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Direito das Obrigações – 2º Semestre Aula de revisões – docente Ana Isabel Neto António Albuquerque – 2400030 – Direito 3.º Ano – Lusófona – 2006/07 1 Caso Prático 1 António motorista da empresa X, em exercício de funções, foi colocar cartas a uma estação dos CTT, pelo caminho e porque ia distraído, não reparou que Carla atravessava numa passadeira, pelo que a atropelou causando-lhe ferimentos que lhe determinaram 15 dias de internamento hospitalar, com incapacidade total para o trabalho. Carla pretende agora saber que direitos lhe assistem e a quem os deverá reclamar? No caso em apreço temos António, motorista da empresa X que estava no exercício das suas funções. António é condutor por conta de outrem, e que, de acordo com o n.º 1, in fine, do artigo 487º e a primeira parte do n.º 3 do artigo 503º, resulta culpado, a menos que consiga ilídir a presunção de culpa. O que não vai conseguir fazer, pois estava distraído, não reparando em Carla, quando se deu o acidente. Para que ele pudesse ilídir a presunção de culpa teria que afastar os pressupostos do artigo 483º. E, para ilídir a presunção da primeira parte do n.º 3 do artigo 503º, teria que dizer ao tribunal que um ou mais dos pressupostos do artigo 483º não estão reunidos. Pelo contrário, parecem-nos reunidos, porque existe a prática de um facto voluntário objectivamente controlável pela vontade humana, bastando para isso estar atento à sua condução, e que é, também, um facto ilícito por violar o direito subjectivo alheio: direito à integridade física de Carla. Quanto ao nexo de imputação do facto ao agente por não se conhecer, com base no exposto, nada que contrarie a sua imputabilidade prevista no artigo 488º, António é imputável e, conforme o n.º 2 do artigo 487º, resulta culpado, até porque todos sabemos que um condutor médio (bom pai de família) sabe que o facto de circular sem a devida, e exigível atenção, pode originar uma situação conforme a descrita na hipótese (atropelamento de Carla). Classificando o grau de culpa, pode considerar-se que o agente agiu com um grau de culpa de negligência consciente, pois sabia que da sua conduta podia resultar algum perigo aos utentes daquela via. Em relação aos danos, são verificáveis duas espécies: não patrimoniais, artigo 496º, (os ferimentos que lhe determinaram 15 dias de internamento hospitalar, transtornando a sua vida pessoal) e patrimoniais, artigo 493º, (15 dias de internamento geradores de uma incapacidade total para o trabalho); Atendendo ao nexo de causalidade entre o facto e o dano, em abstracto, podemos considerar que a desatenção de um condutor será facto, por si só, suficiente para ser causa dos descritos danos. O que, em concreto, constatamos que temos nexo de causalidade entre o facto e os danos expressos na hipótese. Conclui-se, então, que António, pelo supra exposto não conseguiria ilídir a presunção de culpa que sobre ele recai nos termos do artigo 503º/3, e ficaria onerado com a obrigação de indemnizar. Mas, porque ele é um comissário (condutor por conta de outrem), isto remete-nos para o artigo 500º. Portanto, se entre o comitente (empresa X) e o comissário (António) existe uma relação seja ela de que tipo for, o que importa é que tem que haver uma relação em que o comitente encarrega o comissário de uma determinada tarefa. Por este facto, o comitente poderá ter que indemnizar os danos que o comissário causou, mas, se se verificarem os 3 pressupostos do artigo 500º que se traduzem numa responsabilidade objectiva, independente da culpa, isto porque o comitente usufruiu dos benefícios de ter ao seu dispor uma determinada pessoa e por isso é obrigado a suportar os danos que ela provoque. Para que a empresa X responda nos termos do artigo 500º têm que existir a relação entre o comitente e o comissário, que o facto tenha ocorrido no exercício das funções de comissário e que sobre o comissário recaia a obrigação de indemnizar. Conforme expõe o caso, António havia ido aos CTT, em exercício de funções. E, conforme supra referido sobre ele recaia a culpa, logo, conferindo-se preenchidos os pressupostos do artigo 483º, bem como aplicável o exposto na primeira parte do n.º3 do artigo 503º, remetendo-nos então para o artigo 500º, em particular nos nºs 1 e 2. Assim, entende-se o comitente como obrigado a indemnizar. No entanto,

Direito Obrigações - Casos Práticos

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Direito das Obrigações – 2º Semestre Aula de revisões – docente Ana Isabel Neto

António Albuquerque – 2400030 – Direito 3.º Ano – Lusófona – 2006/07

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Caso Prático 1

António motorista da empresa X, em exercício de funções, foi colocar cartas a uma estação

dos CTT, pelo caminho e porque ia distraído, não reparou que Carla atravessava numa

passadeira, pelo que a atropelou causando-lhe ferimentos que lhe determinaram 15 dias de

internamento hospitalar, com incapacidade total para o trabalho. Carla pretende agora saber

que direitos lhe assistem e a quem os deverá reclamar?

