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UIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA ÚCLEO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO DE LA SALLE A LACASTER: os métodos de ensino na Escola de Primeiras letras sergipana (1825-1875). LUÍS SIQUEIRA São Cristóvão-Sergipe 2006

Dissertação de Luís Siqueira - UFS

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Page 1: Dissertação de Luís Siqueira - UFS

U�IVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA �ÚCLEO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

DE LA SALLE A LA�CASTER: os métodos de ensino na Escola de Primeiras letras sergipana (1825-1875).

LUÍS SIQUEIRA

São Cristóvão-Sergipe

2006

Page 2: Dissertação de Luís Siqueira - UFS

2

Dissertação de Mestrado

Luís Siqueira

DE LA SALLE A LA�CASTER: os métodos de ensino na Escola de Primeiras letras sergipana (1825-1875)

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade federal de Sergipe, como requisito parcial à obtenção de título de Mestre em Educação, sob orientação do professor Doutor Miguel André Berger.

São Cristóvão - Sergipe 2006

Page 3: Dissertação de Luís Siqueira - UFS

3

Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução total ou parcial do trabalho sem autorização da universidade, da autoria e do orientador.

FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA BIBLIOTECA CENTRAL

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE

S237s

Siqueira, Luís De La Salle a Lancaster : os métodos de ensino na escola de primeiras letras sergipana (1825-1875) / Luís Siqueira. – São Cristóvão, 2006.

226 f. : il.

Dissertação (Mestrado em Educação) – Núcleo de Pós-Graduação em Educação, Pró-Reitoria de Pós-Graduação e Pesquisa, Universidade Federal de Sergipe, 2006

Orientador: Prof. Dr. Miguel André Berger

Educação elementar. 2. Instrução primária. 3. História da educação – Sergipe – Província . 4. Métodos de ensino. I. Título.

CDU 372.4(813.7)(091):371.3

Page 4: Dissertação de Luís Siqueira - UFS

4

Page 5: Dissertação de Luís Siqueira - UFS

5

�a sala atijolada, três bancos encostados às paredes. Bancos altos. Os meninos, em sua

maioria, ficavam com as pernas no ar. Depois da minha entrada, puseram mais bancos. �a

parede do fundo, encostava-se dona Sá Limpa, Sá Limpa para toda Itaporanga. Era

hidrópica, barriga imensa, um baú, impando diante dela como o bombo da Filarmônica

Itaporanguense. As faces, verdadeiras chagas, queimavam sob os olhos febris. Os dentes,

meio separados uns dos outros. Por entre eles passavam o Tesouro de Leitura, a Gramática

do Dr. Abílio, as quatro operações aritméticas e... o bafo do cachimbo de cano comprido,

com que assomava na aula e só tirava da boca quando tinha que ralhar mais forte com

algum menino “Atrevido”.

(...) A sala da escola abria para a rua por uma porta sobre dois batentes que davam logo

para lama. A rua de Itaporanga era um rego por onde a enxurrada cachoeirava num

barulho gostoso. Para os pés da meninada era uma delícia. Saíamos da aula correndo a

patinhar na água barrenta que grugrulejava a rua abaixo. Oh, prazer! A idade da maioria

dos meninos era entre seis e dez anos, mas havia marmanjos de quinze e até um de dezoito,

moleques de engenho mandados tarde à escola.

(...) os meninos, todos, decoravam a tabuada cantando: “DOIS, MAIS DOIS, QUATRO!

TRÊS VEIS SEIS, DEZOITO!” João fazia isto olhando para o teto e alisando a perna com

a mão espalmada.

(AMADO, Gilberto. História de Minha infância. São Cristóvão, SE: Editora da UFS/

Fundação Oviêdo Teixeira, 1999. p. 57-58).

Page 6: Dissertação de Luís Siqueira - UFS

6

Á minha mãe, Julieta Santos Siqueira, sempre presente no incentivo.

Á Cristiane Silva Siqueira, fiel escudeira, por me segurar mesmo quando

não me dei conta.

À Luana Silva Siqueira, refrigério de meu cansaço, pelos abraços que

me deu quando escrevia.

Page 7: Dissertação de Luís Siqueira - UFS

7

AGRADECIME�TOS

Na realização deste trabalho contei com a colaboração de muitas pessoas e sei que sem

elas não conseguiria chegar ao resultado que aqui está. Por isso expresso minha profunda

gratidão:

Ao professor doutor Miguel André Berger, pela atenção criteriosa na orientação e pelo

incentivo;

Ao professor doutor Jorge Carvalho do Nascimento, que mesmo entendendo minha

mudança de orientação não deixou de orientar e fazer sugestões no trabalho;

À professora doutora Anamaria Gonçalves Bueno de Freitas, pelas sugestões

apresentadas no exame de qualificação;

Ao engenheiro eletricista Hilton Cezar Gomes Silva, pala elaboração dos mapas das

escolas de primeiras letras;

Ao arquiteto Sérgio, pela orientação nos arquivos baianos;

Às amigas Joselita Marques Santos e Walneyde de Santana lima, pelas incontáveis

leituras e correção gramatical;

Aos amigos do Mestrado em Educação, Orlando Moreira Rochadel, Ricardo Abreu

Nascimento, Maria Lúcia Marques, Cristiane Vitório de Souza, Ana Luzia Santos, Maria

Betânia e Marcos Arlindo, pelas trocas de idéias, leituras, sugestões de fontes e vivência de

pesquisador;

Aos amigos da “informática”, Denis Santos silva e Reinaldo Barbosa dos Santos, pelos

socorros nas horas de aflição e ignorância;

Aos amigos Genilson Santos (Zinho), Robson da Silva Posidônio e Ricardo da Silva

Posidônio, pelos incansáveis apoios moral e cordial;

Aos familiares Meire Siqueira e Ana Carla Silva Siqueira, pelos socorros nas horas de

aflições;

À professora e amiga Maria Verônica Meneses Nunes, do Departamento de História da

UFS, pelo incentivo na caminhada do Mestrado;

A CAPES pela bolsa de Mestrado;

Page 8: Dissertação de Luís Siqueira - UFS

8

Aos professores do Mestrado, Vilma Porto, Maria Helena Santa Cruz, Edmilson

Meneses;

Ao Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe, em especial a seu Gustavo; Ao Arquivo

Público do Estado de Sergipe, na pessoa do diretor Marques.

Page 9: Dissertação de Luís Siqueira - UFS

9

SUMÁRIO

Lista de Figuras..............................................................................................................viii

Lista de Quadro................................................................................................................ix

Lista de Tabelas.................................................................................................................x

Lista de Siglas...................................................................................................................xi

Resumo............................................................................................................................xii

Abstract..........................................................................................................................xiii

I�TRODUÇÃO.............................................................................................................01

CAPÍTULO I - DA ORGA�IZAÇÃO DA I�STRUÇÃO PRIMÁRIA..................64

1.1- O Brasil independente........................................................................................23

1.2- A Província sergipana........................................................................................28

CAPÍTULO II - DOS MÉTODOS DE E�SI�O........................................................64

2.1- O Método Simultâneo..........................................................................................65

2.1.1- Aspectos Gerais...............................................................................................65

2.1.2- A forma da escola............................................................................................66

2.1.3- O mobiliário da escola.....................................................................................67

2.1.4- Os agentes do ensino.......................................................................................68

2.1.5- Os registros......................................................................................................69

2.1.6- Meios disciplinares..........................................................................................71

2.1.6.1- Da divisão do tempo e das matérias de ensino.............................................71

2.1.6.2- Os comandos ...............................................................................................72

2.1.6.3- Recompensas e castigos...............................................................................80

2.1.6.3.1- Recompensas.............................................................................................81

2.1.6.3.2- Castigos.....................................................................................................82

2.1.6.4- Os exames....................................................................................................83

2.1.5- Classificação dos diferentes ramos do ensino.................................................85

2.1.5.1- O ensino da Gramática.................................................................................85

2.2- O Método Mútuo...................................................................................................89

Page 10: Dissertação de Luís Siqueira - UFS

10

2.2.1- Aspectos gerais................................................................................................89

2.2.2- O local da escola.............................................................................................90

2.2.3- A mobília da escola.........................................................................................91

2.2.4- O emprego do tempo......................................................................................93

2.2.5- Dos comandos, da execução e das regras do ensino.......................................94

2.2.6- Classificação das matérias de ensino..............................................................98

2.2.6.1- Ensino de leitura...........................................................................................98

2.2.6.1.2-Métodos...................................................................................................99

2.2.6.2-Ensino da Gramática e da Ortografia..........................................................100

2.2.6.2.1- Métodos...................................................................................................101

2.2.6.3- Ensino da escrita.........................................................................................101

2.2.6.3.1- Métodos................................................................................................101

2.2.6.4- Ensino da Aritmética..................................................................................102

2.2.6.4.1- Métodos................................................................................................103

2.2.6.5- Ensino do desenho linear............................................................................105

2.2.6.5.1- Métodos................................................................................................105

2.2.6.6- Ensino do catecismo...................................................................................106

2.2.6.6.1- Métodos................................................................................................107

2.2..7- Ensino aos monitores...................................................................................109

2.2.8- Recompensas e castigos................................................................................109

2.2.9- Exames......................................................................................................... 111

2.2.10- Registros......................................................................................................113

CAPÍTULO III - DOS QUE SE HABILITAVAM...................................................114

3.1-A legislação sergipana.......................................................................................117

3.2-Os concursos públicos.......................................................................................123

3.3-As visitas...........................................................................................................143

3.4- A habilitação....................................................................................................154

CAPÍTULO IV - OS MÉTODOS �AS ESCOLAS SERGIPA�AS.......................162

4.1- O Ensino mútuo................................................................................................162

4.1.1- As críticas ao método.................................................................................178

4.2- O ensino simultâneo.........................................................................................182

Page 11: Dissertação de Luís Siqueira - UFS

11

4.2.1- As críticas e elogios ao método..................................................................203

CO�SIDERAÇÕES FI�AIS................................................................................212

FO�TES.................................................................................................................217

REFERÊ�CIAS BIBLIOGRÁFICAS................................................................222

Page 12: Dissertação de Luís Siqueira - UFS

12

LISTA DE FIGURAS

FIGURA 1: Prova da candidata Flávia Benedicta de Niterbo em 27/09/1848.............125

FIGURA 2: Prova da candidata Narcisa Joaquina de Campos em 27/09/1848...........126

FIGURA 3: Prova da candidata Maria Pastora dos Anjos em 27/09/1848..................127

FIGURA 4: Prova do candidato Antonio Rodrigues das Fragas em 23/02/1848.........128

FIGURA 5: Prova do candidato Antonio Rodrigues das Fragas em 23/02/1848.........129

FIGURA 6: Prova do candidato Sevolo Rodrigues de São José em 07/11/1853.........131

FIGURA 7: Prova do candidato Manuel Rodrigues D’Ávila em 27/09/1853..............132

FIGURA 8: Prova do candidato Manuel Rodrigues D’Ávila em 27/09/1853..............133

FIGURA 9: Prova da candidata Ana Maria de São José Paes em 24/07/1853.............135

FIGURA 10: Prova da candidata Ana Maria de São José Paes em 24/07/1853...........136

FIGURA 11: Atestado de delegacia de policia do candidato João Batista de Meneses em

30/03/1864...............................................................................................................139

FIGURA 12: Atestado de saúde do candidato João Batista de Meneses em

18/08/1864.....................................................................................................................140

FIGURA 13: Atestado de cartório do candidato João Batista de Meneses em

06/04/1864.....................................................................................................................141

FIGURA 14: Traslado de visita das aulas da vila de Estância em 28/03/1832........... 150

FIGURA 15: Traslado de visita das aulas da vila de Estância em 28/03/1832........... 151

FIGURA 16: Planta baixa 01 da escola do sexo feminino da vila de Campos............193

FIGURA 17: Planta baixa 02 da escola do sexo feminino da vila de Campos............197

FIGURA 18: Planta baixa 03 da escola do sexo feminino da vila de Campos............202

Page 13: Dissertação de Luís Siqueira - UFS

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LISTA DE QUADROS

QUADRO 1: Distribuição das matérias de ensino e sessão das aulas............................49

QUADRO 2 : Registro de inscrição................................................................................70

QUADRO 3 : Distribuição das matérias de ensino e horário das aulas........................189

Page 14: Dissertação de Luís Siqueira - UFS

14

LISTA DE TABELAS TABELA 1: Classificação das alunas da aula da vila de Campos em 1866.................195

TABELA 2: Classificação dos alunos da escola do sexo masculino da vila de Campos em

1866.........................................................................................................................199

Page 15: Dissertação de Luís Siqueira - UFS

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LISTA DE SIGLAS

A�: Arquivo Nacional

APES: Arquivo Público do Estado de Sergipe

BPEB: Biblioteca Pública do Estado da Bahia

CAPES: Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Ensino Superior

IHGS: Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe

UFS: Universidade Federal de Sergipe

Page 16: Dissertação de Luís Siqueira - UFS

16

RESUMO

No século XIX a escola de primeiras letras passou por um processo de afirmação na

Província sergipana. A partir do momento em que os administradores provinciais

entenderam que através desta instituição escolar seria capaz de transformar regras de

condutas e garantir estabilidade social, levantaram bandeira de luta a favor da instrução

pública para a população escolarizável. Tomando de empréstimo o que havia de mais

moderno em termos de tecnologia pedagógica, os administradores adotaram métodos de

ensino para as escolas de primeiras letras sergipanas. O primeiro a ser adotado foi o método

mútuo ou método de Lancaster, no final da década de 1820. Em Sergipe, só funcionou uma

escola com essa tecnologia de ensino, em São Cristóvão, capital da Província. Não se sabe

até quando durou essa escola, mas em forma discursiva o método se estendeu até a década

de cinqüenta quando os administradores passaram a fazer críticas e apontar um outro. A

partir desse momento o método de ensino simultâneo passou a fazer parte nos discursos dos

defensores da instrução pública para a população sergipana. Com a aplicação dessa nova

tipologia de ensino não era bem disciplinar, como fazia a anterior, mas ordenar fazendo

com que os valores transmitidos pela escola de primeiras letras formassem um homem

capaz de respeitar as leis, imperiais e a religião professada pelo Império, garantindo desta

forma condição de governabilidade. O ensino simultâneo teve vigência em Sergipe até a

década de 1870 quando os administradores provinciais se apropriaram das idéias de

Pestalozzi e Basedaw passando a descaracterizá-lo e indicar outro: o método de coisas.

PALAVRAS-CHAVE:

Escola de primeiras letras, instrução primária, método mútuo, método simultâneo,

Província de Sergipe.

Page 17: Dissertação de Luís Siqueira - UFS

17

ABSTRACT

The School of First Letters was submitted to a confirmation process in Sergipe during the

XIX Century. When province administrators understood that they would be able to

transform behavior rules and guarantee social stability through the use of these schools,

they began promoting the instruction of the school-age population. Using the most modern

European pedagogic technology, the administrators adopted the teaching methods of the

School of First Letters in Sergipe. The first method adopted was the mutual method starting

in 1820. There was only one mutual method school operating in Sergipe which was situated

in São Cristóvão, the capital of the Province. This method was chosen to discipline the

population of the capital on that time. The mutual method was used until the 1950´s when

other administrators started criticizing their efficiency to Sergipe and adopted the

simultaneous teaching method. This new method had as an objective transmiting the values

of Brazilian Empire through schools and establishing social order. Unlike the previous

method, the intention was not a disciplinal one but to transmit values that would prepare

people to respect Imperial Laws and the religion as vassals. The simultaneous teaching

method was in practice until the 1970´s, when administrators following ideas of Pestalozzi

and Basedaw uncharacterized it and recommended the adoption of the lessons with things

and the intuitive method.

Key words: school of first letters; mutual method; simultaneous teaching method;

intuitive method.

Page 18: Dissertação de Luís Siqueira - UFS

18

I�TRODUÇÃO

O século XIX foi o período em que o conceito de infância foi mais defendido por

aqueles que, imbuídos de ideais filosóficos, tomaram a tarefa de cuidar da criança. A

criança passou a ser vista como um ser que necessitava de cuidados. E um desses cuidados

seria uma instituição que lhe guiasse para um estágio de instrução: a escola primária.

Esse conceito foi tomado por empréstimo da filosofia do século anterior, tendo em

Rousseau seu maior expoente. Rompendo com a concepção de que a criança era um adulto

em miniatura como ocorria na Idade Média,1 esse filósofo formulou nova visão admitindo

que se veja a criança em sua especificidade.

A humanidade tem seu lugar na ordem da vida do homem; é preciso considerar o homem no homem e a criança na criança. Determinar para cada qual o seu lugar a ali fixá-lo, ordenar as paixões humanas conforme a constituição do homem, é tudo o que podemos fazer pelo seu bem-estar. O resto depende de causas alheias que não estarão em nosso poder.2

A infância, para o filósofo genebrino, começa a ocupar lugar na fase evolutiva da

idade dos homens. Ocorre, dessa forma, uma chamada para o aspecto peculiar da fase

infantil. Começava a surgir desigualdades jurídicas entre as fases do homem, ou seja, as

diferenças entre o ser criança e o ser adulto. Na visão de Rousseau, a fase da criança ou

condição infantil não é do arbítrio do homem, mas da natureza. É a natureza quem ordena

cada fase da vida humana. Ao homem e aos educadores cabem o respeito e cuidados para

com a educação da criança. Não tem cabimento, portanto, alterar a ordem da natureza, pois

a infância exige condições de educabilidade própria, diferente do adulto.

A natureza quer que as crianças sejam crianças antes de serem homens. Se quisermos perverter essa ordem, produziremos frutos temporões, que não estarão maduros e nem terão sabor, e não tardarão em se corromper; teremos jovens doutores e crianças velhas. A infância tem maneira de ver, de pensar e de sentir que lhes são próprias; nada é menos sensato do que querer substituir essas maneiras pelas nossas, e para mim seria a

1 - Arriés demonstrou em suas pesquisas que o conceito de infância é produto da modernidade. Segundo o

autor, a Idade Média não conheceu a infância. ARRIÉS, Philippe. História social da criança e da família. Trad. de Dora Flaksman. 2 ed. Rio de Janeiro: LTC, 1981.

2 - ROUSSEAU, Jean-Jacques. Emílio ou Da Educação. Trad. de Roberto Ferreira Leal. 3 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2004. p. 73-74.

Page 19: Dissertação de Luís Siqueira - UFS

19

mesma coisa exigir que uma criança tivesse cinco pés de altura e que tivesse juízo aos dez anos. Com efeito, de que servirá a razão nessa idade?3

Ao defender que a criança necessita de cuidados especiais, Rousseau admite que se

repense a atividade pedagógica para esse ser. A atividade pedagógica proposta pelo filósofo

é o respeito às leis e aos costumes comuns. Mas não respeito de forma impositiva, mas do

livre arbítrio do homem. O homem agirá assim, mas não por convenções sociais, e sim de

acordo com as suas convicções morais.

Pode-se concluir que o conceito de infância defendido por esse filósofo traz implícita

uma formação do indivíduo para agir em sociedade. Sociedade esta regenerada, sem

corrupção e sem máscara. A pedagogia proposta pressupõe respeito às leis da natureza,

observando as peculiaridades do indivíduo.

A educação adquire uma extrema importância na filosofia rousseauniana porque expressa a necessidade de que todas as potencialidades do homem possam ser desenvolvidas, a fim de proporcionar-lhe melhores condições de atuar satisfatoriamente na sociedade.4

Outro filósofo que trabalhou o conceito de infância no final do século XVIII e

meados do seguinte foi o alemão Johann F. Herbart.5 Segunda este filósofo, a criança vem

ao mundo como uma tábua rasa, desprovida de vontade e sem a capacidade moral para

decidir, pois é na alma que se acumulam experiências de forma sucessiva. Daí que seria

ideal aos pais apoderar-se de seus filhos impondo condições para bem viver na sociedade.

Saben, sin duda, perfectamente que em la criatura que tratan ahora a su gusto, sin contar com ella, surgirá el tiempo una vontad, que habrá de conquistarse si se quiere evitar los inconvenientes de una lucha inadmisible para ambas as partes.6

A proposta educativa herbartiana aspira sobretudo à formação moral do indivíduo. O

trabalho que se pretende realizar na alma é a moldagem dos desejos e da vontade nas

3 - ROUSSEAU, Jean-Jacques. Op. Cit. p. 91-92. 4 - FREITAS, Lidiane Brito. A educação política de Rousseau. São Cristóvão: UFS, 2004. p. 49. 5 - Herbart nasceu na Alemanha em 1776 e morreu em 1841. HERBART, Johann F. Pedagogia General:

derivada del fin de la educación. Trad. de L’orenzo Luzuriaga. 2 ed. Espanha: Imprenta de la Cuidad Lineal, 1806.

6 - Idem. p. 89.

Page 20: Dissertação de Luís Siqueira - UFS

20

pessoas. Assim, a contribuição do filósofo caminha no sentido de se trabalhar a afetividade

da criança como processo de educação.

Perfectamente, com tal que las horas de clase(llamo así, de uma vez para siempre, a aquellas em que el professor está ocupado com sus alumnos de um modo serio y metodido) den por resultado um trabajo espiritual que dispierte el interes del nino, y junto al cual todas los juegos infantiles lleguen a parecerle mzquionos y desaparecan ante sua vista.7

Herbart, ao esboçar a importância da formação moral do indivíduo, não primou só

pelo processo educativo, mas também pelo processo da instrução. Segundo o filósofo, sem

essas duas facetas, o homem que se pretende moldar seria incompleto.

La Pedagogia es la ciência que necesita el educador para si memso. Pero tambien debe posser la ciencia para comunicala. Y, debo confesarlo aqui, yo no puedo conceber la educación sin la instrucción, e, inversamnte, no reconozco, al menos en esta obra, instrucción alguna que no eduque.8

É importante dizer que a instrução defendida pelo filósofo alemão não é uma

instrução pública, mas privada. No entanto, diferente da educação formulada por Rousseau,

em Emílio a formação do indivíduo não se dá fora da sociedade, mas no seio desta. Desse

modo, a criança estaria aprendendo com os homens como viver e atuar na sociedade,

respeitando as normas e valores estabelecidos.

Há que se dizer também que Herbart foi um ardoroso defensor da disciplina como

ferramenta para moldar o caráter da criança. Segundo o filósofo, a disciplina não pode ser

aplicada de forma exagerada, mas de forma branda.

La educación se hace también coercitiva, aunque en forma menos brusca, cundo no cuenta nunca con los deseos del discípulo. En uno y otro caso la educación invoca tácita, y cundo es necesario expresamente, este pacto acordado antemano: nuestra relación sólo existe y subsiste bajo tales y cuales condiciones.9

7 - HERBART, J.F. Op. Cit. p. 62. 8 - Idem. p. 70. 9 - Idem. p. 110.

Page 21: Dissertação de Luís Siqueira - UFS

21

Essas formulações acerca da infância estavam no bojo da modernidade com a

afirmação da escola como agência capaz moldar o indivíduo. A escola moderna tem como

característica o nível de organização, dando vida a um sistema escolar; no nível do

programa de ensino (línguas nacionais, novas ciências, saberes úteis etc.); no nível da

didática, dando lugar a processos de ensino/aprendizagem bastante inovadores, mais

científicos ou mais práticos.

No século XVII desenvolveu-se uma imagem nova da Pedagogia moderna; laica, racional, científica, orientada para valores sociais e civis, crítica em relação às tradições, instituições, crenças e práxis educativas, empenhada em reformar a sociedade também na vertente educativa, sobretudo na vertente educativa.10

Atrelado a esse ideal de pedagogia e de escola moderna estava um mecanismo, a

opção política que melhor transmitisse o conhecimento curricular, a curto tempo e com

parcos recursos: o método de ensino. Essa ferramenta era vista como uma opção política

para alfabetizar a população, tanto da zona rural como da urbana.

O primeiro a querer ensinar tudo e a todos foi Comenius através da obra Didática

Magna.11 A organização que este autor esboçou para se ensinar constava em dividir os

alunos em classe de idade cuja matéria de ensino seguiria regra que ia do simples para o

complexo. O ideal místico e utópico de Comenius pretendia criar um modelo universal de

homem virtuoso, ao qual era confiada a tarefa de reforma da sociedade e dos costumes.

Durkheim afirma que a Idade Média se caracterizou pela organização escolar enquanto que

o Renascimento elaborou o ideal pedagógico do método de ensino no qual a França, desde

o século XVI até o fim do século XVIII, viveu de forma exclusiva. 12

De fato, foi da França que surgiu o método de ensino simultâneo. A construção desse

método é atribuída a Jean Batist de La Salle (1651-1719), sacerdote da ordem nobiliar,

10 - CAMBI, Franco. História da Pedagogia. Trad. de Álvaro Lorencine. São Paulo: Edit. UNESP, 1999.

p.329. 11 - COMENIUS, João Amos. Didática Magna. Trad,. de Nair Fortes Abu-Merhy. Rio de Janeiro: Editora

Rio, 1978. 12 - DURHEIM, Emile. A evolução pedagógica. Trad. de Charles Magno. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995.

p. 169.

Page 22: Dissertação de Luís Siqueira - UFS

22

profundamente religiosa.13 La Salle propunha unir religião e instrução como condição para

formar um homem íntegro.14 O plano pedagógico esboçado era uma minuciosa organização

das escolas e um programa didático que previa leitura e escrita da língua materna, as quatro

operações aritméticas e catecismo, acompanhado de uma formação técnico-científica de

caráter profissional.

Esse ensino se caracterizava como simultâneo pelo fato dos alunos da mesma aula ou

secção receberem ao mesmo tempo a mesma lição e também por fazer junção da escrita e

da leitura. Neste ensino, convém interrogar os meninos, um depois do outro, sem seguir

uma ordem muito regular. Nesse método, professor é o principal agente do ensino, mas

poderia utilizar alunos como seus ajudantes ou monitores. 15

O ensino era coletivo e apresentado a grupos de alunos reunidos em função da matéria

a ser estudada, não se destinava a um único aluno, como se disse, mas podia atender a

cinqüenta ou setenta ao mesmo tempo. Em nível de estrutura, o método simultâneo

comportava três classes sucessivas. A primeira era consagrada à leitura, estando dividida

em subgrupos constituídos segundo o grau de adiantamento dos alunos que terminavam a

aprendizagem. A segunda classe recebia os alunos que terminavam a leitura e destinava-se

a aprendizagem da escrita, na qual eram trabalhados os modelos de caligrafia. Na terceira

classe, em que o número de alunos era bastante reduzido, eram abordadas as matérias mais

complexas como a gramática, ortografia e cálculo.

Segundo Lesage, esse método apresentava grandes desvantagens pelo fato de

dispender muito tempo com as tarefas determinadas. Quatro anos eram suficientes para a

classe aprender a ler e ter alguma chance a fim de passar para a segunda. A monótona

repetição das tarefas e a pobreza dos programas suscitavam aborrecimentos, distrações e

sanções.16

13 - La Salle fundou na França a ordem religiosa conhecida como Irmãos das Escolas Cristãs, que a partir dela

seu modelo de ensino foi divulgado. 14 - CAMBI, Franco. Op. Cit. p. 299. 15 - Norodowski afirma que o uso de monitores ou decuriões apareceu com os jesuítas, sendo retomado por

Comenius, La Salle e Lancaster. NARODOWSKI, Mariano. Infância e poder: conformação da Pedagogia Moderna. Trad. de Mustafá Yasbek. Bragança Paulista: Editora da Universidade São Francisco, 2001. p. 129.

16 - LESAGE, Pierre. A pedagogia nas escolas mútuas no século XIX. In.: BASTOS, Maria Helena Câmara; FARIA FILHO, Luciano Mendes de. A escola elementar no século XIX: o método monitorial/mútuo. Passo Fundo: EDIUPF, 1999. p. 11.

Page 23: Dissertação de Luís Siqueira - UFS

23

Da matriz do método simultâneo surgiu o método mútuo no início do século XIX . Os

promotores desse método foram a Joseph Lancaster (1778-1838), da seita dos Quakers, e a

André Bell (1752-1832), ministro da Igreja Anglicana.17 Na Inglaterra, o método mútuo

tinha como objetivo instruir crianças em tempo recorde e com poucos recursos. A intenção

era instruir a classe operária inglesa.

Norodowski diz que o método mútuo é produto da Revolução industrial, pois a

infância pobre na rua representava perigo para os legistas e outras personalidades da época.

Essa infância era concebida como classe perigosa e necessitava ser disciplinada. Desse

modo, o corpo infantil necessitava de um método que garantisse a estabilidade social em

um ambiente ainda não escolarizado. 18

Esse autor também afirmou que o método mútuo teve um forte apelo nos países norte

e ibero-americanos por garantir a pretensão iluminista de uma educação básica e universal e

o fato de ter estado vinculado às idéias emancipadoras nas décadas de dez e vinte do século

XIX, na América Latina. 19

Esse ensino consiste em dividir os alunos por grupos ou classes e colocá-los a frente

de monitores. O professor não se ocupa de outra coisa a não ser instruir e dirigir os

monitores, passando assim a se colocar em lugar secundário no ensino. Por causa dessa

estrutura pode-se instruir de cem a trezentos alunos em uma única escola.

Em termos de estrutura, o método mútuo exigia que os alunos fossem divididos em

classes e subgrupos móveis, flexíveis e diferenciados resultantes das matérias de ensino e

dos exercícios escolares. Desse modo, cada matéria baseava-se em um programa preciso e

organizado. Esse programa era dividido em oito graus hierarquizados que deveriam ser

percorridos sucessivamente.

Para que esse método funcionasse com eficiência, foram instituídos comandos que

garantiam o ritmo ordenado e regular. A comunicação que dava com esse dispositivo era

mecânica e inteiramente hierarquizada. As ordens eram transmitidas de quatro maneiras:

pela voz, pelo apito, pela sineta e por sinais (a voz intervinha pouco).

Os ritmos de aprendizagem e as aquisições variavam conforme os alunos e as

matérias de ensino. Desse modo, um aluno em seis ou sete meses poderia estar na quarta

17 - Esse método também recebia a denominação de monitorial ou lancasteriano 18 - NARODOWSKI, Mariano. Op. Cit. p. 132. 19 - Idem. p. 133.

Page 24: Dissertação de Luís Siqueira - UFS

24

classe de leitura, na quinta de escrita e na quarta de aritmética. A habilidade do aluno era o

que determinava o nível de posição nas classes.

O estímulo da ação educativa provinha através de prêmios variados. Havia também

sanções como castigos físicos, penalidades como retroceder ou avançar nas classes e

expulsão da escola.

A desvantagem apontada nesse método residia em seu caráter mais disciplinador que

propriamente instrutivo e educativo. Nesse sentido, a memória era exaltada como

mecanismo de bom desempenho, cujo número de acertos era condição para que o aluno

passasse de uma classe inferior para a superior.

Tomando as experiências pedagógicas dos países europeus, os administradores

provinciais adotaram o que havia de moderno em termos de técnicas pedagógicas: os

métodos de ensino. No século XIX, os métodos de ensino para a escola primária eram

vistos nos países europeus, como a França e a Inglaterra, como a tecnologia pedagógica que

melhor atendia ao projeto de nacionalidade.

No Brasil, a adoção de métodos de ensino não ocorreu de forma diferente. Pesquisas

vêm elucidando a presença do método mútuo no início da década de 1820. Em 1823, o

Imperador D. Pedro I, através do Decreto de primeiro de março, criou a primeira escola de

ensino mútuo para instruir a população de seu reino. O método foi introduzido através da

corporação militar.

Convindo promover a instrucção em uma classe tão distincta dos meos Subditos , qual a da Corporação Militar, e achando-se geralmente recebido o methodo do Ensino Mutuo pela facilidade, e precisão, com que desenvolve o espirito, e o preparar para a acquisição de novas, e mais trancedentes idéas; Hei por bem mandar crear nesta Corte um Escola de Primeiras Letras, na qual se ensinará pelo methodo do Ensino Mutuo, sendo em beneficio não somente dos Militares do Exercito; mas de todas as classes dos Meos Suditos, que queiram aproveitar-se de tão vantajoso estabelecimento. João Vieira de Carvalho, do Meo Conselho de Estado, Ministro e Secretario de Estado dos Negocios da Guerra o tenha assim entendido, e faça expedir as ordens necessarias. Paço em primeiro de Março de mil oitocentos e vinte e trez: com a rubrica de SUA MAGESTADE O IMPERADOR. João Vieira de Carvalho.20

20 - Ensino Mútuo-Decreto de primeiro de março de 1823. AN. Fundo IG3 23. Série Guerra. Diário do

Governo em nove de abril de 1823. Grifos e destaques do documento.

Page 25: Dissertação de Luís Siqueira - UFS

25

O decreto do imperador foi o primeiro passo oficial para a introdução do método no

Brasil. Mas foi com a Lei de 15 de outubro de 1827, a primeira lei de instrução pública

brasileira, que se determinou existência de escolas de ensino mútuo em cada capital de

província ou lugar populoso.

Na Província sergipana, o método mútuo passou a ser defendido ainda na década de

vinte, mas foi no final desta que foi efetivamente adotado na Capital. Na década de

quarenta, esse método passou a ser visto como inapropriado para a realidade sergipana.

Desse modo, começou-se a criticar por seu caráter mais disciplinador que instrutivo e

também pela realidade em que se encontrava a instrução provincial.

A partir desse momento, em que o método mútuo ou lancasteriano passou a ser

duramente criticado por seu caráter mais disciplinador que instrutivo, um novo método

passou a fazer parte dos discursos que os presidentes da Província defendiam na

Assembléia Provincial: o método simultâneo.

Ao passo que o método mútuo foi apontado como não mais adequado para a realidade

sergipana, estava visível para os administradores provinciais que a população necessitava

de uma escola que fosse capaz de transmitir os ditames do Império. Desse modo, era

urgente retirar práticas, organizar e uniformizar a escola de primeiras letras. E para que essa

nova forma discursiva fosse enraizada seria preciso adotar um método condizente com a

necessidade da Província.

Essa nova roupagem que a instituição escolar recebeu trazia de perto a adoção do

método simultâneo como uma nova solução para resolver os problemas da instrução

pública da Província sergipana. Na verdade, o método foi indicado para ser aplicado nas

escolas de primeiras letras através do Regimento Internos das Escolas em 1856. 21

Esse Regimento foi um documento que regulamentava os espaços e os tempos das

aulas, o oficio do professor e a didática da escola de primeiras letras. Além de determinar

essas medidas, o documento ainda uniformizava o currículo para toda a instituição escolar,

bem como a adoção do método simultâneo.

O novo método passou a ser determinado para a Província sergipana a partir do

Regulamento da Instrução Pública de 1858.22 Por essa Lei, o ensino passava a ser

21 - Regimento Interno das Escolas de 1856. APES. Fundo Biblioteca José Alves. Cx. 01. . 22 - Regulamento da Instrução Pública de 1° de setembro de 1858. APES. Fundo Publicações. Cx. 50. Doc.

02.

Page 26: Dissertação de Luís Siqueira - UFS

26

simultâneo por classe de alunos, obedecendo a suas idades e grau de conhecimento. Esse

método esteve em vigência em Sergipe até o início da década de 1880 quando um novo

método passou a ser defendido.

Há de se destacar que a adoção do método estava atrelada à influência da Reforma

Couto Ferraz. Esta Reforma foi uma ação que partia do Município da Corte para as

províncias e tinha como objetivo uniformizar a escola de primeiras letras do Império

brasileiro. A ênfase dessa medida recaía na adoção do método simultâneo e na

uniformização do currículo da escola de primeiras letras. O grupo que elaborou essa

mudança entendia que a escola era a agência que iria garantir a ordem imperial

estabelecida.

Faz-se necessário observar que a adoção do método de ensino estava atrelada ao

problema da afirmação da escola de primeiras letras na Província sergipana. Vlilela afirma

que no Brasil do século XIX havia multiplicidade de formas de ensinar e aprender.23 As

escolas funcionavam nas propriedades rurais com padres ensinando aos filhos de

fazendeiros e agregados e nos espaços urbanos a diversidade era maior. Na maioria das

vezes essas escolas funcionavam na casa do professor. Tudo isso porque o modelo escolar

ainda não estava rigidamente internalizado e qualquer um que dominasse os rudimentos da

escrita, da leitura e do cálculo não se sentiria constrangido em transmiti-los em ambientes

domésticos, privados.

Faria Filho chama esse modelo de escolas que funcionavam em casas de professores

de casas-escolas.24 Nesse sentido, a escola não possuía um local próprio, específico para

sua condição como instituição capaz de instruir e educar.

São aulas régias a as cadeiras de primeiras letras. Com professores reconhecidos ou nomeados pelos órgãos de governo, assas escolas funcionavam em espaços improvisados como câmara municipais, igrejas, sacristias, salas de lojas maçônicas, prédios comerciais ou na própria casa dos professores. Os alunos ou alunas dirigiam-se para esses locais, e lá permaneciam por algumas horas. Não raramente o período

23 - VILELA, Heloisa de S. O. O mestre-escola e a professora. In.: LOPES, Eliana M. Teixeira, FARIA

FILHO, Luciano Mendes de (orgs.). 500 anos de educação no Brasil. Belo Horizonte: Autêntica, 2000. p. 99.

24 - FARIA FILHO, Luciano Mendes de. Os tempos e os espaços escolares no processo de institucionalização da escola primária no Brasil. In.: VIDAL, Diana Gonçalves e FARIA FILHO, Luciano Mendes de. As lentes da História: estudos de História e historiografia da Educação no Brasil. Campinas: Autores Associados, 2005. p. 45.

Page 27: Dissertação de Luís Siqueira - UFS

27

escolar de 4 horas era dividido em duas sessões : uma de 10 às 12 horas e outra das 14 às 16 horas.25

Nesse modelo de escola o currículo, constava basicamente do ensino da leitura, da

escrita, da aritmética e doutrina cristã. No caso da escola feminina, o ensino de aritmética

estava reduzido somente às quatro operações, sendo complementado como aprendizado de

prendas domésticas.

Segundo Hébrard, as matérias ensinadas na escola primária do século XIX não foram

saberes originados no âmbito desta instituição, eram savoir-faire sem correspondente nas

ciências e sua hierarquia. 26

Os saberes ensinados pareciam ser então, não disciplinas escolares, mas facetas das práticas ordinárias da cultura escrita, indistintamente concebida como suporte da doutrina religiosa ou como instrumento necessário à gestão de sua vida e de suas ocupações, por mais comuns que fossem.27

Os saberes ensinados na escola primária foram apropriados em condições

diferenciadas. A matriz desses ensinamentos está no cruzamento da cultura dos clérigos e

protestantes e na dos mercadores. A primeira legou a prática da escrita e da leitura e a

segunda, a prática do cálculo. Nesse sentido, foi a partir do século XVII que esses saberes

passaram a fazer parte do currículo da escola primária européia. Para que essa cultura fosse

transmitida às crianças de forma racional foi preciso elaborar o método de ensino, pois este

era visto como a ferramenta pela qual se poderia instruir a população dos países europeus.

Boto chama atenção para a necessidade de se conhecer a escola e sua história,

observando o que ocorria em seu ambiente fechado.28 Na verdade, a autora está propondo o

estudo das práticas escolares determinadas pela legislação e vivenciadas no século XIX.

Nesse sentido, é preciso desvendar as estratégias de aprendizagem utilizadas na escola, bem

como visualizar o que estava por trás dessa opção política.

25 - FARIA FILHO, Luciano Mendes de. Op. Cit. p. 45. 26 - HÉBRARD, Jean. A escolarização dos saberes elementares na Época Moderna. In.: Revista Teoria e

Educação. Porto Alegre: Editora Panonica, 1990. p. 65. 27 - Idem p. 65. 28 - BOTO, Carlota. Ler, escrever , contar e se comportar: a escola primária como rito do século XIX. In.:

SOUZA, Cynthia Pereira de; CATANI, Denice Bárbara(orgs.). Práticas educativas, culturas escolares, profissão docente. São Paulo: Escrituras Editora. P. 162.

Page 28: Dissertação de Luís Siqueira - UFS

28

Da forma como propõe Boto, acredita-se que o estudo dos métodos de ensino seja

uma chave importante para se entender a sistemática de funcionamento da instrução

primária no Brasil do século XIX, principalmente o processo pelo qual a escola de

primeiras letras passou para se afirmar como instituição civilizatória. Contribui também

para entender como o Império brasileiro, através dos administradores provinciais, concebia

a sociedade e promovia a intervenção.

Entretanto, por muito tempo, a historiografia sobre a educação brasileira no século

XIX viu esse período como a nossa “Idade das trevas”, ou como estranhamente o mundo

estava fora do lugar.29 O período que transcorreu a expulsão dos Jesuítas foi visto por essa

historiografia como um grande vazio, com a ausência do Estado imperial no campo da

instrução pública

Segundo Toledo, essa visão é herança da vertente historiográfica da “memória-

monumento,” preconizada por Fernando de Azevedo em sua obra A cultura brasileira.30

Azevedo viu a instrução primária no século XIX como algo ineficaz porque contou com a

presença de um Estado imperial atrofiado. Dessa forma, os historiadores da educação

brasileira que tomaram as explicações azevedianas como fundamento, ao pesquisarem

sobre o século XIX repetiram teses já elaboradas.

Para sacralizar mais a visão azevediana sobre o século XIX brasileiro, Bomtemp Jr.

afirma que os pesquisadores não fizeram opções por objetos de estudo que contemplassem

esse período. Muito pelo contrário, as escolhas recaíram sobre o século XX, elegendo o ano

de 1930 como data-chave para a educação brasileira.31

A historiografia sergipana sobre a educação também cristalizou a visão azevediana

para o século XIX. A historiadora Maria Thétis Nunes em sua obra História da educação

em Sergipe, valendo-se do referencial marxista, analisou a trajetória educacional sergipana

adotando os mesmos limites cronológicos azevedianos.32

A influência azevediana também recaiu sobre as pesquisas dos estudantes de história

da Universidade Federal de Sergipe. Santos constatou a ausência de estudos que tivessem

29 - Cf. FARIA FILHO, Luciano Mendes de. Instrução elementar no século XIX. In.: LOPES, Eliana M.

Teixeira, FARIA FILHO, Luciano Mendes de (orgs.). Op. Cit. 30 - TOLEDO, Maria Rita de Almeida. Fernando de Azevedo e a Cultura Brasileira ou as aventuras e

desventuras do criador e da criatura. São Paulo: PUC, 1995. p. 37. 31 - BOMTEMP JR., Bruno. História da educação brasileira: o terreno do consenso. São Paulo: PUC, 1995.

p. 99. 32 - NUNES, Maria Thetis. História da educação em Sergipe. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1984.

Page 29: Dissertação de Luís Siqueira - UFS

29

como foco o século XIX.33 Segundo o autor, a totalidade dos monografistas analisados

centrou seu olhar sobre o século XX, fruto da idéia de que os outros períodos já estavam

suficientemente estudados.34

Nascimento pontuou que a partir da década de noventa do século XX os estudos de

História da Educação despertaram grande interesse e chamaram atenção de uma grande

massa de pesquisadores. A explicação para esse fato está na reformulação do currículo de

alguns cursos de graduação da Universidade Federal de Sergipe que introduziram a

produção monográfica como requisito para os concludentes, no surgimento de alguns

impressos pedagógicos financiados por órgãos estatais e no Mestrado em Educação do

NPGED (núcleo de Pós-Graduação em Educação) também da Universidade Federal de

Sergipe. 35

Até a metade da década de noventa a maioria dos estudos de História da Educação

sergipana fez preferência pelo recorte temporal macropolítico, com ênfase no século XX,

cujas explicações estavam subordinadas às estruturas econômicas. Essa opção denuncia o

caráter presentista dessas opções. Destas, só cinco trabalhos tiveram foco no século XIX.36

Ainda segundo Nascimento, a maioria dos trabalhos produzidos na área de História da

Educação sergipana teve o Marxismo como matriz explicativa. A influência da teoria

marxista através dos trabalhos da historiadora Maria Thétis Nunes se estendeu até a década

de noventa nos cursos de Mestrado e Doutorado.37 A partir dessa década, pode-se notar o

afastamento dessa matriz e a opção pelo referencial weberiano.

Pode-se considerar que a renovação da pesquisa em História da Educação sobre o

século XIX sergipano no âmbito da pós-graduação vem se renovando desde os anos iniciais

desta década.38 O referencial que os pesquisadores vêm dando em seus estudos provém da

33 - SANTOS, Fábio Alves dos. Olhares de Clio sobre o universo educacional: um estudo das monografias

sobre educação do Departamento de História da UF(1996-2001). São Cristóvão: UFS/FAP-SE, 2004. 34 - Idem. p. 70. 35 - NASCIMENTO, Jorge Carvalho do. Historiografia educacional sergipana : uma crítica aos estudos de

História da Educação. São Cristóvão: grupo de Estudo e Pesquisas em História da Educação/NPGED, 2003. p. 26-27.

36 - Idem. p. 64. 37 - Idem. p. 54. 38- Faço referência aos trabalhos de NASCIMENTO, Ester Fraga Vilas-Boas Carvalho do. A Escola

Americana: origens da Educação Protestante em Sergipe (1886-1913). São Cristóvão: Grupo de Estudos em História da Educação/NPGED, 2004; SILVA, Eugênia Andrade Vieira da. A formação da intelectualidade sergipana (1822-1889). São Cristóvão: UFS, 2004.(Dissertação de Mestrado); SANTOS, Vera Maria dos. A Geografia e os livros didáticos sobre Sergipe: Do século XIX ao século

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30

história cultural francesa e da influência da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

Desse modo, têm-se analisado as práticas culturais, as representações e as apropriações que

a sociedade sergipana do século XIX fazia da educação.

No intuito de contribuir para o entendimento de como funcionava a instrução de

primeiras letras na Província sergipana, este trabalho tem como objetivo analisar os

métodos de ensino adotados pelos administradores provinciais para as escolas de primeiras

letras no período de 1825 a 1875.

O ano de 1825 foi escolhido porque a partir daí foi elaborado pelo presidente da

Província Manuel Cavalcante de Albuquerque um esboço administartivo no qual incluía a

adoção do método de ensino para a escola de primeiras letras sergipana e a criação do

sistema de instrução primária e secundária para Sergipe. Embora o método mútuo tenha

sido adotado no ano de 1828, três anos antes o presidente Manual Cavalcante havia

demonstrado para as autoridades imperiais o desejo de aplicar o método e as condições para

tal.

No caso a escolha do ano de 1875 justifica-se na vigência que o método simultâneo

teve na Província. Nesse período, foi aprovado o último regulamento da instrução pública

cujo método de ensino adotado esteve circunscrito apenas ao século XIX. A partir desse

regulamento, os dirigentes provinciais começaram a defender as idéias pedagógicas de

Pestalozzi e Basedaw e representar o método como ineficaz e obsoleto. O método seguinte

que se adotou o intuitivo teve vigência até a década de trinta do século XIX, extrapolando

portanto, o limite temporal deste trabalho.

Como se disse, o objetivo principal deste trabalho é analisar os métodos mútuo e

simultâneo na Província sergipana. O primeiro teve vigência do ano de 1828 até a década

de quarenta, mas na seguinte continuou presente nos relatório dos presidentes provinciais.

Já o segundo, foi adotado no final a década de cinqüenta, através do Regulamento de

primeiro de setembro de 1858 com vigência até a de setenta do século XIX.

Outro objetivo é demonstrar as apropriações que corpo docente da escola de primeiras

letras fazia da norma prescritiva sobre os métodos adotados. Analisaremos os dispositivos

XX. São Cristóvão: UFS, 2004. ( Dissertação de Mestrado); LIMA, Aristela Aristides. A instrução da mocidade no Liceu Sergipense: Um estudo das práticas e representações sobre o ensino secundário na província de Sergipe(1847-1855). São Cristóvão: UFS,2004.

Page 31: Dissertação de Luís Siqueira - UFS

31

que a os dirigentes provinciais criavam para habilitar os professores quando determinavam

a adoção de um novo método.

Já que os dirigentes administrativos consideravam o método inapropriado para as

escolas de primeiras letras, mostraremos qual o projeto subjacente à adoção de um novo e o

que se estava determinado através dessa opção política.

A descrição dos métodos é tarefa fundamental para se entender como funcionava essa

ferramenta pedagógica. Também ajuda entender a realidade das escolas de primeiras leras

na prática do método adotado.

Outro objetivo a que este trabalho se propõe é evidenciar a relação existente entre a

norma prescrita e a realidade das escolas de primeiras letras. Será que realmente o método

de ensino adotado na legislação era aplicado na prática? E se o era, quais as dificuldades

que os professores enfrentavam para garantir o sucesso de seu ofício?

O último objetivo aqui proposto é a contextualização da escola de primeiras letras

sergipana. Assim, será demonstrado como esse ramo de ensino era concebido e como foi

estruturada a rede de escolas na Província.

Para responder a essas questões, três hipóteses foram levantadas para balizar a análise

sobre os métodos de ensino na Província sergipana. A primeira é de que a adoção dos

métodos de ensino estava relacionada à idéia de que a manutenção da ordem imperial

brasileira seria possível via escola primária. A opção pelo método tornava-se assim uma

opção política. A segunda é que houve em Sergipe um esforço e uma corrente em prol do

processo de afirmação da escola primária pública. Esta instituição era vista como a agência

responsável pela transmissão dos valores concebidos pelo Império brasileiro. A terceira é a

de que os métodos de ensino foram ferramentas de racionalização da escola primária.

Por ser uma pesquisa de caráter histórico e descritivo sobre os métodos de ensino na

escola pública de primeiras letras da província de Sergipe, as informações foram

provenientes de duas esferas: do poder público estatal de abrangência local e nacional e dos

professores das escolas de primeiras letras sergipanas contidas nos documentos. Será feito

assim cotejo dessa documentação com o intuito de contextualizar a relação existente entre o

que se determinava e o que ocorria na prática..

Outro tipo de fonte utilizada no presente trabalho são os manuais escolares utilizados

na escola normal da Província baiana. A descrição dos métodos mútuo e simultâneo foi

Page 32: Dissertação de Luís Siqueira - UFS

32

extraída desses impressos pedagógicos. A opção por este tipo de fonte reside na relação

intrínseca que existiu entre estes e as fontes sergipanas que organizavam o cotidiano

escolar.

É evidente que toda documentação impões limites e possibilidades. O grau de

permissividade depende do que restou do passado. Le Goff chama atenção para a

intencionalidade do documento.

O documento não é inócuo. É antes de mais nada o resultado de uma montagem, consciente ou inconsciente, da história, da época, da sociedade que produziu, mas também das épocas sucessivas durante as quais continuou a viver, talvez esquecido durante as quais continuou a ser manipulado, ainda que pelo silêncio.39

De fato, o que sobreviveu não é o passado, mas aquilo que restou dele. As fontes são

apenas indícios de como os homens organizaram o sistema de escolas de primeiras letras na

Província sergipana. Por exemplo, os discursos presidenciais a cerca da instrução

desvalorizavam os atos do administrador precedente como estratégia para justificar novas

ações. Da mesma forma ocorria com os professores de primeiras letras que eram obrigados

a informar o estado material de suas aulas e o desenvolvimento dos alunos. Muitas vezes

esses professores omitiam a freqüência dos alunos para justificar o pedido de material

escolar à Diretoria de Instrução Pública.

Mesmo com todas essas dificuldades presentes nas fontes foi possível a construção do

cenário sobre a instrução sergipana no século XIX, inclusive para se montar a planta baixa

de escolas de primeiras letras.

Pelo fato deste trabalho se constituir como pesquisa sobre cultura escolar serão

descritos os métodos de ensinos adotados, pois permitem desvendar o que ocorria no

interior do espaço escolar.

Faria Filho afirma que o termo cultura escolar começou a subsidiar as análises

históricas relacionadas ao fenômeno educacional a partir dos anos de 1990. Essa nova

abordagem deve-se ao diálogo que houve entre o campo da Educação, a história social

39 - LE GOFF, Jacques. Documento/Monumento. História e memória. Trad. de Suzana Ferreira Borges. 3 ed.

Campinas, SP: Editora UNICAMP, 1994. p. 547.

Page 33: Dissertação de Luís Siqueira - UFS

33

emergente nos anos sessenta e a história cultural dos anos noventa.40 O teemo cultura

escolar foi traduzido por Dominique Juliá para o português no ano de 2001 através da

Revista brasileira de história da Educação.41

Segundo Juliá, a cultura escolar não pode ser estudada sem o exame preciso das

relações conflituosas ou pacíficas que ela mantém em cada período de sua história. O

próprio autor define o que seria a cultura escolar.

Um conjunto de normas que definem conhecimentos a ensinar e condutas a inculcar, e um conjunto de práticas que permitem a transmissão desses comportamentos; normas e práticas coordenadas a finalidades que podem variar segundo as épocas( finalidades religiosas, sociais, políticas ou simplesmente de socialização).42

Juliá além de incluir as normas e as práticas como dispositivos da cultura escolar,

também faz inclusão da profissionalização docente, as disciplinas escolares e as culturas

infantis. A partir desses elementos é possível entender a cultura escolar que é específica no

tempo e no espaço. Na verdade, o foco de atenção do autor recai no problema das práticas

diferenciadas, vividas de acordo a realidade de cada sistema escolar ou escola.

Faria filho inclui os métodos de ensino como parte da cultura escolar da sociedade do

século XIX brasileiro. Segundo o autor, eles têm demonstrado a imensa criatividade dos

sujeitos em suas práticas de apropriação e, por outro lado, a inserção do Brasil no processo

de internacionalização da educação e dos sistemas de ensino.

Os referenciais teóricos que foram tomados de empréstimos para analisar os métodos

de ensino vieram da Nova História Cultural que ultimamente vem mantendo um diálogo

bastante fértil como a História da Educação. Dessa forma, utilizaremos os conceitos de

representação e apropriação formulados pelo historiador Roger Chartier.

Segundo Chartier, as estruturas do mundo social não são um dado objetivo, tais como

são as categorias intelectuais e psicológicas: todas são historicamente produzidas pelas

40 - FARIA FILHO, Luciano Mendes de; GONÇALVES, Irlen Antônio; VIDAL, Diana Gonçalves. A cultura

escolar como categoria de análise e como campo de investigação na história da educação brasileira. In.: Educação e Pesquisa. São Paulo.v. 30, jan/abr. 2004. p. 3.

41 - Idem. p. .4. 42 - JULIÁ, Dominique. A cultura escolar como objeto histórico. In.: Revista Brasileira de História da

Educação. n 01, jan/jun, 2001. p. 10.

Page 34: Dissertação de Luís Siqueira - UFS

34

práticas articuladas (políticas, sociais, discursivas) que constroem suas figuras. Se assim o

for, então as representações forjadas e as apropriações não são iguais, são diferenciadas. 43

Pode-se inferir que a representação que se faz sobre uma dada realidade nunca será

igual, sempre será diferenciada em uma dada sociedade, ou seja cada grupo cria a sua

diferente da outro. Segundo o autor, “as representações do mundo social assim construídas,

embora aspirem à universalidade de um diagnóstico fundado na razão, são sempre

determinadas pelos interesses do grupo que as forjam”. 44 Desse modo, serão analisadas as

representações que os administradores provinciais construíam sobre a escola primária e a

sociedade sergipana.

Com base no conceito de apropriação, buscou-se perceber como os professores de

primeiras letras faziam para conseguir a habilitação dos métodos a fim de pleitearem uma

vaga no quadro funcional da Província e quais as estratégias utilizadas pelo poder

provincial para garantir um corpo docente habilitado na escola de primeiras letras.

Esta dissertação sobre os métodos de ensino da escola de primeiras letras da Província

sergipana tem a pretensão de contribuir para os estudos de História da Educação que tem o

século XIX como foco de atenção. O objetivo maior foi buscar desvendar o que ocorria no

interior da escola de primeiras letras, bem como as estratégias utilizadas pelo poder

provincial para garantir esse ramo de ensino em todos os lugares. Desse modo, o trabalho

foi estruturado em quatro partes.

No primeiro capítulo, analisou-se como foi organizado o sistema de escolas de

primeiras letras da Província sergipana. As fontes utilizadas para a construção deste

capítulo foram provenientes do poder provincial como os relatórios de presidentes da

província e a legislação determinada para a organização do sistema. Percebendo como

funcionava o sistema, facilita a compreensão da problemática da adoção do método de

ensino.

