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1 A Dissolução Aparente da Relação-Capital na Tradição Weberiana dos Estudos Organizacionais Autoria: Elcemir Paço-Cunha Resumo O objetivo deste ensaio é traçar determinados delineamentos que expressem a dissolução apenas teórica do relacionamento contraditório entre capital e trabalho, isto é, uma dissolução aparente e que se passa descolada da existência efetiva de tal relacionamento. Optou-se por tratar da tradição weberiana em função de se encontrar nela a origem e principal fundamentação dos estudos organizacionais. A dissolução pensada do relacionamento entre capital e trabalho ou da relação-capital não é de forma alguma exclusividade da linha de inclinação weberiana nos estudos organizacionais. O que torna central o segmento que se inicia com Weber é que desde o início o problema marcante do capitalismo, isto é, a exploração do trabalho produtivo para valorização e acumulação cede lugar para a contabilidade racional e para a organização burocrática enquanto um tipo ideal, o que é, por fundamento, a obliteração daquele relacionamento efetivo. O ensaio apresenta, primeiramente, os traços decisivos do relacionamento contraditório entre capital e trabalho a partir do entendimento marxiano. Nesse entendimento, a atividade humana produtiva que está na base de toda e qualquer sociabilidade assume, na produção capitalista, a forma do trabalho produtivo, isto é, trabalho vendido, comprado e aplicado como mercadoria para a valorização de capital. A produção capitalista, embora apareça como uma sociedade produtora de mercadorias apenas o é na medida em que as mercadorias são cristalizações da atividade produtiva humana e esta, portanto, meio de geração de mais-valor. O núcleo fundante, pois, da produção capitalista é a livre exploração do trabalho formalmente livre para a valorização das coisas e acúmulo de riquezas. Nessa direção, capital, trabalho e a relação entre eles não são meros conceitos, mas categorias originadas na própria efetividade. Em seguida, o ensaio explora a forma abstrata da organização burocrática enquanto um tipo ideal a partir de Weber e acompanha a elevação do grau de abstração pelas mãos de Parsons, Barnard, Galbraith, Etizioni, etc. Indica-se no ensaio que essa sociologia das organizações elabora abstrações arbitrárias, as quais são precisamente a dissolução fictícia ou apenas aparente da relação- capital. O ensaio conclui que o grau de abstração que seguiu de Weber a Etzioni – como exemplo e não como uma análise extensiva – é prova da dissolução apenas teórica, pensada, do relacionamento contraditório entre capital e trabalho, à revelia do efetivamente existente. É prova do limite imanente, qual seja, não poder, por meio das suas abstrações, dos seus conceitos, atravessar as mistificações operadas na efetividade, mas, ao contrário, se apresenta como um autêntico produto dessas mesmas mistificações objetivas.

Dissolução Aparente Da Relação-capilta Na Tradição Weberiana Enanpad 2011

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Dissolução Aparente Da Relação-capilta Na Tradição Weberiana Enanpad 2011

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    A Dissoluo Aparente da Relao-Capital na Tradio Weberiana dos Estudos Organizacionais

    Autoria: Elcemir Pao-Cunha

    Resumo O objetivo deste ensaio traar determinados delineamentos que expressem a dissoluo apenas terica do relacionamento contraditrio entre capital e trabalho, isto , uma dissoluo aparente e que se passa descolada da existncia efetiva de tal relacionamento. Optou-se por tratar da tradio weberiana em funo de se encontrar nela a origem e principal fundamentao dos estudos organizacionais. A dissoluo pensada do relacionamento entre capital e trabalho ou da relao-capital no de forma alguma exclusividade da linha de inclinao weberiana nos estudos organizacionais. O que torna central o segmento que se inicia com Weber que desde o incio o problema marcante do capitalismo, isto , a explorao do trabalho produtivo para valorizao e acumulao cede lugar para a contabilidade racional e para a organizao burocrtica enquanto um tipo ideal, o que , por fundamento, a obliterao daquele relacionamento efetivo. O ensaio apresenta, primeiramente, os traos decisivos do relacionamento contraditrio entre capital e trabalho a partir do entendimento marxiano. Nesse entendimento, a atividade humana produtiva que est na base de toda e qualquer sociabilidade assume, na produo capitalista, a forma do trabalho produtivo, isto , trabalho vendido, comprado e aplicado como mercadoria para a valorizao de capital. A produo capitalista, embora aparea como uma sociedade produtora de mercadorias apenas o na medida em que as mercadorias so cristalizaes da atividade produtiva humana e esta, portanto, meio de gerao de mais-valor. O ncleo fundante, pois, da produo capitalista a livre explorao do trabalho formalmente livre para a valorizao das coisas e acmulo de riquezas. Nessa direo, capital, trabalho e a relao entre eles no so meros conceitos, mas categorias originadas na prpria efetividade. Em seguida, o ensaio explora a forma abstrata da organizao burocrtica enquanto um tipo ideal a partir de Weber e acompanha a elevao do grau de abstrao pelas mos de Parsons, Barnard, Galbraith, Etizioni, etc. Indica-se no ensaio que essa sociologia das organizaes elabora abstraes arbitrrias, as quais so precisamente a dissoluo fictcia ou apenas aparente da relao-capital. O ensaio conclui que o grau de abstrao que seguiu de Weber a Etzioni como exemplo e no como uma anlise extensiva prova da dissoluo apenas terica, pensada, do relacionamento contraditrio entre capital e trabalho, revelia do efetivamente existente. prova do limite imanente, qual seja, no poder, por meio das suas abstraes, dos seus conceitos, atravessar as mistificaes operadas na efetividade, mas, ao contrrio, se apresenta como um autntico produto dessas mesmas mistificaes objetivas.

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    1 Os chamados estudos organizacionais so consideravelmente difusos e englobam uma mirade de abordagens sobre os mais variados objetos. Seu espectro se estende das teorias administrativas ou gerenciais aos chamados estudos crticos, da engenharia social filosofia, etc. Considerando aqui uma das linhas muito penetrantes nos estudos organizacionais (a sociologia das organizaes segundo tradio weberiana), ou melhor, a linha da qual se originaram os estudos organizacionais (Carrieri; Pao-Cunha, 2009), possvel e necessrio traar determinados delineamentos que expressem a dissoluo apenas terica do relacionamento contraditrio entre capital e trabalho, isto , uma dissoluo aparente e que se passa descolada da existncia efetiva de tal relacionamento. A dissoluo pensada do relacionamento entre capital e trabalho ou da relao-capital no de forma alguma exclusividade da linha de inclinao weberiana nos estudos organizacionais, uma vez que se pode encontr-la tambm na filosofia, nas cincias sociais em geral e nas psicanalizaes recentes, alm de que, como veremos, a obliterao da relao-capital uma mistificao operada primeiramente na prpria efetividade. O que torna central o segmento que se inicia com Weber que desde o incio o problema marcante do capitalismo, isto , a explorao do trabalho produtivo para valorizao e acumulao cede lugar para a contabilidade racional e para a organizao burocrtica enquanto um tipo ideal, o que , por fundamento, a obliterao daquele relacionamento efetivoi.

