

2.1.4 A primazia do outro na formação do eu

A fenomenologia nos propõe uma percepção do mundo que se dá na relação com o

mundo. Não existe um sujeito puro, nem mesmo um objeto puro, nós só existimos na relação

com outro. Não sabemos dizer quem somos se não for em relação a algo ou alguém, uma

dependência originária que leva a uma necessidade constitutiva de que o outro dê retorno

sobre nós mesmos.

A noção do outro ressalta que a diferença constitui a vida social. À medida que esta

se efetiva através das dinâmicas das relações sociais. Assim sendo, a diferença é,

simultaneamente, a base da vida social e fonte permanente de tensão e conflito. A

experiência da alteridade e a elaboração dessa experiência leva-nos a ver aquilo que

nem teríamos conseguido imaginar, dado a nossa dificuldade em fixar nossa atenção

no que nos é habitual, familiar, cotidiano, e que consideramos evidente. (LEAO,

2015, s/n).

Somos seres únicos, mas nos estruturamos inicialmente a partir de um olhar externo,

sendo o outro sempre anterior a nós. A consequência disso é que a percepção que temos de

nós mesmos está estreitamente relacionada à maneira como somos percebidos. As pessoas só

conseguem reconhecer os outros como pessoas, se antes, elas se reconhecerem (existirem),

enquanto um eu, contudo, esse eu não se define sozinho, ele é atravessado por intervenções

sociais. A percepção que temos de nós mesmos, desde bebês, é marcada por uma dependência

que sofre influências genéticas e socioculturais e depende, principalmente, da forma como

nosso corpo é cuidado e também do contexto linguístico em que estamos inseridos, do

conteúdo das palavras que nos são direcionadas, sempre carregadas de intencionalidade.

Existe um dinamismo intrínseco de formação, uma consciência de si que se estrutura

na relação com o outro desde o nosso primeiro dia de vida.6 A consciência da nossa

“individualidade surge verdadeiramente para nós apenas quando encontramos outros seres em

nosso mundo e nos distinguimos deles”. (EDWARDS, 1995, p. 40). Não vivemos, nem

sequer sobrevivemos, se outra pessoa não se responsabilizar pelos nossos cuidados. Sem a

afirmação do outro, a pessoa não se conhece. A consciência de si e do outro é uma

responsabilidade recíproca, que brota da fecundidade de cada encontro que estabelecemos

desde o nascimento.

6 "O bebê vive numa esfera psíquica, passiva: chora porque está se sentindo mal. Mesmo o adulto reage por

sentir uma dor: é um “acontecimento cego”. Também para os animais acontece assim. Até cinco meses, o bebê

vive em acontecimentos cegos; com o passar dos anos, vai amadurecendo a capacidade de se colocar em relação,

por exemplo, por meio da linguagem. Perguntar: “por que isso e aquilo e aquilo”. É uma busca de sentido, que

indica a manifestação de uma vida espiritual". (ALES BELLO, 2015, p. 61).

Page 33: DIÁLOGO E SENTIDO: Vida espiritual e encontro inter

31

O processo de conhecimento de si, através da nossa dimensão espiritual, permite

romper com o pensamento dualista que gera culpa, estagnação, ódio, alienação. Essa

compreensão do ser humano na sua totalidade mantém a abertura ontologicamente humana de

busca em uma constante reflexão sobre si mesmo e sobre a realidade. Contribui para a

percepção da nossa humanidade, com todos os seus limites, e abre a possibilidade de

admirarmos a beleza do limite e da diversidade presente em toda alteridade.

O que significa que o outro é um ser humano? Através da entropatia reconheço que é

um outro como eu, e procuro entender o que há dentro deste outro. Posso também

negar, no sentido de ver que o outro é outro, mas não querer aceitar. E isto é

preconceito, faz dizer: “não é”. E pode ser tão forte a ponto de não reconhecer o

outro como ser humano. Isto é realmente muito importante para o relacionamento

entre as culturas. Frequentemente não queremos reconhecer o outro por ser

diferente. A diferença cria para nós uma situação psicológica de insegurança; todas

as nossas seguranças são colocadas em crise. Então a entropatia pode ser negada em

nível psicológico, isto é, reconhecer, mas não querer reconhecer, que o outro seja

outro. Uma reação conduz à negação da entropatia mesma: se dá então, uma luta

entre vivências. Para superar isso, é necessário ir a um outro nível, ao nível

espiritual. Ou seja: ‘não me agrada, mas é assim’. Para dizer ‘é assim’ preciso

realizar uma ação intelectual e voluntária, de controle, sobre o momento psíquico.

Porque a reação pode acontecer para todos, todos nós vivemos a reação, sobretudo

no relacionamento com culturas diferentes. Todos os dias nós encontramos pessoas

diferentes e nossa primeira reação – estou dizendo até em sentido pessoal – é a de

afastar o diferente. Para não fazer isso, é necessário ir além e dizer ‘esse é um ser

humano, tem o seu sofrimento, a sua vida difícil aqui’. Porque há diversas

possibilidades: diferença, estranhamento e alteridade; o diferente, o estranho e o

outro. Encontro alguém que é diferente, que não é da minha cultura, a diferença se

torna tão forte, que ele se apresenta a mim como estranho, então o afasto. Como

podemos chegar a dizer que se trata de uma alteridade – e não somente da

diversidade ou estranhamento? Há uma diferença de cultura, é claro, mas também

uma unidade na alteridade: ele também é ser humano. [...]. A alteridade se reconhece

através da entropatia, mas depois, em última análise, é preciso uma tomada de

posição espiritual. (ALES BELLO, 2004, p. 191).

A nossa vivência só se completa (corpo, psique, espirito e social) em um contexto

relacional e que necessita, portanto, do reconhecimento de uma alteridade. Nós temos uma

estrutura que tem condições de, mas sua potência pode não se realizar. Portanto, é preciso

aprender a tornar continuamente atual aquilo que nós somos em potência, através de uma

reflexão, que seja coerente com a estrutura humana de abertura e de busca por sentido. Que

nos ajude a olhar para o nosso vivido e elaborá-lo, continuamente. E como se dá essa busca

por significação?

Page 34: DIÁLOGO E SENTIDO: Vida espiritual e encontro inter

32

2.2 Uma leitura fenomenológica sobre a busca de sentido

A estrutura transcendental do ser humano, que tem consciência e que, portanto,

questiona a vida e a sua própria existência, nos leva à afirmação de que a busca por sentido é

genuinamente humana. A experiência de sentido constitui a dimensão mais profunda da vida,

pois todos nós precisamos de uma razão para viver. Berger e Luckmann (2004, p. 15) dizem

que o “sentido nada mais é do que uma forma complexa da consciência: não existe em si, mas

sempre possui um objeto de referência. Sentido é a consciência de que existe uma relação

entre as experiências.” Sendo assim, o sentido se confunde com a construção da nossa

identidade, na medida em que esta última, por seu próprio caráter relacional, solicita uma

elaboração do sujeito sobre tudo o que vivencia e essa elaboração tende a ganhar mais

significado quando consideradas em relação com as outras vivencias.

A construção de sentido é central no ser humano, mas emerge em um contexto social

de seres relacionais. Ela abarca toda a existência e, portanto, é considerada por Clodovis Boff

como anterior a todas as questões humanas, senão a mais importante. Para este autor:

O “problema número um” da humanidade não se põe, decididamente, na ordem

social ou próxima a ela, onde se situam os problemas econômicos (fome,

desemprego, mercado, finanças, globalização, neoliberalismo, capitalismo), ou os

problemas políticos (guerra, terrorismo, democracia, liberdades), ou os problemas

culturais (gênero, mulher, identidades), ou ainda os ecológicos (poluição,

desertificação, efeito estufa). A grande questão se põe, antes, na ordem existencial, e

é aí que se situa precisamente a “questão do sentido”. Essa questão é, por si mesma,

a mais importante em si mesma. É sua própria natureza que lhe dá tal precedência.

É, com efeito, uma questão essencial e profundamente humana, que diz respeito à

vida como um todo e ao destino do ser humano como tal. (BOFF, 2014, p. 566).

A necessidade de sentido pode emergir à partir do psiquismo ou da nossa

corporeidade, mas é elaborada por nossa dimensão espiritual. Ela é que nos permite oferecer

um significado àquilo que sentimos a partir da própria reflexão sobre o vivido. E o sujeito que

emerge dessa elaboração é uma pessoa espiritualmente mais forte, pois a busca de sentido

coincide com a busca pelo próprio ser:

As categorias essenciais que estruturam o ser humano – corpo, psiquismo e espírito-,

possibilitam que ele se realize e construa uma vida feliz. Essas são as grandes razões

da existência humana. Ao buscar construir sua realização e felicidade, ele estabelece

várias relações, que estimulam o encontro consigo mesmo. Cada vez que é

provocado por algo externo a si mesmo, seja por outra pessoa ou por desafios de

outra ordem, o ser humano volta-se para si buscando novas respostas e lapidando

sua identidade. Isso possibilita que a ‘pedra preciosa’ do seu interior brilhe com

mais luz e ilumine os que estão a sua volta. As múltiplas relações que estabelecemos

ao longo da vida, seja no nível econômico, político, social, familiar e religioso,

Page 35: DIÁLOGO E SENTIDO: Vida espiritual e encontro inter

33

devem ser pensadas e, portanto, mantidas, aprofundadas ou alteradas tendo em vista

esta disposição essencial à realização e à felicidade. (PANASIEWICZ, 2011, p. 27).

Cada pessoa, nos limites oferecidos pelo seu próprio contexto, busca encontrar

elementos que dão razão de ser a sua existência. Trata-se de uma liberdade limitada, mas

ainda sim, uma possibilidade de responder ao que foi proposto por uma situação concreta da

vida com liberdade. Essa busca caracteriza-se como um processo que implica uma

consciência de si como uma totalidade que pode abarcar, inclusive, um sentimento de dor. Ela

possibilita um posicionamento da pessoa diante de cada situação vivida, podendo se tornar um

hábito dinamizador da própria experiência de ser quem somos. “Todos buscamos significado:

dele temos exigência, o vazio de significado exacerba a exigência, assim como um significado

encontrado também dinamiza o sujeito para buscá-lo mais, para estruturá-lo, para criticá-lo”.

(MAHFOUD, 2013, p. 114).

Nesse processo humano de busca por significações, as religiões podem ocupar um

lugar privilegiado, pois na medida em que são fonte de sentido último e totalizante de todas as

experiências concretas que vivemos, cumprem um papel de contribuir para essa busca de

sentido humano. As religiões funcionariam como um norte, oferecendo um horizonte para que

cada situação vivida seja julgada pela pessoa.

2.2.1 Religião como fonte de significado último

De acordo com Giussani (1997, p. 96), as religiões nasceram da tentativa

ontologicamente humana de responder à pergunta: “qual o significado do instante contingente

em relação com o todo?". Sendo a busca desta relação um fenômeno inevitável para a razão

humana, nenhuma definição consegue abarcar por completo a multiplicidade de significações

e papéis que a religião representa para as pessoas e sociedade ao longo da história e em todas

as culturas, podendo ser compreendida tanto em seus aspectos físicos e estruturais, quanto

metafísicos.

Faustino Teixeira (2017), ao abordar a experiência religiosa à partir da perspectiva das

Ciências da Religião, afirma que esta experiência pode ser captada por diversos olhares,

envolvendo campos de saberes distintos que se inter-relacionam e dialogam, permitindo uma

compreensão dinâmica desse fenômeno. “Abordar a questão da experiência religiosa é

adentrar-se por caminhos extremamente complexos e cada vez mais problematizados nesse

tempo de crise das instituições tradicionais de sentido. A própria categoria religião ganha uma

pletora de significados, assim como o campo religioso abrange hoje outros aspectos que não

Page 36: DIÁLOGO E SENTIDO: Vida espiritual e encontro inter

34

se enquadram precisamente no âmbito das religiões”, tornando a análise dessa experiência na

atualidade ainda mais complexa. De qualquer forma, para este autor, a experiência religiosa

diz respeito ao envolvimento com o sagrado, evocando na consciência questões que tocam o

âmbito essencial do sentido.

O ser humano não consegue ficar sem sentido e ao longo da história, a religião surge

como uma possibilidade de dar sentido a acontecimentos como a morte, doenças e fatos

inevitáveis. Ao responder às perguntas existenciais que povoam a mente e os corações dos

humanos sobre para onde iremos, o sentido da vida e da morte, as religiões se fortalecem

dentro do universo humano, “pois oferecem um escudo contra o terror da angústia e do sem

sentido”. (BERGER, 1985, p. 40).

Faremos uma distinção entre religião e espiritualidade. De acordo com Wolff (2016,

p. 17), o termo “religião apontaria para o aspecto externo da vida do crente (o ato ritualístico,

cúltico, doutrinal), enquanto o conceito espiritualidade mostra a sua interioridade. A

espiritualidade é o coração de uma religião, sem o que esta seria apenas rito sem sentido,

como um corpo sem alma.” Dessa forma, nos ateremos, neste trabalho, aos seus aspectos

internos, pois podemos perceber que, apesar das inúmeras variações relativas às formas

religiosas, existem nelas e independente delas, elementos fundamentalmente humanos, que

dizem de qualidades éticas. Nas palavras de Leonardo Boff (2016, p. 52), “observa-se uma

estrutura comum – até mesmo para quem não a concebe como divina – com dois elementos

fundamentais: ser objeto de interesse último na vida de alguém, ter relação com o nosso ser”.

Além da espiritualidade estar contida nas religiões, considerando seu aspecto ético,

embora a religião não se resuma a esse aspecto, existe uma outra distinção que podemos fazer

em relação à religião, agora no que tange às formas como o ser humano se relaciona com ela.

De acordo com Dalai Lama, o ser humano pode:

Julgo que a religião esteja relacionada com a crença no direito à salvação pregada

por qualquer tradição de fé, crença essa que tem como um de seus principais

aspectos a aceitação de alguma forma de realidade metafísica ou sobrenatural,

incluindo possivelmente uma ideia de paraíso ou nirvana. Associados a isso estão

ensinamentos ou dogmas religiosos, rituais, orações e assim por diante. Considero

que a espiritualidade esteja relacionada com aquelas qualidades do espírito humano

– tais como amor e compaixão, paciência, tolerância, capacidade de perdoar,

contentamento, noção de responsabilidade, noção de harmonia – que trazem

felicidade tanto para a própria pessoa quanto para os outros. Ritual e oração, junto

com as questões de nirvana e salvação, estão diretamente ligados à fé religiosa, mas

estas qualidades interiores não precisam estar. Porém, a fé religiosa, exige prática

espiritual. (DALAI LAMA, 2000, p. 33).

Page 37: DIÁLOGO E SENTIDO: Vida espiritual e encontro inter

35

Essa distinção pode ajudar a compreender o lugar de cada um desses conceitos e seus

possíveis intercruzamentos. Entretanto, não devemos “tornar independentes os conceitos de

religião e espiritualidade, sem considerar sua relação, visto que, do ponto de vista experiencial

- tão decisivo para o que chamamos espiritualidade, as religiões são muito semelhantes, pois

se encontram no que há de profundamente humano. No que tem de profundamente humano,

elas se encontram. Não tendo como separar totalmente espiritualidade, religião e

religiosidade.” (FRANCO, 2013, p. 401).

A forma ou qualidade desse relacionamento do ser humano com a religião pode

produzir processos de subjetivação distintos, indo desde uma mera repetição de ritos, moral,

regras, dependência de favores, hilética, medo, fascinium ou pode ser noética.

Quando, uma experiência religiosa, seja ela impulsionada ou vivida

preponderantemente pela via noética (via intelecto) ou hilética (via dados sensíveis), leva a

uma transformação do sujeito, nós podemos dizer que a pessoa viveu uma experiência de

correspondência totalizante. Uma experiência radical, que alguns autores chamam de

experiência de Deus.

Não é qualquer experiência humana e religiosa que se legitima como experiência de

Deus. Um caminho importante é identificar nas experiências religiosas e espirituais

elementos que qualificam a existência humana, levando as pessoas a viverem uma

plenitude ou sentido radical que lhes dignifique a existência. A religião é boa e

verdadeira, na medida em que serve à humanidade, na medida em que por suas

doutrinas de fé, de ética, seus ritos e instituições, ela promove a identidade humana,

o sentido e sentimento de valor das pessoas. (WOLFF, 2016, p. 28).

Dessa forma, a religião, quando vivida como fonte de significado último, pode ser

oportunidade da pessoa ressignificar a própria vida. A experiência religiosa que brota da

capacidade do ser humano de questionar e buscar por sentido é capaz de dinamizar a

responsabilidade consigo e com o outro, tanto quanto uma vivência religiosa que não é capaz

de tocar o ser humano em sua dimensão ética, pode ser desumanizadora e violenta. Por isso,

para Clodovis Boff,

Deus só funciona como sentido quando é “sentido” existencialmente, ou seja, quando

é experienciado espiritualmente e inclusive seguido eticamente. Assim, o “sentido de

Deus” é condição para o “sentido da vida”. Quanto mais Deus, quanto mais sentido.

Melhor, quanto mais uma fé é experienciada e assumida, tanto mais a vida se enche de

sentido. Ao contrário, quanto mais uma fé se restringe ao plano meramente exterior ou

convencional, tanto mais perde substância significante e deixa de “encher” a vida de

sentido. Por isso, um crente meramente cultural, se não reativar as fontes de sua fé,

sucumbirá à crise de sentido, assimilando-se, assim, a quem “não tem esperança nem

Deus neste mundo”. (BOFF, 2014, p. 568).

Page 38: DIÁLOGO E SENTIDO: Vida espiritual e encontro inter

36

De acordo com Frankl (1992) no homem verdadeiramente religioso, ser responsável e

ser consciente coincidem. Para este autor, o homem religioso é capaz de assumir a sua vida

como uma missão a ser cumprida. A experiência religiosa está inserida na caminhada por uma

vida plena de sentido, na qual o homem explora a força da sua dimensão espiritual,

permitindo-se ser conduzido por Tu, advertido na dinâmica da própria consciência.

É possível ao ser humano viver uma experiência religiosa, pois ele possui em sua

estrutura uma dimensão espiritual que busca por significado. Por isso podemos falar de uma

espiritualidade como uma condição fundante do ser humano. Essa dimensão espiritual pode

se tornar religiosa, mas isso não é condição para que o ser humano encontre significado para

sua vida. É essa dimensão espiritual, estruturante e, portanto, anterior à experiência religiosa,

que se torna oportuno compreendermos melhor ao falar do sentido.

2.2.2 Dimensão espiritual na perspectiva fenomenológica

A fenomenologia apresenta uma ontologia humana que se mostra de maneira

totalizante, mas que se estrutura sobre as dimensões biopsicossocial e espiritual, sendo a

dimensão espiritual a dimensão que possibilita a elaboração das vivências, a construção de

valores éticos e a capacidade de decidir com liberdade e responsabilidade diante de cada

circunstância da vida.

De acordo com Sberga e Massimi (2013, p. 178), que fizeram uma leitura da estrutura

humana proposta por Edith Stein7, a pessoa que possui um certo domínio sobre si, apesar de

não ter controle total por causa dos mecanismos psíquicos, possui uma espiritualidade

pessoal:

A espiritualidade pessoal significa vigilância e abertura. Vigilância como forma

originária de tomar consciência de si, que lhe permite saber o que se vive e o modo

como se vive. Mas esta consciência não é só a reflexiva, que se realiza por meio da

autoanálise de uma vivência, é também uma luz que ilumina a vida espiritual e lhe

indica direções a seguir. E abertura como possibilidade de dois movimentos: um em

relação a si mesmo, voltado para o mundo interior, e outro, em relação ao tu, voltado

para o mundo exterior.

A partir dessa compreensão da estrutura humana como abertura para ao outro e para a

reflexão, apresentaremos o conceito de dimensão espiritual a partir da perspectiva da

psicologia fenomenológica, fundamentada, principalmente, na dimensão noética / espiritual

7Edith Stein foi discípula de Edmund Husserl e possui uma grande contribuição no campo da fenomenologia,

sobretudo no que tanje à compreensão do ser humano em seus aspectos formativos. (SBERGA, 2014).

Page 39: DIÁLOGO E SENTIDO: Vida espiritual e encontro inter

37

proposta por Viktor Emil Frankl, que se baseou na fenomenologia enquanto método e visão

antropológica8. O elemento espiritual proposto por este autor acrescenta à pessoa qualidade e

dignidade humana, pois por meio da dimensão noética / espiritual é que se abrem as

possibilidades para falar de sentidos e valores, liberdade e responsabilidade.9

Este autor constituiu a sua abordagem em contraponto às teóricas vigentes em sua

época, início do século XX, que compreendiam o ser humano como um ser determinado ou

pelas forças internas do seu inconsciente ou por forças externas/internas, estimuladoras do

comportamento. A sua terapia atua como uma “análise dirigida à existência, a fim de enfocar

o ser humano em sua dimensão vivida, concreta e, portanto, existencial, uma vez que o

sentido, por essa ótica, não é passível do alcance objetivante e explicativo, só sendo atingido

de modo vivencial [...] Ele compreendia o ser humano como um ser espiritual, que escapa a

qualquer redução ôntica, coisificada ou objetiva.” (LIMA NETO, 2013, p. 221).

Para Frankl (1992), o cerne antropológico do ser humano sintetiza-se em um binômio:

ser consciente e ser responsável, uma vez que o homem é sempre em intencionalidade no

mundo. Ser consciente e ser responsável são duas faces da pessoa humana, duas

características ontológicas do modo de ser humano, pois toda resposta do homem, toda

afirmação da vida é consciente, assim também como toda consciência se dá na afirmação da

vida, na resposta da palavra princípio Eu-Tu proposta por Buber (2001):

O nível espiritual engloba, ainda, a questão do mistério que atravessa as experiências

humanas, apontando para a capacidade de transcendência. O homem sempre

transcende a si mesmo, por estar continuamente voltado para algo ou alguém fora de

si. Nesse movimento, busca também ultrapassar os limites do mundo sensível e

relacionar-se com seres que situa em outra ordem, como deuses, espíritos, energias

cósmicas, entre outros. Buscando significar sua existência, o homem se pergunta

sobre o sentido último da vida ou a que esta se destina, dentro ou além do período de

tempo que a abarca. (LUCZINSKI, ANCONA-LOPES, 2010, p. 76).

Frankl (1992) afirma que o entrelaçamento humano com o absoluto se expressa ao

nível do sentido, na medida em que existem duas possibilidades de sentido: o sentido

encontrado através da dimensão concreta da vida, nas situações cotidianas; e o suprasentido,

que seria um sentido último, capaz de oferecer um sentido para todos os acontecimentos de

8A psicologia fenomenológica utiliza conceitos e concepções vindos de uma tradição filosófica – a

fenomenologia – alterados em linguagem psicológica e colocados em interação com a teoria e prática dos

atendimentos. (LUCZINSKI; ANCONA-LOPES, 2010).

9 O enfoque da possibilidade humana em relacionar-se com o absoluto é uma característica inerente ao espírito, e

é este quem Frankl pretende evidenciar na sua escola psicoterápica. (LIMA NETO, 2013).

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38

uma pessoa ao longo da vida.10

De acordo com Lima Neto (2013, p. 227), a espiritualidade

para Frankl pode ser compreendida sinteticamente como “a dimensão propriamente humana

que se abre para o mundo e a religiosidade como a qualidade do espírito que está em relação

com a totalidade, constituindo-se como a palavra dirigida ao absoluto”.

De acordo com Frankl (1991), existem três possibilidades básicas para encontrar o

sentido na sua própria vida e criar valores. A primeira seria quando fazemos ou criamos algo,

a segunda seria quando vivenciamos uma experiência de amor e a terceira seria quando, na

impossibilidade de conseguir mudar uma situação dolorosa que vivemos, optamos por

transformar como percebemos aquela situação. O próprio autor nos esclarece melhor essas

definições:

A primeira, o caminho da realização, é bastante óbvio. A segunda e a terceira

necessitam de uma melhor elaboração. A segunda maneira de encontrar um sentido

na vida é experimentando algo – como a bondade, a verdade e a beleza –

experimentando a natureza e a cultura ou, ainda, experimentando outro ser humano

em sua originalidade única – amando-o. [...] Através do seu amor a pessoa que ama

capacita a pessoa amada a realizar estas potencialidades. Conscientizando-a do que

ela pode ser e do que deveria vir a ser, aquele que ama faz com que estas

potencialidades venham a se realizar. [...] A terceira forma de encontrar um sentido

na vida é sofrendo. [...] Quando já não somos capazes de mudar uma situação,

somos desafiados a mudar a nós próprios. [...] É preciso deixar perfeitamente claro,

no entanto, que o sofrimento não é de modo algum necessário para encontrar

sentido. Insisto apenas que o sentido é possível mesmo a despeito do sofrimento –

desde que, naturalmente, o sofrimento seja inevitável. (FRANKL, 1991, p. 100).

A espiritualidade caracteriza-se, portanto, como uma dimensão humana e existencial

que, por ser aberta ao transcendente, pode se relacionar com a totalidade, tomando-a enquanto

um horizonte de sentido. Exatamente por não possuir ligação direta com nenhuma religião é

que a “espiritualidade, como forma particular de sistema de crenças, pode apresentar inclusive

uma desvinculação da ideia de Deus, podendo existir tanto em contextos religiosos quanto em

ateus.” (FRANCO, 2013, p. 401).

Essa compreensão da espiritualidade, como uma dimensão humana que possibilita ao

ser humano aprofundar sua própria vida através de questionamentos e reflexões, é o que

permite que ela atinja crentes e não crentes. Possibilita também que aquelas pessoas que

pertencem a uma religião possam aprofundar e até mesmo questionar a própria fé,

10

"O sentido último seria a configuração de todas as possibilidades realizadas, de todas as gestaltens

desdobradas ao longo da existência de uma pessoa particular e, o qual a pessoa estaria direcionada. Seria como

se todas as configurações de possibilidade constituídas enquanto gestaltens, e, portanto, enquanto sentidos,

reunidas, chegassem a uma ultima configuração. O horizonte para o qual a autotranscendencia humana aponta

desde os primeiros sentidos desvelados na vida de cada pessoa. Portanto, em cada primeiro sentido desdobrado,

por meio das primeiras palavras princípio Eu-Tu proferidas, pois o próprio desdobramento de sentido dar-se com

um momento dialógico, já se mostra presente o Tu eterno. A instância do absoluto surge como horizonte, sempre

presente desde o primeiro sopro espiritual da pessoa humana". (LIMA NETO, 2013, p. 227).

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39

compreender suas tradições, dogmas e inclusive, questioná-los11

. A espiritualidade é a

dimensão que nos impede de nos deixar ser guiados apenas por nossos instintos e

preconceitos, abrindo a possibilidade para questionar toda a nossa existência, inclusive o que

sentimos e desejamos.

Portanto, a ideia corrente hoje em termos de espiritualidade é a de que ela está

vinculada a uma busca pessoal de sentido, com ênfase no aperfeiçoamento do

potencial humano. E isso pode envolver ou não valores religiosos, mas de toda

forma envolve concepções de sentido ligadas ao exercício da fé. A fé seria o

elemento unificador dessas instâncias aqui tratadas, e a palavra fé está sendo

abordada em seu sentido amplo, como elemento que dá sentido à vida, ou tomada de

posição básica diante da vida, diferentemente da fé religiosa, que implica a

“afirmação pelo menos implícita de um absoluto, incondicionado, transcendente,

fonte última de sentido, em quem se deposita confiança”. (FRANCO, 2013, p. 401).

Neste trabalho nós usaremos o conceito de espiritualidade como uma dimensão

antropológica e, portanto, fundamental para o ser humano conhecer a si mesmo, suas crenças,

seus valores, sua sociedade e o outro, que possui outra crença e outros valores e ambos

buscam pelo sentido da vida. “Espiritualidade tem a ver com experiência, não com doutrina,

não com dogmas, não com ritos, não com celebrações.” (BOFF, 2016, p. 43). No seu sentido

antropológico fundamental, “não precisa ter uma inscrição num credo ou instituição religiosa.

Ela apresenta a dimensão de profundidade e a condição humana como condição espiritual.”

(BOFF, 2002a, p. 57). Leonardo Boff acrescenta ainda a importância dessa dimensão

espiritual para a nossa percepção de totalidade.

Colocar as questões fundamentais e captar a profundidade do mundo, de si mesmo e

de cada coisa constitui o que se chamou espiritualidade. Não é uma parte do ser

humano. É aquele momento pleno de nossa totalidade consciente, vivida e sentida

dentro de outra totalidade maior que nos envolve e nos ultrapassa: o universo das

coisas, das energias, das pessoas, das produções histórico-sociais e culturais. Pelo

espírito captamos o todo e a nós mesmos como parte e parcela desse todo. O espírito

nos permite fazer uma experiência de não dualidade. (BOFF, 2002a, p. 56).

A espiritualidade, como caminho de interioridade e aprofundamento, não precisa

coincidir, necessariamente, com religiosidade e busca por sentido último. “Em sua

espiritualidade, a pessoa religiosa procura Deus em si mesma e a si em Deus, e quanto mais

11

Antropologicamente, entende-se por espiritualidade a expressão do espírito de uma pessoa, suas motivações,

seus ideais, suas utopias. É a forma como ela cultiva sua interioridade, dando consistência ao horizonte de

sentido da sua própria vida. Espiritualidade é o que inspira o progresso do ser e do agir humanos, a motivação

dos projetos existenciais. Teologicamente, espiritualidade indica a dimensão religiosa com que se vive a

motivação profunda da existência. É o horizonte meta-histórico da vida, alimentado por crenças e ritos

religiosos. Espiritualidade e religião não são sinônimos, mas estão intrinsicamente relacionados. (WOLFF, 2016,

p. 17).

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40

conhece a Deus, mais sabe de si mesma. À medida que vai se desenvolvendo espiritualmente,

desenvolve-se também humanamente.” (WOLFF, 2016, p. 60). Mas ela permite também a

crentes e não crentes uma possibilidade de desenvolvimento da sua própria humanidade.

À luz do que disse Dalai Lama, cada um de nós é desafiado a perguntar-se: Qual é o

meu caminho? Onde é que desabrocha melhor minha humanidade? Onde posso ter

um encontro mais radical com Deus e dar a Ele o nome de minha reverência? Onde

posso tornar-me realmente um ser de irradiação, capaz de, com outros, crescer em

mais humanidade, em mais perdão, em mais capacidade de inclusão de todos, para

que ninguém fique excluído do nosso mundo, da nossa comunidade e do nosso

amor? (BOFF, 2016, p. 29).

O ser humano está em constante renovação para chegar a ser ele mesmo. É preciso

decidir ser ele mesmo, pois não existe constituição do seu sujeito sem uma decisão e um

posicionamento. Ser é uma experiência ontológica e quando a pessoa adquire consciência

sobre esse seu ser, ela passa a ter mais cuidado com suas próprias vivências, passa a fazer uma

leitura mais aprofundada sobre o que acontece a ela para além de sua imagem e

superficialidade.

Tudo que é superficial e ordinário pode ser simplesmente escolhido, sem maiores

consequências para a nossa vida. Porém, tudo que é mais profundo, enquanto um processo de

decisão, exige uma elaboração, envolve a iluminação de um projeto de vida. Ou seja, tudo que

é profundamente vital é decidido, ou pelo menos deveria ser.

Compreender o ser humano como um ser consciente da sua existência, onde “em sua

acepção sociológica, o conceito de consciência articula o autoconhecimento (quem somos), o

conhecimento experiencial da realidade (o que é o mundo) e o critério ético para o agir

transformador (em quê esse mundo deve ser mudado)” (OLIVEIRA, p. 2009, p. 30), nos leva

a pensar na força da liberdade como dinamizadora do processo de se tornar pessoa, em um

compromisso consigo e com o mundo que não pode ser imposto, mas ao qual deve-se aderir

livremente.

2.2.3 Liberdade dinamizadora da pessoa humana

O ser humano é uma pessoa e a sua pessoalidade emerge na medida em que as

dimensões humanas ganham unidade em cada sujeito12

. Sendo assim, considerar o ser

humano como uma pessoa equivale, de acordo com teologia cristã, a percebê-lo como um “ser

12

A noção de pessoa no pensamento cristão, utilizada para a compreensão de Deus Trindade, foi elaborada, pelo

menos nos começos, em termos teológicos, frequentemente por analogia com termos ou conceitos

antropológicos. (MORA, 2001).

Page 43: DIÁLOGO E SENTIDO: Vida espiritual e encontro inter

41

de decisão-resposta, como ser dialógico, ser de acolhimento-abertura” (RUBIO, 1996, p. 280).

Em contraposição ao indivíduo que é determinado em seu ser, a pessoa é livre. Ela possui

uma dimensão espiritual que não é determinada, mas determinante para a existência humana e

mostra-se, essencialmente, como a dimensão da responsabilidade e da vivência da liberdade,

pois sem liberdade não há expressão do humano.

“O ser humano, por não ser totalmente comandado por sua dimensão psíquica, pode e

deve ativar também a dimensão espiritual. E este é também um fundamento da vida moral, o

que implica responsabilidade e liberdade.” (PINTO, 2013, p. 682). Liberdade é se perceber

não determinado por nenhuma determinação, é estar frente às possibilidades. Quando percebo

que sou mais que as minhas determinações é que me dou conta do meu ser, frente a todas as

possibilidades, situação de maior liberdade possível, quando não estou preso a nenhuma.

Sendo, portanto, a liberdade o ato de “afirmar aquilo que eu reconheço como fundamental

para mim, de modo que nada me impeça de ir em direção àquilo que mais me corresponde.”

(MAHFOUD, 2012, p. 204).

Sendo assim, ser pessoa é ser um ser espiritual e livre que se constrói no encontro com

outras pessoas, e o eu, consciente de si mesmo, constitui um sujeito que pode dar um rumo,

um sentido para a própria vida. Sem o movimento da liberdade, as coisas deixam de

interessar. Para ser pessoa é preciso ter um posicionamento, uma decisão de se relacionar com

o mundo. Não é o fato de ser atraído que nos constitui, mas o fato de nos posicionarmos, pois

o mundo deixa de ser mundo pra nós, se não nos posicionamos. A não liberdade cria um

desarranjo.

A capacidade de ser pessoa, de se expressar de maneira única, de ser exatamente a

pessoa que somos, só é possível se formos livres e conscientes da nossa dependência.

Reconhecemos, por experiência, a liberdade como a possibilidade de realizarmos o

nosso próprio percurso. Note que isso não implica em não sermos determinados em

coisa alguma ou não termos vínculo algum. A chance de sermos livres está em

elaborarmos o mundo que temos. Portanto, liberdade não é ausência de vínculo ou

determinação, mas se dá no âmbito do fazer um percurso realmente próprio, de

forma tal a chegar a uma grande resposta às exigências. Dessa forma, é com a

realidade, as determinações e os vínculos que podemos chegar a fazer tal elaboração.

Insistindo na ausência de vínculos ou de determinações, acabamos reafirmando que

liberdade não existe. (MAHFOUD, 2012, p. 198).

Caracterizando-se por ser possível somente quando reconhecemos a importância da

alteridade na nossa vida, a liberdade traz consigo uma responsabilidade. “Se o homem é livre

para tomar posição perante qualquer circunstância, até mesmo perante si mesmo, a liberdade

da vontade nos remete, enfim, ao tema fulcral da análise existencial - a saber, a

Page 44: DIÁLOGO E SENTIDO: Vida espiritual e encontro inter

42

responsabilidade” (MIGUEZ, 2014, p. 39). O que implica um processo incessante de reflexão

e decisão.

O conceito de existência se nutre do conceito de liberdade e seu correlato, a

responsabilidade. O indivíduo está sempre colocado entre a finitude da situação e a

infinita abertura da transcendência. E a ponte que liga esses dois polos é a própria

capacidade humana de distinguir os significados implícitos no momento existencial

e escolher quais deseja realizar para a eternidade. (MIGUEZ, 2014, p. 57).

Diante de cada situação apresentada pela vida, no exercício de sua liberdade, o ser

humano deve escolher como agir. “Ser livre significa ser ativo e poder escolher, desde essa

capacidade de aceitar ou refutar os impulsos que colocam em relação a um objeto. O ser

humano tem essa capacidade de “voltar-se para” e ao mesmo tempo escolher.” (ALES

BELLO, 2015, p. 61). A existência nos convoca a responder ao que nos é proposto, e essa

resposta implica uma responsabilidade que exige uma constante avaliação sobre quem somos

nós e sobre o que acreditamos, para que possamos distinguir se nossas atitudes são coerentes.

A liberdade é que permite ao ser humano assumir sua vida na verdade e

responsabilidade e também é a que colabora para um direcionamento seguro. O

dever de formar a si mesmo é um apelo dirigido à alma, à consciência, que adverte

ao ser humano sobre o tipo de comportamento que deve ter em determinado

momento e diante das circunstâncias. Exprime juízos sobre suas ações, faz a pessoa

tomar ciência das suas atitudes, classificando-as como boas ou más. Favorece o

desenvolvimento das suas potencialidades e induz a projetar seu futuro. (SBERGA;

MASSIMI, 2013, p. 178).

Essa liberdade existe até mesmo quando optamos por negar a própria liberdade e a

nossa abertura humana ontológica ao transcendente.

Portanto, a religião é uma atividade espiritual: o espírito, dando prosseguimento a

sua atividade, se abre em direção ao divino. O espírito está dentro e fora de nós. A

meu ver, existe uma estrutura presente em todos os seres humanos. Pode-se negar,

mas eu diria que o ateísmo teórico é sinal de liberdade, sinal de que o espírito é uma

abertura intelectual voluntária: argumentos intelectuais utilizados para dizer um não.

