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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
LINHA DE PESQUISA: ESTRATÉGIAS DE PENSAMENTO E
PRODUÇÃO DO CONHECIMENTO
Diálogos e Histórias de Vida: desafios éticos e epistemológicos da Intersubjetividade
Leuzene Jeane de Vasconcelos Salgues
Natal – RN
Maio / 2009
Leuzene Jeane de Vasconcelos Salgues
Diálogos e Histórias de Vida: os desafios éticos e epistemológicos da Intersubjetividade
Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação (Linha de Pesquisa Estratégias de Pensamento e Produção de Conhecimento), do Centro de Ciências Sociais Aplicadas, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte para obtenção do
Grau de Doutor em Educação.
Orientadora:
Profª Drª Ana Lúcia Assunção Aragão
Natal – RN
Maio / 2009
Catalogação da Publicação na Fonte. UFRN / Biblioteca Setorial do CCSA
Divisão de Serviços Técnicos Salgues, Leuzene Jeane de Vasconcelos. Diálogos e histórias de vida: desafios éticos e epistemológicos da intersubjetividade / Leuzene Jeane de Vasconcelos. Salges. - Natal, 2009. 206 f.: il. Orientadora: Profª. Drª. Ana Lúcia Assunção Aragão. Tese (Doutorado). Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Centro de Ciências Sociais Aplicadas. Programa de Pós-Graduação em Educação. 1. Educação - Tese. 2. Ética - Tese. 3. Diálogo - Tese. 4. História de vida - Tese. 5. Intersubjetividade - Tese. I. Aragão, Ana Lúcia Assunção. II. Universidade Federal do Rio Grande do Norte. III. Título.
RN/BS/CCSA CDU 371.15(043.2)
Diálogos e Histórias de Vida: os desafios éticos e epistemológicos da Intersubjetividade
Por
Leuzene Jeane de Vasconcelos Salgues
Ficha de Avaliação:
_________________________________
Profª Drª Maribel Oliveira Barreto Centro de Pesquisa e Pós-graduação
Visconde de Cairu – BA
____________________________________
Orientadora: Profª Drª Ana Lúcia Assunção Aragão
Universidade Federal do Rio Grande do Norte
____________________________________
Profª Drª Carla Mercês da Rocha Jatobá Ferreira
Universidade Federal de Ouro Preto
____________________________________
Profª Drª Maria da Conceição Ferrer Botelho Sgadari Passeggi
Universidade Federal do Rio Grande do Norte
____________________________________
Profª Drª Maria da Conceição Xavier de Almeida
Universidade Federal do Rio Grande do Norte
____________________________________
Profª Drª Geralda Macedo Universidade Federal da Paraíba
____________________________________
Profª Drª Maria Estela Costa Holanda Campelo
Universidade Federal do Rio Grande do Norte
Tese apresentada no mês de Maio de 2009, no
Campus da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
Poemas InconjuntosPoemas InconjuntosPoemas InconjuntosPoemas Inconjuntos Fernando Pessoa Alberto Caieiro
O Universo não é idéia minha.
A minha idéia do Universo é que é uma idéia minha. A noite não anoitece pelos meus olhos,
A minha idéia da noite é que anoitece por meus olhos. Fora de eu pensar e de haver quaisquer pensamentos
A noite anoitece concretamente E o fulgor das estrelas existe como se tivesse peso.
1-10-1917
A Leuzeni e Jayme, Meus Pais,
Bodas de Ouro nos Desafios da Intersubjetividade.
Agradecimentos Aos meus amados pais, Jayme e Leuzeni, pelo amor, incentivo e apoio ao
longo de minha história de vida, minha mais profunda gratidão. Aos meus
irmãos, Lielson, Lyana e Joelson, por terem se tornado meus amigos.
A Almir, meu parceiro evolutivo, e a Mirella, nossa filha amada, pela
compreensão, amor, amizade e vivência dos desafios da
intersubjetividade no aconchego familiar.
À Profª Dra. Ana Lúcia Assunção Aragão, pela amizade, apoio e confiança
em orientar essa tese de forma generosa e compreensiva.
Aos co-pesquisadores e participantes diretos desse estudo, pela confiança
em compartilhar suas histórias de vida e aceitarem o convite de exercitar
o pensamento dialógico e complexo nas reflexões de si e do mundo,
exercício da Intersubjetividade.
Aos Professores Dra. Maria da Conceição Almeida, Dra. Terezinha Petrucia
da Nóbrega e Dr. Edgard de Assis Carvalho, pelas contribuições
intelectuais e afetivas nos Seminários de Formação Doutoral.
Ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do
Rio Grande do Norte, pelo apoio administrativo e informacional.
À equipe de trabalho do Departamento de Educação Infantil pela
compreensão e apoio ao meu afastamento para realizar o doutorado.
À Profª Maria da Conceição Passeggi e todos os colegas participantes do
Ateliê Histórias de Vida e Formação, pelos elos que nos unem.
Aos amigos conquistados, Almira, Aline Dias, Aline Cleide, Luzia, Silvio e
em especial, a Andréa, pelo apoio e compartilhar de idéias.
Aos Amigos amparadores, pelas energias fraternas, reflexões e insights.
Finalmente, agradeço a todos que contribuíram de alguma forma para a
realização desse trabalho.
Resumo
Este trabalho destaca a importância do pensamento complexo e dialógico como instrumento favorável ao desenvolvimento da compreensão de si, do outro e do mundo, tendo a cooperação como necessidade e valor determinante. Apresenta-se a construção das estratégias dialógicas e de pesquisa autobiográfica e formação, estabelecidas a partir de narrativas de histórias de vida e a vivência dos desafios éticos da intersubjetividade nos grupos de diálogo estabelecidos neste estudo. Compartilha-se as idéias de Ana Lúcia Aragão (1997), Almira Navarro (2005), Edgar Morin (2000, 2002, 2003-a, 2003-b, 2005), David Bohm (1989, 2005), González Rey (2005), Pedro Demo (2005), entre outros, acerca do pensamento complexo que busca a cosmovisão acerca da própria humanidade e o seu contexto planetário; David Bohm (1989, 2005), Paulo Freire (1983), e Almira Navarro (2005), para o diálogo; Marie-Christine Josso (2004, 2006), Christine Delory-Momberger (2006) e Maria da Conceição Passeggi (2006-a, 2006-b), para a perspectiva da pesquisa autobiográfica e formação, com as contribuições do método analítico de narrações de Fritz Schütze (1983, 1992, 1997). Exercita-se a desconstrução de subjetividades individuais na construção de um diálogo polifônico composto de múltiplas vozes atemporais que se fazem presentes nessa tese nas mais diversas formas: entre livros, cartas, narrativas de histórias de vida, filmes, músicas, subjetividades polifônicas que explicitam a complexidade humana. Reconhece-se a necessidade de maior conhecimento acerca da complexidade da dimensão subjetiva e reafirma-se o diálogo como possibilidade de nos despir das certezas, ampliar a compreensão sobre a própria incompreensão existente no mundo e compor a construção gradativa de uma cosmovisão compartilhada, nos desafios éticos e epistemológicos existentes no exercício da intersubjetividade.
Palavras-chave: Diálogo; Histórias de Vida; Intersubjetividade; Pesquisa Autobiográfica e Formação.
Abstract This study emphasizes the importance of the complex and dialogical thought as a tool for enhancing the development of the comprehension of the self, the other and the world, regarding cooperation as a necessary and determinant value. The construction of dialogical strategies and autobiographical and formation researches are here presented as established from life history narrations and experiences concerning inter-subjectivity ethical challenges within the dialog groups established in this study. This study shares the ideas of Ana Lucia Aragão (1997), Almira Navarro (2005), Edgar Morin (2000, 2002, 2003a, 2003b, 2005), David Bohm (1989, 2005), Gonzalez Rey (2005), Pedro Demo (2005), among others, concerning the complex thought questing for a cosmovision regarding humanity itself and its planetary context; David Bohm (1989, 2005), Paulo Freire (1983) and Almira Navarro (2005), concerning dialog; Marie-Christine Josso (2004, 2006), Christine Delory-Momberger (2006) and Maria da Conceição Passegi (2006-a, 2006-b), concerning autobiographical and formation researches; and contributions from the analytical method of narration by Fritz Schütze (1983, 1992, 1997) This study exercises the deconstruction of individual subjectivities in the construction of a polyphonic dialog comprised by multiple atemporal voices which are present in this thesis in various forms such as: in books, letters, life history narrations ,films, songs, polyphonic subjectivities that explain the human complexity. It is recognized that a better knowledge concerning the complexity of the subjective dimension is needed, and dialog is also reaffirmed as a possibility for baring us of certainties, broadening comprehension on the existing incomprehension in the world and composing a gradual construction of a shared cosmovision, pertinent to the ethical and epistemological challenges existing in the exercise of the inter-subjectivity. Key words: Dialog, Life History, Inter-subjectivity, Autobiographical and Formation Research
Résumé
Ce travail met en relief l’importance de la pensée complexe et dialogique comme instrument favorable au développement de la compréhension de soi, de l’autre et du monde, ayant la coopération en tant que nécessité et valeur dominant. On présente la construction des stratégies dialogiques et de recherche autobiographique et formation, établies à partir de narratives d’histoires de vie et la convivialité des défis éthiques de la inter-subjectivité au sein de groupes de dialogue établis dans cette étude. On partage les idées de Ana Lúcia Aragão (1997), Almira Navarro (2005), Edgar Morin (2000, 2002, 2003-a, 2003-b, 2005), David Bohm (1989, 2005), González Rey (2005), Pedro Demo (2005), parmi d’autres, à propos de la pensée complexe qui cherche la cosmovision de l’humanité, elle-même, et son contexte planétaire ; David Bohm (1989, 2005), Paulo Freire (1983), et Almira Navarro (2005), pour le dialogue ; Marie-Christine Josso (2004, 2006), Christine Delory-Momberger (2006) et Maria da Conceição Passeggi (2006-a, 2006-b), pour la perspective de la recherche autobiographique et formation, avec les contributions de la méthode analytique de narratives de Fritz Schütze (1983, 1992, 1997). On pratique la déconstruction de subjectivités individuelles lors de la construction d’un dialogue poliphonique composé de multiples voix a-temporelles qui se trouvent dans cette thèse sous différentes formes : entre des livres, lettres, narratives d’histoire de vie, films, musiques, subjectivités poliphoniques qui explicitent la complexité humaine. On reconnait la nécessité d’une connaissance plus approfondie de la complexité de la dimention subjective et on renforce le dialogue comme possibilité de nous dénuder des certitudes, augmenter la compréhension de l’incompréhension qui existe dans le monde et à composer la construction graduelle d’une cosmovision partagée, dans les défis éthiques et epistémologiques existants dans l’exercice de l’intersubjectivité.
Mots-clés : Dialogue ; Histoires de vie ; Intersubjectivité; Recherche Autobiographique et Formation.
Resumen
Este trabajo remarca la importancia del pensamiento complejo y dialógico como instrumento favorable al desarrollo de la comprensión de uno mismo, del otro y del mundo, teniendo la cooperación como necesidad y valor determinante. Presentase la construcción de las estrategias dialógicas y de investigación autobiográfica y formación, establecidas a partir de narrativas de historias de vida y la vivencia de los desafíos éticos de la intersubjetividad en los grupos de diálogo establecidos en este estudio. Compartiese las ideas de Ana Lúcia Aragão (1997), Almira Navarro (2005), Edgar Morin (2000, 2002, 2003-a, 2003-b, 2005), David Bohm (1989, 2005), González Rey (2005), Pedro Demo (2005), entre otros, acerca del pensamiento complejo que busca la cosmovisión sobre la propia humanidad y su contexto planetario; David Bohm (1989, 2005), Paulo Freire (1983), y Almira Navarro (2005), para el diálogo; Marie-Christine Josso (2004, 2006), Christine Delory-Momberger (2006) y Maria da Conceição Passeggi (2006-a, 2006-b), para la perspectiva de la investigación autobiográfica y formación, con las contribuciones del método analítico de narraciones de Fritz Schütze (1983, 1992, 1997). Ejercitase la desconstrucción de subjetividades individuales en la construcción de un diálogo polifónico compuesto de múltiples voces atemporales que se hacen presentes en esa tesis en las más diversas formas: entre libros, cartas, narrativas de historias de vida, películas, músicas, subjetividades polifónicas que explicitan la complejidad humana. Reconociese la necesidad de un conocimiento mayor acerca de la complejidad de la dimensión subjetiva y reafirmase el diálogo como posibilidad de desnudarnos de las certezas, ampliar la comprensión sobre la propia incomprensión existente en el mundo y componer la construcción gradual de una cosmovisión compartida, en los desafíos éticos i epistemológicos existentes en el ejercicio de la intersubjetividad.
Palabras clave: Diálogo; Historias de Vida; Intersubjetividad; Investigación Autobiográfica y Formación.
Siglas
ASIHVIF Association Internationale des Histories de Vie em
Formation
CEB Câmara de Educação Básica
CMEI Centro Municipal de Educação Infantil
CNE O Conselho Nacional de Educação
PPGED Programa de Pós-Graduação em Educação
SME Secretaria Municipal de Educação
UFPE Universidade Federal de Pernambuco
UFRN Universidade Federal do Rio Grande do Norte
Ilustrações
Capa: http://www.imotion.com.br/imagens/data/media/75/2101maos_mundo.jpg
Página 13: http://www.planetaeducacao.com.br/novo/imagens/artigos/diario/poder_estudantes_03.jpg
Página 54: http://2.bp.blogspot.com/_L0sMT0ZWbbE/SY9rivrm91I/AAAAAAAAAgA/VH4Tdce67yc/s320/puzzle_pieces_id150248_size500o.jpg
Página 95: http://www.baixaki.com.br/imagens/materias/img_comunidade2.jpg
Página 173: http://2.bp.blogspot.com/_q-SGvC-JLcE/Rypnk1ZezmI/AAAAAAAAB0E/tMaBIQ9OfRU/s400/puzzle_cook_big.jpg
Página 199: http://ligiafascioni.files.wordpress.com/2007/07/livros.jpg
Anexo 3, Pág. i: http://farm3.static.flickr.com/2261/2084093313_7d89a70c81.jpg
Sumário:
Delineando Caminhos 13
Desafios Éticos da Intersubjetividade 54
Diálogo e Histórias de Vida: exercício ético consigo
e com o mundo
95
Metadiálogo: diálogo polifônico rumo à cosmovisão 173
Referências Bibliográficas 199
Bibliografia Complementar 206
Anexos
1. Filmografia
2. Musicografia
3. As Cartas
4. Material de Apoio
4.1. Contrato de Ajuda Mútua
4.2. Autorização dos participantes
4.3. Freqüência dos participantes
4.4. Quadro das Referências Concretas e Subjetivas
4.5. Mapa mental (exemplo)
4.6. Ficha de Registro da Auto-observação
208
Delineando Caminhos
Gosto de pensar, que tudo se passa como num puzzle, que a peça certa encaixa sem dobrar nem forçar.... Claro, que não está em nossas mãos, encaixar todas as peças, mas por vezes cabe-nos a nós decidir... Sentir que a escolha que fazemos, nos deixa mais confortáveis, mais alinhados, com a nossa verdadeira natureza e em paz... É como sentir que a peça do puzzle, se está a encaixar.... Ana Gomes
13
Os desafios inerentes à intersubjetividade, expressos ao longo da
história da humanidade, implicam na dificuldade que temos em
compreender que as coisas podem ter significados distintos para
diferentes pessoas, que há uma multiplicidade de sentidos inerente à
condição humana.
A interação de subjetividades ou o exercício da intersubjetividade
é a complexa trama de expressões plenas de sujeitos, em um
entrelaçamento e desdobramento de sentidos múltiplos que permite a
integração, ampliação e transformação de vários modos de ver, sentir,
pensar e agir no mundo.
Influenciamos e somos influenciados por valores, crenças e
atitudes dos grupos com os quais interagimos e essa interfluência
contribui para a construção de uma visão de mundo diversificada, sem
que haja uma homogeneização de pensamento entre todos os sujeitos
sociais.
Se essa interfluência amplia os modos de experienciarmos o
mundo, também acarreta, no universo das relações interpessoais, o
surgimento das dificuldades resultantes do despreparo para vivermos
com os outros e com as nossas diferenças.
A nossa tendência é estabelecer sentidos para as coisas que são
significativas e que são constitutivas, de algum modo, da nossa história
de vida, que se aproximam de nossas referências, nossos desejos,
14
valores, experiências, conhecimentos, sentimentos, entre outros
aspectos.
A construção de sentidos perpassa as relações interpessoais, o
processo de ensino e aprendizagem e a preparação para novas relações
sociais. A linguagem e demais formas de comunicação favorecem a
apropriação do conhecimento, a posse de crenças, de gostos, de valores
e de formas de viver, ou seja, é no jogo de palavras que construímos a
nossa identidade, dizemos o nosso mundo e nos dizemos no mundo1.
O mundo foi e é construído por nós, bem como fomos e somos
construídos por ele. Porém, nessa construção permanece a falta de
compreensão de que não estamos dissociados daquilo que observamos
e isso ocorre pela dificuldade em entender que há relações entre tudo o
que nos cerca.
A nossa observação do mundo tem uma dimensão de aspectos
concretos e objetivos e uma segunda dimensão subjetiva, não neutra,
que inclui pensamentos, sentimentos, emoções, intuições, crenças,
componentes de nossa subjetividade, aspectos tão humanos quanto os
da primeira dimensão.
Essas idéias orientaram os estudos2 desenvolvidos acerca da
dialogicidade, junto à Linha de Pesquisa Estratégias do Pensamento e
1 Fontana e Cruz (1997, p. 104) 2 Salgues (1999, 2004)
15
Produção de Conhecimento do Programa de Pós-Graduação em
Educação, na Universidade Federal do Rio Grande do Norte, fomentando
questionamentos e inquietações, com o apoio de Aragão Gomes (1997)
e Navarro (2005).
Penso que é inerente ao pesquisador questionar-se sempre sobre
qual seria o melhor modo para se fazer uma pesquisa e, no meu caso
em específico, qual seria o melhor caminho para se estabelecer uma
forma dialógica favorável à reflexão, ao pensamento complexo e à
tomada de consciência da autoformação profissional e do fazer
educativo desenvolvido.
As reflexões, discussões e leituras, permitiram constatar que não
há um caminho pronto, definido ante as incertezas e complexidade
humana e, por essa constatação, vi a necessidade de aprofundar os
estudos durante o doutorado, no qual eu poderia optar pelo desafio de
buscar a vivência da dialógica da compreensão de si, dos outros e do
mundo para os envolvidos na pesquisa.
O intuito foi desenvolver na pesquisa uma construção
metodológica que propiciasse espaço, vez e voz aos participantes,
possibilitando-os o pensar complexo que trouxesse contribuições para o
reconhecimento da própria trajetória profissional como sendo auto e
hetero formadora.
16
Eis o desafio do exercício da dialogicidade voltado à compreensão
das dificuldades vivenciadas pelos educadores escolares, em especial,
professores e equipe pedagógica, para buscar novas maneiras de auxílio
a estes profissionais, na resolução de seus conflitos e criação de
estratégias, para que a Educação Infantil possa ocorrer em contextos de
maior qualidade relacional, ou seja, onde cada profissional possa
relacionar-se melhor consigo mesmo e com os outros e, principalmente,
com as crianças com as quais interage.
As estratégias dialógicas de pensamento e ação permitem uma maior compreensão de situações de crise, podendo tornar os comportamentos humanos mais lúcidos e as escolhas e tomadas de decisões mais coerentes e criativas. Acreditamos que as estratégias não necessariamente resolvem crises e conflitos; mas, podem elucidá-los e desvelá-los para que possamos compreendê-los e enfrentá-los num processo de reflexão permanente. (NAVARRO, 2005, p. 12).
A escolha pelo contexto educacional voltado à Educação Infantil
se deve ao fato de que, após o mestrado, dei prosseguimento às
atividades profissionais nos encontros de formação continuada dos
professores desse nível educativo, realizados no ano de 2004.
Neste período, emergiram nas falas e depoimentos dos
educadores participantes, as queixas e a insatisfação pela ausência de
envolvimento e efetivo trabalho das equipes pedagógicas das escolas,
17
em especial, daquelas que oferecem Educação Infantil e Ensino
Fundamental.
No caso da oferta de vários níveis de ensino em algumas escolas,
a partir dos comentários dos educadores, infere-se que a equipe
pedagógica tende a dispensar maior atenção ao ensino fundamental,
uma vez que em tais instituições existe uma maior concentração de
turmas deste nível de ensino. Outro aspecto a considerar é o
desconhecimento e inexperiência de algumas equipes pedagógicas
acerca das especificidades do educar, brincar e cuidar, inerentes à
Educação Infantil.
No contexto escolar, a articulação e a fertilização dos saberes e
fazeres docentes é co-responsabilidade direta da equipe pedagógica e
isto implica na necessidade de ampliação de seus conhecimentos, de
forma a gerar mudanças teórico-metodológicas no contexto
educacional.
As mudanças podem contribuir para uma diversidade de
experiências, favorecendo análises e reflexões referentes à
compreensão do processo ensino-aprendizagem na Educação Infantil e
da criação de estratégias de pensamento e ação para a realização de
um trabalho educacional efetivo.
Nesse ínterim, em 2005, propus à equipe técnico-pedagógica do
Setor de Educação Infantil da Secretaria Municipal de Educação – SME /
18
Natal, um levantamento do perfil pedagógico dos educadores que
atuavam nas funções de apoio pedagógico (supervisores, orientadores e
coordenadores pedagógicos) nas 32 escolas que ofereciam a Educação
Infantil no município de Natal.
O objetivo dessa investigação era, principalmente, levantar as
dificuldades e conflitos vivenciados pelos componentes das equipes
pedagógicas, bem como o interesse deles acerca de conhecimentos que
pudessem contribuir para a realização do trabalho educacional.
O levantamento foi realizado através de um questionário com
questões objetivas e subjetivas que foi entregue nas 32 escolas que, na
época ofereciam Educação Infantil. As questões foram respondidas por,
pelo menos, um representante de cada instituição, totalizando 56
participantes.
Os educadores elencaram as principais dificuldades vivenciadas
por eles no exercício profissional e solicitaram a discussão sobre
assuntos considerados imprescindíveis para o desenvolvimento do
trabalho pedagógico, propostos para os futuros encontros da formação
continuada da rede municipal de ensino.
No levantamento das informações, dois âmbitos despertaram o
meu interesse: a vontade de compreender as dificuldades relacionais
inerentes à escola e a possibilidade de contribuir de alguma forma para
19
a minimização dos conflitos existentes no ambiente do trabalho
educacional. Dentre as informações fornecidas, destacam-se:
1. Dificuldades Relacionais elencadas pelos educadores:
• Conflitos e dificuldades nas relações interpessoais;
• Dificuldade de lidar com uma diversidade de personalidades, sobretudo os adultos, colegas de trabalho;
• A falta de coesão entre as pessoas que participam do processo de ensino-aprendizagem;
• A falta de acompanhamento dos familiares na aprendizagem dos educandos;
• A falta de compromisso e responsabilidade de alguns profissionais com a função que exerce;
• A SME não seleciona nem acompanha o profissional designado para a função de suporte pedagógico;
• A falta de respeito e ética para com os professores e equipe pedagógica nas mudanças arbitrárias de funções.
2. Interesse dos educadores em Conhecimentos Humanos:
• O desenvolvimento pleno da criança, sua capacidade afetiva, emocional, as relações interpessoais, cognitiva, ética, filosófica e estética;
• Ética profissional e pessoal, ética e valores morais e ética e respeito às diferenças;
• Professor X Especialista: uma relação de ajuda mútua, compreensão e escuta;
• Psicologia da Educação, comportamento humano e diversidade humana;
• Liderança e cooperação, gestão de pessoas e gestão democrática.
• Autonomia, iniciativa e determinação;
• Indisciplina e violência na escola;
• Valorização do outro, do ser humano, dos seus pensamentos, de suas atitudes;
• Valorização da escola e do processo de ensino-aprendizagem;
• Relacionamento Interpessoal;
20
• A afetividade na educação.
As informações fornecidas foram utilizadas para definição dos
módulos de atividades de formação continuada na rede de ensino.
Dentre as temáticas solicitadas, foi definido pela equipe técnica do
Setor de Educação Infantil – SME, um módulo dedicado às relações
interpessoais, do qual participei no desenvolvimento e realização, junto
com outros componentes da equipe.
Na avaliação final do evento, foi constatado que, tanto a
coordenação pedagógica quanto o corpo docente das escolas
precisavam compreender que a prática profissional pedagógica pode
estar comprometida com uma visão de mundo e de sociedade mais
justa e humana, articulada com os objetivos, de preferência, descritos
no Projeto Político-Pedagógico (PPP) institucional.
Na construção ou atualização do PPP, os objetivos necessitam
serem consonantes com os princípios éticos, políticos e estéticos que
fundamentam as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação
Infantil3, as quais devem garantir a coerência entre as ações de educar
e cuidar e o projeto de sociedade que se tem e que se deseja construir.
3 O Conselho Nacional de Educação (CNE), por meio da Câmara de Educação
Básica (CEB), definiu, em 1999, as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação
Infantil, (Resolução CEB 1/99) que orientam a organização das instituições que se
dedicam a esta etapa de ensino.
21
Essa experiência formativa contribuiu para a valorização das
construções coletivas e para determinar a continuidade dos meus
estudos acerca do diálogo, interesse expresso no projeto para o
doutorado, que foi aprimorado com as contribuições oriundas das
vivências dialógicas, tanto nos momentos de orientação quanto nas
atividades da pesquisa.
Nas minhas reflexões, após a realização do módulo específico
dedicado às relações interpessoais, refleti sobre os limites éticos da
ação pedagógica e percebi que os mesmos não estão relacionados ao
cerceamento da liberdade ou imposição de condutas, mas, eles
aproximam e articulam os interesses de cada pessoa ao interesse
coletivo do grupo no qual ela está inserida. Esse movimento, muitas
vezes, opõe-se aos interesses egóicos e desarticulados dos projetos
integradores.
A oposição de interesses gera conflitos e por isso as organizações,
quando coletivos humanos, precisam estabelecer mecanismos de
reflexão sobre os objetivos organizacionais e a postura ética pertinente
que fundamentam e orientam as ações individuais e grupais.
Se as pessoas evoluem a partir das reflexões sobre as próprias
ações, os grupos também podem fazê-lo. Para tanto, é imprescindível
22
situar a ética na reflexão sobre a atuação coletiva e sobre os propósitos
e objetivos institucionais4.
As relações interpessoais na escola, entre adultos, entre crianças
ou entre adultos e crianças, precisam estar pautadas nos princípios que
orientam a Educação Infantil e no desafio de se criar e manter um
ambiente que propicie o desenvolvimento do respeito por si e pelo
outro, presente nas experiências que as crianças vivenciam.
O ambiente sócio-moral5 de um contexto educacional é
componente de um currículo implícito, apesar de ainda ter pessoas que
pensam que a escola deve se restringir ao ensino de temas acadêmicos
e desenvolvimento intelectual.
Esse currículo implícito é desconhecido para aqueles que não
estão conscientes de que a escola não é isenta de valores e se constitui
um ambiente de pressão social para as crianças porque os adultos
(professores, funcionários e pais) estão, a todo tempo, dizendo o que
deve e o que não deve ser feito.
Há na escola muitas mensagens permeadas de regras, normas de
comportamento e valores. Essa pressão social e coercitiva exige das
crianças um comportamento submisso e conformista. Ao mesmo tempo,
4 Duart (1999) 5 DeVries & Zan (1998)
23
o trabalho pedagógico busca desenvolver nelas a autonomia e
pensamento reflexivo.
Muitos educadores não compreendem essa ambigüidade e
pensam que são responsáveis por atuar de forma autoritária e
coercitiva, sem saber que podem desfrutar da utilização de regras,
valores e expectativas atreladas a sanções por reciprocidade (de
aprovação recíproca), refletidas e construídas no coletivo, com as
próprias crianças de sua sala de aula, permeando com afeto a sua
atitude assertiva.
A adoção dessa nova postura pelos professores tem sido um
desafio no sentido de que eles evitem o uso desnecessário do poder,
que desfrutem de uma autoridade sensata e seletiva e, que exercitem o
respeito às crianças e às formas que elas utilizam para expressar suas
idéias, opiniões e emoções, compreendendo que o desenvolvimento
ético se dá na reflexão e no enfrentamento das questões que fazem
parte da vida delas.
A autoridade exercida sobre as crianças não deve ser justificada
como forma de aprendizagem e/ou pré-requisito essenciais para se
conviver em sociedade. Essa idéia é perigosa e contradiz a idéia de
liberdade inerente ao exercício da democracia. Essa postura, em
analogia, seria submeter às crianças a mesma impossibilidade dos
24
detentos de tomarem decisões nas prisões, ou seja, elas seriam tolhidas
em suas expressões e se tornariam prisioneiras da escola6.
O desenvolvimento ético não implica em crianças obedientes,
polidas ou religiosas, que seguem regras apenas ‘por obediência’, pelo
medo de punições ou desejo de recompensa. Implica, porém, em uma
educação de apelo reflexivo à cooperação com os demais.
Não é esperar que as crianças adotem ou imitem comportamentos
de cooperação apenas para obter a aprovação dos outros, sem que haja
o cultivo da motivação para agir de forma cooperativa, tampouco, que
sigam preceitos religiosos, visto que, é possível ser religioso sem ser
ético já que a religião varia conforme a cultura e os valores sócio-
culturais.
É difícil manter o exercício de uma atitude ética em uma sala de
Educação Infantil se esse desafio não for estendido a toda escola, uma
vez que, ao restringir-se esse exercício a esse espaço, a criança poderá
vivenciar experiências contraditórias e conflitantes em seus
relacionamentos dentro e fora da sala. É preciso que haja uma extensão
crescente do desenvolvimento ético a todos os envolvidos na
comunidade escolar.
Para que a comunidade escolar compreenda e desenvolva uma
atitude ética é imprescindível que se estabeleça o diálogo entre os seus 6 DeVries & Zan (1998)
25
representantes e, que os mesmos possam discutir os princípios que
fundamentam as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação
Infantil a fim de contemplá-los no Projeto Político Pedagógico.
As Diretrizes Nacionais citadas, por si só, não garantem o
desenvolvimento ético na e pela educação de um país - o papel aceita
tudo que é escrito nele. Cada instância do sistema de ensino (municipal,
estadual ou federal) pode amparar ou obstruir a implementação de um
movimento ético, pelos mais diversos motivos, de acordo com a nossa
facilidade ou dificuldade em compreender, lidar e vivenciar os
problemas de ordem ética em nossa vida.
Ao longo da minha formação acadêmica e pessoal sempre me
inquietou a ênfase dada à neutralidade necessária ao desenvolvimento
de pesquisas. Ante a diversidade humana, seja em que situação social
for, pude identificar que, de modo inevitável, há várias relações
objetivas e subjetivas não neutras, estabelecidas entre os sujeitos.
Nessas inter-relações, modificam-se os indivíduos, uns aos outros, bem
como indivíduos e ambiente.
Outro aspecto gerador de minhas inquietações tem sido o modo
de se desenvolver pesquisas na escola. Participei de experiências nas
quais os pesquisadores adentraram o ambiente educacional, ‘colheram’
o que necessitaram e simplesmente se foram, deixando os seus
colaboradores a mercê de inúmeros questionamentos.
26
Os ‘sujeitos’ da pesquisa, muitas vezes, desconhecem: a
intencionalidade de uma entrevista ou de uma observação; o manuseio
e análise das suas falas que contemplam aspectos de suas
subjetividades; e, o mais grave, eles desconhecem os resultados e as
conseqüências da curta passagem dos estudiosos pelo contexto escolar.
Isso não significa que todo desenvolvimento de pesquisa seja
realizado dessa maneira, mas, infelizmente, ainda é possível presenciar
esse modus operandi ocorrendo. Parece que não há a percepção das
interfluências espontâneas e involuntárias oriundas do exercício de se
percorrer locais, posições e pontos de vista dos envolvidos do contexto
estudado.
Mesmo ciente de que não é possível sentir, pensar, ver ou agir de
onde o outro se manifesta, há a possibilidade do pesquisador esforçar-
se neste sentido, e, ao menos, refletir sobre como percebe e interpreta
a si, ao outro e ao objeto de estudo, em seu processo investigativo,
através do esforço da suspensão temporária de seus pressupostos.
Ao reconhecer essas interfluências, na condição de pesquisadora,
implemento em meus estudos de doutoramento na Pós-Graduação em
Educação na Universidade Federal do Rio Grande do Norte, um esforço
em manter um distanciamento mínimo entre o reconhecimento de
minha natureza humana no outro, buscando validar cientificamente a
produção do saber na área de ciências sociais aplicadas, ciente das
27
repercussões inevitáveis que o pesquisador promove em si e nos outros
ao adentrar o seu lócus de pesquisa.
Na elaboração da pesquisa “Diálogos e Histórias de Vida: desafios
éticos e epistemológicos da Intersubjetividade”, o objetivo foi criar
espaços de diálogo nas escolas, favoráveis à autoformação reflexiva e
compreensiva de si, dos outros e do mundo. A criação de grupos
dialógicos nos quais os participantes pudessem compartilhar as suas
histórias de vida.
De fato, as narrativas das histórias de vida trazem em seu enredo
os fragmentos temporais e/ou situacionais de uma vida. O narrador por
mais que se esforce em narrar de si, não dará conta de todas as
sutilezas do seu viver.
Essa incompletude parece não existir quando o narrador escolhe e
relata a versão de si para o mundo. Isso se dá porque, segundo Josso
(2204), ao narrar de si o narrador autoforma-se em função da
consciência que adquire de si como sujeito capaz de autotransformar-
se.
A construção metodológica da pesquisa-formação utilizando
narrativas de histórias de vida, como enfatiza Josso (2004) contribui
para que os autores das narrativas alcancem uma produção de
conhecimentos que faça sentido para eles e que os mesmos possam se
instituir como sujeitos produtores desses conhecimentos significativos.
28
A participação nos grupos dialógicos fomentou narrativas de
histórias de vida, diálogos e projetos de vida entre os seus
interlocutores, porém, este estudo não teve como objetivo a análise de
discursos dos mesmos.
O propósito foi criar um espaço de diálogo favorável à postura
auto-reflexiva sobre a postura profissional e prática pedagógica a partir
das próprias narrativas das histórias de vida autotransformadoras e
reinventoras de si, expressas nos projetos de vida construídos.
