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Dezembro de 2006 • Ano 3 • nº 29 www.desafios.org.br do desenvolvimento desafios Dezembro de 2006 • Ano 3 • nº 29 desafios LICENCIAMENTO AMBIENTAL Empresários, governo e ecologistas reclamam, e todos têm um pouco de razão. Como conciliar desenvolvimento e natureza DESENVOLVIMENTO Ipea propõe fórmula para retomada do crescimento. O caminho é árduo e passa por muitas reformas FLORES O mercado global de floricultura rende 8 bilhões de dólares anuais. Brasil começa a explorar seu potencial Acidentes tragédias evitáveis R$ 8,90 Todo ano mais de 10 mil pessoas morrem nas rodovias brasileiras. O Ipea calculou o custo desses desastres: 22 bilhões de reais anuais Capa_29 05/12/06 17:09 Page 1

do desenvolvimento

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D e z e m b r o d e 2 0 0 6 • A n o 3 • n º 2 9 w w w . d e s a f i o s . o r g . b r

do desenvolvimentodesafiosDezem

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• Ano 3

• nº 2

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desafios

LICENCIAMENTO AMBIENTALEmpresários, governo e ecologistas reclamam, e todos têm um pouco de razão.Como conciliar desenvolvimento e natureza

DESENVOLVIMENTOIpea propõe fórmula para retomada do crescimento. O caminho é árduo e passa por muitas reformas

FLORESO mercado global de f loricultura rende 8 bilhões de dólares anuais.Brasil começa a explorar seu potencial

Acidentes tragédias evitáveis

R$ 8,90

Todo ano mais de 10 mil pessoas morrem nas rodov ias brasi leiras.O Ipea calculou o custo desses desastres: 22 bilhões de reais anuais

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Desaf ios • dezembro de 2006 3

Iêda Maria de Oliveira LimaFlagelo nacional

desafiosdo desenvolvimento

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Entrevista Nanak KakwaniEconomista indiana desenvolveu uma nova metodologia para medir a pobreza

Economia Difícil arrancadaAgenda de mudanças para aumentar os investimentos e acelerar o crescimento

Políticas Públicas Rodando no escuroAcidentes nas estradas brasileiras custam 22 bilhões de reais por ano

Meio Ambiente Cabo-de-guerraCerca de 120 obras de infra-estrutura estão paradas por entraves ambientais

Serviços Um setor em ebuliçãoPublicação do Ipea traça perfil do setor terciário, que emprega mais que a indústria

Agricultura O caminho das floresFloricultura brasileira aumenta e promete maior participação no mercado externo

Melhores Práticas Operação limpezaConscientização popular reverte processo de degradação ambiental em Macaé

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Sumário

Artigo

Giro

Circuito

Estante

Indicadores

Cartas

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Seções

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Ilustr

ação

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Debate sem FronteirasExcepcionalmente, a seção Debate sem Fronteiras não foi publicada nesta edição porque o Ipea só retomará a realização dos eventos em 2007

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4 Desafios • dezembro de 2006

Chega o final do ano e milhões de brasileiros se preparam para pegar a estrada rumo ao litoral ou ao interior para aproveitar o tão aguardado período de férias.Antes de alcançar o destino, porém, eles passarão pelo cenário de muitas tragédias:as rodovias. Todos os anos mais de 10 mil pessoas perdem a vida em conseqüênciade acidentes nas estradas. Na reportagem sobre o tema, o repórter ManoelSchlindwein apresenta uma comparação chocante, mas que dá a exata dimensãoemocional do problema: é como se a queda do Boeing 737-800 da Gol, naAmazônia, se repetisse 67 vezes por ano. Durante um ano e meio, um grupo de técnicos do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) se debruçou sobrequestionários e bases de dados para obter outra dimensão dos acidentes nas estradas:quanto eles custam aos cofres nacionais. Somando os danos que atingem as pessoas,os veículos, as estradas e as instituições, eles chegaram à gigantesca cifra de 22 bilhões de reais anuais, ou 1,2% do Produto Interno Bruto.A matéria“Rodando no escuro”traz mais detalhes sobre o trabalho do Ipea e também discuteas causas e as possíveis soluções para essa ameaça que paira sobre todos nós.A reportagem “Cabo-de-guerra”fala sobre outro tipo de ameaça, aquela que atinge anatureza como um todo. Em recentes declarações, o presidente Lula acusou ambientalistas de dificultarem o desenvolvimento do país ao impedir o andamentode determinadas obras.A questão não é novidade, mas as palavras do presidenteserviram para trazer o debate novamente à tona. Cerca de 120 obras ligadas à infra-estrutura estão paralisadas por entraves ambientais ou jurídicos. Osempresários reclamam da complexidade da legislação, os órgãos governamentaisenfrentam avalanches de processos e trabalham com pouco pessoal para atender à demanda, e os ecologistas alertam para o risco de danos irreversíveis ao meio ambiente. Desafios foi a campo para ouvir todos os lados e tentar entender como será possível conciliar natureza e desenvolvimento.Por falar em desenvolvimento, a reportagem “Difícil arrancada”apresenta uma agenda elaborada pela Diretoria de Estudos Macroeconômicos do Ipea para que opaís retome o crescimento econômico.A fórmula não é simples nem fácil de aplicar,mas merece ser levada em consideração. Duas outras matérias trazem boas notícias.A reportagem “Setor em ebulição”mostra que o setor de serviços no Brasil,está sedesenvolvendo rápida e eficientemente, conseguindo absorver mão-de-obra, aomesmo tempo em que apresenta os mais altos índices de inovação. Por fim, a matériamais bonita desta edição fala sobre as flores. O mercado global de floricultura movimenta cerca de 8 bilhões de dólares por ano e a participação brasileira ainda émuito tímida, mas em todos os cantos do país surgem iniciativas para aumentar aprodução de plantas ornamentais para abastecer o Brasil e o exterior.Boa leitura e… feliz ano novo!

Andréa Wolffenbüttel, Jornalista Responsável

Cartas ou mensagens eletrônicas devem ser enviadas para: [email protected] de redação: SBS Quadra 01, Edifício BNDES, sala 801 - CEP 70076-900 - Brasília, DFVisite nosso endereço na internet: www.desafios.org.br

Carta ao leitor

Patrocínio

desafiosdo desenvolvimento

www.desafios.org.br

Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea)PRESIDENTE Luiz Henrique Proença Soares

Programa das Nações Unidas para oDesenvolvimento (Pnud)REPRESENTANTE INTERINO NO BRASIL Lucien Muñoz

DIRETOR-GERAL Luiz Henrique Proença Soares

ASSISTENTE Mary Cheng

CONSELHO EDITORIAL Andréa Wolffenbüttel,Alexandre Marinho, Bruno Araújo, Divonzir Gusso,Glauco Arbix, João Carlos Magalhães,Karla P. Correa, Leonardo Rangel, Lucien Muñoz,Luiz Fernando L. Resende, Luiz Henrique P. Soares,Mary Cheng, Murilo Lobo, Pérsio Davison, Renato Villela

RedaçãoSBS Quadra 01, Edifício BNDES, sala 801CEP 70076-900 - Brasília, DFTel.: (61) 315-5188 Fax: (61) 315-5031

JORNALISTA RESPONSÁVEL Andréa Wolffenbüttel

ColaboradoresTEXTO Ottoni Fernandes Jr., Lia Vasconcelos,Eliana Simonetti, Marina Nery, Manoel Schlindwein e Gustavo de Paula

FOTOGRAFIA Luciana Francesco e Ricardo Moraes

REVISÃO Ivana Gomes

ARTE E DIAGRAMAÇÃO Renata Buono DesignRenata Buono, Rafaela Ranzani e Júlia Freitas Elias

FOTO DA CAPA Brad Lewis/Getty Images

Circulação e PublicidadeRua Urussuí, 93, 13° andarCEP 04542-050 - São Paulo, SPTel./Fax: (11) 3073-0722

Administração Instituto UniempAv. Paulista, 2198, conjunto 161CEP 01310-300 - São Paulo, SPTel.: (11) 2178-0466 Fax: (11) 3283-3386

Assinaturas TeletargetTel.: (11) 3038-1479 Fax: (11) [email protected]

Atendimento ao Jornaleiro LM&XTel.: (11) 3865-4949

Impressão Prol Editora Gráfica

Distribuição Fernando Chinaglia Distribuidora S/A

Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada

Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão

Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento

Organização das Nações Unidas

OS ARTIGOS E REPORTAGENS ASSINADOS NÃO EXPRESSAM, NECESSARIAMENTE,

A OPINIÃO DO IPEA E D OPNUD.

É NECESSÁRIA A AUTORIZAÇÃO DOS EDITORES PARA A REPRODUÇÃO TOTAL OU PARCIAL

DO CONTEÚDO DA REVISTA.

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6 Desafios • dezembro de 2006

GIRO

Quinze anos depois da Eco-92,realizada no Rio deJaneiro, o cenário pintado em meados de novembrona 12ª Conferência sobre Mudanças Climáticas (COP12), que reuniu 165 ministros de Estado em Nairóbi,capital do Quênia, não é nada auspicioso. Entre 2000e 2004, segundo a Organização das Nações Unidas(ONU), houve aumento de 2,4% nas emissões de ga-ses poluentes em 41 países industrializados. O ar querespiramos hoje contém 380 partes por milhão (ppm)de dióxido de carbono. Quinze anos atrás essa con-centração era de 290 ppm.Os 90 ppm adicionais pro-vocaram,ainda,o aumento de quase um grau na tem-peratura média da Terra. Resultado: derretimento de

geleiras,elevação do nível do mar,desertificação e tor-mentas.Representantes do Banco Mundial chegarama propor que países desenvolvidos paguem, àquelescom florestas,para que as mantenham e desenvolvamatividades agropecuárias apenas em áreas já devasta-das.A idéia virou fumaça.Os países (168) que assinamo Protocolo de Kyoto, tratado internacional sobre re-dução de emissão de gases nocivos ao meio ambienteque expira em 2012, retomarão as negociações sobreo combate ao aquecimento global em 2008 – e dis-cutirão como enfrentar o problema entre 2013 e 2017.Mais informações em http://unfccc.int/meetings/cop_12/items/3754.php.

Natureza

Valor que não tem preço

O Instituto de Pesquisa Eco-nômica Aplicada (Ipea) elaborouum estudo com o objetivo de es-timar o valor econômico do usorecreativo de um parque. O esco-lhido foi o Parque Estadual de Itaú-nas, localizado no litoral do Es-pírito Santo. Tem 3,5 mil hectarese se estende por 25 quilômetrosde praias. Abriga diferentes ecos-sistemas,como manguezal,restin-gas e alagados, além de uma fau-

na que inclui espécies ameaçadasde extinção.Os pesquisadores che-garam às seguintes conclusões:“Ovalor econômico total da utili-dade recreativa do parque encon-tra-se em cerca de 116 milhões dereais por ano, sendo que o ingres-so anual em Itaúnas é de 26,4 mi-lhões de reais anuais. Os benefí-cios recreacionais agregados doParque Estadual de Itaúnas são deaproximadamente 32,8 milhões

de reais por ano. Destaca-se que oserviço recreativo do parque nãopossui preço no mercado, maspossui valor econômico. Entre-tanto, é necessário proteger o am-biente para a manutenção ou aampliação desses benefícios paraas presentes e as futuras gerações.A degradação dos recursos natu-rais e culturais pode comprome-ter a qualidade ambiental, causan-do uma perda de valor”.

Clima

Virou fumaça

Passados quase dez anos dogrande movimento de fusões eaquisições no setor bancário na-cional,qual foi o efeito em termosde desempenho das instituições?O Instituto de Pesquisa Econômi-ca Aplicada (Ipea) acaba de lançarum estudo em que avalia a efi-ciência dos seis maiores bancos devarejo: Bradesco, Itaú, Unibanco,HSBC, ABN Amro e Santander.Em todos houve considerável au-mento de eficiência,possivelmen-te em razão do aprimoramentogerencial e dos cortes nos custosadministrativos e de pessoal. Noque se refere à geração de lucro,osganhos não foram muito signi-ficativos, o que pode indicar quenem todos conseguiram obtermaior rendimento dos novosclientes.Isso não quer dizer que aperformance não tenha sido es-petacular: a manutenção de ele-vadas margens de intermediaçãofinanceira, proporcionadas pelosaltos spreads e taxas de juro, ga-rantiram a rentabilidade costu-meira.A escala, por sua vez, per-mitiu que os bancos aumentas-sem de tamanho sem perder ren-dimentos – provavelmente devi-do aos altos investimentos em tec-nologia.Uma constatação de real-ce no estudo: os três bancos na-cionais saíram-se melhor do queos estrangeiros tanto no que dizrespeito à intermediação quantoaos resultados.

Por Eliana Simonetti Pamela Ceron/UNCCD

Bancos

Maiores e melhores

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Desaf ios • dezembro de 2006 7

Saneamento

Água é arma poderosa

O Informe sobre Desenvolvi-mento Humano 2006, do Progra-ma das Nações Unidas para o De-senvolvimento (Pnud), é taxativo:“A água limpa e o saneamento es-tão entre as medidas preventivasmais poderosas para reduzir amortalidade infantil. Represen-tam para a diarréia o mesmo quea imunização para as doençasmortais”.A ONU desenvolveu dis-cussões sobre maneiras inovado-ras de resolver o problema, entreelas as parcerias público-privadas

(PPP). No Brasil, um relatório re-cente do Fundo das Nações Uni-das para a Infância (Unicef) in-forma que mais de 4 milhões decrianças do semi-árido não têmacesso sequer a água de poço ounascente. Como medida emer-gencial, o Unicef firmou um acor-do com a Secretaria Nacional deDefesa Civil (Sedec), do Minis-tério da Integração Nacional,paracapacitar lideranças e publicar in-formações sobre construção decisternas e captação de água.

Corrupção

Ralogigante

O Instituto Brasileiro de Plane-jamento Tributário (IBPT) deci-diu colocar mãos à obra paramensurar algo difícil de medir: ovolume de dinheiro desviadoanualmente dos cofres públicos.Para isso, os pesquisadores leramnotícias publicadas em grandesjornais durante quinze anos enove meses – desde 1990 até o fi-nal de setembro de 2006. Encon-traram relatos de 22.158 casos dedestinação incorreta de dinheiropúblico em todas as esferas degoverno, somando a estratosféri-ca cifra de 2,14 trilhões de reais(atualizados pelo Índice de Preçosao Consumidor Amplo, IPCA).O pior é que os estudiosos esti-mam que apenas 38% dos epi-sódios são divulgados pela im-prensa. Se estiverem corretos,quase um terço do total arreca-dado no país estaria sendo perdi-do.Criado em 1992,o IBPT é fru-to da Associação Brasileira de De-fesa do Contribuinte (ABDC) deCuritiba(PR).

Educação

Palavras mortas

Duas pesquisas divulgadasem novembro expõem uma rea-lidade alarmante. Uma foi rea-lizada pela Associação Latino-Americana de Pesquisas e AçõesSociais, ligada à Universidadedo Estado do Rio de Janeiro(UERJ), por encomenda doMinistério da Educação (MEC).As conclusões: as bibliotecas deescolas públicas do Ensino Fun-damental não estão associadasa projetos de formação de lei-tores, professores não têm in-timidade com os acervos e mui-tos livros ficam trancados emarmários.Ao final do encontro,o MEC, que distribui obras àsescolas, decidiu firmar um pac-to com os secretários munici-pais e estaduais de Educaçãopara incentivar a leitura entreestudantes e professores. A ou-tra investigação foi feita compaíses latino-americanos peloPrograma de Promoção das Re-formas Educacionais na Amé-rica Latina e Caribe (Preal). Sóhouve bom desempenho noquesito aumento de matrículas.“As políticas não estão funcio-nando”, disse Jeffrey Puryear,co-diretor do Preal, num con-gresso realizado em Bogotá, naColômbia. No Brasil, a secre-tária-geral da Sociedade Bra-sileira para o Progresso daCiência (SBPC), Lisbeth Kai-serlian Cordani, afirma que umdos grandes desafios dos edu-cadores é aproximar o conhe-cimento científico do cotidianodos alunos. Segundo ela, a mis-são dos professores é despertaro interesse dos jovens pela ciên-cia, o que pode, inclusive, trazerdividendos para o país.“A ciên-cia gera criatividade, inovação ecrescimento.”

Turismo

Competitividade com sustentabilidade

Cerca de 5 mil pessoas de 43países participaram do Destina-tions2006, 3° Encontro Anual doFórum Mundial de Turismo paraPaz e Desenvolvimento Sustentá-vel, realizado em Porto Alegre.Aliforam apresentados aproximada-mente 120 casos de turismo quepreserva a biodiversidade,promo-ve desenvolvimento socioeconô-mico e valoriza a diversidade cul-

tural em diferentes regiões do pla-neta. Segundo Sergio Foguel, pre-sidente da Fundação Turismo pa-ra Paz e Desenvolvimento Susten-tável, o sucesso dos encontrosmostra que não é mais possívelseparar competitividade de sus-tentabilidade,e que o turismo po-de ser sinônimo de preservação,não de destruição. Informaçõesem www.desti-nations.net.

Rachid Waquet Neto/Embratur

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8 Desafios • dezembro de 2006

ENTREVISTA Os governos prec isam saber como a pobreza muda no decorrer

Ricardo B. Labastier

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Desafios – Como foi a experiência do senhor à

frente do Centro Internacional de Pobreza?

Kakwani – Foi uma experiência muitointeressante. Eu fui indicado para virao Brasil para começar a montar esseCentro do zero. Quando cheguei, emjaneiro de 2004, não havia nada. Era aprimeira vez que vinha a Brasília e aprimeira coisa que fiz foi ir ao escritó-rio do Programa das Nações Unidaspara o Desenvolvimento (Pnud). Elesme orientaram a procurar o entãopresidente do Instituto de PesquisaEconômica Aplicada (Ipea), GlaucoArbix. Fui ao Ipea e o Glauco foimuito hospitaleiro. Gostei muito deconhecê-lo. Ele me ofereceu um es-critório ao lado do dele e comecei atrabalhar. Lentamente construímos osescritórios do Centro. Tenho muitoorgulho deles e do que estou deixan-do. O Centro está em ótima forma. Oimportante é que era um Centro com-pletamente novo e a primeira coisa

que fiz foi desenvolver um plano detrabalho, quais seriam os objetivos, oque iríamos fazer.

Desafios – E esse é um Centro Internacional

que estuda pobreza no mundo inteiro, certo?

Kakwani – Sim. Ele não tinha nem no-me quando cheguei, foi por isso que obatizei de Centro Internacional.

Desafios – O Pnud tem outros centros como

esse espalhados pelo mundo?

Kakwani – O Pnud mantém três cen-tros temáticos. Um em Nairóbi, noQuênia, que trabalha com questõesdo meio ambiente, como desertifica-ção. O segundo fica em Oslo, na No-ruega, que trata de temas ligados à go-vernança. E o do Brasil é o terceiro, cu-jo tema é a pobreza. Na minha opi-nião, esse Centro terá um importantepapel a desempenhar porque lida commuitos aspectos da pobreza, não ape-nas com os tradicionais.

Desafios – Que tipo de trabalho é desenvolvi-

do no Centro?

Kakwani – Nós identificamos algumasáreas fundamentais. Uma delas é amensuração e o monitoramento da po-breza. Geralmente, os governos que-rem saber como a pobreza muda nodecorrer do tempo porque eles que-rem monitorar isso para reorientar aspolíticas se necessário. Portanto, é im-portante acompanhar essa transfor-mação e também descobrir como apobreza está distribuída na população.Quem são os pobres? Onde eles estão?O que fazem? Quanto sofrem? Essasinformações são muito úteis paraentender a extensão e a natureza da po-breza. Eu coloquei muita ênfase nessaárea porque não há muitos dados eindicadores nesse segmento. E tínha-mos de ser internacionais. Então, a pri-meira coisa que fiz foi contratar umgerente de dados para coordenar a in-formação vinda de todas as partes domundo. Hoje, nós temos aqui uma ba-se de dados muito boa e podemos fa-zer muitas análises internamente semprecisar ir até os países estudados pararealizar pesquisas in loco. Isso aumen-tou muito nosso potencial de produ-ção, já que basta ter a metodologia eaplicar de forma direta sobre os dadosdisponíveis.Nós começamos aqui mui-tas pesquisas importantes, sobretudoaquelas ligadas ao que é conhecido co-mo crescimento pró-pobre.

Nanak KakwaniEm defesa dos pobresP o r L i a V a s c o n c e l o s , d e B r a s í l i a

economista indiano Nanak Kakwani desenvolveu uma novametodologia para medir a pobreza, usando como parâme-tro não apenas a renda, mas também outras necessidades

de consumo. Após três anos no Brasil, durante os quais criou oCentro Internacional de Pobreza, ele está voltando para a Austrá-lia e conta, nesta entrevista, como foi sua experiência e como vê ocrescimento do país

d o t empo p a r a q u e p o s s am o r i e n t a r s u a s p o l í t i c a s

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10 Desafios • dezembro de 2006

Desafios – Qual é o signif icado de crescimen-

to pró-pobre? Que países alcançaram esse tipo

de crescimento?

Kakwani – Um processo de cresci-mento é pró-pobre se os pobres pude-rem desfrutar, proporcionalmente, demais benefícios desse crescimento doque os não-pobres. Se o crescimento épró-pobre, a mesma taxa de cresci-mento resultará numa redução aindamaior da pobreza. O crescimento pró-pobre não só diminui a pobreza, mastambém a desigualdade. Se quisermosalcançar uma rápida queda da pobre-za, deveremos buscar o crescimentopró-pobre. Nos últimos dois anos, ocrescimento no Brasil se tornou alta-mente pró-pobre, o que levou a umasignificativa redução da pobreza, ape-sar de a taxa de crescimento no país tersido baixa. O crescimento tem sido emgeral pró-pobre também na Coréia doSul, onde os benefícios proporcionaisdesfrutados pelos pobres têm ficadopelo menos no mesmo nível daquelesdesfrutados pelos não-pobres.

Desafios – O senhor poderia analisar em

detalhes a experiência brasileira? Esse cresci-

mento pró-pobre é um processo sustentável no

Brasil?

Kakwani – O Brasil é reconhecida-mente um dos países cuja renda é maisdesigual no mundo.Se a economia bra-sileira crescer sem mudança no padrãode desigualdade, a proporção dos quesão extremamente pobres – pessoasque recebem menos de 121 reais pormês – diminuirá. Isso significa quemilhões de brasileiros conseguirãocruzar a linha da pobreza se o país pu-der manter um crescimento sustentá-vel, o que não foi visto desde o MilagreEconômico. Mas o milagre social real-mente aconteceria se todo o cresci-mento viesse acompanhado de redu-ção na desigualdade.

Desafios – O senhor acha isso possível?

Kakwani – Claro! Se nos próximosquatro anos a desigualdade brasileiracontinuar a encolher no ritmo em quevem diminuindo desde 2001, a pro-

porção de pessoas extremamente po-bres pode cair 34%. No Brasil, a taxa decrescimento real do salário per capitaficou praticamente estagnada entre1995 e 2002. Entretanto, a performan-ce inexpressiva do crescimento melho-rou nos dois últimos anos, quando osalário per capita aumentou numa taxaanual de 3,55% e 5,58% durante osanos 2003/2004 e 2004/2005, respecti-vamente. Se olharmos o período comoum todo entre 1995 e 2005,descobrire-mos que o crescimento no Brasil, quetem sido lento e preguiçoso, beneficiouos pobres proporcionalmente mais doos não-pobres.

Desafios – O que ajudou a dar essa virada no

modelo de crescimento?

Kakwani – Os programas de transfe-rência de renda do governo tiveram umimpacto significativo nos resultadospró-pobres. No governo Lula, os pro-gramas de bem-estar social, como oBolsa Família, foram expandidos e, aomesmo tempo, acertaram seu focoatingindo quem realmente precisava. Éclaro que não é possível depender in-teiramente da expansão dos programasgovernamentais para atingir o cresci-mento pró-pobre. Precisamos prestaratenção cada vez mais nas reformas domercado de trabalho. Programas desaúde e educação também têm papelfundamental no longo prazo. É im-portante ainda criar portas de saída deprogramas como o Bolsa Família. Issosignifica desafiar os beneficiários dessesprogramas com condicionalidades ca-da vez mais avançadas. Um exemploseria avaliar a melhoria da qualidade daeducação em cada escola pública usan-do o Prova Brasil. Claro que isso impli-ca custos administrativos. Portanto, éimportante ter um equilíbrio. É precisopesquisar constantemente no sentidode melhorar os programas de transfe-rência de renda para atingirmos a má-xima redução da pobreza consideran-do as limitações de recursos.

Desafios – Como tem sido a experiência do

Sudeste Asiático de maneira geral?

O indiano Nanak Kakwani não consegue escon-der o orgulho de ter participado da construçãodo Centro Internacional de Pobreza do Progra-ma das Nações Unidas para o Desenvolvimento(Pnud). Pergunta, de maneira humilde e comum enorme sorriso estampado no rosto:“O es-critório é bonito, não é?”O economista de re-nome mundial, que chegou ao Brasil em ja-neiro de 2004, tem no currículo mais de oiten-ta artigos publicados em revistas internacio-nais, sendo nove na Econometrica, uma das pu-blicações mais importantes da área, além deter dois livros editados pelas universidades deCambridge e Oxford, na Inglaterra. Com senti-mento de missão cumprida, Kakwani tambémnão consegue disfarçar a satisfação por voltarpara sua casa na Austrália, onde o esperam suamulher e filha.