(ALES BELLO, 2015, p. 150).

Liberdade é uma oportunidade de ser eu mesmo, através de cada atitude e

posicionamento diante da vida e não deve ser confundida com livre arbítrio, nem

autoafirmação, pois é sempre determinada pela circunstância, é relacional. Sendo uma

categoria da nossa dimensão espiritual, ela permite termos horizontes amplos e não ficarmos

apenas na experiência imediata: “A pessoa livre e espiritual é a que tem um certo autodomínio

Page 45: DIÁLOGO E SENTIDO: Vida espiritual e encontro inter

43

sobre si – apesar de não poder ter um controle total por conta dos mecanismos psíquicos – e

possuir uma espiritualidade pessoal.” (SBERGA; MASSIMI, 2013, p. 178).

Mahfoud (2012), quando questionado sobre qual seria a relação entre liberdade,

vontade e autoafirmação, responde que:

Colocando a nossa vontade na realidade, fazendo o que quisermos, nos concebemos

livres. Mas se essa vontade não está ligada ao que é mais elementar em nós, não

estamos sendo livres, estamos respondendo a alguma outra coisa que não é a nossa

própria exigência. E liberdade deve ser uma resposta a uma exigência ao que somos.

[...] Então, ou liberdade significa que nada nos impeça de caminhar segundo a

dinâmica que nos é mais autêntica, ou significa autoafirmação. Se tenho uma

propulsão de ir em direção ao Absoluto, à Beleza, à verdade, à realização total, se

existe algo que me detenha, é contra a liberdade. Inclusive se esse que impede o

processo seja eu mesmo. [...] E se ser livre é autoafirmação, então rompem-se as

relações, os vínculos, buscando ser mais si mesmos. Mas sem relações, sou o que?

(MAHFOUD, 2012, p. 138).

Sem o comprometimento de nossa pessoa com nós mesmos e a consciência de que

nossa realização depende do respeito à nossa estrutura transcendental e da exigência de

realização em nossa totalidade, deixamos de ser livres; e se não somos livres, não somos.

Exercer a nossa liberdade exige elaborar continuamente as nossas próprias vivências,

processo que acontece em um ato solitário e individual. Para que ela ocorra precisamos de

uma postura e de um ambiente favoráveis ao conhecimento de si. Mas como se constrói um

ambiente que ofereça subsídios para se exercer essa liberdade?

2.2.4 Solidão existencial: um espaço de encontro

Para a pessoa se posicionar diante das situações cotidianas de maneira livre, ela

precisa se conhecer. Para alcançar o conhecimento de si, inevitavelmente, precisa encarar a

solidão. Não a solidão no sentido restrito de ficar sozinho, apesar de passar por esses

momentos também, mas principalmente no sentido de assumir sua própria solidão existencial,

de se aceitar como único.

A solidão pode ser vivificante. Pode tornar-se algo de que nos recusamos a fugir e,

ao contrário, algo que adotamos. Quando a solidão é aceita e não fugimos dela,

torna-se retiro, um lugar onde encontramos o mistério de nós mesmos e o mistério

que está além de nós. O retiro acontece quando procuramos conhecer a nós mesmos

diante de uma presença silenciosa que nos transcende. Há aceitação e paz vindas do

reconhecimento de que finalmente não podemos escapar à solidão. (EDWARDS,

1995, p. 52).

Page 46: DIÁLOGO E SENTIDO: Vida espiritual e encontro inter

44

Para uma pessoa alcançar o conhecimento de si, faz-se necessário encarar e assumir

sua solidão existencial e mergulhar nessa descoberta. Em todo o planeta pessoas de várias

culturas diferentes e de várias épocas, que percorreram com profundidade o caminho na busca

de si mesmo, relatam a importância dos momentos de solidão nessa caminhada.

Quando a pessoa aceita a sua solidão existencial, ela olha para si mesma com interesse

de se descobrir. Quando se encontra sozinha, paradoxalmente, consegue se reconhecer nos

outros, identificando semelhanças, apesar de todas as diferenças. E o que antes poderia ser

uma sensação ruim de se sentir diferente vai se transformando em encantamento por se

descobrir e por descobrir o outro, possibilitando que aconteçam encontros. “O movimento

rumo ao silêncio, é um movimento duplo, em duas direções. O mergulho em si é, ao mesmo

tempo, a descoberta e a possibilidade de ir-se ao encontro do outro”. (PEREIRA, 2014, p.

239).

Nesse sentido, cultivar a solidão nos ajuda a ter relacionamentos melhores e conviver

melhor em sociedade, tornando-se uma possibilidade de libertação das prisões individualistas

impostas pela sociedade atual, pois nos oferece condições de discernir, até mesmo, as gaiolas

que nos são impostas, conforme nos aponta Schillebeeckx:

O moderno contraste entre objeto e sujeito exigiu também um contexto dos próprios

afetos e emoções, confirmando assim a impressão da interioridade do homem como

se se contrapusesse ao mundo objetivo exterior. O eu viveria então numa espécie de

gaiola. O resultado disso foram também mudanças estruturais individuais, recebendo

o eu ênfase ainda mais forte. Essa é a razão da solidão de muitos homens ocidentais.

A maior individualização e interiorização à partir do renascimento, pelos quais o

muro entre o mundo interior e exterior ficou mais espesso, mostram que este muro

consiste, em grande parte, em autocontrole cultural que funciona automaticamente

sobre os sentimentos humanos que em seguida se fecham voltando-se para o interior.

O que é controlado societariamente, depois vem a ser experimentado intensamente

em si como interioridade própria. Mas realmente o autocontrole social é o muro que

separa o que se chama interior do que se chama exterior. (SCHILLEBEECKX,

1994, p. 74).

Ter consciência de nossas amarras pode ser assustador, uma vez que ela nos coloca

diante do real que existe tanto fora quanto dentro de nós, sem máscaras, sem intermediadores.

Trata-se de uma convocação à reflexão que pode tirar todas as nossas certezas, mas que ao

mesmo tempo, nos aproxima de nós mesmos. Independente da forma como a solidão

existencial possa ser colocada em prática, o seu principal objetivo é o silenciamento egóico,

ou seja, o silenciamento de tudo que não coincide com nossa interioridade. O distanciamento

das exigências externas e a proximidade com nossa essência, nosso ser, contribuindo, assim,

para que estejamos inteiros e presentes em cada momento da nossa vida.

Page 47: DIÁLOGO E SENTIDO: Vida espiritual e encontro inter

45

Não procuro uma resposta que venha de fora, porque a única pessoa que sabe meu

sentido sou eu mesmo. Busco uma resposta que surja da vivência comigo mesmo. A

resposta que eu mesmo carrego. Procuro aquela resposta que brota do meu próprio

interior, onde me defronto comigo mesmo. Não quero ouvir o que os outros

encontraram. Quero que meu próprio ser me revele meu sentido, minha verdade.

Quero encontrá-la para mim e para os outros. Ela já se manifestou em forma de uma

vivência... um estremecimento. No fundo, sei quem sou. Somente a minha verdade

pode guiar-me naquilo que é o mais importante na minha vida, meu sentido. Ela

possui o segredo daquilo que sou. Para ser autenticamente, devo auscutá-la.

Permanecer num profundo silêncio e ouvir. Calar e me voltar para a minha própria

profundidade. Só o silêncio pode levar-me até ela. (POELMAN, 2013, p. 103).

Existem formas de cultivar e interpretações bem diferentes que podemos dar ao

silêncio em cada parte do mundo. De qualquer forma, assumir a solidão existencial e se

dedicar a momentos de silêncio é um caminho que nos aproxima do nosso eu. Para Merton

(1976, p. 213), existe uma fecunda relação entre o silêncio e o discernimento, e aqueles que

“fogem do silêncio, fogem também das distinções”. Para este autor, um grande místico da

contemplação, o silêncio é uma necessidade humana.

uma dimensão antropológica que aponta para um humano que almeja no fundo do

seu ser o descanso em águas tranquilas, como enquanto espaço de sobrevivência e

ascese em um mundo agitado e barulhento. [...] Como se o silêncio resguardasse um

tempo e um espaço intocáveis, permitindo que, em algum nível, o exercício de uma

liberdade plena e a fidelidade à própria consciência preservem a integridade da

pessoa no que esta ainda pode ser chamada de humana. (PEREIRA, 2014, p. 250).

Como se dinamizam na pessoa humana essas categorias de liberdade, responsabilidade

e solidão, na elaboração da própria experiência e construção de sentido singular?

2.3 Experiência como núcleo para o diálogo e busca por sentido

Temos destacado que o ser humano possui uma estrutura transcendental, que a sua

unidade se dá através das suas dimensões corpórea, psíquica e espiritual e que é a

espiritualidade o aspecto humano responsável pela elaboração da sua própria vida, momento

fundamental para que cada pessoa tenha conhecimento de si e se coloque no mundo de

maneira autêntica. Mas como acontece essa elaboração na prática? Como eu reconheço o que

me realiza, como eu descubro o sentido da minha vida?

A espiritualidade pessoal significa vigilância e abertura. Vigilância como forma

originária de tomar consciência de si, que lhe permite saber o que se vive e o modo

como se vive. Mas esta consciência não é só a reflexiva, que se realiza por meio da

autoanálise de uma vivência, é também uma luz que ilumina a vida espiritual e lhe

indica direções a seguir. É abertura como possibilidade de dois movimentos: um em

Page 48: DIÁLOGO E SENTIDO: Vida espiritual e encontro inter

46

relação a si mesmo, voltado para o mundo interior, e outro, em relação ao tu, voltado

para o mundo exterior. (SBERGA; MASSIMI, 2013, p. 178).

Vimos também que, por termos uma estrutura transcendental, a consciência de si, se

dá através da elaboração do nosso vivido, e essa elaboração acontece num diálogo constante

entre nosso mundo interior e o mundo exterior. Esse diálogo interno e externo, nos leva à

elaboração da nossa experiência.

Podemos examinar todas as vivências, nossas e dos outros, como fenômenos, como

aspectos da realidade que vêm ao nosso encontro. Qual é o sentido desse encontro?

O que descubro nesse encontro? Eis aqui a função do intelectual: compreender o que

está acontecendo, mas ao mesmo tempo deixar viver tudo aquilo que acontece na

sua dimensão, sem pretender substituir a realidade pelas suas análises. (ALES

BELLO, 2004, p. 162).

Essa abertura, que leva ao diálogo, também nos leva a perguntar pelo sentido de tudo

que nos acontece, por isso ela passa por todas as nossas experiências. A nossa dimensão

espiritual possui um dinamismo que interroga, que busca compreender cada vivência, um

processo reflexivo direcionado sobre cada ato de viver.

Podemos dizer que a experiência é o modo como interiorizamos a realidade e a

forma que encontramos para nos situar no mundo junto com os outros. Assim

entendida, a experiência deve, pois, ser distinguida da vivência. A vivência é a

situação psicológica, as disposições dos sentimentos que a experiência produz na

subjetividade humana. São as emoções e valorações que antecedem, acompanham

ou se seguem à experiência dos objetos que se fazem presentes no interior da psique

humana. Vivência não é sinônimo de experiência. É consequência e resultado da

experiência na psique humana. Ela pertence ao fenômeno total da experiência, mas

este é mais amplo e profundo do que aquele, a vivência. (BOFF, 2002b, p. 43).

Experiência não significa exclusivamente provar algo, ao contrário, um acúmulo

indiscriminado de experiências pode levar a pessoa a um vazio existencial. Ela coincide com

o ato de provar alguma coisa, mas, sobretudo, com o juízo que se dá àquilo que se prova,

oferecendo um significado, pois a pessoa é antes de tudo consciência.

Por isso, o que caracteriza a experiência não é tanto o fazer, estabelecer relações

com a realidade como fato mecânico; [...] o que caracteriza a experiência é

compreender uma coisa, descobrir-lhe o sentido. A experiência implica, pois, a

inteligência do sentido das coisas. Um juízo exige um critério a partir do qual seja

efetuado. Também na experiência religiosa, após haver desenvolvido a investigação,

é preciso perguntar-se qual critério adotar para julgar o que encontrou no decurso

dessa reflexão sobre si mesmo. (GIUSSANI, 2000, p. 23).

Page 49: DIÁLOGO E SENTIDO: Vida espiritual e encontro inter

47

Ou seja, antes da elaboração, ou reflexão sobre algo que vivemos, é preciso que

tenhamos consciência de cada ato. Nas palavras de Pinto (2013, p. 683), “como as vivências

são registradas por nós, podemos ter consciência delas. Consciência, nesse caso, quer dizer

que temos a possibilidade de nos darmos conta do que fazemos a cada momento. Depois,

podemos fazer uma reflexão sobre essa consciência” e transformá-la em uma experiência.

Esse processo constante de tomada de consciência e elaboração das vivencias, influenciam e

sofrem influencia do meio no qual estamos inseridos, tanto micro, no sentido familiar, como

macro, no sentido cultural. “A maneira como se dá a reflexão sobre esses atos de vivência –

ligada às influências dos valores da cultura e de princípios universais – depende da educação

que a pessoa recebe e isso vai sendo incorporado à sua formação, permitindo a atualização das

suas potencialidades”. (SBERGA; MASSIMI, 2013, p. 174).

Sendo assim, “experiência e conhecimento conceptual não são a mesma coisa, pois a

experiência envolve ambos, o encontro e a interpretação do encontro.” (EDWARDS, 1995, p.

21). A experiência é sempre uma coisa que está sendo elaborada, em um processo constante.

A gente se conhece na ação, que chama o nosso olhar pra examinar a vivência. O mundo é

apreendido pela experiência que fazemos da realidade.

Entretanto, o elemento interpretativo na experiência não deve ser como algo que

ocorre apenas depois de um encontro, em um momento de reflexão. Mais

exatamente, o indivíduo traz a um encontro uma receptividade, ou falta dela, que foi

determinada pelas aptidões, livres escolhas e experiência anterior da pessoa. A

individualidade interpretativa precede o encontro, entra no encontro e se reflete no

encontro. [...] A percepção da maneira como o indivíduo entra na experiência (na

interpretação do que é encontrado) introduz uma nota crítica em nosso conceito de

experiência. Há sempre necessidade de estar criticamente cônscio da maneira como

a subjetividade da pessoa molda sua recepção da experiência. Ao mesmo tempo, é

importante insistir que há uma base subjetiva a experimentar no encontro original,

na pessoa que está experimentando e no que é encontrado. (EDWARDS, 1995, p.

22).

Ao refletir e interpretar os atos vividos, torna-se importante ter um horizonte mais

amplo com a qual você pode ser crítico com sua própria experiência. Sendo que a solidez não

está na capacidade de sustentar determinada situação e sim no horizonte em que eu a julgo. É

preciso que esse reposicionamento da própria experiência torne-se uma intenção habitual

dirigida à critica das nossas metas e caminhos. Esse horizonte de totalidade sobre o qual

julgamos nossas experiências é que permite que tenhamos uma experiência religiosa e uma

experiência de Deus. Mas quais são as características de cada uma delas?

Page 50: DIÁLOGO E SENTIDO: Vida espiritual e encontro inter

48

2.3.1 Experiência religiosa e Experiência de Deus

A abertura ontológica humana ao transcendente constitui o que chamamos de

religiosidade. Essa abertura está presente e influencia na maneira como “recebemos” e

percebemos tudo aquilo que nos acontece. Construímos nossas experiências a partir das

reflexões que fazemos sobre o vivido, e esses atos vividos possuem característica dialogal,

acontecem dentro de um relacionamento, seja interno ou externo a nós.

Existem três experiências que sempre e necessariamente andam juntas – nossa

experiência de outrem, nossa experiência de nós mesmos e nossa experiência de

mistério infinito. Cada uma depende das outras duas. Todas estão presentes dentro

da consciência, embora possamos estar explicitamente cuidando apenas da outra

pessoa, que é o objeto do nosso conhecimento e amor. (EDWARDS, 1995, p. 41).

Dessa forma, como definiríamos as experiências religiosas e transcendentais e suas

contribuições para o conhecimento de si e convívio em sociedade?

Na busca por significado último, o sujeito pode encontrar resposta totalizante em sua

interioridade, provocada pela religião ou pelo seu ambiente social. “A religiosidade articula

no interior do ser humano infinitude e finitude, possibilitando duas novas experiências: a

experiência religiosa e a experiência do mistério transcendente (Deus).” (PANASIEWICZ,

2013, p. 593). Experiências que podem manter o ser humano na superficialidade da relação

com o transcendente ou estimular a buscar algo mais. “A relação com Deus é pessoal e

dialogal. É um encontro eu-tu, encontro entre desiguais que, pela abertura, a amizade e o

amor, estabelecem comunhão e inauguram uma aliança.” (BOFF, 2016, p. 30). Essa abertura

coloca-nos diante da possibilidade de que existe algo maior, para além do humano. E sob esse

horizonte de Mistério, julgamos nossa vida e nossa realidade. As experiências religiosas

referem-se “às áreas da vida humana em que o indivíduo e grupos veem-se relacionados ao

divino e ao sagrado.” (EDWARDS, 1995, p. 27). Dessa forma, a religião, enquanto

instituição, pode favorecer o desenvolvimento da experiência religiosa ou da experiência de

Deus.

Se considerarmos que as vivências possuem um momento anterior a elas, que

influenciam a maneira como elas acontecem e também, posteriormente, a forma como será

elaborada, precisamos reconhecer que as experiências, e inclusive a experiência de Deus,

pressupõe uma abertura, uma disposição, para que ela aconteça. Essa predisposição pode ser

adquirida através da primeira socialização em casa, numa sociedade regida sob referenciais

religiosos, em uma comunidade...

Page 51: DIÁLOGO E SENTIDO: Vida espiritual e encontro inter

49

Examinamos o conceito de experiência e mostramos a diferença entre o encontro

experiencial original e o momento de interpretação reflexiva. Mostramos que a

experiência tem dimensões objetivas e, contudo, é recebida por um sujeito que

precisa interpretá-la pessoalmente. A experiência não se limita à experiência

sensorial nem à compreensão intelectual, mas inclui as experiências preconceptuais.

Essas experiências preconceptuais incluem alguns dos momentos mais importantes

da vida humana e nossa experiência de Deus é sempre uma experiência

preconceptual. (EDWARDS, 1995, p. 29).

A pessoa só pode estabelecer um relacionamento com Deus, se ela acredita nessa

possibilidade. A experiência de Deus, além da abertura ontológica que reconhecemos na

experiência religiosa, pressupõe uma experiência de fé, para que possa acontecer. Sendo fé

compreendida aqui como “disposição interior para dialogar e acolher ou não o mistério

transcendente, ato de profunda liberdade em que o ser humano se dispõe ou não a crer e a

compactuar com essa realidade que o atinge e perpassa”. (PANASIEWICZ, 2013, p. 601).

De acordo com Panasiewicz (2013), na experiência de Deus, o transcendente se torna

uma presença que ajuda a reler cada situação vivida pela pessoa e provoca um novo sentido,

uma experiência de sentido radical e de amor pleno, que a considera a partir de sua totalidade

e que, portanto, é transformador.

O ser humano sente e percebe a atuação de Deus em sua realidade, mistério tão

próximo e tão distante que se faz presente nas pequenas e, sobretudo, nas grandes

escolhas, pois provoca novos direcionamentos na vida. Realizar-se e ter uma vida

com sentido é resultado, em grande parte, das escolhas feitas. Por isso, torna-se

fundamental a escuta do eu interior no momento de tomada de decisão. O equilíbrio

entre corpo – dimensão de exterioridade -, psiquismo – dimensão de

intersubjetividade – e espírito – dimensão de aprofundamento humano – propicia

harmonia e tranquilidade no processo de discernimento para a tomada de decisões.

Esse discernimento confere transparência para que aconteça a experiência de Deus e

o sentido vivificador se instale. O receio no momento da escolha pode aparecer, mas

a presença do outro absoluto e do amor pleno relativiza e exclui perfeccionismos,

pois possibilita novos recomeços. Isso tranquiliza e permite a manutenção do

equilíbrio humano. (PANASIEWICZ, 2013, p. 598).

Feitas as distinções entre experiência de Deus - que se refere a uma experiência de

transformação; e experiência religiosa - que diz respeito a uma vivência religiosa, mas sem

ressonância no modo de viver da pessoa -, colocamo-nos diante de uma nova questão: Será

que existe alguma experiência que antecede essas experiências apresentadas e que até mesmo

possibilita que elas aconteçam?

Page 52: DIÁLOGO E SENTIDO: Vida espiritual e encontro inter

50

2.3.2 Experiência elementar e a construção da empatia

Percebemos que “a apreensão do valor da experiência vem junto com a vivência do

sentimento, mas a experiência tem uma estrutura mais global”. (MAHFOUD, 2012, p. 113).

Como devemos articular os nossos sentimentos em função da nossa busca de sentido, que

move o processo de conhecimento? O “sentimento serve como aproximação na medida em

que lidamos com nossa busca, na medida em que ele participa da afirmação de algo além do

sentimento mesmo.” (MAHFOUD, 2012, p. 117).

Mahfoud (2012) traz um conceito novo para a compreensão da experiência

propriamente humana que pode nos auxiliar não só na compreensão da pessoa, como iluminar

uma aproximação e um melhor convívio com a diversidade. A experiência elementar, “sendo

estruturalmente de todos, nos auxilia justamente a dar conta de dialogar contemplando as

diferenças e ao mesmo tempo oferecendo um crivo crítico para a avaliação de nossas próprias

tentativas de lidar com nossas exigências constitutivas”. (MAHFOUD, 2013, p. 116).

O conceito de experiência elementar deposita o olhar na vívida elaboração da

experiência, considerando sua intrínseca relação com alguma alteridade, apontando

uma típica dinâmica humana de transcender todo e qualquer objeto, rasgando

horizontes sempre mais abertos, até o horizonte último ou totalizante. (MAHFOUD,

2013, p. 110).

Como identificamos essa experiência elementar?

Identifica-se a dinâmica de abertura própria da experiência religiosa como dinâmica

da exigência de significado vivenciada na relação com todo objeto, como dinâmica

caracteristicamente humana. A exigência de significado é interminável, decisiva,

radical: há sempre uma abertura para um significado, até o sentido último.

Identifica-se tal dinâmica de abertura como dinâmica própria do humano: está

presente em tantas culturas diversas, está presente de forma própria em tantos

períodos históricos, está presente em diversas fases da mesma cultura, ou em

diversas etapas de desenvolvimento de uma mesma pessoa. (MAHFOUD, 2013, p.

110).

Eu não consigo estabelecer um diálogo sem primeiro me reconhecer como uma

pessoa. No momento em que eu me dou conta daquilo que me constitui, quando eu reconheço

em mim esse movimento, essa abertura à totalidade, eu também consigo reconhecer o outro

em sua humanidade, apesar de toda a diversidade, o que pressupõe conseguir olhar para as

nossas exigências fundamentais.

A maneira como nos relacionamos com as “outras” pessoas diz muito sobre a maneira

como nos relacionamos conosco e com nossos próprios limites. Caso queiramos melhorar as

Page 53: DIÁLOGO E SENTIDO: Vida espiritual e encontro inter

51

nossas relações, precisamos melhorar a maneira como nos percebemos e como cuidamos de

nós mesmos. No cuidado com o outro temos contato com o nosso limite e também com todo o

nosso potencial. Portanto, quanto mais autoconhecimento, mais empatia. “A alteridade se

reconhece através da entropatia, mas, depois, em última análise, é preciso uma tomada de

posição espiritual”. (ALES BELLO, 2004, p. 193).

Precisamos cuidar dos outros, tanto quanto precisamos cuidar de nós mesmos, numa

via de mão dupla. Olhar com olhos de amor para o outro, prescinde que consigamos olhar

com olhos de amor para nós mesmos. “O que nos consente prestar atenção na experiência

elementar do outro é a nossa própria experiência elementar, pois permite o reconhecimento.

Sem isso, a alteridade estaria fadada a permanecer estranha, fora de mim; no mínimo, me

seria indiferente.” (MAHFOUD, 2012, p. 147).

A empatia é uma via privilegiada para a ação formativa. O educador concebe o

educando como uma alteridade, que tem uma individualidade própria, um si mesmo,

que precisa ser descoberto, considerado em seu processo de desenvolvimento e

ajudado a se atualizar, segundo suas próprias características. A partir desse olhar

empático, o papel do educador se torna indispensável na relação com os educandos

e, por meio deste contato de proximidade e abertura, o educando pode se confrontar,

se questionar e ressignificar sua história, como também traçar novas metas, projetos

que o ajudem a desenvolver suas capacidades e qualidades pessoais com mais

eficácia. (SBERGA; MASSIMI, 2013, p. 180).

Quando aprendemos a olhar o desenvolvimento da nossa experiência como um

processo de abertura, o outro se torna indispensável. Diante da importância das relações

interpessoais no processo de conhecimento de si e reconhecimento do outro, será possível,

através das próprias relações, favorecer o processo de formação da pessoa em sua totalidade?

2.3.3 Por uma educação que favoreça uma formação humana da pessoa

Conhecer o ser humano em sua estrutura e desejo de se realizar em sua totalidade nos

leva a pensar se existe uma maneira de contribuir para que o ser humano desenvolva a si

mesmo e se realize. Seria possível uma educação para a liberdade? Uma educação para o

diálogo? Como proporcionar um ambiente ou companhia favorável para que o outro possa ser

ele mesmo?

Sberga e Massimi (2013) afirmam que isso é possível através de uma antropologia

específica:

Page 54: DIÁLOGO E SENTIDO: Vida espiritual e encontro inter

52

Uma antropologia que não segue a ciência da natureza, mas que segue a ciência do

espírito, que vai em busca da característica peculiar do ser humano, da sua

individualidade. Buscando o que é universal em todos os seres humanos. O ato

pedagógico que quer levar em consideração a formação da pessoa vai além do

ensino teórico e prático de certos conteúdos, implica a formação global do ser

humano que envolve suas disposições corporais, emocionais e espirituais. O que

diferencia o ser humano é a sua atividade espiritual, que lhe permite ter acesso à sua

interioridade e se tornar livre para agir com autonomia. (SBERGA; MASSIMI,

2013, p. 172).

O bebê não tem consciência de si, mas ele já possui uma forma humana, uma estrutura

que permite que ele se forme pessoa. A gênese da experiência de humanidade na criança, a

base do seu conhecimento se dá através das suas primeiras feições, a partir do amor materno.

É, principalmente, através dos cuidados físicos que a origem do espaço se constitui para o

recém-nascido. É nesse relacionamento que ele apreende sobre si mesmo e sobre a existência

do outro ou não.

Se por um lado as pessoas, enquanto bebês, ainda não possuem consciência de si,

apenas a vivência das dimensões corpórea e psíquicas, por outro lado, os seus cuidadores

possuem, ou pelo menos deveriam possuir. Existe no cuidado com o outro algo que é

reflexivo, que diz de motivações de nível espiritual, o que não permite que consideremos a

maternidade e/ou paternidade como funções instintivas. Na criança, tudo ainda é em potência

e, dependendo da personalidade das pessoas que cuidam dela, essa potência pode se

desenvolver ou não.

É preciso aprender a elaborar as nossas experiências e cultivar a nossa espiritualidade,

pois a “compreensão de si mesmo é dada através da consciência das próprias vivências. E é

onde se deve focar ao abordar o tema da formação.” (SBERGA; MASSIMI, 2013, p. 173).

O processo de formação da pessoa humana consiste em ajudá-la a aprender a fazer

escolhas que sejam coerentes com sua totalidade e correspondam a sua necessidade de

sentido. Para isso é necessário conhecimento do mundo e de si mesmo, o que permite ter

critérios para fazer essas escolhas. Para conhecer a si mesmo, é necessário compreender o

modo como a nossa consciência espera. Quanto maior a profundidade do homem, maior a sua

liberdade interior.

Facilitar que o outro faça o seu caminho é uma relação importante, pois a pessoa

sozinha não fica mais autônoma, mas ao contrário, fica mais manipulável, mais frágil. Essa

companhia deve ser uma companhia que ajude a pessoa em formação a tomar consciência de

si mesmo de maneira totalizante e que tenha um cuidado com todas as suas possibilidades de

vir-a-ser.

Page 55: DIÁLOGO E SENTIDO: Vida espiritual e encontro inter

53

Edith Stein trata o tema da formação da pessoa de modo totalizante, porque admite

que a formação está conectada com a estrutura do ser humano, com sua real

quantidade de força vital, suas inclinações ou disposições originárias, com as

influências externas que recebe do próprio ambiente sociocultural, suas tradições e

valores, e com situações circunstanciais que podem favorecer o desabrochar de

características pessoais. A formação deve tratar da interação desses fatores e

compreender o que é possível fazer para que a própria pessoa se ajude neste

percurso de autoformação e o que um agente ou educador externo pode

complementar para facilitar o itinerário da construção pessoal. A formação se inicia

a partir de duas bases fundamentais: 1) aspecto interno: compreensão da estrutura da

pessoa e 2) aspecto externo: processo educativo que visa a favorecer o

desenvolvimento das potencialidades e especificidades da pessoa. (SBERGA;

MASSIMI, 2013, p. 167).

Apostar nesse tipo de formação é apostar na constituição de um mundo em que leve

em consideração as exigências fundamentais da pessoa, um mundo em que a educação se

refira à possibilidade de apreender significado e de posicionar-se diante dele, o que exige,

portanto, lealdade com a própria experiência. E quais seriam as pessoas que nos trazem a

possibilidade de realizar uma experiência da totalidade?

No processo de formação da pessoa, vários são os agentes que podem ser ativos nessa

formação. A começar pelos pais, passando pelos professores, líderes religiosos, terapeutas e

qualquer pessoa que leve a sério a vida e se interesse pela felicidade do outro. Essa

companhia, porém, não representa alguém que deve ser “imitado”, mas pessoas que se tornam

referências, pois nos ajudam a olhar para nós mesmos e despertam a nossa consciência,

agindo como uma consciência que é capaz de mudar o percurso de nossa vida e que nos lança

em novos horizontes.

Aceitar a pessoa como ela é implica conhecer a sua estrutura. E a totalidade humana se

faz através, também, da sua dimensão espiritual. Dessa forma, a “educação espiritual é

fundamental para a educação humana, na observação dos valores, direitos e obrigações que

sustentam a dignidade da pessoa.” (WOLFF, 2016, p. 59). Essa característica abre espaço para

que as religiões contribuam nesse processo de formação e de convívio com a diversidade, por

meio de uma educação para abertura, que respeita a dimensão espiritual e transcendental, que

é aquela que busca resposta, que transcende, que é relacional. Uma educação que não só

respeite, mas que favoreça esse dinamismo propriamente humano de busca de sentido.

A capacidade de regular as emoções é desenvolvida e, portanto, pode e deve ser

ensinada aos educadores e pais, para que, além de formá-los enquanto pessoa, possibilite-os

Page 56: DIÁLOGO E SENTIDO: Vida espiritual e encontro inter

54

contribuir, através do seu relacionamento com seus filhos ou educandos, na formação de

pessoas mais conscientes e livres13

.

O eu só decide por algo que quer, a partir do momento que conhece. Conhecimento

e vontade estão em estreita relação. A pessoa que conhece o que é o bem para si tem

mais motivação e incentivo para decidir-se por ele. No confronto entre a atividade

de guia do educador e o espaço para a ação do educando é que se constitui a

formação, como desabrochar de potencialidades pessoais e aperfeiçoamento de

condutas sociais. (SBERGA; MASSIMI, 2013, p. 180).

O processo de formação da pessoa exige o cultivo da nossa liberdade, no sentido de ir

em direção ao que nos corresponde verdadeiramente, sem aderir apenas a aspectos

fragmentados da realidade. Contudo, esse processo apresenta-se como um desafio, que ao

mesmo tempo em que nos leva em direção à totalidade da nossa pessoa, também nos leva em

direção aos outros, permitindo a construção de uma sociedade. Como se dá essa dialética da

formação da pessoa e de uma comunidade?

2.3.4 Ser pessoa em uma comunidade

Um dos aspectos fundamentais da pessoa humana é que vivemos em sociedade e nos

estruturamos através das nossas relações, porém existe diferença entre os conceitos de

sociedade e comunidade, pessoa e indivíduo, e é importante que fiquem claras para o

desenvolvimento desse trabalho. Enquanto a sociedade é constituída por indivíduos, a

formação da pessoa acontece em uma comunidade, mas o que consiste e o que nos torna uma

comunidade?

A consciência de ser membro de uma comunidade suscita nos indivíduos uma

atitude de autoavaliação da sua conduta em relação à totalidade. Por outro lado, esse

processo não se dá do mesmo modo em todos os indivíduos e nem da mesma forma

em todas as épocas. Há os interesses segundo as características pessoais, a faixa

etária e o contexto da época. Mas a comunidade para sobreviver, necessita de

normas e valores, que são fundamentais para que a sociedade passa a ser

considerada uma comunidade. (SBERGA, MASSIMI, 2013, p. 188).

Existe uma permanência da nossa pessoa que só pode se dar no coletivo, em um meio

social e cultural, em um processo de articulação que permite que nossas experiências não se

percam, em uma permanência que se atualiza e nos torna continuamente atuais.

13

Bowlby (2006, p. 38) diz que “muita infelicidade e muita enfermidade mental se devem a influências

ambientais, as quais estão ao nosso alcance mudar”, pois uma das coisas que “caracterizam o indivíduo

psicologicamente doente é a sua incapacidade para regular satisfatoriamente seus conflitos”.

Page 57: DIÁLOGO E SENTIDO: Vida espiritual e encontro inter

55

A sociedade/cultura em que estamos inseridos provoca-nos posicionamentos e o modo

como nos posicionamos tem a ver com o cuidado que temos conosco e com a busca da nossa

própria verdade e realização. Existe uma permanência, uma continuidade da cultura que nos

solicita sermos nós mesmos. Merton faz uma distinção antropológica importante entre pessoa

e indivíduo. Enquanto a ideia de “indivíduo sinaliza aquele que é contado apenas como um

número, uma variável estatística que estabelece e acentua a divisão; a pessoa é, para ele, uma

unidade que é amor, é indivisa em si mesma porque está aberta a todos, exatamente porque o

amor é a fonte e o fim de todas as pessoas”. (MERTON apud PEREIRA, 2014, p. 229).

Ales Bello (2015) faz uma distinção importante entre comunidade e sociedade, ao

afirmar que o que nos torna uma comunidade é o sentimento de uma unidade em comum.

Cada eu individual vive como pessoa e como comunidade. No segundo nível, nós

não somos absorvidos pela comunidade, pois permanecemos sempre como eu

pessoal. Assim, vivemos de modo pessoal aquilo que a comunidade vive. [...] O ser

humano vive singularmente, mas vive também na comunidade, onde se estabelece.

Não existe uma consciência da comunidade, pois a consciência é apenas individual.

Porém, a consciência individual pode viver as vivências comunitárias. (ALES

BELLO, 2015, p. 89).

Examinemos a segunda possibilidade de agrupamento humano que não é

comunidade: a sociedade. Trata-se de uma união de pessoas para uma finalidade

racional. Nela cada um é considerado por aquilo que serve à sociedade num

determinado momento, ou seja, não como pessoa. Numa sociedade financeira, cada

um coloca seu dinheiro e os outros o consideram tomando por base a proporção que

aquela quantidade representa no conjunto. No caso da comunidade, sabemos que

existe um vínculo pessoal, uma ligação moral – reciprocamente se estabelece uma

relação, inclusive a relação de responsabilidade: nasce a importante atitude de

solidariedade, que pode incluir aspectos políticos e econômicos, inclusive. (ALES

BELLO, 2015, p. 99).

Essas definições e distinções são importantes quando pensamos a pessoa e um

consequente convívio de paz em sociedade, pois consideramos que “o agir pessoal e o sistema

social mutuamente se influenciam”. (SCHILLEBEECKX, 1994, p. 72). O que torna

imprescindível compreendermos como acontece esse processo e que lugar as pessoas ocupam

nele.

O próprio ego humano é processo sociocultural, e a própria assim chamada vida

interior é parte viva de processo cultural. No indivíduo lemos uma determinada

história cultural. Não existe dualismo, mas dialética de dois polos: nenhum dos dois

polos pode determinar-se sem o outro, embora contraponhamos, em nossa

experiência espontânea pré-crítica, simplesmente pessoa a comunidade. Mas tudo no

homem, também o seu interior, é social, o que de outro lado, não significa que o

social seria o aspecto único e o tudo no homem; são duas afirmações diversas.

(SCHILLEBEECKX, 1994, p. 73).

Page 58: DIÁLOGO E SENTIDO: Vida espiritual e encontro inter

56

A compreensão dessa dialética entre indivíduo e sociedade, pessoa e comunidade, é

fundamental. Sobre esse processo dialético, Sberga e Massimi (2013) afirmam que “o ser

humano está sempre inserido em um mundo e a sua vida é uma vida em comunidade. A

inserção da pessoa em uma totalidade mais ampla, é uma necessidade da estrutura do ser

humano.” E dizem ainda que o que determina a “preciosidade de uma comunidade são os seus

valores e o empenho por eles. O que o indivíduo faz ou representa no mundo social

(estudante, filho, partido) contribui para determinar a forma de todo o seu ser psicofísico e do

seu pertencimento social.” (SBERGA; MASSIMI, 2013, p. 190).

