Upload
others
View
2
Download
0
Embed Size (px)
Citation preview
DIREITO PROCESSUAL
PENAL POLÍCIA RODOVIÁRIA FEDERAL
PROF. MARCOS V. D. CARRASCO
00
1
Direito Processual Penal
PRF – Prof. Marcos V. D. Carrasco Aula 00
www.explicaconcursos.com.br
Sumário
CONSIDERAÇÕES INICIAIS ........................................................................................................... 3
DISPOSIÇÕES PRELIMINARES DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL .................................................. 4
INTERPRETAÇÃO DA LEI PENAL .............................................................................................................................. 4 Métodos de interpretação ........................................................................................................................ 6
Interpretação quanto ao sujeito ..............................................................................................................................................6 Interpretação quanto ao método ..........................................................................................................................................10 Interpretação quanto ao resultado .......................................................................................................................................14
INTEGRAÇÃO DO ORDENAMENTO JURÍDICO .......................................................................................................... 17 Princípios gerais de direito ...................................................................................................................... 18 Costumes ................................................................................................................................................. 19 Analogia .................................................................................................................................................. 20
APLICAÇÃO DA LEI PROCESSUAL PENAL NO TEMPO ................................................................................................. 22 APLICAÇÃO DA LEI PROCESSUAL PENAL NO ESPAÇO ................................................................................................ 24 APLICAÇÃO DA LEI PROCESSUAL PENAL EM RELAÇÃO ÀS PESSOAS .............................................................................. 26 DISPOSIÇÕES CONSTITUCIONAIS APLICÁVEIS AO PROCESSO PENAL ............................................................................ 29
Saudações meus caros!
O meu nome é Marcos Vinicius Dias Carrasco e com grande alegria estou elaborando este material para o “Explica Concursos”, com o objetivo de auxiliá-
los na preparação para o concurso da Policial Rodoviário Federal (PRF)!
Mas antes de começar a analisar a matéria que se encontra prevista no edital, gostaria de lhes contar um pouco de minha trajetória. Sou bacharel em
direito pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE) e especialista
em direito aplicado pela Escola de Magistratura do Paraná; sou membro fundador da Associação de Proteção e Assistência ao Condenado de Cascavel –
PR, entidade esta da qual, inclusive, fui presidente do 1º Conselho Fiscal; sou também professor das disciplinas de Direito Penal e Direito Processual Penal do
Centro Universitário UNIVEL; nada obstante, sou professor de Direito Administrativo no curso preparatório para OAB do Delta Jus; além disto, também
sou professor de Processo Penal no Focus Concursos; e como se não bastasse, paralelamente à estas atividades, sou sócio e atuo como advogado responsável
pelo setor de direito penal econômico do escritório Frizzo e Feriato; por fim, sou autor de diversos livros que foram escritos com o objetivo de contribuir para a
preparação de candidatos para os mais diversos concursos.
Dito isto, ainda preciso informa-los de que neste modulo, irei lhes acompanhar no estudo da disciplina de Direito Processual Penal, onde
enfrentaremos os seguintes tópicos:
2
Direito Processual Penal
PRF – Prof. Marcos V. D. Carrasco Aula 00
www.explicaconcursos.com.br
AULA ASSUNTO
00 1. Aplicação da lei processual no tempo, no espaço e em relação
às pessoas. 1.1. Disposições preliminares do Código de Processo Penal. 10 Disposições constitucionais aplicáveis ao direito
processual penal.
01 2. Inquérito policial.
02 3. Ação penal.
03 4. Competência.
04 6. Juiz, ministério público, acusado, defensor, assistentes e
auxiliares da justiça, atos de terceiros.
05 5. Prova.
06 7. Prisão e liberdade provisória. 7.1 Lei nº 7.960/1989 (prisão
temporária).
07 8. Processo e julgamento dos crimes de responsabilidade dos funcionários públicos.
08 9. Habeas corpus e seu processo.
09 Revisão e Questões
Como vocês podem perceber, a nossa tarefa não será das mais simples, mas a cada aula, tentarei trazer exemplos práticos com o objetivo de facilitar a
memorização do conteúdo. Mais do que isso, ao final do curso, faremos uma retomada geral dos assuntos que foram estudados e resolveremos diversas
questões, com o objetivo de visualizar a forma como estes tópicos vem sendo cobrados em provas.
Com estas breves considerações, encerro a minha saudação e os convido a iniciar a nossa odisseia de estudos por esta disciplina fantástica que é o Direito
Processual Penal.
Vamos à luta futuros Policiais Rodoviários Federais!
Prof. Marcos V. D. Carrasco
3
Direito Processual Penal
PRF – Prof. Marcos V. D. Carrasco Aula 00
www.explicaconcursos.com.br
Considerações iniciais
Tal qual eu havia prometido, iniciamos, a partir deste momento, o estudo da disciplina de direito processual penal, mas antes de começarmos a enfrentar
cada um dos tópicos do edital, preciso fazer uma breve observação.
Se vocês observarem o nosso cronograma, o tema da aula de hoje será o seguinte: 01. Aplicação da lei processual no tempo, no espaço e em relação às
pessoas; 02. Disposições preliminares do Código de Processo Penal; e 03. Disposições constitucionais aplicáveis ao direito processual penal. Não se
preocupem, pois juntos, analisaremos todos estes pontos. No entanto, para
facilitar o estudo e a compreensão da matéria, vamos desenvolver a análise destes tópicos da seguinte maneira: inicialmente, verificaremos as regras de
interpretação e integração que regem o processo penal; após isto, passaremos a analisar a aplicação da lei processual penal no tempo e no espaço;
subsequentemente, estudaremos a aplicação da lei processual penal em relação às pessoas; por fim, trataremos de verificar as disposições constitucionais que
são aplicáveis ao processo penal.
Carrasco, mas porque fazer isso? Muito simples. Se vocês examinarem o Código de Processo Penal (Decreto-Lei n. 3.689/41), perceberão que as
disposições preliminares desta lei adjetiva são compostas por três artigos, quais sejam:
Art. 1º O processo penal reger-se-á, em todo o território brasileiro, por
este Código, ressalvados:
I - os tratados, as convenções e regras de direito internacional; II - as prerrogativas constitucionais do Presidente da República, dos
ministros de Estado, nos crimes conexos com os do Presidente da República, e dos ministros do Supremo Tribunal Federal, nos crimes de
responsabilidade (Constituição, arts. 86, 89, § 2o, e 100); III - os processos da competência da Justiça Militar;
IV - os processos da competência do tribunal especial (Constituição, art. 122, no 17);
V - os processos por crimes de imprensa. Parágrafo único. Aplicar-se-á, entretanto, este Código aos processos
referidos nos nos. IV e V, quando as leis especiais que os regulam não dispuserem de modo diverso.
Art. 2º A lei processual penal aplicar-se-á desde logo, sem prejuízo da
validade dos atos realizados sob a vigência da lei anterior.
Art. 3º A lei processual penal admitirá interpretação extensiva e
aplicação analógica, bem como o suplemento dos princípios gerais de
4
Direito Processual Penal
PRF – Prof. Marcos V. D. Carrasco Aula 00
www.explicaconcursos.com.br
direito.
Como vocês podem perceber, acabei destacando algumas palavras no corpo dos artigos supracitados e fiz isso com o objetivo de demonstrar que
dentro das disposições preliminares do código de processo penal, se encontram as regras de aplicação e de interpretação da lei processual, o que significa, que
estes dois tópicos (disposições preliminares e interpretação e aplicação da lei) exigirão o conhecimento de um mesmo assunto.
Mas Carrasco, e as disposições constitucionais? Porque estudá-las
somente ao fim da aula? O motivo é simples. Como as regras constitucionais são
aplicáveis ao processo penal como um todo, elas exigirão considerações mais detidas e um grau de aprofundamento um pouco maior do que aquele que será
necessário em relação às disposições preliminares. Portanto, este assunto será abordado ao final desta aula, com o objetivo de facilitar a sua memorização e
posterior retomada (que, invariavelmente, ocorrerá por ocasião do estudo do inquérito policial, da ação penal, dos sujeitos da relação processual penal, enfim,
ao longo de toda a nossa jornada).
Disposições preliminares do código de processo
penal
Interpretação da lei penal
A expressão “hermenêutica” é utilizada para designar a teoria científica
que objetiva investigar e coordenar a atividade interpretativa através da instituição de regras e de princípios que o intérprete deve seguir para: (1) apurar
o alcance de uma norma; e (2) possibilitar a sua aplicação ao caso concreto; e antes de avançar na matéria, já vou fazer uma pequena pausa para registrar
um esclarecimento.
Que esclarecimento é este Carrasco? Meus caros, quando o assunto é hermenêutica, é preciso ter cuidado, pois embora as expressões “hermenêutica”
e “interpretação” sejam utilizadas indistintamente por grande parte da doutrina,
a bem da verdade, elas não são sinônimas!
Eu digo isto, porque enquanto aquela primeira locução (“hermenêutica”) designa o campo científico que estuda e dita as regras que devem ser seguidas
no exercício da atividade interpretativa, a expressão “interpretação” é utilizada para designar a atividade que o intérprete desenvolve para: (1) viabilizar a
aplicação da norma jurídica ao caso concreto, (2) adaptar a lei à realidade atual
5
Direito Processual Penal
PRF – Prof. Marcos V. D. Carrasco Aula 00
www.explicaconcursos.com.br
e (3) amenizar o rigor excessivo da norma, temperando o seu alcance para que possa ela atender aos fins sociais do bem comum.
Em suma, a ideia é a seguinte: a hermenêutica dita as regras do jogo; a
interpretação é o meio pelo qual as regras (construída pela hermenêutica) são aplicadas para o jogo!
Esclarecido este ponto, precisamos observar que por mais clara que a
redação atribuída à norma possa ser, a sua aplicação sempre exigirá a realização de um procedimento de interpretação, afinal, se é verdade que
problemas como a vagueza e a má-redação sempre reclamarão que o aplicador
da lei realize uma detida análise da norma, é igualmente certo que, o decurso do tempo, invariavelmente, acabará tornando a norma ultrapassada, de modo
que, para refletir adequadamente as necessidades do meio social, após entrar em vigor, a norma deverá, constantemente analisada, para que o seu sentido e
alcance acompanhem a evolução, o progresso e as necessidades da vida social.
Carrasco. Não entendi! Pessoal, a ideia básica que se tem aqui é a seguinte: o ser humano é suscetível de falhas e como é ele quem elabora as
normas que regem o meio social, há sempre possibilidade de que o texto normativo padeça de alguns vícios decorrentes, por exemplo, da utilização de
uma técnica de redação deficiente; mais do que isso, precisamos considerar que após entrar em vigor, a redação da lei se torna estática (ressalvados os casos
de a lei superveniente dar um tratamento diferenciado para a matéria – o que, inclusive, é realizado através de um procedimento moroso) e com isto, a norma
deixa de acompanhar as evoluções sociais e o posicionamento que a doutrina e
a jurisprudência passaram a assumir em relação a certas questões; estes, portanto, são alguns dos argumentos que demonstram a imprescindibilidade de
o alcance da norma ser sempre realizado a partir de interpretação. Ademais, precisamos reconhecer, que ao lermos as palavras que delimitam uma norma,
já estamos realizando um procedimento interpretativo, posto que é a reunião de vogais, consoantes e a utilização das regras do vernáculo que nos permitem
compreender o comando que foi emitido pelo legislador.
