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Resumo O artigo sintetiza alguns resultados de pesquisa documental, especificamente de um de seus objetivos, o de discutir o ensino de ética e bioética no processo de formação de médicos e enfermeiros, a partir da mediação textual levanta- da em documentos acadêmicos e produção científi- ca sobre temas relacionados. Adotou-se a abor- dagem pós-estruturalista de Michel Foucault, uti- lizando-se como fonte documentos acadêmicos dos cursos de enfermagem e medicina de quatro univer- sidades federais do sul do país. Discutiu-se a inser- ção dos temas éticos/bioéticos nas propostas de formação profissional com o intuito de problemati- zar o modo como os desdobramentos (estratégicos e tecnológicos) deste discurso penetram no processo de construção dos sujeitos trabalhadores da saúde e geram determinados modos de conceber e inter- vir destes sujeitos. Ressalta-se a condição da bioéti- ca como um saber silenciado e invisibilizado, mas não menos produtivo, pela forma como seu poten- cial questionador e crítico é reduzido a um conjun- to de formulações deslocadas de seu entorno de debate. Tal condição relaciona elementos do proces- so de emergência do discurso da bioética com as ro- tas já desenhadas para o que historicamente se definiu como formação ética desses profissionais. Palavras-chave bioética; educação profissional; formação ética em saúde. O DISCURSO DA BIOÉTICA NA FORMAÇÃO DO SUJEITO TRABALHADOR DA SAÚDE THE DISCOURSE OF BIOETHICS IN THE FORMATION OF THE HEALTH CARE PROFESSIONAL SUBJECT Flávia Regina Souza Ramos 1 Abstract The article summarizes results from do- cumental research − more particularly from one of the aims of such research, that of discussing the teaching of ethics and bioethics in the process of doctor and nurse training − by means of textual mediation in academic papers and scientific pro- duction on related themes. The methodology employed was Michel Foucault’s post-structuralist approach; the source texts were academic docu- ments from medicine and nurse training courses from four federal universities in southern Brazil. The insertion of ethical/bioethical issues in the professional formation was examined so as to ques- tion how the (strategic and technological) unfol- dings of this discourse penetrate in the process of constructing health care professional subjects, and generate certain modes of conceiving and of inter- vening by these subjects. We would like to empha- sise the condition of bioethics as a silenced and invisible knowledge − but nevertheless produc- tive − since its questioning and critical potential is reduced to a set of formulations isolated from the surrounding debates. Such condition links ele- ments that are in the process of emerging in the bioethical discourse with the already established routes for what has been historically defined as ethical formation of health care professionals. Keywords bioethics; professional education; ethical formation of health care professionals.

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    Re su mo O artigo sintetiza alguns resultados depesquisa documental, especificamente de um deseus objetivos, o de discutir o ensino de tica ebiotica no processo de formao de mdicos eenfermeiros, a partir da mediao textual levanta-da em documentos acadmicos e produo cientfi-ca sobre temas relacionados. Adotou-se a abor-dagem ps-estruturalista de Michel Foucault, uti-lizando-se como fonte documentos acadmicos doscursos de enfermagem e medicina de quatro univer-sidades federais do sul do pas. Discutiu-se a inser-o dos temas ticos/bioticos nas propostas deformao profissional com o intuito de problemati-zar o modo como os desdobramentos (estratgicos etecnolgicos) deste discurso penetram no processode construo dos sujeitos trabalhadores da sadee geram determinados modos de conceber e inter-vir destes sujeitos. Ressalta-se a condio da bioti-ca como um saber silenciado e invisibilizado, masno menos produtivo, pela forma como seu poten-cial questionador e crtico reduzido a um conjun-to de formulaes deslocadas de seu entorno dedebate. Tal condio relaciona elementos do proces-so de emergncia do discurso da biotica com as ro-tas j desenhadas para o que historicamente sedefiniu como formao tica desses profissionais.Pa la vras-cha ve biotica; educao profissional;formao tica em sade.

    O DISCURSO DA BIOTICA NA FORMAO DO SUJEITO TRABALHADOR DA SADE

    THE DISCOURSE OF BIOETHICS IN THE FORMATION OF THE HEALTH CARE PROFESSIONAL

    SUBJECT

    Flvia Regina Souza Ramos 1

    Abs tract The article summarizes results from do-cumental research more particularly from one ofthe aims of such research, that of discussing theteaching of ethics and bioethics in the process ofdoctor and nurse training by means of textualmediation in academic papers and scientific pro-duction on related themes. The methodologyemployed was Michel Foucaults post-structuralistapproach; the source texts were academic docu-ments from medicine and nurse training coursesfrom four federal universities in southern Brazil.The insertion of ethical/bioethical issues in theprofessional formation was examined so as to ques-tion how the (strategic and technological) unfol-dings of this discourse penetrate in the process ofconstructing health care professional subjects, andgenerate certain modes of conceiving and of inter-vening by these subjects. We would like to empha-sise the condition of bioethics as a silenced andinvisible knowledge but nevertheless produc-tive since its questioning and critical potentialis reduced to a set of formulations isolated from thesurrounding debates. Such condition links ele-ments that are in the process of emerging in thebioethical discourse with the already establishedroutes for what has been historically defined asethical formation of health care professionals. Keywords bioethics; professional education; ethicalformation of health care professionals.

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  • Introduo

    Agora que j no podemos crer no que acreditvamos, nem dizer o que dizamos,

    agora que nossos saberes no se sustentam sobre a realidade, nem nossas palavras

    sobre a verdade, talvez seja a hora de aprender um novo tipo de honestidade: o

    tipo de honestidade que se exige para habitar com a maior dignidade possvel um

    mundo caracterizado pelo carter plural da verdade, pelo carter construdo da

    realidade e pelo carter potico e poltico da linguagem. (...) mas o vazio

    tambm o nome da possibilidade. E, para ns, o possvel se tornou mais

    necessrio que o real, porque o real, embora nos mantivesse seguros e assegura-

    dos, havia comeado a nos asfixiar (Larrosa, 1998, p. 61-62).

    A opo pela no convencional forma de apresentao dos resultados dapesquisa aqui relatada se deve, em grande parte, pela filiao e perspectivaterica que adota. Tambm por uma posio peculiar em relao ao objetode estudo, inserido que est no centro de um lugar que, pelo menos desdeo sculo XVIII, se coloca como o lugar da verdade a cincia moderna.Trata-se de pensar o objeto luz da emergncia da biotica como profunda-mente inserida no dizer e fazer cientfico. Mais do que simplesmente nasci-da no seio da cincia, cabe pensar a biotica como nascida num momentopeculiar desta cincia. Peculiar quanto ao lugar que ocupa na vida social enas transformaes que esta enfrenta; peculiar tambm na forma comopenetra e legitima diferentes saberes e prticas sociais, dentre as quaisdestaca-se o trabalho de mdicos e enfermeiros no setor sade.

    Nesta perspectiva, o estudo intitulado O discurso da biotica naformao do sujeito trabalhador da sade2 elegeu os seguintes objetivos:analisar a constituio histrica do discurso filosfico e cientfico da bioti-ca e o modo como os desdobramentos estratgicos e tecnolgicos destediscurso penetram no processo de construo dos sujeitos trabalhadores dasade, gerando determinados modos de conceber e intervir destes sujeitos;e discutir o ensino de tica e biotica no processo de formao de mdicos eenfermeiros da regio sul do Brasil, a partir da mediao textual levantadaem documentos acadmicos e produo cientfica sobre temas relacionados(descritos na metodologia).

    Neste artigo, apresenta-se uma sntese relativa apenas ao segundo obje-tivo, ou seja, ao que se dispe como um contedo que preenche e ocupa,ao menos sob certos ngulos, este espao de sentido apontado na citao deLarrosa. Dos contedos que agora podem ser visualizados no interior dasestruturas acadmicas, designadas para formarem profissionais, destacam-se relevncias e linhas de reflexo em torno de questes como do que se

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  • fala, de que lugar se fala, quem profere o discurso (quem fala) e para quem endereado este discurso (para quem se fala) sobre a biotica.

    Dos aspectos terico-metodolgicos

    Como perspectiva terica, adotou-se a abordagem ps-estruturalista, deMichel Foucault, por considerar a propriedade de sua contribuio nainvestigao genealgica de sistemas de pensamento produtores de formasde pensar e agir e, conseqentemente, de concepes de sujeitos histrica eculturalmente determinadas. A obra foucaultiana tem sido caracterizada dediferentes modos, em sistematizaes temporais e temticas tambm dife-renciadas, mas parece existir um relativo consenso em relacionar o autor aospensadores ps-modernos, especialmente aos ps-estruturalistas e descons-trutivistas, bem como aos mtodos arqueolgico e genealgico por ele pro-postos3. Na verdade, longe de um conflito entre estas caracterizaes, o queh um detalhamento ou reconhecimento de especificidades da obra, namedida em que a denominao ps-moderna possui grande amplitude eabarca perspectivas e referenciais diversos. Enquanto a perspectiva ps-moderna j antecipa o interesse pelo sentido que dado ao mundo, ops-estruturalismo torna inseparvel pensar a verdade e os processos que adefinem. A questo passa a ser quem pode dizer o que est sendo dito, queposio ocupa o sujeito que pode enunci-la, de que lugar ele fala ou a quecampos de saberes ele pertence, com que enunciados se relaciona. Assim, ofoco se dirige para os modos sob os quais se exerce o poder de definirverdades (Veiga-Neto, 2002); de produzir epistemes que formulam, ordename moldam o mundo para os sujeitos que produzem o real (Silva, 1994).