Em todo o trabalho desenvolvido procurei respeitar as escolhas e
decisões individuais e grupais quanto aos procedimentos, acordadas no
início das atividades, de modo que, o único discurso explicitado de cada
participante encontra-se, na íntegra, expressos nas cartas,
instrumentos de auto-expressão e avaliação de si e do outro no
processo dialógico, em conformidade aos seus anseios e desejos,
enquanto que as narrativas e projetos de vida elaborados
permaneceram com os seus autores.
No processo investigativo apóio-me na multirreferencialidade,
conceito proposto por Jacques Ardoino (1993), para a análise de
situações e fenômenos educativos de modo que seja realizada uma
leitura plural de seus objetos, a partir de diferentes ângulos em função
de sistemas de referências distintos, heterogêneos e não redutíveis uns
aos outros.
29
A multirreferencialidade é mais do que uma posição metodológica,
é uma posição epistemológica7, ou seja, de crítica e criação científica
que busca distinguir e articular, como por exemplo, pensamento
simplificador versus pensamento complexo; racionalidade versus
afetividade; explicação versus compreensão; saber e saber-fazer versus
saber-ser e saber-deixar-ser, dentre outros aspectos.
Isto não significa a realização de uma ‘colcha de retalhos’ com
pedaços desconexos, mas o exercício de criar e fazer ciência que vai se
definindo em um tecido bricolado, cuja bricolagem (do francês
bricoleur) metodológica é elaborada a partir da operacionalização de
diversos conceitos, de várias áreas do conhecimento humano que se
estabelecem a partir da convergência, ou melhor, da convivência, do
diálogo, trans, pluri, interdisciplinarmente8.
A perspectiva da multirreferencialidade traz em si mesma, como
forma de implicação, uma visão dinâmica de mundo que requer uma
compreensão hermenêutica do contexto e das situações nas quais os
sujeitos implicados interagem intersubjetivamente. E essa idéia de
implicação9 significa que há um engajamento pessoal e coletivo de tal
modo que esse investimento resulta em parte integrante e dinâmica de
toda a atividade de conhecimento.
7 Ardoino (1993) apud Borba (1998, p. 14) 8 Martins (1998, p. 23) 9 Barbier apud Martins (1998)
30
Estar implicado10 no processo de construção de conhecimento
significa que o mesmo não se dá apenas pela racionalidade. O conhecer
se estabelece no pensar e sentir complexos, a partir de motivações,
conscientes ou inconscientes daquele que pesquisa, de seus desejos,
anseios, identificações, projeções e trajetória de vida pessoal, de modo
que ao desvelar o objeto, o próprio sujeito se desvela.
É no desafio de ser um artesão intelectual11 que o pesquisador
domina e personaliza os instrumentos e a teoria, dentro de um projeto
concreto de pesquisa, sendo, ao mesmo tempo, o homem de campo,
criador de sua metodologia e teórico, e se recusa a deixar-se dominar
seja pelo campo, pelo método e pela teoria.
Na condição de artesã intelectual, conto com as contribuições de
muitos teóricos que vão sendo chamados ao processo de elaboração do
meu pensamento reflexivo e complexo, para pensar a pesquisa, a
implicação ética, a intersubjetividade e o diálogo no processo educativo
do contexto escolar, de modo condizente com os desafios impostos pelo
início deste século.
Toda teorização se dá em condições ideais e só na prática serão
notados e colocados em evidência certos pressupostos que não podem
ser identificados apenas teoricamente. Partir para a prática é como um
10 Martins (1998, p. 29) 11 Kaufmann (1996) apud Silva (2002, p. 2)
31
mergulho no desconhecido, mas é o que permite a interface interativa12
entre teoria e prática.
O pesquisador pode conduzir o trabalho investigativo e ter
condições de se inteirar acerca do seu objeto de estudo, e, para tanto,
necessita possuir conhecimento sobre o mesmo e ter experiência em
situações investigativas anteriores.
O saber prévio possibilita a criação de estratégias pertinentes que
se constituem em meios de averiguação das hipóteses. Essa construção
dinâmica vai sendo elaborada de modo instigante, a partir das
representações que os interlocutores vão explicitando e revelando
acerca de si.
A escolha por uma metodologia compreensiva se constitui no
desafio de descentralizar o objeto teórico e ir delineando uma
problematização a partir da realização da própria pesquisa, que não tem
como finalidade obter uma síntese do saber adquirido. Mais
imprescindível do que encontrar respostas é levantar questionamentos,
dúvidas e possibilidades de novos saberes a serem construídos.
Uma (re)construção metodológica se delineia no próprio
desenvolvimento da pesquisa ao modo dos singelos e complexos versos
de Antonio Machado13 que dizem: Caminante no hay camino, se hace
12 D’Ambrósio (1996) 13 MACHADO, Antonio. Obras, poesias y prosa. Buenos Aires: Losada, 1964.
32
camino al andar. Al andar se hace camino y al volver la vista atrás se
ve la senda que nunca se há de volver a pisar. (Caminhante não há
caminho, faz-se o caminho ao andar. Ao andar faz-se o caminho, e ao
olhar para trás vê-se a senda que nunca se há de voltar a pisar).
Não há nada pronto. As estratégias metodológicas nascem e se
esboçam, transformam-se na aprendizagem suscitada da própria
pesquisa, nas sutilezas do efêmero, na multiplicidade de sentidos, na
complexidade do mundo.
Os caminhos não se repetem porque se transformam
continuamente. E o caminhante, no final da jornada também já não
será o mesmo que a iniciou. Como afirmou Montaigne14, a mudança é a
única constante do espírito humano.
As escolhas e estratégias metodológicas são influenciadas pelas
especificidades existentes nas relações estabelecidas entre
pesquisadores e participantes. São relações que se distinguem da
maioria das trocas cotidianas, já que sua finalidade é o conhecimento,
embora elas continuem sendo relações sociais que exercem efeitos
sobre diferentes parâmetros, inclusive, nos próprios resultados obtidos
no estudo.
14 Montaigne (1533-1592), filósofo renascentista.
33
Dentre esses efeitos há uma espécie de intrusão arbitrária, às
vezes, sem negociação prévia, o que salienta uma dissimetria social15
entre pesquisador e pesquisado, em função da hierarquia de diferentes
‘capitais’, principalmente, o ‘capital cultural’. Por isso é preciso utilizar
bom senso e boa educação para não ser considerado um intruso nos
contextos de pesquisa.
Para que haja a redução máxima dessa violência simbólica16 é
preciso que se exercite o controle dos seus efeitos, instaurando-se uma
relação de escuta ativa e metódica, diferente da entrevista não dirigida
e do questionário diretivo. Essa postura, aparentemente contraditória,
exige uma disponibilidade do pesquisador à singularidade do outro, ao
ouvir do não-dito.
O meu desejo de ousar pensar novas possibilidades cognitivas,
sobre a construção metodológica, gera reflexões e questionamentos.
Dentre eles, destaco os seguintes:
i) Como estar atenta e disponível às especificidades do outro
sem repensar o processo de construção do conhecimento
científico, o qual se nutre de um modelo de pensamento que
separa, fragmenta e estabelece os modos de conduzir, pensar
e analisar o processo de pesquisa?
ii) O que isola, separa ou impede novas possibilidades cognitivas,
em função da fragmentação deste conhecimento e da
15 Bourdieu (2001) 16 Ibid.
34
separação entre ciência e outros saberes, como por exemplo,
da tradição?
iii) O que irá garantir ou minimizar as minhas possibilidades de
equívocos na percepção e na interpretação da subjetividade,
do dito e das formas de pensar e sentir a si e ao mundo dos
meus interlocutores?
iv) Como ocupar com as perspectivas do meu olhar e da minha
subjetividade o espaço alheio, de fato, da subjetividade do
meu interlocutor, quando posso lhe garantir o espaço de
direito?
Esses questionamentos contribuíram para que eu percebesse uma
inseparabilidade inegável entre o que sou e o que consigo reconhecer
de mim e a pesquisadora que sou e tento ser. Ambas facetas de mim se
fizeram presentes e me impulsionaram nesse grande aprendizado.
É preciso compreender que no processo de construção do
conhecimento há uma inseparabilidade entre as atividades
observadoras e auto-observadoras, entre o exercício autocrítico e o
crítico, entre os processos reflexivos e os processos de objetivação,
porque a procura da ‘verdade’ (relativa) é tecida com diversos
metapontos de vista17 que possibilitam na reflexividade a sua complexa
integração.
O caminho da verdade é uma busca sem fim18 e nele se fazem
presentes o erro e o ensaio de estratégias que se revelarão frutíferas ou
17 Morin (2000) 18 Morin (2003-a)
35
não, na busca das respostas às incertezas do próprio caminho dialógico
do pensamento complexo. Um processo que contribui para a saída do
estado de fragmentação e da necessidade e impossibilidade da
totalização, em função do inacabamento de todo conhecimento.
As indagações pessoais sobre o determinismo da postura
científica vigente vão buscar apoio em outras vozes de cientistas
inquietos que propuseram novas formas de pensar o conhecimento e
novos procedimentos investigativos, os quais consideram a
possibilidade de intercâmbio entre distintos saberes, capazes de ampliar
a diversidade das formas de conhecimento de si e do mundo.
Parece que vivenciamos uma desconexão provocada pelo
pensamento que dissocia o mundo, fragmentando-o e reduzindo-o de
modo que o ser humano passa a ter uma visão fragmentada e
reducionista de si mesmo e de uma possível realidade mais ampla e
complexa.
Tal situação é denunciada por Prigogine (2001), Cyrulnik (2004),
Morin (2002, 2004, 2005), Bohm (1989, 2005), Aragão Gomes (1997),
entre outros, que compartilham a necessidade da mudança desse modo
de pensar as coisas em um mundo de incertezas.
Com isso, a fragmentação está sendo continuamente produzida pelo hábito de tomar o conteúdo do pensamento como uma descrição do mundo como ele é. Ou seja, o pensamento em correspondência direta com a realidade objetiva. Ao fato de nosso
36
pensamento ser permeado por distinções, segue-se o hábito de enxergá-las como divisões, através das quais o mundo é visto e experienciado com algo efetivamente em fragmentos. É este modo fragmentário de olhar, pensar e agir que tem implicações em cada aspecto da vida humana. Tentarmos dividir o que é uno e indivisível e depois tentamos identificar o que é diferente. (ARAGÃO GOMES, 1997, p. 26-27).
Em um mundo incerto realizamos, em todo momento, escolhas
que se constituem verdadeiras apostas que vamos fazendo, conscientes
ou não, dos riscos, das precauções necessárias e das incertezas que as
permeiam.
Apesar da condição de incertezas e não apropriação da totalidade,
a busca de compreensão si, dos outros e do mundo tem fomentado o
desenvolvimento científico, em função da tensão criativa que essa
condição promove, gerando o conhecimento científico resultante de um
longo processo cumulativo e dinâmico.
O conhecimento produzido encontra-se associado aos diversos
contextos ambientais, culturais e sociais, em campos cada vez mais
especializados e reducionistas, que levam a uma visão fragmentada,
apesar de ter alcançado grandes e valiosas conquistas científicas e
tecnológicas com as especializações.
Guiado por uma visão fragmentária da realidade, o homem age
no sentido de fracionar a si mesmo e ao mundo, de uma maneira que
37
tudo parece corresponder a essa forma de pensar. A causa da
fragmentação parece ter existência autônoma, independente da sua
vontade e do seu desejo; logo, as formas gerais do pensamento
sustentam essa fragmentação e frustram os mais profundos anseios em
relação à totalidade.
O pensamento condicionado à fragmentação dificulta o exercício
de um pensar mais amplo e complexo acerca da realidade. Isso pode
ser exemplificado pela dificuldade em considerar tanto os aspectos
racionais, objetivos e concretos de nossas vidas, quanto os aspectos
subjetivos que se encontram atrelados de modo indissociável aos
primeiros, sendo ambos válidos e pertinentes à condição humana.
Esses aspectos humanos19 não podem viver divididos, distantes,
como se fossem independentes porque, de fato, eles são
interdependentes, complementares e se nutrem mutuamente. Eles
compõem o âmbito complexo que precisa ser muito mais compreendido
do que explicado.
A parte racional e objetiva precisar estar associada à intuitiva e
subjetiva, pois, enquanto a tecnociência enfatiza a necessidade de
explicação, as ciências humanas buscam a sutileza da compreensão.
Ambas as partes são imprescindíveis. Quando isoladas, são insuficientes
para que se possa compreender e explicar a complexidade da realidade
19 Mariotti (2002)
38
humana. Juntas, se complementam e contribuem para o exercício de
um pensar mais amplo.
Para pensar o pensamento, é imprescindível desenvolver
estratégias que possam articular as áreas fronteiriças interdisciplinares,
introduzindo o sujeito na observação e fomentando um espaço central
para discussões, investigações, especulações e incertezas, em um
dinâmico exercício transdisciplinar que faça ‘implodir’ os determinismos
mecanicistas e unilaterais20, produzindo pesquisas nas quais se
intercambiam e se interfluem a ciência e a tradição.
A construção metodológica realizada na pesquisa possibilitou a
criação de estratégias favoráveis ao intercâmbio de saberes, na qual
adotei o exercício de um mimetismo controlado21. Essa postura se
constituiu na empatia e aproximação suficientes para que me sentisse
legitimada a ser eu mesma, sem ter que fingir e buscar negar o meu
próprio ponto de vista.
Ser capaz de assumir o lugar e expressão do próprio pensamento,
bem como tentar situar-me em pensamento no lugar que o pesquisado
ocupa no espaço social, buscando compreender os condicionamentos
interdependentes, psíquicos e sociais, associados à posição e trajetória
específicas desse contexto.
20 Almeida (2006) 21 Bourdieu (2001)
39
É possível manter uma atitude sincera de empatia para com os
participantes do processo investigativo, de modo que possam ir sendo
construídas as categorias que permeiam os seus sistemas de
pensamento e ação. Na condição de pesquisadora, necessitei suspender
temporariamente, as próprias opiniões e categorias de meu pensamento
e ação, garantindo a vez e a voz a todos os envolvidos.
O conhecimento prévio dos interlocutores e a proximidade
estabelecida entre eles são insuficientes para conduzi-los a uma
verdadeira compreensão, caso não sejam desenvolvidas uma atenção e
uma expansão da sensibilidade na busca da compreensão do outro.
É preciso o desenvolvimento de uma escuta sensível22 que
possibilite situações comunicativas excepcionais, sem
constrangimentos, que crie condições favoráveis ao aparecimento de
um discurso extraordinário, latente, à espera de atualização.
Essa sensibilidade para a escuta, ou melhor, escuta sensível
implica numa postura específica daquele que escuta, ou seja, a
suspensão de qualquer juízo ou certezas, evitando interpretações e
deixando-se surpreender pelo desconhecido.
Estar aberto para captar os valores, valorações e sentidos, que os
interlocutores dão às próprias ações sociais, expressos de maneira
implícita e/ou explícita em suas falas, possibilitando uma reconstrução 22 Bourdieu (2001); Barbier (1998)
40
(parcial) dos seus sistemas simbólicos, através do exercício de ver as
coisas pelo ponto de vista do outro.
A atenção em ouvir o outro vai além da escuta das falas dos
interlocutores, do dito e do não dito. Expande-se ao entorno da situação
comunicativa, do presente e do passado e, extrapola os sentidos, em
novos sentidos que brotam da construção do conhecimento.
Esse exercício da escuta sensível promove a ampliação acerca
daquilo que se busca compreender e propicia ao pesquisador uma troca
de saberes com seus interlocutores, fruto do despojamento pessoal e
respeito ao olhar singular e, ao mesmo tempo plural, daquele que lhe
comunica.
Para o estabelecimento do exercício dialógico, além do
desenvolvimento da escuta sensível, é preciso buscar a fluência da fala
autêntica23 existente no processo da fala daquele que ao dizer se diz a
si mesmo, no contexto de seu tempo e espaço e no contato com outras
pessoas, dizendo através de toda a sua presença e das relações que
estabelece no instante que diz.
Não há ação humana destituída de uma emoção que a estabeleça
como tal e a torne possível, ou seja, o humano se constitui no
entrelaçamento do emocional com o racional24, de modo que não se
23 Amatuzzi (1989) 24 Maturana (2002)
41
vive em interações recorrentes se não há emoções necessárias a
determinadas maneiras de convivência. O que nos impulsiona à ação,
os fundamentos que constituem as nossas ações são constituídos muito
mais de lastro emocional do que racional.
Todo ser humano quer ser aceito tal como é, com suas virtudes,
defeitos, decepções, alegrias, medos, esperanças, entre tantos outros
aspectos de sua natureza. Porém, não há autenticidade em aceitar e
respeitar o outro se não há aceitação e respeito por si mesmo.
Essa nossa necessidade de amor25 se dá porque os seres
humanos se originam no amor e dele são dependentes, uma vez que é
o amor a emoção que embasa a vida humana social e, quando ele é
negado produz a grande parte do sofrimento humano.
O fenômeno social autêntico e democrático implica nas relações
estabelecidas na aceitação do outro como um legítimo outro, e no
respeito à sua singularidade. Nas relações humanas onde não há
respeito e aceitação recíproca da diversidade de seus constituintes,
caminha-se na direção de tiranias, onde há a predominância de
subjugação ou em movimentos revolucionários, com separação e
descaracterização social.
No processo de aceitação mútua, compreendo a fala autêntica
como a possibilidade de se falar não apenas do vivido, mas do 25 Maturana (2002)
42
vivenciado, pela evocação de pensamentos e sentimentos pretéritos que
se transforma e se atualizam em função de novas experiências
compartilhadas.
As estratégias cognitivas fazem emergir uma fala original,
atualizada, que extrapola os condicionamentos existentes em nosso
modo de pensar e possibilitam o surgimento do novo, do inédito, em
situações nas quais há intercâmbios de saberes que corroboram para a
construção e produção coletiva de novos conhecimentos.
Apesar da grande tendência da mente em manter-se fiel ao que
lhe parece familiar, operando e resistindo a tudo que venha a perturbar
o seu equilíbrio, é possível romper com os velhos padrões de
pensamento e fazer surgir novas percepções e idéias.
A visão fragmentada se amplia rumo a uma visão de totalidade,
onde a realidade social passa a ser percebida não como ‘verdadeira e
plena’, mas como um processo de relação, uma teia de
intercomunicações26, complexa e dinâmica entre as partes e o todo e
vice-versa, e suas interdependências.
Para fazer uma idéia permanecer viva é imprescindível que ela
seja debatida e combatida de modo a identificar as suas incoerências e
excluir os elementos que compõem as suas certezas ilógicas,
renovando-a, transformando-a, aprimorando-a e, talvez, fazendo 26 Bohm e Peat (1989)
43
nascer uma nova teoria, porque a melhor maneira de assassinar uma
idéia é venerá-la27, conduzindo-a a uma cristalização que cria um
estereótipo e dogmatiza-se.
Por mais que apostemos nas nossas certezas e verdades, elas não são absolutas nem incontestáveis. Somos seres inacabados em constante busca de completude e, quanto mais capazes formos de entender e enfrentar essa imensa fragilidade, mais sábios estaremos sendo. Somos seres faltosos, desejantes sempre de saber mais porque necessitamos sempre ser mais. Podemos imaginar nossas ações, refletir sobre o que pensamos, planejar diante de eventualidades, reinterpretar lembranças e sentimentos vividos por nós. (NAVARRO, 2005, p. 21)
A resistência do pensamento ocorre porque o mesmo foi
elaborado por um modelo paradigmático oculto que privilegia
determinadas operações lógicas em detrimento de outras, resistindo a
tudo que não se encontra contemplado na forma convencional do
pensar, sentir ou agir.
Conhecemos, pensamos, sentimos e agimos segundo os
paradigmas inscritos culturalmente em nós. Isto ocorre porque o
paradigma, mesmo inconsciente, nutre e controla o pensamento
consciente, instaurando a dissociação e separabilidade ou o exercício de
27 Cyrulnik (2004, p. 44)
44
uma cosmovisão sobre as coisas do Universo, ou seja, um paradigma
pode ao mesmo tempo elucidar e cegar, revelar e ocultar28.
O pensamento complexo compõe-se de esforços na tentativa de
religação, ou seja, religar o que o pensamento desarticulado separou,
para alcançar uma totalidade (inatingível) que minimize a fragmentação
que nos leva a pensar de maneira linear e determinista.
O termo complexidade29, apesar de ser muito utilizado, ainda é de
difícil prática apropriada porque fomos educados a pensar de modo a
separar e isolar, obedecendo à lógica das coisas deterministas que se
fragilizam cada vez mais ante a problemática de lidar com as
incertezas.
O alcance de um conhecimento complexo implica em rejuntar
informações ao contexto ao qual pertence, fazendo com que o
conhecimento produzido seja tanto mais pertinente quanto mais global
ele for. A busca de ligação entre os saberes compartimentados que
supere o isolamento e desarticulação que podem levar ao erro e a
ilusão.
O pensamento mais amplo e global não desconsidera o detalhe,
os fragmentos ou as interconexões existentes entre eles. Não se deve
confundir complexidade com completude, uma vez que o pensamento
28 Morin (2000) 29 Morin (2002)
45
complexo busca dar conta das articulações entre os domínios
disciplinares, ciente da impossibilidade da totalidade do conhecimento.
Para não cair na armadilha do pensamento30, podemos buscar o
diálogo, o aprendizado de saber falar com o outro; compartilhar idéias
sobre um mesmo objeto de análise com pessoas de diversas áreas e
disciplinas, para expandir a compreensão acerca do mesmo.
O diálogo possibilita que cada pessoa fale de um local próprio e
continue a ser o que é, porém, com a possibilidade de trocar opiniões,
produzir conexões, ampliar e compartilhar conhecimentos, através do
exercício da interdisciplinaridade.
Nesse processo de compartilhamento de idéias e sentimentos,
expõe-se a importância da diversidade, o tesouro da vida e da
humanidade31, que não nega a unidade nem defende a
homogeneização, mas explicita a riqueza da natureza humana.
As múltiplas possibilidades inusitadas exigem dos interlocutores
um abertismo pessoal, favorável à empatia necessária para que haja
compreensão acerca do outro e do seu modo de funcionamento íntimo.
Reconhecer e identificar no outro e em si os aspectos inerentes à
condição humana, estejam eles latentes ou manifestos, é um
movimento favorável para aqueles que buscam compreender.
30 Cyrulnik (2004) 31 Morin (2004)
46
O diálogo é visto por Bohm (2005) como a possibilidade de fazer
emergir muitas nuanças da experiência humana, tais como: valores
arraigados, natureza e intensidade das emoções, a herança de mitos
culturais, entre outros, que ilustram pensamentos fragmentados,
mantidos no plano coletivo.
Por ser um processo multifacetado, o diálogo entre pessoas
proporciona, de modo concreto e experiencial, a identificação clara da
atividade da fragmentação inerente aos processos genéricos do
pensamento humano.
A visão de mundo não depende só da percepção dos sentidos e da
disposição hígida do corpo e da mente. Ela relaciona-se à percepção,
que tem lugar, sobretudo, na disposição reflexiva, onde a intenção de
olhar é na realidade uma intenção de investigar e de se fazer
compartilhar o que foi visto. Por isso, a visão de mundo é, antes de
tudo, de natureza social e conhecimento inesgotável.
Apesar da ‘separabilidade’ existente entre as coisas, assumo o
desafio da busca de um novo olhar sobre o fazer investigativo que
propicie novas visões acerca do sistema complexo de relações da
totalidade, ampliando-se a percepção da interdependência entre as
partes, ou seja, as repercussões que uma delas promove nas demais.
O exercício de respeito às singularidades humanas e diferenças
entre elas contribui para a identificação da dialética das partes no plano
47
da totalidade, o que exige uma postura investigativa de abertura
permanente para as infinitas possibilidades de realização do ser
humano.
O intercâmbio entre distintos saberes, oriundos das possíveis
estratégias do pensamento, produzem, de modo incessante, novas
compreensões e novos saberes acerca da realidade e ampliam a
diversidade das formas de conhecimento de si e do mundo.
Para a vivência do intercâmbio de saberes na experiência
dialógica proposta no presente estudo, vivenciada a partir das
narrativas de fragmentos de histórias de vida, foi imprescindível
assegurar a fluência da fala autêntica.
Ao mesmo tempo, é preciso garantir uma disponibilidade íntima e
uma sensibilidade para a escuta, pois, ao falar das próprias
experiências, o narrador fala de si mesmo, das atitudes,
comportamentos, pensamentos e sentimentos que caracterizam a sua
subjetividade e explicitam o valor atribuído ao que foi vivenciado.
Ao narrar, comenta Josso (2204), inicia-se um processo de
conhecimento de si mesmo que não se restringe em compreender o
modo pelo qual nos formamos pelas experiências, mas, que contribui
para que o narrador tenha consciência de si como sujeito capaz de
transformar-se, a partir das reflexões compartilhadas acerca do próprio
itinerário de vida.
48
A narrativa compartilhada promove um movimento espiral auto-
reflexivo, auto-interpretativo e de tomada de consciência sobre a
relatividade social, histórica e cultural entre as situações pretéritas
evocadas e o momento presente da evocação.
Um dos meus objetivos é encontrar pistas para o trabalho com as narrativas autobiográficas, que permitam despertar a atenção para a sua face autoformativa, evidenciar o que entra em jogo na reinvenção de si mesmo. De tal modo que se possa conceber, científica e afetivamente, o esforço cognitivo e afetivo do narrador nessa tarefa, os conflitos existenciais e culturais provocados pela escrita... (PASSEGGI, 2006-b, p. 73)
A abordagem de pesquisa autobiográfica pelas narrativas de
histórias de vida convoca o autor da narrativa e sujeito da formação a
reconhecer-se como tal, assumindo sua parcela de responsabilidade no
processo formativo, colocando-o numa nova relação consigo mesmo e
com os outros.
Nenhuma proposição explicativa da realidade é uma explicação
em si, como enfatiza Maturana (2002). É o modo como se escuta essa
proposição que determina se ela é ou não aceita como explicação,
constituindo-se em seu critério de recusa ou aceitação. É a postura do
observador e o que acontece com ele, que produz, de modo consciente
ou inconsciente, a validação do que foi proposto.
49
Neste estudo, investi na idéia do pensamento complexo e
dialógico como ‘instrumento’ favorável ao desenvolvimento de uma
ética da compreensão, necessária à convivialidade sadia, a partir de um
investimento na autoformação reflexiva compartilhada, elaborada pela
evocação da trajetória profissional e a implicação ética, ou sua
ausência, ao longo das experiências dialógicas, a partir das histórias de
vida dos dialogantes.
A implicação ética traduz a preocupação com as repercussões de
nossas escolhas e ações sobre os outros e, em geral, restringe-se ao
domínio social do qual emerge.
Quando há reflexão e expansão do pensar sobre as próprias
fronteiras sociais, profissionais e culturais, desenvolve-se a legitimação
do outro na convivência, possibilitando a ultrapassagem dessas
fronteiras nesse implicar, possibilitando perspectivas inovadoras e
éticas para consigo e para com o próprio fazer profissional.
Quanto mais informações são obtidas sobre o ser humano, menos
o compreendemos porque uma grande quantidade de informações
implica na necessidade de exercitar um pensamento que procure reunir
e organizar os aspectos biológicos, culturais, sociais e individuais,
inerentes à complexidade humana, a fim de reaprender as concepções
sobre o homem e ampliar o conhecimento acerca do mesmo.
50
O conhecimento proposto é o conhecimento complexo que
reconhece todas as dimensões e aspectos fragmentados da realidade
humana (físicos, biológicos, sociais, mitológicos, econômicos,
sociológicos, históricos).
A complexidade reúne ‘verdades separadas’ e admite que os
sujeitos envolvidos na investigação permeiam e são permeados pelo
objeto de estudo, no entrelaçamento da dimensão científica às
dimensões epistemológica e reflexiva.
O desenvolvimento científico é poderoso meio de detecção dos erros e de luta contra as ilusões. Entretanto, os paradigmas que controlam a ciência podem desenvolver ilusões, e nenhuma teoria científica está imune para sempre contra o erro. Além disso, o conhecimento científico não pode tratar sozinho dos problemas epistemológicos, filosóficos e éticos. (MORIN, 2000, p. 21)
Nessa perspectiva, este trabalho de doutoramento encontra-se
organizado em três partes, conforme a seguinte distribuição:
Na Parte I – Desafios Éticos da Intersubjetividade, discuto a
fragmentação e a desarticulação de uma cosmovisão, as quais limitam a
percepção dos problemas gerais e enfraquecem as responsabilidades
individuais e coletivas, mantendo as aflições ante as incertezas e
gerando crises que provocam a necessidade de repensar a compreensão
ante a pluralidade de práticas sociais diferentes e até opostas.
51
Compartilho as idéias de Ana Lúcia Aragão (1997), Almira Navarro
(2005), Edgar Morin (2000, 2002, 2003-a, 2003-b, 2005), David Bohm
(1989, 2005), Fernando González Rey (2005), Pedro Demo (2005),
entre outros, acerca do pensamento complexo que busca a cosmovisão
acerca da própria humanidade e o seu contexto planetário, tendo a
cooperação como valor determinante das implicações éticas que
constroem uma rede de intersubjetividades, pelo exercício dialógico,
rumo a uma ética da compreensão.
Em seguida, na Parte II – Histórias de Vida e Diálogo:
exercício ético consigo e com o mundo, apresento a construção das
estratégias dialógicas e de pesquisa autobiográfica e formação
estabelecidas a partir de narrativas de histórias de vida e a vivência dos
desafios éticos da intersubjetividade nos grupos de diálogo
estabelecidos neste estudo.
Apóio-me, principalmente, em: Ardoino (1993) para a
multirreferencialidade; David Bohm (1989, 2005), Paulo Freire (1983) e
Almira Navarro (2005) para o diálogo; Marie-Christine Josso (2004,
2006), Christine Delory-Momberger (2006) e Maria Conceição Passeggi
(2006-a, 2006-b) para a perspectiva da pesquisa autobiográfica e
formação, com as contribuições do método analítico de narrações de
Fritz Schütze (1983, 1992, 1997).
52
Por fim, na Parte III – Metadiálogo: diálogo polifônico rumo à
cosmovisão – apresento a desconstrução de subjetividades individuais
para a construção de um diálogo polifônico composto de múltiplas vozes
atemporais, que se fazem presentes das mais diversas formas, entre
livros, tese, cartas, narrativas de histórias de vida, filmes, músicas,
subjetividades polifônicas que explicitam a complexidade humana.
Reconheço a necessidade de maior conhecimento acerca da
complexidade do fenômeno da intersubjetividade e reafirmo o diálogo
como possibilidade de nos despir das certezas, de ampliar a
compreensão sobre a própria incompreensão existente no mundo e de
compor a construção gradativa de uma cosmovisão compartilhada.
53
Desafios Éticos da Intersubjetividade
A vida é um puzzle que se constrói em uma busca constante pelas peças que continuam a faltar. Em determinados momentos conseguimos encaixar uma, duas ou até três peças seguidas e com relativa facilidade; noutros, elas são difíceis de achar e/ou encaixar. O que não podemos é abandonar o puzzle porque cada peça dele é uma parte de nós.
Anônimo
54
O progresso científico e a aceleração tecnológica, oriundos do
exercício de domínio e controle do homem sobre a natureza,
promoveram ações diretas e intencionais sobre a humanidade e as
coisas, principalmente, nos últimos séculos.
Em conseqüência, o século XX foi um grande depositário de um
excesso de confiança na modernidade que, apesar de atender às
necessidades pretéritas da humanidade, revelou-se impotente, ante os
diversos acidentes provocados pelos sofisticados instrumentos
desenvolvidos, demonstrando que há fragilidades e não supremacia
inerente à tecnologia.
Há uma falta de discernimento no uso da criatividade posta a
serviço do desenvolvimento de instrumentos do terror e armamentos de
efeitos letais capazes de prejudicar toda e qualquer forma de vida em
nosso planeta.
Essas criações são um demonstrativo de que apesar dos
benefícios e qualidade de vida que o avanço da ciência nos
proporcionou, não há um triunfo absoluto da racionalidade diante das
incertezas do mundo e dos riscos de extermínio de qualquer
manifestação de vida na Terra.
Há, também, uma ordem cultural de competição e poder, cultura
antivida que permeia todas as instâncias sociais, inclusive o lazer, que
reproduz o modelo competitivo em milhões de brinquedos e jogos de
55
combate e guerra, com campeonatos intermináveis, que contagiam
crianças, adolescentes e até adultos.
Apesar de vivermos um período de intensas transformações
técnico-científicas, com progressos gigantescos no âmbito das
especializações, presenciamos grandes desequilíbrios ecológicos que
necessitam serem remediados, com urgência, em função da situação-
limite atual: ameaça de extinção ou continuidade de vida no planeta.
O olhar fragmentado e desarticulado de uma visão global tem
enfraquecido a percepção dos problemas gerais que, em conseqüência,
conduz, também, ao enfraquecimento da responsabilidade dos atos
individuais e coletivos e da solidariedade à dificuldade alheia.
Uma das aflições ante as incertezas que o ser humano enfrenta
no mundo contemporâneo é a sua relação com o tempo, com os
minutos nos quais negocia consigo a realização de desejos, sonhos,
obrigações e necessidades. Passam-se os minutos, horas, dias, anos e o
tempo se esvai entre as escolhas que se fez e aquilo que se deixou de
fazer, por simples falta de tempo e/ou priorização.
Cada ser humano torna-se responsável pela saúde e pela
aparência de seu corpo e conta com os recursos e sucessos da medicina
e do fisiculturismo. As dietas alimentares, exercícios físicos e consumo
de drogas transformam o corpo e, como destaca Serres (2003),
modificam o que seria a utopia do status de imortalidade dos deuses
56
em um projeto ensurdecedor, carnal e racional da humanidade, na
tentativa desenfreada de perder ou restringir a própria finitude.
Ao mesmo tempo, prevalece o efêmero, a impermanência das
coisas32, através da velocidade tanto da produção quanto do consumo
de produtos descartáveis, da alimentação em fast food, dos ditames das
leis do mercado e da moda imperativa e, infelizmente, prevalece,
também, a superficialidade e a fugacidade das relações interpessoais,
nas quais o nível de intolerância é cada vez menor ante quaisquer
dificuldades.