Ao mesmo tempo em que o indivíduo influencia o seu meio, ele também é

influenciado por ele. “As estruturas humanas como corpo, psique e espírito são universais,

mas elas não devem ser entendidas de forma rígida, pois existem possibilidades de

organização cultural diferentes que as moldam”. (ALES BELLO, 2004, p. 159). Por isso,

apesar de termos identificado uma estrutura comum a todos os seres humanos, sabemos que

existem várias formas desse ser humano se expressar. Inclusive, quando responde a sua

antropológica busca por sentido.

Portanto, analisar a sociedade e o contexto cultural de uma época e as características

de uma comunidade, torna-se fundamental para compreendermos o ser humano a partir da sua

busca por sentido. Para pensar na construção de um mundo onde pessoas convivam de

maneira mais pacífica, precisamos nos conscientizar do que nos aproxima em humanidade,

apesar de todas as nossas diferenças.

A paz só triunfará na medida em que as pessoas e as coletividades se dispuserem a

cultivar, como projeto de vida, a cooperação, a solidariedade e o amor. [...] Só uma

ciência com consciência e com sentido ético pode encontrar saídas libertadoras para

a nossa crise, que inaugurarão um novo padrão de convivência do ser humano com

todos os seus semelhantes e com a terra. (BOFF, 2009, p. 80).

Nesse sentido, pensar a religião e o convívio entre diversas crenças pode ser um

caminho na construção da paz, pois o “espaço comunitário também é lugar privilegiado para a

experiência de Deus. Esse espaço favorece o encontro interpessoal que, por sua vez, ativa

ações éticas em função do bem comum”. (PANASIEWICZ, 2013, p. 598). Sendo assim, quais

seriam as características do ser humano, da sociedade e das religiões no momento atual, no

que tange a sua busca por sentido?

Page 59: DIÁLOGO E SENTIDO: Vida espiritual e encontro inter

57

3 SER HUMANO NA CONTEMPORANEIDADE

Vimos no primeiro capítulo que o ser humano se constitui como ser através da

articulação entre as suas dimensões biológica, psíquica, espiritual e social. Sobre essa

formação humana, Berger diz que “a vida cotidiana está repleta de múltiplas sucessões de agir

social, e é somente neste agir que se forma a identidade pessoal do indivíduo.” (BERGER;

LUCKMANN, 2004, p. 17). Ou seja, o ser humano é essencialmente um ser cultural, que

constrói a sociedade ao mesmo tempo em que é construído por ela, numa relação mútua.

Sendo assim, após termos apresentado o ser humano em seus aspectos ontológicos,

agora faremos uma descrição das características culturais em que ele está inserido:

apresentando a situação espiritual do nosso tempo e como a busca por sentido revela-se nos

âmbitos pessoal, social e religioso na atualidade. As descrições apresentadas são mais

abrangentes e podem sofrer alterações e influências em cada microrregião. De maneira

geral,entretanto, acreditamos que compreender esse cenário cultural macro, nos auxiliará na

reflexão de possibilidades mais coerentes de superação e assimilação da crise como uma

oportunidade de crescimento:

A situação presente da humanidade constitui em si mesma uma grande ameaça ao

futuro da vida. É a própria crise que nos marca em nossos dias que leva a

humanidade a se questionar sobre as razões de ser da sua vida, sobre os fins últimos

de sua existência e do universo. O tratamento dessas questões radicais de sentido da

vida exige uma visão que tematize a totalidade do ser, articule uma compreensão das

estruturas fundamentais da realidade, do sentido da natureza, do homem, da

sociedade, que possa dar um rumo “legitimado” às ações através de que o ser

humano busca conquistar-se na história. (OLIVEIRA, 2013, p. 104).

Ao abordar a crise de sentido contemporânea, não pretendemos afirmar que se trata de

um período histórico em que vivemos uma crise maior em relação a outros períodos.

Entendemos por crise o que Leonardo Boff afirma como uma “descontinuidade e uma

perturbação dentro da normalidade da vida provocada pelo esgotamento das possibilidades de

crescimento de um arranjo existencial.” (BOFF, 2002a, p. 25). A crise não é um privilégio do

momento atual e nem mesmo acreditamos que ela esteja acontecendo de maneira mais forte

agora. O que diferencia essa crise de outras crises? Qual o caminho escolhido para conhecer o

que estamos chamando por crise de sentido contemporânea?

Para falar que vivemos uma crise, precisamos, antes, conhecer as características do

nosso tempo histórico, principalmente no que tange aos aspectos relacionados à construção de

sentido individual e social, e o faremos da seguinte maneira: primeiro apresentaremos um

Page 60: DIÁLOGO E SENTIDO: Vida espiritual e encontro inter

58

breve panorama dos paradigmas norteadores da sociedade moderna ocidental e dos pilares

que sustentam a construção de sentido da pós-modernidade. Em seguida, mostraremos como o

ser humano posiciona-se dentro desse contexto e como esses pilares pós-modernos

manifestam-se na formação humana em suas dimensões biológica, psíquica, espiritual e

social. Por último, apresentaremos qual o papel da religião na construção de sentido

individual e social e como a espiritualidade é vivida na contemporaneidade.

3.1 Crise de sentido social contemporânea

Vivemos um período de crise que perpassa vários aspectos da nossa sociedade e que

não se restringe à realidade brasileira. Após analisar as crises do século XX, Morin (1986)

percebeu que a crise tornou-se o modo de ser da sociedade ocidental, em que o

desenvolvimento comporta em si próprio um caráter de crise:

A crise cultural, a crise dos valores, a crise da família, a crise do Estado, a crise da

vida urbana, a crise da vida rural, etc, são outros tantos aspectos do ser (que passou a

ser crítico) das nossas sociedades, que estão evidentemente ameaçadas pela crise

mas também vivem na crise. [...] Tudo neste mundo está em crise. Dizer crise é o

mesmo que dizer progressão das incertezas. (MORIN, 1986, p. 318).

Essa análise vai ao encontro da afirmação de que a crise atual não se restringe a um

setor ou âmbito específico da sociedade, mas que, justamente por sua generalização, podemos

dizer que se trata de uma crise de fé e, sendo assim, precisamos analisar também a questão

religiosa. Nós abordaremos a crise a partir da crise de sentido, sem pretensão de fazer um

julgamento moral do período em que vivemos, mas, ao contrário, nossa pesquisa parte do

lugar de quem acredita que todo problema traz em si mesmo uma solução e busca, através da

transdisciplinariedade, pensar em maneiras de agir e favorecer que os aspectos positivos desse

momento sejam reconhecidos e fortalecidos.

Para compreendermos a crise atual, precisamos, antes, compreender melhor o

momento ao qual nos referimos como atual. O que caracteriza a sociedade contemporânea

ocidental, mais especificamente a brasileira? Responder a essa pergunta é um grande desafio,

na medida em que buscamos definir um período histórico ao mesmo tempo em que vivemos

nele.

Não existe um consenso sobre o que caracteriza a sociedade ocidental contemporânea.

O período em que vivemos é chamado, dependendo do autor, de modernidade, modernidade

tardia, pós-modernidade, hiper-modernidade, modernidade líquida. Essa profusão de

Page 61: DIÁLOGO E SENTIDO: Vida espiritual e encontro inter

59

perspectivas revela em si mesma uma das principais características do nosso tempo: um

tempo cercado de aforias, becos sem saídas e que não conseguem, talvez justamente por sua

multiplicidade de opções, oferecer uma resposta que seja mais totalizante.

Apesar de todas as diferentes interpretações, ao analisar a sociedade contemporânea, a

maioria dos autores parte de uma relação com a modernidade. Portanto, consideramos

adequado que retornemos um pouco na História, na expectativa de que, compreendendo um

pouco mais do caminho percorrido, possamos analisar melhor as características do ser

humano e da sociedade atual. Como chegamos até aqui? Quais eram as características do

momento anterior ao período contemporâneo e o que se esperava alcançar através dele?

3.1.1 Panorama histórico da Idade Média até a Modernidade

Seria um equívoco negar toda a história e pretender fazer uma análise do nosso tempo

partindo do zero. Somos seres culturais e históricos e, por isso, nossa análise será feita na

maioria das vezes, em relação a outros tempos e até mesmo contaminados por esse tempo,

pois uma saída completa com os termos que vieram da nossa tradição seria uma utopia.

Concomitante a isso, sabemos ser impossível abordar todos os aspectos envolvidos nesse

processo e, portanto, apresentaremos apenas um panorama geral, demarcando o eixo central

de cada período.

Consideramos contemporaneidade o período que se inicia a partir da metade do século

XX até os dias atuais, e que foi antecedido imediatamente pela modernidade, compreendida a

partir dos séculos XVII e XVIII e antes pela Idade Média. A Idade Média caracterizava-se

pela existência de uma parceria entre Igreja e Estado na organização da sociedade, onde o

conceito de liberdade confundia-se com o conceito de obediência às autoridades e essa

autoridade era exercida pelo clero e pela nobreza, pois seguiam uma estrutura teocêntrica, em

que o ser humano não tinha nenhum poder individualmente. Após séculos, os pilares da Idade

Média foram perdendo a sua força. O Iluminismo, que culminou na Revolução Francesa,

trazia como marcas principais os ideais burgueses de igualdade, liberdade e fraternidade.

O século XVIII surge com uma ideologia que clama pela liberdade e igualdade dos

seres humanos e culminou no individualismo do século XIX, que defende a necessidade não

da igualdade, mas da diferença entre os seres humanos, através da exploração da

individualidade de cada sujeito. A modernidade nasce, então, com as promessas de um ser

humano livre das dependências históricas ao Estado, à religião, à moral e à economia. Existia

a crença na liberdade do movimento do indivíduo em todos os seus relacionamentos sociais e

Page 62: DIÁLOGO E SENTIDO: Vida espiritual e encontro inter

60

intelectuais, tendo a si mesmo como único referencial. Acreditava-se que essa emancipação

do ser humano estaria garantida através do uso da racionalidade e do progresso. Razão e

progresso passaram, então, a ser as metas do sujeito moderno. Elas deveriam ser alcançadas

através do trabalho e de constantes especializações, que nos manteriam dentro da competição

e garantiriam nosso constante progresso.

A globalização conecta comunidades e organizações em novas combinações de espaço

e tempo, tornando o mundo mais conectado, com acesso a várias culturas e formas de viver.

Ela configurou-se como um processo que favorecia o fortalecimento da subjetividade humana

através da racionalidade e do cultivo de si mesmo. Porém, no mesmo período, vivenciamos

uma revolução tecnológica que, junto com a globalização - a quebra das fronteiras comerciais,

mundialização do capital e deslocamento do poder nacional para o supranacional -, fortaleceu

o capitalismo moderno. Esse fortalecimento revela outra face da globalização que, reforçada

pelo neoliberalismo, reduz ao mínimo indispensável as ações do Estado no campo social. Ela

se intensifica e se expande, impondo modelos e referenciais em todo o mundo, norteados pela

busca por progresso e emancipação humana.

O capitalismo moderno constitui um sistema de produção e consumo que objetiva

arregimentar todos os tipos de consumidores e, independente das diferenças culturais,

incentivar o consumo em massa. Nessa etapa inicial da modernidade, de acordo com Petrini

(2005, p. 28), “o cristianismo foi considerado funcional aos interesses do capitalismo

emergente, garantindo o respeito e a aceitação das normas que regulamentavam a convivência

social, mesmo que alguns pontos da moral fossem contestados”. Num segundo momento,

porém, a ética herdada da tradição pareceu apresentar mais problemas do que soluções para

uma sociedade que necessitava de outros valores e de outros direitos, quase sempre

divergentes dos consolidados na tradição.

A necessidade de consumo passa por cima de qualquer diferença cultural, além de

formar redes e flexibilidades que individualizam as relações sociais de produção e provocam a

instabilidade estrutural do trabalho. Estávamos diante de um sistema econômico que trouxe

avanços, mas os seus benefícios de confortos e facilidades decorrentes do avanço tecnológico

restringiram-se a uma minoria da população mundial.

Com o avanço da ciência e o surgimento de duas grandes guerras mundiais, resultantes

da invenção de um armamento bélico poderoso e destrutivo, ficamos diante de uma crise

ecológica, que provocou reflexões acerca dos benefícios do progresso e de uma possível

dependência tecnológica. A modernidade, idealizada sob os pilares da igualdade e

fraternidade e de um ser humano autônomo em relação a sua tradição, não cumpriu todas as

Page 63: DIÁLOGO E SENTIDO: Vida espiritual e encontro inter

61

suas promessas. E a descrença na racionalidade ofereceu condição favorável ao surgimento da

pós-modernidade. Sabemos que não existe um corte ou uma ruptura total das características

de um tempo ao outro e que essa mudança é um processo, - no nosso caso, um processo ainda

em andamento. Portanto, estamos sujeitos a todos os erros cabíveis àqueles que buscam

compreender o nosso contexto, pois o analisamos como se estivéssemos dentro de um trem

em movimento. Ainda assim, ousamos perguntar: quais seriam as principais características

dessa sociedade que denominamos pós-moderna? Como o ser humano contemporâneo

satisfaz a sua necessidade de sentido? Porque afirmamos que a nossa sociedade está em crise?

3.1.2 Desenvolvimento e crise da Modernidade: Pós-modernidade

A segunda metade do século XX caracteriza-se por um período de mudança tão

constante que dificulta a definição de conceitos que nos ajudem a compreender essa realidade,

definida por Bauman (2001) como modernidade líquida, em contraponto ao início da

modernidade, chamada por ele de sólida.

De maneira geral, o pós-modernismo:

é o nome aplicado às mudanças ocorridas nas ciências, nas artes e nas sociedades

avançadas desde 1950, quando, por convenção, se encerra o modernismo (1900-

1950). Ele nasce com a arquitetura e a computação nos anos 50. Toma corpo com a

Arte Pop nos anos 60. Cresce ao entrar pela filosofia, durante os anos 70, como

crítica da cultura ocidental. E amadurece hoje, alastrando-se na moda, no cinema, na

música e no cotidiano programado pela tecnociência (ciência + tecnologia invadindo

o cotidiano com desde alimentos processados até microcomputadores), sem que

ninguém saiba se é decadência ou renascimento cultural. (SANTOS, 1986, p. 7).

O avanço da globalização e a busca do progresso através da racionalidade instrumental

aceleraram o processo de modernização, provocando mudanças profundas em todas as esferas

da vida humana. Tais mudanças afetaram desde as formas de organização do trabalho, aos

processos educativos, às formas de comunicação e aos valores que norteiam as condutas

pessoais e sociais. Berger e Luckman (2004) consideram o pluralismo moderno uma condição

estrutural para a difusão das crises subjetivas e intersubjetivas de sentido, já que os processos

modernos de pluralização se distinguem dos outros tanto em abrangência quanto em

velocidade.

Para Pierre Sanchis (2012), a globalização traz grandes impactos para a formação

cultural desde a modernidade, pois ao mesmo tempo em que ela nos coloca diante do contato

com a diversidade, ela também impõe uma padronização:

Page 64: DIÁLOGO E SENTIDO: Vida espiritual e encontro inter

62

Em primeiro lugar, as culturas viajam, transportadas pelas pessoas. Entrecruzam-se,

se multiplicam no mesmo espaço, se contaminam mutuamente. O multiculturalismo

coexiste com o hibridismo e a mestiçagem cultural. Tanto coexistem como se

misturam. E se observam misturando-se. Por isso, os grupos culturalmente

homogêneos se reduzem, as relações se problematizam. A estrutura social tende a

virar redes, que articulam dinamicamente indivíduos. Em segundo lugar, e em outro

nível, no mundo atual não só os homens viajam e se encontram, mas existe uma capa

globalizante, que tende a impor por todos os meios, no conjunto dos grupos

humanos, uma mesma cultura. Um movimento padronizador das culturas, na medida

em que uma delas acaba marcando sua dominação no conjunto do espaço social.

Sobretudo no espaço urbano, pelos meios de comunicação. Todos, na cidade,

embora representantes de várias e muitas culturas, se defrontam com a oferta

imperativa da mesma cultura geral, a cultura moderna da metrópole. Estão situados,

com a sua cultura respectiva, dentro do seu molde ativo e transformador; participam,

querendo ou não, das grandes linhas de seus ideais, de seus valores, mesmo que seja

por revolta ou distanciamento. (SANCHIS, 2012, p. 24).

Essa contraposição, de um contato cada vez maior com a diversidade, aliado à

imposição de padrões globais de comportamento, é uma realidade global, que atinge a todas

as comunidades, em menor ou maior grau. O que leva alguns autores a preferirem usar o

termo mundialização, ao invés de globalização, ao referirem-se à essa universalização da

civilização racional instrumental, que gerou uma humanidade uma, que nos permitiria falar de

uma história mundial (OLIVEIRA, 2013).

Essa universalização é possível quando pensamos que a capa globalizante, para usar o

termo de Sanchis, é oferecida pelo capitalismo moderno. O capitalismo é um sistema

econômico que, desde o seu nascimento, teve a vocação de mundializar-se, mas que oferece

riscos. Sung (2014, p. 303) alerta que um desses riscos é de que a produção técnica e seus

produtos virem modelo de interpretação da totalidade do ser. “O sistema de mercado

capitalista busca o ilimitado, se funda em si mesmo, e está em constante processo de

transformação e de destruição criativa”. Com o avanço da tecno-ciência e através da sua

mediação, o homem ganhou poder e liberdade, mas sua absolutização levou a uma

coisificação e objetificação de si mesmo e da natureza.

A ênfase da nossa sociedade contemporânea na satisfação dos aspectos psíquicos,

aliada ao avanço tecnológico adquirido desde a modernidade, contribuiu para que os meios de

comunicação de massa hoje ocupassem um lugar privilegiado na transmissão de sentido.

Assumindo funções de igreja no campo cultural, produzindo símbolos, sentido, crenças.

Somos a era da informação e do conhecimento e também somos a era do consumo e da

especulação. Nesse contexto, ocorreu uma revolução comunicativa provocada pela mídia de

massa, que modificou profundamente a comunicação humana, transformando-nos na

sociedade das mídias, da informação, das imagens e do espetáculo; sem referências e

orientada por uma liberdade ilusória. “A obediência aos padrões tende a ser alcançada hoje

Page 65: DIÁLOGO E SENTIDO: Vida espiritual e encontro inter

63

em dia pela tentação e pela sedução e não mais pela coerção – e aparece sob o disfarce do

livre arbítrio, em vez de revelar-se como força externa.” (BAUMAN, 2001, p. 110). Cedemos

aos encantos da vida ilustrada pela TV, chegando a sobrepô-la à vida real e invertendo a

lógica do discurso de que a arte imita a vida, sacrificando ou ignorando as características

próprias da realidade, em prol de imitar uma vida de poucos privilegiados.

As consequências disso para a realidade individual e social é que as estruturas do

nosso cotidiano são ditadas pelo mercado: “a economia de mercado, submetida ao jogo de

interesse dos capitalistas, em quatro séculos, colonizou as estruturas da vida material e assim

submeteu à sua lógica toda a vida social.” (OLIVEIRA, 2014, p. 332). Esse contexto

aumentou cada vez mais a distância entre a maioria pobre e a minoria rica; afrouxando os

vínculos com o grupo de origem; perdendo as tradições e aumentando a frustação existencial.

Lipovetsky (2004b) distingue três fases essenciais da moral na história ocidental. A

fase teológica, quando a moral era inseparável dos mandamentos divinos; a fase laica

moralista, que vai do Iluminismo até o século XX, onde a ética é superior à religião e os

deveres para com os seres humanos prevalecem em relação aos deveres para com Deus; e a

fase atual, pós-moralista, onde a “cultura cotidiana, desde os anos 1950 e 1960, não é mais

dominada pelos grandes imperativos de dever sacrificial e difícil, mas pela felicidade, pelo

sucesso pessoal, pelos direitos do indivíduo, não mais pelos seus deveres.” (LIPOVETSKY,

2004b, p. 27). O mesmo autor afirma ainda que o consumo de massa e os valores propagados

pelo mercado foram os responsáveis pela passagem da modernidade para a pós-modernidade,

na segunda metade do século XX.

A pós-modernidade representa o momento histórico preciso em que todos os freios

institucionais que se opunham à emancipação individual se esboroam e desaparecem

dando lugar à manifestação dos desejos, da realização individual, do amor-próprio.

As grandes estruturas socializantes perdem a autoridade, as grandes ideologias já

não estão mais em expansão, os projetos históricos não mobilizam mais, o âmbito

social não é mais do que o prolongamento do privado – instala-se a era do vazio,

mas “sem tragédia e sem apocalipse”. (LIPOVETSKY, 2004a, p. 23)

O poder antes exercido pela religião foi delegado à intelectualidade e,

progressivamente, o ser humano passou a dominar as sociedades pela razão e pelo

aprimoramento da técnica, cujas palavras de ordem se alicerçavam no capitalismo e no

materialismo:

O sistema de mercado capitalista assumiu as funções que no passado pertenciam à

religião, tais como a de dar um universo de significado comum à toda comunidade, o

sentido último à vida e às mortes e sacrifícios demandados pela dinâmica própria da

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64

ordem social, e legitimar a totalidade da ordem social através de mecanismos de

sacralização ou de absolutização dos seus fundamentos. (SUNG, 2014, p. 292).

O que significa, então, dizer que vivemos um momento que tem como pano de fundo

norteador o mercado econômico? Onde podemos identificar as interferências do mercado na

organização de toda a sociedade atual? Quais as consequências de quando o suprasentido é

oferecido pelo mercado14

? Qual o interesse do mercado e suas instituições em oferecer o

suprasentido?

3.1.3 Mercado como suprasentido da Modernidade

O capitalismo como impulso para aquisição existiu em outras épocas mas, de acordo

com Weber (2004), ele ganhou novos contornos com a modernidade e o maior deles foi o

aumento de posses como um de seus principais objetivos. Essa é a lógica de “funcionamento

do mundo liberal, que gera mais lucro, mais eficiência e mais racionalidade. [...] Em uma

dinâmica do poder que se alimenta de si mesmo, sem outra finalidade além do seu próprio

desenvolvimento”. (LIPOVETSKI, 2004a, p. 34). Mas se esse sistema serve apenas aos

poucos que detêm o poder, como ele se mantém?

Para Sung (2014, p. 306), “o que possibilita a estabilidade de sentido, de valores e do

funcionamento desse sistema instável e evolutivo por sua própria lógica e legitima todos os

‘custos sociais exigidos pelo mercado é a fé no mercado e na sua promessa.” Sob o discurso

de que esse é o único jeito possível e de que o progresso foi o que sempre desejamos, temos

toda a nossa vida social e individual reorganizada em função da lógica do consumo, da

técnica e da individualização.

“A transformação da moeda, passando de meio para fim, explica porque nossas

sociedades têm tantas dificuldades para construir um desenvolvimento sustentável.”

(VIVERET, 2006, p. 13). O nosso fascínio pelo dinheiro, proposto pelo capitalismo moderno,

sobrepôs-se ao cuidado com nossa totalidade, com o outro e com o mundo. Ele oferece

recompensas concretas, visíveis, que torna indiscutível o seu valor.

As categorias de pensamento e de comportamento do mercado penetram na

consciência individual não pela adesão de ordem subjetiva, mas como fatos tão

objetivos quanto os fatos naturais: as leis do mercado, o direito de propriedade, o

respeito devido aos contratos, enfim, os elementos constitutivos do mercado são

como a lei da gravidade, cuja vigência não depende do consentimento humano. São

como o ar que se respira. Ninguém precisa crer no poder de compra do dinheiro: a

14

Quando existe um sentido que organiza e sustenta toda a sociedade.

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65

experiência cotidiana é sua prova mais cabal. Estamos no campo das certezas, não

no campo das crenças. (OLIVEIRA, 2014, p. 333)

Viver em uma sociedade orientada pelo mercado econômico significa dizer que

vivemos para fazer girar a economia. Vivemos para produzir e consumir, produzir e consumir.

Quanto mais rápido produzirmos e mais rápido consumirmos, mais precisamos produzir, para

continuar consumindo. Tudo pode, deve e será usado para que se produza algo e se consuma.

E para servir ao mercado, é preciso constantemente criar necessidades que levarão à criação

de novos produtos para satisfazê-las. “Na economia de mercado, necessidades humanas por si

não constituem demanda econômica. Para se tornar demanda, essa necessidade ou desejo da

pessoa precisa vir acompanhada de capacidade de consumo" (SUNG, 2014, p. 294).

A sociedade de mercado coisifica as pessoas e as necessidades humanas e se mantém

com a ajuda da mídia, que se transformou em instância social que veio substituir as

instituições religiosas, conforme alerta Moreira (2008, p. 72):

[As instituições midiáticas] Assumem funções das instituições religiosas no campo

cultural, principalmente o complexo midiático cultural, que envolve televisão,

internet, cinema, revistas e literatura, esporte, publicidade e moda. Essas

instituições, todas do e para o mercado, também produzem símbolos, sentidos,

crenças, explicações sobre o real, rituais e mitos, propõem valores, estilos de vida,

figuras para a imitação, a fidelidade e mesmo a devoção das pessoas.

Com o avanço da ciência e da tecnologia, além do mundo estar conectado, é possível,

por causa dessa conectividade, desse modo online de viver, difundir uma mesma informação

de forma universal. Isso confere, ou reforça, um lugar de poder àqueles que detêm acesso ao

controle do conteúdo midiático. Morin (2013, p. 39) traz à tona a perversidade do papel da

publicidade que, seguindo a mentalidade vigente, aponta para os sonhos humanos, mas

oferece um caminho que nos coloca cada vez mais distantes de sua realização:

Quanto mais estressados, competindo, confusos, mergulhados na destruição

ecológica, na rivalidade com o outro, na ausência da serenidade, mais a publicidade

nos faz sonhar com um desenvolvimento na ordem do ser, da felicidade, da amizade,

da serenidade, da beleza. Com um duplo efeito perverso; de acreditar que para

progredir na ordem do ser é preciso acelerar o crescimento na ordem do ter. Levando

a desejar sempre mais, gerando o hiperconsumo. (MORIN, 2013, p. 39).

O mercado como suprasentido criou também um mecanismo capaz de controlar e

manter esse sistema. Na medida em que o Estado não consegue ou não se preocupa em

garantir os direitos básicos de todo cidadão, ele acrescenta à logica do presente uma

Page 68: DIÁLOGO E SENTIDO: Vida espiritual e encontro inter

66

preocupação exagerada com o futuro, que leva ao paradoxo de viver como se não houvesse

amanhã, mas ao mesmo tempo vivemos com medo do amanhã:

É o medo o que importa e o que domina em face de um futuro incerto; de uma lógica

de globalização que se exerce independentemente dos indivíduos; de uma

competição liberal exacerbada; de um desenvolvimento desenfreado das tecnologias

de informação; de uma precarização do emprego, e de uma estagnação inquietante

do desemprego num nível elevado. (LIPOVETSKI, 2004a, p. 28).

A sociedade de mercado desestabiliza a política, pois provoca nas pessoas, através do

processo de criação e gestão do medo social, o ímpeto de procurar soluções individuais para

problemas que são sociais. Incita também à violência, na medida em que escolhe mostrar

notícias em que esta predomina, reforçando no imaginário da população em geral a ideia de

que existe uma preponderância do mal, o que gera, consequentemente, o aumento do

sentimento de insegurança. Além disso, ao fazer uso de um discurso baseado no pensamento

dualista, que separa as coisas entre bom e mal, certo e errado, bonito e feio, a mídia assume

uma postura que contribui para que nos fechemos entre os nossos. E esse fechamento pode

impedir a reflexão sobre nossa postura e a percepção do outro em sua totalidade.

Essa atitude, aliada à rapidez da comunicação e da tecnologia com suas redes sociais,

torna-se um ambiente favorável para a formação de grupos, o que nos enfraquece enquanto

cidadãos, colocando-nos uns contra os outros15

. “Como a tarefa compartilhada por todos tem

que ser realizada por cada um sob condições inteiramente diferentes, divide as situações

humanas e induz à competição mais ríspida, em vez de unificar uma condição humana

inclinada a gerar cooperação e solidariedade.” (BAUMAN, 2001, p. 116).

Uma das formas clássicas de manutenção de poder é desencorajar que as pessoas se

manifestem, se expressem. Como se expressar é uma necessidade humana, essa expressão

acaba acontecendo em grupos em que já se espera uma aceitação anterior, o que leva à

formação de guetos. A formação de guetos, por sua vez, vai na contramão do diálogo. Embora

precisemos nos aproximar de pessoas que acreditam nas mesmas coisas que nós, pois isso

nos fortalece e essa identificação é necessária para a afirmação da nossa identidade; por outro

15

O desenvolvimento das tecnologias e o uso das redes sociais, com seus mecanismos de busca e aproximação

por interesses, tem contribuído para o crescimento das chamadas “bolhas”, que acabam reforçando a ideia de que

o meu pensamento é dominante, já que o que eu vejo e tenho acesso o tempo inteiro são assuntos e informações

que apenas confirmam meu pensamento. Ou seja, eu não tenho acesso a outras opiniões. As opiniões diferentes

são percebidas como minoria. Eu não sou questionado, eu não sou solicitado a refletir sobre meu pensamento,

sobre minhas atitudes, ao contrário. Meu pensamento é reforçado. Ampliam-se as diferenças e consolida-se uma

identidade fechada. Essa identidade fechada vai contra a nossa estrutura humana, que é de abertura. Num

momento que carrega ainda a influência do pensamento dualista cartesiano, as bolhas e guetos são uma imensa

armadilha e uma arma poderosíssima para o aumento da intolerância, pois essa identidade fechada nos coloca em

posição de fechamento tanto para o outro quanto para si mesmo.

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67

lado, quando só convivemos com iguais não temos oportunidade de “refletir” sobre quem

somos, os nossos valores não são questionados. Nessa situação não existe crescimento pessoal

e sim uma exacerbação das diferenças entre os grupos.

Já que, de acordo com Morin (2013, p. 43), “as promessas de salvação pela economia

não foram cumpridas. A ideia de que progresso econômico acarretaria progresso social,

progresso moral, morreu. Como sair positivamente desse ciclo da modernidade ocidental,

preservando o melhor?” Quais seriam as possibilidades de crescimento e transformação

positivas existentes na crise de sentido pós-moderna?

3.1.4 Contribuições da pós-modernidade para a formação de um ser humano integrado:

esperanças e resistências

Leonardo Boff (2002a, p. 42), ao analisar situações de crise, percebeu que delas

emergem tipos de reações diferentes e as dividiu nas seguintes categorias de pessoas:

1) os escatologizadores, aqueles que veem a crise como uma catástrofe; 2) os

arcaizantes, os que se dão conta da crise e fogem para o passado; 3) os futuristas, os

que resolvem a situação da crise fugindo para o futuro; 4) os escapistas, aqueles que

resolvem a crise, fugindo para dentro, numa interiorização privatizante e 5) os

responsáveis, que seriam aqueles que veem na crise uma oportunidade de nova vida.

Que buscam tematizar as forças positivas contidas nela e formulam uma resposta

integradora das várias dimensões da vida.

Para nos posicionarmos de forma responsável diante desse momento e sendo, de fato,

contemporâneos, a seguir apresentaremos algumas possibilidades de crescimento sinalizadas

na sociedade pós-moderna16

.

A modernidade foi um período de muitas conquistas e uma delas foi a primazia da

racionalidade humana.

A sociedade moderna, então, não entra em crise por um excesso de racionalidade,

que tornaria árida a convivência social, devendo-se dar mais espaço ao sentimento

para equilibrar a situação. A sociedade moderna entra em crise por uma carência da

razão, usada segundo o paradigma iluminista, que não é mais capaz de dar conta de

todos os fatores da realidade, de orientar suas conquistas para responder às

exigências humanas. Com efeito, a razão não mais compara seus produtos com as

exigências elementares do ser humano, com as exigências de liberdade, justiça,

16

Agamben (2009) faz uma distinção entre período contemporâneo e ser contemporâneo em uma época. Onde

aquele capaz de ser contemporâneo é alguém que mantém fixo o olhar no seu tempo, para nele perceber não as

luzes, mas o escuro. É aquele que sabe ver a obscuridade, o que significa não apenas manter fixo o olhar no

escuro da época, mas perceber nesse escuro uma luz que, dirigida para nós, distancia-se infinitamente de nós.

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68

verdade, felicidade, e sim com as exigências do mercado, isto é, do lucro e do poder

(PETRINI, 2005, p. 23).

Percebemos na pós-modernidade - através da própria razão - que a racionalidade, o

avanço técnico científico, o consumo e acumulação de bens e o trabalho pelo dinheiro, por si

só, não nos satisfazem. Viveret, aponta para a urgência de se repensar a relação entre ter e ser

e a “própria natureza de nossos projetos, tanto no plano pessoal quanto no coletivo” (2006, p.

13) e mostra que não existe economia possível, se os fundamentos ecológicos, humanos ou

antropológicos estiverem em perigo. Ele destaca, ainda, que já existem movimentos em todo o

mundo que buscam um novo tipo de economia, chamada de economia solidária, que se

orienta por ideais mais humanos, a partir das lógicas de troca e de desenvolvimento não

material17

.

Se na modernidade o desenvolvimento de uma sociedade era medido exclusivamente

por índices racionais e econômicos; na pós-modernidade, as pessoas começam a questionar

esses índices e a identificar a necessidade de se criar novos índices de avaliação de

desenvolvimento social, que remontam à nossa humanidade. Destacaremos duas vertentes

que, a nosso ver, apontam para possibilidades de integração do ser humano e de uma

sociedade de paz, a despeito de todas as dificuldades enfrentadas na era pós-moderna.

A primeira delas seria perceptível no âmbito individual, quando constatamos um ser

humano que busca cada vez mais uma visão holística de si mesmo e da vida. Para Rubio

(2007, p. 275) “o mais importante para quem está interessado na visão integrada do ser

humano é que na visão sistêmica da vida abre-se a possibilidade da superação das dicotomias

entre mente e corpo (matéria) e entre sujeito e objeto”. A preocupação com o

desenvolvimento pessoal e pela busca por autoconhecimento é perceptível pelo aumento da

produção e consumo de livros de autoajuda, pelo surgimento de novos movimentos religiosos,

experiências místicas, cursos de física quântica, entre outros.

A visão holística do ser humano e do cosmo, influenciada pela física quântica e pela

biologia que, na explicação da vida, desenvolve a teoria dos sistemas vivos, pode ser

assim resumida: o ser humano é considerado de maneira integrada, superando-se os

dualismos clássicos e modernos. É visto como um sistema vivo relacionado de

múltiplas maneiras com os outros seres humanos e com o ecossistema vital do qual

faz parte. A consciência ecológica é especialmente valorizada bem como os aspectos

mais intuitivos e femininos, a colaboração, a receptividade e a perspectiva sintética.

17

Esses movimentos de resistência e de compartilhamento aparecem em várias esferas, sendo alguns deles

chamados de minimalism, slowparenting, coworking, cohouse, grupos de troca, escambo, moeda alternativa,

comunidades autossustentáveis, êxodo urbano, consumo consciente. Muitos deles podem ser comprovados

fazendo uma busca simples no google e/ou documentários disponíveis no youtube.

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69

Mas, procura, ao mesmo tempo, desenvolver um equilíbrio dinâmico entre o

racional e o intuitivo, entre a auto-afirmação e a cooperação, entre o masculino e o

feminino. (RUBIO, 2007, p. 280).

A segunda vertente pode ser percebida no âmbito coletivo, através da valorização dos

Direitos Humanos conquistados desde a modernidade e do acolhimento da pluralidade como

uma realidade. Percebemos que a cultura contemporânea procura valorizar “os aspectos

positivos do pluralismo cultural, ético e religioso, reconhecendo sua conveniência para a

realização da liberdade individual e para a consolidação da democracia social.” (PETRINI,

2005, p. 26).

O indivíduo pós-moderno não quer saber de deveres absolutos em relação à própria

vida. E rejeita, igualmente, o dever de se sacrificar em nome do social ou em nome

de grandes ideais (patrióticos, revolucionários, etc.). Mas em contrapartida, observa-

se uma acentuada valorização da ética: o hiperindividualismo coexiste com o

fenômeno crescente do voluntariado, com a solidariedade diante do sofrimento

humano, com a indignação moral diante das injustiças, do terrorismo e do desprezo

pelos direitos humanos. [...] Existe também hoje, um individualismo responsável

que exige uma ética igualmente responsável, que não fique reduzida ao âmbito

individual: Precisamos, sobretudo, de instituições políticas e econômicas mais

justas, mais inteligentes, mais eficazes. No interior do mundo hiperindividualista

reaparece, com nova força, a necessidade de instituições e estruturas a serviço da

justiça e da humanização. De maneira especial, chama a atenção o impulso que está

recebendo a valorização da ética no mundo da economia. Aqui também surge algo

paradoxal: a empresa, dedicada à procura do lucro, aparece, hoje, articulada com a

preocupação ecológico-social e com a solidariedade. (RUBIO, 2007, p. 268).

A construção da Constituição dos Direitos Humanos foi um primeiro passo para o

reconhecimento de todos enquanto seres humanos e da inclusão da maioria pobre e

marginalizada. Além de ganhar cada vez mais espaço para ser transformada em práxis, a

Constituição dos Direitos Humanos tem incluída sob o mesmo valor do ser humano, o

cuidado com o planeta, o que pode ser ilustrado através da Carta da Terra18

. Para Pedro

Oliveira (2009, p. 30), a Carta da Terra pode ser percebida como o despertar de uma

consciência planetária. “Em sua acepção sociológica, o conceito de consciência articula o

autoconhecimento (quem somos), o conhecimento experiencial da realidade (o que é o

mundo) e o critério ético para o agir transformador (em quê esse mundo deve ser mudado)”.