    No estudo desenvolvido, o pensamento de Foucault mostra-se umapossibilidade de pensar a constituio da subjetividade deste trabalhador(e do modo como o indivduo no apenas v como deve ver, mas se v e sedescreve como deve ser visto e descrito) a partir da emergncia de umdiscurso especfico e de prticas a ele relacionadas , no caso, representa-do pela biotica.

    Segundo Albuquerque Junior (2000), o diferencial e o impacto da con-tribuio foucaultiana pesquisa scio-histrica so, exatamente, esta pro-blematizao nova e artesanal da desconstruo, em que o resultado nocoincide com a apresentao de um objeto desvelado em todos os seussegredos, mas com a desmontagem e a apresentao das peas que entraramna composio do engenho histrico.

    Apesar de o estudo ora apresentado no ter assumido nenhum dosmtodos pelos quais Foucault se tornou conhecido (arqueologia e genealo-gia) ou aos estudos que dedicou temtica do poder, buscou no autor a

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  • inspirao e as bases essenciais para pensar noes como as de sujeito ou dediscurso, no como categorias tericas, mas como indicativos de uma formade pensar e escrever. O prprio Foucault (1995a, p. 231-232) reconhece quea grande empreitada de sua vida foi criar uma histria dos diferentesmodos pelos quais, em nossa cultura, os seres humanos tornaram-sesujeitos e que no poder, mas o sujeito, que constitui o tema geral deminha pesquisa. Filiar-se a Foucault e ler sua obra tambm uma emprei-tada muito superior ao tempo de realizao de um estudo (comeou bemantes dele e se prolonga em novos estudos), mas, para o que aqui traba-lhado, vale situar algumas referncias mais fundamentais, como Foucaultem 1985, 1988, 1994, 1995a, 1995b, 1996, 1997, 2003, 2004 a, 2004b.

    A concepo de discurso parte da noo de prticas discursivas, comomodos de fabricao de discursos, corporificadas em conjuntos tcnicos,instituies, esquemas de comportamento, formas pedaggicas, e quepodem reunir ou atravessar diferentes disciplinas ou cincias, em delimi-taes provisrias e modos de transformaes especficos, produzidosdentro ou fora delas prprias (Foucault, 1997, 1996). A linguagem consi-derada como um sistema de significados constitudos histrica e social-mente, do que decorre a tomada de textos escritos e expresses orais comoreveladores de certas conformaes, referncias e demarcaes de determi-nados discursos que, por sua vez, operam no interior de disciplinas eprticas sociais em diferentes formas e estratgias de poder e interveno navida social. Assim, os dados textuais e documentais no se limitam ao lugarde simples variveis ou ao papel ilustrativo ou descritivo de contedos, masso o prprio contedo da reflexo e crtica que se move do senso comumpara a desconstruo de saberes e prticas em alternativas de novas apreen-ses e construes.

    O desenho do estudo caracterizou-o como pesquisa documental, quecontemplou, numa primeira etapa, fontes da produo cientfica nacional4

    sobre tica e biotica, especialmente nas suas relaes com o ensino profis-sional, em peridicos das reas selecionadas (medicina e enfermagem emultidisciplinar na sade). Pelo foco do artigo, aqui so tratados os resulta-dos obtidos numa segunda etapa, que teve como fonte documentosacadmicos dos cursos das universidades pblicas selecionadas, para evi-denciar as inseres dos temas ticos/bioticos nas propostas de formaoprofissional, incluindo diretrizes e estruturas curriculares, planos de ensi-no, bem como fontes tericas e bibliogrficas. Apesar da opo de desdo-brar a anlise da literatura em outro artigo, na medida em que algumascategorias so apresentadas, elementos desta reviso bibliogrfica soretomados.

    Foram estudados os documentos dos cursos de enfermagem e medicinade quatro universidades federais do sul do pas, totalizando oito cursos.

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  • Apesar do carter pblico destes documentos (muitos deles disponibiliza-dos nos stios institucionais), optou-se por uma coleta presencial, com apre-sentao pessoal ou envio preliminar do projeto e solicitao formal paraconsulta aos mesmos. Analisaram-se currculos, projetos polticos pedaggi-cos ou documentao que apresentava informaes quanto filosofia docurso, objetivos, perfil desejado, histria do curso, entre outras; ementas eplanos de ensino de disciplinas, inclusive bibliografia indicada.

    Os dados coletados foram organizados em um corpo documental, o qualsofreu uma leitura flutuante, ou de primeiro plano, para, a seguir, atingirnveis mais aprofundados, de modo a garantir dados significativos e repre-sentativos para o alcance dos objetivos propostos. Tambm foram compos-tos quadros-snteses de cada curso, de modo a facilitar o manuseio degrande nmero de informaes, como dados sobre o curso, as disciplinasque abordam a tica/biotica, ementas, bibliografias, entre outras. s snte-ses foram incorporados comentrios crticos sobre contedo, distribuio ebases tericas/bibliogrficas levantadas. O processo de anlise permitiu adisposio de dados significativos e fidedignos a partir dos quais forampropostas interpretaes dos contedos discursivos.

    Do que, quem e para quem se fala

    Por mais que se parta de uma idia de no homogeneidade das experinciasde formao que se processam com cada sujeito em particular e em cadacurso e escola, certas tendncias ou regularidades podem ser consideradasquando se focaliza o discurso expresso em documentos acadmicos,enquanto estes representam certa orquestrao dos processos de formaodesenvolvidos.

    Uma primeira constatao se refere prpria forma em que tais orques-traes se apresentam, em conjuntos mais ou menos estruturados, mais oumenos rigorosos na forma de registro, mais ou menos minuciosos e precisosem seus contedos. Da cabe reconhecer que uma anlise que recai sobre taltipo de material ter limites e dificuldades, por razes como: a idia daconstruo de projetos polticos pedaggicos5 (PPP) nos cursos de gradua-o ainda nova e, embora a rea de enfermagem tenha se antecipado emrelao s ltimas orientaes poltico-legais, no cenrio mais geral a nooque se tem sobre tal projeto no uniforme e gera uma diversidade de for-mas e contedos, especialmente influenciada pelas instncias administrati-vas universitrias especficas; so diferenciadas as exigncias administra-tivas e rotinas de organizao acadmica e de controle do trabalho docenteem cada instituio e em cada curso, sendo que em alguns casos h disponi-bilidade de documentos, como planos de ensino, devidamente elaborados e

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  • completos; em outros casos, a prpria instituio no tem acesso facilitadoa estes instrumentos do trabalho pedaggico, mesmo quando afirma aexistncia dos mesmos; tambm no h nenhuma segurana quanto importncia que os professores esto atribuindo elaborao deste tipo deinstrumento, aqui ainda usando o exemplo do plano de ensino, quanto aoempenho por torn-lo claro, correto, completo e, principalmente, atualiza-do. Especialmente no que se refere descrio das bases bibliogrficas uti-lizadas em cada disciplina e das estratgias de ensino, h discrepnciasevidentes, em termos de quantidade e qualidade das informaes prestadas.

    Embora este no tenha sido um dado pesquisado (no foram coletadosdados sobre os professores), cabe lembrar um fato bastante comum quantoao ensino de contedos de tica, assim como de outros distribudos emdisciplinas isoladas/paralelas, que o de ser destinado quase que comexclusividade a poucos professores, nem sempre com formao ou expe-rincia especfica. Tal observao relatada em estudos como o de Rego(2003), mas, principalmente, foi evidenciada pela pesquisadora em dife-rentes oportunidades, como em encontros para discusso sobre o ensino detica na enfermagem. Mas tambm se observa o contrrio, a importnciadada ao estudo destes temas por professores mais capacitados e que buscamatualizao destas formas de ensinar. No geral, ainda cabe certa preocu-pao sobre como e a quem est sendo destinado o ensino de tica, comoresponsabilidade exclusiva de poucos, distanciado do dilogo interdiscipli-nar e do debate contnuo frente dinmica da realidade, a qual deveria pre-tender problematizar.