No caso em apreço temos António, motorista da empresa X que estava no exercício das suas

funções. António é condutor por conta de outrem, e que, de acordo com o n.º 1, in fine, do

artigo 487º e a primeira parte do n.º 3 do artigo 503º, resulta culpado, a menos que consiga

ilídir a presunção de culpa. O que não vai conseguir fazer, pois estava distraído, não reparando

em Carla, quando se deu o acidente. Para que ele pudesse ilídir a presunção de culpa teria que

afastar os pressupostos do artigo 483º. E, para ilídir a presunção da primeira parte do n.º 3 do

artigo 503º, teria que dizer ao tribunal que um ou mais dos pressupostos do artigo 483º não

estão reunidos. Pelo contrário, parecem-nos reunidos, porque existe a prática de um facto

voluntário objectivamente controlável pela vontade humana, bastando para isso estar atento

à sua condução, e que é, também, um facto ilícito por violar o direito subjectivo alheio: direito

à integridade física de Carla.

Quanto ao nexo de imputação do facto ao agente por não se conhecer, com base no exposto,

nada que contrarie a sua imputabilidade prevista no artigo 488º, António é imputável e,

conforme o n.º 2 do artigo 487º, resulta culpado, até porque todos sabemos que um condutor

médio (bom pai de família) sabe que o facto de circular sem a devida, e exigível atenção, pode

originar uma situação conforme a descrita na hipótese (atropelamento de Carla). Classificando

o grau de culpa, pode considerar-se que o agente agiu com um grau de culpa de negligência

consciente, pois sabia que da sua conduta podia resultar algum perigo aos utentes daquela via.

Em relação aos danos, são verificáveis duas espécies: não patrimoniais, artigo 496º, (os

ferimentos que lhe determinaram 15 dias de internamento hospitalar, transtornando a sua

vida pessoal) e patrimoniais, artigo 493º, (15 dias de internamento geradores de uma

incapacidade total para o trabalho);

Atendendo ao nexo de causalidade entre o facto e o dano, em abstracto, podemos considerar

que a desatenção de um condutor será facto, por si só, suficiente para ser causa dos descritos

danos. O que, em concreto, constatamos que temos nexo de causalidade entre o facto e os

danos expressos na hipótese.

Conclui-se, então, que António, pelo supra exposto não conseguiria ilídir a presunção de culpa

que sobre ele recai nos termos do artigo 503º/3, e ficaria onerado com a obrigação de

indemnizar. Mas, porque ele é um comissário (condutor por conta de outrem), isto remete-nos

para o artigo 500º. Portanto, se entre o comitente (empresa X) e o comissário (António) existe

uma relação seja ela de que tipo for, o que importa é que tem que haver uma relação em que

o comitente encarrega o comissário de uma determinada tarefa. Por este facto, o comitente

poderá ter que indemnizar os danos que o comissário causou, mas, se se verificarem os 3

pressupostos do artigo 500º que se traduzem numa responsabilidade objectiva, independente

da culpa, isto porque o comitente usufruiu dos benefícios de ter ao seu dispor uma

determinada pessoa e por isso é obrigado a suportar os danos que ela provoque. Para que a

empresa X responda nos termos do artigo 500º têm que existir a relação entre o comitente e

o comissário, que o facto tenha ocorrido no exercício das funções de comissário e que sobre o

comissário recaia a obrigação de indemnizar. Conforme expõe o caso, António havia ido aos

CTT, em exercício de funções. E, conforme supra referido sobre ele recaia a culpa, logo,

conferindo-se preenchidos os pressupostos do artigo 483º, bem como aplicável o exposto na

primeira parte do n.º3 do artigo 503º, remetendo-nos então para o artigo 500º, em particular

nos nºs 1 e 2. Assim, entende-se o comitente como obrigado a indemnizar. No entanto,

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embora o comitente adiante a indemnização, tem posteriormente o direito de regresso

integral por parte do motorista (cf. n.º 3 do artigo 500º).

Caso Prático 2 – parte 1

A vendeu a B um quadro por 40.000 Euros ficou acordado que o quadro seria entregue e o

preço pago no dia 20 de Maio pelas 15 horas. Qual o local da entrega do quadro e do

pagamento do preço?