    2 Antes de tudo, preciso determinar os traos decisivos de tal relacionamento. No todos os elementos caracterizadores da forma autntica de tal relao, mas to somente aqueles que fornecem os traos mais decisivos da differentia specifica da relao social de produo fundamental sobre a qual se assenta a atual forma socioreprodutiva da humanidade, a maneira dominante do metabolismo social. E por ser fundamental que no pode ser ignorada ou forosamente afastada das inteleces que supostamente se debruam sobre as coisas do efetivamente existente. O seu carter fundamental repousa sobre o estatuto ineliminvel da atividade humana produtiva de qualquer cenrio objetivo e, portanto, de qualquer inteleco que se relacione a ele. a atividade produtiva que garante ou busca garantir as condies necessrias reproduo humana e, portanto, de qualquer forma social j existente e de todas aquelas do por vir, ainda que o mnimo absoluto. Na produo capitalista, esta atividade humana produtiva assume dominantemente a forma do trabalho produtivo, isto , trabalho que valoriza capital (Marx, 1985, p. 105). A produo capitalista, embora aparea como uma sociedade produtora de mercadorias (ou, mais recentemente, como uma sociedade consumidora de mercadorias) apenas o na medida em que as mercadorias so cristalizaes da atividade produtiva humana e esta, portanto, meio de gerao de mais-valor, riquezas, na forma cristalizada das mercadorias, dos meios de subsistncia, dos meios de produo e tambm na forma monetria que serve a um novo processo de produo ou, no caso, a um novo processo de valorizao. O ncleo fundante, pois, da produo capitalista a livre explorao do trabalho formalmente livre para a valorizao das coisas e acmulo de riquezas. Trabalho livre que trabalho produtivo, que valoriza capital, no importando se sua realizao se procede numa fbrica de salsichas ou numa escola (1985, p. 105-6). Deste ngulo, a variabilidade das formas (empresa, escola, fbrica, teatro) e das esferas (produo diretamente material e fora dela) no altera a relao de fundamento entre capital e trabalho. Por isso, importa a produo do mais-valor sob as formas e no interior das esferas e, assim, por exemplo, tal como na fbrica capitalista moderna, numa escola o professor valoriza capital caso se desgaste para a acumulao de riquezas por outrem, mas nem todas as escolas so redutveis produo do mais-valor. Disso resulta que no se deve confundir as aproximaes de superfcie das formas com o contedo determinado sob elas. Isso explicita

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    que o relacionamento contraditrio entre capital e trabalho a potncia movente da sociabilidade sob a forma capitalista e que condiciona (e no determina) muitas outras esferas da vida social (como a poltica, a terica, a artstica, etc.) e que por elas condicionada, no deixando de ser, entretanto, o momento preponderante (bergreifendes Moment) da reprodutividade dessa sociabilidade determinada, como bem viu Mszros (2002; 2004).

    3 Este relacionamento no , pois, uma espcie de conceito mais ou menos preciso com cuja ajuda se faz sociologia ou estudo das organizaes. No interior das elaboraes marxianas, tal relacionamento categorial porque tem na objetividade existncia. Tanto o capital quanto o trabalho com o qual se relaciona so categorias existentes na prpria efetividade por meio das quais se pode realizar uma reproduo no pensamento da lgica operante dessa mesma efetividade. Antes, porm, de serem reprodues no pensamento, as categorias tm existncia objetiva, nascem das relaes sociais reais. No apenas tm nessas relaes a sua origem, mas so essas relaes mesmas que se expressam por essas categorias. As categorias so, por isso, abstraes razoveis (Pao-Cunha, 2010a). possvel ver a diferena fundamental entre as categorias e os conceitos. Conceitos so elaboraes puramente mentais, no tm origem na efetividade e qualquer necessidade de expresso das relaes reais, pois nelas no est fundado. Os muitos conceitos de organizao que o sculo XX testemunhou, por exemplo (sistema, campo de poder, organismo, mquina, jazz, aparelho psquico grupal etc.), serve demonstrao da ausncia de ligao com as relaes reais. Apenas onde falta tal ligao possvel erigir tais conceitos as metforas so dominantes onde a explicao decisiva carente. Nesse sentido, os conceitos no podem ser apreendidos como abstraes razoveis, mas como abstraes arbitrrias. Por isso, capital e trabalho no so conceitos, assim como no o o relacionamento entre eles. O salrio, por exemplo, uma categoria que expressa no meramente o preo do trabalho se puder revelar o relacionamento que o funda. Do ponto de vista superficial, o salrio o pagamento pelo trabalho despendido, uma troca entre mercadorias. Todavia, sabemos que o salrio gerado pelo tempo de trabalho adicional realizado no confronto entre o trabalho e o capital. O salrio no , pois, o preo do trabalho, mas o valor que se troca pelo tempo de trabalho necessrio reproduo social da prpria fora de trabalho, isto , equivale ao tempo de trabalho pago e no ao tempo de trabalho total: salrio produto do mais-valor. O salrio uma categoria porque nasce nessa relao objetiva e ele prprio uma forma dessa relao. uma abstrao razovel porque expressa tal relao. Ao contrrio, a arbitrariedade se manifesta na ausncia das relaes sociais reais que no deixam de ser o plano decisivo da sociabilidade determinada porque no so pensadas como tais por meio dos mais variados conceitos e, por isso, no revela as mistificaes operadas objetivamente. Salrio apenas como preo do trabalho forma mistificada da relao que se passa por detrs e, portanto, no mais que conceito de salrio porque no chega relao entre capital e trabalho que sua base. Salrio categoria e, portanto, uma razoabilidade quando captura o objeto sob o objeto, pois o salrio ele mesmo uma forma determinada da relao na qual trabalho valoriza capital. Da mesma forma, o conceito de organizao, qualquer que seja, /.../ uma abstrao arbitrria, vazia de contedo. No expressa relaes especficas, nem historicamente determinadas. No apenas no expressa relaes reais como elimina de si o processo de produo, de trabalho, a cooperao, a direo, o salrio, a diviso e combinao do trabalho, etc., etc., etc., em suma, todos os elementos que sob a forma particular demarcam a relao social de produo especificamente capitalista como relao de valorizao do capital. (Pao-Cunha, 2010a, p. 15). As abstraes razoveis atravessam as formas mistificadas das relaes efetivas, vo alm das aparncias que a relao-capital sustenta e no se limitam a meros produtos tericos, conceituais, dessa sociabilidade existente.

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    Sabendo, portanto, que o capital, o trabalho e tambm a relao entre eles so abstraes razoveis que permanecem existindo mesmo quando eliminadas pelas formas de pensamento, torna-se possvel capturar o elevado grau de abstrao necessrio a tal eliminao. Para uma anlise direta do problema no interior da sociologia das organizaes base dos chamados estudos organizacionais e que tem em Weber seu nascedouro determinante correto comear pela questo do tipo ideal. Sabemos que se trata de um recurso metodolgico, de uma construo mental por meio da qual se pode angariar certo ordenamento da realidade (Carrieri; Pao-Cunha, 2009). Em outras palavras, o tipo ideal uma espcie de elaborao conceitual para a realizao da sociologia compreensiva weberiana. No que tange a organizao burocrtica, como um tipo ideal, suficiente trazer os traos mais relevantes aqui. Comparada a outras formas de dominao, a dominao burocrtica assenta-se na legalidade que a permeia, isto , seu funcionamento e sua edificao como tais so cortados pela regimentao legal que , ao mesmo tempo, a supresso da chamada justia do cdi (Weber, 1999, p. 213-4). Elementos como formalizao dos procedimentos e distribuio hierrquica da autoridade e vertical das atividades segundo aspectos puramente objetivos (p. 213) esto assentados no carter legal da burocracia. Em outros termos, no a fora nem a violncia fsica, menos ainda o amor ou a admirao que fornecem existncia social burocracia, mas a crena na validade de sua estrutura legal. Este carter legal, conjuntado com outros elementos, representa o modo racional da burocracia, especialmente se comparado aos modos de dominao tradicional e carismtico. A burocracia , pois, o modo mais racional de organizao, expresso mxima do sine ira ac studio, cuja superioridade tcnica razo fundamental de sua irradiao social (p. 212), tornando-se a organizao dominante e onde mais se desenvolve, mais se desumaniza (p. 213) . O Estado, a empresa capitalista, etc. so organizaes burocrticas que guardam, entre outras coisas, algo de profundamente comum quando prismadas a partir do tipo ideal. Sociologicamente falando, disse Weber (1997, p. 40), o Estado moderno uma empresa (Betrieb) idntica a uma fbrica: esta, exatamente, sua peculiaridade histrica, e isto se deve ao fato de apresentarem a mesma regimentao legal como fundamento, a mesma forma racional que os tornam uma moderna burocracia e por compartilharem o mesmo fato econmico:

