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UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA
DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO – CAMPUS I PEDAGOGIA - ANOS INICIAIS
Lenivam Evangelista Alves Hermelino
DOCÊNCIA ÉTICA NA FORMAÇÃO DO ALUNO NO ENSINO FUNDAMENTAL
Salvador 2010
1
LENIVAM EVANGELISTA ALVES HERMELINO
DOCÊNCIA ÉTICA NA FORMAÇÃO DO ALUNO NO ENSINO FUNDAMENTAL
Monografia apresentada à Universidade do Estado da Bahia, como requisito parcial obrigatório para obtenção da graduação em Pedagogia com habilitação em Anos Iniciais, sob orientação do Prof. Dr. Luciano Bomfim.
Salvador 2010
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LENIVAM EVANGELISTA ALVES HERMELINO
DOCÊNCIA ÉTICA NA FORMAÇÃO DO ALUNO NO ENSINO FUNDAMENTAL
Monografia apresentada à Universidade do Estado da Bahia, como requisito parcial obrigatório para obtenção da graduação em Pedagogia com habilitação em Anos Iniciais, sob orientação do Prof. Dr. Luciano Bomfim.
Salvador, ________ de _____________ de 2010.
_____________________________________________________ Profº Dr. Luciano Sérgio Ventin Bomfim _____________________________________________________ Profª Ms. Maria Alba Guedes Machado Mello _____________________________________________________ Profª Cláudia Santana
Salvador 2010
4
AGRADECIMENTOS
A Deus, primeiramente, por ter me concedido força e conforto em realizar este
trabalho.
À minha família primeira, minha mãe e minhas irmãs, pelo amor, companhia,
amizade, apoio e paciência incondicional que me fortalecem não somente nesta
jornada, mas em toda minha vida.
À família que eu formei, meu esposo e meus filhos, presentes em todos os
momentos da minha vida, incentivando-me a seguir sempre em frente,
acompanhando-me nas alegrias e principalmente nas dificuldades.
Às minhas amigas e colegas de trabalho, que muitas vezes ajudaram opinando e
ajudando-me a encontrar a solução para muitos problemas.
A todos os meus professores que contribuíram direta ou indiretamente para o meu
desenvolvimento profissional e pessoal.
Ao Professor Luciano Bomfim, por sua orientação na elaboração desta monografia.
Obrigada a todos, do fundo do meu coração!
5
”A mais elevada função do professor consiste não tanto na transmissão do conhecimento, mas em estimular o discípulo em seu amor e sua busca.
A arte do ensino é saber indicar o caminho”. Henri Amiel
6
RESUMO
Esta monografia apresenta um estudo sobre a importância que a docência ética exerce sobre a formação do aluno do ensino fundamental. Nesse estudo, apresentamos uma análise sobre os fatores que podem interferir na prática docente ética, discutindo as implicações do sistema capitalista nas relações educacionais, trazendo concepções de autores sobre sociedade capitalista, ética nas relações sociais contemporâneas e a prática pedagógica enquanto prática social. Através de uma abordagem qualitativa, utilizando-se do método de estudo de caso, a pesquisa se constituiu numa investigação sobre até que ponto a ética na prática docente influencia na formação de alunos do ensino fundamental de uma determinada escola pública da cidade de Salvador, face às transformações e alterações nos valores morais vividos pela nossa sociedade, em decorrência da nova reestruturação social que atravessamos em vista do desenvolvimento de uma nova era marcada pelo domínio do capitalismo e da informação. Palavras-chave: Ética docente. Autonomia Pedagógica. Práxis social.
7
ABSTRACT
This monograph presents a study about the importance of teaches ethics has on the high school student’s formation. In this study, we presents an analysis of the factors that may interfere in the teaches ethics practice, discussing about the capitalist relations’ implications in education, bringing ideas of authors in a capitalist society, ethics in contemporary social relations and pedagogical practice as a social practice. Through a qualitative approach, using the case’s study method, the research was an investigation into the extent to ethics in teaching practice influences the formation of elementary school students in a public school of Salvador, face the transformations and changes in moral values experienced by our society as a result of new social restructuring, that we are experiencing in view of the development of a new age marked by the domination of capitalism and information. Keywords: Ethics. Pedagogical autonomy. Social praxis.
8
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO ........................................................................................................ 9
2. ESCOLHA DO TEMA E PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS ...................... 12
3. AS IMPLICAÇÕES DA LÓGICA DOMINANTE DA SOCIEDADE CAPITALISTA SOBRE A PRÁXIS PEDAGÓGICA DO PROFESSOR. ........................................... 15
3.1 A LÓGICA DO CAPITAL .................................................................................... 15
3.2 A MERCADORIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO .......................................................... 20
3.3 AUTONOMIA DA PRÁXIS PEDAGÓGICA DO PROFESSOR ........................... 24 3.3.1 Práxis Pedagógica como Práxis Social ......................................................... 24 3.3.2 Autonomia Pedagógica ................................................................................. 27
4. ÉTICA E DOCÊNCIA ............................................................................................ 31
4.1 CONCEITUANDO ÉTICA ................................................................................... 31
4.2 ÉTICA DOCENTE: DESAFIOS E PRESSUPOSTOS EMANCIPATÓRIOS ....... 38
5. O PODER DETERMINANTE DA ÉTICA SOBRE A FORMAÇAO EDUCACIONAL DOS ALUNOS DO ENSINO FUNDAMENTAL. ........................................................ 44
5.1 REALIZAÇÃO DA PESQUISA. .......................................................................... 44 5.1.1 Observação .................................................................................................. 44 5.1.2 Da Realização das Entrevistas ..................................................................... 44
5.3 ANÁLISE DAS ENTREVISTAS .......................................................................... 65
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................. 71
REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 75
APÊNDICES ............................................................................................................. 78
1. INTRODUÇÃO
Nesse estudo, abordarei o tema “O poder determinante da ética docente
sobre a formação educacional do aluno no ensino fundamental,” tendo como campo
de pesquisa uma instituição de ensino da rede estadual localizada no centro da
cidade de Salvador. Este trabalho monográfico pretende verificar, através de dados
reais, a influência e a importância do poder determinante da ética profissional
docente para a formação educacional do aluno do ensino fundamental.
Nos dias atuais, podemos observar que a humanidade caracteriza-se pela
mudança no modo de pensar e de ser. Dessa forma, não se pode deixar de pensar
que a formação e atuação do professor encontram-se estreitamente relacionadas a
esse contexto, numa escala evolutiva histórico-culturais na sociedade em que vive.
Como aprofundamento do tema, através da fundamentação teórica e prática,
optou-se, nesta monografia, por escolher a docência ética, acreditando-se que há
um grande distanciamento entre a ética e a educação. Por isso, é fundamental que o
educador assuma uma nova postura em sala de aula, vislumbrando a mudança de
valores e de paradigmas ocorridas nas relações humanas com a chegada do novo
século.
No mundo contemporâneo, a educação atravessa um momento de crise entre
a tradição e as inovações. Nossa sociedade apresenta uma forte tendência a
desprezar o que é antigo, tradicional, substituindo-o pelo inovador, pela moda.
Estudar o referido tema pode contribuir para pensarmos em adequar o novo ao
tradicional, verificar a necessidade ou não de abandonar tudo o que é antigo,
mesmo que seja conveniente, em nome da modernidade; analisar se está
ultrapassada a prática dos professores quanto à cobrança de valores como
responsabilidade e honestidade consigo mesmo e com os outros, cooperação,
solidariedade e respeito ao próximo.
Com a análise da problemática em questão, a pesquisa partiu do pressuposto
que a consolidação de uma sociedade democrática e multicultural são fundamentais
na formação de indivíduos cidadãos. Por isso, temos que atuar intencionalmente
para esse fim, tendo clareza do que queremos ensinar, de que forma, com qual
objetivo e para quem direcionar esse ensino. O professor, através do seu trabalho
10
docente, intenciona contribuir na formação de cidadãos ativos, autônomos,
ajudando-os a ter consciência dos seus direitos e deveres. Esse é um grande
desafio que está posto nas atribuições dos educadores, principalmente em nossa
sociedade atual, que se caracteriza pelo individualismo.
Do educador espera-se o domínio afetivo, cognitivo, psicológico e científico na
ação junto aos seus alunos. Não podemos perder de vista que o professor, antes de
ser profissional, é um ser humano, com todas as suas limitações, possui desejos,
necessidades, sonhos e frustrações. E ainda assim, precisa possuir capacitação
voltada para ajudar na formação de cidadãos equilibrados, competentes e éticos.
Por isso, faz-se necessário uma reflexão sobre sua identidade ética, diante da
elaboração de práticas apropriadas como instrumento pedagógico enquanto
profissional da educação.
Sabemos que, de acordo com Pimenta (2004, p.62) “a identidade do
professor é construída ao longo de sua trajetória como profissional do magistério”,
entretanto essa construção inicia-se no seu processo de formação. Dessa forma, os
cursos de formação docente precisam dar conta de preparar os professores para
atuarem dentro da ética, do desenvolvimento de valores básicos essenciais à
sobrevivência humana, pois como disse Alfredo José Veiga Neto1 (em citação de
SANTOSI, 2008, p.1) “somos irremediavelmente produto dos infinitos discursos que
nos atravessam e constituem”. Ou seja, a nossa prática reflete o aprendizado e o
comportamento a que fomos submetidos durante nosso processo de formação, e
também da influência imposta pelas novas situações sociais, econômicas e culturais.
Além disso, os docentes devem estar em contínuo estado de auto-reflexão
para atender ao perfil do novo ser humano no mundo em transformação, numa
sociedade baseada na competição constante entre seus membros.
Dessa forma, torna-se relevante o estudo da Ética e suas implicações no
campo educacional, discutindo a atuação ética dos professores a serviço da
formação cidadã dos seus alunos, acreditando que ainda podemos aprender e
ensinar pelo exemplo, e, se assim o é, agir de acordo com os valores morais e
éticos, respeitando os direitos humanos, é fundamental para garantir a convivência
harmoniosa entre os homens.
1 Doutor em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
11
No primeiro capítulo apresentamos alguns conceitos e teorias sobre o
capitalismo, pois acreditamos que as exigências da sociedade capitalista influenciam
o setor educacional, refletindo-se no processo de mercadorização da educação e
consequentemente interferindo na autonomia pedagógica dos professores. O
sistema capitalista permeou as mudanças ocorridas na sociedade, interferindo nas
relações de trabalho, pois o homem deixa de produzir o que necessita para
sobreviver e passa a vender a sua força de trabalho na produção de mercadorias,
que serão comercializadas no mercado.
No segundo capítulo, discutimos sobre Ética, moral e a influência desses
elementos na prática pedagógica. Acreditamos que a educação transformada em
uma mercadoria no sistema capitalista, interfere na prática pedagógica, uma vez que
aos professores não são dadas as condições de uma prática docente autônoma,
muito menos condições materiais e financeiras para a execução de seu trabalho,
ficando, muitas vezes, reféns do sistema e, consequentemente, essa prática se
reflete em sala de aula, exercendo influência na formação do aluno.
O terceiro capítulo apresenta a realização e o resultado da pesquisa de
campo realizada, método pelo qual se pretendeu verificar o poder que a docência
ética exerce sobre a formação do aluno no ensino fundamental. Através da análise
dos dados obtidos, procuraremos refletir sobre os fatores que interferem na prática
docente ética e até que ponto essa prática influencia na formação dos alunos de
determinada instituição de ensino da cidade de Salvador.
12
2. ESCOLHA DA TEMÁTICA E PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
O desejo de pesquisar sobre o poder determinante da ética docente na
formação do aluno do ensino fundamental nasceu das minhas inquietações como
professora em uma escola da rede particular de ensino.