Essa consciência e o cultivo cada vez maior da espiritualidade, mesmo que vivida de

forma individualizada, aponta para uma possibilidade de superação do estado doentio em que

18

“A carta da Terra parte da consciência coletiva do drama que está ocorrendo na atual fase da planetização. Ele

pode se transformar numa tragédia ou significar uma grande crise de passagem de um paradigma a outro

diferente.” (BOFF, 2009, p. 24). “A carta da Terra, cuja importância pode vir a ser equivalente à da Declaração

Universal dos Direitos Humanos, proclamada pela ONU em 1948, desde então legitimou inúmeras ações

coletivas em defesa desses direitos.” (OLIVEIRA, p. 2009, p. 30).

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70

se encontra o ser humano pós-moderno. Nesse contexto de crise do ethos da sociedade

contemporânea, o que podemos identificar como adoecimento da pessoa humana? Como ele

pode ser percebido nos seres humanos contemporâneos?

3.2 Crise do ser humano contemporâneo

O modelo de civilização ocidental pós-moderna que acabamos de apresentar tem

efeitos sobre toda a sociedade e também sobre a saúde humana. Estamos em crise, e não

podemos dizer que se trata de uma crise individual e local, mas de um adoecimento espiritual

da humanidade. Frankl descreve, no decorrer das suas obras (1991/1992), que entre as razões

deste adoecimento espiritual estariam a falta de sentido; o vazio existencial causado pelo fim

das tradições que antes davam suporte às condutas humanas; a ausência dos valores, da

consciência da capacidade de autotranscendência, que é própria do ser humano e que

considera a necessidade humana de ir para além de si mesma, em direção ao encontro com o

outro.

São essas características que nos levam a afirmar que se trata de uma crise da

dimensão espiritual do ser humano. O ser humano está doente, pois o ethos ocidental

contemporâneo, sustentado pelos axiomas da racionalidade instrumental, do individualismo

moderno e do consumismo, o levaram a sua própria desumanização. Uma sociedade que

reduz o ser humano a sua imagem, através da espetacularização das relações, cria um

ambiente favorável à fragmentação humana.

As mudanças vividas com o desenvolvimento do capitalismo e da globalização

atingiram todas as esferas da vida individual e social. O ser humano contemporâneo vive

profundamente diante de incertezas, pois a configuração sociocultural da pós-modernidade,

que se caracteriza por ser veloz e fluida, sem referenciais sólidos de identificação, provoca

uma sensação de desamparo contínua, mas que é vivida como uma aparente liberdade.

Nos países altamente industrializados, isto é, onde a modernidade progrediu mais e

onde a forma moderna de pluralismo está plenamente desenvolvida, as ordens de

valores e as reservas de sentido não são mais propriedades comuns de todos os

membros da sociedade. O indivíduo cresce num mundo em que não há mais valores

comuns, que determinam o agir nas diferentes áreas da vida, nem uma realidade

única, idêntica para todos. (BERGER; LUCKMAN, 2004, p. 39).

Quando esses valores comuns, oferecidos pela sociedade, são valores que consideram

a estrutura humana em sua totalidade, há o favorecimento da construção de uma identidade

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71

saudável, pois permite que a pessoa se ocupe do aprofundamento da sua existência. Porém,

quando os valores oferecidos pelo social são desintegradores, eles favorecem o adoecimento

da sociedade. A seguir analisaremos as consequências da mentalidade pós-moderna na

construção subjetiva do ser humano contemporâneo, que se orienta em um contexto secular e

plural, através dos axiomas do individualismo e do mercado.

3.2.1 Adoecimento da dimensão espiritual humana

A decadência espiritual do nosso tempo pode ser identificada em quatro instâncias. Na

maneira como o ser humano interage consigo mesmo, com o outro, com o seu meio e com o

cosmos. Roese (2014, p. 489) percebe esse adoecimento nas três primeiras instâncias, da

seguinte forma:

A relação do ser humano com o meio onde vive está degradada, o poder de decisão e

ação sobre o mundo foi transferido às máquinas e o distanciamento da realidade já

impede que se veja implicado no mundo que o cerca. A relação do ser humano com

seu semelhante está igualmente deteriorada, e a violência é um dos sintomas de que

este mundo humano está em profunda crise. Da mesma forma, uma crise profunda se

abate sobre o ser humano e o seu mundo próprio, levando-o a uma situação de

sofrimento psíquico e espiritual de grandes proporções, que se manifesta também no

uso desmedido de drogas lícitas e ilícitas.

Essa decadência espiritual da sociedade revela uma crise da dimensão espiritual

humana. A dimensão espiritual é detentora dos nossos atos de controle e possui a capacidade

de articular e controlar nosso corpo e psique. O seu adoecimento, portanto, leva à

desarticulação das nossas dimensões, o que podemos chamar de uma crise ontológica

vivenciada pelos seres humanos. Através da nossa espiritualidade, somos capazes de refletir,

de usar a razão, de articular a vida percebida através das dimensões corpórea e psíquica e

oferecer um sentido a ela, através da elaboração das vivências e do aprofundamento das

nossas reflexões.

A nossa dimensão espiritual está adoecida, pois estamos enfatizando o seu aspecto

racional instrumental técnológico e negligenciado o seu aspecto autorreflexivo. O aspecto

filosófico e autorreflexivo da nossa dimensão espiritual é aquilo que nos permite criar valores,

emitir juízos, tomar decisões e agir em liberdade, considerando todos os fatores incluídos em

um processo. É o que nos permite aprofundar nas questões existenciais, que mantém a nossa

abertura ao mundo e às alteridades e que possibilita que encontremos um sentido a tudo que

nos acontece.

Page 74: DIÁLOGO E SENTIDO: Vida espiritual e encontro inter

72

O que nos marca de fato é a experiência da perda do sentido da vida humana através

do reinado pleno da razão instrumental que domina a natureza e os seres humanos.

Dessa forma, a razão se identifica hoje com o controle técnico universal, gerando a

estupidez em diferentes dimensões da vida: o ser humano termina reduzido a um

acessório da máquina e dos aparelhos de dominação. (OLIVEIRA, 2013, p. 74).

O raciocínio lógico é uma das formas de atuação da nossa dimensão espiritual e não a

única, como nos fez acreditar o pensamento positivista. Existem outras formas de o ser

humano conhecer a si mesmo e o mundo, tanto através das outras dimensões quanto através

de outros aspectos da dimensão espiritual. Porém, sob influência do positivismo, passamos a

fragmentar o ser humano e viver uma espiritualidade em que predomina o racional técnico-

científico e isso trouxe graves consequências para a humanidade.

Somos seres reflexivos, que olhamos de perto cada movimento que fazemos, que

estamos raramente satisfeitos com seus resultados e sempre prontos a corrigi-los. De

alguma maneira, no entanto, essa reflexão não vai longe o suficiente para alcançar os

complexos mecanismos que conectam nossos movimentos com seus resultados e os

determinam, e menos ainda as condições que mantêm esses mecanismos em

operação. Somos talvez mais predispostos à crítica, mais assertivos e intransigentes

em nossas críticas, que nossos ancestrais em suas vidas cotidianas, mas nossa crítica

é, por assim dizer, desdentada, incapaz de afetar a agenda estabelecida para nossa

escolhas na política da vida. (BAUMAN, 2001, p. 34).

O pensamento técnico-científico, sozinho, não oferece critérios de análise suficientes

que abarquem a totalidade do nosso ser e contribuam para que tomemos decisões realmente

livres. Isso ficou ainda mais evidente após a globalização e o contato com a pluralidade

cultural do mundo: “o pluralismo coloca sempre alternativas diante dos olhos, as alternativas

obrigam a refletir, a reflexão solapa o fundamento de todas as versões de um mundo curado –

ou seja, de sua autoevidência.” (BERGER; LUCKMAN, 2004, p. 58). Diante de várias formas

e possibilidades de viver, e não tendo mais um referencial externo que nos ajudasse a

distinguir um caminho adequado a seguir, tínhamos como único recurso fazer escolhas

baseadas na sua comprovação científica e que nos levassem a progredir segundo os pilares da

época. Porém, ao ideal racional que foi a marca da modernidade, seguiu-se a articulação da

razão com a emoção. Emergindo o que hoje chamamos de sociedade do espetáculo. “O que

faz a diferença entre o nosso tempo e outros períodos é a espetacularização da imagem e seu

efeito sobre a massa dos cidadãos contemporâneos, transformados em plateia ou em uma

multidão de consumidores da subjetividade dos outros.” (TEPEDINO, 2011, p. 539).

Através do trabalho midiático, nos são oferecidas incessantemente, sempre sob a

forma de consumo, inúmeras possibilidades de realização profissional, amorosa, religiosa,

Page 75: DIÁLOGO E SENTIDO: Vida espiritual e encontro inter

73

cultural, fazendo com que a incerteza seja um sentimento permanente, uma característica do

sujeito contemporâneo.

Diante das infinitas possibilidades e ofertas de todos os tipos que se apresentam, a

tarefa de escolher torna-se um fardo angustiante, em virtude do excesso fulminante

de alternativas e possibilidades que aparecem. [...] A dúvida passa a ser um

sentimento perpétuo, pois feita determinada escolha, não se sabe se a opção foi de

fato a mais acertada, dada a infinidade de possibilidades à disposição de todos.

(TAVARES, 2010, p. 30).

Ter muitas opções ou caminhos a seguir não significa necessariamente ter liberdade.

Liberdade mesmo, além de não ter um caminho imposto externamente, seria, diante de uma

infinidade de caminhos, ter critérios para escolher por um caminho que corresponda à

totalidade do nosso ser. Com a perda da importância da tradição e da memória na avaliação do

viver e agir cotidiano, categorias importantes para a formação da nossa identidade,

enfrentamos uma dificuldade na elaboração da nossa própria experiência.

Na velocidade da pós-modernidade, “tudo passa a ser sentido como algo que não tem

muita duração, que é visto como um modismo. Essa rapidez da mudança das ideias provoca

também o fenômeno da superficialidade, onde tudo passa a ser vivido sem profundidade.”

(GIOVANETTI, 1999, p. 170). Estamos diante de uma superficialidade generalizada,

percebida nas relações através da sua fragilidade; da superficialidade do acesso ao

conhecimento, que se satisfaz com manchetes e com um acúmulo de informações superficiais

que não se conectam e não se aprofundam; da superficialidade na relação com o corpo e com

a saúde, entre outros. “O tempo da contemporaneidade não favorece a subjetivação das

experiências, produzindo, assim, sujeitos vazios de significados e referenciais de

identificação.” (TAVARES, 2010, p. 36).

Hoje, as emoções são vividas intensamente, mas pouco refletidas. O que gera uma

falta de comprometimento e uma sensação de vazio logo após a satisfação dos prazeres.

3.2.2 Ênfase da dimensão psíquica na contemporaneidade

A partir da modernidade, o ser humano foi deslocado para o centro do mundo,

almejando liberdade para estabelecer suas próprias regras de felicidade. Com o seu

desenvolvimento, e agora ainda com o acréscimo do neoliberalismo e da midiatização e

norteado pela satisfação do consumo, o ser humano atual deseja realização instantânea, prazer

imediato e descompromissado. A vivência da dimensão psíquica como dominante na

Page 76: DIÁLOGO E SENTIDO: Vida espiritual e encontro inter

74

sociedade pós-moderna vem carregada de ambiguidades e uma delas é que a mesma

sociedade que valoriza a busca do prazer, vê crescendo o diagnóstico de depressão e os

índices de suicídio19

. O que leva alguns autores a afirmarem que existem fatores sociais

importantes no aumento de doenças mentais, podendo ser compreendidos como uma forma

contemporânea de mal estar.

De acordo com Giovanetti (1999, p. 166), “a vida psíquica articula-se a partir de uma

certa integração das várias faculdades psíquicas, como a preocupação e a representação, os

sentimentos e o pensamento e a vontade”. Sendo assim,

A vida psíquica é, por natureza, um todo que se articula na variedade das faculdades

psíquicas. E a quebra dessa unidade pode provocar um desequilíbrio na nossa vida

cotidiana. Essa quebra de unidade pode ocorrer no momento em que privilegiamos

uma ocupação unilateral e exclusiva de uma dessas esferas da vida psíquica, ou,

ainda, em que, ao privilegiar uma, anulamos a presença da outra, não levando em

consideração que, por exemplo, a matéria sob a qual a vontade e o pensamento

funcionam e à qual se referem os sentimentos são os conteúdos sensoriais e

representativos estruturados nas sensações e representações. A não-compreensão

dialética dessas diferentes esferas da vida anímica provoca o que designamos por

desintegração da unidade psíquica. (LERSCH, apud GIOVANETTI, 1999, p. 166).

O ser humano busca por felicidade e significado, mas a forma como ele responde a

essa inquietação existencial varia conforme os pensamentos dominantes de cada época. No

início da modernidade e do desenvolvimento industrial, a construção subjetiva humana passou

do ser, para o ter. Ter posses era o que movia o ser humano no início do capitalismo. Hoje, ter

já não representa tanto, se ele não servir também para aparecer diante do cenário de

espetáculo que rege a nossa sociedade. Houve um “deslizamento do ter para o parecer ou (a)

parecer diante do espaço social e, neste sentido, toda realidade individual torna-se social.”

(TAVARES, 2010, p. 40).

O que percebemos na contemporaneidade, em contraponto ao racionalismo moderno, é

um culto ao sentimento. Numa época de aparências, parecer importa muito mais do que ser.

Isso acontece porque, de maneira geral, se damos ênfase em uma dimensão da nossa vida, isso

provoca uma quebra na nossa harmonia e para restabelecê-la, buscamos o seu oposto. Uma

explicação para isso é que:

se somos massacrados pela extrema organização da vida, vamos dar asas à

imaginação, destacando a irracionalidade como a maneira de fazer frente à

unilateralidade da razão. Essa postura, que à primeira vista parece libertadora,

consiste, no fundo, em permanecer no mesmo referencial, pois se substitui uma

uniteralidade, a da racionalidade, por outra: a do sentimento. A vida, que era

19

Nos últimos 45 anos, os índices de suicídio aumentaram em 60% em todo o mundo. (DUTRA, 2017).

Page 77: DIÁLOGO E SENTIDO: Vida espiritual e encontro inter

75

governada pela sistematização da razão, passa a ser conduzida pela curtição dos

sentimentos e das sensações que estes oferecem. (GIOVANETTI, 1999, p. 168).

Além do supracitado, Giovanetti identifica também outros dois fenômenos

compensatórios em relação à ênfase da racionalidade moderna e que revelam a alienação do

ser humano contemporâneo: a grosseira substituição da religião pelas mais diversas formas de

espiritualidade e ocultismos; e a busca exagerada por distração e divertimento, que invade a

vida cotidiana com um interesse cada vez maior de nos anestesiarmos por programas que nos

impedem de pensar. Trata-se de um comportamento favorecido pela dinâmica de tempo pós-

moderna, já que “os espectadores tornam-se incapazes de julgar, avaliar e criticar qualquer

coisa que seja, pois isso requer um tempo de contemplação impossível de se concretizar nos

dias atuais” (TAVARES, 2010, p. 42).

O fechamento do ser humano ao seu dinamismo psicológico produz uma interioridade

egoísta que o leva a uma busca incessante por autoconhecimento e autorrealização. “O

homem pós-moderno não é religioso, é psicológico. Pensa mais na expansão da mente que na

salvação da alma.” (SANTOS, 1986, p. 94). Esse centramento da vida humana, com ênfase na

dimensão psicológica, deixa de lado as questões relativas ao sentido da vida e exclui o outro

do processo de personalização, ou o inclui de forma objetal, podendo levar a uma

desorientação e a um vazio existencial.

Os valores foram trocados pelos modismos, os ideais, pelo ritmo cotidiano. Saturado

de consumo e informação, ele encosta no conformismo, refletindo a famosa apatia

pós-moderna. Sem laços ou impressões fortes, sua apatia logo cai na depressão e na

ansiedade, ambas melancólicas. [...] Temendo a robotização, mas sem projetos, sua

vida interior é sem substância. (SANTOS, 1986, p. 103).

O ser humano contemporâneo se vê diante de uma imensa gama de opções de modos

de ser e possibilidades de prazer, mas sem critérios para escolher nem garantias sobre essas

escolhas, sejam elas garantias naturais, oferecidas pelo Estado; ou sobrenaturais, oferecidas

por uma Igreja. Resta a ele, portanto, curtir o momento presente ao máximo, ao mesmo tempo

em que precisa garantir o seu futuro. Esse paradoxo provoca várias consequências e algumas

delas são a necessidade e a ilusão de controle, bem como a insegurança. Para Bauman (2001,

p. 48), isso ocorre porque “riscos e contradições continuam a ser socialmente produzidos; são

apenas o dever e a necessidade de enfrentá-los que estão sendo individualizados”. Para esse

autor,

Page 78: DIÁLOGO E SENTIDO: Vida espiritual e encontro inter

76

o fenômeno que todos esses conceitos tentam captar e articular é a experiência

combinada da falta de garantias (de posição, títulos e sobrevivência), da incerteza

(em relação à sua continuação e estabilidade futura) e de insegurança (do corpo, do

eu e de suas extensões: posses, vizinhança, comunidade). (BAUMAN, 2001, p. 201).

A despeito de todo progresso alcançado com a modernidade, que prometia uma

felicidade ao ser humano, de maneira geral, ele não se encontra satisfeito. O que existe é uma

ilusão de controle que permeia toda a nossa produção de subjetivação e que gera, inclusive, o

surgimento ou aumento de várias doenças mentais. O que nos leva a afirmar que o ser humano

contemporâneo está passando por uma crise existencial. Os sintomas dessa crise podem ser

percebidos através do adoecimento psíquico cada vez mais presente em nossa sociedade, o

que se relaciona com o “paradoxo de que a modernidade produz o bem estar e o mal estar, os

extremos.” (ROESE, 2014, p. 492).

Em 2017, a Organização Mundial de Saúde, teve como tema de sua campanha a luta

contra a depressão, cujos números de casos diagnosticados crescem cada vez mais, fazendo-a

ser considerada a doença do século e a que mais pode matar nos próximos anos. Além da

depressão, percebemos o aumento dos casos de suicídios; doenças psicossomáticas;

transtornos de ansiedade; transtornos de humor; sexualidade vivida de maneira extrema,

levando à falta de libido natural e à recorrência frequente a medicamentos; banalização da

sexualidade; o aumento da produção e da procura por materiais pornográficos.20

Não podemos

deixar de considerar o consumismo e uso de tecnologia descontrolado; o aumento do uso de

drogas lícitas e ilícitas e de mecidamentos; o medo e a angústia generalizada em relação ao

futuro, entre outros21

.

Esse prazer vivido de forma desconexa, como uma presença ausente, própria da

fragmentação do humano, nos leva para outra questão: O que sobra da nossa corporeidade

quando desvinculada da relação com as outras dimensões humanas?

20

De acordo com estudos na área de neurologia, o aumento da ansiedade em nossos tempos pode ser uma

resposta fisiológica a uma exigência cada vez maior de perfeição. Explicação que podemos estender ao aumento

do uso de drogas, perda do prazer sexual e um crescente uso de remédios para prolongamento do prazer. (Dr.

Bruno Rezende de Souza, do Núcleo de Neurociências da UFMG, em palestra ministrada sobre saúde mental, no

dia 14/03/2017, na UFMG, em ocasião da comemoração da “Semana do cérebro”).

21

O excesso do uso de drogas, entorpecentes, antidepressivos, pelo menos no caso brasileiro, maior mercado de

remédios para dormir do mundo, tanto indicam uma frustração, como uma decadência da força de reflexão e de

criação de uma nova realidade. (ROESE, 2014, p. 500).

Page 79: DIÁLOGO E SENTIDO: Vida espiritual e encontro inter

77

3.2.3 Percepção do corpo na cultura contemporânea

Um corpo desvinculado das suas dimensões psíquicas e espiritual é um corpo adoecido

ou objetificado. O corpo é a porta de entrada do nosso contato com o mundo e com outras

pessoas. Através dele nos expressamos, definimos nosso lugar, nossa comunidade e também

modificamos o mundo.

Falar do corpo é falar, também, de nossa identidade dada a centralidade que este

adquiriu na cultura contemporânea cujos desdobramentos podem ser observados, por

exemplo, no crescente mercado de produtos e serviços relacionados ao corpo, a sua

construção, aos seus cuidados, a sua libertação e, também, ao seu controle.

(GOELLNER, 2007, p. 29).

No que diz respeito ao corpo enquanto estética, ele também é capaz de revelar um

pouco das nossas características pessoais, de grupo, crenças e cultura. A maneira como nos

apresentamos fisicamente pode ser uma forma de ser aceito pela sociedade e também de nos

diferenciarmos, de marcar nosso lugar no mundo, de identificar os nossos pares e até mesmo

de passar despercebido. A globalização econômica, ao mesmo tempo que impõe uma

massificação da aparência – processo que fica evidente quando viajamos pelos centros

urbanos de vários países do ocidente – exige também uma personalização, como um modo de

diferenciação e de destaque em meio a multidão. Tanto a massificação, quanto a

personalização são explorados pelo mercado e se retroalimentam.

Existem alguns aspectos específicos da cultura ocidental contemporânea que, de

acordo com Nico (2015, p. 68), podem contribuir para que o ser humano hoje, apesar de mais

rico que ontem, não se sinta realizado e eles estão diretamente relacionados aos cuidados com

o corpo. São eles o empobrecimento da qualidade da dieta alimentar, a inatividade física, as

disfunções endócrinas devido à exposição inadequada ao sol, a falta de sono, entre outros.

Além disso, os ideais de padrão do corpo moderno são inalcançáveis, porém, ao invés

de questionarmos os padrões estabelecidos - por quem e com qual interesse -, o que fazemos é

embarcar numa frustração individual. Impera uma estética, mas uma estética vazia, que forja

um conteúdo, ao invés de revelá-lo.

A vivência da dimensão corpórea na contemporaneidade, por sua própria

fragmentação, está repleta de movimentos contrários, ora em direção ao hedonismo, ora em

direção ao bem viver. “Nossa sociedade da magreza e da dieta é também a do sobrepeso e da

obesidade” (LIPOVETSKI, 2004a, p. 21). Um exemplo disso é que ao mesmo tempo em que

comemos para saciar um desejo, fazendo com que a comida sirva para preencher um vazio ou

Page 80: DIÁLOGO E SENTIDO: Vida espiritual e encontro inter

78

pelo simples prazer proporcionado pelo alimento, também nos impomos restrições

alimentares exageradas, oriundas de uma preocupação com um futuro saudável ou com a

estética atual.

Existe um ideal de corpo perfeito, que a principio considerava apenas a estética e que

hoje traz consigo o valor da saúde, porém, um valor vazio de sentido, pois se mostra como um

cuidado que se confunde com a aparência desse corpo ou sua manutenção produtiva. “A

ciência do século XIX, que classifica e analisa o corpo no seu detalhe, é aquela que vai

legitimar uma educação do corpo visando torná-lo útil e produtivo” (GOELLNER, 2007, p.

34). O avanço da medicina e da tecnologia produziu o desenvolvimento da cura e a prevenção

para vários tipos de doenças, mas também produziu, juntamente com outras características do

estilo de vida moderno, doenças.

A promessa de uma vida mais longa e saudável é acompanhada, por exemplo, de

inúmeros discursos e representações que autorregulam o indivíduo tornando-o,

muitas vezes, vigia de si próprio. A ênfase na liberdade do corpo no que respeita a

sua exposição e desnudamento nos espaços públicos caminha passo a passo com a

valorização dos corpos enxutos e em forma onde o excesso, mais que rejeitado é

visto, por vezes, como resultado da displicência ou falta de cuidado. (GOELLNER,

2007, p. 38).

A ambiguidade do estilo de vida moderno pode ser percebida em vários aspectos do

nosso cotidiano e fica evidente quando analisamos o contexto de surgimento e manutenção

das doenças modernas. Existe um complexo industrial que se beneficia do surgimento de

novas doenças e que, portanto, tem interesse na manutenção desse estilo de vida adoecedor.

Mendonça e Marinho (2008), ao fazerem um estudo comparativo entre medicamentos e

agrotóxicos, concluíram que:

A produção e venda de fármacos e agrotóxicos possuem uma mesma lógica, a de um

mercado baseado na formação de capital que nem sempre está preocupado com a

promoção de saúde e com a valorização do meio ambiente, alicerçado por políticas

geradas após a Segunda Guerra Mundial. Estas substâncias, produzidas em sua

maioria por multinacionais, tem seu consumo favorecido por estratégias comerciais

apoiadas pelo Estado. Assim, existe o consumo tanto de fármacos como de

agrotóxicos, apoiados pela mesma lógica comercial, produzidos pelo mesmo

complexo industrial, apresentando usos complementares. Agrotóxicos e fármacos

produzem intoxicações e doenças. (MENDONÇA; MARINHO, 2008, p. 474).

Trazer essa informação torna-se importante para compreendermos que essa

fragmentação humana não acontece ao acaso. Em geral, vivemos uma relação desintegradora

com nosso corpo, através de experiências que objetivam disciplinar nossos corpos, seja

através de uma educação moral, de um discurso de moda ou de progresso. “O raciocínio

Page 81: DIÁLOGO E SENTIDO: Vida espiritual e encontro inter

79

contemporâneo apresenta forte inclinação reducionista das investigações científicas para o

aspecto puramente biológico (corporal). E, infelizmente, esse modo perverso de reconhecer o

outro, estritamente pela composição biológica, causou a desconstrução da identidade do ser

humano.” (TEDESCO; STRIEDER, 2014, p. 109).

Essa fragmentação do corpo gerou uma insatisfação que já pode ser percebida através

do surgimento de movimentos de busca por experiências integradoras; pelo crescente

interesse em terapias holísticas ou em vivências religiosas com o predomínio da hilética; pelo

aumento do número de professores, terapeutas e médicos que apontam para a necessidade

desse cuidado e integração, entre outros. É “vivendo segundo o espírito, que o homem vive

humanamente sua vida corporal e psíquica” (VAZ, 1974, p. 218). Ao negligenciar a nossa

dimensão espiritual, nos desumanizamos e, consequentemente, desumanizamos o outro.

De acordo com Tedesco e Strieder (2014, p. 109), a contemporaneidade, ao objetificar

o corpo humano e não mais considerá-lo como lócus das relações entre humanos, mas como

responsabilidade individual de produção e intervenção no corpo, dissemina a morte da

subjetividade e da intersubjetividade humana. Isso nos leva para o próximo ponto: como se

estabelecem as relações em uma sociedade em crise espiritual?

3.2.4 Lugar do outro na contemporaneidade

A dimensão humana que chamamos de social refere-se à dimensão dialógica de cada

ser humano com o mundo. Dimensão responsável pelo intercâmbio entre o que acontece

dentro e o que acontece fora de nós e que se dá através das diversas formas de relacionamento

que podemos estabelecer. Uma formação humana não se completa sem a presença do social e

a forma como a sociedade se organiza influencia diretamente a maneira como esse indivíduo

se percebe e se posiciona no mundo.

A revolução antropológica do sujeito que passou do início da modernidade, do penso –

logo existo, para o sinto – logo existo de hoje, mudou o eixo principal de organização da

subjetividade contemporânea e trouxe como “característica fundamental do viver

contemporâneo um centramento no eu”. (GIOVANETTI, 2015, p. 93). Esse individualismo

nega a estrutura humana que se constitui desde o seu nascimento e durante todo o seu

desenvolvimento por uma dependência de outro, totalmente diferente de mim. Negar que nos

constituímos através de alteridades, afirmando o ser humano individual como única

possibilidade para se alcançar os ideais de progresso e liberdade modernos, trouxe grandes

consequências para a formação da subjetividade e de toda a sociedade.

Page 82: DIÁLOGO E SENTIDO: Vida espiritual e encontro inter

80

O individualismo pós-moderno impossibilita que aconteçam os processos de

singularização e a construção de comunidades, já que ele nega o seu contexto e a importância

do outro. As relações afetivas seguem a mesma lógica de consumo, onde “laços e parcerias

tendem a ser vistos e tratados como coisas destinadas a serem consumidas, e não produzidas”.

(BAUMAN, 2001, p. 205). Não existe um empenho, um compromisso diante de um

relacionamento, pois o objetivo principal, não é a sua durabilidade, mas ao contrário.

Na maioria dos relacionamentos atuais o outro é rapidamente esquecido e

desconsiderado após o envolvimento oportuno. O próprio envolvimento em si não se

cristaliza, pois eliminaria todas as outras possibilidades de encontros futuros e

experiências de prazeres imediatos. (TAVARES, 2010, p. 52).

Somados a isso, o fato de vivermos uma época que, por sua própria multiplicidade de

opções, também é cheia de incertezas e inseguranças, quando vivida de forma individual,

tende a exacerbar a distancia que nos separa dos outros. Essa forma de nos relacionarmos

através da competição garante a perpetuação de um sistema que tem como objetivo a

produção e o consumo, mas destrói nossa humanidade. “Esses resquícios de modernidade

continuam inculcando no tecido social o medo do relacionar-se com o outro, concebendo-o

como um adversário, que espreita para tomar sua vaga no emprego ou seu status social.”

(TEDESCO; STRIEDER, 2014, p. 108). Nossas relações se transformaram em relações de

utilidade ou competição e não de cuidado. Além disso, a individualização, como uma

dificuldade de encontrar uma causa comum pelo que lutar nos enfraquece politicamente na

busca por direitos sociais.

A incerteza do presente é uma poderosa força individualizadora. Ela divide em vez

de unir, e como não há maneira de dizer quem acordará no próximo dia em qual

divisão, a ideia de interesse comum fica cada vez mais nebulosa e perde todo valor

prático. Os medos, ansiedades e angústias contemporâneos são feitos para serem

sofridos em solidão. [...] Isso priva as posições de solidariedade de seu status antigo

de táticas racionais e sugere uma estratégia de vida muito diferente da que levou ao

estabelecimento das organizações militantes em defesa da classe trabalhadora.

(BAUMAN, 2001, p. 186).

Os laços afetivos também tornam-se mais frágeis nesse cenário individualista. Além

do outro se tornar um impeditivo para o progresso individual, “os avanços tecnológicos,

apesar dos inúmeros benefícios, contribuem também para a estagnação e/ou exclusão das

relações humanas.” (TEDESCO; STRIEDER, 2014, p. 108). Na sociedade tecnológica, nós

perdemos o contato direto com a vida e uns com os outros e vivemos relações mediadas por

aparelhos eletrônicos que, de acordo com Giovanetti (1999, p. 171), levam a um vazio

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81

existencial. “É a interposição de um mundo técnico, a ditadura da tecnologia sobre a

espontaneidade da vida, deixando, assim, o homem longe das suas relações imediatas com o

mundo e com os outros e provocando um distanciamento cada vez maior das riquezas do

contato espontâneo com a vida.”

Dessa forma, o outro e o próprio relacionamento adquirem um status de objeto,

perdendo o seu dinamismo próprio. Queremos tudo pronto e rápido e buscamos alguém que se

adeque a nós e não nos faça perder tempo. Tiramos o máximo proveito do outro, ao invés de

construir algo junto com o outro e esperar o que pode brotar desse encontro e diálogo. Não

nos fazemos sem o outro e a partir do momento que nos guiamos pelo individualismo,

fechamos a possibilidade de nos conhecermos em nossa totalidade.

Devido à sua própria estrutura transcendental, o ser humano precisa desse movimento

para fora para ser mais humano. Por esse motivo, Giovanetti (2015) afirma que a religião

pode ser uma força capaz de reverter a situação do sujeito voltado para si mesmo e apresentar

uma saída para a vivência da exterioridade.

A religião permanecerá, pois, no âmbito privado porque ela cumpre esse papel

essencial na vida, que é o de apontar o caminho para uma saída de si mesmo. É

nesse sentido que vemos a religião como uma força organizadora da subjetividade

no momento em que ela é um espaço de articulação do sentido da vida. Essa relação

com o sobrenatural recupera o outro como elemento importante na sua constituição

como pessoa. E mais, possibilita o descentramento egóico postulado pelo modo a ser

apresentado pela sociedade atual. Só a vida segundo o espírito proporcionará ao ser

humano uma vida mais plena. (GIOVANETTI, 2015, p. 107).

No início dissemos que a crise pode ser percebida através das quatro instâncias de

relacionamento do ser humano: consigo mesmo, com o outro, com o meio e com o cosmos.

Agora analisaremos mais detalhadamente as características da crise espiritual na relação do

ser humano com o cosmos. Antes da modernidade, os modelos de compreensão da sociedade

tinham a religião como um dos seus pilares; com a modernidade, a civilização ocidental

colocou o ser humano como senhor de si mesmo, norteado por um humanismo que visava a

democracia, igualdade e liberdade, rompendo assim com a importância da religião para a

felicidade e organização humana. Nesse sentido, como podemos explicar a insistência do

religioso na pós-modernidade? Qual seria o lugar da religião hoje na construção de sentido

humana e no reconhecimento de uma abertura ao outro? Qual a característica específica da

religião que a faz permanecer no indivíduo, mesmo tendo saído do lugar de organizar o

social?

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82

3.3 Senso religioso e democracia no Brasil contemporâneo

Tradicionalmente a religião contribuiu para a integração das sociedades humanas, na

medida em que tinha como uma das suas principais funções articular o sentido do que era

vivido em seu complexo social. Porém, hoje, de acordo com Hervier-Léger (2008, p. 80) as

religiões ocidentais estão em movimento. No contexto do pluralismo religioso, as religiões

perderam sua plausibilidade em relação à articulação de um sentido social e esse declínio

começou com a secularização e ganhou contornos próprios à medida que a modernidade foi

avançando.

As ciências que se ocupam da compreensão de uma cultura percebem que cultura e

religião estão de tal forma imbricadas que é difícil analisar uma cultura sem levar em conta

aspectos da religião, ou vice versa. Um termo que surgiu de análises dessa relação entre

religião e sociedade foi o conceito de secularização, que é apresentado de formas distintas por

vários autores. Consideramos oportuno, mesmo sem pretensão de esgotar esse conceito tão

polissêmico, apresentar algumas considerações sobre ele.

Weber (2004), ao analisar o desenvolvimento histórico do racionalismo, percebe que

houve uma mudança, do início do século XX em relação ao século XVII, no que tange à

influência dos conteúdos religiosos na conduta da vida e da cultura e chama de processo de

secularização, o declínio da religião como potência e sua separação do Estado. Ele percebe

que houve também um desencantamento do mundo, fazendo referência à perda de sentido da

sociedade e à eliminação da magia como meio de salvação.

Berger (1985), por sua vez, entende por secularização “o processo pelo qual setores da

sociedade e da cultura são subtraídos à dominação das instituições e símbolos religiosos”. E

percebe que a secularização manifesta-se em vários aspectos diferentes.

Quando falamos sobre a história ocidental moderna, a secularização manifesta-se na

retirada das Igrejas Cristãs das áreas que antes estavam sob seu controle ou

influência: separação da Igreja e do Estado, expropriação das terras da Igreja, ou

emancipação da educação do poder eclesiástico, por exemplo. Quando falamos em

cultura e símbolos, todavia, afirmamos implicitamente que a secularização é mais

que um processo sócioestrutural. Ela afeta a totalidade da vida cultural e da ideação

e pode ser observada no declínio dos conteúdos religiosos nas artes, na filosofia, na

literatura e, sobretudo, na ascensão da ciência, como uma perspectiva autônoma e

inteiramente secular, do mundo. Mas ainda, subentende-se aqui que a secularização

também tem um lado subjetivo. Assim como há uma secularização da sociedade e da

cultura, também há uma secularização da consciência. Isso significa, simplificando,

que o Ocidente moderno tem produzido um número crescente de indivíduos que

encaram o mundo e suas próprias vidas sem o recurso às interpretações religiosas.

(BERGER, 1985, p. 119).

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83

Para Berger, secularização seria, então, a saída da religião enquanto uma instituição

organizadora da sociedade e, portanto, fornecedora de estruturas objetivas para a formação

subjetiva dos indivíduos. Saída que abriu espaço para a queda do monopólio da Igreja

Católica no Ocidente, possibilitando a emergência de um pluralismo religioso. Tal emergência

levou o próprio autor a rever o termo, em sua obra Rumor dos Anjos (1996), quando

reconhece uma permanência ou um ressurgir do religioso e apresenta, em outro trabalho, o

conceito de dessecularização (2001), referindo-se ao retorno da influência da religião na

sociedade. Mas qual seria a função da religião na sociedade contemporânea?

Taylor (apud RODRIGUES, 2015), identifica duas grandes correntes de pensamento

em relação ao significado de secularização; uma que a descreve como o esvaziamento dos

espaços públicos de Deus ou de qualquer referência à Deus e outra que identifica um declínio

da crença e um abandono das convicções e práticas religiosas. O autor propõe ainda uma

terceira compreensão, onde o sentido da secularização corresponderia à “passagem de uma

sociedade em que a fé em Deus é inquestionável e, de fato, não problemática, para uma na

qual a fé é entendida como uma opção entre outras e, em geral, não a mais fácil de ser

abraçada”. Aqui o autor aponta o desafio de se crer em algo sobrenatural, em uma sociedade

marcada pela ciência positivista e que valoriza os prazeres efêmeros.