A toda sorte, para que possamos compreender melhor esta questão, basta atentar para a seguinte situação: por ocasião da edição do Código Penal (que
data de 7 de dezembro de 1940), o legislador ordinário tratou de incriminar a prática de ato obsceno em local público (art. 233 do CP), que, dentre outras
hipóteses, pode ser caracterizado, por exemplo, pela execução de um ato de conotação sexual. Agora, imagine o seguinte: será que o ato de conotação
sexual que poderia ofender o pudor há algumas décadas, hoje, ainda seria
considerado ofensivo? Para responder a esta pergunta, basta lembrar da questão do beijo. Ora, se no ano de 1940 um casal fosse surpreendido se beijando na
6
Direito Processual Penal
PRF – Prof. Marcos V. D. Carrasco Aula 00
www.explicaconcursos.com.br
rua, indubitavelmente as pessoas que presenciassem tal ato se sentiriam afrontadas, notadamente porque na época, passear de mãos dadas sequer era
costume dos casais; mas hoje, qual constrangimento um beijo em público pode trazer?
É por este motivo, portanto, que contemporaneamente podemos afirmar
que não há lugar para que seja aplicada a parêmia “in claris cessat interpretatio” (na clareza da lei, não há interpretação).
Compreendido este ponto, passamos à análise dos métodos que a
hermenêutica nos fornece para a realização da interpretação.
Métodos de interpretação
A doutrina costuma sistematizar o estudo dos métodos de interpretação
categorizando-os de acordo com (1) a identidade do protagonista da interpretação, (2) as técnicas clássicas de interpretação e (3) os resultados
decorrentes do processo interpretativo; e para que as considerações que serão
apresentadas neste material possam ser, eventualmente, confrontadas com a informação existente nos manuais de processo penal, seguiremos a mesma
lógica.
Interpretação quanto ao sujeito
Pois bem meus caros. Para começarmos a examinar das regras de
hermenêutica, precisamos saber que quando parte da identificação da pessoa que atua como mediadora do texto normativo e do caso concreto
(interpretação quanto ao sujeito), a intepretação pode ser classificada em: (1.1) doutrinária; (1.2) judicial e (1.3) autêntica.
A intepretação doutrinária (que, por vezes, também é chamada de
interpretação científica) nada mais é que o exame que os cientistas do direito fazem a respeito da norma através, por exemplo, de livros, artigos e pareceres.
Um bom exemplo disso, pode ser vislumbrado em relação ao período de
tempo que é compreendido pela expressão “dia”, que se encontra prevista no art. 245 do CPP e no art. 5º, XI, da Constituição Federal, segundo os quais:
Art. 245. As buscas domiciliares serão executadas de dia, salvo se o
7
Direito Processual Penal
PRF – Prof. Marcos V. D. Carrasco Aula 00
www.explicaconcursos.com.br
morador consentir que se realizem à noite, e, antes de penetrarem na casa, os executores mostrarão e lerão o mandado ao morador, ou a quem
o represente, intimando-o, em seguida, a abrir a porta.
Art. 5º, XI, da CF. A casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de
flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial;
Estou dizendo isto, porque a limitação temporal em tela, que influencia a
prática de diversos atos processuais, como a execução de mandados de prisão
e de busca e apreensão, já foi intensamente debatida pela doutrina que, dentre outros pontos de vista, já chegou a defender que a palavra “dia” deve abranger:
(1) o período que medeia das 06h às 18h (Julio Fabbrini Mirabete, José Afonso da Silva, Victor Eduardo Rios Gonçalves e Alexandre Cebrian Araújo Reis –
corrente majoritária); (2) o período que se estende da aurora ao crepúsculo (Min. Celso de Melo); ou ainda, (3) o lapso temporal que se estende das
20h00min às 06h00min (art. 212 do NCPC - Aury Lopes Jr).
Conforme vocês podem perceber, a legislação não delimitou o período de tempo que deveria ser considerado como “dia” e como consectário disto, a
doutrina passou a debater o assunto, até que em um determinado momento um linha de pensamento se tornou majoritária e passou a ser utilizada para nortear
a execução dos atos processuais supracitados.
A toda sorte, eu preciso que vocês saibam, que por mais relevantes que
estes estudos sejam para o desenvolvimento do direito, eles não possuem força vinculante, traduzindo-se, portanto, em simples instrumentos de elucidação que
podem ser utilizado pelo aplicador da lei para remover os obstáculos que, porventura, venham a ser encontrados na subsunção do fato à norma.
Já a interpretação judicial (que também é denominada de interpretação
jurisprudencial ou judiciária), é aquela que é realizada por magistrados, desembargadores e ministros nas ocasiões em que aplicam a lei à um caso
concreto (o que pode ser feito, por exemplo, através da edição de súmulas, bem como por intermédio da prolação de decisões, sentenças e acórdãos).
Aliás, um bom exemplo disso, ocorre em relação às buscas pessoais, que,
a princípio, deveriam incidir apenas sobre a pessoa, mas que, por força de interpretação jurisprudencial, também podem ser executadas em relação à
veículos que, por elas, estejam sendo conduzidos:
8
Direito Processual Penal
PRF – Prof. Marcos V. D. Carrasco Aula 00
www.explicaconcursos.com.br
RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. CRIME CONTRA A ORDEM ECONÔMICA. FORMAÇÃO DE CARTEL. DISTRIBUIÇÃO E REVENDA DE GÁS
DE COZINHA. BUSCA PESSOAL. APREENSÃO DE DOCUMENTOS EM AUTOMÓVEL. INEXISTÊNCIA DE ILEGALIDADE. 1. Apreensões de
documentos realizadas em automóvel, por constituir típica busca pessoal, prescinde de autorização judicial, quando presente fundada
suspeita de que nele estão ocultados elementos de prova ou qualquer elemento de convicção à elucidação dos fatos investigados, a teor do § 2º
do art. 240 do Código de Processo Penal. 2. No dia em que realizadas as diligências de busca domiciliar na residência do recorrente eram obtidas
informações, via interceptação telefônica (não contestadas), de que
provas relevantes à elucidação dos fatos eram ocultadas no interior de seu veículo e que poderiam, conforme ele próprio afirmou, culminar na sua
prisão. Diante dessa fundada suspeita, procedeu-se a busca pessoal no veículo do recorrente, estacionado, no exato momento da apreensão
dos documentos, em logradouro público. Conforme atestado pelas instâncias ordinárias, o recorrente estava presente na ocasião da vistoria
do veículo. 3. Recurso ordinário a que se nega provimento (RHC 117767, Relator(a): Min. TEORI ZAVASCKI, Segunda Turma, julgado em
11/10/2016, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-169 DIVULG 01-08-2017 PUBLIC 02-08-2017).
Como regra, essa modalidade de interpretação só terá força obrigatória
para o caso concreto (ou seja, entre as partes que integrarem a relação jurídica que estiver sendo analisada pelo poder judiciário) e a partir do momento em que
houver o trânsito em julgado do pronunciamento jurisdicional que a adotar.
Mas atenção! Liguem o sinal de alerta! Pois, em algumas hipóteses, as
conclusões obtidas através deste método de interpretação deverão ser observadas por todos os aplicadores do direito, ou seja, serão vinculantes!
Isto ocorrerá, precisamente, em quatro situações: (a) a primeira, terá
lugar nos casos em que o STF declarar a constitucionalidade ou a inconstitucionalidade de uma lei via controle concreto (ou seja, mediante ação
que tenha sido instaurada com o fim específico de debater a compatibilidade de uma norma com a Constituição Federal); (b) a segunda, ocorrerá no controle
difuso de constitucionalidade (que se dá quando a discussão da compatibilidade de uma norma com a Constituição Federal chega ao STF através de uma ação
que não tinha a solução desta controvérsia como objetivo principal), desde que a decisão que declarar a inconstitucionalidade seja sucedida pela edição de uma
Resolução Senatorial que ratifique os seus efeitos (art. 52, X, da Constituição
Federal); (c) a terceira, restará configurada na hipótese de vir a ser editada uma Súmula Vinculante (art. 103-A da CF); por fim, (d) a quarta, restará
caracterizada nos casos em que determinada questão for apreciada através de
9
Direito Processual Penal
PRF – Prof. Marcos V. D. Carrasco Aula 00
www.explicaconcursos.com.br
recurso extraordinário ou especial que tenha sido afetado ao procedimento dos recursos repetitivos (art. 927, III, do NCPC).
Por sua vez, a interpretação autêntica terá lugar naqueles casos em que o
processo interpretativo vier a ser realizado pelo próprio Poder Legislativo, através da edição de uma “lei interpretativa”, que será dotada de força
obrigatória e poderá ser contextual (quando a interpretação for realizada dentro do próprio texto da lei) ou posterior (quando a lei interpretativa surgir depois da
lei interpretada).
Para que se compreenda melhor o que aqui foi exposto, basta que sejam
levadas em consideração as regras que se encontram previstas no título XI do Código Penal, afinal, no corpo do aludido título é possível perceber que ao
positivar os crimes contra a administração pública que somente poderiam ser perpetrados por funcionários públicos (como: o peculato – art. 312 do CP; a
concussão – art. 316 do CP; e a prevaricação – art. 319 do CP), o legislador ordinário, em um verdadeiro procedimento de interpretação autêntica, também
tratou esclarecer, por intermédio do art. 327 do Código Penal, que somente poderiam vir a ser considerados funcionários públicos para fins penais “quem,
embora transitoriamente ou sem remuneração, exerce cargo, emprego ou função pública”.
Mas Carrasco, há algum exemplo disto dentro do código de processo
penal? Sem dúvidas! Um bom exemplo, é a própria prisão em flagrante! Vejam, que ao estabelecer quem são os legitimados para realizar a prisão em flagrante,
o art. 301 do CPP não esclarece em que consiste tal medida; esta incumbência
recai sobre o art. 302 do CPP, que nos dá as hipóteses de flagrante próprio, impróprio e presumido. Vejam só:
Art. 301. Qualquer do povo poderá e as autoridades policiais e seus
agentes deverão prender quem quer que seja encontrado em flagrante delito.
Art. 302. Considera-se em flagrante delito quem:
I - está cometendo a infração penal; II - acaba de cometê-la;
III - é perseguido, logo após, pela autoridade, pelo ofendido ou por qualquer pessoa, em situação que faça presumir ser autor da infração;
IV - é encontrado, logo depois, com instrumentos, armas, objetos ou papéis que façam presumir ser ele autor da infração.
Para além destas considerações, é preciso se ter em conta que a lei
10
Direito Processual Penal
PRF – Prof. Marcos V. D. Carrasco Aula 00
www.explicaconcursos.com.br
interpretativa posterior tem eficácia ex tunc (retroativa), em razão da qual a sua exegese pode, perfeitamente, ser aplicada à fatos que foram praticados em um
momento anterior àquele em que a lei foi incorporada ao ordenamento jurídico (o que somente não ocorrerá em relação aos casos definitivamente julgados;
ressalvando-se, tão somente, que os casos definitivamente julgados poderão ser reavaliados e fazer jus à aplicação da interpretação autêntica que vier a ser mais
benéfica ao réu mediante o ajuizamento de revisão criminal).