No segundo capítulo, foi realizada a descrição dos métodos contemplados na

pesquisa. Esta tarefa teve como base os manuais escolares impressos para os alunos do

curso normal da escola normal da Província baiana que circulou em quase todo século XIX.

43- CHARTIER, Roger. A história cultural: entre práticas e representações. Lisboa/Rio de Janeiro:

Difel/Betrand, 1988. p. 27. 44 - Idem. p. 17

Page 35: Dissertação de Luís Siqueira - UFS

35

Esses manuais foram traduções de manuais escolares utilizados nos cursos sobre métodos

de ensino das escolas normais francesas.

O terceiro capítulo trata da questão da habilitação dos professores de primeiras letras sergipanos. Para construção deste capítulo, tomou-se como fontes principais a

legislação acerca da qualificação docente, as provas dos candidatos à cadeira de primeiras

letras, requerimentos e pedidos de licença dos professores. O objetivo presente neste

momento consistiu em evidenciar as estratégias criadas pelos dirigentes provinciais para

habilitar os professores e o percurso que estes fizeram para garantir a habilitação ao

aprendizado do método de ensino.

Por fim, no último capítulo, analisou-se os métodos mútuo e simultâneo adotados na

Província sergipana. Buscou-se evidenciar as apropriações que os professores fizeram

desses métodos, as dificuldades sofridas na escola para aplicá-los, bem como as críticas que

se faziam insucesso.

Page 36: Dissertação de Luís Siqueira - UFS

36

CAPÍTULO I

DA ORGA�IZAÇÃO DA I�STRUÇÃO PRIMÁRIA

A instrução primaria deve pois, Senhores, ocupar-vos. Escolas por todas as Vilas e Povoados, onde a mocidade estude os principios da arte de ler, escrever, e contar, e a doutrina christã. Tal he a nossa impericia, e ignorancia, que vemos com dor geral dos nossos habitantes sem saber ler, nem escrever, e talvez, que só hum terço tenha aquella instrução ordinaria. E o que poderão, Senhores, similhantes homens dar de util ao seu paiz! Huma rotina escura se apossa deles e os que trabalhão, o fazem de tal modo, que o resultado não compensa o tempo, e capitães que empregão para a sua execução; donde provem o nenhum aumento na riqueza, e prosperidade dos nossos habitantes. 45

O discurso do vice-presidente da Província revela indícios sobre a educação no século

XIX. A primeira observação que se nota é a necessidade de promover a instrução primária

em todos os lugares sejam eles considerados populosos ou não. A segunda recai na

representação que o presidente fez acerca da sociedade e da escola enquanto instituição. A

terceira observação revela o papel que o locutor assumiu enquanto administrador da

Província, enquanto classe dirigente, representante do Estado imperial, em ser responsável

pela profusão de escolas primárias. A quarta, por fim, revela o currículo destinado à

instrução primária com objetivo proposto.

A primeira chamada que o discurso do presidente deixou claro é a necessidade de se

criar escolas em todos os lugares da Província sergipana, sejam eles considerados

populosos ou não. Na concepção do administrador seria inconcebível uma localidade onde

se constatasse a presença de crianças em idade de escolarização fora da escola.

Por outro lado, ao defender a instrução para as classes menos favorecidas o discurso

revela a representação que foi feita acerca da importância da escola de primeiras letras para

o momento. Se o presidente defendia a instrução para todos os lugares estava admitindo

45 - Relatório do vice-presidente da província de Sergipe Manuel Joaquim Fernandes de Barros. IHGS. In.:

�oticiador Sergipense, n° 81, ano 1836. Sergipe: Tipografia de Silveira. p. 01.

Page 37: Dissertação de Luís Siqueira - UFS

37

uma nova necessidade para a sociedade: uma população que dominasse os rudimentos da

leitura, do cálculo, da escrita e noções de doutrina cristã.

É interessante observar que a representação formulada pelo presidente parte de um

prisma da classe dirigente, da elite provincial sobre a sociedade sergipana. Segundo

Chartier, as representações sobre o mundo social não são vazias de significados, não são

inocentes, estão comungadas a interesses de classes. Assim, “as representações do mundo

social assim construídas, embora aspirem à universalidade de um diagnóstico fundado na

razão, são sempre determinadas pelo interesses do grupo que as forjam”. 46

Assim como Manuel Fernandes de Barros, muitos outros administradores provinciais

tomaram a tarefa de defender a instrução como uma necessidade social. Na visão desses

homens, a instrução era a forma de garantir a retirada do estado de desordem em que se

encontrava a sociedade do século XIX. E, para realizar tal façanha seria necessária a

garantia de escolas para a população sergipana.

Imbuídos do ideal de civilização e progresso, os homens brasileiros do século XIX se

serviram de práticas culturais européias principalmente nos países como a França, a

Inglaterra, para fazerem alterações na realidade social brasileira. Esses países passaram a

ser referências em termo de instrução para povo. Um exemplo do que era considerado

termos de prática cultural nesses países era a questão do método de ensino aplicado nas

escolas primárias e a ampliação desse ramo de ensino para toda população.

Pensar, discursar e discursar da forma como fez o administrador provincial

sergipano, é conceber o Brasil como um país que estava num contínuo, num processo de

vir-a-ser-moderno. Para colocá-lo em um futuro próximo, em pé de igualdade com os

países europeus seria preciso afirmar a escola enquanto instituição que legitimasse a

atuação do Estado na vida da população escolarizável .

Ao olhar para o Brasil da época, os homens que estavam nos quadros administrativos

construíam a imagem de um país atrasado, comparado com os europeus, sem civilização e

que necessitava de interferência. Na ótica dos administradores, esse caminho seria a escola.

Seria por meio dessa instituição que se derramariam as luzes do conhecimento para o povo.

46 - CHARTIER, Roger. A história cultural: entre práticas e reprentações. Lisboa/Rio de /Janeiro:

Difel/Bertrand, 1988. p. 17.

Page 38: Dissertação de Luís Siqueira - UFS

38

Sem essa condição, o futuro seria uma rotina escura, no dizer do vice-presidente Manuel

Joaquim Fernandes de Barros.

O discurso do vice-presidente citado no início deste capítulo traz a idéia de

modernidade tomada de empréstimo dos países europeus. Idéia essa que fora gastada no

século anterior. A idéia de modernidade subjacente no discurso era a de que um país só

seria moderno e só alcançaria seu progresso se garantisse escola e instrução para população.

Sem isso seria impossível a construção da nacionalidade do país. A instrução passou a ser

vista como algo moderno por estar a serviço desse projeto como defendiam os franceses.

A defesa da escola de primeiras e da instrução presente no discurso citado foi tomada

de empréstimo dos filósofos século anterior, principalmente a idéia sobre a função do

Estado sobre as práticas pedagógicas a serem desenvolvidas. Foi a partir do século XVIII

que se desenvolveu a concepção de que ao Estado cabia a tarefa de chamar para si a

responsabilidade pela garantia da escola pública e a redefinição do papel que essa

instituição passaria a ter na sociedade.

Para entender como e por que os homens brasileiros do século XIX defenderam essa

idéia, essa política cultural, é necessário recuar até a política do Iluminismo Pombalino. A

idéia de modernidade do século XIX é herdeira assim, em muitos traços, do século XVIII

português.

O projeto de intervenção do Estado na educação teve início com marquês de Pombal

que ao participar do governo português adotou uma política conhecida como despotismo

esclarecido. De acordo com essa política, o Estado passaria por um processo de

racionalização e modernização. E um dos caminhos contemplados nesse processo de

modernização estava a instituição escolar. De conformidade com esse Projeto, as ações

desenvolvidas no campo educacional resultaram numa série de medidas como por exemplo,

a retirada da influência direta dos jesuítas no ramo do ensino e a adoção de novas práticas

culturais . 47

A partir 1759, após a retirada do poder dos jesuítas sobre a educação dos súditos,

foram criadas aulas régias avulsas secundárias sob a responsabilidade do Estado português.

A nova orientação para essas aulas provinha da cultura clássica, com adoção de novos

47 - HILSDORF, Maria Lúcia Spedo. História da educação brasileira: leituras. São Paulo: Pioneira Learning,

2005. p.19-20.

Page 39: Dissertação de Luís Siqueira - UFS

39

compêndios escolares e novos métodos de ensino. Dessa forma, o Estado começava a

tomada do poder sobre a educação.

A ação pombalina não se restringiu apenas ao ensino secundário, mas também ao

ensino elementar. Em 1772 foram criadas, no Reino português, as aulas de primeiras letras

para meninos. Mais tarde, essa ação foi estendida para locais populosos das colônias

portuguesas como, por exemplo, o Brasil. Essas escolas possuíam a prerrogativa de

funcionarem em lugares populosos.

Junto com esse ato foi também instituído um currículo para as escolas. Para esse

ramo de ensino foi determinado um currículo constando o ensino da ortografia, da

gramática da língua nacional, da histórica pátria, da aritmética aplicada ao estudo de

moedas, pesos e medidas, frações e, ainda, normas de civilidade, com o intuito de

transformar o indivíduo em um homem polido, “civilizado”, como era comum nas escolas

européias da época. Essa formação seria diferenciada, proviria das lições da doutrina cristã,

sendo ensinada a partir da adoção de catecismo impressos e distribuídos para esse fim.48

A expansão da rede de aula avulsa secundária e de primeiras letras, segundo o

programa pombalino, seria financiada por um artifício criado pelo Império português com a

finalidade de financiar educação e a escola: o Subsídio Literário, novo imposto criado em

1772. Esse imposto pode ser visto como a forma encontrada para que a escola funcionasse

sob a tutela imperial.

De acordo com o imposto, no Brasil seria cobrado um real para cada arrátel de carne

verde comercializada nos açougues e 10 réis por cada canada de pinga destilada nos

engenhos.49 O objetivo dessa medida era garantir instruções para os súditos do reino e

dalém mar, tornar homens úteis aos fins do Estado português para melhor administrar. Sem

essa condição não haveria governabilidade.

As ações e as concepções sobre educação do Marques de Pombal permaneceram por

muito tempo no Estado português, inclusive durante o reinado de D. João VI quando o

progressivo controle do Estado sobre a instrução primária passou a ser implementado com

iniciativas para organizar um sistema de instrução primária. Assim, ao desembarcar em

48 - O catecismo adotado para as aulas de primeiras letras foi o Catecismo de Montpellier, traduzido pelo

bispo de Évora (1765). Esse texto foi também condenado por Roma. HILSDORF, Maria Lúcia Spedo. Op. Cit. p. 21.

49 - Idem. p. 22.

Page 40: Dissertação de Luís Siqueira - UFS

40

1808 no Brasil o monarca trouxe consigo o legado da modernização defendida e implantada

por Pombal.

Nas iniciativas implementadas por D. João VI a escola primária foi alvo de atenção

por parte do Estado. A escola esteve nos debates administrativos. A realidade da Colônia

brasileira urgia a necessidade de criação de escolas espalhadas em viários lugares. Essa

iniciativa pode ser percebida na intenção de D. João VI quando enviou o Conde da Barca,

simpatizante do método de ensino mútuo, à Inglaterra par estudar e formular a implantação

de um sistema de instrução no Brasil.50 A idéia que se tinha era a de que através do método

de ensino seria possível instruir e disciplinar a população em tempo curto e com poucos

recursos financeiros.

Essas medidas faziam parte de um projeto maior de modernização do reino

português, mais tarde foi estendido à Colônia brasileira ao ser elevada à categoria de Reino

Unido a Portugal e Algarve. Prova disso é que no Brasil ocorreu uma série de medidas

administrativa que alterou o quadro cultural com a criação de cursos superiores e de outras

instituições culturais como a criação da Biblioteca Nacional, do Jardim Botânico e de

cursos superiores, entre outros.51

É necessário observar que a idéia do moderno em termos educacionais esteve presente

na política do governo joanino como se pode notar na intenção em implementar o método

mútuo, mas a realidade começou a ser mudada pouco a pouco. A situação educacional em

termos de escola primária ainda continuou pontuda, tímida. Continuou existindo subsídio

literário como garantia da existência de escolas, mas só nos lugares bastante populosos.

50 -VILELA, Heloisa de O. S. O mestre-escola e a professora. In.: LOPES, Eliane Marta Teixeira, FARIA

FILHO,Luciano Mendes, VEIGA, Cynthia Greive (Orgs.). 500 anos de Educação no Brasil. Belo Horizonte: Autêntica, 2000. p. 99.

51 - NASCIMENTO, Jorge Carvalho do. A cultura ocultada: ou influência alemã na cultura brasileira durante a segunda metade do século XIX. Londrina: Editora UEL, 1999. p. 66.

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41

1.1 - O Brasil Independente

Em seu aspecto geral, a política joanina permaneceu no Brasil pós-independência.

Imbuídos de idéias filantrópicas e de cunho liberal, os homens que administrarão o Brasil

daí por diante, levantaram bandeira de luta em defesa da educação para a população sem

instrução. Prova disso é que, ao se elaborar a primeira constituição brasileira, a

Constituição de 1824, a educação para a população não foi esquecida.

De acordo com a Carta, a educação primária seria gratuita, e ainda era determinada a

criação de escolas de primeiras letras em todas as cidades, vilas e lugarejos, em toadas as

localidades brasileiras.52 O que o texto deixa claro é a inclusão da educação dos súditos

como questão de Estado. Ainda que a referida Lei contenha restrições quanto a seu

conteúdo, como apontou muitas vezes a historiografia tradicional, há de considerar um

avanço para um país recém-independente.

A concepção de modernidade, para os administradores, que se pode perceber era a de

que a construção do Império brasileiro passaria pela presença da escola primária. Esta

passava a ser vista como a agência cultural que garantiria a ordem e o progresso da

sociedade. Para tanto a instrução pública passou a ser determinada pelo texto constitucional

de 1824. Daí a garantia da instrução primária foi considerada um avanço para a época. O

avanço que a Carta de 1824 trouxe foi garantir a presença de escolas em lugares que não

eram populosos.

Depois de ser incluída no texto legal, a escola de primeiras foi alvo de debates e

projetos. A discussão que estava pautada era o modelo de escola a ser adotado no país. Em

1826, Januário da Cunha Barbosa, Ferreira França e Pereira de Melo, membros da

Comissão de Instrução Pública ofereceram a Câmara Federal um projeto de ensino público

integral (ficou conhecido como Reforma Januário da Cunha Barbosa).53 De acordo com

esse projeto, a instrução seria dividida em quatro graus distintos: pedagogias, liceus,

ginásios e academias.

52- Na documentação aparecem as terminologias “escola primária”, “cadeiras de primeiras letras”, “aula

pública de primeiras letras”, significando a mesma modalidade de ensino. 53 - Sobre esse projeto ver MOACYR, Primitivo. A Instrução e o império: subsídio para a história da

educação brasileira (1823-1825). São Paulo: Cia. da Editora Nacional, 1936.

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42

A instrução de primeiro grau (pedagogia), modalidade que aqui nos interessa,

compreendia a transmissão de conhecimentos para todas as profissões, com um currículo

indicado para ensinar a ler, escrever, princípios de aritmética, conhecimentos morais e

físicos. Essa modalidade de ensino ficaria a cargo dos Conselhos Provinciais.

Observa-se que o modelo de escola pública primária defendido na Reforma de

Januário da Cunha Barbosa é uma similaridade do modelo de escola primária francesa

esboçado pelos intelectuais da Revolução Francesa.54 Adeptos da utopia da regeneração, os

iluministas franceses construíram um currículo para escola elementar no qual fossem

trabalhados o coração e a mente do indivíduo. Esses ideais foram transplantados para o

Brasil e foram defendidos pela geração que esteve presente no processo de Independência

do país.

Confiança na lei, catolicismo iluminista, laissez-faire econômico e ênfase na educação popular serão portanto, características das lideranças políticas e culturais da geração da Independência, que, nas décadas de 1820 e 1830, organizaram asilos de órfão, casas de correção e trabalho, rodas de expostos, jardins botânicos, escolas de educação popular, aulas de francês, bibliotecas e cursos superiores, adoção de sistema métrico decimal, efim, uma rede de instituição e práticas civilizatórias, direcionadas à guarda, proteção e formação da população.55

A Reforma de Januário da Cunha teve como desdobramento a promulgação,

empreendida por D. Pedro I, da Lei de 15 de outubro de 1827, a primeira Lei geral de

instrução pública primária de caráter nacional. Por essa Lei é possível visualizar o esboço

traçado pelo Império brasileiro em matéria de educação, ao delimitar a abrangência

geográfica, o currículo, o método de ensino e os agentes da escola primária. Na verdade o

Imperador estava buscando um veículo para a construção da nacionalidade brasileira

determinando que em todas as cidades, vilas e lugares mais populosos a presença de escolas

de primeiras letras.56

Ao determinar a presença de escolas de primeiras letras em todo país, o Imperador

sabia que seria tal façanha impossível se não dividisse responsabilidade com outros agentes

54 - Boto afirma em sua obra que a escola do homem novo forjada pelos filósofos da Revolução Francesa

estaria a serviço da nacionalidade, com um currículo estruturado para esse fim. BOTO, Carlota. A escola do homem novo: entre o Iluminismo e a Revolução Francesa. São Paulo: Unesp, 1996.

55 - Idem. p. 43. 56 - BRASIL. IHGS. Lei e 15 de outubro de 1827.

Page 43: Dissertação de Luís Siqueira - UFS

43

administrativos. Assim o Império garantia escolas e ainda descentralizava o poder gestor

referente à área educacional.

Art. 2º Os presidentes das provincias, em Conselho e com audiencia das respectivas camaras, enquanto não tiverem exercicio os conselhos Gerais, marcarão o numero e localidades das escolas, podendo extinguir as que existem em lugares pouco populoso e remover os Professores dellas para as que se crearem, onde mais aproveitem, dando conta à Assembléia Geral para final.57

O artigo citado começa a definir as competências acerca da instrução de primeiras

letras nas províncias como a responsabilidade pela criação, extinção e remoção de cadeiras.

Ao Presidente da província, auxiliado pelo Conselho provincial, cabia a responsabilidade

pela criação ou extinção. À câmara municipal cabia a função de consultar, de emitir parecer

sobre a necessidade ou não de cadeiras na localidade - isso no caso da não existência do

Conselho de Instrução Pública ou Conselho Geral, como determinava a Lei.

O que essa Lei nos mostra é uma desnaturalização do lugar construído pela

historiografia tradicional acerca da instituição escolar. Mostra também que a escola não

surgiu no vazio deixado por outras instituições e que o Estado Imperial brasileiro constituiu

seu discurso de nacionalidade com clareza no papel que a escola desempenharia na

formação do futuro cidadão.58

O modelo de escola primária pensado nesse momento para o Brasil, como se disse

anteriormente foi tomado de empréstimo dos países concebidos como padrões de

civilização. Através do currículo estruturado para a escola primária oitocentista pretendia

instruir e formar a criança com valores desejados para a manutenção do Império com o

objetivo de se fazer respeitar os valores cristãos com adesão à Igreja Católica e respeito às

leis imperiais e ao Imperador. No artigo sobre o currículo estava presente a intenção a partir

das matérias de ensino.

Art. 6º Os Professores ensinarão a ler, escrever, as quatro operações de aritmetica, pratica de quebrados, decimais e proporções, as noções gerais de geometria pratica, a gramatica da lingua nacional, os principios de moral cristã e da doutrina da religião

57 - BRASIL. IHGS. Lei e 15 de outubro de 1827. 58- FARIA FILHO, Luciano Mendes de. A instrução elementar no século XIX. In.: LOPES, Eliana Marta

Teixeira. Op. Cit. p. 136.

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44

catolica e apostolica romana, proporcionados à comprehensão dos meninos; proferido para as leituras, a constituição do Imperio e a Historia do Brasil.59

A determinação do currículo para a escola primária exigiu que se pensasse também

no agente do ensino, uma vez que esse deveria possuir competência para lidar com outra

novidade da época: o método de ensino. Assim, a Lei deixou claro quanto às condições

para o ingresso no magistério e sua qualificação. E foi taxativa. Habilitar-se para ensinar só

seria possível mediante concurso público realizado perante o Conselho das Províncias, o

qual encaminharia o parecer para o Presidente e a este caberia a nomeação. Quanto à

aprendizagem do método de ensino, cabia aos professores a responsabilidade onerosa para

o seu aprendizado.

Uma outra questão de mérito no documento de 15 de outubro de 1827 é o fato de

admitir a criação de escolas para as crianças do sexo feminino, embora houvesse uma

pequena diferença curricular comparada com a escola masculina. Para aquelas não se

podiam ensinar as noções de geometria e o aprendizado era limitado às noções de

aritmética. Em troca desses aprendizados foi incluído o aprendizado de prendas domésticas.

É necessário observar que mesmo com o avanço da inclusão e admissão de escolas de

primeiras letras para o sexo feminino, por outro lado, a Lei de 15 de outubro de 1827

delimitou o currículo e definiu o papel da mulher instruída no Império brasileiro. Ao

substituir as noções de geometria pelas de prendas domésticas, educando assim a menina

para o lar familiar e para a maternidade, os dirigentes possuíam interesses na instrução

feminina.

O fato de ter uma mãe bem instruída facilitaria o processo de afirmação da escola

como agência civilizatória. Era uma ferramenta a mais que os administradores possuíam

para derramar a instrução sobre a população. À medida que o Império instruía o sexo

feminino para ser dona de casa, também instruía para ser uma aliada a mais no processo de

construção da Nação brasileira. A mulher instruída seria portanto a uma peça fundamental

contra determinadas práticas consideradas entraves para o progresso como a desobediência

às leis e à religião.

59 - BRASIL. Lei de 15 de Outubro de 1827. IHGS. Doc. Cit.

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45

As bases para a afirmação da escola primária estavam assim alicerçadas, cabia então

a cada província contribuir com a sua parte, de acordo com suas condições reais. A

província que possuísse melhores condições de elaborar seu plano de educação sairia na

frente no trabalho de escolarização. As demais, necessitariam da intervenção do Poder

Central.

1.2 - A Província Sergipana

Quando a Província sergipana tornou-se independente da Bahia , em 1820, havia do

ponto de vista político- administrativo, a cidade de São Cristóvão (capital); sete vilas (Santa

Luzia, Tomar do Geru, Santo Amaro, Vila Nova, Propriá e Lagarto), as povoações de

Laranjeiras, Japaratuba, Pacatuba e São Pedro de Porto da Folha. Do ponto de vista

educacional, havia 18 cadeiras de primeiras letras espalhadas entre vilas e povoações.60

Mas é importante deixar claro que essa realidade era ainda herança do período de D João

VI. Para uma Província com a existência de 12 localidades, o número de cadeiras

funcionando satisfazia as necessidades geográficas. Mas essas cadeiras foram criadas por

indicação do poder central, e não a partir de um plano educacional elaborado por

sergipanos, pelo menos é o que aponta a historiadora Maria Thetis Nunes, concebendo a

educação de primeiras letras como uma réplica do quadro nacional nos começos do século

XIX.61 Se a situação sergipana era uma réplica, então quando foi que a elite administrativa

começou a pensar e elaborar um plano educacional para a Província?

A historiografia tradicional sergipana ao construir o cenário de Sergipe no século XIX

o fez a partir de um viés republicano. De acordo com essa corrente, as ações dos

administradores sergipanos eram destituídas de programas objetivando apenas a posse do

poder.62 Não havia assim, uma elite pensante que fosse capaz de dar acolhidas as idéias que

60 - NUNES, Maria Thetis. História da educação em Sergipe. Rio de Janeiro/Aracaju: Paz e Terra/ SEC/UFS,

1984. p. 34. 61 - Idem. p. 35. 62 - FREIRE, Felisbelo. História de Sergipe. Aracaju: Governo de Sergipe, 1977. p. 260.

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46

circulavam no Brasil de então.63 Na obra de Oliva, o cenário pintado para Sergipe era

composto por uma elite maniqueísta, onde de um lado havia os que estavam no poder e de

outro os que dele não fazia, colocando Sergipe como uma província que no século XIX foi

incapaz de trocar seu próprio caminho.64

No entanto, Silva quando analisou a formação da elite provincial constatou que os

sergipanos que emigravam muito deles retornavam para a Província com idéias que

estavam circulando fora e dentro do Império brasileiro.65 Essas idéias eram defendidas em

forma de discurso e colocadas em práticas como por exemplo a defesa da escola de

primeiras letras e a adoção de métodos de ensino.

Também ao se observar e analisar as mesmas fontes utilizadas pela historiografia

tradicional percebe-se um viés diferente. No diz respeito à questão educacional,

percebemos que desde o processo de afirmação da Independência sergipana havia uma

corrente em prol da instrução não só primária como também secundária, inclusive o

interesse em se criar uma escola normal.

A prova de que havia uma elite preocupada em desenvolver a Província sergipana

pela via da educação está no esboço que o presidente Manuel Cavalcante de Albuquerque

que em 29 de março de 1825 fez para o ministro e secretário de Estado dos Negócios do

Império. A citação é bastante elucidativa.

1º julgo ser de absoluta necessidade estabelecer nesta cidade capital da Provincia, cadeiras publicas Rhetorica, de Logica, de Geometria, indicada a formalidade que devem ser providas os respectivos professores, e designadas as Ordens que devem perceber, com esta provincia facilitando-se à mocidade de toda a Provincia os meios de adquirir conhecimentos elementares indispensaveis para os diferentes empregos e misteres da Sociedade ir se hão milhorando os costumes, e remediar se há com grande vantagem do Estado a falta, que atualmente há de individuos aptos para os ramos do Serviços publico: 2º A este mesmo fim muito contribuirá, que se estabeleção Escollas do ensino mutuo, segundo o methodo Lencastriano, em lugar das cadeiras de primeiras Letras, existentes, sendo dessa corte mandado um Professor que venha fundar nesta cidade Escola Normal, obrigando os Professores daquellas cadeiras a se habilitarem neste em prazo consignado, a ensinar pêlo

63 - NUNES, Maria Thetis. História de Sergipe a partir de 1820. Rio de Janeiro/Brasília: INL/Cátedra, 1978.

p. 80. 64 - Oliva, ao escrever sobre as estruturas de poder na província de Sergipe, bebeu na fonte da obra de

Felisbelo Freire. Esse historiador construiu o cenário sergipano a partir de um viés republicano. OLIVA, Terezinha. As estruturas de poder. In.: DINIZ, Diana Maria de F. Leal(org.). Textos para história de Sergipe. Aracaju: UFS/Banese, 1991. p.133.

65 - SILVA, Eugênia Andrade Vieira da. A formação da intelectualidade sergipana (1822-1889). São Cristóvão: UFS, 2004.

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47

mesmo melhodo, com a noção de que assim não acontecer de serem demithidos do magisterio e substituidos por outros que preenchão a indicação. 66

A proposta do presidente da Província sergipana estava clara quanto à função que a

instrução pública iria desempenhar. Suas idéias podem ser elencadas como modernas à

medida que defendem aulas de retórica, lógica e geometria com o intuito de preencher os

quadros administrativos provinciais, e também por defender a introdução do método mútuo

ou lancasteriano e a criação de uma escola para Sergipe, ambos concebidos como

novidades no mundo ocidental.

Essa proposta foi transformada depois em solicitações dirigidas ao mesmo secretário

imperial.67 Ao que indica, o plano proposto pelo presidente antecipou a Lei de 15 de

outubro de 1827. A explanação realizada pelo administrador provincial vai no contra senso

do que a historiografia afirmou acerca do papel do Estado na esfera da instrução pública.

No entanto, mesmo concebendo a explanação do presidente como um prelúdio da

educação provincial, datamos o início da estruturação da escola primária a partir dos anos

finais da década de 20. Foi com a lei de âmbito nacional que permitiu, na província de

Sergipe, o início da estruturação da escola primária, sendo datada a partir de 3 de dezembro

de 1828 com a abertura de um edital para concurso público para todas as cadeiras de

primeiras letras e Gramáticas Latina, consideradas vagas no momento.

De acordo com o Edital, o concurso seria realizado em 21 de janeiro de 1829.68

Também nesse mesmo ano, em primeiro de dezembro, ocorreu a instalação do Conselho

Geral da Província, órgão que auxiliaria o presidente da Província em vários assuntos,

inclusive nos referentes à instrução primária, como por exemplo, a extinção ou não de

cadeiras nas mais diversas localidades.

A instalação do Conselho Geral da Província também impulsionou a criação de várias

cadeiras de primeiras letras, tanto do sexo masculino como do feminino. E não ficou só na

criação ou extinção de cadeiras, mas também na tarefa de fazer cumprir os ideais

filantrópicos com a distribuição de materiais escolares para os alunos pobres. É o que se

pode afirmar a partir do oficio do professor Antonio Ricardo dos Mártires, da vila de

Lagarto.

66 - Ofício expedido em 29 de março de 1825. APES. Fundo G1 267. p. 55. 67 - Ofício expedido em 30 de agosto de 1825. APES. Fundo G1 267. p. 101. 68 - NUNES, Maria Thetis. História da educação em Sergipe. Op. Cit. p. 46.

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48

Nesta data conferindo meos poderes a José Nicacio Gomes receber na Estação da Thesouraria Provincia a resma de papel, e a quantia que o Exmº em Conselho Resolveu distribuir com os alunos pobres de minha Aula, applicada a comprar de utencilios para os mesmos, tenho sentido respondido aos officios de v. s. de 8 de agto. E 25 de 7 bro. Passado.

D.G.a V.S. do Lgto. 11 de 9 bro de 1833.69 O Conselho Geral da Província era um órgão de caráter consultivo que propiciou o

avanço da instrução em Sergipe. Do período de constituição até do Ato Adicional de 1834

Sergipe possuía 29 cadeiras de primeiras letras, sendo 25 para meninos e 4 para meninas.

Das 25 escolas masculinas, uma era de ensino mútuo.70 Como se pode notar ocorreu um

relativo surto de criação de cadeiras.

Faz-se necessário também observar que o Conselho Geral era quem possuía

informações acerca da situação de funcionalidade das escolas de primeiras letras através

das Câmaras de Vereadores das localidades cuja função era a de fiscalizar. Com as

informações em seu poder, o Conselho Geral emitia parecer para o presidente da Província,

a quem cabia o poder de extinguir ou criar cadeiras. Ao presidente ainda cabia a tarefa de

repassar informações para o Poder Central.

Era dessa maneira que estava montada a estrutura provincial para tratar de assuntos

relacionados à instrução primária. Para facilitar o entendimento vamos dar como exemplo a

criação de uma cadeira. Os vereadores em comissão observam a situação da localidade e

repassavam informações à Câmara. Esta, por sua vez, enviava-as em forma de

requerimento ao Conselho da Província que, automaticamente, dava parecer e fazia chegar

ao Presidente da Província, a quem cabia o poder de autorizar a criação da cadeira ou

extinção. Essa prerrogativa estava justificada na Lei de 15 de outubro de 1827.

A estrutura presente pode ser exemplificada com o que ocorreu em 1832 quando da

remoção da cadeira de primeiras letras de Pacatuba.

A Comissão das Camaras emcarregada de dar seu parecer sobre a representação dos Abitantes da Ilha de Brejo Grande em que pedem a remossão da cadeira de primeiras Letras da Missão de Pacatuba p a mesma Ilha. Hé de parecer que aqles. Povos não sejão privados d um beneficio a que tem todo jus e em favor dos Representantes, [ilegível] julgo que se deve oferecer um artº ad tivo a Proposta de Criação de cadeiras

69 - Ofício expedido em 11 de agosto de 1833. APES. Fundo E1 644. 70 - NUNES, Maria Thetis. História da educação em Sergipe. Op. Cit. p. 55.

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de primeiras Letras apresentada pelo conselheiro =Boto= ficando deste modo uns e outros satisfeitos. Salla da comissão. 1º de fevereiro de 1832.

S. G. A. Boto Luis Barbosa Madureira Gonçalo Paes Barbzª Madurª.71

O documento citado sobre a remoção da cadeira de primeiras letras de Pacatuba para

Ilha de Brejo Grande nos faz pensar no papel que as câmaras de vereadores cumpriam no

trato das questões educacionais. Fica clara a importância que os camaristas davam à escola

primária enquanto instituição. E mais, defenderam não só a remoção da cadeira como

também a criação de uma outra.

Outra questão que o documento emitido pelos camaristas revela é a intenção

veemente em garantir a instrução primária para uma localidade como Pacatuba cuja

população era composta por índios e remanescentes, e garantir também a criação de uma

nova cadeira em outra localidade. Isso nos leva a pensar que esse espírito de atendimento

aos mais necessitados esteve presente não só na elite administrativa do alto escalão do

Estado como também na elite local, nos vereadores. Desse modo, pode-se inferir que o

parecer dos camaristas, ao admitir a criação da cadeira para Brejo Grande, não possuía a

intenção de destituir a cadeira de Pacatuba. Muito pelo contrário, a intenção era de ampliar

a rede com a criação de outra, como ficou evidenciado no documento.

A Província sergipana continuou afirmando a instrução primária para a população.

Ano após ano o número de cadeiras ia crescendo e afirmando a presença da escola de

primeiras letras em todas as localidades. À medida que o número de cadeiras crescia,

necessitava-se de mecanismos que melhor regulamentasse a Instrução Pública.

O Ato Adicional de 1834 foi um dos mecanismos que trouxe para as províncias a

liberdade de legislar em matéria de instrução primária e secundária. No entanto, essa

liberdade ficou restrita apenas à instrução primária. A competência da legislação sobre a

esfera secundária cabia ao Poder Central.

A partir do Ato de 1834, as províncias não se restringiram só na limitação de criar ou

extinguir cadeiras, mas também na liberdade de legislar sobre educação como se disse. Essa

Lei foi significativa porque impulsionou uma intensificação de debates na Assembléia

71 - Ofício de 01 de fevereiro de 1832. APES. Fundo Sebrão Sobrinho. Cx. 27. Doc. 03.

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50

Provincial acerca da organização da escola primária. Prova disso, já comentado no início

deste capítulo, foi o discurso do Vice-Presidente Manuel Joaquim Fernandes de Barros,

datado de 1836.

O que mais se pode perceber na Província sergipana, a partir do Ato Adicional em

diante, é a defesa empreendida pelos dirigentes de um corpo de leis para regulamentar a

instrução, a favor da criação de cargo para inspecionar as aulas e também da habilitação do

corpo docente, entre outros. É necessário observar que um ano após o Ato Adicional em

Sergipe foi aprovada a primeira lei sobre instrução primária, a Lei de 5 de março de 1835.

Com essa Lei Sergipe assim como as demais províncias começou efetivamente o trabalho

de intervenção no campo da instrução primária.72

A Lei de 5 de março de 1835, de modo geral, regulamentou o corpo docente da

Província, determinando condições de trabalho, investidura no cargo e aposentadoria. Outra

ação da lei foi a criação e remoção de novas cadeiras públicas. Mas a ênfase recaiu mesmo

na questão da regulamentação do quadro docente.

Art. 6º. Os actuaes professores, e mestras, que tiverem servindo mais de 12 annos com effetividade, e não podem obter suas cadeiras em concurso, serão aposentados com a metade do ordenado, que ora percebem. Art. 23. Os professores, e mestres, que provarem impedimento plysico, poderão ser jubilados tendo ensinado com effetividade, e sem nota por mais de vinte annos com ordenado inteiro. Art. 24. Os que tiverem ensinado com effectividade, e sem nota por mais de vinte annos ainda que não tenham impedimento physico, poderão ser jubilado com ordenado inteiro.73

Há que se observar que a Lei de 1835 expressou, de forma mais clara e precisa, a

influência que a França exerceu sobre o Brasil do século XIX. As bases dessa influência

vieram da Lei de 1827 ao fazer noção do currículo, do modelo de escola, do método de

ensino e da profissionalização docente.

Outra questão que será a bandeira de luta que começou a partir de primeira lei de

instrução sergipana foi a criação de uma escola normal para habilitar o professor. A defesa

72 - A organização da instrução na Paraíba data de 1837. PINHEIRO, Antonio Carlos Ferreira. Da era das

cadeiras isoladas à era dos grupos escolares na Paraíba. São Paulo/Campinas: Autores Associados/Univ. São Francisco, 2002. p. 27-28.

73 - FRANCO, Cândido. Compilação das leis da província de Sergipe (1835-1880). Aracaju: Tipografia de F. das Chagas Lima [1880]. p. 137-140.

Page 51: Dissertação de Luís Siqueira - UFS

51

dessa instituição passou a ser vista como um critério para a garantia do perfeito processo de

civilização da população pobre escolarizável através da habilitação do professor. Foi o que

entendeu o presidente da Província Manuel Fernandes da Silva em 1836.

Sobre tudo vos recomendo mui particularmente que mediteis sobre um plano de Instrução Elementar para a mocidade, ou na criação de huma escola Normal de ensino, onde se formem Professores, para a educação da mocidade, os quaes serão prefeitos no ensino, e concurso para esse fim aos outros, que não tiverem seguido esse curso; e os ordenados deverão expor os meios faceis de apprender em pouco tempo pelo methodo do alencastrino os principios da leitura, e escripturação, Arithemetica, e geometria pratica, tão necessarias às artes mecanicas e liberais.74

O discurso do presidente em defesa da criação de uma escola normal para Sergipe

acaba por revelar o estado em que se encontrava a instrução sergipana. A primeira questão

que o administrador chama atenção é a necessidade de um plano de educação provincial.

Isso significava admitir que não havia uniformização de práticas pedagógicas. O que na

verdade o presidente estava revelando através de seu discurso era uma província com

multiplicidade de formas de ensinar, ingerência na fiscalização das aulas e falta de controle

do corpo docente.

A fala do presidente Manuel Fernandes também revela a importância que a escola

normal recebia em termos qualificação docente. Fica subentendido que era através desse

espaço de formação docente que ocorreria a construção da Nação e caminho para o

progresso. A escola normal era concebida como o veículo pelo qual o Estado retiraria

práticas culturais, vistas como bárbaras.

A tentativa de implantar a escola normal saiu do discurso e foi para a prática. Dois

anos depois desse discurso, em 20 de março de 1838, a Assembléia Provincial criava a

escola normal.75 Nesse mesmo ano, o padre Pedro Antonio Bastos foi enviado à Escola do

Rio de Janeiro, às custas dos cofres públicos, para aprender, na teoria e na prática, os

procedimentos para a institucionalização do referido estabelecimento de ensino. A escola

normal não saiu do papel . Esse projeto não cumpriu sua missão, pois em 1842 o presidente

Sebastião Gaspar de Almeida Boto solicitou à Assembléia Provincial a criação de uma

74 - Relatório do presidente Manuel Fernandes da Silva. IHGS. In.: �oticiador Sergipense. n°.81. 1836. p. 01 75 - Relatório do presidente José Eloi Pessoa. IHGS. Sergipe: Tipografia de Silveira, 1838.

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nova lei de instrução púbica primária para que se melhorasse o ensino simultâneo de

Sergipe.76

A defesa e o projeto de criação da escola normal se forem olhados não do ponto de

vista do insucesso, mas do contexto em que estão situados, coloca Sergipe no rol do

movimento de afirmação desse templo de formação docente, como faziam as outras

províncias do Império brasileiro que almejavam o que havia de mais moderno para a

realização da construção do império brasileiro.

A primeira escola normal brasileira data de 1835. 77 Embora Nunes afirme que o

projeto da escola normal sergipana não tenha saído do papel, há de se considerar que o

projeto dos administradores provinciais contemplava a escola como agência sine qua non

responsável pela regeneração da sociedade. E a instrução era a ferramenta principal.

Defender essa instituição foi a marca de quase todos os administradores provinciais até sua

concretização real na década de 1870.

Do ponto de vista internacional a Província sergipana estava inserida no ideário

pedagógico europeu. O espelho para implantação da escola normal provinha da Alemanha.

Muitas das inovações pedagógicas que estavam em prática nesse continente eram

apropriadas no Brasil e em Sergipe.

Da década de 1830 até o início da seguinte ocorreu um aumento do número de

cadeiras de primeiras letras. Em 1842 as cadeiras masculinas passaram de 25 para 29 e, as

femininas de 4 para 8.78 A explicação para esse aumento pode estar no relativo poder que o

Ato Adicional deu à assembléia Legislativa Provincial para criar novas povoações e vilas.

Outra explicação para o aumento do número de cadeiras de primeiras letras pode estar

no desenvolvimento da economia da cana-de-açúcar que impulsionou o crescimento do

quadro populacional da Província À medida que a população aumentava, necessitava-se de

mais escolas para atender a faixa etária escolarizável.

O número de cadeiras expressivo na Província sergipana causava preocupações aos

administradores porque segundo eles não havia homogeneização dos impressos escolares

utilizados nas escolas primárias. Cada professor, por exemplo, utilizava o seu manual de

76 - Relatório do presidente Sebastião Gaspar de Almeida Boto. IHGS. Sergipe: Tipografia de Sergipe, 1842.

p.9. 77 -VILELA, Heloisa de Oliveira Santos. A primeira escola normal do Brasil: uma contribuição à história da

formação de professor. Niterói: Universidade Federal Fluminense, 1990. p. 15. 78 - Relatório do presidente Sebastião Gaspar de Almeida Boto. Doc. Cit. p. 9.

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gramática, de aritmética e livros de leituras. Isso causava preocupações porque a unidade da

nação brasileira e conseqüentemente da Província dependiam dos valores e noções

transmitidas pela escola primária. Sem esses “utensílios”, como eram chamados na época,

não adiantaria criar escolas, como foi denunciado em 1845 pelo presidente da Província

José Francisco de Menezes Sobral.

A falta de regulamento que declare os compendios e materiais que devem ser ensinados, e ate que ponto deverá o menino sabel-se; a nenhuma prestação de syllabarios, traslados, em que essas trabalha o Mestre, tão nem muito concorre para difficultar o ensino; com tudo não me posso forrar ao dever de confessar, que alem de alguns Mestres, as Professoras da capital, e Laranjeiras se tem exforçado para vencer todos os obstaculos, e hão feito aproveitar suas Louvaveis dedicações. São os Mestres obrigados a ensinar a ler e escrever, gramatica, aritmtica, geometria practica, doutrina christã: segundo o plano da escola normal, terão de ensinar tão bem ensaios sobre synonimos, e elementos de geografia. Como deveis desempenhar tantos deveres sem meios proporcionaes, ainda tendo os conhecimentos precisos?79

O problema dos compêndios foi preocupação de quase toda a década de 40 do século

XIX. Além de não haver uniformização, contava com a situação do pouco orçamento

destinado para a instrução primária, segundo os relatórios dos presidentes. A situação

tornou-se tão vexatória que o presidente José Ferreira Souto, em 1847, para atender as

solicitações de professores comprou alguns compêndios da sobra correspondente do salário

de dois professores e dividiu entre as escolas mais freqüentadas.80

A historiografia tradicional sergipana percebeu o papel do Estado na esfera da

educação como omisso e desleixado, como mostrou Nunes. Freire afirmou que de 1840 a

1855 não houve fiscalização do dinheiro público, chegando a ponto de não haver numerário

suficiente para pagar o funcionalismo, ao qual o governo na tentativa de solucionar o

problema entregava vales para serem rebatidos no comércio, provocando assim, grande

especulação por parte dos negociantes.81

Essa situação só foi resolvida com a Lei nº 225 de 31 de maio de 1848 que, em apenas

dois artigos, tentou uniformizar e iniciar um plano de instrução para a toda a província. As

79 - Relatório do presidente José Francisco Meneses Sobral. IHGS. Sergipe: Tipografia de Sergipe, 1845. p.

6-7. 80 - Relatório do presidente José Ferreira Souto. IHGS. In.: Correio Sergipense. n° 35, ano X, 12 de maio de

1847. p. 2. 81 - FREIRE, Felisbelo. Op. Cit. p. 143.

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competências e a distribuição dos impressos escolares foram indicadas nos artigos sexto e

sétimo.

Art. 6º. O Governador designará, e fará imprimir na Typographia os compendios, que devem servir nas aulas de instrucção primaria, podendo organizar um plano, que methodize em toda a provincia a mesma instrução, o qual será desde logo posto em execução, e submettido a approvação d ‘assembléia provincial. Art. 7º. Os compendios impressos serão divididos pelas aulas d‘ambos os sexos da provincia, e incubidos aos respectivos professores para servirem de estudos aos meninos pobres.82

De acordo com essa lei, podemos perceber que mais uma vez a Província tomava para

si a tarefa de tutelar a população ao atribuir, também para si, competência pela distribuição

pelos impressos escolares. Embora houvesse reclamações a respeito do pouco orçamento

provincial destinado para a educação, não se pode notar desleixo no atendimento das

necessidades escolares.

A responsabilidade pela distribuição dos compêndios escolares traz, por outro lado,

uma primeira tentativa de uniformização da instrução primária. Se ainda não havia uma lei

que uniformizasse as práticas pedagógicas, a solução encontrada foi tentar equiparar o

trabalho docente com a distribuição igual de impressos pedagógicos para todas as escolas.

As reclamações do estado de carência da instrução pública continuaram sendo

denunciadas pelos presidentes da Província. Cada qual, por sua parte, denunciava os

problemas existentes e apontava as soluções para a melhoria da situação das escolas de

primeiras letras. O presidente ainda relatava em detalhes as melhorias que realizava.

Mesmo com toda essa avalanche discursiva acerca da instrução provincial a organização da

instrução só veio a começar a ser regularizada e planejada a partir da década de cinqüenta.

No trabalho de melhor organizar a Instrução Primária sergipana, em 1850 foi criada a

Inspetoria das aulas através da Resolução de nº 259. Essa medida, ao criar o cargo de

inspetor para toda a Província, diminuiu o poder fiscalizador que as câmaras municipais

exerciam sobre a instrução primária.

82 - FRANCO, Cândido A. P. Op. Cit. p.143.

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Resolução N. 259 de 15 de março de 1850

Art. 1°. O governo fica autorizado a nomear um inspetor geral das aulas para toda a provincia com o ordenado annuo de um conto de reis. Art. 2°. Para este lugar será nomeado pessoa de reconhecida probidade e reconhecimentos litterarios. Art. 3°. O governo dará o regulamento necessario para o bom desempenho das funções inherentes à este emprego. Art.4°. Nem os juizes de direito, nem os municipaes dos termos poderão ser nomeados para o cargo de inspector geral das aulas. Art.5°. Revogam-se as disposições em contrario.83

A Resolução que criou o cargo de Inspetor Geral das aulas não foi uma medida criada

no vazio, estava ligada ao contexto internacional e brasileiro referente à educação. Pode-se

notar a influência da Lei francesa de 1850, de Luís Bonaparte, substituindo a Lei Guizot, de

1833 que teve influência nas legislações das províncias brasileiras até 1854. 84 No contexto

brasileiro a resolução estava inserida no projeto dos Saquaremas grupo conservador que

elaborou um projeto de Nação cujas ações partiam do Município Neutro para as províncias

brasileiras.

A primeira observação presente na resolução é a de que para ser inspetor geral das

aulas tinha que ser pessoa de reconhecimento de probidade moral e literária. Essa medida

administrativa provincial começou por não só delimitar investidura no cargo como também

fez exigências para a atuação no campo educacional. Pela exigência podemos inferir que

para fazer parte desse campo era necessário possuir curso superior, ser considerado

intelectual e ainda pertencer à classe dos abastados.

O documento, ao citar o reconhecimento literário, não deixou claro qual era essa

competência. Dessa forma, podemos afirmar que esse reconhecimento literário provinha da

atividade jornalística, ou pelo fato de a pessoa escrever artigos em jornais ou revista, ou

ainda quem sabe de ser um poeta e ter publicado seus poemas em jornais.

Segundo Silva, o critério para ser reconhecido como intelectual bastava ter o

reconhecimento como tal entre seus pares.85 Outro meio para ser considerado intelectual no

século XIX foi o exercício de atividades ligadas à poesia, música, formação acadêmica; ou

83 - FRANCO, Cândido A. P. p. 128-129. 84 - NUNES, Maria Thetis. História de Sergipe. Op. Cit. p..95. 85 - SILVA, Eugênia Andrade Vieira da. A formação da intelectualidade sergipana (1822-1889). Op. Cit. p

12.

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o fato de está ligado a uma instituição cultural governamental ou particular, ter publicado

sua produção dentro ou fora da Província.

Outra questão determinada pela Resolução era que nem juiz de direito nem os

municipais poderiam ser nomeados para o cargo de inspetor geral das aulas. Ao fazer

restrições, o documento estava admitindo para o novo cargo exclusividade para o trato das

questões educacionais na Província. Um juiz possuía obrigações demais e, possivelmente,

como tal, não sobraria tempo para se dedicar aos trabalhos da inspetoria.

Ao criar o cargo de inspetor poder-se-ia estar também tentando eliminar possíveis

conflitos entre professores e camaristas ou entre estes e os presidentes da Província no trato

das questões educacionais. Por outro lado, interligava todas as escolas em um único órgão,

facilitando assim o conhecimento e o controle sobre os alunos e professores.

A partir daí o governo provincial poderia penetrar no espaço interno da escola e saber

o grau de práticas pedagógicas desenvolvido pelos docentes. Era uma forma de também

retirar dos professores a liberdade total sobre seu ofício e determinar normas de condutas.

A intenção era de que todas as escolas ensinassem de forma igualitária as determinações

provinciais.

A criação e regulamentação do cargo de inspetor geral das aulas podem ser vistas

como inovadora para o século XIX. Na verdade essa medida fazia parte do projeto

esboçado pelos Saquaremas, grupo que exerceu influência em todo o Império brasileiro. O

projeto tinha como pressuposto consolidar a Nação, através da escola de primeiras letras,

estabelecendo a ordem da sociedade de forma hierarquizada..86

Esse projeto via a escola primária como uma das bases de sustentação do Império,

porém uma escola organizada, pois a integridade do território dependia dos ensinamentos

transmitidos via instituição escolar através do ensino da gramática, rompendo com as falas

regionais e impondo uma língua nacional; pelo ensino da matemática com as quatro

operações de aritmética e os conhecimentos da Geografia.87 Daí, estar bastante clara a

intenção em se criar a Inspetoria Geral das Aulas.

Há que se observar que a resolução de 15 de março de 1850 não definiu a estrutura

organizacional nem atribuiu competências, pois mesmo afirmando que o governo faria a

86 - MATOS, Ilmar Holloff de. O tempo saquarema: a formação do Estado Imperial. 5 ed. São Paulo: Hucitec,

2004. 87 - Idem. p. 276.

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regulamentação para o exercício do cargo, não o fez nesse período. A fiscalização das

escolas era realizada pelas câmaras de vereadores e com a criação do novo cargo seria

necessário atribuir competências para não causar conflitos de autoridades.

A regulamentação da Inspetoria Geral só ocorrerá em 22 de junho de 1858 através da

Lei nº 519.88 A estrutura organizacional ficou definida pelas criações dos órgãos como a

Inspetoria Geral, Sub-Inspetoria de Direito e Conselho Literário. A cada órgão foram dadas

funções e para a investidura nos respectivos cargos eram exigidas algumas prerrogativas.

A criação e regulamentação da Inspetoria Geral receberam mais uma vez influência

do Poder Central. A partir daí pode-se perceber com clareza o poder de irradiação do grupo

Saquarema. Pode-se afirmar que o Estado efetivamente possuía mecanismos para penetrar

no espaço da escola. No dizer de Matos, começava a luta da Coroa contra o governo da

casa. O Estado Imperial começava a implementar assim o projeto de construção da Nação

brasileira com a estruturação da Inspetoria provincial.

A influência dessa medida adveio da Reforma do Ministério da Conciliação (1853-

1857) sob comando do ministro Luís Pedreira Couto Ferraz.89 Esse ministro empreendeu

uma reforma educacional para o ensino primário e secundário para a corte que serviria de

modelo para as outras províncias. O ponto mais destacado foi o estabelecimento da

estrutura de supervisão para as escolas públicas e particulares, com a criação de inspetorias

provinciais ligadas ao Ministério dom Império.

É importante observar que ao se criar a Inspetoria Geral das Aulas, o governo não

estava excluindo as câmaras de vereadores no trabalho de organização da instrução. Muito

pelo contrário, foi redefinido de forma clara o papel que as câmaras passariam a ter. E não

só elas como também Clero e dos professores. A cada uma das esferas foram atribuídas

novas competências.

De acordo com a referida Lei, o cargo de inspetor era nomeado pelo presidente da

Província. Ao inspetor geral das aulas competia inspecionar, dirigir, e instruir a todos os

empregados da instrução pública e particular; conceder licenças, julgar e aplicar penas aos

professores e prestar ao governo informações determinadas em lei.

88 - FRANCO, Cândido A. P. Op. Cit. p. 129-130. 89 - Esse projeto que teve como mentores o ministro Couto Ferraz e Justiniano da Rocha foi apresentado no

Parlamento em 1851com o nome de Regulamento da Instrução Primária e Secundária do Município da Corte. NUNES, Maria Thetis. História da Educação em Sergipe. Op. Cit. p. 95.

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Aos inspetores de distrito competiam inspecionar e dirigir todos os empregados da

instrução pública e particular; prestar informações e esclarecimento sobre as escolas; visitar

escolas duas vezes por ano; admoestar e repreender professores; conceder licenças aos

professores até oito dias; inventariar os móveis e utensílios escolares e delegar atribuições

aos subinspetores nos lugares mais distantes da Província.

Sobre os distritos literários havia as corporações com os títulos de Conselhos

Literários. Para fazer parte desse conselho a exigência era ser presidente da câmara de

vereador ou então ser vigário, ambos compreendidos no distrito. Esses membros possuíam

as funções de visitar assiduamente as aulas em qualquer estabelecimento de ensino do

distrito; exigir esclarecimentos e informações dos professores a cerca de seu oficio.

Somente aos vigários cabia a inspeção sobre o ensino da moral e da religião.

No caso dos presidentes das câmaras eram-lhes atribuídas funções especiais de

verificação e exigir que os alunos pobres fossem supridos, convenientemente, com livros,

papel, e demais objetos necessários para os exercícios escolares; ainda exigir dos pais,

tutores ou curadores a freqüência escolar das crianças maiores de sete anos e menores de

quinze anos; representar sobre a necessidade da criação de novas escolas. Para completar a

relação de competências, os presidentes das câmaras ainda estavam encarregados de exigir

dos professores o cumprimento na instrução dos princípios da moral civil, inspirando nos

alunos o respeito à pessoa do imperador e às diretrizes constitucionais.

Pelo que foi exposto, é possível perceber como a elite imperial brasileira construiu a

rede e a estrutura administrativa da Instrução Pública e particular. No dizer de Matos, essa

“teia de Penélope” foi esboçada pelo grupo dos Saquaremas que, tendo a Corte como

laboratório, indicava modelos de administração para as províncias. Nesse modelo estavam

incluídos os profissionais liberais, juizes, professores, caixeiros, membros de clero,

militares etc, enfim, todos os empregos a serviço do Estado.90 Todos estavam assim,

incluídos como peças fundamentais pra a consolidação da ordem, da integridade territorial,

onde o progresso e a civilização transcorreriam sem interrupções.

A Lei que criou a Inspetoria da Instrução Pública é reflexo da ação dos Saquaremas

na província de Sergipe, quando se observa os agentes envolvidos na estrutura com suas

respectivas competências e abrangências. Há, subjacente a essa estrutura educacional, toda

90 - MATOS, Ilmar Holloff de. Op. Cit. p. 180.

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uma rede de informações e fiscalizações que circulava em toda estrutura administrativa

imperial. Dessa forma, havia os que pensavam e deliberavam sobre a instrução primária, os

que informavam ou delatavam, os que cuidavam da escola, tudo enquadrado numa estrutura

piramidal.

Tudo estava interligado, seja nos lugares próximos ou distantes. Havia uma

circularidade de informações a cerca das escolas de primeiras letras, dos agentes de ensino,

dos pais, enfim de tudo. Por exemplo, se um determinado aluno sabia ler, escrever, se era

assíduo ou como estava sua freqüência, o estado de tal aula, essas informações eram

conhecidas pela classe dirigente provincial. Essa assertiva pode ser exemplificada pelo

relatório do professor de primeiras letras de Riachão Cypriano José, em 1856.