    Por isto tudo, no se pode imaginar que currculos, projetos polticospedaggicos ou planos de ensino forneam uma idia ampla ou completasobre o processo de formao, que abarca uma dinmica prpria e com-plexa, no suficientemente expressa em documentos; no entanto, a perspec-tiva metodolgica aqui assumida privilegia os discursos como elementosfundamentais dos processos de subjetivao, contingenciadores de expe-rincias que de si fazem os sujeitos concretos.

    Ressaltados tais limites, entre outros, pode-se empreender uma tentati-va de sntese do que se fala quando se fala de tica/biotica, a partir doscontedos expressos nestes documentos. Tal sntese revela que pouco sefala e que talvez esta seja ainda uma fala inaudvel, por um processo deinvisibilizao do tema tico na formao profissional.

    O contedo da fala, naquilo que pode se considerar como recorrente ouo seu sentido forte, se expressa nos temas6: a) da deontologia, principal-mente pelo sistema moral manifesto em cdigos profissionais; b) dos aspec-tos conceituais e dos princpios da biotica; c) emergentes e clssicos tecnologia e biotica de fronteira; d) persistentes, dos direitos e das proble-mticas sociais.

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  • Numa contextualizao de cada um desses temas, pode-se discutir al-guns elementos, sem o intuito de estabelecer, em todos os casos, uma dis-tino entre os cursos de enfermagem e de medicina, como se segue.

    Da deontologia

    De deontos (dever; o que obrigatrio, justo, adequado), a deontologiatrata da origem, incidncia e efeitos dos deveres, a partir da reflexo sobreo comportamento de valor ideal, fruto do juzo (tico) equilibrado econsciente, conciliador da liberdade e da responsabilidade social (Braga,2004, p. 1). Apesar desta noo geral, diferentes interpretaes e as formascomo as profisses deram uso ao termo ainda so focos de discusso,principalmente quanto denominao de cdigos de tica dada ao conjun-to de regras normatizadoras, incluindo os direitos e deveres dos profissio-nais, quase sempre sem uma fundamentao em uma viso ou princpiosticos gerais, o que, segundo algumas crticas, se limitaria a um cdigodeontolgico.

    No caso da medicina brasileira, a evoluo histrica deste tipo de cdi-go revela no apenas o processo de sua atualizao, mas tambm o modo desua denominao, como se v: Cdigo de moral mdica (1929); Cdigo dedeontologia mdica (1931); Cdigo de deontologia mdica (1945); Cdigo detica da Associao Mdica Brasileira (1953); Cdigo de tica mdica (1965);Cdigo brasileiro de deontologia mdica (1984); este ltimo em vigor atual-mente.

    A enfermagem estabeleceu, em 1975, o Cdigo de deontologia deenfermagem e, em 1979, o Cdigo de infraes e penalidades, ambos substi-tudos pelo Cdigo de tica dos profissionais de enfermagem, de 1993, e,posteriormente, pela verso do ano de 2000. Todas estas verses estoligadas criao do Conselho Federal de Enfermagem (1975), apesar daexistncia de certos padres de conduta moral, culturalmente compartilha-dos e difundidos, j ativos no ensino de tica desde a primeira Escola deEnfermeiros em 1923.

    No lastro legal da instituio de conselhos profissionais so estabeleci-das, atualizadas, fiscalizadas, julgadas e punidas as posturas e condutasprofissionais desejveis e indesejveis, mesmo considerando que no sepode limitar a aplicao de normas deontolgicas condio de existnciadestas autarquias como rgos de fiscalizao de poder pblico comomostra a medicina com seus cdigos anteriores criao do ConselhoFederal de Medicina, em 1945. Paradoxalmente ao seu papel como rgoestatal, so os interesses corporativos, de conquista de monoplios e ampli-ao de privilgios, que tm se mostrado a marca da atuao destes

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  • conselhos. Mesmo a questo de representatividade da posio da prpriacategoria no algo respeitado em muitos deles.

    As questes relativas regulamentao e ao controle do exerccioprofissional, embora implicadas com o compromisso e a responsabilidadesocial de seus profissionais, no por si s matria tica, se desprovidas dacrtica e da autocrtica capazes de questionar suas prprias posies e argu-mentos, suas relaes com certos valores e modelos de prtica. A simplesincluso destes cdigos como matria a ser conhecida, nada mais indica doque simples informao para a obedincia.

    Obviamente que no so analisadas aqui as prticas pedaggicas quequalificam este ensino e que, ao tomarem tal contedo como objeto deanlise, podem dele fazer emergir a reflexo tica. Apenas destaca-se quequando os cursos explicitam o contedo deontolgico, podem estar apenascumprindo a obrigao de reconhecer certas pautas dadas, referendar osistema regulatrio profissional, justificando-se como partcipe autorizadona produo de novos exercentes.

    Parece haver uma tendncia das profisses regulamentadas em incorpo-rar o pressuposto da existncia deste tipo de sistema e de cdigos comonecessidade e exigncia naturais, bem como da confiana quanto a suanatureza, suas formas jurdicas e procedimentais. O que se interpreta, combase na experincia de participao em fruns profissionais, que a enfer-magem e a medicina no estariam distantes desta defesa e difuso de seuscdigos, que so marcos e condio de sua prpria profissionalizao.Assim, no se chega a questionar os motivos da existncia de fruns jurdi-cos exclusivos e internos arbitragem de rgos profissionais; os motivos,valores e bases das proposies, e de suas atualizaes, apresentadas noscdigos, bem como de seus propositores, elaboradores e divulgadores; asespecificidades e relaes com cdigos de outras profisses; as coernciasdas interpretaes e sua consistncia com aspectos histricos e scio-polti-cos da prtica profissional.

    Desta forma, o ensino do conhea a lei que te regula para, simples-mente, cumpri-la , antes de qualquer coisa, reprodutora da agenda e dasprerrogativas corporativas, pela via da defesa contra o mal exercente.A entrada no campo profissional, que supe o respeito a certas regrasmorais, no deve ser impeditiva do exerccio moral dos sujeitos.Em sntese, cabe destacar trs constataes sobre a forma de insero datemtica deontolgica que os documentos analisados revelam.

    Em primeiro lugar, observa-se que todos os cursos analisados abordamesta temtica, sendo que os de medicina possuem disciplinas que incluemem sua denominao tal referncia especfica (medicina legal e deontologiamdica; biotica e deontologia mdica) ou recebem denominao mais geral(biotica aplicada); j nos cursos de enfermagem o tema est includo em

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  • disciplinas denominadas como Exerccio da enfermagem; Fundamentos docuidado humano ou Fundamentos para o cuidado profissional.

    Em segundo lugar, verifica-se que as disciplinas que tratam tais temaspossuem carga horria terica, entre 30 e 60 horas, exceto aquelas de carterintegrado, que articulam diferentes conhecimentos e possuem elevadacarga horria. No h uma clara delimitao do tempo destinado exclusiva-mente abordagem deste tema, mas, considerando-se o exposto nos progra-mas das disciplinas, no h evidncia de que possa ter disponibilidademaior do que 15 horas, na maioria dos casos bem menor do que isso.

    Por fim, identifica-se que, em alguns casos, o tema da deontologia onico explicitamente relacionado ao ensino da tica/biotica, apresentadonos documentos.

    Em relao aos achados de seu estudo, Rego (2003) retomou algunsdados j apontados dez anos antes por Meira e Cunha (1994), no que serefere diversidade de disciplinas responsveis por estes temas, na grandemaioria em disciplinas autnomas (especficas para tica), e quase todascom referncia deontologia em suas denominaes. O que o autor apontacomo sugestivo de uma mudana foi o fato de observar uma tendncia detratar tais contedos de forma mais precoce (no apenas no ciclo profissio-nal) e insero de alguns temas em outras disciplinas, alm das tradicionais,onde parece ocorrer uma abordagem menos deontolgica.

    Dos aspectos conceituais e dos princpios da biotica

    Para Ramos (2003), como um campo amplo e em rpida expanso, a bioticase coloca como um dos mais representativos exemplos de esforo interdisci-plinar de reflexo e crtica, uma vez que se defronta com os desafios deformas de viver desiguais, que exigem a busca permanente e cooperativa dediversos sujeitos e diversos campos de saber e ao social, que articulamseus pontos de viso e escuta deste social. Esta caracterstica interdiscipli-nar implica seriedade de interesse, compreenso mtua e esforo de auto-organizao intelectual, que permitem a colaborao e a catalisao daproduo do conhecimento em uma co-emergncia (do fenmeno e de seusobservadores ou problematizadores)7.

    No texto referido, destaca-se a biotica como desafio cotidiano, nascidacomo movimento intelectual e social, que se prope a questionar seusprprios sujeitos cientistas, intelectuais, profissionais, legisladores,governantes, cidados organizados em relao a si mesmo, suas prticas,seus saberes, seu lugar e compromisso nesta sociedade; no apenas sob ofoco dos grandes temas da cincia fantstica, mas como instrumentodisponibilizado nos espaos cotidianos do agir, como na sade, onde os

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  • encontros acontecem e onde a cincia e a tecnologia conformam os corpos,os discursos, as aes e as relaes entre os sujeitos.