Mas porque isto ocorre? O motivo é simples. Este fenômeno ocorre porque a lei interpretativa não cria uma situação nova; ela simplesmente torna
obrigatória uma interpretação que o juiz, antes mesmo da sua vigência, já podia
adotar.
Para fechar este tópico, é importante observar que o preâmbulo da Constituição Federal, assim como a “exposição dos motivos” de uma lei (que
consiste no texto que antecede os dispositivos de uma norma, buscando justificar a sua criação), não podem ser considerados formas de interpretação
autêntica, pois, por não criar direitos e deveres e nem ter força normativa, o preâmbulo e a exposição de motivos não podem ser considerados como norma
constitucional ou lei (respectivamente).
Interpretação quanto ao método
A interpretação quanto ao método (ou modo) é categoria dentro da qual
foram agrupados diversos critérios que buscam estabelecer diretrizes que podem ser observadas a fim de que, a partir do processo de interpretação, se
possa identificar a vontade do legislador e extrair o real sentido da norma.
Apesar de não haver consenso na doutrina a respeito de quais critérios devem ser inseridos neste grupo, com segurança, é possível afirmar que aqui se
inserem os métodos de interpretação: (2.1) literal (ou gramatical); (2.2) lógico; (2.3) sistemático; (2.4) histórico; (2.5) comparado; (2.6) extrajurídico; e (2.7)
analógico.
Neste viés, inicialmente convém esclarecer que é designado como literal
(ou gramatical) o método de interpretação que se faz mediante a partir da análise dos termos que são empregados na norma ao lume das regras de
vernáculo.
Por outras palavras, pode-se dizer que neste tipo de interpretação o interprete busca revelar o alcance da norma a partir de regras gramaticais
11
Direito Processual Penal
PRF – Prof. Marcos V. D. Carrasco Aula 00
www.explicaconcursos.com.br
(analisa-se, dentre outros fatores, a morfologia, a sintaxe e a semântica que foram empregadas na redação da norma).
Discorrendo sobre o tema, César Dario Mariano da Silva1 obtempera que
“a interpretação gramatical [...] deve atender às seguintes regras: a) em princípio, a lei não contém palavras inúteis; b) em regra, as expressões
empregadas possuem significado técnico e não usual (vulgar) e somente a interpretação pode esclarecer esta situação; c) o singular engloba o plural e o
másculo o feminino”.
Já no método lógico, preconiza-se que a compreensão do alcance da
norma se dá através de raciocínios lógicos, por força dos quais se parte de uma concepção geral (que pode ser uma dedução, indução, hipótese, inferência etc.)
para que, a partir de operações intelectuais, se possa determinar a adequação de uma proposição.
Veja-se, por exemplo, que muito embora o art. 5º, III, da Constituição
Federal tenha simplesmente assegurado que “ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante”, a partir de uma interpretação
lógica deste dispositivo, é possível chegar à conclusão de que, dentre outras situações, não se admite no ordenamento jurídico brasileiro que qualquer pessoa
seja submetida à agressões corporais ou privada de direitos básicos como a alimentação e higiene.
Por sua vez, o método sistemático preconiza que a análise da norma deve
ser realizada a partir do ordenamento jurídico que ela integra, eis que somente
a partir disto se poderá auferir se existe uma efetiva harmonia entre ela e a ordem jurídica como um todo.
Com efeito, o que se pode dizer é que neste sistema o que se preconiza é
a ideia de que a construção da norma jurídica não se dá pela análise isolada de um dispositivo legal, mas sim pelo exame das interações que a regra
interpretada deve harmonicamente manter dentro do sistema jurídico no qual ela foi concebida.
Assim, é possível dizer, em uma analogia simples, que na interpretação
sistemática não se limita a analisar o “parafuso” em si mesmo, ela busca
1 SILVA. Cesar Dario Mariano da. Manual de Direito Penal. Parte Geral – Arts. 1º ao 120. 11ª ed.
Curitiba: Juruá. 2016, p. 70.
12
Direito Processual Penal
PRF – Prof. Marcos V. D. Carrasco Aula 00
www.explicaconcursos.com.br
examinar o “parafuso” com o conjunto do motor e demais componentes2; transplantando esta ideia para o campo do direito penal, pode-se dizer que a
interpretação de uma norma penal não deve ser exaurida na análise isolada de um dispositivo (v.g. art. 121 do CP que incrimina a conduta de matar alguém),
ela deve ser realizada ao lume das demais regras que se encontram reunidas dentro da lei na qual foi inserida (eis que, por aplicação do art. 23, II, do CP, é
possível excluir a ilicitude de uma morte que, eventualmente, tenha sido causada como reflexo de uma legítima defesa), da norma matriz do
ordenamento jurídico (eis que o art. 5º, caput, da Constituição Federal assegura, à todos, o direito a vida) e de todas as demais regras que, porventura, guardem
alguma pertinência com ela (v.g. o art. 5º, XLVI, “a”, da CF, veda a pena de
morte, mas ressalva a possibilidade de sua aplicação em caso de guerra).
Sob outro enfoque, impende esclarecer que através da interpretação histórica, busca-se a delimitação do alcance da norma a partir da análise dos
precedentes históricos que fomentaram o surgimento da norma, tais como eventos sociais, políticos e econômicos; tarefa esta que, de acordo com Técio
Sampaio Ferraz Jr3, deve ser, em parte, realizada através do estudo dos “precedentes normativos, isto é, de normas que vigoraram no passado e que
antecederam à nova disciplina”, pois, a partir deste procedimento de comparação será possível compreender os motivos justificadores da edição da
norma.
Já o método comparado é aquele que visa determinar o alcance da norma nacional, a partir do exame da exegese que um ordenamento jurídico
estrangeiro atribuiu a uma norma similar.
Neste tocante, aliás, é possível lembrar da discussão que outrora foi
travada em relação à (im)possibilidade de o Ministério Público conduzir procedimentos investigativos; afinal, para elucidar o alcance da regra que se
encontra contida no art. 129, I, da CF (que atribuiu ao Ministério Público a titularidade da ação penal pública) e delimitar o campo de atuação do Parquet,
dentre outros argumentos, o STF (RE 593727) invocou a teoria dos poderes implícitos (que foi concebida nos Estados Unidos da América no precedente Mc
CulloCh vs. Maryland, de 1819) para ponderar que ao conferir ao Ministério Público a titularidade da ação penal pública, o legislador constituinte também
lhe concedeu, implicitamente, todos os poderes necessários para que fosse desempenhado o exercício de tal atribuição.
2 NELSON. Rocco Antônio Rangel Rosso. Curso de Direito Penal: parte geral, teoria geral do
crime. Curitiba: Juruá, 2016, p. 89.
3 FERRAZ JR. Técio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito. 6ª ed. São Paulo: Atlas, 2008, p.
262.
13
Direito Processual Penal
PRF – Prof. Marcos V. D. Carrasco Aula 00
www.explicaconcursos.com.br
No mais, cabe mencionar que o método de interpretação extrajurídico é
aquele que busca delimitar a extensão da norma à luz de ciências extrajurídicas (medicina legal, psicologia, etc.).
Aliás, para que a importância desse método possa ser percebida, basta
observar as regras que se encontram previstas no art. 124 do Código Penal, afinal, apesar de ter incriminado o ato de “provocar aborto em si mesma ou
consentir que outrem lho provoque”, em nenhum momento o legislador ordinário tratou de estabelecer o significado da expressão “provocar aborto”; tarefa esta
que foi relegada à doutrina médica, que, no seu desempenho, tratou de
esclarecer que o abortamento (isso mesmo, abortamento!) consiste no procedimento que desencadeia a morte de um embrião ou feto que foi
prematuramente expulso do útero.
Por fim, perfaz-se imperioso mencionar que o método de interpretação analógico em lugar naqueles casos em que o legislador edita uma norma,
enunciando situações específicas (fórmulas casuística) que são seguidas pelo emprego de uma fórmula genérica (cláusula aberta – v.g. “ou por outro...”,
“qualquer outro...”, “ou similar...”), a qual permite que outras situações que não tenham sido expressamente mencionadas pela norma, sejam por ela abarcadas.
Isto ocorre, por exemplo, nos seguintes dispositivos do Código Penal:
Art. 121. Matar alguém: [...]
§ 2° Se o homicídio é cometido:
III - com emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum;
IV - à traição, de emboscada, ou mediante dissimulação ou outro recurso que dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido;
Art. 161 - Suprimir ou deslocar tapume, marco, ou qualquer outro sinal indicativo de linha divisória, para apropriar-se, no todo ou em parte,
de coisa imóvel alheia:
Art. 171 - Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil,
ou qualquer outro meio fraudulento:
Art. 319-A. Deixar o Diretor de Penitenciária e/ou agente público, de cumprir seu dever de vedar ao preso o acesso a aparelho telefônico, de
rádio ou similar, que permita a comunicação com outros presos ou
com o ambiente externo.
14
Direito Processual Penal
PRF – Prof. Marcos V. D. Carrasco Aula 00
www.explicaconcursos.com.br
Veja-se que em relação ao crime de homicídio qualificado que se encontra
descrito no art. 121, § 2°, III, do CP, a fórmula casuística é designada pelas expressões “veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura”, ao passo que a fórmula
genérica se encontra contida na locução “ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum”, cuja existência permite, por exemplo, que
seja enquadrado nesta qualificadora o agente que mata sua vítima obrigando-a a ingerir ácido sulfúrico ou esfolando-a.
Mas e dentro do processo penal, há algum exemplo? Com certeza! Dentro
da lei adjetiva, um bom exemplo é o art. 434 do CPP, que estabelece que “Os
jurados sorteados serão convocados pelo correio ou por qualquer outro meio hábil para comparecer no dia e hora designados para a reunião, sob as penas
da lei”; neste caso, a fórmula casuística é designada pela expressão “correio”, ao passo que a fórmula genérica se encontra contida na expressão “ou qualquer
outro meio hábil”, cuja existência permite, por exemplo, que os jurados sejam convocados por mandado, por telefone, etc.
Interpretação quanto ao resultado
A interpretação quanto ao resultado é categoria na qual foram reunidas as possíveis conclusões à que o exegeta pode chegar após a utilização dos métodos
que foram mencionados no tópico precedente.
Assim, diz-se que em relação ao resultado, a interpretação pode ser: (3.1) declaratória; (3.2) extensiva; (3.3) restritiva; (3.4) ab-rogante; ou (3.5)
progressiva.
Dito isto, inicialmente, cumpre esclarecer que a interpretação declaratória restará configurada nos casos em que, após realizar a análise da norma, o
intérprete chegar à conclusão de que o texto nela existente expressa fielmente a vontade da lei.