As telecomunicações e a eletrônica propiciam uma vida na qual
vivemos como o coelho de Alice33, que se desespera ao consultar o seu
relógio por estar sempre atrasado, quando o tempo é sinônimo de
velocidade; ou ainda, quando experimentamos espaços virtuais onde os
botões e teclados são acionados para a satisfação imediata, seja para
obter o saldo no banco, seja para a extinção de um relacionamento
virtual.
Há, também, um movimento imperativo no mundo que clama por
transformações sociais, econômicas, políticas e culturais que exigem
rupturas com modelos esgotados ou estagnados para que ocorram
32 Chauí (1992) 33 Livro de Lewis Carrol, Alice's Adventures in Wonderland publicado em 1865 e, hoje, traduzido em mais de 50 línguas.
57
possíveis mudanças profundas em todas as áreas do conhecimento
humano.
A falta de aplicabilidade do conhecimento vigente às sociedades
contemporâneas tem demonstrado que todo esse avanço tecnológico
não tem contribuído para a superação do nosso despreparo para
usarmos com discernimento os recursos naturais e vivermos com os
outros e com suas diferenças, sejam elas étnicas, sociais, políticas,
culturais, econômicas ou religiosas.
Em um mundo com excesso de fronteiras e múltiplas crenças
religiosas e ideologias políticas, o filme Babel34 trata de temas do Século
XXI, tais como choques culturais, política, burocratização, armas,
terrorismo, autoritarismo, imigração, preconceito, adolescência, entre
outros.
O enfoque principal do filme é o isolamento, a incomunicabilidade
ou os efeitos colaterais das falhas de comunicação, em vários níveis tais
como: emocional, geográfico, político ou auditivo, à semelhança do que
ocorria na Torre de Babel, de origem bíblica, que deve ter sugerido o
nome da referida película.
As barreiras ou dificuldades de comunicação estão presentes no
filme desde a deficiência auditiva da adolescente japonesa, órfã de mãe,
que vive cercada de estímulos sensoriais, com dificuldades de se 34 Paramount Pictures (2006)
58
comunicar com as pessoas e com o pai; passa pelas dificuldades de
comunicação de um casal perante a dor da perda de um filho; continua
na comunicação entre patrão e empregado; e, segue pelas dificuldades
e barreiras culturais e idiomáticas nas relações internacionais entre
México, Estados Unidos da América, Marrocos e Tóquio.
Além da incomunicabilidade e ausência de diálogo, as histórias de
Babel têm um ponto mais sutil de ligação: trazem a idéia de uma teia
de interconexões existente entre nós, independente de distâncias
físicas, culturais ou políticas, de tal modo que os movimentos de uns
repercutem em muitos, ao modo do ‘efeito dominó’, causado no filme
por uma arma.
Temos dificuldades em entender essa rede invisível de
interconexões porque estamos condicionados à separação e ao
reducionismo que influenciam e direcionam as nossas escolhas. Basta
observar os grandes países que tomam decisões ou fogem de
responsabilidades como se não integrassem um continente e esse, por
sua vez, não compusesse o planeta Terra.
Sem dúvida, a ciência trouxe grandes contribuições para a
ampliação do conhecimento sobre as coisas, corroborando para a
elucidação de questões que foram colocadas pela humanidade acerca de
si mesma e do mundo. Porém, os resquícios de passado no qual o
homem lutava por sua sobrevivência deram origem à cultura predadora
59
do ecossistema natural do planeta, interpretado de modo equivocado,
como patrimônio ilimitado.
Atrelado ao avanço tecnológico, a inteligência ‘cega’, restrita e
desconexa do contexto mais amplo continua promovendo
conseqüências adversas e provocando a crise da possível extinção dos
recursos naturais, necessários à sobrevivência neste planeta.
Isso se dá em função da má utilização, poluição ou destruição dos
recursos naturais, bem como na realização de testes de sofisticação de
instrumentos e desenvolvimento de armas e estratégias letais utilizadas
na maior manifestação da imaturidade humana que tem sido a guerra.
Temos emergência de um novo tempo35 em que possamos
utilizar, em benefício da humanidade, os resultados de pesquisas, os
recursos das biotecnologias e os instrumentais tecnológicos avançados,
minimizando a fome e o sofrimento de tantas pessoas. Não o fazemos
porque não sabemos como priorizar o ser humano em detrimento do
lucro e do poder.
Sem dúvida, jamais tivemos meios tão eficazes e universais para mudar o mundo e a nós mesmos, assim como o ar, poluído ou puro, a terra cultivada ou desertificada, a água potável ou envenenada, o fogo, energético ou destruidor, o clima global, nosso meio ambiente inerte e vivo, nossos corpos individuais, as espécies vivas em seu conjunto, a função da descendência, a ocupação da terra e do espaço, nossas relações e nossas coletividades, a
35 Serres (2003)
60
vida ou a morte das línguas e culturas, o estatuto e a continuação das ciências, a cognição em geral, a luta contra a ignorância e a pedagogia. De agora em diante, cada uma dessas coisas e todas elas em conjunto dependem de nós, como comumente se fala. Comparados com os nossos antigos poderes, os que adquirimos agora mudaram rapidamente de escala; passamos recentemente do local ao global, sem que dele tivéssemos nenhum domínio conceitual e nem prático. (SERRES, 2003, P. 20).
Os seres humanos são, de certo modo, obrigados a tomar
decisões em relação às próprias vidas, o tempo todo, porque vivemos
em um mundo, ainda precário e, sobretudo, porque somos seres
plásticos, inacabados e não programados, desprovidos de percurso vital
totalmente previsível.
Esse modo de ser e estar no mundo e a incapacidade de atender
a indeterminação humana é que mantém uma grande questão em
aberto: como viver, individual e coletivamente?36 À medida que
buscamos responder a essa questão vamos aprendendo a viver e
apesar das incertezas, as respostas são direcionadas à defesa da
própria vida.
Em função da plasticidade, inacabamento e não programação,
cada um de nós pode entrar, permanecer ou sair de determinados
sistemas de normas, optando por utilizar ou recusar os dispositivos
operativos dos mesmos.
36 Puig (2007)
61
A recusa ou a permanência de determinado sistema implicam em
infringir as normas e sofrer as sanções intrínsecas ao mesmo. A recusa
e saída de um sistema implicam, em geral, na opção de entrada e de
envolvimento com outro sistema, em função da transgressão e
abandono do anterior.
A permanência pacífica em um sistema ocorre pelo
reconhecimento coletivo de nossa capacidade participativa. Cada um
pode se por inteiro e se perceber como alguém que vale por si mesmo
independentemente de sua face de agente social37, o que permitirá
relações pautadas no respeito mútuo, requerendo preparo e
aperfeiçoamento na capacidade de agir socialmente.
O reconhecimento coletivo da capacidade participativa não se dá
de forma tão homogênea assim, haja vista a diversidade étnica, social e
de valores das personagens retratadas no filme Crash – No limite38, as
quais traçam um complexo painel sobre o preconceito e os diversos
tipos de intolerância na sociedade norte-americana, que também
representa a realidade de outras tantas sociedades.
Uma intolerância que desfruta do poder de uma arma de fogo e
que nutre a violência absurda que ameaça a todos e nos inquieta com a
crescente comercialização e tráfico de armas, sendo um desafio a
manutenção da serenidade ante o inesperado, ao longo de um dia. 37 Gianotti (1992) 38 Imagem Filmes (2004)
62
Não se trata da aceitação do propósito existencial de uma arma
de fogo ou da legalização das armas que ferem ou matam pessoas, mas
da complexidade de sentimentos e pensamentos que esse objeto opera
com sua simples existência na natureza humana e em seus níveis de
intolerância.
Como desenvolver a tolerância ante as situações de ameaça de
vida que provocam surpresas em nossas próprias atitudes, em
determinadas circunstâncias, em função de nossa fragilidade?
Ser tolerante, ao meu ver, não é agir, pensar e falar conforme ordena a essência da tolerância, ou a essência da idéia de tolerância ou do conceito de tolerância. É agir, pensar e falar de modo a evitar os exemplos de intolerância que conhecemos; intolerância racial, sexual, étnica, estética, religiosa, política, social etc. Assim, creio eu, aprendemos a reconhecer o que é tolerância e intolerância, e não lançando mão de critérios ou regras de correspondência que permitam, em qualquer tempo e lugar, aplicar corretamente tais conceitos, independente do uso que se faz deles. (COSTA, 1992, p. 287).
A verdadeira tolerância vale para as idéias e não para insultos ou
agressões. Ela supõe escolha ética que aceita a expressão de idéias,
convicções e escolhas contrárias às nossas e isso não significa que não
haja desconforto nesse exercício da aceitação, porém, é fruto do
63
reconhecimento da existência de distintas subjetividades39, produtoras
de idéias que podem ser antagônicas entre si.
Independente do contexto, o desrespeito aos direitos humanos é
uma ameaça comum. O fato de alguém não ser livre, hoje, traduz que
ainda também não o somos. A exclusão social e a violência envolvem e
ameaçam a todos. Elas trazem frustração e medo.
Não há garantias de acesso à comida, a terra, ao crédito, à
educação, à moradia digna, ao trabalho, à saúde, à informação ou ao
conhecimento - ou nos responsabilizamos uns pelos outros e todos pelo
planeta ou a nossa sobrevivência estará ameaçada.
Ver as pessoas segundo os nossos pressupostos equivale a negar-lhes as suas infinitas possibilidades humanas. Coisificamos o outro – e assim não o acolhemos – cada vez que exercemos nossos preconceitos e os disfarçamos com valores aparentemente aceitáveis... em tudo isso, o mais dramático é que não percebemos que ao coisificarmos as pessoas, tornamo-nos também coisas. Coisificar os outros, coisifica a nós mesmos. Desumanizar os outros, desumaniza-nos. Não acolher os outros é não acolher a nós mesmos. (AGUIAR, 2002, P. 49).
A ética enquanto arte da convivência40 tem como referência não
apenas um espaço de sobrevivência que se impõe para que nos
39 Morin (2000) 40 Aguiar (2002)
64
sintamos seguros, mas um espaço de convivência que tem como base a
confiança.
Apesar do conflito gerado pela heterogeneidade e pela falta de
previsibilidade no comportamento humano, temos o desafio de lidar
com as diferenças e manejar as contradições - acolher é encontrar,
juntos, outra forma de lidar com as diferenças.
Isso não significa modificar o nosso jeito de ser em função do
outro ou acabar sendo indiferente com relação às diferenças, tampouco
promover um esforço de tolerância aparente para o acobertamento de
um preconceito.
O aprendizado está no contato com o que é diferente de nós, com
a oportunidade de aprender algo novo, de reconhecer outras maneiras,
inerentes à condição humana, de pensar, sentir e agir diante do mundo.
Permitir-se pensar ‘isto também é humano’, mesmo que nunca
tenhamos atuado de tal forma, pela falta da arte da convivência.
Hoje, é possível obtemos informações através da sofisticação
tecnológica dos satélites sobre a parte da humanidade que morre de
fome. Podemos saber a situação de pauperização e miserabilidade de
muitos locais do planeta. São dados reais que denunciam a nossa
ausência de ética para com os nossos semelhantes.
65
A ética é um tema antigo, que vem emergindo com força e
tornando-se o centro das atenções em todo o mundo, devido aos
inúmeros e reincidentes conflitos presentes nas várias relações
humanas. Ampliam-se as discussões sobre o ‘vazio ético’ neste início de
século e o alijamento da ética da vida social e política, em muitos
contextos sociais.
Essa avidez temática demonstra que a ética é um assunto que
vem despertando interesse de muitas pessoas, haja vista as inúmeras
conferências e instituições nacionais e internacionais, que discutem
problemáticas significativas tais como: ética e preservação do meio
ambiente, ética e violência (guerra), ética e ecologia, ética e direitos
humanos, ética e fome, ética e educação etc., enfatizando as
necessidades de mudança em vários âmbitos da vida em sociedade.
Diante da diversidade de abordagens e do foco voltado à ética é
imprescindível fomentar questionamentos gerais: por que todo esse
interesse só agora? O que tem acontecido no mundo, de modo geral e
amplo, para que essas discussões estejam acontecendo em todos os
continentes? Por que o mundo está assim?
Há também outros questionamentos mais próximos a nós: o que
fazer ante uma situação de violência, de fome ou de poluição? Qual
deveria ser a nossa atitude diante disso? O que fazer para ajudar
66
alguém em perigo, mesmo correndo risco de vida? Em que momento é
correto avançar o sinal vermelho?
Encontrar as respostas para essas questões não é algo instintivo
ou automático, tampouco, obedece com rigor ao que seria considerado
‘normalidade’ em nossa sociedade. Exige de nós reflexão e diálogo na
busca da compreensão sobre a relatividade das éticas sociais e a
ausência de uma cosmoética no mundo.
No pensamento contemporâneo, muitos são os enfoques sobre a
ética e muitas são as definições encontradas, porém, todas remetem
para a qualificação do comportamento humano em uma realidade
social.
Vivemos imersos em um grande paradoxo por conta da
fragmentação do pensamento, principalmente no Ocidente, e
diversidade da amplitude social a ser considerada em nossas reflexões
e, por isso, a discussão sobre a ética não pode estar à margem dos
problemas da complexidade.
O conceito de ética é relativo em relação à história da
humanidade. Confrontos são criados nas relações intergeracionais em
uma mesma cultura e também surgem nas relações interculturais entre
diferentes sociedades porque as idéias, valores e práticas sociais se
modificam no decorrer do processo histórico.
67
Nos confrontos, seja intra ou intercultural, rejeita-se a ética
daquele que inova porque não há a adequação de seu comportamento
às circunstanciais coletivas esperadas. É o impacto que a mudança de
valores de alguém ou de um pequeno grupo promove, gerando novas
práticas sociais.
O estudo da ética não se resume a se dizer o que está certo ou
errado no nosso modo de viver, mas enquanto teoria e prática, ele
consiste na investigação da experiência humana, procurando explicá-la
ou compreendê-la em uma determinada realidade, evitando reduzir a
ética a um caráter apenas normativo ou pragmático.
Essa abordagem contribui para compreender e não apenas
descrever o comportamento humano em seu processo histórico e social
e, por isso mesmo, não formula juízos de valor sobre as práticas de
determinadas sociedades ou de diferentes épocas em nome de uma
ética absolutista ou universalista. É um exercício de buscar a
compreensão da pluralidade e das transformações em diferentes e até
opostas, práticas sociais.
Não se pode minimizar o aspecto objetivo e social do
comportamento humano em detrimento dos fatores psíquicos, alerta
Sánchez (2003), para não se nutrir o equívoco do psicologismo ético,
reduzindo a Ética a um capítulo da Psicologia.
68
O estudo da ética também não se esgota no seu aspecto social, o
que levaria ao sociologismo ético e redução da ética a um adendo da
Sociologia, e assim por diante, em relação às demais ciências, como por
exemplo, a Antropologia, o Direito ou Economia.
Qualquer reducionismo pode nos impedir de perceber que cada
indivíduo carrega consigo a sua origem, a sua cultura e formação,
expressos no seu jeito de ver, ser e estar no mundo, cujos
comportamentos são oriundos de diferentes entendimentos, de
diferentes maneiras de receber as mensagens que emanam da possível
realidade.
Os comportamentos podem ser de consideração ou negação das
regras e normas sociais, da conduta esperada por todos. Aqueles que
não atingem a linha compreensiva41 e desacatam os imperativos sociais
sucumbem à marginalidade e transitam à margem dos comportamentos
considerados normais.
Diferentes interpretações também ocorrem em função das
escolhas feitas pela experiência da transcendência. O agir do homem
passa por suas escolhas e decisões. Só ele próprio pode abri-se para a
transcendência e o permanecer nela também é escolha e decisão. Por
isso, não é possível obrigar alguém a ser ético por um apelo
transcendente.
41 Ghiggi (2003)
69
A transcendência convida o homem e o estimula para uma ética
justificada pela própria transcendência, levando-o, até mesmo, a
morrer, como no caso dos samurais, kamikases ou homens-bomba e
serem reconhecidos pelos pares, dizendo não às sociedades que não
compreendem os seus motivos transcendentais.
O sistema de necessidades de um indivíduo é aberto, complexo e
singular. A coexistência social se solidifica com o compartilhamento
desses sistemas abertos que podem permitir o exercício da crítica àquilo
que é posto como necessidade individual ou coletiva.
Nem todas as necessidades são éticas. O ser humano possui
necessidades diversas que podem ser boas ou más para si ou para os
demais seres, como por exemplo, a necessidade de oprimir de alguma
forma alguém ou necessidade de prestar ajudar aos outros, ao modo de
prestar socorro em um incêndio.
O amadurecimento de nossas necessidades pode despertar o
interesse pela natureza e pela participação na vida cultural. Isso seria
um sinal de esperança ante a fragmentação do pensamento42. Esse
despertar cabe não apenas às futuras gerações, mas ao homem de
hoje.
Apesar de nossos problemas e incertezas, de nossas dores e
alegrias, podemos encontrar o equilíbrio entre a globalização e a 42 Prigogine (2001)
70
preservação do pluralismo cultural, entre as formas de violência e
guerra e entre o uso da política e da razão.
É possível construir uma nova coerência no mundo que incorpore
valores humanos que sejam compreendidos e compartilhados, que
contemple o desenvolvimento da ciência e traga uma mensagem
política de solidariedade dos homens entre si e com a natureza.
Há uma necessidade planetária que exige essa coerência a ser
buscada pelos seus habitantes do planeta. Ser coerente não significa
uma homogeneização da cultura e dos indivíduos ou a lógica da não-
contradição, da reprodução de um protótipo idealizado e ausência
eterna e utópica de conflitos.
A coerência no mundo tampouco significa uma cultura de
heterogeneidade, do contraditório, que nega a comunhão entre os
indivíduos e pode levar a um individualismo excessivo e êxito pessoal,
em detrimento aos outros, salvaguardando a diversidade. Essa nova
coerência significa uma busca de equilíbrio entre esses dois movimentos
reais, antagônicos e constitutivos do individual e do coletivo, em uma
sociedade complexa.
Os dramas sociais vividos, a exemplo de Chernobyl (acidente em
usina nuclear- 1986) e a AIDS, ilustram muito bem os limites dos
poderes técnico-científicos que acometem a humanidade. É evidente
que uma responsabilidade e uma gestão mais coletiva se impõem para
71
orientar as ciências e as técnicas em finalidades mais humanas
(Guattari (1997, p. 24).
As diversas transformações tecnológicas afetam os modos de
viver individual e coletivo, sem que haja uma tomada de consciência
plena e ações preventivas ou remediadoras nas diversas instâncias
políticas e executivas.
O que ocorre é apenas uma consciência parcial dos perigos mais
evidentes que ameaçam o meio ambiente natural, a exemplo dos danos
industriais, que ilustram uma perspectiva distante da necessária
articulação ético-política a que este autor chama de ecosofia43.
Não haverá verdadeira resposta à crise ecológica a não ser em escala planetária e com a condição de que se opere uma autêntica revolução política, social e cultural reorientando os objetivos da produção de bens materiais e imateriais. Esta revolução deverá concernir, portanto, não só às relações de forças visíveis em grande escala, mas também aos domínios moleculares de sensibilidade, de inteligência e de desejo. (GUATTARI, 1997, p. 9).
Mesmo parecendo absurdo acreditar que os diversos movimentos
no mundo, embora pulverizados, possam construir uma nova
sociedade, é possível pensar e agir no âmbito pessoal, avaliando quais
são os efeitos de nossas ações em relação às pessoas com as quais
convivemos, ao meio ambiente e com a sociedade como um todo,
43 Guattari (1997)
72
criando novas formas de convivência e organização social44, baseadas
na responsabilidade solidária.
A conotação de ecologia não pode estar vinculada apenas à
imagem dos estudiosos ou amantes e defensores da natureza porque é
preciso por em causa a questão da subjetividade, já que necessitamos
de um tipo de visão ecológica.
Essa visão ecológica, prática e especulativa, ética, política e
estética, podem substituir antigas formas de engajamento religioso,
político ou associativo, de modo a tornar-se um movimento de múltiplas
facetas, com instâncias e dispositivos ao mesmo tempo analíticos e
produtores de subjetividade, que possibilite um processo contínuo de
re-singularização no qual os indivíduos devem se tornar a um só tempo
solidários e cada vez mais diferentes45.
Há um desconforto geral que continuará existindo se não
aprendermos a pensar um pensamento que integra e conjuga, se não
rompermos com o pensamento disjuntivo que desarticula e nos põe à
margem do cosmos, que retro-alimenta a desconexão com a
complexidade humana e ignora a dependência vital da humanidade em
relação à higidez da biosfera terrestre.
44 Sung & Silva (2004) 45 Guattari (1997, p. 54)
73
Pelo resultado dessas últimas décadas, mais do que em qualquer
outro momento na história da humanidade, não podemos pensar mais
de modo desarticulado, separando o planeta do cosmos, o país do
planeta, nós dos outros, nós da natureza, a natureza da cultura e assim
por diante, permanecendo uma visão parcial e restrita sobre as coisas.
Precisamos, sim, aprender a pensar de modo transversal, articulando
diferentes olhares e saberes, conhecimentos de si e do mundo.
Há várias lacunas em nossa forma de pensar que nos leva a ações
restritivas em conseqüência de seu caráter mutilador e, por isso, há
uma urgência para a tomada de consciência da patologia
contemporânea do pensamento46 que simplifica e nos deixa cegos em
relação à complexidade.
Essa capacidade restrita pela percepção parcial se dá porque o
pensamento parece ter existência autônoma47, independente da
vontade e do desejo e as formas gerais do pensamento sustentam essa
fragmentação e frustram os mais profundos anseios em relação à
totalidade.
Para minimizar a fragmentação, Morin (2003-a, 2003-b) propõe o
desenvolvimento do pensamento complexo, que possui algumas
características expostas, a seguir:
46 Morin (2003-b) 47 Bohm & Peat (1989)
74
• Pronuncia-se em discurso cada vez mais generalizado
porque ele possui diversas vias de entrada;
• Diz respeito não apenas à ciência, mas também à
sociedade, à ética e à política e, portanto, é problema
paradigmático e epistemológico;
• Reconhece o estado transitório, o movimento e imprecisão
do todo, bem como o seu princípio de incompletude e
incerteza;
• Não rejeita o pensamento simplificador, porém, critica
modalidades de pensar que mutilam, reduzem ou
unidimensionam a realidade.
Pensar o ser humano implica pensar com cosmovisão a própria
humanidade e o contexto ao qual ela pertence: um planeta inserido em
um milhão de galáxias. Se não há seres humanos, não há humanidade -
não pode haver complexidade sem que cada um de nós tenha o sentido
da comunidade48.
O pensamento complexo tenta religar o que o pensamento disciplinar e compartimentado separou e parcelarizou. Ele religa não apenas domínios separados do conhecimento, como também – dialogicamente – conceitos antagônicos como ordem e desordem, certeza e incerteza, a lógica e a transgressão da lógica. O pensamento complexo é um pensamento que pratica o abraço. Ele se prolonga na ética da solidariedade. (MORIN, 2002, p. 7).
48 Morin (2004, p. 76)
75
Hoje é vital pensarmos sobre a utilização de todo o
desenvolvimento tecnológico existente que confere à humanidade
planetária um destino em comum quanto ao uso dos recursos naturais.
É, também, vital, saber quem somos, o que nos atinge, o que nos
determina, o que nos ameaça, nos esclarece, nos previne e o que talvez
possa nos salvar... a urgência vital de ‘educar para a era planetária’...
(Morin, 2003, 11).
O âmbito educacional precisa enfatizar a relevância de estarmos
na era planetária, de reconhecermo-nos em nossa humanidade comum
e de estudarmos a própria complexidade humana.
Esse direcionamento conduz não apenas ao conhecimento, mas a
uma consciência da condição comum a todos os seres humanos, em sua
rica e necessária diversidade49 (de indivíduos, de povos, de culturas).
Desenvolver um sentimento de pertencimento mútuo que nos faça
sentir cidadãos da Terra, ou melhor, cidadãos do cosmos.
As sociedades elaboram suas normas e sanções de modo que as
validades sociais50 são relativas e nada é válido de modo absoluto. O
nosso comportamento é recorrente em função de expectativas
rotineiras existentes nas relações interfluentes, sendo desnecessário
que nos inventemos a cada momento, tampouco, que atuemos como
robôs a toda hora. 49 Morin (2000) 50 Demo (2005)
76
Cada um de nós pode rebelar-se, discordar dos valores das coisas
ao nosso redor, viver a experiência de estranhamento frente à
realidade, de sentir-se fora da ‘normalidade’ diante do modo de
funcionamento da sociedade ou do modo de agir de alguém.
Quando essa experiência existencial ocorre em oposição a uma
situação desumana ou injusta é chamada de ‘indignação ética’; quando
ocorre em concordância com tal situação ela é uma experiência que
nega o outro e por isso é chamada de antiética. É a descoberta da
diferença entre o que é e o que deveria ser: a experiência ética
fundamental51.
Ante o quadro atual da multiculturalidade52, há uma expectativa
equivocada de que a ética seja unitária e que se nutra de visões de
mundo de dimensões absolutas, eternas e definitivas, do mesmo modo,
não se pode fundamentar uma ética plural, de aspectos comuns e sem
universalismos estritos.
Para Morin (2005), o pensamento complexo alimenta a ética
porque reúne conhecimentos e orienta para a religação entre os seres
humanos. Em decorrência de seu princípio da inseparabilidade, orienta
a constituição da solidariedade entre os homens. Esse movimento
51 Sung & Silva (2004, p. 14) 52 Demo (2005, p. 19)
77
implica na necessidade de autoconhecimento, para que cada um possa
compreender-se e corrigir-se.
O pensamento complexo comporta as dimensões epistemológica,
antropológica e ética, integrantes de um circuito onde cada dimensão é
necessária à outra, para que haja o movimento imperativo de
enfrentamento da ‘barbárie interior’, problema central de cada
indivíduo, superado pela decisão e reflexão próprias à auto-ética que é,
antes de tudo, uma ética de si para si que desemboca naturalmente
numa ética para o outro53.
A ética complexa é a ética da religação54, ao mesmo tempo, una e
múltipla, que se desdobra em auto-ética, sócio-ética e antropoética. A
auto-ética remete a uma ética da comunidade, do social, que por sua
vez, pode ampliar-se para uma ética universalista, não no sentido de
diluição, mas de ampliação universal. A antropoética reconhece a
unidade de tudo o que humano e é o elo entre a ética do universal e a
ética do singular.
A auto-ética forma-se no nível da autonomia individual, para além das éticas integradas e integrantes, embora raízes ou ramos dessas éticas permaneçam, muitas vezes, no espírito individual. Em todo caso, os dois outros ramos da ética (ética cívica ou sócio-ética, antropoética ou ética do gênero humano) devem, hoje, passar pela auto-ética: consciência e decisão pessoal. (MORIN, 2005, p. 92)
53 Morin (2005) 54 Morin (2005)
78
No exercício da ética para consigo está a prática recursiva da
auto-análise, concebida como estado de vigilância sobre si mesmo, que
só é possível de ocorrer por meio da autocrítica, higiene existencial55,
que minimiza o auto-engano, as mentiras para si e constitui profilaxia
contra a ilusão egocêntrica que impede a abertura ao outro. A recursão
ética é vacina contra a nossa tendência em responsabilizar os outros
pelos nossos equívocos.
Viver humanamente é assumir plenamente as três dimensões da identidade humana: a identidade individual, a identidade social e a identidade antropológica. É, sobretudo, viver poeticamente a vida. (MORIN, 2005, p. 202).
Em nossas inter-relações, com todos os meios e técnicas de
comunicação, não há a garantia da compreensão daquilo que se pensa
e se comunica, por mais inteligível que seja, porque no processo de
comunicação intersubjetiva não há apenas o aspecto intelectual e
objetivo, ou seja, há inúmeras variáveis que aproximam ou distanciam
a percepção e identificação com a nossa condição humana e complexa
no outro.
No processo de comunicação encontram-se implícitas as
pretensões de validade daquilo que se enuncia e do modo como se
assevera as afirmações sobre as coisas como sendo verdadeiras, ou
seja, o dito é justo e o sentimento que o permeia é veraz porque no 55 Morin (2005)
79
mundo lançamos mão de três pretensões de validade56 que se
entrelaçam: a de verdade, a de justiça e a de veracidade.
Cada interlocutor explicita e justifica as suas pretensões e pode
ou não, buscar compreender a construção argumentativa do discurso
alheio, revendo suas pretensões iniciais, exercitando a suspensão dos
próprios pressupostos.
Nesse exercício de interlocução é imprescindível a suspensão
radical da crença na validade do que havia sido afirmado57. Substituir as
crenças por hipóteses até que se possa, através de um consenso, ter a
comprovação ou não, daquilo que foi enunciado ou que se tenha
justificado.
A compreensão intersubjetiva e a validade daquilo que é proposto
se dá através de um consenso fundado na argumentação onde todos
têm o direito de enunciar o seu discurso, apresentando ou refutando
argumentos de modo que todos promovam o livre exame sem que os
participantes sofram qualquer tipo de coação, até que cheguem a um
denominador comum.
A dinâmica do consenso e do diálogo experimenta limitações que
lhe são impostas pelos próprios interlocutores e suas finalidades sociais.
Essas limitações não residem na dinâmica das estratégias e nas
56 Rouanet (1992) 57 Rouanet (1992)
80
ferramentas do acordo, mas no objeto de anuência, ou seja, nem tudo
pode ser fruto de consenso58, pois existem idéias, conceitos ou atuações
que não podem ser consensuados sem que outros organismos externos
ou a própria sociedade influencie de modo determinista.
A cooperação, como valor determinante, é que marca as
dinâmicas de consenso e diálogo. Ela necessita dos outros para existir
porque cooperar significa operar com, operar junto. Por isso, na
convivência cooperativa é possível aprender mediante a utilização de
estratégias de cooperação nas quais atuam os indivíduos.
O resultado dessas estratégias é grupal, uma vez que o trabalho
cooperativo é espaço de atuação de valores compartilhados, é a
maneira de se recuperar a idéia e a realidade de coletividade acima do
individualismo radical gerado pela modernidade.
A dissociação e desarticulação entre vários aspectos da
intersubjetividade dificultam o diálogo e a cooperação. A desconexão
ocorre porque a nossa educação nos ensinou a pensar de modo a isolar
e separar as coisas, distanciando-nos cada vez mais da compreensão de
uma realidade que é tecida de múltiplas interações, incapacitando-nos a
perceber o complexus – o tecido que junta o todo59, uma composição
de esforços nas tentativas de religar o que o pensamento separou.
58 Duart (1999) 59 Morin (2002)
81
A cooperação se desenvolve por uma ética da solidariedade
exercitada em cada um de nós que nos esforçamos para a vida coletiva.
Por isso, a solidariedade é constituinte da vida social e é a ética
necessária para manter a coesão de uma sociedade complexa.
O pensamento complexo une conhecimentos a uma ética da
complexidade que é uma ética de compreensão, ou seja, contribui para
que nos compreendamos uns aos outros e reconheçamos a diversidade
de singularidades que apresentamos em nossas manifestações.
Essa multiplicidade de facetas da condição humana se evidencia
na convivência e se estabelece entre as pessoas, confluências e
divergências, entendimentos e conflitos, situações agradáveis e
situações desagradáveis, identificação como o outro ou a sua negação.
Em geral, cada um de nós tende a considerar que a própria
maneira de pensar, sentir e agir é a correta, sem conseguir perceber
que essa postura fechada retro-alimenta a incompreensão que leva ao
conflito e, em conseqüência, a mais incompreensão.
Somos ao mesmo tempo singulares e plurais, iguais e diferentes.
Essa constituição complexa nos permite gerar culturas diferentes e
convivências específicas de questões éticas de validade relativa, porém,
não relativista, oriundas das relações sociais construídas pelos
movimentos ambivalentes, dialéticos, constitutivos de tramas de
interfluências, entre indivíduos, muitas vezes, polarizados.
82
O respeito à singularidade alheia e, em particular, à diversidade
humana, é um dos maiores desafios da convivência que a vida social
nos impõe. Anteriormente, houve a tentativa de fundamentar esse
gesto em mecanismos transcendentais, lógicos ou divinos60, porém,
hoje, a busca está em compreender que essa fundamentação encontra-
se em uma relatividade natural inerente à história da humanidade.
É possível reconhecer no ser humano a necessidade de padrões
éticos de convivência que limitam e realizam ao mesmo tempo as
individualidades porque é fruto da interdependência entre indivíduo e
comunidade, numa dinâmica complexa não linear de teor dialético61.
A complexidade humana não pode ser compreendida através da
dissociação dos elementos que a constituem, ou seja, todo
desenvolvimento humano significa o desenvolvimento conjunto das
autonomias individuais, das participações comunitárias e do sentimento
de pertencer à espécie humana (Morin, 2000, p. 55).
Nenhum aspecto humano pode ser considerado de maneira
isolada e dissociada da sua inteireza de um ser biológico, cultural,
psicológico e social, que se encontra inserido em uma determinada
sociedade, com características próprias, porém, imersa numa condição
mais ampla e planetária que se constitui a própria humanidade.
60 Demo (2005) 61 Demo (2005)
83
É possível que o exercício de suspensão de pressupostos sugerido
por Bohm (2005) seja útil na profilaxia da retro-alimentação viciosa da
incompreensão. Apesar da existência do potencial reflexivo natural, o
desenvolvimento humano tem sido orientado para um estado de
prontidão, com respostas imediatistas e impulsivas.
Suspender os pressupostos é abrir-se tanto para o já conhecido
quanto para o inédito, para o novo, para o diferente. Por isso, o
exercício dialógico exige um abertismo pessoal, favorável à empatia
necessária entre os dialogantes.
Para que haja compreensão acerca do interlocutor do seu modo
de funcionamento íntimo é preciso reconhecer e identificar no outro os
aspectos inerentes à condição humana, mesmo que latentes e ainda
não manifestos, tanto nele quanto naquele que busca compreender.
No conflito, a incompreensão se dá pela perpetuação de
pensamentos, sentimentos e pressupostos. A idéia não é reprimir o
antagonismo, mas implementar esforços para suspender a ação e poder
observar a totalidade do processo.
Há muitos obstáculos à compreensão do outro, do sentido de suas
idéias e palavras, de sua visão de mundo, principalmente quando estes
se distanciam dos referenciais subjetivos de quem deseja compreender.
A polissemia das palavras, a multiplicidade de interpretações e o
84
desconhecimento dos valores socioculturais levam à incompreensão dos
princípios éticos e subjetivos alheios.