As religiões tradicionais e os movimentos religiosos, ao mesmo tempo que

acompanham as características predominantes de uma época, também surgem como resposta

ou resistência ao pensamento dominante. Esses movimentos, que acontecem

concomitantemente, podem gerar configurações religiosas diversas. Para compreender as

características da religião, no contexto do pluralismo religioso, e suas implicações na

construção de sentido social e individual, é imprescindível localizá-la dentro do amplo e

complexo quadro de globalização multifacetado que abarca as dimensões econômicas, sociais,

políticas, culturais e religiosas.

Compreenderemos a secularização como um processo de transformação do religioso,

conforme aponta Daniele Hervieu-Léger (2008, p. 37), que entende que a secularização não

pode ser resumida, nem confundida com a saída cultural e social da religião. Para Hervieu-

Léger, o que a secularização faz é combinar, de maneira bem complexa, “a perda da

influência dos grandes sistemas religiosos sobre uma sociedade que reivindica sua plena

capacidade de orientar ela mesma seu destino e a recomposição, sob uma nova forma, das

representações religiosas que permitiram a esta sociedade pensar a si mesma como

autônoma”.

Page 86: DIÁLOGO E SENTIDO: Vida espiritual e encontro inter

84

Com a saída da religião (GAUCHET, 2015) da centralidade de sentido do mundo, o

mundo viveu, de forma ainda mais preponderante a partir do século XX, uma quebra das

metanarrativas e em seu lugar foram oferecidas referências de sentido mais imediatas, tanto

por parte de religiões substitutivas, como por parte de ideologias e utopias. Elas oferecem um

sentido, mas não estruturam o social e, além disso, possuem como pano de fundo o mercado e

o individualismo, características que aparecem destacadas em várias formas de se crer na

contemporaneidade.

A diversidade religiosa acompanha a história da humanidade, mas o pluralismo

religioso, enquanto uma consciência dessa diversidade, é uma novidade22

. De acordo com

Berger e Luckmann (2004, p. 49), “talvez o fator mais importante no surgimento de crises de

sentido na sociedade e na vida do indivíduo não seja o pretenso secularismo moderno, mas o

moderno pluralismo”, que significa um aumento qualitativo e quantitativo do pluralismo. Isso

porque antes as formas de se crer estavam restritas à ligação com uma religião, que ao

organizar objetivamente o social, organizava também a subjetividade humana. Com a

secularização e o pluralismo moderno, perderam-se, portanto, a obrigatoriedade de

pertencimento a uma instituição religiosa para se afirmar a crença em algo, bem como as

referências de sentido único para organizar a nossa subjetividade.

Ganhamos, no lugar, uma pluralidade de sentidos, tanto religiosos, quanto de mercado,

que devem ser escolhidos individualmente, sob os critérios de uma modernidade racional e

capitalista que não respondem ao nosso desejo de totalidade, gerando uma crise generalizada,

“cujos sintomas afetam um grande contingente de pessoas e, entre outros, podem ser

verificados na desesperada busca pelo restabelecimento, ou seja, busca por religião e

experiências de cunho espiritual” (ROESE, 2013, p. 1615). Para compreendermos as

características da busca de sentido humana contemporânea é imprescindível analisar as

características do fenômeno religioso.

De acordo com Goffi e Fiores (1993, p. 341), “apesar das sombrias previsões sobre o

fim da religião, nossa época está cheia de movimentos espirituais que demonstram a

vitalidade do sentido religioso no mundo atual e particularmente na Igreja”. Eles afirmam

ainda que

O renovado interesse espiritual de nossa época brota de profundas exigências de

autenticidade, de dimensão religiosa, de interioridade e de liberdade, que não

satisfaz a sociedade consumista. A civilização industrial não cumpriu suas

22

Pluralismo religioso diz respeito à consciência da diversidade e pluralidade religiosa diz da realidade da

diversidade religiosa.

Page 87: DIÁLOGO E SENTIDO: Vida espiritual e encontro inter

85

promessas: em vez de oferecer um mundo segundo a medida do homem, em que este

pudesse morar e conviver procurando o bem comum, trouxe-nos, entre outras coisas,

o critério da produtividade como parâmetro de valor, a massificação e a manipulação

das pessoas, uma angustiante incomunicabilidade, um futuro ameaçador, a atrofia

dos sentimentos e a poluição ecológica. (GOFFI; FIORES, 1993, p. 341).

Talvez uma das marcas mais fortes da religiosidade pós-moderna seja uma invariante

permanência do sagrado, “ora recalcado, ora em evidência, ora em retração, ora de presença

extensiva no tempo, ora extremamente breve, ora como adesão profunda, ora de forma

superficial, tudo de acordo com as conjunturas e tendências societárias majoritárias”

(STARK, BAINDRIGE apud CAMURÇA, 2008, p. 98). A experiência religiosa pós-moderna

não acontece em um único local e não pertence a apenas um dos polos, seja de dominação da

religião institucional, ou de ausência da vida humana contemporânea. Nem sagrada, nem

profana. Tão sagrada, quanto profana.

3.3.1 Campo religioso do Brasil contemporâneo

No cenário brasileiro, a secularização e o pluralismo religioso possuem contornos

próprios. O Brasil, por seu próprio processo de colonização, é um país que possui em sua

cultura uma influência muito grande da Igreja Católica e “um clima espiritualista”

(SANCHIS, 2012), que leva os brasileiros, de maneira geral, a ter uma certa predisposição à

religiosidade. Uma tendência geral que se repete com certa constância em vários grupos,

como um processo. Características que até favorecem o sincretismo brasileiro, oferecendo ao

nosso cenário particularidades que interferem na religiosidade do povo.

As transformações históricas ocorridas na Europa ocidental moderna, incluindo a

percepção de que a secularização do cristianismo europeu é decorrente da modernização, não

é um processo que pode ser generalizado. No Brasil, de acordo com Camurça (2008, p. 94), os

teóricos dividem opiniões em relação à efervescência dos novos movimentos religiosos. As

“posições teóricas no país acompanham a polarização mais geral: de um lado, a posição que

analisa esta revivescência religiosa como reforço da secularização, e outra, na direção oposta,

como irrupção do sagrado e reencantamento do mundo.”

O fato é que a vivência religiosa no Brasil sofreu, nas últimas décadas, fortes

mudanças. Alguns aspectos do novo perfil devem-se à multiplicação e maior

visibilidade dos grupos orientais, em toda a sua diversidade étnica e cultural, à

afirmação religiosa indígena e afro-brasileira, em suas diversas matizes, a presença

pública das diferentes expressões do Judaísmo e do Islamismo, às expressões

espiritualistas e mágicas que se configuram em torno da chamada Nova Era, ao

fortalecimento institucional dos movimentos católicos de renovação carismática, e

Page 88: DIÁLOGO E SENTIDO: Vida espiritual e encontro inter

86

ao crescimento evangélico, em especial, o das igrejas e movimentos pentecostais.

Todas essas expressões, além de outras, formam um quadro complexo e de matizes

as mais diferenciadas. (RIBEIRO, 2013, p. 60).

Segundo dados IBGE (2010), em relação à pertença religiosa, a população brasileira se

divide em 64,6% de católicos, 22,2% de evangélicos, 8,1% de sem religião e 5% de outras

religiões. Esses dados são bem diferentes dos dados coletados pelo mesmo instituto nos

últimos anos, o que deixa em evidência uma mudança no nosso cenário religioso. Para

Hervieu-Léger, “a religiosidade das sociedades modernas está em movimento” (2008, p. 80),

por isso, para compreendermos a realidade religiosa brasileira contemporânea, precisamos

analisar este movimento que ocorre aqui no Brasil.

De maneira geral, percebemos que “prosperou a diversificação da pertença religiosa e

da religiosidade no Brasil, mas se manteve praticamente intocado seu caráter

esmagadoramente cristão.” (MARIANO, 2013, p. 119). Conforme apresentado no quadro

abaixo, tivemos nos últimos 30 anos, um declínio do catolicismo acompanhado de um

crescimento dos evangélicos. O Cristianismo teve uma diminuição percentual de menos de

10% entre 1980 e 2010 (95,80 para 88,80), sendo ainda a crença majoritária do brasileiro,

tendo, portanto, uma grande influência em sua formação cultural23

.

TABELA 1 - Pertença religiosa da população brasileira

1980 1990 2000 2010

Católicos 89,2% 82,96% 73,60% 64,6%

Evangélicos 6,6% 9% 15,4% 22,2%

Sem religião 1,6% 4,7% 7,3% 8,1%

Outras religiões 2,5% 3% 3,5% 5%

Fonte: IBGE, 2010

Em relação à diminuição do número de pessoas que se declaram católicas, é

importante ressaltar que, inversamente à queda do catolicismo nas últimas décadas, a Igreja

Católica enquanto instituição vem crescendo tanto em número de sacerdotes, quanto em

quantidade de novas Igrejas sendo construídas, mostrando que a crise do catolicismo no Brasil

23

Característica que pode, inclusive, influenciar nas respostas ao questionário sobre religiosidades, já que temos

um imaginário popular que estigmatiza algumas práticas religiosas. Um exemplo disso é a quantidade de pessoas

que declaram pertença a religiões de matriz africana ser tão baixo. “Umbanda e candomblé, somados,

permaneceram com parcos 0,3% da população brasileira, não obstante sua forte presença no imaginário social e

sua elevada clientela de consulentes. A demonização pentecostal contra os cultos afro-brasileiros, por certo,

exerceu algum impacto negativo sobre a expansão dessas religiões e, talvez, até sobre a autoidentificação

religiosa de seus adeptos diante de tal discriminação, problema que resulta igualmente, mas por outras razões, de

seu velho sincretismo com o catolicismo”. (MARIANO, 2013, p. 122).

Page 89: DIÁLOGO E SENTIDO: Vida espiritual e encontro inter

87

não é institucional. “A Igreja Católica vem crescendo significativamente por meio de novas

paróquias, criadas nas últimas décadas, e conta atualmente com um percentual de padres por

habitantes no país que jamais teve em toda a sua história.24

” (STEIL; TONIOL, 2013, p. 232).

Percebemos que a despeito do que se esperava com a secularização, “as formas

pentecostais e carismáticas ganharam apego popular, espaço social e base institucional, tanto

no mundo evangélico quanto no católico.” (RIBEIRO, 2013, p. 63). No que tange à expansão

dos evangélicos, que passaram de 6,6%, em 1980; para 22,2%, em 2010, um aspecto que

chama a nossa atenção é que o crescimento dos evangélicos ocorreu principalmente entre os

pentecostais e neopentecostais. Essas denominações religiosas possuem características

consoantes com as exigências do mercado e possuem um discurso de progresso que se adequa

bem ao cenário pós-moderno25

.

Percebemos uma crise na transmissão das tradições religiosas, que abre espaço tanto

para o surgimento de novas denominações dentro das religiões tradicionais, como para a

criação de novos movimentos religiosos. A terceira linha da tabela 1 apresenta-nos um dado

referente ao crescimento daqueles que se declaram sem religião. Apesar de representarem

apenas 8,8% na última pesquisa do IBGE, eles são o grupo que registrou maior crescimento

percentual nas últimas décadas, representando hoje o terceiro maior grupo religioso no país e

no mundo.

Outro aspecto que precisamos destacar em relação a esses dados é que a denominação

sem religião refere-se àqueles que não possuem ligação com uma instituição religiosa. Essa

ausência de vínculo institucional, de acordo com Mariano (2013, p. 123), “tende a resultar na

redução da influência de grupos religiosos na formação dos valores pessoais, sendo

efetivamente o mais secularizado de todos os grupos religiosos”. A despeito disso, muitos dos

que se declaram como sem religião relatam acreditar em algo transcendental, mas não

possuem uma prática espiritual. De acordo com os dados de uma pesquisa analisada por

RIBEIRO e CAMPOS (2014) sobre senso religioso e contemporaneidade, entre as pessoas

24

Desde 1990, observamos que o número de paróquias passou de 7.786 para 10.720. Isso é um aumento de

quase 40%, em 16 anos. Com relação ao número de sacerdotes, o aumento é ainda mais contínuo e expressivo. A

partir da década de 1980 até 2010, o número de sacerdotes passou de 12.688 para 22.119, um aumento de mais

de 60%. (STEIL; TONIOL, 2013, p. 233).

25

Em geral, pentecostais e neopentecostais caracterizam-se por serem “igrejas fundadas por brasileiros e com

investimento nacional, têm fortes lideranças, opõem-se aos cultos afro-brasileiros, seus cultos estimulam a

expressividade emocional, colocam ênfase em rituais de cura e exorcismo, na guerra espiritual e na prosperidade

(teologia da prosperidade), são bastante liberadas no que toca a estereótipos de usos e costumes, têm uma

estrutura empresarial significativa, adotam técnicas de marketing e gerenciamento modernos, incluindo uma

exploração agressiva dos meios de comunicação de massa e técnicas enérgicas de persuasão.” (SIQUEIRA,

2006, p. 14).

Page 90: DIÁLOGO E SENTIDO: Vida espiritual e encontro inter

88

pesquisadas que se autocompreendem como sem religião, assim como no censo de IBGE,

apenas 10% declararam não acreditar em Deus26

.

A última linha da tabela 1 refere-se ao crescimento de outras religiões no Brasil, que

representam 5% da nossa população. Sendo que desses, 40% se denominam como espíritas.

Apesar de insignificante no conjunto, o crescimento do grupo de novas religiões e

espiritualidades é marcante na sociedade brasileira. O indivíduo pós-moderno possui uma

vida fragmentada e encontra dificuldades para reconstituir sua unidade. “O desenvolvimento

em proliferação das crenças a que assistimos hoje, responde, em larga medida, à necessidade

de recompor, a partir do indivíduo e de seus problemas, alguma coisa desses universos de

sentido perdidos”. (HERVIEU-LÉGER, 2008, p. 56). Elas mostram uma tendência de

orientalização e de busca por experiências integrativas do ser.

Discutir pertença religiosa em um contexto de secularização e pluralidade, em que a

obrigatoriedade de pertencimento a uma única religião não existe e onde o indivíduo pode se

relacionar de maneiras distintas com uma religião, leva ao aparecimento de novos fenômenos

religiosos, tais como a dupla ou múltipla pertença e o trânsito religioso. Fenômenos ainda

difíceis de mensurar devido aos próprios do questionário aplicado pelo IBGE.

De acordo com Steil, Toniol (2013, p. 229), “as condições e predisposições atuais

apontariam para práticas e experiências religiosas que se configuram a partir dos indivíduos

enquanto sujeitos livres, capazes de optar por um caminho entre os muitos que se apresentam

como possibilidades em seu horizonte existencial”. Tanto os movimentos de renovação que

acontecem dentro das igrejas históricas tradicionais, quanto o surgimento de novas religiões e

movimentos religiosos, de alguma maneira, respondem à característica do homem pós-

moderno.

3.3.2 Senso religioso contemporâneo

A permanência da experiência religiosa na história da humanidade, além de ser um

indício da busca humana pelo sentido da vida, apresenta formas variadas ao longo do tempo e

lugar, o que nos permite conhecer características de determinado período histórico,

conhecendo as características do senso religioso daquela época e vice versa.

26

Pesquisa realizada na PUC Minas, com o apoio da FAPEMIG, CNPq e do Fundo de Incentivo à Pesquisa –

FIP PUC Minas.

Page 91: DIÁLOGO E SENTIDO: Vida espiritual e encontro inter

89

o sentimento, as disposições, os movimentos e manifestações daquilo que pessoas e

grupos expressam em relação à dimensão espiritual, ou seja, ao ultrapassamento

qualitativamente superior aos anseios ordinários e rotineiros. Contudo, diferente do

sentido que possa conter o sentido da religião, por senso religioso se entende algo

não necessariamente vinculado àquele processo de institucionalização do qual

depende o sentido estrito do termo religião. Senso religioso, neste sentido, ultrapassa

a noção de vínculo a uma instituição religiosa e abriga experiências e noções que são

correlatas, mas que são vivenciadas em anterioridade e para além das determinações

institucionalizantes das religiões. O senso religioso, embora constitutivo do ser

humano enquanto disposição para um ultrapassamento de seus limites está sempre

determinado pelo caráter de temporalidade, ou seja, de uma contextualidade epocal.

(RIBEIRO; CAMPOS, 2014, p. 313).

Quando cruzamos os dados referentes ao trânsito religioso brasileiro com os dados

referentes ao poder aquisitivo e à escolaridade da população, obtemos informações

importantes para compreendermos não só a religiosidade contemporânea, mas os vários

papéis que a religião pode ocupar em uma sociedade secularizada, plural e pós-moderna.

Fazendo uma análise do movimento religioso em relação ao nível de escolaridade e

renda mensal das pessoas que migraram para as religiões de maior crescimento, dois pontos

nos chamam atenção. A população brasileira de menor renda e escolaridade migrou para as

religiões pentecostais e neopentecostais e o crescimento do percentual de protestantes, sem

religião e daqueles que declaram pertencer a outras religiões, se deu por pessoas com maior

renda e nível de escolaridade.

O pentecostalismo cresce, sobretudo, entre aqueles que são, em princípio, excluídos

da sociedade, com problemas básicos, como é o desemprego em nossas sociedades.

E os grupos místico-esotéricos, ou buscadores de uma nova religiosidade, compõem

o outro ponto do contínuo que inclui, sobretudo adeptos que têm níveis altos de

escolaridade e, no geral, a materialidade resolvida. (SIQUEIRA, 2006, p. 23).

Quando analisamos essas informações pelo viés da busca de sentido, percebemos que

as religiões pentecostais e neopentecostais possuem um discurso e um método de persuasão

que responde a um desejo de pertencimento de uma população que está marginalizada em

uma sociedade capitalista e que não tem acesso nem mesmo ao básico, e a igreja funciona não

só como esperança de uma melhoria de vida, mas oferece uma rede de apoio com suporte

concreto para as necessidades cotidianas. “Os pobres percebem tanto um verdadeiro sentido

teologal quanto possíveis ilusões. Há um espaço de discernimento que precisa ser feito”.

(LIBANIO, 2002, p. 215).

O crescimento dos evangélicos pentecostais, de forma preponderante entre os pobres,

paralelo a um crescimento do pentecostalismo na esfera pública, usando a política e a mídia

como meios para alcançar objetivos neoliberais, mesmo em desacordo com valores

Page 92: DIÁLOGO E SENTIDO: Vida espiritual e encontro inter

90

propriamente religiosos, transforma a religião em uma mercadoria que serve tanto aos líderes

religiosos, quanto aos seus fiéis.

Ao mesmo tempo, o crescimento dos sem religião e pertencentes a outras religiões e

novos movimentos religiosos, entre as pessoas com maior escolaridade e poder aquisitivo,

apontam para a necessidade de algo para além dos benefícios que os valores pós-modernos

podem oferecer. Existem estudos realizados pela Organização Mundial de Saúde para

compreender o aumento dos casos de depressão no mundo, hoje considerada uma epidemia

silenciosa. Os dados de tais estudos "parecem indicar que seus determinantes são

predominantemente de origem social, aspectos inerentes às sociedades pós-modernas.”

(NICO, 2016, p. 20).

De acordo com Frankl (1991), talvez a mais humana de todas as necessidades

humanas seja a necessidade de sentido. “A crise de sentido e de valor permite que facilmente

se provoquem nas pessoas necessidades e desejos religiosos” (LIBANIO, 2002, p. 39). Talvez

essa procura religiosa, insistente em um mundo moderno e globalizado e presente em todas as

esferas sociais, seja reveladora de uma resistência ao nosso atual modo de vida.

A impressionante mudança da espiritualidade, constitui uma forte crítica contra a

sociedade unidimensional, demasiado racionalizada e dominada pela ideia do

progresso, da funcionalidade e do desenvolvimento econômico. Evidencia a

necessidade religiosa do homem, que corre o risco de ver-se obnubilado pela

tecnologia, e lembra que ser homem não se reduz a produzir nem a servir de

demiurgo que funcionaliza, manipula, projeta e transforma. Ser homem significa

também saber escutar o mistério das coisas, contemplar a realidade, encontrar a

unidade com a natureza e com o homem, refletir sobre o sentido do homem através

de gestos e de ritos simbólicos. (GOFFI; FIORES, 1993, p. 343).

Paralelo ao crescimento do pluralismo religioso e das várias manifestações religiosas,

assistimos ao crescimento do fundamentalismo no Brasil. E o problema das visões

fundamentalistas “é que elas tendem a gerar formas dualistas e maniqueístas de ver o mundo,

tendem a separar fácil e artificialmente o sagrado e o profano, e a um não aprofundamento das

explicações racionais dos dilemas e vicissitudes da vida atribuindo, por vezes, explicações

religiosas descontextualizadas de seus princípios fundantes.” (RIBEIRO, 2013, p. 67). O

fundamentalismo oferece uma resposta segura e certa em um mundo de incertezas e isso, de

imediato, pode ser um alívio para a construção da subjetividade, mas se revela como violenta

tanto para a formação do eu, quanto para o convívio social pacífico, na medida em que anula

as alteridades.

O senso religioso contemporâneo, seja ele realizado através de uma bricolagem ou

mesmo vivido na profundidade de uma pertença religiosa, exclui o outro, sendo totalmente

Page 93: DIÁLOGO E SENTIDO: Vida espiritual e encontro inter

91

centrada no eu. Essa postura de fechamento, além da falta de sentido, pode gerar um

adoecimento generalizado.

Tendo em vista os dados referentes à influência da desigualdade social na saúde

mental e no bem estar das pessoas e da sociedade, e considerando a busca por experiências

religiosas por todas as classes sociais, precisamos pensar o papel ético das religiões na

contemporaneidade. “A religião consegue falar às dimensões profundas do ser humano,

oferecendo-lhe um horizonte abrangente de interpretação da dor, do sofrimento humano, do

pecado, da existência do mal e da falta de sentido da vida humana.” (LIBANIO, 2002, p.

188).

A religião deve repensar o seu papel na atualidade, ela “não pode pretender nem

mudar o mundo, nem regular a sociedade, mas ela pode transformar os indivíduos”.

(HERVIEU-LÉGER, 2008, p. 128). Isso porque a existência da religião e da experiência

religiosa na contemporaneidade é um fato, precisamos discutir a questão ética da religião e da

política hoje e repensar sua atuação na contemporaneidade.

O senso religioso, enquanto uma busca pelo sentido da vida, permanece e adquire

contornos próprios do seu tempo; e a religião persiste, mesmo em momentos seculares e

modernos e manifesta-se não só no âmbito privado, mas ganhando peso também na esfera

público social. Quais as possibilidades de atuação da religião na organização social e de

sentido em um mundo plural? É possível a participação da religião na política e na construção

da democracia em um estado laico?

3.3.3 A construção de uma sociedade democrática: religião, ética e política

A república Federativa do Brasil, desde o ano de 1890, declara-se como um Estado

Laico. Quando um país declara laicidade significa que sua organização não está diretamente

ligada a nenhuma religião. Porém, essa laicidade pode adquirir contornos diferenciados, de

acordo com cada cultura. No Brasil, dizer que somos um Estado Laico significa dizer que

reconhecemos a pluralidade de religiões e crenças existentes em nosso território e que todas

possuem, pelo menos legalmente, a possibilidade de praticar a sua fé, viver a sua experiência

religiosa. Alguns países, como a França, por exemplo, denominam-se como estado Laico e

não permitem que exista nenhuma referência religiosa nos espaços do governo. Uma realidade

que está bem longe de existir em nosso país, repleto de altares, santas e cruzes nos âmbitos

governamentais.

Page 94: DIÁLOGO E SENTIDO: Vida espiritual e encontro inter

92

Manfredo Oliveira (2013, p. 93) afirma que os conceitos de liberdade religiosa e

neutralidade do Estado deveriam condicionar-se mutuamente. Mas para que isso aconteça é

necessário que os cidadãos estejam convictos da necessidade de viver em uma ordem

democrática. E que o Estado secular é uma condição necessária, mas não suficiente para

assegurar a liberdade de pertença e prática religiosas.

A democracia torna-se, então, uma questão decisiva, pois ela é o espaço em que é

possível trabalhar a própria divisão interior, aceitando não se voltar contra o

próximo. É um espaço privilegiado de trabalho sobre si mesmo em um indivíduo

que busca sabedoria. [...] Como é que um cidadão, que forma seu julgamento, é

levado a entrar em relação com o outro? É aí que a democracia se nutre

ontologicamente, em seu próprio ser, da pluralidade, da diferença e mesmo da

divergência. (MORIN, 2013, p. 58).

O que percebemos no Brasil, porém, é que, a despeito da declarada laicidade do

Estado, existe um crescente interesse na participação política por parte, principalmente, das

religiões cristãs conservadoras, que visam difundir e defender seus interesses por meio da

atuação política. De acordo com Perlatto (2013, p. 151), o processo de dessacralização e

secularização “tem conduzido a uma presença pública diversificada, e as variadas tradições

religiosas têm procurado participar da esfera pública de diferentes maneiras. Os segmentos

evangélicos têm tido maior sucesso nesta disputa religiosa na esfera pública, como evidencia

o Censo de 2010.” (PERLATTO, 2013, p. 151).

A despeito disso, Gauchet (2015, p. 20) afirma que hoje, até mesmo o crente mais

zeloso não acredita mais na existência de uma política de Deus, para ele existe uma

“separação entre o que é da ordem do além e o que é da ordem do governo comum aqui na

terra”. Em relação ao cenário brasileiro, Pedro Oliveira (2014, p. 319) ainda acrescenta que,

“as divindades que hoje conquistam adeptos e fazem sucesso não interferem nas estruturas

sociais e políticas nem impõem uma ordem moral de pretensão universalista, limitam-se a

ajudar a dar sentido e eventualmente melhorar qualidade de vida da pessoa individual”.

A observação da nossa realidade, em concordância com a afirmação de Perlatto

(2013), nos leva a questionar se as afirmações de Gauchet e Pedro Oliveira podem ser

generalizadas no contexto brasileiro. Ao mesmo tempo, precisamos também discutir se é

possível a participação religiosa na política, não no sentido de legislar ao lado do Estado, mas

no sentido de se organizar de forma a representar a pluralidade religiosa, assumindo o papel

de uma laicidade mediadora. Esse termo foi cunhado por Daniéle Hervieu-Léger (2008), em

sua obra O peregrino e o convertido, ao defender que a relação entre religião e Estado laico

Page 95: DIÁLOGO E SENTIDO: Vida espiritual e encontro inter

93

pode passar de um regime de neutralidade pacífica para uma cooperação razoável em matéria

de produção de referências éticas.

A qualidade de uma democracia implica, necessariamente, numa capacidade de

acolher como pessoa todos os indivíduos. Daí a importância de discutir as questões éticas do

fazer democrático. O caminho não seria negar a participação da religião na política, já que a

nosso ver, ela já acontece, mas assumi-la, para que ela possa ser regulamentada e que, de fato,

contribua para o exercício da democracia e a garantia dos direitos de todos os cidadãos.

Para isso, as discussões e ações religiosas que visam ao exercício da democracia

precisam ir para além das questões da linguagem secular 27

e do discurso apenas politicamente

correto de inclusão do outro. Bauman (2001, p. 55) diz que o espaço público está cada vez

mais vazio de questões públicas. Para o autor, ele deixou de desempenhar sua antiga função

de lugar de encontro e diálogo sobre problemas privados e questões públicas. E se “o elo entre

os valores universais e a realidade da vida social historicamente constituída é a política”,

então talvez esse seja um lugar apropriado para a participação das religiões.

A participação religiosa na política que percebemos hoje não acontece de forma

democrática mas, muitas vezes, totalitária, levando a cabo soluções impostas e não escolhidas

pela maioria, o que aumenta o poder de quem já está no poder e tira a liberdade individual de

todos os cidadãos:

A liberdade individual não pode efetivamente ser atingida por esforços apenas

individuais: que, para alguns poderem assegurar e desfrutar disso, algo deve ser feito

para assegurar a todos a possibilidade de seu desfrute, e que fazer isso é a tarefa em

que os indivíduos livres só devem empenhar-se conjuntamente e mediante sua

realização comum: mediante a comunidade política. [...] Que a liberdade de todo

indivíduo, e o livre desfrute dessa liberdade, requer a liberdade de todos; e que a

liberdade de cada um precisa estar assegurada e garantida pelos esforços conjuntos

de todos. Para cada indivíduo livre estar livre do medo da privação e da falta de

emprego, é necessário que todos estejam livres da genuína privação e da falta de

emprego. (BAUMAN, 1998, p. 255).

A nossa proposta é que as religiões, enquanto instituições, dialoguem a partir da sua

dimensão ética e não dogmática e que sirvam a todos e não somente a seus fiéis. Um

compromisso social que, como defende Libanio (2002, p. 184), deve ser assumido através de

um diálogo e da união das religiões em torno das causas éticas. “À medida que as religiões

dialogarem entre si e criarem grandes frentes éticas conjuntas em torno dos direitos humanos,

27

Existe uma preocupação com a linguagem do discurso religioso em um Estado laico. Alguns autores

defendem que hoje para a religião fazer parte da política, ela precisa mudar a sua linguagem. E nós

concordamos, já que argumentos de fé não são (e nem sei se devem) mais impostos por eles mesmos. Apenas

queremos destacar que as discussões devem ir para além da tradução da linguagem religiosa para uma secular.

Page 96: DIÁLOGO E SENTIDO: Vida espiritual e encontro inter

94

dos valores civilizacionais, das causas maiores para a humanidade, tanto mais força político-

cultural terão.” Como a crise que vivemos trata-se principalmente de uma crise de sentido, e

as religiões têm como uma de suas principais preocupações essa questão, talvez o diálogo

inter-religioso possa favorecer ou contribuir para que as pessoas vivam uma vida com mais

sentido.

Considerando que somente através da vivência da sua dimensão espiritual o ser

humano é capaz de se manter integrado, essa mesma vivência também possibilita recuperar a

importância da alteridade para a construção da nossa subjetividade de forma a responder

também à nossa necessidade de sentido. Se as religiões isoladamente podem contribuir para

essa organização subjetiva, nós acreditamos que, em um mundo e um momento marcado pela

pluralidade religiosa, o diálogo entre as religiões poderá contribuir ainda mais, pois ele

também traz em si premissas, nas suas disposições, que contribuem e reforçam o

conhecimento de si, a importância do outro, a busca por sentido, entre outros.

Page 97: DIÁLOGO E SENTIDO: Vida espiritual e encontro inter

95

4 O PLURALISMO RELIGIOSO E A EMERGÊNCIA DE UMA PRÁXIS DIALOGAL

O diálogo é exigência de todo relacionamento humano e perpassa todas as épocas

históricas. Neste capítulo, mostraremos como o diálogo, e mais especificamente o diálogo

inter-religioso, pode contribuir para que as pessoas encontrem sentido e construam uma

sociedade em que a diversidade seja valorizada e que se instaurem novos padrões éticos que

contribuam para a boa convivência e emergência de mais paz. Nas palavras de Hans Kung

(1999a), não haverá paz entre as nações sem paz entre as religiões.

Ao analisar as características da sociedade ocidental contemporânea, percebemos que

se trata de uma sociedade que se organiza, de maneira geral, de forma individualizada e

seguindo as regras do mercado, tanto nos âmbitos social como pessoal, e que isso tem

implicações tanto para a organização da sociedade quanto da subjetividade. Percebemos

também que essas características estendem-se às religiões e espiritualidades contemporâneas.

A mundialização faz com que umas das marcas da pós-modernidade seja o convívio

com a diversidade cultural e, portanto, também a diversidade religiosa. Hoje, no contexto do

pluralismo religioso, “além da descrença moderna e da indiferença religiosa, somos

convidados a pensar o retorno do religioso e a vitalidade das grandes religiões não cristãs.”

(GEFFRÉ, 2004, p. 132).

O que nos chama a atenção na análise da busca espiritual do ser humano e suas várias

formas de manifestação ao longo da história, é que, a despeito da variação da forma da

espiritualidade em cada tempo e lugar, a busca humana por sentido permanece. E é

exatamente por permanecer e resistir, que ela se confirma como reveladora de uma

característica ontologicamente humana.

Além disso, de acordo com Panasiewicz (2007, p. 112), o pluralismo religioso

presente na atualidade pode explicar como a “religiosidade humana expressa a sua busca em

querer ser mais, em não ficar presa a rituais nem formas doutrinárias”. Por esse motivo, nossa

ênfase está na busca espiritual que permanece e não nas suas várias formas, que se expressam

historicamente através das religiões e espiritualidades.

Para sermos coerentes com essa estrutura humana que só se faz verdadeiramente

humana quando mantém sua abertura ao outro, propomos o diálogo inter-religioso como um

caminho que pode responder a essa busca, oferecendo um sentido mais totalizante, já que as

próprias premissas do diálogo respeitam essa busca e essa necessidade de aprofundamento e

incluem o outro, não como objeto, mas como parceiro de busca.

Page 98: DIÁLOGO E SENTIDO: Vida espiritual e encontro inter

96

Primeiro, explicaremos melhor o conceito de diálogo e linguagem, a importância deles

na construção da subjetividade humana e do convívio em sociedade e apresentaremos as

especificidades do diálogo inter-religioso em suas formas e premissas. Em seguida,

abordaremos a construção de sentido via diálogo inter-religioso e o papel das lideranças para

uma formação humana que considere as alteridades. Por último, mostraremos algumas

especificidades da práxis dialogal no cenário brasileiro e apresentaremos a experiência

concreta de uma instituição que visa promover o diálogo inter-religioso na sua comunidade.

4.1 Diálogo: uma resposta à crise espiritual contemporânea

De acordo com a concepção de ser humano proposta pela psicologia fenomenológica,

o ser se constitui enquanto uma totalidade que emerge através da intencionalidade presente na

articulação das dimensões corpórea, psíquica e espiritual no contato com o mundo. A

subjetividade humana vai sendo construída na medida em que as pessoas estabelecem uma

relação com sua realidade externa.

A expressão dimensão transcendental enquanto estrutura do sujeito humano na sua

universalidade, está presente em todos os sujeitos humanos: ou seja, todos nós

somos sujeitos e existe uma estrutura comum entre todos nós, que é dita

transcendental. Indica que nós temos dentro da nossa estrutura potencialidades, ou

vivências, que ativamos no contato com a realidade externa. (ALES BELLO, 2004,

p. 95).

Dessa forma, a relação se torna o aspecto principal da formação humana. E é o que

mantém o dinamismo propriamente humano de abertura, de transformação constante, já que o

ser humano, em nenhum momento, pode ser definido como algo acabado. Um movimento que

não existe por si só, mas que emerge na relação com o mundo. “O Eu, enquanto eu, emerge

tardiamente na experiência da humanidade. Como sabem, as crianças falam primeiro na

terceira pessoa.” (MORIN, 2003, p. 125). Essa característica humana de não se fazer por si

mesmo, mas sempre através e a partir de um outro, evidencia o lugar que as alteridades

ocupam na construção da nossa identidade.

Não existe si mesmo, sem o outro humano. “O eu-tu é um evento que acontece entre

dois seres que guardam a singularidade de seu ser. A relação jamais poderá chegar a uma

unidade.” (ZUBEN, 2003, p. 43). Existe uma consciência de si que só pode emergir na

relação com outra pessoa que é diversa de nós e que, exatamente por sua diversidade, nos

provoca. O outro é sempre um questionamento que, por mais que possamos nos recusar ou

Page 99: DIÁLOGO E SENTIDO: Vida espiritual e encontro inter

97

negar, nos solicita. Eu descubro a minha identidade outra, quando estou em contato com o

diferente e em um relacionamento, aí temos a possibilidade de ser e de mudar.

Dessa estrutura humana transcendental, onde o ser se constrói na relação, surge a

necessidade humana de se expressar e de, através da compreensão do outro, aprofundar o

conhecimento de si mesmo. Isto torna o diálogo e a linguagem criação e fundamento da

existência humana. A necessidade de comunicação surge justamente graças à diversidade

própria da interioridade humana, pois se fôssemos iguais, não precisaríamos nos expressar, o

mistério do nosso ser estaria revelado.

O ser humano é um nó de relações, não podendo ser compreendido de forma

destacada do outro com o qual se comunica. O diálogo constitui uma dimensão

integral de toda a vida humana. Trata-se de uma experiência humana fundamental e

passagem obrigatória no caminho da autorrealização do indivíduo e da comunidade

humana. (TEIXEIRA, 2010b, p. 2)

O diálogo é, portanto, um caminho que possibilita, ao mesmo tempo, o conhecimento

de si e do outro. O aprofundamento da consciência de si é favorecido pelo diálogo porque, ao

trazer a própria experiência de vida ao discurso, o sujeito coloca-se em relação de alteridade

consigo mesmo, construindo-se e reeditando-se. Dessa forma, o conhecimento de si torna-se

concomitantemente origem e destino daqueles que se dispõem a dialogar. Porém, para que o

diálogo aconteça, é preciso antes um posicionamento que acolha o contato com a alteridade

intra e inter, pois podemos nos abrir diante do outro e conhecer mais de nós mesmos através

desse encontro, mas também podemos nos fechar diante do outro, cristalizando nossa

identidade e impedindo o outro de ser.

4.1.1 Uma compreensão acerca da estrutura do diálogo e da linguagem

A dinâmica dialogal pode ser compreendida sob duas perspectivas: o momento da

linguagem e da troca e o momento do diálogo que antecede e que dá sentido à linguagem, que

chamaremos de abertura à alteridade.