Para que se possa compreender melhor este procedimento, basta se traga para o plano analítico, a título de exemplo, o art. 141, III, do Código Penal. Isto
porque, ao instituir uma causa de aumento de pena aplicável aos crimes de calúnia, difamação e injúria, que porventura fossem praticados na presença de
“várias pessoas”, o aludido dispositivo não delimitou o número de indivíduos que, efetivamente, deveriam presenciar o ilícito para que fosse possível a
configuração destas causa de aumento; ocorre, no entanto, que a partir da interpretação do aludido dispositivo, claramente se percebe que, com a
15
Direito Processual Penal
PRF – Prof. Marcos V. D. Carrasco Aula 00
www.explicaconcursos.com.br
expressão “várias”, o legislador quis reclamar a presença de, no mínimo, três pessoas para a configuração da aludida causa de aumento; conclusão esta que
é extraída quando se tem em mente que, sempre que o Código Penal se contentou com apenas duas ou no mínimo quatro pessoas, ele o fez de maneira
expressa (v.g. art. 155, § 4, IV e art. 146, § 1º, do CP).
Já a interpretação extensiva ocorrerá quando, após a realização do processo hermenêutico, o exegeta concluir ser necessário ampliar o alcance da
norma, por ter constatado que o texto da lei disse menos do que deveria ter dito (minus dixit quam voluit).
Aqui, para conseguir delimitar adequadamente o alcance da norma, o hermeneuta se vale dos argumentos da lógica dedutiva, segundo os quais: (a)
se a lei prevê um caso, ela deve ser estendida para outro em que a sua razão se manifestar com maior vigor (argumento a fortiori); (b) o que é válido para o
mais, também deve ser válido para o menos (argumento a maiori ad minus); e (3) o que é proibido para o menos, deve ser proibido para o mais (argumento a
minori ad maius).
Dentro deste contexto, elucidativo é o exemplo do crime de bigamia. Isso porque, de acordo com o art. 235 do Código Penal, o crime em questão resta
configurado a partir do momento em que o agente contrai um segundo casamento, ainda na vigência do primeiro; agora questiona-se: e se o agente
contrair um terceiro e até mesmo um quarto casamento, ele incorrerá na prática do aludido crime? Numa interpretação puramente gramatical do aludido
dispositivo, poder-se-ia chegar à conclusão de que a contração destes
matrimônios adicionais não traria qualquer consequência penal para o agente. Contudo, pelo emprego do argumento a minori ad maius, extrai-se que se a
bigamia é vedada, a poligamia, também o é.
Por sua vez, a interpretação restritiva ocorrerá quando o interprete diminuir a amplitude do texto da lei, adaptando-a a sua real vontade.
Nestes casos, o que se constatará é que a lei disse mais do que deveria
dizer (plus dixit quam voluit).
Discorrendo a respeito do tema, César Dario Mariano da Silva4 elucida a utilização desse método a partir do seguinte exemplo:
4 SILVA. Cesar Dario Mariano da. Manual de Direito Penal. Parte Geral – Arts. 1º ao 120. 11ª ed.
Curitiba: Juruá. 2016, p. 71.
16
Direito Processual Penal
PRF – Prof. Marcos V. D. Carrasco Aula 00
www.explicaconcursos.com.br
O art. 28, I e II, do CP, determina que a emoção, a paixão e a embriaguez
voluntária ou culposa não excluem a inimputabilidade penal. No entanto, para que a norma não entre em contradição com o art. 26, caput, do
Código Penal, que dispõe sobre a inimputabilidade decorrente de doença ou deficiência mental, devem ser considerados os estados não patológicos.
Com efeito, cuidando-se de embriaguez, paixão ou emoção de cunho patológico e estando o agente privado da capacidade de entendimento ou
de autodeterminação, quando da ação ou omissão, haverá exclusão da imputabilidade.
No mais, estar-se-á diante de uma interpretação ab-rogante, sempre que o exegeta reconhecer que o preceito interpretado é inaplicável.
Esta é a modalidade de interpretação que, diante da incompatibilidade
absoluta e irredutível existente entre dois preceitos legais ou entre um dispositivo de lei e um princípio geral do ordenamento jurídico, conclui pela
inaplicabilidade da lei interpretada.
Carrasco, não entendi! A ideia aqui é simples e pode ser visualizada a partir do art. 34 do CPP.
Percebam que de acordo com o art. 34 do CPP: “se o ofendido for menor
de 21 (vinte e um) e maior de 18 (dezoito) anos, o direito de queixa poderá ser exercido por ele ou por seu representante legal”; esta regra foi editada no
período em que se encontrava vigente o Código Civil de 1916, para o qual a
obtenção da maioridade era alcançada a partir dos 21 (vinte um) anos de idade; com a entrada em vigor do Código Civil de 2002, a maioridade civil (e a
capacidade plena) passou a ser alcançada a partir dos 18 (dezoito) anos e, com isto, deixou de existir justo motivo para a preservação da regra constante no
art. 34 do CPP.
Por fim, nos resta analisar a interpretação de progressiva (que também é conhecida como adaptativa ou evolutiva).
Esta modalidade de interpretação é aquela através do qual o hermeneuta
adapta a lei à realidade atual, levando em consideração as transformações sociais, cientificas, políticas e jurídicas que foram experienciadas ao longo dos
anos.
17
Direito Processual Penal
PRF – Prof. Marcos V. D. Carrasco Aula 00
www.explicaconcursos.com.br
Um bom exemplo disto, ocorreu:
[...] com o advento da Constituição Federal, outorgando ao Ministério Público a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses
sociais e individuais indisponíveis (CF, art. 127, caput), e à Defensoria Pública a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos
necessitados (CF, art. 134), houve forte discussão quanto à recepção do art. 68 do CPP, já que, ao promover a ação civil ex delicto em favor de
vítima pobre, o Ministério Público estaria agindo em nome próprio na defesa de interesse alheio, de natureza patrimonial e, portanto, disponível.
Chamado a se pronunciar a respeito do assunto, o Supremo entendeu que
o dispositivo seria dotado de inconstitucionalidade progressiva (ou temporária), ou seja, de modo a viabilizar o direito à assistência jurídica e
judiciária dos necessitados, assegurado pela Constituição Federal de 1988 (art. 5º, LXXIV), enquanto não houvesse a criação de Defensoria Pública
na Comarca ou no Estado, subsistiria, temporariamente, a legitimidade do Ministério Público para a ação de ressarcimento e de execução prevista no
art. 68 do CPP, sendo irrelevante o fato de a assistência vir sendo prestada por órgão da Procuradoria Geral do Estado, em face de não lhe competir,
constitucionalmente, a defesa daqueles que não possam demandar, contratando diretamente profissional da advocacia, sem prejuízo do
próprio sustento5.
Um outro bom exemplo, ocorre em relação ao crime de ao obsceno (art. 233 do Código Penal), afinal, é certo que determinada conduta que poderia,
eventualmente, caracterizar o crime em questão à época de edição do Código
Penal (que data de 1940), hoje, já poderia não mais possibilitar a configuração do aludido ilícito.
Integração do ordenamento jurídico
Pessoal, através da edição de normas, o legislador busca regulamentar a
vida em sociedade, com o objetivo facilitar a convivência comum e preservar a paz social.
Contudo, a diversidade de situações que são próprias do nosso cotidiano e o constante processo de transformação e desenvolvimento pelos quais
passamos, impede que o legislador crie uma norma já prevendo todos os fatos que podem surgir no decorrer do período em que ela estiver produzindo seus
efeitos.
5 LIMA. Renato Brasileiro de. Manual de Processo Penal. 4ª ed. Salvador: Ed. Jus PodVivm, 2016,
p. 98/99.
18
Direito Processual Penal
PRF – Prof. Marcos V. D. Carrasco Aula 00
www.explicaconcursos.com.br
Justamente por isso, não são poucos os casos em que o aplicador do direito
acaba se deparando com uma ocorrência para a qual não existe um regramento específico.
O que ocorre, é que por força do princípio da indeclinabilidade da
jurisdição, ainda que inexista lei ou que esta seja omissa, o juiz não pode deixar de decidir as questões que são submetidas à sua apreciação.
Por estes motivos, o legislador tratou de positivar regras voltadas para
suprimir toda e qualquer lacuna existente no direito (as leis possuem lacunas, o
direito não!) e para tanto, estabeleceu que, diante de uma omissão legislativa, o aplicador do direito deveria decidir a lide com base em analogia, costumes e
princípios gerais do direito (art. 4º da LINDB).
Princípios gerais de direito
Os princípios gerais de direito são preceitos basilares, de ordem ética, que
orientam a atividade legislativa e atuam na supressão de lacunas, norteando a elaboração de normas e a aplicação do direito, para conferir coerência ao
ordenamento jurídico e reforçar o ideal de Justiça.
No campo do direito penal, quando atuam como instrumentos de supressão de lacunas, os princípios gerais ganham especial relevância ao nortear
o desenvolvimento de um processo pautado pela salvaguarda de direitos e garantias fundamentais.
Para que se possa visualizar esta regra de uma forma prática, basta
observar as regras constantes do art. 396 ao art. 397 do Código de Processo Penal.
A partir das regras supramencionadas, é possível perceber que, uma vez
apresentada a resposta à acusação, o magistrado deve prontamente deliberar a
respeito da pertinência da absolvição sumária do réu. Contudo, há de se convir que, por ocasião do exercício de seu direito de defesa, o réu pode juntar novas
provas ao processo, por intermédio das quais seja cabalmente comprovada a sua inocência.
A partir disto se pergunta: será que o magistrado deve analisar estas
19
Direito Processual Penal
PRF – Prof. Marcos V. D. Carrasco Aula 00
www.explicaconcursos.com.br
provas novas e prontamente absolver o réu? Obviamente não, afinal, similar conduta acabaria cerceando os direitos de contraditório e de acusação do
Ministério Público.
Assim, por força do princípio geral do contraditório, estabelece-se que, com a juntada de provas novas, o magistrado deve, primeiro oportunizar o
contraditório para, somente após este evento deliberar a respeito dos elementos de convicção apresentados.
Costumes
No campo do direito, a expressão “costume” é utilizada para designar a repetição de determinada conduta, que é realizada de maneira constante e
uniforme (critério objetivo), em razão da convicção de sua obrigatoriedade (critério subjetivo).
Trata-se, portanto, de uma regra de conduta que tem como
características:
[...] a sua uniformidade, pois pressupõe sensível e múltipla repetição da
mesma prática; sua constância, pois não pode ser interrompido, sob pena de descaracterizar-se como norma jurídica; sua publicidade, porque obriga
a todos e por todos deve ser conhecido, e sua generalidade, no sentido de alcançar todos os aos e todas as pessoas e relações que realizam os
pressupostos de sua incidência6.
De acordo com a doutrina, os costumes podem ser categorizados em secundum legem (interpretativo), contra legem (negativo) e praeter legem
(integrativo), podendo, a depender da categoria dentro da qual venham a se situar, ser utilizados como critério de interpretação (costumes secundum e
contra legem) ou de supressão de lacunas (costume praeter legem).
Com efeito, pode-se dizer que os costumes serão secundum legem,
sempre que objetivaram auxiliar o intérprete no esclarecimento do conteúdo de certos elementos da norma processual penal, permitindo, assim, uma correta
execução do ato.
6 PRADO. Luiz Régis. Curso de Direito Penal Brasileiro: parte geral – arts. 1º a 120. 7ª ed. São
Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, p. 167.
20
Direito Processual Penal
PRF – Prof. Marcos V. D. Carrasco Aula 00
www.explicaconcursos.com.br
Por sua vez, consideram-se contra legem os costumes que muito embora sejam socialmente aceitos, são refutados pela lei.
