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Revista Brasileira de Geociências 20(l-4):336, março/dezembro de 1990 DISCORDÂNCIAS E OSCILAÇÕES MARINHAS CENOZÓICAS NA BACIA DE SANTOS - PORÇÃO CENTRO-NORTE: UM ENFOQUE BIOCRONOESTRATIGRÁFICO (NANOFÓSSEIS CALCÁRIOS)* ROGÉRIO LOUREIRO ANTUNES** Nesta última década, a comunidade geocientífica tem dado muita atenção ao reconhecimento e identificação de eventos geológicos globais. Dentre estes eventos, ressaltam-se as os- cilações do nível do mar postuladas por Peter R. Vau e seus colaboradores. Tais oscilações, de acordo com a teoria global, produziriam, em diferentes partes do mundo, registros seme- lhantes e, aparentemente, sfacronos. Assim, as discordâncias seriam geradas por uma queda abrupta ao nível marinho, en- quanto os pacotes sedimentares que as recobrem seriam de- positados durante a elevação posterior. Logicamente, o aporte das discordâncias e a distribuição espacial das pilhas sedimen- tares subseqüentes podem variar acentuadamente de uma ba- cia para outra. Estas variações estariam diretamente relacio- nadas à efetiva intensidade da oscilação do nível marinho (os- cilação relativa) em suas respectivas áreas, que seria o resulta- do da interação entre a eustasia, e as características locais de cada bacia, tais como a atividade tectônica (subsidência) e o aporte sedimentar. Variações intrabaciais são também espe- radas no que concerne às mangnitudes dos efeitos de uma os- cilação. Desse modo, é esperado que as erosões sejam mais ativas nas regiões proximais e que as cunhas deposicionais apresentem-se mais completas nas porções intermediárias a distais. Seguindo essa diretriz mundial de identificação de fenôme- nos globais, foi realizado um estudo biocronoestratigráfico por meio de nanofósseis calcários, em quinze poços explora- tórios que se situam na porção centro-oeste da Bacia de San- tos. Nesta pesquisa foram identificadas, na coluna cenozóica, sete interrupções do registro sedimentar (quatro no Paleogeno e três no Neogeno). Tais hiatos foram principalmente associa- dos a eventos erosivos (A a G) que promoveram o retraba- Ihamento e a redistribuição dos depósitos pretéritos. De acor- do com a resolução do zoneamento empregado, sua correlação com o zoneamento internacional (Martini 1971. In: FARI- NACCI, A; Proceedings of the 2nd Conference on Planktonic Microfossils, v. 2, p.739-785) e com a escala geocronológica utilizada, foram feitas as seguintes estimativas de idades ab- solutas para os mesmos, com as respectivas margens de erro: evento D: 56,5 Ma (+1,3 ou - 2,8 Ma), Eoceno; evento E: 17,4 Ma (+1,5 ou - 1,2 Ma), Eomioceno; evento F: 3,4 Ma (+2,2 ou - 1,0 Ma), Eoplioceno; evento G: 1,9 Ma (+0,5 ou - 1,4 Ma), Neoplioceno/Eo- pleistoceno. Na realidade, o evento B, como episódio erosivo, é ques- tionável. A análise das informações não tornou claro se o hiato que o sugere é erosivo ou não deposicional. Uma corre- lação entre os eventos assinalados e a curva de oscilações do nível marinho (Haq et al. 1987. Science, v. 235, p. 1156-1167) foi tentada (Fig. 1). A curva é muito prolífica em rebaixa- mentos e elevações. Aliás, deve ser ressaltado que, na maioria da vezes, o intervalo cronogeológico de uma biozona local en- cerra dois ou mais rebaixamentos. Fica claro, também nas margens de erro, que os episódios erosivos detectados podem refletir a soma de duas ou mais quedas próximas. E interessante observar que, em grande parte do Mioceno (entre as zonas N-570 e N640), numerosos e expressivos re- baixamentos são assinalados. Percebe-se, ainda, que durante o Mesomioceno (zonas N-508 a N-630) há a tendência do nível do mar situar-se em posições relativas cada vez mais recuadas. As interpretações bioestratigráficas, entretanto, tomando-se como referência a resolução do zoneamento empregado, indi- cam que nenhuma descontinuidade marcante foi registrada para essa faixa de tempo. * Resumo do trabalho apresentado no I Simpósio Regional de Geologia do Sudeste, publicado no Boletim de Resumos com falhas de impressão ** Petrobrás/Cenpes/Labor, Cidade Universitária, Quadra 7, Prédio 20, Ilha do Fundão, CEP 21910, Rio de Janeiro, RJ

Discordâncias e Oscilações Marinhas Cenozóicas Na Baci

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DISCORDÂNCIAS E OSCILAÇÕES MARINHAS CENOZÓICAS NABACIA DE SANTOS - PORÇÃO CENTRO-NORTE: UM ENFOQUEBIOCRONOESTRATIGRÁFICO (NANOFÓSSEIS CALCÁRIOS)