A negligência ou descaso com a incompreensão de si pode
agravar a incompreensão do outro. O reconhecimento da própria
complexidade e o esforço na identificação dos mecanismos pessoais de
funcionamento nas situações inesperadas ou do cotidiano, favorecem a
suspensão de idéias pré-concebidas e de premissas arbitrárias nas
existentes nas relações humanas.
É atitude antiética a redução da complexidade alheia e de sua
personalidade, múltipla por natureza62, a alguns poucos traços porque
se o foco é reduzido a um traço maduro haverá o desconhecimento das
imaturidades e se for reduzido ao traço imaturo haverá o
desconhecimento da maturidade da personalidade em questão. Em
ambos os casos haverá a incompreensão porque para compreender o
outro não deve haver reduções ante o seu complexo.
É a arte de viver que nos demanda, em primeiro lugar,
compreender de modo desinteressado63. Isso significa que é preciso
esforço no exercício de compreensão dos outros porque pode não haver
reciprocidades, tampouco, reconhecimento.
62 Morin (2000) 63 Ibid. p. 99.
85
Um exemplo é o esforço em compreender um fanático que nos
ameace de morte, mesmo sabendo que ele é incapaz de nos
compreender. Compreender as nuanças da vida que levam alguém a ter
tamanho desprezo pelo que nós representamos.
A ética da compreensão64 pede que se compreenda a
incompreensão, que se argumente e que se refute ao invés de
excomungar. Pede que se evite a condenação irremediável pelo
reconhecimento de nosso potencial de fraquezas e erros.
É uma ética que compreende e humaniza as relações
interpessoais porque é o modo do ‘bem pensar’, apreendendo o
complexo, a cosmovisão acerca do comportamento humano, inclusive
de si mesmo, através do auto-exame crítico e profilático, que evita a
posição de ‘juiz de todas as coisas’.
Se por um lado, há uma ética da compreensão, por outro, há uma
ética da aposta em relação à incerteza porque a boa intenção é
insuficiente ante a materialidade da ação, que após a sua ocorrência
encontra-se desatrelada da intenção que a motivou.
Isso quer dizer que a ocorrência de nossas ações provoca um jogo
de ações, reações e interações incertas, dentro do meio social no qual
64 Ibid. p. 99.
86
elas acontecem, podendo seguir em diversas direções e, até mesmo, no
sentido contrário à intenção inicial.
Não é possível ter a certeza que as boas intenções vão sempre
gerar boas ações e, a resposta a essa incerteza está tanto na aposta do
que é incerto quanto na estratégia que permite corrigir a ação quando
ela deriva por outro caminho.
Os efeitos não-intencionais nos mostram que pode haver
descompasso entre a intenção, a ação e o resultado imprevisto, logo,
reconhecer essa possibilidade demonstra a necessidade de não reduzir
as questões éticas às intenções das pessoas65, bem como entender que
há mecanismos complexos e interligados que interferem tanto nas
nossas ações quanto em nossas vidas.
Em função de nossa vida em sociedade, estamos sempre
inseridos e participando de diversos sistemas de normas. Esses
sistemas podem ser rejeitados ou aceitos, de modo que não há um
determinante imperativo de marcas e papéis que devem ser, em rigor,
atendidos por nós, a qualquer custo, apenas pelo fator social.
As normas são criadas por conta dos valores inerentes aquele
grupo social que as estabeleceu, logo, necessita de quem as ponha em
operação, seja no controle, na execução ou na divulgação das mesmas,
através dos dispositivos necessários. 65 Sung & Silva (2004)
87
Há duas grandes questões a serem pensadas, segundo Araújo
(2007): primeiro, entender como cada ser humano se apropria de
determinados valores e não de outros; segundo, entender como duas
ou mais pessoas podem viver em um mesmo ambiente e construírem
valores tão diferentes umas das outras.
Os valores não estão pré-determinados, tampouco, são simples
internalizações, porém, resultam da carga afetiva do indivíduo sobre os
seus mundos objetivo e subjetivo.
Os valores não vieram do nada66, foram construídos ao longo de
nossa vida e mantêm-se presentes no modo como nos relacionamos:
i) em relação à natureza (economia/desperdício de água,
preservação/desmatamento de florestas, lixo jogado no mundo/com
armazenamento seletivo, etc.);
ii) nos relacionamentos com os outros (respeito/exploração,
escutar o outro/ignorar o dito, reconhecer/negar, etc.);
iii) na relação consigo (respeito aos limites pessoais/auto-
exigência exacerbada, compromisso para consigo/auto-negligência,
etc.).
Se o processo de internalização dos valores socioculturais fosse
determinante teríamos uma sociedade com uma homogeneidade de
valores e comportamentos, o que está muito distante da realidade
66 Aguiar (2002)
88
observável, tanto no contexto de determinada sociedade quanto no
contexto planetário.
Os valores são construídos não apenas com base na projeção de
sentimentos positivos ou negativos que o sujeito tem sobre as coisas ou
pessoas, mas são resultantes das complexas experiências de vida67,
permeadas de sentimentos, reflexões e motivações.
Há dois tipos de valores no comportamento humano: primeiro, o
valor idealizado, aquele valor associado à coletividade e ao
sociocultural, ao que se espera que seja valorizado por nós e, em geral,
um valor moral ou ético; segundo, o valor real, aquele que é manifesto
e aparece em nosso comportamento, fruto do que realmente tem valor
em nossa vida, que pode ser ético, ou não, independente do que se
espera de nós. Essa distinção não impede que tenhamos valores reais
que também são os valores idealizados e vice-versa.
Isso não quer dizer que não seja possível haver mudanças no
sistema de valores em função de novos contextos ou experiências
vivenciadas, uma vez que a própria dinâmica da vida é permeada pelos
princípios da incerteza e da indeterminação.
Só se sabe e se reconhece o que é ser um ser humano sendo o
próprio ser humano. As experiências que esse estado proporciona é que
fazem com que eu possa ou não me identificar com o outro, que deixa
67 Araújo (2007)
89
de ser um objeto submetido à minha explicação porque compartilhamos
da condição humana.
Por isso, ao ver alguém chorar não quero, ao modo de Morin
(2004), o resultado da análise química de minhas lágrimas, quero
compreendê-lo porque sei que há um motivo para o choro, a partir de
minha própria capacidade de chorar.
Uma ética possível estrutura-se nas relações de intersubjetividade
entre os sujeitos implicados, de modo que haja o desenvolvimento da
compreensão de si e do outro, pois, meu ser existe em cada ser e eu
existo no outro, bem como o outro existe em mim68.
Isso não significa uma perda de identidade ou exercício de
adaptação, mas uma ruptura no narcisismo que permite ver o outro
independente de si mesmo, reconhecendo e compreendendo, ao mesmo
tempo, no outro a própria condição humana.
No exercício de intersubjetividade pode haver um problema de
auto-referência quando entendemos a partir de um entendimento
próprio, sendo muitas vezes um desafio reconhecer, com sinceridade, o
outro, porque de um lugar próprio, instituído por nós, parte um olhar
tomado como o ‘verdadeiro’ e não como um entre tantos olhares
possíveis.
68 Aricó (2001, p. 129)
90
Todas as vezes que os interesses pessoais de um membro de
determinada organização divergem dos interesses coletivos estabelece-
se um conflito. Logo, se não houvesse o conflito não haveria
necessidade de se questionar sobre o que se deve fazer ou não em
relação aos demais e à instituição - simplesmente, se buscaria a
satisfação dos próprios interesses, ignorando a coletividade.
Não vivemos isolados. Temos necessidades cognitivas, afetivas e
materiais que nos impulsionam à coletividade, uma vez que não nos é
possível pensar, sentir ou produzir todas as coisas que necessitamos.
Por conta disso, torna-se imperativo a necessidade de
convivência e o estabelecimento de relações nas quais os interesses não
podem ser absolutizados, pois isso seria negar os direitos dos outros e,
ao mesmo tempo, desconhecer que necessitamos viver em grupos
sociais.
A implicação ética é o movimento em busca da compreensão de si
e dos outros, no exercício da solidariedade frente à adversidade, em
uma convivialidade que limita e realiza, ao mesmo tempo, porque o
outro reflete, tanto quanto nós, a condição humana e, por isso, é
preciso, muitas vezes, encontrar o bem comum ou o máximo de bem
possível nas relações humanas entre si e com o meio.
Uma ética imanente não implica em uma convivência igualitária,
mas em uma convivência possível no mundo. Há diferentes níveis de
91
cosmovisão nos diversos contextos sociais porque as culturas são
incompletas e geram a incompreensão daquilo que não é inerente a
elas. Por isso, é preciso um novo olhar sobre a incompreensão que
precisa contemplar a própria incompreensão.
Na convivência, como lidar com os desafios éticos e
epistemológicos da intersubjetividade, se a subjetividade se apresenta
como algo contraditório?
É possível compreender que o ser humano possui múltiplas
facetas, podendo apresentá-las em dependência à articulação de
sentidos subjetivos constituídos na sua história de vida e momentos
relacionais atuais de sua ação como sujeito69.
São as experiências vividas que vão constituindo os sentidos
consolidados na própria subjetividade. Os momentos relacionais podem
transformar esses sentidos subjetivos ou retroalimentá-los, fazendo-os
permanecer válidos.
Os sentidos subjetivos representam complexas combinações entre
sentidos de distintas esferas e momentos de nossa vida. Reorganizam-
se continuamente em uma subjetividade social70, atravessada de modo
permanente por subjetividades individuais, de caráter sistêmico
singular. Por isso, as subjetividades individuais podem gerar novos
69 Martinez (2005, p. 17) 70 González Rey (2005, p. 41)
92
sentidos, transformando o espaço social em que a ação do sujeito
acontece.
A interação de subjetividades ou o exercício da intersubjetividade
permite a integração de vários modos de ver, sentir, pensar e agir no
mundo. O entrelaçamento e os desdobramentos de sentidos múltiplos
se estabelecem em um fluir na subjetividade71, o qual não possui regras
universais para que possa ocorrer.
O sentido subjetivo permite uma representação não-reducionista
e complexa da subjetividade. Possui uma infinita versatilidade e
mudança permanente por meio da integração com outras configurações
subjetivas. Também mantém uma relação recursiva com a
multiplicidade de configurações anteriores, em vários cenários de
diferentes práticas do sujeito.
Por sua singularidade, o sentido subjetivo possui a incapacidade
de redução a um padrão universal e qualquer generalização é
puramente teórica. Constitui-se como produção sistêmica da
subjetividade implicada diretamente com a experiência do sujeito,
explicitando a sua multirreferencialidade.
Em um cenário de pesquisa pode-se contemplar a interação de
subjetividades, onde o diálogo é o instrumento que oportuniza a
71 González Rey (2005, p. 44)
93
subjetivação, com multiplicidade de estratégias dialógicas que
possibilitem a expressão dos sujeitos
O exercício dialógico possibilita o fluir dos sentidos e favorece as
reflexões acerca de si, dos outros e das coisas. O compartilhar de
sentidos contribui para a configuração de novos sentidos sobre a
própria condição de ser e estar no mundo.
As histórias de vida e seus diferentes cenários são fontes da
subjetividade social e nos ajudam a compreender que o sentido
subjetivo é uma produção histórica que sempre estará diretamente
relacionada à dimensão subjetiva de alguém que possui sentidos
anteriores, ou seja, o sentido subjetivo só existe na expressão plena e
não absoluta do sujeito.
O compartilhar dessas histórias de vida no exercício dialógico
pode contribuir para o reconhecimento da dimensão subjetiva e da
produção histórica dos sentidos que atribuímos às coisas, favorecendo a
percepção de si no reflexo das múltiplas facetas humanas que os
demais dialogantes ilustram.
O fluir de subjetividades no diálogo e no compartilhar das
histórias de vida, podem favorecer o entrelaçamento e os
desdobramentos de sentidos múltiplos e o reconhecimento de valores,
da necessidade de normas de convivência e de uma ética da
compreensão que nos ajude também a compreender a incompreensão.
94
Diálogo e Histórias de Vida: exercício ético consigo e com o mundo
You must be the change that you wish to see in the world.
Mahatma Gandhi
95
O pensamento desarticulado e desconexo acerca das
interfluências existentes no desenvolvimento do trabalho pedagógico,
percebido durante a realização do mestrado72, contribuiu para a
permanência de uma questão: se existem pesquisas sobre a síndrome
de burnout há algum tempo, por que ainda não se utilizam medidas
precisas de intervenção e/ou prevenção a fim de evitá-la?
A hipótese para essa questão pode estar no fato de que o
problema existente não tem sido considerado, ou seja, os sintomas são
banalizados, já que não apresentam conseqüências drásticas, como por
exemplo, ferimentos físicos graves ou a morte prematura. Há um
equívoco quanto aos riscos, pois os profissionais em burnout ‘morrem
um pouco a cada dia’, quando suas vidas se esvaem no correr das
horas de seu trabalho diário.
Outro aspecto da fragmentação do pensamento é a concepção
tayloriana do trabalho na qual o ser humano é mais uma peça na
engrenagem de uma produção. Não diferente dessa concepção, o
professor é tido como uma peça fundamental do processo educativo.
Um professor doente é uma peça defeituosa que pára a máquina
ou compromete o andamento da produção, fazendo emergir a seguinte
questão: O que fazer com os seus alunos? Ou, ainda, a afirmação 72 Salgues (2004)
96
descabida: o professor não pode adoecer porque isso traz um problema
para o bom andamento da escola.
Nesses espaços de intensas inter-relações em que estão
presentes os educadores e os educandos não se pode ter um olhar
unidirecional, fragmentado e isolacionista acerca do trabalhador
educador (professor, coordenador, gestor ou funcionário),
desconsiderando uma abordagem mais ampla deste, enquanto ser
humano portador de aspectos biológicos, afetivo-emocionais e
psicológicos de adaptação e desenvolvimento do trabalho.
Existe uma estrutura do pensamento fragmentado que gera ações
ineficazes, pela abordagem reducionista que desenvolve. Um exemplo é
o caso hospitalar de tratamento com antibióticos para infecções por
estafilococos que podem apresentar uma boa resposta e melhoria do
paciente e, a seguir, perceber-se a resistência da bactéria à medicação.
No pensamento linear a solução é simples: para estafilococos
resistentes, antibióticos mais potentes73.
Ao pensar de modo linear procuramos a solução com o mesmo
modelo mental que criou o problema, recorrendo a decisões simplistas,
mantendo o problema não resolvido, apenas adiado, por
desconsiderarmos os múltiplos fatores envolvidos, como no exemplo
das infecções hospitalares.
73 Mariotti (2002)
97
Por isso, é necessário adotar um modelo mental complexo que
questiona a estrutura reducionista e ‘viciada’ que temos e que dá
origem a um pensamento desarticulado, condicionado e restrito, sem
expandir o próprio potencial do exercício de pensar.
Pensamos e construímos o mundo através de um sistema de
pensamento que pode ser cristalizado, evitando mudanças na forma de
pensar, ou ser aberto, livre, para pensar sobre si, permitindo
ampliações e transformações até mesmo radicais.
Para pensar o ser humano como um pensador complexo, é
preciso considerar os seus aspectos cognitivos, históricos, biológicos,
afetivo-emocionais, psicológicos e político-sociais; é preciso mudar a
forma de pensar, sentir, falar e agir em relação ao mesmo.
Para que ocorra uma mudança no modo de lidar com o outro é
preciso mudar a forma de pensar, sentir e agir em relação a si mesmo,
buscando compreender os nossos sentimentos diante do sofrimento e
da doença para, a posteriori, exercitarmos o pensar de diferentes
pontos de vista, como por exemplo, no contexto escolar, pensar de
diferentes posições: dos demais educadores da escola, do professor
doente, dos alunos e dos familiares.
Pôr em prática o exercício de diferentes pontos de vista
compartilhados pode contribuir para uma mudança ampla e profunda, o
que não significa deter-se a iniciativas superficiais, mas buscar
98
compreender e lidar com a adversidade, praticando a proposta de
renovação para que as boas intenções não caiam no vazio.
O esforço em compreender os outros para conseguirmos viver
juntos implica em dois aspectos essenciais: no aprendizado do
acolhimento ao que é diferente e no desenvolvimento da auto-
educação. Acolher é educar e o acolhimento é, pois, um processo
pedagógico74.
Somos seres sociais e necessitamos aprender a aceitar uns aos
outros e as diferenças inevitáveis que possuímos. Esse processo de
auto-educação implica no educar emocional e mental, educando as
próprias emoções com a utilização da capacidade de reflexão e de um
pensar livre, sem formatações, que busca compreender.
Podemos ser acolhedores sem sermos coniventes com as coisas
que discordamos, sem que nos sintamos agredidos pelas diferenças,
sem que anulemos a nossa criticidade. Acolher é trazer o outro para
pensar junto e junto expandirem os horizontes cognitivos rumo à
compreensão.
A manutenção de uma formatação mental dificulta a nossa
percepção de diversidade e da complexidade do mundo, pois isso
significa aprisionar as capacidades de perceber e compreender, além de
nutrir posturas imaturas, tais como, imediatismo, narcisismo, 74 Mariotti (2002)
99
isolacionismo e insensibilidade social de modo a dificultar a
comunicabilidade entre diferentes instâncias.
A estrutura do pensamento cultivada no desenvolvimento desse
trabalho foi pautada no esforço de um pensar complexo por entender
que essa é uma escolha que minimiza posturas antiéticas,
preconceituosas, reducionistas e limitantes em relação a si e aos outros.
O investimento na suspensão (relativa) de meus pressupostos
iniciou-se durante o mestrado e influenciou toda a proposta e
construção de pesquisa do doutorado. Em todos os momentos foi
preciso flexibilizar o pensamento para diversificar novas maneiras de
observar, registrar, analisar e ampliar o espectro de reflexões.
No mestrado, não havia o intuito de estudar as histórias de vida
das educadoras participantes, porém, a dinâmica fundamentada no ato
dialógico proporcionou no grupo um fluxo catártico repleto de
sentimentos, emoções, idéias, recordações e reflexões críticas acerca
das singularidades das próprias trajetórias profissionais dos envolvidos.
Dessa experiência nasceu o interesse em aprofundar os estudos
voltados à pesquisa autobiográfica e às dificuldades de engajamento
profissional; ao sofrimento e necessidade de implicação ética para
consigo e com os outros; e, às possíveis potencialidades ‘curativas’ da
dialógica da compreensão e do acolhimento frente aos sintomas do
burnout.
100
Na construção investigativa do trabalho doutoral, optei pela
aposta no falar de si no processo autoformativo proporcionado pela
reflexão dos educadores sobre si mesmos, a partir das evocações e
narrativas das trajetórias profissionais, compartilhadas entre eles pelo
diálogo.
Apostou-se no diálogo e nas evocações das histórias de vida como
estratégias para se pensar um pensamento mais complexo e menos
fragmentado sobre si, sobre os outros e sobre o fazer profissional e
trabalho pedagógico; na possível ampliação da compreensão acerca das
nuances autoformadoras oriundas das próprias experiências, sucessos e
dificuldades vivenciadas por si mesmo ou pelos seus interlocutores.
A aquisição da linguagem nos proporcionou a ampliação gradativa
da práxis individual e coletiva porque a palavra nos abriu o caminho do
diálogo e da comunicação intersubjetiva na qual nos reafirmamos, ao
mesmo tempo em que relativizamos os nossos pontos de vista e
afirmamos e transformamos o mundo.
O ato dialógico75 enquanto fenômeno humano se desenvolve pela
palavra, sendo o meio para que ele se faça. A palavra contempla as
dimensões da ação e da reflexão e, não há palavra que não seja práxis,
pois, sendo ela apenas teórica não traz em si o potencial de
transformação da realidade.
75 Freire (1983)
101
O diálogo é oportunidade de vivenciar o direito de dizer a palavra,
de ser mediatizado pelo mundo e, ao mesmo tempo, poder pronunciá-
lo, porque existir, humanamente, é pronunciar o mundo, é modificá-lo.
O mundo pronunciado, por sua vez, se volta problematizado aos
sujeitos pronunciantes, a exigir deles novo pronunciar76.
O exercício dialógico constitui ato de criação e recriação do mundo
e não apenas um despejo ou imposição de idéias de um dialogante
sobre outro e, por isso, se impõe como caminho no qual o ser humano
adquire a significação de humano - pensador complexo, com aspectos
cognitivos, históricos, biológicos, afetivo-emocionais, psicológicos e
político-sociais.
Para que o diálogo possa acontecer não basta que os
interlocutores se conheçam. É preciso que cada dialogante busque
compreender o outro, através da escuta sensível, evitando
interpretações, idéias preconcebidas.
Na interlocução é preciso deixar-se surpreender pelo outro, pela
sua pronúncia de si e do mundo; estar aberto, acolher para que a fala
autêntica possa fluir; ter despojamento pessoal e respeito ao olhar
singular e, ao mesmo tempo, plural, daquele que se comunica.
Não há diálogo se não há o sentimento de amor ao mundo e aos
homens porque nós, seres humanos, nos originamos no amor e dele 76 Ibid., p. 92.
102
somos dependentes77 e tudo o que queremos é sermos aceitos, uma
vez que é o amor o sentimento que embasa a vida humana social e,
quando negado causa sofrimento.
Além do amor, importa a humildade daquele que dialoga78 porque
a sua pronúncia do mundo não pode ser um ato arrogante, nem sua
postura é restrita, presunçosa ou seletiva. Essa atitude não acolhe,
apenas afasta os outros e impede o acolhimento e empatia necessária
para o exercício da compreensão.
Não pode haver diálogo sem o pensar complexo que nos ajuda a
estarmos abertos às contribuições dos outros, se não reconhecermos
nossa insuficiência diante do mundo, bem como sem o esforço de
desfrutarmos de nossa criticidade e da capacidade de criar e
transformar a realidade.
O diálogo como valor essencial para a educação é uma estratégia
que possibilita a comunicação entre educadores e educandos e que se
amplia conforme o número de participantes. No seu desenvolvimento, é
preciso entender o significado que ele tem para cada dialogante.
A atividade dialógica existe a partir de uma rede de trocas
parciais, contínuas ou sucessivas entre as pessoas, se desenrola no
tempo e possui fases em que progride ou regride a sua intensidade.
77 Maturana (2002) 78 Freire (1983)
103
Para que o diálogo aconteça é preciso que cada dialogante aceite a
diversidade como algo legítimo, que o seu interlocutor tem o direito de
ter uma posição própria e diferente da sua e que poderá expô-la sem
constrangimentos, o que não impede a existência de aspectos em
comum entre ambos.
Todo candidato ao diálogo precisa aceitar a verdadeira natureza
deste, admitindo que, no processo dialógico, os pontos de vistas são
flexíveis e podem ocorrer mudanças de crenças, julgamentos, opiniões
e conclusões, porque o diálogo põe em xeque todos os participantes79 e
os mesmos necessitam de um engajamento pessoal que comporta
riscos, como por exemplo, de perder preconceitos, sendo o verdadeiro
diálogo, um sinal e prova de maturidade.
Abrir-nos ao outro é desvelar-nos a nós mesmos, ou seja,
recebemos o que estamos prontos para dar porque cada um de nós
desenvolve um diálogo com o outro ao mesmo tempo em que dialoga
consigo, no diálogo interior com a própria complexidade, revendo o
conhecimento que tem de si e do outro.
Nessa dimensão dialógica as formulações e verbalizações
interiores são oriundas das mediações de conflitos, de valores, das
tensões entre o ideal e a realidade, o necessário e o impossível, através
79 Lepargneur (1971)
104
das oportunidades contestáveis, das escolhas apressadas, mas
inevitáveis80.
Dentre as mediações que permeiam a interlocução está o dialogar
consigo mesmo, ou seja, o diálogo consciente ou inconsciente com os
diversos grupos ou comunidades dos quais fazemos parte, o que não
significa que, em função do diálogo interno, não seja mais necessário
dialogar com o mundo, muito pelo contrário, os diálogos internos e
externos nutrem-se mutuamente.
Não nos damos conta da rede de interconexões e interações
inerentes à totalidade do que somos e do mundo em si, em função da
incompreensão e desconhecimento dos seus elementos constitutivos.
Apesar disto, buscamos dimensões significativo-existenciais que
propiciem o reconhecimento e compreensão das interações entre as
partes, nos inserindo numa forma mais crítica de pensar o mundo.
Quanto mais assumirmos uma postura ativa na investigação de
uma temática dialógica, compartilhando múltiplos olhares acerca do
tema, mais poderemos aprofundar a nossa tomada de consciência em
torno da realidade em discussão.
Ao explicitar a temática significativa nos apropriamos dela, apesar
da possível opinião discordante daqueles que consideram que um tema
de investigação existe apenas de forma objetiva e externa aos homens, 80 Ibid., p. 254.
105
ignorando que os temas existem, nos mesmos e nas suas relações com
o mundo81.
Não podemos investigar o pensar dos outros se não pensamos e
não podemos pensar pelos outros nem para os outros, nem sem os
outros82, porque o processo investigativo acerca do pensamento de
alguém não pode ser feito sem o mesmo, mas com ele, como sujeito de
seu pensar.
Ao pensarmos juntos, juntos nós nos educamos, porque é
pensando e discutindo o próprio pensar, a sua visão de mundo, que há
a superação, não pelo consumo de idéias, mas, pela produção e
transformação de idéias na ação e no diálogo.
A plenitude da práxis só é possível pela criticidade, ou seja, se a
nossa ação for permeada de uma crítica reflexiva que organize o
pensamento em um ato dialógico e nos leve a superar um
conhecimento ingênuo e simplista da realidade, libertando-nos,
fazendo-nos desenvolver um pensar complexo - o diálogo, como
encontro dos homens para a “pronúncia” do mundo, é uma condição
fundamental para a sua real humanização83.
Nos encontros que o diálogo possibilita, o ato dialógico é, muitas
vezes, um ato de narrar de si e do mundo, que delineia a própria
81 Freire (1983) 82 Freire (1983) 83 Ibid. , p. 160.
106
história de vida e nos torna narradores capazes de se dizer no mundo,
singulares e plurais ao mesmo tempo.
Compreender a complexidade que nos torna plurais e singulares
ao mesmo tempo, implica em um esforço, enquanto pesquisadora, de
manter ao máximo a estrutura de um pensamento complexo e ético que
contribui para a manutenção da fidelidade e respeito às narrativas
suscitadas nas pesquisas autobiográficas.
O pensar complexo auxilia no desenvolvimento de uma
sensibilidade para perceber as imaginações e distorções que configuram
na narrativa humana quanto uma atenção à materialidade de um
mundo de histórias. Para tanto, Bauer & Jovchelovitch (2002, p. 110)
enunciam algumas proposições necessárias:
• A narrativa privilegia a realidade do que é experienciado
pelos contadores de histórias: a realidade de uma narrativa
refere-se ao que é real para o contador de histórias;
• As narrativas não copiam a realidade do mundo fora delas:
elas propõem representações/interpretações particulares do
mundo;
• As narrativas não estão abertas à comprovação e não
podem ser simplesmente julgadas como verdadeiras ou falsas:
elas expressam a ‘verdade’ de um ponto de vista, de uma
situação específica no tempo e no espaço;
• As narrativas estão sempre inseridas no contexto sócio-
histórico. Uma voz específica em uma narrativa somente pode ser
107
compreendida em relação a um contexto mais amplo: nenhuma
narrativa pode ser formulada sem tal sistema de referentes.
A partir dessas proposições, convidei a todos os participantes a
evocarem situações pretéritas significativas na existência e trajetória
profissional, que se fizeram presentes ao serem narradas e
compartilhadas, de modo a contribuir para a compreensão de si e do
outro, bem como para a adoção de uma nova postura, também crítica,
capaz de refazer a compreensão da realidade e transformá-la.
Nos encontros, cada participante ouvinte não se limitava apenas a
ouvir os demais, eles assumiam uma posição ativa, crítica e
problematizadora acerca da situação existencial exposta: pretérita,
presente ou futura.
Buscou-se auxiliar o narrador na identificação de soluções
individuais ou coletivas construídas no seu processo de catarse, ao
longo de todo exercício dialógico, fazendo aflorar lembranças, idéias e
sentimentos sobre si mesmo, os outros e o mundo, ampliando a
compreensão destes.
A co-laboração84 é uma característica essencial da ação dialógica
entre os interlocutores, para que haja intercomunicação e que a mesma
não se conduza ao vazio ou a dominação de um sobre o outro. Os
sujeitos dialógicos se voltam para a realidade mediatizadora que
84 Freire (1983)
108
problematiza e os desafia a cooperarem na análise crítica sobre a
realidade do problema e na ação conjunta que a transforma.
Na atividade dialógica da ação, agregam-se sujeitos que não se
justapõem, mas, que se organizam de modo a negar qualquer
autoritarismo e, ao fazê-lo, afirmam a autoridade e liberdade,
reconhecendo que ambos existem, um em função do outro, uma vez
que, a autoridade autêntica está na liberdade, portanto, a organização
não pode ser autoritária nem licenciosa.
Somente na medida em que os homens criam o seu mundo, que é
o mundo humano, e o criam com seu trabalho transformador – se
realizam85. Se a realização no mundo encontra-se entrelaçada à
atividade labutar do homem, não pode haver realização para ele se o
seu trabalho não lhe pertence, se ele se encontra oprimido, se não há o
fazer criativo e livre.
Para que uma vivência relatada pelo autor da narrativa se torne
uma experiência significativa86 de sua aprendizagem e possa ser
considerada uma experiência formadora, é necessário que ela tenha
provocado uma implicação em quem a vivenciou, em sua globalidade de
ser psicossomático e sociocultural.
85 Ibid., p. 169. 86 Josso (2004, p. 47),
109
Ao falar das próprias experiências o autor da narrativa fala de si
mesmo, das posturas, atitudes, comportamentos, pensamentos e
sentimentos que caracterizam a sua subjetividade e explicitam o valor
atribuído ao que foi vivenciado.
Cada autor de narrativa escolhe e evoca por si mesmo os
momentos considerados ‘momentos-charneira’87, denominados desse
modo porque são os momentos privilegiados das narrativas que foram
significativos e levaram a uma reorientação na maneira de pensar,
sentir e agir sobre si mesmo e sobre o ambiente.
Esses momentos podem estar articulados às situações de
conflito e/ou mudanças sociais e/ou relações humanas intensas e/ou
acontecimentos sócio-culturais (familiares, profissionais, políticos,
econômicos) capazes de promover novos pensamentos, sentimentos e
ações em quem os vivenciou.
No processo de evocação o autor da narrativa desenvolve uma
espécie de diálogo interior que possibilita o acesso aos fragmentos da
memória em forma de recordações pretéritas, distantes no tempo e
presentes na intensidade de idéias e sentimentos que afloraram e
confirmaram a relevância íntima atribuída, ainda que de modo
inconsciente, às situações vivenciadas.
87 Charneira significa dobradiça. Os Momentos ou acontecimentos charneira são aqueles que representam uma marca ou transição; acontecimento que separa e articula etapas de vida. JOSSO, (2004, p. 64)
110
O conhecimento de si mesmo através das narrativas, segundo
Josso (2004), não se restringe em compreender o modo pelo qual nos
formamos através de um conjunto de experiências, mas ter consciência
de si como sujeito capaz de transformar-se.
As transformações surgem a partir das reflexões compartilhadas
acerca do próprio itinerário de vida, em um movimento espiral auto-
reflexivo, auto-interpretativo e de tomada de consciência sobre a
relatividade social, histórica e cultural entre as situações pretéritas
evocadas e o momento de evocação.
A abordagem de Histórias de Vida convoca o autor da narrativa e
sujeito da formação a reconhecer-se como tal, assumindo sua parcela
de responsabilidade no processo formativo, colocando-o numa nova
relação consigo mesmo e com os outros.
As pesquisas com histórias de vidas desenvolvidas nas áreas de
ciências sociais aparecem com terminologias diferentes em função de
aspectos metodológicos distintos, mas, como enfatiza Souza (2006),
constituintes da abordagem biográfica em que se utilizam fontes orais,
na perspectiva da História Oral.
Já na área de educação vem se adotando a história de vida
voltada ao método autobiográfico e as narrativas formativas tanto nos
processos de investigação quanto nos de formação inicial ou
111
continuada, em pesquisas centradas nas memórias e autobiografias de
educadores.
A utilização das histórias de vida em diferentes áreas das ciências
humanas e da formação consiste na interação de seus princípios
epistemológicos e metodológicos a outra lógica formativa para o adulto,
a partir dos saberes tácitos ou experienciais e da revelação das
aprendizagens construídas ao longo da vida como uma metacognição ou
metarreflexão do conhecimento de si88.
Para Passeggi (2006-a), a formação através de práticas
autobiográficas, coloca em evidência e foco a pessoa do professor e a
sua experiência profissional e rompe com a tradicional transmissão de
conhecimentos, sem recusa de saberes, pelo entrelaçamento das
dimensões (auto) avaliativa e (auto) formadora que possibilita a
transformação de si mesmo.
A originalidade metodológica da pesquisa-formação utilizada nas
histórias de vida, segundo Josso (2004, p. 25), está na preocupação de
que os autores das narrativas consigam atingir uma produção de
conhecimentos que tenham sentido para eles e que eles próprios se
inscrevam num projeto de conhecimento que os institua como sujeitos.
A formação profissional em educação tem se desenvolvido com
foco central na qualificação do fazer educacional, ignorando, muitas 88 Souza ( 2006, p. 25)
112
vezes, o desenvolvimento pessoal, confundindo “formar” e “formar-
se”89, não compreendendo que a lógica da atividade educativa nem
sempre coincide com as dinâmicas próprias da formação.
Por esse motivo não é possível promover a formação para o
outro, formar o outro, mudar seus hábitos, seu jeito de ser e estar no
mundo. Formação é co-produção, cooperação na qual se aprende a
formar-se e a participar da formação do outro, logo, por maior que seja
o acúmulo de conhecimentos e aplicação de técnicas, eles não são por
si só suficientes para produzir mudanças e renovações no âmbito
profissional de alguém.
No desenvolvimento profissional dos professores falta ‘a voz do
professor’90, pois nos encontros de qualificação docente se dá mais
importância à prática, dizendo ao professor como fazer, sem criar
condições para ouvir os profissionais aos quais se destinam os
encontros, possibilitando-os tornarem-se investigadores da própria
prática.