Por fim, remanesce a necessidade de esclarecer que serão praeter legem
aqueles costumes que se destinam a suprimir uma lacuna que foi deixada por uma lei.
Um bom exemplo disso ocorre em relação ao art. 206 do Código de
Processo Penal. Isto porque, no corpo do aludido dispositivo, inexiste qualquer disposição legal que dispensem os partes do ofendido/vítima (pai, mãe, irmão,
etc.) do dever de prestar o compromisso como testemunha; contudo, a praxe
forense tem possibilitado que estas pessoas sejam ouvidas como informantes, dispensado a regra do art. 203 do CPP (que instituiu o compromisso legal de
dizer a verdade, sob pena de configuração do crime de falso testemunho). Aliás, para que a lógica desta regra seja vislumbrada, basta lembrar que a dispensa
do compromisso legal foi estabelecida com objetivo precípuo de viabilizar a preservação da harmonia familiar, ou seja, com o objetivo de evitar que pessoas
ligadas por laços de parentesco ou conjugais sejam obrigadas a deporem detrimento dos interesses de seus entes próximos
Analogia
A analogia é o recurso que possibilita que se aplique a um fato, para o qual não há regulamentação legal, uma norma que regula uma situação semelhante.
Trata-se, pois, de um recurso por meio do qual se permite que a solução que uma norma dá para determinada situação, seja utilizada para solucionar um
caso similar para o qual não há qualquer regulamentação legal.
Pode-se dizer, portanto, que para a aplicação da analogia é necessário: (1) que inexista um ato normativo que regule a situação; (2) que exista uma
norma legal que regulamente um caso semelhante; e (3) que o fundamento de ser da norma existente também possa ser aplicado ao caso que carece de
regulamentação.
É por este motivo, aliás, que outrora o Superior Tribunal de Justiça firmou
o entendimento de que:
[...] Não cabe ao Julgador aplicar uma norma, por assemelhação, em substituição a outra validamente existente, simplesmente por entender
que o legislador deveria ter regulado a situação de forma diversa da que adotou; não se pode, por analogia, criar sanção que o sistema legal não
21
Direito Processual Penal
PRF – Prof. Marcos V. D. Carrasco Aula 00
www.explicaconcursos.com.br
haja determinado, sob pena de violação do princípio da reserva legal [...] (REsp 956.876/RS, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, QUINTA
TURMA, julgado em 23/08/2007, DJ 10/09/2007, p. 307)
Dito isto e a partir da regra constante no art. 4º da LIDB (segundo a qual: “quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os
costumes e os princípios gerais de direito”), é possível extrair, inicialmente, a existência de duas espécies de analogia: a analogia legal, que ocorre nos casos
em que se aplica ao caso omisso uma lei que regula situação semelhante; e a analogia jurídica, que tem lugar quando se aplica ao caso omisso um princípio
geral do direito.
Concomitantemente com estes fatos, é preciso tomar muito cuidado com
a natureza da norma que será objeto de aplicação analógica.
Isto porque, se estivermos diante de uma norma puramente processual, não haverá quaisquer óbices para que uma eventual lacuna seja suprimida
através da analogia. Isto, aliás, é expressamente autorizado pelo art. 3º do CPP, segundo o qual:
Art. 3º A lei processual penal admitirá interpretação extensiva e
aplicação analógica, bem como o suplemento dos princípios gerais de direito.
Contudo, se estivermos diante de uma norma híbrida (que reúne conteúdo
de direito penal e processual), a analogia não poderá ser admitida sob pena de
ser violado o princípio da reserva legal.
Logo, podemos concluir o seguinte: (1) se a norma for puramente processual, a analogia será admitida; (2) se a norma for híbrida: (2.1) a analogia
será admitida em benefício do réu, (2.2) mas jamais poderá ser aceita em seu prejuízo.
Mas Carrasco, em que hipóteses eu posso visualizar a utilização de
analogia dentro do código de processo penal? Bom, um exemplo válido ocorre em relação aos casos em que o Ministério Público deixa de oferecer a proposta
de suspensão condicional do processo à um agente que preenche os requisitos do art. 89 da lei n. 9.099/95; neste caso, diante do silêncio normativo, o
magistrado deve recorrer ao art. 28 do Código de Processo Penal, remetendo os autos ao Procurador-Geral de Justiça que, então, deverá se concitar a respeito
da (im)pertinência da concessão da benesse.
22
Direito Processual Penal
PRF – Prof. Marcos V. D. Carrasco Aula 00
www.explicaconcursos.com.br
A toda sorte, precisamos ter em mente que a analogia é um recurso que
se distancia nitidamente da interpretação extensiva e também da interpretação analógica. Isto porque, enquanto a analogia é um instrumento de supressão de
lacunas que visa aplicar a um fato, para o qual não há regulamentação legal, uma norma que regula uma situação semelhante; as interpretações extensiva e
analógica ocorrem, respectivamente, nos casos em que: se busca ampliar o alcance de uma norma que disse menos do que deveria dizer; ou em que se
amplia o campo de incidência da norma a partir de da instituição de uma cláusula aberta que segue as diretrizes de uma formula casuística.
Aplicação da lei processual penal no tempo
Meus caros, neste ponto, encerramos o estudo das regras de interpretação e de integração do ordenamento jurídico e passamos a analisar a aplicação da
lei processual penal no tempo; e na largada, já gostaria de dizer que este assunto não tem o mesmo nível de detalhamento que nossos últimos tópicos.
Aliás, o enfrentamento deste tópico não nos tomará mais do que alguns
poucos parágrafos. Vejam só.
A aplicação da lei processual no tempo se encontra regulamenta no art. 2º
do Código de Processo Penal, segundo o qual:
Art. 2º A lei processual penal aplicar-se-á desde logo, sem prejuízo da validade dos atos realizados sob a vigência da lei anterior.
Mediante uma simples leitura deste dispositivo, já podemos perceber, sem
dificuldade, que a lei processual passa a produzir efeitos tão logo entre em vigor (princípio da aplicação imediata – tempus regit actum); o que significa
que, mesmo com o processo sendo iniciado sob o império de uma lei, uma norma processual superveniente, pode lhe ser aplicada imediatamente, sem causar
qualquer prejuízo aos atos que foram praticados sob a influência da lei antecedente.
É apenas isso? Infelizmente não. A vida de concurseiro não é fácil e o pior de tudo é que o examinador adora dificultá-la. Por isso, além de saber que, em
regra, a lei processual penal produz efeitos imediatos, você também precisa saber que, excepcionalmente, estes efeitos não serão produzidos.
Mas antes de explicar o motivo, preciso que você compreenda que apesar
23
Direito Processual Penal
PRF – Prof. Marcos V. D. Carrasco Aula 00
www.explicaconcursos.com.br
de o art. 2º do CPP não estabelecer qualquer distinção entre as normas processuais, com o passar dos anos, a doutrina e jurisprudência trabalharam
persistentemente com uma subdivisão dessas regras e assim, acabaram criando as normas: (1) genuinamente processuais; (2) heterotópicas; e (3)
mistas/híbridas/processuais materiais.
As normas genuinamente processuais são aquelas que cuidam de procedimentos, de atos processuais, de técnicas do processo, etc. À elas se
aplica o art. 2º do CPP.
As normas heterotópicas são aquelas que (1) possuem conteúdo de
direito material, mas que estão previstas dentro de uma lei processual; ou que (2) possuem conteúdo de direito processual, mas estão previstas dentro de uma
lei material. Em suma, há aqui uma situação em que, apesar de o conteúdo da norma conferir-lhe uma determinada natureza, ela se encontra prevista em
diploma de natureza distinta. No primeiro caso, se deve seguir as regras de (ir)retroatividade do art. 1º do Código Penal; para o segundo, devem ser
observadas as regras do art. 2º do CPP.
Já as normas processuais materiais (mistas ou híbridas), são aquelas que abrigam regras direito processual (de procedimento) e de direito
material (normas que se relacionam com o exercício do direito de punir do estado - v.g. direito de queixa, de representação, prescrição e decadência,
perdão, perempção, etc.). Aqui, a regra será diferenciada, pois enquanto o conteúdo processual poderá produzir efeitos imediatos, o conteúdo de direito
material poderá ou não atingir os fatos ocorridos antes de sua entrada em vigor;
portanto, se a parte material for benéfica para o réu, elas produzirá efeitos imediatos, diversamente, se esta parte de direito material for gravosa para o
réu, ela não poderá ser aplicada em relação aos fatos ocorridos antes da sua entrada em vigor.
Aliás, um bom exemplo de norma mista pode ser visualizado no art. 366
do CPP, que foi instituído pela Lei 9.271/96. De acordo com o mencionado dispositivo:
Art. 366. Se o acusado, citado por edital, não comparecer, nem constituir
advogado, ficarão suspensos o processo e o curso do prazo prescricional, podendo o juiz determinar a produção antecipada das
provas consideradas urgentes e, se for o caso, decretar prisão preventiva, nos termos do disposto no art. 312.
Percebam que esta norma é considerada mista, porque se de um lado
24
Direito Processual Penal
PRF – Prof. Marcos V. D. Carrasco Aula 00
www.explicaconcursos.com.br
versa sobre a suspensão do processo (norma processual), de outro, ela regulamente a suspensão do prazo prescricional (norma de direito material –
versa sobre o direito de punir). Isto significa, que para os crimes praticados antes de 1996, seria perfeitamente possível aplicar a suspensão processual
prevista no aludido dispositivo, mas a regra de suspensão do prazo prescricional não poderia ser aplicada sob pena de ser ofendido o princípio da irretroatividade
da lei penal maléfica.
Aplicação da lei processual penal no espaço
Enquanto a lei penal é regida pelos princípios da territorialidade (art. 5º
do CP) e da extraterritorialidade incondicionada, condicionada e hipercondicionada (art. 7º do CP), o Código de Processo Penal, em regra, adota
o princípio da territorialidade ou da lex fori.
Aliás, sob uma perspectiva extraterritorial, esta regra é adotada por uma razão óbvia: a atividade jurisdicional é um dos aspectos da soberania nacional,
logo, ela não pode ser exercida além dos limites das fronteiras do respectivo Estado.
Como consequência disto, mesmo que um ato processual tenha que ser praticado no exterior (v.g. citação, intimação, interrogatório, oitiva de
testemunha, etc.), a lei processual penal que será aplicada para a execução do ato, será a do país onde o ato, porventura, tiver de ser realizado.
A toda sorte, a doutrina ressalva três hipóteses em que será possível a
aplicação da lei processual de um Estado, fora de seus respectivos limites territoriais, são elas: (1) o caso em que a aplicação da lei processual penal de
um Estado for realizado em um território nullius; (2) quando houver autorização do Estado onde deva ser praticado o ato processual; e (3) em caso de guerra,
em território ocupado.
Agora vocês me perguntam: e dentro do território nacional, sempre serão aplicadas as nossas regras de processo? Não. O próprio artigo 1º do CPP ressalva
a possibilidade de as regras do código de processo penal serem afastadas: (1)
por tratados, as convenções e regras de direito internacional; (2) pelas prerrogativas constitucionais do Presidente da República, dos ministros de
Estado, nos crimes conexos com os do Presidente da República, e dos ministros do Supremo Tribunal Federal, nos crimes de responsabilidade; (3) nos processos
da competência da Justiça Militar; (4) nos processos da competência do tribunal especial; e (5) nos processos por crimes de imprensa.