Em alguns anos de experiência docente, tenho observado uma mudança
significativa em relação ao comportamento e ação de alunos, e de colegas de
profissão com relação aos valores éticos que têm permeado a nossa sociedade
contemporânea. Na minha percepção, os professores, que sempre se configuraram
em modelos de conduta para seus alunos, têm perdido essa condição de exemplo,
pois sentem dificuldades em encaminhar seus alunos pelo viés da responsabilidade,
honestidade, solidariedade e justiça, uma vez que o mundo fora da escola
apresenta, cotidianamente, exemplos de situações contrárias a esses valores com
tanta freqüência que têm se tornado normal.
Para tentar entender essas mudanças de valores e ter a certeza de que o
professor, agindo dentro dos padrões éticos, ainda exerce, ou não, influência na
formação dos alunos, é que me propus a elaborar e executar essa pesquisa.
A elaboração de qualquer que seja o projeto de pesquisa necessita de
planejamento prático para seu desenvolvimento e reflexões teóricas embasados em
conceitos já existentes. Para isso temos a metodologia com a função de orientar o
caminho a seguir para melhor investigação e reflexão sobre o tema proposto,
conduzir o olhar atenciosamente com objetivo no sucesso da pesquisa.
Para Gil (2008, p.17), a pesquisa é um processo formal, racional e sistemático
com objetivo de encontrar respostas aos problemas propostos mediante metodologia
científica. Assim, para desenvolver uma pesquisa necessita-se de um conjunto de
ações e propostas a fim de encontrar soluções para o problema suposto, com base
em procedimentos técnicos e metodológicos, que se desenvolve num processo de
etapas determinadas.
Além da metodologia, o pesquisador precisa desenvolver um pensar crítico
diante da evolução das etapas, pois a pesquisa não é um processo estático, muitas
vezes é necessário alterar o percurso planejado; portanto o pesquisador tem que
apresentar criatividade, imaginação e habilidade em escolher a metodologia a ser
13
adotada. Como destaca Gil (2008, p.18) algumas atribuições pessoais são
desejáveis ao pesquisador: “conhecimento do assunto, curiosidade, criatividade,
integridade intelectual, sensibilidade social, atitude autocorretiva, imaginação
disciplinada, perseverança, paciência e confiança na experiência”.
O método de pesquisa adotado foi o estudo de caso que, segundo Gil (2008,
p.54) “é uma modalidade de pesquisa amplamente utilizada nas ciências biomédicas
e sociais”, exatamente por nos permitir a exploração de situações cotidianas,
formulando hipóteses, descrevendo a situação do contexto em que a investigação
está sendo realizada e explicando as variáveis que interferem em determinados
fenômenos. O estudo de caso, segundo Gil, em relação aos outros procedimentos
de coleta de dados, é mais complexo. Isso se deve ao fato de que:
[...] na maioria das pesquisas utiliza-se uma técnica básica para a obtenção dos dados [...] Já no estudo de caso utiliza-se sempre mais de uma técnica [...] Dessa forma é que se torna possível conferir validade ao estudo, evitando que ele fique subordinado à subjetividade do pesquisador. (GIL, 2008, p. 140)
Quanto ao delineamento, o estudo de caso se constitui num dos mais
completos, pois na obtenção da coleta de dados utiliza-se tanto fontes de papel
como de pessoas permitindo ao pesquisador a obtenção de informações ou dados
que subsidiarão hipóteses ou teorias acerca do objeto de estudo, após análise e
interpretação dos mesmos.
Do ponto de vista da sua natureza esta pesquisa possui uma abordagem
qualitativa, pois pretendeu responder a situações particulares, objetivando alcançar
novos conhecimentos para a evolução da ciência, sem previsão de uma aplicação
prática, mas envolveu verdades e interesse universal.
Esta pesquisa, de acordo com seu objetivo, é classificada como pesquisa
descritiva, uma vez que, segundo Gil (2008, p.42), teve como “[...] objetivo primordial
a descrição das características de determinada população ou fenômeno, ou, então,
o estabelecimento de variáveis”. Também pode ser classificada como explicativa,
pois teve a intenção de identificar os fatores que podem determinar a influência da
docência ética na formação do aluno do ensino fundamental, tendo como base
informações específicas coletadas por meio da observação e de entrevistas com
professores e alunos em determinada escola pública desta capital.
14
O estudo de caso envolveu coleta de informações a partir da realização de
observação direta das atividades e entrevistas semi-estruturadas2 com os
profissionais e alunos realizadas em instituição educacional da rede pública estadual
da cidade do Salvador (BA), a fim de identificar e analisar a atuação ética do
profissional docente no atual contexto educacional.
Através desta pesquisa procurei compreender a atuação ética docente como
fator determinante na formação integral do aluno, em função das mudanças nas
relações sociais e de valores, às quais demonstram a real necessidade que este
possui e que busca suprir através da atuação desses profissionais.
2 Apêndice A e B
15
3. AS IMPLICAÇÕES DA LÓGICA DOMINANTE DA SOCIEDADE CAPITALISTA SOBRE A PRÁXIS PEDAGÓGICA DO PROFESSOR.
Este capítulo tem como principal abordagem a emergência do capitalismo e
as transformações originárias desse sistema que alterou profundamente a história
da humanidade e que ainda nos dias atuais permeiam as relações sociais e de
trabalho no mundo. Assim, após essa compreensão, partimos para entendermos
como a educação passou a ser mercadoria do sistema capitalista e abordamos
então sobre a autonomia da prática pedagógica.
3.1 A LÓGICA DO CAPITAL
O trabalho é a base da sociedade humana. Desde os primórdios da
humanidade, o homem produz os elementos necessários para a sua sobrevivência.
Inicialmente, os primeiros grupos humanos se organizavam coletivamente na
produção de suas necessidades. Foi essa a grande característica que diferenciou o
homem dos outros animais, pois ele transforma a natureza na produção dos bens de
que necessita. Segundo Bomfim, essa ação acontece reflexivamente, uma vez que:
É então pelo trabalho, ou seja, agindo para o atendimento de suas necessidades, que o ser humano transforma a natureza e, ao mesmo tempo, transforma a si mesmo, se produz, torna-se consciente. (BOMFIM, 1999, p.7)
O homem, com sua capacidade criadora, domina a natureza com a intenção de
obter o necessário para a sua sobrevivência. O trabalho humano tem uma finalidade
e o homem tem consciência das suas necessidades, agindo no sentido de
solucioná-las.
Os primeiros grupos humanos viviam em regime de comunidade primitiva, na
qual todos trabalhavam de acordo com o sexo e a idade. O produto desse trabalho
era de todos e era obtido para satisfazer as necessidades do grupo. De acordo com
a teoria de Marx, esse produto não era ainda considerado uma mercadoria, uma vez
que o valor de uso subordinava o valor de troca.
16
Com o avanço das técnicas de produção e dos instrumentos utilizados para a
obtenção de alimentos, essa produtividade aumentou, propiciando uma produção
além das necessidades dos grupos. Essa produção excedente provocou a divisão
da sociedade em um grupo dominante, proprietário dos meios de produção, e uma
classe dominada, explorada, pois além de produzir para a sua subsistência é
também responsável pelo trabalho para a classe dominante, entregando a esta o
excedente da sua produção.
Essa relação de dominação intensificou-se mais ainda na época medieval,
durante o sistema feudal, quando a sociedade encontrava-se dividida entre
senhores, camponeses e escravos.
A origem do feudalismo remonta à decadência do Império Romano, quando
para impedir a movimentação dos camponeses foi instituído legalmente o sistema de
colonato, no qual o colono era obrigado a fixar-se na terra, sob a tutela do
proprietário, permanecendo essa relação durante o sistema feudal.
Durante o feudalismo os povos bárbaros mantiveram os seus ataques sobre
os colonos, em função disto, os camponeses procuravam abrigo e proteção contra
esses ataques e os encontravam nas terras dos senhores feudais, que em troca da
moradia e proteção cobrava dos colonos que estes produzissem em suas terras e
lhes entregasse boa parte da produção; entretanto com o surgimento e
desenvolvimento do sistema capitalista, essa relação entre produção e consumo foi
se alterando.
O sistema feudal vigorou na Europa durante alguns séculos e o seu declínio
abriu espaço para o surgimento da burguesia, a mais nova classe social da época,
constituída pelos burgueses, que passaram a habitar os centros urbanos vivendo do
comércio de suas mercadorias. As instituições feudais foram gradativamente sendo
substituídas pelo sistema capitalista.
A burguesia foi responsável pela difusão do comércio na Europa durante a
baixa idade média, passando a prevalecer como critério de riqueza o lucro obtido
com o comércio, sendo sua principal fonte de economia, diminuindo a relevância do
critério de poder fundado na quantidade de terra.
O trabalho passa a ser dividido de acordo com uma hierarquia e o produto
deste passa a ter, além do valor de uso, um valor de troca. Esses produtos passam
17
a ser mercadorias, pois são produzidos para serem vendidos no mercado. Como
mercadorias, constituíram-se em valor.
Marx (1980, p. 59) afirmou que “a força humana de trabalho em ação ou o
trabalho humano cria valor, mas não é valor. Torna-se valor quando se cristaliza na
forma de um objeto”. Então, o conceito de valor surgiu para explicar as mudanças
sociais relacionando necessidades dos indivíduos e a capacidade de satisfazerem-
se através das coisas, objetos, serviços e derivados, em outras palavras, a prática
do consumismo, fundamental para a consolidação desse sistema como reflexo da
nova estruturação da sociedade.
E é através dessa relação que se tem a hierarquia de valores, de acordo com
a prioridade da necessidade e a capacidade de algo para satisfazer-se. Logo, para
entendermos a lógica do capital segundo o autor, devemos relembrar a teoria do
valor-trabalho. O processo não é tão simples, pois é o mercado que impõe as regras
de produção e distribuição de mercadorias (riquezas) e os preços demandam pela
oferta e procura.
O autor, em sua obra “O Capital”, propôs reflexões sobre como pode haver o
equilíbrio entre essas variáveis (oferta e procura), se o único lucro do capitalismo
vem da mais-valia, ou seja, com a exploração da classe trabalhadora. Nas palavras
do autor:
[...] O capitalista paga, por exemplo, o valor diário da força de trabalho. Sua utilização, como a de qualquer outra mercadoria, por exemplo, a de um cavalo que alugou por um dia, pertence-lhe durante o dia. Ao comprador pertence o uso da mercadoria, e o possuidor da força de trabalho apenas cede realmente o valor-de-uso que vendeu, ao ceder seu trabalho. (MARX, 1890, p.209-210).
Marx refere-se ao conceito de mais valia, que explica a exploração capitalista sobre
o trabalho. Caracteriza-se pela diferença entre o valor adicionado pelos
trabalhadores às mercadorias produzidas e o salário que recebem por esse trabalho,
ou seja, a mais-valia é a diferença entre o valor produzido pela força de trabalho e o
custo de sua produção. Essa relação seria representada pela equação volume de
tempo de trabalho envolvido na produção versus o valor da força de trabalho que o
operário vende ao empregador.
Dessa forma, a mais-valia compreenderia a base dos lucros obtidos pela
exploração capitalista, obtidos pelo aumento da produção do trabalho realizado além
da necessidade real de vida. Essa apropriação é que fundamenta as classes sociais
18
capitalistas. O capitalismo seria responsável pela deformação do homem, tornando-
o cada vez mais alienado, resultado das condições sociais criadas por ele próprio.
A intensificação da jornada de trabalho representa a mais-valia absoluta,
apresentada durante o período da Revolução Industrial. Nesse período, o aumento
do salário é proporcionalmente inferior ao aumento da mais-valia.