    Esse fato econmico de extrema importncia: a separao entre o trabalhador e o meio material de produo, de destruio, de administrao, de pesquisa acadmica, e de finanas, em geral, a base comum do Estado moderno, em suas esferas polticas, cultural, militar, e da economia privada capitalista. Em ambos os casos, a autoridade sobre esses meios acha-se nas mos daquele poder a quem o aparelho burocrtico (de juzes, funcionrios, oficiais, supervisores, escrives e sub-oficiais) obedece diretamente ou a quem est sempre disponvel, em caso de necessidade. Esse aparelho hoje em dia igualmente tpico de todas essas organizaes; sua existncia e sua funo so inseparavelmente causa e efeito dessa concentrao dos meios de produo de fato, o aparelho sua prpria forma. A crescente socializao na esfera econmica, hoje, significa um inevitvel aumento na burocratizao. (Weber, 1997, p. 40-1).

    Este trao importante do tipo ideal revela a irradiao da forma burocrtica e, sociologicamente falando, o Estado uma empresa e a empresa um Estado, dada a identidade fornecida pelo aparelho burocrtico, legal e racional, enquanto tipo ideal. A separao entre o trabalhador e os meios materiais torna-se parte constitutiva da esfera pblica e da esfera privada, da burocracia estatal e da empresa capitalista. Este ltimo trao marcante no tipo ideal weberiano de maneira a no figurar apenas em um texto. Em Economia e sociedade, num momento em que Weber (1999, p. 204), ao seu estilo, enumera os

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    pressupostos sociais e econmicos da forma moderna do cargo, forma tpica que se desenvolve na organizao burocrtica, aparece a seguinte afirmao:

    5) A estrutura burocrtica est acompanhada pela concentrao dos meios de servios materiais nas mos do senhor. Assim ocorre, na forma tpica conhecida, no desenvolvimento das grandes empresas capitalistas privadas, que tm nisto sua caracterstica essencial. Mas temos um processo correspondente tambm nas comunidades pblicas. /.../. A guerra atual, como guerra de mquinas, faz isto [a concentrao] tecnicamente necessrio de modo to absoluto quanto o domnio da mquina na indstria fomentou a concentrao dos meios de atividade econmica. (Weber, 1999, p. 217).

    No tipo ideal de organizao burocrtica, surge como trao marcante, se comparado a outras formas de organizaes passadas, a separao do funcionrio mesmo em relao aos meios de realizao de seu servio. Como antes, essa separao ou este fato econmico, comum ao Estado e empresa capitalista, soma-se ao carter legal e racional. A organizao burocrtica, ento, surge como um modo muito superior de associao ou, como se referia Weber (1999, p. 187; 198) a ela, uma relao associativa racional. No surpresa alguma que Weber tenha considerado a racionalizao como o trao marcante do capitalismo que comporta a organizao burocrtica. O prprio Weber (1964, p. 237) afirmou que A premissa mais geral para a existncia do capitalismo moderno a contabilidade racional do capital como norma para todas as grandes empresas lucrativas que se ocupam da satisfao de necessidades cotidianas e no a livre explorao do trabalho formalmente livre para a valorizao de capital e acmulo de riquezas. Em outros termos, importa para Weber a racionalizao e no a explorao do trabalho, base dessa acumulao.

    5 No preciso muito esforo para capturar que est absolutamente ausentado o relacionamento contraditrio entre capital e trabalho no tipo ideal weberiano de organizao burocrtica embora continue a existir na prpria efetividade. Enquanto uma elaborao mental, um recurso metodolgico posto pela inteleco do socilogo, o tipo ideal no mais do que um conceito que se desprende das relaes sociais reais, uma abstrao arbitrria que no expressa as relaes contraditrias efetivas (Pao-Cunha, 2010b). A dissoluo da relao-capital na sociologia weberiana um ponto marcante e fundamental para o desenvolvimento subsequente da sociologia das organizaes (e tambm dos estudos organizacionais). Uma vez que o tipo ideal coloca a identidade entre a separao do trabalho em relao s condies de produo que se realiza na empresa capitalista e a que se realiza na esfera da burocracia governamental, perde necessariamente de vista o problema do mais-valor ao qual tal separao serve na produo capitalista. Enquanto sabemos que o mais-valor resultado dessa separao entre trabalho e propriedade, a mesma separao na esfera da burocracia governamental no necessariamente a produo de mais-valor. A identidade aqui , pois, supresso da relao-capital, dissoluo do relacionamento contraditrio entre capital e trabalho pela lgica interna ao prprio conceito de organizao burocrtica que se ergue num capitalismo cujo fundamento no a explorao do trabalho mas a contabilidade racional como premissa. A sociologia das organizaes e os estudos organizacionais esto assentados nessa abstrao.

    6 Algumas poucas consideraes de Lukcs e Mszros acerca da sociologia weberiana podem aprofundar a constatao sustentada at este ponto e servem tambm de clivagem para a captura da dissoluo pensada da relao-capital na elaborao intelectual posterior a esta