(...) A minha aula s’acha muito balda [sic] de utensis; porquanto, existindo na respectiva matricula o numero de 37 meninos sendo a freqüencia de 30, pouco mais ou menos apenas existem 3 bancos, 2 carteiras e uma pequena banca. Havendo nesta localidade mais de cincoenta meninos, apenas existem, como já se disse 37 matriculados com freqüencia já dita o que attribuho a uns a pobreza se seos Paes, e a outros (em pequeno numero) o pouco apreço que seos Paes dão a instrucção (...) Não havendo aqui sus-ispetor, espero que por intermedio de V. Sª seja prehenchida esta falta. É o que se m’offerece a relatar a V. Sª, se porem alguma coiza julgão necessario digne-se ordenar-me, que, como sempre, serei fiel e pontual no cumprimento.

Aula Publica no Riachão, 28 de novembro de 1856. Cypriano José.91

Informações como essas, passadas pelo professor de Riachão cumpriam a função

determinada pela estrutura administrativa. Era o olhar vigilante sobre o povo brasileiro para

se saber a que ponto andava a educação de primeiras letras, pois como já disse, a instrução

era vista como o veículo pela qual a ideologia do Império brasileiro transitaria seria

transmitida.

Para que o projeto de nação esboçado pelos Saquaremas desse certo foi também

necessário legislar sobre o cotidiano escolar e os agentes do processo de

ensino/aprendizagem. Assim, com o intuito de uniformizar e operacionalizar melhor a

instrução de primeiras letras foi aprovado em 1856 o Regimento Interno das Escolas.92 Esse

documento foi constituído em quatro partes. Na primeira o documentou traçou regras de

91 - Comunicação expedida em 28 de novembro de 1856. APES. Fundo E1 634. 92 - Regimento Interno das Escolas. APES. Fundo Biblioteca José Alves. Cx.01. Doc. 01. 1856.

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conduta para a relação entre os professores e alunos. Na segunda parte determinou deveres

e obrigações para os professores e os pais de alunos. Já a terceira regulamentou as sessões

escolares. A ultima parte tratou das disposições gerais.

Quando em Sergipe foi aprovado o Regimento Interno das Escolas havia um total de

54 escolas de primeiras letras, sendo 39 do sexo masculino e 15 do sexo feminino.93 Era um

número relativamente grande para Província. Daí a necessidade de uniformizações.

Analisemos então o documento.

O Regimento de 1856 começou por dar indicações ao professor. Nos dois primeiros

artigos consta que o professor deve ensinar a seus discípulos com amor e zelo, deve

despertar no discente o gosto de aprender, aconselhando-o paternalmente. No artigo

terceiro foi determinado que o professor não deveria castigar seus alunos senão depois de

aconselhá-lo por mais de uma vez.

Aqui podemos notar a influência de Herbart quando tece reflexões acerca do papel do

professor no processo de ensino.94 Para o filósofo, quanto mais o professor se aproximasse

do aluno e tivesse uma relação afetiva mais fácil tornaria a aprendizagem, pois motivados

pelas relações afetivas, os alunos tomariam gosto pelo prazer do aprendizado.

O que se pode perceber a partir das determinações desse Regimento foi uma nova

representação do professor primário. Antes, nos relatórios dos presidentes da Província o

professor foi visto como um desleixado. Com a influência do Regimento Interno para as

aulas os docentes passaram a ser vistos a partir de uma nova ótica, como peça fundamental

para a construção da Nação. Essa nova representação fez do professor uma figura

responsável pelo sucesso da instrução junto com os demais envolvidos.

Nos artigos seguintes o documento regularizou a relação entre professor e aluno

determinando as formas de punição dos alunos rebeldes. As punições dos alunos iam desde

castigos físicos até a privação de lugar na classe. Segundo o documento, o aluno seria

castigado se cometesse:

1. Uma nota má; 2. A perda do logar alcançado nos diversos exercicios; 3. A privação ou restituição do premeo;

93 - Relatório do presidente Inácio Joaquim Barbosa. IHGS. Sergipe: Tipografia de Sergipe, 1854. p. 6. 94 - Herbart defendia que a afetividade desenvolve influência no processo de aprendizagem.

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4. A detenção na eschola durante as horas de descanço, ou intervallo entre as duas sessões diarias;

5. O ajoelhamento até meia hora; 6. A prisão em quarto durante os trabalhos escolares, devendo a prisão ser sempre em

logar aceiado.95

Pelo que foi exposto a partir do Regimento, dá-se para perceber como as formas de

punições determinadas para as escolas de primeiras letras. Desse modo, o que o documento

estava determinando era um mecanismo uniformizado de disciplinar os alunos para todas as

escolas de primeiras letras da Província para que não houvesse variações nas correções dos

alunos.

Havia também dispositivo para a expulsão do aluno da escola, mas isso só ocorria se

o aluno fosse considerado de alta periculosidade para os colegas da escola. O julgamento

ocorria mediante acariação entre o inspetor das aulas e o aluno na presença do presidente da

Província. Confirmada a ocorrência quem detinha o poder de expulsá-lo da escola era

somente o presidente da Província.

Um dado que chamou atenção referente aos castigos é o fato de que nem o professor

nem o inspetor das aulas tinham o poder de expulsar o aluno da escola. Essa tarefa era de

competência privativa do presidente da Província. Mas isso só ocorria em caso raro, quando

o aluno depois de julgado fosse considerado perigoso e que colocasse os outros em situação

de risco. Em nossa pesquisa não encontramos documentos que revelassem casos de

expulsão de aluno da escola de primeiras letras

A disciplina escolar foi vista por Herbart como de vital importância no processo de

aprendizagem. Esse recurso, segundo o filósofo alemão, freava a impetuosidade do aluno.96

O aluno ao perceber que estava sendo punido pelos atos cometidos não repetiria mais a

ação praticada. Além do que as punições determinavam algumas privações como a perda de

liberdade e de prêmios. A questão, como se disse, era para mostrar a autoridade do

professor.

Se o aluno passou a ser enquadrado por seus erros e faltas, por outro lado, poderia se

distinguir dos demais pelo mérito no desempenho de suas atividades escolares. Esse

95 - Regimento Interno das Escolas. Doc. Cit. cap.01, art. 4°. 96 - Cf. Herbart.

Page 62: Dissertação de Luís Siqueira - UFS

62

dispositivo do Regimento foi também uma forma de compensar a presença da disciplina na

escola. Os prêmios e distinções consistiam:

1. Em cartões ou bilhetes, que serão distribuidos aos disciplinados que mostrarem

maior aproveitamento, ou assiduidade e moralidade; 2. Em um lugar junto ao mestre, que se considerará lugar de honrar; 3. Em dadiva de lapis, pennas, e demais objetos proprios de escripta, que para esse fim

serão fornecidos pelo cofre Provincial, 4. Na doação de livros, de que se fizerem uso nas escholas, os quaes serão igualmente

fornecidos pelo Cofre Provincial. 97

Ainda sobre os prêmios e distinções, cabe fazer um comentário quanto à

funcionalidade. Os cartões ou bilhetes eram conferidos pela assiduidade e moralidade do

aluno. Neles, eram inscritas as palavras “assiduidade” e “moralidade”. Esses bilhetes

possuíam a função de remir as faltas cometidas. Essa estratégia pode ser vista como uma

forma de incitar nos alunos o desejo de estudar cada vez mais estimulando assim a

concorrência entre eles. No caso dos prêmios em espécie como, por exemplo, livros que só

eram doados no caso de aprovação do discípulo nos exames que eram realizados. O

objetivo era estimar a freqüência e destacar o modelo de aluno para os demais.

Na segunda parte do Regimento foi determinada uma série de obrigações para o

professor. Esse também teve que estar submetido a deveres e obrigações A este agente do

ensino cabia a tarefa de fazer mensalmente, por escrito, a requisição aos pais dos alunos

que podiam comprar a relação dos objetos escolares tais como penas, lápis e papel. No caso

do aluno que fosse considerado pobre, a requisição não era destinada aos pais destes, mas

ao inspetor geral e este a enviaria ao presidente da Província para as devidas providências.

Cabia também ao professor informar aos pais, no final da semana, as faltas cometidas pelo

aluno durante a semana.

Art.7. Os professores farão saber por escripto, mensalmente, aos pais ou aios dos seus discipulos quaes os objectos, de que os meninos precisão para o ensino, compreendendo-se neste pennas, papel, e lapis.

97 - Regimento Interno das Escolas. Doc. Cit. Cap.I, art. 5°. p.01.

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63

Art.9. Os objetos precisos aos alumnos pobres serão fornecidos por conta do cofre provincial, e ordem da Presidencia, à quem os professores requisitarão, por intermedio do Inspector Geral das Aulas.98

O Regimento Interno ao determinar deveres para os professores acaba por revelaras

condições do que era considerada uma escola de primeiras letras e qual o papel do Estado

na educação. Essa observação se faz necessária porque a historiografia tradicional não

colocou a escola do século XIX no devido lugar. O que de certa forma necessita de

esclarecimentos.

Quando o artigo sétimo do documento afirmou que os professores dariam por escrito,

mensalmente, a relação dos objetos necessários para a escola, pode-se perceber a partir daí

que a escola era financiada por aqueles que possuíam condições para estudar. Para aqueles

que eram considerados pobres a responsabilidade pela manutenção na escola ficava por

parte do Estado imperial . Havia assim delimitações no papel do Estado.

O papel do Estado imperial no trato das questões educacionais estava bem delimitado

na legislação. Sua função era a de criar, extinguir ou remover a cadeira, pagar o salário do

professor e dos demais funcionários da Instrução Pública, manter a escola com móveis e o

aluguel da casa, garantir a doação de materiais escolares para os alunos pobres. No entanto,

os alunos que não fossem considerados pobres quem arcava com as despesas da escola

eram os pais daqueles. Portanto, o Estado garantia escolas para todos, mas só estava

obrigado a tutelar os alunos que fossem considerados pobres.

No Arquivo Público de Sergipe encontramos um outro regimento, sem data e

manuscrito, que nos artigos deixava clara a participação da família e do Estado na

educação. No capítulo segundo, artigos quinto, sexto e sétimo, era determinado o seguinte:

Art.5°. Os paes ou aios dos alumnos sendo obrigado a fornecerem os objetos de que seus filhos precisarem, não poderão a seu bel prazer substituir por outros; mas fornecerão aquelquer forem designados pelo professor em cumprimento do presente regimento. Art.6°. Quando der-se o caso de que os paes ou aios dos discipulos por sua pobreza não possão fornecer os objetos pedidos pelos professores, e nem os possão haver por emprestimo, fica à cargo do dicernimento e humanidade do Professor remediar este mal: e se os objetos, que não poderem ser fornecidos pelos paes forem livros, o

98 - Regimento Interno das Escolas. Doc. Cit. Cap.III. p. 01.

Page 64: Dissertação de Luís Siqueira - UFS

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Professor fará copiar alguns exemplares pelos discipulos mais adiantados para os fornecer aos alumnos pobres. Art.7°. Os Professores poderão exigir dos paes ou aios de seus discipulos uma leve contribuição de 80 rs. no primeiro dia util de cada semana, o qual será destinada para água, tinta, pennas e pael, que neste caso serão fornecido pelo Professor, ficando dispensado desta contribuição os discipulos sumamente pobres, a quem entretanto se fornecerão os misteres de que trata o presente artigo.99

Fez-se necessário esclarecer essa questão porque a historiografia sergipana tradicional

quando operou com os discursos presidentes da Província não percebeu com clareza a

função do Estado imperial na esfera da instrução primária. Pelo fato de não ter

compreendido a delimitação do Estado na educação primária os historiadores construíram

um cenário desfocado para a atuação estatal no século XIX, concebendo-o como ausente e

inoperante.

O capítulo terceiro do Regimento foi o maior dos quatros. Nele, foram determinados

a organização interna da escola primária e os objetos pedagógicos. O currículo permaneceu

o mesmo determinado pela Lei de 20 de março de 1838, ou seja, o ensino da escrita, da

leitura, da aritmética e da moral cristã. Mas houve uma estruturação dos alunos. A divisão

dos alunos passou a ser organizada por classe, segundo suas idades.100

A determinação de se estruturar os alunos por classes de idades trazia a exigência do

método de ensino simultâneo para as escolas de primeiras letras. Esse método foi defendido

pelos administradores provinciais em toda década de cinqüenta. Junto com o método vinha

a adoção dos impressos escolares para serem trabalhados pelos professores.

Ao fazer divisão de alunos por classe, o Regimento Interno de 1856 não deixou clara

a correspondência da classe por idade do aluno. No artigo 26 há apenas a determinação de

três classes de escrita: uma linha reta e curva; outra de caracteres maiúsculo, bastardo101 ou

99 - Regimento Interno das Aulas. Correspondência Recebida. APES. Fundo G1 974. Manuscrito. S/D. Vale

ressaltar que esse documento talvez tenha sido um rascunho do que foi aprovado em 1856. 100 - Classe no século XIX não era o mesmo que é hoje concebida. Compreendia a reunião de alunos por

matéria ou habilidades que o conjunto de alunos sentados em um banco possuía. O número de classe de uma escola dependia de quantidade de alunos sentados. Mas geralmente era em número de cinco ou seis. O somatório das classes compunha a escola ou a aula.

101 - Bastardo é a letra de talhe meio inclinado, com ligaduras e cujo desenho participa do rondo, espécie de letra traços fortes, acentuadamente arredondados, e talhe vertical com versão tipográfica pertencente à classe dos tipos escriturais e da letra inglesa, ou seja, letra escritural de traços finos e inclinados. BARRA, Valdeniza Maria da. Da pedra ao pó: o itinerário da lousa na escola paulista do século XIX. São Paulo: PUC, 2001. p. 26.

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65

bastardinho;102 e a terceira de caracteres minúsculos ou cursivos.103 Quanto às matérias de

leitura ou aritmética, o artigo 23 diz que o professor pode dividir os alunos em dois bandos

ou grupos.

Sobre os compêndios escolares, a indicação variava de acordo com a classe. Para

leitura eram indicados abecedários, silabários impressos e cartas de nomes. As cartas eram

de quatro tipos: abecedários maiúsculos e minúsculos, cartas de sílabas, cartas de nomes

com separação de sílabas, cartas de nomes com silabas juntas. Para as classes mais

adiantadas eram prescritos manuscritos e livros impressos.

Os artigos utilizados para as classes mais adiantadas seriam extraídos dos livros de

Simão de Nantua e o catecismo de Fleury. Ainda era prescrito o Compêndio de Gramática,

de Antonio de Gentil de Ibirapitinga Pimentel. Esses impressos serviam para passar a

ideologia do Império brasileiro. No caso dos estudos de Caligrafia e Ortografia, estes eram

indicados pela Inspeção Geral.

Para o ensino de Aritmética foi indicado tabuada ou cartões. Estes eram de quatro

tipos: Tabuada de caracteres e sinais; tabuada de unidade e leituras de números; tabuadas de

pesos e medidas; e tabuada de somar, diminuir, multiplicar e dividir. O método para o

ensino dessa matéria era extraído do manual aritmético o de Besut.

O ensino da doutrina Cristã passaria a ser realizado pelo Catecismo de Dr. Autran,

substituindo o catecismo de Montpellier utilizado décadas anteriores. Esse ensino era

ocupação exclusiva das tardes dos dias de sábado.

As escolas, tanto masculina como feminina, funcionariam com duas sessões diárias:

uma pela manhã, das oito às onze horas; e outra à tarde, das duas às cinco horas. Para cada

sessão foram indicadas as matérias a serem ensinadas, as quais ocorriam de segunda aos

sábados à tarde.

De acordo com o Regimento, havia um tempo determinado para cada matéria de

ensino. A partir do documento montamos um quadro no intuito de entendermos melhor a

regulação do tempo da aula.

102 - Bastardinho era uma espécie de bastardo de módulo menor e traçado mais corrente. Idem. p.26. 103 - Cursiva é a letra de mão, também chamada manuscrita. Idem . p. 26.

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QUADRO 01

Distribuição das matérias de ensino e sessão das aulas

Revisão e

revista

Escrita

Leitura

Aritmética

Doutrina Cristã

Manhã

Segunda a sábado

08:00 às 08:30

08:30 às 09:00

bastardo,

bastardinho e

cursivo

09:00 às 11:45

lições de cor, analise

gramatical e

exercícios

ortográficos

09:00 ás 11:45

exercício

aritmético

Não havia

DIA

S D

A SEM

A�A

Tarde

Segunda a sábado

14:00 às 14:30

14:30 às 15:00

15:00 às 16:45 o

mesmo que na

classe da manhã

15:00 às 16:45 o

mesmo que na

classe da manhã

Catecismo de

Dr. Autran

Exclusivo do

Sábado

Fonte: Regimento Interno das Aulas em 1856. Cap. III. Artigos 31 e 32.

O quadro construído a partir do Regimento Interno das Aulas de 1856 nos mostra o

tempo que era determinado para cada matéria. Para o ensino de escrita pode-se perceber

que era determinada apenas meia hora de exercício, tanto no período da manhã como da

tarde. Já o tempo destinado para o ensino da leitura e da aritmética era maior, ultrapassando

a duas horas de aprendizado. Acreditamos que a divisão do tempo para cada matéria estava

justificada pelo grau de complexidade do ensino.

Pelo quadro pode-se perceber como estava estruturado o período da aula. Os

exercícios ocorriam de forma simultânea para diferentes classes. Assim, enquanto as

classes de escrita estavam ocupadas com seus deveres de bastardo, bastardinho e cursivo, as

de leitura estavam exercitando lições de cor, análise gramatical e ortografia. Nessa mesma

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escola as classes de aritmética treinavam em outras carteiras os aritméticos. Se a aula fosse

no período da tarde todos de igual maneira teriam instruções sobre doutrina cristã.

Um dado relevante é que o Regimento de 1865 determinava seis dias de aula na

Província sergipana, como pode ser visto na tabela. Porém, nas disposições gerais do

Regimento Interno manuscrito, artigo sétimo era determinado que o dia de quinta - feira

seria considerado feriado. Ainda dizia que se num dia letivo da semana fosse feriado na

quinta-feira haveria aula normal. A documentação pesquisada não esclareceu porque nesse

dia a escola não funcionava. Não conseguimos encontrar informações que justificassem

esse feriado.

Além de organizar o tempo escolar interno das escolas, o Regimento de 1856 também

organizou o período letivo da instrução primária. Segundo o documento, as férias

compreenderiam um período que ia de 20 de dezembro a 20 de janeiro do ano seguinte. Os

feriados admitidos seriam considerados os dias da Semana Santa, desde o dia de Ramos até

a segunda-feira depois da Páscoa; o carnaval até a quarta-feira de cinzas; os dias de gala e

os de festividades nacionais.104

No calendário escolar determinado pela legislação foi também previsto para antes das

férias o exame de todos os discípulos, o qual seria realizado na presença das pessoas

indicadas pelo Governo. O período de realização dos exames ocorreria entre o mês de

dezembro e o de janeiro. Acontecimento desse tipo funcionava como um rito de passagem

para os que estavam prontos para cursar outra classe ou outra modalidade de ensino.

A uniformização do tempo escolar e dos agentes do processo de ensino/aprendizado

esteve presente nos relatórios dos inspetores da Instrução Pública e dos presidentes da

Província junto com o problema do espaço escolar e da habilitação dos professores. A

discussão desses problemas atravessou as décadas de 40, 50 e 60 do período imperial com

um tom de denúncia do estado em que a instrução primária caminhava em Sergipe.

As críticas que os presidentes fizeram aos espaços escolares estavam pautadas na

questão do controle sobre os alunos e professores. O problema que estava como pano de

fundo era como o Estado iria penetrar e controlar os agentes do ensino e da aprendizagem

104 - Não encontramos documentos que informassem e explicassem quais eram os dias considerados de gala e

os de festividades nacionais.

Page 68: Dissertação de Luís Siqueira - UFS

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que conviviam sob esse espaço. Isso porque a maioria das escolas funcionava nas casas dos

professores. A proposta de muitos presidentes era a de criar espaços próprios para a escola.

No caso do corpo docente, as críticas recaíram na questão salarial e na habilitação

precária dessa categoria do ensino. A atenção discursiva por parte dos presidentes referente

ao quadro docente possuía justificativa forte: esses agentes do ensino estavam incluídos no

projeto de nação concebido pelos administradores.

Na ótica dos administradores, a manutenção da ordem e da unidade da Nação só seria

possível se a situação da instrução primária atingisse o mínimo necessário. Para isso a

habilitação do principal agente do processo pedagógico seria uma ferramenta para

viabilizar o processo civilizatório desejado. Sem esse quadro de funcionário seria

impossível penetrar no governo da casa e inculcar a ideologia do Império.

A resolução do problema da qualificação do professor de primeiras letras na

Província sergipana foi formulada estrategicamente pelos administradores com a criação

dos professores adjuntos, cargo criado no início da década de 1850. Esses professores não

eram concursados como os efetivos, apenas recebiam uma gratificação pelo trabalho

docente. Para ser professor adjunto a prerrogativa que se exigia era ter alcançado os

melhores resultados na escola, como se pode perceber no discurso do presidente da

Província José Antonio da Silva em 1852.

No intuito de obter-se o fim desejado crearão-se os professores adjuntos que outra coisa não são, na frase pitoresca de um dos nossos publicistas, sinão aprendizes de mestre. Estes adjuntos devem ser tirados d’entre os meninos pobres que mais se houvessem distinguido depois por pomptos; e neste caso são desde logo associados ao ensino nas escolas mais freqüentadas e percebem uma diminuta gratificação. Quando haja de apparecer vaga, si algum desses moços já houve attingido a idade pode ser aproveitado para o professorado segundo procedimento e aptidão com preferencia a quaesquer outros concurrentes. 105

Como se disse anteriormente, a criação desse cargo foi uma solução do Estado para

minimizar o problema da qualificação docente. Como em Sergipe não havia uma escola

normal que habilitasse o professor, a Diretoria de Instrução Pública daria o título ao aluno

pobre que melhor se destacasse na escola. Essa foi uma das formas encontrada pelos

administradores provinciais para habilitar o corpo docente a custo reduzido. 105 - Relatório do presidente José Antonio da Silva em 1852. IHGS. Sergipe: Tipografia Provincial. p. 18.

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Outra questão que podemos perceber com o ato dos administradores é o retorno que o

Estado garantia pela manutenção e pelo investimento na instrução das classes pobres. Veja-

se que para ser admitido como professor adjunto a prerrogativa que se exigia era o aluno ser

oriundo da família pobre. Foi também uma forma de inserir os desfavorecidos

economicamente no quadro das profissões da Província, embora que de forma temporária.

Ao admitir o cargo de professor adjunto, o Estado estava delimitando as colocações

dos que compunham economicamente a população sergipana. Aos filhos da classe abastada

cabia a continuação dos estudos secundários e, conseqüentemente, superior, ou no próprio

país ou fora em uma universidade européia. Ao retornar para a Província sergipana

provavelmente iriam compor o quadro do alto escalão administrativo. Aos filhos dos pobres

ainda havia uma solução: o ingresso na carreira de professor de primeiras letras.

No mesmo relatório o presidente esclarece melhor a função do professor adjunto.

Além disso, mostrou também a estratégia utilizada para dominar o corpo docente da

Província.

Professor assim formados terão sobre os que principião a função sem tirocinio as vantagens de estudos especiaes e de uma pratica sem interrupção, bebida nos verdes annos, que tornará muito menos sensiveis as fadidas e tedios do magisterio. Demais: acostumados desde a infancia a contentarem-se com pouco encararão como uma fortuna um modesto ordenado, e não virão egoisticamente importunar os legisladores para desviarem os dinheiros publicos de outros misteres mais urgentes, que não o aumento de ordenados. 106

A partir das declarações do presidente é interessante observar como a elite

administrativa criou estratégias para diminuir vícios dos funcionários do Império, no caso

do corpo docente das escolas de primeiras letras. Com a aceitação de alunos provenientes

das classes pobres que estavam acostumados com tão pouco no cargo de professor, não

causariam preocupações ao Império no futuro. Para o presidente o cargo de professor era

uma conformação para o aluno pobre.

Pode-se perceber também como a elite usava de subterfúgios para diminuir as

tenções existentes no quadro de funcionário do Estado. Assim, o aluno pobre, na ótica do

106 - Relatório do presidente José Antonio da Silva. Doc. Cit.. p. 8.

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presidente, não iria reivindicar por melhoras na sua condição de professor. O que fosse

destinado para a melhoria do ofício docente já estaria de bom tamanho.

A justificativa apresentada pelo presidente pontuou com precisão o objetivo e o

destino da instrução primária: instruir através de um currículo mínimo a camada pobre da

população. Ao admiti alunos para serem professores, o governo provincial estava também

limitando o currículo da escola de primeiras letras. Essa prerrogativa era básica para a

manutenção da ordem do império na qual os pobres teriam uma instrumentalização. Daí ter

sido tão forte a defesa da instrução para todos os lugares da Província.

No final da década de 1850 foi promulgada mais uma lei sobre educação para a

Província sergipana. A nova Lei, de nº 508 de 16 de junho de 1858, determinou um

Regulamento para a Instrução Pública no qual a ênfase caiu na situação da profissão

docente, na disciplina das escolas do ensino primário e adoção do método simultâneo e

normas para o ensino particular e secundário.107

O currículo da escola primária, a partir do Regulamento de 1º de setembro de 1858,

sofreu um acréscimo comparado com o anterior. Dessa vez foram incluídas noções gerais

de geometria plana, teoria e prática de aritmética até regra de três, sistema de pesos e

medidas do Império com as alterações que o mesmo tivesse no município. No entanto, para

as escolas do sexo feminino foram retiradas noções gerais de geometria plana e ensino de

aritmética limitada apenas às quatros operações por números inteiros, completando a grade

curricular com o ensino de trabalho em agulhas.108

Outra novidade que o Regulamento de 1858 trouxe foi a permissão para divisão do

ensino primário em dois graus: ensino primário de primeiro grau e de segundo grau ou

superior. Para essa segunda parte do ensino foi indicada uma ampliação do currículo como

se pode ver no artigo 31.

Art. 31. Logo que as circustancias da Provincia permitir, instituirá o governo, com a approvação da Assembleia Legislativa , alem das escola de instrução elementar, nos lugares onde julgar conveniente, novas escolas de instrucção primaria superior, que denominarão do-segundo grão - Estas, no seu ensino, compreenderão, alem das materias mencionadas nos artigos antecedentes: o desenvolvimento da arithmetica em suas applicações praticas, especialmente em relação à escripturação mercantil, leitura

107 - FRANCO, Cândido A. Op. Cit.p.143-144. 108 - Regulamento da Instrução Pública. Doc. Cit.

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explicada dos Evangelhos, e noticia da historia sagrada, noções sagrada, noções gerais de historia, e geografia, principalmente do Brasil.109

Vale ressaltar que essas inovações introduzidas na instrução pública estão inseridas

no período considerado pela historiografia sergipana como “o período de Conciliação”

inaugurado pelo Poder Imperial, que se estende de 1853 a 1858, resultante do acordo entre

os partidos opostos. A repercussão em Sergipe da Conciliação foi a marca da

modernização, inclusive com a transferência da capital da Província de São Cristóvão para

Aracaju.110

O Regulamento de 1858, como se viu adotou como método de alfabetização

simultâneo dividido por classe, adotando o sistema de aluno (a) s-mestre (a)s e professores

adjuntos com gratificação mensal. De acordo com o documento, o número de aluno (a)-

mestre (a) contratado com gratificação não poderia exceder o número de doze para toda

Província. Já o de professor (a) adjunto (a) não poderia exceder o número de seis, também

para toda Província.

Para ser investido como aluno-mestre, a idade mínima exigida era de dezesseis anos

e só poderia permanecer na tal função por um prazo de três anos. Para o sexo feminino a

idade mínima exigida era de vinte e um anos. No caso do professor adjunto, a exigência era

ter dezoito anos. Para se chegar ao cargo de professor titular, o aluno pobre teria que

cumprir essas etapas.

O que se pode notar a partir dessas mudanças introduzidas no campo da instrução

primária é uma forte influência das práticas do sistema de ensino prussiano, no qual o aluno

mais adiantado, na vivência de escola ia aprendendo com o mestre as técnicas da

alfabetização.111 Depois do período de treinamento, o aluno com a aquiescência do mestre e

após ser examinado pelo mesmo e pelas autoridades competentes, solicitava o

enquadramento como aluno-mestre. Dessa forma, utilizando alunos como recrutas dos

professores, seriam reduzidos custos com o recrutamento de professores nas questões de

qualificação e também seria uma forma de suprir a carência de professores habilitados no

quadro da instrução primária.

109 - Regulamento da Instrução Pública. Doc. Cit. 110 - OLIVA, Terezinha Alves de. Op. Cit. p.136-137. 111- VILELA, Heloisa de S. O. o mestre-escola e a professora. In.: LOPES, Eliana Marta Teixeira, FARIA

FILHO, Luciano Mendes de, VEIGA, Cynthia Greive. 500 anos de educação no Brasil. Op. Cit. p. 110.

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A Lei nº 508 de 16 de junho de 1858 determinou as condições do que se poderia ser

considerado como uma escola primária ou aula pública em termos de público participante.

Segundo o documento, o Governo suprimiria a cadeira de ensino primário masculino que

tivesse a freqüência inferior a vinte alunos. Já as do sexo feminino, a freqüência mínima

exigida para uma escola era de doze alunas. No caso de supressão de cadeira, os alunos ou

alunas que comprovassem indigência seriam destinados a um professor ou professora

particular às custas do Tesouro Provincial mediante gratificação anual de 200$000 a

300$00 réis.112

Com essa Lei e o Regulamento de 1858 o governo provincial quis pôr ordem na

Instrução ao sancionar uma nova lei para regularizar a situação do professor e tentar

resolver o problema da qualificação decente. Assim, em pouco mais de um mês, o

presidente João Dabney D’Avelar Brotero sancionava a Lei de N.°de 3 de julho de 1858

determinando que:

Art.1. O governo da Provincia fica authorisado à por em concurso por uma vez somente todas aquellas Cadeiras, quer do ensino primario quer do ensino secundario, providas à menos de cinco annos, cujos Professores lhe constar que tenha necessarias habilitações para o Professorato. §Unico. Para este fim lhes arbitrará um praso improrrogavel, e no caso de não comparecimento, ou de não sair approvado o Professor de qualquer dos indicados ensinos, perderá elle o direito a Cadeira que estiver à seo cargo.113

Como se disse anteriormente, ao sancionar a nova Lei, o presidente da Província teve

objetivos claros: uniformizar a Instrução Pública sergipana. Ao colocar todas as cadeiras de

primeiras letras sergipanas a concurso público, o presidente estava tentando levar a

Instrução Pública em um único trilho. Dessa forma ficaria mais viável conseguir

implementar o projeto de unidade da nação. Também era uma forma de eliminar práticas

pedagógicas consideradas arcaicas, como o método de ensino, e homogeneizar novas.

Assim, o professor que fosse aprovado no concurso começaria seu trabalho docente se

pautando nas novas exigências da Diretoria de Instrução Pública. E já começava sua labuta

com uma forte carga de responsabilidade, uma vez que esse agente do ensino estava

envolvido na “teia de Penélope”.

112- FRANCO, Cândido A. Op. Cit.p.145; 149. 113 - Idem. p. 64.

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A determinação do concurso para professor na Província sergipana foi também, por

outro lado, uma forma encontrada para resolver, definitivamente, o problema da

qualificação docente tão criticado por outros presidentes em décadas anteriores. A partir daí

diminuiriam as críticas e reclamações contra os professores. Os que conseguissem

aprovação já entrariam habilitados no que rezariam as determinações legais de Província.

Assim como o professorado da escola primária sofreu por mudanças na década de

cinqüenta, o corpo discente também passou por exigências. O alunado não era, como se

poderia pensar, constituído por qualquer um. Houve limitações e exigências na matrícula da

escola de primeiras letras. No Regulamento de 1858 havia uma série de restrições com se

pode ver através do que estava previsto nos artigos 56 e 57.

Art. 56. As matriculas são gratuitas, e ficão exculuidos della. § 1. Os meninos, que soffrem molestias contagiosas. § 2. Os escravos. § 3. Os menores de 5[cinco] anos, e os maiores de 16 [dezesseis]. § 4. Os que houverem sido expulsos competentemente. Art. 57. Os não vaccinados, por ora, em quanto se não acha sufficientemente propagada a vaccina, não serão excluidos da matricula; mas deverão logo os professores participar ao encarregado da vacinação do logar mais proximo quaes os alunos, que se achão em taes circustancias. 114

Pode-se dizer que o Império também tinha objetivos claros com relação aos que

pretendiam cursar a escola primária: diminuir gastos com os alunos, racionalizando

despesas. Veja-se, por exemplo, um aluno com doença contagiosa. Pelo contato físico que

havia entre os alunos, a transmissão para outro se daria em pouco tempo e, com isso, a

Província teria que gastar com medicamentos, pois, os alunos por serem pobres não

possuiriam condições de comprar medicamentos.

No caso da criança escrava havia a proibição para a freqüência da escola por questões

óbvias: escravo era admitido como aquele que não possuía alma. E se assim era concebido

então não possuía também inteligência. Até porque negro era escravo. E escravo não era

visto como gente, era mercadoria como outra qualquer.

A lei educacional de 1858 ao determinar em outros artigos que as divisões das classes

seguiriam o critério de faixa etária, estava também uniformizando os alunos. Esse dado é

114 - Regulamento da Instrução Pública de 1858. Doc. Cit. p.14.

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74

relevante porque o método de ensino adotado foi o simultâneo por classes e para a obtenção

do sucesso era necessária a uniformização etária das classes dos alunos.

O Regulamento de 1858 teve vigência até a década de 1870 quando foi aprovado um

novo. Na década de sessenta as discussões travadas estavam relacionadas à obrigatoriedade

do ensino, à extinção da função dos alunos-mestres, à defesa da escola normal, ao problema

da mobília escolar, aos métodos de ensino e ao professorado.

A década de sessenta e a seguinte se caracterizaram como um período em que a escola

passou por processo de cientificidade enquanto instituição responsável pela regeneração da

sociedade. Os presidentes da Província imbuídos nas correntes cientificistas que

fervilhavam em outras partes do mundo e no Brasil de então criticaram as práticas culturais

existentes e determinaram outras.

A partir da década de cinqüenta, os intelectuais passaram também a enxergara

sociedade pelas lentes da corrente cientificista. Barros afirma que em meados dos anos

sessenta já se podia notar a influência do pensamento social de Augusto Comte.115 Ainda,

segundo o autor, é no ano de 1874 com a obra As Três filosofias, de Luiz Pereira Barreto

que o positivismo, especialmente no sul, começou a mostrar toda a sua eficácia na luta pela

transformação do país.116 Influenciados pelas correntes filosóficas européias, os

administradores provinciais olharam não mais para o passado como antes, mas sim para o

futuro e tentaram enquadrar o país na marcha da história.

O Regulamento de outubro de 1870 para nortear a instrução em Sergipe esteve

inserido nesse contexto de cientifização da sociedade brasileira, em especial a escola. A

intenção era tentar dar novo rumo à instrução pública da Província. Os pontos destacados

do novo documento foram a criação de um conselho literário, a determinações do ensino

obrigatório facultativo, ensino livre, severidade no concurso para provimento de cadeiras,

divisão da instrução elementar em duas classes -inferior e superior- escola normal e

instrução secundária.

A criação do Conselho Literário teve como finalidade examinar os melhores métodos

de ensino, inclusive os práticos, a escolha dos compêndios escolares, análise da proposta de

criação de cadeiras e melhoramentos da instrução. Como se pode perceber, esse órgão

115 - BARROS, Roque Spencer Maciel de. A ilustração brasileira e a idéia de universidade. São Paulo:

Convívio/Edusp, 1986. p. 116. 116 - Idem. p. 123.

Page 75: Dissertação de Luís Siqueira - UFS

75

funcionava como a cabeça pensante da Diretoria da Instrução Pública. O modelo de

educação que seria formulado daí por diante sairia do Conselho Literário. Participavam

desse órgão, o diretor da Instrução Pública, os professores de pedagogia e gramática

filosófica do Atheneu, além de outros.

O novo Conselho Literário, ao dividir o ensino primário em dois graus, agiu de forma

cautelosa na Província. Enquanto não havia escola normal para se aplicar novas

experiências pedagógicas foram escolhidas as cidades de Estância e Laranjeiras pelo fato

dessas duas localidades serem consideradas expressivas em termos sociais e econômicos.

Na primeira funcionou o ensino elementar inferior e para a segunda destinou-se para o

primário superior. A escola de Estância funcionaria para desenvolver os conhecimentos

preliminares, já a escola de Laranjeiras iria aperfeiçoar e aprofundar os conhecimentos da

anterior.117

A partir dessa forma de tratar a instrução podemos perceber como a escola começava

a se cientificizar. Não se admitia mais a transplantação de fórmulas prontas para a realidade

sergipana como fizeram os administradores das décadas anteriores. Daí em diante tudo teria

que passar pelo crivo da experiência para ver se o resultado daria certo. Se as experiências

dessem certo seriam adotadas em outros lugares da Província.

Junto com a criação de um órgão que melhor pensasse a educação provincial esteve

em pauta nos discursos presidenciais o problema do ensino obrigatório. Desde a década de

sessenta que vários administradores defenderam essa idéia para Sergipe, como se pode

averiguar no relatório do presidente da Província Evaristo Ferreira da Veiga em 1869.

Já que, infelizmente, nem todos os pais se compenetram de que seu primeiro dever é dar instrução e educação aos seus filhos, cumpre que o poder competente lance mão de qualquer medida coercitiva que os obrigue a cumprir o mais nobre e elevado de todos os deveres de um pai. O magnifico exemplo de Prussia e de outros paizes da Allemanha onde o ensino obrigatorio é adoptado em todo o seo rigor, nos deve convencer da vantagem de, pelo menos tornar menos livre a instrucção primaria entre nós. Para conseguir esse desideratum me parece que seria acertado a imposição de pequenas multas aos paes que não mandam seus filhos à escola quando chegam a idade conveniente, bem como àquelles que por um interesse mal entendido os retiram antes

117- Relatório do presidente Francisco José Cardozo Junior. IHGS. Sergipe: Tipografia do Jornal do Aracaju,

1867. p. 52.

Page 76: Dissertação de Luís Siqueira - UFS

76

de haverem sido approvados nas matérias que formam o da instrucção salvo o casos de extrema e reconhecida pobreza.118

O discurso do presidente trouxe nos ajudam a entender o porquê da defesa do ensino

obrigatório para Sergipe, principalmente quando se pensa na instituição familiar e no ideal

de sociedade que se pretendia erigir a partir da escola. Dá para se perceber como estava

claro para o administrador que um dos entraves para o bom desempenho da instrução estava

na instituição familiar. Faz-se necessário dizer: a família pobre.

Cunha demonstrou que para afirmar a escola no império brasileiro os dirigentes

lançaram discursos contra a família. Essa instituição passou a ser vista a partir das décadas

de cinqüenta e sessenta como inimiga da escola, como a grande vilã que emperrava o

projeto da Nação brasileira.119

As palavras que o presidente usou para atribuir competências à família foram

adequadas: o seu primeiro dever é dar instrução e a educação a seus filhos. Foi uma

chamada para algo que não era levado a sério pelos pais dos alunos. Não havia uma clareza

por parte dos pais quanto ao conceito de instrução e educação.

A obrigatoriedade exigida no Regulamento revelou um indício acerca do conceito de

infância no século XIX. Quando os administradores usaram da coerção para obrigar os pais

dos alunos a manterem seus filhos na escola estavam admitindo que a família menos

abastada não entendia o que era infância.120 Pelo documento podemos assim inferir que as

crianças pobres ainda eram concebidas por seus pais como um adulto em miniatura.

Concebendo a criança enquanto miniatura de adultos, os pais dos alunos estavam

dispensando toda especificidade da criança enquanto criança que necessitava de uma

intervenção para formar seu caráter e sua inteligência. Portanto, os pais dos alunos não

entendiam que um dos meios que contribuíam para a formação da criança em um ser adulto

seria a instituição escolar.

118- Relatório do presidente Evaristo Ferreira da Veiga. IHGS. Sergipe: Tipografia do Jornal de Sergipe,

1869. p. 18. 119- Uma relevante discussão entre a oposição escola/família pode ser encontrada em CUNHA, Marcus

Vinícius. A escola contra a família. In: LOPES, Eliane Marta Teixeira, FARIA FILHO,Luciano Mendes, VEIGA, Cynthia Greive (Orgs.). 500 anos de Educação no Brasil. Op. Cit. pp. 447-468.

120 - ARIÉS afirma que o conceito de infância é uma invenção da modernidade européia e que na Idade Média a criança era tratada como adulto.

Page 77: Dissertação de Luís Siqueira - UFS

77

Ao defender o ensino obrigatório, o presidente estava também representando a família

como uma instituição que além de não entender a importância da escola para seus filhos,

não entendia o papel que a instrução teria para o progresso socioeconômico da nação. Se os

pais não entendiam o que seria a instituição escolar cabia ao Estado imperial a forçá-los a

garantirem as crianças na escola . Dessa forma, o Estado estava também interferindo na

instituição familiar.

A partir da representação da família pobre sergipana podemos entender porque a

escola na Província foi criticada e ao mesmo tempo foi tão defendida. Exigia-se que a

família garantisse seu filho na escola porque essa era concebida como a instituição sine qua

non capaz de educar e instruir. Podemos assim perceber como o Estado tomava

paulatinamente para si a responsabilidade de educar os menos favorecidos.

Outra coisa que precisa ser ressaltada em relação ao tratamento que os

administradores davam aos pais dos alunos que viviam em extrema pobreza é a

compreensão pela situação econômica. Os pais que comprovassem atestado de pobreza não

seriam obrigados a pagarem as multas indicadas, pelo menos foi o que o presidente deixou

subentendido no discurso. Seria impossível cobrar daqueles que não possuíam nada. Mas,

com, isso não isentava a família de zelar pela criança na escola.

Vale ressaltar que o Regulamento de 1870 determinou o ensino obrigatório, mas de

caráter facultativo e não imperativo. Esse era um dado importante porque estava eivado de

problema quando se podia pensar no conceito de liberdade. Havia clareza por parte dos que

defenderam o ensino obrigatório de que a liberdade era um direito. A obrigação do ensino

não significava a perda da liberdade. Se o Estado estava retirando da pessoa o direito de

liberdade, estava reduzindo, podemos assim dizer, a uma condição de escravo.

Um indício de que a escola estava passando por processo de cientifização, e que

esteve ligado ao mesmo problema do ensino obrigatório, foi a determinação da liberdade

para o ensino livre para as escolas de primeiras letras. De acordo com essa medida,o

Império brasileiro não mais passava a fazer imposição de doutrinas porque assim estaria

violando o direito de liberdade. Ficava assim o ensino elementar livre à concorrência de

doutrinas que melhor aprouvesse.

O ensino livre, dessa forma, aparece como o complemento necessário da tarefa pedagógica que está no cerne do cientificismo ilustrado. A liberdade de ensino, sem

Page 78: Dissertação de Luís Siqueira - UFS

78

quaisquer limitações, é por ele concebida como a condição sine qua non do êxito de sua missão educadora. 121

Outro ponto importante que o Regulamento deu ênfase recaiu no problema da

habilitação do professor e na (re) criação da escola normal. Enquanto não se efetivava a

institucionalização da escola, o Governo provincial, na tentativa de moralizar o quadro

docente, colocou todas as cadeiras a concursos. Os concursos resultaram numa grande

reprovação dos candidatos, o que levou o presidente a suspendê-los até que a escola normal

estivesse funcionando.122

Cabe ressaltar que o Regulamento de 1870 teve força de lei provisória. Pode ser visto

como um esboço do modelo de educação que se tentava estabelecer na Província a partir

das influências científicas que circulavam pelo Brasil. Em 1873, com a reformulação da

instrução, o ensino primário passou a ser de competência das câmaras de vereadores. Outra

novidade foi a determinação da idade de sete anos para o início da escolarização.123

A década de setenta foi a que mais se destacou em quantidade de leis educacionais.

Em 21 de abril de 1874 pela Resolução n.° 969, o governo provincial implementou

alterações no Regulamento de 1870. Um ano depois, pela Resolução de 20 de abril, mais

uma vez se alterou o ensino primário na Província, suprimindo um grau. No entanto houve

uma ampliação do currículo.

Art. 8. O ensino primario publico será na provincia apenas de um grau, sendo o seu programa : 1. Insrucção moral e religiosa, comprehendido o resumo de historia sagrada. 2. Leitura e escripta, comprehendida a declamação de versos. 3. Grammatica da lingua nacional. 4. Arithmetica em suas differentes operações por numeros inteiros, fraccinarios e

decimaes. 5. Systema metrico. 6. Elementos de geographia universal e historia do Brasil. 7. Elementos, de geometria e desenho linear.

Nas escolas de o sexo feminino o ensino comprehenderá demais - trabalhos de agulha e outros analogos ao sexo, e nas do sexo masculino- noções geraes da constituição politica do Imperio e de agricultura, pela leitura exercicios de cór d’aquella e de uma epítome desta adoptada pela diretoria da instrução.124

121 - BARROS, Roque Spencer Maciel de. Op. Cit. p. 194. Grifos do autor. 122 - NUNES, Maria Thetis. História da Educação em Sergipe. Op. Cit. p. 116. 123 - Idem. p. 125. 124 - FRANCO, Cândido A. P. Op. Cit. p.156-157.

Page 79: Dissertação de Luís Siqueira - UFS

79

O currículo adotado se diferenciou dos das décadas antecedentes, quando foi incluído

o ensino de noções agrícolas, sistema métrico, ensino de geografia, entre outros. A intenção

era desenvolver na criança noções para se trabalhar na agricultura, no comércio e na

sociedade. Podemos inferir que a partir daí era um currículo eivado de influências

utilitaristas. Como o Brasil do século XIX estava voltado para a agricultura nada melhor

que desenvolver a economia do país através das instruções teóricas que seriam dadas na

escola.

A partir do que se tentou construir acerca da organização da instrução primária na

província de Sergipe é possível perceber como funcionou esse ramo de ensino, quais os

seus objetivos, os entraves enfrentados e as representações que fizeram da instituição

escolar no decorrer das décadas.

Tentou-se mostrar como a classe administrativa provincial procurou afirmar a escola

primária como uma instituição que seria capaz de tirar o indivíduo do mundo da desordem.

Portanto, a escola não deixou de estar fora dos planos dos administradores da Província, daí

a ocorrência de tanta reclamação a cerca das condições do processo de escolarização da

população. Instruir a sociedade era uma das necessidades desse momento como garantia

para se manter a ordem e a estabilidade do Império.

Acreditamos que o Regulamento de 1858 e o de 1870 circunscreveram o modelo de

organização escolar concebido e consolidado. Esse modelo foi uma mescla da influência

que vinha de fora do país com o que os administradores sergipanos esboçavam para a

população escolarizável. Mesmo as leis aprovadas após esse período continuaram trazendo

novas influências pedagógicas que agitavam a Europa e o Brasil, o que atesta que os

intelectuais sergipanos bebiam dessa fonte e tentavam dar contribuições ao processo de

construção da Nação brasileira.

A persistência nesse ramo de ensino por parte dos que foram responsáveis pela

instrução residia no fato de que a Província sergipana só seria moderna se combatesse o

problema da ignorância afirmando escolas. E para isso a necessidade maior residiu na

organização de corpo de funcionários para dar autoridade a escola enquanto instituição

civilizadora da sociedade.

Page 80: Dissertação de Luís Siqueira - UFS

80

A escola a partir da década de cinqüenta começou a sofrer um novo processo, passou

a ser estruturada. Verificou-se que a organização dessa instituição começou pela

organização de um órgão competente capaz de não só fiscalizar, mas também zelar pela

instrução além de regulamentar o trabalho docente e o espaço interno da escola.

A avalanche que a instrução primária passou a sofrer a partir da segunda metade do

século XIX dava sinais de que a construção de um país moderno dependia também de todos

aqueles que estavam envolvidos com instituição escolar. Para que essa façanha desse certo

foram necessárias a instrumentalização do corpo docente e a regulação do tempo escolar

que vinha atrelado a adoção de método de ensino.

No próximo capítulo serão descritos os métodos de ensino adotados nas escolas de

primeiras letras sergipanas.

Page 81: Dissertação de Luís Siqueira - UFS

81

CAPÍTULO II

DA DESCRIÇÃO DOS MÉTODOS

Neste capítulo objetiva-se descrever os métodos de ensino simultâneo e mútuo.

Tomaremos como base para realizar as descrições o Manual das Escolas Elementares

D’Ensino Mútuo125 e Manual Completo de Ensino Simultâneo126 traduzidos por João Alves

Portella e Manoel Correia Garcia. 127 Os manuais foram confeccionados por M. Sarazin,

professor do curso especial de ensino mútuo da cidade de Paris. Segundo Silva, esses

manuais foram as principais obras didáticas utilizadas na Escola Normal da Bahia e

normatizaram por muito tempo a cadeira de Métodos e toda prática de futuro professores

em suas aulas de primeiras letras. 128 A impressão dessas obras na Província baiana ocorreu

até o final da década de sessenta. 129

Cabe ressaltar que essas obras não são traduções do manual elaborado pelos irmãos

das Escolas Cristãs nem do manual elaborado por Andrew Bell e Joseph Lancaster, mas

estratos de manuais confeccionados a partir daqueles para serem utilizados nas escolas

normais parisienses. Para tanto, a descrição dos métodos que se faz neste capítulo também

não parte dos manuais originais como fizeram os franceses, mas dos manuais citados no

parágrafo acima.

A escolha da descrição dos métodos a partir dos dois manuais sobre os métodos de

ensino simultâneo e mútuo se deu por duas razões. A primeira se justifica no insucesso da

pesquisa na busca, de versão em Língua Portuguesa, nos arquivos e bibliotecas sergipanas.

125 - PORTELLA. João Alves; SARAZIN, M. Manual das Escolas Elementares D’Ensino Mútuo. Bahia:

Tipografia de A. O. da França Guerra e Comp. 1854. (BPEB-SSA). 126 - PORTELLA, João Alves. Manual Completo de Ensino Simultâneo. Bahia: Tipografia de Camillo de

Lellis Masson & C. 1868. (BPEB-SSA). 127 - João Alves Portella e Manuel Correia Garcia foram advogados que quando estudantes da Escola Normal

de Paris receberam a missão de traduzir os manuais sobre os métodos de ensino mútuo e simultâneo para serem aplicados na Escola Normal da Bahia.

128 - SILVA, José Carlos de Araújo. O Recôncavo baiano e suas escolas de primeiras letras (1827-1852): um estudo sobre o cotidiano escolar. Salvador: Universidade Federal da Bahia, 1999. p. 76.

129 - Idem.

Page 82: Dissertação de Luís Siqueira - UFS

82

Pesquisamos na Biblioteca Nacional e no arquivo Nacional via on line e não obtivemos

respostas. A segunda razão, e a mais viável, consistiu em fazer a descrição dos métodos

pelos manuais que circularam na Província baiana. Provavelmente esses manuais

circularam também na Província sergipana.

O indício de que os manuais sobre métodos de ensino baianos circularam em Sergipe

no século XIX pode ser encontrado na semelhança entre aqueles e os regulamentos e

regimentos internos das escolas primárias adotados para a Instrução Pública sergipana no

trato da organização das escolas de primeiras letras, principalmente o Manual de Ensino

Simultâneo. Acreditamos que os administradores responsáveis pela Instrução Pública

sergipana conheciam os manuais que circulavam na província vizinha. Outro indício que

sustenta nossa hipótese é o fato de muitos professores solicitarem ao diretor da Instrução

Pública e ao presidente da Província licença para irem estudar na escola Normal da Bahia.

Começaremos descrevendo o método simultâneo e em seguida o mútuo.

2.1 – O Método Simultâneo 2.1.1 - Aspectos Gerais

O Manual de Ensino Simultâneo traduzido por João Alves Portella determinava o

número de trinta a cem alunos para uma escola que funcionasse com esse método. Esses

alunos eram divididos em grupos ou classes; cada classe era composta por um número ideal

de oito alunos ou discípulos sentados em um banco e uma carteira; mas a quinta classe seria

composta de dezesseis a vinte alunos. 130 O número de classe era estipulado em cinco. A

classe era concebida pelo domínio que os alunos possuíssem dos rudimentos da leitura, da

escrita e da aritmética, além dos da doutrina cristã e prendas domésticas, no caso da escola

feminina.

130- No Manual de Ensino Simultâneo aparecem as terminologias discípulos e alunos. Assim, por respeito às

determinações paleográficas seguiremos a terminologia que aparecer no texto.

Page 83: Dissertação de Luís Siqueira - UFS

83

2.1.2 - A forma da escola

Para que uma escola de ensino simultâneo funcionasse de forma adequada era

necessário que esta fosse da forma de um quadrilátero. Mas caso se já existisse algum local

era preferível que as mesas fossem do tamanho da classe.

A disposição das carteiras deve ser paralela, com duas ordens de discípulos assentadas

uns em frente dos outros, de tal forma que combine com a forma da escola. Assim, a ordem

se mantenha com mais facilidade em uma sala onde o professor, de um só lançar de olhos,

veja todos os discípulos e, por conseguinte, todos os discípulos devem ter os olhos voltados

para o mestre.

A escola tinha que estar em um local bem arejado, para que evitasse a umidade. Se,

porém, o lugar fosse baixo e úmido dever-se-ia cobrir o terreno com um soalho em altura

conveniente. O teto deveria ser alto, a fim de que girasse na sala tal porção de ar. As janelas

deveriam ser suficientemente elevadas com uma parte em vidro acima do chão para que os

discípulos não pudessem ver o que se passava na rua; se fossem baixas suprimiam-se os

vidros da parte inferior de cada janela. As paredes da escola deveriam ser alvas para que, se

preciso fosse, pudessem escrever na parte superior com grandes caracteres os sons simples

e compostos, as articulações, os algarismos e as figuras elementares do desenho linear.

Era necessário que a escola tivesse uma ante-sala onde o professor reunisse os

discípulos antes da entrada para aula. Nesse espaço, o professor todas as manhãs e

imediatamente antes da classe, passava a revista de asseio em todos os alunos nas mãos,

rosto, orelhas e roupas.

A escola também havia latrinas. Estas deveriam ser bem conservadas com maior

asseio. A vigilância do professor deveria ser incansável e nunca permitiria aos meninos que

saíssem ao mesmo tempo, e deve exigir que o último que entrar diga em voz baixa quando

as latrinas estão sujas.

Por fim, o Manual de Ensino simultâneo determinava que houvesse uma fonte na

ante-sala, com um vaso por baixo e alguns copos de folhas de flandres, cuja água sairia por

uma torneira.

Page 84: Dissertação de Luís Siqueira - UFS

84

2.1.3 - O Mobiliário da Escola

O mobiliário da escola começava pela cadeira do professor que estava localizada

sobre um estrado de 16 a 24 polegadas de altura, com o intuito de que todos os alunos

vissem ao mesmo tempo o professor e este de um só olhar vissem todos.

A escola de ensino simultâneo funcionava com jogo de carteira e banco, unido por

uma travessa. O número ideal de carteiras e bancos que deveria conter na sala seria de sete.

A distância entre a carteira e o banco era de 12 palmos. E ainda pregados no soalho.

O comprimento da carteira se achava multiplicado pelo número de discípulo que

deveria sentar a um espaço de 2 palmos; a sua largura deveria ser de palmo e meio e a

altura de 32 polegadas; a sua inclinação era de uma sobre quatro.

Na superfície das carteiras eram encaixados, ordinariamente, os tinteiros de chumbo.

Um servia a dois discípulos. Ainda eram colocados os traslados defronte para os discípulos

(alunos) copiarem. Para isso os traslados eram fixados nos fios de ferro fixados nas duas

extremidades da carteira, horizontalmente. Essas astes, de seis polegadas de altura, eram

atravessadas pelos fios que, nesse lugar, se podiam fixar por meio de um parafuso.

Na beira superior da carteira era aberto um entalho para o depósito dos lápis e penas.

À beira da carteira havia uma estreita guarnição para amparar os cadernos e os lápis.

Havia também as pedras. Essas eram de uso individual sendo fixadas nas carteiras.

Elas eram fixadas na superfície da madeira. Os discípulos para limpá-las traziam ao

pescoço uma esponja pendurada.