Com o desenvolvimento do capitalismo e a introdução de novas tecnologias
para aumentar a produtividade, principalmente dos bens de consumo, surge o
conceito de mais-valia relativa. De acordo com Minayo,
[...] o processo de produção artesanal cede lugar à produção em larga escala, mediada pela maquinaria, pela produção industrial. Mas não é apenas em relação às mudanças no processo de trabalho que o capital revoluciona. É também ao nível da concordância entre as áreas financeira, industrial e comercial, internacionalizando e tendo sempre em mira visível o parâmetro da acumulação e da valorização (MINAYO GOMEZ et al, 1995, p.48).
Ou seja, a mais-valia relativa caracteriza-se pela redução do tempo de
trabalho necessário gasto em relação ao tempo de trabalho excedente, permitindo
uma redução do valor da força de trabalho, uma vez que houve diminuição do tempo
gasto para a produção desses bens.
A humanidade busca constantemente diversas formas de satisfazer as
necessidades de sua sobrevivência e sua evolução em sociedade. O capitalismo
apresentou para este fim a venda da força de trabalho, separou o trabalhador dos
meios de produção, extinguiu o trabalho compulsório e estabeleceu condições de
venda do trabalho, mas o interesse maior do capitalismo sempre foi o acúmulo de
capital. Minayo ainda afirma que:
[...] a história do capitalismo é a história da transformação do trabalhador em força de trabalho e do assalariamento como condição de reprodução do trabalho e do capital. [...] é a história da acumulação do capital e da apropriação da mais valia, que acontece tendo com pano de fundo a luta de classe intrínseca e permanente às relações de produção. (MINAYO GOMEZ et al, 1995, p.48).
Entendendo o valor de uso como produto do trabalho que seja útil ao homem,
ou seja, que satisfaça suas necessidades, originaram-se conceitos como mercadoria
e valor de troca, pois o produto deste trabalho passou a servir como mercadoria de
troca, já que não era consumida diretamente por quem as produzia, sendo vendidas
no mercado. Desta forma, a mercadoria é o produto do trabalho e possui duplo valor:
19
valor de uso e valor de troca. O valor de uso está baseado na satisfação de
determinadas necessidades nossas como, por exemplo, alimentação, enquanto o
valor de troca baseia-se na satisfação de quaisquer outras necessidades além
dessa, ou seja, aquilo que era excedente da produção para satisfazer a necessidade
de alimentação passou a ser mercadoria para se obter em troca de outro tipo de
produto, para satisfazer um desejo diferente da primeira necessidade.
A troca de uma mercadoria por outra tem uma relação quantitativa, pois o
valor de troca entre produtos como uma barra de ferro e uma porta de madeira são
diferentes. É necessário uma quantidade maior de portas de madeira para se efetuar
a troca por apenas uma barra de ferro, pois os produtos não têm a mesma utilidade
ao homem, como também não exigem a mesma quantidade da força de trabalho,
mas a base do valor de troca entre eles reflete aquilo que tem em comum: a força do
trabalho. Para Marx, a relação existente entre diferentes produtos para se obter o
valor de troca entre eles representa o custo de sua produção, medido pela força
despendida na produção de cada mercadoria, pois é o trabalho que dá a existência
da mercadoria. De acordo com Marx,
[...] o valor de qualquer mercadoria é determinado pela quantidade de trabalho materializado em seu valor-de-uso, pelo tempo de trabalho socialmente necessário a sua produção. Isto se aplica também ao produto que vai para as mãos do capitalista, como resultado do processo de trabalho. (MARX, 1890 p.45-46).
Assim, a mercadoria possui valor de uso e valor de troca, e a base do valor de
troca é o trabalho humano para produzir a mercadoria, o que significa dizer que o
trabalho humano é a substância que dá existência à mercadoria. Então, todas as
mercadorias têm a mesma essência: o trabalho. As propriedades é que são
diferentes, mas são resultados da mesma substância que as propicia. A grandeza do
valor da mercadoria é determinada pela grandeza do trabalho humano, por isso as
mercadorias são iguais e podem ser trocadas entre si, já que é fruto da mesma
substância de valor, necessário assim, apenas comparar, compreender e medir
essas grandezas de valor.
Para encontrar a medida necessária do trabalho envolvido na obtenção de
determinado produto ou mercadoria, Marx referiu-se ao trabalho como algo
complexo, considerando o que era comum à produção das mercadorias: a
quantidade de trabalho e o tempo gasto no trabalho. Ou seja, o trabalho como
20
substância de valor das mercadorias precisava ter uma constante no tempo de
trabalho, um grau médio de habilidade e condições normais necessários para obter
uma mercadoria. Segundo Marx (1890, p.47) “[...] quanto maior a produtividade do
trabalho, tanto menor o tempo de trabalho requerido para produzir uma mercadoria,
e quanto menor a quantidade de trabalho que nela se cristaliza, tanto menor seu
valor [...]”. Assim, a substância do valor é o trabalho e a medida de sua grandeza é a
duração do trabalho, pois considera a análise da mercadoria, da substância, do
conceito e da medida do seu valor.
Sobre a apropriação do fruto do trabalho na sociedade capitalista, Marx afirma
que:
O processo de trabalho, quando ocorre como processo de consumo da força de trabalho pelo capitalista, apresenta dois fenômenos característicos. O trabalhador trabalha sob o controle do capitalista, a quem pertence seu trabalho. O capitalista cuida em que o trabalho se realize de maneira apropriada e em que se apliquem adequadamente os meios de produção, não se desperdiçando matéria-prima e poupando-se o instrumental de trabalho, de modo que só se gaste deles o que for imprescindível à execução do trabalho. Além disso, o produto é propriedade do capitalista, não do produtor imediato, o trabalhador [...] (MARX,1890, p.209).
De acordo com as reflexões do autor, o trabalhador é obrigado a vender mais
tempo de trabalho do que necessita para produzir valores para sobreviver, e assim
os empregadores impõem condições aos trabalhadores, que as aceita, pois não
possuem alternativas de outras fontes de renda e o tempo de trabalho excedente
criou valor do qual se apropriaram os capitalistas.
Os avanços da lógica do capital, após as conceituações marxistas,
apreenderam melhor as leis gerais, passando de relações mais simples às análises
mais complexas da mercadoria considerando o valor, a forma-preço do valor e a
produção capitalista; estabelecendo leis da economia capitalista.
3.2 A MERCADORIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO
A educação é fator essencial para o desenvolvimento do homem, É um
mecanismo de mudança, de transformação e de emancipação. Nas sociedades
atuais, entretanto, a educação tem sido colocada a serviço dos ideais capitalistas,
contribuindo para enfatizar ainda mais a divisão social do trabalho.
21
De acordo com Marx (apud LOMBARDI; SAVIANNI e SANFELICE, 2005,
p.17): “a história moderna contemporânea é dominada pelo capital”, ou seja, para
entender a história da sociedade é imprescindível a compreensão do movimento
capitalista. Nas palavras de Enguita (1989, p.26): “a expansão do capitalismo não foi
exatamente um passeio, mas o resultado de um processo prolongado, inacabado e
irregular de lutas de classe, concorrência econômica e enfrentamentos políticos.”
Dessa forma, o desenvolvimento do sistema capitalista, fundamentando as relações
sociais de trabalho e de produção, originou o caráter da mercadoria resultante da
força de trabalho das atividades do homem e possibilitou transformações do mundo
na evolução e história da sociedade.
O capitalismo é um sistema que separa capital do trabalho e cujas relações
são de dominação e exploração. Para Marx e Engels (2003, p. 26) “a história de toda
a sociedade existente até hoje tem sido a história das lutas de classes”,
prevalecendo sempre o domínio da classe burguesa sobre a camada proletária. O
professor é o operário do conhecimento na sociedade capitalista, tendo como base a
sua intelectualidade como força de trabalho, que é explorada pela classe burguesa,
como afirmam ainda estes autores: “a condição essencial para a existência e o
domínio da classe burguesa é a formação e o crescimento do capital; a condição de
existência do capital é o trabalho assalariado”, ou seja, o capitalismo só existe
porque há a exploração da mão de obra operária.
Entendendo que mercadoria é o produto do trabalho transferido para que
outra pessoa o transforme em valor de uso, a educação escolar representa uma
mercadoria. Para Lombardi; Savianni e Sanfelice (2005, p.22) “a Educação passou,
pois, a ser concebida como dotada de um valor econômico próprio e considerada um
bem de produção (capital) e não apenas de consumo”. A educação passou a ser
vendida como mercadoria e o educador passou a ser operário a partir da venda da
sua força de trabalho.
O valor da força de trabalho é calculado pelo preço de tudo aquilo que o
homem necessita para continuar a manter a sua força de trabalho, pois ele não a
vende de uma única vez e sim por determinado período, à medida que precisa
adquirir alimentação, moradia, roupas, educação própria e de seus filhos, saúde,
qualidade de vida etc. Após a soma da medida do preço das coisas necessárias ao
trabalhador em um ano, divide-se pelos dias e tem-se o seu preço diário para manter
22
a força de trabalho, ou seja, com base na soma de tudo o que o trabalhador precisa
para se manter calcula-se o seu salário diário, que é exatamente o preço da sua
força de trabalho.
Portanto, o salário da sua jornada de trabalho deve representar de fato não
aquilo que ele produz, mas aquilo que ele necessita para se manter diariamente,
mensalmente, anualmente. Então, a força de trabalho rende mais do que aquilo que
custa, e por isso o homem produz de acordo com sua necessidade e vai vendê-la no
mercado, e aquele que as compra poderá fazer dela o que quiser e, de fato, ele as
revende com lucro, dando continuidade ao ciclo do acúmulo de capital, pois o preço
da força de trabalho sofre reação da relação da oferta e procura que regulam o
mercado.
Nossa atividade, enquanto docentes, é o nosso trabalho. Somos
trabalhadores, pois desenvolvemos uma atividade que tem finalidade, ideal e formas
concretas de realização da vida em sociedade.
Infelizmente, nossa sociedade atravessa um momento em que o valor da
educação está centrado naquilo que pode nos oferecer e não na pessoa na qual ela
pode transformar3, ou seja, a escola, atendendo às exigências do sistema capitalista,
perdeu espaço na sua representação como um meio de socializar os jovens e
prepará-los para a convivência em sociedade, com o objetivo de melhor prepará-los
para as relações sociais e de trabalho, cedendo-o a interesses econômicos
direcionando a aprendizagem para um único fim, por exemplo, instituições
preparatórias para o ingresso em cursos técnicos ou profissionalizantes que levarão
o aluno direto ao mercado de trabalho, ou ainda prepará-los para o ingresso em
cursos superiores. De acordo com Ianni:
[...] tudo o que diz respeito à educação passa a ser considerada uma esfera altamente lucrativa de aplicação do capital; o que passa a influenciar decisivamente os fins e os meios envolvidos, de tal modo que a instituição de ensino, não só privada com também a pública, passa ser organizada e administrada segundo a lógica da empresa, corporação ou conglomerado. (IANNI, 2005, p.33).
Apesar de não prepararmos as crianças diretamente para o mercado de
trabalho, preparamos indiretamente, pois privilegiamos os conteúdos solicitados no
3 Vale ressaltar que não defendo o trabalho docente livre de interesses econômicos, pois não o considero como
trabalho voluntário, no qual a remuneração financeira fica em prejuízo em detrimento da transformação da
pessoa humana que o trabalho docente propicia.