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    sociologia. Particularmente Lukcs realizou uma investigao sobre a elaborao terica na Alemanha anteriormente ao Drittes Reich. Na sociologia propriamente daquele perodo, a luta, disse Lukcs (1958, p. 183; 1972, p. 487), foi contra a prioridade do ser social, contra o papel determinante do desenvolvimento das foras produtivas. Este ponto angular da anlise de Lukcs pe em absoluta evidncia um trao fundamental do problema, porquanto indica a prpria natureza da metodologia dos socilogos alemes e entre eles, Weber , qual seja, chegar a compreender, aparentemente, a essncia do capitalismo sem entrar nos seus verdadeiros problemas econmicos (sobretudo, no problema do mais-valor, da explorao) (p. 186; p. 490). Lukcs constatou, com a exatido que lhe prpria, que nessa sociologia mesma o trao decisivo dessa sociabilidade determinada deslocado ou desconfigurado, como resultado da esquiva frente s questes verdadeiramente materiais e de fundamento da produo capitalista. Ele reconhece, porm, que O fato da separao dos trabalhadores e dos seus meios de produo, o aparecimento do trabalho livre, certamente mencionado e ele cumpre mesmo na sociologia weberiana um papel no negligencivel (Idem), j que , como visto, um dos elementos centrais da organizao burocrtica, independente de se tratar do Estado ou da empresa capitalista. Mas, interditou Lukcs na continuidade, a caracterstica decisiva do capitalismo, para Weber, reside na racionalidade e calculabilidade (Idem) e no no papel que desempenha aquela separao na relao entre capital e trabalho, dado que o problema do mais-valor est ausente e, assim, essa relao de apropriao mesma; por isso, aparente compreenso. Lukcs argumentou que o movimento da sociologia alem traz como resultado a inverso dos verdadeiros elementos da economia capitalista, fazendo com que os fenmenos vulgarizados da superfcie desempenhem o papel prioritrio sobre os problemas relacionados com o desenvolvimento das foras produtivas, produziu deformaes abstratas que deram s formas ideolgicas, principalmente o direito e a religio, uma funo equivalente ao da economia, atribuindo-lhes mesmo uma ao causal superior (Idem). Para Lukcs essas analogias substituem gradativamente a especificao das relaes determinativas, o que demarca o trao do irracionalismo. assim, diz ele, que Weber sublinha a analogia grosseira entre o Estado moderno e uma empresa capitalista (Idem), analogia marcante que simples descrio, dada a sua posio agnstico-relativista, rechaa o problema da causao primria (Idem). Esta sociologia se degenera em uma mstica irracionalista (p. 189; 493), irracionalismo mstico, na feitura de analogias abstratas (p. 191; 495). H, por fim, um tipo de bloqueio do devir social insistentemente posto pela distoro ou deslocamento daqueles traos fundamentais da produo capitalista e pela rejeio da luta de classe como um fato da histria (p. 192; 496). No rastro dessas constataes acerca da sociologia weberiana, Mszros aprofunda alguns pontos, os quais, ao final, afirmam as constataes de Lukcs. Por todos os lados, Mszros busca situar Weber no espectro ideolgico (1993; 2002; 2004, 2010). Mas o mais relevante nos seus comentrios pode ser sumarizado a partir de Filosofia, ideologia e cincia social. O ngulo central a ausncia da categoria trabalho no discurso de tipo weberiano (1993, p. 28): 1) a neutralidade axiolgica, cujo resultado a eliminao do inter-relacionamento estrutural fundamental entre o capital e o trabalho (p. 29); 2) o carter ideolgico dos tipos ideais, que hipostasia a prpria produo capitalista e a burocracia, tornando a primeira uma formao social insupervel e a segunda um imperativo categrico (p. 31); 3) a separao entre tipo ideal e categorias da realidade emprica que fora a soluo de problemas basicamente ontolgicos no interior dos limites de critrios puramente epistemolgicos (p. 35)ii. Podemos ver, a partir das indicaes dadas pelo prprio Weber e a partir dos comentrios de Lukcs e Mszros, que a organizao burocrtica enquanto tipo ideal guarda mais problemas do que nascer em um registro que pretende pr o ser social como determinado por um modo de ver particular, mas tambm, como analogia abstrata, parece contentar-se com identidades lgicas e superficiais que retiram de cena o trabalho como categoria angular da prpria efetividade

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    e do pensamento sobre esta efetividade mesma, que se esquiva da produo do mais-valor como trao decisivo da sociabilidade capitalista.

    7 O fato de Weber considerar o Estado uma empresa, isto , que sociologicamente no h aqui distino, s pode significar que, nessa sociologia mesma, desaparece a especificidade da empresa como categoria econmica e que expressa uma relao particular, determinada e irredutvel figura do Estado, sua burocracia. Weber no est em busca das diferenas especficas, mas dos pontos de identidade que o conceito de burocracia revela, a identidade entre Estado e empresa, e, nessa busca, suprime a prpria relao fundamental e o que ela tem de especfica. Por isso no se encontram nas linhas weberianas uma referncia sequer ao capital, ao capital como apropriao do trabalho estranho, ao processo de gerao de mais-valor, etc. Antes, o contrrio. Por isso tambm, o Estado converte-se em empresa nessa sociologia. Como bem viu Mszros, nas linhas weberianas o trabalho simplesmente deixa de existir. De forma mais resolutiva, no possvel fazer sucumbir o trabalho produtivo no interior de um conceito no qual a relao efetiva que tal categoria realmente expressa est simplesmente apagada, isto , atividade humana convertida na forma do trabalho para valorizao do capital surge no interior desse conceito como a existncia de um simples funcionrio da empresa ou do Estado indistintamente, e, neste ltimo caso, nem mesmo mais-valor diretamente ali gerado. Em suma, o tipo ideal no expressa a relao entre capital e trabalho. Ao revs, enfatiza a racionalizao, o clculo, a contabilidade racional etc., isto , os elementos de superfcie impostos como identidade pela lgica interna do prprio conceito de organizao burocrtica. Reconhece esses traos superficiais como decorrncia do conceito ao invs de captur-los nas prprias entranhas da relao-capital. Como visto, Weber considerou que essa dissociao no comum apenas s empresas capitalistas, mas tambm ao Estado, aos laboratrios de pesquisa, etc. Ele simplesmente ignora o fato de que essa dissociao cumpre finalidades muito distintas e, assim, desaparece o mais-valor como resultado dessa dissociao no interior das relaes sociais especificamente capitalistas e essa dissociao mesma como pressuposto e resultado dessas mesmas relaes. o que Lukcs constatou, como indicado antes, acerca da esquiva dessa sociologia dos problemas efetivos, como o mais-valor, por meio das analogias abstratas. Basta ver que todos os elementos constitutivos da relao social de produo especificamente capitalista simplesmente esto ausentes na relao associativa racional em nome de identidades superficiais. Vale indicar que, sociologicamente ou weberianamente falando, no h apropriao do trabalho na empresa capitalista, j que tambm no o h na burocracia estatal, quer dizer, desaparece a relao especificamente capitalista no interior e a partir dessa sociologia simplesmente porque idealmente o Estado uma empresa e a empresa um Estado, sem ser exatamente assim na realidade mesma. Nessa sociologia importa apenas a forma que surge na superfcie, a identidade lgica do conceito, o valor heurstico do conceitualmente comparvel, isto , neste caso, a separao entre o trabalho e os meios do trabalho, desconsiderando que sentido tem essa dissociao na produo social. Todo o carter contraditrio da relao-capital, materializado no processo de produo, de trabalho e de valorizao, na cooperao posta pelo capital, na combinao sistemtica do trabalho que traz consigo uma aplicao mais direta da cincia, da regimentao da produo, em suma, a diferena especfica dessa forma da produo social, esta sociabilidade determinada est simplesmente apagada.

    8 Esse problema da dissoluo pensada da relao-capital que comea em Weber estende-se por todo o sculo XX, com agravantes. O grau de abstrao torna-se ainda mais elevado, eliminando-se, inclusive, um dos traos importantes da sociologia weberiana e que mantinha