O uso das pedras era, além de útil, pouco dispendioso. As pedras menores eram

riscadas para bastardo, as de tamanho médio para bastardinho, e as maiores, pertencentes a

ultima classe, não se riscavam. Para esse tipo de pedra usava-se lápis de pedra em canivete

de metal.

No entanto, faz-se necessário distinguir as pedras individuais de um outro tipo de

pedra que era utilizada pelo professor: a pedra ou tábua ou tábua preta para operações

aritméticas, com dimensões de 8 a 10 palmos de largura e 5 de comprimento. 131 Esse

objeto deveria está situado ao lado do professor que estava sentado em uma cadeira,

131 - A terminologia pedra ou tábua preta corresponde ao que hoje conhecemos como quadro - negro.

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85

localizado em frente aos alunos, sentado a uma mesa sobre um estrado. Nela, o professor ou

mandava escrever com giz ou ele mesmo escrevia os exercícios de aritmética ou ortografia.

O mobiliário da escola era completado com o retrato do monarca ou imperador e um

crucifixo, ambos colocados acima do estrado onde estava localizado o professor. A intenção

era educar os alunos com os valores religiosos e fazer lembrar, a todo o momento, a seus

deveres não só para com Deus como também para com o Soberano.

Ainda era determinada a utilização do relógio para a regulação do tempo, pois cada

matéria de ensino estava submetida a um tempo regular.

Para manter a regularidade e a ordem da escola eram utilizados apitos e campainhas.

Esses objetos são os sinais de comandos para as tarefas que os alunos têm que cumprir.

Todas as ações passavam por determinação destes sinais.

Por fim, o que completava o mobiliário da escola era o armário, utilizado para

guardar os utensílios da escola. Nesse mobiliário, o professor colocava os cartazes com

dizeres como falador, mentiroso, desobediente, preguiçoso etc. para os castigos dos alunos.

Esses cartazes se grudavam em pedaços de papelão para serem pendurados aos pescoços

dos alunos.

2.1.4 - Os Agentes do Ensino

No Método de Ensino simultâneo o professor era o agente principal do ensino. Porém

se a escola fosse numerosa o professor poderia nomear decuriões (conhecidos como

decuriões gregos). Esses discípulos eram em número de seis e chamavam-se de decuriões

gerais. Cada um deles empregava-se por um dia inteiro, sentava-se em uma cadeira, diante

de uma mesa, ao lado do professor.

Havia também os decuriões de carteira. Em cada divisão132 o professor escolhia na

divisão superior um decurião de carteira para dirigir todos os exercícios determinados pelo

professor. No entanto, na quinta divisão ou classe são escolhidos dois decuriões de carteira

caso a escola funcione em duas sessões; um auxiliava pela parte da manhã e outro pela

parte da tarde. Cada decurião era responsável pela inspeção da sua classe; toma nota dos

132 - No Manual aparece os termo divisão, equivalendo a classe.

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discípulos que conversassem ou procedessem mal, mas não deveria altear a voz, porque

assim ocasionaria perturbação.

A nomeação dos decuriões tanto os gerais como os de carteira era feita pelo professor

na presença dos demais companheiros, dando a estes toda solenidade possível. Dessa

forma, os nomes dos decuriões eram escritos no quadro de honra, sobre o qual o professor

costumava chamar atenção dos visitadores. No caso da ausência de algum decurião era logo

nomeado um substituto.

2.1.5 - Os Registros

Para um bom funcionamento da escola se fazia necessário registro para garantir a boa

administração e controle. O Manual determinava seis tipos de registro:

1 - O registro de inscrição dos discípulos;

2 - O registro de chamada;

3- O registro do resultado da chamada;

4- O registro de receita e despesa;

5- O registro dos aspirantes;

Cada registro cumpria uma função de controle, administração, além de levantar

conhecimentos sobre os alunos. Por exemplo, no registro de inscrição dos discípulos

continham, em ordem alfabética, os nomes dos alunos da escola, sua idade, a profissão dos

pais, a sua morada, a indicação de classe em que o aluno entrou e saiu e o tempo que nelas

gastaram, como se pode visualizar neste o exemplo de registro de inscrição que está no

Manual.

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87

QUADRO 02

Registro de inscrição

leitura escrita Nomes idade Profissão

dos pais

Moradas

ruas 1 2 3 4 5 1 2 3 4 5

observações

Paulo 14 anos carpina S. Pedro

n° 7

15/1 19/2 30/1 15/1 Em seguimento se

devem traçar trez outras

divididas recentes, para a

arithimetica, e o desenho

linear.

Fonte: PORTELLA, João Alves. Manual de ensino Simultâneo. Bahia: Tipografia de Lellis Masson & Cia. 1865.

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88

2.1.6 - Os Meios Disciplinares

Os meios disciplinares de uma escola que funcionava com o método simultâneo

eram seis:

1- Decuriões gerais e decuriões de carteira;

2- Registro;

3- Divisão do tempo, e das matérias de ensino;

4- Comandos;

5- Recompensas e castigos;

6- Exames.

Por já termos tratado dos decuriões, dos registros vamos tratar dos outros itens de

forma separada.

2.1 6.3 - Da divisão do tempo e das matérias de ensino.

Na escola simultânea, o tempo era ferramenta fundamental por permitir um controle

e assim dar regularidade ao processo de ensino. Para cada matéria de ensino era

determinado um período da aula na forma em que as cinco classes que compunham a

escola estivessem ocupadas.

A cada divisão de escrita o professor dispenderia pouco mais ou menos doze minutos

de atenção. Mas as divisões da classe de lição devem durar dezoito minutos até que os

alunos terminassem a leitura dos livros ou textos. Já cada divisão de escrita deveria durar

doze minutos, principalmente nos trabalhos de cópia de traslados. Para classe de

aritmética seria determinada meia hora, sendo que cada divisão ficaria com seis minutos

para os exercícios. Desse modo, no final da sessão cada divisão teria por dia trinta e seis

minutos de lição de leitura, vinte e quatro de escrita e doze de contas, totalizando setenta e

dois minutos de aprendizagem para cada divisão ou classe. Esse tempo poderia ser

também esquematizado da seguinte forma:

Page 89: Dissertação de Luís Siqueira - UFS

89

A - Classe da manhã

7 horas .............................. Revista e asseio

6 horas e 45 minutos.............O professor e o decurião geral aparavam as penas e separavam os cadernos de escrita.

7 horas e 10 minutos..........Oração

7 horas e 15 minutos..........Lições de gramática

8 horas...............................Classe de escrita

9 horas...............................Classe de aritmética

10 horas e 50 minutos.......Oração

11 horas.............................Saída da escola

B - Classe da tarde

1 hora e 45 minutos...........Oração e chamada

2 horas...............................Recitação do catecismo

3 horas.............................. Classe de desenho linear

4 horas...............................Lições de gramática

5 horas...............................Distribuição de prêmios

6 horas e 15 minutos.........Distribuição saída por quarteirões

Desse modo, enquanto uma classe estava ocupada com a escrita, outra estava

aprendendo a somar ou a diminuir como se pode ver na divisão do tempo. É importante

chamar atenção para o fato de que uma classe de leitura, por exemplo, podia conter três ou

mais divisões, a depender da necessidade do professor.

2.1.6.4 - Os Comandos

Para se manter a ordem e regularidade nos exercícios empregavam-se comandos já

conhecidos dos alunos. Eles eram transmitidos pelo apito, pela companhia e por sinais.

Desse modo, desde o entrar na sala de aula até o momento de saída, cada atividade era

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90

regulada por esses dispositivos. Pode-se mostrar os dispositivos de sinais e comando

exemplificando a sessão da aula da manhã.

Aula da manhã

Para fazer cessar a bulha na ante-sala------------ Comando 1°------Um toque de apito

Para mandar dividir os meninos ------------------Comando 2°------Diz o decurião em em classe de

escrita. Para designar os decuriões de carteira para as respectivas classes -----------Comando 3°------5ª classe: fulano; 4ª classe: cicrano, e assim por

diante.133

Execução

Os discípulos cumprimentavam o professor e se dispunham para a revista de asseio

em fileiras afastadas três pessoas uma das outras. O professor começava a revista

acompanhado do decurião, que trazia lápis, e papel para escrever os castigos, que pelo

professor eram dados aos discípulos pouco assiados. Estes, com as cabeças descobertas,

estendiam as mãos, que mostravam por ambos os lados. Se elas não estão limpas, eles

trazem o rosto sujo, a roupa e o calçado rotos, o professor ordenava-lhes o asseio e a

decência, castigava-os quando eles reincidiam, tomava a respeito uma lembrança para se

queixar à família (comandos 1°).

A essa voz eles se dividiam logo em cinco classes, e cada menino tomava o lugar

que ocupava no fim da classe de escrita (comando 2°).

À medida que eram chamados, eles iam deixando as fileiras para irem pôr à testa de

suas respectivas classes. O decurião geral entregava-lhes o distintivo de decurião de

carteira

(comando 3°).

133 - Antes dessa chamada o professor já tinha nomeado com toda solenidade os decuriões.

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91

Para mandar entrar os discípulos para a sala de classe-----------Comando 4° - um toque de apito.

Pra mandá-los ajoelhar para oração---------------------------Comando 5° - toca-se a campainha e mostra-se o

crucifixo. Para que os meninos se sentem--------------------------------------Comando 6° - três toques

de campainha

Campainha.

Para ordenar a chamada aos decuriões-----------------------------Comando 7°- um toque de apito: notai os Ausentes.

Execução

O decurião entrava na sala do estudo, colocava-se no estrado para presidir o

movimento geral, chamava à ordem os que dela se afastavam. O professor punha-se na

porta da sala da parte de fora e dava o sinal no apito: os discípulos marcavam de leve o

passo com os braços cruzados; a 5ª classe entrava em primeiro lugar, depois a 4ª classe ,

seguia-se a mesma marcha com as outras. Estas classes eram conduzidas pelos seus

decuriões que marchavam fora de linha (comando 4°).

Os discípulos ajoelhavam-se nos bancos e cruzavam os braços esperando a oração

em profundo silêncio; o decurião e o professor, de joelhos no estrado, punham-se de modo

que ficavam voltados para o crucifixo. Então o professor tirava a oração n°1 e o decurião

respondia (comando 5°).

Ao primeiro toque eles começavam a sentar nos bancos, o segundo entrava e o

terceiro restabelecia o silêncio e o professor subia no estrado (comando 6°).

Os decuriões tomavam os registros e procediam à chamada e assim que chegavam ao

estrado o professor mandava que escrevesse no registro o resultado da chamada (comando

7°).

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Para mandar começar a recitação da gramática------Comando 8°-- um toque e apito e a palavra gra- mática. Para fazer vir outra divisão ao estrado e para que se retire a que aí está------------------------------Comando 9°--- três toques de apito.

Execução

O decurião da 5ª divisão trazia os seus discípulos e os dispunham ao redor da mesa

do professor que interrogava em primeiro lugar ao mesmo decurião para que este pudesse

depois seguir os seus companheiros na recitação, e assim ajudá-los. De tempo em tempo

podia o professor mandar argumentar os discípulos e então recompensava os que melhor

respondesse. Estes argumentos não deveriam ser praticados por mais de duas vezes por

semana para não perderem o mérito da novidade. Ao tempo que o decurião da 5ª classe

chegava ao estrado, os da 1ª e 2ª dispunham-se para formarem grupos em torno dos

quadros de leitura que estavam suspensos nas paredes (começavam as perguntas dos

decuriões). Se havia segunda sessão na 5ª classe, o professor mandava vir

simultaneamente- era sem dúvida uma classe numerosa, mas havia muita perda de tempo

em tomar as duas sessões uma após outra,seria preferível organizar seis divisões

(comando 8°).

Ao primeiro (toque de apito), os discípulos, que tinham de partir saiam dos bancos e

ficavam de pé, os que estavam com o professor se preparavam para deixá-lo; ao segundo

(toque de apito), a quinta divisão retirava-se e a quarta aproximava-se do estrado pelo lado

oposto ; ao terceiro (toque de apito), a divisão que circulava o professor dispunha-se para

dar lição e a que deixou se sentar principiava logo outra ocupação (comando 9°).

Para mandar formar as classes de escrita----------------Comando 10 -- em classe de escrita e toque de apito.

Page 93: Dissertação de Luís Siqueira - UFS

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Para começar escrever-------------------------------------Comando 11-- um toque de campa- inha, o movimento com a mão, como quem escreve Para mandar corrigir qualquer classe----------------Comando 12-- ---- o professor faz com a mão um

movimento horizontal de direita

para esquerda. Para mandar trazer os traslado para se guardarem e examinar o seu estadode aceio--------------------- --------------------Comando 13--- - -- um toque de apito.

Para mandar cessar a escrita e começar a aritmética--------------------------------- Comando 14-- ---- - em classe de aritmé- tica e um toque de apito.

Execução

Dissemos que ao entrar os discípulos foram organizados em classes de escrita; se

estas não correspondessem inteiramente a recitação das suas lições, para escreverem,

voltavam à primeira classificação (comando 10).

Os discípulos tomavam a pena e começavam a escrever (comando 11).

Todos os discípulos aproximavam os seus cadernos do decurião de carteira, de modo

que se toquem; o professor os examinava, marcando com um lápis a ordem dos lugares; na

melhor escrita punha o n.° 1, na segunda o n.° 2, e assim por diante. Esta nova ordem era a

que se seguia na entrada da classe da tarde (comando 12).

Logo que o professor passava à correção da certeira imediata, o decurião tirava o

traslado e o apresentava ao decurião geral que o examinava e tomava nota do seu bom ou

mau estado para o dizer ao professor no fim da classe da manhã (comando 13).

Ao toque de apito, os discípulos da 1ª e 2ª divisões limpavam as pedras e

começavam a traçar os algarismos que lhes eram ditados e quando queria o professor que a

quinta classe viesse à pedra grande, mostrava-a com a mão e o decurião se aproximava

com os seus discípulos (comando 14).

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Para vir outra divisão de aritmética-------------------Comando15 -----três toques de apito.

Para passar às classes de leitura----------------------------Comando16------Em classe de leitura - e um toque de apito. Para mandar começar a leitura-----------------------Comando17-----Um toque de apito.

Para mudar de método--------------------------------Comando18------Dois toques de apito.

Para designar os lugares de leitura------------------Comando19------o professor diz, fulano1°

cicrano 2° etc. Para que os meninos se ajoelhem-------------------Comando20-------como no n.° 5.

Execução

O mesmo que no nono comando (comando15).

Ao toque de apito os discípulos iam tomar fileira nas classes de leitura. Os decuriões

de escrita, se não eram de leitura, cediam tais lugares aos que os obtinha como recompensa

na última classe de leitura e lhes davam o sinal de decurião (comando16).

A esse sinal o decurião da 5ª divisão se aproximava com ala ao estrado, os discípulos

com os seus livros abertos se dispunham a começar a lição. Se havia suficiente lugar em

torno da classe para formar quatro grupos, os decuriões da quarta, da terceira e segunda

dispunham os seus discípulos ao longo das paredes, colocavam-nos em semicírculos em

torno de um quadro de leitura e começava a lição (comando17).

A esse sinal os decuriões de cada classe mudavam logo e passavam ao segundo

método (comando18).

Na imediata lição de leitura estas designações serviam para a classificação dos

discípulos (comando19).

Os discípulos ajoelhavam-se nos bancos e cruzavam os braços, o professor tirava a

oração número 2 e o decurião respondiam: amém (comando 20).

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Para mandá-los levantar----------------------------------------Comando 21----o professor levanta-se.

Para mandar sair dos bancos-----------------------------------Comando22----um toque de apito e movi- mento horizontal com as mãos. Para preparar os discípulos para saírem em ordem da escola------------------------------------Comando23--- o professor diz: por quarteirões. Para mandar sair da escola-------------------------------------Comando24----dois toques de apito.

Para fazer cessar a bulha na ante-sala-----------------------Comando25-----um toque de

apito.

Execução

Todos os discípulos imitavam o professor (comando21).

Os meninos levantavam-se, tomavam seus chapéus e colocavam-se por divisões de

leitura ao longo das paredes (comando22).

A essa voz eles se dispunham por quarteirões e um condutor previamente designado

punha-se à frente de cada divisão. Estes condutores deviam escolher entre os discípulos

maiores e mais ajuizados para servirem como tais até que fossem substituídos por outros

(comando23).

Ao 1° toque os discípulos se voltavam para o lado da porta; ao segundo marcavam o

passo. O primeiro quarteirão desfilava e saudava o professor que estava ao lado da porta

enquanto o decurião geral inspecionava os alunos. Quando o professor queria que o

segundo desfilasse dava toque de apito; seguia-se a mesma marcha com os outros

(comando24).

Comando 25 (vide comando n.01).

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Para mandar preparar os discípulos a se organizarem em classes------------------------------Comando26 — em classe de leitura. Para mandar recitar o catecismo e as rezas-------------Comando27----em classe de catecis- mo- e um toque de apito. Para retirar uma divisão e vir outra----------------------Comando28----três toques de apito. Para distribuir os prêmios--------------------------------Comando29-----três toques de apito.

COMA�DOS PARTICULARES

Para entrar uma classe de desenho linear-----------------------------------------Comando30-----em classe de desenho

um toque de apito. Para mandar vir uma classe à pedra-------------------------------------------Comando31------um toque de apito e as palavras: tal classe de desenho.

Execução

Comando 26(vide comando n. 02).

Ao toque de apito a quinta divisão levantava-se e saia da fileira; à palavra catecismo,

acompanhada do seu monitor ela ia se dispor ao redor do estrado do professor

(comando27).

Comando 28 (vide comando n.09).

O decurião geral ia com os de carteira ao estrado do professor; este ouvia as

observações e notas de cada decurião de carteira, proclamava os alunos que mereceriam

prêmios e os entregava aos monitores para imediatamente distribuí-los (comando29).

Os discípulos se dividiam em cinco classes que desenhavam em pedras ou em

cadernos oblongos (comando30).

A classe designada punha-se ao redor da pedra grande e o professor dava a lição

(comando31).

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Para mandar restabelecer o silêncio-------------Comando32---------- um toque de apito e sinal para continuar a ler ou escrever.

Para castigar qualquer discípulo----------------Comando33----------o professor fita os olhos no aluno cul- pado, dirige o dedo para ele e volta pa- ra si.

Para suspender o castigo-----------------------Comando34------------o professor fita os olhos no aluno, volta o dedo para ele e depois para o seu lugar.

Se algum discípulo quer falar ao professor----------------------------------------Comando35-------------põe-se em pé em seu

lugar. Se algum discípulo quer sair para ir as latrinas-----------------------------Comando36--------------levanta a mão direita

para o ar.

Execução

Os discípulos ficavam imóveis e ao sinal de mão continuavam nas suas ocupações

(comando32).

O discípulo ia ao estrado e, ao pescoço, pendura-se-lhe um rótulo exprimindo erro

cometido; depois o professor designava com o dedo o lugar onde ele deveria pôr para ser

visto pelos outros (comando33).

O discípulo tomava seu lugar depois de ter largado o rótulo no estrado (comando34).

O professor o chamava a si, ou quando não, dirigia o dedo para baixo; então o

discípulo se sentava (comando35).

O decurião examinava se o telégrafo indicava ter alguém fora da classe e neste caso

o mandava sentar (comando36).

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2.1.6.5 - Recompensas e Castigos

Numa escola simultânea os alunos eram recompensados pelas suas ações, mas

também eram castigados pela má conduta e pela desobediência.

2.1.6.5.1 - Recompensas

O Manual de Ensino Simultâneo determinava uma série de recompensas e

premiações para os alunos com o intuito de excitar e manter a emulação na escola.

Segundo o Manual, o prêmio ocasionava prazer, lisonjeava o amor próprio, a ternura dos

pais e motivava o próprio professor para a alegria. Eis os prêmios que se davam na escola:

1° - Se o discípulo respondia com inteligência subiria um ou mais lugares acima dos

outros;

2° - O que no fim do exercício era o primeiro discípulo recebia o distintivo de

primeiro;

3° - O que se distinguia por constantes progressos recebia um bilhete de satisfação

que valia cinco prêmios;

4° - O que era considerado constantemente primeiro de uma classe passaria a

superior e seria elogiado pelo professor em presença de todos os discípulos;

5° - O que tivesse uma conduta exemplar e aplicada receberia do professor uma carta

para ser destinada à família e que, antes de ser enviada, era lida na sessão do

sábado em presença de todos os alunos;

6° - Inscrevia-se no quadro e honra o nome dos melhores alunos daí só seria

suprimido se eles cometessem alguma falta;

7° - Se o discípulo praticava alguma ação meritória o professor a narrava em voz alta

no maio da sala. Se a ação incitasse os demais alunos, o professor convidava o

diretor dos Estudos para realçar com louvor àquele que praticou a ação;

8° - Lançavam-se numa lista particular os nomes dos alunos que se distinguissem

pela sua boa conduta e energia moral para serem futuros decuriões;

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9° - Aos sábados à tarde o professor premiava os melhores discípulos com medalhas

contendo a efígie do Imperador que eram colocadas nos pescoços dos alunos por

uma fita ou corrente de metal.

Havia também na escola simultânea os prêmios que eram dados aos decuriões de

carteira e ao decurião geral. Aos melhores decuriões de carteira eram dados cinco prêmios

ao final do dia. Já o decurião, em geral, recebia dez.

Outra forma de se premiar ocorria através das cartas de méritos que eram dadas em

forma de bilhete de satisfação. Esses bilhetes possuíam duração de três meses. Cada um

desse valia vinte e cinco prêmios. Quatro cartas de mérito valiam um prêmio representado

por um objeto no valor de trezentos e vinte rs., pouco mais ou menos, equivalente a uma

porção de papel, ou de penas, esquadria , compassos, estampas , livros, etc.

Também antes das férias ocorria distribuição de prêmios para os alunos na presença

do diretor dos Estudos e de outras autoridades que eram convidadas. Numa escola de

cinqüenta a oitenta alunos o número de prêmios era estipulado em:

Um prêmio de virtude;

U de aplicação;

Um de decurião geral;

Cinco de decuriões de carteira;

Dois de leitura;

Dois de escrita;

Dois de aritmética;

Um de desenho;

Um de gramática;

E tantos outros que se faziam necessários. Esses prêmios consistiam em livros, e

noutros objetos acima indicados.

2.1.6.5.2 – Castigos

Segundo o Manual de Ensino Simultâneo, os alunos eram castigados pelo seu

péssimo caráter, indócil e pertinaz. Esses alunos agiam dessa forma por causa de sua

educação doméstica deficiente. Daí que não seria possível ocultar essa realidade. Desse

modo, a aplicação dos castigos possuía a intenção de acostumar os meninos à justiça.

Page 100: Dissertação de Luís Siqueira - UFS

100

Determinava-se que se castigassem os alunos com propósito, com calma e inflexibilidade,

só assim produziria o efeito esperado. E ainda que os castigos fossem raros para causar

maior impressão. Eis os tipos de castigos:

1- O discípulo que respondesse sem atenção, descia a um lugar inferior;

2- O discípulo indócil era enviado ao último lugar da divisão;

3- Se o discípulo obstinasse na conduta má era castigado pelo professor ficando em

pé na sala ou de joelhos por mais de quatro horas;

4- Punham-se nos pescoço dos meninos preguiçosos cartazes em letras grandes

preguiçoso, mentiroso, falador, desobediente, teimoso, etc.;

5- Inscrevem-se os nomes dos maus alunos em um quadro preto que deve ser visto

pelos visitadores. Esses nomes permaneciam até que os alunos mudassem sua

conduta;

6- Se o aluno continuasse a conduta má o professor, na sessão de sábado, no fim da

classe lhe dirigia bons conselhos; se a má conduta continuasse na semana

seguinte o professor escreveria uma carta endereçada aos pais dos alunos

narrando a péssima conduta;

7- No caso de o aluno proferir alguma mentira grave ou de entregar-se à venda ou

troca de objetos proibido tirado de sua casa, reunia-se um júri composto pelo

professor, pelo decurião geral e dos 5 de carteira e de outros das classes, julgava

o fato e aplicava o castigo preferido.

No entanto, o Manual também determinava castigos para os decuriões de carteira e

decurião geral. Se os decuriões de carteira e geral procedessem mal lhes eram retirados os

prêmios, passavam para o lugar inferior e desciam para o lugar abaixo dos outros.

Quando os decuriões infringiam da autoridade o professor nunca poderia repreendê-

los na presença dos outros alunos, mas sempre no final da sessão. Caso isso não ocorresse

o professor chamava o decurião com o dedo para ir à sua presença. Se ocorresse

reincidência de infração o nome do decurião seria riscado do quadro de honra e punido

com severidade perante os alunos e ainda só poderia voltar às funções depois de um ano.

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2.1.6.6 – Os Exames

Numa escola que funcionasse com o método simultâneo, o exame era considerado

menos necessário. Nela, o professor tinha a oportunidade de examinar os discípulos

continuamente, revistá-los sucessivamente, avaliar-lhes as capacidades e os progressos

diários. Desse modo, bastava que fossem feitos dois exames periódicos, um antes da

Páscoa, outro antes do Natal. Mas comumente os exames eram feitos da seguinte forma:

1 - Classe de leitura

O professor organizava a classe consistindo apenas a diferença em terem os

examinadores os livros em que passavam a acompanhar os examinando que liam em voz

alta. Tendo-se adotado o modo de examinar por cartões nas decúrias, os examinadores,

sentados em distância conveniente, atentavam para o que os meninos lessem e assim

formavam o juízo de valor.

2 - Classe de escrita

As divisões depois do exame de leitura tomavam seus respectivos lugares e

começavam a escrever. Em seguida mostravam aos examinadores não só as escritas

traçadas como também as feitas nos dias anteriores. Logo que essa tarefa era realizada, os

examinadores tomavam nota e emitiam juízos.

3 - Classe de aritmética

Os examinadores procediam dirigindo-se aos alunos algumas perguntas sobre o que

eles tinham estudado e mandava-os irem a pedra mostrar na prática que sabiam.

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4 - Ensino religioso

Embora não possuindo divisões em classe, os alunos eram interrogados sobre os

compêndios ou catecismos adotados pelo Conselho de Instrução.

5 - Desenho linear

Os alunos iam à pedra traçar as figuras que lhes eram indicadas dando a cada uma

delas uma explicação que aprenderam com o professor. Além disso, eles tinham obrigação

de mostrar os cadernos em que habitualmente desenhavam com o auxilio de instrumentos.

6 – Classe de gramática

O professor ou os examinadores ditavam orações que os discípulos escreviam na

pedra grande. Se nessas orações aparecia alguma palavra pouco conhecida, o professor em

alta voz o observava e ditava a ortografia usual da palavra, deixando ao discípulo o

cuidado de indicar a ortografia do gênero, do número e das pessoas.

Para esse tipo de exame era proferível pouca questão de gramática e muita oração na

pedra, pois se os discípulos sabiam escrever corretamente o professor cumpria seus

deveres. As respostas dos discípulos apenas provavam a sua boa memória e nada mais.

2.1.7 - Classificação dos diferentes ramos do ensino

A escola que funcionasse pelo método simultâneo ensinava os rudimentos da

Gramática, da Aritmética e noções de catecismo.

2.1.7.1 – O ensino da Gramática

O ensino da Gramática podia ser feito neste método mediante livreto ou cartões nas

decúrias.

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No primeiro caso, o professor ensinava pela pequena gramática adotada pelo

Conselho Geral de Instrução Pública, tendo o cuidado de fazer a aplicação das regras e

definições através das apostilas cujos exemplos e a prática tornavam-se familiares.

No segundo caso, a gramática era reduzida a cartões que ao lado da definição e da

regra encontrava sempre o exemplo. Nessa redução da Gramática ter-se-ia em vista a

formação de cinco classes do método simultâneo, sendo que as três últimas aprendiam a

gramática e as demais a leitura nas respectivas decúrias.

Sendo adotado o sistema de se ensinar por cartões era conveniente seguir os métodos

que fossem claros e precisos. Mas o manual indicava o recurso da apostila no qual o

professor devia dar vinte e cinco minutos de alua a cada classe de gramática.

Classe de escrita

Quando o professor tivesse boa letra faria ele mesmo os traslados, quando não

tivesse usaria os impressos. A letra cursiva era a que geralmente se ensinava, mas também

era bom ensinar a redonda e a gótica.

As cinco classes do método simultâneo escreviam:

A 1ª, elementos de letras e letras destacadas.

A 2ª, bastardo unido.

A 3ª, ora bastardo, ora bastardinho e maiúsculas.

A 4ª, fina e letras capitais.

A alternadamente a que tinha aprendido nas outras classes: a redonda, a gótica e no

fim de cada escrita uma linha de algarismos. Aos sábados as escritas eram feitas em folha

de papel separadas para que os meninos levassem para seus familiares.

Classe de leitura

O professor podia ensinar os alunos a lerem por livretos ou mediante cartões que

eram distribuídos nas cinco classes. No primeiro caso, cada aluno possuía o seu exemplar.

O ensino da leitura nos dois casos se dava da seguinte forma:

A 1ª classe estudava as vogais e consoantes de todas as espécies.

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A 2ª classe estudava sílabas de qualquer natureza.

A 3ª classe estudava palavras cujas sílabas eram separadas e depois palavras unidas.

A 4 ª estudava oração ou frases.

A 5ª estudava leitura corrente em livretos ou cartões apropriados e adotados pelo

Conselho de Instrução Pública.

Os métodos de se ensinar eram os seguintes:

Cartas de letras

1° método - o decurião nomeava e mostrava a letra; o discípulo repetia.

2° método - o decurião mostrava uma letra sem nomeá-la; o discípulo a nomeava.

3° método - o decurião nomeava a letra; o discípulo a mostrava com o apontador do

decurião.

Cartas de palavras

1° método - o decurião indicava uma palavra passando devagar o apontador sobre as

sílabas que a compunha; o discípulo as nomeava, sem soletrar à proporção que

lhes eram mostradas.

2° - método - o decurião indicava uma palavra; o discípulo a enunciava

corretamente.

3° método - (com a carta voltada). O decurião enunciava uma palavra; o discípulo a

decompunha em sílabas, depois em letras que juntava em cada sílaba e enfim

enunciava a palavra corretamente.

Cartas de frases

1° método - o decurião indicava uma frase; o discípulo a enunciava com vagar,

carregando bem em cada sílaba à medida que ela lhe era mostrada.

2° método - o decurião indicava uma frase e o discípulo a enunciava corretamente.

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3° método - (com a carta voltada). O decurião enunciava uma frase; o discípulo

enunciava sucessivamente as sílabas e depois as letras que ia reunindo em sílabas

e finalmente dizia a frase corretamente.

Quanto às cartas ou livros de leitura na classe mais adiantada só se empregavam dois

métodos: o 1° que durava meia hora e consistia em mandara cada discípulo ler até o fim; e

o 2° que se fazia com uma decomposição como acima se viu nas cartas de frases.

Classe de aritmética

A 1ª classe traçava algarismos e estuda numeração.

A 2ª somava e diminuía.

A 3ª multiplicava.

A 4ª repartia.

A 5ª as mesmas coisas e todas as regras úteis ao comércio.

Os exercícios de aritmética eram feitos nas carteiras ou na pedra grande. Nas

carteiras, os exercícios e as operações eram ditados pelos decuriões. Na pedra eram feitos

pelo professor. Os discípulos operavam em silêncio debaixo da vigilância de um ou de

outro.

Recomendava-se ao professor que determinasse a 1ª classe a escrever os números

com elegância; que a 2ª classe aprendesse a tabuada por ser a base do cálculo; que a 3ª

classe se acostumasse a diminuir e aumentar uma unidade no algarismo inferior em vez de

diminuir no algarismo superior. O resultado era o mesmo, porém a operação era mais

rápida.

Classe de desenho linear

As três últimas classes de escrita somente aprendiam o desenho linear pelo

compêndio designado pelo Conselho de Instrução Pública.

Para este ensino, o professor deveria possuir os instrumentos próprios como

compassos, esquadrias, referidores, régua etc.

Havia dois exercícios diferentes neste ramo de ensino: um na pedra grande, outro nas

carteiras. Na pedra, o professor designava um discípulo para traçar as figuras e outro para

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retificá-la (sem instrumento); por último ele mesmo fazia a correção com ou sem

instrumentos. Nas carteiras desenhava-se em cadernos com instrumentos ou sem eles. Se

se desenha com instrumentos, bastava dava a cada menino um lápis e um traslado. O uso

dos instrumentos era muito difícil, e caso houvesse recomendava-se muito asseio para se

poder obter bom resultado.

Classe de catecismo

A 1ª classe estuda as orações da manhã e da noite, a oração Dominical, a Saudação

Evangélica, o símbolo dos apóstolos e a confissão dos Pentecostes.

A 2ª classe estuda as mesmas rezas e alguns salmos das Vésperas.

A 3ª estuda o pequeno catecismo.

A 4ª e a 5ª o grande catecismo. O evangelho se aprende nos sábados em lugar do

catecismo. Para isso, o professor o lê em voz alta e explica a doutrina por meio de alguma

paráfrase, ou então lê um capítulo da Imitação de Cristo, ou ainda faz qualquer leitura

piedosa própria para desenvolver os sentimentos virtuosos nos corações dos discípulos.

Com esse tópico encerramos a descrição do método simultâneo extraído do Manual

de Ensino Simultâneo que foi traduzido por João Alves Portela. Em seguida faremos a

descrição do método mútuo.

2.2 – O Método Mútuo

2.2.1 - Aspectos Gerais

O Manual das Escolas elementares de Ensino Mútuo de M. Sarazin,134 traduzido por

João Alves Portela logo na introdução afirmando que este método deveu-se aos progressos

do método de ensino simultâneo. 135 Este Manual tinha o objetivo de servir aos inspetores

134 - M. Sarazin foi professor do curso especial de ensino mútuo da cidade de Paris. 135- M. SARAZIN. Manual das Escolas Elementares de Ensino Mútuo. Tradução de João Alves Portela.

Bahia: Tipografia de A. O. da França Guerra e Companhia, 1854. Daqui para frente usarei a sigla MEEEM para me referir ao manual citado.

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das aulas que quisessem aplicar em suas escolas o ensino mútuo, bem como a professores

públicos ou particulares.

O Manual começava determinando o número de até trezentos alunos para uma escola

que funcionasse com o método de ensino mútuo. Para uma escola com 240 alunos o

tamanho da sala deveria ser de 17 metros e 30 centímetros de comprimento por 8 metros e

90 centímetros de largura. 136

Com duzentos e quarenta alunos essa escola funcionaria com 16 classes, sendo que

cada classe possuiria 15 alunos. 137 Essas classes de 15 alunos sentariam em carteiras e

bancos justapostos em lugares determinados.

Nela, o principal agente do ensino não era o professor como no método anterior, mas

os próprios alunos. Com isso, pretendia-se reduzir tempo e gastos pecuniários com a

instrução infantil.

2.2.2 - O local da escola e a forma

Uma escola de ensino mútuo deveria ter a forma de um quadrilongo com duplo

comprimento da sua largura e estar preferivelmente situada em alguma altura do solo.

Também deveria estar situada em um quarteirão populoso de modo que os estudos não

fossem perturbados pelo barulho exterior, tendo-se o cuidado de dar ao teto da sala altura

suficiente para que se pudesse nela circular o ar necessário à respiração dos discípulos.

As janelas deveriam estar situadas nos dois maiores lados paralelos e aberta a dois

metros do solo. Desse modo os discípulos não podiam se distrair com o que acontecesse

no exterior da escola. As janelas de balanço eram preferíveis pela razão de se poderem

facilmente manobrar por meio de uma corda.

O pavimento da escola deveria ser feito de uma camada de salitre, de tijolos ou de

tábuas; estas eram preferíveis por não acumular poeira e não exigirem freqüentes reparos.

A porta da sala deveria estar situada perto do estrado do professor a fim de que se

pudesse observar a ordem de entrada e saída dos discípulos sem ter que sair do lugar.

A ante-sala, local onde os discípulos eram reunidos antes da aula, consistia em uma

sala que precedia sempre a das classes. Aí ficavam nas paredes os cabides para guardar os

chapéus e um depósito para água, com um vaso por baixo e copos de folhas de flandres. 136 - Nesse Manual as medidas aparecem em metros e centímetro. 137 - Segundo o MEEM, classe é conjunto de uma carteira banco e corredor por onde transitam os meninos.

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As latrinas deveriam estar situadas no pátio ou no quintal da casa de modo que o

professor pudesse observar os meninos por meio de uma janela que ficava próxima às

classes dos alunos ou discípulos.

O Estrado situado deveria está situado em uma extremidade da sala sobre o qual se

punha a mesa do professor e as mesas menores dos monitores gerais. A elevação desse

estrado e suas dimensões eram proporcionais ao tamanho da sala; todavia o máximo que

se podia conceber era 65 centímetros de altura, 5 metros de comprimento e 2 de largura. A

ele se subia por um degrau e era rodeado por um baluarte.

2.2.3 - A Mobília da escola

Para que uma escola de ensino mútuo funcionasse de forma adequada eram

necessários móveis e objetos com medidas precisas para comportar o número de alunos.

As carteiras eram fabricadas de madeira mais conveniente; eram postas no meio da

sala de modo que todos os discípulos estivessem situados de frente para o professor. As

carteiras deveriam ter 1 metro e 45 centímetros entre as suas extremidades e as paredes da

sala, sendo que a altura variava de 67 a 84 centímetros e as dimensões de 24 centímetros

por 27 na terça parte e 50 na outra; os pés das carteiras em distância um dos outros

deveriam ter 1 metro e 62 centímetros, mais 12 centímetros de largura que se iam

alargando para a parte superior.

Em todo comprimento da carteira, na sua parte mais alta, existia um entalho onde se

colocavam os lápis e as penas. Há também lugares para se fixar as pedras em um entalho.

Nas carteiras mais largas se achavam os tinteiros de chumbo encaixados em entalhos,

contendo pequenos copos de vidro.

Havia também as carteirinhas dos monitores situadas no lado esquerdo das carteiras

normais. Elas eram construídas sobre as carteiras grandes, mas de tal maneira que os que

ali se sentavam pudessem estar voltados para os discípulos. Outra função desse mobiliário

era guardar os lápis, as penas e os traslados nas carteiras em que escreviam em papel.

Os bancos cujos assentos achavam-se separado das carteiras eram do mesmo

comprimento destas. A sua altura era graduada, variando de 40 centímetros a 52. Por

detrás de cada banco deveria haver um corredor com 32 centímetros de largura.

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Os telégrafos em número de 8 eram formados de um varão de ferro ou de uma haste

de madeira de comprimento de 80 centímetros. Na extremidade do varão achava-se uma

taboinha que se podia girar quando se queria, sobre uma haste ou varão que atravessava.

De um lado deste telégrafo viam-se os números de 1 a 8 e do outro lado as letras COR.,

significando a palavra correção. Era posto um telegrafo em cada carteira de frente para os

discípulos.

Para sustentar os traslados que eram usados na primeira, na sétima e na oitava classe

existiam os porta traslados, colocados horizontalmente em frente dos discípulos, por cima

dos entalhos das carteiras. Este objeto era fixado por duas hastes de ferro fixadas nas

extremidades das carteiras.

Os semicírculos eram marcados no chão por pregos de cabeças achatadas dispostos

em arco na superfície do tablado ou por um círculo que se enchia por um fio de ferro; o

raio desse semicírculo deveria ser de 81 centímetros e um intervalo de um a outro de 65.

Esse espaço existia para os exercícios de leitura e outros.

Em cada semicírculo, suspenso à parede, achava-se um quadro preto ou pedra para

servir aos exercícios de aritmética, de desenho, com um metro de largura sobre 70

centímetros de altura; sua base tinha que estar situada a 80 centímetros do chão e de modo

que se pudesse tirar para limpar.

Anexo ao quadro encontrava-se a varinha do monitor que tinha 65 centímetros de

comprimento. Esse objeto servia para indicar a lição aos discípulos.

Havia também as tábuas de madeira durável. Nelas se colavam as cartas que os

discípulos escreveriam. Costumavam ter 49 centímetros de altura e 32 de largura; um furo,

feito na parte superior, servia para suspendê-las nos pregos fixados nas paredes. Essas

tábuas podiam ser substituídas por folhas de papelão.

Outro objeto que era colado em tábuas semelhantes às citadas acima era a lista de

presença. Cada tábua dessas possuía um pequeno tubo de folha para guardar o lápis que

servia ao monitor.

A mesa do professor posta sobre o estrado podia ter, nas grandes escolas, 2 metros

de comprimento por 1 de largura; possuía algumas gavetas e uma carteira com chaves.

Nela depositava-se a campainha, o apito, as listas dos monitores, o tinteiro, os registros, a

bolsinha dos prêmios e os bilhetes de contentamento. A diante desta mesa achava-se

suspensa um pedra preta para uso da primeira classe; do lado do professor estavam

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diversas cadeiras para o professor e os visitadores. Se houvesse lugar também se

colocavam as carteiras dos monitores gerais.

Também sobre o estrado encontrava-se um armário e uma biblioteca, ambos com

chave e de iguais dimensões, isto é, com 1 metro e 60 centímetros de altura, 70

centímetros e largura e 40 de fundo. O armário era destinado para as provisões de giz,

lápis, de talco, canetas, papel, penas, tinta e esponja, traslados, coleções de pesos, de

medidas, de sólidos geométricos, instrumentos de desenho, etc. Na biblioteca continha

todos os compêndios da escola.

Junto à porta via-se o sinal de saída, espécie de telégrafo que tinha uma face preta e

outra branca. O discípulo que ia à latrina virava para os seus companheiros a face preta e

ninguém então podia sair; quando entrava para seu legar virava a face branca.

O relógio ficava suspenso à parede próximo ao professor. Este objeto era

indispensável para regular o tempo dos exercícios.

O quadro de honra, com moldura dourada e vidro, continha os nomes dos melhores

discípulos da escola, e também se pendurava na parede junto ao estrado de modo que os

visitadores pudessem ler.

Defronte dos discípulos, por cima do estrado, estava um crucifixo suspenso à parede;

por baixo desse objeto religioso colocava-se ao retrato do monarca.

Sobre as paredes, em boa altura, colocava-se um grande alfabeto de letras cursivas,

os algarismos, as principais figuras do desenho linear, três cartas geográficas, o mapa-

múndi da Europa e do Brasil.

Como se pode ver no ensino mútuo cada objeto e mobiliário possui lugares e

dimensões precisas. Isso garante com precisão o sucesso do ensino. Muitos desses estão

presentes na escola de ensino simultâneo como descrevemos linhas acima.

2.2.4 - O Emprego do tempo

Na escola de ensino mútuo o tempo era uma ferramenta essencial porque permitia o

domínio das ações didáticas e o controle sobre a divisão das disciplinas que se tinha de

instruir. Tudo era regulado pela ação do relógio.

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Classe da manhã

Das 9 às 10 horas ---------- Leitura nas decúrias

Das 10 às 11 horas -------- Escrita nas carteiras

Das 11 ao meio dia -------- Aritmética nas decúrias

Classe da tarde

Das 2 às 3 horas --------- Escrita e desenho linear

Das 3 às 4 horas --------- Leitura e desenho linear

Das 4 às 5 horas --------- Instrução moral e religiosa

A gramática era ensinada três vezes por semana das 9 às 10 horas da manhã. A hora

consagrada, em cada dia, à instrução moral e religiosa era empregada pelo modo seguinte:

Das 4 as 4 e meia nos bancos: ora era em forma de leitura e de explicação, ora era

em forma de interrogação.

Das 4 e meia às 5 horas nas decúrias: rezas e catecismos.

2.2.5 - Dos Comandos, da execução e das regras do ensino

Na escola que funcionasse com o método de ensino mútuo havia precisão de

comandos e execução. Mas é preciso deixar claro que os comandos já começavam na ante-

sala. Vamos mostrar os comandos, tomando como exemplo a classe de leitura do turno da

manhã. As demais seguiam os mesmos meios de comandos, daí não ser necessária a

reprodução de todos os comandos com todas as matérias de ensino.

Comandos

Para fazer entrar os monitores da ante-sala para a classe ----------------------1- monitores de classe e um toque de campainha. Para preparar os discípulos a entrarem para a classe --------------------2- um toque de campainha.

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Para fazê-los voltar para o lado por onde devem marchar --------3- atenção e ao mesmo tempo a mão direita

levantada para o ar e depois descrevendo um semicírculo da

direita para a esquerda. Para fazê-los marchar -----------------------4- em classe de leitura e um toque de apito.

Para fazer cessar a marcha e obter silêncio----------------------5- um toque de apito. Para fazer voltar os discípulos para o estrado-------------------------------6 - um toque de campainha. Para fazê-los pôr de joelhos para a oração----------------------7- um toque de campainha. Para mandá-los levantar------------------8 - um toque de campainha.

Para fazê-los voltar para os monitores------------------------9-atenção e depois movimento com a mão da

direita para a esquerda. Para enviar todos os discípulos aos semicírculos--------------10- aos grupos de leitura e um toque de campainha. Para mandar descer dos bancos aos monitores de classe----------11-monitores de classe e um toque de

campainha. Para mandar cessar o passo-------------- 12- um toque de apito.

Execução

Ao toque de campainha, os monitores de classes e seus ajudantes entravam, subiam

nos bancos e voltavam os números dos telégrafos para a extremidade da carteira oposta ao

lado que eles ocupam (comando 1).

Os discípulos observavam em silêncio e se punham ao redor das paredes da ante-sala

(comando 2).

À palavra atenção eles olhavam o monitor geral que ao sinal de mão eles davam um

quarto de volta (comando 3).

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Ao toque de campainha, os discípulos, tendo as mãos nas costas, marchavam juntos

em linha, com passo regular, sem bater os pés, sem arrastá-los e iam-se formar as classes

de leitura entrando pela extremidade oposta aos monitores. Cada um se punha diante de

uma pedra, continuando sempre a estar voltado para o seu monitor de classe e marcando

de leve o passo. Os monitores de leitura não seguiam os discípulos aos bancos; iam formar

uma linha no corredor situado junto aos telégrafos, e tomando um lugar em frente às

classes que lhes eram destinadas, faziam face aos discípulos (comando 4).

Os monitores de classe conservando-se sobre bancos voltavam-se assim como os

discípulos e os monitores de grupos para o estrado e, ao mesmo tempo, voltavam os seus

telégrafos de modo que apresentassem ao estrado os números e a classe (comandos 5 e 6).

Os discípulos punham-se de joelhos sobre os bancos, os monitores de classe sobre as

carteiras e os monitores de grupos no chão. Todos com os braços cruzados sobre os peitos.

O monitor geral, voltado para os discípulos, recitava a oração. Os monitores de classe

respondiam amém no fim (comando 7).

Eles se punham de pé nos seus lugares e levavam as mãos às costas (comando 8).

À palavra atenção eles olhavam para o monitor geral. Ao movimento de mão os

discípulos davam um quarto de volta e os monitores se voltavam para os seus discípulos

(comando 9).

Ao toque de campainha, os monitores de grupo partiam cada um com nove

discípulos para se disporem ao redor da sala. A classe mais adiantada partia antes das

outras saindo das carteiras onde estavam os monitores, voltava para última carteira e se ia

organizar à direita da sala. As outras desfilavam em seu seguimento de modo que as

últimas classes ocupavam o corredor situado à esquerda do estrado. Nesta marcha, cada

monitor se punha ao lado do primeiro discípulo, tendo às mãos no seu antebraço para

conduzi-lo; quando chega chaga ao semicírculo voltava as costas ao quadro e seus

discípulos voltavam-se para ele e o rodeavam. O primeiro se punha à sua esquerda, os

demais à esquerda do primeiro, e todos, de leve, ainda marcavam o passo. Durante este

movimento, os monitores de classe que ficavam sobre os bancos deveriam vigiar os

discípulos e igualmente dividi-los entre os monitores de grupos (comando 10).

À palavra monitores eles desciam; ao toque de campainha eles iam-se reunir aos

discípulos dos grupos, atravessando os bancos em todo o seu comprimento; tornavam-se

então discípulos de leitura (comandos 11 e 12).

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Comandos

Para mandar começar a leitura, 1° método-------------------- 13 ---dois toques de campainha. Para mandar executar o 2° método-- 14 --dois toques de apito.

Para mandar executar o 3° método-- 15 --dois toques de apito.

Para mandar cessar a leitura, suspender os quadros e dar o sinal primeiro------------------------ 16 --dois toques de apito. Para mandar enfileirar os pri- meiros discípulos junto à parede---- 17 --um toque de campainha. Para mandar sair das fileiras os primeiros discípulos ----------------- 18 –um toque de campainha. Para mandar distribuir os prêmios-- 19 –um toque de campainha.

Para mandar entrar em fileira os primeiros discípulos--------------20 –um toque de campainha.

Execução

A este sinal, o monitor de grupos tomava o apontador que se achava suspenso junto à

pedra, punha-se à esquerda do quadro de leitura defronte do primeiro discípulo e indicava

com a extremidade do apontador o que devia ser objeto da lição dizendo: primeiro

(comando 13).

Os monitores, depois de haverem suspendido seus quadros e distribuídos os sinais de

prêmios, voltavam as costas para a parede (comando 14).

Os discípulos se desenvolviam ao longo das paredes, marchando em ordem. O

monitor se colocava defronte do seu primeiro discípulo e se voltava para ele (comando

15).

Os primeiros faziam um passo adiante e colocavam-se põem à esquerda de seus

monitores respectivos, voltando-se, como eles, para os discípulos (comandos 16 e 17).

O monitor fazia as distribuições (comandos 18 e 19).

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Os primeiros tornavam a tomar os seus lugares e os monitores restituíam os sinais e

os prêmios (comando 20).

Assim, como ocorria com o ensino da leitura, ocorria também com as outras

matérias de ensino. Sempre os alunos mais experientes ensinavam aos mais velhos. O

professor acabava se tornando figura secundária nesse processo de ensino. A escola

funcionava com rigor disciplinar. Os comandos ditavam o que os alunos tinham que

executar. Desse modo, a hierarquia e a disciplina eram condições fundamentais para o

bom desempenho do método da escola.

2.2.6 – Classificações das matérias de ensino

As matérias de ensino da escola mútua obedeciam à classificação e, para suas

divisões havia estruturação entre os alunos.

2.2.6.1 - Ensino da leitura

Para esse aprendizado, os discípulos estavam divididos em classes e estudavam do

seguinte modo:

1ª classe – vogais, consoantes simples, monogramas: a, e, é, ê, o, ô ,u- b, c, d, f, g, h,

j, l, m, n, p, q, r, s, t, v, z.

2ª classe - sílabas diretas de duas letras: va, me, bu, etc; seguidas de palavras e frases

nas quais entravam como elemento: vate, mérito, evita cólera.

3ª classe – sílabas inversas de duas letras: or, as, if, etc; sílabas compostas de três

letras: cor, balcão, ativo, arsenal, alto mar.

4ª classe – vogais, consoantes simples, poligramas: eu, ou, in, au, on, em, oi, - ch, nh,

th. Exemplo: onze, oito, audaz, ourives, montanha, chapeo, medalhão, ganhou o

chalé.

5ª classe – vogais e consoantes compostas: ia, iê, io, ieu, iau, iou, ,bl, br, cl, cr, fl, fr,

gl, gr, pl, pr, dr, ir, st, str, sc, scr, sp. Exemplo: dia, crime, problema, credor.

6ª e 7ª classes – vogais e consoantes equivalentes: K é equivalente de C em alkali.

QU C em quociente X CS em convexo, sexo X Z em exemplo Y I em mistério

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2.2.6.1.2 - Métodos

Quadro de letras

1° método - o monitor nomeava e mostra a letra, e o discípulo repetia.

2° método - o monitor mostrava uma sem nomeá-la e o discípulo nomeava-a.

3° método - o monitor nomeava a letra e o discípulo mostrava-a com o apontador do

monitor.

Quadro de sílabas

1° método – o monitor indicava uma sílaba, e o discípulo enunciava as letras; o

monitor unia-as.

2° método – o monitor indicava uma sílaba, e o discípulo enunciava sem soletrar.

3° método – (quadro voltado) o monitor enunciava uma sílaba, o discípulo soletrava

e juntava as letras.

Quadro de palavras

1° método – o monitor indicava uma palavra passando devagar o apontador sobre as

sílabas que compunham; o discípulo as enunciava sem soletrar, à proporção que

lhe eram mostradas.

2° método – o monitor indicava uma palavra e o discípulo, enunciava-a

corretamente.

3° método – (com o quadro voltado) o monitor enunciava uma palavra; o discípulo a

decompunha em sílaba, depois em letras que juntava em cada sílaba e, enfim,

enunciava a palavra corretamente.

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Quadro de frases

1° método – o monitor indicava uma frase: o discípulo a enunciava com vagar,

carregando bem em cada sílaba à medida que ela lhe era apresentada.

2° método – o monitor indicava uma frase, e o discípulo enunciava-a corretamente.

3° método – (com o quadro voltado) o monitor enunciava uma frase; o discípulo

enunciava sucessivamente as sílabas, depois as letras que ia reunindo em sílabas

e finalmente dizia a frase corretamente.

Quanto aos quadros de leituras correntes e de leitura nos livros, só se empregavam

dois métodos: o primeiro, que durava meia hora, consistia em mandar ler cada discípulo

até um ponto final; o segundo se fazia decompondo como foi visto nos quadros de frases.

2.2.6.2 - Ensino da gramática e da ortografia

Para se ensinar a gramática, era necessário que os discípulos já soubessem ler e

escrever corretamente. Assim, esse ensino só tinha lugar para a sétima e oitava classes.

Classificação

A gramática achava-se dividida em oito classes:

1ª classe – definições da parte do discurso

2ª classe – substantivo, adjetivo, pronome

3ª e 4ª classes – verbo

5ª classe – substantivo, adjetivo, pronome

6ª classe – verbo

7ª classe – advérbio, preposição, conjunção

8ª classe – pontuação

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118

2.2.6.2.1 – Métodos

1° método – o monitor indicava uma definição ou uma regra, com exemplos, que a

acompanhava e o discípulo as lia.

2° método - (com o Quadro voltado) o monitor interrogava o discípulo sobre o que

ele tinha acabado de ler; este respondia recitando, tanto quanto se lembrava, o

texto do quadro.

3° método – o monitor escrevia sobre a pedra uma das frases que se achavam nos

exercícios do quadro que se acabava de estudar; lia depois a definição e a regra

que se lhe referiam e o discípulo sublinhava a palavra definida ou cuja ortografia

acabava de ser ensinada pela regra.

2.2.6.3 - Ensino da escrita

Para o ensino da escrita era necessário dividir os discípulos em oito classes.

1ª classe - elementos de letras e o alfabeto

2ª classe - sílabas de duas letras

3ª classe - sílabas de três letras

4ª classe - sílabas de quatro letras

5ª classe - palavras de uma sílaba

6ª classe - palavras de duas sílabas

7ª classe - palavras de três sílabas

8ª classe – palavras de quatro sílabas, na primeira divisão; na segunda aperfeiçoava-

se a escrita pela cópia de bons traslados e de frases escolhidas.

2.2.6.3.1 - Métodos

Para dar início à tarefa dos exercícios o monitor geral pronunciava as palavras

oitava classes, começai, e os discípulos da segunda divisão começavam a escrever

copiando dos traslados, de cursivo ou de letras redondas; ao mesmo tempo, o monitor da

primeira divisão, da mesma classe, lia uma frase do traslado para os discípulos começarem

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a escrever; depois enunciava separadamente a mesma palavra e a soletra; os discípulos de

sua classe escreviam.

Imediatamente o monitor da sétima classe ditava uma frase do seu traslado e depois a

palavra que queria. Esta palavra era escrita nos cadernos como na oitava classe.

Em seguida, o monitor da sexta classe e o da quinta praticava da mesma maneira,

mas escrevia sobre pedras. Os monitores da quarta, da terceira e da segunda classes

limitavam-se a enunciar, cada um por sua vez, uma sílaba de seu traslado, que soletravam

e depois juntavam.

Na primeira classe também, o monitor enuncia o que está escrito na pedra que estava

junto do professor e os discípulos traçavam sobre suas pedras o elemento ou a letra.