O processo de formação precisa pautar-se em uma perspectiva
crítico-reflexiva que promova o desenvolvimento de um pensamento
autônomo e complexo que favoreça a autoformação91, o que implica em
um investimento pessoal em prol de um trabalho livre e criativo na
89 Nóvoa (1995-a, p.25) 90 Goodson (1995) 91 Nóvoa (1995-a)
113
realização dos percursos e projetos próprios que corrobore com a
construção de uma identidade que é, ao mesmo tempo, pessoal e
profissional.
A identidade não é um dado adquirido, não é uma propriedade,
não é um produto. A identidade é um lugar de lutas e de conflitos, é um
espaço de construção de maneiras de ser e estar na profissão... que
caracteriza a maneira como cada um se sente e se diz professor
(Nóvoa, 1995-b, p.16).
A construção e a reconstrução de identidade passam sempre por
um processo complexo no qual cada um se apropria do sentido da sua
história pessoal e profissional. É um processo que necessita de tempo
para refazer identidades, para acomodar inovações, para assimilar as
mudanças. Passa, também, pela capacidade de se exercer com
autonomia as atividades profissionais e de nutrir o sentimento de que
se pode ter o controle do próprio trabalho.
A pesquisa autobiográfica, através da observação e análise de
situações narradas, revela conexões entre experiências construídas ao
longo da vida e a formação pessoal e profissional92, enquanto processo
potencialmente fértil de transformações no pensar, sentir e agir.
Na narrativa inscreve-se uma subjetividade que se reestrutura
através da evocação, reflexão, construção de associações, 92 Souza (2005)
114
estabelecimento de novos sentidos e significados, individuais e
coletivos, e o investimento daquele que narra e escreve sobre si, sobre
a sua história de vida e de formação, a qual constrói sobre si mesmo.
A escrita da narrativa de formação permite diferentes entradas sobre a constituição da identidade docente, do desenvolvimento pessoal e profissional e formas de compreender a cultura escolar. A identidade profissional demarca-se como um processo constante e contínuo, articula-se a diferentes tempos e espaços, implica-se com as experiências e aprendizagens construídas ao longo da vida e perpassa o tempo de formação inicial e de aprendizagem institucionalizada da profissão. (SOUZA, 2005, p. 71).
Optar pela pesquisa autobiográfica implica que a formação do
formador não se dê fora da prática, ou seja, exige que haja uma
reflexão permanente sobre a experiência formadora93.
Torna-se necessário que os formadores vivenciem a evocação e
escrita de sua narrativa autobiográfica para que lhe seja possível
compreender as dificuldades daquele que narra e compartilha a sua
história de vida. Por isso, apresento a(o) leitor(a) a minha experiência
de escrita autobiográfica.
93 Passeggi (2006)
115
Minha Escrita Autobiográfica:
busca do significado de ser amada e compreendida
Eu havia participado de ateliês sobre História de Vida e Formação,
a partir do qual pude escrever o recorte da minha autobiografia
referente à minha trajetória profissional, a partir do início de minha vida
escolar, como relato, a seguir.
Meu primeiro contato com a escola foi muito prazeroso e familiar,
um processo tão natural que eu percebia a escola como uma extensão
da minha vida. A minha primeira professora foi minha mãe e em função
da minha insistência em acompanhá-la, passei dois anos no Jardim da
Infância até ter idade para ir para a primeira série do curso primário.
Havia uma única turma e hoje eu percebo o quanto minha mãe
era ousada para a época. Lembro das peças teatrais, das festas juninas
e da dedicação primorosa nas festas de formatura repletas de glamour,
valsa, discurso e juramento. Meu pai era sempre um dos ilustres
convidados que entregava o diploma aos formandos.
Na minha formatura de alfabetização eu fui a oradora da turma e
ainda me lembro do meu discurso, decorado com todo afinco:
“Adeus aos meus queridos companheiros.
Saudades das queridas professoras.
Hoje, saio daqui feliz porque fui amada e compreendidaamada e compreendidaamada e compreendidaamada e compreendida.
Triste por deixar aqui, o meu mundo de cor, beleza e amor”.
116
Por volta dos 12 anos de idade, tive a minha experiência docente,
além do brincar de escola, quando comecei a dar aulas de reforço no
terraço de minha casa e ouvia elogios sobre o meu jeito de ensinar.
Aos 14 anos de idade, na oitava série do Primeiro Grau o que
corresponde, hoje, ao nono ano do Ensino Fundamental, segui às
orientações de minha mãe e fui fazer o curso Magistério, para ter uma
profissão antes mesmo de concluir o curso superior.
Fui fazer o curso de Magistério com muitos conflitos porque não
sabia se realmente eu queria ser professora. Minha mãe cursou
Psicologia e já não ensinava mais. Sempre a escutei reclamar do salário
embora gostasse muito do que fazia.
No colégio, estudávamos em uma mesma sala, as alunas de
magistério e as alunas do científico e nos separávamos nas aulas
específicas de cada profissionalizante, me fazendo ausentar de aulas
importantes, como por exemplo, Física e Química, necessárias para
prestar o vestibular.
Eu queria fazer curso superior e alguns professores comentavam
que algumas alunas do Magistério faziam essa opção por não gostarem
de estudar e, no geral, tinham dificuldades em Matemática. Eu percebi
que gostava dessa disciplina e tinha facilidade para aprendê-la. Então,
pedi aos meus pais para sair do Magistério e passar para o Científico
117
porque queria fazer faculdade. No ano seguinte, mudei de escola
porque o meu foco passou a ser a área de ciências exatas.
Prestei vestibular para a UFPE – Universidade Federal de
Pernambuco e fui aprovada no curso de Engenharia Civil. Atuei como
engenheira projetista de estradas e depois como analista de sistemas,
durante os cinco anos seguintes à formatura.
Já casada e com uma filha, mudo para Natal e faço pós-graduação
em Engenharia de Sistemas na UFRN. Durante a especialização, começo
a visitar as várias escolas existentes na cidade, ao mesmo tempo em
que leio sobre educação e desenvolvimento infantil.
Começou a vida escolar de minha filha. Eu a deixava na escola e
ia para a universidade para depois voltar para a escola, quando ficava
observando aquele mundo de cor, beleza e amor de minha infância,
torcendo para que Mirella fosse amada e compreendida.
Comecei a lembrar dos detalhes do curto período em que cursei o
Magistério, sem saber explicar para mim o que havia acontecido. A
partir do que estava vivenciando, eu tomei a decisão de ser professora.
Hoje penso que pode ter sido um desejo inconsciente de ser a
professora de minha filha, de acompanhá-la nesse início de vida escolar
que me levou a tomar essa decisão tão acertada para minha realização
profissional.
118
Decidida, prestei vestibular para Pedagogia e antes de concluir fui
aprovada no concurso municipal para a rede de ensino em Natal, mas
não pude assumir porque não havia colado grau. Entrei com um
processo na justiça e comecei a trabalhar. Cinco anos depois, ganhei a
causa e hoje sou professora efetiva da rede municipal de Natal.
Antes mesmo de assumir no município, participei de uma
seleção para uma escola da rede privada para trabalhar com a turma de
crianças da segunda série do ensino fundamental, hoje, terceiro ano de
escolaridade. Nessa escola particular, havia um planejamento semanal
coletivo, com o envolvimento de todas as turmas em projetos gerais.
Em paralelo, ao assumir na rede municipal, fui encaminhada
para o bairro Guarapes. Eu não fazia a menor idéia de como chegar lá.
Havia algo de belo e de feio naquela realidade que me esperava. Esse
bairro é limítrofe da cidade, fronteiriço com o município de Macaíba.
Fica localizado entre o rio e as dunas. O percurso até lá é de grande
beleza. O descaso, na época, com aquela localidade era tamanho.
Um exemplo de descaso é a ausência de telefones em Guarapes,
na época, seja fixo ou cobertura para celular. Ficávamos meio isolados,
até que um dia a denúncia chegou à mídia, justo no momento que o
Ministro das Telecomunicações era entrevistado e ao ser comunicado de
tal situação ele questionou o repórter se o bairro ficava em uma ilha,
119
fato que impossibilitaria a chegada da fiação, o que virou piada na
ocasião.
Fui trabalhar em uma escola que não tinha salas para a Educação
Infantil porque o anexo estava sendo reformado para transformar-se
em Centro Municipal de Educação Infantil. Eu e outra professora
organizamos uma parte do espaço do corredor da escola com cordas
que indicavam os limites da suposta sala, paredes invisíveis, para as
crianças de duas turmas. As paredes imaginárias funcionavam como
uma brincadeira temporária, porque muitas das crianças adoravam
romper os limites e sair saltitando corredor a fora.
Além disso, o tempo todo, a ‘nossa sala’ era atravessada por
alunos de uma turma do Ensino Fundamental e pelos usuários da
biblioteca, uma vez que as portas dessas duas salas ficavam ao final do
corredor. Poucos minutos de atenção era o máximo que as crianças
conseguiam manter nas atividades que desenvolvíamos porque havia
muito movimento.
Muitas vezes, preferíamos levar as crianças para a área externa.
Não havia parque infantil nem brinquedos. Compramos bolas coloridas
que eram utilizadas por nós em várias atividades com as crianças, seja
para o desenvolvimento lógico-matemático, da linguagem ou
inteligência espacial. As bolas se tornaram grandes recursos
pedagógicos que possibilitaram a aprendizagem pelo lúdico.
120
Vivenciei dificuldades nos momentos de elaboração e execução do
planejamento pedagógico integrado, em função de minha inexperiência,
na época, com Educação Infantil, acrescidas da inexperiência e/ou falta
de interesse da coordenação pedagógica em compartilhar as
dificuldades profissionais, comigo e com outra professora que também
atuava nesta etapa de ensino.
Procurei ajuda na Secretaria Municipal de Educação de Natal –
SME, quando soube que a equipe do setor de Educação Infantil
mantinha um grupo de estudo, no qual pude adquirir conhecimentos
específicos, sendo, a posteriori, convidada a integrar esta equipe na
formação continuada de outros docentes.
Vencida as dificuldades iniciais, graças ao apoio recebido pela
equipe técnica da SME e pelas leituras e conversas com colegas de
curso, comecei a atuar com prazer no trabalho pedagógico com as
crianças de Guarapes.
Além do trabalho em sala de aula, fui convidada pela diretora
para participar de encontros comunitários com vários representantes do
bairro, nos quais discutíamos as dificuldades e necessidades básicas dos
moradores, o tráfico e consumo de drogas e a violência entre os jovens.
A partir dessas discussões, pude organizar vários encontros com
adolescentes que formavam um grupo de hip hop e ensinavam aos mais
jovens os movimentos da dança. O objetivo era promover discussões
121
sobre o que era um grupo, como um grupo se mantém coeso, qual o
papel desse grupo para a comunidade, como o grupo pode se organizar,
como a escola pode ajudar ao grupo e vice-versa, entre outros.
Posteriormente, o grupo de hip hop do Guarapes tornou-se referência
nessa modalidade na cidade.
A experiência, no início, angustiante pelo nível de desorganização
do trabalho pedagógico foi melhorando, após a inauguração do Centro
Municipal de Educação Infantil. No novo espaço, trabalhei com o nível 1,
crianças de três anos e meio a quatro anos e meio de idade.
Durante o tempo em que atuei com esse nível senti muita
satisfação em pensar e criar possibilidades. Planejávamos em grupo e
recebi muito apoio das professoras mais experientes. Aprendi muito
nessa escola, em fundamental, com as próprias crianças e seus
interesses e curiosidades.
Após o convite para integrar à equipe técnica da SME – Natal/RN,
durante os encontros de formação continuada, pude observar, a partir
dos depoimentos dos educadores, que muitas das dificuldades
existentes nas relações interpessoais entre os mesmos ocorrem em
ambientes permeados pelas forças de poder.
A atuação em determinada função hierárquica ou o desejo,
consciente ou inconsciente, de vir a atuar nela, são fonte, muitas vezes,
de conflitos, como por exemplo, funcionário - professor, funcionário -
122
gestor, professor – coordenador, professor - gestor e coordenador –
gestor, relações nas quais, as insatisfações íntimas dificultam e
distanciam as relações necessárias e pertinentes à escola.
Por conta das dificuldades e pela constatação de um desgaste
físico e emocional que deterioravam as relações interpessoais no
contexto escolar e comprometia o desempenho profissional dos
educadores, foi possível ir delineando o objeto de estudo voltado a uma
abordagem de intervenção e prevenção à síndrome de burnout em
educadores, desenvolvido durante o mestrado em educação.
Burnout é uma metáfora usada para indicar que o profissional
está “se queimando”, “consumindo-se em chamas” pelo trabalho. Esse
conjunto de sintomas surge como uma resposta ao estresse ocupacional
crônico. É uma experiência subjetiva que agrupa sentimentos e atitudes
com carga negativa para a própria pessoa e para a instituição na qual
trabalha.
Por se tratar de uma síndrome multifatorial, muitos são os
aspectos desencadeadores a serem considerados, sendo, dentre eles, o
mais preponderante, a intensa atividade relacional que permeia as
profissões que lidam com o cuidar do outro, seja em relação à sua
saúde física, emocional, psíquica, cognitiva ou social.
Ouvi relatos dos professores que vivenciavam na escola em que
trabalhavam casos de drogas, ameaças sofridas pelos alunos,
123
adolescentes em liberdade assistida, furtos, etc. Eu sabia o que eles
estavam vivenciando, eu tinha passado por situações parecidas.
As vivências pessoais me levaram ao interesse e à realização do
mestrado e depois, à continuidade dos processos de formação dos
professores da rede municipal de Natal, permanecendo o desejo de
aprofundar o conhecimento acerca das relações, problemas, realizações,
sentimento, idéias, ações e reações existentes no ambiente laboral.
As minhas inquietações me conduziram ao doutorado em
2006.1. No semestre seguinte, durante o Ateliê História de Vida e
Formação sob a coordenação da Profª Dra. Maria da Conceição
Passeggi, no Programa da Pós-Graduação da Universidade Federal do
Rio Grande do Norte, pude experimentar a minha escrita autobiográfica.
Na proposta do ateliê, investiguei os fragmentos da minha
narrativa autobiográfica, alguns expostos neste texto, a partir da
hipótese de que as narrativas, registros e reflexões acerca das
experiências profissionais pessoais mais significativas em grupo de
professores, possibilitam nos narradores e ouvintes mudanças nas
representações que os docentes podem ter de si, de sua profissão e de
sua prática pedagógica.
O termo ‘história de vida’ se revela pertinente para denominar
uma forma de investigação dos registros mnemônicos de situações
124
relevantes e marcadas com vigor em nossa memória, que, quando
evocadas, contribuem para ampliar o processo de autocompreensão.
A autocompreensão, segundo Souza (2006), é uma
compreensão de si mesmo, das aprendizagens e experiências
vivenciadas, do processo de autoconhecimento e das significações e
ressignificações atribuídas aos “diferentes fenômenos que mobilizam e
tecem a nossa vida individual e coletiva”.
No processo de evocação desenvolvi uma espécie de diálogo
interior que possibilitou o acesso aos fragmentos da memória em forma
de recordações pretéritas, distantes no tempo e presentes na
intensidade de idéias e sentimentos que afloraram e confirmaram a
relevância íntima atribuída, ainda que de modo inconsciente, às
situações vivenciadas.
O primeiro momento evocado foi o momento considerado por
mim como o mais triste de minha vida profissional. Lembrei daquela
segunda-feira, marcante para mim e para a comunidade na qual estava
inserida a escola onde eu trabalhava.
Após um ano difícil no qual ocorreram seis homicídios no bairro,
inclusive do filho do nosso porteiro com dezesseis anos de idade,
aconteceu um crime na porta da escola, sendo o fato o tema central da
roda de conversa das crianças. Vários questionamentos e dúvidas
125
surgiram: o que dizer para essas crianças? Como explicar tanta
violência?
Na volta para casa, senti uma sensação de impotência, uma
vontade de não voltar mais no outro dia. Meu esposo reforçou a minha
insegurança lembrando o tiroteio que havia ocorrido na escola ao lado,
no ano anterior.
Eu pensava de que tinha adiantado todos os encontros com os
representantes do bairro, os momentos de discussão e as estratégias
desenvolvidas? Porém, os vínculos afetivos falaram mais alto e, no dia
seguinte lá estava eu indo trabalhar, só pensando no que eu podia fazer
pelas minhas crianças.
Não são as “situações limites”, em si mesmas, geradoras de um clima de desesperança, mas a percepção que os homens tenham delas num dado momento histórico, como um freio a eles, como algo que eles não podem ultrapassar. No momento em que a percepção crítica se instaura, na ação mesma, se desenvolve um clima de esperança e confiança que leva os homens a empenhar-se na superação das “situações-limites”. (FREIRE, 1983, p. 106)
Essa evocação possibilitou identificar que o meu nível de estresse
diante daquela situação também havia contribuído para a escolha do
meu objeto de estudo no mestrado, sem que eu me apercebesse disso,
naquele momento.
126
O aspecto mais relevante na busca de soluções dentro da
abordagem realizada é a diversidade humana porque não há uma única
maneira de lidar com os problemas, não há uma única solução mesmo
que dois profissionais apresentem sintomas idênticos.
É necessário buscar situações de reflexão para se atuar nos
fatores desencadeantes internos/subjetivos ou externos/objetivos,
apesar dos primeiros apresentarem uma maior dificuldade de
identificação.
No estudo realizado no mestrado, esses fatores internos e
externos foram percebidos e avaliados pelos participantes à luz de suas
atitudes, crenças e valores, de suas experiências passadas e de seus
estilos de vida.
Ante a diversidade humana, verifiquei que por mais propostas de
estratégias de relaxamento, exercícios bioenergéticos, atividade física
regular, alimentação saudável, aumento salarial, reconhecimento
profissional, entre outras, que se queira propor ao profissional em
burnout, serão ineficazes, paliativos efêmeros e situacionais.
Não há eficácia nos processos de intervenção ou prevenção se
não for proporcionado, simultaneamente, o desenvolvimento da
capacidade de refletir sobre si mesmo, sobre sua profissão e, em
destaque, sobre os pensamentos, sentimentos e ações do seu fazer
profissional.
127
Lendo e relendo esse texto, tomo consciência da importância de
ter me dedicado às leituras sobre educação e desenvolvimento infantil,
no intuito de conversar com as equipes das escolas que visitava para
escolher o local no qual a minha filha iniciaria a sua vida escolar, porque
o conhecimento dessas idéias foi fundamental para a decisão da minha
mudança de profissão.
Eu sabia que deveria haver uma escola, na qual as crianças
pudessem falar do que gostavam e do que não gostavam; que elas
pudessem ser ouvidas e compreendidas, que pudessem opinar e
decidir, que pudessem ser respeitadas como seres humanos,
independente da pouca idade que possuíam.
Penso que, como enfatiza Josso (2004), o ato de narrar uma
vivência significativa para mim, a mesma se tornou significativa, de
aprendizagem e formadora, também, para os meus interlocutores, em
função do compartilhar de mundos subjetivos, da dinâmica dialógica
estabelecida, das reflexões e discussões grupais.
Contar para mim mesma e para o grupo uma situação de minha
própria história foi como puxar um fio de uma teia complexa, com cores
e texturas que eu não mais lembrava, fazendo emergir um reencontro
com qualidades pessoais esquecidas que reforçam a minha auto-estima
e convicções íntimas acerca do processo contínuo e desafiador de me
tornar educadora.
128
Ao pensar no momento feliz de minha profissão veio a
lembrança do dia da defesa de minha dissertação. Eu estava
defendendo um trabalho de intervenção e prevenção à síndrome de
burnout em professores.
Ao final do exercício dialógico no compartilhar de evocações e
narrativas orais e escritas, é que pude perceber que as duas situações
relatadas tinham um rapport e que aquilo que me trouxe muita tristeza
estava associado a uma situação de muita alegria e de auto-superação.
Constatei que as evocações propiciaram, além de reviver
sentimentos de tristeza, medo e insegurança, reencontrar com o próprio
potencial latente que me move e que impulsiona as minhas buscas
pessoais, reafirmadas em convicções íntimas, sobre a opção de me
tornar educadora e ver esse tornar-se como um processo contínuo em
meu viver.
Foram as marcas profundas do momento triste vivenciado que
desencadearam o momento feliz. Foram experiências com o trágico,
que possibilitaram a compreensão acerca das dores e sofrimentos
alheios, que também promoveu o interesse por estudos e estratégias
que pudessem auxiliar a outras pessoas a lidarem com as adversidades
e contradições inerentes a profissão do professor.
Nós queremos de modo consciente ou inconsciente, encontrar a
orientação para nossos itinerários e escolhas ao longo de nossas
129
histórias de vida. Essas buscas são definidas por Josso (2004) como
sendo: a busca da felicidade, quando evitamos sofrer e buscamos
alegria; a busca de si e de nós, que brota através do conhecimento de
si; a busca de conhecimento ou busca do real, que se dá através das
fontes inesgotáveis de informação e a busca de sentido, que consiste no
núcleo central de nosso viver.
As narrativas, fragmentos formativos da história de uma vida,
fizeram aflorar a compreensão da dinamicidade transformadora
existente que atravessa, de modo consciente ou inconsciente, o nosso
viver. Transformamo-nos enquanto buscamos. É uma procura infinita,
inesgotável, de ser e estar no mundo.
Buscamos conhecimentos, realizações, afetos, reconhecimentos.
Buscamos uma felicidade em um horizonte inatingível que nos
impulsiona e nos transforma a cada dia, a cada passo de um caminhar,
que ao ser evocado e narrado traz em si uma multiplicidade de novos
sentidos.
Escolha dos espaços de diálogo
Ao pensar nos espaços dialógicos, visualizei o contexto espaço-
temporal como um lugar dinâmico, no qual pudessem ser
compartilhados os diversos pontos de vista, opiniões, sentimentos e
tudo o mais que pudesse fluir no decorrer dos encontros realizados,
130
pelo compartilhar de diferentes linguagens presentes nas palavras,
gestos e silêncios.
Havia a possibilidade de encontrar dificuldades, resistências,
rejeições e medos, bem como facilidades, acolhimento, entrosamento e
neofilia à proposta de trabalho apresentada. Ao mesmo tempo, havia o
interesse em entender os prováveis interlocutores, seus desejos,
dificuldades, sonhos, preconceitos, crenças... Era preciso falar de modo
sincero e transparente os propósitos do estudo e, em contrapartida,
ouvi-los e responder a todas as questões que fossem levantadas.
Para definir os espaços dialógicos, realizei um levantamento junto
à Secretaria Municipal de Educação – SME, do município de Natal sobre
o número de licenças médicas e afastamentos por motivos de saúde, no
período de Janeiro/2004 a Abril/2007, nos CMEI - Centros Municipais de
Educação Infantil.
Não havia nenhum relatório disponível contendo essas
informações, por isso, foi preciso consultar todas as folhas de ponto
enviadas pelas escolas ao longo de todos esses anos. De antemão, fui
alertada para observar a pasta completa de cada Centro, em cada ano,
procurando identificar se não havia possíveis lacunas ou
incompatibilidades nos registros e, se necessário, consultar os Centros
para a correção ou complementação das informações.
131
Após o levantamento, escolhi junto com a minha orientadora, os
dois centros educativos: O CMEI Profª Carmem Reis, pelo maior índice
de licenças em 2006, no qual todos os professores tiveram, pelo menos,
um dia de licença médica no referido ano. O outro escolhido foi o CMEI
Profª Marise Paiva, em virtude do trauma vivido por toda a comunidade
escolar, pelo acidente de desabamento da cobertura do pátio ocorrido
em Junho de 2004.
Essa escolha se deu em função do meu interesse em querer
chegar à escola oferecendo algo, no caso, experiência proporcionada
pela abordagem de intervenção e prevenção ao burnout, desenvolvida
no mestrado, uma vez que essa síndrome é, também, conhecida como
a síndrome da desistência e acomete os profissionais que lidam com o
cuidar, em intensas e contínuas relações interpessoais, em destaque,
nas áreas da saúde, serviço social e educação.
O cuidar exige tensão emocional constante e atenção perene. A
responsabilidade profissional pelo outro contribui para que os
trabalhadores criem vínculos afetivos, desgastando-se, levando-os ao
exaurimento emocional e físico.
Esses desconfortos podem levar à desistência, porém, muitas
vezes, trata-se de uma desistência na ativa, em função da obnubilação
em relação a todo e qualquer novo horizonte possível na vida, ou seja,
pela falta de total perspectiva pessoal e profissional.
132
A seguir, descreverei, de modo breve, as características de cada
Centro e os contatos iniciais com cada um deles:
a) Centro Municipal de Educação Infantil Profª Marise Paiva
O CMEI Profª Marise Paiva é um centro construído nos novos
padrões arquitetônicos utilizados pela Prefeitura do Natal. Situado no
bairro de Cidade Nova, as suas salas possuem jardim de inverno e
banheiros adaptados. São oito salas de aula, sendo uma delas utilizada
como espaço para brinquedoteca e sala de vídeo. Todas as salas ficam
em torno de um canteiro central. Há, ainda, um espaço que serve de
recepção, próximo a guarita, salas de secretaria, direção e dos
professores, e banheiros. No final do terreno, há a cozinha e um pátio
coberto que funciona como refeitório, local para recreação e eventos e
um pequeno parque de madeira.
Em função do trabalho de formação continuada desenvolvido pela
SME, conheço a maioria dos profissionais dos dois centros educativos o
que facilitou a minha identificação e acesso nos contatos telefônicos
iniciais e envio de e-mail para agendar as visitas às instituições e
apresentar a minha proposta de trabalho.
b) Centro Municipal de Educação Infantil Profª Carmem Reis
O CMEI Profª Carmem Reis fica situado na Vila de Ponta Negra e
funciona em prédio alugado, inadequado para a infra-estrutura
133
necessária a um centro educacional. O prédio é uma casa com meias
paredes nas divisões dos cômodos, não há o mínimo isolamento
acústico de modo que qualquer movimento no corredor ou nas salas
vizinhas desvia a atenção de todos.
São quatro salas de Educação Infantil, um pequeno espaço que
serve de sala dos professores, outro para armazenar material, um
terraço com uma mesa que ora serve para servir o lanche dos
professores, ora é mesa de apoio ao desenvolvimento de atividades, ora
é local de atendimento à comunidade escolar.
O Centro possui uma sala que funciona como secretaria e outra
para a direção, com banheiro, em anexo. Tem, também, uma pequena
cozinha e banheiros para as crianças. As crianças fazem a refeição na
sala de aula porque não há outro local disponível.
O espaço privilegiado é o externo, um grande quintal com árvores
e um parque. Foi colocada uma tenda para a realização de eventos e
para fazer mais sombra para as crianças brincarem.
Os Grupos e seus Encontros Dialógicos
Para o presente estudo, foi completamente descartada qualquer
possibilidade de imposição institucional ou obrigatoriedade de
participação nos grupos. Para assegurar essa decisão e os encontros
dialógicos serem significativos para os participantes, era importante
134
contar com a adesão espontânea, a disponibilidade e o interesse de
cada um em narrar e ouvir histórias de vida, realizar exercícios
bioenergéticos e construir uma nova perspectiva pessoal e profissional.
Um dos atributos necessários ao desenvolvimento do trabalho foi
a vivência da flexibilidade. Não era uma postura de frouxidão ou
negligência, mas a compreensão, a maleabilidade necessária ante as
incertezas, ao imprevisto, ao inesperado, ao planejado.
Para que o diálogo ocorra, faz-se necessário uma relação flexível
que permita níveis diferenciados de implicações, no entanto, no caso da
não-participação e do não-envolvimento dos interlocutores, essas
atitudes implicam na inexistência do mesmo.
A primeira visita aos centros tinha como objetivos apresentar a
proposta de trabalho, confirmar a possibilidade de realização do mesmo
naquele espaço escolar, entregar o ofício enviado pela universidade e o
projeto de pesquisa. Na ocasião, definiu-se um cronograma de modo a
não prejudicar a dinâmica desenvolvida nos centros.
No CMEI Profª Marise Paiva, a coordenadora me entregou um
instrumental que é preenchido por estagiários e pesquisadores que se
propõem a desenvolver algum trabalho no Centro. Ao devolver o
instrumental, ela anexou o ofício e o projeto de trabalho. A
coordenadora explicou acerca do cuidado que o centro tem, tanto com o
135
acolhimento do estagiário ou pesquisador quanto com a importância da
sensibilização dos professores para recebê-los.
O instrumental foi pensado em função de inúmeras pesquisas e
estágios realizados no centro, os quais nem sempre trazem bons
resultados. Em geral, não há um retorno dos pesquisadores, o centro
desconhece a análise que foi feita, não há sugestões de melhoria, não
se tem acesso aos relatórios dos estagiários.
Ao mesmo tempo, o CMEI Profª Marise Paiva, pelo seu Projeto
Político Pedagógico, não pode deixar de atender as solicitações da
Universidade, logo, o instrumental é para sensibilizar e convidar ao
compromisso, pesquisadores e estagiários que cheguem à escola.
Essa postura adotada por este CMEI vem corroborar com as
minhas inquietações sobre o modo de se desenvolver pesquisas nos
contextos escolares, quando pesquisadores adentram o ambiente
educacional, observam, registram e ‘colhem’ o que necessitam.
Na análise das falas dos ditos sujeitos da pesquisa, pode haver o
manuseio das mesmas, deixando estes colaboradores sem a
oportunidade de afirmar ou negar o que lhe é referenciado, ficando à
mercê de inúmeros questionamentos quanto à intencionalidade e os
resultados obtidos no trabalho desenvolvido.
136
Como profilaxia, procurei uma postura de transparência quanto às
minhas intenções de garantir o espaço para as vozes de todos,
convidando-os a serem co-pesquisadores uns dos outros na pesquisa
autobiográfica de si e no processo de auto e heteroformador que se
desenvolveu em torno das narrativas das histórias de vida.
Ainda no primeiro encontro, no intervalo escolar, foi dada aos
professores uma panorâmica das etapas de trabalho que seriam
desenvolvidas, iniciando com a apresentação do meu histórico de
pesquisadora e do objeto estudado, no caso, a síndrome de burnout e
as atividades de relaxamento, exercícios bioenergéticos e utilização de
instrumento de registro da auto-observação a serem desenvolvidas nos
encontros, na primeira etapa do projeto.
Caso os professores se sentissem motivados e optassem pela
continuidade, teríamos uma segunda etapa com encontros para o
desenvolvimento da compreensão de si e do outro a partir do
desenvolvimento de estratégias dialógicas.
Após a apresentação do projeto, percebi que ainda havia um
distanciamento entre mim, a proposta de trabalho e os professores.
Faltava empatia, um clima de confiabilidade. Foi quando senti vontade
de falar um pouco sobre a minha vida profissional.
Ao começar a contar ao grupo a minha trajetória profissional, foi
se criando um ambiente diferente. Percebi que o meu relato prendeu a
137
atenção das professoras e uma delas falou: você é que dá um bom caso
para estudo! Rimos todas.
Sorrir faz muito bem, aproxima as pessoas, nos sentimos mais
humanos. O bom humor dá leveza à vida, desdramatiza, alivia a carga
de tensão emocional que colocamos nas coisas. É uma característica
humana que favorece o acolhimento. Nesse clima de descontração,
percebi que os fragmentos da minha narrativa criaram aproximações e
despertaram a curiosidade acerca do projeto proposto.
Na primeira visita ao CMEI Profª Carmem Reis, fui recebida pela
diretora que me encaminhou para a coordenadora pedagógica do turno
matutino que ficou muito empolgada com o projeto proposto e falou
que já havia consultado as professoras e elas queriam que o projeto
fosse realizado no Centro.
Em função das diversas atividades desenvolvidas, no momento,
elas optavam pela realização dos encontros no segundo semestre.
Apresentei o cronograma definido para o trabalho no CMEI Profª Marise
Paiva e construímos um para o CMEI Profª Carmem Reis.
Os encontros pedagógicos dos Centros ocorriam durante as aulas
de Educação Física e Artes porque os professores das turmas, cujos
alunos estariam nessas aulas, poderiam se reunir com a(s)
coordenadora(s) para planejamento e acompanhamento do trabalho
escolar. A duração dos mesmos correspondia ao horário de início das
138
aulas e estendia-se até o intervalo ou após o intervalo até o final das
aulas.
Em ambos os Centros, alteramos as datas e horários dos
encontros, quando necessário, de modo a continuar as atividades de
pesquisa e apoiar o Centro nos momentos de maior concentração de
trabalho. No CMEI Profª Carmem Reis, os encontros pedagógicos eram
semanais de modo que foi possível realizar os nossos encontros
quinzenais sem causar grandes transtornos à dinâmica escolar.
Já no CMEI Profª Marise Paiva, os encontros eram quinzenais e,
na impossibilidade de realização, os mesmos ficavam com intervalo
mensal. Por isso, embora as atividades tenham se iniciado primeiro no
CMEI Profª Marise Paiva, foram concluídas depois do CMEI Profª
Carmem Reis.
Tivemos ao todo sete grupos dialógicos, sendo quatro deles no
CMEI Profª Marise Paiva e três no CMEI Profª Carmem Reis. Em todos
eles, eu participei como um membro de cada grupo, sendo uma
narradora de mim e do meu mundo, compartilhando com os demais a
inteireza do meu ser, na qual, a pesquisadora, a professora, a mulher, a
mãe e tantas outras facetas de mim, se faziam presentes naqueles
momentos.
Ao longo de todo o processo investigativo, procurei vivenciar o
esforço pessoal na suspensão temporária de meus pressupostos e
139
valores, porém, assumo que não os consegui por completo, apesar da
intensa busca de compreensão dos diversos pontos de vista de meus
interlocutores e co-pesquisadores autobiográficos.
Senti-me legitimada a ser eu mesma, assumindo o lugar e
expressão de quem possui uma história de vida para compartilhar, ao
mesmo tempo em que busquei compreender os condicionamentos
interdependentes, psíquicos e sociais, associados à posição de
pesquisadora e ao recorte da trajetória de vida compartilhado nesse
contexto.
Propus que cada grupo escolhesse o seu nome e o pseudônimo
que iria ser utilizado por cada um, em respeito à proteção da identidade
dos participantes. Nas duas escolas, por coincidência, estavam sendo
desenvolvidos projetos relacionados à natureza e ao meio ambiente, o
que levou as seguintes escolhas:
CMEI GRUPO COMPONENTES
Profª Marise Paiva Grupo do Mar Praia Bela, Alga e Golfinho.
Profª Marise Paiva Grupo das Pedras Preciosas
Rubi, Água Marinha, Diamante e Esmeralda.