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    traos da efetividade mesma: a dominao. Podemos acompanhar a elevao do grau da abstrao e, por decorrncia, da dissoluo da contraditoriedade da relao social de produo especificamente capitalista, a relao entre capital e trabalho. Num dos textos mais divulgados de Parsons (porque foi publicado em forma de artigos e livros para diferentes lnguas) aparece j no incio a busca pelo conceito adequado. Disse Parsons (1960, p. 16) que /.../ o termo organizao ser usado para se referir a um amplo tipo de coletividade que tem assumido um lugar particularmente importante nas sociedades industriais modernas o tipo ao qual o termo burocracia mais freqentemente aplicado. Tudo indica, ento, se tratar de uma continuidade da discusso weberiana sobre a organizao burocrtica. Na sequncia, Parsons confirma essa suposta continuidade ao mostrar que os Exemplos familiares so a autarquia ou o departamento governamental [governamental bureau or departament], as empresas [business firms] (especialmente a partir de certo tamanho), a universidade e o hospital. Aquela identidade imanente lgica do tipo ideal aparece de uma forma ainda mais reforada dado que Hoje quase lugar comum que haja caractersticas comuns a todos esses tipos de organizao as quais ultrapassam as corriqueiras distines entre as disciplinas das cincias sociais. Algo perdido, completa ele, se o estudo das firmas for deixado apenas aos economistas, das organizaes governamentais, aos cientistas polticos, e das escolas e universidades, aos tcnicos em educao [educationists]. Como os economistas tratam das empresas, os cientistas polticos das organizaes governamentais, etc., ser perdida exatamente a identidade entre as diferentes organizaes. Logo na sequncia vem o seu the concept of organization: Como um ponto analtico formal de referncia, a primazia da orientao para a consecuo [attainment] de um objetivo especfico usado como a caracterstica definidora de uma organizao que a distingue de outros tipos de sistemas sociais, portanto, Uma organizao um sistema que, ao atingir seus objetivos, produz algo identificvel que pode ser utilizado em de outras formas por outro sistema; isto , a sada [output] de uma organizao uma entrada [input] para outro sistema (p. 17). O carter racional do tipo ideal weberiano aqui indicado apenas no que se refere definio vaga de objetivo, de meta. No apenas o carter abstrato do tipo ideal aparece aqui ainda mais radicalizado, como o prprio carter da dominao que Weber forneceu organizao burocrtica desaparece. Em relao a este ltimo ponto, curioso notar que houve uma alterao deliberada do termo dominao para autoridade. Uma nota de rodap despretensiosa inserida em um texto de Weber, cuja traduo foi nomeada como Os trs aspectos da autoridade legtima, explica que se trata de um:

    Artigo traduzido do alemo por Hans Gerth. Copyright em 1953 por Hans Gerth. Reimpresso com permisso do tradutor e editor, Berkeley Journal of Sociology. Os Trs Aspectos de Autoridade Legtima de Weber foram publicados postumamente em Preussische Jahrbuecher em 1922 (187:1-12). Esta exposio no foi includa nas primeiras edies de Wirtschaft und Gesellschaft (The Theory of Social and Economic Organization). Na edio de 1956 de Wirtschaft und Gesellschaft (Tuebingen: J. C. B. Mohr, 1956), que foi substancialmente revista por J. Winckelmann, Trs Aspectos de Autoridade Legtima aparece como Seo 2 de Sociology of Authority (2:551-558). (Weber, 1973, p. 19)

    Essa nota revela a cada da Herrschaftssoziologie sociologia da dominaoiii em favor de uma sociologia da autoridade, algo mais brando, mais neutro e, por isso, cada vez mais abstrato e sem revelar qualquer trao mais determinado das relaes efetivas. Barnard, um dos autores tambm influenciados (ver Barnard, 1956, p. 71-2) por Weber e por Parsons mas que tambm muito comentado e admirado pelo ltimo (Parsons, p. 1960, p. 3, 18, 21, 30, etc.), serve de exemplificao dessa radicalizao da abstrao na qual se inclui a ausncia da dominao, um dos nicos traos do tipo ideal que correspondia s relaes mesmas. Em um

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    rimo semelhante a Parsons, surge a organizao formal como o processo social concreto pelo qual a ao social largamente realizada (Barnard, p. 1956, p. 3), mas Barnard enfatiza a organizao como um sistema cooperativo, isto , um complexo de elementos fsicos, biolgicos, pessoais e sociais, entre os quais existe uma relao sistemtica e especfica em razo da cooperao de duas ou mais pessoas que visam a um determinado fim (p. 65). O que o preocupa que a organizao assim isolada constitui um aspecto de sistemas cooperativos, comum a todas, isto , a cooperao militar, religiosa e acadmica, manufatureira /.../ (p. 73) etc. De tal maneira, ele considera que o conceito mais til em que o sistema cooperativo est incorporado a uma organizao formal a prpria organizao como sistema de atividades ou foras, em coordenao consciente, de duas ou mais pessoas (Idem). Aqui, mais uma vez, pe-se em relevo elementos que ocultam as verdadeiras relaes, isto , de fato a relao capital se realiza por um tipo de cooperao, como visto, mas esta cooperao posta pelo capital, uma combinao do trabalho que no o relacionamento mtuo entre trabalhadores livremente associados. Cooperam no uns com os outros, mas com o capital. No apenas essa relao fundamental apagada nesse conceito abstrato, como tambm o prprio trao de dominao do tipo ideal weberiano em nome da realizao de objetivos, da coordenao consciente, racional. O alto grau de abstrao no revela coisa algumaiv. Outro exemplo, apenas para reforar este primeiro, ilustra a problemtica da arbitrariedade. Galbraith (1983, p. 104), que considera essa abstrao arbitrria de Barnard como A mais famosa definio de organizao, apenas agrava a obliterao da relao capital ao afirmar que O vocbulo mais importante nessa definio coordenao. Significa que os indivduos participantes so persuadidos a pr de lado seus propsitos ou objetivos pessoais e seguir os da organizao. E arremata, Ao fazerem todos, esto eles trabalhando para os objetivos comuns. Esto coordenados. Apenas pela obliterao da relao entre capital e trabalho pode se supor que os homens trabalham em funo de objetivos comuns. A perseguio de objetivos verdadeiramente comuns exigiria persuaso? Ou, estariam esses homens sob uma coordenao que tem como condio o pr de lado dos propsitos e objetivos, uma coordenao externa e superior? Em curtas passagens, Galbraith faz confundir objetivos comuns com objetivos da organizao algo abstrato, mstico como se o objetivo de todos os homens fosse valorizar capital, valorizao ocultada nos objetivos comuns e nos objetivos da organizao. Mas no surpresa alguma, j que afirmou pginas antes que O poder decisivo na sociedade industrial moderna no exercido pelo capital, mas pela organizao; no pelo capitalista, mas pelo burocrata da indstria (p. 9). Aqui pelo menos aparece uma tentativa mais declarada de retirar de cena a principal fora da sociedade capitalista e pr no lugar uma abstrao de feies mistificadas. Essa determinao absurda das relaes fundamentais em forma puramente abstrata e sem as expressar razoavelmente pode ser ainda aprofundada pelas indicaes de Etzioni (1972). Por suas linhas, a marca da organizao burocrtica weberiana deliberadamente apagada em nome de um termo mais neutro. Diz ele que As organizaes so unidades sociais (ou agrupamentos humanos) intencionalmente construdas e reconstrudas, a fim de atingir objetivos especficos, seguindo Parsons declaradamente em nota. Da mesma maneira que Parsons e Barnard, no conceito Incluem-se as corporaes, os exrcitos, as escolas, os hospitais, as igrejas e as prises; excluem-se as tribos, as classes, os grupos tnicos, os grupos de amigos e as famlias. Na sequncia, Etzioni fornece os elementos que ele considera como intrnsecos a todas essas organizaes. Diz ele:

    As organizaes caracterizam-se por: 1) divises de trabalho, poder e responsabilidades de comunicao, que no so casuais ou estabelecidas pela tradio, mas planejadas intencionalmente a fim de intensificar a realizao de objetivos especficos; 2) a presena de um ou mais centros de poder que controlam os esforos combinados da organizao e os dirigem para seus objetivos; esses

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    centros de poder precisam, tambm, reexaminar continuamente a realizao da organizao e, quando necessrio, reordenar sua estrutura, a fim de aumentar sua eficincia; 3) substituio do pessoal, isto , as pessoas pouco satisfatrias podem ser demitidas e designadas outras pessoas para as suas tarefas. A organizao tambm pode recombinar seu pessoal, atravs de transferncias e promoes. (1972, p. 10).