    Da emergncia do termo biotica8, no incio da dcada de 1970, doisdesdobramentos inter-relacionados, ainda no cenrio norte-americano,foram

    a publicao do Relatrio Belmont9, em 1978, identificando trs princpios

    fundamentais na abordagem tica dos conflitos resultantes das pesquisas com

    seres humanos: o respeito pelas pessoas (autonomia), a beneficncia e a justia; e

    a publicao de Princpios de tica biomdica, de Tom Beauchamp e James

    Childress, em 1979, que props aquele que se tornaria o modelo terico mais

    influente nessa nova rea da tica, o principialismo biotico, fundado em quatro

    princpios: autonomia, beneficncia, no-maleficncia e justia (Ramos et al.,

    2004).

    Com o marco da tica biomdica principialista, o conceito de bioticafoi rapidamente difundido em uma interpretao aplicada ao terreno dabiomedicina, que passou a formular para si uma srie de solues exigidaspelos conflitos e dilemas gerados tanto pelos avanos da cincia e tecnolo-gia como pelas transformaes scio-culturais ligadas a conquistas histri-cas no campo da cidadania, da proteo e defesa de direitos (Ramos et al.,2004). Para Pessini e Barchifontaine (2002, p. 11-12), o sucesso do modeloprincipialista deve-se a sua adoo pelos clnicos, uma vez que aquele deua estes um vocabulrio, categorias e percepes lgicas para percepes esentimentos morais no valorizados anteriormente.

    Sem deixar de reconhecer as contribuies que a vertente norte-ameri-cana da biotica trouxe, ao se desenvolver, pragmaticamente, em torno decasos, procedimentos e decises, ou seja, dos caminhos de ao paraenfrentar os problemas relativos aos direitos individuais e s relaesprofissional-cliente na prtica clnica, cabe retomar as demandas por umamacrotica, dirigida para as necessidades de comunidades ou populaese a prpria defesa da vida em grande escala (Segre, 1999).

    Quando se trata de objetos complexos como a sade e a doena,tambm campo de reflexo e experincia moral, deve-se ter a abertura paraexplorao de outras perspectivas ticas, capazes de problematizar o cotidi-ano do cuidado, reconhecendo que nenhum modelo esgotar a complexi-dade da problemtica e das incertezas. Alguns conceitos podem serrecursos necessrios neste tipo de reflexo, como a tolerncia, a soli-dariedade, a eqidade, a responsabilidade (Bub, 2005).

    Se hoje j podemos considerar a biotica como pauta prioritria noatual cenrio cientfico e acadmico, com crescente expanso de seus obje-tos de reflexo, seria de imaginar que a formao de mdicos e enfermeiros

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  • fosse reveladora desta incorporao temtica e problematizadora. No entan-to, o que se observou foi, contraditoriamente ao discurso expresso emprojetos pedaggicos, a ausncia ou insuficincia de bases necessrias paratal abordagem.

    H, por exemplo, certa identidade relativamente coesa, naquilo que seapresenta como objetivos dos cursos, perfil profissiogrfico ou outrasdefinies dos marcos tericos dos cursos, como se pode destacar nasseguintes referncias: a) a adoo de novo paradigma para ensino mdico,no qual a sade direito de todos e dever do estado, destacando o papel domdico e da universidade no desenvolvimento de polticas pblicas e apriorizao de aes de preveno sade (medicina); b) a compreenso deque o trabalho mdico e o de enfermagem precisam ser analisados noconjunto de processos sociais que envolvem a produo dos servios desade, incluindo questes polticas, tecnolgicas e tcnicas; c) compromis-sos sociais que correspondam a valores como da eqidade, qualidade naformao voltada s necessidades sociais, construo de modelos de atenointegral sade, novas exigncias de tica profissional, formao humans-tica, valorizao da comunicao, das relaes e dos vnculos entre ossujeitos, alm da produo e consumo do conhecimento, incluindo a edu-cao permanente; d) crtica mais ou menos consistente e destacada quanto ultra-especializao, o tecnicismo, a lgica das cincias naturais comonico modelo de conhecimento vlido, a fragmentao disciplinar, acentralidade sobre a doena e o hospital, incluindo diferentes elementos domodelo flexneriano de ensino mdico; e) pressupostos e orientaespedaggicas que valorizam a interdisciplinaridade, a flexibilidade, a preco-ce insero e contato com a comunidade, a busca ativa do conhecimento, aintegrao de contedos, a articulao ensino-servio e extenso, o pensa-mento crtico, a educao para a autonomia e emancipao.

    Embora tais referncias no constituam uma unidade ou tampoucoestejam igualmente manifestas nos projetos dos cursos, de modos prpriosesto presentes com maior ou menor intensidade e consistncia nos dife-rentes cursos. O que resta perguntar sobre a real incorporao destesprincpios na vida acadmica.

    O caso da fundamentao conceitual da tica/biotica exemplar parailustrar uma possvel inconsistncia entre este discurso poltico e as prti-cas pedaggicas cotidianas. Seria de se esperar que, ao se expressar trans-formaes desejveis na formao profissional e, portanto, na prtica futurados mesmos, houvesse experincias e referncias previstas formalmente,seno em disciplinas especficas em enfoques integrados, nestes cursos. Nocaso da tica e da biotica, to fundamentais para o alcance das vises,perfis e objetivos assumidos, h uma inexpressiva abordagem de seus aspec-tos tericos e conceituais. Embora a maioria dos cursos possua ao menos

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  • uma aula introdutria tica (alguns tambm biotica), a ausncia deindicaes conceituais sobre este tema faz supor que a entrada no tematico se faz diretamente sobre questes especficas eleitas (como a deontolo-gia) ou que tais conceitos estariam inseridos na abordagem dessas outrasquestes.

    Considerando a carga horria destas disciplinas, fica evidente que esteselementos de reflexo terico-filosfica esto ausentes ou so inexpressivos.Tambm quando se busca, a partir da anlise das indicaes bibliogrficasdas disciplinas, pelos possveis aportes que estariam sustentando este ensi-no, mais evidentes so suas insuficincias, como se pode apontar: a) cursoque no faz nenhuma referncia s bases terico-filosficas ou conceituaisda tica ou biotica e apresenta insignificante bibliografia para tal, utilizan-do apenas referncias secundrias, geralmente de autores da prpria profis-so ou da rea da sade, enfocando problemas especficos; b) cursos queabordam tais bases de forma muito rpida, introdutria s disciplinas, eapresentam bibliografia mais ou menos ampla e diversificada, especialmenteem biotica; c) a base terica explicitada , exclusivamente, a bioticaprincipialista, abordada apenas por meio de referncias secundrias (autoresbrasileiros, exceto um curso que cita referncia primria). H cursos queno explicitam a abordagem de tais princpios. No h nenhuma evidnciado entendimento acerca da pluralidade de concepes e referenciais datica e biotica hoje existente.

    Ressalvados os limites que uma abordagem estritamente principialistatraz, a sua pretensa ampla difuso no meio acadmico-cientfico parece seconfirmar pelo ponto de vista de ser ainda a nica referncia a compor osdocumentos oficiais dos cursos; mas pode ser parcialmente questionadaquando se percebe que ainda no representa uma unidade, no profunda-mente trabalhada ou o por autores brasileiros (no exclusivamente),alguns dos quais preocupados em apontar seus limites. Caberia perguntar setal insuficincia se d por uma superao do modelo principialista ou pordesconhecimento do mesmo. Uma possvel superao ou ampliao norequereria sua abordagem crtica e a incluso de alternativas tericas?A simples incluso como tema de aula suficiente para indicar sua incorpo-rao como fundamento orientador das decises prticas? Se no esta, queoutras bases estariam cumprindo este papel no processo de formao,quando o futuro profissional se confronta com problemas e dilemas deordem tica? Se h ausncia destas indicaes, poder-se-ia pensar que huma grande possibilidade de que tal sujeito moral esteja sendo formadocom base restrita no exemplo do professor, quase sempre no exposto argumentao e justificao moral? Se a formao tica pelo exemplo, sema reflexo e argumentao crtica, pode ainda ter grande importncia, eimaginando que muitos professores reproduzem ainda os modelos de forma-

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  • o e prtica que hoje esto sendo criticados, como sustentar uma propostade formao que exige a oportunidade e o desenvolvimento de um mnimode maturidade tica?