Quando o monitor da primeira classe acabava de ditar, voltava-se para o da oitava

para ditar nova frase; depois o da sétima e assim sucessivamente.

Para corrigir os erros, os monitores passavam por trás dos bancos de cada classe,

observando o exercício de cada discípulo, riscava a letra errada e traçava outras nas

entrelinhas. Enquanto durava esta correção os discípulos não ficavam inativos, pois

continuavam a executar outras letras. Depois da correção os discípulos procuravam imitar

o correto.

2.2.6.4 - Ensino da Aritmética

Assim como nas outras matérias, no ensino da aritmética os discípulos também eram

divididos em oito classes.

Classificação

1ª classe - noções dos primeiros números e traçados de algarismos

2ª classe - numeração

3ª classe - somar

4ª classe - diminuir

5ª classe - multiplicar

6ª classe - dividir

7ª classe - cálculo das frações ordinárias e exposição do sistema métrico

8ª classe - aplicação da aritmética

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2.2.6.4.1 - Métodos

1° método - o monitor mostrava um ou diversos riscos ou pontos representando um

número com algarismo correspondente e enunciava-lhes o valor; o discípulo

repetia.

2° método - o monitor mostrava um algarismo sem nomeá-lo e o discípulo repetia.

3°método- o monitor traçava um algarismo no alto da pedra; cada discípulo

sucessivamente o traçava e enunciava.

Primeiros quadros de numeração em que se achavam representadas com riscos todas as unidades de que cada número se compunha 1° método - o monitor mostrava uma ou diversas dezenas de riscos com o número

correspondente e enunciava o seu valor, o discípulo repetia.

2° método - o monitor mostrava um número sem enunciá-lo; o discípulo repetia.

3° método - (quadro voltado) o monitor enunciava um número; o discípulo o

escrevia sobre a pedra.

Quadro para o estudo do valor relativo dos algarismos

1° método - o monitor mostrava um número composto de três algarismos, dizia seu

valor e o discípulo repetia; o monitor juntava- ele se dividia em unidade, em

dezenas e centena- o discípulo repetia.

2° método - o monitor mostrava um número, o discípulo dizia seu valor.

3° método - (quadro voltado) o monitor indicava a ordem de um número; o discípulo

enunciava o valor.

Quadro dos modos de ler e escrever qualquer número

1° método - o monitor dizia: escrevei tal número; o discípulo o escrevia na pedra,

enunciava o valor da cada algarismo à medida que escrevia.

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2° método - o monitor indicava um número, o discípulo enunciava-o. 3° método - o monitor enunciava dois números; o discípulo escrevia traçando as

unidades da mesma ordem por baixo das outras.

Quadro de combinações dos primeiros números para preparar às quatro regras

1° método - o monitor indicava uma combinação, discípulo enunciava-a.

2° método - (com o quadro voltado) o monitor enunciava os números que se deviam

combinar, o discípulo dizia o resultado.

3° método - (quadro voltado) o monitor enunciava o resultado e um dos elementos, o

discípulo dizia o outro.

Quadro das quatro regras fundamentais do cálculo

1° método - o monitor indicava um problema no seu quadro; o primeiro discípulo lia

o problema e traçava os algarismos que se devia operar. O segundo discípulo o

substituía e fazia uma parte da operação, era um diminuir parcial; o outro fazia

outra parte e assim por diante até que o último enunciava o resultado.

2° método - o monitor indicava outro problema; o discípulo o lia, traçava os números

e operava tudo em alta voz.

3° método - os dois primeiros discípulos do grupo iam à pedra; o monitor enunciava

o problema, eles traçavam os números e operavam em silêncio. Aquele que

concluiu primeiro e com mais acerto, tornava-se o primeiro dos dois; seguiam-se

dois outros e assim sucessivamente.

Quadro para dar aos discípulos noções de frações

1° método - o monitor mostrava uma linha em que estavam marcadas certas divisões

para representar uma fração, mostrava em algarismos a fração correspondente e

enunciava o seu valor; o discípulo repetia.

2° método - o monitor mostrava uma fração representada por algarismos, o discípulo

enunciava-a.

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3° método - (quadro voltado) o monitor enunciava uma fração; o discípulo a escrevia

na pedra.

2.2.6.5 – Ensino do desenho linear

O ensino do desenho linear era indicado para as quatro classes mais adiantadas por já

possuírem aptidão no manejo com o lápis. Este ensino também se dividia em oito classes,

sendo que as cinco primeiras classes desenhavam com mão levantada e as três últimas

com traçado geométrico.

1ª classe - traçado e divisões de linhas retas

2ª classe - traçado e divisão de ângulos

3ª classe - triângulos, quadriláteros e polígonos irregulares

4ª classe - linhas curvas, círculo e polígonos regulares

6ª classe - traçado e divisão de linhas retas, de circunferências e de ângulos

7ª classe - triângulos, quadriláteros e polígonos regulares

8ª classe - tangentes curvas com diversos centros, secções cônicas e aplicações

diversas do desenho

2.2.6.5.1 - Métodos

Desenho nas carteiras

Os discípulos desenhavam conforme os monitores e, sucessivamente, ditavam as

figuras sem os instrumentos. Por exemplo: o monitor da oitava classe dizia aos discípulos:

traçai um círculo; o da sétima dizia depois aos seus traçai um octógono regular etc.

Quando chegava a ocasião em que de novo devia ditar, o monitor da oitava classe

ordenava que se traçasse outra figura; se os discípulos ainda não tinham acabado, o

monitor mandava continuar. O da sétima e os das demais também assim o faziam até que

se tinham ditado seis vezes em cada classe; feito isso, os monitores voltados para os

telégrafos pediam correção.

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Desenho linear nos grupos

1° método - o monitor mostrava e nomeava a figura que se devia traçar; um discípulo

a nomeava e a executava. Todos os outros discípulos a nomeavam e executavam,

o monitor a desenhava por último.

2° método - o monitor mostrava a figura que devia traçar sem nomeá-la; o discípulo

a nomeava e a executava, o monitor tornava a desenhar.

3° método - o discípulo executava a figura que se lhe ditou e avaliava no todo ou em

parte as suas dimensões em decímetros ou em centímetros, depois verificava se a

execução era exata.

2.2.6.6 - Ensino do catecismo

Para o ensino do catecismo, a escola passava por uma reorganização das classes.

Desse modo, o professor divide a escola em três grandes classes de catecismo.

As quatro primeiras classes de leitura formavam a primeira divisão com destino ao

aprendizado das rezas portuguesas; a quinta e a sexta classes formavam outra divisão para

o aprendizado do catecismo pequeno; a sétima e a oitava classes formavam a última

divisão para aprender o catecismo grande.

Na aula do dia de sábado o professor indicava a lição que serviria na semana

seguinte; depois por si mesmo certificava-se de que os grupos e os monitores sabiam das

lições estudadas anteriormente.

Os discípulos que estavam em fase de preparação para a primeira comunhão

formavam grupos particulares a fim de aprenderem as rezas determinadas pela Igreja.

Estes discípulos aprenderiam as noções sobre o Evangelho.

Determinava-se que se devia depositar o catecismo grande nas tabuinhas para a

terceira divisão; nas duas outras divisões só os monitores possuíam catecismos, uma vez

que os discípulos ainda não sabiam ler.

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124

2.2.6.6.1 - Métodos

Rezas

1° método - o monitor lia uma frase e a fazia repetir ao primeiro discípulo, depois ao

segundo e assim sucessivamente. Quando todos repetiam, o monitor lia outra

frase e vai fazendo essa sucessão de atos até que enfim reunia as frases e as fazia

recitar.

2° método - o monitor lia a passagem que foi estudada no primeiro método e a fazia

sucessivamente a todos os seus monitores.

Catecismo pequeno

1° método - o monitor lia uma questão e suas respostas; depois dirigia a mesma

questão ao primeiro discípulo e este dava a resposta; a mesma perguntai era feita

ao segundo e assim sucessivamente.

2° método - o monitor fazia lê uma questão ao primeiro discípulo e este lhe

respondia; essa pergunta era feita aos demais de modo sucessivo.

Catecismo grande

1° método - o monitor tendo indicado a passagem que devia servir de objeto à lição,

dirigia-a ao primeiro discípulo para ler; este lhe respondia, lendo-a. A mesma

ação era feita aos ouros de forma sucessiva.

2° método - os discípulos, tendo entregado seus catecismos ao monitor, respondiam

de cor as perguntas feitas. O primeiro respondia a primeira pergunta, o segundo a

segunda, e assim sucessivamente.

Além dos exercícios da doutrina cristã que se praticavam na escola havia as orações

para serem rezadas antes e depois da aula, o mesmo valendo para a classe da tarde.

Page 125: Dissertação de Luís Siqueira - UFS

125

Oração antes da aula

Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo - Amém”.

Vinde, Espírito Santo, enchei os corações dos vossos fiéis e neles acendei o fogo do

Vosso amor.

Enviai o vosso Espírito e as nossas almas de novo serão criadas.

Resposta. E vós renovareis a superfície da terra. Deus que instruístes o coração dos

fiéis com as luzes do Espírito Santo, fazei-nos hoje a graça de amarmos o bem e a

sabedoria por este mesmo Santo Espírito e de acharmos a nossa felicidade nas suas

consolações. �ós vo-lo o pedimos por Cristo nosso Senhor – Amém.

Oração do final da aula

Ó Divino Jesus que por Vós fizeste menino; ó Vós que sempre mostrastes tanta

ternura e bondade aos meninos que os vedes com piedade se chegarem para Vós, que Vos

dignais mesmo abençoá-los e que dissestes que era preciso perecer-se com eles para

entrar no reino dos Céus; lançai sobre nós um benigno olhar, fazei que tenhamos sempre

a sua doçura e a candura da infância, sem conservarmos a sua leviandade e que, imitando

a Vossa Santa Infância cresçamos de dia em dia , a vosso exemplo em ciência e em

sabedoria perante Deus e os homens , a fim de reinarmos um dia convosco no Céu. Amém.

Essas mesmas orações são rezadas na classe da tarde. Outras orações também são

rezadas como o Pai �osso, a Salve Rainha, o Creio em Deus Pai, Eu me confesso a Deus e

Pelo Sinal.

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126

2.2.7 - Ensino aos monitores

A base principal da escola que funcionava com o método mútuo era o sistema de

monitores. Instruídos pelo professor, essas crianças ou jovens eram encarregados de

propagar a instrução às outras.

Primeiramente os monitores se dividiam em dois grandes grupos: os monitores

gerais que comandavam toda a escola sob as vistas do professor; e os monitores

particulares que, subordinados aos primeiro, instruíam e vigiavam uma classes ou um

grupo. O número de monitores gerais era determinado em dois, mas depois se ampliou

para seis. Os monitores de classe eram em número de dezesseis, número duplo da divisão

de cada classe; oito eram pela manhã e oito pela tarde. Durante o tempo de descanso os

monitores aproveitavam as lições que se davam nas classes respectivas.

Havia também os ajudantes e os monitores de grupo. Tanto em um grupo como no

outro não se determinava o número, eles se achavam dependentes do número de alunos.

O aprendizado dos monitores ocorria em sessão oposta da sua de atividade. Os

monitores de grupo e de classe estudavam na sessão da tarde e instruíam na sessão da

manhã seguinte ou vice-versa, sempre havendo permuta entre eles.

Na sessão da manhã, os horários de estudo dos monitores assim se dividem:

Das 9 às 10 horas ---------------------- leitura: monitores de grupo

Das 10 às 11 horas -------------------- escrita: monitores de classe

Das 11 às 12 horas -------------------- aritmética

Desse modo, os monitores estudando nessa sessão na posterior empregavam os

ensinamentos adquiridos nas classes dos discípulos que lhes eram confiadas.

O estudo dos monitores ocorria na ante-sala. O período de estudo neste lugar quando

não ocorria no horário mostrado acima, acontecia no horário das sete às nove horas da

manhã, antes do início da sessão. Desse modo,os monitores eram instruídos pelo professor

em todas as matérias de ensino, inclusive nos métodos que eram aplicados em cada classe.

Tudo o que se aplicava nas classes dos discípulos era exercitado na ante-sala. Quando o

professor se ausentava da ante-sala, deixava um monitor mais velho na tarefa da instrução

dos demais.

Page 127: Dissertação de Luís Siqueira - UFS

127

2.2.8 – Recompensas e castigos

Assim, como numa escola de ensino simultâneo, a escola mútua funcionava com o

sistema de recompensas e castigos. Assim , quando os alunos progrediam nos exercícios

ou mantinham uma conduta exemplar eram recompensados com prêmios, ascensão em

lugares ou nomeados para serem monitores. Do outro modo, quando isso não ocorria, a

conduta desviada ou a insubordinação era punida com uma série de castigos determinada

para esse fim.

Recompensas

As principais recompensas eram:

1- Ascender a um lugar superior por acertar nos exercícios;

2- Recebimento de prêmio e ascensão para o primeiro lugar por acertar todos os

exercícios;

3- Recebimento de bilhete de satisfação por ser considerado o discípulo de melhor

conduta durante um mês;

4- Receber elogios em voz alta do professor perante todos os discípulos por alguma

ação meritória;

5- Receber carta de satisfação para entregar aos pais pelo notável contentamento;

6- Ser inscrito no quadro de honra da escola junto ao estrado;

7- Ser nomeado como ajudante de monitor;

8- Aos melhores monitores doação de medalhas de bronze;

9- Indenização aos monitores gerais pelos serviços prestados.

Em uma escola de duzentos a trezentos alunos era permitida a recompensa de

cinqüenta prêmios e quarenta e dois acessos como se pode ver a seguir:

Monitor geral----------------------------1 prêmio

Monitores particulares------------------6 prêmios

Virtude -----------------------------------1prêmio

Page 128: Dissertação de Luís Siqueira - UFS

128

Instrução moral e religiosa-------------3 prêmios ------3 acessos

Leitura ----------------------------------- 8 prêmios ------8 acessos

Escrita-------------------------------------8 prêmios ------8 acessos

Aritmética ------------------------------- 8 prêmios-------8 acessos

Ortografia-------------------------------- 8 prêmios-------3 acessos

Desenho ----------------------------------4 prêmios-------4 acessos

História------------------------------------4 prêmios--------4 acessos

Geografia---------------------------------4 prêmios -------4 acessos

Castigos

Os castigos cumpriam a função de punir os alunos e faziam com que a má conduta

não fosse imitada pelos demais. Os principais castigos eram:

1- Perda do lugar por não desempenhar bem as funções;

2- Passar para o último lugar em caso de indocilidade;

3- Em caso de reincidência, castigos no canto da sala, em pé e com as mãos nas

costas;

4- Colocar no pescoço cartaz com as palavras falador, desobediente, preguiçoso,

etc.;

5- Escrever cartas aos pais narrando a má conduta do aluno;

6- Expulsão do aluno da escola que cometesse caso grave e urgente;

7- Retirada da medalha e conseqüente demissão do monitor que cometesse infração;

Embora a escola funcionasse com o sistema de monitoria, quem aplicava os castigos

nos alunos era o professor. Aos monitores cabiam apenas cumprir as tarefas determinadas

pelo professor como por exemplo fazer descer os discípulos do banco.

2.2.9 - Exames

Assim como na escola simultânea, também a escola mútua examinava os seus

discípulos. Nessa escola quem examinava os alunos era o professor. Os alunos deviam

Page 129: Dissertação de Luís Siqueira - UFS

129

estar classificados de acordo com suas aptidões. Toda vez que um aluno se destacava dos

demais passava para outra divisão e assim sucessivamente até que mudasse de classe.

Os exames da escola mútua ocorriam semanalmente em cada matéria de ensino.

Desse modo, eram precisas cinco semanas para que os alunos fossem examinados em

tudo.

Para os exames de leitura, o professor percorria todos os grupos durante este

exercício mandando os discípulos lerem de forma sucessiva e, tomando nota, fazia as

mudanças de classe.

O exame de escrita era feito de forma rápida. O professor preparava a escrita sobre

as pedras e papel, depois ele mesmo ia às carteiras e examinava os escritos dos discípulos

e fazia as devidas mudanças de classe.

No exame de aritmética, o professor mandava os discípulos da primeira classe traçar

os algarismos e, os da segunda, os números. Depois ia às carteiras, observava os traçados e

os números e mandava que os discípulos os enunciassem separadamente. Caso saíssem

bem dessa prova, subiam para a classe de somar.

Chegando a classe de somar, o professor ditava os números e mandava os discípulos

somar; eles operavam em silêncio sem ver a conta do vizinho. Finda essa tarefa, o

professor reclassificava os alunos.

O mesmo ocorria com os discípulos das classes de diminuir, multiplicar e dividir.

Todos deviam resolver do mesmo modo. Depois disso, o professor ia às carteiras, tomava

nota e certificava do resultado. Os discípulos, tanto dessas classes como das outras, faziam

também em voz alta o seu cálculo.

Os exames de desenho linear e ortografia ocorriam do mesmo modo que os de

aritmética.

Para recompensar os discípulos pelos seus progressos, o professor distribuía

recompensas aos que mudavam de classe através de bilhetes de exame, proclamava os

nomes destes perante os demais e fazia as anotações no registro de inscrição e no de

classificação.

Page 130: Dissertação de Luís Siqueira - UFS

130

2.2.10 - Os Registros

A escola mútua funcionava através de um sistema de registro para dar conta de tudo

o que ocorria no espaço interno da aula. Os registros da escola eram:

1- Registro de Inscrição;

2- Lista de presença;

3- Registro de receita e despesas;

4- Registro de visitadores;

5- Registro de distribuição de prêmios;

6- Registro de classificação

Como foi apresentado, a escola mútua funcionava com precisão de tempo, com

mobiliário adequado, com comandos determinados, aliado aos métodos aplicados em cada

matéria de ensino. O fundamento desse sistema de instrução tinha nos alunos mais

instruídos e/ou um pouco mais velhos a sua base de sustentação. O professor apenas

coordenava os monitores e vigia os alunos do seu lugar fixo, sentado em uma cadeira

situada no alto do estrado. Dessa forma, com tudo em seu lugar, poder-se-ia instruir de

cem a trezentos alunos com um só professor. Nesse modo de instruir a intenção era

reduzir gastos com a instrução das crianças e economizar o tempo da escolarização.

Page 131: Dissertação de Luís Siqueira - UFS

131

CAPÍTULO III

DOS QUE SE HABILITAVAM

Quando começamos a pesquisar sobre os métodos de ensino na Província sergipana

tínhamos a preocupação em saber como os professores de primeiras letras se apropriavam

dos métodos de ensino adotados e o que ocorria na prática do trabalho docente. Intrigou-

nos também saber quais os mecanismos que os dirigentes provinciais utilizavam para

configurar a profissão docente e qual a representação que era feita sobre a figura do

professor. Essas preocupações balizaram a construção deste capítulo.

Para elaboração deste capítulo baseamo-nos nas reflexões de Chartier acerca da

questão da apropriação e da prática. 138 Segundo esse autor, a apropriação nunca ocorre de

forma igualitária, será sempre diferenciada. O mesmo ocorrendo prática, os professores

primeiras de letras se apropriavam dos métodos de ensino de forma diversa e os

praticavam de acordo com a realidade de cada escola.

No caso das representações que se faziam sobre o professor de primeiras letras, estas

eram determinadas pelos interesses dos grupos que as forjou. Segundo Chartier, “as

representações do mundo social assim construídas, embora aspirem à universalidade de

um diagnóstico fundado na razão, são sempre pelos interesses do grupo que as forjam”. 139

Com base nos pressupostos de apropriação, práticas e representações analisaremos

como foi delimitada a questão da profissionalização docente na Província sergipana.

A formação do Estado nacional no Ocidente europeu coincidiu com o momento do

controle progressivo sobre a secularização do ensino e profissionalização docente.

Também o processo de emergência dos sistemas estatais cruza-se com o início de um

processo de profissionalização docente, que segundo Vilela, não era um produto daquele,

pois, já desde o século XVI, os contornos da profissão vinham se definindo nas sociedades

ocidentais. 140

Portugal como um país centralizado iniciou o controle sobre o ensino a partir do

século XVIII, adentrando o século seguinte com um sistema bastante precário de 138 - CHARTIER, Roger. A história cultural: entre práticas e representações Lisboa/Rio de Janeiro:

Difel/Bertrand, 1988. 139 - Idem. p. 27. 140 - VILELA, Heloisa de O. S. O mestre – escola e a professora. In.: LOPES, Eliana Marta Teixeira ,

FARIA FILHO, Luciano Mendes de, VEIGA, Cynthia Greive. 500 anos de Educação no Brasil. 2ª. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2000. p. 100.

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132

instrução. Em relação à instrução primária algumas medidas passaram a ser tomadas no

sentido de aumentar o controle estatal como a adoção de métodos de ensino, autorização

de livros e concessão de “liberdade” para aqueles que dotados de algumas habilidades na

escrita, na leitura e no cálculo pudessem ser professores de primeiras letras.

No caso do Brasil, o processo de tutela estatal sobre a instrução da população

brasileira teve início com D. João VI. Segundo Chizzotti, D. João VI parece ter pretendido

criar um sistema de escolas públicas viabilizado através de um plano sistemático de

educação. 141 Esse projeto elaborado pelo Conde da Barca, General Francisco de Borja

Gastão Stocker, não foi adiante motivado pelo desentendimento dos representantes

provinciais, mas a idéia foi retomada na Constituinte de 1823.

A continuidade do processo de tutela estatal sobre a educação de primeiras letras da

população escolarizável brasileira pode ser verificada na Constituição de 1824, que

colocou dispositivo educacional em seus artigos garantindo a instrução primária de forma

gratuita a todos os cidadãos. Mas foi com a Lei de 15 de Outubro de 1827 que o Império

brasileiro principiou o trabalho de intervenção no campo educacional ao admitir que “nas

vilas e lugares populosos fossem criadas escolas de primeiras letras”.

Se o Império brasileiro passava a admitir a criação de escolas de primeiras letras em

quase todos os lugares, passava ao mesmo tempo a condicionar quem deveria ser o

profissional para esses espaços de instrução. Esta era a nova situação para o recente país:

um professor que ensinasse os rudimentos da leitura, da escrita e do cálculo. Era preciso

instruir a população para melhor governar, daí que se requereria um profissional habilitado

para instruir a população escolarizável.

Analisando o dispositivo da Lei de 15 de outubro de 1827 referente à habilitação do

professor percebemos que houve certa transferência de responsabilidade para os que se

destinavam a serem docentes de primeiras letras nas províncias brasileiras. Podemos

verificar essa questão através de dois dos artigos da referida lei.

Art.5°. Para as escolas do ensino mutuo se applicarão os edificios, que houverem com sufficiencia nos logares dellas, arranjando-se com os utensilios necessarios à custa da Fazenda Publica e os Professores; que não tiverem a necessaria instrucção deste

141 - CHIZZOTTI, Antônio. A constituinte de 1823 e a educação. In.: FÁVERO, Osmar (org.) A educação

nas Constituintes Brasileiras.1823-1988. Campinas, São Paulo: Autores Associados, 1996. p. 38.

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133

ensino, irão instruir-se em curto prazo e à dos seus ordenados nas escolas das capitaes. Art. 7°. Os que pretenderem ser providos nas cadeiras serão examinados publicamente perante os Presidentes, em Conselhos: e estes proverão o que for julgado mais digno e darão parte ao Governo para sua legal nomeação. 142

Na Lei de 15 de outubro de 1827, a primeira de caráter geral sobre educação, nota-se

que houve brechas quanto ao problema da qualificação do professor de primeiras letras.

Ao admitir a criação de escolas que funcionassem com o método mútuo o Império

brasileiro passava a responsabilidade pela habilitação para o pretendente a carreira docente

de primeiras letras por esse método.

Outra questão que pode ser verificada nessa última é o dispositivo presente no artigo

sétimo ao transferir para as províncias a responsabilidade pelos julgamentos das

habilitações dos professores sem ao menos determinar os critérios de julgamento para

aqueles que se intentavam ao cargo de professor. Isso significa dizer que cada província

passava a ter a liberdade nos critérios de julgamento para realizar a investidura no cargo.

O que a Lei de 15 de outubro de 1827 indica são exigências para ser professor de

primeiras letras no Brasil. Como o país estava recente no processo de construção da

Nação, os administradores concebiam a instrução como uma ferramenta essencial para

ordenar o povo brasileiro. Seria através da escola de primeiras letras espalhadas pelos

quatro cantos do país que os valores do Império seriam incutidos nas crianças em idade de

escolarização.

A questão que se colocava era por ordem no mundo da desordem, para melhor

conhecer a fim de controlar a massa populacional analfabeta e desordenada. E nisso o

professor primário desempenharia um papel fundamental ao ser concebido como aquele

que fosse o agente capaz de transmitir o conhecimento sem subverter a ordem

estabelecida. Ao contrário, a questão era conservar o que estava posto tal como se

apresentava. Essa era a função destinada aos professores primários.

Segundo Vilela, a institucionalização do corpo docente de primeiras letras foi

pensada pelo Império brasileiro através do movimento de institucionalização da escola

normal. 143 Esse templo de formação docente passou a ser visto como solução para

142 - BRASIL. Lei de 15 de Outubro de 1827. IHGS. Grifo meu. 143 - VILELA, Heloisa de S. O. Op. Cit. p. 104.

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134

aumentar o nível intelectual daqueles cuja tarefa era elevar o nível intelectual e moral da

sociedade, unificando padrões culturais e de convivência social.

No entanto, a mesma autora aponta retrocessos e avanços nesse movimento. Assim,

afirma também que concomitante a esse movimento, o Império procurou outros

mecanismos que garantiu a conformação da carreira do docente de primeiras letras. Os

mecanismos apontados pela autora referem-se à legislação, aos concursos públicos, ao

sistema holandês-prussiano e ao sistema de controle através das visitas às escolas de

primeiras letras. Dessa forma, analisaremos passo a passo como se deu a conformação da

profissão docente na Província sergipana.

1- A legislação sergipana

A legislação sobre instrução pública no período imperial brasileiro tem se

apresentado um valioso manancial de informação para o conhecimento da educação.

Através dessa documentação é possível perceber o projeto esboçado pela classe dirigente

para a educação e as determinações para aqueles que desejavam ser docentes. No caso dos

professores de primeiras letras, são fontes que indicam a conformação da profissão

docente e a ênfase dada a essa questão. A partir da legislação sergipana buscaremos

compreender o tratamento dado à questão da profissão docente, ou seja, o que a classe

dirigente provincial determinava para ser professor de primeiras letras e a condição dada

para o aprendizado do método de ensino.

A intervenção legal da Província sergipana na esfera da instrução primária pode ser

datada a partir do ano de 1828 como conseqüência da Lei de 15 de outubro de 1827.

Naquele ano foram colocadas todas as cadeiras de primeiras letras a concurso público

através de Edital. A partir desse documento o Governo provincial admitia professores de

primeiras letras para ensinar às crianças sergipanas em idade de escolarização. Mas esse

dispositivo ainda não sistematizou a questão da profissão docente na Província.

A primeira intervenção no campo da instrução primária sergipana que tratou da

questão do professor primário começou com a Lei de 5 de março de 1835. Essa lei teve

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135

como pressuposto básico a questão do professor primário determinando condições de

concurso para professor, aposentadoria docente e prazo para habilitação.

A Lei de 1835 foi conseqüência do Ato Adicional de 1834 que transferiu para as

províncias competência para legislar em matéria de instrução primária. O Ato Adicional

descentralizou também assim a competência com as províncias em matéria da

conformação da profissão docente. 144

A partir da responsabilidade que a Província sergipana recebeu para legislar sobre

instrução primária os debates sobre a representação do professor tornaram-se intensos. Os

discursos eram proferidos em forma de relatórios pelos presidentes provinciais que se

utilizavam de espaços na Assembléia Provincial para defenderem a instrução primária

como uma necessidade social. 145 Junto a essa defesa estava também o problema da

profissão docente.

Através dos Relatórios dos presidentes provinciais podemos perceber que havia

também discursos em torno da qualificação do professor de primeiras letras através da

criação de uma escola normal sergipana, como podemos verificar no relatório do vice-

presidente Manuel Joaquim Fernandes de Barros em 1836.

Sobretudo vos recomendo mui particularmente que mediteis sobre um plano de Instrucção Elementar para a mocidade, ou na criação de huma Eschola normal de ensino, onde se formem Professores, para a educação da mocidade; os quaes serão preferidos no ensino, e concurso para esse fim aos outros, que não tiverem seguido esse curso; e os ordenados deverão ser maiores para os animar, e dar impulso à este importante estabelecimento, e à instrucção da mocidade.146

O discurso do vice-presidente ao reclamar um plano de instrução e o estabelecimento

de uma escola normal para a Província sergipana indica, por outro lado, que não havia

uma uniformidade de práticas pedagógicas dos professores. Na verdade o que o

administrador estava propondo era condições de governabilidade para a população

144- SUCUPIRA, Newton. O Ato Adicional de 1834 e a descentralização da Educação. In.: FÁVERO,

Osmar. A Educação nas constituintes brasileiras. 1823-1988. Campinas, São Paulo: Autores Associados, 1996. p. 61.

145 - Rosa afirma que o debate sobre a instrução em Minas Gerais além de ser proferido na Assembléia provincial ocupou amplo debate nos jornais de circulação, principalmente no Jornal O Universal. ROSA, Walquíria Miranda. Instrução pública e formação de professores em Minas Gerais (1825-1852). In.: Revista Brasileira de História da Educação. n. 6. Campinas , São Paulo: Autores Associados, jul./dez. 2003. p. 91.

146- Relatório do vice-presidente Manuel Joaquim Fernandes de Barros. In.: �oticiador Sergipense. IHGS. Sergipe: Tipografia de Silveira, 1836, n.81. p. 02.

Page 136: Dissertação de Luís Siqueira - UFS

136

sergipana através da instrução. Essa mesma realidade era vivida em muitas províncias

brasileiras.

A defesa a favor da criação de uma escola normal sergipana não acontecia de forma

isolada do restante do país. Vinha acompanhada de outras províncias que também lutavam

pela criação e instalação de escolas normais como ocorreu com o de São Paulo, Minas

Gerais e Bahia. 147 Essas províncias estabeleceram esse templo de formação docente com

o objetivo de melhor organizar a instrução pública de suas regiões.

No caso sergipano, a existência de uma escola normal foi tão defendida que, por

causa disso, os administradores provinciais faziam discursos colocando a situação do

atraso da instrução no corpo docente das escolas de primeiras letras. Para esses homens, a

melhoria da instrução só seria possível com uma boa habilitação dos professores que

estariam aptos para fazer jus ao método de ensino adotado para as escolas.

A ênfase que os administradores sergipanos davam em seus discursos à necessidade

de um quadro docente de primeiras letras qualificado via escola normal revela, por outro

lado, a inclusão dos professores como construtores da nação brasileira. Essa inclusão

passava por toda uma reformulação da imagem do professor. Este seria um dos grandes

colaboradores que iria trazer o progresso para o país.

A escola normal sergipana foi criada na década de trinta, mas sua criação efetiva só

veio a ocorrer na década de setenta do século XIX. Embora os administradores tenham

realizado investimentos com o objetivo de fazer funcionar a escola na década de trinta

como o envio de pessoas à Corte, tudo não passou de realizações infrutíferas.

Como o projeto da escola normal não se concretizou e a Província possuía poderes

para legislar sobre instrução primária, os dirigentes provinciais começaram, a partir de lei

de 1835, a criar mecanismos que condicionassem e delimitassem a profissão docente. Um

dos primeiros atos dos dirigentes foi dar um prazo para que os professores se

qualificassem nas matérias determinadas pela lei de 1827. Assim, no artigo quinto da lei

sergipana estava expresso:

Art.5°. Tanto as cadeiras de primeiras lettras novamente creadas, como as existentes, serão postas à concurso, para serem providas, ou nos mesmos professores e mestras, ou em outros, que bem satisfaçam os quizitos recomendados na lei de 15 de outubro de 1827, concedendo o Governo aos actuaes professores, e mestras, um prazo rasoavel se o requererem, que não excederá à 6 mezes, para instruirem nas materias

147 - VILELA. Op. Cit. p. 104.

Page 137: Dissertação de Luís Siqueira - UFS

137

necessarias, vencendo metade de seus ordenados, e não podendo elles serem chamados a concurso senão depois de findo o tempo, que lhe for concedido. 148

No que se pode perceber a partir desse dispositivo da lei sergipana é a preocupação

pela habilitação nas matérias determinadas pela lei de 1827. Não consta determinação

quanto à questão do aprendizado do método de ensino adotado pela lei geral de educação:

o método mútuo. Essa questão ficou reservada a segundo plano. Assim, podemos tirar

como conclusão que o método de ensino em Sergipe com a primeira lei de instrução

primária não recebeu ênfase. Ficou a cargo de quem pretendesse ser professor e

concorresse ao concurso público.

Há de se esclarecer que embora a questão do método de ensino não apareça na

legislação não significa dizer que os administradores provinciais tenham esquecido esse

problema. Como a habilitação do método ficava a cargo do professor de primeiras letras,

talvez essa prerrogativa tenha dispensado elaboração e aprovação de artigos para esse fim.

A lei provincial de 1835, em sua abrangência, procurou conformar a profissão

docente na Província sergipana, determinando ordenado dos professores, as formas de

admissão, aposentadoria, forma de vigilância e delimitação da profissão, inclusive no

artigo 14 era taxativa: determinava que os professores não poderiam ocupar algum ofício

público segundo as leis existentes.

A primeira lei sergipana sobre instrução primária teve vigência longa, durou até a

década de cinqüenta. Durante esse período a questão da profissão docente continuou a

mesma. A partir da década de cinqüenta outros dispositivos passaram a conformar a

profissão docente e fazer indicação indireta sobre o método de ensino para as escolas de

primeiras letras sergipanas. Mas ainda continuou a passar para o professor a

responsabilidade sobre a habilitação do método de ensino.

O Regimento Interno das Escolas de 1856 foi uma das legislações que ordenou como

o professor deveria ensinar como deveria preencher o espaço da escola e dividir com os

alunos. Esse documento também determinava o método de ensino simultâneo para as

escolas de primeiras letras.

Na parte que trata dos professores e a relação destes como os alunos e pais de alunos,

o Regimento Interno trazia em seus artigos uma série de deveres que conformavam o

papel desse agente de ensino na Província. Na verdade são determinações de práticas de

148 - FRANCO, Cândido Augusto Pereira. Op. Cit. p.137.

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138

relacionamento com o objetivo de tornar o processo de ensino mais agradável, enfatizando

uma relação amistosa e agradável entre professores e alunos, tornando assim a prática

docente menos fastidiosa conforme se pode verificar nos artigos do Regimento.

Art. 1. O Professor deve ensinar a seus discipulos com amor e zêlo. Art.2. Deve despertar nelles o gosto de aprender, já aconselhando-os paternalmente, já recompensando por meio de premios e distinções escholares os que se mostrarem mais assiduos, e amantes do ensino.149

Em outra parte do Regimento há indicação de como o professor deve ensinar as

matérias aos alunos e como deve ensinar obedecendo às especificidades do método

simultâneo. Também mostra a distribuição espacial do professor na aula. Por exemplo, em

alguns exercícios de aritmética o professor acompanhava o aluno passo a passo, mas em

outros tipos de exercício dispensavam a presença do mestre, ficando a cargo do monitor

como era o caso do ensino da leitura e da escrita.

Outra legislação da década de cinqüenta que podemos tomar como fonte para

sabermos acerca da conformação docente é o Regulamento de 1° de setembro 1858. Esse

documento delimitava a condição de investidura para aquele que pretendesse ser professor

de primeiras letras e a forma de comportamento e ações a serem desenvolvidos no

processo de ensino. Sobre a condição de investidura no cargo de magistério esse

documento exigia as seguintes prerrogativas.

Art. 80. Só podem ser professor publico os cidadãos brasileiros, que reunirem as condições seguintes: 1. A idade de 18 annos. 2. A moralidade. 3. Capacidade profissional. Art. 81. Prova-se a primeira condição com certidão de baptismo, ou justificação d’idade. Art. 82. A prova de moralidade consiste na apresentação de folha corrida nos lugares onde haja residido nos três annos mais proximos à data e o requerimento, attestação dos parochos, e do Inspector do districto.150

149- Regimento Interno das Escolas. APES. Fundo Biblioteca José Alves. Cx. 01. Doc. s/n. 1856. 150- Regulamento da Instrução Pública de 1 de setembro de 1858. APES. Fundo Publicações. Cx.50. Doc.02.

p. 19-20.

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139

O Regulamento de 1858 ao exigir uma série de condições como a idade e a

capacidade profissional para aquele que desejaria ser professor mostra que a morigeração

e o proselitismo religioso possuíam grande relevância no rol das exigências. Essas

exigências eram concretizadas com as provas apresentadas ao órgão competente. Na

verdade essa exigência relacionava-se à questão da representação que a classe dirigente

provincial fazia do professor como o cidadão probo, respeitador das condições imperiais e

da religião Católica.

A questão da boa morigeração tornava mais exigente quando se tratava do sexo

feminino. Para a mulher que desejasse ser professora o documento exigia a idade de vinte

e cinco anos além de outras prerrogativas como, por exemplo, a apresentação da certidão

de óbito para as viúvas.

Art. 83. As professoras devem exibir demais, se forem casadas, a certidão do seo casamento, as viuvas a do obito seos maridos, e se viverem separadas d’estes, a publica forma da sentença, que julgou a separação, para se avaliar o motivo, que a originou. As solteiras, que não tiverem 25 annos completos, exibirão o consentimento paterno, de seos tutores, ou parentes honestos, em cuja companhia viverem, obrigando-se estes à continuar a tel-as em sua companhia até completarem a supradita idade, salvo se casarem-se , podendo o governo dispensar–lhes o documento de folha corrida.151

O rol de exigência determinado pelo Regulamento de 1858 na verdade mostra que os

administradores representavam o professor (a) como aquele (a) que seria o espelho, o

exemplo de conduta tanto para a clientela escolarizável como para a população provincial.

No entanto, essa lei ao mesmo tempo em que delimitava a profissão docente

determinava quem não poderia ser admitido no quadro funcional da Província sergipana.

Essa restrição reforça a condição oposta a da boa morigeração. Assim, não ocuparia o

cargo de professor primário quem:

[Art. 84.] § 1. Os que não professarem a religião do Estado. § 2. Os que houverem sido privado d’emprego publico por processo disciplinar, à que

tenhão dado causa, falta de conducta moral ou civil, ou desobediência.

151- Regulamento da Instrução Pública de 1 de setembro de 1858. Doc. Ct. p. 20.

Page 140: Dissertação de Luís Siqueira - UFS

140

§ 3. Quando houverem soffrido condemnação por crime de homicidio, roubo, estellionato, furto, peculato, juramento falso, falsidade, rapto, adulterio, estupro, ou por crimes contra a moral publica, e a religião do Estado.

§ 4. Quando soffrerem molestias contagiosas, ou mortaes.152

As condições e as restrições presentes no Regulamento da Instrução Pública de 1858

mostram o projeto de construção da nação brasileira via escola de primeiras letras

sergipana. Ao exigir provas de boa conduta moral e religiosa dos candidatos ao magistério

público, os administradores incluíam os professores como aqueles que também estavam

encarregados na tarefa de construção da ordem. Provavelmente essa exigência estava

associada ao clima de intranqüilidade vivida na época.

Nessa condição o professor era representado através da imagem do bom cidadão,

exemplo a ser seguido por todos os alunos. Era aquele que respeitava as leis imperiais e a

religião oficial do Estado. A sua conduta passava a ser modelo para a construção de uma

sociedade organizada, ordenada e hierarquizada.

2- Os Concursos públicos

Outro mecanismo de prática cultural de conformação da carreira do magistério

público de primeiras letras desenvolvido pelos administradores provinciais sergipanos

foram os concursos públicos, prática presente durante todo transcorrer do século XIX. A

documentação existente sobre essa prática é de importante relevância porque nos informa

o que era exigido para ser professor, os mecanismos que o Estado criava para a habilitação

do professor e a metodologia de realização do concurso.

O primeiro concurso público para professor de primeiras letras sergipano ocorreu no

final da década de vinte, em 1828, por determinação da Lei de 1827. Mas a legislação

sergipana não especificou como seria realizado o concurso. Até onde se sabe, o presidente

da Província abriu o Edital de concurso para todas as cadeiras de primeiras letras. 153 Foi o

primeiro ato para investir no professor no quadro funcional da Província.

152 - Regulamento da Instrução Pública de 1 de setembro de 1858. doc. Cit. 153 - NUNES, Maria Thetis . Op. Cit. p. 46.

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141

A determinação sobre o concurso público para o magistério de primeiras letras

estava especificada de forma clara na lei de 1835. Nos artigos 18 e 19 da lei estava

especificada a forma de realização do concurso:

Art. 18. O Governo mandará publicar por editaes remettidos à todas as camaras municipaes, e juizes de paz por espaço de seis mezes, e em folhas publicas, o concurso das cadeiras, declarando, as que nelle tem de entrar, attento ao art. 5°, e o dia em que deve dar principio aos exames. Art. 19. Os exames serão feitos publicamente perante o Presidente da provincia, que chamará para isso professores habeis, guardando-se em tudo o mais que se acha disposto nas leis em vigor. 154

A lei, ao determinar como seria realizado o concurso para professor, não especificou

os procedimentos de julgamento dos candidatos, inclusive quanto ao método de ensino. Na

documentação que pesquisamos não encontramos provas de julgamento sobre o método de

ensino adotado para as escolas. A documentação que encontramos indica apenas que o

concurso ocorria com uma prova de escrita, sendo ditada pela comissão e um exercício de

matemática.

Com base nas provas dos candidatos ao magistério público pode-se perceber a

exigência de habilitação do professor e ainda a ideologia que o Império forjava através do

professor como pode ser visto nas provas das candidatas Flavia Benedicta de Niterbo,

Narcisa Joaquina de Campos e Maria Pastora dos Anjos.

154 - FRANCO, Cândido Augusto P. Op. Cit. p. 139.

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142

Transcrição

O poder moderador é a chave de toda a organização politica, e é delegado privativamente ao Impera- dor como chefe supremo da Nação, e seu primeiro Representante, para que inscessantemente vele sobre a manutenção da indepen dencia equilibrio, e armonia dos mais poderes politicos. A pessoa do Imperador é inviolavel, e sagrada, elle não está sugeito a respon sabilidade alguma.

Sergipe 27 de Setembro de 1848.

Flavia Benedicta de Niterbo.155

Como se pode perceber o exame da candidata foi realizado através de um ditado. Na

forma como foi realizado o exame dá para se perceber que o critério de julgamento da

155 - Prova de concurso da candidata Flávia Benedicta de �iterbo em 27 de setembro de 1848.

Correspondência recebida. APES. Fundo G1 1885.

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143

candidata foi o domínio da escrita. Outro detalhe que se pode perceber claramente foi a

ausência do exame de aritmética.

O texto escrito pela candidata Flavia Benedicta de Niterbo é um estrato da

Constituição de 1824, artigos 98 e 99. Pelo teor do texto fica evidenciada a intenção do

examinador em tornar a lei imperial conhecida. Ao ditar trechos da Constituição, o

examinador legitimava a ordem estabelecida. O recurso tinha a intenção de treinar a futura

professora a respeitar a lei e assim disseminar a ideologia imperial.

De forma igual foi exame da candidata Narciza Joaquina de Campos que concorreu à

uma vaga de professora no mesmo mês que a candidata anterior. O texto da candidata fala

da constituição política do Brasil, informando a divisão em províncias. Mais uma vez

podemos perceber a intenção do examinador em passar a idéia de um Brasil organizado.

Transcrição

O imperio do Brazil he a acociação politica, de todos os cidadã os Brasileiros. Elles forma-o huma nação livre, e independen te, que não admitem com qual quer outro laço algum de uni ão, ou federação, que se oponha a sua independencia. O seu territorio he dividido em Provincias, na forma em que ac tualmente as acha; as quaes poderão ser subdivididas, como

Page 144: Dissertação de Luís Siqueira - UFS

144

pedir a bem do estado. Sergipe 27 de 7br°. de 1848.156

De teor diferente foi o texto da candidata Maria Pastora dos Anjos. O ditado versou

sobre a religião. A intenção consistiu em mostrar o peso da religião do Império. Seu

exame assim como os das outras candidatas não consta prova de aritmética.

Transcrição

A liberdade Religiosa foi violada quebra das, e ultrajadas as cruzes. Tudo quanto nossos Pais adorarão, tudo quanto nós reservariamos foi entregue a distruição, e a vili pendio. Huma Igreja antiga não foi protegida, se não convertendo-se em casas de audiencia para salvalla, foi mister desforalla.

Sergipe 27 de 7br°. de 1848.

Maria Pastora dos Anjos.157

156 - Prova de concurso da candidata �arcisa Joaquina de Campos em 27 de setembro de 1848. APES.

Correspondência recebida. Fundo G1 1885. 157 - Prova de concurso da candidata Maria Pastora dos Anjos em 27 de setembro de 1848. Correspondência

recebida. APES. Fundo G1 1885.

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145

No caso do concurso para o candidato do sexo masculino era realizado em duas

etapas. Na primeira etapa era feito um ditado da mesma forma que se fazia com as

candidatas. Na etapa seguinte o candidato era avaliado na parte de aritmética, inclusive na

parte de geometria.

No exame de Antonio Rodrigues da Fraga podemos perceber que o candidato não foi

examinado na parte de geometria como determinava a legislação. O candidato foi

examinado apenas através de um texto e uma conta de multiplicar.

Transcrição

nome Pelo numero de prudencia entende-se frequenti mente o habito de seguir promptamente os meios sa biamente excogitados, para se obter o fim intentado. Differe da sabedoria, por que a primeira pre- para e esta executa, donde se vê claramnete, que uma pode estar ao mesmo tempo sem a outra. Serge. 23 de fevereiro de 1849 Antonio Roez. da Fraga 158

158- Prova de concurso do candidato Antonio Rodrigues da Fraga em 23 de fevereiro de 1849. APES.

Correspondência recebida. Fundo G1 1885.

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146

Transcrição

1234567890,4587 34,20

______________________________

246913578091440 864197523921090 37037036713762

_______________________________ 45925925925525063640 159

A prova de Antonio Rodrigues da Fraga como podemos observar apresentou erro na

parte de aritmética. Na verdade o produto da conta deveria ser 452222221853,516540 e

não o resultado que foi apresentado pelo candidato. Mas mesmo assim houve aprovação

do candidato para a cadeira de primeiras letras como consta no documento anexado à

prova.

Attestamos, que examinando Antonio Rodrigues da Fraga nas materias analogas à Escola de primeiras letras, o achamos com alguma sufficiencia pr. se habilitar a Escola do Pe. José Antonio Corra. Serge. 23 de Janr°. de 1849.

Antonio Rois das Cotias

159- Prova de concurso do candidato Antonio Rodrigues da Fraga em 23 de fevereiro de 1849. APES.

Correspondência recebida. Fundo G1 1885.

Page 147: Dissertação de Luís Siqueira - UFS

147

Antonio Roiz. de Szª. Bram. 160

Os dados presentes na prova e no atestado de aprovação de Antonio Rodrigues da

Fraga acabaram por nos revelar que o candidato fez sua habilitação na escola de primeiras

letras do padre José Antonio Correia. Provavelmente alguma noção sobre o método de

ensino o candidato sabia. Mesmo não sendo julgado na parte pedagógica, o candidato

conseguiu aprovação com a nota de “alguma suficiência” dada pelos dois examinadores.

Sobre a parte pedagógica teórica e prática do método de ensino, Vilela afirma que

ficava em segundo plano nos concursos para o magistério. O que interessava e estava

colocado em primeiro lugar para a classe dirigente era a questão da boa morigeração. 161

Havia assim ênfase no aspecto moral na formação do professor com objetivo de submissão

ideológica ao Império como ficou demonstrado através dos testos escritos pelos candidatos

ao magistério sergipano.

Os textos ditados nos exames orais dos candidatos começaram a sofrer mudanças a

partir da década de cinqüenta. Por força do novo currículo adotado que contemplava

noções de história, os examinadores passaram a ditar textos sobre história geral e do

Brasil, principalmente nos exames dos professores do sexo masculino. Nos do sexo

feminino notamos ditados com teor de boa conduta como regras para ler, jargões sobre a

Constituição imperial, alfabeto e números.

No exame de Sevolo Rodrigues de São José e Antonio Procópio Torres, concorrentes

a cadeira de ensino primário da Freguesia de Pacatuba em 1853, o ditado ocorreu com

texto de história geral e sobre o alfabeto. Não consta exame da parte de aritmética.

Os examinadores que avaliaram esses candidatos foram o padre José Gonçalves

Barroso, José Antônio Correia e Tito Augusto de Andrade. O candidato vencedor foi

Sevolo Rodrigues de São José que obteve duas notas de “suficientes”. O ditado dos

candidatos possuíam o mesmo teor, como pode ser visto a seguir.

160 - Atestado de aprovação do candidato Antonio Rodrigues da Fraga em 23 de janeiro de 1849. APES.

Correspondência recebida. Fundo G1 1885. 161 - VILELA, Heloisa de O. S. O mestre – escola e a professora. Op Cit. p. 107.

Page 148: Dissertação de Luís Siqueira - UFS

148

Transcrição

Um dos Cezares tentou debalde augmen tar de tres letras o alfabeto Romano; o poder Imperial não pode dar vida; Como poderia o homem inventar o genio d’euma lingua, or ganisar o mecanismo d’ella em suas regras concordancias, e excepções nomerosas. 162

No exame de Manuel Rodrigues D’Avila candidato à cadeira do sexo masculino da

vila de Capela, o texto versou sobre a História Geral, narrando os feitos dos portugueses

na conquista de novas terras e sobre literatura também portuguesa. O candidato recebeu

aprovação no concurso.

162 - Prova do Candidato Sevolo Rodrigues de São José em 7 de novembro de 1853. APES. Correspondência

Recebida. Fundo G1 974.

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149

Texto sobre História Portuguesa

Transcrição

Recebêo elrei D. Manoel com alegria a n[o] ticia que lhe trouxe Lemos, vendo d’ahi endi ante estender-se o seu dominio, não sómente nas tres antigas partes do mundo; mas ainda na quarta de nova descoberta: os prosperos suc cessos de Cabral n’a India corroborarão, pr. ou tro lado, todas as suas esperanças; dos Portu gueses bastavão apparecer, para darem Leis; a os mesmos soberanos de quem elles soliciatarão aliança, não conseguirão mais [ilegível] não reconhecendo-se vaçalo da Corte de Lisbôa. 163

163- Prova do Candidato Manuel Rodrigues D’Ávila em 27 de agosto de 1863. APES. Correspondência

Recebida. Fundo E1 395.

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150

Texto sobre Literatura Portuguesa

Transcrição

Estava linda Ignes posta ensocego De teus annos, colhendo doce fruito, N’aquelle engano da[?] ledo, e sego Que a fortuna não deixa durar muito, Nos saudosos campos do Mondêgo, De teus formosos olhos nunca inchutos, Aos montes ensinando e as ervinhas O nome que no peito escripto tinha Aracajú 14 de Septembro de 1864

Manoel Rodrigues d’Avila164

164 - Prova do Candidato Manuel Rodrigues D’Ávila em 27 de agosto de 1863. APES. Correspondência

Recebida. Fundo E1 395.

Page 151: Dissertação de Luís Siqueira - UFS

151

No exame da candidata Ana Maria de São José, realizado no ano de 1864, os

examinadores não ditaram textos referentes à História Geral ou do Brasil, mas o teor de

suas provas consta de lições de boas maneiras, escrita do alfabeto e de números como se

pode verificar abaixo;

Texto sobre boas maneiras

Transcrição

QUANDO ACABARDES

de ler um livro, comvém sempre fechá-lo com cuidado. Algu mas pessoas costumam voltar o livro e colloca-lo aberto sobre uma mesa, ou cadeira; o que abre demasiado o livro e frequen temente emporcalha as paginas. N 1234567890$

Anna Maria de S. Jose Paes165

165 - Prova da Candidata Ana Maria de S. José Paes em 24 de julho de 1864. APES. Correspondência

Recebida. Fundo E1 395.

Page 152: Dissertação de Luís Siqueira - UFS

152

Texto sobre o Alfabeto

166

166 - Prova da Candidata Ana Maria de S. José Paes em 24 de julho de 1864. APES. Correspondência

Recebida. Fundo E1 395.

Page 153: Dissertação de Luís Siqueira - UFS

153

Os textos utilizados nos exames das candidatas diferenciavam-se no teor dos exames

dos candidatos. Assim como os professores estavam inseridos no projeto de construção da

nação, as professoras assumiam também função de relevância porque passariam a instruir

como a ideologia imperial as meninas que depois seriam as futuras mães de família. Foi

uma das formas que os dirigentes provinciais encontram para penetrar no espaço familiar

sergipano.

O concurso para o magistério público de primeiras letras era realizado depois que o

(a) candidato (a) apresentasse atestados de boa conduta moral e civil. Essa questão de se

exigir a morigeração continuou por todo período contemplado neste trabalho. Ligado a

essa exigência e por força da lei do Regulamento de 1858, os candidatos também deveriam

apresentar provas de capacidade profissional antes de serem examinados. Esse mecanismo

adotado em Sergipe estava justificado na criação do cargo de aluno-mestre e de professor

adjunto na década de cinqüenta. Assim, a capacidade profissional era provada por:

[Art. 85.] § 1. Pela apresentação de titulo devidamente reconhecido, pelo qual mostre o candidato que é graduado ao menos em - Bellas letras - por qual quer estabelecimento publico litterario, nacional ou estrangeiro; com tal titulo terá admissão interinamente durante um anno, e com attestação legitima de bons serviços durante esse praso, será dispensado de mais exames. § 2. Por atestado do Inspetor Geral das aulas de ter o candidato exercido 3 annos sem nota má as funções de professor adjunto. Esta atestação depende do prenechimento das condições do artigo 67. § 3. Os que não estiverem em taes circunstancias só se julgarão habilitados por exame oral e escripto feito publicamente em presença do Presidente da Província pelos examinadores que elle nomear. Serão preferidos para examinadores professores de qualquer estabelecimento de instrucção superior, que para o futuro sejão creados na Capital, e a taes exames assistirá sempre o Inspetor Geral das aulas.167

Como se pode perceber, a questão da habilitação do método de ensino estava

presente no rol da capacidade profissional do candidato. O artigo 67 citado na fonte trata

do exame de prova prática para os professores adjuntos realizado na capital da Província a

cada final de ano, na presença do inspetor geral das Aulas. 168 Desse modo, O candidato

167 - Regulamento da Instrução Pública. Doc. Cit. p. 20. 168 - Idem. p. 20.

Page 154: Dissertação de Luís Siqueira - UFS

154

que tivesse atuado como aluno mestre ao optar pela carreira de professor de primeiras

letras realizava a prova prática com o objetivo de mostrar a capacidade de instruir nas

matérias de ensino determinadas.

Assim, embora a conformação da profissão docente tenha recaído no aspecto da

formação moral havia também preocupação em se apurar o aprendizado prático do método

de ensino simultâneo adotado nesse período.

A documentação sobre a prova prática que os professores adjuntos faziam não

aparece no rol dos documentos apresentado à Diretoria de Instrução Pública. Constam

apenas os documentos que comprovassem a conduta moral do indivíduo, atestado de boa

condição de saúde, além dos exames oral e escrito, como podemos exemplificar com a

situação do candidato João Batista de Meneses.

O candidato João Batista de Meneses apresentou em 1864 requerimento à Diretoria

Geral das Aulas dando informação sobre seu julgamento na parte prática e que por isso

solicitava seu nome nos rol dos candidatos concorrentes à vaga da cadeira de Pacatuba. Na

documentação que apresentou consta do atestado de conduta moral como provas do

cartório, da delegacia de polícia e de saúde, como podem ser comprovados a seguir.

Page 155: Dissertação de Luís Siqueira - UFS

155

Atestado da Delegacia de Polícia

Transcrição

Attesto que o supplicante Tem excelente conducta ci vil e moral. Delegacia em Propriá 30 de Março 1864 O Delegado José Mattins da Graça Leite 169

169 - Atestado de polícia do candidato João Batista de Meneses em 30 de março de1864. APES. Fundo E1

395.