    Nessa descrio restam alguns traos do tipo ideal weberiano, mas aparece de forma ainda mais abstrata e confusav. Disso, Etzioni tenta especificar seu conceito de organizao pela eliminao de termos que prejudicam, segundo ele, o entendimento adequado. De tal maneira, ele confronta burocracia, organizao formal e instituio. Diz que ele que:

    Existem muitos sinnimos da palavra organizao. Um, burocracia, tem duas desvantagens. Em primeiro lugar, burocracia freqentemente contm uma conotao negativa para os leigos, enquanto organizao uma palavra neutra. Em segundo lugar, burocracia, para aqueles que conhecem a obra de Weber, (ver Cap. 5), implica numa unidade organizada de acordo com os princpios que ele especifica. Todavia, muitas organizaes, mesmo modernas, no so burocrticas nesse sentido tcnico. Os hospitais, por exemplo, no tm um centro de decises, enquanto, por definio, as burocracias o tm. Organizao formal refere-se a um conjunto de caractersticas de organizaes. Discutimos, adiante, esse aspecto; aqui, basta dizer que essa expresso no se refere a uma organizao como uma entidade, mas apenas a uma parte dela. Instituio utilizada s vezes para alguns tipos de organizaes, umas muito respeitveis como no caso de a General Motors uma instituio, outras pouco respeitveis, como ele est numa instituio. s vezes, instituio se refere a um fenmeno muito diferente isto , a um princpio normativo, como o casamento ou a propriedade, que define culturalmente o comportamento. Dados esses dois empregos conflitivos, essa palavra provavelmente causou mais confuso do que organizao formal e burocracia reunidas. As trs podem ser evitadas, dando-se preferncia palavra simples organizao. (1972, p. 10-1)

    Sem aprofundar aqui no fato de que ele mesmo deu provas de que no entendeu seu mestre, Weber, dado que supe se tratar aquele objeto epistemolgico como um tipo de repercusso emprica que implica numa unidade organizada de acordo com os princpios que ele [Weber] especifica o que um total desconhecimento do que o objeto epistemolgico e seu significado , preciso reter que Etzioni elimina, pelo confronto, o carter formal e o carter burocrtico do conceito, pretendendo manter apenas organizao por ser, precisamente, uma palavra simples, neutra e, por isso mesmo, totalmente abstrata e geral, sem qualquer especificao. Por fim, diz ele em seu conceito, Podemos reservar, sem riscos, a palavra organizaes para unidades planejadas, intencionalmente estruturadas com o propsito de atingir objetivos especficos (1972, p. 11), isto , dos caadores da era do gelo ao prostbulo romano, do Estado traficncia, etc. Isso prova a retirada de cena da organizao burocrtica como um tipo ideal, em favor de um conceito ainda mais abstrato determinado pelo trao racional da coordenao, dos objetivos, das finalidades, em que cai por terra o trao da dominao. Sua organizao, em sua pura neutralidade pode ser assim uma frutavi. Blau e Scott, por exemplo, chegam mesmo a considerar o tipo ideal weberiano como torto e pediram, simplesmente, sua eliminao, seu abandono. Dizem eles, acerca de seu conceito de organizao formal,

    Como a caracterstica distinta dessas organizaes [fbricas e sindicados] a de que elas foram formalmente estabelecidas com o propsito explcito de conseguir certas finalidades, usa-se o termo organizaes formais para design-las. E esse estabelecimento formal, com um propsito explcito, o critrio que distingue a nossa matria do estudo da organizao social em geral. (1970, p. 17).

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    J que os autores tomam-se a si prprios como que influenciados por Weber, acreditam que as contribuies de Weber foram angulares, mas, dizem eles, Para explorar a perspicaz anlise terica de Weber necessrio, a nosso ver, deixar de lado seu conceito do tipo ideal to enganoso e fazer a distino explcita entre o esquema conceptual e a hiptese (p. 48), isto , fazer testes empricos para traar quais so de fato as caractersticas da organizao formal. Mas como explorar a perspicaz anlise terica de Weber eliminando exatamente o seu ncleo terico um mistrio que s se resolve na confuso geral e acrtica pela radicalizao da abstratividade conceitual. Mesmo recentemente, este carter abstrato repetido muitas vezes. Por exemplo:

    Todos conhecem o objeto social, uma vez que parte integrante de nossa esfera cotidiana, ou de que constitui uma caracterstica dominante. As administraes pblicas, as empresas industriais, comerciais e de servios, assim como os partidos polticos ou as associaes de todo tipo de que somos, simultaneamente, empregados, membros, militantes e/ou clientes so todas elas organizaes, ou seja em termos de uma definio simples , conjuntos humanos formalizados e hierarquizados com vistas a assegurar a cooperao e a coordenao de seus membros no cumprimento de determinados fins. (Friedberg, 1995, p. 375).

    V-se, pois, a organizao burocrtica weberiana tornar-se aqui ainda mais abstrata do que pde dela fazer Webervii. Some-se a isso o trao da dominao sob a forma burocrtica, alm de manter obliterada a relao que o tipo ideal ocultava. Do tipo ideal restaram traos desgastados de si como resultado racional, expressos na coordenao racional segundo finalidades, uma formalizao adequada ao funcionamento e finalidades, uma racionalizao. Por isso, no importa se se trata de administrao pblica, empresas industriais, comerciais ou de servios, nem se se trata de partidos ou de associaes dos mais variados tipos. Do ponto de vista do conceito, agora como antes, no importa se as relaes so de gerao de valor de uso ou de prestao de servio ao Estado, se so de gerao de valor de troca e, portanto, de explorao do trabalho estranho ou de promoo dos interesses de classe como sindicatos, etc. Sob tal conceito, portanto, desaparecem as determinidades formais da empresa capitalista, do partido, do Estado, etc., incluindo o nexo real entre as distintas esferas. A organizao formal ou sistema cooperativo ou apenas organizao, proveniente do tipo ideal weberiano organizao burocrtica, expressa, portanto, a formalizao que ocorre em distintas esferas e no as particularidades dessas esferas mesmas e, de tal maneira, no uma abstrao razovel das relaes reais, no fornece a diferena especfica, por exemplo, da empresa capitalista em contraste com o Estado vis-a-vis, nem exprime a relao entre a produo e a esfera poltica. Trata-se da legalidade inerente racionalidade da organizao burocrtica enquanto conceito e no das relaes sociais realmente fundantes. Por eliminar a diferena especfica das distintas e divergentes circunstncias sociais, aqui aparece mais uma vez o carter arbitrrio dessa abstrao, que parte de sua universalidade para encontrar a si mesma, apenas como conceito, nunca como relao. O prprio Weber afirmava se tratar de um recurso metodolgico para ajudar o pesquisador a organizar a efetividade que catica em si mesma e que tal tipo ideal no tinha a pretenso de corresponder plenamente efetividade mas que guardava a possibilidade objetiva de assim o fazer, pela comparao, pelo valor heurstico do conceito. um recurso metodolgico que muitos consideram um objeto da efetividade mesma. Esta espcie de kantismo prova que desde o incio j no havia por parte de Weber a finalidade de expressar relaes reais por meio do tipo ideal, nem que ele tenha sido engendrado a partir da efetividade mesma, mas de uma elaborao subjetiva na tentativa de ordenar a amorfa realidade, conceito de valor heurstico para comparao com a realidade. A organizao burocrtica como abstrao arbitrria um conceito sociolgico de um registro epistemolgico que apaga as diferenas especficas da relao capital. No conceito, a relao

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    entre capital e trabalho ocultada. Isso ainda mais verdade para as decorrncias em Parsons, Barnard, Etzioni, etc., dado que neles a organizao burocrtica aparece ainda mais abstrata, sem os traos da dominao, aparece apenas como sistema, organizaoviii. Por isso possvel constatar que os estudos organizacionais e tambm essa sociologia das organizaes giram em torno de abstraes cada vez mais elevadas e, quanto mais elevadas, mais distantes da relao contraditria entre capital e trabalho. Qual outro motivo teria permitido tantas metforas, tantas imagens, tanto desprendimento das relaes sociais efetivas seno o carter necessariamente abstrato que aqui se revela?