23
mercado de trabalho, em detrimento da formação integral do ser humano
(afetividade, solidariedade, apreciação cultural, tolerância etc.). O conhecimento
constituiu-se numa mercadoria de luxo, disponível a uma pequena parcela da
população. Para Bezerra e Silva,
Todo profissional deve possuir as competências e habilidades exigidas pelo mercado se desejam ser valorizados pelo capital. Na sociedade [capitalista] do conhecimento o capital está a exigir com mais impetuosidade a escolarização. (BEZERRA e SILVA, 2006, p.4).
Assim, o acúmulo de conhecimento deu lugar ao patrimônio do capital e a
capacidade humana, ressignificando sua formação como capital humano. O
educador passou a operário intelectual do capitalismo, pois o trabalho tornou-se
principal matéria-prima da mercadoria do capitalismo, com valor de comercialização
incorporado pelos novos valores socioeconômicos da sociedade capitalista. Pois
segundo a ideologia alemã:
[...] são os homens que desenvolvem a sua produção material e o seu intercâmbio material que, ao mudarem esta sua realidade, mudam também o seu pensamento e os produtos do seu pensamento. Não é a consciência que determina a vida, é a vida que determina a consciência. (FEUERBACH,1845)
Concordando com este pensamento, Bomfim (1999, p.8) afirma que “[...] o trabalho é
um ato de pôr-se consciente na realidade, consciente da razão do porquê do seu
fazer, consciente do próprio fazer”. Ou seja, se o trabalho é consciência pois o
homem o realiza para suprir as suas necessidades, quando não é consciente se
torna alienado quanto ao produto do seu trabalho. Complementando, Enguita afirma:
A alienação com relação ao próprio processo de trabalho radica na carência de poder, por parte do trabalhador, para determinar o procedimento pelo qual obterá os objetivos fixados para seu trabalho. Representa a perda do controle sobre a própria atividade durante o tempo de trabalho. (ENGUITA, 1989, p. 172).
A educação é uma mercadoria desde que se afastou do seu objetivo
prioritário, a formação do intelecto, passando a subsidiar as necessidades da
sociedade capitalista, pois o que se obtêm é uma estrutura de planos de carreira e
salários baseada no acúmulo de conhecimento e atividades intelectuais.
Dessa forma, os docentes não estão longe dessa regra que permeia a
realidade da organização do trabalho nas sociedades, pois é limitada à nossa
24
autonomia para manter indissociável a execução da concepção, já que identificamos
uma educação voltada para interesses do mercado com o trabalho docente
subordinado à lógica do capital.
3.3 AUTONOMIA DA PRÁXIS PEDAGÓGICA DO PROFESSOR
3.3.1 Práxis Pedagógica como Práxis Social
De acordo com o que foi dito anteriormente, verifica-se que estamos em
constantes mudanças de desenvolvimento socioeconômico em conseqüência de
avanços tecnológicos e que o acúmulo de capital ainda predomina, com o processo
de produção de mais valia, ocasionando exploração, desemprego e pobreza. Em
nosso país essa situação é notória, pois a indústria tem grande peso na economia e
existe a dependência do capital financeiro internacional, ocasionando a
desigualdade e exclusão social num mundo globalizado e sob domínio do capital.
Aqueles que não têm acesso às novas tecnologias permanecem excluídos,
pois o conhecimento é indispensável para o desenvolvimento e participação social
do ser humano e a educação facilita esse acesso, permitindo-o desenvolver também
habilidade para processar informações, tomar decisões, enfim, competências e
habilidades imprescindíveis à participação da vida em sociedade.
Refletiremos aqui sobre as possibilidades e limites da formação pedagógica e
suas implicações para a prática docente no ensino fundamental, sabendo-se que,
atualmente, a informação e o conhecimento destacam-se cada vez na sociedade, e,
ocupando lugar privilegiado nas atividades humanas, torna cada vez mais exigente a
formação de professores. A função do professor vem sendo permeada por uma série
de exigências e a sociedade tem relegado a ele tarefas que deveriam ser divididas
entre a família, o Estado e as escolas, como os princípios básicos de educação
doméstica, o atendimento psicológico, sinalizando as dificuldades afetivas,
comportamentais e cognitivas.
A educação tem tomado, para si, papéis que não são exclusivamente seus e
muitas vezes o professor não está preparado para enfrentar tal desafio. Como
conseqüência, o professor tem vivido momentos de muitas dificuldades no exercício
25
docente, recebendo muitas críticas e sendo pressionado por diversos setores. Pais,
estudantes, diretores e coordenadores escolares, donos de instituições de ensino,
poderes públicos e sociedade em geral cobram do professor uma atuação docente
que seja capaz de transformar seus alunos em cidadãos ativos, críticos, conscientes
dos seus valores e limites, além de prepará-los para o exercício de uma profissão.
Para tanto é necessário haver uma relação de afeto entre educadores e educandos,
conforme afirma Fortuna em seu artigo sobre a dimensão da docência humana:
[...] são os vínculos afetivos que possibilitam a relação transferencial, tão exaltada pela psicanálise, responsável por converter o desejo de ensinar e o desejo de aprender em conhecimento, através da autorização mútua que se opera entre sujeitos que ensinam e aprendem. (FORTUNA, 2007, p.9)
A formação do professor, aliada à paixão que ele tem em realizar suas
atividades, efetivamente proporcionam o crescimento dos seus alunos. Além disso,
os professores têm arcado com outro desafio, qual seja realizar suas atividades com
a responsabilidade de formação do aluno para o mercado de trabalho e para a
sociedade, porém sem estrutura pedagógica adequada ou coerente ao que se
pretende praticar. Isso porque os professores não possuem autonomia, ou tem
pouca influência sobre a ideologia das instituições de ensino, pois raramente os
professores são consultados ou convidados a participar da elaboração do Projeto
Político Pedagógico da instituição em que trabalha, assim como participar do seu
planejamento econômico. Essa realidade contrapõe-se ao projeto de autonomia
pedagógica, tão sonhado pelos professores e à função da educação em formar
indivíduos ativos e emancipados, pois, segundo Martins:
A educação é um ato político na práxis. A práxis pedagógica é o espaço no qual a educação tem a possibilidade de superar a alienação, mobilizando a consciência dos educandos. Na consciência está a possibilidade de resgatar a atividade real, o sentido da atividade material objetiva pela qual o homem constrói sua realidade. (MARTINS, 1995, p.12).
O professor, através de sua prática, procura mobilizar os alunos para a vida
em sociedade, mas para isso é preciso que possua autonomia na realização de sua
tarefa, precisa participar das decisões que dizem respeito à sua condição de
trabalho e não apenas receber os pacotes prontos dos setores superiores, sendo
sua atribuição tão somente colocar esses pacotes em prática. Ele precisa ser
26
considerado um sujeito do projeto político-pedagógico e não apenas como aquele
que executa as determinações que lhe foram impostas. Nas palavras de Zagury:
O professor hoje é refém! Refém, primeiramente, da má qualidade de ensino que ele próprio recebeu [...] Refém do tempo de que necessita, mas de que não dispõe [...] Refém das pressões internas que sofre do sistema [...] Refém da própria consciência, que lhe revela sua impotência... Refém dos alunos, que hoje o enfrentam em muitos casos. Refém da família, que perdeu a autoridade sobre os filhos [...] Refém da sociedade, que surpreende professores e gestores com medidas cautelares, mandado de segurança e processos [...]. (ZAGURY, 2006, p.63-65).
Diante de tantas adversidades que se impõem à sociedade contemporânea -
a realidade da educação brasileira, a impossibilidade quase total de atualizar-se,
uma vez que suas condições de remuneração não permitem, o professor encontra-
se refém de um sistema que acaba levando-o, não obrigatoriamente e sem
generalização, a agir de encontro com o que pensa e defende.
Educar é uma tarefa árdua. Contudo, a responsabilidade do professor está
relacionada não somente a sua consciência, a sua formação e aplicação de
conhecimento e metodologias para alcançar objetivos dos projetos pedagógicos
adotados pela instituição de ensino pública ou privados, mas também às políticas
educacionais do governo implementadas sem seriedade e avaliação dos resultados.
Aos professores, em parceria com a família, cabe a responsabilidade de
contribuir para a constituição adequada do modo de pensar de cada criança, para
que ela possa tornar-se elemento de construção de sua comunidade em meios a
situações adversas, deficitárias e em transformações sociais e tecnológicas.
Aos professores, ainda, é exigida a manutenção da ordem em sala de aula. É
uma tarefa difícil, uma vez que os alunos não estão na escola por vontade própria,
mas por imposição e necessidade de inserção no mercado de trabalho, conforme
afirma Enguita:
Os alunos vêem-se inseridos, dentro de relações de autoridade e hierarquia, tal como deverão fazê-lo quando se incorporarem ao trabalho. Em parte, esta autoridade baseia-se diretamente em sua condição não adulta, mas o faz, sobretudo, na legitimidade concedida à escola pela sociedade, em suas exigências como organização e numa suposta necessidade pedagógica. A submissão à autoridade aprendida no seio da família não constitui uma base preparatória para a aceitação da autoridade no local de trabalho. (ENGUITA,1989, p. 164).
27
Desta forma, mostra-se claramente o professor desempenhando o papel de agente
social, modificando uma situação, preparando o aluno para atuar na vida pessoal e
profissional.
3.3.2 Autonomia Pedagógica
O desejo pela prática pedagógica autônoma tem sido amplamente discutido
no nosso contexto educacional, uma vez que entendemos que para alcançá-la é
fundamental termos uma sociedade voltada para a formação de cidadãos com
atitudes críticas e emancipatórias. A formação para a cidadania tem sido “a bola da
vez” da educação. Mas esse princípio tem encontrado dificuldades para a sua
concreta efetivação, pois os princípios democráticos da liberdade e equidade
possuem limites históricos, uma vez que essas relações no Brasil sempre
provocaram e sustentaram a exclusão. A história do Brasil sempre foi marcada pela
falta de prática pedagógica democrática, baseada na ausência de uma educação
com base na construção da autonomia, comprometendo a construção de uma
sociedade com princípios equitativos.
O conceito de autonomia na prática pedagógica surgiu entre as décadas de
1960 e 1990, quando o país passou por uma reestruturação no processo
educacional refletindo-se em mudanças no trabalho docente. O professor autônomo
seria um profissional envolvido na esfera social como um todo, desenvolvendo
postura crítica, reflexiva e emancipatória, com a oportunidade e o compromisso de
expor suas idéias, levantar questionamentos em relação à escola e à comunidade.
Para que o professor assuma essa postura e leve-a para a sua prática, é de
fundamental importância que ela esteja presente no seu contexto de formação, para
que adquira condições de reflexão enquanto sujeito em formação e materialize-a
enquanto agente formador.
É preciso entender que, ter autonomia não é fazer o que se tem vontade, pura
e simplesmente. Ser autônomo significa possuir a capacidade de ter uma idéia,
elaborar um projeto, e propor-se a desenvolvê-lo, com liberdade de pensamento, de
ação, de maneira individual, mas tendo em vista o resultado coletivo. Para tanto, é
fundamental a interação com os outros, portanto, há de haver muita reflexão em
torno da prática docente. A reflexão é elemento essencial na autonomia do
28
professor. Ele precisa construir sua própria proposta pedagógica e não seguir
modelos prontos, cartilhas que lhe digam o que e como fazer a sua tarefa.
O professor, quando em sala de aula, é o agente mediador entre os seus
alunos e o conhecimento, devendo propiciar aos educandos o desenvolvimento de
habilidades essenciais, fazendo com que eles se desenvolvam por si só, agindo
ainda como estimulador do processo de aprendizagem.
De posse dos conceitos trazidos anteriormente, é importante destacar que o
desenvolvimento das atividades docentes exige o cumprimento de determinados
preceitos fundamentais, constituindo um grupo de características essenciais à
autonomia pedagógica.