    Temas emergentes e clssicos tecnologia e biotica de fronteira

    A importncia da biotica no campo da sade est relacionada, sem dvida, incorporao dos produtos e inovaes da tecnobiocincia, ao que se aliao fato destas incorporaes provocarem mudanas relevantes sobre a ofertae a qualidade dos servios e aes oferecidas, como tambm sobre o modocomo os agentes trabalham, produzem cuidados e operam tecnologias.Assim, o tema da tecnologia j deveria implicar, por si s, a anlise dasconseqncias ticas de sua aplicao sobre o indivduo, o coletivo e oprprio trabalhador.

    Infelizmente, a formao que ainda privilegie a dimenso tcnica daao no se basear em uma concepo ampliada da relao trabalho etecnologia, limitando-se a uma apreenso da mesma como mero artefatomanipulvel e subsidirio ao procedimento tcnico intelectual e manual.

    Nos documentos dos cursos analisados, constata-se o que pode ser umacontradio fundamental: ampliam-se os espaos para discusso da profis-so ou do trabalho a partir de seu contexto histrico, social e cultural,abrindo possibilidades para sua apreenso crtica e para a utilizao deconhecimentos das cincias humanas e sociais, numa coerncia com asnovas competncias dos profissionais da sade (muito mais intensamentenos cursos de enfermagem); mas, ao mesmo tempo, ainda se limita oentendimento sobre tecnologia quando se trata de discutir os denominadostemas ticos/bioticos. Neste sentido, permanece a aderncia aos temasclssicos ou tradicionais (algumas vezes em novas linguagens), acrescido decertas atualizaes em torno de temas emergentes e inovaes cientficassob foco dos debates mais especializados.

    Assim, quando explicitados os temas, os mais recorrentes so os rela-cionados ao incio e ao fim da vida10, especialmente sobre as tecnologias narea da reproduo e da gentica, a eutansia (algumas ampliando para otema da distansia), a doao e os transplantes de rgos. J quando setrata de destacar os aspectos ticos e morais nas descries de ementas econtedos de disciplinas denominadas por reas especializadas tradicionais,como sade da criana e do adolescente, sade da mulher, sade do adulto,sade mental, sade coletiva ou comunitria e, at, em unidades particu-lares como centro cirrgico, so os cursos de enfermagem que j apresentamexemplos deste tipo de referncia. Isto pode estar indicando uma preocu-pao com a abordagem transversal da tica/biotica, mas tambm o risco

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  • de, na ausncia de maior explicitao, se manter como discurso politica-mente correto, sem efetividade ou consistncia. Tal inoperatividade ficamais clara se considerarmos que a maioria das disciplinas profissionais, queincorporam nas descries de suas propostas o componente tico/biotico,no apresenta qualquer referncia bibliogrfica que indique algum suportena literatura para tais tradues s problemticas de rea e campos detrabalho especficos. Seria de supor que qualquer professor, com experin-cia em suas especialidades ou campos terico-prticos, estaria no apenasapto, mas sempre atento e preparado para promover estas relaes,prescindindo do devido recurso produo de outros autores? E aquelescursos que nem ao menos demonstram esta tendncia ou esforo de inte-grao da temtica tica/biotica no cotidiano das prticas de ensino teri-co-prtico, no se aperceberam das insuficincias existentes, das novasexigncias ou julgariam, pretensiosamente, que j atendem natural ecompetentemente tais demandas?

    Estaramos ainda vivendo o passado discutido por Rego (2003), quandoos mdicos (e aqui podemos incluir as enfermeiras) pensavam que se fossembons tcnicos isso lhes garantiria serem ticos. O autor ainda encontroutal entendimento nos depoimentos de estudantes de medicina e conclui quea maioria das escolas de medicina continua a pensar a formao tica deseus alunos com os mesmos instrumentos de ensino e a mesma compreensodo processo que havia no incio do sculo passado (Rego, 2003, p. 106).

    Tambm se buscou evidenciar os aspectos ticos relacionados s ativi-dades de investigao, geralmente em disciplinas de metodologia dapesquisa, constatando-se que tais aspectos recebem destaque (com umaexceo). Padilha et al. (2005) alertam para a banalizao do tratamentodado s questes ticas em trabalhos cientficos, limitando-as simplesobteno de consentimentos informados e citao da resoluo n 196/96,do Conselho Nacional de Sade (CNS), que apresenta as diretrizes e normasregulamentadoras da pesquisa envolvendo seres humanos. Desta forma, taisprocedimentos teriam uma abordagem protocolar e superficial, restrita etapa de coleta de dados; as questes ticas estariam negligenciadas oudeslocadas de suas bases tericas, separadas dos princpios e valores quedeveriam lhe dar sustentao, para serem tomadas como mera tarefa opera-cional (Padilha et al., 2005, p. 96).

    Se alguns temas da biotica de fronteira esto presentes nos documen-tos oficiais, o mesmo no se pode dizer da problematizao da tecnologia emsuas conseqncias para o trabalho em sade e das relaes entre ossujeitos, numa quase completa invisibilidade da relao entre poder ebiotecnologia no cuidado sade. Isto seria sugestivo de que o que estausente o pressuposto de tecnologia como saber posto em ao e possi-bilitando ser e fazer deste modo e no de outro?

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  • Na anlise das atuais transformaes do trabalho em sade, Ramos(2004) discute tendncias apontadas pela Organizao Pan-americana daSade (Opas), como aquelas relacionadas qualidade, composio tcnicae s funes das profisses, s quais acresce as transformaes ligadas aoimpacto tecnolgico, s prticas de controle social e s relaes entreusurios e trabalhadores. Se todas se relacionam, de algum modo, com aquesto dos saberes, esta ltima tem se destacado no debate sobre novosmodelos de ateno sade e formao profissional numa tendncia aconsiderar tecnologia em sua dimenso leve11, pela valorizao da dimen-so subjetiva das relaes estabelecidas nas prticas de sade, incorporan-do a escuta, o acolhimento e a criao de vnculos de solidariedade. Poresta perspectiva, tecnologia inclui todo o instrumental da comunicao, dossaberes e valores referentes cultura, tica e ao processo histrico deconstruo da cidadania, que extrapolam o domnio da tcnica.

    Ao se considerar esta dimenso, cabe ainda levantar alguns temas quej h algum tempo fazem parte dos currculos mdicos e, com algumasdiferenas, da enfermagem. Verifica-se a presena de disciplinas denomi-nadas relao mdico-paciente, que discutem de questes relacionadas comunicao e interao (com indivduos e famlias, com outros profissio-nais) at as concepes sobre tais sujeitos e sobre o prprio mdico, incluin-do aspectos sociais, culturais e psicolgicos que, muitas vezes, so tomadoscomo fatores influenciadores das relaes e, portanto, que precisam serconhecidos, decifrados e manejados.

    Assim, supe-se a necessidade de uma base terica que habilite para assituaes concretas, onde os sujeitos convivem em suas identidades epapis, sem que, necessariamente, se problematize tais identidades institu-das. Para o tamanho da pretenso de to complexo manejo, sempre foi dese admirar o nfimo espao que tais momentos ganharam nos currculos, porsi s j considerados um avano em relao ao modelo tecnicista. Talvezporque nunca se tenha colocado em questo o potencial formativo dasexperincias prticas, ou o princpio da prtica como base principal daformao e, portanto, da primazia do exemplo e da confiana de que osexemplos dos professores so os mais adequados, corretos e ticos para ofuturo profissional apreender e se espelhar. Mas, como refere Hossne (apudRego, 2003), os estudantes presenciam

    pequenas mentiras, comentrios inadequados, condutas mdicas inadequadas,

    paternalismos, trfico de influncia, maneiras inadequadas (e at desrespeitosas)

    no trato com os pacientes ou com a equipe, ruptura de sigilo, manuseio inadequa-

    do dos pronturios, furto de uma radiografia demonstrativa, perda do pron-

    turio ou de exames, falta de ateno ou tratamento autoritrio com a famlia e

    atestado falso (Hossne apud Rego, 2003, p.111).

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  • A enfermagem tambm no pode se eximir deste tipo de preocupao,embora diferenas drsticas de identidade histrica e cultural produzamdiferenas importantes no tipo de situaes em que tais problemas possamser referidos. Muito diferentes da arrogncia que inibe a autocrtica, aindaso comuns os reclamos quanto a posturas pouco propositivas, alm deserem facilmente observveis tanto prticas abusivas e desrespeitosas comoa conivncia com situaes eticamente inaceitveis. O mito da subal-ternidade e docilidade ainda se mostra ora sustentado, ora fragilizado pelas mudanas que se processam na identidade desta profissional e porestudos que o tomam como objeto12 e, embora no tenha a mesma fora,ainda est presente no imaginrio e nas explicaes que muitos profissio-nais e estudantes apresentam, seja para reafirm-lo ou para contest-lo.