Doutor pela Universidade de Délhi, naÍndia, Kakwani foi professor de estatística naUniversidade New South Wales, em Sydney, naAustrália.Deu aulas também nas universidadesde Birmingham (Inglaterra), Punjabi e Kuruk-shetra (Índia).Seus trabalhos são voltados parateorias econômicas, desigualdade e pobreza,bem-estar social e desenvolvimento econômi-co. Mas talvez uma de suas maiores contri-buições tenha sido o novo método de mediçãoda pobreza que procura identificar se as pes-soas conseguem se alimentar adequadamentebaseado numa cesta de bens e serviços defini-da para cada nação.

Para Kakwani,o acesso à nutrição adequa-da é um bom indicador de qualidade de vida, jáque reflete aspectos como saúde, moradia eeducação.No estudo Novas Medidas da PobrezaGlobal, Kakwani e o economista Hyun Son, tam-bém do Centro, selecionaram dezenove paísesde baixa renda e calcularam quanto a fatia maispobre da população gasta,em média,para com-prar o equivalente a 1.000 calorias.Multiplica-do pela quantidade mínima de calorias neces-sárias, esse valor corresponde à renda mínimanecessária para que as pessoas tenham con-dições de se alimentar. Se para o Banco Mun-dial existiam no mundo,em 2001,1,1 bilhão depessoas vivendo abaixo da linha da pobreza,Kakwani e Son estimaram,para o mesmo perío-do, uma taxa 24% superior: 1,4 bilhão.

O escritório é bonito, não é?

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Desaf ios • dezembro de 2006 11

Ricardo B. Labastier

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ção da economia pode ajudar a me-lhorar a taxa de crescimento, mas meparece que os pobres, em geral, rece-bem menos benefícios proporcional-mente. Uma lição importante para aÍndia é que o país deveria prestar ain-da mais atenção na promoção de po-líticas pró-pobres do que costumavafazer na época da liberalização. De ma-neira geral, os países do Sudeste Asiá-tico, a China e a Índia foram bem-sucedidos em alcançar altas taxas decrescimento e um elemento em co-mum entre eles são suas altas taxas depoupança e investimentos. Esses paí-ses foram bastante beneficiados poruma alta taxa de investimento diretoestrangeiro porque eles conseguiramcriar um ambiente econômico, sociale político atrativo.

12 Desafios • dezembro de 2006

Desafios – Qual é a relação que se pode esta-

belecer entre políticas pró-pobre, programas so-

ciais e mercado de trabalho?

Kakwani – Existe uma forte ligaçãoentre crescimento pró-pobre, progra-mas sociais e mercado de trabalho.Como já falei, os programas sociais dogoverno brasileiro tiveram um grandeimpacto para alcançar o crescimentopró-pobre no país. O mercado de tra-balho acabou se transformando tam-bém em pró-pobre.A rápida expansãoda educação ajudou proporcional-mente mais as pessoas pobres do queas não-pobres. A taxa de retorno naeducação também beneficiou mais ospobres, e esse fator foi a principal ra-zão para a queda da desigualdade noBrasil nos últimos anos. Essa situaçãoocorreu porque o mercado de traba-

Kakwani – A China tem crescidomuito rapidamente durante as três úl-timas décadas. O crescimento chinês,entretanto, não foi generalizado. Foiconcentrado em algumas áreas. Por-tanto, esse crescimento não foi pró-pobre. Existe, lá, muita preocupaçãodo governo em relação à crescente de-sigualdade. Já na Índia, até o fim dadécada de 1980, o crescimento não foiem geral antipobre, mas o país nãoconseguiu alcançar uma rápida redu-ção na pobreza por causa da lenta taxade crescimento. A Índia começou amelhorar sua performance de cresci-mento nos anos 1990. O problema éque, aparentemente, a partir daí, opadrão de crescimento indiano se tor-nou antipobre, o que resultou numadesigualdade ascendente.A liberaliza-

Ricardo B. Labastier

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Desaf ios • dezembro de 2006 13

lho demandou pouca mão-de-obra.Quando a demanda cresce, as taxasrelativas de retorno da educação au-mentam para os não-pobres. Assim, édifícil prever se o mercado de trabalhovai continuar a ser pró-pobre comotem sido recentemente.

Desafios – Nesse processo de redução da

desigualdade, os Objetivos do Milênio são im-

portantes?

Kakwani – Os Objetivos do Milêniotêm um papel importante porque seufoco está nas múltiplas dimensões dapobreza. Qualquer melhora nos indi-cadores propostos pelos Objetivos sig-nifica conseqüentemente uma melhorareal também no bem-estar das pessoas.

Desafios – O senhor desenvolveu uma meto-

dolog ia para medir a pobreza considerando

diferentes parâmetros. Como funciona essa

metodolog ia?

Kakwani – Há muitas questões envol-vidas na pobreza. Uma delas é a men-suração e o monitoramento. Precisa-mos ter uma linha de pobreza paraidentificar quem são os pobres. Essamensuração é uma tarefa complexaporque tem de levar em conta muitosfatores que influenciam no bem-estardas pessoas. Em primeiro lugar, todasas pessoas têm necessidades diferen-tes, necessidades que devem entrarnesses cálculos. Pessoas de idades egêneros distintos precisam consumirdiferentes quantidades de energia pa-ra se manter adequadamente nutridas.Pessoas mais velhas precisam gastarmais com a saúde, enquanto as crian-ças precisam de mais dinheiro para aeducação. Desenvolvemos uma me-todologia para delimitar as linhas depobreza levando em conta essas ne-cessidades especiais. Também desen-volvemos uma metodologia para cal-cular a pobreza global. Estimamos queexistam no mundo 1,4 bilhão de pes-soas vivendo na mais absoluta pobre-za. Estimativas do Banco Mundialdão conta de que esse número seja de1,1 bilhão de pessoas. O Banco Mun-dial chegou a essa estimativa baseado

numa linha de pobreza ad hoc (paraesse fim) definida pela sobrevivênciacom 1 dólar por dia. Nossa metodo-logia é superior e está baseada nasnecessidades nutricionais que umapessoa tem.

Desafios – Quais são as implicações dessa

nova metodologia?

Kakwani – O principal fator para umaboa metodologia de mensuração dapobreza é que ela seja capaz de identi-ficar aqueles que são genuinamentepobres. Nossa metodologia usa a teo-ria do consumidor para garantir quetemos capacidade de comparar deforma correta e segura o padrão de vi-da das pessoas e, assim, identificar aspessoas realmente pobres.

Desafios – Falando em consumidor, qual é o

impacto dos preços no bem-estar das pessoas?

Kakwani – Os preços desempenhampapel fundamental na determinaçãodo padrão de vida das pessoas. Comoos pobres e os não-pobres têm pa-drões de consumo diversos, os preçosde diferentes mercadorias afetam o pa-drão de vida dos pobres de maneira

distinta do que afeta o dos não-po-bres. Descobrimos que o impacto dasmudanças de preço no Brasil desfa-voreceu os pobres no período de 1995a 2003. Entretanto, nos últimos doisanos, as mudanças nos preços ficarammais favoráveis aos pobres. Isso sig-nifica que a recente queda na desigual-dade no Brasil trouxe melhora real nopadrão de vida das pessoas pobres.

Desafios – E por que o senhor está indo em-

bora justamente agora?

Kakwani – Completei quase três anosaqui. A princípio, deveria ter ficado sódois anos. Eu fui, durante trinta anos,professor da Universidade New SouthWales, em Sydney, na Austrália. Decidienfrentar o desafio de vir para cá paramontar esse Centro,agora posso voltar.

Desafios – O senhor está voltando para a

Austrália? Quais são seus planos?

Kakwani – Essa é uma boa pergunta.Sei que vou voltar para a Austrália,mas ainda não sei exatamente quaissão meus planos. Tenho levado sempreuma vida muito agitada e é engraçado,de repente, descubro que não tenhomais aquela montanha de compromis-sos. Passei quase três anos mergulhadono Centro, trabalhando aqui com po-breza, com crescimento pró-pobre,com elaboração de políticas pró-po-bre, que são áreas muito importantes.Acho que no próximo ano estarei con-centrado em escrever um livro sobreesse assunto e manterei minha ligaçãocom a universidade. Vou continuartrabalhando lá para escrever esse livro.

Desafios – Como o senhor vê o mundo daqui a

cinqüenta anos? O senhor é otimista?

Kakwani – É uma pergunta difícil deresponder porque é especulativa. Souotimista em relação aos países asiá-ticos, mas muito pessimista em rela-ção à África. O bem-estar na Áfricatem piorado rapidamente e a situa-ção lá é realmente muito séria. A co-munidade internacional deve agir deforma urgente para tentar lidar comessa situação.

“Os governos querem

saber como a pobreza

muda no decorrer do tempo.

Portanto, é importante

acompanhar essa

transformação e também

descobrir como a pobreza

está distribuída na

população. Quem são os

pobres? Onde eles estão?

O que fazem?

Quanto sofrem?”

d

entrevista_29 05/12/06 10:52 Page 13

Page 12: do desenvolvimento

Ipea propõe polêmica agenda de mudanças que permitiriam

aumentar os investimentos e acelerar o crescimento econômico

para atingir expansão sustentada do PIB da ordem de 5% anuais

ECONOMIA

permitirá expandir o PIB no ritmo de 4%anuais entre 2007 e 2011.E,se o restante dalição de casa for feita, será possível crescerno ritmo de 5% anuais,de maneira susten-tada, a partir de 2018. O estudo do Ipea“Uma agenda para o crescimento econô-mico e a redução da pobreza”mostra que aChina foi capaz de crescer 8,9% por anoentre 1996 e 2005 graças a uma taxa de in-vestimento (poupança) de 35,3% do PIBno período de 1995 a 2005 (veja tabela na

pág. 18) e que o Brasil precisará investir cer-ca de 26% do PIB para chegar a uma ex-pansão de 5% anuais.

A bula do elixir exige que o governodiminua suas despesas correntes para con-seguir ampliar a capacidade de investir, es-pecialmente em infra-estrutura, pois nãoé mais possível aumentar a carga de impos-tos cobrados, que chega a 38% do PIB nostrês níveis de governo republicano. O de-sempenho das contas públicas melhorousubstancialmente nos últimos anos, emparte devido ao aumento dos impostos.Mas a contrapartida foi tirar o oxigêniopara que os empresários do setor privadoampliassem seus investimentos. A conse-qüência é que a economia funcionou emmarcha lenta.A recuperação do crescimen-to está assentada em quatro pilares princi-pais, segundo o estudo do Ipea: reduzir o

ão basta vontade política para quea economia brasileira turbine ataxa de expansão do Produto In-terno Bruto (PIB). O presidente

Luiz Inácio Lula da Silva conclama seus mi-nistros a apresentar um conjunto de mu-danças que permitam um crescimentoanual de, pelos menos, 5% ao ano, já em2007, para reverter os resultados bisonhosdos últimos anos: a taxa anual média deexpansão do PIB deverá ficar em 2,7% nosquatro anos do primeiro mandato do atualgoverno caso o crescimento seja de 3% em2006.É um resultado um pouco melhor doque os 2,1% de crescimento médio do PIBno segundo período de governo de Fer-nando Henrique Cardoso (de 1999 a2002), mas está longe dos sonhados 5%anuais. Não será fácil, no entanto, prepararo elixir do crescimento para garantir ameta já em 2007.

Um trabalho elaborado pela Diretoriade Estudos Macroeconômicos (Dimac) doInstituto de Pesquisa Econômica Aplicada(Ipea) em novembro prevê que o cresci-mento em 2007 deverá ficar em 3,5%,com-patível com uma taxa de investimento (di-nheiro aplicado para aumentar a capaci-dade produtiva) da ordem de 20% do PIB.O aperfeiçoamento do ajuste das contaspúblicas, com cortes dos gastos correntes,

arrancada

Difí

cil

P o r O t t o n i F e r n a n d e s J r . , d e S ã o P a u l o

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16 Desafios • dezembro de 2006

O gasto com aposentadorias e pensões passou de 2,5% do PIB, quando foi promulgada

polêmicas, como a reforma da legislaçãotrabalhista, com a extinção da multa de50% nos casos de demissão sem justa cau-sa. O cenário montado pelo Ipea mexe nu-ma casa de marimbondos ao propor o fimdo ensino gratuito nas universidades pú-blicas, substituído por um subsídio que se-ria garantido aos estudantes universitárioscarentes para que se matriculassem em es-colas superiores públicas ou privadas. Ou-tra condição para garantir taxas de expan-são da economia na faixa de 5% anuais édesatrelar os benefícios pagos pelo Institu-to Nacional da Seguridade Social (INSS)do valor do salário mínimo.

Explosão “Sem mexer no sistema de Pre-vidência Social não será possível conter osgastos correntes do governo federal, querepresentam 42% do total, e liberar recur-

sos para investir em obras de infra-estru-tura ou em programas sociais para redu-ção da pobreza”, afirma Paulo Levy, dire-tor da Dimac do Ipea.“O aumento das des-pesas com o INSS é o problema fiscal maisimportante do país”, sustenta o texto doIpea, pois o gasto com aposentadorias,pensões e auxílios passou de 2,5% do PIB,quando foi promulgada a ConstituiçãoFederal de 1988, para 6,5% do PIB no finalde 2002 e aproxima-se de 8% do PIB. Odocumento alinha as causas para essa ex-plosão dos gastos previdenciários: baixaexpansão da economia nos últimos dozeanos, com efeito na arrecadação do INSS;legislação que permite aposentadorias pre-coces; crescimento dos auxílios-doença apartir de 2001, devido a problemas geren-ciais que impedem a realização de períciasmédicas acuradas; e política de aumentos

valor da dívida pública em relação ao PIB;reduzir a taxa de juro (Selic) que incide so-bre a dívida pública; retomar o investi-mento público em infra-estrutura; e di-minuir a carga tributária. No cenário de-senhado pelo Ipea, a taxa de investimento(poupança) do setor público brasileirochegaria a 5,2% do PIB em 2018 (veja ta-

bela na pág. 18).O cenário proposto pelo texto mostra

um pote de ouro no final do período deajustes graduais, com uma redução da dí-vida pública de 50% do PIB em 2006 para20,8% em 2018; e da taxa de juro nominalsobre a dívida pública (Selic) dos atuais13,25% para 7,6% em 2018. Tal resultado,porém, só será possível com mudançasprofundas no sistema de Previdência So-cial, por meio de uma reforma constitucio-nal. O estudo também propõe alterações

Principais premissas da agenda macroeconômica

• Definição de um teto para o crescimentoreal das despesas com pessoal de cadaum dos três poderes.

• Mudar a Emenda Constitucional da Saúde,mantendo um crescimento real das despe-sas, mas abaixo da variação do PIB.

• Preservar a meta de superávit primáriode 4,25% do PIB em 2007/2009, comqueda gradual para chegar a 2,1% doPIB em 2018.

• Redução da taxa real de juro (Selic) de8,5% em 2007 para 4,5% em 2018.

• Crescimento real das despesas com pes-soal do governo federal nulo entre 2008 e2010, de 2% anuais entre 2011 e 2014 ede 3% anuais entre 2015 e 2018.

• Aumento real das despesas previdenciáriasde 4% anuais entre 2008 e 2010 e de 3%anuais entre 2011 (desde que feita uma re-forma no sistema) e 2018.

macroeconomia 05/12/06 10:54 Page 16

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Desaf ios • dezembro de 2006 17

reais do salário mínimo, que beneficia doisem cada três aposentados. Dos 24,4 mi-lhões de beneficiários do INSS existentesem outubro deste ano,67,2% recebiam umsalário mínimo e 2,2% menos do que umsalário mínimo. A Constituição de 1988define o salário mínimo como piso dos be-nefícios da Previdência Social.

“Nossa proposta é desvincular o saláriomínimo dos benefícios da Previdência So-cial e criar em lei um fator de reajuste quegaranta que sejam corrigidos de acordocom a inflação, sem que tenham aumentosreais, pois o Brasil é um dos únicos paísesdo mundo que garantem tais vantagens aosaposentados”, propõe Fábio Giambiagi,pesquisador do Ipea.Assim, ele prossegue,será possível evitar armadilhas como aproposta feita pelos partidos de oposiçãoao governo federal de contemplar com um

aumento de 16% todos os benefícios doINSS, o mesmo índice que valeu para osalário mínimo. O problema fiscal geradopelo sistema de previdência pública tendea se agravar, alerta o texto do Ipea, pois apopulação com idade superior a 60 anos,que em 2005 representava 8,9% do total,chegará a 17,1% em 2030. O estudo tam-bém sugere a adoção de idade mínima paraaposentadoria,de 55 anos para as mulherese 60 anos para os homens.

Não será fácil aprovar essas reformas noCongresso,pois elas afetam quem ainda nãose aposentou e os 17 milhões de benefi-ciários do INSS que recebem um ou menosde um salário mínimo. Como se trata dematéria constitucional, as reformas têm deser aprovadas com 60% dos votos em duplavotação,no Senado e na Câmara Federal.Aproposta desperta polêmica,pois o aumen-

to real dos benefícios previdenciários acabafuncionando como um mecanismo detransferência de renda e de redução da po-breza, como defendem pesquisadores daDiretoria de Estudos Sociais do próprioIpea.No entanto,no texto de discussão assi-nado pela Diretoria de Estudos Macroe-conômicos do Ipea, uma avaliação dospesquisadores Ricardo Paes de Barros eMirela de Carvalho defende que “o saláriomínimo é um instrumento pouco efetivono combate à pobreza e à desigualdade,emparticular no combate à extrema pobreza”.Concluem que o Bolsa Família é 2,5 vezesmais efetivo que o salário mínimo para re-duzir a pobreza e quase sete vezes mais efi-ciente para diminuir a extrema pobreza. Orestrito alcance do salário mínimo decorredo fato de que apenas 15% das famílias po-bres têm pelo menos um empregado com

a Const i tu ição de 1988, para 6,5% no f ina l de 2002 e aprox ima-se de 8% do PIB

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ação

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18 Desafios • dezembro de 2006

Dos estudantes un i vers i tár ios bras i le iros, 95% v i vem em famí l ias per tencentes aos

excluídos dos planos de saúde privadosdevido às elevadas mensalidades.

A agenda de crescimento econômicodo Ipea também contempla reformas noensino superior brasileiro, com base naconstatação de que 75% dos jovens queterminam o ensino médio não ingressamna universidade.A rede universitária públi-ca e privada oferece cerca de 1,6 milhão devagas anualmente, um pouco inferior aos1,8 milhão de jovens que terminam o en-sino médio, mas o problema é o déficitacumulado de 12 milhões de jovens de até29 anos que concluíram o ensino médio epararam de estudar. A falta de renda parapagar uma instituição privada ou de pre-paração para ingressar numa universidadepública gratuita impedem que a maioriadesses jovens prossiga estudando.“O atualmodelo”, diz Levy, do Ipea,“concede sub-

sídios educacionais à classe média alta,poissão os jovens dessa origem que têm acessoao ensino universitário gratuito, e o quepropomos é que os recursos que o Estadodireciona ao setor deixem de ser canaliza-dos por meio das universidades públicas epassem a ser destinados diretamente aos es-tudantes carentes.” Segundo a proposta, asuniversidades públicas passariam a cobrarpelos seus serviços e os estudantes commenor renda receberiam um subsídio men-sal da ordem de 400 reais para pagar a fa-culdade. De acordo com o texto, o acessogratuito e subsidiado dos estudantes maisricos às universidades públicas contribuipara reproduzir a elevada desigualdade so-cial.“De fato, 95% dos estudantes univer-sitários brasileiros vivem em famílias per-tencentes aos 10% mais ricos do país,famí-lias estas que se apropriam de metade darenda nacional”, indica o estudo do Ipea.

Trabalho O estoque de propostas polêmi-cas não pára por aí. O pesquisador do IpeaLauro Ramos é responsável pela propostade rever direitos individuais previstos naConsolidação das Leis Trabalhistas (CLT),como garantia de pisos salariais, férias re-muneradas e 13º salário,“que, além de ele-varem o custo do fator trabalho, limitamsobremaneira a flexibilidade das relaçõestrabalhistas”.O estudo também sugere queo acesso ao Fundo de Garantia do Tempode Serviço (FGTS) deixe de ser automáti-co quando o trabalhador for dispensado,conferindo a esse instrumento um carátermais previdenciário.Além disso, também

remuneração próxima ao mínimo e apenas6% têm um idoso que recebe benefício vin-culado ao salário mínimo.

No entanto, Anna Peliano, diretora deEstudos Sociais do Ipea, pondera que osprogramas de transferência de renda, co-mo o Bolsa Família, não estão garantidospor lei e pode acontecer de o governo, nummomento de crise, decidir diminuir essesbenefícios. O texto de Barros e Carvalhoincluído na agenda do Dimac também pro-põe a necessidade de aperfeiçoar os pro-gramas de transferência de renda para ace-lerar o processo de redução da pobreza pormeio da ação de agentes de desenvolvi-mento familiar, que dariam assistência àsfamílias pobres, ensinando-as a ter acessoa serviços públicos, como educação, saúdee capacitação profissional. Seria necessáriocriar um novo quadro de pessoal ou apro-veitar as 26 mil equipes que atuam no Pro-grama de Saúde da Família (PSF) – umaação federal, em convênio com as pre-feituras – e que cobrem cerca de 5 mil mu-nicípios e 84 milhões de pessoas (44,9% dapopulação). No entanto, 60% do pessoaldo PSF não tem vínculo formal com asprefeituras e também faltam médicos quali-ficados nas equipes. Por essa razão, espe-cialistas consideram prematuro ampliar aatuação desse pessoal.

Saúde O documento do Ipea também pro-põe alterações no sistema público de saúdepara elevar a produtividade geral da pres-tação de serviços no âmbito do SistemaÚnico de Saúde (SUS), facilitar a inclusãode trabalhadores informais e reduzir otempo de espera para atendimento. Umdas sugestões é a criação de um fundo decomplementação salarial, semelhante aoexistente no ensino público básico e fun-damental, que estimule a melhoria da qua-lidade e a eficiência do atendimento noSUS. Outra proposta é que o governo fo-mente a criação de planos de saúde coleti-va por entidades de classe, associações, fe-derações ou associações de moradores,como forma de atender trabalhadores in-formais ou autônomos, hoje praticamente

Taxa

Variação Investimento**

PIB* (em % do PIB)

Brasil 2,2% 19,5%

Chile 4,2% 23,2%

China 8,9% 35,3%

Coréia do Sul 4,4% 32,0%

Índia 5,6% 22,7%

Mundo 3,9%

Investimento é o

caminho para crescer

* Média anual entre 1996 e 2005 ** Média anual entre 1995 e 2004Fontes: FMI e Banco Mundial

(Em % do PIB) 2006 2007 2010 2014 2018

Poupança privada 23,6 23,1 22,0 20,8 20,0

Poupança pública -2,0 -0,9 1,3 3,7 5,2

Poupança externa -1,0 -0,5 1,0 1,0 1,0

Poupança total 20,6 21,7 24,3 25,5 26,2

Investimento público tem de aumentarPoupança = taxa de investimento

Fonte: Dimac/Ipea

macroeconomia 05/12/06 17:03 Page 18

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Desaf ios • dezembro de 2006 19

deveria ser eliminada a multa de 50% dosaldo, a ser paga pelo empregador em casode demissão. Numa etapa posterior, seriainstituído um novo sistema em que as sal-vaguardas dos trabalhadores resultariamde negociações coletivas, com “prevalênciado negociado sobre o legislado”. Segundoo texto de Ramos,as mudanças na CLT sãonecessárias porque a rigidez da atual legis-lação fez com que a taxa de desempregoaumentasse de 7% em 1992 para 10% em2004, enquanto o número de trabalha-dores informais, sem registro em carteira esem acesso aos direitos trabalhistas, chegaa ser superior a 50% do total. Embora asentidades empresariais coloquem a refor-ma das leis trabalhistas e da previdênciaprivada no rol de prioridades,são limitadasas chances de que tais propostas venham aser discutidas no segundo mandato dopresidente Luiz Inácio Lula da Silva, poissão rejeitadas pela maioria dos partidos

que poderão compor a base de apoio go-vernamental.

Têm mais chance de entrar na agendade prioridades do governo Lula outras su-gestões contidas na agenda da Dimac, co-mo a aprovação da lei que define as res-ponsabilidades das agências que regulama prestação de serviços públicos e seu rela-cionamento com o Executivo. Fazem parteda agenda microeconômica divulgada pe-lo Ministério da Fazenda no final de 2004e que também incluem reformas no sis-tema judiciário. No entanto, ArmandoCastelar, pesquisador do Ipea, é um poucomais pessimista, pois lembra que a súmu-la vinculante levou dois anos para seraprovada pelo Congresso e só no últimodia do mês passado foi aprovado parasanção presidencial. Será uma forma dedar agilidade à tramitação de processos naJustiça porque decisões sobre questõesconstitucionais adotadas por oito dos

onze membros do Supremo Tribunal Fe-deral (STF) devem ser seguidas pelos de-mais órgãos do Poder Judiciário e pela ad-ministração pública, direta e indireta, nasesferas federal, estadual e municipal. ParaCastelar, o Judiciário avança cada vez maisno campo de atuação do Executivo, comoaconteceu quando o Conselho de Defesada Concorrência (Cade), órgão vincula-do ao Ministério da Justiça, não aprovoua compra da fábrica de chocolates Garotopela multinacional Nestlé e a decisão foirevertida pelos tribunais. Enfim, a agendado Ipea insiste que não basta atuar nocampo macroeconômico para assegurartaxas mais altas de crescimento do PIB,“pois o aumento da taxa de investimentodepende de reformas institucionais queampliem o horizonte e a previsibilidadedas decisões, aumentando a eficiênciaeconômica e acelerando o crescimento daprodutividade”, alerta o texto.