Uma à uma, vamos ao exame das regras em questão.
25
Direito Processual Penal
PRF – Prof. Marcos V. D. Carrasco Aula 00
www.explicaconcursos.com.br
Em relação aos tratados, às convenções e às regras de direito
internacional, a exceção ao princípio da territorialidade ou da lex fori se justifica pelo seguinte motivo: quando o Estado (leia-se: o país) exerce a sua jurisdição,
regulando fatos ocorridos dentro de seu território, com base em suas própria leis, ele está desempenhando o seu poder de soberania. Este poder não é
plenamente irrenunciável e portanto, pode ser afastado em certas circunstâncias, dentre as quais se situam os as convenções, os tratados e as
regras de direito internacional.
Um bom exemplo disso, ocorre em relação aos Embaixadores e Cônsules,
posto que se de um lado a Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas (aprovada
pelo Decreto Legislativo n. 103/64 e promulgada pelo Decreto n. 56.435/65) estabeleceu que “Os agentes diplomáticos gozam de imunidade de jurisdição penal no Estado
acreditado (onde exercem suas atividades), não estando, porém, isentos da jurisdição do Estado acreditante (país que representam)”; de outro, a Convenção de Viena sobre Relações Consulares (aprovada pelo Decreto Legislativo n. 106/67 e promulgada pelo Decreto n.
61.078/67), dispôs que “Os funcionários e empregados consulares possuem imunidade de jurisdição, desde que referente a atos criminosos cometidos no exercício das funções consulares”; “os cônsules não representam o Estado acreditante, mas sim os interesses
(comerciais, econômicos, culturais, científicos) deste Estado e de seus cidadãos perante o Estado receptor”.
Já em relação à impossibilidade das normas do código de processo penal
serem aplicadas por força das “prerrogativas constitucionais do Presidente da República, dos ministros de Estado, nos crimes conexos com os do Presidente
da República, e dos ministros do Supremo Tribunal Federal, nos crimes de responsabilidade”, o que se tem é uma exceção de jurisdição política.
Diz-se isto, porque a par de a lei se valer da expressão “crimes de
responsabilidade”, os ilícitos que nela se encontram previstos não podem ser qualificados como infrações penais, pelo fato de não serem sancionados com as
penas que são próprias da esfera criminal; verdadeiramente, há aqui o estabelecimento de infrações políticas, da alçada do direito constitucional que,
quando praticadas, somente justificam a imposições de sanções políticas (como a perda do cargo, a inelegibilidade temporária, etc.), sem possibilitar a privação
da liberdade do agente; medida esta que é executada mediante as regras constantes no art. 52, I e II, da Constituição Federal.
Para além disto, também os processos da competência da Justiça Militar não se sujeitam às regras do Código de Processo Penal, mas aqui o motivo é
simples e decorre do fato de que no âmbito da Justiça Militar/Justiça Castrense, são aplicadas, por força do art. 124 e do art. 125, § 4º, da Constituição Federal,
as disposições do Código Penal Militar (Decreto-lei 1.001/69) e do Código de
26
Direito Processual Penal
PRF – Prof. Marcos V. D. Carrasco Aula 00
www.explicaconcursos.com.br
Processo Penal Militar (Decreto-lei 1.002/69).
Mas neste ponto é necessária atenção! Muita atenção! Pois o próprio código de processo penal militar prevê a possibilidade de os casos omissos serem
supridos pela legislação de processo penal comum! Portanto, excepcionalmente, por imperativo do art. 3º, “a”, do CPPM, é possível que diante da omissão do
CPPM, sejam aplicadas, ao caso concreto, as regras do CPP.
No mais, restam as ressalvas que hoje já não possuem mais aplicabilidade. São elas: a ressalva dos processos da competência do tribunal especial; e a
ressalva dos processos por crimes da lei de imprensa.
Mas porque estas regras já não são mais aplicáveis? Meus caros, de um
lado, a regra constante no art. 1º, IV, do CPP não tem mais aplicabilidade porque expressão “Tribunal Especial” faz alusão Tribunal de Segurança Nacional que já
foi extinto pela Constituição Federal de 1946; de outro, a ressalvado do art. 1º, V, do CPP não mais se aplica em razão de o Supremo Tribunal Federal ter julgado
procedente o pedido que havia sido formulado na ADPF 130, para o fim de declarar como não recepcionado pela Constituição Federal todo o conjunto de
dispositivos da Lei 5.250/67 (Lei de Imprensa).
Aplicação da lei processual penal em relação às pessoas
Como regra, o sistema jurídico nacional fixa a obrigatoriedade da lei penal
e processual penal para todas as pessoas que se encontram no território brasileiro, sem qualquer distinção pessoal.
Em alguns casos, no entanto, a aludida regra acaba sendo mitigada por
algumas regras constitucionais que abrem margem para imunizar contra as normas brasileiras: (1) os diplomatas; (2) os parlamentares, (3) o Presidente
da República; e (4) os Deputados Estaduais e Vereadores.
Em relação às imunidades diplomáticas, é preciso considerar que originalmente, as embaixadas eram consideradas território do país representado
(v.g. uma embaixada francesa, situada no Brasil, era considerada território
francês), contudo, após a Convenção de Viena (que foi aprovada pelo Decreto
Legislativo n. 103/64 e promulgada pelo Decreto n. 56.435/65), a regra supramencionada
foi alterada e com isso, as embaixadas deixaram de ser consideradas território do
país representado (v.g. a embaixada francesa, situada no Brasil, passou a ser considerada parte do território brasileiro).
Mesmo diante disto, acabaram sendo preservadas as chamadas
27
Direito Processual Penal
PRF – Prof. Marcos V. D. Carrasco Aula 00
www.explicaconcursos.com.br
“imunidades diplomáticas”, a que estão sujeitos: (1) os agentes diplomáticos (embaixador, secretários da embaixada, pessoal técnico das
representações – art. 31, “1” e 37, “1”, ambos da Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas); e (2) os membros da família dos agentes diplomáticos
(art. 37, “1”, da Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas);
Isto significa, que o agente diplomático gozará de imunidade de jurisdição penal do Estado acreditado, não podendo ser responsabilizado ou processado
criminalmente de acordo com as leis do país em que estiver de missão (muito embora a existência desta imunidade não isentará o agente diplomático da
jurisdição do Estado acreditante - de seu país de origem).
Mas Carrasco, como ficam os cônsules?
Os cônsules (e os empregados consulares) possuem uma imunidade mais
restrita, que somente os protege da Jurisdição das autoridades judiciárias e administrativas do Estado receptor se os atos por eles praticados tiverem sido
executados no exercício de suas funções consulares (art. 43, “1” da Convenção de Viena sobre Relações Consulares); mas mesmo nesta última hipótese, o
agente não ficará isento da jurisdição do Estado acreditante (de seu país de origem).
Para sintetizar, a ideia é a seguinte:
(1) Se uma infração penal é cometido dentro de uma embaixada que se encontra em
território brasileiro, à ela poderá ser aplicada a norma nacional;
(2) Se uma infração penal é cometida por embaixador, ela somente poderá ser
processada e sancionada pelo país acreditante (país de origem do embaixador);
(3) Se uma infração penal é cometida por um cônsul, no exercício de suas funções, ela
poderá ser apurada pelo país acreditante (país de origem do cônsul); ao revés, se a
infração for praticada por um cônsul, fora do exercício de suas funções, ela poderá ser
apurada pelo país acreditado.
As imunidades parlamentares, por sua vez, foram criadas para assegurar o direito à ampla liberdade de palavra destas pessoas no exercício de suas
funções; prerrogativas estas que atingem não só os deputados federais e senadores, como também os deputados estaduais por força da regra constante
no art. 27, § 1º, da CF.
28
Direito Processual Penal
PRF – Prof. Marcos V. D. Carrasco Aula 00
www.explicaconcursos.com.br
Tendo esclarecido isto, precisamos observar que as referidas imunidades
se dividem em: materiais e formais.
As materiais, que também são denominadas de inviolabilidades, asseguram aos parlamentares o direito à liberdade de expressão por meio de
suas opiniões, palavras e votos; já as imunidades formais, se traduzem nas garantias que são conferidas aos parlamentares no âmbito do processo criminal.
Dito de uma forma mais simples, a ideia é a seguinte:
(1) As imunidades materiais impedem que os parlamentares respondam pela prática de
crimes contra a honra (arts. 138 à 145 do Código Penal), por incitação ao crime (art.
286 do CP), por apologia ao crime (art. 287 do CP), etc. Em suma, impede-se que os
ocupantes dos cargos supramencionados venham a responder por abusos que
eventualmente pratiquem por ocasião da manifestação de seu pensamento.
(2) As imunidades formais impedem que o parlamentar seja preso (ressalvados os casos
de flagrante delito de crime inafiançável, ou, ainda, quando definitivamente
condenado). Trata-se, pois, de uma prerrogativa que atinge os fatos praticados após
a diplomação (investidura do parlamentar no cargo) e que perdura até o
encerramento do mandado, impedindo que o parlamentar seja preso pela prática de
crime afiançável perpetrado durante a vigência de seu mandado.
Mas será que apenas os parlamentares possuem estas imunidades? Não! O Presidente da República, durante o exercício de seu mandato, também possui
imunidades em relação à prisão e à instalação da ação penal.
De uma forma mais detida, o que se pode dizer é que o Presidente da
República somente poderá ser preso em razão da superveniência de uma sentença penal condenatória, sendo vedado, por expressa disposição
constitucional (art. 86, § 3º, do CPP), que lhe seja aplicada qualquer modalidade de prisão provisória; o que significa que, independentemente do crime que
praticar, o presidente de nosso país não poderá ter a sua liberdade cerceada por prisão em flagrante, prisão preventiva ou mesmo prisão temporária.
Já no que se refere à ação penal, as imunidades em apreço exigem que o
29
Direito Processual Penal
PRF – Prof. Marcos V. D. Carrasco Aula 00
www.explicaconcursos.com.br
presidente somente seja processado mediante a autorização da Câmara dos Deputados, que deve ser obtida pelo voto de 2/3 (dois terços) dos membros
daquela casa.
Carrasco, então o presidente pode ser processado? Sim! Mas é necessário atenção, pois o procedimento vai variar a depender da natureza do crime que,
porventura, tiver sido praticado.
Isto significa, que se o presidente tiver praticado um crime comum, caberá ao Procurador Geral da República (chefe do Ministério Público da União) a
incumbência de oferecer denúncia perante o Supremo Tribunal Federal que, por
sua vez, encaminhará ofício à Câmara dos Deputados solicitando uma autorização para a instalação da ação penal (art. 86, caput, da CF), de posse da
qual, o Presidente ficará afastado de suas funções pelo prazo máximo de 180 (cento e oitenta) dias.
Já em relação aos crimes de responsabilidade (que se encontram previstos
na lei 1.079/50), as regras são sensivelmente distintas. Isto porque, nestes casos, a denúncia pode ser oferecida por qualquer cidadão à Câmara dos
Deputados que, por sua vez, autorizará que o processo se desenvolva perante o Senado Federal que, a partir de então, ficará obrigado a processar o Presidente
(art. 86, caput, da CF). Eis o famoso processo de impeachment.