Não conseguimos estabelecer um diálogo se primeiro não nos reconhecemos enquanto

pessoa singular. Por outro lado, também não dialogamos verdadeiramente se não

reconhecemos o outro em sua alteridade. É preciso que existam diferenças para haver o

diálogo e também um interesse, uma vontade de descobrir o outro, uma disposição interior. O

diálogo que realmente transforma e mantém a abertura não é uma simples conversa. De

acordo com Buber (1982, p. 54), existem três espécies de diálogo:

Page 100: DIÁLOGO E SENTIDO: Vida espiritual e encontro inter

98

O autêntico – não importa se falado ou silencioso – onde cada um dos participantes

tem de fato em mente o outro ou os outros na sua presença e no seu modo de ser e a

eles se volta com a intenção de estabelecer entre eles e si próprio uma reciprocidade

viva; o diálogo técnico, que é movido unicamente pela necessidade de um

entendimento objetivo; e o monólogo disfarçado de diálogo, onde dois ou mais

homens, reunidos num local, falam, cada um consigo mesmo, por caminhos

tortuosos estranhamente entrelaçados e creem ter escapado, contudo, ao tormento de

ter que contar apenas com os próprios recursos. (BUBER, 1982, p. 54).

Essas três espécies de diálogo podem ser percebidas diariamente em nossas realidades.

Em vários momentos, nossos contextos necessitam de um diálogo puramente técnico e até

mesmo os monólogos disfarçados de diálogo podem ter sua contribuição para a construção

subjetiva dos sujeitos, mas gostaríamos de destacar o diálogo autêntico, pois ele nos convida a

um encontro com o outro no âmbito da profundidade28

. O exercício do diálogo autêntico exige

o cultivo da nossa dimensão espiritual, na medida em que é fruto da nossa decisão livre e

responsável diante do outro.

O que conta no diálogo é a reciprocidade existencial, a dinâmica relacional que

envolve a semelhança e a diferença em processo rico de abertura, escuta e

enriquecimento mútuos. É neste contexto dialogal que a identidade vai ganhando

fisionomia e sentido, enquanto expressão de uma busca que é incessante, árdua e

criativa. (TEIXEIRA, 2010b, p. 2)

Em relação aos sons do diálogo, Buber (1982, p. 35) nos diz que “uma conversação

não necessita de som algum, nem sequer um gesto. A linguagem pode renunciar a toda

mediação de sentidos e ainda assim é linguagem”. Dessa forma, o diálogo enquanto abertura à

alteridade é um posicionamento que, mesmo silencioso, pode ser dinamizador. Essa abertura à

alteridade é que permite a ocorrência do diálogo autêntico, a despeito até mesmo, de uma

compreensão comum da linguagem entre os interlocutores.

28

Não é possível viver uma vida permeada apenas de relação Eu-Tu. “O mundo do Isso, ordenado e coerente, é

indispensável para a existência humana; ele é um dos lugares onde nós podemos nos entender com os outros. [...]

A afirmação da primazia do diálogo no qual o sentido mais profundo da existência humana é revelado não nos

deve levar à conclusão de que a atitude Eu-Isso seja algo negativo, inferior ou um mal. Ao contrário, ela é uma

das atitudes do homem face ao mundo, graças à qual podemos compreender todas as aquisições da atividade

científica e tecnológica da humanidade. Em si, o Eu-Isso não é um mal; ele se torna fonte de mal na medida em

que o homem deixa subjugar-se por esta atitude, absorvido em seus propósitos, movido pelo interesse de pautar

todos os valores de sua existência unicamente pelos valores inerentes a esta atitude, deixando, enfim, fenecer o

poder de decisão e responsabilidade, de disponibilidade para o encontro com o outro, com o mundo e com Deus.

A diferença entre as atitudes não é ética mas ontológica. Não se deve distingui-las em termos de autenticidade ou

inautenticidade. Enquanto humanas as duas atitudes são autênticas. Quando, por esta razão, a relação perde o seu

sentido de construtora do engajamento responsável para com a verdade do inter-humano, aí então, o Eu-Isso é

destruição do si mesmo, e o homem se torna arbitrário e submetido à fatalidade.” (BUBER, 2001, p. 37).

Page 101: DIÁLOGO E SENTIDO: Vida espiritual e encontro inter

99

A essa constatação, Levinás (1993) acrescenta outro ponto importante: o sentido é

dado pelo outro. O outro não se reduz no horizonte do aparecer, mas se mostra em uma

linguagem silenciosa, sem verbo, mas uma linguagem que comunica. É um modo de estar

disponível ao outro que, por ser uma presença, é capaz de comunicar o incomunicável. Ou

seja, o sentido surge a partir de uma relação .

De acordo com Berger, no processo dialético de construção cultural, o mundo

humanamente produzido atinge o caráter de uma realidade objetiva. A cultura objetivada

caracteriza-se por ser compartilhada, ou seja, ela não só é produzida coletivamente como

permanece real em virtude do reconhecimento coletivo. A linguagem é uma dessas produções

humanas que se tornam objetivadas e “toda linguagem é resultado de uma longa história de

inventividade, da imaginação e até do capricho do homem”. (BERGER, 1985, p. 25).

A relação entre o indivíduo e a linguagem pode, ainda uma vez, ser tomada como

paradigma da dialética da socialização. A linguagem se apresenta ao indivíduo como

facticidade objetiva. Ele se apropria subjetivamente dela travando interação

linguística com os outros. No decurso dessa interação, entretanto, modifica

inevitavelmente a linguagem, mesmo que negasse a validade dessas modificações.

(BERGER, 1985, p. 31).

O diálogo enquanto uma linguagem surge da necessidade do ser humano se expressar

e se comunicar. Segundo Nogueira (2016, p. 244), existem dois níveis de linguagem: “o

primeiro é o da língua natural, ou seja, os idiomas com os quais nos comunicamos no dia a dia

e por meio dos quais estruturamos o mundo e nossa experiência cotidiana nele”. E existe

também o segundo nível da linguagem, ou as linguagens de segundo grau, que seriam as

linguagens de uma cultura. Sendo que, para este mesmo autor, “nos dois níveis a língua não

tem um papel de reproduzir o real, antes ela o molda, tornando o possível.”. De acordo com

esse sistema de compreensão da linguagem, a religião atua como um sistema secundário de

linguagem, dotado, portanto, da capacidade de dar forma ao mundo.

A linguagem vai muito além de oferecer formas para expressão de conteúdos.

Linguagem é um poderoso sistema de modelagem do mundo e de constituição de

relações. Entendemos que as linguagens da religião (que configuram um campo com

linguagens híbridas e densas) são um tipo de linguagem de segundo grau, linguagem

da cultura. Como tal elas repousam sobre os três sistemas semióticos fundamentais:

o gesto, a imagem/metáfora e a narrativa. Nas linguagens da religião suas

contrapartidas são: o rito, o ícone/poesia e o mito. Elas se articulam entre si

reforçando o hibridismo e a múltipla codificação dos textos religiosos. Isso dota as

linguagens da religião de grande poder de geração de sentido. (NOGUEIRA, 2016,

p. 259).

Page 102: DIÁLOGO E SENTIDO: Vida espiritual e encontro inter

100

Sendo assim, ao mesmo tempo em que a linguagem facilita a comunicação entre as

pessoas de uma mesma cultura, ela pode dificultar, senão impedir a comunicação entre

pessoas de culturas diferentes. Portanto, no diálogo inter-cultural e inter-religioso, temos dois

grandes desafios estruturais: a dificuldade da própria linguagem e a necessidade de uma

abertura, que antecede e que dinamiza o próprio encontro. Além disso, conceitos e linguagens

que surgem dentro de uma cultura, muitas vezes, guardam os mesmos conceitos, mas podem

possuir significados diferentes.

Quando se trata do diálogo entre pessoas de religiões diferentes, o desafio torna-se

ainda maior, pois sem clareza do que se fala, quando se fala de Deus ou da sua própria

experiência religiosa, todo falar de Deus corre o risco de se tornar uma aventura caótica.

Se, pois, dentro do espaço de nossa experiência não se pode identificar

absolutamente nada como algo ou como um quem a que ou a quem se reporte o

nosso uso da palavra Deus, torna-se urgente a pergunta sobre que sentido tem o uso

deste vocábulo, que realidade se pensa com ele, e, com efeito, de tal sorte que

também não crentes possam falar ao menos significativamente. O que se pensa com

a palavra Deus deve ser significativamente comunicável, também a homens que

rejeitam o que os crentes pensam com ela. (SCHILLEBEECKX, 1994, p. 82).

Como expressar o que eu vivo, se muitas das coisas só podem ser compreensíveis a

quem pertence à mesma religião, se algumas normas só fazem sentido dentro de uma cultura e

crença e até mesmo dentro da mesma cultura existe uma incomunicabilidade da experiência

de Deus. Existe uma distância entre a própria experiência religiosa ou de Deus e a

possibilidade de comunicar o seu conteúdo em totalidade, que é intransponível. Isso torna a

revelação de Deus sempre única e particular, pois qualquer expressão dela não consegue

alcançar a experiência em si.

“As religiões são linguagens confessionais. A partir de diferentes lados a gente se

aproxima da verdade por meio de muitos idiomas. É melhor em geral falar a própria

linguagem materna, na qual a gente cresceu, como sistema de comunicação, como sistema de

símbolos.” (FRANKL; LAPIDE, 2014, p. 153). Em um contexto plural, entretanto, o convívio

com pessoas que pertencem a religiões diferentes e, portanto, falam uma linguagem religiosa

diferente da nossa torna-se inevitável. Como acontece o convívio e a comunicação na

realidade atual?

Page 103: DIÁLOGO E SENTIDO: Vida espiritual e encontro inter

101

4.1.2 Ausência e urgência de diálogos na Pós-modernidade

O diálogo na contemporaneidade mostra-se repleto de contradições. Ao mesmo tempo

em que percebemos um excesso de comunicação, facilitado, sobretudo, pela tecnologia, que

ampliou as possibilidades de contato e a troca de informações, percebemos uma diminuição

dos diálogos autênticos, o que pode levar ao empobrecimento das relações interpessoais.

Concomitante a isso, existe uma influência do social e das mídias nos diálogos interpessoais.

Através da mídia, temos a possibilidade de ver, saber, instantaneamente, tudo que está

acontecendo no mundo. No entanto, essas informações, apesar de serem muitas e abrangentes,

podem se tornar superficiais. Essa superficialidade pode nos enganar e nos tornar alvo de

manipulação, na medida em que não temos controle sobre as informações que são

disponibilizadas e nem sempre um critério crítico para julgá-las.

Sofremos simultaneamente de subinformação e superinformação, de escassez e de

excesso. O excesso de informação abafa a própria informação. Além delas se

saturarem, elas nos saturam, banalizam-se. Acreditamos ser testemunhas e somos

joguetes de uma maquinação inaudita destinada aos mídia. (MORIN, 1986, p. 31)

Podemos ter, diariamente, conhecimento acerca da história que está se realizando, mas

sem discernimento, essa história pode ser construída às custas da nossa alienação. Toda

informação que recebemos passa pelo filtro das nossas ideias e crenças. “Quando não temos

estrutura mental capaz de assimilar, situar a informação, esta se torna ruído. Em

compensação, nos casos em que dispomos de ideias firmes e arraigadas, somos muito

receptivos quanto às informações que as confirmam, mas muito desconfiados para com

aquelas que as contrariam.” (MORIN, 1986, p. 43).

Um exemplo da consequência das relações mediadas pela tecnologia e pela mídia e

que pode ser representativo dessa realidade apresentada por Morin (1986), no que tange às

informações e à comunicação, é o discurso de ódio e a violência que existe no espaço virtual.

Um espaço que parece ser democrático e de convívio, mas que, na verdade, mostra-se como

um espaço que facilita a violência, por dois motivos: por seus mecanismos de buscas, onde o

sujeito, naturalmente, tem mais contato com pessoas ou lugares que compartilham das suas

convicções e também por existir uma proteção da máquina, um distanciamento real do outro,

que pode levar a sua desumanização.

Sendo assim, o ambiente virtual, ao mesmo tempo em que favorece a aproximação de

pessoas distantes geograficamente e pertencentes a culturas diferentes, que permite que

pessoas se encontrem e se reúnam por afinidades, também pode ser um espaço que favorece a

Page 104: DIÁLOGO E SENTIDO: Vida espiritual e encontro inter

102

violência e a despessoalização do outro. Essa tecnologia, aliada à cultura do individualismo e

do consumo, pode tornar-se local propício para o crescimento dos discursos fundamentalistas.

Os fundamentalismos “constituem refúgios acolhedores quando a razão é impotente,

enlouquece ou se cala sobre o essencial.” (VALADIER, 2012, p. 10).

Todos os sistemas (culturais, científicos, políticos, econômicos e artísticos) que se

apresentam como portadores exclusivos da verdade e de solução única para os

problemas se inscrevem dentro daquilo que chamamos de fundamentalismo, e

atualmente vivemos sob o império feroz de vários deles. (BOFF, 2009, p. 37).

Essa realidade pode ser percebida, inclusive, nos discursos de ódio do cenário político

brasileiro dos últimos anos. Nesse mundo global e de pluralidades, com um estilo de vida

centrado no eu e em relações superficiais, mediadas por imagens, percebemos um ambiente

repleto de afirmações identitárias que podem ser altamente adoecedoras, pois enfraquecem a

estrutura humana de abertura29

.

Nas sociedades arcaicas e tradicionais havia ritos de passagem que davam sentido a

essas mudanças. Podia-se enfrentar mais serenamente a puberdade, a iniciação

sexual, a entrada na vida profissional, a velhice e a morte, porque havia modelos de

comportamento para lidar com esses cortes biográficos. O apoio social do sentido

impedia que as mudanças constituíssem choques profundos ou, até mesmo, ameaça

existencial para a pessoa. O enfraquecimento ou a ausência total desses ritos de

passagem nas sociedades modernas podem ser considerados sintoma – e também

concausa – de uma crise de sentido que vai aumentando aos poucos. (BERGER;

LUCKMANN, 2004, p. 66).

Na pós-modernidade, o fundamentalismo oferece um sentido, porém, ele impede que o

ser humano pense por si mesmo, pois anula o sujeito em sua totalidade, simplificando

realidades complexas. De acordo com Rouanet (2017, p. 3), o fundamentalismo constitui-se

como uma resposta para todas as frustrações da vida moderna, pois possui uma:

capacidade de recriar nexos de solidariedade grupal, de dotar a vida de sentido e

finalidade, de inventar um passado mítico em que não existiam as tensões e as

incertezas do mundo contemporâneo, de alimentar a esperança numa vida futura que

possa compensar todas as humilhações do presente e de fazer da religião uma

trincheira de resistência cultural, capaz de enfrentar as pressões niveladoras

provocadas pela globalização.

29

Ansiedades e depressões já existiam antes da cultura empresarial e neoliberal. O que explicaria a sua

intensificação seria o “declínio do poder organizador que o coletivo tinha sobre o individual.” (LIPOVETSKY,

2004a. p. 83).

Page 105: DIÁLOGO E SENTIDO: Vida espiritual e encontro inter

103

O crescimento do fundamentalismo no âmbito religioso possui características próprias.

Nele, existe uma absolutização da religião e até mesmo do livro sagrado, em detrimento da

vida e do humano, o que pode abrir espaço para o surgimento do fanatismo e dos fanáticos.

Estes podem ser definidos como aqueles que, “ao sacralizar um aspecto da realidade o

absolutiza e o torna excludente de tudo aquilo que não o é” (FRECHEIRAS, 2011, p. 585),

revelando uma visão religiosa negadora da alteridade30

. O fundamentalismo, ao negar a

pluralidade cultural e religiosa, provoca uma violência generalizada, que vai contra a nossa

própria humanidade.

O momento histórico em que vivemos nos solicita uma abertura com relação às

culturas e religiões diferentes da nossa, não só para satisfazer um interesse cognitivo

e uma espontânea curiosidade, mas também para estabelecer comparações e estreitar

laços, a fim de realizar, quem sabe, uma união da humanidade além das diferenças.

(ALES BELLO, 1998, p. 169).

O convívio com a diversidade cultural, aliado a um momento histórico globalizado e

que valoriza o individualismo, pode favorecer o fechamento das pessoas à alteridade e levar a

uma crise, portanto, “revela-se cada vez mais atual a questão da redescoberta do outro e do

diálogo como desafios imprescindíveis.” (TEIXEIRA, 2010a, p. 1). Não é possível, em um

mundo plural, viver em harmonia sem diálogo entre as diversidades e, preponderantemente,

entre as religiões. Dentre as várias formas de diálogo existentes, o diálogo inter-religioso

torna-se fundamental para pensar a paz no mundo e a discussão sobre o sentido. “Com

frequência, as religiões do mundo são um fator de divisão e conflito na história da

humanidade, diferenças entre religiões foram e continuam a ser um triste fator de discórdia

dentro da família humana31

” (DALAI LAMA, 2014, p. 167).

Relativizar conceitos é uma condição para o diálogo inter-religioso e um empecilho

para as religiões proselitistas e fundamentalistas, já que isso demanda uma desconstrução

teológica. Como dialogar entre as religiões na atualidade?

30

No âmbito religioso, o “fundamentalista é aquele, portanto, que está muito mais interessado em guardar a letra

da doutrina do que em fazer vivificar o seu espírito.” (PANASIEWICZ, 2007, p. 52). Todo discurso não depende

apenas de quem o produz, mas também e, principalmente, de quem o recebe. Quando se trata de um texto, isso

fica ainda mais evidente, pois é o leitor que dá sentido ao texto, sendo ele o foco mobilizador da leitura. Os fiéis

fundamentalistas se referem constantemente ao livro sagrado e desconsideram que, nem mesmo os livros

sagrados, são a palavra de Deus, mas que os mesmos se tornam a palavra de Deus à partir de seu leitor.

31

Não há como negar que as Cruzadas nos tempos medievais ao jihad de hoje, da violência hindu-muculmana

em grande escala durante a divisão da Índia, em meados do século XX, ao atual conflito árabe-israelense, e das

guerras sérvio-bósnias ao combate cingalês-tâmil no Sri Lanka – sem esquecer o recente fenômeno do terrorismo

global de inspiração religiosa.

Page 106: DIÁLOGO E SENTIDO: Vida espiritual e encontro inter

104

4.1.3 Condições para o diálogo inter-religioso

O diálogo inter-religioso exige contornos próprios nesse contexto de convívio com a

diversidade. Se antes tínhamos, na sociedade ocidental, uma dominação da Igreja Católica,

através do seu monopólio de poder junto ao Estado, hoje, além da religião católica não ocupar

mais esse lugar imposto, com a globalização e a tecnologia, nós temos acesso a uma variação

enorme de religiões e crenças. Essa pluralidade religiosa gerou impactos na construção da

subjetividade humana e na organização social.

A modernidade trouxe, como um valor da sua época, a defesa pela liberdade religiosa.

“A percepção de que o diálogo é uma dimensão integral da vida humana e também da missão

das igrejas é um acontecimento relativamente novo para a reflexão teológica.” (TEIXEIRA,

2010b, p. 1). Diante dessa irreversível mudança no campo religioso, as religiões,

principalmente as dominantes, em função da possibilidade de mudança religiosa de seus fiéis

e do enfraquecimento da tradição, precisaram se repensar. Repensar os seus dogmas, as suas

funções sociais, o seu lugar na vida de cada indivíduo.

“O Concílio insiste no diálogo inter-religioso e declara a sua importância dentro da

Igreja Católica” (PANASIEWICZ, 2003, p. 41). O pluralismo religioso foi reconhecido pela

Igreja Católica pela primeira vez no ano de 1964, mas foi efetivamente levado a sério no

Concílio Vaticano II32

.

O Concílio Vaticano II foi o responsável por iniciar uma nova era na Igreja católica,

na relação com as demais religiões. É a partir do evento conciliar que surge a

expressão diálogo inter-religioso, que será muito utilizada no interior da instituição

para referir-se, de um lado, a uma nova atitude diante das outras religiões, e de outro

lado, ao conjunto de atividades que visam se aproximar das outras religiões.

(SANCHEZ, 2015, p. 14).

Desde então, foram vários os encontros e as iniciativas de diálogo propostas pela

Igreja Católica e por representantes de várias outras religiões que, de maneira geral, tinham

como pano de fundo um diálogo pela paz , gerando boas repercussões entre os seus adeptos e

a população em geral.

32

Não podemos afirmar a intenção que mobilizou o Concílio vaticano II, para além das que podem ser

observadas nos documentos oficiais. É de conhecimento geral que existem grupos da Igreja Católica que

discordam dessa abertura às outras religiões, haja vista o crescimento de movimentos conservadores.

Page 107: DIÁLOGO E SENTIDO: Vida espiritual e encontro inter

105

Com a instauração de uma necessidade de diálogo irrevogável entre as religiões, a

Igreja Católica emitiu alguns documentos que tinham como objetivo nortear esses diálogos,

garantindo que eles se realizassem de maneira equitativa33

.

Qualquer que seja o tipo de diálogo inter-religioso, podemos destacar alguns a

priori: - é possível uma abertura entre as religiões para conversarem (existe,

exatamente pela diversidade que existe dentro das próprias religiões, uma abertura

latente para o diálogo); existem religiões interessadas em dialogar (as religiões

precisam sair de si para dialogarem); o diálogo é importante e muitas vezes

fundamental para as próprias religiões (as religiões precisam perceber que tem algo

a ganhar com o diálogo inter-religioso). (SANCHES, 2015, p. 91).

A reflexão sobre o sentido do diálogo inter-religioso “revela que uma antropologia do

diálogo é importante para a compreensão do diálogo inter-religioso.” (SANCHEZ, 2015, p.

89). E que, portanto, o diálogo inter-religioso deve salvaguardar os mesmos critérios exigidos

em qualquer outro tipo de diálogo. Esses critérios visam garantir que as pessoas envolvidas no

diálogo sejam realmente possibilitadas a falar e a ouvir.

Tanto Teixeira (2003) quanto Panasiewicz (2003) definem alguns critérios para que o

diálogo inter-religioso se realize de maneira harmoniosa e efetiva: “humildade,

reconhecimento do valor da alteridade, fidelidade à tradição, abertura à verdade e capacidade

de compaixão” (TEIXEIRA, 2003, p. 27), além do “respeito ao outro em sua própria

identidade; a fidelidade no que diz respeito à sua própria identidade e a necessidade de uma

certa igualdade entre os parceiros para que haja diálogo” (PANASIEWICZ, 2007, p. 170).

Essas premissas podem ser compreendidas da seguinte maneira: o respeito ao outro em

sua identidade própria é uma condição que exige que nós estejamos realmente abertos a

escutar o outro e que o reconheçamos exatamente por sua diversidade. A fidelidade no que diz

respeito à sua própria identidade ou fidelidade à própria tradição refere-se à necessidade de

conhecer a si mesmo, suas crenças e sua própria tradição religiosa. Quanto maior a clareza da

nossa identidade, maior objetividade alcançamos na escuta ao outro. Esse ancouradouro

referencial possibilita saber de onde falamos.

Em relação à necessidade de uma certa igualdade entre os parceiros para que haja

diálogo, vale destacar que o diálogo autêntico não acontece entre pessoas que se relacionam

de maneira desigual, ocupando posições de superioridade ou inferioridade, mesmo que

33

PONTIFÍCIO CONSELHO PARA O DIÁLOGO INTER-RELIGIOSO. Diálogo e anúncio. Petrópolis:

Vozes, 1991. (Documento Pontifício n. 242).

SECRETARIADO PARA OS NÃO CRENTES. Diálogo e missão. Sedoc, v. 176, n. 17, p. 387-399, 1984.

Page 108: DIÁLOGO E SENTIDO: Vida espiritual e encontro inter

106

velados. É imprescindível, em pessoas que se dispõem a dialogar, uma disponibilidade

interior, um desejo de acolher, que pode ser representado pela humildade. “O diálogo precisa

começar dentro de nós, criando espaços livres para a hospitalidade.” (TEIXEIRA, 2003, p.

28). Quem se basta, não precisa dialogar. No diálogo inter-religioso, é imprescindível o

reconhecimento do valor da alteridade, ou seja, um reconhecimento da integridade da fé de

todos os envolvidos, o que demanda empatia para reconhecer a experiência do outro como

real. É necessário também, uma abertura à verdade. A compreensão de um pluralismo de

princípio que reconhece a verdade presente em todas as religiões e a verdade maior presente

na diversidade das religiões e que reconhece no diálogo a possibilidade de se aproximar mais

de Deus.

Por último, existe a necessidade de uma compaixão ativa, que pode ser compreendida

como o inverso do individualismo. Esse sentimento caracteriza-se por um “profundo desejo

de remediar todas as formas de sofrimento que corroem a humanidade e toda a criação”

(TEIXEIRA, 2003, p. 32), inspirando que as pessoas busquem, acima de tudo, o bem estar dos

outros, o cuidado. A compaixão ativa é uma das contribuições do budismo para a discussão do

diálogo inter-religioso e será a partir do Budismo e do Cristianismo e da solidariedade entre

elas, que agora iremos apresentar algumas formas de realizar o encontro entre religiões na

atualidade.

4.1.4 Compreensão das formas de diálogo inter-religioso pela perspectiva do sentido

O convívio entre as religiões é uma realidade e o encontro intencional entre elas, uma

possibilidade de crescimento tanto para as religiões quanto para a sociedade, de maneira geral.

Portanto, o encontro entre as religiões não pode se restringir a discussões teóricas, nem

tampouco ficar a cargo do acaso. Além da necessidade de mantermos uma abertura à

alteridade, para que consigamos acolher o outro, em cada encontro que nos acontece, em

todos os contextos da vida, precisamos agir de maneira ativa, e mais do que acolher cada

encontro, devemos promovê-los e problematizá-los.

Para convivermos humanamente, inventamos a economia, a política, a cultura, a

ética e a religião. Mas nos últimos séculos o fizemos sob a inspiração da competição

que gera o individualismo, a acumulação e o consumismo privado. Esse tempo deve

acabar. Agora temos que inaugurar a cooperação que gera a comunidade e a

participação de todos em tudo o que interessa a todos. (BOFF, 2002b, p. 15).

Page 109: DIÁLOGO E SENTIDO: Vida espiritual e encontro inter

107

O Cristianismo, através da Igreja Católica, propõe quatro formas de realização do

encontro inter-religioso. O diálogo existencial seria o encontro cotidiano com pessoas de outra

pertença religiosa, aquele diálogo da vida, porém um encontro que nos leve a problematizar a

nossa existência. Seria, portanto, um diálogo que se realiza através da presença e do

testemunho da nossa experiência religiosa em nossa vivência diária. O diálogo místico trata-se

do encontro entre pessoas de religiões diferentes com o objetivo de compartilhar os seus

modos de oração e contemplação, visando uma compreensão do outro e um aperfeiçoamento

dos seus próprios métodos. Outra possibilidade de diálogo entre as religiões é o diálogo ético.

Ou seja, um encontro entre pessoas de religiões diversas com o objetivo de refletir alternativas

e possibilidades de libertação e promoção do ser humano. Existe também o diálogo entre os

estudiosos das religiões. O diálogo teológico tem como principal característica o

enriquecimento e a aplicação dos patrimônios religiosos.

Pautado em suas crenças de que a compaixão é uma característica humana e que

constitui a base para a nossa felicidade, Dalai Lama acredita que o reconhecimento saudável

das diferenças entre as tradições de fé permitiria transcender as diferenças e promover um

convívio a partir da convergência de metas comuns de aperfeiçoamento humano e de

ensinamentos éticos fundamentais: “É minha convicção fundamental que a compaixão – a

capacidade natural do coração humano de se importar e sentir conexão com outro ser humano

– constitui um aspecto básico de nossa natureza que é compartilhado por todos os seres

humanos.” (DALAI LAMA, 2014, p. 143). A partir dessa perspectiva, ele construiu um

programa para a promoção da harmonia e do encontro inter-religioso, que inclui quatro

elementos chave.

Diálogo entre conhecedores das religiões no plano acadêmico sobre as

convergências e divergências de suas respectivas tradições de fé e, mais importante,

o propósito dessas diferentes abordagens; compartilhamento de experiências

religiosas profundas entre praticantes genuínos; reuniões de alto nível dos líderes

religiosos para conversar e orar em uma única plataforma; e peregrinações conjuntas

para os lugares sagrados do mundo. (DALAI LAMA, 2014, p. 172).

Todas essas formas de diálogo inter-religioso, propostas tanto pelo catolicismo quanto

pelo budismo, não precisam, necessariamente, acontecer separadamente. Muitas vezes elas

podem acontecer em conjunto, dependendo do seu objetivo. Um aspecto em comum de todas

essas possibilidades apresentadas é que em todas elas o encontro inter-religioso acontece no

âmbito da profundidade. Elas demandam uma intencionalidade e o cultivo da dimensão

espiritual.

Page 110: DIÁLOGO E SENTIDO: Vida espiritual e encontro inter

108

Uma contribuição importante do diálogo inter-religioso entre aqueles que viveram

uma experiência religiosa profunda é que eles podem nos ajudar a reconhecer no caminho

deles, uma possibilidade de percurso de aprofundamento espiritual e de elaboração da nossa

própria experiência. “A materialidade da existência do místico corresponde à materialidade

da existência de todo ser humano” (WOLFF, 2016, p. 170), pois toda a sua experiência é,

antes de tudo, uma experiência humana, de um ser que nasce e vive em um ambiente

sociocultural e religioso concreto.

A experiência mística é uma ativação do mundo interior, a experiência de retomar

qualidades humanas fundamentais que habitam o mundo interior.

O que há de comum entre os místicos é a profundidade da vivência espiritual, a

autenticidade nas convicções, o compromisso com a própria tradição e com os

outros, a atenção aos caminhos de Deus na história da humanidade, a consciência de

percorrerem com Deus esses caminhos, sentem-se companheiros de Deus e da

humanidade, orientam a sua vida a partir da experiência de Deus, transpiram aos

demais a própria experiência, inspiram a experiência espiritual dos outros,

expressam serenidade e firmeza no ser e no agir. (WOLFF, 2016, p. 172)

De acordo com Teixeira (2012), a mística não é construção cultural, mas uma

experiência profundamente humana que, embora vivenciada de formas diferentes, revela,

através dos buscadores de diálogo, elementos de tanta profundidade que alcançam valor

universal, tocando fundo nas raízes do ser humano. Os buscadores do diálogo não se apegam

ao próprio mundo ao ponto de não perceber a diferença e o outro na sua consistência e valor.

Eles fazem a paradoxal experiência da relativização no Absoluto. Eles não possuem as

certezas dos dogmatistas, mas ao contrário, possuem uma atitude básica de respeito e

abertura.

Para os místicos, o encontro com Deus mostra-se também no compromisso com as

pessoas e com a sociedade, o que nos leva a pensar na possibilidade de multiplicar para a

sociedade em geral essa postura mística de abertura ao outro.

Ambas as tradições – católica e budista -, cada uma a seu modo, apontam a

necessidade de elaborar continuamente a experiência pessoal associada à vivência

religiosa e mística, chegando a identificar etapas, caminhos evolutivos. Estamos

diante de dois percursos que, a partir do cuidado com a própria experiência religiosa,

tematizam o ser humano, suas modalidades de percepção e consciência. Temos aí

uma provocação e um convite a refletir sobre processos subjetivos em sua

elaboração sobre o eu e o mundo, desde os “processos básicos” (como são nomeados

em psicologia) até chegar a formulação de temas e âmbitos de experiência religiosa

que não são habitualmente considerados em nossa tradição científica e filosófica

contemporâneas.” (MAHFOUD, 2015, p. 81).

Page 111: DIÁLOGO E SENTIDO: Vida espiritual e encontro inter

109

A contribuição da experiência mística na reflexão sobre os processos de subjetivação

humana e sua relação com o mundo leva-nos a pensar na experiência religiosa como uma

possibilidade não só de ser geradora de sentido individual, mas como um caminho que pode

favorecer a construção de sentido social, na medida em que essas diversas experiências

religiosas possam e se disponham a dialogar.

4.2 Construção de sentido via diálogo inter-religioso

Todo diálogo pode ser facilitador de um encontro gerador de sentido. Para Morin

(2013, p. 75), “o sentido pode ser um formidável espaço de abertura radical, alternativa a

todos os totalitarismos, diálogo entre todas as tradições.” Por isso acreditamos que as

religiões, por se preocuparem com o sentido último da vida, quando se propõem a dialogar,

seja esse diálogo realizado através das instituições ou de seus adeptos, podem se tornar ainda

mais potentes em gerar sentido.

O diálogo inter-religioso demonstra a possibilidade de uma nova perspectiva de

atuação das religiões ao reconhecer que essas podem exercer um papel significativo

na construção de uma ética da superação da violência; que podem igualmente

dedicar-se à tarefa comum de salvaguardar a integridade dos seres humanos e da

terra ameaçada. A verdadeira relação com o Absoluto é incompatível com toda e

qualquer desumanização ou violência. (TEIXEIRA, 2003, p. 21).

O diálogo inter-religioso, por sua própria natureza, pode ser uma oportunidade de

provocar não só o aprofundamento humano, mas também colocar o outro em um lugar de

destaque e despertar nos seus adeptos um interesse pela alteridade, de tocar em uma dimensão

de cuidado que não contemple apenas o seu grupo, mas que se estenda a todo o universo. Isso

mudaria a lógica individualista do pensamento vigente atual, que está presente inclusive nas

formas espirituais predominantes, pois ofereceria um sentido que não se esgota no sujeito,

mas que, ao contrário, emerge a partir da provocação de uma alteridade.

Sendo assim, a construção de sentido via diálogo inter-religioso pressupõe um

compromisso com a busca da verdade/Deus daqueles que pertencem a uma religião34

. Um

compromisso de assumir a busca pela verdade em sua totalidade, sem negar nenhum de seus

aspectos, abrindo-se a cada experiência de encontro para encontrar mais da verdade. Essa

34

Hans Kung, ao discutir sobre o tema da verdade no contexto da religião, afirma que “a pergunta pela verdade

(entendida num sentido mais teórico) ou pelo sentido da religião é, ao mesmo tempo, a pergunta pela sua

bondade (entendida num sentido mais prático) e pelo seu valor.” (KUNG, 1999b, p. 273).

Page 112: DIÁLOGO E SENTIDO: Vida espiritual e encontro inter

110

busca pressupõe, diante do outro, ao perguntar: Quem és tu?, posicionar-se acolhendo a sua

resposta, o seu mistério, como possibilidade da própria revelação de um aspecto de

Deus/verdade.

De acordo com Hans Kung (1999b, p. 284), “ninguém consegue compreender

profundamente uma religião se não a afirma a partir de dentro, com radical seriedade

existencial”. Compreensão que deve estender-se às experiências religiosas diversas das

nossas, pois se falamos de pluralismo religioso querido por Deus (GEFFRE, 2004), cada

religião representa o estatuto de uma verdade diferente e é esta diferença que é preciso colocar

em prática.

Além da busca comum da verdade ser um dos importantes traços da aventura dialogal,

ela deve provocar em seus interlocutores a responsabilidade global de afirmação do humano e

do cuidado com toda a criação (TEIXEIRA, 2010a, p. 5). Quando propomos o diálogo inter-

religioso, ele deve, inevitavelmente, cumprir dois grandes objetivos: ampliar a percepção de

Deus presente em cada tradição religiosa e proporcionar mais vida para a humanidade

(PANASIEWICZ, 2003, p. 39). Dessa forma, o diálogo não pode acontecer unicamente em

função da religião, mas sempre em função de um bem social35

.

A questão do diálogo na civilização como diálogo de sentido, coloca-se não só em

escala planetária, mas também na escala de nossos próprios bairros. No interior das

grandes tradições, certos movimentos trazem a questão do sentido como questão

pública essencial e não simplesmente pessoal e privada. (MORIN, 2013, p. 72).

Nesse aspecto, a busca por sentido é real, faz parte do nosso cotidiano e, portanto,

deve ser tratada levando a sério a nossa realidade concreta. Sendo assim, quais seriam as

contribuições do diálogo inter-religioso para a construção de sentido?

4.2.1 Contribuições do diálogo das religiões para a construção de sentido

No que tange à crise de sentido, destacamos um aspecto importante para pensarmos os

principais sintomas/causas desse cenário: o aumento das doenças mentais e sua possível

relação com a desigualdade social36

. Não é possível falar de paz sem justiça social e também

35

Sob essa perspectiva, o diálogo inter-religioso, deve, antes de tudo, levar a uma transformação das próprias

religiões.

36

Para acessar mais dados sobre a relação entre o amento das doenças mentais e sua possível relação com a

desigualdade social, ler “A depressão como fenômeno cultural na sociedade pós-moderna” (NICO, 2015) e “A

depressão como mal-estar contemporâneo”. (TAVARES, 2010).

Page 113: DIÁLOGO E SENTIDO: Vida espiritual e encontro inter

111

não podemos falar de um ser humano feliz e saudável (em suas dimensões psíquica, espiritual

e corpórea) se ele não possuiu um contexto que favoreça o conhecimento e o cuidado de si.

Sem garantia de direitos básicos, qual o sentido da vida? Com a instabilidade econômica

mundial e no Brasil, assistimos ao aumento do desemprego e à perda de direitos

constitucionalmente adquiridos, que podem gerar uma insegurança generalizada e até mesmo

o aumento da violência.

Ao longo da história, apesar de estarem envolvidas em vários episódios de guerra e

violência, as grandes religiões do mundo também contribuíram positivamente para a

sociedade. “Além de oferecer os arcabouços morais dentro dos quais as pessoas podem levar

uma vida ética, as religiões proporcionaram uma noção de sentido mais profunda para

milhões de indivíduos e também foram fonte de conforto e paz em momentos de tragédia.”