10% mais r icos do pa ís, que são detentoras de metade da renda nac iona l

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POLÍTICAS PÚBLICAS P o r M a n o e l S c h l i n d w e i n , d e S ã o P a u l o

Rodando no escuro

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acidentes 05/12/06 10:58 Page 20

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Pesquisa do Ipea calcula custos gerados pelos acidentes nas estradas e chega ao astronômico valor

de 22 bilhões de reais por ano, ou cerca de 1,2% do Produto Interno Bruto. Levantamento considerou

desde os danos materiais até os gastos com atendimento e os prejuízos por interrupção do trabalho

acidentes 05/12/06 10:59 Page 21

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22 Desafios • dezembro de 2006

A equipe de especial istas constatou que as rodovias nacionais contabi l izam, em média,

aos veículos, às vias públicas e às institui-ções.Os primeiros dizem respeito aos valo-res de remoção da vítima do local do aci-dente, aos cuidados com a saúde e aos gas-tos previdenciários. Também foi calculadoo custo com a perda de produção, resul-tante da interrupção temporária ou perma-nente das atividades profissionais das víti-mas. O segundo grupo contabiliza as des-pesas com danos materiais dos veículos, aperda de carga e a remoção dos automóveisdo local do acidente. Já o terceiro compo-nente está ligado à reposição e à recupera-ção do mobiliário público danificado oudestruído por causa dos acidentes. O últi-mo trata do tempo gasto pelos policiais pa-ra atendimento no local do acidente e nodeslocamento até o hospital ou a delegacia.

Questionários Ao longo de um ano e meiode trabalho, médicos, policiais, vítimas eseus familiares, entre muitos outros espa-lhados por todo o país, preencheram onzediferentes questionários.“É um métodoinovador e abrangente”, resume a coorde-nadora adjunta do trabalho, a pesquisado-ra Patrícia Alessandra Morita, do Ipea.Ainda assim, alguns ingredientes ficaramfora da receita. Os danos ambientais como derramamento de carga tóxica em riose lagos e o estresse pós-traumático causa-do tanto pela morte de entes queridos co-mo pelo envolvimento direto no acidente.Embora sejam de valor indiscutível, essestópicos não foram contabilizados.

Os custos médios dos acidentes são for-temente influenciados pela sua gravidade.O custo médio de um acidente com morteno período de 1º de julho de 2004 a 30 dejunho de 2005 ficou na casa dos 418,3 milreais. É bem mais alto do que um acidenteenvolvendo “apenas” feridos, estimado em86 mil reais.O custo dos acidentes com ile-sos chegou a 16,8 mil reais. Já o custo acu-mulado dos acidentes é liderado por aque-les com feridos: 3,2 bilhões de reais; segui-do dos com morte, com 2,2 bilhões; e ossem vítimas, com 1,2 bilhões.

A pesquisa também estimou o custo to-tal dos acidentes por região do país e veri-

ficou que o Sudeste lidera o ranking, commais de 2,4 bilhões de reais, em função dagigantesca frota e da enorme malha viária.O custo individual médio mais alto,no en-tanto,fica com a região Centro-Oeste: 67,7mil reais por acidente.A explicação é sim-ples: o custo para chegar até o local de umacidente é muito alto na região,onde as dis-tâncias são medidas em dias de viagem e asestradas são de qualidade duvidosa.

O trabalho não teria saído do papel nãofosse o extenso e detalhado acervo de da-

les estão presentes em toda parte,mas é difícil ter noção do tamanhodo problema que eles representam.De certa forma, todo brasileiro ar-

ca com as conseqüências dos acidentes detrânsito. Claro que as vítimas e seus fami-liares passam por um sofrimento enorme,mas cada cidadão desembolsa um pouco acada ano para pagar as contas dos acidentesde trânsito. O número, fruto de um traba-lho do Instituto de Pesquisa EconômicaAplicada (Ipea), surpreendeu até especia-listas do setor. O custo, para a sociedade,dos acidentes de trânsito,somente nas rodo-vias brasileiras, é de 22 bilhões de reais porano, o equivalente a 1,2 % do Produto In-terno Bruto (PIB) do país e mais do que o to-tal do orçamento do Ministério da Saúde.

“Com todo o pessimismo imagináva-mos um número na casa dos 10 bilhões dereais, mas esses valores são realmente cho-cantes”, admite Alfredo Peres da Silva, di-retor do Departamento Nacional de Trân-sito (Denatran),órgão vinculado ao Minis-tério das Cidades. A base de informaçõesaltamente confiáveis do Banco de Dados deAcidentes da Polícia Rodoviária Federal(PRF) e o rigor metodológico característi-co dos trabalhos do Ipea não deixam dúvi-da quanto ao teor dos resultados: o poço ébem mais fundo do que se supunha.O tra-balho foi encomendado pelo Denatran aoIpea e executado com o suporte gerencialda Associação Nacional de Transportes Pú-blicos (ANTP) e o auxílio técnico da Tec-nométrica Ltda. A equipe de quase vinteespecialistas constatou que as rodovias na-cionais contabilizam, em média, trezentosacidentes por dia, o que corresponde a umacidente a cada quatro minutos e meio.Entre esses, acontece um atropelamento acada duas horas, resultando na morte demais de 1.000 pedestres por ano.Os moto-queiros também fazem parte do grupomais vulnerável nas rodovias; o número demortes a cada ano é próximo de 1.000.

Para chegar às cifras, vale citar o que ospesquisadores levaram em conta. O grupodividiu a soma em quatro grandes compo-nentes de custo: os associados às pessoas,

E O número de acidentes diminuiu

O número de vítimasdiminuiu

Mas o número de mortos aumentou

2004 2005

2004 2005

2004 2005

10,18

10,41

84,81

109,47

87,72

112,45

Fontes: Datatran/DPRF/MJ e dados da pesquisa de campo

acidentes 05/12/06 11:00 Page 22

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Desaf ios • dezembro de 2006 23

dos da PRF, constantemente elogiado pelaequipe de estudiosos.Há dados sobre quan-tidade de mortos,feridos e ilesos,trecho darodovia onde ocorreu o sinistro,os veículosenvolvidos e seu tipo de carga – o que foium prato cheio para os pesquisadores. Asplanilhas contabilizam 109.745 acidentesnas rodovias federais em 2005,ante 112.457no ano anterior, uma redução de 2,4% (ve-

ja gráficos na pág. ao lado). Porém, houveacréscimo de 3,8% nas mortes,evidencian-do que os acidentes apresentaram uma gra-

vidade maior,embora o número de pessoasenvolvidas tenha decrescido (-9,3%),assimcomo o de feridos (-0,1%).

Ao cruzar os dados,foi possível calcularalgumas proporcionalidades.Por exemplo:a cada dezoito acidentes registrados nasrodovias federais há uma vítima fatal. En-quanto a cada 3,4 atropelamentos de pedes-tres, uma pessoa morre.“Isso indica a altagravidade dos atropelamentos; e as traves-sias urbanas das rodovias federais podemestar sendo a principal arena dessa violên-

cia contra a vida dos pedestres.A mensagemé clara: as pessoas precisam tomar muitocuidado nesses trechos; e os governos têmde melhorar a segurança nos pontos ondeas rodovias cortam as cidades”, pondera acoordenadora-geral do projeto, Iêda Lima.

Na esperança de não deixar de fora da-dos importantes, os pesquisadores incluí-ram até mesmo o valor de depreciação dosequipamentos hospitalares ou ainda o pre-ço da reconstrução da mureta de proteçãode um viaduto atingido por um veículo.A

trezentos acidentes por dia, o que corresponde a um acidente a cada quatro minutos e meio

A rodovia Fernão Dias, que liga São Paulo à capital mineira, é a mais perigosa do país. Ela registra o pior indicador de acidentes 8,34 por quilômetro

Washington Alves/Folha Imagem

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24 Desafios • dezembro de 2006

Em 2005 , 10 .422 pessoas mor re ram em ac i d en tes nas e s t radas . É como se a

implicação de um acidente de trânsito nomercado de trabalho também foi calcula-da: qual é o prejuízo para uma empresa quedeixa de contar com um funcionário mor-to em um acidente? A indagação acima,mesmo considerando que uma vida nãotem preço, levou a pesquisadora PatríciaMorita a conclusões que, à primeira vista,parecem chocantes. “Os mortos custammuito caro”, diz, ao lembrar que os cálcu-los levam em conta o trabalho que um fun-cionário deixará de fazer por ter falecido.Além dos dados da PRF, os pesquisadorestiveram acesso a bases de dados das polí-cias dos três estados da região Sul, de SãoPaulo, Ceará, Espírito Santo e do DistritoFederal. Municípios e estados com poucasestatísticas tiveram seus valores estimados.

O trabalho final,com o título “Impactossociais e econômicos dos acidentes de trân-sito nas rodovias brasileiras”, faz parte deuma área de pesquisa do Ipea que trata daschamadas externalidades negativas do trân-sito; ou seja, os prejuízos causados por al-guém sobre os demais participantes (ou ha-bitantes) sem a devida compensação. Umestudo anterior tratou do custo dos conges-tionamentos; e outro, publicado há trêsanos, foi a campo verificar o custo dos aci-dentes de trânsito nas cidades e regiõesmetropolitanas do Brasil.Aqui cabe parên-teses: a conta da pesquisa de 2003, mesmose valendo de um método diferente, al-cançou 5,3 bilhões de reais. Se somarmosos valores das duas pesquisas, chega-sepróximo dos 30 bilhões de reais,em valoresde dezembro de 2005.

Imprudência A contagem de fatalidades nasrodovias levou em consideração não ape-nas os óbitos no local, mas também os fa-lecimentos até trinta dias depois do aci-dente em conseqüência direta dele. Soma-das, foram perdidas 10.192 vidas em 2004e 10.422 em 2005. É como se a tragédia daqueda do Boeing 737-800 no meio da Ama-zônia se repetisse 67 vezes a cada ano, ouuma vez a cada cinco dias. O motivo detantas mortes é tão óbvio que nem chegoua ser objeto de estudo dos pesquisadores.

Como já é sabido há muito tempo, a im-prudência continua sendo a principal causade acidentes nas rodovias. A pressa, o ál-cool, o excesso de confiança do motoristaem si mesmo e na potência do motor for-mam uma combinação fatal.O que não fal-tam são exemplos de atitudes equivocadasdos condutores.

O fato de ser óbvia não quer dizer queseja fácil de combater a causa dos acidentes.Já se sabe que as campanhas de conscienti-zação, sozinhas, não trazem resultadosimediatos. Por isso foi preciso instalar fis-calização eletrônica,radares e lombadas dequilômetro em quilômetro para intimidaros condutores à força. As irregularidadesregistradas pesam no bolso e tem gente queconsidera a ação uma verdadeira “indústriada multa”.O coordenador de controle ope-racional da PRF,Alvarez Simões, tem umavisão contundente a esse respeito. Não fazmuitos anos ele trabalhava no posto poli-cial de Porto Velho, em Rondônia. De láparte a BR-364,que liga a capital do estadoao município de Itapuã do Oeste. A rodo-via,de quase cem quilômetros de extensão,estava em terríveis condições de manuten-ção. O trânsito era lento em razão da bu-raqueira,mas fluía.Assim que o governo fezas melhorias, o número de acidentes cres-ceu assustadoramente, lembra Simões. Aexperiência serviu de lição.“Quando umarodovia passa por reformas,como recapea-mento asfáltico ou duplicação de pistas,

deslocamos mais policiais para o local por-que sabemos que o número de acidentesaumentará significativamente.”

Perigo Quer dizer que estrada boa é sinô-nimo de estrada perigosa? Bem, não é tãosimples assim. De fato, a estrada mais pe-rigosa do Brasil é a rodovia Fernão Dias(BR-381), que liga São Paulo (SP) a BeloHorizonte (MG). Ela é toda duplicada etem asfalto de qualidade. Mesmo assimapresenta o pior indicador de acidentes porquilômetro: 8,34 (em 2004). Superior atéao da Régis Bittencourt,conhecida como a“rodovia da morte”.A Régis é um trecho daBR-116 que liga Curitiba (PR) à capitalpaulista e tem o índice de periculosidade nacasa dos 5,21 acidentes por quilômetro (em2004). Por outro lado, na Pesquisa Rodo-viária 2006,da Confederação Nacional dosTransportes (CNT), que avaliou as condi-ções de 100% da malha rodoviária federalpavimentada e os principais trechos sobconcessão e gestão estadual, a BR-381 e aBR-116 saíram-se bem. Obtiveram notageral de 86,3 e 85,2 pontos, respectiva-mente (leia a tabela na pág. 26).Isso quer di-zer que são perigosas, mas agradam aosmotoristas. O mais provável é que o pro-blema esteja relacionado ao enorme vo-lume de veículos que trafegam diariamentepor essas duas estradas do que à qualidadedo asfalto.“A questão é tão delicada que porsi só merece outro trabalho”,diz Iêda Lima.

O presidente da Federação das Empresasde Transporte de Cargas do Estado de SãoPaulo (Fetcesp),Flávio Benatti,fica nervososó de pensar numa análise dessa ordem.Benatti acredita que a interpretação da polí-cia é tremendamente equivocada. Segundoele, muito mais sério e urgente do que ascampanhas de conscientização de motoris-tas é a correção da geometria das pistas,a du-plicação das rodovias, o aumento da sina-lização e a construção de acostamentos.“Émuito fácil colocar a culpa nos motoristas.O que está faltando no país é uma políticade recuperação das rodovias”, diz, lem-brando que as ações emergenciais, como aOperação Tapa-Buracos, iniciativa recente

Composição dos

custos dos acidentes

nas estradas em 2005Por tipo de rodovia

Participação

Rodovias Bilhões de reais (em %)

Municipais 1,404 6,38

Estaduais 14,110 64,06

Federais 6,512 29,56

Total 22,027 100,00

Fontes: Projeto Ipea/Denatran

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A pesquisa “Impactos sociais e econômicosdos acidentes de trânsito nas rodovias brasi-leiras”revelou um custo anual para a socie-dade da ordem de 22 bilhões de reais, foramcontabilizados mais de 100 mil acidentes, fo-ram perdidas mais de 10 mil vidas... opa. Dezmil vidas? O que isso quer dizer? Quanto cus-ta uma vida? A tabela de preços de toda se-guradora tem esse valor, mas será que elefaz sentido? Uma vida a menos no mundo nãosignifica apenas queda na produção, ela in-terfere no estado emocional das pessoas queconviviam com o falecido, ela muda o dia-a-dia de uma família: suas finanças, o rela-cionamento entre os filhos. São fatos queacontecem todos os dias, mas nem por issopodem ser considerados normais.

Na madrugada de 14 de junho de 2005,o casal Eurípides e Augustinha de Almeidadeixou a cidade de Araxá,no interior de MinasGerais, rumo a Brasília (DF).Tiraram o Vectrada garagem por volta das 4 horas da manhã,pois pretendiam almoçar na capital federal.A rodovia, de condições precárias, com tre-chos sem acostamento e toda esburacada,exigia mais atenção do motorista. Isso nãoera lá um grande problema, afinal Eurípidestinha sido instrutor da auto-escola da PolíciaCivil, entidade pela qual se aposentou. Mas abucólica paisagem do cerrado deixou-o tãodisperso que ele acabou dormindo ao volan-te.Dona Augustinha percebeu a falha e gritoupara chamar a atenção do esposo.“Eu queriapegar no volante e tirar o carro da frente deum caminhão que se aproximava,mas ele se-gurou firme e nos tirou da pista pelo outro la-do”, conta emocionada. O casal escapou dacarreta, mas bateu em uma árvore.

Todo o lado esquerdo de seu Eurípidesficou comprometido. Ele perdeu sete coste-las. Coração, fígado e baço sofreram sériosdanos. Às 9 da noite do dia 22 de junho eleentrou para o triste rol das estatísticas demortes em acidentes de trânsito. O policialaposentado,que tão bem conhecia os perigosdo volante, acabou sendo vítima dele.Para is-so não há planilha alguma que meça o dano.

Desaf ios • dezembro de 2006 25

t r a g é d i a d o B o e i n g 7 3 7- 8 0 0 n a Ama z ô n i a s e r e p e t i s s e 6 7 v e z e s a o a n o

do governo federal, têm efeito muito curto.Um argumento a favor dos que não con-

cordam que estrada boa é estrada perigosapode ser visto nos países desenvolvidos.Na Alemanha, as auto-estradas não pos-suem restrições de velocidade – o governolimita-se a recomendar aos motoristas quenão ultrapassem os 130 quilômetros porhora. Apesar do crescente número de au-tomóveis, de acordo com uma reportagemdo canal de televisão Deutsche Welle, osíndices de acidentes nas ruas e rodoviasalemãs estão em queda.Segundo dados doDepartamento Federal de Estatísticas ale-mão, em 2003 a polícia registrou 2,25 mi-lhões de acidentes, que deixaram 6.606mortos e 462,6 mil feridos.“Os dados nun-ca foram tão baixos desde o início do regis-tro estatístico, em 1953”, dizem. A médiaalemã, conclui a emissora, é de oitentamortes no trânsito por milhão de habi-tantes.“Os acidentes são causados princi-

palmente por velocidade inadequada (nãosó excesso),desrespeito às normas de trân-sito e às condições climáticas (sobretudochuva, neve e gelo na pista).”

A Polícia Rodoviária Federal não dispõede um estudo comparativo com outros paí-ses,mas garante que a saída passa por inves-timentos na instituição. “O que precisaacabar é a sensação de impunidade por par-te dos motoristas,mas isso requer estruturapara trabalhar.O governo deveria investir naPRF no mesmo diapasão que investe namelhoria das estradas”, observa o inspetorAlvarez Simões. Hoje a PRF conta com 9,6mil policiais rodoviários espalhados por 397postos de fiscalização.A área de coberturaabrange cerca de 3 mil municípios brasileirose há apenas 153 ambulâncias para efetuar osatendimentos emergenciais.

No início de outubro, durante umaapresentação prévia da pesquisa, no au-ditório da Organização Pan-Americana

Para além dos números

A pesquisa do Ipea levou em conta os custos dos danos associados às pessoas: desde os primeiros socorros

até os gastos previdenciários

Oslaim Brito/Folha Imagem

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A Polícia Rodoviária dispõe de apenas 153 ambulâncias para atender mais de 3 mil cidades

das Cidades, por meio do DepartamentoNacional de Trânsito (Denatran); o Minis-tério dos Transportes, por intermédio doDepartamento Nacional de Infra-Estruturade Transportes (Dnit); e o Ministério daJustiça, por meio da Polícia Rodoviária Fe-deral (PRF); além dos Departamentos deEstradas de Rodagens (DERs) e dos Depar-tamentos Estaduais de Trânsito (Detrans).

Existem várias providências no sentidode reduzir acidentes de trânsito no Brasil.No Ministério dos Transportes, o carro-chefe é o Programa de Redução de Aciden-tes no Trânsito (Pare),em operação há trezeanos. Entre as iniciativas, cabe destacar aoperação conjunta dos órgãos de trânsito,segurança e turismo dos estados do sul doBrasil, que entra em atividade durante asférias de verão nas rodovias da região.O ob-jetivo é diminuir o número de acidentes noperíodo em função do grande fluxo de tu-ristas uruguaios, paraguaios e argentinos

rumo ao nosso litoral.As medidas incluemdivulgar as normas do Código de Trânsitoentre os estrangeiros, alertar os brasileirosda presença de motoristas de outros paísesnas rodovias, evitar o desgaste da imagemdo Brasil entre os visitantes,propiciar trata-mento igual aos motoristas daqui e de fora,além de alertar para a obrigação legal quan-to à quitação de eventuais infrações cometi-das no país.A operação conta com o auxíliodo Ministério da Justiça e da Embratur.

O Programa Pare também promove acapacitação técnica de equipes dos órgãosmunicipais de trânsito na implantação deações corretivas de engenharia visando àprevenção de acidentes. Trinta e um muni-cípios de diferentes regiões do país partici-param de uma das etapas do projeto (emcomum, eles tinham de 100 mil a 500 milhabitantes, faziam parte do Sistema Nacio-nal de Trânsito e possuíam elevados índi-ces de mortalidade no trânsito). Foramidentificados 288 pontos críticos, sendoque 86 deles ganharam projetos de melho-ria de engenharia de tráfego e 31 já estãoem implantação.

Outro projeto, o Amigo da Vez, levaequipes a locais de grande concentração debares desde 2000 a fim de conscientizar osfreqüentadores sobre um dos principais cau-sadores de acidentes: a mistura de álcoolcom direção. O objetivo é disseminar entreos consumidores o hábito de eleger um in-tegrante do grupo que não vai ingerir bebi-da alcoólica e será o responsável pela con-dução dos demais. Mesmo assim pareceminiciativas muito tímidas diante dos núme-ros de acidentes, vítimas, gastos e, sobretu-do, sofrimento. Desde que você, leitor, co-meçou a ler esta reportagem,já ocorreu umnovo acidente nas estradas do Brasil.Tomaraque seja sem vítimas!

da Saúde (Opas), o presidente do Ipea,Luiz Henrique Proença Soares, disse que“essa é uma tragédia evitável”. Ela requer,no entanto, forte engajamento de todos.Soares conclamou a imediata união dosgovernantes em torno da implementaçãode novas políticas públicas de baixo custoem um curto período de tempo. Para orepresentante da Opas no Brasil,AntônioHoracio Toro Ocampo, o “tema, muitopreocupante, não é só de saúde pública,mas também de desenvolvimento social”.O secretário nacional de Política de Trans-portes, José Augusto Valente, deu um tristepanorama do quadro e admitiu que, ape-sar de todos os esforços feitos, eles aindanão surtiram os efeitos esperados.

Segundo o Código de Trânsito Brasileiro(CTB), a segurança e a prevenção de aci-dentes de trânsito em rodovias federais sãoobrigações das autoridades gestoras e opera-doras de trânsito e transporte: o Ministério

As dez estradas mais bem classificadas

Fonte: Pesquisa Rodoviária 2006, da Confederação Nacional dos Transportes (CNT)

Avaliação do estado das estradas brasileiras (2006)

Ótimo 11% Bom 14% Regular 39% Ruim 24% Péssimo 12%

Posição Trecho Nota Geral

1º São Paulo (SP) – Limeira (SP) 100,0

2º São Paulo (SP) – Taubaté (SP) 98,2

3º São Paulo (SP) – Itaí (SP) – Espírito Santo do Turvo (SP) 97,8

4º Limeira (SP) – São José do Rio Preto (SP) 97,6

5º Engenheiro Miller (SP) – Jupiá (SP) 97,6

6º Rio Claro (SP) – Itapetininga (SP) 97,5

7º São Paulo (SP) – Uberaba (MG) 97,2

8º Campinas (SP) – Jacareí (SP) 96,9

9º Sorocaba (SP) – Cascata (SP) – Mococa (SP) 96,8

10º Bauru (SP) – Itirapina (SP) 96,4d

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Desaf ios • dezembro de 2006 27

I ê d a M a r i a d e O l i v e i r a L i m a *ARTIGO

m 1988, quando nós ainda estávamos naativa do Instituto de Pesquisa Econô-mica Aplicada (Ipea), o então presidentedo instituto, Ricardo Santiago, já mani-

festava sua preocupação com o problema na-cional do “acidente de trânsito”. Naquele ano sefalava em “um Vietnã por ano”como sendo o ba-lanço das vítimas do trânsito brasileiro. Não exis-tiam estatísticas confiáveis, mas estimava-se em40 mil os mortos e em 350 mil os feridos anuaisno trânsito brasileiro.

Decorridos quase vinte anos, a qualidade dasestatísticas melhorou, mas os números conti-nuaram semelhantes. É um problema endêmico.Os mais otimistas diriam que conseguimos as-similar o crescimento da frota e da população.Mas temos um flagelo nacional.Acidente de trân-sito seria a terceira maior causa de mortalidadeno Brasil e a mais significativa entre as causas ex-ternas e violentas.

O trabalho recente do Ipea sobre o tema lançauma nova luz sobre o problema.Ao mesmo tem-po que “quantifica”monetariamente um acidente“médio” e estabelece um modelo estimador decustos médios de acidentes de maneira desagre-gada a ponto de permitir “compor” os diversostipos e quantitativos de acidentes rodoviários,identifica os componentes básicos dos acidentesrodoviários, permitindo estabelecer diretrizespara políticas públicas direcionadas à minimiza-ção dessa calamidade.

A associação monetária aos acidentes, pro-movida pelo Ipea, colocou um novo componen-te nas análises. Se tínhamos um problema social,um problema de saúde pública e de demandahospitalar, agora temos também um grave pro-blema econômico, que já era percebido, mas nãoquantificado.