    Tambm nos cursos de enfermagem, o tema das relaes humanas eprofissionais tratado em disciplinas de exerccio profissional, de funda-mentos do cuidado ou com denominaes que explicitam contribuies dascincias sociais e humanas sade. Parece haver maior exerccio de leiturae tradues deste tipo de conhecimento em questes de gnero, poder,violncia, entre outras. Isto pode se relacionar ao desenvolvimento da ps-graduao em enfermagem no Brasil e o intenso investimento na capacitaodo corpo docente dos cursos de graduao e na aquisio de novos aportestericos.

    Ao mesmo tempo em que se evidenciam novas temticas, embora poucovisualizadas como integrantes da reflexo tica/biotica, outros temas maisclssicos, como sigilo, confidencialidade, responsabilidade, to prprios aoenfoque das relaes, permanecem presentes em grande parte dos cursos,mas no que ainda parece uma abordagem normativa e legal, da tica dosdeveres profissionais.

    Temas persistentes, dos direitos e problemticas sociais

    Para Berlinguer (1993), a biotica tambm pode ser dividida em quatro gru-pos: a da vida cotidiana, relacionada aos comportamentos e idias de cadapessoa, a multiplicao das profisses coligadas pesquisa e ao uso dedescobertas biomdicas; a deontolgica, que representa os cdigos moraisdos deveres dos profissionais; a legal, que aponta para a existncia denormas reguladoras que tenham valor de lei perante o estado; e a filosfica,que procura compreender os princpios e valores que esto nas bases dasreflexes e das aes humanas.

    Complementando o que j foi assinalado nos temas anteriores, restaainda enfatizar o que se pde apreender nos documentos analisados sobretemas que insistentemente reclamam por intervenes diferenciadas, exata-

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  • mente por se constiturem problemas diversificados nas formas como se dis-tribuem e atingem as pessoas e populaes, com desiguais chances de prote-o, defesa e resistncia frente a eles.

    O cenrio em que se insere a formao de mdicos e enfermeiros temcomo uma originalidade de seu atual momento os intensos questionamen-tos e tentativas de construo de novas relaes entre o mundo do trabalhoe o mundo da educao, polemizando sobre as responsabilidades da univer-sidade e sua relao com os servios de sade. Em face dos desafios docontexto educacional brasileiro e da produo dos servios de sade, aeducao profissional conquista posio como poltica pblica prioritria13.Na formulao das polticas orientadoras da gesto, formao, qualificaoe regulao dos trabalhadores de sade, diferentes atores se posicionam eso chamados a uma insero comprometida com a plena conquista dodireito constitucional sade e com o processo histrico de solidificao doSistema nico de Sade. Tanto as entidades profissionais quanto a acade-mia assumem este discurso, embora muitas vezes sem deixar de empunharas bandeiras dos interesses e movimentos corporativos, trazendo umasignificativa unidade no plano do discurso e dos projetos que, no rara-mente, mostram-se desacompanhados da abertura flexibilidade, plurali-dade ou do empenho na capacitao poltica e reforma do pensamento.

    De certa forma, o olhar atento sobre os documentos acadmicos podeser revelador destas tenses. A manifestao do tema tico/biotico tidacomo inalienvel dos modelos que se fundam nas premissas do direito sade, da eqidade, da cidadania ou da competncia tica e poltica dosprofissionais. Mas, ao contrrio, h uma quase total ciso entre o que seexpressa no conjunto do tema da sade coletiva e no conjunto do tema datica/biotica.

    So claras e numerosas embora marcadas pela diversidade quanto aoscontedos, espaos e destaques dados as explicitaes de temas como daspolticas de sade, Sistema nico de Sade, promoo da sade e uma sriede instrumentais bsicos ao diagnstico da realidade e condies de sadeda populao, tanto em disciplinas especificamente denominadas como talou em contedos dentro de disciplinas tradicionais. Desta leitura emergecomo implcito o tratamento de temas como a desigualdade, a pobreza, ainiqidade, a questo ambiental ou os direitos humanos em suas diferentesexpresses. Pois implcito permanece em todos os detalhamentos apresen-tados, que arrolam contedos e bibliografias que em nenhum momentofazem relao com a dimenso tica dos temas.

    Resumidamente, ressaltam-se os seguintes aspectos encontrados:a) muito raramente temas como direitos humanos, desigualdade e iniqi-dade, entre outros, so tratados no interior de disciplinas voltadas formao tica/biotica. Seria pela escassa carga horria destinada a elas ou

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  • por se considerar que esses temas se inserem nas disciplinas ligadas sadecoletiva? Mas por que, ento, no seriam expressas nas descries dessasdisciplinas? b) tambm so inexpressivas as bibliografias indicadas quepoderiam estar, mesmo que indireta ou complementarmente, sustentando aabordagem dessas problemticas. Quando se trata de enfocar a biotica, asreferncias utilizadas so mais genricas ou voltadas aos temas apontadosnos itens anteriores; quando se trata de enfocar as questes polticas etcnicas que envolvem a sade coletiva e os servios de sade, a bibliografia mais extensa, embora instrumental e focalizada. Que leituras da realidadeesto sendo possibilitadas, a partir da aplicao da epidemiologia, do plane-jamento em sade e do gerenciamento, apenas para citar alguns exemplos,que poderiam ser fundamentais para o desenvolvimento da reflexo tica,para a problematizao biotica?

    Estes seriam outros sinais de inconsistncia e ambigidade, comomuitos j levantados quando se debrua sobre o tema?

    As evidncias de um unilateral progresso tecnolgico, no acompanhado de um

    amadurecimento tico do humano social, tambm so notveis no campo da

    sade. Nas prticas mais corriqueiras destes servios so presentes os comporta-

    mentos autoritrios, unilaterais, intolerantes, desumanos e injustos. Onde mais a

    precariedade e os efeitos da desigualdade social revelam sua triste face e onde

    mais se espera por acolhimento e cuidado, justo ali, se implanta o vazio biotico

    (Ramos, 2003, p. 5).

    Um saber invisibilizado, uma prtica irrefletida?

    Ao concluir o que se pretendeu tratar como contedo expresso no materialemprico (do que se fala), talvez o que mais se possa ressaltar este sentidode fala inaudvel, antes apenas pontuado. A idia de um saber invisibiliza-do decorre, exatamente, da forma como o potencial de um discurso que seprope questionador e crtico se v reduzido a um conjunto de falas jdadas, formulaes deslocadas de seu entorno de debate e sitiadas emespaos delimitados e fechados; muitas vezes pouco avanando ou inovan-do em relao a contedos e formas de ensino tradicionais. Tal potencial setorna invisvel ao no se embrenhar no discurso do dia-a-dia, ao no semostrar como possibilidade de construo de outros discursos, ao no seimplicar no que parece, primeira vista, no lhe dizer respeito. A tica ea biotica, assim, no dir respeito a quase nada, ou a bem pouco,prisioneira que estar de uma posio normativa e prescritiva; quandomuito, mobilizada em reflexes apenas pontuais e focalizadas.

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  • Ao ser assim silenciada, torna-se uma voz quase inaudvel, distancia-da de tantas experincias e saberes com os quais poderia dialogar e seenriquecer. Mas o fundamental que tal silncio ou invisibilidade emnada perde seu carter produtivo. O no dito diz, porque participa dapossibilidade de uma e no de outra forma de ver e agir; sua ausncia abrea possibilidade para outras presenas, no vcuo, matria constituintede subjetividade.

    Tal pensamento nada tem a ver com a idia de que, numa situaocontrria, de intenso comprometimento da reflexo tica/biotica com osobjetos em estudo (temas, disciplinas, vivncias prticas, relaes), auto-maticamente a formao ganharia em qualidade e isto resultaria em sujeitosprofissionais altamente crticos e ticos. Sempre existiro armadilhas dopensamento, e o recurso a esses referenciais tericos pode tambm significaropes interessadas e legitimadoras de posies to ou mais conservadoras.A reflexo tica/biotica no a salvao da ptria, mais um requisito,uma condio para, uma exigncia que permanece sempre em aberto e emmovimento; como em movimento est o sujeito que se constitui como sermoral, como ser de deciso responsvel e referenciada.

    O silncio e a invisibilidade, antes de opes coordenadas por agenteseducadores, mais se mostra uma condio do processo de emergncia dodiscurso da biotica, que se mistura com as rotas j desenhadas para o quehistoricamente j se definiu como formao tica. Tal formao tica seguedemarcando e orientando determinados domnios de competncias, nopela deciso refletida dos sujeitos, mas pela regularidade montona, fixa eestruturante, de um modo de dizer, de uma linguagem com cheios e vazios,subjetivante na forma como define modos de ser destes sujeitos.

    O que parece expressar as atuais preocupaes dos professores destescursos um tipo de incerteza, que j seria muito interessante se fosse algoque atingisse a muitos, sobre o que se fala quando se referem tica/bioti-ca. Muito interessante seria se tal questionamento fosse levado radicali-dade, fragilizando as seguranas e as pretenses em torno do ser tico. Seprofessores e alunos se julgam ticos, quantos se questionam sobre as basesdeste julgamento? Quantos problematizam o que so, por que assim o so eo que isso significa para o outro que participa do acontecer das coisas, dotrabalho, do ensino?