Page 156: Dissertação de Luís Siqueira - UFS

156

Atestado de boa Saúde

Transcrição

Eu abaixo firmado. Doutor em Medicina pela Fa culdade Medico-Cirurgica da Bahia, e Cavalheiro da Or- dem da Rosa

Certifico que o Sor. João Baptista de Meneses não soffre molestia nem uma, quer contagiosa quer não-contagiosa. Passei-lhe este certificado in fide gradêis mei para que conste onde convir. Aracaju, 18 de agosto de 1864. Thomaz Diogo Leopoldo.170

170 - Atestado de saúde do candidato João Batista de Meneses em 6 de abril de 1864. APES. Fundo E1 395.

Page 157: Dissertação de Luís Siqueira - UFS

157

Atestado de Cartório

Transcrição

Nada de culpas do sup plicante, pelo meo car- torio, e doque dou fé. Vil la de Propriá 6 d’Abril 1864. o Escr am Manoel Joaquim Rangel

Nada consta do Suppe. em meos rois de culpados, doque dou fé. Propriá 6 de Abril de 1864.

O Escrivam Bento Rodrigues de Amorim 171

171 - Atestado de cartório do candidato João Batista de Meneses em 1864. APES. Fundo E1 395.

Page 158: Dissertação de Luís Siqueira - UFS

158

Pelas provas que os candidatos eram obrigados a apresentar à comissão examinadora

concursos públicos para professor de primeiras acabava se tornando um processo. Além do

julgamento da capacidade profissional, o candidato ainda teria que apresentar outras

provas que atestassem boa morigeração e o grau de saúde. Documentos como esses

apareciam com freqüência nos processos dos concursos de vários professores. Essas

exigências acabam por revelar a representação do professor como uma figura importante,

como uma ferramenta essencial no processo de construção da nação.

Vilela afirma que com a Reforma Couto Ferraz empreendida na década de cinqüenta,

os dirigentes valorizavam mais os concursos públicos que a formação anterior do

professor deixando a cargo dos inspetores o trabalho pela vigilância e controle. 172 Assim,

muito antes do concurso, o candidato pelas provas que apresentava já estava pré -

selecionado.

Quando o candidato já exercia a profissão ou possuía uma formação intelectual e era

considerado como um bom cidadão com conduta moral exemplar era dispensado dos

exames. Foi o que ocorreu com o padre João Ponciano dos Santos que conseguiu do

presidente da Província em 1862 a licença e em seguida a cadeira de primeiras letras de

Aracaju por exercer a condição do sacerdócio. 173

Caso similar ocorreu com Josias Maurício Cardoso que, pretendendo abrir uma

escola de primeiras letras, solicitou ao inspetor geral das Aulas dispensa de provas de

capacidade profissional. Para conseguir sua dispensa, o solicitante apresentou provas

constando que já exercia a profissão de professor primário na Praça da Matriz, em

Estância desde 1850, segundo o diretor do colégio dessa localidade Marcelo José de S. Fé.

Além disso, consta também um atestado do padre José Luiz de Azevedo afirmando que o

professor exercia com “muito bem o magistério”, segundo suas observações. 174

A experiência profissional apresentada pelo solicitante e a atestada por pessoas

consideradas de confiança proba como foi o caso do padre e do diretor do colégio onde

Josias Maurício Cardoso ensinou, garantiu-lhe licença para abrir a escola. O que também

172 - VILELA, Heloisa de O. S. O mestre – escola e a professora. Op Cit. p. 126. 173 - Licença do padre João Ponciano dos Santos em 9 de junho de 1862. APES. Fundo E1 395. 174 - Processo do professor Josias Maurício Cardoso em 9 de janeiro de 1862. APES. Fundo E1 395.

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159

levou o professor a ganhar o título e licença para ensinar foi o comprometimento em

seguir o programa de ensino adotado para as escolas públicas da Província.

Essas práticas desenvolvidas pelos dirigentes provinciais para conformar a profissão

docente de primeiras letras sergipanos apresentadas linhas acima sobre os concursos

públicos, evidenciam a função atribuída à escola como agência responsável pela

construção do país. A questão que se colocava era não subverter a ordem estabelecida,

mas contribuir para a manutenção do que estava estabelecido.

3- As Visitas

Não foi só a prática da legislação e dos concursos públicos que o Estado imperial

criou para conformar a profissão docente de primeiras letras. Ligado a essas práticas foi

desenvolvido desde a década de trinta o mecanismo de visitas às escolas de primeiras

letras. No início, essas visitas eram realizadas uma vez durante o ano e era de

responsabilidade da câmara de vereadores. Mas a partir da década de cinqüenta, com a

estruturação da Diretoria de Instrução Pública, passou a ser realizada semestralmente.

A função das visitas era informar a situação material das escolas de primeiras letras,

mas a ênfase recaía no desempenho do professor. Na verdade a intenção dos dirigentes

provinciais era vigiar e controlar as ações dos professores. Assim, os visitadores

passavam a ser os “olhos e ouvidos” do Estado. Pelo fato de a profissão docente ser

considerada vitalícia, a função da vigilância atendia aos objetivos de controle e de

disciplina desse agente do ensino de primeiras letras.

Segundo Foucaut, o poder disciplinar é um poder que em vez de se apropriar e de

retirar tem como função adestrar para se apropriar mais e melhor. 175 O sucesso desse

poder se deve ao uso de instrumentos simples como o olhar hierarquizado, a sanção

normalizadora. Isso porque a intenção da disciplina é tornar os indivíduos úteis.

A hierarquização do poder disciplinador se processava na forma em que os

professores de primeiras letras eram vigiados por um corpo de funcionários designado

para isso. Ao mesmo tempo os professores também faziam parte desse sistema ao

controlar e vigiar os alunos, determinando normas de condutas. Dessa forma, tanto os

professores como os alunos estavam submetidos a normas de sanção instituídas. 175 - FOUCAUT, Michel. Vigiar e punir: nascimento nas prisões. 29ª ed. Petrópolis: Vozes, 2004. p. 143.

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160

Seguindo as reflexões de Foucault podemos perceber que a classe dirigente

provincial sergipana ao criar o sistema de visitas tinha como objetivo adestrar os

professores primários para melhor aproveitá-los no projeto de construção da Nação

brasileira. Como ainda existiam práticas de ensino herdadas do século anterior como o

ensino da gramática latina, e também diferenciadas, a vigilância cumpria a função de

corrigir, retirar e impor outras que atendessem aos propósitos do Império.

Muitas das escolas de primeiras letras funcionavam nas casas dos professores que

por sua vez estavam longe dos administradores. Nesse espaço, o domínio era dado ao

professor que estava em seu ambiente privado. Dessa forma, as visitas cumpriam a função

de vigiar a profissão com o intuito de retirar práticas culturais particulares e conformar e

uniformizar a profissão docente.

Com o mecanismo de visitas às aulas, o Império também procurava solucionar os

problemas existentes no funcionamento das escolas e das práticas dos professores,

controlando-os e vigiando-os. A prática da visita revelava o que era ensinado, como era

ensinado e qual o estado físico da escola; avaliava o desempenho do professor e dos

alunos.

Através da documentação sobre as visitas realizadas pelos encarregados para tal fim

podemos perceber como se dava o processo de ensino e aprendizagem na escola

sergipanas do século XIX. Embora seja um olhar da classe dirigente sobre os agentes do

ensino as fontes revelam dados que ajudam a entender a mecânica de funcionamento da

profissão docente na Província sergipana.

Como se disse, desde o início da década de trinta os dirigentes procuravam conhecer

a situação das escolas sergipanas como se pode mostrar através da visita realizada nas

escolas de primeiras letras empreendida pelo visitador nomeado, Braz Diniz de Vilas-Boas

em 1831 na vila de Santo Amaro. Essa vila além de compreender sua sede contava

também com algumas povoações que faziam parte do termo da região. Faremos citação

das localidades presentes no relatório com intuito de mostrar as várias realidades do

período.

O relatório começa dando conta das escolas da vila e depois relata a realidade das

escolas públicas e particulares das povoações. Por esse documento podemos fazer

inferências das habilitações e das práticas dos professores, tanto de Santo Amaro como das

povoações, como se pode verificar a seguir.

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161

1° - Ha n’esta Villa huma cadeira de 1as. Letras, instituida para instrucção de meninos, regida actualme. pelo Professor Jose Lopes de Moura, aberta em 22 de 8br°. de 1825. Achei em sua aula 54 alunnos, bem que me deu em lista o numero de 56 entre assiduo e não assiduo, inclusos nesse numero os que tem sahido em differenrtes graos de adiantamto. Seus actuais discipulos, sem uso de lettra redonda, pouco adiantamentos, são naturalme. propensos a escrever bem.176

Pelo que diz o documento do visitador, na cadeira da sede da vila de Santo Amaro o

professor estava instruindo há seis anos e não dá para se saber com certeza quais as

matérias que os alunos aprendiam. O que ficou evidenciado no relatório foi o aprendizado

da escrita sem uso de letras redondas, indicando assim falhas na habilitação do professor.

Situação diferente era a da cadeira da povoação do Rosário do Catete regida pelo

professor José Gonçalves de Souza. Segundo o visitador, nessa escola, o professor

continuava com práticas herdadas do período anterior.

2°- Ha na povoação de N. S. do Rosario do Catete huma Cadeira de 1as. Letras, creada pa. a educcação de meninos, ora regida pelo seu professor Jose Glz. de Sousa, aberta em 27 de Março de 1829. Achei em sua aula 40 e tantos alunnos, bem que me appresenta em lista o numero de 42 entre assiduos, e não assiduos, incluido nesse numero de 39, que sahirão promptos, ou menos promptos, a aprender Latim ou officios mechanicos. [ ] os discipulos, dirigidos por hum Mestre conhecedor da grammatica Latina, estão soffrivelme. adiantados em ler, contar, e Doutrina Christã, ainda que não escrevem muito bem.177

De acordo com o relatório, tem-se que o professor da cadeira da povoação de Nossa

Senhora do Rosário do Catete ensinava a Gramática Latina a seus alunos. O currículo

dessa escola estava restrito as noções de leitura, escrita, aritmética e doutrina cristã, mas

apenas sofrivelmente, não constava o ensino das noções práticas de geometria,

determinada pela lei de 1827.

Acompanhando o documento verifica-se que nessa povoação também existia uma

cadeira de primeiras letras particular, instituída no mesmo período que a pública. No

entanto, a situação da primeira escola apresentava bom resultado que a segunda, como

informou o visitador. O problema que existia era o pouco zelo e desleixo do professor da

176 - Termo de visitas em 12 de março de 1831. APES. Fundo G1 672. 177 - Idem.

Page 162: Dissertação de Luís Siqueira - UFS

162

escola particular. Isso significa afirmar que também a escola particular ensinava

Gramática Latina, não havendo o ensino de Geometria.

Na cadeira pública da Povoação de Nossa Senhora da Purificação da Capela a

situação da instrução pública não era nada boa, era alarmante, segundo o visitador. Essa

escola, que fora criada em 1825, com um quadro de 24 alunos, seis anos após só 13 deles

tinham saído prontos e os demais ainda não sabiam nada, como se pode verificar no

relatório do visitador.

3°- Ha na povoação de N. S. da Purificação da Capella duas cadeiras de 1as. Lettras, huma publica, e outra particular. Na publica aberta em 16 de fevereiro de 1825, e provecta ao Professor Rosino Jose Diogo Cardoso, achão-se 24 alunos, bem que só apparecerão 13, tendo sahido 19, e alguns destes a freqüentar outra eschola ; e nada de arithmetica, estando o publico summame. desgostoso deste Professor. Na particular, aberta em 1° de fevereiro de 1825, achão-se 24 alunnos, tendo sahido 19; pouco mais sabem que doutrina Christã, Todavia tem mais preparos comparativame., que na publica.178

Na visita à povoação de Nossa Senhora da Purificação da Capela, o visitador, ao

fazer comparações entre a cadeira pública e a particular, nos mostrou uma realidade que

pode nos indicar que os professores ou pouco sabiam para ensinar ou suas escolas

passavam por dificuldades e, conseqüentemente o ensino estava atrasado demais para o

tempo em que as escolas foram criadas. Se na pública os alunos não sabiam noções de

aritmética, na particular sabiam pouca doutrina cristã.

Em outra localidade, na povoação de Divina Pastora, pertencente também ao termo

da vila de Santo Amaro, a situação da cadeira era diferente porque a pouca habilitação que

o professor possuía em Língua Latina não interferia tanto no processo de ensino. Muito

pelo contrário, o visitador apresentou falhas na freqüência escolar e no abandono da

cadeira pelo titular.

4°- Ha na Povoação da Divina Pastora huma Aula Publica de 1as. Lettras, aberta em 23 de março de 1829. Seu Professor Antonio Joaquim Pitanga, soffrivelme. instruindo na Lingua Latina, e de mt°. boa moral , he exatissimo em suas obrigações; appresentou-me o numero de 50 e tantos alunos, bem que da lista com o de 78 entre frequentes , e infrequentes . Achei – os adiantados em principios de arithmetica, ler, Doutrina Christã, e alguns tanto em escrever. Mas consta que o mencionado Professor, para ordenar largou a aula deixando substituto.179

178 - Termo de visitas em 12 de março 1831. APES. Fundo G1 672. 179 - Idem.

Page 163: Dissertação de Luís Siqueira - UFS

163

Na ultima povoação visitada, a de Bom Jesus, o visitador mesmo reconhecendo a

pouca habilitação do professor da cadeira reconhece o comprometimento que o docente

possuía para com seus alunos. Também nessa escola não constavam as noções de

geometria como a lei determinava.

5°- Ha finalme. em a Povoação do Bom Jesus Aula publica de 1as. Letras, aberta em 1° de abril de 1829, cujo Professor Manoel Francisco Lino, ainda que sem grandes conhecimtos., toda via he o mais zeloso, assiduo, e vigilante de todos no cumprimento dos seus deveres, e da milhor conducta moral, seus discipulos estão grandeme. adiantados em Arithmetica, ler, escreve, e doutrina Christã. Approveito-me em lista o numero de 44 alunnos, o que he admiravel em tão pequena Povoação.180

Pelo que se pode observar a partir do relatório confeccionado pelo visitador da Vila

de Santo Amaro, os professores de primeiras letras sergipanos ainda vivenciavam práticas

de ensino comuns no período colonial brasileiro. Em suas escolas não eram ensinadas

noções de geometria e o ensino de Gramática Latina ainda era uma realidade muito

presente.

O que chamou atenção nesse documento foi o fato de que em quase todas as cadeiras

o ensino da doutrina cristã se apresentava com bom desempenho. Essa questão pode nos

mostrar o elo de união que havia entre o Império brasileiro e a religião Católica. E também

a necessidade de passar as noções morais através do ensino dessa matéria. Pelo ensino da

doutrina cristã o coração e a mente da criança seriam moldados. Dessa forma, a escola de

primeiras letras não só instruiria, como também educaria a população escolarizável

sergipana.

Outra questão que se pode perceber é a falta de ênfase no ensino da Gramática

Nacional, como ficou constatado no relatório. Para um país e uma Província que se

tornaram independentes, o ensino da Gramática Portuguesa seria ferramenta essencial para

a construção da Nação, constituindo o cimento que uniria as quatro regiões do país,

garantindo assim a unidade social.

A continuidade dessas práticas herdadas do período anterior preocupou o visitador.

Na conclusão que fez sobre a situação das práticas dos docentes de primeiras letras ficou

180 - Termo de visitas em 12 de março de 1831. APES. Fundo G1 672.

Page 164: Dissertação de Luís Siqueira - UFS

164

evidente que a realidade da Província sergipana era outra e exigia novas competências dos

docentes. O que se exigia daí por diante era uma nova habilitação como determinava a lei

de 1827. A citação da conclusão do visitador se faz necessário por ser bastante elucidativa

dessa questão.

Apezar do que deixo dito, em obsequio da verdade, e a prol da prosperidade da minha Portaria a que não devo ser indifferente, sou forçado a significar a VV. SS., que nenhum dos Professores de 1as. Letras da villa, e Termo de S. Amaro satisfez o [me] rito e letra da Lei de 15 de Outubro de 1827 Art 6° por que ninhum ha, que na conformidade da citada Lei ensina practica de [quebrada] [ilegível] decimaes, proporções, noções geraes de geometria practica, grammatica da lingua Nacional etc; e pareceme hum enorme peculato, que estando habilitados na forma das Leis anteriores às de 15 de outubro de 1827, contra o disposto na de 14 de junho de 1830 Artig. 5° estejão na fruição de augmento do Ordenado, só permittido aos que se habilitarão, ou se hebilitaram segundo a supracitada Lei: o que he digno da attenção de VV. SS., para o fazerem prezente ao Exmo. Senr°. Presidente desta Provincia. Deos Guarde a VV. SS. Muitos annos. Villa de Sancto Amaro das Brotas 12 de Março de 1831.

Braz Diniz de Villas-Boas Visitador nomeado181

Seguindo a linha conclusiva do visitador Braz Diniz de Vilas-Boas, a situação da

instrução pública sergipana necessitava de medidas para se adequar aos ditames da lei

geral de instrução. A nova realidade exigia um currículo no qual constasse o ensino da

Gramática Nacional e acréscimo das noções de Geometria Prática.

Na povoação da vila de Estância em 1832 a precariedade do ensino somava-se com a

realidade vivida na vila de Santo Amaro. O visitador constatou que os professores

possuíam pouca qualificação, pois segundo suas observações os alunos aprendiam

superficialmente e para provar tal afirmação enviou à Câmara de vereadores seis escritos

dos alunos para serem analisados e, consequentemente, tomadas as devidas providências.

A visita foi realizada nas escolas da povoação regidas pelos professores Heliodoro

Brantor Cardoso e José Pinheiro em 28 de março de 1832. Segundo o visitador, os

professores ainda seguiam o método antigo, ou seja, o método individual de ensino.

181 - Termo de visitas em 12 de março de 1831. APES. Fundo G1 672.

Page 165: Dissertação de Luís Siqueira - UFS

165

Também informa que era a segunda vez que visitava as duas escolas. O resultado, segundo

o visitador, não foi dos melhores daí que o visitador coletou os escritos que foram

utilizados pelos professores nas aulas para enviar aos responsáveis e assim comprovar o

que encontrou em termos de desempenho dos professores e alunos.

Os escritos enviados pelo visitador chamam atenção pela riqueza em detalhes.

Mostram ainda como os professores seguiam à risca a determinação dos ditames

ideológicos do Império ao fazerem com que os alunos copiassem o que estava

determinado. Esse escrito nos faz entrar em contato com os tipos de material didático

utilizados nas aulas do século XIX.

Page 166: Dissertação de Luís Siqueira - UFS

166

Transcrição

Abcdefghiojklmnopoqrstuvxz boa ou

Da boa ou da má educação dos paes depende

a feliciade, ou infelicidadedos filho s porisso ó paes, educai os vossos filhos, segundo a Lei de Deos. Estancia 26 de Março de 1832 ABCDEFGHIJKLMNO PQRSTUVXZ

Faustino Jose de Porciuncula

Page 167: Dissertação de Luís Siqueira - UFS

167

Escrito n. 2 182

Provas como essas colhidas pelo visitador evidenciam como o professor era vigiado

em seu ofício. Para mostrar a prática docente o visitador se valeu dos escritos dos alunos.

A intenção era fazer valer outras práticas e melhorar a situação das escolas Na conclusão

do visitador, a solução para a melhoria das duas escolas estaria na habilitação dos

professores no método lancasteriano e a conseqüente adoção nas escolas da vila

estanciana. 183

Se o visitador estava sugerindo o método de ensino lancasteriano para essas escolas

como determinava a Lei de 1827 estava, por outro lado, admitindo práticas contrárias à

legislação. Daí que a função do visitador cumpria com os objetivos de inspecionar para

depois fazer intervenção nas práticas desempenhada pelos professores.

182 - Visita das aulas da Vila de Estância em 28 de março de 1832 - Comissário das Aulas. APES. Fundo G1

672. 183 - Idem.

Page 168: Dissertação de Luís Siqueira - UFS

168

Na verdade a intenção do visitador foi tentar mostrar, através dos escritos dos

alunos, como a profissão docente estava sendo vista. Ao coletar provas sobre o

desempenho docente, o visitador afirmava por outro lado a desqualificação profissional

dos professores. Não foi à toa que em seu relatório os saberes e as práticas dos professores

foram desqualificados. Daí que seria urgente a substituição por outros saberes mais úteis

ao que se esperavam da escola de primeiras letras sergipana para o momento.

A desqualificação do professor passou a sustentar o discurso, na década de trinta, de

construção de um templo que fosse capaz de melhor qualificar esse profissional: a escola

normal. Vilela afirma que a classe dirigente brasileira via esse templo de qualificação

docente como um bem comum para a sociedade. 184 Seria através do professor qualificado

que a sociedade seria instruída e, assim, regenerada.

A prática das visitas nas escolas de primeiras letras tornou-se uma rotina comum no

século XIX, evidenciando práticas e saberes. Na maioria das vezes o método de ensino

nem sequer era notado. O sucesso da escola, apresentado pelos relatórios dos visitadores

era enfatizado pelo que os alunos dominavam de escrita, leitura, aritmética e doutrina

cristã. Ao relatar sobre o domínio dos alunos, os dirigentes estavam também conferindo os

investimentos feitos na esfera da instrução como pode ser observado na visita.

As práticas das visitas também cumpriam a função de vigiar os professores no seu

ofício diário. O que mais apareceu na maioria dos relatórios diz respeito ao zelo,

assiduidade, e bom desempenho docente. Nas visitas não havia preocupação em saber se o

professor dominava a teoria e a prática do método de ensino.

Na visita que o comissário da Inspetoria Geral fez às escolas primárias da vila de

Laranjeiras em 11 de maio de 1858, a questão da qualificação e do desleixo dos

professores ficaram evidenciados.

A aula do Professor Manoel Candido da Cunha [ilegível] apresentou 30 alunnos, d’estes poucos lêm com alguma facilidade, nenhum sabe gramatica. Indagando ao Professor a razão de semelhante falta na sua aula, disse que os pais de seus dissipulos não querem, negando-lhes os compendios e que elle tambem os não tinha. Parece-me bem frivola a rasão, porque se houvesse vontade, poderia o professor ter uma grammatica, e fazer apostila pelos seus discipulos. Alguns poucos mostrão conhecer praticamente a aritmetica; a orthographia nenhum. Na ocasião em que visitei a aula as 4 da tarde não se occupara o professor com os seus discipulos: sobre uma pequena mesa escrevia papel circundado de mais três individuos que parecião mostrtar interesse pelo escripto. A aula tem apenas três bancos, disedome

184 - VILELA, Heloisa de O. S. O mestre – escola e a professora. Op Cit. p. 104.

Page 169: Dissertação de Luís Siqueira - UFS

169

o professor que há requisitado mobilia, e se lhe não tem dado. Consta porem d’esta Inspetoria, que isso não é exacto que esse professor já teve authorização para comprar mobilia, e que se recusa de o fazer. 185

Nem sempre as visitas que eram realizadas apresentavam as mazelas da instrução

primária sergipana. Muitas vezes os visitadores apresentavam elogios aos professores pela

forma como desempenhavam o ofício docente com assiduidade, zelo e boa conduta moral

como aconteceu com a escola da professora Possidônia Maria já vista em outra parte deste

trabalho. Esses elogios eram registrados nos livros de visitas da escola.

Na verdade esses elogios acabavam se tornando ferramenta para legitimar discursos

na Assembléia Provincial sobre a profissão docente. Quando o professor desempenhava

suas funções, principalmente quanto à questão do método de ensino, os administradores

provinciais faziam destaque no relatório que apresentavam na Assembléia. Em muitos

relatórios podemos encontrar citações do desempenho de alguns professores.

Outra questão que observamos na avaliação dos termos de visitas é que as notas

dadas sobre o desempenho dos professores serviam também como parâmetro para o

aumento de salário. Assim, recebia mais quem dominasse mais conhecimentos acerca das

matérias de ensino determinadas pela legislação.

No entanto, se o desempenho do professor era notificado como parâmetro para

aumento de salário, a conduta moral se destacava nos termos de visitas. Com a

sistematização da Diretoria de Instrução Pública na década de cinqüenta, essa questão

tornou-se mais evidente como podemos observar través do termo de visita da aula do sexo

feminino da cidade de São Cristóvão em 22 de maio de 1869.

No dia vinte e dous de Maio de 1869 visitei a aula do ensino primário do sexo femenino regida pela Senhora Francisca Xavier do Monte Carmello, e encontrei quarenta e duas alunnas, que fiz ler, reger, e contar em minha presença, e achei-as bastante adiantadas. Outro sim devo declarar que a Professora, que me não esperava, estava decente, e ensinado com esmero prendas domesticas. Louvo a Senhora Professora pelo zelo, e enteresse, que toma pelo adiantamento de suas discipulas. São Christovão 22 de Maio de 1869. O Inspector de Distrito vigario Jozé Gonçalves Barrozo. Está conforme.

A Professora Francisca Xavier do Monte Carmelo. 186

185 - Relatório das aulas da Vila Laranjeiras em 11 de maio de 1858. Correspondência Recebida. APES.

Fundo G1 967.

Page 170: Dissertação de Luís Siqueira - UFS

170

Visita como a que ocorreu de surpresa na aula da professora Francisca Xavier do

Monte Carmelo na cidade de São Cristóvão era freqüente, principalmente depois da

década de cinqüenta quando foi estruturado sistema de inspeção da Instrução Pública

provincial. Essa tarefa cumpria a função de melhor vigiar para controlar e administrar.

Dessa forma, o Estado vigiando conseguia entrar no espaço interno particular da escola,

retirando práticas como o ensino da Gramática Latina e determinando outras em seu lugar,

a exemplo da Gramática Portuguesa. Tudo passava pelo crivo dos “olhos e ouvidos” da

classe dirigente provincial. Buscava-se saber sobre a conduta do professor, seu zelo para

com o ensino, o adiantamento dos alunos e a freqüência destes.

4- A Habilitação

Quando se discutiu sobre a cadeira de ensino mútuo sergipana constatamos que dois

professores de primeiras letras que se inscreveram para o concurso sergipano haviam feito

as habilitações na cidade de Pedro Velho da Bahia e que, essa cidade, fora a única

determinada pelo governador da Província baiana para funcionar como escola de

habilitação de professores para o ensino mútuo.

A situação dos candidatos da cadeira de ensino mútuo sergipana estava inserida no

contexto da Lei de 1827, que através do artigo quinto determinava a fixação de tempo

curto para os professores que quisessem ensinar pelo método de Lancaster e assim, que

fossem aprender por conta própria nas capitais das províncias à custa de seus ordenados.

Com esse dispositivo, o Estado brasileiro passava para os agentes do ensino a

responsabilidade pela habilitação.

No entanto, sobre as cadeiras de primeiras letras que não funcionavam com base no

método mútuo, a Lei de 1827 silenciou quanto à habilitação dos candidatos concorrentes a

outras cadeiras. Nada informou, de forma especificada, como se daria a habilitação do

candidato ao magistério elementar. Assim, se a primeira lei de caráter geral não 186 - Visita da aula do sexo feminino da cidade de São Cristóvão em 22 de maio de 1869. Correspondência

Recebida. APES. Fundo E1 299.

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171

especificou a forma da habilitação então cada candidato que cuidasse da sua e que a

fizesse em local que melhor condição lhe apresentasse.

Ao se discutir sobrte a realização dos concursos na Província sergipana,

constatamos que não havia ênfase na formação intelectual dos candidatos, mas na conduta

moral e religiosa que acabavam recebendo peso maior para a investidura no cargo. Dessa

forma, a habilitação do método de ensino não recebia ênfase. Acreditamos que a

habilitação do método de ensino não era condição para a investidura no cargo de professor

por causa da legislação que determinava como o professor deveria proceder durante a aula.

A documentação pesquisada mostra que as práticas da habilitação para o magistério

público de primeiras letras não se deu de forma homogênea, mas variada tanto em lugares

quanto nas matérias de ensino, em vários locais, na própria Província sergipana ou fora

dela, variando também no tempo.

A não ser as habilitações dos professores concorrentes da cadeira de ensino mútuo

analisada em outra parte deste trabalho, não encontramos dados claros para as décadas de

trinta e quarenta que revelassem as habilitações dos docentes em locais específicos criados

para esse fim.

A Lei de 5 de março de 1835 concedia um prazo de seis meses para que os

professores públicos fizessem suas devidas habilitações por suas próprias custas. Como se

pode ver era uma concessão de um prazo curto, o que de certa forma evidencia a

fragilidade na formação do docente de primeiras letras. Desse modo, a primeira lei sobre

educação sergipana ao não especificar como daria a habilitação docente - já que a

Província a partir do Ato adicional de 1834 passou a ter liberdade para atuar no campo da

instrução primária - permitiu variações de habilitações.

Das buscas que se empreendeu encontramos fonte que evidencia o aprendizado

particular de matérias de ensino em Sergipe como foi o caso do professor João Ponciano

dos Santos morador da vila de Laranjeiras que em 1848 solicitou atestado de freqüência ao

então inspetor geral das aulas e professor particular de Gramática Latina Braz Diniz de

Vilas-Boas.

João Ponciano dos Santos morador nesta va. filho legitimo de Jose Ponciano dos Santos, a bem de seo direito precisa que lhe ateste de baixo de sua palavra de honra e com a verdade que lhe he propria quanto sentir a respeito de frequencia, e

Page 172: Dissertação de Luís Siqueira - UFS

172

aproveitamento do supplicante no tempo em que freqüentou a sua aula particular de Grammatica Latina.187

Assim como João Ponciano dos Santos muitos outros candidatos e professores

fizeram suas habilitações em locais variados, pois em Sergipe, nesse momento, não existia

uma escola normal como espaço para formação de professores. Daí ser freqüente, nos

relatórios dos presidentes provinciais sergipanos, a defesa de um templo para habilitação

docente.

Muitas vezes o candidato ao magistério público de primeiras fazia sua habilitação de

forma particular. Os jornais da época estavam cheios de anúncios sobre aulas particulares

para os que pretendiam habilitar-se nas matérias exigida pela legislação. Uma das pessoas

que habilitava candidatos para o magistério público sergipano era o professor Tito

Augusto Souto de Andrade que em 1853 publicou um anúncio no Jornal Correio

Sergipense informando que habilitava candidatos pretendentes a vaga de cadeiras

primárias.

Tito Augusto Souto de Andrade, offerece em o tempo das ferias , e d’elle em diante à ensinar Gramatica Latina, Francez, Geometria, pelo preço de 2U000 rs mensaes, à todas as pessoas que desejarem suas explicações igualmente habilita a qualquer pessoa que quizer oppor-se à alguma cadeira de 1ª letras em todas as materias necessarias pelo preço de 8U000 rs mensaes e adiantados. Sergipe 28 de novembro de 1853.188

A nota colocada no jornal Correio Sergipense por Tito augusto Souto de Andrade

parece ter chamado atenção dos que pretendiam seguir a carreira do magistério docente.

Em 1862 encontramos um requerimento de um candidato à cadeira do sexo masculino, de

nome Martinho Alves de Mello, provando que fora habilitado pelo anunciante do Jornal

citado acima. No processo do professor consta o atestado de quem o habilitou e as

matérias de ensino que cursou. 189

187 - Solicitação de João Ponciano dos Santos em 10 de fevereiro de 1848. APES. Fundo E1 395. 188 - Correio Sergipense. Aracaju, n.85, 03 de dez. 1853. p. 04. Grifo nosso. 189 - Processo do Professor Martinho Alves de Mello em 17 de julho de 1862. APES. Fundo E1 395.

Page 173: Dissertação de Luís Siqueira - UFS

173

Attesto que tenho lecionado particularmente ao peticionario Grammatica Portuguesa, e Arithmetica até proporções; e que tem sufficientemente aproveitado; o que atesto em verdade. Laranjeiras 5 de julho de 1862. Tito Augusto Souto de Andrade 190

Nas décadas de cinqüenta e na seguinte os candidatos faziam suas habilitações não

só através de aulas particulares como as citadas acima, como também através das cadeiras

isoladas de ensino espalhadas pela várias localidades da Província como ocorreu com o

professor Antonio José Rodrigues das Cotias. Esse professor, além de ter estudado em um

internato da vila de Estância freqüentou também as aulas isoladas de Geometria e de

Geografia também na mesma vila como consta no atestado.

Atestto e juro, se preciso for que o suppe. no anno escolar de 1859, frequentou as duas aulas que eu então regia com grande aproveitamento e conducta sempre exemplar, sem que nunca fosse preciso fazer-lhe a minima observação sobre o respeito devido, e bem assim que foi examinado em qualquer das materias por S. M. o Imperador, o Senhor Dom Pedro 2°, quando visitou o Internato desta cidade ( hoje extincto) ficando o nosso Augusto Monarca satisfeito com a sua prova; frequentou ainda este anno as duas aulas, e supprimindo a de Geografia, continuou na de Geometria até o dia 13 do corre. Estancia 27 de agosto de 1860. Joaquim Mauricio Cardoso, Professor Pr.

E. R. M. 191

A habilitação de Antonio José Rodrigues das Cotias em Geografia e Geometria, além

da avaliação do Imperador deram relevantes credenciais ao professor primário. Essa

habilitação deu ao professor competências para ser examinador de muitos candidatos à

cadeira de primeiras letras sergipana. Encontramos muitas provas de concurso público

primário no qual o exame em Geometria ficava sob a responsabilidade desse professor.

Caso como o do professor citado acima era comum em toda a década de sessenta. As

habilitações variavam de professor para professor. Muitas vezes a habilitação era feita em

cadeiras que a lei não exigia a exemplo do candidato Alexandre José Teixeira que

freqüentou as cadeira de Filosofia, Geografia e História, além das exigidas pela legislação.

Nas matérias exigidas pela legislação sergipana o candidato cursou as aulas particulares

com o professor Tito Augusto Souza de Andrade, na cidade de Laranjeiras. 192

190 - Processo do Professor Martinho Alves de Mello em 17 de julho de 1862. Doc. Cit. 191 - Requerimento de Antonio José Rodrigues das Cotias em 13 de agosto de 1860. APES. Fundo E1 395. 192 - Requerimento de Alexandre José Teixeira em 2 de outubro de 1863. APES. Fundo E1 395.

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174

A prática da habilitação em diferentes lugares e diferentes cadeiras de ensino

secundário mostra como a profissão docente não era uniformizada na Província sergipana.

A conseqüência disso recaia no desnível salarial. Dessa forma, quem mais habilitação

tivesse mais remuneração recebia. Caso professor só tivesse habilitação nas matérias

exigidas pela lei receberia menos que outro com habilitação em Geografia, História,

Filosofia, entre outras.

Na legislação sergipana encontramos atos do governo provincial determinando os

salários dos professores. Em 1854, o presidente da Província Inácio Joaquim Barbosa,

através da Resolução n. 395 de 17 de junho, elevou os ordenados de muitos professores

primários e de Latim de muitas vilas sergipanas. 193 O ato do presidente chamou atenção

por determinar o aumento salarial só dos professores primários das cidades e vilas,

deixando de fora os professores das povoações e de lugares distantes sem aumento.

Provavelmente esses professores possuíam habilitação deficiente a ponto de não serem

contemplados pelo presidente provincial.

A habilitação dos professores de primeiras letras não ficou restrita apenas à

Província sergipana. Muitas vezes ocorria na província vizinha como foi o caso do

professor da cadeira da Capital sergipana, Aracaju, Inácio de Souza Valadão. O referido

professor solicitou à Inspetoria Geral das Aulas licença para ir estudar o curso normal na

província da Bahia em 1858. Pelo que diz o documento o professor conseguiu a

autorização da Inspetoria para se habilitar no curso normal. 194

Como se disse parágrafos acima, a documentação sobre a habilitação dos candidatos

concorrentes à cadeira de primeiras letras sergipana não apresentava atestado de

habilitação no método de ensino adotado na Província. Em nenhum documento consta o

local de aprendizagem do método. Provavelmente essa aprendizagem estava diluída nas

matérias cursadas pelos candidatos. Daí que para tentar uniformizar a prática pedagógica

os administradores provinciais aprovavam regimentos internos para as escolas de

primeiras letras. Assim, a prática pedagógica do método ficava determinada pela

legislação a exemplo do Regimento Interno das Aulas de 1856.

193 - SERGIPE. Resolução N. 395 de 17 de fevereiro de 1854. In. : Coleção das Leis e Decretos de Sergipe.

BPED. 194 - Inspetoria Geral das Aulas n. 82 de 3 de setembro de 1858. Correspondência recebida. APES. Fundo G1 967.

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175

Outro aspecto interressante sobre a habilitação do método de ensino foi a ausência de

regimentos internos das escolas de primeiras letras nas décadas de trinta e quarenta. Os

Regimentos começaram a aparecer na década de cinqüenta por força da Reforma Couto

Ferraz. A partir da adoção dos regimentos podemos perceber a concretização do processo

de uniformização da instrução primária.

Além dessas práticas de habilitação que ocorriam na Província sergipana, os

dirigentes provinciais adotaram o tipo de habilitação conhecido como holandês-prussiano.

Esse sistema, adotado na década de cinqüenta por força da Reforma Couto Ferraz, na

ausência de uma escola normal na Província, tinha como objetivo habilitar o professor

primário.

Segundo Vilela, a habilitação do professor por esse sistema dava-se pela prática do

aluno em sala de aula. 195 Assim, o aluno que melhor resultado apresentasse na aula era

escolhido como aluno-mestre que depois de certo período requeria o direito de ser

admitido como professor adjunto até que estivesse apto para reger sua própria escola.

Na Província sergipana, o Regulamento de 1858 determinava que o número de

professores adjuntos fosse de seis, mas a depender da situação poderia ser ampliado. Em

muitos documentos encontramos professores indicando alunos ao diretor da Inspetoria

Geral das Aulas para ser professor adjunto a exemplo do que fez a professora Possidônia

Maria de Santa Cruz Bragança em 1860.

Diz a Professora Possidonia Maria de Sta. Cruz Bragança que das alunnas que [ ? ] em sua aula igualmente habilitadas, e com vocação para o magisterio, se apresentou D. Ermelina Escorcia do Sacramento pretendendo o grão de alunna mestra e requerendo o exame exigido pelo Regulamento da Instrução Publica, pelo que ella Professora, assinando a requisição de sua alunna dirigiu-se na petição ao Senr. Dor. Inspor. do Distrito Litterario apresentando lhe se digne se nomear examinadôres e marcar o dia, hora e lugar, onde fosse feito o acto; e que fôra deferido como se vê do despacho exarado na dita petição. 196

Pelo requerimento que a professora fez indicando sua aluna para ser examinada e

depois admitida como professora adjunta podemos perceber como o sistema holandês-

prussiano acabava se tornando um ritual de conformação e habilitação docente. A aluna ao

ser instruída nas matérias de ensino exigida pela legislação passava ao grau de aluna -

195 - VILELA, Heloisa de O. S. O mestre – escola e a professora. Op. Cit. p. 110. 196 - Requerimento da professora Possidônia Maria de Santa Cruz Bragança em 26 de julho de 1860. APES.

Fundo E1 395.

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176

mestra, sendo auxiliar da professora. Depois dessa fase passava por um exame no qual se

fosse aprovada era indicada para ser professora adjunta por um prazo de três anos. Findo

esse período, a legislação sergipana determinava a realização de um exame teórico e

prático que seria realizado na capital da sergipana. 197 Depois desse ritual o candidato

estava habilitado como professor de primeiras letras e poderia requer o direito de ser

isento do concurso público.

O Sistema de habilitação holandês-prussiano na Província sergipana admitia que

fossem alunos mestres e futuros professores adjuntos os alunos provenientes das classes

menos abastadas. Outra novidade desse sistema foi a instituição de remuneração como

forma de incentivo para os que se candidatavam a tais cargos.

Quando o professor não indicava o aluno para ser aluno-mestre, a indicação era feita

pelos visitadores das escolas que conferiam os adiantamentos dos alunos, como fez o

vigário José Gonçalves Barroso em seu parecer da visita realizada na escola do sexo

feminino da cidade de São Cristóvão em 1869.

Tendo por veses visitado a aula de primeiras letras do sexo feminino regida pela habil Professora D. Francisca Xavier do Monte Carmello, convenci-me da necessiadae de uma alunna mestra, que derva de auxiliar àqla. Professora nos trabalhos escholares; por isso peço a V. S. que se digne de sua sabedoria providenciar de modo a satisfazer de interesse publico. N’aula, de que lhe fallo, existe uma alunna de nome Gracinda do Amor Divino, bastante habilitada, que poderá ser nomeada aluna-mestra, se satisfatoriame. responder ao exame exigido por lei. Deus Guarde a V. S. cidade de São Christovão 9 de maio de 1869. 198

O sistema de professores adjuntos durou até o início da década de setenta do século

XIX. Por força dos Regulamentos de 1870 e outros que sucederam instituindo a escola

Normal Sergipana o sistema holandês-prussiano foi destituído na Província sergipana. No

entanto, a presença de aluno - mestre ou monitor nas escolas continuou passando a função

a não ser mais remunerada.

Aliado a outros mecanismos de habilitação docente, o sistema holandês-prussiano

cumpria a função da conformação docente. O objetivo era instruir a população sergipana

para garantir o mínino de governabilidade. Para isso seria necessário um corpo de

197 - Regulamento de 1° de setembro de 1858. doc. Cit. cap. III, Arts. 63-67. p. 16-17. 198 - Visita do vigário José Gonçalves Barroso a escola de primeiras letras de São Cristóvão em 9 de maio

de 1869. APES. Fundo E1 299.

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177

funcionário que instruísse a população com os rudimentos da leitura, do cálculo e da

escritura, e, sobretudo da doutrina cristã.

Para garantir uma condição de governabilidade da população os dirigentes

provinciais sergipanos criaram um corpo de leis para os professores, as condições de

investidura no cargo, um sistema de controle da profissão e mecanismos de habilitação

docente. Tudo isso por que a instrução primária passou a ser a ferramenta que auxiliaria no

projeto de construção da ordem imperial brasileira. O objetivo que se colocava no

momento era por ordem no mundo visto como de desordem. E para tanto, a instrução

primária para as classes menos favorecidas era a solução vista por esse dirigentes.

Page 178: Dissertação de Luís Siqueira - UFS

178

CAPÍTULO IV

OS MÉTODOS �AS ESCOLAS SERGIPA�AS

Neste capítulo é analisado como os métodos de ensino chegaram à Província

sergipana e quais os mecanismos que os dirigentes fizeram para que esta ferramenta

pedagógica fosse aplicada nas escolas de primeiras letras. Também mostra como o

simultâneo e o mútuo foram apropriados pelos professores de primeiras letras sergipanos.

Embora o método simultâneo tenha surgido no final do século XVII, na Europa, e o mútuo

no seguinte, a análise começa pelo segundo por seguir a ordem em estes apareceram e

foram apropriados na Província sergipana.

4.1 - O E5SI5O MÚTUO

A historiadora Maria Thétis Nunes em sua obra História da Educação em Sergipe ao

analisar ensino mútuo diz que teria sido Euzébio Vanério, baiano que possuía ligações

com a vida sergipana a partir da autonomia política, o primeiro a utilizar, no Brasil, o

método lancasteriano desde 1817. Após o processo de Independência,esse professor

também ofereceu ao Imperador Pedro I a Memória Concernente ao Ensino Mútuo.199

Antes, porém, no reinado de D. João VI (em 1820), Euzébio Vanério havia oferecido

a tradução do Sistema lancasteriano acerca da educação da mocidade, ao tempo em que

solicitava, para ele e a esposa, subsídio a fim de instruírem-se na Inglaterra ou na França

na prática do mesmo, ou ser encarregado de difundir os seus conhecimentos teóricos,

sendo para isso admitido ao Rei Serviço.200

Nunes ainda afirma que essa solicitação endereçada a D. João VI não foi acatada,

ficando na Mesa do Desembargo do Paço para ser discutida. A resposta para essa situação

está nos acontecimentos políticos desencadeados em Portugal e a repercussão no Brasil,

199- NUNES, Maria Thétis. História da Educação em Sergipe. Rio de Janeiro/Aracaju: Paz e Terra/Secretaria

de Estado da Educação de Sergipe, 1984. p. 40. Ao que tudo indica, essa Memória dava conta do que era o método mútuo ou lancasteriano, quais os países que o aplicavam e os resultados obtidos.

200 - Idem. p. 40

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179

determinando o retorno do Rei, o que deve ter contribuído para a paralisação do

processo.201

As afirmações de Nunes nos levam a tirar algumas inferências. A primeira é que não

há certezas quanto a real adoção do método mútuo no Brasil em 1817. A segunda refere-

se à condição de que se Euzébio Vanério não recebeu subvenção para ir junto com sua

esposa à Europa ou foi por conta própria ou traduziu o método através de algum impresso

que circulou no Brasil dessa época. Mas não se sabe se o método foi aplicado.

No entanto, Nunes também afirma que em Sergipe, em 1831 o Conselho do Governo

provincial aprovou o plano do cônego José Marcelino de Carvalho para o funcionamento

de uma casa de educação. Essa casa deveria ter pensionato e receber 10 órfãos, ensinando-

lhes as primeiras pelo método de Lancaster, Gramática Latina, Língua Francesa, Língua

Inglesa, Música e Dança.202 O plano foi aprovado, houve até a nomeação de uma Junta

Promotora, mas não conseguiu tornar-se realidade.

Outro plano educacional foi o do Cônego Fernandes da Silveira, apresentado ao

Conselho Geral da Província em dezembro de 1833. De acordo com esse plano, seria

criada uma escola de ensino mútuo que ensinasse noções de Geometria, Meteorologia e

Agricultura, além das matérias determinadas pela Lei de 15 de outubro de 1827. Esse

projeto também não apresentou positivo. No dizer de Nunes, significou mais uma tentativa

fracassada.203

Nunes apresenta as tentativas de implantação do ensino mútuo na província

sergipana no início da década de 30 do século XIX, no entanto, não podemos datar, com

base em sua obra, quando e onde começou a trajetória das intenções de se implantar o

método mútuo na Província sergipana antes dessa data.

Na documentação levantada no Arquivo Público Sergipano foram encontradas fontes

que retroagem a data apresentada por Nunes acerca do método mútuo para meados da

década de vinte do século XIX. A primeira intenção data de 10 de novembro 1825 com a

exposição do presidente Manuel Clemente Cavalcante em ofício ao ministro e secretário

de Negócios do Império e diz o seguinte:

201 - NUNES, Maria Thétis. História da Educação em Sergipe. Op. Cit. p. 40. 202 - Idem. p. 48 203 - Idem. p. 48.

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Sendo do mêo dever dar inteiro cumprimento e Providentissima determinação Imperial manifestada em Portaria por V. Exª. firmada em 22 de agosto ultimo, promovendo por todos os meios a meo alcance a introdução do ensino mutuo nas Escolas Publica de 1as Letras desta Provincia, tenho feito escolha de hum mancebo natural desta cidade, que a inteligencia da gramatica e lingua Latina junta huma regular conduta, para ir a Bahia instruir-se no methodo Lancasteriano, e vir estabelecer nesta cidade a 1ª Escolla onde possão os professores Publicos existentes na provincia habilitar-se para o pôr em practica nas suas Escollas em beneficio da educação da mocidade, que lhe está confiada. E como o referido mancebo não tenha os meios necessarios para os gastos da viagem e sua subsistência na Bahia, será indispensável prestar se lhe pela Fazenda Publica algum modico subsidio. Digne-se V. Exª. obter-me e este fim a preciza authorização de sua magestade o Imperador. Deos guarde a V. Exª. Cidade de São Cristovao de Sege . 10 de novembro de 1825. Ilm°. Exm. Estevao Ribeiro de Rezende = Manoel Calvacante d’Albuquerque.204

A preocupação em enviar um jovem à Bahia para estudar e depois criar uma escola

em Sergipe para habilitar professores nos conhecimentos do método lancasteriano não

fazia parte só da imposição do poder imperial, mas também faziam parte das preocupações

do presidente acerca da educação da “mocidade” sergipana. No relato do presidente fica

clara a intenção em mandar um jovem às terras baianas. Na documentação aferida não

conseguimos identificação desse jovem apontado na fonte citada. O que se pode inferir é a

real intenção do administrador provincial em desenvolver um projeto educacional para

Sergipe.

O plano de educação para Sergipe foi esboçado para as autoridades imperiais no

mesmo ano em que estas indicaram a adoção do método mútuo para a Província..205 Na

sua visão, só a instrução seria capaz de trazer a civilização e transformar a sociedade,

garantindo assim, condições de governabilidade.206 O método mútuo, através da instrução,

seria assim uma das alternativas para disciplinar a população sergipana.

É importante observar a representação que o presidente fazia da sociedade sergipana

nessa época. Para o administrador, a sociedade estava destituída de instrução, necessitando

assim escolas de primeiras letras para esse fim. Pelo fato do presidente ter estudado em

204 - Ofício Expedido n 60 de 10 de novembro de 1825. APES. Fundo G1 267. p. 135-136. 205- “Desejoso de estabelecer a ordem, acabando com as dissensões procurou alterar o quadro administrativo,

nomeando para os cargos novas figuras”. Na ótica do historiador Pires Wyne, esse presidente, recém formado em universidade européia, foi um grande empreendedor, realizando grandes realizações em Sergipe. In: WYNE, J.Pires. História de Sergipe (1575-1930). Rio de Janeiro: Pongetti, 1970. p. 155.

206- Ofício n.° 60 de 10 de novembro de 1825. Doc. Cit. A preocupação maior do presidente Manuel Cavalcante era tirar a Província sergipana do atraso, da situação caótica existente e reduzir os altos índices de criminalidades que ocorriam na região.

Page 181: Dissertação de Luís Siqueira - UFS

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uma universidade européia, pode-se perceber a influência movimento iluminista ao admitir

escolas públicas para instruir a sociedade.

A notícia da intenção do envio de um jovem estudante à Bahia parece ter se

espalhado na Província, pois, no ano seguinte, um professor de primeiras letras da vila de

Santa Luzia se ofereceu ao presidente Manuel Cavalcante como um dos candidatos para

tal empreitada.

Tendo as Cidades civilizadas abraçado o Methodo do Ensino Mutuo Pª a Instrução da mocidade, parece de rasão ser mais util nestes lugares similhante instrução, para a qual me ofereço como hum dos Professores das primeiras letras d’esta villa. Sendo da aprovação, e agrado de V. Exª. a quem peço me sirva de Protector, e coadjuve, não só com a sua Sabia direção, se não tãobem com as cousas necessárias, e fornecimto. pª. a dª. Aula, ao q. eu com o pequeno ordenado, e poucas não posso suprir principalmente . aos alunnos orfõas, e filhos de pais pobrissimos. Deos Guarde a V. EXª. por muitos annos. Villa de Santa Luzia. 24 d’Abril de 1826.

Simeão Esteves da Silva. Professor de Primeiras Letras207

Ao que tudo indica esse professor não foi preterido para ir estudar nas escolas da

Bahia. Não se sabe o motivo pelo qual o presidente rejeitou a solicitação do jovem

sergipano pois, a documentação existente não revela dados sobre sua presença em terras

baianas. Acreditamos que nem esse professor, nem o mancebo citado acima pelo

presidente tenham ido aprender o método. Essa afirmação está sustentada no ofício

enviado pelo representante de Sergipe ao ministro e secretário dos Negócios do Império

em 1828, determinado pela Lei de 15 de Outubro de 1827 na qual manda criar nas cidades,

capitais e locais populosos escolas de ensino mútuo. O documento só relata a obrigação de

criar a escola.

Fica esta Presidencia na intelligencia de dirigir a secretaria d’Estado dos Negocios do Imperio a correspondencia relativa as escolas de Ensino Mutuo, mandadas crear nesta Provincia em conseqüencia da carta de Ley de quinze de Outubro do anno proximo passado, como foi comunicado em Aviso do secretario de Estado dos Negocios da

207- Ofício do professor Simeão Esteves da Silva em 24 de abril de 1826. APES. Fundo E1 634.

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Guerra por V. Exª. firmado em 7 de Fevereiro deste anno. Deos Guarde a V. Exª. Cidade de São Christovão de Sergipe de El Rey 20 de abril de 1828.208

A inferência que se pode tirar dessa fonte é a imposição por parte do Poder Central

em criar a escola de ensino mútuo, levando a crer que não havia interesse dos

administradores sergipanos em criar tal escola. No entanto, as intenções presentes nas

declarações do presidente Manuel Cavalcante em 1825 reforçam a hipótese de que a

Província sergipana ainda não apresentava as condições necessárias para instituir a escola.

Havia a intenção, mas o administrador sergipano repassava essa responsabilidade para o

poder central.

[F.05] A este mesmo fim muito contribuirá, que se estabeleçâo Escollas do ensino mutuo, segundo o methodo Lencasteriano, em lugar de cadeiras de primeiras letras, existentes, sendo dessa Corte mandado hum Professôr que venha fundar nesta cidade Escola Normal, obrigando os professores d’aquellas cadeiras a se habilitarem nesta em prazo consignado, a ensinar pêlo mesmo methodo, com a com[ ?] nação de que assim não acontecer de serem demittidos do magisterio e substituidos por outros que preenchão a indicação.209

O documento enviado pelo presidente sergipano ao Poder Central revela as boas

intenções em administrar a Província sergipana. Ao fazer referência do que era

considerado moderno nos países europeus, como a escola normal e o método mútuo, o

presidente comungava do ideal de que a construção da nacionalidade do país dependia da

presença da escola de primeiras letras.

Há de se registrar que a escola normal vinha com a intenção de habilitar professores

e retirar certas práticas de ensino a exemplo do método individual. Como não havia local

que habilitasse os professores primários cada professor ensinava de acordo com sua

prática de aprendizagem. Isso colocava dificuldades para os administradores porque não

havia uniformidades de práticas pedagógicas.

A intenção em instituir uma escola de ensino mútuo em Sergipe estava clara para os

administradores provinciais desde a década de vinte. Acreditamos que essa insistência

estaria relacionada ao problema da organização da sociedade sergipana. Como o método

possuía um forte caráter disciplinador, sua adoção para Sergipe caía bem porque a massa

208 - Ofício Expedido em 07 de abril de 1828. APES. Fundo G1 267. n. 08. 209 - Ofício Expedido em 29 de março de 1825. APES. Fundo G1 267. p. 55.

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populacional era considerada pela elite administrativa como desorganizada e

indisciplinada.

Três anos mais tarde, em 1828, o presidente Inácio José Vicente da Fonseca

comunicou à Secretaria de Estado dos Negócios do Império a criação da cadeira de ensino

mútuo. 210 O edital para o concurso público foi aberto no dia 17 de março. Apareceu apto

para a inscrição apenas um candidato: Antonio José Peixoto Valadares.

(...) se oppôs Antonio Jose Peixoto Valladares, e habilitando-se foi publicamente examinado perante mim em conselho na forma dos artigos 6° e 7° da mesma Lei, e não concorrendo mais oppositores algum, obteve sua approvação e foi provido na dita cadeira Publica do Ensino Mutuo desta mma . Cidade da qual tomará posse dando primeiro o juramento nas mãos do secretario deste governo haverá o ordenado annual que interinamente em Conselho se lhe taxou de 300$ rs devendo sollicitar a Imperial Confirmação na forma da Lei.(...).211

No concurso, após ser examinado perante o presidente da Província, o candidato

imediatamente foi investido no cargo de professor da cadeira. Fato curioso é que no

cabeçalho do documento existe uma inscrição onde se pode ler com clareza o termo “sem

efeito”, levando a crer que o documento teria sido invalidado. Isso significa dizer que o

aprovado não tomou posse da dita cadeira por motivo de força maior e que esta, mesmo

criada, continuou vaga. Estas inferências estão sustentadas em outro documento de

provisão da mesma cadeira, emitido um ano depois, em 1829. Dessa vez apareceram dois

concorrentes, o mesmo da anterior e um outro, Francisco Moreira da Silva Marramaque.