A abordagem do tema por “componentes”permite verificar, de imediato, que temos pelomenos quatro frentes de ação para atacar esse fla-gelo. Os custos foram examinados em relação àspessoas, aos veículos, ao ambiente e foram lança-dos indicativos sobre o campo institucional.Vi-sualiza-se que as ações e as políticas podem se-guir as mesmas vertentes, sendo que os resulta-

dos, provavelmente, não serão simplesmente adi-tivos, como os custos.

Observa-se, pois, que atuar sobre as pessoas edefinir políticas de educação para o trânsito, exi-gências de treinamento e melhoria do conheci-mento e das habilidades pode ser apenas um doscaminhos para a redução dessa praga nacional.Atuar em conjunto com a indústria para a con-tinuidade das pesquisas de melhorias dos veícu-los é outro caminho. Identifica-se também o ca-minho das políticas de construção e melhorias devias para torná-las mais seguras e com menos lo-cais perigosos.Os programas de “redução de pon-tos críticos” e outros semelhantes podem ser fo-cados na identificação de locais e tipos de acidenteque ocorrem, buscando formas para eliminá-losou, pelo menos, reduzir suas conseqüências. Osprojetos viários devem incorporar novos itens desegurança e as pesquisas devem buscar compo-nentes de engenharia viária que levem à reduçãodos riscos.

Há ainda a parte institucional e cultural. Nãobastam as leis! Há que se fazer cumprir as leis emelhorar as organizações que podem atuar forte-mente na prevenção dos acidentes. Mas temostambém que atuar na prevenção. Melhor quemultar é evitar a infração. Melhor que atender asvítimas é não ter vítimas.

Enfim, temos, com o novo trabalho do Ipea,mais elementos de convencimento para o desen-volvimento de programas e ações voltados para aeliminação desse flagelo nacional. E, o que é mui-to importante, esses caminhos são indicados apartir de uma produtiva parceria com um nú-mero extenso de instituições públicas e privadas,destacando-se o Departamento Nacional de Trân-sito (Denatran), do Ministério das Cidades, quefinanciou o estudo; a Associação Nacional dosTransportes Públicos (ANTP),que forneceu o su-porte gerencia; e a Tecnométrica Estatística Ltda.,que coordenou os trabalhos de consultorias es-pecializadas.

(*) Este artigo foi escrito em colaboração com José Alex Sant'Anna.

Iêda Maria de Oliveira Lima e José Alex Sant’Anna são técnicos

aposentados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea)

Flagelo nacional

“A associação

monetária aos

acidentes, promovida

pelo Ipea, colocou

um novo componente

nas análises. Se

tínhamos um

problema social, um

problema de saúde

pública e de demanda

hospitalar, agora

temos também um

grave problema

econômico”

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As recentes declarações do presidente Lula de que mov imentos ecolog istas travam o

desenvolv imento do país provocaram diversos protestos. Independente das paixões, a

verdade é que cerca de 120 grandes obras estão paral isadas por entraves ambientais.

Os empresários dizem que legislação é complexa, o Ibama alega que sofre com a avalanche

de processos e o país vê o tempo passar enquanto o impasse permanece

P o r R i c a r d o W e g r z y n o v s k i , d e B r a s í l i a

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O p r o c e s s o p a r a c o n s e g u i r u m l i c e n c i a m e n t o a m b i e n t a l p o d e t e r a t é s e t e

e o respeito a todos os seres vivos, inclu-sive, é claro, os humanos. Todos nos sen-timos profundamente mal quando sabe-mos que áreas foram desmatadas, riosforam poluídos, índios foram remaneja-dos e animais foram mortos. Como con-ciliar então as exigências da legislação deproteção ambiental com as necessidadesdo desenvolvimento?

Burocracia Como é fácil supor, quantomaior o empreendimento, maior é a difi-culdade para a obtenção da licença am-biental.No caso de um projeto que abrangemais de uma unidade da federação, a libe-ração é fornecida pelo Instituto Brasileirodo Meio Ambiente e dos Recursos NaturaisRenováveis (Ibama).Se o projeto se restrin-gir a apenas um estado, quem tem de auto-rizar a obra são as secretarias estaduais deMeio Ambiente.Todas essas instituições es-tão reunidas no Sistema Nacional de MeioAmbiente (Sisnama),que também congre-ga o Conselho Nacional do Meio Ambien-te, o Ministério do Meio Ambiente e as se-cretarias municipais dessa área.

Para o diretor de licenciamento ambien-tal do Ibama, Luiz Felippe Kunz Júnior, alegislação ambiental brasileira é eficiente.Ele lembra que a lei de política nacional domeio ambiente,que trata do licenciamentoambiental, tem cerca de 25 anos, por isso jádeveria ser de conhecimento público e em-presarial.“Não é novidade para as indús-trias nem para o setor produtivo. E ela foisendo implantada gradativamente ao lon-go do tempo”, argumenta.

Mas a idade da legislação não necessaria-mente é uma vantagem. O pesquisador doInstituto de Pesquisa Econômica Aplicada(Ipea),Ronaldo Seroa da Motta se pergun-ta se a percepão do legislador de vinte anosatrás é realista em relação ao quadro insti-tucional atual.“Eu acho que não. Eu achoque hoje você tem muito mais capacidadeinstitucional e apoio da opinião públicapara monitorar, para impor sanções. E naárea de licenciamento ambiental, você po-deria ser muito menos restritivo”, declaraSeroa da Motta.

No Ibama, são vários os estágios paraconseguir uma licença ambiental. É pre-ciso,primeiramente,apresentar um Estudode Impacto Ambiental, juntamente com oRelatório de Impacto Ambiental (Rima)(leia quadro na pág. 35). Esse estudo nor-malmente é realizado por alguma empre-sa especializada no ramo de engenhariaambiental, o que já demanda investimen-tos. Nesses documentos são indicados ba-sicamente os efeitos ambientais, as açõescompensatórias e o que vai ser feito com afauna e a flora do local.

O próximo estágio é a aprovação doRima,feita pela Secretaria Estadual de MeioAmbiente ou pelo Ibama. No caso da áreater algum vilarejo ou mesmo uma famíliaque deverá ser removida do local, é precisoindicar qual será o destino dessas pessoas.A situação é mais complicada quandoatinge uma comunidade. A empresa quepretende fazer, por exemplo, uma hidre-létrica,tem de construir outra “cidade”paraesses moradores. Quem explica é a analistaambiental do Ibama, Sandra Tavares:“Atése tiver uma igrejinha, uma praça, algunscomércios, tudo precisa ser construído nosmínimos detalhes em outro local”.

Uma reclamação muito comum entreos empreendedores é a demora para a apro-vação do Rima. Por isso, algumas empre-sas tentam ganhar tempo fazendo primeiroas obras e depois solicitando as licenças.“Muitos empresários estariam tentandoqueimar etapas, já que a licença deve serretirada com antecedência”, critica a ana-lista Tavares.

Com esse primeiro estágio cumprido,o Ibama concede a Licença Prévia (LP).Deposse dessa licença é possível dar início aoempreendimento. Mas somente os prepa-rativos, porque para começar a obra pro-priamente dita é preciso conseguir a Li-cença de Instalação (LI). Para obter essa li-cença é necessário apresentar um ProjetoBásico Ambiental e o Plano de ControleAmbiental, que é elaborado pelo em-preendedor e posteriormente aprovadopelo Ibama. Nessa papelada, o solicitantedá detalhes da construção e mostra como

ustiça veta novos quiosques depraia em Salvador.”“Obra de Hos-pital das Clínicas em Ribeirão Pre-to pode ser paralisada.”“Lula pede

mais responsabilidade aos órgãos ambien-tais para evitar apagão.”Essas três notícias,publicadas em grandes jornais nos últimosmeses, parecem não ter nenhuma relaçãoentre si. Porém, todos os problemas trata-dos por elas têm a mesma causa: licençaambiental.As dificuldades para adequar asobras às exigências da legislação ambien-tal brasileira têm sido grandes. Interessadana questão, a Confederação Nacional dasIndústrias (CNI) elaborou um levanta-mento para saber quais são os principaisentraves enfrentados pelos empreende-dores na hora de se adequar às normas am-bientais. O estudo aponta que os maioresproblemas estão relacionados à demora naanálise dos pedidos de licença ambiental;ao custo elevado para atender às exigênciasambientais; ao custo elevado de projetos eestudos; e até mesmo a dificuldades paraatender aos critérios técnicos exigidos (leia

tabela na pág. 36).Mas não são apenas os empresários que

sofrem.Como se pode ver pelas manchetesdo início desta reportagem, simples mo-radores de Ribeirão Preto, no interior deSão Paulo, talvez tenham de esperar maispara ter um novo hospital. Em outra situa-ção, o próprio presidente da Repúblicapede mais agilidade e tolerância dos órgãosgovernamentais, da Justiça e das entidadesecológicas para a concessão das licençasnecessárias à construção de novas usinasde energia. Nesse caso específico, o presi-dente se referia a liminares que tiraramduas importantes usinas hidrelétricas deum leilão realizado em dezembro de 2005.“Ou pode fazer,ou não pode fazer,e vamosprocurar outra solução”,disse o presidente,exigindo uma definição em relação aosempreendimentos.

Se a pressão por mais agilidade na con-cessão das licenças ambientais é justa, poroutro lado há a preocupação com a na-tureza. Temos a consciência de que é fun-damental a preservação dos ecossistemas

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f a s e s , q u e v ã o d e s d e a l i c e n ç a p r é v i a a t é a l i c e n ç a p a r a r e e q u i p a m e n t o

Fotos ©Greenpeace/Daniel Beltrá

Ativista do Greenpeace confere depósito ilegal de madeira (ao alto) com as árvores derrubadas em Porto da Noz, no Pará (acima). Entidade afirma que faltam

ténicos preparados para fiscalizar os crimes ambientais

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34 Desafios • dezembro de 2006

E m p r e s á r i o s c o m m e n o r g r a u d e i n s t r u ç ã o m u i t a s v e z e s n ã o c o n s e g u e m

vai realizar as mudanças no meio ambientee no meio social, além do cronograma.

A terceira etapa é a Licença de Ope-ração (LO), para que o empreendimentoseja liberado e entre em atividade. Se apósa implantação do projeto for necessáriofazer alguma ampliação, novas etapas bu-rocráticas devem ser cumpridas. Depoisdisso, o Ibama fica ainda encarregado defiscalizar o impacto ambiental durante to-da a vida do empreendimento.

O diretor adjunto da Diretoria de Es-tudos Regionais e Urbanos do Ipea, JoséAroudo Mota, publicou em sua tese dedoutorado que o caminho para conseguirum licenciamento ambiental chega a con-ter sete fases: 1) licença prévia, 2) licençade instalação, 3) licença de pré-operação,4) licença de operação, 5) licença de am-pliação, 6) licença de reformulação e 7) li-cença de reequipamento.

Comunidade Dependendo da envergadurada obra, o licenciamento envolve mais doque empresas e governo. Em determinadoscasos de alcance maior, todo o estudo éavaliado pela comunidade em audiênciaspúblicas. Por meio do Sistema Informati-zado de Licenciamento Ambiental (Sislic),qualquer cidadão consegue acompanharo processo de concessão de licença ambi-ental e verificar em tempo real a evolução.Quem consultou o site do Sislic nos últi-mos dias de novembro pôde ver uma listade 25 obras que incluía seis usinas hidrelé-tricas, dez projetos ligados à exploração eprodução de petróleo, uma rodovia e umalinha de transmissão, entre outros. No Ri-ma da Usina Estreito, a ser construída norio Tocantins por um consórcio formadopelas empresas Companhia Vale do RioDoce,Alcoa Alumínio S.A., Billiton MetaisS.A. e Camargo Corrêa Energia Ltda., po-de-se ler que o documento começou a serelaborado em janeiro de 2001. Lá se vãoquase seis anos.

Essa democratização dos processostambém tem suas implicações.“O proble-ma é que pode sair de tudo,pois todo mun-do dá palpite. Desde o prefeito, o procu- Usina Nuclear Angra 3: as obras começaram há 22 anos e até hoje não foram concluídas

Arquivo Eletronuclear/Divulgação

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que sejam lançados no mercado,determina-dos produtos dependem de licença do Iba-ma.Nesses casos,o trâmite passa pela Dire-toria de Qualidade Ambiental.“Por exem-plo,os veículos hoje saem de fábrica com umsistema de controle da poluição,da emissãodos poluentes, isso tem de passar pelo nos-so crivo”, diz Sandra Tavares, do Ibama.

Em setembro passado, um choque en-volvendo dois caminhões carregados dediisocianato de tolueno,produto altamentetóxico, provocou a contaminação de umaárea na região de Dom Expedito Lopes, noPiauí, e obrigou a remoção de quarentafamílias. A empresa proprietária dos doisveículos não tinha licença ambiental paratransportar esse tipo de carga química. Odono da transportadora disse que não sa-

Alguns dos itens deum Relatório de ImpactoAmbiental (Rima)

1. Objetivos e justificativas do projeto e suarelação com políticas setoriais e planosgovernamentais.

2. Descrição e alternativas tecnológicas doprojeto (matéria-prima, fontes de energia,resíduos etc.).

3. Síntese dos diagnósticos ambientais daárea de influência do projeto.

4. Descrição dos prováveis impactos ambien-tais da implantação da atividade e dos mé-todos, técnicas e critérios usados parasua identificação.

5. Caracterizar a futura qualidade ambientalda área, comparando as diferentes situa-ções da implementação do projeto,bem co-mo a possibilidade de sua não-realização.

6. Descrição do efeito esperado das medidasmitigadoras em relação aos impactos ne-gativos e o grau de alteração esperado.

7. Programa de acompanhamento e moni-toramento dos impactos.

8. Conclusão e comentários gerais.

Fonte: Pesquisadora Sâmia Maria Tauk–Tornisielo, no livro AnáliseAmbiental: uma visão multidisciplinar. Editora Unesp, 206 p., 1992

Desaf ios • dezembro de 2006 35

s e q u e r e n t e n d e r a s d i v e r s a s e x i g ê n c i a s c o n t i d a s n a l e g i s l a ç ã o a m b i e n t a l

rador da Repúblia, o procurador do Es-tado, o órgão ambiental, um indivíduo,uma ONG.A qualquer momento qualquerum pode meter a mão na cumbuca. O juizpode pedir vista. Tudo isso gera um climade incerteza sobre quando acaba” avaliaSeroa da Motta, do Ipea.

Mas será que qualquer novo empreendi-mento tem de cumprir todas essas etapas?Nem sempre. Os sete passos apresentadospelo especialista do Ipea se aplicam a gran-des projetos, tais como hidrelétricas, estra-das,ferrovias e outras obras importantes deinfra-estrutura.Muitos dos que esperam nafila da licença ambiental são pequenos em-presários,e esses enfrentam dificuldades deoutra natureza: as diversas exigências àsvezes são incompreensíveis para empreen-dedores com baixa escolaridade e poucosrecursos financeiros.“A questão é complexa,o grau de exigência fica muitas vezes disper-so em vários setores da administração, in-clusive em várias secretarias. Isso dificultamuito uma pessoa que nem sempre temconhecimentos e aptidão para lidar com aburocracia”, diz a pesquisadora doutora eprofessora de pós-graduação em ciênciasbiológicas Sâmia Maria Tauk-Tornisielo,daUniversidade Estadual Paulista Júlio deMesquita Filho (Unesp).

Um exemplo clássico de empresáriosque têm dificuldades para destrinchar alegislação são os proprietários dos popu-lares “pesque-pague” espalhados pelo in-terior do país. Apesar de serem interven-ções relativamente simples, elas acabamgerando impacto ambiental, pois em mui-tos casos é preciso estancar a água e cuidarda alimentação dos peixes. Também existeo perigo de os açudes estourarem causan-do desequilíbrios em rios da região.

Serviços Quando pensamos em licença am-biental, sempre imaginamos alguma obra.Mas não são somente as construções queprecisam de licença. Produtos, procedi-mentos e serviços também dependem deautorização.É o caso da extração ou plantiode borracha,plantas medicinais,celulose,in-dústria de agrotóxicos, entre outros. Para

bia da exigência da licença. O caso servepara mostrar como alguns tipos de servi-ço podem prejudicar a natureza.

No mês seguinte,mais um desastre eco-lógico. Desta vez, no rio dos Sinos, no RioGrande do Sul. Cerca de 1 milhão de pei-xes morreram sob o efeito de poluentes queaté agora não tiveram sua origem identifi-cada, apesar da maioria das empresas daregião terem suas licenças ambientais.

Responsabilidade Diante desses acidentes,surge a pergunta inevitável: de quem é a res-ponsabilidade de fiscalizar a atuação dasempresas? E aí aparece um velho problemado Brasil,a falta de recursos.O Greenpeace,entidade que atua internacionalmente emdefesa do meio ambiente, aponta a pre-cariedade da estrutura dos órgãos ambien-tais do governo.O advogado Sérgio Leitão,diretor de políticas públicas do Green-peace, diz que o Ibama e as secretarias doMeio Ambiente não têm condições deatender a todos os pedidos e a falta de fis-cais já é uma constante histórica.“Nós ve-mos vários problemas. Primeiro é a falta detécnicos qualificados, mesmo o atual go-verno tendo ampliado o número de con-cursos para equipar o Ibama.Ainda assimcontinua um sufoco do ponto de vista donúmero de funcionários. Não conseguemdar conta de todos os pedidos de licencia-mento que chegam e isso emperra o pro-cesso”, afirma Leitão.

Mas Leitão também aponta problemasde ordem política. Segundo ele, o governovive o conflito de desempenhar dois papéissimultaneamente, o de empreendedor e ode fiscalizador.Ele exemplifica:“Depois queo presidente anuncia uma decisão, como éque ele se comporta como chefe do mi-nistro do Meio Ambiente e do presidentedo Ibama? Isso faz cair sobre a adminis-tração uma questão gravíssima. Como éque ela mede, separa os dois pesos? Comose comportar no momento de analisar umpedido que vem, em última instância, deseu chefe?” Mesmo assim Leitão elogia odesempenho dos órgãos fiscalizadores.“Aestrutura de licenciamento do país fun-

meio ambiente 05/12/06 11:13 Page 35

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36 Desafios • dezembro de 2006

Não são somen te as cons t r uções que p rec i sam de l i c ença amb i en ta l . Produ tos,

judiciais que impedem a continuidade dasobras. A mais recente delas ocorreu emmeados do mês passado, quando o Mi-nistério Público Federal determinou a sus-pensão do licenciamento ambiental forne-cido pelo Ibama e pela Fundação Estadualde Engenharia do Meio Ambiente (Feema).Em nota, a Eletronuclear informou que asobras foram autorizadas por decreto pres-idencial. Porém o Ministério Público Fe-deral avalia que o Ibama não poderia pros-seguir no processo do Estudo de ImpactoAmbiental e do Rima, pois não há lei es-pecífica, conforme manda a Constituição,autorizando a localização de Angra 3.

Os processos se arrastam e o país perdeum tempo precioso atrasando obras quepoderiam impulsionar o desenvolvimento.Por isso, o Conselho Federal de Engenha-ria,Arquitetura e Agronomia (Confea) pe-de aos órgãos responsáveis que adotemcritérios de urgência para esse tipo de em-preendimento.“As leis ambientais brasilei-ras não dificultam em si. O problema estána análise de aplicação das regras. Isso temefetivamente prejudicado determinadosprojetos. Nós respeitamos a legislação am-biental, mas gostaríamos que houvesse umprocesso de desburocratização e agiliza-ção”, diz Marcos Túlio de Melo, presidente

do Confea. Ele menciona o caso de duashidrelétricas, uma delas a do rio Madeira.“Essas usinas são importantes para evitarum novo colapso energético a partir de2009,se o Brasil crescer da forma que o go-verno está prevendo.Por isso,mereciam sertratadas de maneira prioritária,e deveria serliberado o início imediato desses empreen-dimentos”, sugere Melo.

Os empresários também estão preocu-pados com os impactos econômicos dademora na concessão de licenças ambien-tais.A CNI lançou,em abril deste ano,umapesquisa sobre o reflexo na indústria daburocracia para a liberação das licençasambientais. O estudo afirma que “a demo-ra na análise dos pedidos de licenciamen-to ambiental e os requisitos exagerados daregulamentação ambiental são por vezesinadequados do ponto de vista da aplica-bilidade técnica e dos aspectos de sus-tentabilidade econômica”. Mas os ambien-talistas alertam para o fato de que é muitofácil colocar a culpa na lei.“Existe uma de-monização da legislação. Muitas vezes afalta de planejamento faz com que quemnão planejou descarregue sobre a legis-lação a culpa de seus erros”, afirma Leitão,diretor do Greenpeace.

Soluções Como se vê,a gestão da concessãode licenças ambientais e de sua fiscalizaçãoé um quebra-cabeças de problemas que vãodesde críticas às leis até a falta de mão-de-obra.Por isso,as propostas de solução tam-bém são diversas.Tanto órgãos do governocomo entidades ambientalistas e empreen-dedores admitem que é preciso maior agi-lidade e eficácia das entidades que aplicama legislação ambiental brasileira. FelippeKunz, do Ibama, acredita que para facilitara emissão de licenças ambientais serianecessário alterar a legislação.Para ele é pre-ciso que fiquem claras as competências deestados,municípios e governo federal.Essadefinição evitaria os entraves jurídicos,queemperram muitos empreendimentos.“Nóse os governos estaduais passamos boa partedo nosso tempo respondendo processosgerados por essa questão de competência.

ciona de maneira independente, ainda queessa questão seja tão delicada”, afirma ele.

Competência Para complicar ainda mais oquadro, existe uma polêmica sobre quemtem a competência para autorizar o quê.Uma alteração na lei, aprovada em meadosdeste ano, transferiu para os governos es-taduais a responsabilidade pela concessãodas licenças ambientais. Os ecologistas nãogostaram da medida, argumentando quemuitos estados não têm estrutura para de-sempenhar esse papel, sobretudo os daregião amazônica.”Na maior parte dos es-tados, não há boas leis a respeito de meioambiente, apesar de eles terem de usar opadrão federal. E também há o problemada vontade política aliada à falta de recur-sos. Tudo isso opera negativamente, e emdeterminadas situações as secretarias par-tem para o libera-tudo”, critica Leitão, di-retor do Greenpeace.

Já o Ibama vê o tema de outra forma,como explica Kunz, diretor de licencia-mento do órgão: “Os estados têm muitomais vivência e capacidade do que o pró-prio Ibama para tratar essas questões depoluição, de controle de resíduos e de im-pedimentos industriais”. Ele apóia a des-centralização da fiscalização.“Não se podeimaginar que o órgão federal consiga darconta de tudo num país como o Brasil. Émais fácil fiscalizar quando se está perto.”Kunz também argumenta que é precisodar responsabilidade aos governos esta-duais e municipais para que eles se empe-nhem em suas tarefas. E lembra que seriainviável mobilizar o Ibama para permitir,por exemplo, a instalação de um posto devenda de combustíveis.

Um bom exemplo de como a questãoda competência de cada órgão de governoé complexa pode ser visto na construçãoda usina nuclear Angra 3, no Rio de Janei-ro. As obras começaram em 1984, porémdois anos depois foram interrompidas.Desde então vem ocorrendo um verdadei-ro embate entre os órgãos gestores. A Ele-tronuclear, que administra o complexo deAngra, volta e meia depara com decisões

Dificuldades dosempresários em obtera licença ambiental

1. Demora na análise dos pedidos (64,5%).2. Custos dos investimentos necessários pa-

ra atender às exigências feitas pelo órgãoambiental (54,6%).

3. Custos de preparação de estudos e proje-tos para apresentar ao órgão ambiental(46,3%).

4. Dificuldade de identificar e atender aoscritérios técnicos exigidos (44,1%).

Fonte: Pesquisa da Confederação Nacional da Indústria

meio ambiente 05/12/06 11:14 Page 36

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proced imentos e ser v iços também dependem de au tor i zação

Desafios • dezembro de 2006 37

Na medida que isso estivesse definido emlegislação federal, teríamos uma diminui-ção muito grande desse tipo de ação”, de-fende. Ele aproveita para informar que emrecente reunião com a Presidência da Re-pública foram abordados esses temas.“Umadas questões debatidas é a possibilidade deregulamentar definitivamente o Artigo 23da Constituição Federal,que trata das com-petências dos entes federados, para termosisso em lei,porque hoje é apenas uma reso-lução do Conselho Nacional do Meio Am-biente (Conama) que define o assunto”,dizKunz.

Já para o presidente do Confea, enge-nheiro Marcos Túlio de Melo, a questãovai mais além. Túlio, que é pós-graduadoem engenharia econômica, defende o in-vestimento em recursos humanos.“Pre-cisamos pensar, em primeiro lugar, que ostécnicos que fazem a análise dos proces-sos deveriam ter a visão também da es-tratégia para o desenvolvimento brasileiro.O objetivo final é realizar o desenvolvi-mento de maneira sustentável do ponto devista ambiental, social e econômico”, afir-ma. Já para o diretor do Greenpeace, Sér-

gio Leitão, o que falta é mais estrutura dogoverno, em todas as instâncias, para fis-calizar e acompanhar os projetos de licen-ciamento ambiental.