    9 Se, por um lado, o carter abstrato do conceito que aqui se apresenta, por outro, tais elaboraes no esto descoladas absolutamente das relaes sociais efetivas. Tais relaes no so apenas pressupostos objetivos da existncia dessas inteleces da sociologia das organizaes, mas potncias condicionadoras que tambm so condicionadas por essas inteleces. Existe uma reciprocidade entre os elementos infra e superestruturais que no retira do primeiro seu carter de momento preponderante (Pao-Cunha, 2010c). Ao passo que a determinao dos condicionamentos das elaboraes tericas sobre as relaes materiais transcenderia muitssimo nossa presente pretenso, possvel trazer baila uma explicao para a dissoluo pensada e aparente da relao-capital como efeito de mistificaes reais, isto , a obliterao do relacionamento contraditrio entre capital e trabalho operada primeiro na prpria efetividade em um grau potencialmente permissivo para as elaboraes abstratas que aqui figuraram, as quais retiram de cena o ineliminvel da prpria produo do capital, isto , a atividade humana sob a forma do trabalho produtivo, trabalho que valoriza capital. No justificao para a dissoluo pensada da relao-capital, mas uma explicao que apreende a impossibilidade de uma autossustentao das prprias formas de conscincia, como a sociologia das organizaes aqui em pauta. Poder-se-ia apenas indicar tal forma de conscincia como ideologicamente motivada, como explicaes distorcidas da realidade. A questo, porm, no se apresenta como um problema do conhecimento e sim como um trao do efetivamente existente e que, de uma forma particular, se expressa por meio das formas de conscincia cientfica. certo que ao deslocar traos importantes da vida material mistifica-se essa mesma vida, explicando-a por meio de elementos abstratos que no a explicam razoavelmente. Retirar, pois, o relacionamento contraditrio entre capital e trabalho sustentar uma explicao superficial, uma abstrao arbitrria que no capta o objeto sob o objeto, que no parte do ser das coisas, mas das suas formas aparentes. mais bem sucedida tal abstrao particular se tal relacionamento estiver, por muitos motivos, dissolvido aparentemente e temporariamente na prpria efetividade caso contrrio seria puro subjetivismo de incoerncia radical. A luta de classes produziu melhores condies de trabalho, reduo da jornada de trabalho, direitos trabalhistas, direitos polticos, etc., o que ajudou sobremaneira no constrangimento dessa mesma luta durante todo o ltimo sculo e incio do presente. difcil saber qual a potncia especfica da prpria sociologia das organizaes sobre esse constrangimento. Seja como for, o prprio desenvolvimento da sociedade capitalista traz condicionantes que tornam a relao-capital aparentemente diluda, isto , sua fictcia dissoluo. O prprio Marx chegou a esboar algo em relao a este problema candente. Disse ele que:

    No basta que as condies de trabalho apaream num plo como capital e no outro plo, pessoas que nada tm para vender a no ser sua fora de trabalho. No basta tambm forarem-nas a se venderem voluntariamente. Na evoluo da produo capitalista, desenvolve-se uma classe de trabalhadores que, por educao, tradio, costume, reconhece as exigncias daquele modo de produo como leis naturais evidentes. A organizao do processo capitalista de produo plenamente

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    constitudo quebra toda a resistncia, a constante produo de uma superpopulao mantm a lei da oferta e da procura de trabalho e, portanto, o salrio em trilhos adequados s necessidades de valorizao do capital, e a muda coao das condies econmicas sela o domnio do capitalista sobre o trabalhador. Violncia extra-econmica direta ainda, verdade, empregada, mas apenas excepcionalmente. Para o curso usual das coisas, o trabalhador pode ser confiado s leis naturais da produo, isto , sua dependncia do capital que se origina das prprias condies de produo, e por elas garantida e perpetuada. (Marx, 1985, p. 277).

    Depois de estabelecida, a produo capitalista e a relao-capital que seu fundamento convertem-se em normalidade, normalidade na qual outras geraes de trabalhadores nascem e so criados. So produzidas as individualidades adequadas reproduo dessa sociabilidade. As condies da produo se convertem em autoevidncias diariamente reforadas pela necessidade de venda da fora de trabalho para a simples sobrevivncia, mas tambm para pagar as contas e viver a vida. O desenvolvimento da produo capitalista, portanto, no depende apenas da existncia de capital e trabalho, mas tambm da constituio de uma classe trabalhadora que passa a reconhecer a produo capitalista como algo pronto, que dispensa explicao, algo autossustentado. De tal maneira, para que isso ocorra preciso que o prprio relacionamento contraditrio entre capital e trabalho aparea como no contraditrio e, depois, que o prprio relacionamento deixe de se apresentar como o fundamento da produo do mais-valor; mais adiante ainda, nem mesmo o mais-valor se coloca como existente e a prpria luta de classes tende (mas no em definitivo) a se tornar a satisfao dos interesses individuais, convertendo a vida humana necessariamente em meio de produo da riqueza. O microcosmo da produo capitalista torna-se, na aparncia, mero emprego, o salrio, pagamento pelo trabalho, a diviso do trabalho, algo insupervel, etc. A reproduo da sociedade capitalista se realiza precisamente por meio dessas formas mistificadas. Essa mistificao perde fora quando a abstrao permite a apreenso do objeto sob o objeto ou sempre que uma crise se avizinha e, portanto, continua a existir a relao-capital ainda que aparentemente no se apresente enquanto tal. E essa mistificao objetiva que est na base da mistificao pensada ou, o que o mesmo, a sociologia das organizaes aqui em pauta expresso dessa mistificao objetiva, seu produto; expressa teoricamente uma mistificao operada na prpria efetividade, mas no como mistificao. E, como no ajuda a explicar a contradio fundamental na maior parte das vezes, ao contrrio, oblitera a relao-capital, a produo do mais-valor e a explorao do trabalho para este fim , tambm potncia mistificadora da efetividade, uma vez que condiciona reciprocamente as prprias relaes materiais que so seu pressuposto. As abstraes em torno do tipo ideal, da organizao formal ou apenas organizao (mas tambm, nos estudos organizacionais em torno da organizao como campo de poder, como cultura, como aparelho psquico, jazz etc.) so precisamente a obliterao do relacionamento entre capital e trabalho que se desenrola primeiro na efetividade e, depois, no interior das formas de conscincia cientficas que so o seu produto.