A autonomia pedagógica é uma prática humana e educativa que exige alto
nível de responsabilidade ética na formação de saberes morais e intelectuais em
favor do aperfeiçoamento e crescimento do homem em contorno socioeconômico
em que vive.
Para ter autonomia em sua práxis, o professor precisa mobilizar uma série de
saberes, desenvolver várias competências, dentre as quais a criticidade, a reflexão,
a pesquisa e a ética. Para Freire,
O educador democrático não pode negar-se o dever de, na sua prática docente, reforçar a capacidade crítica do educando, sua curiosidade, sua insubmissão. Uma de suas tarefas primordiais é trabalhar com os educandos a rigorosidade metódica com que devem se “aproximar” dos objetos cognoscíveis. (FREIRE,1996, p. 26).
Ao assumir uma postura crítica, o professor deve ter a capacidade de
observar e identificar as necessidades da comunidade em que atua, contribuindo
para que esta desenvolva seu senso crítico, de forma que aja no sentido de
transformar a realidade em que vive, melhorando-a. Sendo reflexivo, o professor
atua sempre como um “aprendente”4, analisando continuamente sua prática no
sentido de buscar novas formas de conduzir seus alunos num estado de constante
motivação durante seu processo de aprendizagem. Pesquisar é ação fundamental
para o desenvolvimento da criticidade e reflexão da prática docente. Freire (1996,
p.16) afirma que “educar é formar”, portanto, não se pode educar sem estar agindo
com ética. A ética faz parte da vida dos seres humanos e, “agir fora dela é
4 Termo utilizado por Paulo Freire em seu livro Pedagogia da Autonomia, para designar um estado de
eterno aprendizado do professor em sua prática docente.
29
transgredir a natureza humana”. O ensino dos conteúdos não deve dissociar-se do
ensino da ética, dos valores morais da sociedade da qual fazemos parte.
Freire (1996, p.9) propõe a responsabilidade ética dos professores no
exercício de sua prática educativa e formadora, baseada na ética que não se perde
em função do lucro e da exploração da força do trabalho, e sim na ética baseada em
comportamentos e valores morais necessários para a convivência humana, que ele
chamou de “ética universal do ser humano”, ou seja, conduta ética inerente a
natureza humana.
É possível dizer ainda que para facilitar o processo de ensino-aprendizagem
dos alunos, o professor deve valer-se de regras e estratégias, conhecidas como
planos de ensino que facilitam o caminho para atingir os seus objetivos.
Diversas são as estratégias de ensino que o professor pode valer-se, como a
aula expositiva, a dialógica, os recursos audiovisuais, os estudos de casos, os
“softwares” educacionais, dentre muitas outras, restando a cada professor definir
qual é a mais apropriada para o grupo que irá lecionar.
Ainda seguindo as idéias defendidas por Freire (1996, p.17) “ensinar exige
risco, aceitação do novo e rejeição de qualquer forma de discriminação”, logo é
possível afirmar que o professor não deve fechar-se em um “mundo” de
conhecimentos antigos; ele deve estar sempre pronto para aprender com aqueles
para os quais ensina. Na sala de aula a principal tarefa do professor é educar,
entretanto ele deve estar convicto de que o cotidiano diferenciado de cada aluno
leva-os a situações de trocas de experiências, possibilitando até que os alunos
assumam “o papel de professor” à medida que expõem suas experiências
cotidianas, contribuindo com o desenvolvimento dos conceitos trazidos pelo
educador. devendo esse estar aberto a novos conhecimentos que podem enriquecer
sua estratégia de ensino na classe.
Resta claro ainda que o professor deve ser completamente desprendido de
preconceitos, dado ao fato de que muitas vezes lecionará para turmas
completamente heterogêneas, possuindo alunos de diversas etnias, seguidores das
mais diversas crenças religiosas, possuidores das mais diversas situações
financeiras, não cabendo, assim, menosprezar nenhum os seus educandos,
tratando-os isonomicamente.
30
Para Freire (1996, p.12) “ensinar não é transferir conhecimento, mas criar
possibilidades para a sua própria produção ou a sua construção”, portanto, quando o
professor entra em sala de aula ele deve ser aberto a questionamentos, à
curiosidade de aprender o novo, advinda dos seus alunos, às inibições desses. O
autor ainda defende a idéia de que “o professor deve ser um ser crítico e inquiridor,
inquieto face às tarefas que tem, ou seja, a tarefa de ensinar e não a de transferir
conhecimento”.
Tratando ainda do rol de características de um professor autônomo, devemos
estar atentos que ensinar exige respeito à autonomia do educando, ou seja, o
professor educador deve estar atento e manter o respeito às limitações dos seus
alunos, que serão as mais diversas possíveis, procurando identificar e cuidar destas,
para que desenvolva o seu trabalho de ensinar da melhor forma possível, mantendo
assim a postura ética que exige a prática docente. Freire afirma :
O professor que desrespeita a curiosidade do educando, o seu gosto estético, a sua inquietude, a sua linguagem; o professor que ironiza o aluno, que o minimiza, que manda que ele se ponha em seu lugar ao mais tênue sinal de sua rebeldia legítima [...] transgride os princípios fundamentalmente éticos de nossa existência”. (FREIRE, 1996, p. 60).
Assim, exercer nossas atividades enquanto docentes envolve não somente
conhecimento e competência intelectual, mas também há de existir troca de
experiências pessoais, sociais, desejos, emoções e amorosidade pela prática em
função do desenvolvimento autônomo tanto do educador quanto dos educandos.
31
4. ÉTICA E DOCÊNCIA
Acreditando que a ética é fundamental nas relações humanas, independente
das transformações que a sociedade apresenta, abordaremos neste capitulo
conceitos sobre ética, moral e suas implicações na atuação do professor, e sua
contribuição para a formação ética dos alunos. A ação docente precisa ter como
pressuposto básico uma prática voltada para a construção e o exercício dos valores
morais essenciais à construção de uma conduta ética na sociedade.
4.1 CONCEITUANDO ÉTICA
Aristóteles (2008, p.17) afirma que “se existe, então, para as coisas que
fazemos algum fim que desejamos por si mesmo e tudo o mais é desejado por
causa dele, [...] evidentemente tal fim deve ser o bem, ou melhor, o sumo bem”.
Então, o ideal de Aristóteles é o homem virtuoso, tendo a virtude como uma força
relacionada aos valores práticos e intelectuais da existência humana. Atingir a
felicidade procurada por todos é capacidade de realização do homem mais virtuoso
pressupondo um equilíbrio de bens, ressaltando virtudes éticas como coragem,
temperança, liberalidade, magnanimidade, mansidão, franqueza e justiça.
Segundo Aristóteles:
São as virtudes que correspondem à parte apetitiva da alma, na medida em que esta é moderada ou guiada pela razão, e que consistem no justo meio entre dois extremos, dos quais um é vicioso por excesso, o outro por deficiência. (ARISTÓTELES apud ABBAGNANO, 2000, p.387).
Cultivar as virtudes é buscar prosperidade como ser humano, através do
equilíbrio em suas ações daquilo que se deseja e sente em determinadas situações,
alcançando um padrão de comportamento, desejo e sentimento, ou seja, emoções
apropriadas para viver bem. A virtude não é um hábito sem reflexão e sim resposta
apropriada e inteligente à situação em que se encontra.
32
De modo geral ética é a ciência da conduta, em duas concepções: em uma,
como a ciência do fim que deve ser orientada a conduta dos homens, e dos meios
para atingir tal fim; a outra é a ciência do móvel da conduta humana que determina
as condições desta conduta (ABBAGNANO, 2000, p.380).
Definindo etimologicamente as palavras ética e moral, Vásquez considera
que:
Ethos, que vem do grego significa “modo de ser” ou “caráter” enquanto forma de vida adquirida ou conquistada pelo homem, e mos ou mores, vem do latim, significa costumes e ou tradições, no sentido de conjunto de normas ou regras adquiridas por hábito. (VÁSQUEZ, 1989, 9. 14)
Ou seja, a ética é a teoria e a moral, a prática, pois a primeira é o conjunto
dos valores que orienta a conduta do ser humano, ao passo que a moral são as
atitudes baseadas em preceitos estabelecidos pela sociedade. Estaremos agindo
eticamente quando o fazemos com o objetivo no bem, não apenas no bem
individual, mas pensando coletivamente. Logo, a ética é o modo como o homem
deve comportar-se perante aquele meio social no qual se encontra inserido.
É o que confirma Vásquez (1989, p.12) quando aponta que a Ética é a "teoria
ou ciência do comportamento moral dos homens em sociedade. Ou seja, é ciência
de uma forma especifica de comportamento humano", mas não se deve confundir a
teoria com o objeto, como esclarece ainda:
A ética é a ciência da moral, isto é, de uma esfera do comportamento humano. Não se deve confundir aqui a teoria com o seu objeto: o mundo moral. [...] A moral não é ciência, mas objeto da ciência; e neste sentido, é por ela estudada e investigada. A ética não é a moral e, portanto, não pode ser reduzida a um conjunto de normas e prescrições, sua missão é explicar a moral efetiva e, neste sentido, pode fluir na própria moral. (VASQUEZ, 1989, p.13).
Assim, não devemos confundir ética e moral, pois apesar de serem conceitos
relacionados não tem o mesmo significado. A ética é a ciência que explica a moral,
sendo este o seu objeto de estudo.
Acrescentando ainda, Valls (2006, p.67) afirma que não existe povo ou lugar
que não tenha noções de bem e mal, certo e errado. Da Grécia antiga aos nossos
dias, a ética é um conceito que sempre esteve presente em todas as sociedades.
Para que se possa entender o conceito de ética, faz-se necessário a realização de
33
uma breve explanação sobre moral, que por muitas vezes chega a ser confundida
com a ética, como afirma Fraile quando diz que:
A moral é uma ciência prática, cujo objeto é o estudo e a direção dos atos humanos em ordem a conseguir o último fim, ou seja, a perfeição integral do homem, no que consiste a felicidade. Os atos humanos são particulares, e assim, enquanto ciência prática, a moral deve atender e descer ao particular. (FRAILE, 1965 apud VALLS, 2006, p.68).
A questão pode ser compreendida a partir do momento que se entende a
moral como um conjunto de normas que regulam o comportamento do homem em
determinada sociedade, sendo adquirida pela educação, religião, apresentada como
a “ciência dos costumes”.
Vasquez conceitua moral como:
[...] um sistema de normas, princípios e valores, segundo o qual são regulamentadas as relações mútuas entre os indivíduos ou entre estes e a comunidade, de tal maneira que estas normas, dotadas de um caráter histórico e social, sejam acatadas livres e conscientemente, por uma convicção íntima, e não de uma maneira mecânica, externa ou impessoal. (VÁSQUEZ,1989, p.69).
Ética é a reflexão sobre o ato moral numa perspectiva coletiva, é a ciência da
conduta, enquanto a moral é o estatuto da ética. Ética é teórica e reflexiva, enquanto
a Moral é eminentemente prática. Uma completa a outra, havendo um inter-
relacionamento entre ambas, pois na ação humana, o conhecer e o agir são
indissociáveis.
Segundo Bauman, os escritores éticos do passado não tiveram os mesmos
conteúdos ou contexto de estudos atuais, que hoje são articulações da experiência
humana com temas morais que não eram daquela época, como podemos inferir na
citação abaixo:
Os grandes temas da ética – como direitos humanos, justiça social, equilíbrio entre cooperação pacífica e auto-afirmação pessoal, sincronização da conduta individual e do bem-estar coletivo – não perderam nada de sua atualidade. Apenas precisam ser vistos e tratados de maneira nova. (BAUMAN, 2006, p.8)
Em virtudes das mudanças ocorridas na sociedade, em função da alteração
nas relações de trabalho a partir do capitalismo, o que verificamos hoje é o individuo
pensando no seu próprio bem estar, numa conduta individualista e competitiva para
alcançar seus objetivos, nem que para isso ele use de estratégias que vão de
34
encontro aos valores morais como: honestidade, solidariedade e respeito ao
próximo.