Eficácia Para o empresariado,é fundamen-tal concentrar os esforços no aumento daeficácia dos órgãos envolvidos no licencia-mento ambiental.“Também existe a neces-sidade de compatibilizar a fase de projetocom as instruções e recomendações dosórgãos ambientais a fim de dirimir dúvidase a necessidade de informações comple-mentares requeridas.Isso minimizaria atra-sos ou suspensões na execução das obras”,sugere Robson Braga de Andrade,vice-pre-sidente da CNI e presidente do Conselho deMeio Ambiente da CNI.“Há uma percep-ção no setor empresarial e,pode-se dizer,nasociedade como um todo de que os proces-sos de licenciamento no Ibama são muitomorosos e complexos. Há um sentimentode que o país precisa ser mais célere e eficazna análise dos projetos submetidos ao li-cenciamento ambiental federal e que a len-tidão acarreta conseqüências ao crescimen-to econômico do Brasil e ao bem-estar dos

cidadãos”,conclui ele, lembrando que,nes-te exato momento, existem 120 grandesobras paralisadas por entraves ambientaise também jurídicos. Entre elas, as das ro-dovias BR-101 Sul e Nordeste; BR-163; BR-392; a hidrovia da bacia do rio Paraná; por-tos de dragagem do Itaguaí,Ferrovia Trans-nordestina, Gasoduto Urucum-Manaus.Pelos exemplos citados é possível percebero alcance do problema ligado às licençasambientais e a urgência de medidas parasolucionar a questão.

Ministério do Meio Ambiente

www.mma.gov.br

Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dosRecursos Naturais Renováveis (Ibama) www.ibama.gov.br

Sistema Informatizado de LicenciamentoAmbiental (Sislic)www.ibama.gov.br/licenciamento/

Greenpeacewww.greenpeace.org.br

Saiba mais:

Rodovia dos Imigrantes, que liga a capital paulista ao litoral: não há como construir determinadas estradas sem afetar a natureza

Divulgação Ecovias

d

meio ambiente 05/12/06 11:15 Page 37

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SERVIÇOS

Ipea lança l i vro traçando o perf i l do setor de ser v iços,

Jorg

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Imag

es

serviços 05/12/06 11:16 Page 38

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ebuliçãoO crescimento de certos segmentos de al-ta performance tecnológica no setor deserviços, como os de tecnologia da infor-mação (TI) ou consultorias técnicas, apre-sentam taxas de inovação extremamenteelevadas mesmo quando comparados aossetores mais inovadores da indústria. Oque o livro aponta é que os serviços são in-sumos fundamentais para qualquer eco-nomia moderna e têm papel importantena difusão de inovações e de ganhos deprodutividade para outros setores.

Em linhas gerais, o terciário brasileiroé dominado por pequenas empresas(96,6%), ou seja, aquelas com até de-zenove pessoas ocupadas que dividem omaior volume de geração de emprego comas grandes (cem ou mais pessoas ocu-padas). As últimas são responsáveis por63,8% da receita do setor. A publicaçãoconcentra sua análise no que foi batizadode serviços intensivos em conhecimento(SIC) – empresas que podem ser caracte-rizadas como tecnológicas (serviços de te-lecomunicações ou de informática) ou pro-fissionais cujo foco está no conhecimento

administrativo, de regulação e de assuntossociais, como serviços de publicidade, ad-vocacia, engenharia e consultoria em ges-tão, entre outros.A pesquisa do Ipea apon-ta que os SIC têm alta participação na ge-ração de receita. O grupo formado pelossegmentos de informática, telecomunica-ções e serviços técnicos voltados para asempresas é responsável por 37,9% da re-ceita do setor como um todo. Entretanto,o mesmo peso não se verifica na criaçãode postos de trabalho: a participação dosSIC no terciário em termos de emprego éde 12,8%. Isso acontece, de acordo com oIpea, porque são atividades intensivas emconhecimento, que produzem muito va-lor,mas o fazem empregando pouca e qua-lificada mão-de-obra,em comparação comoutros ramos da economia.“O principalcapital dessas empresas são as pessoas”,afirma Luis Claudio Kubota, pesquisadordo Ipea e um dos autores do livro.

Segundo o Ipea, há quatro maneiras deuma empresa inovar. O processo de inova-ção pode ser de produto, de processo, or-ganizacional e de mercado. A introdução

setor de serviços não só é bas-tante heterogêneo como tam-bém desconhecido. Poucos sãoos estudos que se debruçam so-

bre o tema. Para ajudar a preencher essa la-cuna, o Instituto de Pesquisa EconômicaAplicada (Ipea) lançou em outubro desteano o livro Estrutura e Dinâmica do Setorde Serviços no Brasil, que apresenta umaradiografia das cerca de 900 mil empresasdo setor, que movimentou uma receita deaproximadamente 326 bilhões de reais em2003 e mostrou índices de crescimento su-periores aos demais (veja gráfico 1 na pág.

40). De acordo com a Pesquisa IndustrialAnual (PIA), a Pesquisa Anual de Comér-cio (PAC) e a Pesquisa Anual de Serviços(PAS),todas do Instituto Brasileiro de Geo-grafia e Estatística (IBGE), realizadas em2003, os serviços não financeiros empre-gavam, naquele ano, cerca de 7 milhões detrabalhadores formais, volume superior aoobservado na indústria ou no comércio.Apublicação mostra que a velha idéia de queos serviços se caracterizam por baixos ín-dices de produtividade merece ser revista.

P o r L i a V a s c o n c e l o s , d e B r a s í l i a

um ramo que emprega ma is do que a indústr ia e o comérc io, e cu ja rece i tacresceu 83% entre 1999 e 2003. Ne le es tão concentradas as empresas ma isi novadoras e de ma is a l ta tecno log ia , porém e las se ressentem da fa l ta de umapo l í t i ca espec í f i ca para so luc ionar seus prob lemas

O

Um setor em

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40 Desafios • dezembro de 2006

O grupo formado pelos segmentos de informática, telecomunicações e serviços técnicos

de uma gerência de qualidade total é umexemplo de inovação organizacional. Asinovações de processo são renovações deprocedimentos para produzir e entregardeterminado serviço. Já inovações de mer-cado podem ser definidas como a adoçãode novos comportamentos mercadológi-cos, como encontrar outro segmento deatuação ou ingressar em outra indústria.Segundo Kubota, quando são avaliadas asinovações tecnológicas para o mercado,observa-se que os percentuais são expres-sivos para os setores de informática, pes-quisa e desenvolvimento e telecomunica-ções, com índices de inovação de 30%,22% e 15%, respectivamente.“Uma análi-se mais detalhada sugere que as empresasque desenvolvem os serviços de informá-tica internamente são mais inovadoras doque as que contratam esses serviços de ter-ceiros, o que pode significar que o conhe-cimento e a aplicação de tecnologias da in-formação são de grande importância parao desenvolvimento de inovações tecnoló-gicas no setor de serviços de maneira geral”,explica Kubota.“A taxa de inovação é altanas empresas de software e telecomuni-cações. São segmentos fundamentais parao desempenho de outros setores da econo-mia”, informa Alexandre Messa, pesquisa-dor do Ipea e também autor do livro.

“As empresas intensivas em conheci-mento são importantes para o próprio se-tor de serviços e para os outros segmentosporque geram riqueza e empregam mão-de-obra qualificada. Além disso, há umarelação entre a contratação dessas empre-sas e um maior índice de inovação”, dizCarlos Torres Freire, pesquisador do Cen-tro Brasileiro de Análise e Planejamento(Cebrap), que também assina o livro. Se-gundo o Ipea, firmas de serviços que con-tratam empresas intensivas em conheci-mento da área de marketing têm mais pro-babilidade de inovar para o mercado – amargem é de até dezenove pontos percen-tuais sobre as que não contratam, depen-dendo do setor. O mesmo acontece comas firmas que contratam empresas de ges-tão: elas têm até dez pontos percentuais a

mais de probabilidade de inovar para omercado do que as que não contratam.

Henrique Luz, sócio da PriceWater-houseCoopers, que oferece, entre outros,serviços de auditoria, assessoria tributáriae gestão de riscos corporativos, concordacom a análise.“É muito grande a especia-lização de empresas como a Price. Nossosconsultores têm grande nível de profun-didade e especialidade num assunto e tipode indústria e, por isso, ao prestar um ser-viço eles difundem conhecimento e levaminovação”, acredita Luz, que explica que aPrice presta serviços para os mais diversossegmentos: instituições financeiras, indús-trias de consumo e varejo, agronegócio egoverno.A pesquisa também verificou queos SIC têm em seus quadros maior pro-porção de pessoal ocupado do ensino su-perior do que qualquer outro setor. Em1998, de todos os trabalhadores emprega-dos nos SIC, 33,4% tinham nível superiorcompleto ou incompleto. Em 2002, essaproporção saltou para 41,7%.Vale desta-car também que a soma dos que possuemensino superior e médio entre os SIC atin-ge 85,7% da mão-de-obra. Isso significaque apenas 14,3% dos que trabalham nasempresas intensivas em conhecimentonão tinham concluído o ensino médio.

Software Para José Eduardo Roselino,um dos autores do livro e professor do Cen-tro Universitário Salesiano de São Paulo(Unisal), as atividades voltadas para o de-senvolvimento de software, um dos exem-plos de serviços intensivos em conheci-mento, têm apresentado importância cres-cente nos países mais desenvolvidos.“Issoporque a indústria de software tem efeitosindiretos no desempenho de inúmerasatividades.As atividades cotidianas reno-vam-se com o desenvolvimento do com-plexo eletrônico, de cuja base o software éum elemento fundamental. Esse papelcrucial do software o faz objeto privilegia-do de políticas públicas de fomento em di-versos países centrais e não centrais”, afir-ma Roselino.

A indústria brasileira de software é bas-

A pujança do setor de serviços (em %, de 1999 a 2003)

Indústria Comércio Serviços

Indústria Comércio Serviços

Indústria Comércio Serviços

Indústria Comércio Serviços

Crescimento da receita líquida

Crescimento do pessoal empregado

Crescimento do número de empresas

18

31

42

19

2528

60

69 69

104

7283

Crescimento dos salários e retiradas

serviços 05/12/06 11:18 Page 40

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Desaf ios • dezembro de 2006 41

voltados para as empresas é responsável por 37,9% da receita do setor como um todo

tante robusta e apresenta números expres-sivos que a situam entre as dez maiores domundo.Em 2001,o mercado nacional ocu-pava a sétima posição,com faturamento de7,7 bilhões de reais, e empregava cerca de160 mil pessoas. Entretanto, apesar de terdimensões similares às de outros casos dereconhecido sucesso, como Índia, China,Irlanda ou Israel, a indústria brasileira é aque apresenta o pior desempenho quandoo assunto é exportação. De acordo comdados coletados por Roselino, a indústriade software brasileira exportou, em 2002,239 milhões de reais, sendo que esse valorfoi quase inteiramente gerado pela opera-ção de companhias estrangeiras no Brasil.São as empresas estrangeiras voltadas parao desenvolvimento de serviços de alto va-

lor agregado (50% delas) e as estrangeirasvoltadas para o software produto (41,6%delas) as responsáveis pela quase totalidadeda receita das vendas ao exterior. Estima-se que existam cerca de 40 mil empresasenvolvidas nessas atividades, das quais amaioria (86%) é composta por firmas comquatro ou menos pessoas ocupadas, indi-cando a predominância de frágeis estru-turas empresariais.

Roselino divide o mercado de softwareem três categorias. A primeira engloba asempresas que prestam serviços de baixovalor agregado (ligados à Internet, comocriação e manutenção de banco de dados,processamento de dados, suporte e tercei-rização). A segunda é o mercado de altovalor agregado, do qual fazem parte as em-

presas que desenvolvem software por en-comenda (análise, projeto, programação,testes, implantação e documentação). Jána terceira categoria se encaixam empre-sas que desenvolvem, produzem, comer-cializam e licenciam softwares prontos parauso – é o chamado software de prateleiraou pacote. De acordo com a publicação doIpea, o segmento de software de baixo va-lor agregado é o maior dos três. O valor dareceita das empresas classificadas nessacategoria totalizou, em 2002, cerca de 6,3bilhões de reais, ou 61% do total do mer-cado de software naquele ano. Esse seg-mento responde também pela maior partedas empresas, com 56% do total, e pelamaior parcela de pessoas ocupadas: 77%do total. Nessa área, há predomínio de

Os segmentos de alta performance tecnológica no setor de serviços apresentam taxas de inovação extremamente elevadas mesmo quando comparados com a indústria

Jefferson Coppola/Folha Imagem

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A u m e n t a r a s e x p o r t a ç õ e s é u m g r a n d e d e s a f i o p a r a a á r e a d e s e r v i ç o s .

empresas de capital nacional, responsáveispor 79% da receita total.“Isso ocorre por-que essa fatia do mercado é a que envolvemenor densidade tecnológica, ou seja, asbarreiras à entrada de conteúdos tecno-lógicos de acesso restrito são menores.Nela, o custo da mão-de-obra é que de-sempenha papel fundamental na determi-nação da competitividade”, explica Rose-lino. Segundo ele, as empresas nacionaisestão voltadas para clientes menores, quesão atraídos pelas vantagens de custo queelas podem oferecer, enquanto as compa-nhias estrangeiras prestam serviços maisrentáveis para grandes clientes do sistemafinanceiro e de seguros, por exemplo, queoptam pela estabilidade e maior garantiade continuidade que as empresas transna-cionais podem oferecer.“A grande infra-estrutura acaba sendo provida pelas em-presas estrangeiras, que são mundiais e

oferecem soluções globais. São elas quefazem pesquisa e desenvolvimento e con-seguem andar na frente, direcionando ademanda”, diz Elio Boccia, diretor de de-senvolvimento de negócios de uma das gi-gantes do ramo, a IBM.

Complexidade A categoria de serviços desoftwares de alto valor agregado compre-ende atividades que exigem das empresasmaior empenho no desenvolvimento defunções corporativas mais complexas, co-mo esforços de pesquisa e desenvolvimen-to e estratégias de marketing mais elabo-radas. Das 746 firmas de software que têmvinte ou mais pessoas ocupadas no Brasil,76 são estrangeiras.Apesar de o número deempresas nacionais representar quase 90%do total, ocorria, em 2002, um desequilí-brio na distribuição de receita, já que onzeempresas estrangeiras respondiam por

metade da receita total. Nesse caso, o do-mínio de conhecimentos específicos dasetapas próprias à engenharia de softwareganha relevância.“Isso é conseqüência dafalta de políticas de incentivo, o que preju-dica o surgimento de empresas nacionaisde alta intensidade tecnológica”, analisaJoão De Negri,diretor do Ipea.No segmen-to de software produto ou pacote, há tam-bém predomínio de empresas multinacio-nais em relação à receita gerada.As compa-nhias estrangeiras, que representam cercade 16% do universo total desse segmento,mas respondem por 56% da receita gerada.

As nacionais Datasul e Politec são doisexemplos de empresas nacionais que estãono segmento de prestação de serviços dealto valor agregado.“É difícil fazer o traba-lho que a Datasul faz, por isso as estran-geiras dominam.É preciso um investimen-to enorme para desenvolver um software,

Em 2003, o setor de serviços empregava mais de 7 milhões de pessoas. Volume superior à indústria e ao comércio

Divulgação Datasul

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E m 2 0 0 2 , s o m e n t e 4 ,1 % d a r e c e i t a v e i o d e v e n d a s a o e x t e r i o r

o que torna complicado concorrer com asmultinacionais”, afirma Paulo Caputo, di-retor de novos negócios da Datasul.A em-presa desenvolve e comercializa soluçõesintegradas de softwares de gestão empre-sarial e atualmente conta com uma rede de37 franquias de distribuição, sendo 31 nosprincipais estados brasileiros e seis fora dopaís: Argentina, Chile, Colômbia e Méxi-co, unidades que também atendem clien-tes no Paraguai, Uruguai, Estados Unidose Canadá.“A grande fonte de inovação pa-ra a empresa vem dos clientes que apresen-tam demandas para ser equacionadas.Além disso, fazemos acordos de coopera-ção com universidades e estimulamos osfuncionários a se atualizarem constante-mente por meio de cursos e participaçãoem eventos”, explica Caputo.

Compreensão Freud Oliveira é gerente denegócios internacionais da Politec, empre-sa com sede em Brasília e faturamento an-ual de 500 milhões de reais, cerca de 6 milfuncionários espalhados pelas vinte uni-dades no Brasil, além de subsidiárias nosEstados Unidos e no Japão, que ofereceserviços de integração de sistemas, desen-volvimento de softwares, biometria, entreoutros. Oliveira acredita que o grande de-safio das empresas nacionais é entender omercado global para aumentar as expor-tações.“Não adianta fazer investimentospor um ou dois anos. São necessários in-vestimentos no longo prazo. A meta daPolítica Industrial, Tecnológica e de Co-mércio Exterior (PITCE) de exportar 2 bi-lhões de dólares a partir de 2007 é factível,mas para isso o governo também precisafazer investimentos em alguns gargalos,co-mo a energia elétrica”, acredita Oliveira.Para Roselino, os objetivos da PITCE es-tão equivocados.“A primeira meta é am-pliar a participação das empresas brasi-leiras no mercado interno. Isso é desne-cessário porque as firmas de capital na-cional têm grande representatividade tan-to no mercado de alto valor agregado comono de baixo. A segunda meta, de exportar2 bilhões de dólares a partir de 2007, tam-

bém está equivocada.O que precisa ser feitoé abrir linhas de crédito para consolidar asempresas nacionais por meio de fusões eaquisições.Atualmente, elas são, na maio-ria, pequenas e pulverizadas”, afirma.

Aumentar as exportações parece não sersó um desafio para o segmento de software,mas para o setor de serviços como um to-do. De acordo com a Organização para aCooperação e Desenvolvimento Econô-mico (OCDE), o comércio global de ser-viços é estimado em 2,1 trilhões de dólaresanuais. Em 2003, a participação dos países

em desenvolvimento no total exportado foide aproximadamente 20%. Dados da Pes-quisa Anual de Serviços de 2002,do IBGE,mostram que os setores que apresentammaior proporção da receita originada dasexportações são, naturalmente, o de trans-porte aéreo, com 26,7%, seguido pelo detransporte aquaviário, com 8,6% (veja grá-

fico abaixo). Para os demais setores (ativi-dade de informática, telecomunicações,serviços audiovisuais e transporte rodo-viário e ferroviário), o percentual exporta-do sobre a receita varia de 1,1% a 1,4%.

Percentual da receita obtido com exportação

de serviços, em 2002

Transporte aéreo

Transp. aquaviário

Telecomunicações

Ativ. informática

Serv. audiovisuais

Transp. rodoviário

Total

26,7

8,6

1,49

1,39

1,19

1,19

4,19

Taxas de variação entre 1998 e 2002 (em %)

Fontes: PIA 1998 a 2002, PAS 1998 a 2002, PAC 1998 a 2002, do IBGE

Fontes: Paep/Seade 2001

SIC

Demais serviços

Indústria (PIA)

Comércio (PAC)

Nº de empresas Pessoal ocupado Receita líquida Salário

69,1

54,4

16,5

29,6

84,9

64,3

16,6

24,3

57,9

13,7

36,0

16,7 15,7

6,6

-3,63,5

serviços 05/12/06 11:21 Page 43

Page 40: do desenvolvimento

O setor de serviços no Brasil é mais concentrado do que a indústria: dos 5.507 municípios brasi-leiros, apenas 139 respondem por 90% da massa salarial e do valor agregado gerado pelo terciá-rio.O desequilíbrio é enorme (veja gráfico abaixo). Somente a região Sudeste responde por 70,76%dos salários pagos pelo setor no país, sendo que na região metropolitana de São Paulo estão 34,7%.Já a concentração da indústria é menor, pois essas mesmas cidades representam 65% do valoragregado gerado pelo setor industrial. É esse o retrato mostrado pela publicação Estrutura eDinâmica do Setor de Serviços no Brasil, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).“Baseamos a pesquisa no universo de empresas com mais de vinte funcionários. Essa amostra émuito mais concentrada do que o setor em geral porque nessas empresas há uma demanda cres-cente por alta tecnologia e profissionais mais qualificados, o que é mais fácil de encontrar nosgrandes centros urbanos”, explica Edson Paulo Domingues, professor do Centro de Desenvolvimentoe Planejamento Regional (Cedeplar), da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

De acordo com a pesquisa, o interior paulista equivale à oferta de serviços de toda a regiãoSul ou do Nordeste e é duas vezes superior à do Centro-Oeste e dez vezes a oferta do Norte. O in-terior de São Paulo é, portanto, a maior área de dispersão de serviços no Brasil e, talvez, a únicacapaz de rivalizar com a capital do estado. O estudo também mostra que as grandes aglomeraçõesde empresas de serviços são vinculadas a segmentos específicos da indústria, em particular os queusam mais tecnologia. Portanto, uma política de desenvolvimento regional voltada para empresasde alta tecnologia serviria também de atrativo para firmas de serviços de alta produtividade.

Mas aí aparece um problema: as empresas intensivas em pesquisa e desenvolvimento sãopouco sensíveis a mudanças de localização, pois demandam locais com variada infra-estruturatecnológica, urbana e mão-de-obra altamente qualificada.“A aglomeração potencializa a atividadedo segmento. É preciso fazer políticas coordenadas para desenvolver alguns pólos no interior dopaís.A atração dos serviços está ligada ao desenvolvimento de políticas urbanas”, acredita RicardoMachado Ruiz, pesquisador do Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar), daUniversidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Domingues vai além:“Para incentivar a dispersãodos serviços é preciso articular esse movimento com a re-localização de empresas e de setoresindustriais inovadores e difusores de progresso tecnológico”.

44 Desafios • dezembro de 2006

E n t r e 1 996 e 2000 , c e r c a d e 90 , 3% do s i n v e s t ime n to s d i r e t o s e s t r a nge i r o s

Segundo o Ipea, o aumento da receitalíquida das empresas, do tempo médio deestudo dos funcionários e da remunera-ção média traz impactos positivos nassuas exportações. Estima-se que o incre-mento de 1% na receita líquida aumenteem 0,21% a probabilidade de uma empre-sa exportar seus serviços. Se o tempo deestudo médio dos funcionários for 1%maior, as chances de a empresa exportarcrescem 0,68%. Por fim, aumentando em1% a remuneração média de seus trabal-hadores, uma firma vê suas chances de ex-portar crescerem 0,21%.

Entraves Para Ricardo Saur, diretor exe-cutivo da Associação Brasileira das Em-presas de Software e Serviços para Expor-tação (Brasscom), alguns entraves pre-cisam ser resolvidos para que o setor au-mente suas vendas ao exterior.“Precisa-mos melhorar a formação das pessoaspara que mais gente fale inglês e temos ne-cessidade de promover o Brasil lá fora edesonerar o setor com estímulos fiscais noabatimento da contribuição previdenciária,por exemplo”, afirma Saur. Outro ramo dosetor de serviços que também está se mo-vimentando em busca do mercado exter-no é o de audiovisuais.“Para incrementara exportação de serviços de audiovisuais,é fundamental que o Brasil mergulhe nes-se setor e compreenda bem como ele fun-ciona. Também precisamos resolver pro-blemas de distribuição e financiamentointerno para co-produções”, diz Chris-tiano Braga, gerente de projetos de ser-viços e entretenimento da Agência de Pro-moção de Exportações e Investimentos(Apex), órgão ligado ao Ministério do De-senvolvimento, Indústria e Comércio Ex-terior (MDIC).

Outra característica destacada na pu-blicação é que o setor de serviços tem de-sempenhado papel central na atração deinvestimentos estrangeiros. De acordocom estimativas de 2003 da Conferênciadas Nações Unidas sobre Comércio e De-senvolvimento (Unctad), se o setor no co-meço dos anos 1990 era responsável por

Concentração dos serviços e da atividade econômica

PIB: Produto Interno Bruto. VA: Valor Adicionado. VTI: Valor da Transformação Industrial. PIA: Pesquisa Industrial AnualFontes: PAS (2000) e PIB Municipal, do IBGE

Conjunto dos 5.373 municípios com 10% dos serviços

Conjunto dos 139 municípios com 90% do setor de serviços

PIB VTI PIA PIB VA dos serviços PIB Participação industrial* amostra** serviços* amostra** agropecuário* da idústria nas

atividades urbanas*

100

90

80

70

60

50

40

30

20

10

0

Uma geografia desequilibrada

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Desaf ios • dezembro de 2006 45

r e c e b i d o s p e l o B ra s i l f o r am p a ra o s e t o r d e s e r v i ç o s

50% do estoque global do investimentodireto estrangeiro (IDE),em 2003 esse per-centual saltou para 60%. Segundo AnitaKon, professora de economia da PontifíciaUniversidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e uma das autoras do livro, essas esti-mativas revelam um novo padrão de in-vestimentos, cuja concentração tradicio-nal em serviços financeiros e de comércioexterior está perdendo lugar para outrasindústrias de serviços de telecomunica-ções, publicidade, pesquisa e desenvol-vimento. A Unctad atribui essa mudançade cenário a dois fatores. Em primeiro lu-gar, a economia de serviços em países de-senvolvidos gera, hoje em dia, cerca de

dois terços do Produto Interno Bruto(PIB). O segundo motivo é que as manu-faturas estão estabelecendo filiais de ser-viços para apoiar suas operações de co-mércio exterior.Vale lembrar também quea expansão se apóia no rápido desenvolvi-mento da tecnologia das redes interna-cionais de informação e comunicação.“Osetor de serviços tem ganhado muita im-portância, pois gera renda e alto valoragregado”, acredita Kon.