Mas afinal, o presidente poderá ser preso, sim ou não? Depende! Provisoriamente, jamais; agora, por força de sentença penal condenatória, a
prisão será perfeitamente possível (art. 86, § 3º, do CP).
Disposições constitucionais aplicáveis ao processo penal
Em um estado democrático de direito, independentemente da natureza
que possuam, todas as normas devem guardar estrita compatibilidade com os ditames que emanam da Constituição Federal, pois em última análise, é esta
norma matriz quem atua como pilar de sustentação de todo o ordenamento jurídico.
Pelo fato de a liberdade ser um dos bens jurídicos mais caros ao ser humano, um tratamento especial lhe foi conferido pelos art. 5º, caput e LXI e
pelo art. 60, § 4º, IV, da Constituição Federal, que não só trataram de assegurar o direito de liberdade, como também estabeleceram a impossibilidade de ele vir
a ser abolido por obra do legislador constituinte derivado, ressalvando, contudo, a possibilidade de ser operada a prisão daquele que, porventura, atentasse
contra a ordem jurídica vigente.
30
Direito Processual Penal
PRF – Prof. Marcos V. D. Carrasco Aula 00
www.explicaconcursos.com.br
Neste contexto, por se tratarem dos ramos do direito que avalizam a
prática de atos de violência contra a liberdade pessoal, o direito penal e processual penal se correlacionam intimamente com diversas normas
constitucionais, as quais, por sua extensão, seguem enumeradas na tabela a seguir:
DISPOSITIVO É IMPORTANTE LEMBRAR!
Art. 5º, LIII, da CF. Ninguém será
processado nem sentenciado senão
pela autoridade competente;
Em virtude desta garantia, o indivíduo somente
poderá ser julgado por autoridade competente.
Art. 5º, LIV, da CF. Ninguém será
privado da liberdade ou de seus bens
sem o devido processo legal;
Esta garantia impede que qualquer pessoa seja
privada de sua liberdade ou de seus bens sem que
contra ela seja instaurado um processo no qual sejam
resguardados os seus direitos de contraditório e de
ampla defesa.
Art. 5º, LV, da CF. Aos litigantes, em
processo judicial ou administrativo, e
aos acusados em geral são
assegurados o contraditório e ampla
defesa, com os meios e recursos a ela
inerentes;
Enquanto a ampla defesa é a garantia constitucional
que assegura ao acusado a possibilidade de se calar
e de trazer para o processo todos os elementos
necessários para o esclarecimento da verdade; o
contraditório é a exteriorização daquela primeira
garantia, o qual se efetiva a partir do momento em
que a pessoa é informada do ato processual e,
sobretudo, da possibilidade de contra ele reagir/de
produzir prova em sentido contrário
Art. 5º, LVI, da CF. São inadmissíveis,
no processo, as provas obtidas por
meios ilícitos;
Não se admitem, em processo penal, as provas
adquiridas por meios ilícitos (leia-se: provas obtidas
em violação a normas constitucionais ou legais).
Cuidado! Apesar de a vedação recair sobre as provas
ilícitas, as provas ilegítimas também não são
admitidas.
Art. 5º, LVII, da CF. Ninguém será
considerado culpado até o trânsito em
julgado de sentença penal
condenatória;
Esta garantia consistia no direito de não ser declarado
culpado, senão após o trânsito em julgado de
sentença penal condenatória, proferida ao término de
um processo no qual houvessem sido observadas
todas as garantias fundamentais; contudo, com a
decisão proferida pelo plenário do STF no julgamento
do HC 126.292, esta garantia passou a consistir no
direito de não ser declarado culpado senão após a
prolação de um acórdão condenatório oriundo de
Tribunais de Apelação.
Art. 5º, LVIII, da CF. O civilmente
identificado não será submetido a
identificação criminal, salvo nas
hipóteses previstas em lei;
Quer-se aqui dizer que aquele que já possui
documentos de identidade só precisará se submeter
à identificação criminal nas hipóteses previstas em
lei.
Art. 5º, LIX, da CF. Será admitida ação
privada nos crimes de ação pública, se
O que se busca neste dispositivo é garantir que a
vítima (ou seu representante) possa acionar as vias
31
Direito Processual Penal
PRF – Prof. Marcos V. D. Carrasco Aula 00
www.explicaconcursos.com.br
esta não for intentada no prazo legal; judiciais para ver sancionado aquele que praticou um
ilícito penal e que, a princípio, poderia se subtrair de
sua responsabilização em virtude da inércia do Órgão
de Acusação.
Art. 5º, LX, da CF. A lei só poderá
restringir a publicidade dos atos
processuais quando a defesa da
intimidade ou o interesse social o
exigirem;
Tem-se aqui a ideia de que, em regra, todos os atos
realizados por órgãos oficiais deverão ser públicos,
ressalvados aqueles cuja publicidade, por ventura,
vier a prejudica a intimidade ou interesse social.
Art. 5º, LXI, da CF. Ninguém será
preso senão em flagrante delito ou por
ordem escrita e fundamentada de
autoridade judiciária competente,
salvo nos casos de transgressão
militar ou crime propriamente militar,
definidos em lei;
Consagra-se, neste dispositivo, a ideia de que a
prisão é a ultima ratio.
Art. 5º, LXII, da CF. A prisão de
qualquer pessoa e o local onde se
encontre serão comunicados
imediatamente ao juiz competente e à
família do preso ou à pessoa por ele
indicada;
Busca-se, com esta regra, um reforço ao direito de
liberdade.
Art. 5º, LXIII, da CF. O preso será
informado de seus direitos, entre os
quais o de permanecer calado, sendo-
lhe assegurada a assistência da família
e de advogado;
Há, aqui, a consagração da vedação da
autoincriminação.
Art. 5º, LXIV, da CF. O preso tem
direito à identificação dos
responsáveis por sua prisão ou por seu
interrogatório policial;
Este direito é salvaguardado através do art. 306, §
2º, do CPP, segundo o qual, no prazo de 24h, contado
da prisão em flagrante, será entregue ao preso,
mediante recibo, a nota de culpa, assinada pela autoridade, com o motivo da prisão, o
nome do condutor e os das testemunhas.
Art. 5º, LXV, da CF. A prisão ilegal
será imediatamente relaxada pela
autoridade judiciária;
Este dispositivo busca evitar que prisões ilegais sejam
preservadas por um longo período de tempo;
Art. 5º, LXVI, da CF. Ninguém será
levado à prisão ou nela mantido,
quando a lei admitir a liberdade
provisória, com ou sem fiança;
Em nosso ordenamento jurídico a prisão é a exceção
(a ultima ratio); e a liberdade, a regra.
Art. 5º, LXVIII, da CF. Conceder-se-
á habeas corpus sempre que alguém
sofrer ou se achar ameaçado de sofrer
violência ou coação em sua liberdade
de locomoção, por ilegalidade ou
abuso de poder;
Como a liberdade é a regra, toda e qualquer limitação
do direito de ir e vir que não estiver amparado por
normas constitucionais ou infraconstitucionais deve,
invariavelmente, ser afastada.
32
Direito Processual Penal
PRF – Prof. Marcos V. D. Carrasco Aula 00
www.explicaconcursos.com.br
A toda sorte, precisamos lembrar que, quando cobradas em prova, estas
garantias costumam aparecer na forma de princípios; e o que são princípios? Princípios (como já dito) são os preceitos basilares, de ordem ética, que orientam
a atividade legislativa e atuam na supressão de lacunas, norteando a elaboração de normas e a aplicação do direito, para conferir coerência ao ordenamento
jurídico e reforçar o ideal de Justiça.
Dentre os vários princípios que possuímos no ordenamento jurídico brasileiro, destacam-se, em especial, os princípios: (1) da presunção de
inocência; (2) da verdade real; (3) do devido processo legal; (4) do
contraditório; (5) da ampla defesa; (6) da igualdade processual; (7) da publicidade; (8) da motivação dos atos decisórios; (9) da inadmissibilidade das
provas obtidas por meios ilícitos; (9) do nemo tenetur se detegere; (10) do juiz natural; (11) do juiz imparcial: (12) do in dubio pro reo; e (13) da razoável
duração do processo.
Então, para que possamos encerrar a aula de hoje, vamos começar a analisar cada um destes princípios.
O princípio do estado de inocência/da presunção de inocência/da
presunção de não-culpabilidade, consistia no direito de não ser declarado culpado, senão após o trânsito em julgado de sentença penal condenatória,
proferida ao término de um processo no qual tenham sido observadas todas as garantias fundamentais; contudo, após o julgamento do HC 126.292, o STF deu
uma nova roupagem à este princípio que passou a consistir no direito de não ser
declarado culpado senão após a prolação de um acórdão condenatório, unânime, oriundo de Tribunais de Apelação. Deste princípio decorrem as seguintes
consequências: (1) o ônus da prova dos fatos que constituem o direito de punir é da acusação; (2) ao proferir a sentença condenatória, o juiz deve estar
convencido da responsabilidade do suposto criminoso, pois, na dúvida, deverá absolve-lo com base no princípio do in dubio pro reo.
Mas em que consiste o princípio do in dubio pro reo? Este postulado,
que por vezes se apresenta com a denominações de princípio do favor rei ou do favor libertatis, designa a ideia de que, no conflito entre o jus puniendi do Estado
e o jus libertatis do acusado, a balança deve se inclinar em favor deste último.
Por força deste princípio, são atribuídos ao réu os seguintes benefícios: (1) na dúvida, impõe-se a sua absolvição; (2) é vedada a reformatio in pejus em
caso de recurso exclusivo da defesa; (3) não é possível a revisão criminal pró
societate; e (4) há recursos exclusivos da defesa (v.g. os embargos infringentes
33
Direito Processual Penal
PRF – Prof. Marcos V. D. Carrasco Aula 00
www.explicaconcursos.com.br
e os embargos de nulidade).
Por sua vez, o princípio da verdade real/material/judicial, expressa a ideia de que a decisão proferida ao final do processo penal deve se aproximar
o máximo possível da forma como os fatos realmente aconteceram. Por outras palavras, podemos dizer que a verdade formal, que surge a partir dos
argumentos e das provas produzidas pelas partes e que podem ou não corresponder à realidade dos fatos, não deve ser aplicada para o processo penal;
à este, deve ser aplicada a verdade real, que é aquela que mais se aproxima da realidade dos fatos. Neste contexto e pelo fato de a prova penal ser uma
reconstrução histórica dos fatos, pouco importa se eles (os fatos) são
incontroversos, eis que sempre prevalecerá a busca pela realidade fática (o que significa, por exemplo, que a confissão isolada do réu poderá não ser
considerada como prova idônea o bastante para justificar uma eventual condenação). Esta forma de verdade vigora no direito penal em razão da
qualidade dos direitos que aqui são analisados (direitos fundamentais).
Mas atenção! Liguem o sinal de alerta, pois a verdade real não pode ser buscada à qualquer custo! Ela encontra várias limitações em nosso ordenamento
jurídico e uma das principais recai em relação ao princípio que veda a produção de provas ilícitas!
Isto significa, que, a pretexto de obter a verdade real, o julgador não pode
autorizar a produção de uma prova proibida pelo ordenamento jurídico; postulado este que, inclusive, pode ser expressado através do princípio da
inadmissibilidade das provas obtidas por meios ilícitos, por força do qual não se
admitem, em processo penal, as provas obtidas mediante a violação de normas constitucionais ou infraconstitucionais (art. 5º, LVI, da CF e art. 157 do CPP).