Portanto, há que se dizer que este estudo está diretamente relacionado a
reflexões sobre o comportamento humano, sempre se analisando com base na
sociedade em que o homem se encontra como participante.
Aristóteles defende que não nascemos virtuosos, a virtude se adquire pela
prática, ou seja, através do aprendizado, e afirma que:
Há duas espécies de virtude, a intelectual e a moral. A primeira deve, em grande parte, sua geração e crescimento ao ensino, e por isso requer experiência e tempo; ao passo que a virtude moral é adquirida em resultado do hábito [...] (ARISTÓTELES, 2008, p.40).
A virtude intelectual vai sendo formada à medida que o indivíduo adquire
conhecimentos e a virtude moral resulta das ações que se tornam habitual nas
relações praticadas com outras pessoas. Ainda Aristóteles (2008, p.41) ressalta que
“devemos atentar para a qualidade dos atos que praticamos, pois nossas
disposições morais nascem de atividades semelhantes a elas. [...] toda virtude é
gerada e destruída pelas mesmas causas e pelos mesmos meios [...]” Ou seja, é
exercitando a justiça que seremos justos e, da mesma forma, se praticarmos a
desonestidade seremos corruptos.
A grande preocupação do século XXI é com a educação do futuro, de acordo
com Perez Serrano (2002, p.9), o objetivo da educação está baseado em quatro
pilares: aprender a conhecer, aprender a atuar, aprender a viver juntos e aprender a
ser, sendo esses os pressupostos fundamentais para uma convivência harmoniosa
entre os homens.
Partindo desse princípio, fica evidente a importância e a contribuição da
atuação ética do professor na formação do seu aluno como ser humano, justo,
solidário, humanizado no sentido mais profundo da palavra. Concordando com
Aristóteles, afirma Carvalho:
[...] é sendo um professor justo que ensinamos o valor e o princípio da justiça aos nossos alunos, sendo respeitosos e exigindo que eles também o sejam é que ensinamos o respeito, não como um conceito, mas como um princípio de conduta. Porém, é preciso ainda ressaltar que o contrário também é verdadeiro, pois se as virtudes, como o respeito, a tolerância e a justiça são ensináveis, também o são os vícios, como o desrespeito, a intolerância e a injustiça. E pelas mesmas formas. (CARVALHO, 2004 apud ZEN, 2007, p. 31).
35
Existem, entre os autores, determinadas divergências com relação ao
conceito de Ética, entretanto, a grande maioria concorda que a Ética deve facilmente
ser entendida como um estudo, seja ele científico ou filosófico, acerca das ações do
ser humano. Nesse contexto, deve-se observar que a Ética pode ser o estudo das
ações ou dos costumes e pode ser ainda a realização de um tipo de comportamento.
Segundo Valls, os valores éticos acompanham as transformações da
sociedade em que tais valores estejam culturalmente implantados, apresentando-se
como ciência mutável e em constante evolução. O maior conflito dessa relação
conceitual entre ética e moral está na racionalidade e no livre arbítrio que o homem
possui, mesmo com valores pré-definidos na sociedade, em decidir o que é fazer o
bem ou o mal, para si ou para o outro. Reside aí a importância da autonomia do
professor na sua ação pedagógica, pois se queremos formar cidadãos éticos
devemos agir eticamente. Como ainda afirma Valls (2006, p.67), “agir eticamente é
agir de acordo com o bem. A maneira como se definirá o que seja este bem, é um
segundo problema, mas a opção entre o bem e o mal, distinção levantada já há
alguns milênios, parece continuar válida.” Por mais que ocorram mudanças nos
contextos filosóficos e históricos, permanece inalterada a distinção entre o bem e o
mal.
No cenário educacional, ante as inúmeras considerações sobre valores éticos
e morais, ocorrem discussões sobre a atuação do professor enquanto formador da
identidade pessoal e profissional de seus alunos face às exigências sociais.
O professor é um agente transmissor de conhecimento, é mediador das
informações, mas na era globalizada sua figura perde destaque como melhor fonte
de conhecimento em relação à internet, por exemplo, pois as informações chegam
de forma acelerada, desordenada e por muitas vezes de fontes duvidosas e
inseguras. Por isso, segundo Alves:
Para se ensinar, para ser educador você tem que despertar dentro das pessoas o prazer de estar caminhando com elas, mostrando o mundo. O educador é um mostrador de mundo e quando você vai mostrando o mundo quem sabe alguém vá descobrir que sua missão também é mostrar o mundo para os outros. O educador é um mostrador de mundo. (ALVES, 2009).
5
5 Rubem Alves, em entrevista concedida ao Programa Aprovado em 25 de julho de 2009.
36
O docente tem fundamental e importante papel na formação de cidadãos.
Essa atuação deve ser competente e ética, requer coragem, conhecimento,
comunicação, percepção e vontade de promover determinadas mudanças na
conduta ética de seus alunos sobre questões múltiplas: social, profissional, familiar,
cultural.
Como escreveu Freire:
Ensinar, e enquanto ensino testemunhar aos alunos o quanto me é fundamental respeitá-lo e respeitar-me são tarefas que jamais dicotomizei. Nunca me foi possível separar em dois momentos o ensino dos conteúdos da formação ética dos educandos. (FREIRE, 1996, p.94).
Mais que uma fonte de conhecimento e transmissor de informações, o
professor é orientador, condutor, e articulador de experiências, capaz de despertar
em seus alunos reflexões sobre si e o mundo em sua volta, ou seja, o professor
assume papel ativo no processo de ensino e aprendizagem. Ainda Freire defende
que:
O ensino dos conteúdos implica o testemunho ético do professor. A boniteza da prática docente se compõe do anseio vivo de competência do docente e dos discentes e de seu sonho ético. Não há nesta boniteza lugar para a negação da decência, nem de forma grosseira nem farisaica. Não há lugar para puritanismo. (FREIRE, 1996, p.94).
Neste contexto, tem-se o conceito de ética vinculado à autonomia e coerência
profissional, que estimulam novos comportamentos, desenvolvendo e ampliando
conhecimentos, pensamentos e responsabilidade social. Nesse sentido, Alves6 ainda
nos diz que:
Para ser um grande educador é preciso ter capacidade de ouvir as crianças, os alunos e ter encantamento pela vida, por que os saberes não estão em grades curriculares, que os professores não andam em grades, devem caminhar e ir de olhos abertos, devem gostar de brincar com as crianças e ser divertido, pois essas seriam características fundamentais do professor. (ALVES, 2009).
Assim entendemos que os docentes, na formação de cidadãos, têm grande
importância, servem como referências que vão além da construção do
conhecimento, têm atuação na formação da personalidade de seus alunos,
6 Rubem Alves, em entrevista concedida ao Programa Aprovado em 25 de julho de 2009.
37
envolvendo aspectos intelectuais e dedicação contínua em busca de mais
conhecimento. O autor ainda complementa:
O que importa agora não é pensar em ciências, história e geografia, e sim pensar em modelos de gente, pois hoje não temos modelos de gente que encantem os jovens, por que a coisa mais importante não é você ter informações, mas é ter modelos que orientem na caminhada da vida. (ALVES, 2009).
Nóvoa (1997, p.23), diz que “o aprender contínuo é essencial e se concentra
em dois pilares: a própria pessoa, como agente, e a escola como lugar de
crescimento profissional permanente”. O professor é responsável pela formação
social de seus alunos, ou seja, norteia ações conscientes do aluno enquanto
cidadão, com direitos e deveres na sociedade que vive.
A ética deve estar presente em todos os âmbitos da sociedade. Na esfera
política, familiar, nos meios de comunicação, mas principalmente no meio
educacional, que deve ter como objetivo primeiro a construção de cidadãos
conscientes, participativos, solidários e responsáveis com a sociedade em que está
inserido. É o que nos chama a atenção Serrano (2002, p.10) quando cita: “[...]
estamos diante de um grande desafio social. O desafio de ensinar a tomar decisões
e de ensinar a escolher múltiplas opções. Essas habilidades constituem, atualmente,
uma tarefa importante na educação”.
Nesse mundo pós-moderno, numa época em que estamos caminhando para
a desumanização do homem, valores como a tolerância, a solidariedade o respeito a
diversidade e a ética são essenciais à convivência humana. Conforme nos chama a
atenção Bauman, questionando:
Estaria a moralidade com os dias contados? Estaríamos testemunhando a “morte da ética” e a transição para a nova era do pós-dever? Será que a ética, no tempo do pós-moderno está sendo substituída pela estética? Para muitos, o pós-modernismo traz a “emancipação de padrões morais, liberta do dever e desarticula a moral da responsabilidade. (BAUMAN, 1997).
De acordo com Durkheim (apud FERNANDES, 2006, p.127), os adultos são
responsáveis pela transmissão da educação às crianças, preparando-as para a
integração harmônica na sociedade. É tarefa nossa, enquanto adultos e educadores,
conduzir os alunos na direção da construção de sua cidadania plena. Os professores
devem assumir-se como responsáveis pelo desenvolvimento individual do aluno,
intermediando o conhecimento entre aquilo que é o ideal e a situação real do
38
mundo, conforme afirma Arendt (apud FERNANDES, 2006 p. 132) quando diz que
“a escola é uma espécie de espaço intermediário entre o espaço do lar e o espaço
do mundo”. É claro que a educação não se dá apenas no espaço formal das
instituições escolares. Ela acontece de várias formas e em vários lugares e tempos.
Porém, a escola como instituição formal de transmissão de saberes e construção de
conhecimento precisa ter claros os objetivos desse aprendizado sistemático e os
professores precisam ter a consciência do seu papel nesse processo.
4.2 ÉTICA DOCENTE: DESAFIOS E PRESSUPOSTOS EMANCIPATÓRIOS
Abordamos anteriormente conceituações sobre ética e capitalismo a fim de
entendermos as transformações históricas que sofreram os valores humanos e a
educação, respectivamente por influência dos avanços tecnológicos, globalização e
da sociedade capitalista. Assim relacionaremos agora ética e docência,
considerando então a atuação docente e o seu poder transformador na formação do
aluno, no contexto capitalista educacional.
Conforme Sader7 (2005): “no reino do capital, a educação é, ela mesma, uma
mercadoria. Daí a crise do sistema público de ensino, pressionado pelas demandas
do capital e pelo esmagamento dos cortes de recursos dos orçamentos públicos.” É
fato que uma crise educacional vigora no país e que a sociedade necessita de
reforma das diretrizes de ensino e educação adequadas às mudanças e
transformações sociais, mas a proposta aqui é entender o poder transformador do
professor como essência da capacidade intelectual e social do homem, enquanto
educador.
Inúmeras dificuldades são encontradas pelos professores em sua atuação
nas salas de aula devido à oscilação dos valores éticos de nossa sociedade
amplamente diversificada. Ensinar valores tem-se tornado tarefa bastante complexa
numa sociedade em que não há mais o consenso sobre o que é certo e verdadeiro
ou o que é errado ou falso.
7 SADER, Emir. A educação para além do capital. Revista espaço acadêmico, nr51 agosto 2005.
39
É fundamental refletir sobre os objetivos da escola, uma vez que esta se
encontra amplamente influenciada pelo contexto político, social e econômico no qual
se insere, traçando as diretrizes para a obtenção de uma educação de qualidade,
buscando a construção da cidadania.