Dados do Banco Central mostram que,na segunda metade dos anos 1990, os flu-xos de IDE recebidos pelo Brasil tiveramuma mudança no seu padrão e os serviçostornaram-se o principal destino dos inves-

timentos. Em 1995, 30,9% do acumuladode investimentos estrangeiros (estoques)estavam destinados ao setor de serviços.Em 2000, o percentual havia subido para64%. Esse salto aconteceu porque, entre1996 e 2000, 90,3% dos IDE foram aplica-dos em serviços.O segmento de telecomu-nicações apresentou o maior volume de in-vestimentos diretos estrangeiros em ser-viços naquele ano (18,2% dos estoques glo-bais de IDE e 29% do total destinado ao se-tor de serviços).

Política Exatamente pela crescente im-portância do setor, muitos acreditam quemereça uma política específica nos moldesda PITCE.“A fronteira entre o serviço e aindústria está diminuindo, quase não fazmais sentido falar em secundário e terciá-rio. Nesse sentido, seria fundamental ela-borar uma política para os serviços comohá a política industrial, e elas precisariamser articuladas”, acredita Álvaro Comin,pesquisador do Cebrap e professor de so-ciologia da Universidade de São Paulo(USP). Segundo ele, essa política teria dese estruturar sobre alguns pilares, como oredesenho das relações entre universida-des, centros de pesquisa e setor privado, acriação de linhas de financiamento especí-ficas para pesquisa e desenvolvimento, ofortalecimento institucional para promo-ver a formalização das empresas e a for-mação profissional.“O perfil das profissõesmuda rapidamente. Os cursos superioresprecisam se atualizar constantemente. Bol-sas para o exterior também têm de ser in-centivadas. Por fim, é muito importanteque o Brasil estabeleça acordos de coope-ração com universidades e centros de pes-quisa de ponta, coisa que a Índia e a Chinafazem com competência”, recomenda Co-min. O que se percebe, portanto, é que umciclo de desenvolvimento sustentado teráqualidade muito superior caso se consigaarticular a PITCE com iniciativas voltadasespecificamente para o setor de serviços,com a política educacional e com políticasde renda com investimentos focados eminfra-estrutura.

O setor de serviços é muito concentrado: 134 municípios respondem por 90% do valor agregado

Fotos Divulgação Politec

d

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AGRICULTURA

Márc

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f loresO caminho das

Curgul igo, stricta e sassy. Esses são os nomes de apenas três das diversas f lores que oBrasil vende para o exterior. Com um pouco de pesquisa e investimento, a produção, o comércioe a exportação de plantas ornamentais vêm evoluindo muito. O país aproveita suas qualidadesnaturais para melhorar as contas externas e a vida das pessoas no meio rural

P o r E l i a n a S i m o n e t t i , d e S ã o P a u l o

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48 Desafios • dezembro de 2006

E n t r e j a ne i r o e s e tembro des te ano, a expo r t ação de p rodu tos de f l o r i c u l t u ra

atualmente são grandes produtores de ro-sas, admiradas e compradas pela Holanda.E o melhor é que grande parte dos produ-tores são pequenos agricultores,muitos de-les organizados em cooperativas ou em ar-ranjos produtivos locais (APL) – o que au-menta a qualidade da vida no campo.

As novidades são muitas e pouco divul-gadas, desconhecidas de grande parte dosbrasileiros.Até os nomes soam estranhos.Alpínia, wagneriana e bihai são plantas or-namentais brasileiras, produzidas às mar-gens da Mata Atlântica,em Alagoas.São ex-portadas para a Europa pela Flora Atlântica,uma empresa pequena,com cinqüenta fun-cionários, que produz cerca de trezentascaixas de flores por semana – ou 6 tone-ladas.Trata-se de uma das principais expor-tadoras do estado, ao lado da Cooperativados Produtores e Exportadores de Plantas,

Flores e Folhagens Tropicais de Alagoas(Comflora).“O carro-chefe das vendas é aalpínia. Mas também há grande procurapor wagneriana, curculigo, stricta, sassy,episcopalis”,diz Adriana Outicica,sócia daFlora Atlântica.A exportação dessas plan-tas,que dão como mato no Brasil,são exóti-cas em lugares como Europa, Estados Uni-dos e Japão, onde ornamentam jardins decasas, empresas e parques. Foi possível de-pois de muita pesquisa feita em universida-des e na Empresa Brasileira de PesquisaAgropecuária (Embrapa) – para que cres-cessem rapidamente e mantivessem o pa-drão de coloração e a forma, exigências docomprador estrangeiro.

Surpresa? Pois há mais. Alagoas é umarevelação. Exportou 128,8 mil dólares emflores e plantas ornamentais entre janeiro eagosto de 2006, resultado 263% maior doque o de 2005.As informações resultam delevantamento do Ministério do Desen-volvimento,Indústria e Comércio Exterior(MDIC).Alagoas vende toda semana,parasupermercados franceses e suíços, 1,5 milbuquês.Holanda,França e Suíça são exem-plos de destinos da produção nacional de

im de ano, tempo de festas, sol eflores.Não poderia haver momen-to mais apropriado para Desafiosplantar um jardim em suas pági-

nas. Em meio ao colorido das flores, apro-veita para tratar de temas menos brandos:agricultura, ciência e comércio internacio-nal, mas sem esquecer a beleza. As boasnotícias, nessa seara, brotam por toda par-te. No Brasil são cultivadas espécies de to-dos os tipos de clima (não apenas as tropi-cais), adaptadas às condições de diferentesregiões.Existe uma vasta produção de bro-mélias,sem dano ao meio ambiente.O bra-sileiro anda tomando gosto por ter a casacolorida com vasos e jardins,e isso tem au-mentado o consumo interno.No Acre e emRondônia há pesquisa de melhoramentose novas espécies, e exportação de plantasornamentais e flores.Ceará e Minas Gerais

Fonte: IEA/Secex 2006

Os cinco maiores

importadores de

produtos da floricultura

brasileiraParticipação (em %), de janeiro asetembro de 2005 e 2006

2005 2006

1. Holanda 48,9 52,8

2. Estados Unidos 24,6 23,6

3. Itália 7,4 7,0

4. Japão 4,5 4,1

5. Bélgica 3,2 2,9

Colômbia e EquadorNa concorrência internacional, vence quem inova

A Colômbia tem terras férteis e clima favorável para o cultivo de flores.Atende 60% da demandanorte-americana, mas vem perdendo terreno no mercado global – no qual ainda ocupa o segundolugar no ranking, logo depois da Holanda. Sua história começa na década de 1970, quando algunsfazendeiros descobriram que poderiam fazer um acordo com as companhias aéreas e exportar flo-res para os Estados Unidos a bom preço, especialmente no inverno norte-americano. Evoluíramrapidamente.Anos depois, os dinamarqueses desenvolveram tecnologia que lhes deu maior com-petitividade internacional.Para resolver o problema,os floricultores colombianos pediram ao gover-no que reduzisse seus impostos. Resultado: muitos quebraram.“Os produtores de flores estavamperdendo dinheiro e, desconsolados, diziam apenas: ‘Não é nossa culpa’”, contam os dois econo-mistas que acompanharam a ruína da floricultura colombiana nos anos 1990, Michael Fairbankse Stace Lindsay, no livro Plowing in the Sea (em português,“Arando no mar”). A situação piorouquando a Internet passou a ser usada para compras. Os produtores colombianos não se adaptaramfacilmente às mudanças de gosto dos consumidores. Não investiram em pesquisa para diversificara produção, criar novas variedades e cores.Vêm perdendo na corrida com o Equador.

Em terras equatorianas o cenário é completamente diverso. Com 400 milhões de dólares emexportações em 2006, as flores ocupam o terceiro lugar entre as vendas externas do país. Um dosmaiores produtores de rosas do mundo,o Equador cria variedades exóticas em laboratório.A Hilsea,uma das três mais importantes produtoras equatorianas de flores, começou a exportar no final desteano cinco rosas geneticamente aperfeiçoadas.Vende 170 milhões de talos, especialmente paraEstados Unidos e Europa. Cultiva 35 novas variedades de flores de verão com características úni-cas.Tudo isso fruto do investimento em pesquisa e de um intenso trabalho de divulgação: atual-mente, a expressão “rosas do Equador”começa a se tornar uma marca reconhecida no planeta.

F

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Desaf ios • dezembro de 2006 49

s omou 24 ,2 m i l h ões de dó l a r es –16 ,1% ma i s do que em 2005

Thomas Hofer/ Unesco

Plantas que são comuns no Brasil, de ervas daninhas a bananeiras, são exóticas e servem de ornamento em casas e jardins europeus, americanos e asiáticos

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50 Desafios • dezembro de 2006

A ProClone, de São Paulo, desenvolve copos-de- le i te de c inqüenta cores e formatos

da Agricultura.É relativamente pouco,masjá foram registrados bons resultados. Deacordo com o Instituto Brasileiro de Flori-cultura (Ibraflor), o setor movimenta nopaís,anualmente,em torno de 1,2 bilhão dedólares e ocupa 2.545 produtores em 4.850hectares. Desde o ano 2000, o incrementodas exportações foi de 515%. Entre janeiroe setembro deste ano,as vendas externas deprodutos de floricultura somaram 24,2milhões de dólares – crescimento de 16,1%em relação ao mesmo período de 2005, se-gundo a Secretaria de Comércio Exteriordo Ministério do Desenvolvimento,Indús-tria e Comércio Exterior (Secex). O saldoda balança comercial registrou aumento de5,6%.De acordo com as previsões do Ibra-flor, em 2008 os embarques alcançarão 80milhões de dólares.“Com novas tecnolo-gias e divulgação, o mercado está reagin-

do”, diz o presidente da Câmara SetorialFederal de Flores e Plantas Ornamentais doMinistério da Agricultura, Renato Optiz.

No final de outubro foi realizada a maiorfeira de floricultura do mundo,a Horti Fair,em Amsterdã,na Holanda – na qual só par-ticipa quem é convidado. Neste ano estive-ram presentes dezoito países, o Brasil entreeles. Trata-se de uma boa oportunidade denegócios, como constataram os cearenses.Eles estiveram na feira pela quinta vez.A ca-da evento,abrem novos mercados.A área doestado dedicada à cultura de flores e plantasornamentais praticamente dobrou desde2004. Hoje chega quase a 300 hectares.“Aexibição é decisiva para a projeção da nos-sa marca”, diz o gerente do Projeto Flores,da Secretaria Estadual da Agricultura(Seagri) do Ceará,Rubens Aguiar.O estadocriou, em 2005, o projeto Flores do Ceará,

flores e plantas ornamentais.O cardápio doscompradores inclui trinta países, entre elesEstados Unidos, Itália, Canadá, Espanha,Alemanha e México (veja a tabela na pág. ao

lado).“Trabalhamos, agora, para abrir asportas dos países árabes a nossos produ-tos”, diz Léa Lagares, coordenadora na-cional de floricultura do Serviço Brasileirode Apoio às Micro e Pequenas Empresas(Sebrae).

Mercado global No planeta, o mercadoda floricultura rende 8 bilhões de dólaresanuais. Holanda, Colômbia, Dinamarca eEquador estão entre os grandes vendedores(leia quadro na pág.ao lado).O Brasil ingres-sou nesse time há menos de dez anos. Res-ponde por apenas 0,22% da exportaçãomundial e tem potencial para crescer 1,5%nos próximos anos, segundo o Ministério

Produtores devem se inscrever no Registro Nacional de Sementes eMudas (Renasem), uma determinação da legislação que regulamenta aatividade e fiscaliza o cultivo de flores tropicais do Ministério daAgricultura, Pecuária e Abastecimento. Informações e formulários estãodisponíveis em http://www.dfasp.gov.br/sefag_fiscalizacao_vegetal_se-mentes_renasem.htm.

No Brasil, dos 2 mil hectares de cultivo protegido de intempéries, cerca de70% são dedicados à produção de flores. Os Programas de Financiamentoe Incentivo à Exportação (Prodeagro-BNDES) estão proporcionando a consoli-dação de novos pólos produtores nos estados do Sudeste, Sul e Nordeste. OProdeagro oferece crédito de até 100% a projetos, a juro de 8,75% ao ano,para pagamento em sessenta meses com carência de dois anos. Informaçõesem www.bndes.gov.br/programas/agropecuarios/prodeagro.asp

A Secretaria de Comércio Exterior (Secex), do Ministério do Desenvolvi-mento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC), disponibiliza o sistema Vitrinedo Exportador. Os exportadores podem criar páginas com imagem e textopara divulgação de seus produtos no portal. Importadores potenciais têm fer-ramentas para pesquisar informações por empresa, produto ou mercado. Osistema foi desenvolvido em parceria com o Serviço Federal de Proces-samento de Dados (Serpro) e usa a base de dados do Sistema Integradode Comércio Exterior (Siscomex), atualizada mensalmente. O link éhttps://www.exportadoresbrasileiros.gov.br/g36157/servlet/serpro.sis-

comex.cadexp.servlet.ChamaPaginaServlet?nmPagina=/JSP/index_expo.jsp&inIdioma=pt_BR

O governo federal criou o portal Aprendendo a Exportar Flores, com infor-mações e links para empreendedores que desejam entrar no ramo.Trazdados sobre o setor, dicas de trâmites burocráticos e uma relação de ins-tituições que podem dar apoio à produção. O endereço: http://www.apren-dendoaexportar.gov.br/flores/

A primeira edição da Revista Sebrae Agronegócios teve como título “Jardimde oportunidades: flores e plantas atraem investimentos e adubam lucros”.Foi distribuída gratuitamente a empresários do setor de floricultura, insti-tuições, centros de pesquisas e universidades.Trata da expansão recente edo futuro da floricultura no Brasil. Está disponível e pode ser baixada na ín-tegra em http://www.sebrae.com.br/br/download/rev_agronegocio.pdf.

O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) publicou o estu-do “Caracterização do setor produtivo de flores e plantas ornamentais noBrasil”, um livro acompanhado de CD realizado com base no acervo deinformações do Censo Agropecuário 1995-1996.As estatísticas estão de-fasadas, mas é o que existe de mais completo sobre a potencialidade dosempreendimentos do setor produtivo de flores e plantas ornamentais noBrasil. Custa 20 reais e pode ser adquirido pela Internet no endereçohttp://www.ibge.gov.br/lojavirtual/fichatecnica.php?codigoproduto=8276.

Para quem quer entrar no ramo

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Desaf ios • dezembro de 2006 51

d i fe r e n t e s , mu l t i p l i c a d o s p o r c l o n a gem p a r a a g r ad a r a o c o n s um i d o r ex t e r n o

com selo e marca, para estimular o setor. Oprograma recebeu da Fundação GetulioVargas e do Banco Nacional de Desenvolvi-mento Econômico e Social (BNDES) o Prê-mio de Gestão Pública e Cidadania.

A campeã de exportação de rosas doCeará é a Reijers,empresa que também pro-duz em São Paulo e Minas Gerais e abastece40% do mercado interno.Criada na cidadede Holambra, no interior de São Paulo, em1971,foi a primeira produtora brasileira derosas em escala comercial. Não alcança es-sas marcas sem motivo. Suas rosas são cul-tivadas em estufas de aproximadamente 1hectare, em vasos com substrato de coco,nos quais tubos levam nutrientes e água di-retamente às plantas. Logo após a colheita,as rosas, transportadas em água para umacâmara refrigerada à temperatura de 8º C,são classificadas por variedade, tamanhode haste e ponto de abertura do botão. Atemperatura cai para 2º C na câmara deembalagem – em caixas que discriminam,em inglês,o tamanho da haste e a variedadeda rosa.Recentemente,a empresa associou-se a um grupo equatoriano, o Flores deCotopaxi,que tem duas fazendas,uma dis-tribuidora em Miami e exporta para 35países.Virou multinacional.

Há outros exemplos de grandes em-preendimentos na área da floricultura.Umé mineiro. Barbacena é produtora de rosashá décadas.Ocupa o quarto posto no rank-ing mundial da espécie.Mas não fica por aí.Antúrios,gérberas,copos-de-leite e bocas-de-leão colorem suas estufas, localizadas àsmargens da rodovia que liga Belo Hori-zonte ao Rio de Janeiro.Esse caso começouem 2003, quando trinta produtores da As-sociação Barbacenense dos Produtores deRosas (Abarflores) buscaram parceiros pa-ra aumentar a competitividade.Acabaramestruturando o projeto Floricultura na Re-gião de Barbacena. O trabalho foi minu-cioso. A associação detectou problemas,contratou um engenheiro agrônomo e pas-sou a superar as dificuldades uma a uma.Então promoveu a capacitação gerencialdos produtores, a inovação tecnológica e aintrodução de novas técnicas de manejo.

Pesquisas aumentaram a produtividade dasroseiras, durante o inverno, em 120% – fa-to importante, já que nessa época há faltado produto no mercado e,portanto,os pre-ços sobem. No último ano, o faturamentodos sócios da Abarflores cresceu 22%. E onúmero de espécies aumentou 27%.Atual-mente, suas vendas anuais somam 10 mi-lhões de unidades. Mais: há três anos, elesrepassam conhecimentos a outras áreas doestado. No município de Manhuaçu, noleste mineiro,já são cultivadas grandes áreasde plantas ornamentais tropicais com tec-nologia transplantada de Barbacena.

O maior pólo de produção de flores, noentanto, fica no estado de São Paulo, con-centrado basicamente em vinte municí-pios. O mais famoso é Holambra, mastambém há cultivos importantes em Ati-baia, Campinas, Dutra, Paranapanema e

Vale do Ribeira. A Cooperativa de Ho-lambra, que responde por 40% da pro-dução brasileira, exporta para oito países:Holanda, Estados Unidos, Portugal, Cana-dá, Inglaterra, Uruguai, Emirados Árabese Argentina. E está em negociação comItália, Alemanha, França e Japão. Foi pio-neira no cultivo protegido de flores e plan-tas no Brasil – o que faz a produção rendero dobro daquela feita a céu aberto e au-menta a durabilidade das flores.

Credibilidade Também está na cidade deHolambra a maior central de comerciali-zação de flores e plantas do país, a Veiling.Concentra produtores e cerca de quatro-centas empresas de pequeno, médio egrande porte, de todo o território nacio-nal, Mercosul, Estados Unidos e Europa.Seus produtores usam mudas e sementes

Márcia Goulthier/ASN

As bromélias são multiplicadas em laboratório, crescem e florescem rapidamente, e têm estimulado negócios

de agricultores gaúchos

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52 Desafios • dezembro de 2006

A demanda nac iona l pe las f lores trop ica is tem cresc ido entre 15% e 20% ao ano.

selecionadas e contam com pessoal treina-do e qualificado – o que garante credibili-dade. Um sistema informatizado de ven-da antecipada dá tranqüilidade e segu-rança ao produtor no planejamento de suaatividade. Hoje, o estado é grande expor-tador de tulipas – produzidas com se-mentes trazidas da Holanda há vinte anos.Mais que as rosas, as tulipas são altamenteperecíveis. Duram no máximo dez dias.Mas a demanda é garantida. E os produ-tores brasileiros aproveitam o período demaio a setembro, quando a produção daHolanda está em baixa, para explorar omercado externo.

A tecnologia desenvolvida em Holam-bra não fica restrita à cooperativa. Os se-gredos do cultivo de rosas,palmas-de-san-ta-rita, gérberas, crisântemos, margaridase cravos foram transmitidos,pelos técnicos,a duzentas famílias de Maracás, na Bahia.Essa ação faz parte do Programa Desen-volvimento da Floricultura, implantadopela prefeitura de Maracás e premiado pe-

lo Programa das Nações Unidas para As-sentamentos Humanos (UN-Habitat). Acidade, de clima e solo de região semi-ári-da, tem pouco mais de 31 mil habitantes ecolhe cerca de 60 mil flores por mês. As-sociações comunitárias, formadas por de-sempregados, cuidam de comercializá-las.

As histórias são boas. Notáveis, entre-tanto, são as experiências que ainda estãose iniciando ou que envolvem produtoresmenores, como um caso potiguar. No anopassado, seis floricultores do Rio Grandedo Norte formaram o grupo Ananas fromBrazil,que vende o abacaxi do tipo lucidus,nativo da região Nordeste e bastante procu-rado para ornamentação,paisagismo e florde corte. O Ananas from Brazil já exportapara Itália, França, Holanda, Portugal eEspanha.Outro caso,desta vez pernambu-cano: um grupo de 23 pequenos produtoresda região do Crato, no Cariri, formou umcondomínio, adquiriu 60 hectares de terrapara o cultivo de flores e plantas ornamen-tais e, cinco anos depois, havia gerado 1,2

mil empregos. A área plantada já cresceupara 160 hectares, e a produção aumentou742%.Uma terceira história é paulista e es-tá relacionada a pesquisa. A ProClone, dabióloga Monique Inês,multiplica mudas deflores geneticamente idênticas, em grandeescala, para comercialização. Sua especiali-dade são as orquídeas e a zantedeschia, umcopo-de-leite colorido. “Estamos traba-lhando com cerca de cinqüenta cores e for-matos, pois o mercado quer novidades”,diz a bióloga.

A cidade de Ilhéus, no sul da Bahia,vem despontando como pólo regional deflores tropicais. Exporta para Alemanha,Suíça, Espanha e Portugal. Antigos plan-tadores de cacau estão mudando de ramoe transformando suas terras em jardinscoloridos.A Associação de Produtores deFlores Tropicais e Plantas Ornamentais doSul da Bahia (Florassulba) conta com maisde quarenta associados. Sua primeira edi-ção do Seminário e Exposição Técnica deFlores Tropicais da Mata Atlântica (Flo-ratlântica), em novembro, teve uma facebastante prática, com orientações sobreprocedimentos para exportação e conser-vação pós-colheita, produção de arranjos,cooperativismo e comercialização. Reuniufloricultores, empresários e instituiçõesfederais, estaduais e municipais.“Vamosfazer deslanchar a floricultura em nossaregião”, diz o prefeito Valderico Reis – em-bora Ilhéus já seja o principal produtor deflores tropicais da região.

No Paraná,segundo o Departamento deEconomia Rural (Deral), da Secretaria deAgricultura,em 2005 o setor de floriculturafoi o único segmento agropecuário que re-gistrou crescimento – e um crescimento,di-ga-se,assombroso,de 72%.O Paraná não égrande exportador: produz para o merca-do interno, em pequenas propriedades. Orendimento explica o incremento do setor:100 mil reais por hectare plantado de florescomo crisântemos e gérberas (que não exi-gem grande investimento tecnológico).Talvez pelo mesmo motivo, esteja previstoaumento de 30% na área cultivada de florestropicais, folhagens e plantas ornamentais

Adriano Rosa

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M e s m o a s s i m , o B r a s i l c o n s o m e p o u c o s e c o m p a r a d o a o r e s t o d o m u n d o

em Mato Grosso até dezembro de 2008.Em Pernambuco, projeções da Asso-

ciação dos Produtores de Flores e PlantasTropicais (Perflora) apontam para um in-cremento nas vendas ao exterior da ordemde 30% em 2007.Atualmente, o estado ex-porta 6 mil unidades de hastes por semana.Segundo Arnaldo Pessoa, presidente daPerflora, apesar da concorrência com paí-ses como a Colômbia, o produto pernam-bucano tem tido bom desempenho: 60%do que é produzido segue para o exterior.Etambém há alta nas vendas internas.ApenasSão Paulo compra 3 mil flores frescas e bo-tões plantados no estado,todas as semanas.A demanda nacional pelas flores tropicaistem crescido entre 15% e 20% ao ano.

Bem, para resumir, há campos em florem Ji-Paraná, Rondônia (helicônias, alpí-nias,musas,costus e gengibres),na mineiraFormiga (copos-de-leite branquíssimos eenormes), na gaúcha Gravataí (onde dozeagricultores cultivam 20 mil mudas de bro-mélias por ano), em Araguaína, Tocantins(plantas ornamentais de diversas espécies).O Brasil é um jardim. E ainda há espaçopara muito mais. Na média, os brasileirosgastam 8 dólares por ano com flores. NaEuropa são 60. Na Suíça, o gasto chega a120 dólares. O crescimento da floriculturanacional em 2006 será superior ao aumen-to do Produto Interno Bruto (PIB).