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  • Revista Brasileira de Geocincias 20(l-4):336, maro/dezembro de 1990

    DISCORDNCIAS E OSCILAES MARINHAS CENOZICAS NABACIA DE SANTOS - PORO CENTRO-NORTE: UM ENFOQUE

    BIOCRONOESTRATIGRFICO (NANOFSSEIS CALCRIOS)*

    ROGRIO LOUREIRO ANTUNES**

    Nesta ltima dcada, a comunidade geocientfica tem dadomuita ateno ao reconhecimento e identificao de eventosgeolgicos globais. Dentre estes eventos, ressaltam-se as os-cilaes do nvel do mar postuladas por Peter R. Vau e seuscolaboradores. Tais oscilaes, de acordo com a teoria global,produziriam, em diferentes partes do mundo, registros seme-lhantes e, aparentemente, sfacronos. Assim, as discordnciasseriam geradas por uma queda abrupta ao nvel marinho, en-quanto os pacotes sedimentares que as recobrem seriam de-positados durante a elevao posterior. Logicamente, o aportedas discordncias e a distribuio espacial das pilhas sedimen-tares subseqentes podem variar acentuadamente de uma ba-cia para outra. Estas variaes estariam diretamente relacio-nadas efetiva intensidade da oscilao do nvel marinho (os-cilao relativa) em suas respectivas reas, que seria o resulta-do da interao entre a eustasia, e as caractersticas locais decada bacia, tais como a atividade tectnica (subsidncia) e oaporte sedimentar. Variaes intrabaciais so tambm espe-radas no que concerne s mangnitudes dos efeitos de uma os-cilao. Desse modo, esperado que as eroses sejam maisativas nas regies proximais e que as cunhas deposicionaisapresentem-se mais completas nas pores intermedirias adistais.

    Seguindo essa diretriz mundial de identificao de fenme-nos globais, foi realizado um estudo biocronoestratigrficopor meio de nanofsseis calcrios, em quinze poos explora-trios que se situam na poro centro-oeste da Bacia de San-tos. Nesta pesquisa foram identificadas, na coluna cenozica,sete interrupes do registro sedimentar (quatro no Paleogenoe trs no Neogeno). Tais hiatos foram principalmente associa-dos a eventos erosivos (A a G) que promoveram o retraba-Ihamento e a redistribuio dos depsitos pretritos. De acor-do com a resoluo do zoneamento empregado, sua correlaocom o zoneamento internacional (Martini 1971. In: FARI-NACCI, A; Proceedings of the 2nd Conference on PlanktonicMicrofossils, v. 2, p.739-785) e com a escala geocronolgicautilizada, foram feitas as seguintes estimativas de idades ab-solutas para os mesmos, com as respectivas margens de erro: evento D: 56,5 Ma (+1,3 ou - 2,8 Ma), Eoceno; evento E: 17,4 Ma (+1,5 ou - 1,2 Ma), Eomioceno; evento F: 3,4 Ma (+2,2 ou - 1,0 Ma), Eoplioceno; evento G: 1,9 Ma (+0,5 ou - 1,4 Ma), Neoplioceno/Eo-pleistoceno.

    Na realidade, o evento B, como episdio erosivo, ques-tionvel. A anlise das informaes no tornou claro se ohiato que o sugere erosivo ou no deposicional. Uma corre-lao entre os eventos assinalados e a curva de oscilaes donvel marinho (Haq et al. 1987. Science, v. 235, p. 1156-1167)foi tentada (Fig. 1). A curva muito prolfica em rebaixa-mentos e elevaes. Alis, deve ser ressaltado que, na maioriada vezes, o intervalo cronogeolgico de uma biozona local en-cerra dois ou mais rebaixamentos. Fica claro, tambm nasmargens de erro, que os episdios erosivos detectados podemrefletir a soma de duas ou mais quedas prximas.

    E interessante observar que, em grande parte do Mioceno(entre as zonas N-570 e N640), numerosos e expressivos re-baixamentos so assinalados. Percebe-se, ainda, que durante oMesomioceno (zonas N-508 a N-630) h a tendncia do nveldo mar situar-se em posies relativas cada vez mais recuadas.As interpretaes bioestratigrficas, entretanto, tomando-secomo referncia a resoluo do zoneamento empregado, indi-cam que nenhuma descontinuidade marcante foi registradapara essa faixa de tempo.

    * Resumo do trabalho apresentado no I Simpsio Regional de Geologia do Sudeste, publicado no Boletim de Resumos com falhas de impresso** Petrobrs/Cenpes/Labor, Cidade Universitria, Quadra 7, Prdio 20, Ilha do Fundo, CEP 21910, Rio de Janeiro, RJ