    Mas o tipo de incerteza que parece se revelar no deste tipo deprofundidade. Ela sugere certos olhares sobre contedos e espaos formais,sobre algumas relaes entre a formao tica/biotica e a atuao tcnicaprofissional, e se manifesta em certos lugares e atenes destinados a disci-plinas e estratgias de ensino.

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  • Embora pouco se tenha evidenciado sobre estratgias de ensino, nosentido comumente dado ao termo, como recursos, procedimentos e tcni-cas a serem utilizados nas experincias pedaggicas (o que no coincide como sentido de estratgico aqui tomado), no se pode desconhecer o momentode redefinies por que passam esses cursos, especialmente impulsionadospelo marco legal das novas Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN).As solues encontradas por cada curso diferem primeiramente por aquiloque percebem como problemtico e, tambm, por um relativo consenso queprecisam obter, tanto interno quanto externo. Relativo consenso internonos processos mais ou menos participativos nos quais tais mudanas vmsendo propostas no interior de cada instituio e curso. Relativo consensoexterno aqui se referindo a um mnimo de consonncia com as orientaesproduzidas nos fruns cientficos e acadmicos, no contexto poltico dasprofisses e da educao14. O cenrio de presses e, inclusive, de competi-o, imposto aos cursos superiores no Brasil15 (e por eles mantido), tornaquase impossvel fugir das regras e proposies mais ou menos vlidas e de-sejveis para a formao de um profissional. Como impossvel proferir umdiscurso muito diferente do existente, daquele que define uma poca e umtipo de sujeito possvel, as escolas precisam se manter dentro do limite dotolervel, at porque compartilham e se empenham na construo de taislimites.

    Deste modo, o que de concreto se vislumbra so formas um pouco dife-renciadas de posicionar um discurso mnimo nos aparatos educativosexistentes. As diferenas se dirigem para solues de diluio versusconcentrao de contedos/temas ticos/bioticos, em propostas de maiorou menor integrao e transversalidade curricular. Apesar disto, mesmo nocaso de solues integradoras e ou transversalizantes, no h uma claraexplicitao das formas de operacionalizar tais intenes, permanecendo advida e os riscos j levantados.

    O sujeito trabalhador e o discurso da tica/biotica: um desafio quecontinua

    J no basta olhar para a cincia e para o modo como ela tomada pelosprofissionais mdicos e enfermeiros apenas para perceber como soconstrudos as verdades e os corpos; as verdades sobre os corpos tomadospela tcnica competente. Isto fundamental, mas no suficiente. Agora preciso achar possibilidades de pensar a constituio da subjetividade destetrabalhador.

    O esforo por no homogeneizar a singularidade das expresses discu-tidas na busca por lhe dar um corpo mais legvel e sistematizado (segundo

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    o academicamente e cientificamente esperado) talvez tenha trazido outrostantos limites anlise. O mais adiante deste estudo no permite previses,mas j acena com inmeras questes formuladas e outras tantas ainda porformular. Dever se abrir para manifestaes especficas de constituio dossujeitos nestas relaes de poderes-saberes; com suas taxonomias emetodologias, com suas competncias e condutas concretas, com suas legis-laes e protocolos.

    Por mais difcil e dolorosa que possa ser a tarefa da lucidez, do empe-nho por colocar a si prprio em questo, ainda se deseja assumi-la comopossibilidade; por mais que os mecanismos de produo e funcionamentoque so, pouco a pouco, compreendidos remetam crueza da autocrtica,ela no pode ser eliminada deste desejo tico.

    Ao se debruar sobre uma crtica da razo tica, Sve (1994) questio-na o futuro da biotica e o que ela pode fazer, realmente, na vasta empresascio-poltica que domina o mundo da sade.

    Que pode fazer a biotica? (...) Comprometida em sugerir um tratamento dos

    efeitos, e no em procurar as causas, e menos ainda em modific-las, no ser ela

    por definio, como pretendramos seus crticos mais severos, incapaz de

    produzir uma reflexo que v atrs dos problemas, fechada numa gesto especia-

    lizada dos processos em curso, dependendo, na sua prpria viso, dos poderes de

    que emana? (Sve, 1994, p. 404).

    Ao se focar nas comisses de biotica, o autor levanta o risco, j seconsumando, de institucionalizao e profissionalizao da biotica. Da suarelao com conhecimentos mdicos e jurdicos poderia advir sua reduoa uma disciplina erudita ensinada pelos bioticos de profisso e, ainda,cita a Comisso Consultiva Nacional de tica da Frana:

    Que os futuros mdicos ou juristas precisem conhecer, nesta matria, os textos

    oficiais, as problemticas clssicas, as jurisdies exemplares, ningum contesta.

    Mas armazenar estes conhecimentos completamente diferente de participar na

    reflexo tica e preparar-se para assumir as responsabilidades correspondentes.

    Uma real formao tica exige, antes de mais, a sensibilizao pessoal para os

    problemas, o debate pluralista das questes, a experimentao das noes e dos

    princpios sobre casos concretos. Neste sentido, fazer da biotica uma simples

    matria de ensino desconhecer todo o seu sentido (CCNE apud Sve, 1994,

    p. 407).

    Do discurso da tica/biotica h que se buscar no apenas o que dela sefala, mas como se fala a partir dela, de sua implicao nos modos de falar efazer, a partir de seu uso como ferramenta de reflexo. Enfim, do que a

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    ferramenta diz sobre quem a usa, ou dir no futuro, quando talvez se tenhaaprendido a empreg-la.

    Se a tnica deste estudo foi a indagao, pode-se agora voltar a ela eperguntar: A tica/biotica uma forma de saber, de reflexo? Se o , necessria? Se necessria, segundo que juzos e argumentos? Ela deve serestudada, debatida, tomada como instrumento de ao e objeto de pensa-mento? Ela deve ser exercida, tornada conhecimento em ato, experincia?Seria possvel ser de outra forma?

    Mas frente a tudo que se mostra, ou ao pouco que se capaz de perce-ber, o que seria a tica/biotica no processo de construo/formao dossujeitos trabalhadores da sade? Mais uma ferramenta a definir fronteiras,dar margens aos problemas, apontar solues, regras de ao, pautas maisseguras?

    Antes da nsia por proferir a resposta apressada, talvez o que o sujeitotico necessite recolocar o problema, viver com o desconforto e a ousadiada dvida. Assim, traz-se o apelo:

    Ento, lembremos de novo de Foucault e da radicalidade do que seja estar cons-

    ciente de viver sob o domnio da sorte16, a despeito de tudo o que construmos

    de alternativas, de estruturas, de instituies, de histria. Saber que todo conhe-

    cimento adquirido a fim de tomar posio num mundo compartimentado; que

    queremos saber para confiscar do acontecimento suas possibilidades aleatrias,

    sua errncia; que queremos saber para dominar, para definir, fixar, para resolver,

    para afirmar e nos afirmar, para dar identidade e consistncia a tudo e a ns mes-

    mos. Isto o que buscamos sem trgua e isto do que deveramos escapar (...)

    Neste sentido, como defender a necessidade da biotica e ao, mesmo tempo, tem-

    la? Acho que tudo que pode nos causar temor, porque uma fora presente nos

    jogos de verdade nos quais nos movimentamos, deve ser enfrentado, por mais que

    saibamos desta duplicidade que sofremos, em realidade e desejo: assumir uma

    identidade poltica, tica, histrica e, tambm, contest-la (...) Enfim, no pode-

    remos pedir mais biotica em nossos debates, em nossas escolas, em nossos

    escritos, se este for apenas um conhecimento que convm saber, disponibilizado

    numa lista infindvel de temas e citaes, a ser simplesmente apropriado e

    sempre fadado a ser superado e obsoleto. S podemos pensar na biotica como

    tarefa de problematizao e, portanto, tarefa filosfica e poltica, tarefa perma-

    nente de desconstruo (...) de argumentos, de valores, de nossos prprios arri-

    mos e confortos, de exerccio sobre si mesmo (que efeito esse saber tem sobre

    mim, o que ele fala por mim, o que me permite ser?) (Ramos et al., 2004,

    p. 18-20).

  • Notas

    1 Professora do Departamento de Enfermagem/Programa de Ps-Graduao em Enfer-magem, da Universidade Federal de Santa Catarina. Doutora em Filosofia em Enfermagem.

    2 Este estudo foi desenvolvido com o apoio do CNPq (Bolsa produtividade 2003-2005)e da Fundao de Apoio Pesquisa Cientfica e Tecnolgica do Estado de Santa Catarina(Fapesc).