As partes são livres de celebrar os contratos que quiserem de acordo com a sua vontade e de

fixar livremente o conteúdo dos mesmos e, em princípio, só contratam se quiserem. Mas, uma

vez celebrado o contrato deve ser pontualmente cumprido. Principio da pontualidade e

principio da integralidade (os contratos devem ser cumpridos ponto por ponto e

integralmente).

No caso em apreço as partes celebraram um contrato de compra e venda, que sendo bilateral

obriga ambas as partes, isto é, ambos são simultaneamente credores e devedores. O vendedor

é devedor da coisa vendida e credor do preço da mesma. Enquanto que o comprador é

devedor do preço e por sua vez credor da coisa comprada. No contrato celebrado pelas partes,

estas não disseram tudo, ou seja, não disseram qual é o lugar da prestação.

Temos, assim, que nos socorrer dos princípios gerais, lugar da prestação, que de acordo com o

estipulado no n.º 1 do Art.º 772º, seria o domicilio do devedor, ou do n.º2 do mesmo artigo se

houver alteração do domicilio após celebrado o contrato. Podendo, então, o local do

cumprimento da obrigação por força do artigo 772º e porque se trata de um contrato de

compra e venda aplicar-se-ia o regime especial para estes, ou seja, o artigo 885º, que refere,

no seu n.º 1, que “o preço deve ser pago no momento e no lugar da entrega da coisa vendida”.

Portanto, considerando o previsto nestes dois artigos e por não ter sido feita na celebração do

contrato a estipulação do local quer da entrega, quer do pagamento do preço, poderiam

ocorrer, em simultâneo, no local do domicilio do devedor. Mas, tratando-se de coisa móvel,

conforme o n.º 1 do artigo 773º, a obrigação deve ser cumprida no local onde a coisa se

encontrava quando se concluiu o negócio. Assim, ambas as obrigações terão lugar, com base

nesta ultima norma, no local onde a coisa se encontrava quando se concluiu o negócio.

Como complemento poderá dizer-se que a obrigação extingue-se quando o devedor realizar a

prestação a que se vinculou (n.º 1 do artigo 762º)

Caso Prático 2 – parte 2

Admitindo que A se esqueceu do compromisso e que e que não se deslocou ao local devido,

tendo o quadro vindo a perecer no dia seguinte por descuido seu. Quais as consequências

que dai resultariam?

No dia e hora acordados para o cumprimento da obrigação a peça existia e o cumprimento da

obrigação era possível, porque o credor lá estava para receber o quadro, só que o devedor se

esqueceu e não compareceu, mas sabia que a entrega do quadro era uma obrigação sua.

Portanto, A actuou com culpa (inconsciente) ao não comparecer, porque era possível a A

colocar um lembrete, nem que fosse no frigorifico, para não faltar ao cumprimento da

obrigação. Por força do previsto no n.º 1 do artigo 804º, A por se encontrar em simples fica

obrigado a reparar os danos causados a B.

Assim, A ao actuar com culpa entrou em mora, porque a prestação ainda era possível, o credor

ainda estava disponível para realizar a prestação, ou seja, ainda não tinha ocorrido

desinteresse por parte do credor na prestação, como tal não tinha ocorrido a perversão da

mora em incumprimento definitivo. Só que durante a mora do devedor o quadro pereceu.

E assim o devedor moroso suporta o risco de perda ou deterioração da coisa (Art.º 807º)

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Caso Prático 2 – parte 3

Admita agora que o quadro pereceu 2 dias após a celebração do contrato por facto não

imputável ao vendedor. Quais as consequências?

Verifica-se aqui uma Impossibilidade superveniente da prestação, não imputável ao devedor –

impossibilidade não culposa – e porque houve transferência de domínio do objecto da pessoa

do devedor para a pessoa do credor, aquando do contrato de compra e venda, então a

deterioração ou o perecimento da coisa correm por conta do adquirente (Art.º 796º/1),

portanto, B ficava obrigado a pagar o preço do quadro embora não lhe tivesse sido entregue

por A.

Por outro lado, se por algum motivo, entrou no património do devedor do quadro, algo que o

veio a substituir – que veio substituir o valor do quadro em virtude de ter accionado um seguro

– o credor continua obrigado a pagar o preço, mas pode reclamar o «Commodum» de

representação (Art.º 794º) ou seja, aquilo que no património do devedor substitui o objecto

da prestação.

No caso concreto, se por um lado o devedor recebesse da companhia de seguros e por outro

lado recebesse o preço do quadro, pago pelo credor do quadro, então configurar-se-ia um

enriquecimento sem causa do devedor, daí que o credor possa reclamar o «commodum» de

representação.

Conclui-se, ainda, que de acordo com o n.º 1 do Art.º 790º este facto gera a extinção da

obrigação, na impossibilidade por causa não imputável ao devedor.