(DALAI LAMA, 2014, p. 168). Vivemos também uma crise ambiental planetária que, de

acordo com Aragão e Panasiewicz (2015, p. 1854), pode ser um estímulo para que as religiões

assumam o desafio da transdisciplinaridade, em uma busca autêntica de diálogo e

compromisso mútuo.

Nesse contexto, uma forma das religiões contribuírem com a construção de sentido na

contemporaneidade seria dialogar com várias esferas da sociedade.

Se queremos responder à pergunta do que é bom para o homem, não só de forma

pragmática ou positivista, mas de maneira fundamental; não só de maneira filosófica

ou abstrata, mas existencial e concreta; não só de forma psico-pedagógica, mas num

sentido incondicionalmente obrigatório e universal, então não podemos excluir do

discurso a religião ou, em seu lugar, uma quase-religião. Mas religião, por sua vez,

deve submeter-se ao critério ético geral do humano. Por isso, no contexto moderno,

não poderá prescindir dos resultados da psicologia, da pedagogia, da filosofia e da

ciência jurídica. Não existe aqui um círculo vicioso, mas, como muitas vezes

acontece, um relacionamento dialético. (KUNG, 1999b, p. 288).

Muita coisa mudou no âmbito científico no decorrer do século XX e as descobertas da

ciência desde a modernidade levaram à queda de um pretenso determinismo físico e

biológico. “O estudo do mundo das partículas subatômicas foi descortinando um mundo

perturbador, para o cientista acostumado à solidez e à ordem da realidade física regida por

leis deterministas.” (RUBIO, 2007, p. 272). Isso, juntamente com a crescente procura das

pessoas por experiências holísticas, desenvolvimento espiritual e autoconhecimento, cria um

ambiente favorável para o diálogo das religiões com a ciência, na busca de soluções para esse

contexto de adoecimento mental, desigualdade social e destruição do planeta.

Sendo assim, o diálogo das religiões com a ciência, por exemplo, desde que se

fundamente no compromisso de ambas em resgatar a totalidade do ser humano, pode oferecer

Page 114: DIÁLOGO E SENTIDO: Vida espiritual e encontro inter

112

ganhos que ultrapassam o âmbito circunscrito da religião e contribuir para que as pessoas

construam um pensar crítico a respeito de si mesmo e da realidade a sua volta.

Lipovetsky (2004a) afirma que na sociedade pós-moderna predomina a ética do

individualismo responsável e Rubio (2007) identifica nesse individualismo responsável um

ponto importante de diálogo da cultura pós-moderna com a teologia:

A antropologia teológica encontra um ponto importante de diálogo com a cultura

individualista pós-moderna, na medida em que, no interior desta, está se

desenvolvendo um individualismo responsável. É no diálogo com esta modalidade

de individualismo que a antropologia teológica pode mostrar o quanto é prioritária,

na realidade brasileira, a tarefa ética de ajudar e se comprometer com a humanização

dos mais excluídos pelo sistema dominante. A opção pelos pobres, nas situações e

nos compromissos concretos, continua sendo um sinal fundamental da credibilidade

da Igreja. No entanto, pedagogicamente, o caminho para se chegar a assumir essa

perspectiva, na cultura pós-moderna, passa pela prioridade concedida ao subjetivo. É

a partir do subjetivo e do individual que o social, o político e o estrutural podem ser

percebidos como objetivos desejáveis e necessários. (RUBIO, 2007, p. 292).

Pensando a realidade atual e as possibilidades de construção de sentido e da paz

construída mediante a diminuição das desigualdades sociais, as religiões e as ciências podem,

juntas, dar um passo além do individualismo responsável e propor uma união que se sustenta

na compaixão pelo outro. "Tendo como base uma ética da compaixão, a ciência pode atingir

uma parcela muito maior da humanidade do que qualquer fé religiosa". (GOLEMAN, 2016, p.

65). O diálogo da ciência com a religião e da ciência como parceira da religião em um diálogo

com a sociedade é uma possibilidade que amplia as forças de transformação que embas

almejam.

O novo modelo de conhecimento, complexo e transdisciplinar, gerou a lógica do

terceiro incluído que, debruçada por si sobre o fenômeno das religiões e as

contradições que surgem do seu pluralismo, remete à busca de outro nível de

realidade, àquela ética do amor, que pode religar crentes doutrinamente antagônicos

em uma fé que se faz silêncio místico ou atitude de cuidado pelos outros e pelo

nosso meio e permite o acesso ao sagrado e abertura para o divino que está entre e

para além das religiões e cujo espírito permeia todas as coisas. (ARAGAO,

PANASIEWICZ, 2015, p. 1858).

Para Dalai Lama, a verdadeira expressão da não violência é a compaixão. Sendo a

compaixão não apenas uma postura de passividade, mas um estímulo à ação. “Experimentar

compaixão genuinamente é desenvolver um sentimento de proximidade em relação ao outro,

combinado com um senso de responsabilidade pelo bem estar do outro.” (DALAI LAMA,

apud GOLEMAN, 2016, p. 149). Porém, para que isso se torne possível, é preciso que o outro

em sua alteridade retome o seu lugar de destaque nas relações sociais, tendo em vista que, ao

Page 115: DIÁLOGO E SENTIDO: Vida espiritual e encontro inter

113

longo da história do Ocidente, através da primazia do eu, foram anulando, sistematicamente,

as alteridades. Essa anulação do outro prejudica tanto as relações sociais, quanto a construção

subjetiva saudável.

4.2.2 A emergência de uma ética da alteridade por uma sociedade tolerante

Existem estudos em várias áreas da ciência que tratam da relação entre conhecimento

das emoções e do funcionamento da mente e o aumento da empatia e da compaixão.

Percebemos que o conhecimento de si, quando feito de maneira totalizante, ou seja, abarcando

o conhecimento de todas as dimensões humanas, favorece o acolhimento da diversidade e,

consequentemente, um convívio mais respeitoso. Sendo assim,

o autoconhecimento se torna um ponto de equilíbrio, um ato vital, com a finalidade

de atingir uma dimensão única que é a totalidade. Esse ato evoca a exigência, pois

está em jogo a própria existência do homem questionador, o conhecimento de si,

sem retenção ou posse de si, mas tomada de consciência de sua existência, de sua

relação consigo, com o mundo e com os outros. Não é suficiente considerar o

homem como objeto. É preciso entrar conscientemente na realidade do ato da

introspecção para se chegar à totalidade. (SILVA, 2014, p. 57).

O conhecimento de si, adquirido através da autorreflexão, não gira em torno de si

mesmo, ele necessita de um olhar de fora e um olhar para fora. A “ontologia da relação (de

Buber) é um fundamento que se encaminha para a ética do inter-humano”. (ZUBEN, 2003, p.

88). A maneira como nos relacionamos com a alteridade é que sustenta os campos da ética e

da política e pode transformar a realidade social, o que nos leva a refletir sobre a importância

da alteridade em nossas vidas e na nossa sociedade e a emergência de uma ética que acolha

essa alteridade.

Precisamos superar o movimento centrípeto do ser humano pós-moderno se quisermos

recuperar a nossa humanidade, pois é a partir do outro que nos tornamos humanos.

Na concepção levinasiana, o pensamento lógico-filosófico voltado para si mesmo,

em que ontologicamente o que prevalece é o ser enquanto ser, relega o outro ao

esquecimento, daí decorrendo toda a violência praticada contra o outro na história

ocidental. Assim, sua filosofia consiste na proposta de uma nova compreensão da

própria filosofia, a ser construída sobre o alicerce da alteridade como princípio ético.

(ESTEVAM, 2008, p. 175).

Page 116: DIÁLOGO E SENTIDO: Vida espiritual e encontro inter

114

O contato com o outro é sempre um contato através da diferença. Essa diferença da

outra pessoa é sempre aquém e além de qualquer compreensão. E toda vez que impedimos

que o outro se manifeste, somos violentos. Apesar de nunca ser possível captar a totalidade de

uma pessoa, pois existe algo no outro que sempre nos escapa, impedir que ele mostre a sua

singularidade é o mesmo que impedir que ele se constitua enquanto ser. Da mesma forma,

negar a alteridade presente em nós é deixar de ser.

Por si só, as diferenças não são nem boas, nem ruins, nem devem necessariamente

gerar conflito. O que importa é como se lida com essas diferenças. Mesmo nos

pensamentos e nas emoções de uma única pessoa, ele ou ela experimenta todo tipo

de diferenças e contradições – entre estágios anteriores e posteriores da vida, e até

mesmo entre o que é sentido e pensado pela manhã e mais tarde, ao anoitecer. Com

efeito, são tais ideias e sentimentos contraditórios que, em parte, podem dar origem

a novos entendimentos e nos tornar mais maduros e esclarecidos em relação à vida e

ao mundo. (DALAI LAMA, 2014, p. 170).

Nesse contexto de desumanização da sociedade, Lipovetsky propõe uma ética da

responsabilidade, que leve em consideração as nossas ações, muito mais do que nossas

intenções. “Uma ética que leve em consideração as consequências objetivas das nossas

escolhas, que considere as condições sociais concretas e não o ideal absoluto” (2004a, p. 38).

A ética da responsabilidade proposta por Lipovetsky vai de encontro à ética proposta por

Levinás. Para este, a questão de como eu devo agir em relação ao outro é sempre posterior ao

encontro com o outro. A ética vem antes. A ética não é da ordem da demonstração racional,

ela vem antes.

A alteridade vivida como uma experiência ética é capaz de acionar a nossa dimensão

espiritual adoecida e provocar um posicionamento dos sujeitos diante de si mesmos e do

mundo. Valorizar o outro não é negar o valor da identidade, ao contrário, é compreender que

o seu eu só é possível a partir do outro. E para a construção de um mundo mais humano,

precisamos aprender a acolher a alteridade do outro e a alteridade que existe em nós.

A compaixão e a solidariedade só podem existir se tivermos capacidade psíquica de

nos colocar no lugar do outro, de percebê-lo em sua alteridade. Uma grande dificuldade em

relação a isso é que nossos próprios mecanismos de defesa podem ser usados,

inconscientemente, para depositar nos outros o que não conseguimos ver em nós. Por isso,

lidar com alteridades torna-se um exercício repleto de tensões, pois vem misturado, o tempo

inteiro, com nossas próprias questões.

Sendo assim, acolher a nossa humanidade coincide com acolher os nossos limites, pois

não existe nada que apareça no social, que não exista primeiro dentro de cada um de nós. De

Page 117: DIÁLOGO E SENTIDO: Vida espiritual e encontro inter

115

acordo com Boff (2009, p. 76), “há violência no mundo porque eu carrego violência dentro

de mim na forma de raiva, inveja e ódio.” Precisamos acolher a nossa polaridade como

pertencente à condição humana, pois somos a unidade viva dos contrários, amor/ódio,

opressão/libertação, caos/cosmos. Perceber que trazemos em nós contradições e compreender

o seu funcionamento faz parte do processo de conhecimento de si e pode facilitar o

conhecimento e o convívio com o outro, na medida em que existe uma estrutura humana que é

universal, o que nos remete à importância do conhecimento de si.

Nesse sentido, o encontro inter-religioso pode ser ocasião de aprofundar o

conhecimento de si, na medida em que nos abrimos a conhecer o outro e nos permitirmos ser

tocados por ele.

4.2.3 O diálogo entre as religiões como potencializador do relacionamento com as

diversidades

Um compromisso com a busca pela verdade última, tanto quanto a busca de

conhecimento de si, deve chegar à consciência e ser capaz de gerar em seus adeptos um

compromisso de transformação pessoal e social. O principal desafio da vida espiritual e do

encontro inter-religioso na sociedade contemporânea é conferir um lugar de centralidade ao

outro, à alteridade. Na medida em que o outro ocupar um lugar central nos relacionamentos,

cada encontro poderá se tornar oportunidade de elaboração da própria experiência.

De acordo com Gaspar (2014, p. 17), “se o encontro entre culturas já é marcado pela

tensão, a tensão presente no encontro entre religiões é superlativa. O impacto tende a ser, por

excelência, mais desafiador, e a diferença mais provocadora, pois é o modo de apreensão da

totalidade que está em jogo”. E é exatamente por essa provocação que o diálogo entre pessoas

de religiões diferentes pode potencializar as nossas elaborações vivenciais.

Para que o diálogo inter-religioso propicie um aprofundamento e comprometimento

existencial com a realidade, ele não pode ser feito de qualquer jeito. Dalai Lama (apud

GOLEMAN, 2016, p. 145) vai dizer que, entre grupos pertencentes a qualquer tipo de

diversidade, inclusive religiosa, sempre existirá um amigo do outro lado. E quando há

envolvimento emocional, como amizade ou romance, entre pessoas de grupos diferentes, os

preconceitos herdados são superados37

.

37

Para descobrir o que pode reparar essas divisões nós-eles, o psicólogo social Thomas Pettigrew revisou mais

de quinhentas pesquisas realizadas em 38 países sobre essa questão – com respostas de 250 mil pessoas.

(GOLEMAN, 2016, p. 146).

Page 118: DIÁLOGO E SENTIDO: Vida espiritual e encontro inter

116

O efeito do afeto não deriva apenas de contatos casuais, mas também da intensidade

do vínculo emocional. O carinho que sentimos por um membro do outro grupo

expande-se gradualmente para todo o grupo, mesmo em meio a tensões. Embora os

estereótipos possam permanecer guardados no armário mental, a forte negatividade

que os acompanhava desaparece. E, se os sentimentos mudam, o comportamento

também muda. (GOLEMAN, 2016, p. 146).

Todos nós conhecemos pessoas de outras religiões e até mesmo casais com crenças

diferentes. Em uma pesquisa realizada por Gaspar (2014, p. 240), com pessoas que vivem o

diálogo inter-religioso em seu cotidiano, as análises “revelaram que é na relação e por meio

dela que tanto as semelhanças quanto as diferenças religiosas emergentes puderam ser

efetivamente vividas e elaboradas”. Ou seja, o convívio com a diversidade religiosa, além de

não ser impeditivo, pode ser ocasião de elaborar as nossas vivências, desde que acolhamos a

provocação que emerge daquele relacionamento como uma oportunidade de elaboração e

aprofundamento da própria existência.

Reconhecer o valor da pluralidade como um princípio pode favorecer o movimento de

deixar-se tocar afetivamente pelas alteridades. Além disso, acreditamos também que, em se

tratando do diálogo entre pessoas de religiões diferentes, o ideal seria que ele se desse em

duas partes de igual importância, sendo que cada uma delas, necessariamente, deve vir

seguidas de um momento de afastamento para reflexões38

.

O outro, parece-nos perigoso, mas ao mesmo tempo, nos salva de nós mesmos e das

construções teóricas e axiológicas nas quais somos capazes de nos agarrar como

tábua salva-vidas. Porém, o outro também pode estar alienado e querer impor a sua

alienação a nós. Tudo isso requer muito cuidado e cultivo do pensar, não do

pensamento, mas do pensar. Pensar é uma atividade e não um conteúdo. Pensar é o

exercício mais puro da liberdade. (FRECHEIRAS, 2011, p. 580).

É necessário que a pessoa disposta a dialogar, primeiro, busque conhecer mais da sua

própria tradição religiosa e que reflita sobre essa vivência, mas que também, diante de uma

alteridade, disponha-se a ouvir a sua história, suas crenças, que consiga colocar em parênteses

seus julgamentos e que também reflita sobre o que foi ouvido. Esses dois momentos devem,

necessariamente, levar a um terceiro momento, de compromisso social, em um movimento

cíclico.

38

Este afastamento para reflexão possibilitaria um espaço adequado para elaboração dessas vivências, já que não

é possível estabelecer um diálogo sem a prática constante da autocrítica. Um processo trabalhoso, pois ao nos

colocarmos em questão, somos levados a um horizonte infinito e sentimos medo de nos perder na imensidão,

mas é necessário.

Page 119: DIÁLOGO E SENTIDO: Vida espiritual e encontro inter

117

O diálogo no contexto das religiosidades ganha proporções maiores e contornos mais

sutis que todos os outros diálogos, pois ele tem como uma de suas premissas o

aprofundamento da sua própria fé. Porém, considerando que pessoas mais inseguras

psiquicamente e menos conscientes de si, por medo, são mais propensas a se fecharem ao

diálogo ou serem violentas diante da diversidade, ficamos diante de um impasse: o diálogo

acontece naturalmente em pessoas abertas e as violências ocorrem preponderantemente em

pessoas fechadas? Parece que existe algo que antecede e que prepara a pessoa de modo a

favorecer uma abertura ao outro e a si mesmo. Será que podemos falar de uma formação para

o reconhecimento da alteridade?

4.2.4 Uma educação dialogal que favoreça a consciência e o reconhecimento do outro

O diálogo não é algo que pode ser simplesmente imposto de fora, nem por alguém,

nem por uma instituição, pois ele precisa de uma adesão sincera e espontânea de todos os

envolvidos. Entretanto, pode ser proposto por todos que o desejarem, a partir de uma

iniciativa individual - o que respeitaria as características da própria pós-modernidade. Iniciado

por meio de uma iniciativa individual, o diálogo incluiria um elemento novo e altamente

transformador, o fato de nos convidarmos a nos encontrar com o outro, a ouvi-lo, a pensar

junto uma boa convivência e o cuidado com nossa casa comum. Acrescentaríamos a esse

elemento novo a imanência - marca da busca espiritual atual -, uma transcendência (mesmo

que apenas uma transcendência horizontal), devolvendo o ser ao humano, já que este se

constitui como ser de alteridade.

O contexto plural favorece o diálogo, na medida em que o contato com a diferença é

inevitável, mas ao mesmo tempo, pode favorecer o fechamento e atitudes de violência, na

medida em que as pessoas não são favorecidas no seu dinamismo natural, sendo necessário,

portanto, um discernimento que pode ser alcançado através de uma formação humana. Para

Dalai Lama (2014, p. 158), “quando a porta interior se abre, não é mais preciso esforço para

se aproximar e se conectar com os outros. É por isso que o maior antídoto contra a

insegurança e a sensação de medo é a compaixão: ela nos leva de volta à base de nossa força

interior.” Sendo assim, todas as religiões de todo o mundo podem ajudar a reconhecer essa

herança e oferecer um meio sistemático de nutri-la.

O caminho mais curto e seguro para tal propósito é a educação crítica, responsável,

cuidadora e acessível a todos. Por ela as pessoas se civilizam, socializam valores e

aprendem a não criar bodes expiatórios, mas a assumir elas mesmas a tarefa de

Page 120: DIÁLOGO E SENTIDO: Vida espiritual e encontro inter

118

controlar a dimensão demente e se empenham positivamente na construção de uma

sociedade na qual todos possam caber. Desta forma então haverá mais paz que

violência. (BOFF, 2009, p. 79).

É necessário uma educação, uma companhia que oriente as pessoas a olhar para sua

interioridade, de maneira inteira, aceitando os aspectos sombrios e aprendendo a integrá-los

de maneira harmônica. Uma formação humana consciente e aberta à alteridade não deve ser

uma imposição de normas e valores, mas uma orientação no reconhecimento daquilo que nos

faz humanos e de critérios que nos ajudem a ter critérios para decidir como agir diante da

singularidade de cada situação que nos acontece, respeitando a nossa humanidade e a do

outro. Não é possível fazer um manual, pois “somente nas sombras de cada situação concreta

essa linha de demarcação ganha luz” (BUBER apud ZUBEN, 2003, p. 18). Se não existem

regras que podem ser definidas de uma vez por todas, torna-se necessária uma pedagogia da

educação que seja totalizadora, que leve o indivíduo a ser capaz de, “engajado no encontro

dialógico, manter duplo sentimento, vale dizer, ter consciência de si próprio e, ao mesmo

tempo, perceber o outro na sua alteridade singular.” (ZUBEN, 2003, p. 19).

Frankl e Lapide (2014, p. 86) afirmam que todo ensino deve fomentar o processo de

busca de sentido dos jovens e aguçar sua consciência, para que se tornem sensíveis para

discernir as possibilidades de sentido e desafio presentes em qualquer situação vivida

individualmente:

De fato o sentido não pode ser absolutamente dado, porque o sentido tem de ser

encontrado. Nós não podemos “receitar” nenhum sentido. Mas quando a gente

convence as pessoas de que o homem não seria nada mais do que um “macaco nu”,

ou uma bola de brinquedo dos impulsos, ou produto de relações de produção ou o

resultado de processos de aprendizagem – sim, então eu paraliso sim a original

orientação de sentido. Dessa forma, o entusiasmo e o altruísmo normal do jovem são

sepultados. E este é exatamente o grande perigo: se eu encaro o homem desde o

princípio como um pobre coitado, então eu o torno pior do que ele já é, eu o

corrompo. Se eu, pelo contrário, aceito o homem como ele é, como ele deve ser,

então o torno aquilo que ele pode se tornar. Então eu mobilizo seu potencial humano

individual.

Nós concordamos com a afirmação dos autores supracitados, porém acrescentamos

que essa educação deve começar desde a mais tenra idade. Para uma transformação de

consciência, que se pretende social, precisamos mudar um sistema educacional e focar nas

nossas crianças e consequentemente em seus cuidadores. A luta contra a intolerância e pela

acolhida da diversidade deve começar desde a nossa infância, pois essa “a atitude de abertura

do homem e a doação originária do ser formam a estrutura da relação Eu-Ser.” (BUBER,

2001, p. 33).

Page 121: DIÁLOGO E SENTIDO: Vida espiritual e encontro inter

119

Essa educação incluiria noções básicas sobre funcionamento da mente e da dinâmica

das emoções; regulação saudável dos impulsos emocionais e cultivo da atenção, da empatia e

do afeto; gestão de conflitos de forma não violenta e sentimento de unidade na humanidade.

“Nosso sistema educacional moderno é orientado por valores materiais. Precisamos de

educação sobre valores internos para levar uma vida saudável.” (DALAI LAMA apud

GOLEMAN, 2016, p. 171). A médio e longo prazo, esse tipo de educação totalizante e

integradora poderia ajudar a resolver problemas importantes que vivemos em nível planetário,

desde aquecimento global e destruição ambiental, até desigualdades e conflitos econômicos.

Uma formação que favoreça a autonomia do sujeito, através do conhecimento de si e

do reconhecimento do outro enquanto uma pessoa, precisa de educadores e de lideranças

comprometidos com esse objetivo e que também tenham sido formados integralmente.

4.2.5 As lideranças no diálogo das espiritualidades em prol do cuidado com o planeta

No contexto das religiões, a ética da alteridade precisa tornar-se um pressuposto

inegociável. Sabemos que é mais comum ver a religião associada à violência do que à paz.

Sem desconhecer toda a trama geopolítica e relações de poder, que também envolvem as

instituições religiosas, ainda assim elas podem, através de suas lideranças, fomentar o diálogo

humano, pois a espiritualidade lhe confere um horizonte de sentido nesse momento de crise.

A pluralidade trouxe incertezas, tanto para a construção subjetiva, quanto para a

estrutura teleológica das religiões, principalmente para as que tinham hegemonia, levando as

instituições a repensarem as suas diretrizes diante das mudanças da humanidade. Tendo em

vista a importância dos líderes religiosos na formação de seus adeptos, "para além de

consolidar uma espiritualidade humanizante, há desafios no sentido de suscitar maior

tolerância, valorização da diferença e contribuição para a construção da cultura da paz.”

(OLIVEIRA, P.; PANASIEWICZ, 2014, p. 1187). Dessa forma, a mesma importância do

outro na construção subjetiva do eu pode ser estendida para o diálogo inter-religioso e

favorecer a compreensão do sentido último e do cuidado com a vida, de maneira geral.

Um fundamental serviço da espiritualidade do diálogo inter-religioso é promover o

sentido e o valor da vida comum entre os crentes, despertando neles a consciência de

uma origem e fim comuns, de modo que também as suas aspirações mais profundas

se encontrem e eles possam empreender juntos a busca do significado da vida, do

amor, da dor, da morte. (WOLFF, 2016, p. 161).

Page 122: DIÁLOGO E SENTIDO: Vida espiritual e encontro inter

120

Essa intervenção das religiões para superar a crise atual, em favor da humanização das

nossas relações e do cuidado com o planeta, é possível, porém, não pode ser imposta39

. De

acordo com Leonardo Boff (2002a, p. 21), aqui aparece a dramaticidade da crise: “O ser

humano que deve decidir-se não pode fazê-lo de qualquer jeito. Porque não vê claro. Tudo se

anuviou. Mas percebe que deve decidir-se porque sem sentido ninguém pode viver por longo

tempo. A vida só é possível quando se constrói um arranjo existencial e uma articulação

integradora dos fatores principais.”

Uma liderança que vise um convívio harmônico, pautado no cuidado e no respeito

com as diferenças, deve viver existencialmente o que propõe. Portanto, muito mais do que

falar sobre a importância de ser tolerante em relação à diversidade religiosa, ela deve agir

sendo tolerante, dialogando, abrindo-se existencialmente ao outro. Um discurso vazio não

mobiliza mudança, não se torna uma companhia que ajude na elaboração da própria vida.

Paulo Freire, que foi um educador que acreditava na emancipação humana através da

consciência e de uma educação integral, e que tinha como metodologia principal o diálogo,

dizia que40

:

A existência, porque humana, não pode ser muda, silenciosa, nem tampouco pode

nutrir-se de falsas palavras, mas de palavras verdadeiras, com que os homens

transformam o mundo. Existir, humanamente, é pronunciar o mundo, é modificá-lo.

O mundo pronunciado, por sua vez, se volta problematizado aos sujeitos

pronunciantes, a exigir deles um novo pronunciar. (FREIRE, 2011, p. 108).

Neste sentido, “a autossuficiência é incompatível com o diálogo” (FREIRE, 2011, p.

112) e, nesse contexto, a humildade e a abertura às alteridades deve ser percebida no cotidiano

das instituições religiosas. “A ética deve encarnar-se nas leis e nas instituições se queremos

combater o mal e a injustiça. Precisamos, talvez, de mais espírito de solidariedade, mas

também de mais inteligência organizacional e política se desejamos realizar, não o bem, mas

algo melhor”. (LIPOVETSKY, 2004a, p. 39).

39

A superação de uma crise só é possível mediante um processo de elaboração. "Se não houver uma decisão

pessoal, a crise não pode ser superada. Intervenções vindas de fora, sem partir de uma maturação interna e

valorizando forças positivas da crise, são inoperantes, embora haja sido até o presente o modo mais comum

como a Igreja oficial e também o poder político dominante tentaram resolver suas crises internas". (BOFF,

2002a, p. 21).

40

Paulo Freire (1921-1997), foi um importante educador, pedagogo e filósofo brasileiro, com atuação e

reconhecimento internacionais na área de educação e políticas sociais. Podemos perceber uma influencia da

fenomenologia no pensamento e em suas obras.

Page 123: DIÁLOGO E SENTIDO: Vida espiritual e encontro inter

121

4.3 Diálogo inter-religioso como uma práxis

Apresentamos as necessidades do diálogo em seu aspecto humano antropológico e

também a sua urgência, considerando as características do tempo em que vivemos. E

mostramos quais seriam as premissas e a formas de se realizar o diálogo entre as religiões.

Porém, não podemos perder de vista que nada disso tem sentido se o objetivo do diálogo inter-

religioso não for, de fato, a paz, vivida através do cuidado com o cosmos, com o outro e

consigo mesmo. Sem essa clareza sobre o objetivo do diálogo, perdemos o critério para

distinguir como responder ao outro, como agir diante das circunstancias da vida, de forma

responsável.

Geffré (2003, p. 11), ao propor o ecumenismo inter-religioso, além de ampliar o

conceito de ecumenismo para além das religiões cristãs, diz que este deve realizar-se visando

a um encontro das religiões que coloque todas as suas riquezas espirituais e morais à serviço

da paz, da humanização das pessoas e da proteção do meio ambiente. Esse encontro deve

provocar uma melhora de vida para a humanidade, tanto no campo espiritual quanto no social.

De acordo com Frankl (1991), o sentido da vida só pode ser encontrado na vida

concreta. Portanto, a vida não pode ser confundida com uma abstração, nem tampouco o que

propomos como diálogo inter-religioso. Por esse motivo, essa discussão sobre a busca de

sentido através do diálogo não pode restringir-se ao plano teórico, ela precisa transformar-se

em uma práxis dialogal. De acordo com Baptista (2003), essa práxis pode ser definida como

a maneira como o ser humano expressa seu ser e se constrói, em uma ação que se faz

iluminada pela razão.

A convergência das elaborações teóricas em uma práxis deve, necessariamente, levar a

uma mudança tanto individual quanto social. Para Morin (2013, p. 76), “existe uma

articulação entre as questões da transformação pessoal e da transformação social e é preciso

deixar de colocá-las uma contra a outra”. Uma mudança na sociedade que objetive a paz e o

convívio com a diversidade não pode ser imposta, ela deve passar por uma transformação das

pessoas.

A verdadeira paz, portanto, requer mudanças profundas, tanto na vida individual de

cada um como nas estruturas sociais. Uma mudança no plano puramente

organizacional, isto é, político, de nada serviria. Pelo contrário, a mera criação de

instituições políticas internacionais, dotadas de poder suficiente para controlar a

exploração conjunta dos recursos do planeta, por exemplo, pode ser muito mais

perigosa do que útil, se não for acompanhada por modificações radicais no plano

individual e social. (BUBER, 1982, p. 19).

Page 124: DIÁLOGO E SENTIDO: Vida espiritual e encontro inter

122

É possível uma práxis dialogal entre as religiões na realidade brasileira? Essa práxis é

capaz de provocar mudanças individuais e sociais?

4.3.1 Brasil: um espaço de encontros e de tensões

No cenário mundial, a urgência do diálogo entre as religiões fica evidente, pois elas

são marcadas, muitas vezes, por reconhecimento de território, quando não se confundem com

conflitos políticos e econômicos. No Brasil, existe a questão da preservação de áreas e

territórios quando falamos da tradição indígena, mas existe, na maioria dos casos, uma

coexistência de várias religiões nos mesmos espaços, tanto públicos quanto privados. A nossa

maior questão no âmbito religioso passa pela tentativa de conviver em harmonia e pelo direito

de construir a própria identidade, sem imposição, e poder exercê-la em paz.

Pesquisas realizadas pelo IBGE, através do Censo 2010, confirmam o que percebemos

no nosso cotidiano: que existe uma predominância do cristianismo41

. Sanchis (2012, p. 28) ao

analisar a cultura brasileira na perspectiva da religião identifica algumas tendências:

a presença de uma dimensão religiosa superlativa; a representação de um anel

místico em torno do povo brasileiro, do grupo social brasileiro; permanência de certa

polarização dessa diversidade para o catolicismo; e uma porosidade das identidades,

uma tendência relacional transformadora das identidades.

O fato da cultura brasileira ser majoritariamente cristã traz uma responsabilidade a

mais para aqueles que se identificam como cristãos. Existe uma pluralidade no interior do

próprio cristianismo, tanto católico quanto protestante ou ortodoxo. Essa diversidade ressalta

o cuidado que devemos ter em relação à alteridade, para que não exista um discurso cristão

que seja imposto, gerando violência. Entretanto, casos de violência são incontáveis por todo o

país. Recentemente, em uma cidade da região metropolitana de Belo Horizonte, no Estado de

Minas Gerais, foi decretado judicialmente dias e horários para que as religiões de matriz

africana pudessem realizar os seus cultos42

. Nenhuma religião pode pretender ser superior a

41

O Brasil é um país majoritariamente cristão, com aumento significativo dos evangélicos protestantes.

Entretanto, o país apresenta um crescimento daqueles que se denominam como sem-religião e de pessoas que

declaram pertencer a mais de uma denominação religiosa.

42

Segundo dados da imprensa local, “representantes e praticantes das religiões de matriz africana realizaram um

protesto, na última terça-feira (18/07/2017), contra a intolerância religiosa. Vestidos de branco, eles se

posicionaram em frente ao Ministério Público e pediram por respeito às tradições da cultura afro-brasileira. O

caso que culminou na manifestação diz respeito a uma imposição da Justiça de Santa Luzia, na Região

Metropolitana de Belo Horizonte, que estipula dia, horário e como devem ser realizados os cultos em um terreiro

de Candomblé da cidade. De acordo com as novas regras, a casa poderia executar as atividades somente nas

quartas-feiras e em um único sábado do mês, utilizando apenas um atabaque. Caso as normas não sejam

Page 125: DIÁLOGO E SENTIDO: Vida espiritual e encontro inter

123

outra, pois isso, além de ser contra a aceitação da diversidade como um dom, pode causar

violências e massacres. Especificamente em relação à religiões de matriz africana, “o

candomblé, a umbanda e diversas religiões afro-brasileiras, além de serem ricas em cultura e

em suas funções sociais, também são pilares que constituem a nossa sociedade há muito

tempo e precisam ser respeitadas.” (LUIZ; VELIQ, 2017, p. 3). Assim, ao propor o diálogo

inter-religioso, devemos compreender a necessidade da emergência de uma reforma íntima

dos cristãos, sobretudo dos evangélicos, em relação às religiões de matriz africana, já que por

parte destes, já percebemos uma abertura dialogal43

.

Em via de regra, para o evangélico comum, a relação é muito simples e pode ser

resumida a formulação de que tudo associado a religiões de matriz africana pode ser

demonizado e deve ser evitado a qualquer custo. Não nenhuma possibilidade de

diálogo entre os dois ramos religiosos. [...] No meio protestante, a postura de diálogo

se mostra um pouco melhor que no meio evangélico, no entanto, tal prática ainda

não se mostra a tônica nem mesmo entre os chamados protestantes. (LUIZ; VELIQ,

2017, p. 2).

Nesse sentido, a luta contra a intolerância religiosa exige, inclusive, uma revisão da

nossa linguagem, para que ela se afaste do discurso pautado em nós e eles. Um discurso que,

no âmbito das religiões, pode ter consequências desastrosas. Essa revisão da linguagem torna-

se urgente no contexto brasileiro e deve ser proposta pelas religiões cristãs em

reconhecimento da responsabilidade diante do seu histórico de poder e da força do seu

discurso como uma influência cultural.

Se não houver uma reconstrução das relações para que sejam mais justas, igualitárias

e includentes, seremos condenados a conviver com conflitos e guerras, Esta paz

exige reparações históricas e políticas compensatórias que os dominadores históricos

se recusam a introduzir. (BOFF, 2009, p. 82).

As palavras possuem uma força, são carregadas de sentido. Algumas expressões,

quando faladas ou direcionadas a outra pessoa de forma pejorativa, podem diminuir ou até

mesmo anular a riqueza ou a especificidade da experiência religiosa vivida por ela. De acordo

cumpridas, o terreiro está sujeito a multa diária de R$ 100. O documento proíbe, inclusive, a prática de cultos

silenciosos fora das datas”. (LOPES, 2017).

43 De acordo com Siqueira (2005, p. 14), atualmente, o grupo dos evangélicos pode ser dividido em três grandes

ramificações. O primeiro ramo diz respeito aos chamados evangélicos independentes, históricos ou tradicionais:

32% do total dos fiéis. Entre eles, destacam-se os presbiterianos, os metodistas, os batistas tradicionais e os

luteranos. Mas no conjunto dos evangélicos, destacam-se o segundo grupo, pentecostal, 68%, sendo o Brasil a

maior comunidade pentecostal do mundo, que engloba a Assembléia de Deus, Congregação Cristã no Brasil,

Igreja do Evangelho Quadrangular, O Brasil para Cristo e Deus é Amor. Dessa forma, podemos falar de uma

pentecostalização do protestantismo e de um desenraizamento da tradição religiosa. A terceira vertente é a dos

neopentecostais, onde destacam-se as igrejas: Universal do Reino de Deus, Igreja Internacional da Graça de

Deus, Renascer em Cristo e Sara Nossa Terra.

Page 126: DIÁLOGO E SENTIDO: Vida espiritual e encontro inter

124

com Jacques Dupuis (2004, p. 71), “a terminologia teológica em uso, mesmo hoje entre

muitos pregadores e teólogos, conserva ainda traços de expressões a respeito dos outros que

são claramente pejorativas.” Essa linguagem e esse discurso deixam marcas na construção da

subjetividade do sujeito.

A linguagem religiosa possui uma força cultural. Questões relativas à crença pessoal e

também à divergência entre a crença individual e a crença dos familiares podem ser vividas

sob uma tensão, já que a força da tradição na construção do imaginário popular, quando

vivida de maneira imposta, repleta de regras morais rígidas, sem um relacionamento que

oriente a sua elaboração, pode favorecer uma subjetividade culpabilizante e insegura.

O mundo é construído na consciência do indivíduo pela conversação com os que

para ele são significativos (como os pais, os mestres, os amigos). O mundo é

mantido como realidade subjetiva pela mesma espécie de conversação, seja com os

mesmos interlocutores importantes ou com outros novos (tais como cônjuges,

amigos ou outras relações). Se essa conversação é rompida, o mundo começa a

vacilar, a perder sua plausibilidade subjetiva. (BERGER, 1985, p. 29).

Existe uma moral cristã que permeia toda a sociedade brasileira, que poderia ser

problematizada no âmbito subjetivo e no âmbito das políticas públicas, de modo a favorecer a

prevalência do humano, independente de sua religião, caso o diálogo inter-religioso

acontecesse em vários níveis e espaços. A presença das alteridades na constituição subjetiva

individual, em um contexto plural e global, caso não haja diálogo, pode fazer com que essas

tensões aumentem, gerando cada vez mais violência e adoecimento, inclusive dentro do

próprio cristianismo, que se revela tão plural e com tendências bem diversas.