Provisão da Cadeira de Ensino Mutuo desta capital a Antonio Jose Peixoto Valladares. (...) Faço saber aos que esta Procuração virem que devendo ser de ensino Mutuo a cadeira de primeiras Letras desta Cidade de São Christovam capital da mesma Provincia na forma do artigo 4° da certa de Lei de 15 de Outubro de 1827, e não havendo nella copia de provas, que do dito Ensino tenhão os conhecimentos necessarios tendo-me requerido em conselho Francisco Moreira da Silva Marramaque, e Antonio Jose Peixoto Valladares o serem providos na referida Cadeira, mostrando ambos pelas certidões que apresentarão acharem-se instruidos no methodo do dito Ensino, em que forão exercitar-se na cidade da Bahia, e não havendo nesta Provincia para taes exames os precisos Examinadores foi provido na dita Cadeira Jose Peixoto Valladares, por ser entre os dois candidatos o que perante mim em conselho pelos seus Documetos, foi por mais digno julgado, por estar habelitado na forma da lei, examinado, e approvado não só no dito Methodo do Ensino Mutuo, mas igualmente em as noções geraes de geometria Pratica por Lasaro Martins da Costa, Professor da

210 - Ofício Expedido em 20 de abril de 1828. APES. Fundo G1 267. 211 - Provisão da Cadeira de Ensino Mútuo da Capital em 1828. Ofício recebido. APES. Fundo G1 406.

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cadeira Publica de 1as Letras da freguesia de Sam Pedro Velho da cidade da Bahia que a rege pelo novo Methodo, e he o Instructor, e Examinador dos Professores, e mais Pertendentes, por Portaria do governo daquella Provincia: e da mencionada Cadeira, depois de prestar o juramento de estillo na mão do secretario deste governo, tomara possse e com ella haverá ordenado annual, que interinamente se lhe taxou de tresentos mil reis: Devendo logo requerer a Imperial nomeação na conformidade da Lei citada Em do que lhe mandei passar a presente por mim assignada, e sellada com o sello das armas Imperiais, a qual se cumprirá como nella se contem, depois de registrada no Livro da secretaria do governo, nas da Ad’minestração da Fazenda Publica , e nos mais a que João Rodrigues dos Santos Official da mesma Secretaria a fez na cidade de Sam Christovao Capital da Provincia de Sergipe d’El Rey aos 13 do mês de março de 1829. Desta.212

O documento de provisão da nova cadeira a Antonio Peixoto Valadares em 1829 traz

dados importantes. O primeiro deles é o fato de que a apropriação do ensino mútuo em

Sergipe ocorreu de forma diferenciada das demais províncias brasileiras. Nestas, o método

foi introduzido via instituição militar, através de pessoas que foram aprender em outro

país, por via impresso pedagógico como jornais e revistas que circulavam no exterior e no

Brasil ou então ficou a cargo de instituições filantrópicas européias encarregadas em

difundir o método. A explicação para essa realidade está na dependência que Sergipe

ainda possuía com a província da Bahia.

Outro dado que chama atenção é o fato de que a apropriação desse método de ensino

em Sergipe, ao contrário do que ocorreu nas outras províncias, apareceu no final da década

de vinte e não no início desta. No Rio de Janeiro, por exemplo, começou a ser aplicado nas

corporações militares em 1823. 213 Na província de Minas Gerais também começou em

1823 com o professor Peregrino que foi habilitado na França.214 Já em São Paulo, Hilsdorf

diz que teve início antes da Lei de 1827 por intermédio das escolas também militares.215

O terceiro esclarecimento que a fonte faz diz respeito à ausência de pessoas

habilitadas na Província sergipana para examinar os candidatos concorrentes. Como não

212 - Provisão da cadeira de Ensino Mutuo da Capital em 03 de março de 1829. Ofício Recebido. APES.

Fundo G1 406. 213 - CARDOSO, Tereza Maria Fachada. “Abrindo um novo caminho: o ensino mútuo na escola pública do

Rio de Janeiro (1823-1840)” In.: BASTOS, Maria Helena Câmara, FARIA FILHO, Luciano Mendes de (orgs.). A escola elementar no século XIX: o método monitorial/ mútuo. Passo Fundo: Ediupf, 1999. p. 119- 143.

214 - FARIA FILHO, Luciano Mendes de, ROSA, Walquíria Miranda. “O ensino mútuo em Minas Gerais (1823-18420)”. In.: BASTOS, Maria Helena , FARIA FIHO, Luciano Mendes de. A escola elementar (...). Op. Cit. 177-196.

215 - HILSDORF, Maria Lúcia. “o Ensino mútuo na província de São Paulo: primeiros apontamentos”. In.: BASTOS, Maria Helena C. , FARIA FILHO, Luciano Mendes de(orgs. ). A Escola elementar(...). Op. Cit. p. 197-215.

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havia examinador competente, o mecanismo utilizado pelas autoridades examinadoras

para a aprovação do candidato vencedor foi a Lei de 15 de Outubro de 1827 e o fato de

Antonio Jose Peixoto Valladares possui noções gerais de Geometria. Pelas informações

presentes não foi julgada a parte pedagógica dos candidatos, mas os documentos

apresentados perante as autoridades, revelando por outro lado que não existiam pessoas

conhecedoras do método em Sergipe nesse período.

O quarto indício presente na fonte recai na figura do professor baiano Lásaro Muniz

da Costa, professor de primeiras letras da freguesia de São Pedro Velho da cidade da

Bahia, apresentado como instrutor e examinador de professores. Quem foi esse professor?

Como e onde aprendeu o método mútuo para instruir candidatos ao ofício do magistério

primeiras letras?

Silva, no trabalho sobre as escolas de primeiras letras no Recôncavo baiano do

século XIX, traz dados referentes ao professor Lásaro Muniz da Costa. Com base em

documentos baianos, o autor afirma que o professor possuía uma escola de ensino mútuo

no salão do hospício de Jerusalém, na freguesia de São Pedro em 1831.216

Diz Lazaro Muniz da Costa, Professor Nacional de Primeiras Letras da Aula do Ensino Mutuo da Freguezia de S. Pedro, que ontem recebeo hum officio da meza dos Orfãos em que o avisa, para quanto antes evacuar a Aula, que tem no Sallão do Hospicio de Jerusalém por ordem do governo que o que se não tem arrendado por cauza da escola, quando parece não ser só a aula esse motivo, porque ainda todos os cubiculos estão cheios e immensos, de diversos volumes inventariados, que ainda se não evacuarão, alem disso ainda existe o Donato com três escravos, fora 8 ou 9, que o thesoureiro levou para os orfãos; mas como a Meza manda, que o supplicante evacue a aula parece justo que este como leva ao conhecimento de V. Exª., para que haja de lhe determinar para onde deve conduzir e firmar[ ] Estabelecimento, bem com respeitosamente lembrou a V. Exª, hum dos salloens, que conforme a lei de 15 de outubro de 1827 deve dar caza idônea para as aulas do Ensino Mutuo.217

Pela data do documento, 1831, o professor vinha há algum tempo ensinando pelo

método de ensino mútuo na Bahia, funcionando sua escola em um espaço religioso. Mas

uma questão nos intriga: como e onde esse professor prendeu o método? Silva nos

esclarece mais uma vez que a chegada do método mútuo na Bahia ocorreu através de

contatos de estudantes baianos na Europa e através de textos impressos publicados naquele

216 - SILVA, José Carlos de Araújo. O Recôncavo baiano e suas escolas de primeiras letras (1827-1852):

um estudo do cotidiano escolar. Bahia: UFBA, 1999. 217 - Idem. p. 64.

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continente. 218 Bastos também afirma que a influência européia subjacente no método

apropriado provinha da França, país que estava à frente na divulgação do sistema

lancasteriano de ensino através de sociedades filantrópicas e de impressos educacionais

divulgados para esse fim.219

Na obra de Silva, há outras referências complementares acerca do professor Lásaro

Muniz da Costa. Dessa vez, outro documento utilizado pelo autor traz informações

complementares ao ofício anterior do professor Lásaro.

Estabeleceo nesta capital o Sistema de Ensino Mutuo na aula Nacional, que regia na Freguesia de S. Pedro Velho onde servio por 19 annos [...] Em 1828 o suplicante recebeo uma Portaria do governo para ensinar o novo sistema, que se Quisessem propor as cadeiras de Meninas, que se hirão crear em virtude de Lei de 15/10/1827 o que tudo satifez o suplicante gratuitamente tanto que se estabeleo sua aula normal com a obrigação de todos os Professores, que existião hirem frequental-a requererão a assemblea, que já tinham com o supplicante aprendido por ordem do Governo, forão razão esta, por que o supplicante pedia a sua jubilação sem ter os 20 annos.220

Com base na documentação apresentada, pode-se perceber como o método foi

apropriado na província de Sergipe. A partir daí ficou claro o porquê do plano de educação

do cônego sergipano apontado na obra de Nunes em 1831 não ter sido aprovado. A

primeira escola elementar de ensino mútuo já havia sido criada e dispensava a criação de

uma casa de educação, como sugeriu o cônego. Desse modo, afirma-se que no final da

década de vinte do século dezenove só funcionou uma cadeira de ensino mútuo em

Sergipe e ainda na Capital, São Cristóvão, como determinava a Lei de 15 de outubro de

1827. A elite sergipana possuía intenções em espalhar o método pela Província, como

ficou claro através da documentação, mas esta responsabilidade pelas escolas era jogada

para o poder central.

O que também chamou atenção foi o fato de não ter existido em Sergipe escola de

primeiras letras do sexo feminino que funcionasse com base no método mútuo, mesmo a

Lei de 15 de Outubro de 1827 admitisse tal criação. Provavelmente as condições sociais e

econômicas da Província não permitissem tal empreitada.

A primeira cadeira de ensino mútuo sergipana regida por Antonio Peixoto Valladares

foi criada sem a indicação do lugar de funcionamento. Não conseguimos encontrar fontes

218 - SILVA, José Carlos de Araújo. Op. Cit. 219 - BASTOS, Maria Helena Câmara. Op. Cit. 121. 220 - SILVA, José Carlos de Araújo. Op. Cit. p. 75.

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que indicassem o lugar, na capital sergipana, onde funcionou a cadeira. Apontamos como

hipótese para o local um dos dois conventos de São Cristóvão, o dos Carmelitas Calçados

e o dos Franciscanos, por vários indícios presentes na documentação sergipana. O

primeiro vem do presidente Manuel Cavalcante quando em 1825 esboçou suas intenções

educacionais para o secretário de Estado de Negócios do Império apontando os dois

conventos como locais apropriados para a instrução. 221 O convento dos Carmelitas foi o

local onde funcionou o primeiro Liceu Sergipano, mas este só foi criado em 1847, 222 antes

disso poderia ter sido ocupado com a cadeira de ensino mútuo.

O segundo indício que aponta os conventos sergipanos como locais onde funcionou a

cadeira do professor Antonio Peixoto Valladares é o fato de que para aplicação do método

era necessário local espaçoso para adequar confortavelmente um grande número de alunos

e os materiais necessários, condição adequada para os dois conventos.

A permanência de Antonio Peixoto Valladares na cadeira de primeiras letras de

ensino mútuo sergipana foi rápida. Não se sabe o motivo pelo qual o levou a abandonar

seu ofício. Tudo indica que durou apenas dois anos e poucos meses de funcionamento,

indo de 1829 a 1831. Essa afirmativa está sustentada no documento de nomeação da nova

cadeira de ensino mútuo passada para o segundo colocado do concurso: Francisco Moreira

da Silva Marramaque.

A provisão de Marramaque ocorreu em 1831 e revela um dado intrigante: que o

mesmo estava instruindo antes de ser provido na cadeira, como consta no documento.

(...) Faço saber aos que esta Provisão virem, que estando a concurso a cadeira Publica de ensino Mutuo desta Cidade para ser provida na forma de Leio de 15 de Outubro de 1827, vaga por abandono de Antonio Jozé Peixoto Valladadres, que exercia, se opposerão a mesma Cadeira Francisco Moreira da Silva Marramaque, que já se acha no exercicio interino della, por nomiação da respectiva Câmara com approvação do Conselho do Governo, e igualmente Joze Joaquim de Mello, que se mostrou tão bem habelitado, e sendo ambos publicamente examinados perante mim em Conselho na forma dos Artos 6° e 7° da mesma Lei, e approvados este simplesmente, e aquelle plenamente, como consta da Certidão dos examinadores por mais digno foi julgado o dito Marramaque, e provido na mencionada Cadeira percebendo interinamente o ordenado annual de tresentos mil rs que vencia o seo antecessor, da qual tomará posse dando primeiro o juramento do estilo devendo sollicitar a legal Nomiação conforme a citada Lei. Em firmesa do que se lhe passou a presente pr mim assignada, e sellada com o sello das armas Imperiais, a qual se registará nos Los da Secra deste Governo e

221 - Ofício expedido em 29 de março de1825. APES. Fundo G1 267. p. 56. 222 - LIMA, Aristela Aristides. A instrução da Mocidade no Liceu Sergipense: Um estudo das práticas e

representações sobre o ensino secundário na Província de Sergipe (1847-1855). São Cristóvão: UFS, 2005. p. 59.

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188

onde mais tocar. José Guilherme Machado de Araujo a fiz na Cidade de São Christovao Capital de Sergipe de EL Rey aos 20 de julho de 1831.223

Essa fonte nos faz refletir sobre a questão da habilitação dos concorrentes e o

resultado do concurso. Marramaque no primeiro concurso tinha ficado em segundo lugar

por não possuir noções de geometria. Dessa vez sua nota de aprovação foi de

“plenamente”. Isso revela que não havia tanta exigência curricular. Se a escola foi

confiada a Marramaque, que não sabia noções de geometria, pode-se concluir que a

primeira escola de ensino mútuo sergipana já nasceu com limitações.

O documento de provisão do professor de primeiras letras Maramaque revelou

também mais uma pessoa com habilidades no método mútuo na Província sergipana.

Leva-nos a crer que a apropriação desse método ocorreu lentamente em Sergipe. Essa

situação é fruto do que determinava a Lei de 15 de outubro de 1827.

Artigo 5°. Para as escolas de ensino mutuo se applicarão os edifícios, que houverem com sufficiencia nos logares dellas, arranjando-se com os utensllios necessarios a custa da Fazenda Publica e os professores; que não tiverem a necessaria instrução deste ensino, irão instruir-se em curto prazo e a custa de seus ordenados nas escolas das capitais.224

O dispositivo dessa lei nos esclarece o motivo pelo qual a criação da cadeira de

ensino mútuo demorou em Sergipe mais que nas outras províncias brasileiras. A questão

estava nos custos com a escola que incluía local, utensílio e a habilitação do professor.

Provavelmente essas necessidades onerariam os cofres provinciais.

Sobre a habilitação, a Lei dizia que esta ficaria a cargo de quem pretendesse instruir

pelo método mútuo e, ainda que fosse fazer nas capitais das províncias onde existisse

escola para tal. Como o salário do professor dependia dos conhecimentos que este possuía,

a habilitação tornava-se algo difícil. Daí a existência de poucos professores habilitados

nesse método em Sergipe.

Para melhorar o quadro docente, o governo provincial, na tentativa de difundir o

método em Sergipe, promulgou em 1837 uma lei com o objetivo de impulsionar os

professores para a habilitação no Rio de Janeiro. A estratégia utilizada consistiu na

223 - Provisão da cadeira de Ensino Mutuo a Francisco Moreira da Silva Marramaque em 20 de julho de

1831. APES. Fundo G1 406. 224 - BRASIL. Lei de 15 de Outubro de 1827. p. 171-172.

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189

concessão de licença aos professores primários e uma pequena subvenção ou gratificação,

como foi chamada.

Art. O governo da provincia fica autorizado a conceder licença, desde já, por dous anos, a aqueles professores de primeiras letras que mais habilitado se mostrar, para ir com o seu ordenado aprender o ensino mutuo na escola normal estabelecida na provincia do Rio de Janeiro, dando-se-lhe uma gratificação de 60$ para viagem.225

Essa lei impulsionou muitos professore para realizar suas habilitações nas matérias

determinadas em várias localidades, tanto em Sergipe como em outras províncias. A

manutenção com as despezas ficaria por conta do professor e não dos cofres provinciais. O

que o poder provincial garantia era o aumento de salário a quem mais habilitação

possuísse. Desse modo, um professor de primeiras letras com habilitação comum recebia

em média de 200 a 250 mil réis. Já o professor que possuíssem outras habilidades, como

noções de Geometria, recebia a quantia de 300 mil réis como se pode perceber no

documento de provisão da cadeira de ensino mútuo. Em vários documentos de provisão a

variação girava em torno dessas quantias.

Fato curioso é que na obra de José Pires de Almeida consta a existência de uma

cadeira de ensino mútuo na vila de Itabaiana. Segundo o autor, essa cadeira foi criada em

13 de outubro de 1831.226 Não encontramos documentos que comprovassem a efetiva

provisão e funcionamento dessa cadeira. O mesmo autor afirma que muitas cadeiras

criadas em Sergipe não funcionaram por falta de professores. Acreditamos que o problema

não estava só na questão da qualificação docente, mas também nas condições exigidas

para o funcionamento da escola, como local adequado para a aplicação do método e

materiais pedagógicos adequados para o mesmo. Aparece a cadeira de Itabaiana, mas no

documento não diz que funcionava pelo método mútuo como a da capital.

Provisão da cadeira de 1as Letras da Vª de Itabaiana a Antonio Correia de Araujo Cedro (...) Faço saber aos que esta Provisão virem que estando a concurso as cadeiras de 1as

letras desta Provª, na forma da carta de Lei de 15 de 8bro de 1827, e Portaria de 17 do Corrente de 1828, expedido pela Secretª d’Estado dos Negocios do Imperio, se oppôs Antonio Correia de Araujo Cedro, a cadeira de 1as Letras da Vª de Itabaina desta

225 - FRANCO, Cândido. Lei de 13 de Março de 1837. Op. Cit. p. 470. 226 - ALMEIDA, José Pires de. História da instrução Pública no Brasil (1500-1889). São Paulo: Educ/Inep,

1989. p. 75

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190

Provª., e habilitando-se foi publicamte. Examinado, perante mim em Conselho na forma do artigo 7° da mma Lei, e obtendo sua approvação por mais digno foi julgado e provido na dita Cadeira de 1as Letras da mma Villa , daqual tomará posse dando premeiro o provimento nas mãos do secretario deste governo, e haverão ordenado a nnual que interinamnte em conselho se lhe Taxou de 250$00 rs. devendo requerer a Imperial Nomiação na conformidade da Lei citada(...).227

A criação da cadeira de primeiras letras de Itabaiana vem mais uma vez reforçar a

tese de que só existiu uma cadeira de ensino mútuo em Sergipe, funcionando na capital.228

Acredita-se que esta tenha funcionado por muitos anos. Dois ofícios do professor

Francisco da Silva Marramaque, um solicitando materiais escolares e outro prestando

conta dos recebidos pela Secretaria da Província sergipana comprovam essa hipótese. O

primeiro ofício data de 1831 no qual se pode notar a dificuldade sofrida na manutenção da

escola.

Como sempre se está precisando de utencilios para fornecimto. da Aula de Ensino Mutuo represento a V. Exª. mande Ordem ao Admor da Fazda. pª. q. dê independente cada vez que se lhe pedi pª referda. Aula, afim de não o importem a V. Exª. cada vez que se precisar de ql qr huma cousa. Ds Ge a V. Exª. Cide. de Sam Christovão 8 de julho de 1831.229

Pelas pistas que o documento deixa, a aula de ensino mútuo necessitava de muitos

utensílios, de investimentos para o pleno funcionamento. Essa questão nos põe a contestar

a literatura educacional referente ao método mútuo na escola de primária oitocentista

quando afirma que o mesmo era defendido palas autoridades por causa de seu custo

reduzido e também por maximizar tempo utilizado. Seria impossível instruir cem,

duzentas ou trezentas crianças sem os materiais necessários parta o bom funcionamento do

método, como por exemplo, lápis, canivete, ardósias, quadros, testos impressos, papel,

móveis, etc. Tudo isso requeria gastos e custava caro aos cofres provinciais.

O fato de os alunos monitores serem os atores principais do ensino/aprendizagem,

reduzindo assim gastos com a contratação de professores, não inviabilizava investimentos.

Muitos dos materiais escolares possuíam vida curta como é o caso dos impressos, lápis,

227 - Provisão da Cadeira de Primeiras Letras da vila de Itabaiana em 12 de março de 1829. Documentação

recebida. APES. Fundo G1 406. p. 28-29. 228 - Não encontramos documentos que dessem conta da existência de outras cadeiras de ensino mútuo em

Sergipe. 229 - Ofício recebido em 08 de julho de 1831. APES. Fundo G1 672.

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191

papel, entre outros. Atentamos para essa questão com base no documento do professor da

escola de ensino mútuo Francisco Moreira da Silva Marramaque em 1833.

Recebi do Ilmo. Senr. Secretario Braz Diniz de Villas Boas huma colleção de traslllados litografados, contendo diversas licções pa. O uso dos alunnos que frequentão esta aula do ensino mutuo. Sergipe 12 de abril de 1833. Francisco Mra. da Sª. Marramaq.230

O recibo do professor chama justamente atenção para a necessidade de compra de

materiais escolares adequados ao bom desempenho do processo instrutivo. Tomemos por

exemplo uma aula freqüentada por duzentos alunos: a quantidade de materiais de curta

duração requereria reposição rápida.

De acordo com a Lei de 15 de outubro de 1827, a manutenção das aulas de ensino

mútuo era de responsabilidade das câmaras de vereadores. É bom lembrar que esse órgão

não possuía a obrigação de manter a aula do ponto de vista financeiro, mas de zelar pelo

bom funcionamento da Aula. Mais uma vez contestamos a literatura educacional quando

afirma ser as câmaras municipais responsáveis pela criação e manutenção da escola de

primeiras letras. Pela lei sergipana de 1835 o papel reservado às câmaras estava bem claro

e definido.

Art. 20. as aulas de ensino mutuo serão preparadas pelas respectivas camaras municipais, as quaes darão conta das despezas ao Governo para serem pagas pela thesouraria provincial; e alem dos utencis, que annualmente se lhe devem prestar, se não estiverem em edificio publico, e nem se poderem collocar em algum Convento, se dará mais professores o aluguel de uma sala propria para tal ensino, sendo previamente examinada, e approvada pelas respectivas camaras.231

Anteriormente afirmou-se que em Sergipe só funcionou uma escola de ensino mútuo.

No início da nossa pesquisa, com base na Lei de 15 de Outubro de 1827, quando dizia que

em cada capital ou lugar populoso da província deveria existir uma escola de ensino

mútuo, acreditou-se que em Sergipe pudessem ter existido várias cadeiras, pois de lugar

populoso existiam além da capital, São Cristóvão, sete vilas e a povoação de

230 - Recibo do professor Francisco Moreira da Silva Marramaque em 12 de abril de 1833. APES. Fundo E1

644. 231 - FRANCO, Cândido. Lei de 05 de Março de 1835. Op. Cit. p. 139.

Page 192: Dissertação de Luís Siqueira - UFS

192

Laranjeiras.232 Acreditou-se também que os dirigentes provinciais, influenciados pela

propaganda sobre a modernidade pedagógica que circulava na Europa e no Brasil,

garantiriam a criação de escolas de primeiras letras com o método mútuo. A pesquisa

mostrou outra realidade. Mostrou uma corrente discursiva em defesa do que era

considerado moderno em termos de pedagogia e uma realidade arraigada na prática de

métodos tradicionais como o individual e o misto. Como a aplicação do método de

Lancaster exigia dispêndio com a compra de materiais escolares por parte da Tesouraria

Provincial como determinou o artigo 20° da Lei sergipana de 1835, e professores

habilitados por conta própria, como determinou o artigo quinto da Lei de 15 de Outubro de

1827, essas condições foram empecilhos para a não adoção do método nas localidades

sergipanas.

Outra questão intrigante foi o fato de o método mútuo ser tão defendido pelos

administradores provinciais e ter sido somente adotado na capital da Província.

Levantamos a hipótese de que o fato de o método possuir um caráter mais disciplinador

que verdadeiramente instrutivo. Essa condição era apropriada ordenar a população. A

disciplina era vista como fundamental porque adestrava os corpos, tornando-os dóceis, no

dizer de Foucault.233

A escola mútua pelo tipo de organização, tornava-se um aparelho de aprender

disciplinado e hierarquizado onde cada aluno, em cada nível de ensino, estava estabelecido

de maneira regular e combinada. A partir dessa estrutura tornava-se possível adestrar os

corpos. Foucault chama atenção para o fato de o poder disciplinador em vez de se

apropriar e de retirar, tem como função maior adestrar para melhor utilizar. 234 Nesse tipo

de escola, a disciplina age de forma a organizar as classes divididas com decuriõe,

espionando e controlando tudo.

Faz-se necessário observar que a cadeira de ensino mútuo sergipana não consta na

lista esboçada na obra de José Pires de Almeida sobre a instrução brasileira. Esse

historiador operou com documentos referentes a todas as províncias brasileiras. Fato

estranho porque as autoridades provinciais passavam informações acerca da instrução para

as autoridades imperiais como se pode ver através do ofício de 1833 no qual governo da

232 - As vilas eram a de Santo Amaro, Lagarto, Santa Luzia, Estância, Vila Nova do Rio São Francisco,

Itabaiana, Própria. NUNES, Maria Thetis. Op. Cit. p.34. 233 - FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: o nascimento das prisões. Petrópolis: Vozes, 1987. 234 - Idem. p. 143.

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193

Província sergipana solicitou esclarecimentos a respeito da situação das aulas e dos

métodos utilizados.

Circular as Camaras

Para dar se pleno, e cabal cumprimto. ao que de Ordem da Regencia em Nome do Imperador lhe Determinando a esta Presidencia pela Portaria do Ministerio do Imperio em data de 08 de novembro ppdo. Cumpre que V. Sª. passem sem perda de Tempo e com a maior urgencia a informar em circunstanciadame. sobre o numero e localidade das Escolas de Primeiras, e segunda Letras desse Municipio com distinção de Publicas, e particulares, de Meninos e Meninas, pelo methodo Lancastriano, ou individual; qual o numero de alunos de cada huma; vantagens, e desvantagens de hum e de outro methodo: o que se lhe incube sob a sua mais restrita responsabilidade. Deos Guarde a V. Sª. Palacio de Sergipe em 17 de Dezembro de 1833 = Geminiano de Morais Navarro.235

Informações como essas cumpriam a função de tornar o trabalho dos administradores

mais organizado. Desse modo, a intenção era fiscalizar para melhor intervir, tanto na

escola de primeiras letras como nos agentes do ensino. Dentre essas preocupações estava o

problema da uniformização do currículo escolar.

Havia o intenso interesse dos administradores provinciais em uniformizar o currículo

das escolas de primeiras letras sergipanas porque ocorriam variações nas práticas

pedagógicas. Essa questão causava preocupação aos dirigentes provinciais porque sem a

uniformização do currículo e das práticas pedagógicas o projeto de unidade da Nação e,

conseqüentemente da Província, estaria inviabilizado. Como garantir essa pretensa

unidade se cada professor seguia um método de ensino, se estava existindo realidades

diferenciadas nas escolas de primeiras letras? Ora era através dessa modalidade de

instrução que os valores da Nação necessitavam ser incutidos nas crianças. Uma escola da

Capital funcionava pelo método mútuo, nas demais, em lugares menos populosos ou não,

a prática persistia no método individual, como podemos constatar na correspondência dos

vereadores da vila de Itabaiana em 1834.

Comprindo nós, como que nos he determinado por V. Exª. em officio de 17 de Dezembro do anno findo: temos a informar, que neste Municipio seaxão o numero de tres Escolas Publica: a de Premeiras e segundas Letras, e a de 1as. do Curato de Nossa Senhora da Boa Hora do Campo Brito, e Sete particulares, em todas a extenção deste ,

235 - Ofício Circular em 17 de dezembro de 1833. APES. Fundo G1 280. p. 79.

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municipio todas de Meninos, e pelo Methodo endividual. O numero de alunnos de cada huma dellas, consta da lista que levamos as mãos de V. Exª. bem como o lugar, e citios onde são existentes, os proffessores das mesmas Escolas. Deos Goarde a V. Exª. Villa de Itabaiana em Camara de 19 de fevereiro de 1834.236

O documento emitido pela Câmara de vereadores da vila de Itabaiana chama atenção

para a realidade das escolas circunscritas na região. Uma realidade que está clara na fonte

era a existência de escola funcionando em espaços religiosos e até em sítio, provavelmente

nas casas dos professores. Outra realidade era a existência de escolas funcionando pelo

método individual. Essa situação nos leva a pensar na disparidade educacional vivida na

Província com a pluralidade de práticas pedagógicas presentes. Daí nos discursos dos

presidentes da Província estarem presentes as preocupações com a uniformização da

instrução primária.

Na década de trinta do século XIX houve intensa luta por parte dos presidentes

provinciais sergipanos para instituir um templo de formação docente e expandir o método

de ensino mútuo para as escolas de primeiras letras nos lugares mais distantes. A escola

normal foi criada pelo presidente José Eloi Pessoa através do Decreto n.15 de 20 de março

de 1838, mas não saiu do papel. 237

4.1.1- As críticas ao método

A crítica ao método mútuo começou acirrada na Assembléia Legislativa Provincial

em 1840. Nesse ano, o presidente Wenceslao de Oliveira Belo apresentou o método como

defasado para Sergipe, uma vez que os países considerados como civilizados, na época,

estavam abolindo essa forma de ensino. O problema apresentado pelo presidente recaía na

figura do professor, quase que ausente no processo de instrução.

O methodo de Lancaster, ou o ensino mutuo, adoptado no Brasil, não tem produzido o dezejado effeito, e tem perdido a voga, que já gozou na Europa: a Alemanha que nas Sciencias e instrucção publica tem-se mostrado superior as outras Nações, nãqo adopta actualmente methodos exclusivos, e segue o principio de que tudo depende de Mestres, e que he portanto mister por tê-los bons.238

236 - Oficio da Câmara de vereadores da vila de Itabaiana em 19 de fevereiro de 1834. APES. Fundo CM1

19. Doc.44. 237 - NUNES, Maria Thetis. Op. Cit. p. 62. 238 - Relatório do presidente Wenceslao de Oliveira Belo em 11 de janeiro de 1840. IHGS.Sergipe:

Tipografia de Sergipe. p. 9-10.

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A fala do presidente demonstra o interesse em colocar a Província na mesma trilha

pelos quais os países europeus caminhavam em termos de instrução primária. Pode-se

perceber também como as informações acerca do que ocorria no exterior eram bastante

conhecidas pela elite administrativa. O que existia de moderno na Europa era apropriado e

defendido em Sergipe. Quando o método de Lancaster passou a ser visto como solução

para o problema da nacionalidade e da formação da classe trabalhadora européia, foi logo

apropriado de forma discursiva quando passou a não apresentar bons resultados, as

autoridades competentes passaram a fazer ressalvas.

As ressalvas que se faziam ao método recaiam muito na questão da formação moral

do indivíduo. Tornava-se inadmissível, para os responsáveis pela escola primária, a

instrução sem a formação moral do indivíduo. Foi dessa forma que o presidente Antonio

Joaquim Álvares do Amaral em 1846 fez críticas ao método:

Estou que a Lei, que estabeleceo uma semelhante escola na Provincia do Rio de Janeiro, he um modelo aproveitável, ainda que converia talvez não adoptar o methodo do ensino mutuo puro ahi inteiramente estabelecido, e que vai sendo modificado na Europa, como já era em 1837 em alguns Cantões Suissos, segundo o que mesmo tive occasião de observar, julgando-se então menos perfeito o dito ensino em rasão dos alunnos aprenderem como maquinas, sem que seja facil ao Professor dar-lhes huma educação moral, exercendo o poder paternal para lhes formar o caração.239

A preocupação do presidente estava de acordo com o projeto de criação e

manutenção nacionalidade brasileira. Essa questão era levada muito a sério, pois como

esperar do indivíduo respeito ao Imperador, ao Estado brasileiro e à religião Católica se o

coração desse mesmo indivíduo não era trabalhado por esse tipo de escola? A escola que

funcionava com o método mútuo passou a ser vista como espaço de formação mecânica de

crianças. A unidade da Nação dependia muito dos valores escola elementar incutia.

As críticas que eram feitas ao método também não se restringiram à questão da

autoridade do professor e à formação moral do indivíduo, mas outros motivos

desencadeavam discursos contrários. Em outro relatório provincial, de 1847, as razões

para não continuar na permanência do método recaíram na questão da pouca densidade

populacional, nas casas onde funcionam as escolas, no tempo gasto com a instrução e nos

239 - Relatório do presidente Antonio Álvares do Amaral em 11 de janeiro de 1846. IHGS. Sergipe:

Tipografia de Provincial de Sergipe.

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gastos financeiros. Para fazer essa crítica o presidente da província José Ferreira Souto

apropriou-se da experiência de países como a Prússia e a Holanda. 240

Na citada lei julgo que deveis fazer algumas alterações, sendo a primeira a alteração do systema mutuo puro, que ella pertendeo estabelecer; já porque está demonstrado que semelhante methodo não pode ser admitido senão em escolas muito frequentadas, o que exige casas espaçosas, e é incompativel com as nossas circunstancias e atrazo, e já porque suas apregoadas vantagens estão mui contestadas por valiosas autoridades, e segundo mostrão as comparações e exames modernamente feitas por differentes estabelecimentos de instrução na Prussia e na Holanda, sobre ser assás dispendioso e muito demorado.241

A fala do presidente mais uma vez reforça as críticas feitas ao método quanto à

questão de tempo e de recursos financeiros. Se na Europa esses problemas eram vistos

como agravantes para o processo de escolarização da população, em Sergipe, província de

recursos considerados parcos, as reclamações presidenciais contra tal método encontravam

justificativas sólidas. O presidente apresenta também outros fatores que endossavam suas

críticas como a questão da freqüência escolar e o espaço adequado para o bom resultado

da instrução.

É importante observar que as críticas que os responsáveis pela instrução elementar

faziam acerca do método mútuo revelam a preocupação em estabelecer escolas de

primeiras letras para a população. Pode-se notar uma forte corrente em prol desse ramo de

ensino e o papel do Estado imperial ao advogar para si o dever da garantia da instrução

pública.

A presença do método mútuo nos relatórios presidenciais chegou até os anos

cinqüenta do século XIX. As críticas que o presidente da Província José Amâncio

Cardozo fez no relatório de 1850 mais uma vez recaíram as condições econômicas da

Província como o entrave para o sucesso do método. Também recaía na defasagem da lei

existente, a Lei de instrução de 1838.242

(...) convem que seja alterada a vossa lei de 20de março de 1838 na parte que teve por fim estabelecer o methodo de ensino mutuo puro. As autoridades de boa nota se tem levantado a desconhecer as vantagens desse methodo, que além de demorado,

240 - Relatório do presidente José Ferreira Souto em 12 de maio de 1847. IHGS. In. : Correio Sergipense, ano

X , n.35. p.02. 241 - Relatório do presidente José Ferreira Souto . Doc. Cit. p. 02. 242 - Relatório do presidente Amâncio João Pereira de Andrade em primeiro de março de 1850. IHGS.

Sergipe: Tipografia Provincial.

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197

demanda grandes despesas e não pode ser admissível nas circunstancias actuais da provincia.243

O discurso do presidente soma-se aos outros que fizeram críticas acirradas a respeito

do ensino mútuo em Sergipe. Foram críticas que recaíram no problema da forte carga

disciplinar que o método possuía, aos gastos que oneravam os cofres provinciais, ao tempo

que levava para escolarizar crianças, aos locais adequados e, principalmente, a questão da

formação moral do indivíduo.

Para aos administradores provinciais, cabia a escola primária instruir a população

com os rudimentos da leitura, do cálculo e da escrita. Cabia a essa agência civilizadora

incutir nas crianças respeito o Império e à religião Católica da Nação. Na verdade o que

esses dirigentes pretendiam era garantir condições de governabilidade da massa

populacional.

Ao observar que a realidade dos países considerados civilizados contrastava com a

sergipana, os administradores percebiam o antagonismo existente entre a escola primária

européia e a realidade de escola primária brasileira. Enquanto que na Europa o método

mútuo havia caído em desuso, o Brasil teimava em permanecer com práticas desse tipo.

A realidade do Brasil do século XIX estava assentada no trabalho escravo, a da

Europa na industrialização. Quando os administradores faziam comparações percebiam de

antemão a tarefa que lhes cabia no que concernia à instrução da população. E para isso o

caminho a ser seguido era imitar, trazer para o Brasil práticas educacionais européias e

abolir o que passava a ser obsoleto.

Na Europa desse período estava ocorrendo um fervilhar de teorias pedagógicas e

práticas educacionais. Havia a influência de Herbart defendendo uma cientificidade da

pedagogia e uma escola que formasse moralmente o indivíduo. Por outro lado havia

também a influência de Pestalozzi e Basedaw.

O que também estava subjacente nos discursos presidenciais era a questão da

formação moral do indivíduo. Ao fazer ressalvas quanto à funcionalidade do método

adotado, os administradores presidenciais estavam admitindo que a sociedade sergipana

necessitava ser provida de valores concernentes ao Império brasileiro. A solução para esse

problema estava na instituição escolar. Para isso, seria necessário afirmar essa instituição

como agência formadora da identidade imperial. 243 - Relatório do Presidente Amâncio Pereira de Andrade. Op. Cit. p. 10-11.

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O fato de o método mútuo ter sido só aplicado na capital sergipana e de ter estado

por duas décadas nos relatórios presidenciais, revela como a elite administrativa pensava a

sociedade e a escola. Revela como a escola de primeiras letras tornava-se mais e mais uma

necessidade social da Província.

Mergulhados na filosofia iluminista em defesa da instrução pública para a população,

os presidentes da província e seus auxiliares tomaram a responsabilidade de construir a

Nação brasileira via instituição escolar pública e laica, com adoção de métodos de ensino e

um currículo no qual constassem os rudimentos da leitura, da escrita, do cálculo e da

doutrina cristã. Essa era a necessidade social da época. Esse projeto ocorria

simultaneamente com o que era considerado pedagogicamente como moderno nos países

considerados civilizados. Depois que o método mútuo, esta novidade pedagógica caiu

tornou-se obsoleto, uma nova foi adota na Província: o método simultâneo.

4.2 - O E5SI5O SIMULTÂ5EO

A vista do que acabo de expor-vos [sobre a criação de uma escola normal sergipana], tenho a honra de pedir-vos, que crieis huma Lei sobre Instrução primaria, que melhorando o ensino simultâneo, conceda meios ao Governo de arremedar deste magistério homens que pouco serviço prestão à mocidade. 244

O discurso do presidente da Província sergipana começa por criticar a situação da

instrução primária sergipana no século XIX. Fala da necessidade de se criar uma nova lei

sobre instrução que melhor organize, uniformize a escola de primeiras letras. A lei que

regia esse ramo de ensino datava de 1835 e, na ótica desse presidente, estava ultrapassada.

Ao cometer esse ato está pressuposto que o presidente descaracterizava todo trabalho

que havia sido concretizado. A lei, para o administrador, estava ultrapassada. Quanto aos

professores, passaram a ser vistos como inoperantes para os serviços da instrução

primária. Rosa constatou que quando os dirigentes mineiros desejavam instituir outros

saberes para a escola de primeiras letras desqualificavam as práticas dos agentes desse

244 - Relatório do presidente Sebastião Gaspar de Almeida Boto Doc. Cit. p. 09.

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ramo de ensino.245 Com esse tom de acidez, o administrador reclamava um novo tipo de

escola com novas práticas e novos saberes.

Foi demonstrado em outra parte deste capítulo que a partir de certo período houve

várias críticas tecidas pelos administradores sergipanos quanto ao método mútuo e a falta

de uniformização da instrução primária. Pelo tom das críticas deu para perceber esse ramo

do ensino não seguia uma organização e um plano. Essas denúncias acompanharam a

década de 1830 e a seguinte. Reclamava-se muito da situação do método de ensino

adotado pelo poder público e da vivência dos professores de primeiras letras.

Ao reafirmar a importância da escola para o progresso da Província os

administradores reformularam a importância dessa instituição como ferramenta para

garantiria o progresso do Império e a manutenção da ordem estabelecida, garantindo

assim, a modernidade do país, como pode ser visto no relatório do inspetor geral das aulas,

Pedro Autran da Mata Albuquerque em 1858.

A instrução primaria que prepara a todos para todas as carreiras sem levar este com preferencia a aquelle, e que não forma artistas e nem profissionais, e sim homens uteis a si e a sociedade, tem o seu ponto de vista na boa condução do mestre, e tudo quanto se possa fazer para melhorar e aperfeiçoar a instrucção será esteril, se se não organizar escolas que formem bons mestres, porque o maior defeito em que labuta a instrucção da Provincia é o scisma entre os professores públicos não uniformizados na estrada do ensino. 246

No início da década de 1850 começaram as defesas pelo novo método de ensino: o

simultâneo. A adoção desse método trazia junto uma nova concepção de escola. Essa

nova concepção estava galgada nas influências ilustradas que começavam a circular no

seio da intelectualidade brasileira. Em Sergipe, as idéias de reforma e modernização da

escola chegava através dos presidentes da Província e seus acólitos. Segundo Carvalho, o

sistema de rotatividade de empregos nos cargos de comando provincial contribuía para

uma circularidade de idéias e projetos.247 Para garantir essa homogeneidade a estratégia

utilizada pelo Imperador consistia em nomear presidentes para as províncias oriundos de

245 - ROSA, Walquíria Miranda. Op. Cit. p. 89. 246 - Relatório do inspetor geral das aulas Pedro Autran da Mata Albuquerque. In.: Relatório do presidente

João Dabney D’Avelar Brotero em 15 de abril e 1858. IHGS. Bahia : Tipografia de A. Olavo da França Guerra . p. 13.

247 - CARVALHO, José Murilo de. A construção da ordem: a elite política imperial. Brasília: UNB, 1981. p. 93.

Page 200: Dissertação de Luís Siqueira - UFS

200

outras localidades do país. Desse modo, a elite administrativa brasileira circulava com o

mesmo projeto elaborado pelo Império.

Como se viu também em outra parte deste trabalho na década de cinqüenta, o grupo

dos conservadores assumiu o poder e traçou novas formas de organizar o Império

brasileiro. Utilizando a Corte como modelo para as outras províncias o grupo Saquarema

influenciou a Província sergipana com a nova visão sobre o país. No projeto esboçado para

a Nação constava a inclusão de todas as profissões, inclusive a dos professores das escolas

de primeiras letras.

A realidade da Província necessitava de medidas administrativas urgentes. Não era

para menos, pois em 1854 havia em Sergipe um total de 54 escolas de primeiras letras,

sendo que 39 eram do sexo masculino e, cinco eram do sexo feminino. 248 Era um número

relativamente alto de escolas que requereria medidas salutares, como a instituição de

novas práticas e saberes. No discurso do presidente Inácio Joaquim Barbosa a situação da

instrução primária era caótica.

Ellas não tem utesis proprios, não tem cartas, não tem livros, não tem compendios, não tem emfim nem ordem, nem unidade em seos methodos. Algumas tem exigido o que chamam mobilia; mas esta mobilia posta à arbitrio de cada um Professor é de ordinario o que pode haver de peor e de mais improprio para o ensino.249

A situação reclamada pelo presidente tomava a escola de primeiras letras como um

todo, tanto na parte pedagógica como na parte físico-espacial. Para melhorar essa situação

a solução passou a ser visto como a adoção ensino simultâneo e uma conseqüente

uniformização da instrução primária que partia tanto de fora para dentro como do

contrário.

Foi com base nessas críticas que em 1856 os administradores provinciais aprovaram

o Regimento Interno das Escolas.250 Esse documento estava dividido em quatro capítulos e

foi uma mediada que possuía caráter disciplinador para os agentes do ensino como

professores e alunos; foi também uma forma de regular o tempo escolar, a pedagogia

escolar e os materiais didáticos das aulas primárias sergipanas.

A novidade que esse documento trouxe foi a divisão dos discípulos em classe,

segundo as idades e objetos do ensino. Na verdade a divisão de alunos em classes,

248 - Relatório do presidente Inácio Joaquim Barbosa em 20 de abril de 1854. IHGS. Sergipe: Tipografia

Provincial. p. 06. 249 - Idem. p. 04. 250 - Regimento Interno das Escolas de 1856. APES. Biblioteca José Alves. CX.01. DOC. s/n.

Page 201: Dissertação de Luís Siqueira - UFS

201

segundo as habilidades adquiridas, era condição tanto da escola simultânea quanto da

mútua e não por faixa de idade como determinava o novo documento. Por esse dispositivo

o método de ensino passava a ser o simultâneo, embora o documento não deixasse

expresso. Mas basta observar o documento na parte que trata dos objetos das matérias de

ensino que se pode perceber a tentativa de se implantar o novo método para todas as

escolas de primeiras letras sergipanas.

Art. 13. Os objetos destinados para a leitura serão abcedarios esyllabarios impressos, e cartas de nomes, que serão colados à cartões, e pregoados nas paredes; e os discipulos farão a classe de leitura collocados em semicirculos em frente do cartão, que lhes é destinados pelo professor, conforme o seo gráo de adiantamento, sendo assiatido por um discipulo mais adiantado para guiar na leitura.251

O artigo acima expressa de modo claro como deveria ser organizada a classe de

leitura em uma escola primária, funcionando com o método simultâneo. O que chama

atenção nesse dispositivo é a forma como os alunos da classe de leitura deveriam ler:

reunidos em semicírculos e em pé, observando os impressos colados na parede. Todos

leriam com a ajuda de um monitor. Nas classes mais adiantadas, quando o professor

trabalhasse com manuscritos e livros impressos, o documento ordenava que os alunos

lessem em seus assentos, ou seja, em seus bancos.252 Pela forma como era realizada o

aprendizado da leitura dá para se perceber a hierarquia que havia no interior da escola.

A classe de escrita funcionava de forma diferente da anterior, não havendo divisão

entre alunos sentados e em pé. Nesse tipo de organização dos alunos, a forma de

aprendizado dava-se de forma em que todos permaneciam sentados. Os traslados

litografados utilizados para escrever eram colocados em caixilhos envidraçados e pregados

às carteiras para que servissem a dois ou mais alunos. 253

No caso da classe de aritmética, esta funcionaria de forma parecida com a de leitura.

Uma parte dos exercícios seria feita em semicírculos, em outra haveria o acompanhamento

do professor aluno por aluno, e o terceiro modo seria realizado através de ditado com a

utilização de cadernos para esse fim.

Pelo exposto sobre as divisões de uma escola de primeiras letras dá para termos uma

idéia de como era a organização espacial desse ensino. Essa tentativa de organizar a

251 - Regimento Interno das Escolas. DOC. Cit. p. 02. 252 - Idem. Artigo 15. 253 - Idem.. Artigo 24.

Page 202: Dissertação de Luís Siqueira - UFS

202

atividade pedagógica foi a solução encontrada para uniformizar a disparidade que

ocorriam nas escolas de primeiras letras da Província sergipana.

É necessário observar que o Regimento Interno das Escolas foi um prelúdio que

disciplinou o espaço interno das escolas e a atividade pedagógica. No entanto, não havia

ainda no documento ordenação expressa do método simultâneo. Pode-se perceber

claramente que seria uma preparação de uma nova lei de instrução que estava por vir.

A determinação legal do método simultâneo ocorreu com o Regulamento da

Instrução Pública de 1° de setembro de 1858, promulgado no governo do presidente João

Dabney d’Avelar Brotero. Esse novo documento possuía 151 artigos englobando a

instrução primária, secundária, inspeção das escolas, material das escolas, mobília escola,

os tempos e os espaços escolares.

A respeito do método de ensino o Regulamento de 1858 deixou claro que seria o

simultâneo por classe como estava determinado nos artigos 38 e 39.

Art. 38. O ensino será simultaaeo por classes, assegurando - se o professor de que todas estejão convenientemente applicadas ao estudo, de que se occupão. Para a divisão das classes e programma do ensino de cada uma, expedirá o Inspector Geral, com previa approvação do Governo, as necessarias instrucções: ficando salvo à qualquer professor o direito de empregar qualquer outro methodo de ensino autorisado pelo Inspector Geral, na forma do art. 3° § 19 deste regulamento. Art. 39. Não obstante ser o ensino simultâneo, o professor nomeará, da classe mais adiantada, monitores para fazerem repetições nas classes inferiores, salvo quando não tiver alunno idôneo para esse fim.254

Por esses dois artigos o novo Regulamento da Instrução Pública trouxe duas

novidades. A primeira novidade foi a divisão da escola em classes de aprendizagem por

idade. A segunda foi a criação do cargo de alunos-mestres ou monitores financiados pelos

cofres provinciais.

A divisão dos alunos em classes vem mostrar como o conceito de infância estava

presente nesse novo conceito de escola. Ao admitir tal organização da escola, os

administradores responsáveis pela instrução estavam concebendo a criança na sua

especificidade.255 Essa assertiva pode ser verificada no artigo doze do Regulamento de

254 - Regulamento da Instrução Pública de 1° de setembro de 1858. Doc. Cit. 255 - Ariés afirma que a classificação dos alunos em classes surgiu a partir do século XIX como necessidade

da Pedagogia Nova. Desse modo passou a existir correspondência entre idade e classe. ARIÉS, Philippe. História social da criança e da família. Rio de Janeiro: LTC, 1981. p. 115.

Page 203: Dissertação de Luís Siqueira - UFS

203

1856 determinando que os discípulos fossem divididos em classes, segundo as idades e os

objetos de ensino.256

Para esse novo tipo de organização escolar foi admitida uma nova qualificação do

trabalho docente. O que nos chama atenção é o fato de que os dirigentes provinciais, ao

adotarem o método de ensino para as escolas, criaram estratégias para qualificar o

professor. Como em Sergipe ainda não existia a escola normal à nova forma de habilitar o

quadro docente veio com a instituição do sistema de aluno-mestre. A nova experiência

tomada de empréstimo da Prússia.257

Quanto ao currículo, o novo documento educacional trazia novidades e se apresentava

para a realidade das escolas de primeiras letras sergipanas. As escolas primárias foram

estruturadas em dois graus, de acordo com as necessidades da Província. Antes, as escolas

de primeiras letras funcionavam com um grau. A estrutura curricular desses dois graus

estava determinada da seguinte forma:

O primeiro gráo do ensino deve constar de: Escripta Leitura Instrucção moral e religiosa Elementos de grammatica As quatros operações arithmeticas por numero inteiro e fracções Systema de pesos e medidas O segundo gráo que não é mais do que a continuação do primeiro deve constar dos elementos de geographia, e especialmente a do Brasil. Noções de historia universal, e perticularmente a do Brasil. Elementos de geometria theorica e practica Desenho linear As operações arithmeticas de fracções decimais até complexos.258

Faz-se necessário destacar que o currículo organizado para as escolas do sexo

masculino não se aplicava às escolas femininas. Nestas, o currículo compreendia leitura,

256 - Regimento Interno das Escolas de 1856. Doc. Cit. 257 - O sistema funcionava de seguinte forma: o aluno que obtivesse maior aproveitamento na escola passaria

a ser ajudante do professor e depois requereria o direito de ser professor adjunto. VILELA, Heloisa de O. S. o mestre-escola e a professora. In .: LOPES, Eliana Marta Teixeira; FARIA FILHO, Luciano Mendes de; VEIGA, Cynthia Greive. 500 anos de educação no Brasil. 2 ª ed. Belo horizonte: Autêntica, 2000.

258- Regulamento da Instrução Pública de 1858. Artigos 29 e 31. O documento não informa o tempo de duração de cada grau dessa estrutura curricular.

Page 204: Dissertação de Luís Siqueira - UFS

204

escrita, instrução moral e religiosa, as quatro operações aritméticas por números inteiros,

completado com os trabalhos de agulhas. 259

Observando essa disparidade curricular entre os sexos pode-se perceber claramente

que houve limitações quanto à formação do papel feminino para atuar na sociedade do

século XIX. Recebendo educação moral e religiosa, poucas noções de aritmética e

trabalhos com agulhas, o papel da mulher estava restrito ao lar familiar e à maternidade. A

menina estaria assim sendo preparada para ser uma boa dona de casa e boa mãe.

A grade curricular ou programa de ensino seria planejado pelo inspetor geral da

Instrução Pública como determinava os artigos do Regulamento de 1858. Encontramos no

livro da Compilação das Leis e Decretos de Sergipe um quadro elaborado pelos

administradores da instrução elementar para as classes das escolas de instrução primária

sergipanas, como se pode observar a seguir.

259 - Regulamento da Instrução Pública de 1858. Artigo 30.

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205

Quadro 01

Distribuição das matérias de ensino e dos exercícios para cada classe

4ª classe 3ª classe 2ª classe 1ª classe

Instrução moral e religiosa

Doutrina Christam

Parte historica do

cathecismo

Parte dogmatica do

cathecismo

Parte moral e lyturgica do catecismo

Leitura

Alfabeto syllabarios

1° livro de leitura

2° e 3° livros de

leitura

Manuscripto de D. Jayme

Calligraphia

Limhas retas e curvas,

algarismos, letras

Bastardo

Bastardinho

Cursivo

Calculo

Calculo verbal ( fromação dos numeros, addicção e subtracção)

Calculo verbal ( multiplicação e divisa), calculo,

escripto(numeração, addicção e subtracção)

Calculo

escripto(multiplicação e divisão dos numeros intiros e decimaes)

Fracções ordinarias

Grammatica

Exercicios de ortographia por

meio de subtracção

Estudo das

principaes especies de palavras,

conjugação dos verbos auxiliares

regulares

Conjugação dos verbos irregulares, ortographia por tema, analyse grammatical, prosódia e atymologia

Grammatica inteira,

exercicios sobre as regras da syntaxe,

analyse logica-grammatical

Systema metrico

Conhecimento dos multiplos das unidades metricas

Conhecimento dos multiplos das

unidades metricas

Estudos mais

aprofundados do systema metrico

Syatema metrico completo

Fonte: FRANCO, Cândido. Aracaju: Tipografia de F. das Chagas Lima. V I, A_H. Anexo.

De acordo com o quadro, pode-se perceber que a escola funcionava dividida em

quatro classes de alunos, sendo que cada estava voltada para uma matéria de ensino. A

primeira classe começava com a classe de instrução moral e religiosa e a última, com o

sistema métrico. O que chama atenção, observando o quadro elaborado pela Inspetoria

Geral da Instrução Pública, é a forma como as classes foram organizadas: começa da

quarta e termina na primeira.

Page 206: Dissertação de Luís Siqueira - UFS

206

Do ponto de vista de uma escola do sexo feminino podemos também perceber que a

indicação curricular no que diz respeito ao ensino de aritmética estava limitada até a

segunda classe, sendo completada a estrutura com os trabalhos de agulhas.

A forma como as classes estavam organizadas nos dá visão clara da reorganização

que a escola sofreu a partir do conceito de infância que estava subjacente. Se a infância

possuía fases sucessivas assim também seria o programa de ensino. Cada matéria de

ensino começava na forma simples para a mais complexa.

Para que o método de ensino simultâneo funcionasse com todo sucesso requeria o

uso de material escolar e impressos pedagógicos. Isso porque existe uma relação intrínseca

entre método e material escolar. Desse modo, cada material pedagógico estava

determinado em um local, atrelado a um objeto da sala. No entanto, na relação existente

não havia determinação do segundo sobre o primeiro, a ausência de materiais implicava na

reorganização do espaço escolar. Podemos exemplificar alguns objetos escalares utilizados

no século XIX através da relação elaborada pela Inspetoria Geral e dirigida ao presidente

da Província em 1858 para uso da Aula Pública da Capital.

Relação dos objetos precisos para a aula publica da Capital regida pelo professor Germancio de Sousa Valadão 30 Cannivetes para aparar as pennas 2 Resmas de papel para escripturação dos meninso pobres 30 Aretmetcas e 30 Ortographia 30 Grammaticas e

20 Cartilhas 6 Maços de pennas 2 Garrafas de tinta 2 Dusias de cartas de abecedarios e syllabarios 4 dusias de lapis 1 Compendio do Catecismo de Fleury 10 compendios de Simão de Nantua. Aracaju 26 de O Professor Fevereiro de 1858. Germancio de Sousa Valadão.260

260 - Ofício Recebido da Inspetoria Geral da Instrução Pública n.28 em 20 de março de 1858. APES. Fundo

G1 967.