Profª Marise Paiva Grupo das Águas Oceano, Lagoa e Cachoeira
Profª Marise Paiva Grupo das Árvores Palmeira Imperial e Cerejeira.
Profª Carmem Reis Grupo Aquático Ostra, Peixinho, Ondas do Mar e Estrela do Mar.
Profª Carmem Reis Grupo do Sol Alegria, Vida, Luz e Esperança.
Profª Carmem Reis Grupo da Praia Mar, Concha e Espuma do Mar.
140
Cada participante se sentiu motivado ou teve razões pessoais,
conscientes ou inconscientes, para escolher o elemento da natureza
com o qual decidiu se identificar. Não foi perguntado aos mesmos o
motivo da opção realizada, apenas, foram respeitadas as escolhas de
todos.
Em todos os grupos de diálogo, pontuei a importância da adoção
de um instrumental, pelo Centro, a exemplo do CMEI Profª Marise
Paiva, que firma o compromisso do pesquisador, junto à instituição,
para apresentar os resultados dos seus estudos.
Afirmei nos grupos que todos os registros individuais e/ou
coletivos só entrariam no meu trabalho de tese com o consentimento do
grupo e que eu estaria deixando-as a par de todo procedimento que eu
estivesse realizando, ou seja, as pautas de cada encontro a ser
realizado e as atividades que seriam desenvolvidas.
Foi exposta a abordagem autobiográfica e os procedimentos
metodológicos que iriam se constituir na produção de relatos de vida
pertinentes à reconstrução da história de formação dos participantes,
alternando tempos individuais e coletivos, nos quais iriam sendo
estabelecidas ligações consigo mesmo e com outros.
As ligações, os elos que nos une, são favoráveis ao trabalho de
reconstrução da história de formação , seja ela oral ou escrita,
contribuindo para o estabelecimento e desenvolvimento do diálogo, da
141
fala e da escuta, da busca de compreensão; uma confrontação das
sensibilidades e idéias; e finalmente das comparações entre os relatos,
épocas, gêneros, percursos culturais, origens sociais. Josso (2006, p.
375).
Muitas vezes, foi preciso repensar novas estratégias com o
próprio grupo para a continuidade dos encontros nos momentos de
maior atividade do centro escolar. As decisões coletivas promovem uma
maior implicação do grupo, fortalecendo o engajamento individual.
Diante disso, observei que os grupos reflexivos foram sendo
construídos a partir da implicação de seus participantes, ou seja, do
engajamento no projeto de autopesquisa e formação, a partir da
pesquisa autobiográfica realizada em várias etapas que se
interpenetraram.
A relevância e qualidade da narrativa produzida dependem
diretamente do nível de implicação daquele que narra, do seu desejo de
se expressar como autor de sua história. Desse modo, a implicação é
um elemento epistemológico necessário ao pensar complexo no
exercício da intersubjetividade.
Para manter a transparência das intenções e favorecer a
implicação de todos, apresentei um ‘contrato de participação’ no qual se
encontravam explícitos os objetivos do trabalho e o que se esperava de
142
seus participantes, no intuito de predispor um ‘clima de confiança’ que
pudesse estabelecer a cooperação empática de todos.
É possível verificar que os elos foram se constituindo a partir
desse contrato onde os participantes estabeleceram limites, garantindo,
de certo modo, uma confiança intragrupal, facilitadora da socialização
dos relatos individuais e reflexão coletiva sobre o conjunto de relatos
produzidos.
O Contrato de Ajuda Mútua94 (Anexo 4.1), inspirado na Carta da
ASIHVIF - Association Internationale des Histories de Vie em Formation,
Livret de Présentation, 2005, p. 14-17) no qual se encontravam as
orientações necessárias ao espaço dialógico autoformativo, continha as
seguintes cláusulas:
• Conviviabilidade – compromisso de que nós estaríamos zelando
por uma convivialidade sadia em nossos encontros.
• Não julgamento – compromisso de que nós iríamos evitar julgar o
outro, evitar considerar se o que foi narrado foi certo ou errado,
porque é a vida do outro que está sendo compartilhada.
• Ajuda mútua – compromisso de que nós estaríamos contribuindo
uns com os outros na identificação de sentimentos, valores,
argumentos e palavras-chaves de cada situação narrada.
94 O Contrato de Ajuda Mútua foi elaborado a partir de um modelo utilizado pela Profª Drª Maria da Conceição Passeggi no Ateliê Histórias de Vida e formação, no Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Federal do Rio grande do Norte, em 2006.2.
143
• Confidencialidade – compromisso de manter sigilo sobre o que
está sendo narrado nos encontros. O que acontece no grupo
pertence ao grupo e fica no grupo.
• Liberdade para falar, ou não, de si – compromisso de ser
transparente quanto ao estado íntimo em cada encontro,
assumindo o direito de se manifestar falando ou permanecendo
em silêncio.
• Autenticidade na busca de compreensão de si – compromisso com
a sinceridade em querer compreender o seu modo pessoal de
funcionamento (maneira de pensar, sentir ou agir).
• Reflexividade – compromisso em manter uma postura íntima
reflexiva sobre o que acontece em cada encontro, sobre si e sobre
as situações evocadas.
• Produção do conhecimento (pesquisa formação) – compromisso
em participar ativamente na produção de conhecimento de si e,
sua pesquisa autoformativa.
• Criticidade no processo de escrita autobiográfica – compromisso
em manter uma postura crítica no desenvolvimento da escrita de
si.
• Direito à autoria – compromisso em comunicar a intenção de
preservar ou compartilhar os registros de sua autoformação.
No primeiro encontro, além da assinatura do contrato de ajuda
mútua, foi apresentada a síndrome de burnout e a diversidade de
fatores e sintomas correlacionados a essa doença que acomete aos
profissionais que lidam com o cuidar, bem como a abordagem
144
bioenergética profilática95 e os conceitos básicas inerente à mesma, tais
como: bioenergias, chacras, energossoma e os exercícios bioenergéticos
que iriam ser aplicados nas técnicas da Mobilização Básica de
Energias96.
Ao final desse primeiro encontro, apresentei a mensagem A
Canção de Cada Um97 que fala sobre uma tribo africana na qual, ao
nascer, cada pessoa recebe uma canção que será cantada pelos demais
em todo momento importante de sua vida.
Se acaso o dono da canção comete erros ou crimes, ao invés de
ser punido, a tribo, supondo que a pessoa esqueceu quem é, canta mais
uma vez a canção para relembrá-la de quem é. Comentamos a
mensagem e propus que o nosso grupo procurasse, a partir daquele
momento, lembrar do melhor do outro.
Antes da despedida, foi entregue aos participantes a ficha de
registro da auto-observação (Anexo 4.6) utilizada durante o estudo
desenvolvido no mestrado, para identificação, registro e análise de
situações desagradáveis ocorridas no dia-a-dia, proporcionando a(o)
professor(a) ter um acompanhamento escrito das dificuldades do seu
fazer docente, auxiliando-o na análise do seu funcionamento pessoal e
profissional.
95 Salgues (2004) 96 Salgues (2004) 97 Tolba Phanem, poetisa africana.
145
A ficha é pessoal e confidencial, ficando com o participante para
sua autopesquisa, sendo opcional a sua utilização. Em outros encontros,
alguns participantes comentaram que estavam utilizando a ficha de
observação não só para o registro de atividades profissionais, mas,
também, para questões familiares.
Vale salientar que todo o material escrito produzido ao longo dos
encontros ficou com o respectivo autor (narrativas escritas e projetos
de vida). Cada participante, gentilmente assinou uma autorização para
as referências e comentários acerca de si, desde que ficasse ciente,
antecipadamente, do que seria divulgado, com a utilização do
pseudônimo escolhido.
Em média foram realizados oito encontros para cada grupo nos
quais se buscou favorecer o pensar complexo, no caminhar para si, com
os outros. Foram desenvolvidos os seguintes momentos: evocação de
si; narrativas de si; escritas de si; análise de si; projeto de vida; e
cartas que falam de si.
1) Evocações: primeiros passos do caminhar para si.
A primeira evocação foi feita com olhos fechados e audição de
música suave instrumental. A busca mnemônica foi iniciada com a
seguinte questão: Como me tornei Professor(a)? A orientação era
relembrar o máximo de detalhes de sua trajetória profissional, desde o
146
primeiro desejo ou idéia até o momento atual. Ao fim da música, cada
um de nós narrou a sua trajetória profissional.
A segunda evocação foi feita através da produção de um desenho
que retratasse duas situações, um momento triste e um momento feliz
de nossa vida profissional, durante a audição de música instrumental
suave. Em seguida, cada participante narrava a situação registrada em
seu desenho.
As recordações que são escolhidas para serem referenciadas pelo
autor são simbólicas, ou seja, simbolizam os elementos que constituem
a sua formação. A recordação-referência98 traz em si, tanto uma
dimensão objetiva, com imagens sociais, quanto uma dimensão
subjetiva, com emoções, sentimentos, sentidos e valores.
A evocação constitui componente integrante da experiência
formativa. É a partir dessas recordações que eu me apresento ao outro
em diferentes formas de falar de mim, de compartilhar a minha
subjetividade. Serve, ao mesmo tempo, de norteador de referência
inicial do processo autoformativo, indicando caminhos, orientando os
sentidos e sendo um suporte para as transformações e o vir a ser.
Como me formei? Como me constitui como um profissional em
educação? Quem sou eu? O que contar de mim? São questões múltiplas
98 Josso (2004)
147
que não se esgotam porque as experiências que nos constituem são
inúmeras.
Ao evocar, narrar ou discutir selecionamos, pela incapacidade da
totalidade do pensar complexo, aquelas que consideramos formadoras,
significativas, ou seja, que simbolizam atitudes, sentimentos,
pensamentos, conhecimentos e aprendizagens que caracterizam quem
somos.
2) Narrativas de si: intersubjetividade em movimento.
Constatei que o ser humano gosta de ouvir histórias porque no
momento das narrativas havia um interesse natural sobre o enredo e
quando a narrativa se encerrava surgiam os comentários, muitas vezes
comparativos com a própria trajetória, contendo as identificações, as
similitudes e os opostos.
Havia, ainda, as demonstrações afetivas, contendo as emoções e
os sentimentos despertados pelas narrativas, bem como o interesse
pelo ocorrido nas lacunas de tempo, espaço ou situação, levando,
muitas vezes, o narrador a complementar o dito com novas evocações e
busca em seus registros mnemônicos.
Anterior ao diálogo estabelecido no grupo há a evolução de um
diálogo interior que se estabelece consigo mesmo e que se dá na
medida em que se narra de si, dos acontecimentos, dos conhecimentos,
148
das escolhas, dos sentimentos, das transformações, das aprendizagens,
em resumo, de quem se foi e do que se viveu em determinado tempo
pretérito, tornando-o presente na narrativa e trazendo consigo a
possibilidade de correlações intertemporais que integram todas as
dimensões de seu ser.
Aquele que narra já não é aquele que vivenciou os
acontecimentos narrados. Muitos mudam de valores e opiniões ao longo
do tempo, porém, é possível observar que ao evocar o passado, as
emoções pretéritas são revividas com as relativas proporções que a
memória consegue fazer emergir, possibilitando ao narrador uma nova
interpretação e compreensão do que foi vivenciado.
O momento dialógico proporcionado pelas narrativas era
precedido das atividades de relaxamento e exercícios bioenergéticos. Os
participantes comentaram que passaram a ter um maior
aproveitamento desses momentos em função de um maior nível de
relaxamento e percepção bioenergética que obtinham.
Penso que essa atividade contribuiu para a dissipação da tensão
estabelecida em falar de si, possibilitando a ‘entrega’ e o ‘mergulho’ no
trabalho grupal a partir da implicação, do pensar complexo e do
compromisso com a ajuda mútua.
Os CDs, com as narrativas foram entregues aos seus respectivos
autores. Foi solicitado que a partir da gravação cada um produzisse os
149
seguintes textos: Como me tornei professor(a)? e Um momento triste e
um momento alegre de minha trajetória profissional. Na produção
escrita da própria narrativa, cada um teve autonomia para subtrair,
adicionar ou transformar o registro de sua trajetória profissional.
Vale salientar que em nenhum momento da pesquisa recebi uma
negativa à autorização para o procedimento de gravação. Atribuo isso
ao fato de termos discutido o Contrato de Ajuda Mútua, bem como no
desenvolvimento da confiança estabelecida entre os participantes do
próprio grupo.
Ao contar de si, cada um expressa o valor que atribui ao que foi
vivido ao longo do tempo. É dizer-se em recortes temporais, em
vivências que se impõem no exercício de resgate mnemônico, e que se
transformam em experiências a partir das reflexões que surgem no
presente, sobre os acontecimentos e tudo o que foi sentido, percebido,
observado e pensado no passado, exercitando a complexidade do
pensamento.
3) Escritas de si: re-significações da própria história de vida.
O tempo de produção da narrativa escrita era variado. Procurei
respeitar esses tempos porque sabia o quanto era difícil expor o próprio
íntimo, compartilhar, principalmente, momentos de sofrimento,
decepção e frustração, bem como, correr o risco de surpreender a si e
150
aos outros, ao narrar de si, descobrindo-se e revelando-se diferente de
antigos referenciais.
Percebi, ao longo da leitura das narrativas escritas, produzidas a
partir dos relatos, que com três exceções, todos os demais participantes
enriqueceram de detalhes os textos, em função da reflexão e
envolvimento com a própria história.
O exercício de rememoração e interpretação de si mesmo é “autopoiético”, ou seja, portador da reinvenção de si. Esse pressuposto torna plausível a hipótese, segundo a qual, ao longo da escrita, a reflexão torne-se cada vez mais envolvente e o narrador ultrapasse o limiar de uma resposta mecânica a uma demanda institucional (PASSEGGI, 2006-b, p. 71).
A escrita de si, a partir da gravação de sua história de vida,
remeteu cada participante para um momento de maior contato com
aquilo que havia narrado de si e os diálogos que surgiram a partir de
sua narrativa. Os participantes comentaram as surpresas que tiveram
ao escutar a si, ao reviver as dimensões concretas e invisíveis, objetivas
e subjetivas.
A articulação entre distintos períodos da vida fomentou reflexões
e promoveu compreensões acerca de si, do ser que se é, das
transformações em seu fazer. Um escrever e reescrever sem fim
porque novos detalhes e novas reflexões surgiam. Era preciso permitir a
151
cada participante evidenciar por si o processo autotransformador do
pensar complexo na pesquisa autobiográfica.
4) Análise de si: busca de compreensão do eu profissional.
Concluída a produção textual, os participantes foram novamente
compartilhar as suas histórias de vida. A leitura compreensiva da
própria narrativa pelo outro contribuía para o intercâmbio de
experiências e para a identificação de aproximações e distanciamentos
com a história do outro.
As mudanças entre os relatos orais e a leitura do texto produzido
suscitaram comentários nos grupos e, muitas vezes, outros
participantes complementavam a narrativa, a partir do que memorizou
da história de vida do narrador.
Em nenhum momento houve desconforto dos autores em narrar
de si porque foi reforçado, todo o tempo, o direito à liberdade daquele
que narra e escolhe o que narrar e o modo de expressar as próprias
recordações da forma que considerar pertinente.
A etapa de análise interpretativa da narrativa escrita foi feita com
o auxílio de um quadro organizador (Anexo 4.4), elaborado a partir das
idéias de Schütze (1997;1983;1992)99 que propõe uma forma de
99 Apresentada e comentada por Bauer & Jovchelovitch (2002).
152
organização da análise de acontecimentos inerentes ao enredo de uma
narrativa, com fins de pesquisa social.
A construção de uma compreensão qualitativa para a pesquisa
autobiográfica foi sendo desenvolvida. Cada participante numerou as
linhas do próprio texto para evitar a transcrição para o quadro, uma vez
que bastava indicar o intervalo numérico das linhas em análise. As
narrativas repletas de momentos significativos, ações que foram
desenvolvidas, sentimentos, valores e opiniões foram identificados com
a utilização do quadro.
O quadro proposto procurou organizar as referências concretas e
as referências subjetivas do seguinte modo: 1) as referências concretas
que são feitas a partir dos fatos e do ordenamento dos acontecimentos;
2) as referências subjetivas que tratam do que opera no narrador e
representa o entendimento que ele tem de si mesmo, seus sentimentos,
valores, opiniões, suas reflexões e argumentos.
Um acontecimento pode ser traduzido em termos indexados
(quando faz referência a acontecimentos concretos, vinculados às
dimensões temporal e espacial que orientam o sistema simbólico do
narrador – quem fez o que, quando, onde e porquê) e termos não-
indexados (vão além dos acontecimentos e expressam valores, juízos e
toda uma forma generalizada de “sabedoria de vida”).
153
As proposições indexadas podem ser ainda, descritivas e
argumentativas. As descritivas se referem ao modo como os
acontecimentos foram sentidos e experienciados e as argumentativas se
referem à legitimação do que não é aceito de modo passivo na história
e as reflexões teóricas e conceituais sobre os acontecimentos.
A organização das informações suscitadas pelas narrativas
possibilitou exercitar o olhar focado, ora na descrição, ora no que foi
sentido, ora na reflexão, constituindo-se em uma aparente
fragmentação apenas didática.
A nossa manifestação, seja ela, objetiva ou subjetiva, sempre
estará permeada por pensamentos e sentimentos e o conhecimento de
si, do outro e do mundo. Ela ocorre na interação subjetivo-objetivo, na
qual o sensível está presente na reflexividade do mesmo modo que não
há reflexão isolada dos sentimentos e emoções que ela desperta.
O exercício reflexivo e a análise interpretativa compartilhados
pelo pensar complexo entre os participantes possibilitaram o
levantamento do inventário pessoal do que foi vivenciado, sentido e
pensado, ou seja, os acontecimentos, saberes, sentimentos e valores
presentes nos contextos evocados.
No levantamento de todos os participantes, observei algumas
características, algumas peculiares, outras que eram comuns,
agrupadas em cinco tópicos: Infância (lembranças do início de vida
154
escolar e do brincar de escola), Mentores (pessoas de grande
influência na escolha profissional e que se tornaram referências no
desenvolvimento profissional), Escolha profissional (influências,
sentimentos, valores e argumentos), Experiência profissional
(sentimentos, estratégias e valores), Realização profissional
(sentimentos de realização ou frustração profissional).
INFÂNCIA:
• As referências à Infância e ao início de vida escolar enfatizam sentimentos de alegria, satisfação, prazer;
• Nos relatos há demonstrações do traço de liderança pessoal nas brincadeiras;
• Nas brincadeiras mais prazerosas está o ‘brincar de escola’, com diversidade papéis (mãe, aluna, diretora, professora), sendo a preferência pelo papel de professora.
• A convivência no ambiente escolar antes mesmo de entrar na escola, quando a mãe ou tia eram professoras.
MENTORES:
• Influência intergeracional de parentes educadores de gerações anteriores;
• Exemplarismo de dedicação da mãe ou parentes professores;
• Influência do avô para abertura da mente e valorização do conhecimento, com o seu exemplo em alfabetizar os próprios empregados com o pouco estudo que tinha;
• Oportunidade de estudar com professores criativos que despertaram admiração ao longo da vida escolar e universitária, em destaque, as doces lembranças da primeira professora;
• Estímulo de professores para a não desistência do curso;
• Encontro providencial com colega de trabalho que despertou o prazer e vontade de realização profissional.
155
ESCOLHA PROFISSIONAL:
• Sentimentos de conflito, ansiedade, ingenuidade e dúvidas no momento da decisão profissional e inscrição para o vestibular;
• Rejeição de parentes pela opção escolhida em função da desvalorização profissional;
• Identificação com o curso de Magistério e/ou Pedagogia, pelos novos saberes, afirmação de auto-imagem positiva e dedicação ao curso;
• Opção pelo Magistério por conveniência, para facilitar entrada no mercado de trabalho, garantir o futuro e ter um emprego;
• Opção por Pedagogia pela fuga à concorrência devido à frustração com reprovação no curso desejado;
• Desejo profissional alimentado desde a infância;
• Renúncia e anulação de um grande ideal profissional para seguir os propósitos de Deus (Magistério);
• Influência das experiências informais como educadora em aulas particulares ou atuação na igreja;
• Mudança para o Magistério por inadequação e frustração com o curso Científico;
• Opção pela construção de conhecimentos de grande relevância para a vida profissional;
• Relutar em optar pelo Magistério por ter o traço de timidez, posteriormente superado;
• Certeza em optar pela beleza de ser mediadora do conhecimento;
• Não se imaginava professora, mas atuando na supervisão;
• Opção pelo Magistério por apego à família, à escola e desconforto em morar com parentes para estudar em outra cidade.
156
EXPERIÊNCIA PROFISSIONAL:
• Mudança de valores pessoais e grande aprendizado proporcionado pelo primeiro emprego;
• Felicidade e sentimento de segurança (financeira) pela aprovação em concurso para a rede pública de ensino;
• Sentimentos de angústia e despreparo para a prática, no início da vida profissional;
• Conflito pela repetição do modelo educacional recebido na tentativa de adequação profissional e confiança na vivência escolar na infância;
• Busca de conhecimentos e apoio dos colegas mais experientes para melhorar a prática pedagógica e por rejeitar o modelo tradicional, inicialmente adotado;
• Crescimento e qualificação profissional;
• Satisfação em colocar em prática os conhecimentos adquiridos nos estudos e na própria vivência profissional adquirida a cada dia;
• Identificação com a Educação Infantil e paixão pelo que faz;
• Humilhação, tristeza e angústia no primeiro emprego em escola particular;
• Confiança e sensibilidade na escola pública;
• Prazer em ter experiências com diferentes níveis de ensino;
• Novos horizontes com os desafios e reconhecimento profissional na coordenação pedagógica;
• Busca de cursos de Especialização para minimizar o distanciamento entre teoria e prática;
• Impacto da realidade de carência e sofrimento nas condições de vida de algumas crianças da rede pública;
• Receio de voltar a sentir o sentimento de fracasso do início da vida profissional;
• Criação de novas estratégias e recursos materiais para superar as condições precárias da escola;
157
• Descoberta de que é preciso se alfabetizar no grande desafio de tornar-se educadora;
• Buscar ação diferenciada na coordenação pedagógica por não aceitar prática desarticulada;
• Dedicação pela aquisição de nova consciência sobre a educação brasileira;
• Reflexão, conhecimento e seriedade nas novas oportunidades de crescer profissionalmente.
RELIZAÇÃO PROFISSIONAL X FRUSTRAÇÃO PROFISSIONAL:
• Falta de convicção da escolha profissional acertada;
• Convicção, responsabilidade, compromisso e alegria em ser educadora e transmitir conhecimentos;
• Insatisfação profissional pelas condições de trabalho e falta de reconhecimento;
• Desejo de novas experiências em outra área profissional;
• Angústia quanto à realização profissional;
• Expectativas de sucesso quanto ao futuro profissional;
• Sentimentos de amor e ódio com a aprovação em concurso (estabilidade) e dificuldade em trabalhar com Educação Infantil;
• Alegria na retomada da ação docente após anos na gestão;
• Descoberta e surpresa com a ampliação do autoconhecimento;
• Descoberta do prazer pela profissão;
• Realização profissional apesar da desvalorização social e dos baixos salários;
• Busca de novas Especializações profissionais para qualificar o trabalho docente;
• Renovação constante da auto-estima no final de cada ano letivo.
158
As reflexões sobre a realização profissional, bem como a sua
ausência, constituíram o grande impulsionador para processo de
elaboração do projeto de vida, no qual cada participante pudesse
exercitar o pensar complexo e registrar aquilo que gostaria de melhorar
em sua vida profissional, estendendo esse projeto aos aspectos
pessoais e familiares de sua vida.
5) Projeto de vida: caminhar para si no caminhar no mundo.
Na elaboração do projeto de vida foi utilizada a técnica dos mapas
mentais100, que transforma uma lista de informações em um diagrama
fácil de lembrar, auxiliando nas atividades diárias, sejam de nível
prático do dia a dia até a geração de novas idéias.
Na atividade desenvolvida foi apresentado um mapa mental sobre
as possíveis implicações da maternidade (Anexo 4.5), de modo a
exemplificar o exercício necessário quando se tem uma tomada de
decisões ou escolhas a serem feitas em nossa vida.
Os mapas mentais constituem um marco para a organização do
pensamento porque predispõe a confluência de três aspectos101: a
atividade cerebral e a utilização do cérebro de maneira mais plena; o
pensamento irradiante, ou seja, que irradia e se amplia em consonância
com a capacidade de ativação cerebral e integração de todos os órgãos
100 Buzan (2005) 101 (Ontoria et al, 2004)
159
sensoriais na aprendizagem; busca da totalidade unificada; e o enfoque
na aprendizagem holística ou total, isto é, aprender com a integração
do pensar (pensamento), sentir (sentimento) e agir (ação) que contribui
para o desenvolvimento das capacidades intelectuais, criativas,
emocionais, sociais e motoras.
Dentre as dimensões de utilização dos mapas mentais, há a
possibilidade da utilização desse recurso ser aplicado como estratégia
de aprendizagem cooperativa ou compartilhamento de conhecimentos.
A aprendizagem se desenvolve a partir da dinâmica de participação
grupal e da função cooperativa dos mapas mentais na metodologia de
trabalho e intercâmbio de idéias, sentimentos e comportamentos,
favorecendo o desenvolvimento das relações interpessoais, a satisfação
no desenvolvimento do trabalho, a segurança e auto-estima na
execução da tarefa e o desenvolvimento do pensamento criativo e
reflexivo, promovendo um modelo mental aberto e flexível.
Um mesmo mapa temático pode ter diversas formas, pois não há
um jeito certo a seguir. No nosso caso, o importante foi levantar o
máximo de possibilidades em cada escolha ou decisão e,
principalmente, refletir sobre o que se quer para si traduzindo-o no
próprio projeto de vida.
Toda a evocação do passado serviu para que cada um de nós
pudesse se conscientizar que possui uma história profissional permeada
160
de momentos tristes e alegres, traduzido em um passado rico de
experiências. O compartilhamento de reflexões acerca dessas
experiências evocadas constitui, ao mesmo tempo, um ato
autoformador e heteroformador.
Os projetos de vida contemplaram os aspectos profissionais,
pessoais e familiares, entrelaçados entre si. Na construção dos projetos
foram enfatizadas decisões e ações semelhantes entre os participantes
e outras bem específicas, principalmente as de ordem pessoal e
familiar.
Em relação ao enfoque profissional, destacam-se os seguintes
aspectos:
Formação profissional, vista como uma necessidade em adquirir
novos conhecimentos úteis para melhoria da prática pedagógica ou
mudança de área profissional; Tempo, como uma necessidade básica
para dedicação ao estudo, leitura e aquisição de novos conhecimentos,
muitas vezes, escasso em função da jornada dupla ou tripla de
trabalho; Organização financeira, para investimento financeiro na
formação profissional e na manutenção da própria vida; Qualificação
do trabalho pedagógico, com decisões e ações voltadas à melhoria
da prática pedagógica; e Saúde, com estratégias para melhoria da
saúde e da prática profissional.
161
FORMAÇÃO PROFISSIONAL:
a) Na área de Educação:
• Investir na capacitação por estudo e livros;
• Fazer cursos de curto prazo;
• Concluir ou Fazer curso de graduação ou Especialização para ampliar os conhecimentos no atual nível de ensino;
• Fazer/concluir especialização e/ou mestrado para dar aulas em faculdades;
• Cursar pedagogia Empresarial para trabalhar em empresas;
• Pesquisar informações na SME sobre licença com remuneração para estudar.
b) Em outra área profissional:
• Vencer o cansaço, a desvalorização, a insatisfação e sair da acomodação em ser eternamente professora, mudando de área profissional;
• Fazer curso de idiomas e/ou vestibular para mudar de área profissional;
• Fazer cursinho para concursos públicos.
TEMPO:
• Ter tempo para ler e estudar;
• Deixar um emprego para poder fazer Especialização;
• Acompanhar o desenvolvimento do projeto de ter a própria escola;
• Dispor de mais tempo e ter menos estresse.
162
ORGANIZAÇÃO FINANCEIRA:
• Organização financeira para construção de uma escola;
• Buscar carga horária suplementar em educação;
• Fazer concurso para ter duas matrículas no município;
• Buscar atividade profissional em outra área para complemento orçamentário;
• Deixar educação e investir na ampliação do negócio da família;
• Buscar melhoria salarial para ter maior qualidade de vida.
ESTABILIDADE PROFISSIONAL:
• Fazer concurso público;
• Abrir a própria escola;
• Trabalhar por conta própria.
QUALIFICAÇÃO DO TRABALHO:
• Entender melhor as dificuldades de aprendizagem dos alunos;
• Dar palestras aos professores no interior do estado do RN;
• Programar e sistematizar melhor as atividades profissionais;
• Desenvolver um trabalho com a comunidade, com os pais;
• Organizar e sensibilizar o trabalho em grupo;
• Estudar para ser mais segura nos argumentos e desenvolvimento do trabalho;
• Desenvolver um projeto de dança para a escola;
• Qualificar-se para alcançar uma coordenação pedagógica ou gestão de escola;
• Buscar trabalhar com turmas menores;
• Ampliar o campo de trabalho em outros níveis de ensino, pelo investimento em formação especializada.
163
SAÚDE:
• Diminuir a carga de trabalho para não ter saúde comprometida;
• Mudar de atividade em educação para ter menor desgaste físico;
• Fazer dieta e exercícios físicos para ter mais fôlego com a educação infantil;
• Buscar terapias de relaxamento.
As reflexões sobre a própria trajetória de vida profissional, com a
constatação de momentos felizes e tristes, propiciaram aos
participantes o levantamento das possibilidades e limites pessoais para
a elaboração de um projeto de vida.
Para alguns, é o reconhecimento da escolha profissional acertada
e a motivação em planejar uma maior qualificação no seu trabalho
educacional. Para outros, é a constatação de equívocos e a motivação
necessária para planejar mudanças e buscar uma realização profissional
em outra área.
É o reajuste construtivo das possibilidades para o
desenvolvimento das potencialidades realizadoras individuais e coletivas
pelo enfrentamento das contradições presentes que permitiu o pensar
complexo acerca de questões éticas e da necessidade de assumir novas
intenções, rumo à solução de dilemas da vida profissional e pessoal.
164
O autodirecionamento102, enquanto conjunto de processos de
autodeterminação e auto-regularização dá consistência aos projetos de
vida auto-realizadores, voltados ao desenvolvimento pessoal, propiciado
pelo pensar complexo e aprendizado no espaço dialógico, com a
produção e compartilhamento de conhecimentos de si e do mundo,
possibilitando a autonomia e responsabilidade pelas próprias ações.
6) Cartas que falam de si e do mundo.
O trabalho de pesquisa estava terminando. Antes de partir, era
importante considerar a avaliação dos participantes sobre todo o
processo e, para tanto, era imprescindível manter a valorização das
singularidades das subjetividades entrelaçadas. Partir é morrer um
pouco. Escrever é viver mais103.
A opção de cartas para falar do que foi vivenciado se deu em
função de ser esse gênero textual um meio privilegiado de comunicação
tradicional e íntimo de se corresponder pessoalmente com os outros.
Apesar dos avanços tecnológicos, da possibilidade de comunicação se
dar, também, via internet, proporciona uma intimidade entre o
remetente e seu destinatário.
Cada autor, de acordo com os mais diferentes referenciais,
escolheu o seu destinatário, dentre eles, foram escolhidos teóricos
102 Hernández (2005) 103 Comte-Sponville (1997, p. 37)
165
importantes para a área da educação, professores queridos da formação
acadêmica, amigos do contexto escolar passado ou atual, uma carta
para Deus e duas cartas destinadas a mim. Foi acordado nos grupos
que as cartas, por explicitarem a avaliação do projeto, poderiam ser
inseridas nesse texto e encontram-se reproduzidas, na íntegra, no
Anexo 3.
Muitas pessoas gostam tanto de se corresponder com outros que
recorrem a Clubes da Correspondência104. Geralmente, os
correspondentes, fãs da correspondência postal, são informados da
existência dos clubes por amigos, familiares, ou até mesmo pela
internet, ao modo do International Pen Friends105, que divulga a adesão
de três milhões de pessoas ao longo de quarenta anos de existência,
para troca de correspondências exclusivamente pelos correios.
A correspondência permite às pessoas que não se conhecem, que
estão distantes e que nunca se viram, iniciar uma grande amizade ou
romance, como ilustra o enredo do filme Nunca Te Vi, Sempre Te
Amei106, baseado na vida da escritora Helene Hanff, residente em New
York.
Pelo amor aos livros, em 1949, iniciou uma troca de cartas, por
duas décadas, com Frank Doel, o dono de uma livraria de Londres,
104 Santos (2008) 105 http://www.ipfeurope.com/ipfportugues.htm 106 Sony Pictures (1986)
166
consolidando, ao longo do tempo, uma amizade sincera na qual
compartilharam dificuldades, confidências e sonhos.
A carta é um instrumento tão familiar que é utilizada na técnica
da carta perdida107 (lost-letter technique) em pesquisas
comportamentais para verificar níveis de tabu ou preconceito. A técnica
consiste na colocação de cartas endereçadas e seladas em locais
públicos, simulando o extravio das mesmas. A pessoa que encontra
uma destas cartas pode ignorá-la, enviá-la pelo correio ou destruí-la.
Ao encontrar cartas ‘perdidas’, muitas pessoas enviam-nas, como
demonstra uma pesquisa108 realizada pelo Laboratório de Psicologia
Ambiental do Instituto de Psicologia da Universidade de Brasília, na qual
se verificou que 61% das cartas ‘perdidas’ foram enviadas dentro do
prazo estipulado, outras 3%, com ligeiro atraso.
Que significado passa a ter uma carta perdida para alguém? É o
valor que se dá a uma carta que faz com que as pessoas a levem em
consideração, que se preocupe em enviá-las por perceberem a
relevância da correspondência entre aqueles que se encontram
distantes.
107 Webb, E. J., Campbell, D. T., Schwartz, R. D., Sechrest, L., & Grove, J. B. (1981). Nonreactive measures in the social sciences. Boston: Houghton Mifflin. 108 SILVA, Abelardo et al; Técnicas da carta-perdida como instrumento de pesquisa social: um estudo sobre preconceito e ajuda. In: Psicologia: Reflexão e Crítica. Vol.11. n.1. Porto Alegre, 1998.