Problema urgente a solucionar: flor, éclaro, tem de ser exportada em avião oumurcha antes de chegar ao consumidor. Efaltam câmeras frias nos aeroportos e emcompartimentos de carga dos aviões. Co-mo afirma Ikuyo Kiyuna, do Instituto deEconomia Agrícola (IEA) de São Paulo,emseu estudo “Flores: oportunidades nos mer-cados internacional e doméstico”,“os pro-dutos que oferecerem beleza, emoção, en-cantamento e qualidade com durabilidadevão fisgar o consumidor em caráter defini-tivo.Para isso,no entanto,é necessário pro-fissionalismo,competitividade,suporte empesquisa e marketing certeiro em todos oselos da cadeia de produção”. No mais, éaproveitar a cor, o perfume e a alegria queessa face do agronegócio proporciona. d

Phou Vao/LRP-OE

Belo exemplar de antúrio cor de chocolate (página ao lado). O cultivo de flores e plantas ornamentais rende dez

vezes ao agricultor do que o plantio de grãos: são, em média, 100 mil reais por hectare

flores 05/12/06 11:30 Page 53

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MELHORES PRÁTICAS

Operação limpezaMovimento de conscientização popular consegue reverter processo de degradação ambiental

em Macaé, uma das cidades mais atingidas pela extração de petróleo. Em quase dez anos,

o Programa Eco-Cidadão fez desaparecer 8 toneladas de l ixo que eram despejadas

diariamente nas ruas e nas praias. O próximo passo é o saneamento do principal rio da cidade

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té o início da década de 1970,Macaé era apenas uma aprazívelcidade do litoral norte do estadodo Rio de Janeiro, com uma eco-

nomia movida basicamente pela agrope-cuária e pela pesca. Seus cerca de 70 milhabitantes viviam tranqüilamente, desfru-tando a paisagem e o clima tropical. Mastudo mudou quando a Petrobras desco-briu que, sob o solo marítimo daquela re-gião, estava escondida uma gigantesca re-serva petrolífera. Em pouco tempo a ci-dade foi invadida pelos profissionais eequipamentos necessários para a retiradado precioso líquido das profundezas daTerra. Só para ter uma idéia, atualmenteexistem 46 mil trabalhadores nas platafor-mas de petróleo da região.

Junto com eles vieram os prestadores deserviços, os imigrantes em busca de em-prego e todo um movimento para o qual acidade não estava preparada.A primeira ví-tima desse processo foi justamente o meioambiente.Aumento da demanda por água,saneamento básico, recolhimento de lixo,depósito de resíduos etc. O rio Macaé, quecruza a cidade, transformou-se no princi-pal receptor de entulho e, em pouco tem-po, a vida desapareceu de suas águas.

Mais de vinte anos depois dessa trans-formação, apesar dos esforços da prefeitu-ra, o quadro não era nada animador. Foiquando, em 1997, a mineira Marielza Cu-nha Horta apresentou ao então prefeito deMacaé, Sylvio Lopes Teixeira, um projetode educação ambiental inspirado no tra-balho da Secretaria de Limpeza Urbana deBelo Horizonte. Sylvio Lopes achou a pro-posta interessante e convidou MarielzaHorta, que morava desde 1985 no municí-pio vizinho, Campos, para desenvolver ainiciativa no âmbito de seu gabinete. Oprojeto deu certo e foi transformado noprograma Eco-Cidadão. Com a amplia-ção das ações, houve a necessidade de criaruma estrutura própria e autônoma para oprojeto. Em dezembro de 1998, nasceu oCentro de Estudos Ambientais e de Cul-tura Contemporânea.“Levar o programaadiante foi um desafio muito grande. No

A

P o r G u s t a v o d e P a u l a , d e M a c a é , R J

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56 Desafios • dezembro de 2006

“A poluição ambiental é uma questão complexa, que depende do nível de compreensão das

Eco-Cidadão foi homenageado pelo Pro-grama de Gestão Urbana (PGU) com di-ploma de reconhecimento pelos avançosobtidos no município do norte fluminen-se. Seis meses depois, o programa parti-cipou do Fórum de Barcelona como umdos 42 projetos no mundo que mudarama realidade das cidades.

O grande mérito do programa é colocaros mobilizadores sociais diariamente nasruas, distribuindo material educativo e fa-zendo o corpo-a-corpo com a população.Por mês, são utilizadas de 3 mil a 5 mil car-tilhas.Além de promover a cultura da sus-tentabilidade e estimular a preservação am-biental, a limpeza urbana e o consumoconsciente, a iniciativa busca disseminar asolidariedade,a cultura de paz e o compor-tamento ético e moral.“É impossível rea-lizar um trabalho de educação ambientalsem mexer com os valores sociais”, afirmaMarielza Horta, que também é pedagoga.

Ela ressalta que a mobilização perma-

nente visa atrair a população para o progra-ma: “Nós fazemos questão de incluir osmoradores, desde o planejamento até aação, construindo as iniciativas em seu co-tidiano. Para viabilizar a mudança, é fun-damental trabalhar a idéia de pertencimen-to. As propostas têm de fazer sentido. Apoluição ambiental é um problema com-plexo, que depende do nível de compreen-são das pessoas.Informar não é garantia detransformação.A população precisa enten-der o processo. Afinal, o cidadão faz partedo problema e da solução”.

Responsabilidade Promover o princípio daco-responsabilidade, quebrando a dicoto-mia entre o papel do cidadão e o da admi-nistração pública,é fundamental para a for-mação de multiplicadores.Um deles é o ca-tador de lixo Cléo Tomé de Miranda Prata,de 49 anos, dez dos quais dedicados à cole-ta de lixo para reciclagem.Ele é um dos quefreqüentam a sede do Eco-Cidadão e dis-

início, havia a resistência de pessoas daprópria administração municipal. Hoje,aqueles que criticavam são nossos par-ceiros”, diz a coordenadora executiva eidealizadora do Eco-Cidadão.

Os resultados obtidos pelo programamostraram que a preservação da naturezae o respeito ao espaço público dependemmuito da mobilização social e da partici-pação popular. Por meio da realização deações contínuas com os moradores, a ini-ciativa conseguiu reduzir em mais de 6 to-neladas o descarte diário de lixo nas viascentrais da cidade. A poluição das praiastambém diminuiu consideravelmente,com2 toneladas a menos de lixo por dia. Outrodado relevante é que a utilização corretadas lixeiras públicas aumentou em 70%. Ea receita dos catadores que trabalham commaterial reciclável cresceu 40%. Mais doque os números, impressiona a capacidadedo Eco-Cidadão de superar, com umaequipe muito reduzida e pouquíssimos re-cursos financeiros, os desafios de uma ci-dade que recebe 320 milhões de reais porano em royalties do petróleo, mas que ap-resenta graves problemas sociais e ambien-tais e ocupa apenas a 805ª posição no ran-king brasileiro do Índice de Desenvolvi-mento Humano (IDH). Desafios que sãoainda maiores se considerarmos que 80%da população da cidade veio de fora.

Reconhecimento O aumento do nível deconsciência ecológica da população e asconseqüentes melhorias na limpeza ur-bana e na qualidade de vida dos morado-res fizeram com que a iniciativa conquis-tasse o reconhecimento da comunidadeinternacional. Em 2002, o trabalho reali-zado pela ONG Centro de Estudos Am-bientais e de Cultura Contemporânea, emparceria com a prefeitura de Macaé, ficouentre os quarenta finalistas do Prêmio In-ternacional de Dubai para Melhores Prá-ticas, promovido pelo Programa das Na-ções Unidas para Assentamentos Humanos(UN-Habitat). O trabalho ainda recebeudois prêmios da Organização das NaçõesUnidas (ONU). Em dezembro de 2003, o

Marielza Cunha Horta, idealizadora do programa Eco-Cidadão, mostra o cartaz educativo das campanhas

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tribui material educativo por conta própria.“Eu procuro conscientizar os outros mora-dores da importância das nossas ações paraas gerações futuras. Graças ao trabalho doEco-Cidadão, a população está despertan-do para o fato de que a poluição não é sóum problema dos mais pobres.Quem pos-sui dinheiro e instrução também não res-peita o meio ambiente”, diz o catador.

Um dos principais desafios do Eco-Ci-dadão é fazer com que os moradores se re-conheçam como atores da poluição e en-xerguem a relação de seus problemas coma degradação ambiental.“Mudar os hábitospredatórios da noite para o dia é muitocomplicado.As pessoas precisam conhecera realidade socioambiental em que estão in-seridas. De forma geral, a alienação da po-pulação de Macaé era muito grande antesda criação do programa. Os moradoresnão questionavam a qualidade do meioambiente. Começamos, então, a estimularo senso crítico e a democratizar o acesso à

informação, traduzindo o conhecimentocientífico para uma linguagem de fácil com-preensão.Só assim conseguimos a parceriado cidadão”,explica Marielza Horta,desta-cando que o programa trabalha com o con-ceito dos 4 R’s, adaptado da ecologia: re-duzir, reutilizar, reciclar e respeitar.

Infra-estrutura O biólogo Walter Leal Fi-lho, professor da Universidade de Ham-burgo, na Alemanha, concorda que a po-luição ambiental seja um problema cultu-ral,mas lembra que ela sofre a influência dafalta de infra-estrutura.“Como é possívelpedir às pessoas que não joguem lixo nasruas sem colocar cestos de coleta para isso?Sozinha, a educação ambiental não é sufi-ciente. Mobilizar as pessoas sem oferecerinfra-estrutura para que as mudanças decomportamento sejam apoiadas represen-ta perda de tempo”, afirma o brasileiro.

Apesar de o foco do Eco-Cidadão ser amudança comportamental, o programa

tem a preocupação de assegurar as inter-venções necessárias à melhoria da quali-dade de vida da população.Para isso,dialo-ga com o poder público e pressiona paraque a administração municipal tome as me-didas cabíveis. Um dos exemplos desse en-gajamento é a campanha Preservar o RioMacaé:Ação de Todos,lançada em dezem-bro do ano passado, que chama a atençãopara os graves danos ambientais sofridospela principal fonte de água da cidade. Aolongo de seus 138 quilômetros, a bacia hi-drográfica do rio corta os municípios deCasimiro de Abreu, Rio das Ostras, Con-ceição de Macabú, Carapebus, Nova Fri-burgo e Macaé,onde se encontram 82% desua extensão.“Ficamos surpresos com a fal-ta de percepção das pessoas. Muitas nãosabiam nem que se tratava de um rio.Achavam que era um depósito de lixo. E-stamos resgatando o rio Macaé como umbem comum e alertando os moradorespara a gravidade da situação. Com a cam-

pessoas. A população precisa entender que o cidadão faz parte do problema e da solução”

que visam, entre outras coisas, resgatar a saúde do rio Macaé, atualmente poluído (acima)

Fotos Marcelo Hollanda

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“ F i camos surpresos com a fa l t a de percepção das pessoas . Mu i t as não sab i am

plantação de cana-de-açúcar, não estavapreparado para as bruscas transforma-ções que viria a sofrer. De 1980 a 2005, onúmero de habitantes de Macaé aumen-tou em 106,17%, saltando de 75.863 para156.410 habitantes, segundo dados doInstituto Brasileiro de Geografia e Esta-tística (IBGE). Em 25 anos, a populaçãoda cidade cresceu cerca de duas vezesmais do que a brasileira.

De acordo com o secretário de MeioAmbiente de Macaé, Fernando MarceloManhães Tavares,a prefeitura espera iniciar

no ano que vem a dragagem do rio Macaé.O trabalho de recuperação da bacia hidro-gráfica também inclui o reflorestamentodas áreas devastadas, com a produção demudas em pequenas propriedades rurais; ea remoção e o reassentamento da popula-ção invasora da Ilha Colônia Leocádia,com o objetivo de diminuir a pressão sobreas margens do rio e recriar condições deplantio no manguezal.“O crescimento nãoplanejado teve conseqüências muito nega-tivas para a população macaense. Os de-safios são enormes. Além dos problemas

panha, o poder público terá de reagir e in-vestir na sua recuperação”, defende a coor-denadora do Eco-Cidadão, lembrandoque um dos objetivos do programa é fazercom que os habitantes do município co-mecem a cobrar e a buscar soluções paraos problemas coletivos.

Nascido e criado em Macaé, o taxistaValdemir de Almeida, de 57 anos, é a pro-va de que o trabalho do Eco-Cidadão estásurtindo efeito. Ele é rápido na hora de fa-zer uma análise do principal problema dacidade.“O grande ônus do progresso deMacaé é a invasão de áreas ribeirinhas,causada pelo déficit habitacional. E é com-plicado cobrar dessas pessoas a preserva-ção da cidade. Elas não têm cultura paraentender a importância do meio ambiente.É por isso que o trabalho do Eco-Cidadão,de educar os moradores, mostra-se impor-tantíssimo. Observo que as pessoas estãomais conscientes.”

Para o professor da Universidade Abertado Porto, em Portugal, o biólogo marinhoportuguês Ulisses Azeiteiro,o valor de pro-gramas como o Eco-Cidadão está exata-mente em tornar as pessoas exigentes, tan-to ambiental como civicamente, para con-sigo mesmo e para com o meio socioeco-nômico que as rodeia.“A educação ambi-ental tem o poder de transformar as pes-soas em cidadãos participativos e ativos nadefesa de práticas industriais compatíveiscom o desenvolvimento sustentável.”

Invasão O processo de degradação do rioMacaé inclui o assoreamento, a destruiçãoda vegetação da Mata Atlântica e o despejode lixo e esgoto. Grande parte dos proble-mas é causada pela ocupação irregular dasmargens. Desde a década de 1970, com adescoberta das jazidas de petróleo da Baciade Campos e a posterior construção dasinstalações da Petrobras em Macaé,a cidaderecebe anualmente milhares de pessoas detodo o Brasil em busca de emprego.Muitasnão conseguem trabalho e acabam margi-nalizadas, o que gera, além da violência, ainvasão de áreas de preservação ambiental.O município, que nasceu da pesca e da

O gari José Hilton Tavares (no alto); a diretora do Colégio Municipal de Pescadores, Tânia Maria Martins

Pacheco, diante de placa indicando a recuperação da área de manguezal da escola

Fotos Marcelo Hollanda

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ambientais, temos de lidar com o impactode centenas de carretas trafegando diaria-mente dentro da cidade, com a demandacrescente por saúde,educação e saneamen-to básico,com a falta de capacitação profis-sional e moradia regular para milhares dehabitantes,com a necessidade de tratamen-to de resíduos químicos e com o aumentoda violência e do tráfico de drogas”,lamen-ta Tavares, destacando que o maior desafioda administração municipal é prepararMacaé para a era pós-petróleo.

Capacitação Para ampliar o alcance da cam-panha Preservar o Rio Macaé:Ação de To-dos,o programa está capacitando cinqüen-ta alunos de quatro escolas municipais situa-das em áreas ribeirinhas: Neuza Brizola,Ciep Nova Holanda, Pescadores de Macaée Botafogo. Depois de participarem de ofi-cinas sobre preservação da cidade, partici-pação popular,sustentabilidade,cultura depaz e recuperação do rio Macaé,as criançasforam organizadas em cinco conselhos co-munitários e passaram a atuar como mo-bilizadores sociais em seus bairros.Os mes-mos jovens foram escolhidos para iniciarum projeto de agricultura urbana em seuscolégios. Com mudas doadas pelas comu-nidades e com o apoio técnico do Eco-Ci-dadão, eles fizeram o plantio de ervas aro-máticas e medicinais,entre elas boldo,hor-telã,erva-doce e manjericão,em hortas cria-das nos pátios das escolas.“A iniciativa re-força o interesse das crianças pela ecologiae faz com que elas aprendam e disseminemconceitos ambientais importantes”, expli-ca Tânia Maria Martins Pacheco, diretorado Colégio Municipal de Pescadores.

O Eco-Cidadão decidiu investir na agri-cultura urbana por acreditar que a práticaestimula a organização comunitária e tra-balha a questão da segurança alimentar eda economia doméstica e solidária,além deproporcionar a melhoria do microclima.“Aagricultura urbana incentiva uma cidademais verde e inclusiva, e o uso de espaçosociosos. Ela estimula a agricultura orgâni-ca e, conseqüentemente, uma vida maissaudável.E ainda possibilita,no longo pra-

zo, a geração de trabalho e renda”, defendeMarielza Horta.

Entre as ações desenvolvidas pelo pro-grama ao logo de quase dez anos,cabe des-tacar a Caminhada da Limpeza, os semi-nários internacionais sobre sustentabilida-de,o Prêmio Eco-Cidadão e as campanhasEducação para o Consumo Alimentar,EcoConsumidor,Praias Limpas,Eco Pescador,Catadores de Papel e Selo Verde.A mais po-pular delas é a Caminhada da Limpeza,quechegou neste ano à oitava edição. Na datamarcada, os garis de Macaé, liderados porsua madrinha, Elke Maravilha, caminhamjuntos pelas ruas do centro para pedir àpopulação que colabore com seu trabalhoe não suje a cidade. Uma das marcas doEco-Cidadão é a realização de iniciativasdirecionadas a públicos específicos, comoambulantes,pescadores,taxistas e catadoresde papel. Os garis merecem atenção espe-cial.“Incentivamos a inclusão social, o res-peito e a valorização dos garis.Esses profis-sionais eram muito discriminados, e elessão de grande importância para a cidade epara o programa. São personagens que li-dam com todas as questões urbanas”, lem-bra Marielza Horta.

Lições Apesar de estar morando em Macaéhá apenas oito meses,o gari José Hilton Ta-vares já aprendeu lições importantes como Eco-Cidadão.“Temos de cuidar do meioambiente e zelar pela cidade. Eu gosto dedeixar tudo muito bem limpo. Nós, garis,precisamos dar bom exemplo. Se todas aspessoas parassem para ler as cartilhas e re-fletissem sobre as informações,a qualidadede vida na cidade estaria muito melhor”,conta o alagoano de 54 anos.

Assessor da Secretaria Geral da AgênciaNacional de Águas (ANA) e autor do livroEcologizar, Pensando o Ambiente Humano,o ecologista Maurício Andres Ribeiro con-corda com a estratégia do Eco-Cidadão.“Cada segmento específico do público teminteresses, conhecimentos e percepçõesdiferenciadas.Saber comunicar-se com ca-da um deles de forma efetiva é importantepara que as mensagens sejam absorvidas e

aproveitadas.Da mesma maneira,cada pú-blico tem uma forma de atuação, que pre-cisa ser incentivada.”

O Eco-Cidadão obteve grandes avan-ços, mas o caminho a trilhar é longo. “Oprograma precisa ampliar suas ações den-tro da cidade.Sua atuação está muito restri-ta à área central de Macaé. Esperamos re-duzir essa deficiência no ano que vem,como lançamento do projeto Caminhos Urba-nos,para a manutenção dos espaços públi-cos nos bairros. Sabemos que há muito aser feito. Seria muita pretensão acharmosque somos a solução. Na verdade, somosinstrumentos no processo de mudança”,afirma Marielza Horta.

Voluntários Uma das grandes dificuldadesé a falta de recursos humanos e materiaissuficientes. Somados os mobilizadores so-ciais e os técnicos (estes responsáveis pelaelaboração de projetos e atividades de pla-nejamento, pesquisa e comunicação), aequipe não chega a dez pessoas. O valorrepassado mensalmente pela prefeitura éinsuficiente para cobrir os gastos. O quefaz o Eco-Cidadão conseguir manter eampliar suas ações é o apoio de volun-tários e a parceria com organismos inter-nacionais, universidades estrangeiras eórgãos federais e estaduais, que doam ma-teriais educativos e oferecem cooperaçãotécnica.“As dificuldades não nos desani-mam. Pelo contrário, elas servem de estí-mulo para que continuemos nossa luta embusca do desenvolvimento sustentável”,declara, otimista, Marielza Horta.

No mês passado, a divulgação do rela-tório bienal Planeta Vivo, da ONG FundoMundial para a Natureza (WWF), apon-tou uma realidade preocupante: o con-sumo médio mundial de recursos naturaisé 25% superior à capacidade de recupera-ção do planeta. O estudo mostra que esta-mos realmente longe de alcançar o sétimodos oito Objetivos do Milênio, que é ga-rantir a sustentabilidade ambiental.A boanotícia, no entanto, é que existem pessoase administrações públicas dispostas a mu-dar o futuro.

nem que se t ra tava de um r i o . Achavam que e ra um depós i to de l i xo”

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CIRCUITOciência&inovação

Astronomia

Olhando do alto

No dia 19 do mês passado, um imenso balão de 500 milmetros cúbicos de volume subiu aos céus a partir dabase do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe),em Cachoeira Paulista (SP). Ele carregava um telescó-pio de 8 metros de comprimento e 800 quilos de peso. Obalão subiu a 38 quilômetros de altura, de onde otelescópio pôde produzir imagens de alta resolução deobjetos astronômicos e transmiti-las para a Terra. Osprincipais objetivos científicos desse experimento são adetecção de mecanismos de aceleração de partículas no

universo,medidas diretas da emissão de buracos negros,e a compreensão do ciclo de reprocessamento de ele-mentos químicos no universo. Depois de 12,5 horas devôo, o telescópio se desprendeu do balão e caiu sobre omar, com o auxílio de pára-quedas, no litoral do Rio deJaneiro.Toda essa operação tem o nome de experimen-to Sumit (sigla em inglês para SuperMirror ImagingTelescope experiment) e foi realizada pelo Inpe em par-ceria com a Universidade de Nagoya e o Institute ofSpace and Astronautical Science (Isas), do Japão.

Internet

Longe da universalização

Os primeiros resultados da 2ª Pes-quisa sobre Uso da Tecnologia daInformação e da Comunicação noBrasil, a TIC Domicílios 2006, com-provaram que o país ainda estálonge de universalizar o acesso àtecnologia. Os dados, divulgadospelo Núcleo de Informação e Coor-denação do Ponto BR (NIC.br), doComitê Gestor da Internet no Brasil(CGI.br), mostram que mais da me-tade dos brasileiros (54,4%) nun-ca usou um computador e apenasum terço da população já navegouna Internet. Entre aqueles que tive-ram acesso à rede mundial nos úl-timos três meses, 40% o fizeramda própria casa, 30% em centrospúblicos pagos (as LAN houses) e24,4% conectaram-se no local detrabalho.Os que ainda estão à mar-gem do mundo da informática ex-plicam que não conseguem rompera barreira por causa do alto custodos computadores e da conexão.Mais informações no endereçowww.nic.br/indicadores.

Sementes

Cultura resgatada

A cultura é algo tão abrangente e,ao mesmo tempo, abstrato que podeser encontrada nos lugares maissurpreendentes, como dentro dosfrigoríficos das unidades de Bra-sília da Empresa Brasileira de Pes-quisa Agropecuária (Embrapa). Foiexatamente aí que um grupo de cin-co membros da comunidade indíge-na guarani M’bya, da ilha de Cotin-ga, município de Paranaguá, no Pa-

raná, foi em busca de suas antigastradições. Nas câmaras frias da Em-brapa, estão sementes originais deabóbora,moranga,batata-doce,man-dioca, inhame, pimentas, hortaliçase sorgo sacarino, capazes de produ-zir os vegetais como eles eram anti-gamente, antes que o manuseio, ouso de agrotóxicos, os enxertos e asmodificações genéticas alterassemas sementes. Não é a primeira vez

que a Embrapa desenvolve esse tipode trabalho. Nos anos 1990, ela de-volveu aos Craôs, do Tocantins, oseu milho tradicional, que havia seperdido. Para os índios, as sementessão sagradas, porque foram um pre-sente de Tupã para que os homenstivessem alimento na Terra. A mis-são dos indígenas é guardar as se-mentes, gerar novos frutos e im-pedir que elas se percam.

Pesquisa Lia VasconcelosTexto Andréa Wolffenbüttel Yasushi Ogasaka/Inpe

60 Desafios • dezembro de 2006

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Veterinária

Vacina celular

O Instituto de Tecnologia do Paraná(Tecpar), ligado à Secretaria de Es-tado da Ciência,Tecnologia e EnsinoSuperior, começou a produzir umanova vacina anti-rábica de uso vete-rinário por cultivo celular. Não temefeito colateral,produz mais anticor-pos e imuniza os animais por prazomais longo do que a vacina tradi-cional. Foi desenvolvida no Japãoem 1961, mas até agora não erafabricada no país.“A inovação colo-ca a Tecpar no estágio dos labo-ratórios mais avançados do mundo”,diz Mariano de Matos Macedo,presi-dente do instituto.Sua previsão é deque os criadores brasileiros com-prem 33 milhões de doses em 2007.E que também haja interesse peloproduto no Mercosul.

Energia

Fusão internacional

À medida que a ameaça de escassezde energia aumenta,qualquer inicia-tiva visando diversificar a matrizenergética é bem-vinda.Por isso foimuito comemorada a formalizaçãoda Rede Nacional de Fusão (RNF),ocorrida no mês passado. Os obje-tivos da rede são o avanço dos expe-rimentos em fusão nuclear controla-da e a participação em projetos in-ternacionais, como o do Reator Ter-

monuclear Experimental Internacio-nal (Iter, na sigla em inglês), queserá construído na França em cola-boração com países da ComunidadeEuropéia,Estados Unidos,Japão,Rús-sia, China, Índia e Coréia do Sul. ARNF será formada por quinze institui-ções de pesquisa, abrigando inicial-mente setenta cientistas. A coorde-nação ficará por conta da ComissãoNacional de Energia Nuclear (Cnen).