Assim como a contemporaneidade suscita posições individualistas e, por incrível

que pareça, moralizantes no que diz respeito ao relacionamento com o diferente, ela

explicita a urgência de uma proposta existencialmente vivida que dê conta da

complexidade e pluralidade de perspectivas na qual está imersa. (GASPAR, 2014, p.

32).

Diante desse cenário, tão rico culturalmente, e que, por seu próprio processo de

formação, tem um ambiente que naturalmente propicia o encontro e o convívio inter-religioso

e uma tendência das pessoas transformarem a sua identidade no decorrer dessas co-presenças

sociais e cósmica, e movidos pelo desejo de compreender como promover um diálogo que

favoreça a construção de sentido, agora conheceremos uma instituição que se propõe a isso e

analisaremos como ela funciona.

Page 127: DIÁLOGO E SENTIDO: Vida espiritual e encontro inter

125

4.3.2 Promovendo encontros inter-religiosos e discutindo a diversidade religiosa no Brasil

O Brasil tem sido palco de iniciativas que buscam promover o diálogo entre religiões e

discutir o respeito à diversidade religiosa em vários âmbitos. Tais iniciativas têm sido

realizadas por instituições religiosas, pela comunidade acadêmica, pelo governo, por

organizações não governamentais e em diversos estados brasileiros. Apenas para citar alguns

exemplos recentes, no mês de agosto de 2017, a revista Carta Capital, de circulação nacional,

lançou uma nova coluna chamada “Diálogos da fé”44

. Em sua primeira semana de

lançamento a coluna tratou, através de seus colaboradores45

, do tema da resistência negra e do

preconceito histórico sofrido pelos negros e pertencentes às religiões de matriz africana,

especialmente os candomblecistas; da importância de sermos protestantes na origem do termo

e de como isso pode ser encarnado por todas as religiões e do risco do esvaziamento da leitura

bíblica descontextualizada; do perigo da violência gerada quando uma moral religiosa serve

ao patriarcado e nega, por meios políticos, inclusive, o direito à igualdade de gêneros; da

importância do diálogo inter-religioso como um elemento fundamental na busca pela paz,

justiça e direitos humanos.

Em 2015, a Coordenadoria Ecumênica de Serviço, uma organização de Salvador/BA,

teve como tema da sua campanha anual “Eu respeito a diversidade religiosa e você?”46

. Além

de encontros para debater o tema do respeito à diversidade religiosa, sobretudo às religiões de

matriz africana, a CESE promoveu uma cartilha com textos sobre o tema escritos por um

padre, uma pastora, um religioso do candomblé, um rabino e de um sheik islâmico47

.

No ano de 2016, o Governo Federal do Brasil, através do Ministério da Cultura,

promoveu a campanha “Filhos do Brasil”, de combate à violência e à intolerância religiosa,

com divulgação nacional, ressaltando que a nossa constituição prevê o respeito às

44

https://www.cartacapital.com.br/diversidade/dialogos-da-fe-nova-coluna-do-site-de-cartacapital

45

Tratam-se de quatro colunistas. Sendo um candomblecista, uma pastora, uma cientista da religião e um teólogo

mulçulmano.

46

De acordo com site de divulgação da campanha, a escolha do tema desta edição está ligada à crescente onda de

intolerância religiosa que tem avançado no mundo e também no Brasil: a cada três dias, a central do Disque 100

recebe uma denúncia desta natureza – 75% delas são contra fiéis de religiões afro-brasileiras, mas o próprio

Governo acredita que, na prática, esses casos sejam ainda maiores. As estatísticas também mostram um aumento

nos casos de violência física sofrida por quem denuncia atos de intolerância religiosa. Em 2013, 20% dos

episódios relatados envolveram agressão e, até julho de 2014, esse número chegou a 12% das denúncias.

Disponível em: http://www.luteranos.com.br/noticias/campanha-primavera-para-a-vida-convida-para-dialogo-

inter-religioso

47

Cartilha disponível em: https://www.cese.org.br/wp-content/uploads/2015/09/CAMPANHA-PRIMAVERA-

PARA-A-VIDA_-LIVRETO-IMPRESSAOv2.pdf

Page 128: DIÁLOGO E SENTIDO: Vida espiritual e encontro inter

126

diversidades e que a interação entre as religiões é fundamental para superar entraves

históricos. No mesmo ano, a Conferência dos religiosos do Brasil realizou uma missão

ecumênica em apoio aos Guarani-Kaiowá, em Campo Grande/MS.48

Uma missão que tinha

como objetivo apoiar, denunciar e fortalecer a luta dos povos indígenas e que teve repercussão

mundial.

Em 2016, foi realizado em Belo Horizonte/MG, através do Laboratório de Psicologia

da UFMG (LAPS), o encontro “Um retorno às fontes: diálogo inter-religioso e ecologia”49

.

Aberto ao público em geral, o encontro visava debater, entre representantes de diversas

religiões, o cuidado com o mundo, sobretudo, em relação à tragédia que provocou um desastre

ambiental na cidade de Mariana/MG, no ano de 2015.

O Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião da PUC/MG realiza,

periodicamente, desde 2012, através do seu grupo de pesquisa “Religião Pluralismo e

Diálogo”, encontros mensais para discutir pesquisas na área inter-religiosa. Foi criado, em

2014, o Fórum da Religiosidade Contemporânea. Inicialmente, tinha o objetivo de trazer

diferentes expressões religiosas para encontro e debate com a realidade universitária e,

posteriormente, houve ampliação da proposta e o grupo, juntamente com outros interessados,

visitam in loco e fazem a experiência de encontro e debate no espaço das expressões

religiosas da Região Metropolitana de Belo Horizonte.

Existem também dois programas exibidos pela TV Brasil que tratam da temática

religiosa, sob o viés do pluralismo: “Retratos de fé” e “Entre o céu e a terra”. De acordo com

informações do próprio site, a série "Retratos de Fé" oferece uma oportunidade para que os

grupos religiosos possam transmitir a sua mensagem de fé e expressar o sagrado de sua

doutrina de forma direta, sem nenhum tipo de mediação, interferência ou proselitismo. A cada

episódio, o programa abre espaço para que um determinado credo possa se expressar

livremente, apresentando suas concepções, crenças, cerimônias, vivências e manifestações

48

Para obter mais dados sobre a missão, acesse: http://www.crbnacional.com.br/index.php/f-noticias/2685-

missao-ecumenica-em-apoio-aos-guarani-kaiowa-se-inicia-nesta-quarta-no-mato-grosso-do-sul

49

Esse encontro faz parte do projeto de extensão Diálogo inter-religioso, do Departamento de Psicologia da

UFMG, coordenado pelo professor Miguel Mahfould. De acordo com informações do site de divulgação do

evento, “o debate sobre como crescer na consciência de pertença à natureza e na consciência da necessidade de

cuidado para com o mundo em comum quer colher e oferecer à sociedade diferentes contribuições sobre o tema,

ao mesmo tempo em que favoreça o encontro com o diverso na vida acadêmica. Ao nos envolvermos

coletivamente com o espectro de fatores descortinados pela tragédia de Mariana (MG) e Rio Doce, temos a

oportunidade de colher provocações ricas e urgentes que apontam aspectos políticos, econômicos, éticos,

históricos, psicológicos, religiosos etc. e que se referem à nossa relação com a natureza, com a alteridade e cada

um consigo mesmo e com o Transcendente”. Para este evento foram convidados professores, pesquisadores e

mestres que representam diversos credos – espírita, judeu, islâmico, budista, católico, evangélico, candomblé e

guarani. Disponível em: https://www.ufmg.br/online/arquivos/043297.shtml

Page 129: DIÁLOGO E SENTIDO: Vida espiritual e encontro inter

127

religiosas, num verdadeiro aprofundamento religioso50

. Já o programa "Entre o céu e a

terra" pretende abrir um espaço plural de debate e reflexão sobre ideias e conceitos que

permeiam a enorme gama de religiões e crenças presentes no Brasil. Levando-se em conta a

relevância do assunto para a construção de uma sociedade democrática, com respeito à

diversidade e às diferenças, o programa também pretende transmitir conhecimento sobre as

diferentes religiões, suas vivências e manifestações.51

Nos interessava analisar uma práxis dialogal, para verificar se ela cumpre as premissas

do diálogo apresentadas ao longo do trabalho. Considerando a relevância dos recursos

tecnológicos como meio de comunicação na pós-modernidade e o uso cada vez maior dessas

mídias pelas instituições religiosas, escolhemos como objeto de análise o site do Observatório

Transdisciplinar das Religiões no Recife, que tomamos conhecimento da existência, pois faz

parte do grupo de pesquisa interinstitucional “Espiritualidades, Pluralidade e Diálogo”. Essa

opção mostrou-se uma possibilidade de análise interessante, pois trata-se de um espaço

permanente e virtual.

4.3.3 Observatório Transdisciplinar das Religiões no Recife: breve panorama

O Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião da Universidade Católica de

Pernambuco mantém um espaço virtual desde 2005, onde divulga os trabalhos e pesquisas

realizadas pela instituição no contexto da religião em diálogo com outras disciplinas e com a

sociedade52

.

O “Observatório Transdisciplinar das Religiões no Recife” é uma das atividades do

grupo de pesquisa Espiritualidades, Pluralidade e Diálogo53

. O Observatório localiza-se na

própria Universidade e se constitui como um espaço de extensão acadêmica, mantido pelo

grupo de pesquisa coordenado pelo professor Gilbraz Aragão. O Observatório

50

Disponível em: http://tvbrasil.ebc.com.br/retratosdefe

51

Disponível em: http://tvbrasil.ebc.com.br/entreoceueaterra

52

Todas as informações relatadas foram encontradas no site OBSERVATÓRIO, disponível em

www.unicap.br/observatório2.

53

Este espaço virtual é parte de outras iniciativas do projeto Observatório, quais sejam: o Grupo de Estudos

sobre Trandisciplinaridade e Diálogo entre Culturas e Religiões, com reuniões semanais desde 2005 para

compartilhamento de pesquisas e preparação de publicações; os Eventos que procuram fomentar o diálogo,

dentre os quais a Peripateia das Religiões, com edições semestrais, e as Sessões do GT “Espiritualidades

Contemporâneas, Pluralidade Religiosa e Diálogo”, que ocorrem nos Congressos anuais das sociedades de

estudos da religião; e, finalmente, o Fórum Inter-Religioso da UNICAP, que reúne a cada mês as lideranças

religiosas da região para uma escuta mística das nossas diversas tradições de fé.

Page 130: DIÁLOGO E SENTIDO: Vida espiritual e encontro inter

128

atua “articulando atividades presenciais e na internet com o objetivo de analisar os fatos

relacionados com os encontros e desencontros entre as religiões na região, procurando

promover o diálogo intercultural e inter-religioso”.

De acordo com informações obtidas no site do Observatório, o grupo de pesquisa

sobre transdisciplinaridade e diálogo entre culturas e religiões se reúne desde 2004/2005.

Neste ano, eles tiveram a iniciativa de convocar diversos grupos de religiões da região do

Recife, com o objetivo de que cada um falasse sobre os conteúdos da fé professada. Esses

encontros, chamados por eles de fórum da religiosidade, acabou gerando um site, onde eram

disponibilizados vídeos e materiais acerca dos fóruns realizados.

O Observatório Transdisciplinar das Religiões no Recife configura-se como um

espaço virtual que se consolidou como um espaço de diálogo e encontro da comunidade

acadêmica e educadores do Recife, do nordeste e do Brasil, para o aprofundamento dos seus

estudos sobre a rica pluralidade religiosa do nosso país.

Gilbraz54

, coordenador do Observatório e do grupo de pesquisa, em uma entrevista

sobre “espiritualidade e religião no ciberespaço”, disse que entende a internet não só como um

instrumento, mas como um novo ambiente cultural, de convívio e de troca. Sendo, portanto,

um ambiente que favorece a comunicação e o diálogo, pois permite uma construção de

conhecimento em rede, em via de mão dupla e não imposta por uma das partes. Para ele, o

mundo digital é um transbordamento dessa experiência de encontro que eles já realizam

enquanto gente. Além disso, a internet possibilita um alargamento da visão, pois através dela

temos um acesso a uma biblioteca infinita, possibilita contato imediato com os interlocutores,

além de ter as informações dinamizadas em meios alternativos de audiovisual, construindo

uma nova linguagem.

Estruturalmente, o Observatório é um espaço virtual, que disponibiliza textos e vídeos

que tratam da temática do diálogo entre as tradições espirituais, incluindo aquelas pós-

religiosas, ateias e agnósticas. A plataforma do site se viabiliza, a partir de uma página

principal, localizada no endereço eletrônico www.unicap.ber/observatorio2, onde o

54

Doutor em Teologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (2004) e mestre pela Pontifícia

Faculdade de Teologia de São Paulo (1994), graduado em Filosofia e Teologia. Professor e Pesquisador da

Universidade Católica de Pernambuco, onde atua no campo dos estudos de religião. Integra o Banco de

Avaliadores do Sistema Nacional de Justiça Socioambiental Luciano Mendes de Almeida e titular (2014-18) do

Comitê de Respeito à Diversidade Religiosa da Secretaria Nacional de Direitos Humanos, membro da Sociedade

de Teologia e Ciências da Religião do Brasil, vice-presidente (2010-16) e presidente (2016-18) da NAPTECRE

(Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Teologia e Ciências da Religião), coordenador do Grupo

de pesquisa interuniversitário sobre Espiritualidades, Pluralidade e Diálogo e do Observatório Transdisciplinar

das Religiões no Recife. Mantém pesquisa sobre teologia cristã e diálogo inter-religioso, metodologia teológica e

transdisciplinaridade.

Page 131: DIÁLOGO E SENTIDO: Vida espiritual e encontro inter

129

leitor/interlocutor tem acesso aos conteúdos distribuídos em 12 espaços: acolhida, equipe,

pesquisas, publicações, fórum, estudos, espaço, tributo, links, programação, temas e

arquivos55

.

O espaço virtual tem como meta principal desenvolver e divulgar pesquisas sobre fatos

relacionados ao diálogo entre as religiões, analisando-os sob o prisma do instrumental

transdisciplinar, bem como:

Organizar atividades de rede entre pesquisadores afinados com esse campo de

pesquisa, bem como intercâmbio com outros Observatórios; Gerar uma série de

publicações eletrônicas e um centro virtual de documentação sobre as religiões do

Recife e os seus encontros e/ou desencontros; Promover e apoiar experiências e

eventos de diálogo intercultural e inter-religioso na UNICAP; Recolher e divulgar a

produção acadêmica e audiovisual da Universidade, acerca das religiões, da

religiosidade e do diálogo; Acolher e aconselhar estudantes e pesquisadores

desejosos de iniciação à transdisciplinaridade aplicada ao fato religioso.

O acesso ao conteúdo do espaço virtual pode ser realizado através de uma busca por

palavras chave (temas) ou por datas em que os arquivos foram disponibilizados (arquivos).

Os conteúdos também podem ser acessados, ao longo da navegação, no espaço de

apresentação do histórico, justificativa e metas do espaço virtual (acolhida); na apresentação

dos membros do grupo (equipe); na divulgação dos trabalhos de pesquisa realizados pelos

integrantes (pesquisas); ao acessar as publicações disponíveis para acesso (publicações); no

espaço de divulgação do fórum das religiosidades (fórum); na página que divulga os temas

atualmente estudados pelo grupo, bem como referências e datas dos encontros (estudos) e na

página que explica o espaço físico e existencial que originou o site e no espaço físico que

pretendem construir (espaço).

A plataforma possui ainda uma página que pretende fazer, periodicamente, uma

homenagem a alguém significativo na área (tributo); uma página com a descrição de vários

outros espaços virtuais que tratam da temática da religião e do diálogo (links) e uma página

atualizada semestralmente com a programação de encontros do grupo, simpósios e congressos

da área (programação).

55

O site parece estar em processo de mudança. Pois conhecíamos o site com outro layout e estrutura. As

informações apresentadas foram obtidas no período do dia 02 a 10 ago. de 2017.

Page 132: DIÁLOGO E SENTIDO: Vida espiritual e encontro inter

130

4.3.4 Análise da práxis dialogal do Observatório das Religiões

Ao analisar o site e as metas estabelecidas pelo grupo de pesquisadores responsáveis,

percebemos que eles alcançam os objetivos estabelecidos. A própria constituição de um

grupo interinstitucional e a participação do coordenador do observatório e de integrantes do

grupo de pesquisa nos congressos da área, demonstram o empenho da equipe em dialogar com

outros grupos de pesquisa e aprofundar o conhecimento teórico acerca do tema das religiões.

O compromisso do Observatório em gerar publicações eletrônicas e tornar-se um

centro virtual de documentação sobre as religiões do Recife fica evidente a partir da análise

do conteúdo preparado e disponibilizado especialmente para auxiliar educadores que

trabalham com a temática religiosa. O observatório possui mais de 30 vídeos e textos

acompanhados de orientações metodológicas para auxiliar professores do ensino religioso em

suas aulas. Esse espaço digital possibilita trazer para dentro da sala de aula a atmosfera

mística e a contribuição das religiões para a formação integral do ser humano.

A organização mensal do Fórum das religiosidades, que deu origem ao espaço virtual,

é um evento promovido pela UNICAP em busca de diálogo intercultural e inter-religioso,

além de outros organizados ou divulgados pela instituição através do site. O Observatório

está se consolidando também como um espaço de divulgação da produção acadêmica e

audiovisual, não só da UNICAP, como de outras universidades, acerca das religiões,

religiosidade e do diálogo.

Isso pode ser comprovado durante a navegação pelo site, que possui uma quantidade

de conteúdo significativa e o disponibiliza de uma maneira que facilita a apreensão e o

aprofundamento do conteúdo. Todas as páginas do espaço virtual possuem textos e links que

levam a outros textos, sites, páginas do lattes, blogs, portais, textos e vídeos, tornando o

acesso à informação fluido e permitindo o aprofundamento do tema de forma orgânica.

Conforme tabela 4, a quantidade de conteúdos e o direcionamento a outros espaços de

conhecimento disponibilizados através de links, ao longo ou ao final dos textos, é

significativa. Além disso, de acordo com Gilbraz, até o ano de 2014, o site tinha sido acessado

por pelo menos 15 mil pessoas em todo o mundo, sendo que o primeiro registro de texto

disponibilizado data de outubro de 2010. Tais números sinalizam que o site é um espaço vivo,

com conteúdos que são acessados. Outro dado que confirma essa afirmação é que os vídeos

disponibilizados, tanto pelo site e pelo canal do youtube, já tiveram mais de 290 mil

visualizações.

Page 133: DIÁLOGO E SENTIDO: Vida espiritual e encontro inter

131

TABELA 2 - Conteúdo disponibilizado pelo Observatório das Religiões

Vídeos Textos Links 56

Acolhida 1 - 2

Equipe - - 31

Pesquisas - 10 4

Publicações - 8 32

Fórum 31 33 10

Estudos - - 27

Espaço 1 - 3

Tributo 1 - 1

Links - - 78

Programação - - 21

Arquivos/Blog 48 128 761

TOTAL 82 179 970 Fonte: OBSERVATÓRIO, 2017.

No que diz respeito à análise do Observatório enquanto um espaço virtual capaz ainda

de ser um espaço de diálogo, como interlocutores que não tínhamos acesso anterior ao site e

considerando, além da experiência pessoal de contato com o conteúdo, as premissas do

diálogo inter-religioso, consideramos que o Observatório cumpre a função de favorecer o

diálogo e destacamos alguns aspectos. O site possui muitos vídeos, a maioria curtos, o que

facilita o acesso ao conteúdo, por meio de uma linguagem leve, além transmitir, juntamente

com outras imagens, uma proximidade com o interlocutor. Mesmo distante fisicamente e sem

conhecer os integrantes pessoalmente, depois de um tempo navegando, é possível sentir-se

familiarizado com a equipe.

O comprometimento do Observatório em favor do diálogo e da diversidade cultural e

religiosa é percebido pelos conteúdos disponíveis que abordam essa temática, mas

principalmente pela participação da equipe, sobretudo na figura do seu coordenador, no

engajamento em questões e transformações políticas e humanitárias, que ultrapassam a

produção e disponibilização de conhecimento teórico. Nas palavras de Gilbraz, em vídeo

sobre os fóruns da religiosidade, “não queremos reunir representantes de religiões pelo prazer

de estar juntos, mas para sentir e pensar o que podemos fazer juntos pelo mundo, sobretudo

pela educação humanista das novas gerações.” (OBSERVATÓRIO, 2017).

Em relação à diversidade, consideramos que os assuntos abordados no espaço virtual

são bem diversificados e não identificamos nenhum tom proselitista ou tendência a tratar mais

de determinadas religiões. Ao contrário, fica claro o objetivo de relatar as experiências

religiosas que existem no Recife e região e ser um espaço de problematização e de

56

Os links dão acesso a sites, currículos lattes, blogs, portais, textos, vídeos.

Page 134: DIÁLOGO E SENTIDO: Vida espiritual e encontro inter

132

reconhecimento da legitimidade dessas experiências. Esse equilíbrio em relação à diversidade

também pode ser percebido na composição da equipe do Observatório, que se constitui por 21

pesquisadores, entre homens e mulheres: 8 mulheres (38,10%) e 13 homens (61,90%). A

equipe completa, apresenta o total de 35 pessoas, sendo 17 mulheres (48,58%) e 18 homens

(51,42%).

QUADRO 1 - Diversidade dos pesquisadores do Observatório

Graduação Mestrado Doutorado Gênero

1 Turismo/História Ciências da Religião - F

2 Filosofia Ciências da Religião - M

3 Ciências Sociais / Psicologia Ciências da Religião Ciências da Religião (A) M

4 Administração / Teologia Ciências da Religião - M

5 Teologia Teologia Teologia F

6 Teologia / Filosofia Teologia Teologia M

7 História Ciências da Religião Ciências da Religião (A) M

8 Teologia / Filosofia Antropologia - M

9 História Ciências da Religião Ciências da Religião (A) F

10 Programação Visual / Teologia Ciências da Religião Ciências da Religião (A) M

11 História Ciências da Religião - M

12 Teologia / Filosofia Ciências da Religião (A) - M

13 Turismo Ciências da Religião - M

14 Formação Professora - - F

15 Geografia Ciências da Religião - F

16 Comunicação Social Ciências da Religião - M

17 Filosofia / Teologia Ciências da Religião - F

18 Direito Ciências da Religião Ciências da Religião (A) M

18 Enfermagem / Medicina Saúde Criança Adolesc. - F

20 Direito Ciências da Religião (A) - F

21 Engenharia Elétrica / Ciência da

Computação

Ciências da Religião - M

Fonte: OBSERVATÓRIO, 2017.

No que tange à comunicação entre os responsáveis pelo site e os navegadores,

percebemos que existe alguns campos que possuem espaços para que as pessoas escrevam

comentários. Na página destinada à divulgação do Fórum das religiosidades, existe uma

solicitação expressa de colaboração de pessoas interessadas e pertencentes às mais de 31

religiosidades identificadas na região57

. Porém, não conseguimos identificar se, de fato, existe

uma interação. Não foi possível verificar se esse espaço é utilizado, se existe resposta e nem

avaliar a qualidade da interação existente, pois quase não havia comentários e/ou participação.

57

"Nos links seguintes estão disponíveis os vídeos que preparamos com entrevistas e celebrações das religiões

que participaram do Fórum na UNICAP. Estamos preparando também, para cada uma, um conjunto de

informações: principais crenças e ritos, história na região e personalidades de referência, endereços físicos (no

Recife) e endereços virtuais. Acesse a religião do seu interesse e colabore, acrescentando ou corrigindo dados em

“Comentários”".

Page 135: DIÁLOGO E SENTIDO: Vida espiritual e encontro inter

133

O Observatório possui propostas em andamento que se mostraram bastante relevantes

na promoção do diálogo inter-religioso e que esperamos que se concretizem em breve. A

disponibilização de um calendário inter-religioso, com informações de datas importantes para

cada religião e a fundação de um Museu “Parque das Religiões”, um lugar físico para o

congraçamento das religiões do Recife, com o objetivo de promover o conhecimento das

tradições religiosas, o diálogo entre as religiões e a convivência entre os seguidores dos

diversos caminhos espirituais são algumas das propostas em curso.

Page 136: DIÁLOGO E SENTIDO: Vida espiritual e encontro inter

134

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O interesse por esse tema surgiu de uma convergência entre busca de crescimento

pessoal e aprimoramento profissional e ganhou relevância cada vez maior, na medida em que

eu levava a sério as provocações que senti diante da vida, no encontro com o outro e na

elaboração da minha própria experiência.

Tendo a busca por sentido da vida como norte e considerando a espiritualidade como a

dimensão humana que nos possibilita refletir sobre o que nos acontece e decidir sobre como

agir diante de cada circunstância e observando a nossa realidade, surgiram alguns

questionamentos. Como o ser humano se estrutura e se realiza no contexto da globalização,

mundialização, secularização, avanço tecnológico e crescimento do fundamentalismo

religioso? O convívio com a diversidade, em um momento que é marcado pela globalização e

pluralidade religiosa é uma realidade e essa realidade pode ser vivida de maneira violenta ou

pacífica. Como as religiões se posicionam nesse momento plural? É possível pensar a busca

do ser humano pelo sentido da vida nessa realidade?

A partir dessas provocações, nossa pesquisa teve como objetivo compreender a relação

entre “diálogo e sentido: o desafio da vida espiritual e do encontro inter-religioso na

sociedade contemporânea”, sobretudo no que diz respeito à possibilidade de contribuição das

religiões na construção de sentido do ser humano. Para tal, apoiamo-nos na hipótese de que as

premissas do diálogo inter-religioso iam de encontro à estrutura de abertura dialogal do ser

humano e que, portanto, contribuiriam para o movimento humano de busca de sentido.

Esta pesquisa foi realizada na área de Ciências da Religião. Uma escolha que, se no

início era mais intuitiva, no final, se confirmou como uma opção acertada. “O rigor e o

ceticismo em torno de interesses, métodos e conceitos como religião e sagrado acabam

exigindo dos praticantes da Ciência da Religião um ideal que muitas vezes não se encontra em

disciplinas vizinhas.” (CRUZ, 2013, p. 47). No contato com os fundamentos da área de

Ciências da Religião, abriu-se um novo mundo epistemológico, repleto de possibilidades e

exigências, com novos conceitos e referenciais, que exigiu uma abertura e entrega enquanto

pesquisadora, mas que, em contrapartida, trouxe contribuições tanto para a construção do

texto, quanto para a minha prática profissional.

Apesar de todos os limites de uma área que tem pouco tempo de atuação e que aos

olhos externos, se confunde com uma área confessional, possui características que a colocam

em um lugar privilegiado para essa pesquisa:

Page 137: DIÁLOGO E SENTIDO: Vida espiritual e encontro inter

135

Uma das maiores mudanças que um psicólogo pode alcançar ao estudar Ciências da

Religião é o enriquecimento de sua cultura, o qual se dá, especialmente, poder três

caminhos: o contato com profissionais e estudiosos de outros campos, os quais trazem

novos pontos de vista, novas abordagens para um mesmo fenômeno; o contato mais

profundo e denso com o mundo religiosos, o próprio e o mais amplo, com sua história

e seu futuro, com seus fascinantes mistérios; e o contato com a necessária humildade

que deve ter um pesquisador das áreas ligadas ao sagrado, mesma qualidade que,

embora imprescindível, é tão pouco levada em conta nas teorizações a respeito da

psicoterapia. (PINTO, 2013, p. 687).

Concluo essa pesquisa, segura que fiz uma opção que foi capaz de me transformar.

Estudar as religiões, como forma de manifestação cultural, como as formas que os grupos

sociais se organizam oferecendo um sentido para a vida, assim como estudar a estrutura

humana e seus processos de subjetivação e construção da identidade, se tornou imprescindível

para compreender melhor a busca de sentido de cada paciente que passa por mim. O preparo

foi árduo, exigindo leituras de diversas disciplinas, mas foi um caminho percorrido ao lado de

uma equipe determinada em fazer das Ciências da Religião um lugar em que se faz ciência de

qualidade.

No intuito de verificar a nossa hipótese e confirmando o nosso olhar à partir do

encontro entre Psicologia e Religião, optamos por realizar uma revisão bibliográfica,

amparados teoricamente, sobretudo pela psicologia fenomenológica e teoria do pluralismo

religioso. Primeiro apresentamos a estrutura do ser humano na perspectiva da psicologia

fenomenológica e mostramos como o ser humano constrói a sua identidade na articulação das

dimensões biopsicoespiritual no social. Nessa parte, evidenciamos a importância das relações

e da dimensão espiritual na nossa estruturação enquanto pessoas.

No segundo momento, abordamos as características da sociedade ocidental pós-

moderna no que concerne à crise de sentido. Neste capítulo, percebemos que a sociedade pós-

moderna, orientada pelos axiomas do mercado, percebe o ser humano de forma fragmentada.

Ao se orientar por valores como acúmulo de bens e supervalorização da imagem, entre outros,

a cultura vigente reforça comportamentos como individualismo e competição, e negligencia

aspectos fundamentais da estrutura humana, como afeto, cuidado e comprometimento com os

outros. O que pode provocar um enfraquecimento das relações, gerando tanto um vazio da

própria existência, quanto um convívio social baseado na violência.

No último capítulo, tratamos das características e relevância do diálogo e das religiões

no contexto atual brasileiro. Apresentamos o diálogo como uma necessidade humana e a

urgência e dificuldade de se dialogar no contexto de pluralidades religiosas. Mostramos como

as religiões se posicionam diante desse cenário e como elas podem contribuir para uma

Page 138: DIÁLOGO E SENTIDO: Vida espiritual e encontro inter

136

formação humana que favoreça o diálogo, cultivando nossa abertura às alteridades. Por fim,

ainda relatamos algumas iniciativas concretas de diálogo inter- religioso, com destaque para

um espaço virtual que se propôs a ser um local de conhecimento transdisciplinar e diálogo

entre as religiões brasileiras, sobretudo as da região do Recife.

Apesar da ciência e de todo o sistema capitalista insistirem na fragmentação do ser

humano, parece que a necessidade de ser considerado e de se viver de maneira integral escapa

a toda tentativa de controle e massificação do sistema. A necessidade de sentido e de

realização se apresenta em todos os níveis, inclusive no meio acadêmico, através de

profissionais que propõem quebrar o pensamento vigente, e na vida cotidiana, pela busca

incessante por experiências, sejam elas religiosas ou não, mas que prometem uma resposta,

um preenchimento do vazio.

Se o sentido da vida só pode ser encontrado a partir de uma realidade concreta, não é

possível falar de diálogo, tampouco propor o diálogo, desconectado da nossa realidade social.

Sendo assim, o diálogo entre as diversidades religiosas deve ser um compromisso de todos

aqueles que têm consciência da sua importância. Principalmente, os líderes, sejam eles

religiosos, educadores, profissionais de psicologia, entre outros. Aqueles que realmente sejam

comprometidos com a formação das pessoas precisam repensar o seu lugar e contribuir de

maneira efetiva para que as pessoas que o procurem sejam verdadeiramente cuidadas em sua

totalidade e consigam construir suas singularidades, num processo constante.

Finda a nossa pesquisa, constatamos a confirmação da nossa hipótese de que as

religiões, sobretudo através do diálogo, de fato podem (no sentido de ter capacidade)

contribuir para o reconhecimento do valor da diversidade e para o aprofundamento da nossa

existência, aumentando as possibilidades de reconhecimento de sentido e diminuição da

intolerância. E apontamos ainda para a responsabilidade social das religiões. Tendo em vista

que as religiões, de maneira geral, tratam de questões existenciais e de valores éticos e morais,

elas devem (no sentido de responsabilidade) dialogar com toda a sociedade. Isso significa

assumir um compromisso que extrapole a orientação e o cuidado com o seu próprio grupo de

pertencimento, mas que vá de encontro ao outro. Um posicionamento que já é assumido por

muitas, mas que pode ser ampliado.

Em todas as etapas do trabalho, um aspecto sobressaltou: o lugar de destaque que as

alteridades devem ocupar na construção subjetiva, na percepção de sentido e promoção do

diálogo. A relevância do tema da alteridade se mostrou como a maior contribuição do nosso

trabalho para aqueles que se ocupam tanto pessoal quanto profissionalmente das temáticas do

Page 139: DIÁLOGO E SENTIDO: Vida espiritual e encontro inter

137

sentido, diálogo, formação global do ser humano e paz, em um contexto de convívio com

diversidades.

Conduzir uma formação verdadeiramente humana implica considerar essa estrutura e

tocar na sua dimensão espiritual, na sua estrutura transcendental, dando primazia ao outro na

construção subjetiva do eu. Isso favoreceria, ao mesmo tempo, tanto a construção de sentido

pessoal quanto o convívio com a diversidade religiosa, na medida em que, considerá-lo em

sua totalidade, implica abordar a importância da alteridade inter e intra, nos colocando diante

da diversidade e solicitando um posicionamento livre e responsável dentro de seu contexto,

diante de si mesmo e do outro.

O diálogo inter-religioso não pode ser percebido como o fim, mas como um dos meios

de se levar à práxis dialogal. As iniciativas de diálogo inter-religioso originadas de espaços

diferentes, são importantes para que provoquemos uma maior conscientização de todos em

relação ao valor da diversidade. Propostas como as apresentadas nesse trabalho, sobretudo a

do Observatório transdisciplinar das religiões do Recife, devem ser seguidas e ampliadas.

São propostas viáveis que, quando realizadas através de uma linguagem contemporânea e

transdisciplinar, aumentam a possibilidade de acesso ao conhecimento das religiões e o

aprofundamento das reflexões a um número cada vez maior de pessoas. E podem ser uma

possibilidade real de transmissão e troca do conhecimento adquirido através de pesquisas

científicas com outras formas de conhecimento e de mobilização para a realização de

encontros e diálogos.

Ao longo do processo, percebemos também a relevância de que alguns temas fossem

abordados em oportunidades futuras de pesquisa. Um deles foi que, tanto quanto precisamos

lutar por espaços de diálogo, também precisamos lutar por espaços de silêncio. Nosso modo

de vida contemporâneo precisa aprender a cultivar o silêncio reflexivo. Precisamos também

aprofundar no entendimento sobre tudo que favorece ou impede os diálogos de maneira geral,

pois se dialogar faz parte de uma necessidade humana de se expressar e se relacionar,

precisamos ampliar a compreensão sobre o que poderia impedir que ele aconteça, tanto no

âmbito individual como no âmbito social.

Outro aspecto que se evidenciou ao longo da pesquisa, sobretudo pela ressonância

com a realidade atual vivida no cenário político pela sociedade brasileira, quiçá mundial, é a

importância de que nós, cientistas da religião, possamos contribuir de maneira mais ativa,

tanto em pesquisa, quanto em comunicação de resultados e diálogos com a sociedade sobre o

tema da experiência religiosa e sua relação com a política, democracia, direitos humanos,

educação e cultura.

Page 140: DIÁLOGO E SENTIDO: Vida espiritual e encontro inter

138

Em sua obra escrita no início do século XX, ao fazer uma investigação histórica sobre

a relação entre progresso e religião, Dawson (2012) faz uma afirmação que nos lembra da

importância de não se negligenciar a religião e os valores espirituais norteadores de um povo,

quando pretendemos compreender os fenômenos e os interesses de uma sociedade:

Se os elementos racionais e espirituais de uma cultura são aqueles que determinam

sua atividade criativa e se a manifestação primária desses elementos for encontrada

na esfera da religião, é claro que o fator religioso teve uma parcela muito mais

importante no desenvolvimento das culturas humanas do que a que lhe tem sido

atribuída em geral pelos teóricos que tentaram explicar os fenômenos do progresso

social. (DAWSON, 2012, p. 141).

Para não perpetuarmos um erro histórico, a experiência religiosa não pode ser um tema

tratado como de menor importância, nem tampouco relegado ao âmbito do privado, mas ao

contrário, deve ser levado a serio, como um direito fundamental inalienável para a construção

da subjetividade e de uma comunidade e de suma importância para a compreensão de uma

cultura e de encontros entre culturas diversas. A experiência religiosa de um sujeito é algo

pessoal e ao mesmo tempo cultural.

A necessidade humana de dialogar traz em si uma exigência paradoxal, que é de se

aprender a ouvir e a perceber o outro em sua diversidade. Quando tratamos de experiência

religiosa, essa exigência se torna superlativa, pois diz de algo ao mesmo tempo tão íntimo e

tão totalizante da nossa pessoa, que negar ao outro o espaço adequado para exercer a sua

crença, de viver em comunidade religiosa e espiritual, é negar-lhe o próprio direito de ser e de

se reconhecer enquanto pertencente a um grupo. No âmbito social, negar a uma nação o

conhecimento sobre sua história e sua tradição, tem consequências para toda a forma de

relacionamento dessa sociedade. A experiência religiosa de cada pessoa e de cada povo

presente em nosso território deve ser tratada como pauta prioritária de uma sociedade que seja

de fato democrática e que se pretende humana.

Sejamos humanos, e sustentados pela fé individual de cada um, façamos o nosso

melhor na busca da construção de um lugar mais justo para todos viverem. Nossa pesquisa

apontou na direção de que a realização pessoal e a construção de um mundo que se norteie

pela paz e pelo cuidado com todos e com a nossa casa comum, precisa, necessariamente,

passar pelo reconhecimento das alteridades. Nosso desejo é que, ao percebermos o valor de

todos, através do valor de cada um, provoquemos uma mudança, nem que seja nossa própria

mudança.

Page 141: DIÁLOGO E SENTIDO: Vida espiritual e encontro inter

139

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