167
Por que se escreve uma carta? Porque não se pode nem falar
nem calar109. É dessa dupla impossibilidade que nasceu a
correspondência, da qual se nutre e se perpetua, entre a fala e o
silêncio, entre a comunicação e a solidão, além de outros meios de
comunicação mais sofisticados que o desenvolvimento tecnológico
proporciona.
Lembro que o primeiro cartão de amor que escrevi tinha a
seguinte frase: Perto de você eu me calo. Tudo penso nada falo110.
Traduzia para mim, na época, a impossibilidade de falar e, ao mesmo
tempo de calar, encontrando como estratégia de comunicação a escrita,
na qual eu tive tempo de decidir o que queria escrever, o que queria
comunicar e das coisas que não poderia calar.
Outrora, durante séculos, em função da separação e das
distâncias, a carta era o único meio de se comunicar com os ausentes,
de falar de si e do mundo com o outro distante, superando as limitações
do espaço e do tempo, com informações, tantas vezes, já obsoletas,
que a missiva contém.
Ainda hoje, essa prática escrita é utilizada para falar de si e das
coisas do mundo, mesmo para aquelas pessoas analfabetas, que,
muitas vezes, recorrem a um escriba que busca registrar de forma mais
compreensível para o destinatário, o falar de si e do mundo do 109 Comte-Sponville (1997, p. 35) 110 Noel Rosa.
168
remetente, como ilustra o filme Central do Brasil111, que retrata a vida
de Dora, professora aposentada que ganha a vida escrevendo cartas na
maior estação de trens do Rio de Janeiro.
Por ser uma escrita íntima, as cartas constituem outro tipo de
escrita de si a ser utilizado na pesquisa autobiográfica e nos processos
de autoformação. Por isso, o convite à elaboração das cartas como
uma forma de levar os autores/participantes dos grupos de diálogo a
terem a oportunidade de avaliar na forma singular que a missiva
possibilita.
O intuito era possibilitar a cada autor/participante chegar a uma
conclusão sobre o falar e escrever de si; refletir sobre a experiência de
narrar sobre a própria história de vida; identificar a transformação ou
reinvenção de si na nova reperspectivação de sua vida pessoal e
profissional.
Porque há certas coisas que não podem ser ditas, ou mal, que apenas a escrita pode levar. A escrita nasce da impossibilidade da fala, de sua dificuldade, de seus limites, de seu fracasso. Disso que não se pode dizer, ou que não se ousa, ou que não se sabe. Esse impossível que trazemos em nós. Esse impossível que é nós. Há cartas que substituem a fala, como um ersatz, um substituto. Depois aquelas que a ultrapassam, que com isso tocam no silêncio. Estas nada substituem, e são insubstituíveis. O que não se pode falar, há que escrevê-lo. (COMTE-SPONVILLE, 1997, p. 37)
111 Videofilmes/Sony Pictures (1998)
169
A fala nos aproxima do outro quando nos separamos de nós
mesmos, quando ampliamos o foco para além do próprio ego. Numa
carta, ao contrário, só atingimos o outro ficando o mais próximo de
nós112. Quando se escreve no recôndito do silêncio, com transparência e
leveza, chega-se aonde a fala não vai.
A carta denuncia um distanciamento espacial e temporal entre os
interlocutores, e entre o autor da missiva e os acontecimentos que
relata. No entanto, a carta atua sobre aquele que a recebe. Na carta
realizam-se projetos de dizer113.
A eternidade da carta permite ser ela atual quanto aos nossos
projetos de dizer, ao modo do que retrata a película P.S. Eu Te Amo114,
que possibilita a uma jovem viúva receber e ler cartas escritas pelo
esposo doente antes de falecer. Cada carta foi escrita de modo a ajudá-
la, a guiá-la no caminho da superação da dor pela perda, levando-a a
sua própria redescoberta.
A carta sobrevive. Permite a releitura tantas vezes quanto se
quiser, prolonga o reencontro entre o escritor e o leitor. Toda fala é do
instante; toda escrita, da duração115. Há uma eternidade na missiva,
como uma fala eterna do escritor que se arrisca a expressar o que
pensa e sente.
112 Comte-Sponville (1997, p. 38) 113 Camargo (2000, p.87) 114 Paris Filmes (2007) 115 Comte-Sponville (1997, p. 39)
170
Escrevemos nossas cartas, não para vencer a morte, não para vencer o tempo, mas para habitarmos juntos, tanto quanto pudermos, apesar da separação, apesar do espaço, o pouco tempo que nos é dado e comum (COMTE-SPONVILLE, 1997, p. 36).
As cartas escritas pelos autores/participantes relataram um
pouco do que havia acontecido durante aqueles meses, retrata o
reinventar-se enquanto pessoa e profissional através do desafio
compartilhado da busca de compreensão de si e do outro, da re-
elaboração de conceitos e significados da dinâmica escolar e,
principalmente, da re-significação da própria vida, pessoal e
profissional.
Essas cartas não passaram pelas mãos do carteiro e isso me traz
a lembrança de uma música antiga que diz: Quando o carteiro chegou e
o meu nome gritou com uma carta na mão...116. O carteiro fazia parte
do nosso imaginário, era o responsável direto por trazer notícias de
tristeza ou alegria, gerava expectativas, nutria a imaginação.
A correspondência, hoje, em dia é repleta de avisos bancários,
cobranças, convites, propaganda. Não há cartas, cartas escritas à mão,
de alguém para alguém, contando as novidades, declarando seu amor,
116 Cícero Nunes e Aldo Cabral (1960)
171
ou encerrando uma aventura... Não recebo mais do carteiro uma
comovente notícia de morte. Muito menos uma carta de amor 117.
Os momentos dialógicos, as evocações de si, as narrativas orais e
escritas das histórias de vida, os projetos para o futuro e as cartas
constituíram-se estratégias para desenvolvimento da estrutura do
pensar complexo.
As estratégias dialógicas e a implicação ética para consigo e para
com os outros não podem estar desatreladas do pensar complexo, das
‘paradas’ necessárias para a reflexão sobre si mesmo e sobre o fazer
pedagógico.
Na expressão do pensamento complexo, do foi sentido, do
percebido, do observado de si no passado, entrelaçados ao que se
sente, percebe e observa de si no presente e ao que se deseja de si no
futuro, os participantes dessa pesquisa exercitaram o dizer-se no
mundo.
Esse exercício de falar de si, de compartilhar com os demais
envolvidos os próprios pensamentos, sentimentos e planos pessoais,
pelo diálogo, evidencia àquele que narra o processo autotransformador
desse modo de pensar, que não abrange a totalidade, mas que é
favorável à compreensão de si e dos outros.
117Mário Prata(http://www.marioprataonline.com.br/obra/cronicas/o_carteiro.htm)
172
Metadiálogo: diálogo polifônico rumo à cosmovisão
A despeito da aparente separatividade das coisas no
cotidiano, das classificações e dicotomias que estabelecemos intelectualmente, o cosmo é – em última análise – um sistema complexo de relações, uma totalidade única... Somos apenas o fio de uma teia cósmica de infinitas relações.
Clodoaldo Cardoso
173
Este diálogo polifônico é composto de múltiplas vozes atemporais,
que se fazem presentes das mais diversas formas, entre pesquisa,
livros, tese, cartas, histórias de vida, filmes e músicas. Subjetividades
polifônicas que explicitam a complexidade humana, ao mesmo tempo
em que ilustram a busca pela religação de saberes e pela compreensão
de si, do outro e do mundo.
As histórias de vida ocorridas nos mais diversos cenários estão
diretamente implicadas com o processo contínuo de reconstrução de
uma subjetividade social pertinente. Essa idéia contribui para que se
tenha uma compreensão de que os sentidos subjetivos são decorrentes
de uma produção social histórica.
A dimensão subjetiva de cada indivíduo, mesmo sob a influência
de uma subjetividade social, possui sentidos próprios que podem ser
explicitados na expressão plena do sujeito e, desse modo, contribuem
para a transformação da subjetividade social.
Há uma interfluência de valores, crenças e atitudes dos grupos
com os quais interagimos e isso contribui para construções específicas
de visões de mundo, de forma não homogênea entre todos os sujeitos
sociais, o que acarreta, nesse universo de inter-relações, o surgimento
das dificuldades resultantes do despreparo para vivermos com as
diferenças humanas.
174
Há códigos sociais que necessitam ser mantidos para garantir a
convivência de seus componentes. Apesar disso, é preciso garantir que
nas inter-relações cada integrante seja aceito como legítimo outro,
diferente de nós, porque nem todas as relações humanas são sociais
porque não operam na aceitação mútua.
Quando não há aceitação e respeito entre pessoas e/ou
sociedades caminha-se na direção da separação e da destruição das
possibilidades de compreensão, mesmo que as normas de convivência
estejam aparentemente sendo cumpridas.
Nessa dinâmica de interfluências, em prol da compreensão, há de
se buscar a superação dos desafios intrínsecos à intersubjetividade em
um esforço de minimizar as dificuldades que se tem em compreender
que as coisas possuem significados distintos para diferentes pessoas e
que há uma multiplicidade de sentidos inerente à condição humana. Por
isso, a necessidade de um pensar complexo e dialógico.
No ato dialógico, ao falar das coisas de si e do mundo, nos
tornamos, ao mesmo tempo, narradores e protagonistas da própria
história de vida. Nós não fazemos a narrativa de nossa vida porque nós
temos uma história; nós temos uma história porque nós fazemos a
narrativa de nossa vida118.
118 Delory-Momberger (2006, p. 363)
175
Cada um de nós é um narrador em potencial, capaz de se dizer no
mundo, ao modo do filme Narradores de Javé119, onde cada morador do
povoado de Javé é um narrador que reconstitui a história perpetuada
através da oralidade de sua família, na busca de garantir a existência
do lugarejo, ameaçado pela Modernidade: a construção de uma represa
que fará o povoado desaparecer em suas águas.
Na película, os diálogos que se estabelecem apresentam o
confronto, a recusa de sucumbir ante a Modernidade que desrespeita a
diversidade cultural, fragmentos complementares da pluralidade
humana.
Com as narrativas orais, a saga do fundador do povoado fica
repleta de versões permeadas pela visão pessoal dos moradores, em
função do processo de releitura e reconstrução de cada um, apesar do
sentido primitivo que mantém um elo entre a tradução e a versão
original, como se a história tivesse sido fragmentada em diversas partes
complementares.
O carteiro, ‘conhecedor das letras’, que também olha o mundo de
um lugar próprio, se vê diante do conflito de escrever a verdadeira
história do povoado, ante uma narrativa polifônica. É a diversidade de
traduções do mundo que exprime a identidade daquele povo e seu
119 Lumière e Riofilme (2003)
176
caráter híbrido120. Como registrar a complexidade das pluralidades em
uma versão única e definitiva?
Ao modo do carteiro, vivo o conflito da incompletude e do
inacabamento das coisas. Reconheço a impossibilidade de dar conta,
nesse metadiálogo, da complexidade das pluralidades e singularidades
do humano, presentes nas traduções de si e do mundo que cada
narrador expôs no processo dialógico vivenciado.
A escrita de qualquer tema exige momentos de atirar-se no
mundo, ler nas pessoas e nas coisas e refletir sobre o que se consegue
compreender; noutros momentos, é preciso auscultar-se, em
recolhimento porque escrever pode ser um meio usado para
compreender a si mesmo.
Na medida em que são registrados e expostos, em papel, as
idéias, os sentimentos, os projetos, sonhos e angústias, o exercício de
escrever e reescrever patrocina um auto-exame porque a escrita
oferece a oportunidade de um ‘acerto de contas’ consigo mesmo, na
identificação dos próprios limites e possibilidades.
Um texto contém o esforço e a necessidade de falar para outrem.
Falar de idéias, de sentimentos. É conversar com os ausentes que se
fazem presentes na comunicação. É o compartilhar do dito, ao modo da
relação entre remetente e destinatário, quando cada missivista 120 Silva (2004)
177
cuidadosamente escreveu de si e do que vivenciou durante a realização
desse estudo.
As cartas trazem à tona o entrelaçamento de nossos afetos, de
nossas vidas, ou seja, da convivência, do diálogo sobre as vidas dos
atores desse estudo. Assemelham-se em alguns aspectos e distanciam-
se em outros, do modo natural que é a diversidade das histórias de
vidas, singulares e plurais, marcadas por diferentes tempos, espaços,
vozes e trilhas percorridas.
Ao ler e reler os registros produzidos, principalmente, as cartas e
os diálogos revividos, a partir delas, seria impossível usar fragmentos
dos textos escritos, deslocando-os do contexto original da narrativa
para se tecer alguns comentários sobre os mesmos. Por isso, as cartas
encontram-se inseridas, na íntegra (anexo 3), como provocação e
convite a(o) leitor(a) para a realização da leitura das missivas.
As histórias de vida que não são compartilhadas não existem para
o mundo e, provavelmente, serão apagadas, esquecidas. Cada um de
nós tem uma história de vida porque a narramos, porque nos dizemos
no mundo.
O filme Escritores da Liberdade121, baseado em fatos reais, ilustra
como as histórias de vida narradas podem promover mudanças em um
121 Paramount Pictures (2007)
178
grupo que as compartilha, apesar das dificuldades psicológicas e
socioculturais que seus participantes vivenciam.
A película dá ênfase ao papel da educação como mecanismo de
transformações individuais e comunitárias, em um contexto social
problemático e violento, com uma turma de adolescentes descriminados
e envolvidos com gangues.
Ao perceber os problemas enfrentados pelos adolescentes, a
professora desenvolve um projeto de leitura e escrita, sem a
concordância da escola, recorrendo a instâncias superiores do sistema
de ensino para conseguir por em prática as suas idéias inovadoras.
A educadora entrega cadernos para que seus alunos escrevam
diariamente sobre a própria vida, sobre os conflitos íntimos e situações
problemáticas com os familiares, amigos ou outras gangues. Nesses
diários vão sendo registrados os fragmentos das histórias de vida dos
adolescentes.
Os estudantes recebem livros para ler, ao exemplo do Diário de
Anne Frank122 para que eles se sintam sujeitos de suas histórias e
capazes de registrar sobre a própria vida, percebendo a necessidade de
tolerância mútua necessária para que não ocorram mais barbáries, tal
como o holocausto. 122 Frank, Anne; Frank Otto & Mirjam Pressler. O Diário de Anne Frank. Rio de Janeiro: Record, 1997.
179
A publicação dos diários123 demonstra que o engajamento, a
implicação ética e esforços próprios podem superar os entraves da
burocracia e resistência a novos paradigmas pedagógicos, a partir da
conscientização de que cada ser humano, ao dizer-se no mundo
transforma a si e ao que vê do mundo, possibilitando-lhe a autoria de
novos dizeres e fazeres.
A história revelada, compartilhada, passa a ter novos significados,
tanto para quem narra quanto para quem passa a conhecê-la. No
compartilhar de histórias de vida, há uma dimensão coletiva que as
constitui; são histórias que superam distanciamentos espaciais e
temporais e se entrecruzam, representando caminhos e possibilidades
de ser ou de vir a ser.
Qualquer tentativa de reconstrução da experiência vivida nos
grupos dialógicos desse estudo sempre deixará escapar detalhes e não
dará conta da totalidade do que foi experienciado pelos envolvidos,
apesar do esforço em expressar e traduzir a complexidade daquilo que
se vivenciou.
Os encontros possibilitaram tornamo-nos personagens uns das
histórias de vida dos outros, favorecendo descobertas de si e do outro,
fomentando reflexões sobre as próprias trajetórias, revelando-nos
123
GRUWELL, Erin. The Freedom Writers Diary. New York, U.S.A.: Doubleday, 1999.
180
autores de uma nova trama que foi tecida pelas nuanças singulares da
história de cada um.
O conjunto de vozes e especificidades das trajetórias profissionais
dos demais se confronta com a história de vida de cada um, suscitam
ecos e reconstituem caminhos, estimulando reflexões, novos diálogos e
possibilidades acerca da expansão do próprio universo profissional e
pessoal.
Caminhar para si, com o outro, em atividades autoformativas que
se organizaram em torno de três grandes eixos124: implicação, reflexão
e co-produção de sentidos, como um método do “caminhar para si”,
com o outro e para o outro. O entrelaçar de cada eixo contribui no
fortalecimento de cada eixo específico.
O movimento de implicação, elemento epistemológico do pensar
complexo, surge a partir do momento de adesão de cada participante,
do estabelecimento do contrato mútuo e da disponibilidade íntima para
as evocações dos registros mnemônicos tanto da trajetória profissional
quanto das situações marcantes dessa trajetória.
A reflexão permeia todo o processo de “caminhar para si”, desde
o momento da escolha de participação, no envolvimento com a escuta
do outro, com a produção da fala autêntica, com a troca de saberes ou
com a construção do projeto de vida e seu vir a ser. 124 Josso (2004)
181
O exercício reflexivo possibilita a co-produção de novos sentidos
para o ser e o fazer profissional, para a busca de maior coerência entre
o que se quer ser e o que se está sendo, no exercício de uma
autonomia que liberta e produz escolhas na direção de uma suposta
felicidade.
A escolha profissional, por exemplo, se dá, muitas vezes, em um
momento de imaturidade, inexperiência e falta de informação, quando o
jovem segue as orientações familiares, podendo, ou não, descobrir mais
tarde o equívoco de suas escolhas.
A escrita autobiográfica possibilita uma reflexão compartilhada a
partir do nível de profundidade que aquele que narra consegue
aprofundar, em função da própria autopercepção e, sobretudo, do
ambiente de acolhimento e confiança que se instaura no grupo; do não
julgamento, da não rotulação do que é certo ou errado, bom ou ruim.
O desenvolvimento do trabalho foi prazeroso na ausência de
grandes expectativas idealizadas, mas na neofilia ante o que viria a ser
o desenrolar das coisas porque o projeto grupal foi construído em
vínculos de confiança entre os envolvidos.
O respeito mútuo ante as especificidades alheias permitiram o
despojar das próprias imaturidades, identificadas nas profundezas das
reflexões e compartilhadas na liberdade e confiança de dialogar sobre si
e as coisas do mundo.
182
É apropriado manter a distinção clara entre os procedimentos
utilizados na pesquisa autobiográfica e um procedimento de
desenvolvimento pessoal ou psicoterapia125, apesar de que os seus
resultados possam ser considerados terapêuticos.
A intenção do trabalho coletivo de compartilhamento dos relatos
orais e escritos é previamente explicitada, ou seja, a produção das
histórias de vida compõe o projeto autoformativo e heteroformativo
reconhecido por todos os participantes, no qual a narrativa abre espaço
para a reflexão sobre si e sobre os outros em relação às trajetórias
profissionais.
O projeto de si implicado no trabalho biográfico é desenvolvido no
âmbito da socialização dos relatos de vida, em um exercício de
inteligibilidade compartilhada, no qual se dispõe da experiência e da
competência biográfica que permitem compreender o outro e que me
permitem compreender-me por meio do outro126.
O exercício dialógico necessita desse ambiente de um pensar
complexo para que ele possa fluir, expandindo a capacidade reflexiva do
grupo e o levantamento de estratégias pessoais e coletivas para
projetar, com tranqüilidade íntima, as transformações de vida, fruto das
transformações da forma de ver e sentir a si, aos outros e ao mundo.
125 Delory-Momberger (2006), 126Ibid., p. 368.
183
O trabalho desenvolvido com os grupos nos dois centros
escolares foi uma experiência positiva sendo possível surpreender-nos
com a capacidade de reflexão, interação e transformação que
possuímos. Foi como despertar potencialidades adormecidas, lembrar
uns aos outros quem nós somos e compartilhar quem desejamos ser,
nos conscientizando do esforço necessário às mudanças desejadas.
Estar junto, dialogando sobre as coisas, falando de si,
oportunizou o autoconhecimento, a percepção de uma possível
grupalidade sadia e entendimento de perspectivas individuais e
coletivas, sonhos semelhantes e distintos, diferenças que nos tornam
iguais quando nos identificamos como pessoas com limitações, defeitos,
virtudes etc., mas acima de tudo com imenso desejo de tornar o mundo
melhor.
O trabalho introspectivo da evocação, rememoração de si,
precede o momento de socialização da própria história de vida, com
seus momentos marcantes permeados de valores, valorações e
sentimentos que nortearam as escolhas pretéritas.
Essas rememorações não são sempre fáceis de serem
compartilhados por causa do reviver de grandes emoções. É o
entrelaçamento entre a vida pessoal e profissional que nos surpreende
à medida que nos ajuda a exorcizar os fantasmas do passado.
184
O processo de elaboração da narrativa de história de vida se inicia
quando o narrador ocupa o espaço do personagem central que
experimenta a própria história127. Começa a partir do trabalho de
reflexão e análise sobre aquele e aquilo que foi narrado.
Esse trabalho remete a uma leitura hermenêutica que vai
configurando o vivido, na medida em que reconhece o mundo
manifestado na narrativa. E a análise dessa narrativa escrita possibilita
ao narrador identificar acontecimentos significativos que compõem as
referências concretas e subjetivas da sua trajetória profissional.
O acontecimento traz em si os sentidos, valores, sentimentos e
argumentos que compunham a ‘sabedoria de vida’ daquele que narra o
tempo pretérito, porém, re-significado no tempo presente, com a sua
maturidade atual, possibilitando uma maior compreensão de si e do
outro.
Um dos aspectos em comum para alguns participantes é a
evocação da trajetória profissional a partir da infância e do início de
vida escolar, período lúdico em que se inseria o ‘brincar de escola’, com
encenações que repetiam a percepção que eles tinham de sua vida
escolar. Momentos lúdicos nos quais nascia em mim um desejo maior
de ser professora.
127 Delory-Momberger (2006),
185
A influência intergeracional, dos professores, dos pais, avós,
familiares ou amigos da família se fazem presentes nos relatos, com
destaque para a presença materna na autobiografia. É o influir de
mães, tias ou avós ao modo de um ‘espelho’ na elaboração do feminino
em si e no exercício da profissão. É um vínculo que remete a gênese de
como nos tornamos mulheres, de como fomos educadas, de quais
valores fomos ensinadas a reconhecer como aceitáveis128.
Não é apenas a presença feminina que influencia a escolha
profissional. Há nos relatos, uma história singela de um avô de uma
professora que despertou nas gerações seguintes o interesse e gosto
pela educação.
Diferente das pessoas de sua idade, ele trabalhava o dia inteiro
no roçado e, à noite, alfabetizava os homens que trabalhavam com ele.
O avô dizia que sem conhecimento não se chegava a canto nenhum e
esse conhecimento vem também e principalmente dos livros. Mesmo
que você não mude de profissão, mas você tem a mente mais aberta e
quem sabe será mais feliz, realizado.
Toda história de vida possui momentos tristes e felizes porque a
vida não é linear, tampouco previsível. Lidamos com as incertezas e
com as mudanças o tempo todo. É a partir dessa autoconscientização
128 Barbosa (2005)
186
de uma trajetória profissional rica de experiências tristes ou alegres,
que vamos poder pensar no futuro e reconstruir a própria vida.
As atividades humanas têm em suas implicações um horizonte
repleto de possibilidades distintas que podem conduzir a vida de
diferentes formas. A nossa implicação no real e a nossa orientação para
o futuro podem compor um projeto de si, que não se constitui em algo
pronto, consciente e fixo.
O projeto de si representa uma direção, um vislumbre motivador,
uma orientação em direção ao futuro, constitutiva do ser129. Ele vai se
constituindo de realizações concretas, porém, transitórias que não
atingem uma completude, mas que necessitam de mediações que vão
delineando um lugar spatio-temporal.
A realização de um projeto de si é algo palpável e isso foi um fato
constatado antes da conclusão deste trabalho. À medida que os
encontros ocorriam, alguns participantes desenvolveram ações
concretas que direcionaram as mudanças as quais eles se propunham.
Essas mudanças foram o resultado das reflexões e
conscientização das impossibilidades (física, emocional ou mental) de
dar continuidade ao modo de atuação que vinha sendo desenvolvido no
próprio trabalho, pelo nível de insatisfação pessoal e profissional.
129 Delory-Momberger (2006, p. 364)
187
A criação e a implementação de estratégias para qualquer tarefa a
ser executada necessita de investimento material e afetivo. A motivação
e o desejo para a manutenção e fortalecimento dos vínculos existentes
dependem do tipo de resposta que se recebe da escola, dos pares, da
sociedade e se não correspondem às expectativas satisfatórias acabam
enfraquecendo-se até a ruptura definitiva.
Nem sempre é confortável descobrir que o trabalho que está
sendo realizado não tem relação com as suas necessidades e interesses,
ou seja, o trabalho docente não corresponde às representações que o
professor tem e nem está sendo suficiente para concretizar o seu
projeto de futuro.
A não correspondência entre o real e o idealizado e entre o real e
o projetado dificultam a produção de vontade e esforço para manter os
vínculos existentes. À medida que a percepção da não correspondência
se amplia, o enfraquecimento dos vínculos com a instituição e com o
trabalho aumenta. É um processo cumulativo que, ao desenvolver-se,
gera diferentes tipos de abandono antes do abandono definitivo.
A narrativa das histórias de vida funciona, muitas vezes, como
uma forma de fazer um balanço prospectivo, uma avaliação de si, um
reconhecimento no passado de orientações para o futuro. Um mundo de
possibilidades se abre porque a história de cada um não está fechada
188
em si e, por isso, há espaço para o devir, para as infinitas possibilidades
do ser humano.
Preparar o próprio projeto de vida é um exercício que todos nós
deveríamos fazer. Pensar e escrever para si com clareza suas metas,
objetivos e desejos. As coisas que são tão importantes para nós, não
devem ficar apenas no campo das idéias. Pensar minha trajetória e
fazer o projeto de vida me fez refletir sobre o elo que une o ontem, o
hoje e o amanhã; lembrou-me que, quando não o perdemos de vista
sempre saberemos quem somos.
Ao terminar a produção escrita a partir da narrativa oral, na qual
cada narrador transcreveu, subtraiu, adicionou ou transformou o que
disse, iniciou-se o momento delicado de leitura e compreensão, tanto
do próprio processo de formação quanto o dos demais participantes de
seu grupo dialógico.
Vivenciamos um exercício hermenêutico de intercâmbio de
subjetividades que revelaram a polissemia das experiências
vivenciadas, produzindo novos significados sobre o que somos.
Isso foi possível, a partir da ‘entrega de si’, implicação pela
confiança mútua estabelecida entre os participantes do grupo,
principalmente pelo apoio da gestão e coordenação, fundamentais para
o desenvolvimento do projeto.
189
Na intenção de caminhar para si, o trabalho biográfico sobre o
passado é um processo que só termina no fim da vida, e nesse ínterim,
traz em si o potencial de mudanças de: direção, valores, significação,
saber viver consigo, com os outros e com o meio. Para tanto, há um
investimento afetivo e intelectual de cada participante em seu projeto
autoformativo e de conhecimento, condição imprescindível para a
viabilidade do mesmo.
A reflexão sobre as próprias atitudes e a forma de vida pessoal e
profissional, permitiu aos participantes perceberem-se reaprendendo a
respeitar os seus limites e procurar viver com melhor qualidade de vida,
abrindo o leque de possibilidades que podem existir, é só querer.
O exercício de interligação entre as dimensões da temporalidade
(passado, presente e futuro) vislumbra um futuro e abre possibilidades
para a construção de um projeto de vida que pode contemplar
diferentes aspectos pessoais: profissional, social, cognitivo, afetivo,
existencial, entre outros.
A pesquisa autobiográfica, através das narrativas de histórias de
vida, pode proporcionar mudança na própria pessoa que, ao narrar de si
e do mundo se forma a si mesma, pela sua relação com o saber e com
sua própria formação.
190
As histórias de vida por si só não formam nada além da
capacidade de mudança qualitativa, pessoal e profissional, engendrada
por uma relação reflexiva com sua ‘história’ considerada como processo
de formação130, ou seja, elas contribuem para o reconhecimento da
própria vida como experiência que instaura uma relação dialética entre
o passado e o futuro que potencializa a transformação do viver.
Concluídos os projetos com os dois centros municipais, pensa-se
nos demais centros e escolas da rede municipal de Natal e na
possibilidade, quiçá, da continuidade deste trabalho. Ao voltar às
escolas para mostrar o presente texto, depara-se com muitas
mudanças. O projeto de vida em ação, as energias direcionadas em
busca de uma maior felicidade pessoal e profissional.
Mesmo que o trabalho possa continuar na rede municipal de
Natal/RN ou em outra instância qualquer, é imprescindível rever os
espaços de realização, para que os novos projetos possam acontecer de
maneira mais otimizada nas escolas.
Um dos aspectos desfavoráveis ao trabalho na escola foi a
condição física inadequada para os momentos de relaxamento, reflexão
e diálogo, nos quais eram realizados mobilização de energias e
identificação do corpo energético, estudado pela medicina chinesa, há
milênios, para re-estabelecimento do seu equilíbrio.
130Ibid., p. 365.
191
Na avaliação acerca dos encontros dialógicos, há de se considerar
a influência direta da afetividade nesse processo avaliativo, permeado
pelos afetos, laços invisíveis que se estabeleceram ao longo dos
encontros.
A elaboração da própria narrativa permite ao pesquisador
vivenciar as dificuldades inerentes ao falar de si e trazem contribuições
para que se possa desenvolver, no futuro, com mais qualidade, novos
projetos que proporcionem aos educadores o ‘caminhar para si’.
Nas relações humanas, os nossos atos podem ser permeados de
dúvidas sobre as escolhas mais assertivas. Independente da
multiplicidade de escolhas, uma delas precisa ser definida, operada e
assumida as suas conseqüências.
Temos vertigem quando não deciframos com facilidade no outro a
repercussão de nosso ato131. O outro pode camuflar o que pensa e
sente, de modo a nos enganar em relação às repercussões de nossas
escolhas. Só o diálogo pode ainda nos dar a medida daquilo que
fizemos.
Ao reconhecer que os saberes subjetivos e não formalizados se
entrelaçam aos saberes formais e exteriores ao sujeito, considera-se
que ambos perpassam as relações sociais e experiências práticas da
vida de modo a estabelecer novas relações com a construção de novos 131 Cifali (2001, p. 107)
192
saberes e com o processo formativo, proporcionando aos atores a
responsabilidade pela própria formação.
A narrativa não corresponde aos fatos porque a vida recontada
não é a vida. E essa simples constatação merece ser relembrada, uma
vez que as práticas de formação não pretendem reconstituir por si só o
que de fato foi vivido. As histórias de vida não é a vida; são construções
narrativas elaboradas pela oralidade ou escrita daquele que narra.
O sentido que a vida recontada traz para o narrador é mais
importante que a narrativa em si. Importa a tradução e re-significação
de um passado recomposto no aqui e agora de sua enunciação. Ela é a
história que eu me atribuo e na qual eu me conheço, é a que me
convém e a qual eu convenho, a versão ‘suficiente boa’ que eu me dou
da minha vida132.
O poder-saber possibilita ao sujeito ter novas perspectivas para a
sua vida, agindo sobre si mesmo e sobre o ambiente, reescrevendo sua
história de acordo com os sentidos e finalidades que vislumbra.
Compreender essa dinâmica é vivenciar os desafios éticos e
epistemológicos da intersubjetividade.
A beleza de lidar com esses desafios inerentes ao diálogo e
compartilhar de histórias de vida é poder atirar-se em mergulho nas
incertezas, aprendendo um pouco mais de si e do mundo. Vivenciou-se 132 Delory-Momberger (2006, p. 362)
193
um exercício de estar pronta para o imprevisto e o impensado. Foi
correr o risco de não ser mais a mesma após a pesquisa.
Para produzirmos conhecimento acerca do fenômeno complexo da
intersubjetividade é preciso ousadia e consciência de que a produção é
construtivo-interpretativa e que a subjetividade de quem investiga está
implicada e que fazemos parte da teia de intersubjetividades inerente
ao processo investigativo. A produção de conhecimento é interativa e
interação implica em afetividade.
Os processos de formação profissional que ousam dar vez e voz
aos participantes, são incoerentes se esperam atender única e
exclusivamente aos objetivos de um projeto de formação profissional,
seja em que área for.
Ao permitir o espaço e tempo de direito ao intercâmbio de
subjetividades, adentra-se ao mundo das incertezas no qual cada
sujeito irá compor a própria vida, de acordo com seus novos anseios e
visão de mundo.
Optar pela pesquisa autobiográfica e formação é possibilitar a
ampliação do autoconhecimento, é dar espaço para que se pense em
alternativas, possibilidades e novas escolhas possam ser feitas, sejam
elas para qualificação do trabalho profissional em desenvolvimento,
sejam para ‘dar asas’ e liberdade de transformações.
194
É preciso investir na perspectiva de que a compreensão não está
centrada na individualidade, na subjetividade e na interpretação que
damos às coisas. Muito pelo contrário, sua natureza é relacional, os
sentidos nascem dos diálogos, dos relacionamentos humanos, do
exercício da intersubjetividade, espaço da relação com o outro.
O fenômeno da intersubjetividade é complexo e necessita cada
vez mais ser compreendido para evitar as frustrações daqueles que
esperam do processo formativo apenas a melhoria da qualidade no
trabalho, porque quando se estabelece uma rede de intersubjetividades
cada um pode descobrir um novo caminhar para si, com o outro, rumo
a um horizonte ilimitado.
A co-produção de conhecimentos depende dos diversos papéis
que assumimos nas narrativas construídas nas trocas dialógicas. É no
domínio relacional que vamos enunciar possibilidades de nós, a
multiplicidade de sentidos compartilhados que fazem com que não
sejamos autores únicos do nosso eu.
A vida social e inter-relacional faz com que nossa autoria seja
coletiva porque cada um de nós tem, ao mesmo tempo, a alteridade
garantida, bem como traz os outros em si. Isso, de fato, faz com que
produzamos e tenhamos co-autorias na construção de nós mesmos.
Somos singulares e plurais.
195
Estudar a intersubjetividade implica em dar vez e voz aos
envolvidos, recuperando a sua condição de sujeitos co-produtores de
conhecimento. O exercício intersubjetivo atua em um plano
epistemológico de construção, onde o conhecimento se produz em
processos construtivo-interpretativos sobre as múltiplas e complexas
experiências do humano que podem ser compartilhadas pelo
pensamento complexo e dialógico.
Apesar de serem legítimas as significações inerentes a
subjetividade, precisamos nos despir das certezas para ampliarmos a
compreensão acerca da própria incompreensão existente no mundo,
precisamos aprender a criar pontes entre nós para que haja
compreensão. Podem ser pontes de papel, como as cartas; podem ser
pontes de palavras, como os diálogos; podem ser pontes invisíveis,
como o afeto.