Considerando as experiências de suas próprias vidas, os professores, além
de todo conhecimento intelectual que oferecem e orientam, subjetivam a maneira de
ser e conviver em sociedade de seus alunos, por isso o professor deve manter sua
atenção não somente na sua prática, mas nas condições sociais em que está
situada a sua prática, pois as possibilidades são diversas e diferentes, na concepção
de cada aluno e no sentido que adquirem em relação às suas próprias vidas em
consonância com os valores e a estrutura social na qual está inserido. Isso se torna
explícito quando Freire nos diz:
Nenhuma formação docente verdadeira pode fazer-se alheada, de um lado, do exercício da criticidade que implica a promoção da curiosidade ingênua à curiosidade epistemológica, e do outro, sem o reconhecimento do valor das emoções, da sensibilidade, da afetividade, da intuição ou adivinhação. Conhecer não é, de fato, adivinhar, mas tem algo que ver, de vez em quando, com adivinhar, com intuir. (FREIRE, 1996, p.20).
Atualmente, o docente não é mais apenas o transmissor do conhecimento,
cabe-lhe ainda articular na prática docente suas experiências para que seus alunos
consigam formar-se enquanto cidadãos a partir de suas reflexões sobre a
experiência de vida no mundo e o conhecimento intelectual adquirido, ou seja, a
abordagem do professor possui atividade relacionada ao todo e não somente a uma
competência ou habilidade a ser desenvolvida. Freire faz essa constatação ao
afirmar que:
[...] Não é possível pensar os seres humanos longe, sequer, da ética, quanto mais fora dela. Estar longe ou pior, fora da ética, entre nós, mulheres e homens é uma transgressão. É por isso que transformar a experiência em puro treinamento técnico é amesquinhar o que há de fundamentalmente humano no exercício educativo: o seu caráter formador. Se se respeita a natureza do ser humano, o ensino dos conteúdos não pode dar-se alheio à formação moral do educando. Educar é substantivamente formar. [...] (FREIRE, 1996, p.16).
A educação deve transpor a sala de aula, havendo socialização da
aprendizagem individual e experiências na comunidade, abrindo espaço para
diálogos, problemas e discussões de melhores soluções para a convivência social,
40
permitindo assim maior participação do aluno em sociedade. O exercício da prática
pedagógica autônoma supõe diálogo, disponibilidade e receptividade à experiência
vivida, condições essenciais à prática pedagógica como prática social, assim a
docência tem natureza formadora e não pode reduzir-se a processos técnicos
baseados em transferência de conhecimento, é necessário enfatizar a vontade, a
curiosidade e o gosto em ensinar e aprender.
Assim, na atualidade, a educação engloba mais conhecimentos tecnológicos
e científicos, mas exige muito mais, qual seja a prática pedagógica baseada em
valores morais para formação do aluno com a capacidade de saber, decidir e agir da
melhor maneira para viver em favor do seu bem estar pessoal e social, ou seja, o
aluno ao longo da sua vida acadêmica precisa adquirir conhecimentos, habilidades e
competências para que possa estruturar com responsabilidade e ética suas relações
sociais.
Os professores precisam possuir não somente o conhecimento de conceitos e
teorias sobre ética e valores, mas também devem agir com a mesma consciência
moral para com seus alunos. Dessa forma, a ética é fundamental para a prática
docente, já que o professor é sinônimo de exemplo aos seus alunos, e o que norteia
seu posicionamento, sobre uma mesma situação a favor ou contrária, é a sua
perspectiva ética adotada a partir dos critérios e princípios explicados e justificados
pelas ações morais e de juízo ético apresentado pelo agente (o professor).
É imprescindível que o professor tenha consciência da importância de sua
tarefa, pois as imposições feitas pelas instituições de ensino, atendendo à lógica do
capital, em sua grande maioria, acabam por exigir que façamos dos nossos alunos
“robôs”, que façam o que fazemos da mesma forma e sem questionamentos. De
acordo com Enguita:
[...] o mercado impõe restrições ao produtor independente na hora de decidir o objeto de seu trabalho, assim como as limitações dos instrumentos e do saber, mas nem em um nem outro encontram nada nem ninguém que lhes dite o que devem fazer, mas uma gama de opções possíveis que minimizam as restrições. Na escola, como na produção capitalista, minha liberdade não começa onde termina a liberdade dos demais, mas onde termina seu poder, o que neste caso quer dizer fora da instituição. (ENGUITA, 1989, p. 171).
A escola exige que o professor atue como agente regulador, normatizador.
Ele é levado a atuar de forma que os alunos tornem-se “civilizados”, que aprendam a
41
cumprir regras, na maioria das vezes por pura imposição, sem compreender que
esse cumprimento é fundamental para a sua atuação no mundo, na convivência com
os outros.
Para a escola, o professor é aquele que avalia coletivamente os alunos,
porém sem levar em conta a individualidade e potencialidades de cada um. O
professor é aquele que detém os conceitos a serem aprendidos, considerando os
alunos como tábulas rasas. O professor ainda é o responsável pela manutenção da
disciplina, impondo que permaneçam sempre quietinhos e em silêncio durante as
aulas. A prática pedagógica do professor deve ir muito além.
Logo, para atender às exigências da instituição escolar, os professores devem
estar sempre vigilantes quanto à sua prática. É o professor quem deve decidir sobre
a forma, os conteúdos e os meios para alcançar os seus objetivos. Na sociedade
capitalista, a escola transformou-se num lugar de perda da individualidade do aluno,
onde ele aprende a ser passivo e desprovido de espontaneidade. E essa imposição
é feita aos professores através das regras, as quais ele tem que se adequar e que
muitas vezes vão de encontro aos seus propósitos educacionais.
Zagury nos propõe que:
Façamos da educação uma ciência. Um trabalho que permaneça acima e além dos interesses pessoais, políticos ou partidários. Em que não se manipulem dados, não se escamoteiem objetivos, nem se admita tergiversação
8. (ZAGURY, 2006, p.15).
Ou seja, é preciso resgatar parcerias entre professores, família e poderes
públicos, pois são respectivamente os que atuam diretamente nos projetos
pedagógicos, vivenciam tais projetos e planejam políticas educacionais.
De acordo com Zagury (2006, p.21), enfrentamos diversas dificuldades na
sala de aula, diante de constantes e sucessivas mudanças no sistema de ensino no
Brasil, pois as tentativas de reformular e implantar novas diretrizes e projetos
educacionais esbarram nas esferas políticas, seja de ordem municipal, estadual ou
federal, pois cada vez que se inicia nova gestão, não se dá continuidade ao projeto
pedagógico do governo anterior, simplesmente porque a nova gestão não gostou da
8Tergiversação: s.f. Ato ou efeito de tergiversar; hesitação, vacilação; dubiedade, evasiva.
Tergiversar: v.i. Usar de subterfúgios ou evasivas, variar inseguramente de argumentos e de meios no debate de um assunto ou no enfrentar uma situação. (DICIONÁRIO AURÉLIO ONLINE)
42
idéia, da linha pedagógica praticada, ou ainda absurdamente para não concordar
que o projeto do seu antecessor apresenta resultados positivos.
Não podemos descansar até que se implementem, de fato ,recursos públicos
para a educação em favor da melhoria da qualidade de ensino, para tanto deve-se
ter por base os programas de alfabetização, capacitação dos docentes,
remuneração adequada e produção de material didático eficiente, garantindo assim
oportunidades mais justas de cidadania. É verdade que passos importantes já foram
dados, a exemplo da criação de projetos voltados para a escolarização de crianças e
adultos e a intensificação dos programas de formação continuada de professores.
Mas o caminho a ser percorrido ainda é longo e estamos a uma distância
considerável.
A crise na educação no Brasil não é de hoje e os problemas envolvem desde
a relação dos professores com os alunos, a desestruturação da relação familiar, as
políticas públicas e projetos pedagógicos. A pesquisa realizada por Zagury aponta a
existência de alguns fatores que contribuem para a falta de qualidade educacional
no nosso país. Ela afirma que:
[...] três fatores técnicos contribuíram para a queda da qualidade de ensino no país: as novas linhas pedagógicas aplicadas são desvirtuadas, os projetos pilotos não são experimentados antes de serem colocados em prática e o escasso acompanhamento dos resultados obtidos com as
implantações de novos projetos pedagógicos. (ZAGURY, 2006, p.40).
A pesquisadora revela que a maior dificuldade dos professores é manter a
disciplina em sala de aula e aponta como principais causas dessa indisciplina a
rebeldia dos alunos, a falta de limites e de respeito, falta de educação familiar,
liberdade familiar e falta de interesse da família no desenvolvimento do aluno. Em
segundo lugar, entre as dificuldades apontadas na pesquisa é motivar os alunos, e
as causas principais são a falta de interesse e dispersão dos alunos em sala,
enquanto fora dela encontram maior motivação como: internet, jogos, mídia,
comunicação, esporte etc.
É preciso promover a educação, em uma combinação de políticas universais
focadas em reduzir a desigualdade educacional e social, pois a educação tem
importante papel no desenvolvimento em longo prazo no país. A sociedade deve
atuar de forma mais atenta e consciente em favor da educação como fator de
desenvolvimento pessoal e coletivo, cobrando dos políticos ações realmente efetivas
43
e fazer a sua parte que é melhor acompanhar o dia-a-dia dos filhos, o conteúdo das
grades curriculares e a quantidade de dias letivos. É necessário o governo investir
em cursos de capacitação e formação continuada de professores, metodologias e
matérias didáticos em locais menos favorecidos para buscar a igualdade
educacional no país.
O trabalho de pesquisa realizado por Zagury nos permite perceber a baixa
qualidade e produtividade do ensino no país com base na formação e capacitação
dos professores, nas condições físicas e equipamentos das escolas, bem como o
desempenho dos alunos. O sistema educacional no Brasil precisa de monitoramento
contínuo, subsidiado por políticas educacionais com objetivo de reverter o quadro
atual de evasão escolar, alto índice de repetências e baixo desempenho escolar.
Os professores precisam estar bem preparados e remunerados para conduzir
as demandas de modernização do ensino no país, exigindo-se muito mais do que
aquilo que podem fazer diante das condições desfavoráveis das escolas para se
alcançar os objetivos da linha pedagógica adotada pela escola e muitos professores
precisam trabalhar em mais de uma instituição para conseguir manter-se.
Os professores como agentes principais na orientação e formação do aluno,
enquanto cidadãos e profissionais para o futuro no mercado de trabalho, são muitas
vezes “verdadeiros heróis brasileiros”, como disse Zagury (2006), porque somando a
falta de estruturas adequadas, o desinteresse dos alunos, a pouca verba para
investimento na educação e a falta de valorização da classe docente, conseguimos
realizar as atividades da melhor maneira possivel.
Percebemos que significativas mudanças ocorreram na sociedade nas
esferas social, econômica e política que alteraram a educação no país, foi a lógica
do capital e mercado que invadiram a área educacional, exigindo mudanças nas
políticas educacionais com base em valores e procedimentos gerais do capitalismo
na gestão das instituições educacionais. Acompanhando essas modificações,
observamos também a necessidade de introduzir novas visões do mundo nas
atividades humanas, que passou a valorizar mais “o ter é poder”, e não o saber, o
ser, pois a sociedade atual é consumista, imediatista e valoriza os bens materiais.
Por conseqüência, a sociedade desvalorizou a ética, pois, em busca de
enriquecimento rápido e fácil, muitas pessoas agem contrariamente aos seus ideais,
valores e conceitos éticos.
44
5. O PODER DETERMINANTE DA ÉTICA SOBRE A FORMAÇÃO EDUCACIONAL DOS ALUNOS DO ENSINO FUNDAMENTAL.
5.1 REALIZAÇÃO DA PESQUISA.
5.1.1 Observação
A pesquisa foi realizada com base nas observações e entrevistas diretas com
professores e alunos da escola que serviu como campo de pesquisa.