Monitoramento

Quem está fazendo o quê

Uma das grandes dificuldades nahora de criar políticas públicas deincentivo à pesquisa é saber exata-mente o estágio atual do desenvolvi-mento no país e fora dele: quem es-tá fazendo o que e onde. Para res-ponder a essas perguntas, o Depar-tamento de Política Científica e Tec-nológica da Universidade Estadualde Campinas (DPCT-Unicamp), emparceria com a Elabora, empresa donúcleo Softex, está trabalhando nacriação de um sistema de monitora-mento em ciência e tecnologia. Oprojeto atende a um pedido da Coor-denação Geral de Biotecnologia eSaúde, do Ministério da Ciência eTecnologia (MCT), e por isso a áreaescolhida como alvo do acompa-nhamento é justamente a biotecnolo-gia. Para isso, além de discussõesde cunho conceitual e metodológico,foi desenvolvido um software para

acesso, obtenção e tratamento deinformações que permitiu a coletade mais de 32 mil patentes e dequase 9 mil artigos, entre 1973 e2003. Os primeiros resultados mos-tram uma grande planilha com vá-rios tipos de busca.Análises de da-dos coletados revelaram, por exem-plo, o destaque da Austrália em pa-tentes na área de biotecnologia, en-tre os anos 1970 e 1980, e o gastobem maior com pesquisa e desen-volvimento desse país, quando com-parado ao Brasil. Na segunda fasedo projeto, ainda em andamento,serão refinados os instrumentos demonitoramento, incluindo atualiza-ções,expansões das redes de dados,capacitação de profissionais,amplia-ções da rede de busca, aperfeiçoa-mentos dos procedimentos computa-cionais e aplicações da metodologiano campo da genômica.

Inovação

Pesquisa subestimada

O empresariado brasileiro ainda nãoacordou para a importância do in-vestimento em pesquisa e desenvol-vimento (P&D) dentro das empresas.É o que mostra o livro Inovação Tec-nológica no Brasil: a Indústria emBusca da Competitividade Global,publicado pela Associação Nacionalde Pesquisa, Desenvolvimento e En-genharia das Empresas Inovadoras

(Anpei).Segundo os autores,das em-presas que fizeram pelo menos umainovação de produto ou processo em2000, apenas 24,2% consideravamaltamente importante a realização deatividades internas de P&D, porcen-tagem que caiu para 17,2% em2003. No outro extremo, 79,3% des-sas empresas consideraram baixa aimportância da P&D interna.

AEN/Paraná

100.000 Esse é o número de novos blogscriados a cada dia. Isso indica que a blogosferaduplica de tamanho a cada 230 dias.

Um computador de propriedadebrasileira acaba de ingressar noTop 500, ranking dos 500 compu-tadores mais rápidos e potentes domundo. Ele é o terceiro computadorcom endereço no Brasil a constarna lista, mas é o primeiro de usoacadêmico, já que os outros doispertencem à Petrobras. O novo su-percomputador, fabricado pela IBM,foi adquirido pela Universidade deSão Paulo (USP) e é composto deum aglomerado de 448 proces-sadores que trabalham simultane-amente, efetuando a incrível quan-tidade de 2,9 trilhões de opera-ções por segundo. O cluster, comoé chamado esse conjunto de pro-cessadores, ficará instalado noCentro de Computação Eletrônicada USP e deverá entrar em ope-ração no dia 15 de dezembro. Onovo computador,que ocupa a 363ªposição no Top 500, custou 650mil dólares,mas os cientistas acre-ditam que seu preço de mercadochegue a 1 milhão de dólares. Elefoi vendido por um valor inferiorporque o fabricante achou interes-sante ter o equipamento na listados 500 mais.

Computadores

A fórmula 1 dos

processadores

Fonte: Relatório “State of the Blogosphere", divulgado pela Technorati

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Universidade de São Paulo (USP)é a única universidade brasileiraa figurar entre as duzentas me-lhores do mundo. Ela é respon-

sável por um quarto da produção científi-ca brasileira, por mais de um quarto dosdoutores e por quase um quinto dos mes-tres. Trate-se de um bom resultado parauma instituição que completou 70 anos re-centemente. Sua esperança de vida era in-certa em 1934, quando foi criada pelas eli-tes paulistas para compensar a intervençãofederal depois da Revolução de 1932. Noinício, ela carecia de equipamentos: os pro-fessores traziam de casa tubos de ensaio.Com o surgimento das instituições de fo-mento, ela cresceu até chegar ao que é ho-je: uma instituição exemplar.

O livro é uma coleção de entrevistas,com“massa atômica” proporcional à contribui-ção da USP para a produção científica noBrasil: são oito reitores,vários vice-reitores epró-reitores de graduação, de pós-gradua-ção,de pesquisa e de extensão,num total de32 personalidades. Seus depoimentos po-dem ser lidos como uma história coletiva,com saborosas passagens sobre a vida de ca-da um,em grande parte filhos de imigrantespobres que tiveram sucesso graças ao es-forço pessoal,às oportunidades abertas porSão Paulo e alguma sorte.Sua leitura confir-ma, se preciso for, que a maior riqueza deuma nação está em seu próprio povo.

A primeira parte trata de uma históriaque vai muito além dos 70 anos de vidaoficial: são 180 anos, desde criação da Fa-culdade de Direito, em 1827.A introdução,

assinada pelo organizador, Shozo Moto-yama, começa por um sobrevôo do papelda universidade na sociedade moderna erefaz sua trajetória no Brasil, detendo-sesobre a inserção da USP na história econô-mica, científica e política nacional. Ela seinicia com a Faculdade de Filosofia, Ciên-cias e Letras, que deveria fazer a junção dasescolas existentes: faculdades de Direito,Medicina e de Farmácia e Odontologia, es-colas Politécnica e Superior de Agriculturade Piracicaba.Foram contratados,em 1934,treze professores estrangeiros. Segundo umdeles, Lévy-Strauss, seu papel mais impor-tante não foi o ensino, mas a disciplina: osbrasileiros eram bons, mas indisciplinadoscientificamente. A USP foi internaciona-lizada desde o início, não apenas pela con-tribuição dos estrangeiros, mas tambémpelo envio dos melhores alunos ao exterior,numa época em que inexistiam as institui-ções de fomento. O regime de tempo inte-gral, criado em 1946 sob iniciativa de JoséReis, foi essencial para a integração do en-sino com a pesquisa.

A USP acompanhou as vicissitudes dapolítica nacional, desde os anos de cresci-mento otimista, na era Vargas e Kubitschek,até o renascimento democrático, em 1985,passando pelo cerceamento do pensamen-to, na ditadura. Alguns dos cientistas ex-pulsos nessa fase voltaram e propuseramum Instituto de Estudos Avançados, efeti-vado pelo reitor José Goldemberg. Tam-bém surgiu o Centro Interunidade de His-tória da Ciência, que veio a ter importantepapel na memória da produção científica

e tecnológica brasileira, refletido nessemesmo volume. Recentemente, a USP ca-minhou no sentido de uma maior integra-ção com a comunidade, inaugurando, em2005, um novo campus, a USP-Leste.

Os três primeiros capítulos tratam do“longo antecedente”(entre 1827 e 1934),da“construção da universidade” (dos anos1930 à ditadura,em 1969) e da “universidaderesistente”, isto é, os vinte anos posterioresaté 1989,quando foram aprovados novos es-tatutos.Alguns episódios são dolorosos,co-mo a cassação de setenta professores com oAI-5. A trajetória de resistência ao regimeautoritário é contada paralelamente ao rela-to da gestão de cada um dos reitores, até aadministração Goldemberg (1986-1990),que realizou grandes reformas. Sua maiorvitória,com as demais universidades paulis-tas, foi a conquista da autonomia orçamen-tária,com a vinculação de parte das receitasdo ICMS. Outra iniciativa sua, controversana época, hoje corriqueira, foi a introduçãoda avaliação dos professores,responsável pe-lo enorme salto na produção científica.

Os ensaios históricos, cobrindo a his-tória educacional brasileira até 1989, e osdepoimentos, que alcançam nossos dias,constituem o mais amplo relato que se co-nhece sobre uma instituição exemplar deensino e pesquisa, única em sua categoriapela qualidade da produção científica.O li-vro combina a história oral com a reconsti-tuição do processo histórico que explica asrazões desse sucesso acadêmico e científico.

Paulo Roberto de Almeida

Uma senhorita aos 70 anos

USP 70 Anos: Imagens de uma História Vivida Shozo Motoyama (org.)São Paulo: EdUSP, 2006, 704 p., R$ 120,00

A

62 Desafios • dezembro de 2006

ESTANTElivros e publicações

estante 29 05/12/06 11:44 Page 62

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Para decidir

Diplomaciadurante aditadura

odos que acompanham o traba-lho de Fabio Giambiagi sabemque ele escreve em ritmo frenéti-co, muitas vezes mais rápido do

que a leitura é capaz de acompanhar. Seutrabalho é planejado minuciosamente ecom grande antecipação.Seu livro mais re-cente, sobre a Previdência Social no Brasil,reflete um longo período de amadureci-mento após o qual consolidada a visão doquadro social e econômico mais geral, asidéias em que se baseia podem ser expostasde forma clara e objetiva, quase sempre as-sociadas às implicações para as políticaspúblicas – no caso, a necessidade de umareforma no sistema previdenciário.

O livro é permeado por certo tom dedesabafo contra as tentativas de enquadrara questão de forma emocional ou ideológi-ca. Para isso, Giambiagi, de forma poucocomum em obras de natureza mais técni-ca, expõe parte de sua história de vida pes-soal para mostrar suas experiências diretascom o problema da velhice e argumentarque, não obstante toda a carga de dificul-dades associada a esse período da vida, épreciso enfrentar os dilemas que a Previ-dência Social coloca para o futuro do paíssob pena de permanecermos estagnadosem relação ao resto do mundo.

O trabalho de Giambiagi sobre a Pre-vidência nasceu de suas pesquisas sobre apolítica fiscal, em especial durante os anos1990.Ali já se percebia o problema geradopela Constituição de 1988 ao estender osdireitos previdenciários a trabalhadores quejamais haviam contribuído para o sistema,ao qual veio associar-se posteriormente oimpacto de fortes elevações do salário mí-nimo.Os dados apresentados são eloqüen-tes quanto ao crescimento das despesas pre-videnciárias no conjunto do gasto públicoe como proporção do PIB, e ajudam a en-tender por que a tributação aumentou tan-to no período recente, comprometendo aexpansão da economia.

O livro traz para a linha de frente do de-bate a necessidade urgente de reformar aPrevidência Social. Os argumentos con-

trários à reforma, que procuram relativizaros desequilíbrios do sistema previdenciáriocom base em questões como o excesso defraudes,o papel da Previdência na reduçãoda pobreza ou ainda de que o verdadeirodesequilíbrio estaria no peso dos juros nascontas públicas,vão sendo atacados grada-tivamente, sempre com base em dados eutilizando uma linguagem simples.Aliás,osegundo aspecto a ser destacado no livro éque ele avança muito também na forma deapresentar os problemas, buscando comu-nicar-se com um público mais amplo. Dascomparações com a questão previdenciáriaem outros países emerge claramente a dis-torção representada pelo caso brasileiro,onde se gasta com aposentadorias, comoproporção do PIB, tanto quanto países eu-ropeus onde a parcela da população repre-sentada por esse grupo é o dobro da doBrasil.A mensagem final é clara: o país en-contra-se diante de uma escolha entre opassado e o futuro, ou “entre nossos pais enossos filhos”. Certamente não é uma es-colha trivial, mas dificilmente se poderiapensar num trabalho que oferecesse demaneira tão clara os elementos para que elaseja feita – ao contrário do que ocorreu nopassado – de maneira consciente, avalian-do seus custos e benefícios. Podemos nãogostar do dilema, mas simplesmente nãopodemos mais ignorá-lo.

Paulo M. Levy

exemplo do primeiro volume des-ta obra, lançado há cinco anos,quecobria de fato o período pós-Ba-rão,ainda que de modo lato (1912-

1964),Fernando Barreto oferece,no presentelivro, uma história das relações internacio-nais e da política externa do Brasil em seusentido amplo, cobrindo tanto os episódiosdiplomáticos, estrito sensu, como o quadromais amplo da economia e da política mun-diais.A perspectiva é linear,como já tinha si-do o caso no volume precedente. Ela acom-panha a trajetória de seis chanceleres,de 1964a 1985,ou seja,durante todo o período mili-tar,quando cinco generais do Exército e umajunta militar ocuparam o poder no Brasil.Daintervenção na República Dominicana àGuerra das Malvinas, do Tratado de NãoProliferação Nuclear (TNP) ao Acordo Nu-clear com a Alemanha,passando pelos acor-dos de cooperação com os vizinhos (baciado Prata, Amazônia, Itaipu), os principaisepisódios da diplomacia brasileira são trata-dos de forma cuidadosa e por vezes minu-ciosa. Indispensável como referência paraesses anos.

Paulo Roberto de Almeida

Reforma da Previdência – O Encontro MarcadoFabio GiambiagiEd. Campos/Elsevier, 2006, 248 p., R$ 59,00

Os Sucessores do Barão, 2: Relações Exterioresdo Brasil, 1964-1985Fernando de Mello Barreto Editora Paz e Terra, 2006, 519 p., R$ 46,00

T

A

Desaf ios • dezembro de 2006 63

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As transformações do mercado de trabalho

Radar Social

INDICADORES

p o r A n d r é a

W o l f f e n b ü t t e l

64 Desafios • dezembro de 2006

Um dos capítulos da edição 2006 do RadarSocial, publicado pelo Instituto de Pesquisa Eco-nômica Aplicada (Ipea), trata do mercado de tra-balho. Pode-se constatar que no período avaliado(entre 2001 e 2004) o desemprego, como um to-do,caiu no Brasil.Mesmo no estado onde ele maiscresceu, seu avanço foi de apenas 1,9 ponto per-

centual.A informalidade permaneceu estável e aproporção de trabalhadores por conta própriacaiu ligeiramente. Por outro lado, a renda médiareal da população ocupada registrou uma signi-ficativa queda de quase 10 pontos percentuais.Veja onde esses movimentos foram mais acen-tuados nos gráficos abaixo.

O termo dividendo, obviamente, deriva do verbo dividir. Ele dá nome à divisãodos lucros de uma empresa entre seusacionistas, após os descontos de impostode renda e contribuição social.Quando uma companhia vai bem e obtémlucro, ela é obrigada, por lei, a entregarpelo menos 25% desse lucro aosacionistas. Normalmente isso aconteceuma vez por ano, após o fechamento dobalanço. Os donos de ações preferenciaistêm direito a um percentual fixo do lucroe recebem primeiro o pagamento.Depois são pagos os dividendos aos portadores de ações ordinárias.Isso explica por que as ações sãoclassificadas em preferenciais eordinárias. Quase sempre esse valor é pago em dinheiro, diretamente na contado acionista ou disponibilizado no caixado banco da empresa, podendo serretirado mediante a comprovação daposse das ações. Quando os dividendosficam acumulados de um ano para o outro, são chamados de dividendoscumulativos. Há também outra modalidade,denominada dividendos pro rata, que seaplica à distribuição de lucros para osacionistas que adquiriram ações emitidasdurante o ano. Como eles só foramacionistas da empresa por um período do ano, só têm direito a parte proporcionaldos lucros.A Bolsa de Valores mantém em seu site avisos sobre as companhiasque estão pagando dividendos.Além disso, as próprias empresascostumam publicar na imprensa comoforma de provar sua saúde financeira e de fazer propaganda de suas ações.

O que é?

Dividendo

Mais alta = AP Mais baixa = PI Brasil

18,1

6,3 9,

6

Taxa de desemprego (%)

Onde o desemprego mais caiu (2001 a 2004)AP – queda de 3,8 pontos percentuais

Onde o desemprego mais cresceu (2001 a 2004)AM – aumento de 1,9 ponto percentual

Variação total do desemprego (2001 a 2004)Brasil – queda de 0,3 ponto percentual

Onde a renda média mais cresceu (2001 a 2004)SE – aumento de 1,8 ponto percentual

Onde a renda média mais caiu (2001 a 2004)AP – queda de 26,5 pontos percentuais

Variação total da renda média (2001 a 2004)Brasil – queda de 9,9 pontos percentuais

14,3

4,4

9,3

2001 2004

Mais alta = TO Mais baixa = PR Brasil

37,7

21,1 24

,7

Proporção de trabalhadores sem carteira assinada (% da população ocupada)

Onde a proporção de trabalhadores semcarteira mais caiu (2001 a 2004)RR – queda de 9,6 pontos percentuais

Onde a proporção de trabalhadores semcarteira mais cresceu (2001 a 2004)AM – aumento de 1,9 ponto percentual

Variação total da proporção de trabalhadoressem carteira (2001 a 2004)Brasil – não houve variação

35,

1

21,5 24

,7

2001 2004

Mais alta = MA Mais baixa = DF Brasil

37,5

12,9

21,4

Proporção de trabalhadores por conta própria (% da população ocupada)

Onde a proporção de trabalhadores por contaprópria mais caiu (2001 a 2004)Ma e RR – queda de 4,1 pontos percentuais

Onde a proporção de trabalhadores por contaprópria mais cresceu (2001 a 2004)AP – aumento de 5,6 pontos percentuais

Variação total da proporção de trabalhadorespor conta própria (2001 a 2004)Brasil – queda de 0,7 ponto percentual

33,4

12,8

20,7

2001 2004

Mais alta = DF Mais baixa = PI Brasil

1.3

49,

28

38

3,9

8

750,

20

Renda média real dos trabalhadores (R$)

1.36

1,3

2

364

,82

675,

80

2001 2004Fonte: IBGE, Pnad 2001 e 2004Elaboração: Ipea

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Desaf ios • dezembro de 2006 65

O efeito da aftosa

Comércio exterior

Mais de um ano depois do ressurgimento de focos de febre aftosa noMato Grosso do Sul e no Paraná, continuam em vigor as barreiras comer-ciais impostas por 57 dos principais importadores da carne brasileira.Nesse período, apenas Rússia e Chile afrouxaram as restrições, mas nãoabriram totalmente seus mercados aos exportadores brasileiros. Os efeitos

da doença podem ser percebidos nos gráficos abaixo, que consideram osperíodos de outubro a setembro de 2003, 2004, 2005 e 2006. O volumetotal de vendas ao exterior de carne bovina caiu, assim como o valor totalem reais. Só há crescimento no valor em dólar em decorrência da desvalo-rização da moeda norte-americana no Brasil.

Exportações de carne bovina

2003/2004 2004/2005 2005/2006

7000

6000

5000

4000

3000

2000

1000

0

Variação das exportações de carne bovina (%)

Var. de peso Var. em US$ Var. em R$

33,34

-3,24

10,30

33,98

16,49

-5,50

5.409

1.831

849

6.301

2.453 2.706

1.132 1.095

5.954

Peso (mil ton) Valor (US$ milhões) Valor (R$ milhões)

Cotação média do dólar comercial paracompra no período

de out/2003 a set/2004 = 2,9537

de out/2004 a set/2005 = 2,5681

de out/2005 a set/2006 = 2,2001

Crescimento 2003/2004 para 2004/2005

Crescimento 2004/2005 para 2005/2006

Exportações para a Rússia

2003/2004 2004/2005 2005/2006

262

477548

251

Valor (US$ milhões) Peso (mil toneladas)

Repare: apesar de o valor em dólar ter aumentado, o volume de exportação caiu e o valor em reais também

Repare: Rússia, Egito e Holanda foram os maiores compradores de carne bovina brasileira entre outubro/2005 e setembro/2006.Exceto pelo Egito, onde houve um pequeno crescimento de volume no terceiro período, nos demais houve queda do volume de exportações

206

137

Preço médio do quilo de carne (US$)

Rússia Egito Holanda

2003/2004 2004/2005 2005/2006

Repare: Devido à valorização real, quase todos os preços em dólar subiram, enquanto os preços em reais oscilaramFonte: Secex/MDIC

1,501,82

2,18

1,501,82

2,18

4,69 4,41

5,45

Preço médio do quilo de carne (R$)

Rússia Egito Holanda

2003/2004 2004/2005 2005/2006

4,44 4,68 4,81 4,22 4,25 4,04

13,85

11,33 11,99

Exportações para o Egito

2003/2004 2004/2005 2005/2006

145

240

356

194

Valor (US$ milhões) Peso (mil toneladas)

154

107

Exportações para a Holanda

2003/2004 2004/2005 2005/2006

45

201220

40

Valor (US$ milhões) Peso (mil toneladas)

218

46

Indicadores#29 05/12/06 11:47 Page 65

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Sou professor aposentado daUniversidade Federal de Juiz de Fo-ra e, de modo geral, acho que estarevista merece parabéns,mas,mes-mo não sendo economista, souobrigado a criticar os artigos sobrea Previdência. Como no resto daimprensa, eles admitem sem co-mentários que as finanças do INSSsejam administradas no regime decaixa, e não no de competência, enão lembram que, no projeto ori-ginal,os benefícios viriam da rendadas aplicações de longo prazo dascontribuições do empregado, doempregador e do governo.Vá lá quenão se critique as estranhas aplica-ções feitas desde os anos 1930,nemque a nossa “magnífica” assistênciamédica gratuita tenha sido criadasem outras fontes de recursos, nemque o governo jamais tenha pago asua parte das contribuições e quemuitos empregadores também não.Mas pelo menos que isso seja lem-brado para explicar que, sem haverfundos rendendo para pagar asaposentadorias, o governo tenhapassado a pagá-las diretamente docaixa. O que não pode é Desafiosaceitar passivamente a “solução”deatribuir o problema ao aumento daesperança de vida dos segurados.

Hélio Novak Professor

Juiz de Fora – MG

Caro professor, agradecemos seucomentário, mas gostaríamos delembrá-lo que os artigos assinadospor especialistas refletem apenas aopinião de seus autores. Na maisextensa reportagem sobre previ-dência social publicada por Desa-fios, na edição de outubro de 2005,foi amplamente debatida a questãodo financiamento da Previdência.E foram contempladas as diversascorrentes. Tanto a que defende aPrevidência como um sistema fe-chado como a que vê a previdênciacomo uma ferramenta de redistri-buição de renda, sendo, portanto,um recurso para financiar outrasnecessidades além do pagamentode pensões e aposentadorias aoscontribuintes.

Sinto falta de matérias e arti-gos voltados para a terceira ida-de: direitos, inclusão social oureinclusão social e outras temáti-cas dentro dessa classe. Acreditoser esse um dos desafios muitoimportantes que temos pela fren-te. Não podemos olhar o hoje e oamanhã quando o ontem e quemfaz parte dele fica esquecido, poisdeles vieram as contribuições pa-ra sermos o que somos hoje.

Adriana Miranda Natal – RN

Prezada Adriana, você tem ra-zão. O tema merece mesmo umaboa reportagem. Vamos providen-ciá-la. Aguarde.

Gostaria de parabenizá-los pelaexcelente publicação. Sou econo-mista e, além de lê-la toda, ainda auso para pesquisas e repasso aosmeus colegas de trabalho.

Sidney TófoliSão Paulo – SP

Na seção Giro, da edição de no-vembro, na página 7, há uma notasobre salários que é um desacato.Primeiro porque utiliza dadosatrasados – há dados sobre salá-rios disponíveis para 2005 desdesetembro último – seja conside-rando os empregados com carteiraassinada da RAIS, seja as infor-mações amostrais da PIA e PIM.Depois porque toma as médiassalariais como se elas fossem umindicativo do que se passa no bol-so do ocupado individual. E porfim porque sugere que o compor-tamento de 2000 a 2004 é homo-gêneo e que não houve a retoma-da do crescimento das médias apartir de 2003 e o que ocorreu nos

dois anos subseqüentes, inclusiveno que diz respeito às médias portamanho de empresa.

Paula MontagnerBrasília – DF

Cara Paula, os dados apresenta-dos na nota “Bolso vazio” foram ex-traídos das mais recentes Estatísti-cas do Cadastro Geral de Empresasdo Instituto Brasileiro de Geografiae Estatística (IBGE), divulgadas emoutubro deste ano (mês do fecha-mento da nossa edição de novem-bro). Reproduzimos as informaçõessem questioná-las por considerar-mos o IBGE uma fonte absoluta-mente confiável.

ERRAMOS

O leitor Paulo Ferrucio nos escreveu informando que a nota“Caixinha, obrigado”, veiculada na seção Giro, na página 6 da ediçãode novembro de 2006, está errada. O Brasil foi classificado em 23º lu-gar no ranking dos países cujos exportadores são mais propensos apagar propina, e não a receber, como diz o texto publicado. O leitorainda traz uma série de informações adicionais interessantes.

“Para melhor entender esse resultado é importante esclarecer quea Índia, o 30º país do ranking, é considerado o que mais paga propina.E a Suíça, o número 1, é o que menos paga propina. Também é im-portante acrescentar que na pesquisa de 2006 da TransparênciaInternacional, divulgada em Berlim no dia 6 de novembro de 2006,o Brasil aparece como 70.º colocado (com índice 3,3) entre os 163países pesquisados onde mais se recebe propina, ao lado de China,Índia, México e Peru. E entre os países onde menos se recebe propinaestão empatados (com índice 9,6) Finlândia, Islândia e Nova Ze-lândia. Resumindo: o Brasil aparece na 23ª posição entre os trintamaiores corruptores e na 70ª posição entre os 160 mais corruptos. Orelatório também destaca que a corrupção no mundo movimenta 1trilhão de dólares por ano, ou cerca de 3 bilhões de dólares por dia.E que há uma correlação entre corrupção e pobreza. Por exemplo, oHaiti aparece na 163.ª posição, com o índice 1,8.”

CARTAS A correspondênc i a para a redação deve se r env i ada para car tas@desaf i os .o rg .b r

ou para SBS Quadra 01 - Ed i f í c io BNDES - Sa la 801 - CEP: 70076-900 - Bras í l i a DF

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oduç

ão

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