Nada obstante, é preciso ter em mente que este postulado (da verdade
real), não vige em sua plenitude, eis que em certas hipóteses prevalece a verdade formal. Isto ocorre, por exemplo, quando são descobertas novas provas
incriminadoras após a prolação da sentença absolutória; neste caso, pelo fato de o ordenamento jurídico pátrio vedar a revisão criminal pró societate, a
descoberta destes novos elementos de convicção (que apontam para a verdade real) não viabilizará a reabertura do processo criminal.
Já o princípio do devido processo legal/due process of law assegura
que ninguém pode ser privado de sua liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal (art. 5º, LIV, da CF e art. XI, 1, da Declaração Universal dos
Direitos do Homem).
34
Direito Processual Penal
PRF – Prof. Marcos V. D. Carrasco Aula 00
www.explicaconcursos.com.br
Este postulado, visa não só salvaguardar o direito de liberdade e o direito de propriedade do cidadão contra atos do poder público, como também busca
assegurar que o indivíduo tenha os seus direitos e garantias fundamentais respeitadas no desenvolvimento da persecução penal.
A propósito, precisamos lembrar que são corolários do devido processo
legal, o princípio da igualdade processual e os princípios do contraditório e da ampla defesa.
Assim, enquanto a ampla defesa se traduz em uma garantia
constitucional que assegura ao acusado a possibilidade de se calar e de trazer
para o processo todos os elementos necessários para o esclarecimento da verdade (art. 5º, LV, da CF e art. 263 do CPP); o princípio do contraditório
consiste no meio de exteriorização da ampla defesa, que somente poderá ser exercida a partir do momento em que o acusado: (1) obtiver informações a
respeito do ato processual praticado; e (2) puder reagir ou produzir prova em sentido contrário (art. 5º, LV, da CF).
Aliás, como forma de salvaguardar o direito de ampla defesa, também foi
adotado, no ordenamento jurídico brasileiro, o princípio do nemo tenetur se detegere/da vedação da obrigatoriedade de autoincriminação!
Este princípio, que possui uma importância ímpar para a elucidação do
fato, expressa a ideia de que ninguém pode ser obrigado a produzir prova contra si mesmo, fato este que, inclusive, traz diversas implicações para o processo
penal, dentre as quais se destacam: (1) direito de silêncio; (2) direito de não
ser constrangido a confessar a prática do ilícito; (3) inexigibilidade de dizer a verdade; (4) direito de não praticar comportamentos ativos que possam vir a
lhe incriminar; e (5) direito de não produzir nenhuma prova incriminadora invasiva.
Ah! Se porventura restou alguma dúvida a respeito da forma de aplicação
deste princípio, basta lembrar que é por força dele que ninguém pode ser compelido a realizar o teste de alcoolemia (bafômetro) por ocasião de uma
abordagens policiail!
Para além deste ponto, precisamos reconhecer que muitas vezes a salvaguarda dos princípios do contraditório e da ampla defesa é insuficiente para
assegurar o respeito ao princípio constitucional da igualdade (art. 5º, caput, da CF).
35
Direito Processual Penal
PRF – Prof. Marcos V. D. Carrasco Aula 00
www.explicaconcursos.com.br
Como consectário disto, o legislador brasileiro ainda estabeleceu o princípio da igualdade processual/isonomia/paridade/par conditio, por
força do qual tratou de assegurar que as partes recebessem o mesmo tratamento no processo.
Através de outras palavras, o que se pode dizer é que a igualdade de
armas consiste na necessidade de se assegurar às partes o equilíbrio de forças, de modo que, em determinadas situações, é possível dar a uma das partes um
tratamento especial com objetivo de suprir eventuais desigualdades (princípio do indubio pro reu e o princípio favor rei).
Mas Carrasco, de que forma eu posso visualizar esse princípio sendo aplicado pelo Código de Processo Penal? Bom, um exemplo bem interessante é
o prazo em dobro que a lei processual concede à defensoria pública, sem estender similar benefício para os advogados constituídos. Percebam meus caros
que a lógica por detrás desta regra é justamente a diferença das situações em que se encontram os defensores públicos e os defensores particulares e que se
justifica porque, se de um lado a defensoria pública (órgão extremamente assoberbado) deve assumir o patrocínio dos interesses de pessoas
hipossuficientes (pouco importando o volume de trabalho já existente), de outro, os advogados particulares sempre tem a possibilidade de recusar o patrocínio
de uma ou outra ação penal a depender, por exemplo, do elevado número de tarefas que já acumularam.
Em todo caso, é necessário atentar que a efetividade dos postulados de
contraditório e de ampla defesa restaria comprometida na hipótese de o teor da
decisão jurisdicional não ser informado à parte; mais do que isso, há de se reconhecer, que o sigilo dos atos processuais poderia, em muitos casos,
estimular práticas abusivas, como a produção de provas ilícitas ou o arquivamento indevido de ações penais.
Por estes motivos, como forma de instrumentalizar as regras de
contraditório e de ampla defesa, o constituinte tratou de positivar o princípio da publicidade, por intermédio do qual estipulou que a lei só poderia restringir
a publicidade dos atos quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem (arts. 5º, LX, e 93, IX, ambos da CF).
A este respeito, ainda é importante atentar que em nosso ordenamento
jurídico, há duas espécies de publicidade: a plena/geral, que admite o acesso dos autos do processo por qualquer pessoa (sendo esta, inclusive, a regra
vigente no processo penal); e a restrita/especial, em virtude da qual o acesso
aos autos somente é permito à um número reduzido de pessoas (o que pode ser
36
Direito Processual Penal
PRF – Prof. Marcos V. D. Carrasco Aula 00
www.explicaconcursos.com.br
vislumbrado em relação aos os crimes contra a dignidade sexual, para os quais art. 234-B do CP estabelece a necessidade de ser salvaguardado o competente
sigilo).
A toda sorte, de nada adiantaria a salvaguarda dos direitos de contraditório e de ampla defesa, bem como a observância da regra de publicidade, se o
pronunciamento jurisdicional fosse lançado aos autos sem a exposição das razões que levaram o magistrado a decidir desta ou daquela maneira.
Por estes motivos, o princípio da motivação dos atos decisórios
estabelece que as decisões proferidas pelo magistrado devem ser sempre
fundamentadas/motivadas, ainda que de forma sucinta (art. 93, IX, da CF); afinal, somente conhecendo os motivos que estão por detrás da decisão, é que
o réu poderá apresentar os argumentos que, eventualmente, poderão vir a ser considerados idôneos para viabilizar a reforma do decisum.
Como vocês puderam perceber, todos os princípios que estudamos até
este momento estão diretamente correlacionados; e isto ocorre, porque o processo judicial existe para que o direito de punir não seja exercido de forma
arbitrária.
Agora eu pergunto: se o juiz se sujeitasse à influências externas (como a opinião pública) e fosse amigo ou inimigo de qualquer das partes, será que a
decisão jurisdicional refletiria a verdade real? Será que os direitos de contraditório e de ampla defesa seriam exercitados com observância da regra
de isonomia? Ou será que uma ou outra parte seriam favorecidas por possuírem
determinados laços com o julgado? Por óbvio, a presença das circunstâncias supramencionadas comprometeria a lisura e a justiça da decisão judicial.
Por estes motivos, além de todos os princípios que foram apontados até
este ponto, o nosso ordenamento jurídico ainda adota os princípios do juiz natural e do juiz imparcial que, inclusive, são de fácil compreensão.
Digo isto, porque o princípio do juiz natural determina que o magistrado
deve ser previamente conhecido segundo regras objetivas de competência, estabelecidas anteriormente à infração penal, investido de garantias que
asseguram a mais absoluta independência e imparcialidade (art. 5º, LIII, da CF).
Como consequência deste postulado, surge, por exemplo, a vedação aos juízos ou tribunais de exceção (art. 5º, XXXVII, da CF), que são os tribunais
constituído após o fato criminoso para o seu julgamento.
37
Direito Processual Penal
PRF – Prof. Marcos V. D. Carrasco Aula 00
www.explicaconcursos.com.br
Nada obstante, há ainda o princípio do juiz imparcial, que visa
salvaguardar a lisura das decisões judiciais ao estabelecer que o juiz deve atuar de forma desinteressada em relação ao conflito que existe entre as partes.
Mas, será que esta imparcialidade seria possível se, por exemplo, o
magistrado pudesse ser exonerado de seu cargo à qualquer momento? Obviamente, a resposta é negativa.
Assim, para assegurar a imparcialidade, foram instituídas algumas
garantias e vedações em favor dos julgadores, são elas:
(1) Garantias: a vitaliciedade, a inamovibilidade e a irredutibilidade de subsídios (art. 95, I, II,
e III, da CF).
(2) Vedações: (1) exercer ainda que tendo disponibilidade, outro cargo ou função pública,
salvo o de magistério, (2) receber a qualquer título ou pretexto, coisa ou participações em
processo, (3) dedicar-se a atividade político-partidária, (4) receber a qualquer título o
pretexto auxílios, contribuições de pessoas físicas, entidades públicas ou privadas,
ressalvadas as exceções previstas em leis e (5) exercer advocacia no juízo ou no tribunal
do qual se afastou antes de decorridos três anos do seu afastamento.
Para fechar este tópico, precisamos lembrar que a investigação e o processo penal são fábricas de danos das mais eficientes; e isto pode ser
constatado pelo fato de que a sociedade em geral dificilmente vê com bons olhos aqueles que declaram ter sido (ou que não conseguem ocultar que foram)
investigados ou processados em algum momento de suas vidas.
A opinião pública não perdoa e em um palco onde informações são divulgadas de forma incompleta e opiniões são expressadas (e disseminadas)
sem qualquer balizamento técnico, a dignidade daquele que foi ou está sendo processado, é uma das últimas preocupações do público em geral, que, muitas
vezes amparado pelo anonimato, tece críticas severas à um comportamento
que, muitas vezes, sequer foi realmente adotado.
Por estes motivos (intenção de reduzir os danos processuais e de não eternizar a duração de um processo), o legislador constituinte tratou de positivar
38
Direito Processual Penal
PRF – Prof. Marcos V. D. Carrasco Aula 00
www.explicaconcursos.com.br
um último postulado: o princípio da duração razoável do processo/da brevidade processual, através do qual tratou de assegurar que o processo
deve se desenvolver dentro do tempo necessário/indispensável para atingir a sua finalidade (art. 5º, LXXVIII, da CF).
Pessoal, com estas considerações, chegamos ao fim da nossa primeira
aula; e ainda que o conteúdo examinado até este ponto já tenha sido um tanto quanto extenso, eu gostaria de deixar claro que na medida em que as nossas
aulas forem avançando, não só retomaremos alguns dos conceitos e regras que estudamos na aula de hoje, como também trataremos de aprofundar o exame
dos princípio que aqui foram apresentados.
Por isso, por enquanto, desejo-lhes um bom descanso e desde já deixo o
convite para que vocês voltem a me fazer companhia no exame dos demais tópicos do edital do concurso da Polícia Rodoviária Federal!
Um grande abraço e até a próxima!