    3 A sistematizao indicada por Veiga-Neto (2004) bastante respaldada na literatu-ra, seja pela caracterizao de Morey (1991), ou por anlises conceituadas, como a deDeleuze (1991), Rabinow e Dreyfus (1995) ou Revel (2005). Por tal sistematizao pode-setomar o critrio metodolgico e considerar as etapas: arqueolgica (com as obras da dcadade 1960: Histria da loucura, O nascimento da clnica, A palavra e as coisas e Arqueologiado saber); genealgica (com as principais obras da dcada de 1970: A ordem do discurso,Vigiar e punir e o primeiro volume da Histria da sexualidade a vontade de saber); tica(com suas ltimas obras, especialmente os volumes 2 e 3 da Histria da sexualidade o usodos prazeres e o cuidado de si). Pelo critrio ontolgico, baseado em Morey (1991), toma-se a centralidade da chamada ontologia do presente da obra de Foucault para situarcomo o autor entendeu e estudou o modo como nos constitumos como sujeitos deconhecimento (eixo Ser-saber), como sujeitos de ao (eixo Ser-poder) e como sujeitosmorais (eixo Ser-consigo). Nos dois primeiros domnios ou eixos, desenvolveram-se osmtodos arqueolgico e genealgico, respectivamente.

    4 A busca bibliogrfica se deu por meio eletrnico, especialmente atravs do CentroLatino-americano e do Caribe de Informao em Cincias da Sade (Bireme), com acesso sseguintes bases de dados: Literatura Latino-americana e do Caribe em Cincias da Sade(Lilacs), Base de Dados Nacionais da Enfermagem (BDENF), MD-Caribe e BibliotecaEletrnica Scielo Brasil (Scientific Electronic Library Online). No houve seleo prelimi-nar temporal ou numrica de peridicos consultados. Tambm foi consultado o Banco deTeses do Centro de Estudos e Pesquisa em Enfermagem da Associao Brasileira de Enfer-magem (CEPEn/ABEn), por meio do catlogo Informaes sobre Pesquisas e Pesquisadoresem Enfermagem - perodo 1979 a 2003.

    5 Por PPP se indica uma forma de denominar um conjunto de elementos e infor-maes que retratam no apenas a estrutura curricular de um curso, mas as bases concei-tuais, histricas, contextuais que justificam e identificam sua proposio. Tambm indicamopes metodolgicas e pedaggicas que do identidade e direcionam um processo deformao.

    6 A forma de categorizar as temticas aqui adotadas no implica plena aderncia aosmodos como os cursos organizam e denominam tais temticas, mas busca situar tais temasem uma lgica comum. Tambm a idia de sentido forte busca caracterizar o entendi-mento que est explicitamente assumido como contedo de tico/biotica nos documentosanalisados, ou seja, no inclui possveis abordagens que no esto claramente manifestas,embora os temas tratados possuam relao com a problematizao biotica.

    7 Artigo especial intitulado Cincia Nova, publicado na Folha de S.Paulo, no cader-no Mais!, em 24-11-2002, p. 4-8, de autoria de Laughlin, R. et al., que trata de congressosobre interdisciplinaridade, realizado naquela semana, na Universidade de Stanford (EUA),

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  • que originou documento assinado por 20 especialistas, no qual o conceito de emergncia visto como a mo invisvel que articula a colaborao entre diferentes reas de saber.

    8 Termo cunhado por Van Rensselaer Potter, doutor em bioqumica, pesquisador eprofessor na rea de Oncologia da Universidade de Wisconsin (EUA), no texto intituladoBioethics, the science of survival, movido pela preocupao com o problema ambientale as conseqncias negativas da cincia. O artigo apresentava texto adaptado do captulo Ido livro Bioethics: bridge to the future, que estava no prelo e foi publicado em 1971.

    9 Elaborado pela National Commission for the Protection of Human Subjects ofBiomedical and Behavioral Research, constituda pelo governo dos Estados Unidos em1974.

    10 As classificaes temticas da biotica aqui utilizadas tambm aparecem em vriosdocumentos analisados e se referem quelas propostas por Berlinguer (1993): biotica defronteira ou de situaes limites, debruando-se principalmente sobre o incio e o fim davida; biotica cotidiana, voltada para os problemas morais e cientficos que envolvemmilhes de sujeitos na vida cotidiana; e por Garrafa (2000): biotica de temas emergentes ebiotica de temas persistentes.

    11 De acordo com Merhy (1987), em seu trabalho o mdico faz uso de trs valises, ca-da uma representando as tecnologias duras, leve-duras e leves. As duras so as ferramen-tas mais materiais, como extenso de sua mo; as leve-duras so as ferramentas tecnolgi-cas identificadas como saberes estruturados (especialmente a clnica e a epidemiologia); asleves se apresentam no espao relacional trabalhador-usurio como tecnologias no-equipa-mentos, implicadas com a produo de relaes entre os sujeitos e materializadas noprprio ato.

    12 A ttulo de exemplo de trabalhos que contribuem para o aprofundamento destadiscusso, elegendo direta ou indiretamente este objeto, podem ser citados os estudos deLunardi (1994 e 1997); Lunardi-Filho (1998); Arajo-Netto (2000); Arajo-Netto e Ramos(2002); Fabbro (1996); Miranda (1987); Padilha (1998); Sobral (1994); Guitton (2002).

    13 A afirmao deste cenrio de intenso debate no se fundamenta em nenhum acha-do bibliogrfico embora incontveis referncias pudessem ser enumeradas, em cada vezmais numerosos artigos, teses e dissertaes, que, ao elegerem a formao dos profissionaisda sade como objeto j indicam a efervescncia do tema. Ao contrrio, basta aqui lembraralguns acontecimentos recentes e produtos deste cenrio que reforam tal afirmao, comoos fruns e projetos dedicados a este tema promovidos por entidades profissionais comoAssociao Brasileira de Enfermagem (ABEn) ou Associao Brasileira de Ensino Mdico(Abem), os fruns e programas promovidos pelo prprio Ministrio da Sade, por meio daSecretaria de Gesto do Trabalho e da Educao em Sade (cuja proposio j , em si, ummarco deste cenrio) e, mais recentemente, o lanamento do Programa Nacional deReorientao da Formao Profissional em Sade (Pr-Sade), como ao interministerial(Ministrios da Educao e da Sade). Desde a criao da Secretaria de Gesto do Trabalhoe da Educao em Sade, em 1993, tendo como um de seus objetivos motivar e propor amudana na formao tcnica, de graduao e de ps-graduao e um processo de educaopermanente dos trabalhadores da sade a partir das necessidades de sade da populao ede fortalecimento do SUS, anunciou-se a educao profissional como poltica pblica pri-oritria. Uma srie de propostas que se seguiram (Promed, 2003; AprenderSUS, 2004;Poltica Nacional de Educao Permanente em Sade, 2004) aprofundou e expandiu os

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    esforos de mudana em todo o pas, por parte de universidades, cursos, entidades profis-sionais e gestores do SUS.

    14 Lembramos aqui novamente as DCNs de cada curso e os graus de participao einterveno que cada categoria obteve neste processo de elaborao, por meio de entidadesorganizadas, como as citadas na nota 11. A organizao de entidades e escolas frente asnovas exigncias legais intensificou-se a partir de 2003 e as orientaes referidas dizemrespeito a anlises das diretrizes, divulgao de documentos e subsdios para apoiar asescolas e cursos em seus processos de mudana, parcerias com o prprio Ministrio daEducao no sentido de promover o preparo de consultores e avaliadores institucionais edas condies de ensino e avaliadores, integrantes no processo de avaliao do EnsinoSuperior coordenado pelo Inep/MEC, entre outras. Para mais detalhes, exemplar o casoda ABEn e muitas destas aes e orientaes esto disposio em seu stio:.

    15 As presses e competies se referem quelas impostas pela lgica mercadolgicaque impacta o sistema de ensino superior e que se evidencia por indicativos sintetizadosem: um intenso crescimento de oferta; desigualdades geogrficas dessa oferta; e privatiza-o do sistema. Estas trs caractersticas so tratadas por Vieira et al. (2004), ao enfocaremos casos das reas de medicina, enfermagem e odontologia, com dados referentes ao pero-do de 1995 a 2001, revelando a ampliao indiscriminada de cursos e vagas. Alguns dessesdados foram atualizados por Ramos e Padilha (2006), constatando a permanncia destequadro (2001 a 2005) e at seu agravamento, como no caso da enfermagem. Com isto, a com-petio entre instituies privadas cresce, na mesma medida em que o Sistema de Avaliaodo Ensino Superior desenvolve instrumentos mais efetivos de controle da qualidade destaformao e as prprias entidades profissionais reclamam por mecanismos de regulao econtrole sobre a abertura de novas instituies de ensino.

    16 As expresses entre aspas simples foram destacadas de Souza (2000, p. 39), fora deseu contexto original, mas tambm em referncia ao pensamento foucaultiano.

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    Recebido em 10/04/2006Aprovado em 05/09/2006