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207

A relação que o diretor elaborou para a escola da Capital sergipana nos informa

como havia uma relação direta entre o impresso e método de ensino. Outro indício que se

pode perceber a junção entre o ensino da escrita e o da leitura como processos

simultâneos. Ao passo que os alunos iam escrevendo também ia lendo.261

De outra maneira, podemos perceber como o método estava sendo adotado pelos

professores das escolas de primeiras letras sergipanas, observando o que de mobiliário era

solicitado por estes. O Regulamento de 1858, no artigo sessenta e um, parágrafo terceiro,

ordenava que os professores da Instrução Primária confeccionassem relatório anual no

qual constasse o orçamento anual da escola para o ano seguinte e o estado do material da

escola; apontasse a situação do método de ensino adotado, o grau de progresso dos alunos

e freqüência.

Em 1866, a professora contratada Maria Belarmina de Meneses, da Aula Pública do

sexo feminino da vila de Campos em relatório dirigido ao inspetor do distrito literário,

revelou os móveis necessários para sua escola através do orçamento que ela mesma

elaborou. A referida escola tinha sido estabelecida no dia 15 de maio de 1860 e ainda em

1866 a professora reclamava da demora do mobiliário que era solicitado a cada ano. De

acordo com o orçamento confeccionado para 1866, sua escola necessitava dos seguintes

móveis:

Orçamento dos moveis necessarios para a Eschola do sexo feminino da Villa de

Campos e seu material para o anno de 1867 Uma cadeira com 15 palmos de comprimento e seos bancos.................22 $ 000 Seis cadeiras de palhinhas.......................................................................24 $ 000 Uma meza com pano...............................................................................14 $ 000 Uma escrivaninha de louça...................................................................... 3 $ 000 A cadeira da Professora...........................................................................15 $ 000 Uma pedra pª. Operações de Arithmetica................................................10 $ 000 Oito tinteiros de chumbo pª. A Carteira....................................................4 $ 000 Um espanador............................................................................................2 $ 000 Dous copos de vidro para beber agua........................................................2 $ 560 _____________________________ Soma 96 $ 560

261- Galvão e Batista redefinem o conceito de livro didático para o século XIX. Segundo os autores, os

alunos aprendiam a ler e escrever não só através de livros impressos como também através de manuscritos, extratos de leis, cartas pessoais, traslados, tabelas, etc. tudo isso pode ser considerado livro didático. GALVÂO, Ana Maria de Oliveira; BATISTA, Antônio Augusto Gomes. Manuais escolares e pesquisa em História. In.: FONSECA, Thaís Nívea Lima; VEIGA, Cythia Greive. História e Historiografia da Educação no Brasil. Belo Horizonte: Autêntica, 2003. p.163.

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Para o material.........................................................................................20 $ 000 ______________________________ Total 116 $ 560 Aula publica do sexo feminino da villa dos Campos 14 de dezbrº. 1866

Maria Bellarmina de Menes . Professora contratada262

Através do orçamento da professora pode-se perceber claramente a limitação que o

currículo destinado para as escolas femininas sofria. A presença da pedra para operações

aritméticas na lista de solicitação leva a deduzir que a escola funcionava pelo método

simultâneo. Esse objeto pedagógico ordenava que todos os alunos sentassem de frente para

o professor a aprendessem ao mesmo tempo. Desse modo, a disposição dos bancos teria

que ficar de frente para o professor. Com essa disposição todos os alunos aprenderiam a

lição ao mesmo tempo. Isso dava uma uniformização evitando também maiores contatos

entre os alunos, pois todos estariam olhando para frente

A pedra para operações aritméticas determinava uma nova reorganização espacial da

escola. Segundo Barra, essa nova maneira de ensinar e aprender dava determinava a

maneira simultânea.263

O olhar vertical do aluno é dirigido pelo plano horizontal da lousa individual, enquanto que o plano vertical do quadro-negro dá a direção horizontal do seu olhar. Há uma redefinição espacial da aula, do mobiliário escolar, especialmente dos bancos e das bancas (mesas) dos agentes e das relações de ensino.264

Seguindo as exigências do ensino simultâneo montou-se a planta baixa da escola da

professora Maria Belarmina a partir do documento emitido por esta, na tentativa de uma

melhor visualização do espaço físico da escola. A planta foi montada com objetivo de

mostrar as possíveis disposições dos móveis de uma escola primária do século XIX.

262 - Ofício da professara Maria Bellarmina de Meneses em 14 de dezembro de 1866. APES. Fundo E1 634. 263 - BARRA, Valdeniza Maria da. Da pedra ao pó : o itinerário da lousa na escola paulista do século XIX.

São Paulo: PUC, 2001. A autora diz que no século XIX o quadro – negro era chamado de pedra ou tábua preta.

264 - BARRA, Valdeniza Maria da. Op. Cit. p. 21.

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209

PLANTA BAIXA 01

Escola do sexo feminino da vila de Campos265

Fonte: confecção de Luís Siqueira e Hilton Cezar Gomes Silva

De acordo com as determinações, pode-se perceber como a disposição espacial dos

móveis determinava poder de vigilância e relação de poder na escola. Cada a partícipe da

escola estava em posição tal que, de um lado havia quem vigiava e ordenava, e do outro

quem era vigiado e obedecia.

Escolano afirma que o espaço-escola não é espaço neutro, está repleto de valores, de

determinação. A arquitetura escolar para o autor, é um programa, uma espécie de discurso

que institui ordem, disciplina e vigilância, marcos para a aprendizagem sensória, motora e

265 - Ofício da professara Maria Bellarmina de Meneses em 14 de dezembro de 1866. APES. Fundo E1 634.

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210

toda uma simbologia que cobre diferentes símbolos estéticos, culturais e também

ideológicos.266 Mesmo que esse espaço seja de improviso,267 funcione na casa do professor

como muitas escolas sergipanas do século XIX, influenciava na subjetividade do aluno

com valores do império brasileiro.

O documento emitido pela professora revela também o grau de adiantamento das

alunas de sua escola. A escola estava funcionando com 19 alunas divididas em classes de

leitura, escrita e aritmética.

Grão de progresso

No decurso do corrente anno tenho empregado os precisos meios para o adianatamento de minhas alunnas, e não obstante o meo disvelo, apenas pude obter o adiantamento seguinte: trez dão grammatica; quatro dão arithmetica; duas principiam a ler; sete leem carta missiva; duas leem cartas de nomes; e uma lê catas de syllabas.268

É importante também observar que os trabalhos de agulhas ordenados pelo

Regulamento de 1858 não aparecem no grau de adiantamento. Provavelmente essa

atividade não era exigida pela Inspetoria da Instrução, estando implícita nas atividades das

professoras. Outra observação é que também não aparecem indícios quanto à questão do

ensino da moral e da doutrina cristã.

Analisando o adiantamento das alunas, pode-se dizer que a professora Bellarmina

organizou a escola em seis classes. A freqüência era de dezenove alunas e segundo a

professora, essa freqüência às vezes caía para dezessete. A organização das classes escola

pode ser estruturada da seguinte forma:

266 - ESCOLANO, A arquitetura como programa: espaço, escola e currículo. IN.: FRAGO, Antonio Vinao;

ESCOLANO, Augustín. Currículo, espaço e subjetividade: a arquitetura como programa. Trad. Alfredo Veiga Neto. 2ª ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2001. p. 26.

267- Faria Filho chamou as escolas de primeiras letras do século XIX de escolas de improviso por não possuírem ainda locais próprios, mas funcionando em ambientes improvisados como em casas de professore ou em igrejas. FARIA FILHO, Luciano Mendes de; VIDAL, Diana Gonçalves. Os tempos e os espaços escolares no processo de institucionalização da escola primária no Brasil. In.: Revista brasileira de Educação.

268 - Idem.

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211

Tabela 01

Classificação das alunas da aula da vila de Campos em 1866

Classes Grau de progresso N. de

alunos

por classe

01 Gramática 03

02 Aritmética 04

03 Principiam a ler 02

04 Lêem cartas missivas 07

05 Lêem cartas de nomes 02

06 Lêem cartas de sílabas 01

Fonte: Ofício da professora Maria Bellarmina de Meneses em quatorze de dezembro de 1866. APES. Fundo

E1 634.

De forma deferente, era a realidade da escola do sexo masculino de Riachão, regida

pelo professor Cypriano José. Sua escola possuía um quadro de trinta e sete alunos, mas a

freqüência caía para trinta. No relatório desse professor, não aparece o grau de progresso

dos alunos, mas mostra a realidade em termos de mobília escolar, o que de certa forma

indica as possibilidades de como a escola poderia ser organizada seguindo as

determinações do ensino simultâneo. De acordo com ofício do professor, a realidade era a

seguinte:

A minha aula s’acha muito balda de utensis; por quanto existindo na respectiva matricula o numero de 37 meninos sendo a frequencia de 30, pouco mais ou menos apenas existem 3 bancos, 2 carteiras e uma pequena banca sendo dois bancos de comprimento de 15 palmos cada um, e o outro de 9 ditos, as carteiras com 15 palmos de comprimento cada uma, e a banca com 5 palmos de comprimento e 2 1/2 de largura, tudo isto em pessimo estado. Não há pois nada mais, pelo que espero que por intermedio de V. Sª. Seja tal falta sanada, pondo-se em effeito o disposto no artigo 51 do dito Regulamento.269

269 - Ofício do professor Cypriano José em 28 de novembro de 1866. APES. Fundo E1 634.

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212

O mobiliário apresentado pelo professor Cypriano José não era considerado ideal

para a quantidade de alunos que freqüentava a escola. O professor, ao terminar a

exposição, recorreu ao artigo 51 do Regulamento de 1858 como garantia para que seu

pedido fosse atendido. De acordo com esse artigo, todos os móveis e demais utensílios

seriam fornecidos pelos Cofres Provinciais. 270

Pela exposição do professor pode-se perceber claramente que os alunos estudavam

sentados em bancos e escreviam em carteiras. No relatório podemos ainda verificar que a

lista de mobiliário seguiu acompanhada de medidas métricas. Essa exigência provinha das

normas da Diretoria Geral da Instrução Pública.

De acordo com Barra, havia uma disposição de organizar a escola como base nos

móveis e utensílios escolares presentes.271 Essa (forma) de organização que foi

denominada de forma escolar, indica a simultaneidade do ensino. A simultaneidade do

ensino era dada pela junção entre a escrita e a leitura. Essa condição era determinada pala

presença dos objetos de ensino como o quadro-negro e os textos e a disposição em que

estes eram colocados na sala. Hérbrad reconhece na simultaneidade do ler e escrever o

grande esforço escolar do século XIX, principalmente por causa do método de ensino

adotado.272

De acordo com relatório do professor Cypriano José, foi construída a planta baixa da

sua escola. A escola pode ser representada com a seguinte forma:

270 - Regulamento de 1858. Doc. Cit. Artigo. 51. 271 - A autora concebe forma escolar “como a disposição de organizar a escola como seus móveis e utensílios

que, distribuídos de modo estratégico, garantem a forma simultânea de ensino”. Este conceito a autora tomou de empréstimo do francês Guy Vicent, no trabalho sobre a história e a forma escolar das escolas primárias francesas. BARRA, Valdeniza Maria da. Op. Cit. p. 02.

272 - HÉRBRAD, Jean. Três figuras de jovens leitores: alfabetização e escolarização do ponto de vista da história cultural. História de leitura: leitura, história e história da leitura. Trad. de Christian Pierre Kasper. ALB/FAPESP, São Paulo: Mercado de Letras, 2000. p. 49.

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213

PLANTA BAIXA 02

Escola do sexo masculino de Riachão273

Fonte: confecção de Luís Siqueira e Hilton Cezar Gomes Silva

A questão do mobiliário escolar vinha sendo criticada desde o início da aprovação do

Regulamento de 1858 pelos administradores da Província sergipana. Em 1860, o

presidente Manuel da Cunha Galvão fez denúncias das dimensões irregulares dos móveis

escolares como bancos e carteiras nas escolas de primeiras letras.274

273- Ofício do professor Cypriano José em 28 de novembro de 1866. APES. Fundo E1 634. 274- Relatório do presidente Manuel da Cunha Galvão em 1860. Bahia: Tipografia de Ponggetti de Cattellina

e Cia. p. 9-10.

Page 214: Dissertação de Luís Siqueira - UFS

214

Na ótica desse presidente, havia uma relação intrínseca entre os móveis escolares e o

bom desempenho do método de ensino adotado. Se os móveis não fossem considerados

perfeitos o método de ensino não sortiria o efeito desejado.

Na tentativa de padronizar os móveis escolares das escolas de primeiras letras da

Província em seis de março de 1861 foi aprovado um novo Regimento Interno para as

escolas determinado o número, o tamanho, a forma as dimensões e os usos dos diversos

móveis, indispensáveis para a fiel execução do método adotado. 275

No do relatório confeccionado pelo professor da vila de Campos José Joaquim de

Montalvão para o ano de 1867 a situação da escola era diferente. De acordo com o

documento, pode-se perceber que o mobiliário da escola era mais completo que o das

outras escolas. A primeira situação presente é que a escola estava funcionando com uma

mesa com pouco mais de seis palmos de comprimento e três e meio de largura. O

professor afirma no documento que complementava sua escola com os móveis

emprestados de seu colega antecessor. 276

A segunda informação presente no relatório é a ausência de utensílios para a aula, o

que de acordo com as declarações do professor, deixava dúvidas se o método de ensino

adotado era ou não proveitoso. O que o professor quer afirmar é a inviabilidade do método

devido à ausência de impressos pedagógicos.

Ao relatar sobre o progresso dos alunos, o professor José Joaquim de Montalvão,

além de indicar as classes presentes de sua escola, acabou por revelar o perfil do seu

quadro discente.

Gráo de Progresso

Sendo esta aula composta em parte, por meninos pobres, aconteceo cometerem elles muitas faltas no decurso do corrente anno, e por isso apenas passo apresentar o adiantamento seguinte: Seis estão regendo grammatica; dez estão dando arithmetica; nove decorão doutrina; nove lêem cartas missivas; cinco lêem cartas de nomes, e três lêem cartas de syllabas.277

275 - Relatório do inspetor geral das aulas Guilherme Pereira Rebelo. IHGS. In.: Relatório do presidente

Alexandre Rodrigues da Silva Chaves em 1864.. IHGS. Sergipe: Tipografia Provincial. 276- Ofício do professor de primeiras letras Joaquim José de Montalvão em 15 de novembro de 1866.

APES. Fundo E1 634. 277 - Idem.

Page 215: Dissertação de Luís Siqueira - UFS

215

De acordo com esse documento, pode-se perceber - diferente da realidade das outras

escolas - a presença do ensino da doutrina cristã. Mesmo com todas as dificuldades

apresentadas, o professor obedecia ao currículo proposto para as escolas de primeiras

letras da Província cujo número de alunos que estava decorando doutrina cristã

relativamente era grande.

As classes dessa escola estavam estruturadas de acordo com a tabela abaixo.

Tabela 02

Classificação dos alunos da escola do sexo masculino da vila de Campos em 1866

Classes Grau de progresso N. de alunos

por classe

01 Regendo Gramática 06

02 Dando Aritmética 10

03 Decoram doutrina 09

04 Lêem cartas missivas 09

05 Lêem cartas de nomes 05

06 Lêem cartas de sílabas 03

Fonte: Ofício do professor José Joaquim de Montalvão em quinze de novembro de 1866. APES. Fundo E1

634.

Assim como a escola feminina estruturou as alunas em seis classes, a masculina da

vila de Campos organizou os alunos em seis classes. O que causa dificuldade na análise é

entender as gradações das matérias ensinadas como se pode ver nas classes. O professor

afirma, respectivamente, que seis alunos estão regendo gramática e dez alunos dando

aritmética, mas não menciona a gradação dessas matérias.

Da mesma forma que ocorreu com a aritmética se verifica com o ensino das noções

de pesos e medidas, ausente nas informações passadas pelo professor. Se havia o ensino de

pesos e medidas o documento deixou obscura essa questão. Provavelmente essas noções

estavam diluídas no ensino da aritmética, pois no orçamento consta a presença do quadro

para operações aritméticas e geometria..

Page 216: Dissertação de Luís Siqueira - UFS

216

O orçamento elaborado pelo professor José Joaquim Montalvão também ajuda a

montar planta baixa da escola. Pelos objetos presentes, pode-se perceber a presença do

Império e da religião Católica na escola como consta no orçamento.

Orçamento dos moveis necessários para a Eschola de 1as. Lettras da Villa de Campos e seu materail para o anno de 1867. Um crucifixo e preparos para sua colocação............................................20 $ 000 rs

Um retrato do Imperador e sua colocação................................................20 $ 000 Três Carteiras e seus bancos.....................................................................66 $ 000 Uma mesa com pano e estrado.................................................................21 $ 000 Uma cadeira para o professor...................................................................16 $ 000 Uma escrivaninha de louça.........................................................................3 $ 000 Seis cadeiras de palhinha..........................................................................24 $ 000 Uma pedra para operações arethmetica e geometria................................15 $ 000 Um espanador.............................................................................................2 $ 000 Duas toalhas...............................................................................................1 $ 000 Quatro copos de beber água.......................................................................5 $ 120 Uma bandeja pequena................................................................................2 $ 000 Dous canecos de folha de flandres.............................................................. $ 400 Um coco[sic] de folha de flandres................................................................$ 500 Uma Campanhia........................................................................................1 $ 000 Quinze tinteiros de chumbo para as carteiras............................................7 $ 500 Um relogio de sineta................................................................................30 $ 000 Para o alluguer da casa em q. deve funcionar a Eschola.........................24 $ 000 __________ Soma 243 $ 220 rs. Para o material..................................... 70 $ 000 ___________ Total 304 $ 220 rs.278

O orçamento da escola do sexo masculino da vila de Campos ainda merece alguns

comentários pelo detalhe de informações que apresentou como ao retrato do Imperador e a

presença do crucifixo.

A presença da imagem do imperador na parede da escola o tempo todo era uma

maneira de passar para as crianças que o Brasil tinha um monarca que governava. Esse

governante seria o defensor, o administrador e aquele que impulsionaria o

desenvolvimento do País. Era enfim, um recurso utilizado para passar a ideologia do

Estado, tentando assim fixar a imagem do imperador na memória infantil.

278 - Ofício do professor José Joaquim Montalvão. Doc. Cit.

Page 217: Dissertação de Luís Siqueira - UFS

217

No caso do crucifixo também pregado na parede era a forma de passar a religião do

Império para as crianças. Era um meio de doutrinação do catolicismo brasileiro. O respeito

à religião continuava no recinto escolar. E para reforçar essa estratégia havia a

complementação com as orações determinadas na legislação que eram decoradas antes e

depois das sessões escolares. Este objeto, assim como o retrato do Imperador, incutia

valores significados no espaço escolar do século XIX.

Para ajudar a compreender ao orçamento elaborado pelo professor José Joaquim de

Montalvão construiu-se também a planta baixa com objetivo de visualizar o espaço

escolar, as disposições dos móveis e objetos de uma escola de primeiras letras sergipana.

Os móveis da escola foram colocados de acordo com o que determinava o método

simultâneo. O crucifixo foi posto na parede do lado do estrado do professor. O retrato do

imperador D. Pedro II está situado na mesma parede, só que em lado paralelo ao crucifixo.

As carteiras dos alunos estavam dispostas em três filas quase paralelas, em frente para o

professor. De posição oposta aos alunos está o quadro-negro. As seis cadeiras de palhinhas

foram colocadas de lado das carteiras, provavelmente seria para os monitores. Por não

haver indicação no documento da ante-sala, os demais objetos foram colocados em uma

mesa ao lado do estrado. A porta da escola está situada na mesma localização do estrado

do professor para que este vigie e controle a saída e entrada dos alunos.

Page 218: Dissertação de Luís Siqueira - UFS

218

PLANTA BAIXA 03

Escola do sexo masculino da vila de Campos279

Fonte: confecção de Luís Siqueira e Hilton Cezar Gomes Silva

Até aqui se tentou mostrar através de legislação, de relatórios dos presidentes da

Província e de professores, como o método de ensino simultâneo foi adotado nas escolas.

279 - Ofício do professor José Joaquim de Montalvão. Doc. Cit.

Page 219: Dissertação de Luís Siqueira - UFS

219

Na pesquisa que se empreendeu, foram encontradas críticas e elogios quanto à sua

aplicação nas escolas depois do Regulamento de 1858. Começaremos pelas críticas e

elogios emanados da elite administrativa provincial. Desse modo, será mostrado como os

presidentes enxergavam o caminhar da instrução primária na Província sergipana, quais os

entraves e as saídas apontadas para melhorar a crise.

4.2.1 - As críticas e os elogios ao método

A primeira crítica empreendida acerca do atraso da instrução ocorreu dois anos

depois da adoção do método e partiu do presidente da Província Manuel da Cunha Galvão

em 1860. De acordo com esse administrador, a instrução apresentava problema devido à

falta de material escolar, o que de certa forma estava causando transtorno para que o

ensino público tornasse metódico e regular. A saída encontrada para o atraso seria o

aumento de mais investimentos na educação por parte do poder público. A instrução, para

o presidente, possuía valor inestimável porque era o caminho para a edificação da

sociedade.

A instrução elementar é a primeira porta, que se abre para a rasão humana: é por ella que se denuncia o quilate de cada intelligencia, é por ella que começão à desenvolver as dedicações, as tendencias, as propensões de cada um, é por ella que se fasem os artistas, os homens de letras e sciencias, os que se dão as especulações mercantis: é ella emfim, que, dirigindo a docil intelligencia da verde juventude, e moldando-a nos preceitos da moral civil e religiosa, no amor do trabalho e na obediencia cega ao sentimento de dever, produz o cidadão e o pae de familia. 280

Pelas afirmações do presidente pode-se observar a representação que é feita da

instrução elementar. Na ótica do administrador, esse ramo do ensino seria a base para a

construção da Nação brasileira. A formação da elite que comandariam o país dependia de

uma base educacional solidificada. Até a construção de uma família seria tributária de uma

boa instrução.

A construção da família e, consequentemente da boa sociedade, estava garantida via

instrução elementar porque seria através do currículo escolar com as noções de moral e

280 - Relatório do presidente Manuel da Cunha Galvão em 5 de março de 1860. Doc. Cit. p. 10-11.

Page 220: Dissertação de Luís Siqueira - UFS

220

doutrina cristã que a escola trabalharia a mente e os corações das crianças, dos futuros pais

de famílias. No caso das escolas femininas as alunas ainda aprenderiam além da leitura, da

escrita e de um pouco de cálculo, as noções de trabalhos com agulhas.

Outro problema, dessa vez apontado pelo presidente José Pereira da Silva Morais em

1867, era a questão da criação de cadeiras e da freqüência escolar de algumas localidades. 281 O presidente denunciava a forma irregular de se criar cadeiras de primeiras letras em

locais inapropriados. Para o presidente, a criação de cadeiras sem obedecer a um plano

onerava o chofre provincial. A cadeira criada em local pouco populoso acabava por criar

transtorno por causa do problema da evasão escolar.

No caso da escola possuir número insuficiente para seu funcionamento, a legislação

era taxativa: os alunos e professor seriam transferidos para outra escola. 282 Com relação

aos objetos como os móveis escolares, possivelmente, seriam remanejados para outra

escola. Já os impressos pedagógicos, o professor da cadeira levaria consigo para serem

aplicados em outra aula.

O problema que chamava atenção dos responsáveis pela administração da instrução

na Província era a questão do espaço destinado para o funcionamento das escolas. Desde o

final da década de quarenta que essa situação passou a ser reclamada nos relatórios

apresentados pelos presidentes provinciais. Segundo Faria Filho, essa questão não era

própria da intelectualidade ou da classe dirigente brasileira, mas estava no cerne da

modernidade e não poderia deixar de estar no cerne do processo de escolarização.283

A crítica sobre o espaço físico das escolas esteve presente no relatório do presidente

Inácio Joaquim Barbosa em 1854 quando este fazia defesa da organização geral da

Instrução Pública de forma contundente. O bom desempenho da instrução de primeiras

letras dependia de uma boa casa para o ofício do magistério.

Permitti que tambem chame a vossa attenção sobre as casas, em que funccionão as Escholas, e sobre sua falta de mobília e utensis. É indispensável que consigneis

281 - Relatório do Presidente José Pereira da Silva Morais em 21 de janeiro de 1867. Sergip: Tipografia

Provincial. 282 - É importante verificar que o artigo 27 do Regulamento de 1858 dava poderes ao governo de suprimir a

cadeira com o número menor de 20 alunos e menos de doze as cadeiras do sexo feminino. Isso evitaria gastos com a contratação de professores, com a compra de mobília e compêndios escolares por parte do poder público.

283 - FARIA FILHO, Luciano Mendes de; VIDAL, Diana Gonçalves. Os tempos e os espaços escolares no processo de institucionalização da escola primária no Brasil. Op. Cit. p. 22.

Page 221: Dissertação de Luís Siqueira - UFS

221

alguma quantia, não só para a compra d’essa mobilia e uttensis, senão mesmo pra o aluguel de casas apropriadas ao ensino, por quanto não convem que continue o systema de lccionarem os Professores em casas de sua residencia. Alem da distracção do trabalho, que d’ahi resulta, as casas por via de regra não tem capacidade sufficiente para os alunos.284

A denúncia do presidente a respeito do funcionamento das escolas em casas dos

professores trazia problemas no processo de ensino/aprendizagem. Para que o processo de

escolarização desse certo o ideal seria que a escola tivesse local próprio. Em todo século

XIX os administradores provinciais defenderam a instituição de locais apropriados para os

alunos. A defesa da instrução pública para a população passava por essa questão, pois o

sucesso do método de ensino dependia dessa condição.

Se a condição do espaço escolar adequado não estava sendo atendida o processo de

instrução estava sofrendo reflexos diretos. Para que o processo de ensino surtisse efeito,

uma das condições exigidas era amplo espaço para as disposições dos móveis e,

consequentemente dos alunos.

Como se disse, e não torna redundante, o método de simultâneo determinava que os

móveis como carteiras e bancos fossem dispostos em posição tal que os alunos teriam que

ficar em frente do professor. Essa situação colocava o professor em um estado de

vigilância. Esse tipo de organização era também exigência de um objeto indispensável

para a transmissão do conhecimento de aritmética: o quadro-negro, tecnologia escolar

colocada para todos os alunos, ao mesmo tempo.

Encontrou-se a presença do quadro negro nos relatórios dos professores

confeccionados para a Diretoria da Instrução Pública em toda a década de sessenta do

século dezenove. Acredita-se que a adoção do método simultâneo no regulamento de

1858 foi o fator impulsionador da prática desse instrumento em Sergipe.

Pelo fato do professor ser o agente principal do processo de ensino e ter que ensinar

a todos a mesma lição, o quadro-negro era a tecnologia que permitia a uniformização da

transmissão do conhecimento. Assim, todos aprendiam de uma só maneira e ao mesmo

tempo os conhecimentos exigidos pelo currículo da escola de primeiras letras.

Introduzido no modelo da escola lassallista o quadro-negro também modificava a

disposição dos alunos no processo de aprendizagem. Olhando para frente e de forma

sentada o aluno não precisaria estar levantado para ir à lição. Muito pelo contrário, era a

284 - Relatório do presidente Inácio Joaquim Barbosa em 20 de abril de 1854. Doc. Cit. p.07.

Page 222: Dissertação de Luís Siqueira - UFS

222

lição que chegava até a ele e a seus companheiros. Nos orçamentos que os professores

apresentavam à Diretoria de Instrução Pública, o esse objeto de ensino apareceu ora como

pedra para operações de aritmética e geometria , ora como quadro de madeira.285

A condição de haver críticas quanto ao desempenho do método na Província não

significava dizer que não havia elogios. A boa visão sobre a aplicação do método nas

escolas de primeiras letras recaía na figura da professora Possidônia Maria de Santa Cruz

Bragança, da vila de Laranjeiras. Essa professora ensinava pelo método simultâneo desde

a década de cinqüenta, muito antes da aprovação legal como se pode observar no relatório

do inspetor geral das aulas Pedro Autran da Mata Albuquerque em 1856.

A aula de primeiras letras do sexo feminino da cidade de Laranjeiras regida por Possidonia Maria de Santa Cruz Bragança, é aula, que pode servir de exemplo; a casa em que lecciona foi feita pelo Snr. Dr. Bragança appropriada para o ensino; circulos de ferro formão as classes que requer o methodo de ensino simultâneo, a sala do ensino além de estar completa do material, existe na maior ordem possivel, e a professora com esmero cumpre os deveres de seu cargo apresentando o melhor resultado. 286

Os elogios do inspetor geral das aulas feito à professora Possidônia e à sua escola

revelam o espaço ideal para a boa aplicação do método simultâneo: círculos de ferro para

separar as classes e material escolar completo.

A escola da professora Possidônia fora estruturada com verbas dos cofres públicos e

s às custas de seu pai com o consta no relatório do inspetor. Anexo à escola funcionava

um colégio. Esse dado foi revelado pelo termo de visita realizado em 1858 pelo comissário

da Instrução Pública quando dizia cerca da realidade da escola:

De todas as aulas de instrucção primaria feminina que visitei, apenas uma do sexo feminino regida pela professora D. Possidonia Maria da Santa Cruz Bragança tem o verdadeiro typo de uma escola bem regulada. Não sei, Exm° Snr. Se pelo zêlo do magisterio pubnlico, ou pelo credito de seo collegio conjuncto. O certo é a professora é mui boa habilitada, que há uma realidade ali no ensino, há methodo, há aproveitamento. Achei 43 alunnas divididas em classe e a aula mobilhada mui

285 - No relatório do professor de Pacatuba consta de “1 carteira , 1 quadro de madeira pintado para

exercícios aritméticos,14 caixilhos envidraçados, 1 cadeira de braços e 2 estantes”. Relatório do professor de Pacatuba José Raimundo da Silva em 26 de setembro de1868. APES.Fundo E1 299.

286 - Relatório do inspetor gral das aulas Pedro Autran da Mata Albuquerque. In.: Relatório do presidente Salvador Correia de Sá e Benevides em 2 de julho de 1856. IHGS. Bahia: Tipografia de Carlos Ponggetti. p. 22.

Page 223: Dissertação de Luís Siqueira - UFS

223

regularmente a custa da mesma professora; 8 das alunnas lêm correctamente, escrevem com perfeição, e regem bem, mostrando-se mais habilitadas na construcção grammatical as discipulas Alcina Esmeralda de Barros e Ermelina [ilegível] do Sacramento.287

O termo de visita sobre a aula da professora Possidônia esclarece o sucesso o sucesso

do método adotado em sua escola. Três fatores influenciavam a escola: o investimento

particular realizado na escola, a ajuda do cofre público e a presença de um colégio anexo.

A presença do colégio e da escola funcionando juntos contribuía, sobretudo, para um

bom resultado do trabalho docente. Provavelmente a professora utilizava alunas do colégio

como monitoras ou assistentes de suas aulas. Dessa forma, a escola de primeiras letras

passava a ser um espaço de prática pedagógica para as alunas do colégio anexo.

Tentou-se mostrar através de informações de alguns presidentes da Província e de

inspetores da Instrução Pública como se encontrava o estado da instrução com o método

de ensino simultâneo. Mostraremos agora quais as dificuldades encontradas pelos

professores, agentes diretos do processo de aprendizagem.

A primeira dificuldade apresentada para o bom desempenho do ensino simultâneo

era a questão da sessão escolar. Como as escolas funcionavam com duas sessões diárias, o

professor do povoado de Santa Rosa reclamava das duas viagens que seus alunos davam

para chegar à escola. Poe causa disso fez a seguinte solicitação ao diretor Geral da

Instrução:

Diz Bernardo Camelo de Jesus, professor de 1as. Letras do povoado de Santa Roza, que sendo inconveniente dar duas sessões escholares por dia, por morar alguns de seus alunnos meia legua, é ms. distante d’este mmo. Povoado por serem seus pais summamente pobres, e não poder ter aqui em casas alugadas deixão mtas. vezes de freqüentar um numero suficiente; por conseqüência seria mui conveniente que em lugar de dar as duas sessões desse uma só, porque assim pouparia mtos . sacrifícios dos pais; por isso requer o suppe. a V. S. queira dar sua informação a fim de levar ao conhecimto. do Senr. Dor. Inspr. Geral das Aulas, e esse dar suas providencias: é do que afirma288

A solicitação do professor do povoado de Santa Rosa evidencia a realidade de muitas

escolas de primeiras letras da Província. Instruir com poucos recursos e em duas sessões

287 - Termo de visita das aulas da Província em 11 de maio de 1858. Correspondência recebida. APES.

Fundo G1 967. 288 - Solicitação do professor do povoado de Santa Rosa em 1869. Correspondência recebida. APES. Fundo

E1 299.

Page 224: Dissertação de Luís Siqueira - UFS

224

acabava sendo um estorvo para a maioria de muitos professores. A solução para o

professor seria a redução de uma das sessões de sua aula.

A condição de trabalhar em uma só sessão só era permitida, de acordo com o

regimento interno das aulas, para as escolas que funcionassem com um número de mais de

cem alunos. Para esse tipo de escola a sessão começava às oito horas da manhã e

terminava às duas da tarde. 289

Essa situação era vivenciada pelo professor de primeiras letras Gonçalo Ferreira do

Bomfim, da cidade São Cristóvão em 1866. De acordo com esse professor que ensinava

mais de cem alunos, as duas sessões diárias estavam provocando dispersão dos alunos. No

relatório apresentado, afirma que muitos dos alunos não estavam comparecendo as sessões

da tarde para irem à aula de música e outros para se empregarem em outras atividades. 290

Os alunos não freqüentando as aulas da tarde conseqüentemente não realizariam os

exercícios aritméticos.

Outros problemas foram evidenciados pelos mesmos professores que apresentaram

relatórios para a Instrução Pública na década de sessenta. Por exemplo, o professor

Joaquim José de Montalvão apontava que os problemas de sua aula eram por causa da

pobreza dos alunos e por causa do desleixo dos pais.

A frequencia desta Aula este anno tem sido alguma couza interrompida, interrupção esta devida a duas couzas: a primeira é o estado de pobreza de alguns meninos, e a segunda é o pouco gosto que certos Pais têem na instrucção, os quaes não tendo penalidades alguma pelas faltas que seos filhos commetem, os desvião da eschola para empregal-os em occupações muito differente do ensino. 291

O estado de pobreza dos alunos denunciado pelo professor estava influenciando de

forma direta no processo aprendizagem porque havia incompatibilidade entre o tempo

escolar e o tempo agrícola. Numa província onde o trabalho estava assentado na

propriedade canavieira era comum os pais dos alunos utilizarem a mão de obra infantil

como complemento. Daí a denúncia do professor.

O professor, ao fazer denúncia da situação de sua aula, deixa indícios acerca da

representação que os pais dos alunos faziam da instrução primária e da escola. Essa

289 - Regimento Interno das Aulas. Correspondência recebida. APES. Fundo G1 974. Não encontramos data

de referencia nesse documento. 290 - Relatório do professor Gonçalo Ferreira do Bomfim em 30 de novembro de 1866. APES. Fundo E1 634. 291 - Ofício do professor José Montalvão. Doc. Cit.

Page 225: Dissertação de Luís Siqueira - UFS

225

questão também está presente nos relatórios dos presidentes da Província. Enquanto os

administradores entendiam a instrução como ante-sala para o desenvolvimento e progresso

da Nação, os pais dos alunos não possuíam essa visão.

Na pesquisa que se empreendeu não foram encontrados documentos que revelassem

a representação que os pais dos alunos faziam da escola. O que conseguimos encontrar

foram reclamações dos presidentes e dos professores alegando que os pais dos alunos não

davam o devido valor à instrução de seus filhos.

Mas é bom lembrar que quando falamos em pais de alunos estamos falando daqueles

que compunham a classe pobre. Os pais da classe abastada davam o devido apreço a

formação de seus filhos. Até porque os filhos dessa camada eram aqueles que futuramente

iriam compor os quadros administrativos da Província. Ao terminarem seus estudos

elementares iam estudar nas faculdades ou do Brasil ou fora dele.292

O mesmo professor da aula de São Cristóvão, Bernardo Ferreira Bomfim apresentou

outro problema que colocava o andamento de sua escola de maneira insatisfatória. De

acordo com o documento, a escola estava desprovida de impressos pedagógicos, de

mobiliário, inclusive faltava até água para beber.

Senhor, uma das principaes necessidades desta aula, alem do banco com suas respectivas carteiras e traslados, é os cartões, a vista dos quaes estudem para melhor se promover a ordem das classes, e outros utensis com que se premiem os que distinguirem-se, e assim faça apparecer a emulação: só ella fará cessar as difficuldades com q. luta-se: são taes quaes as que obrigão-me, por comiseração, a desprover-me da importancia d’um ou dous cadernos de papel em dias determinados para arguirem-se reciprocamente em esciptos, e a dar-lhes agua, que m’a pedem com instancias, não obstante repetidamente responder-lhes que, não posso dar, visto como meu estipendio é ainda menos do ordenado do proprietario, e não permitte-me ao menos aquella decencia e com modo que o magisterio exige. 293

O professor aponta muitas dificuldades para instruir os alunos. É bom lembrar que a

escola possuía um quadro de cem crianças em processo de aprendizagem. A falta de

móveis e material pedagógico atrasava o desempenho do ofício docente. Uma escola em

que na a argüição era realizada com um ou dois cadernos não se poderia esperar bom

resultado.

292 - No trabalho de Vieira ficou contatado que muitos filhos egressos da Província retornavam e preenchiam

os cargos administrativos do estado. VIEIRA, Eugênia Andrade. A formação da intelectualidade sergipana . Op. Cit.

293 - Relatório do professor Gonçalo Ferreira Bomfim em trinta de novembro de 1866. Doc. Cit.

Page 226: Dissertação de Luís Siqueira - UFS

226

As reclamações do professor de São Cristóvão também vêm reforçar o que se disse

a respeito de como a população menos abastada entendia o papel da escola. Um simples

ato de negação de água colocava o processo de aprendizagem em situação vexatória.

Mesmo com a boa vontade do professor, a condição salarial não permitia ir além.

As denúncias dos professores e administradores da Província continuaram por toda a

década de 1860. E não era para menos em 1868 existiam na Província um total de 85

cadeiras públicas de ensino primário, sendo 51 do sexo masculino e 34 do sexo

feminino.294 Era um número relativamente grande para a menor Província brasileira.

A situação denunciada pelos professores acerca da realidade das escolas de primeiras

letras atravessou toda década de sessenta do dezenove. Na documentação emanada dos

professores havia dúvidas quanto ao método de ensino adotado. No iniciar da década de

setenta havia ainda dúvida quanto a viabilidade do método simultâneo. Foi o que afirmou

em 1872 a professora da vila de Campos Maria Belarmina de Meneses.

Vantagens do methodo do ensino adoptado

Não posso ainda avaliar as vantagens do ensino simultaneo hoje adoptado na Província por ainda não estar esta Eschola munida dos compendios e traslados precisos para as aulas.295

Devido aos problemas sofridos em seu ofício docente, as declarações da vila de

Campos são contundentes à medida que colocava em xeque a aplicação do método

simultâneo. E não era para menos, em sua escola faltava aquilo que possuía uma relação

intrínseca com o método como o impresso pedagógico e outros mobiliários.

A realidade de Maria Belarmina de Meneses chamou atenção porque sua escola fora

instituída no dia quinze de maio de 1860. Doze anos depois a professora ainda estava

passando por dificuldades. No orçamento elaborado para o ano de 1873 ainda constam as

mesmas solicitações feitas no ano de 1866.

No entanto, o que se pode tirar como conclusão é o fato de que a classe dirigente

provincial via na instrução a ferramenta para se garantir a ordem estabelecida do Império

brasileiro. O sucesso dessa empreitada dependia da afirmação da instituição escolar.

294 - Relatório do presidente Antônio de Araújo d’Aragão Bulcão em dois de março de 1868. IHGS. Sergipe:

Tipografia do Jornal do Aracaju. p. 15. 295 - Relatório da professora Maria Belarmina de Meneses em 30 de novembro de 1872. APES. Fundo E1

634.

Page 227: Dissertação de Luís Siqueira - UFS

227

Subjacente a essa defesa estava a adoção de um método de ensino como opção política que

garantisse o sucesso da escolarização a população sergipana. As críticas que se faziam

pelos problemas existentes nesse processo revelavam o esforço da defesa na afirmação da

escola para o povo no século XIX.

O método de ensino simultâneo esteve vigente por toda a década de setenta. No final

desse período já não se achava mais adequado continuar com essa forma de ensino. Daí

em diante, um novo método começou a ser defendido no Brasil, o método prático de

coisas, o qual chamou atenção dos administradores da Província sergipana.

Esse método começou a ser defendido no final da década de setenta do século junto

com as idéias pedagógicas de Pestalozzi e Basedow. No início da década seguinte o novo

método fora adotado nas escolas sergipanas.

Page 228: Dissertação de Luís Siqueira - UFS

228

CO�SIDERAÇÕES FI�AIS No século XIX, a escola passou por um ritual de afirmação na Província sergipana.

A partir do momento que os administradores provinciais entenderam que esta instituição

seria capaz de transformar regras de condutas e garantir estabilidade social, levantaram

bandeira de luta em favor da instrução pública para população. Sem a presença dessa

instrução o que se esperava era uma rotina escura, sem prosperidade da população e sem

riqueza econômica, no dizer do presidente Manuel Joaquim Fernandes de Barros. Desse

modo, a missão que se impunha era espalhar escolas de primeiras por todas as vilas e

povoados.

O projeto de garantir escolas de primeiras letras em todos os lugares vinha

acompanhado da necessidade social de se garantir condições de governabilidade. Essa

condição se daria através de um currículo que trabalhasse o coração e as mentes das

crianças. Nesse sentido, o que se esperava das crianças era respeito às leis imperiais e à

religião professada pelo Império brasileiro.

O currículo dessa escola deveria constar o ensino da escrita, da leitura, do cálculo, do

desenho linear e da doutrina cristã, além das noções de prendas domésticas para as escolas

femininas. Com esses saberes, os responsáveis pela organização escolar entendiam que era

o mínimo necessário para a manutenção da ordem imperial estabelecida.

Para que a escola tornasse realidade na Província sergipana foi preciso também criar

um corpo legislativo que garantisse as condições de existência desta instituição, para

influir no quadro docente e na habilitação deste, nas formas de se ensinar, de se comportar

e no espaço escolar.

O corpo docente começou a sofrer intervenção a partir da Lei de cinco de março de

1835, a primeira de caráter provincial no que diz respeito à esfera educacional. A principal

medida dessa Lei foi determinar condições para ser professor de primeiras letras, outra foi

a concessão de prazo para habilitação docente.

A habilitação do professor de primeiras letras foi pensada inicialmente através da

instituição da escola normal, mas esse projeto só veio a se concretizar na segunda metade

da década de setenta. Enquanto isso não ocorria, vários mecanismos foram criados para

garantir a habilitação como subvenção, licença e a instituição do sistema holandês-

Page 229: Dissertação de Luís Siqueira - UFS

229

prussiano, além daquelas que eram realizadas por conta do próprio candidato à cadeira de

primeiras letras.

A intervenção legal na esfera da instrução pública continuou com a instituição de

regimentos internos para as escolas de primeiras letras. Na verdade esse dispositivo era

quem normatizava o método de ensino adotado nessas instituições. Além disso, esse tipo

de regra regulamentava também as relações entre professores e alunos, o tempo escolar, as

sanções e o calendário escolar. Determinando essas regras, os administradores acabavam

por reorganizar e uniformizar práticas culturais a serem transmitidas no espaço interno

escolar sergipano.

Outra necessidade que garantiu o efetivo sistema de escolas funcionando na

Província foi a criação de mecanismo para garantir o controle efetivo sobre o ofício

docente. No inicio, esse mecanismo começou a funcionar de forma precária através das

visitas realizadas pela câmara de vereadores. Essas visitas eram realizadas anualmente

quando os vereadores ou os visitadores nomeados informavam aos dirigentes provinciais

as condições das escolas, o desempenho dos professores e o desenvolvimento dos alunos.

Na década de cinqüenta, o sistema o sistema de inspeção das aulas pública passou a

ser realizado por um corpo de funcionários instituído para esse fim. As visitas tornaram-se

mais freqüentes, passaram a ser semestrais ou de acordo com as necessidades. Pode-se

afirmar que a partir desse momento o ofício docente passou a ser mais vigiado e

controlado. Com esse mecanismo de vigilância do ofício docente, pretendia-se não deixar

nada escapar aos olhos dos dirigentes provinciais.

É necessário registrar que as ações empreendidas pelos dirigentes provinciais nessa

década estavam em comum diálogo com as do grupo dos Saquaremas. Esse grupo

elaborou um projeto para o Império brasileiro que partia da Corte para as províncias. De

acordo com esse projeto, a instituição escolar e os agentes do ensino estariam a serviço da

manutenção da ordem estabelecida.

A defesa da escola pra a população sergipana do século XIX trazia como pano de

fundo a opção política pelo método de ensino. Essa tecnologia pedagógica foi tomada de

empréstimo de países considerados como modelos de civilização a exemplo da França e da

Inglaterra. Nesses países, os métodos de ensino foram adotados como estratégia a serviço

da nacionalidade e como meio para se instruir a classe trabalhadora.

Page 230: Dissertação de Luís Siqueira - UFS

230

No Brasil, a adoção do método mútuo ocorreu no início da década de vinte nas

escolas militares, mas só a partir da Lei de 15 de outubro de 1827 foi admitida sua adoção

para as capitais e lugares mais populosos do Império. No entanto, em muitas províncias o

método foi introduzido antes a exemplo da província de Minas Gerais, São Paulo, Rio de

Janeiro e Bahia.

Na Província sergipana, a defesa do método mútuo ocorreu antes da Lei imperial de

15 de outubro de 1827, em meados desta década, com o presidente Manuel Cavalcante

quando esboçou para as autoridades imperiais seu projeto de instrução para a Província

sergipana. Na proposta do administrador, pretendia-se criar uma escola de primeiras letras

em um dos conventos da capital sergipana para aplicar o referido método.

Mesmo com toda intenção do presidente Manuel Cavalcante a introdução do método

mútuo só ocorreu em 1828, na capital sergipana, como determinava a Lei de 15 de outubro

de 1827. A introdução ocorreu através de concurso realizado com dois candidatos que

foram habilitados na Província da Bahia: Antonio José Peixoto Valadares e Francisco

Moreira da Silva Marramaque. O primeiro foi o vencedor, mas abandonou a cadeira,

ficando ao segundo candidato a responsabilidade de ensinar pelo método.

Como se disse, só funcionou uma cadeira de ensino mútuo na Província, na capital,

São Cristóvão. No entanto, a Lei de 1827 determinava também a existência de escolas

mútuas em vilas e locais populosos. Nesse momento, em Sergipe, existiam sete vilas

(Lagarto, Santa Luzia, Santo Amaro da Britas, Vila Nova Própria e Tomar do Geru) e as

povoações de Laranjeiras e Porto da Folha, realidade administrativa que forçava a

existência de mais cadeiras de ensino mútuo, mas isso não ocorreu.

A existência de apenas uma escola de ensino mútuo funcionando na capital da

Província pode ser explicada devido ao caráter disciplinador que esta ferramenta

pedagógica possuía. Pelo fato da capital ser o centro administrativo provincial os

administradores perceberam a necessidade social em instruir e disciplinar a população

deste lugar, pois se fazia necessário organizar essa sociedade para melhor administrar.

Enquanto que em São Cristóvão havia uma escola de ensino mútuo, nas escolas das

outras localidades a realidade era totalmente diferente. Em muitas vilas e povoações a

realidade estava ainda pautada na persistência da prática do ensino individual, como se viu

através das visitas realizadas pelas câmaras de vereadores ou pelos visitadores nomeados.

Page 231: Dissertação de Luís Siqueira - UFS

231

O método mútuo permaneceu vigente nos discursos presidenciais até a década de

cinqüenta. Influenciados pelas críticas que se faziam ao insucesso dessa experiência

pedagogia, os administradores provinciais passaram a descaracterizá-lo como não mais

profícuo para as escolas de primeiras letras sergipanas. A nova opção política e

pedagógica seria o método simultâneo.

O método simultâneo passou a fazer parte da realidade das escolas sergipanas a

partir do Regimento Interno das Escolas de 1856 no momento em que determinava a

divisão dos alunos em classe obedecendo ao critério de idade. Na verdade este tipo

documento influenciava toda prática pedagógica das escolas de primeiras letras como, por

exemplo, a relação entre professores e alunos, regularização do tempo escolar e do

calendário das aulas.

Se o Regimento Interno foi um prelúdio da introdução do método simultâneo o

Regulamento da Instrução Pública de primeiro de setembro de 1858 determinou e

uniformizou essa prática para todas as escolas de primeiras letras. A partir desse ano todas

as escolas funcionariam como base nesse método em duas sessões diárias.

É importante destacar que a opção política que os administradores fizeram pelo

método simultâneo comungava com o projeto de construção da Nação brasileira esboçada

pelo grupo dos Saquaremas cujo objetivo era instruir a população com os ditames do

Império esperando da população escolarizada respeito às normas imperiais e à religião

oficial adotada. Desse modo, a necessidade maior desse momento era manter a ordem

imperial través do currículo determinado para as escolas de primeiras letras sergipanas.

Do mesmo modo que o método anterior, o simultâneo foi bastante criticado tanto

pelos administradores provinciais como pelos professores de primeiras letras. Estes

últimos apontavam como principais problemas a falta de mobília, de material escolar, a

falta de atenção dos pais para com a instrução dos filhos e a demora no atendimento das

solicitações realizadas. Para os administradores, o problema maior residia na falta de

uniformização do mobiliário escolar e no espaço escolar adequado para boa execução do

método.

Mesmo com todas as críticas, o método de ensino simultâneo permaneceu até o final

da década de setenta do século XIX nas escolas sergipanas. A partir de meados desta

década, os administradores provinciais começaram a descaracterizar essa tecnologia

pedagógica exemplificando com as dificuldades que existiam e começaram a fazer defesa

Page 232: Dissertação de Luís Siqueira - UFS

232

pelo método prático intuitivo. Daí em diante, as idéias pedagógicas de Pestalozzi e

Basedaw foram evocadas como corolário de um novo tipo de escola que duraria até a

década de trinta do século seguinte.

No entanto, é preciso destacar que com todas as dificuldades os professores de

primeiras letras continuaram instruindo as crianças de acordo com o que a realidade da

Província permitia. Se houve reclamação esse fato não foi motivo para frear o processo de

afirmação da escola sergipana. Muito pelo contrário, cada ano o número de cadeiras de

primeiras letras aumentava para instruir a população sergipana com os rudimentos da

leitura, da escrita, do cálculo e da doutrina cristã.

Page 233: Dissertação de Luís Siqueira - UFS

233

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Ofício circular de 17 de dezembro de 181833. APES. Fundo G1 280.

Ofício da Câmara de Vereadores da vila de Itabaiana em 19 de fevereiro de 1834. APES.

Fundo G1 280. Doc. 44.

Ofício expedido em 29 de março de 1825. APES. Fundo G1 267.

Ofício expedido n. 60 de 10 novembro de 1825. APES. Fundo G1 267.

Ofício expedido em 01 de fevereiro de 1832. APES. Fundo Sebrão Sobrinho. Cx. 27. doc.

03.

Ofício expedido em 30 de agosto de 1833. APES. Fundo E1 644.

Ofício expedido em 20 de abril de 1828. APES. Fundo G1 267.

Ofício da professora Maria Belarmina de Meneses em 14 de dezembro de 1866. APES.

Fundo E1 634.

Ofício do professor Cypriano José em 28nevembro de 1866. APES. Fundo E1 634.

Ofício do professor Joaquim José de Montalvão em 15 de novembro de 1866. APES.

Fundo E1 634.

Ofício do professor de Pacatuba José Raimundo da Silva em 26 de setembro de 1868.

APES. Fundo E1 634.

Page 234: Dissertação de Luís Siqueira - UFS

234

Ofício do professor Simeão Esteves da Silva em 24 de abril de 1826. APES. Fundo E1

634.

Ofício do recebido do inspetor Geral da Instrução Pública em 20 de março de 1858.

APES. Fundo G1 9967.

Processo do professor Josias Maurício Cardoso em 9 de setemro de 1862. APES. Fundo

E1 395.

Prova da candidata Ana Maria de São José em 24 de julho de 181864. Correspondência

recebida. APES. Fundo E1 395.

Prova da candidata Flávia Benedicta de �iterbo em 27 de julho de 1848. APES. Fundo

G1 1885.

Prova da candidata Maria Pastora dos Anjos o em 27 de julho de 1848. APES. Fundo G1

1885..

Prova da candidata �arcisa Joaquina de Campos em 27 de julho de 1848. APES. Fundo

E1 395.

Prova do candidato Antonio Rodrigues da Fraga em 23 de janeiro de 1849. APES. Fundo

G1 1885.

Prova do candidato Manuel Rodrigues D’Ávila em 27 de agosto de 1863. APES. Fundo

E1 395.

Prova do candidato Sevolo Rodrigues de São José em 7 de novembro de 1853.

Correspondência recebida. APES. Fundo G1 974.

Provisão da Cadeira de Ensino Mútuo da Capital em 1828. Documentação recebida.

APES. Fundo G1 406.

Provisão da Cadeira de Ensino Mútuo da Capital em 1829. Documentação recebida.

APES. Fundo G1 406.

Provisão da Cadeira de Ensino Mútuo a Francisco Moreira da Silva Marramaque em 20

de agosto de 1831. APES. Fundo G1 406.

Provisão da Cadeira de Primeiras Letras da vila de Itabaiana em 12 de março de 1831.

APES. Fundo G1 672.

Recibo do professor Francisco Moreira da Silva Marramaque em 12 de abril de 1833.

APES. FundoE1 644.

Regimento Interno das Escolas de 1856. APES. Fundo Biblioteca José Alves. Cx. 01.

Doc. S/n.

Page 235: Dissertação de Luís Siqueira - UFS

235

Regimento Interno das Escolas. APES. Fundo G1 974. Manuscrito. S/n.

Regulamento da Instrução Pública de 1° de Setembro de 1858. APES. Fundo Publicações.

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Relatório das aulas do sexo feminino da cidade de são Cristóvão em 22 de maio de 1869.

APES. Fundo E1 299.

Relatório das aulas da vila de Laranjeiras em 11 de maio de 1858 APES. Fundo G1 967.

Relatório das aulas do sexo feminino da cidade de são Cristóvão em 22 de maio de 1869.

APES. Fundo E1 299.

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Page 236: Dissertação de Luís Siqueira - UFS

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Relatório da professora Maria Belarmina de Meneses em30de novembro 1872. APES.

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Relatório do professor Gonçalo Ferreira do Bomfim 30 de novembro 1872. APES. Fundo

E1 634.

Relatório do professor de Pacatuba José Raimundo da Silva 26 de setembro de 1868.

APES. Fundo E1 299.

Requerimento da professora Possidônia Maria de Santa Cruz Bragança em 26 de julho de

1860. APES. Fundo E1 395.

Requerimento de Alexandre José Teixeira em 02 de fevereiro de 1863. APES. Fundo E1

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Requerimento de Antonio José Rodrigues das Cotias 13 de agosto de 1860. APES. Fundo

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Solicitação de licença do padre João Ponciano dos Santos em 9 de agosto de 1862. APES.

Fundo E1 395.

Solicitação de João Ponciano dos Santos em 10 de fevereiro de 1848. APES. Fundo E1

395.

Solicitação do professor da povoação de Santa Rosa em 1869. APES. Fundo E1 299.

Termo de visita das aulas em 11 de maio 1858. Correspondência recebida. APES. Fundo

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Termo de visita em 12 de março de 1831. APES. Fundo G1 672.

Visita das aulas de Estância em 28 de março de 1832. Comissário das aulas. APES. Fundo

G1 672.

Page 237: Dissertação de Luís Siqueira - UFS

237

Visita das aulas do sexo feminino da cidade de São Cristóvão em 22 de maio de 1859.

APES. Fundo E1299.

Visita do vigário José Gonçalves Barroso à escola de primeiras letras de São Cristóvão

em 09 de maio de 1869. APES. Fundo E1 299.

Page 238: Dissertação de Luís Siqueira - UFS

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