Compartilhar olhares e pontos de vista através do diálogo pode
ser favorável à reflexão e ampliação do discernimento, mesmo que o
exercício dialógico não dê conta da totalidade da compreensão.
Possibilita a oportunidade para um desenvolvimento pessoal que não
obstrui o desenvolvimento alheio, e sim, que contribui para que outros
possam compreender melhor a si e ao mundo.
196
Na vivência da intersubjetividade, há a identificação das
especificidades de cada um que podem contribuir ou dificultar para que
pontos de vistas diferentes se somem na direção da compreensão de
nova realidade, que não é de fato, o real, tampouco a totalidade, mas
que irão compor a construção gradativa de uma cosmovisão
compartilhada.
Os processos subjetivos contínuos de cada ser humano, pelo
pensar dialógico e complexo, se intercambiam, se ampliam e se
transformam. São diálogos consigo e com o mundo, com diversos
interlocutores, presentes e ausentes, atuais e pretéritos, que se
integram a nós e passam a fazer parte do que estamos nos tornando na
elaboração do enredo de nossa história de vida.
A prática recursiva da auto-análise entre tempos de ser é um
exercício de ética para consigo porque contribui para o desenvolvimento
da criticidade, da profilaxia do auto-engano e da transparência de
intenções para o que se espera de si mesmo na realização profissional e
pessoal.
O pensar complexo contribui para a vivência de uma ética
complexa, una e múltipla, que não se dilui na intersubjetividade, mas,
que se desdobra em auto-ética, sócio-ética e antropoética, que se
amplia de modo que viver humanamente traduza a possibilidade de se
assumir plenamente as três dimensões da identidade humana: a
197
identidade individual, a identidade social e a identidade
antropológica133.
Somos capazes de diferentes modos de pensar, sentir e agir. É o
caráter híbrido do olhar sobre as coisas que ilustra a diversidade de
subjetividades existente na complexa humanidade da qual integramos.
Precisamos aprender sobre o exercício dialógico da compreensão
a fim de garantir espaços onde possamos vivenciar o entrelaçar dessa
pluralidade humana, que de modo criativo e infinito, produzirá, a todo o
momento, novas e infinitas mesclas entre os vários espectros do
subjetivo.
133 Morin (2005, p. 202)
198
Minhas Referências
Aprendem-se muitas coisas lendo-as em livros;
mas os ensinamentos mais importantes, o conhecimento mesmo do mundo, só se aprende lendo o próprio ser humano, estudando-o em suas várias edições.
Philip Chesterfield.
199
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207
Anexos
ANEXO 1
i
Filmografia Babel (Babel). Direção: Alejandro González Iñárritu; Elenco: Brad Pitt, Cate Blanchett, Gael García Bernal, Adriana Barraza, Rinko Kikuchi; Duração: 143 min.; EUA/México: Paramount Pictures, 2006.
Central do Brasil (Central do Brasil). Direção: Walter Salles; Elenco: Fernanda de Oliveira, Vinícius de Oliveira, Marília Pêra, Othon Bastos, Matheus Nachtergaele, Otávio Augusto, Caio Junqueira e Stella Freitas; Duração: 112 min.; Brasil: Videofilmes/Sony Pictures, 1998.
Crash – No Limite (Crash). Direção: Paul Haggis; Elenco: Sandra Bullock, Don Cheadle, Matt Dillon, Jennifer Esposito, William Fichtner, Brendan Fraser, Ludacris, Thandie Newton, Ryan Phillippe, Larenz Tate, Tony Danza, Keith David, James; Duração: 122 min.; EUA/Alemanha: Imagem Filmes, 2004.
Escritores da Liberdade (Freedom Writers). Direção: Richard LaGravenese; Elenco: Hilary Swank, Patrick Dempsey, Scott Glenn, Imelda Staunton, April Hernandez; Duração: 122 min.; EUA/Alemanha: Paramount Pictures, 2007.
Narradores de Javé (Narradores de Javé). Direção: Eliane Caffé; Elenco: José Dumont, Nelson Xavier, Dirce Migliaccio, Matheus Nachtergaele, Rui Resende, Nelson Dantas, Mário César Camargo, Gero Camilo; Duração: 100 min.; Brasil: Lumière e Riofilme, 2003.
Nunca Te Vi sempre Te Amei (84 Charing Cross Road). Direção: David Hugh Jones; Elenco: Anthony Hopkins, Anne Bancroft, Judi Dench, Jean de Baer, Maurice Denham; Duração: 99 min.; EUA/Inglaterra: Sony Pictures, 1986.
P.S. Eu Te Amo (P.S. I Love You). Direção: Richard LaGravenese; Elenco: Hilary Swank, Gerard Butler, Lisa Kudrow, Jeffrey Dean Morgan, Gina Gershon; Duração: 127 min.; EUA: Paris Filmes, 2007.
ANEXO 2
i
Musicografia Alice (Não Me escreva Aquela Carta de Amor). Compositores: Leoni, Paula Toller, Bruno Fortunato; WEA: Seu Espião, 1984.
A Carta. Compositor: Julio Louzada, Jorge Gonçalves; Intérprete: Waldick Soriano; Warner: Warner 30 Anos – Waldick Soriano, 2006.
A Carta Que Não Foi Mandada. Compositor: Vinícius de Moraes, Toquinho; Intérprete: Vinícius de Moraes; Phillips: Vinícius e Toquinho, 1974.
Carta a Tom. Compositor: Toquinho, Vinícius de Moraes; Intérprete: Vinícius de Moraes; Phillips: Vinícius e Toquinho, 1974.
Carta. Compositor: Erasmo Carlos, Roberto Carlos; Intérprete: Erasmo Carlos e Renato Russo; Sonyc Music: Homem da Rua, 1992.
Devolva-me. Composição: Renato Barros/Lilian Knapp; Intérprete: Adriana Calcanhoto; Som Livre: Perfil, 2003.
Meu Caro Amigo. Compositor: Francis Hime, Chico Buarque de Holanda; Intérprete: Chico Buarque de Holanda, Phonogram: Meus Caros Amigos, 1976.
O Mensageiro. Compositor: Cícero Nunes, Aldo Cabral; Interprete: Isaurinha Garcia; Odeon: Sempre Personalíssima, 1959.
ANEXO 3
i
As Cartas...
Escrevemos nossas cartas, não para vencer a morte,
não para vencer o tempo, mas para habitarmos juntos, tanto quanto pudermos, apesar da separação, apesar do espaço, o pouco tempo que nos é dado e comum.
André Comte-Sponville
ANEXO 3
ii
Natal, 08 de Novembro de 2007. Querido Paulo Freire, Hoje me peguei com vontade de escrever para você,
no intuito de poder compartilhar algumas experiências vividas nos últimos tempos na Escola Marise Paiva.
Esta experiência começou no dia em que chegou, na Escola, uma professora chamada Leuzene com uma proposta de trabalho que serviria como pesquisa para sua tese de doutorado, de início fiquei apreensiva porém, logo no primeiro encontro gostei do que ela nos tinha proporcionado, porque diferente de outras experiências, esta nos deu a oportunidade de estarmos desfrutando de técnicas de energização que até então eu não havia vivenciado.
Depois deste momento, a cada etapa vivenciada era uma surpresa. No segundo encontro tivemos que relatar sobre como foi o nosso ingresso na vida profissional como educadora, assunto até então muito difícil, para mim, compartilhar, pois isso me martirizava muito por ter sido uma experiência frustrante. Porém acabei me surpreendendo com o quanto aquele momento me fez bem, pois me ajudou a exorcizar os fantasmas do passado.
ANEXO 3
iii
Com este curso fomos instigadas a registrar nossos anseios, desejos, angústias e refletir sobre as nossas ações da nossa vida. Podemos a partir daí traçar os nossos objetivos de vida através de um mapa mental do projeto de vida.
Querido amigo, esses momentos foram de grande satisfação, de encontro com meus ideais e compreensão dos meus anseios.
Creio que este projeto da professora Leuzene poderia contribuir muito com suas pesquisas na área da educação, em delinear o perfil do educador que temos e que queremos ser.
Bem, sem mais, gostaria de me despedir já expressando bastante saudades.
Beijos, de sua amiga, Água Marinha
ANEXO 3
iv
Natal, 08 de Novembro de 2007. Ao Sr. Paulo Freire O estudo sobre a síndrome de Burnout com a
professora Leuzene foi bastante válido a minha vida profissional, visto que pude refletir sobre a minha trajetória profissional, destacando nela as satisfações, dificuldades, sentimentos e uma auto-avaliação sobre essa trajetória e que caminho devo seguir.
O resultado não foi diferente do que eu imaginava, a educação propriamente dita, deixa lacunas quanto a minha realização profissional. Outro caminho ainda precisa ser explorado, na área de administração, área essa que pretendo conhecer e conciliar os meus conhecimentos em educação.
O projeto de vida profissional é o retrato desse meu desejo e ele ficará exposto em minha casa até o dia em que eu iniciar toda a mudança traçada.
Portanto, durante esses 5 meses de estudo refletiram positivamente em minha vida profissional, na medida que conheci outras experiências profissionais (realizações e
ANEXO 3
v
frustrações), e uma reflexão mais profunda sobre a minha vida.
Apenas em um aspecto não consegui mergulhar profundamente: nos exercícios de relaxamento e energização. Faltou concentração!
Mas, da próxima vez me dedicarei mais, contribuindo assim p/ o meu próprio bem estar e do outro.
Peço ao Senhor que parabenize Leuzene pelo seu trabalho, empenho e dedicação ao outro, bem como a sua contribuição a educação.
Atenciosamente Diamante
ANEXO 3
vi
Natal, 08 de Novembro de 2007. Querida Leuzene, O trabalho desenvolvido pelo projeto “Caminhar para
si” foi muito interessante, sobretudo, pelas reflexões que foram possibilitadas a partir de atividades variadas como evocações orais e relatos escritos sobre nossa história na Educação, desde a entrada neste campo de trabalho até os nossos sentimentos em relação a ela na atualidade.
Outro aspecto positivo e muito relevante a ser destacado é a interação do Grupo das Pedras Preciosas, cujos laços de amizade foram estreitados e aprofundados, a partir do conhecimento de fatos, opiniões e valores que vieram à tona, através das atividades desenvolvidas, nestes quase cinco meses de trabalho.
Por fim, gostaria de elogiar a condutora deste trabalho, você, pela sua postura tão ética e a competência com que conduziu as atividades, trabalho este facilitado pela sua grande meiguice.
Um abraço, Rubi.
ANEXO 3
vii
Natal, 19 de Novembro de 2007. Querida Sandra Borba Sempre te admirei pela profissional que você é!
Tornou-se um referencial para a minha profissão e você sabe que a nossa prática no dia-a-dia não é fácil, mas, sempre acontece algo de bom e extraordinário na nossa vida.
Explico: esse ano ocorreu um fato marcante, conhecemos uma colega realizando um trabalho que procurava entender o stress do nosso dia-a-dia e começou a entrevistar-nos com seu jeito doce e meigo e me cativou por completo. Seu plano era nos levar a entender o que causava tanto stress no nosso trabalho e como lidarmos com isso!
Houve momentos de reflexão (importante), momentos de relaxamento (fascinante), mas, acima de tudo, apoio, cumplicidade, esclarecimento, tornou-se uma amiga que vou chamá-la Leuzene.
Se dependesse de mim Sandra, ela continuaria com esse trabalho na escola, o professor tem alguém para ouvi-lo, os desabafos você sabe não se pode relatar a todo mundo
ANEXO 3
viii
e essa oportunidade tornou esses 6 meses fácil o dia-a-dia da escola.
Devo acrescentar que é todo profissional que pode fazer um trabalho assim, porque ele percorre não só o íntimo do professor, como do humano que é esse professor. Por isso esse profissional tem que ser ético, sensível, atencioso e respeitador, e, tudo isso encontramos na nossa amiga Leuzene.
Sabe o que desejei para ela Sandra? Que as muitas águas da vida, não destrua o que ela é e o que ela almeja.
Sinto saudades das suas palestras Grande Mestra como vou sentir saudades da minha amiga Leuzene.
Com respeito e admiração. Sua aluna Lagoa
ANEXO 3
ix
Natal, 19 de Novembro de 2007. Deus, Venho através desta, compartilhar contigo os bons
momentos que vivenciei junto ao “Grupo das Águas”, no projeto de doutorado de Leuzene. Sei que Tu tudo sabes e tudo podes, mas necessito compartilhar essas vivências.
Durante os seis meses, nos quais convivemos, e fomos apresentadas ao estudo sobre a síndrome de burnout, pude refletir muito sobre a minha atuação profissional. Considero que através dessas vivências me encontrei comigo mesma e tive a possibilidade de avaliar-me profissionalmente. Como acredito que nenhuma folha seca possa cair sem a tua permissão, tenho certeza que Leuzene foi enviada por ti. Quando no início do processo eu me encontrava totalmente desanimada para as intervenções com a educação infantil, mas não tinha forças para mudar essa realidade. Hoje, avalio que todas as conquistas, tais como: a decisão de sair da educação infantil; a candidatura à gestão; o projeto do mestrado, entre outros, se devem de alguma forma a ajuda que esse processo me deu.
ANEXO 3
x
Avalio a condução do processo por Leuzene com a mais positiva possível. Compreensiva, tranqüila, participativa, amiga e absolutamente ética. Muitas saudades ficarão. Mas, o crescimento e a ajuda já são fato.
Obrigada! Oceano
ANEXO 3
xi
Natal, 27 de Novembro de 2007. Caro Hudson, Bom Dia... Ao iniciar essa carta quero desejar-lhe muita paz e
tranqüilidade em seu trabalho e vida familiar. Professor, tenho participado de alguns cursos na área
educacional e recordado alguns daqueles que planejávamos para os nossos professores. Como vai nossa escola? E os nossos alunos? Tenho sentido muitas saudades de todos da equipe.
Sabe professor, a SME juntamente com o Setor de Ed. infantil tem nos proporcionado alguns cursos e dinâmicas, nos últimos 6 meses venho participando aqui no CMEI Carmem Reis de um Curso de Energização ministrado pela Doutoranda Leuzene o qual tem nos proporcionado muita tranqüilidade, harmonia, capacidade de organização pessoal e profissional prevenindo o stress do cotidiano. Tenho avaliado esse momento como de suma importância para nossa vida pessoal, profissional e familiar.
E concluindo esperamos que a SME pense nesse espaço de atendimento ao profissional de educação onde
ANEXO 3
xii
precisamos ter atenção, ser ouvido e capacitado para trabalharmos melhor com nossas crianças da cidade do Natal.
Atenciosamente, Profª Luz
ANEXO 3
xiii
Natal, 27 de Novembro de 2007. Caríssimo Paulo Freire É com imensa satisfação que escrevo esta simples
carta para comunicar do prazer que tive nesta corrida vida de educadora infantil, em ter participado durante seis meses, de momentos felizes de relaxamento com a professora doutoranda Leuzene.
Faz-se necessário deixar claro que, a estimada professora Leuzene, está fazendo um belíssimo trabalho sobre a síndrome de burnout, problema este que tem afetado vários profissionais que trabalham na área médica, na educacional, entre outros.
O trabalho desenvolvido pela referida profissional, me deixou bastante satisfeita, pois foi através dos relatos, dos exercícios e de suas dinâmicas, que cheguei ao conhecimento de problemas antes desconhecidos. Pois antes não me dava conta de como fazer para superar os desafios que a vida nos apronta. Eu passei momentos de angústias sem saber por onde começar a resolvê-los, muitas vezes querendo até mesmo desistir do que já tinha começado. Sentia-me insatisfeita com o trabalho e comigo mesma.
ANEXO 3
xiv
Querido Paulo, finalizo estas minhas palavras com carinho e saudades de poder revê-lo.
Deixo claro, que foi muito bom o tempo que Leuzene passou comigo, o seu trabalho é excelente. Ela precisa fazendo este trabalho com mais pessoas, para que as mesmas se sintam mais autoconfiantes.
Vida
ANEXO 3
xv
Natal, 27 de Novembro de 2007. Prezado Professor Cabral Neto É com muita satisfação que estou escrevendo esta
carta para você onde relato uma experiência interessante que tive a oportunidade de vivenciar no decorrer deste semestre.
Na Escola Carmem Reis (Centro Infantil), onde estou desenvolvendo minha função pedagógica, conheci uma jovem por nome Leuzene, professora concluindo doutorado e desenvolvendo pesquisa sobre síndrome de burnout, que oportunizou 9tanto para mim como as outras colegas conhecimentos acerca deste assunto e durante os encontros realizados tive a oportunidade de me conhecer um pouco mais, além de perceber que somos um grupo com perspectivas e sonhos diferentes, uma vez que essa diferença nos torna iguais quando nos identificamos como pessoas com limitações, defeitos, virtudes etc. ... mas, acima de tudo com imenso desejo de tornar o mundo melhor.
Foram vários os momentos interessantes que vivenciei durante esta mediação, porém, gostaria de falar de algo em especial que se deu quando no registro dos projetos pessoais e profissionais para minha vida, o desenvolvimento dessa
ANEXO 3
xvi
ação me possibilitou estabelecer uma visão de futuro sistematizada, fato esse que me permitirá uma melhor organização e priorização de aspectos relevantes para o crescimento meu quanto das pessoas do meu convívio, assim creio.
Então, professor, minha satisfação por você dedicar o seu preciosos tempo lendo esta carta, onde registro minha gratidão tanto a você como a Leuzene, bem como as minhas colegas, Peixinho e Ondas do Mar que foram muito importantes e acrescentaram muito em todos os aspectos de minha vida.
Um grande abraço, Ostra
ANEXO 3
xvii
Natal, 27 de Novembro de 2007. Querida Leuzene, Nesses meses que passamos juntas foi bastante
produtivo. Pois, através do trabalho que você desenvolveu conosco, nos ajudou a refletir sobre as atitudes e a forma de vida pessoal e/ou profissional. Eu, particularmente estou reaprendendo a respeitar meus limites e viver com melhor qualidade de vida.
O trabalho desenvolvido aqui, com certeza não será esquecido. Você conseguiu encaminhar as atividades de maneira imparcial e com toda discrição nos deixou a vontade. Dessa forma, você transmitiu segurança e criou um ambiente, onde acabamos construindo vínculos afetivos necessários ao bom convívio social e a qualidade na produção e no desempenho de cada um. Penso que fui uma pessoa participativa durante o processo.
O auge da sua contribuição, Leuzene, foi me fazer refletir sobre o meu “eu” e do leque de possibilidades que podem existir, é só querer. Por fim, quero agradecer por sua paciência, sua compreensão e seu carinho.
ANEXO 3
xviii
“Não há rosas sem espinhos, não há dia sem noites, não há vida sem dor...”
Beijos, do Peixinho que nadou em seu mar.
ANEXO 3
xix
Natal, 27 de Novembro de 2007 Querido Djalma Maranhão Estou muito feliz em poder está fazendo mais um
contato com você através desta carta. Gostaria de dizer que encontro-me bem na construção do meu projeto de vida pessoal, profissional e familiar, enfim, do meu projeto de vida. E este como você deve lembrar faz parte de um trabalho desenvolvido pela educadora Leuzene aqui no CMEI Carmem Reis, que objetivava comparar a relação profissional com a síndrome de burnout.
Como você bem me conhece, o desenvolvimento do trabalho para mim foi bastante prazeroso, não criei muitas expectativas em como seria o desenrolar das coisas e onde iriam chegar, afinal de contas o caminhar e as descobertas que este caminhar nos proporciona é a melhor parte na construção e efetivação de um trabalho de preferência de qualidade, pois trabalho qualquer pessoa realiza, mas, como o grupo que participo deste momento era composto por pessoas especiais o trabalho fluiu muito bem.
Como citei anteriormente, o trabalho foi realizado por um grupo composto por quatro pessoas. Leuzene enquanto
ANEXO 3
xx
coordenadora e eu e mais duas professoras na condição de participantes.
À medida que os encontros aconteciam fui percebendo a seriedade, o envolvimento e o respeito que todas tinham umas pelas outras. A primeira atividade “Como me tornou professora”, foi bastante interessante, mostrou meu lado ingênuo, imaturo e infantil a forma como escolhi minha profissão, mas paralelamente também pude perceber as mudanças que os anos e a própria profissão me proporcionaram, estou satisfeita com o resultado (claro que preciso melhorar muito mais). O lado negativo do trabalho foi minha dificuldade em otimizar o tempo para realização das atividades propostas.
Gostei muito de ter me permitido viver estes momentos, pois agora posso falar com a propriedade de quem viveu.
Até breve com outras notícias. Um beijinho carinhoso Ondas do Mar
ANEXO 3
xxi
Natal, 29 de Novembro de 2007. Queridas Ondas do Mar e Alegria, Durante 5 meses estive participando da pesquisa,
junto com Mar, que Leuzene está desenvolvendo no seu doutorado.
Foram momentos muito válidos, pois, trabalhamos com um conteúdo que é muito deixado de lado por nós, profissionais da educação: NÓS MESMOS. Nossos desejos, ansiedades, curiosidades, sonhos... Isso, às vezes, é tão difícil, mas, é bom saber que estamos vivas e na luta!
Eu quero agradecer a você, Alegria, por ter me cedido o tempo do planejamento que é tão preciosos para nós e a você Ondas do Mar, pelas palavras de: “Você vai gostar muito.” “Não desista, aproveite.” “Preste atenção e coloque em prática.” Obrigada às duas.
O que eu não gostei muito foi o espaço, um pouco desconfortável quando vamos fazer o relaxamento. Talvez se fosse um espaço mais silencioso, nós teríamos nos concentrado mais.
ANEXO 3
xxii
Apesar disso eu aprendi muito, a respeitar o meu tempo (ritmo), as minhas condições físicas, a parar e planejar as minhas ações futuras.
Leuzene soube nos conduzir com muito carinho e cuidado nos momentos de relaxamento, tornando esses momentos muito agradáveis e prazerosos. Ela até nos perdoou nos inevitáveis cochilos.
Espero que esse trabalho permaneça no próximo ano, pois, ele nos ajuda muito na nossa prática em sala de aula e na nossa vida pessoal.
Atenciosamente, Concha
ANEXO 3
xxiii
Professora Ana Karina. Hoje é nosso último encontro com a professora
Leuzene. Estou muito grato por ter tido a oportunidade de participar deste trabalho desenvolvido com muito carinho. Gostei em especial de relembrar a minha trajetória profissional onde eu pude perceber que não foi tão fácil. Por isso estou valorizando mais o meu emprego. No final dos nossos encontros tinha o momento de mobilização de energia, era muito bom, nós saíamos outras pessoas, parecia que nossas energias tinham sido renovadas. Hoje foi a conclusão. Concretizamos o projeto de nossas vidas. Esse projeto vai me ajudar muito nas minhas próximas caminhadas.
Espero que também tenha gostado. Com carinho, Mar.
ANEXO 3
xxiv
Prezada Amiga Maristela. É com grande alegria que te escrevo para contar uma
experiência que tive durante cinco meses. Chegou à escola que trabalho Leuzene, uma aluna
do doutorado que trouxe a proposta de desenvolver um projeto “Caminhar para si”.
O trabalho consistiu em desenhar, conversar e descrever por escrito minha trajetória profissional e os momentos tristes e alegres que norteassem esse processo. Sendo assim, comecei com s descrição da minha caminhada. Inicialmente eu não gostei de reviver os momentos triste e alegre, por ser situações unificadas e consolidadas; pois o único peso que quero dá aos fatos passados, é que tudo teve seu tempo e seu valor na época; agora a época é outra e os sentimentos são outros.
Antes de fazer essa carta, preparei meu projeto de vida com ela; foi uma experiência nova e boa. Considero que todas as pessoas deveriam fazer; pensar e escrever para si com clareza suas metas, objetivos, desejos. As coisas que são tão importantes para nós, não devem ficar apenas no campo das idéias.
ANEXO 3
xxv
Maristela, também aconteceu momentos de meditação que me levou a refletir sobre a minha necessidade de sentir mais minha respiração, meu corpo. Pois esse trabalho que podemos fazer com nós mesmos, nos ajuda a encontrar o equilíbrio das nossas energias.
Em resumo, gostaria de ti falar, fiquei feliz comigo por fazer a escolha de participar do projeto; além das informações recebidas que se somaram às que já detenho sobre o corpo energético e que me tornou mais sensível à necessidade de meditação e relaxamento. Pensar minha trajetória e fazer o projeto de vida me fez refletir sobre o elo que une o ontem, o hoje e o amanhã; lembrou-me que, quando não o perdemos de vista sempre saberemos quem somos. Também quero que saiba que o projeto me trouxe a oportunidade de conhecer a pessoa de Leuzene, que conquistou minha atenção, respeito e confiança, pois acredito ser ela, uma pessoa sensata, humilde, carismática, sincera; senti uma energia bem positiva vindo da pessoa dela. Peço a Deus está certa.
Fica com Deus! Quando recebi a orientação de compartilhar essa experiência pensei em você.
Um Grande Abraço! Profª Palmeira Imperial
ANEXO 3
xxvi
Natal, 09 de Dezembro de 2007. Querida Telma Weiz, Durante alguns meses participei de um projeto que a
Professora Leuzene, aluna do Doutorado da UFRN socializou com alguns colegas do CMEI Marise Paiva, do qual faço parte.
Nesses dias eu realizei uma experiência positiva, visto que os encontros me levaram a refletir, questionar e perceber o outro e a mim mesma nas diversas situações. Outro ponto que adorei trabalhar foi a energização dos nossos chacras, pois senti muita tranqüilidade após os encontros. Mas, nesses momentos percebi que os espaços físicos eram inadequados e o barulho constante atrapalhou algumas vezes o andamento do trabalho.
Quero terminar dizendo para você amiga, que fiquei muito feliz com essa nova experiência. Já sabemos que os contratempos existem, mas eles não superaram a socialização dos conhecimentos.
Um grande abraço!! Desejo um ano novo cheio de conquistas!! Beijos as sua fã e amiga!! Praia Bela
ANEXO 3
xxvii
Natal, 10 de Dezembro de 2007. Querido Rubens Alves Esta semana lembrei-me de uma de suas palestras
quando narrou uma teoria de Nietzsche que dizia: “É preciso ter caos dentro de si para dar luz a uma estrela” e então, resolvi compartilhar com você um trabalho trazido pela professora Leuzene, o qual faz parte de um projeto do curso de doutorado. Foi uma experiência muito bacana que conduziu-nos à reflexão, ao questionamento, a perceber o outro e como nós mesmas estávamos nos sentindo. Infelizmente o tempo empreendido para a realização do trabalho não foi o suficiente para maior significado, como também o espaço físico, os ruídos próximos do ambiente e a interrupção no próprio ambiente impedindo maior e melhor interação do trabalho proposto.
Estou feliz por mais esta experiência na minha vida e acredito que mesmo com todos os entraves supracitados, de alguma forma houve contribuição positiva para que, agora, eu seja melhor como pessoa e como educadora.
Um grande abraço de sua admiradora e fã! Alga
ANEXO 3
xxviii
Parnamirim, 15 de Dezembro de 2007. Caro amigo Vygotsky, tudo bem? Espero que sim.
Estou escrevendo para lê contar que a experiência vivenciada por mim através do trabalho realizado pela Educadora e pesquisadora Leuzene Salgues na escola onde trabalho. Realmente, é como você sempre diz: o ser humano aprende através das relações que estabelece com o outro. Esta sua frase reflete bem o que vivenciei. Lhe afirmo que através do trabalho que ela está desenvolvendo sobre os chacras e a importância da interiorização e exteriorização das energias para o nosso corpo, pude perceber o quanto este contribui para o meu bem estar físico e mental. Nas vezes em que pratiquei os exercícios nos encontros com Leuzene e meu grupo, senti uma sensação de bem-estar e relaxamento.
Em casa, a interiorização das energias contribuiu para que o sono chegasse mais rápido, ocasionando o relaxamento muscular e aliviando e aliviando as tensões causadas pelos estresses do dia-a-dia. Também pude compartilhar esta experiência a dois, com o meu marido, que achou bastante interessante e sentiu muito bem.
ANEXO 3
xxix
Ah, Vygotsky, também não posso me esquecer de lhe dizer que, ao relembrar momentos felizes e momentos tristes da minha vida e ao registrar as minhas reações e sensações, pude voltar a mim mesma, ou seja, me analisar, me autoconhecer melhor, reconhecer como agi em determinadas situações e em que eu necessito melhorar enquanto pessoa, enquanto profissional, enquanto mulher e enquanto esposa. Realmente, foram muito gratificantes aqueles momentos. Agradeço a professora Leuzene pela oportunidade que proporcionou a mim e ao meu grupo e espero que tenhamos contribuído de forma positiva para o andamento do trabalho que ela está desenvolvendo em seu doutorado.
Estas eram as notícias que eu tinha para lhe dar. Não são boas? Aproveito para lhe desejar um ótimo final de semana. Também te agradeço pelo conhecimento que adquiri através das suas experiências e vivências como Educador. Um forte abraço:
Sua amiga Alegria.
ANEXO 4
i
CONTRATO DE AJUDA MÚTUA (4.1)
CENTRO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO INFANTIL PROFª MARISE PAIVA
GRUPO REFLEXIVO:____________________________________________
TURNO:_____________________
ACEITO participar das atividades de implicação e concordo com os princípios de:
� Conviviabilidade;
� Não julgamento;
� Ajuda mútua;
� Confidencialidade;
� Liberdade para falar, ou não, de si;
� Autenticidade na busca da compreensão de si;
� Reflexividade;
� Produção do conhecimento (pesquisa-formação);
� Criticidade no processo de escrita autobiográfica;
� Direito de autoria.
Natal, 22 de maio de 2007
Nº Nome dos participantes Pseudônimo Assinatura
01
02
03
04
05
ANEXO 4
ii
CENTRO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO INFANTIL (4.2)
PROFª MARIZE PAIVA
AUTORIZAÇÃO
Eu,......................................................................................................., identidade
n°........................................., professora desta instituição de ensino, autorizo o uso
de referências sobre a minha participação no projeto de pesquisa de doutorado
desenvolvido por Leuzene Jeane de Vasconcelos Salgues, doutoranda do
Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal do Rio Grande do Norte,
desde que sejam obedecidos os seguintes critérios: 1. Eu tenha conhecimento
prévio das referências realizadas pela pesquisadora; 2. Que as referências sejam
feitas ao pseudônimo escolhido por mim, ..........................................
Natal, ....., de .................................de ................
_____________________________________
Assinatura
ANEXO 4
iii
CENTRO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO INFANTIL PROFª CARMEM REIS (4.3)
FREQÜÊNCIA DOS GRUPOS
TURNO COMPONENTES ENCONTROS
1º ___/___
2º ___/___
3º ___/___
4º ___/___
5º ___/___
6º ___/___
7º ___/___
8º ___/___
MATUTIN
O 1
MATUTIN
O 2
ANEXO 4
iv
(4.4) QUADRO ORGANIZADOR DA ANÁLISE DA PRÓPRIA NARRATIVA
NARRADOR(A): DATA:___/___/_____
REFERÊNCIAS CONCRETAS
(quem fez o que, quando,
onde, e por quê. É o acontecimento propriamente
dito)
REFERÊNCIAS SUBJETIVAS
(vai além dos acontecimentos e expressa valores, juízos e toda forma de uma generalizada “sabedoria de vida”) SENTIMENTOS, VALORES E
OPINIÕES.
(referem-se a como os acontecimentos são sentidos e
experienciados)
PALAVRA-CHAVE
ARGUMENTOS
(referem-se à legitimação do que não é aceito pacificamente na história e a reflexão sobre os
acontecimentos)
PALAVRA-CHAVE
ANEXO 4
v
EXEMPLO DE MAPA MENTAL
SOBRE O PROJETO
MATERNIDADE
MATERNIDADE
TER FILHOS (NATURAIS OU ADOTIVOS)
NÃO TER FILHOS
OPÇÃO IMPOSSIBILIDADE
CABEÇA (CONSCIÊNCIA)
BEM RESOLVIDA (OUTRAS
REALIZAÇÕES)
MAL RESOLVIDA (FRUSTRAÇÃO)
GESTAÇÃO/ ADOÇÃO
COMPLETA INCOMPLETA
PARTO
NORMAL CESÁREA
PÓS-OPERATÓRIO
AMAMENTAÇÃO
TEMPO PARA CUIDAR, EDUCAR, BRINCAR
RESPONSABILIDADE (POR PELO MENOS 18
ANOS)
AMOR (DESEJADO x INDESEJADO)
ORÇAMENTO (SAÚDE, EDUCAÇÃO,
ALIMENTAÇÃO)
PATERNIDADE
TEM LEITE SUFICIENTE
NÃO TEM LEITE SUFICIENTE
AMAMENTA NÃO AMAMENTA
TEMPO E TRANQUILIDADE
PRESENTE AUSENTE
ANEXO 4
vi
INSTRUMENTO DE REGISTRO DA AUTO-OBSERVAÇÃO
Cada pessoa compreende melhor a si mesma quando consegue auto-avaliar-se pelos seus pensamentos, sentimentos e ações / reações. Este instrumento possibilita o acompanhamento de nossas ações e reações nas situações desagradáveis em nossa vida.
BREVE RELATO DA SITUAÇÃO DESAGRADÁVEL DATA: ___/___/___
BREVE RELATO DA SITUAÇÃO DESAGRADÁVEL DATA: ___/___/___
HISTÓRICO
Quando e onde ocorreu?
HISTÓRICO
Quando e onde ocorreu?
REAÇÃO
Qual foi a minha reação? Considero que foi uma reação positiva, de equilíbrio, ou foi uma reação negativa, de
desequilíbrio?
REAÇÃO
Qual foi a minha reação? Considero que foi uma reação
positiva, de equilíbrio, ou foi uma reação negativa, de desequilíbrio?
SENTIMENTOS Como me senti no momento?
Quais foram os meus sentimentos?
SENTIMENTOS
Como me senti no momento? Quais foram os meus
sentimentos?
PENSAMENTOS Que idéias me vieram à cabeça?
Quais foram os meus pensamentos?
PENSAMENTOS Que idéias me vieram à cabeça?
Quais foram os meus pensamentos?
ATITUDE O que posso fazer para melhor compreender a minha reação e a das pessoas envolvidas, caso ocorra algo parecido no futuro?
ATITUDE O que posso fazer para melhor compreender a minha reação e a das pessoas envolvidas, caso ocorra algo parecido no futuro?