    10 Com efeito, a dissoluo pensada da relao-capital que operada na sociologia das organizaes segundo a tradio weberiana (aqui apenas esboada) to fictcia quanto aquela que aparentemente operada na prpria efetividade. Uma vez que a histria dos estudos organizacionais se confunde com o desenvolvimento dessa linha de inteleco (Carrieri; Pao-Cunha, 2009), a histria de ambos profundamente condicionada pela dissoluo aparente da relao-capital sem expressar, todavia, a fico dessa dissoluo. Expressa to somente, por meio das mais variadas formas de abstraes arbitrrias, a superfcie das relaes efetivas em que o relacionamento entre capital e trabalho no se

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    mostra como tal e, assim, no apreende o objeto sob o objeto, no mostra a diferena especfica da produo capitalista. O grau de abstrao que seguiu de Weber a Etzioni como exemplo e no como uma anlise extensiva prova da dissoluo apenas terica, pensada, do relacionamento contraditrio entre capital e trabalho, revelia do efetivamente existente. prova do limite imanente, qual seja, no poder, por meio das suas abstraes, dos seus conceitos, atravessar as mistificaes operadas na efetividade, mas, ao contrrio, se apresenta como um autntico produto dessas mesmas mistificaes objetivas. Referncias Barnard, C. The functions of the executive. Cambridge: University Press, 1956. Blau, P.M.; Scott, W.R. Organizaes formais. So Paulo: Atlas, 1970. Carrieri, A. de P; Pao-Cunha, E. Notas provisrias sobre o desenvolvimento e a superao dos estudos organizacionais. In: Encontro Nacional da ANPAD, 33, 2009, So Paulo. Anais... So Paulo: ANPAD, 2009. Etzioni, A. Organizaes modernas. So Paulo: Pioneira, 1972. Friedberg, E. Organizao. In: Boudon, R. Tratado de sociologia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor,1995. Galbraith, J.K. O novo Estado industrial. So Paulo: Pioneira, 1983. Lukcs, G. El asalto a la razon. 3 ed. Barcelona: Grijalbo, 1972. ______. La destruction de la raison. v. 2, Paris: L'arche Editeur, 1958. Marx, K. O Capital. vol. 1, 2, 3, 4 e 5, So Paulo: Nova Cultural, 1985. ______. A sagrada famlia. So Paulo: Boitempo, 2003. Mszros, I. Filosofia, ideologia e cincias sociais. So Paulo: Ensaio, 1993. ______. O poder da ideologia. So Paulo: Boitempo, 2004. ______. Para alm do capital. So Paulo: Boitempo, 2002. ______. Social structure and forms of consciousness: the social determination of method. v. 1, New York: Monthly Review Press, 2010. Pao-Cunha, E. Marx e a organizao como abstrao arbitrria. In: VI Encontro de Estudos Organizacionais, 2010, Florianpolis. Anais... Florianpolis: ANPAD, 2010a. ______. Gnese, razoabilidade e formas mistificadas da relao social de produo em Marx: a organizao burocrtica como abstrao arbitrria. Tese de doutorado. Centro de Ps-Graduao e Pesquisas em Administrao. Belo Horizonte, 2010b. ______. Trabalho, esttica e valorizao do capital. In: Gnese, razoabilidade e mistificao da relao social de produo em Marx: a organizao burocrtica como abstrao arbitrria. Tese de Doutorado. Centro de Ps-Graduao e Pesquisas em Administrao. Belo Horizonte, 2010c. Parsons, T. Structure and process in modern societies. New York: Free Press, 1960. Silverman, D. The theory of organizations: a sociological framework. New York: Basic Books Publishers, 1971. Weber, M. Economia e Sociedade. v. 2, Braslia: UnB, 1999. Weber, M. Economia y Sociedad. v. II. Mxico: Fondo de Cultura Econmia, 1969. Weber, M. Historia econmica general. Fundo de cultura econmica, 1964. Weber, M. Os trs aspectos da autoridade legtima. In: Etzioni, A. (Org). Organizaes complexas: estudo das organizaes em face dos problemas sociais. So Paulo: Atlas, 1973. i Isso significa que este trabalho no uma crtica dedicada sociologia weberiana, mas apontamento da problemtica da dissoluo pensada da relao-capital a partir de alguns poucos elementos centrais.

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    ii Ibid., p. 35. Todas essas questes encontram-se j em A destruio da razo de Lukcs como visto acima. Mszros reafirma esses pontos tambm em Para alm do capital no qual comenta que o objetivo de Weber a descrio tendenciosa das relaes capitalistas como horizonte insupervel da prpria vida social (Para alm do capital, op. cit., p. 409). iii Veja Weber, M. Economia y Sociedad. v. II. Mxico: Fondo de Cultura Econmia, 1969, p. 695 e seguintes; e tambm Weber, M. Economia e Sociedade. v. 2, Braslia: UnB, 1999, p. 187 e seguintes. iv No lugar para entrar na discusso pertencente a outra investigao sobre a falta de coerncia dessas elaboraes conceituais. Por exemplo, um presdio fomentado pelo governo um sistema cooperativo? Deixa de ser organizao por ser centrado na coero fsica do corpo? exatamente a abstrao que provoca essas desconexes todas. v Do mesmo modo que Barnard antes, aqui aparecem as confuses intrnsecas dessas abstraes radicais. Ora, como a igreja pode demitir seu fiel? vi Isso no muito distante do que se segue: Quando, partindo das mas, das pras, dos morangos, das amndoas reais eu formo para mim mesmo a representao geral da fruta, quando, seguindo adiante, imagino comigo mesmo que a minha representao abstrata a fruta, obtida das frutas reais, algo existente fora de mim e inclusive o verdadeiro ser da pra, da ma etc., acabo esclarecendo em termos especulativos a fruta como a substncia da pra, da ma, da amndoa, etc. Digo, portanto, que o essencial da pra no o ser da pra, nem o essencial da ma o ser da ma. Que o essencial dessas coisas no sua existncia real, passvel de ser apreciada atravs dos sentidos, mas sim o ser abstrado por mim delas e a elas atribudo, o ser da minha representao, ou seja, a fruta. certo que meu entendimento finito, baseado nos sentidos, distingue uma ma de uma pra e uma pra de uma amndoa, contudo minha razo especulativa considera esta diferena sensvel algo no essencial e indiferente. Ela v na ma o mesmo que na pra e na pra o mesmo que na amndoa, ou seja a fruta. As frutas reais e especficas passam a valer apenas como frutas aparentes, cujo ser real a substncia, a fruta. (Marx, K. A sagrada famlia. So Paulo: Boitempo, 2003, p. 72, ao traar o mistrio da construo especulativa). Nem mesmo o tipo ideal est demasiadamente distante, dado que o Estado uma empresa, assim como o morango uma pra. vii Mesmo quando Blau e Scott e tambm Etzioni buscam mostrar as diferenas entre os tipos de organizaes com base em diferentes critrios os primeiros as classificam pelo principal beneficirio, e o segundo, pelas formas de controle a relao capital no revelada, mas apenas algumas diferenas superficiais. viii No lugar para estender esta anlise, dada a limitao de espao. Mas vale indicar que muitos se levantaram contra todo esse desenrolar aps Weber, mas no para apontar este problema da abstrao que somente se torna apreensvel quando se parte por de dentro de Marx mesmo e no das citaes famosas. Uma das vozes decisivamente mais influentes foi a de David Silverman (The theory of organizations: a sociological framework. New York: Basic Books Publishers, 1971) que, influenciado pela discusso dos paradigmas e pela sociologia do conhecimento, combateu essa corrente aqui sucintamente aludida pela indicao de sua inclinao ao funcional-estruturalismo. Ao apontar este carter em Parsons, Etzioni, etc., traou a organizao como uma construo social, um universo simblico em si mesmo. Mas ao invs de corrigir o erro da corrente que criticava, tornou o conceito ainda mais abstrato, como uma elaborao interpretativa. Esse problema da abstrao se estende at o institucionalismo e engloba muitas outras discusses. A dissoluo da relao entre capital e trabalho ganhou outro impulso, dadas as questes foucaultianas das relaes de poder e o carter indefinvel do chamado Critical Management Studies.

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