As observações foram feitas no mês de outubro de 2009, durante a fase de
observação destinada ao Estágio Supervisionado.
Durante a pesquisa de campo, a observação do comportamento de
professores e alunos permitiu registro de informações através da análise dos dados
obtidos durante a realização de entrevistas na mesma instituição de ensino a fim de
documentar opiniões sobre a prática da conduta ética dos professores e a influência
dessa atuação na formação dos alunos.
Durante o processo de formação, muitas discussões são realizadas quanto a
métodos e técnicas, avaliação, dificuldades de aprendizagem, atuação do professor,
compromisso diante da profissão e do seu público alvo. Entretanto, os discursos
esvaziam-se quando parte para a vida prática, pois se percebe que existe uma
grande distância entre a atuação ideal, tão discutida durante a formação dos
profissionais da educação, e a atuação real desses profissionais no campo de
trabalho.
5.1.2 Da Realização das Entrevistas
Com base no roteiro previamente concebido (Apêndices A e B), as entrevistas
foram realizadas durante o mês de dezembro/2009, período em que o ano letivo
estava em fase de conclusão.
A escola escolhida para campo de pesquisa fica localizada num bairro do
centro da cidade de Salvador. Tive acesso a essa instituição para a realização da
45
pesquisa devido à minha presença na mesma desde o início do ano, quando realizei
as atividades de Estágio I, II e por fim o Estágio Supervisionado. Apesar disso, ao
apresentar à direção o tema e o objetivo proposto no projeto, não obtive o aval para
a divulgação do nome da instituição. Obtive a autorização para conversar com todos
os professores e alunos que se dispuseram a responder às perguntas.
A Escola funciona nos três turnos, sendo que o turno noturno é reservado
para alunos jovens, adolescentes e adultos. São três turmas do nível fundamental I e
quatro turmas do fundamental II.
A pesquisa foi realizada com alunos e professores do turno noturno. São 11
professores. As turmas são bastante reduzidas em número de alunos, máximo de 12
em cada uma. O público alvo dessa pesquisa foram os alunos da turma do Eixo III,
equivalente à 4ª série do ensino fundamental, que conta com 12 alunos que
frequentam regularmente as aulas.
Com os professores utilizei os horários das coordenações pedagógicas, que
realizavam-se às sextas-feiras. Inicialmente senti certa resistência dos professores
ao apresentar o tema e objetivo da pesquisa. Acredito que eles pensaram que eu
queria “bisbilhotar” a prática docente deles e apontar os seus defeitos. No
transcorrer das perguntas, eles começaram a relaxar um pouco, mas sempre com
uma certa reserva nas suas respostas.
Com os alunos pude realizar a entrevista nos momentos iniciais do turno,
antes do início das aulas. Esses se mostraram mais à vontade que os professores,
tendo apenas algumas dificuldades na compreensão de algumas questões, que
foram sendo sanadas à medida que eu conduzia as perguntas.
Com base em um roteiro, a entrevista seguiu com objetivo de conhecer a
atuação ética do professores e sua influência na formação dos alunos do ensino
fundamental, comparando a visão e conhecimento do assunto dos agentes
envolvidos, ou seja, professores e alunos, sendo entrevistados 09 professores e 07
alunos, cujos dados e análise serão apresentados a seguir.
Os professores entrevistados são do sexo feminino, sendo 67% solteiras,
11% divorciada, 22% casadas; 78% possuem residência própria, 11% mora com a
família e 11% mora de aluguel.
46
Gráfico 1
Gráfico 2
Sobre o nível de formação entre os entrevistados encontram-se 78% que
possuem especialização e apenas 22% são apenas graduados.
Gráfico 3
O curso de graduação das professoras entrevistadas: 34% em Pedagogia,
11% em Matemática, 11% em Normal Superior, 22% em Letras Vernáculas e 22%
em Letras Vernáculas com Língua Estrangeira.
47
Gráfico 4
Os cursos de especialização são em: 14% em Psicopedagogia, 30% em
Metodologia do Ensino Superior, 14% em Matemática, 14% em História Social e
Cultura Africana, 14% em Literatura e Identidade Cultural.
Gráfico 5
No que diz respeito à faixa etária dos entrevistados: 11% têm entre 25 e 28
anos; 11% de 30 a 34 anos; 23% de 35 a 39 anos; 22% de 40 a 44 anos; 22%
possuem entre 45 e 49 anos e 11% de 50 a 54 anos.
Gráfico 6
48
Das professoras entrevistadas 78% ensinam em escola pública e 22% em
pública e particular.
Gráfico 7
Apenas 11% das entrevistadas desenvolvem outra atividade remunerada.
Além de professora, exerce a função de Coordenadora Pedagógica na Prefeitura de
Salvador com carga horária de 40h semanais.
Gráfico 8
Quanto ao tempo de serviço, a maioria das entrevistadas possui mais de 06
anos de atuação em educação: 11% tem de 1 a 5 anos, 22% atuam de 6 a 10 anos;
11% de 11 a 15 anos, e 56% acima de 16 anos de atuação docente.
49
Gráfico 9
E também a maioria dos professores, 67%, possui carga horária semanal de
40h, 22% têm 20 horas e 11% tem 60h.
Gráfico 10
Sobre a renda mensal: 45% têm renda entre R$465,00 e R$1395,00; 33%
têm entre R$1395,00 e R$2325,00 e 22% recebe entre R$2325,00 e R$4650,00.
Gráfico 11
Quando questionados sobre a participação em Programas de Formação
Continuada, 56% afirmam que não participam.
50
Gráfico 12
E dos outros 44% que participam, 25% afirma que freqüenta os cursos
mensalmente, 50% trimestralmente e 25% semestralmente;
Gráfico 13
Dos entrevistados, 78% afirmam que escolheram a profissão por vocação,
11% diz que foi sua única opção e 11% foi por oportunidade.
Gráfico 14
51
Desses 78% que escolheram a profissão por vocação, 67% afirmam que
continuam na profissão pelo mesmo motivo, 11% dos professores afirma que
permanece por comodismo, os outros 22% permanecem por falta de outra
oportunidade.
Gráfico 15
Todos as professoras entrevistadas consideram importante planejar suas
atividades docentes, porém nem todos conseguem cumprir com o planejado.
Gráfico 16
Apenas 33% conseguem cumprir o planejamento, e 67% afirmam que às
vezes conseguem cumprir.
52
Gráfico 17
Todos as entrevistadas explicam que sobra muito pouco tempo na rotina do
seu dia para fazer outras atividades; e o planejamento das atividades docentes
acontece no tempo que encontram disponibilidade, 22% citaram momentos como
“antes de dormir”, 11% tem as “tardes de domingo”; 34% quando “sobra um
tempinho”, à noite, “quando o cansaço deixa”, 33% afirmam que só tem o final de
semana para outras atividades.
Gráfico 18
Para o planejamento 23% afirmam que só na semana pedagógica, 22% dos
professores entrevistados afirmam que tem de duas a três horas do dia, 11% diz que
só faz seu planejamento aos sábados pela manhã, existem 22% que também
afirmam que faz o planejamento no local de trabalho com o horário reservado para
isso.
53
Gráfico 19
Dentro do plano das possibilidades e considerando as condições materiais de
trabalho e de vida, as professoras entrevistadas afirmam que o que anima as suas
atividades é o planejamento, porém 44% não transformam o planejado em realidade
e 56% acreditam sim que o planejamento, na maioria das vezes, é imprescindível
para o sucesso do seu trabalho.
Gráfico 20
As entrevistadas afirmam que as causas que desmotivam o seu exercício
profissional: 13% dizem que são as condições salariais, 38% a falta de recursos e
estrutura adequada na instituição e 49% é a indisciplina e desinteresse dos alunos.
54
Gráfico 21
No exercício de sua profissão, 78% das professoras entrevistados afirmam
não seguir nenhum modelo em especial na composição da sua prática, alegam que
consideram os conhecimentos prévios dos alunos, 11% trabalham um pouco de
cada modelo que estudam para melhorar a sua prática, 11% buscam desenvolver a
prática com base nos princípios da Psicopedagogia.
Gráfico 22
Todos as entrevistadas afirmam que buscam trazer para sua prática as
realidades identificadas em cada aluno, que acreditam no poder transformador da
educação e procuram contribuir com isso respeitando a diversidade encontrada
entre os alunos, transmitindo com responsabilidade profissional os conhecimentos
que possuem, orientando e alertando sobre a melhoria que a educação pode realizar
em suas vidas, desenvolvendo com qualidade suas atividades, conscientizando e
mostrando aos seus alunos como a educação pode lhes oferecer um futuro pessoal
e profissional diferenciado.
Das professoras entrevistadas, 67% afirmam ter autonomia em sua prática
docente, realizando com empenho seu trabalho, buscando melhor qualidade e
55
desempenho nas atividades e projetos que se propõe junto à instituição. As outras
33% dizem que às vezes possuem autonomia em sala de aula apenas na realização
de suas atividades rotineiras.
Gráfico 23
A dificuldade de exercer a sua prática docente autônoma, conforme as
entrevistadas, está na estrutura administrativa da escola, no que diz respeito à falta
de recursos materiais adequados e necessários, e a falta de cooperação entre
diretoria, coordenação e professores para melhor desenvolver o processo de ensino
e aprendizagem.
Dentre as entrevistadas,78% acreditam que seu trabalho como educador
influencia na intelectualidade e valores dos seus alunos, pois a relação entre alunos
e professores possibilita a troca de mais informações e acúmulo de experiências
vivenciadas. Assim, o professor com maior acúmulo de conhecimento e com
propósito intrínseco em suas atividades, conduz a reflexões e talvez novo
posicionamento do aluno diante do que lhe foi apresentado ou proposto.
Gráfico 24
56
Sobre a preferência pela atividade docente ou o exercício de outra atividade
remunerada, 22% afirmam que atualmente estão gostando mais da outra atividade
que exercem enquanto coordenador pedagógico, principalmente pela dificuldade
encontrada de conscientizar os alunos sobre a importância do conhecimento. Dos
67% que confirmam gostar mais de serem professores, devido à oportunidade de
troca de saberes e aprendizado constante, ensinam e aprendem a cada dia com as
novas experiências entre eles, por sentirem-se bem ao ajudar seus alunos em busca
de conhecimento e informações que lhe permitam melhores oportunidades
profissionais e sociais e 11% não sabem dizer, pois nunca exerceram outra
atividade.
Gráfico 25
No que diz respeito à ética na sua relação professor x aluno, 22% identificam
uma relação desgastada e que deveria ter respeito mútuo; 11% acreditam que ainda
está em construção, são otimistas numa relação verdadeira entre alunos e
professores, e 67% apontam que a ética é ponto fundamental para esta relação, que
os valores atuais são bem diferentes, inversos até dos valores que aprendeu em sua
infância e adolescência, acreditam que possuem uma boa relação e buscam
ensinar-lhes aquilo que acreditam, consideram também a ética como importante,
séria e comprometida nessa relação, pois só assim podem compreender as
interações entre alunos e professores.
57
Gráfico 26
Apenas 11% das professoras entrevistadas afirmam não encontrar
dificuldades externas para agir eticamente, em contrapartida 89% encontram
dificuldade sim, e indicam que o que dificulta muitas vezes é a desmotivação na
atividade profissional, o desrespeito aos direitos do professor, a falta de apoio e
reclamação da família dos alunos que não querem punição para seus filhos, mesmo
sabendo que estão errados, o que acaba refletindo em sala de aula. Apontam
também a falta de limites comportamentais, entendimento cultural e forte influência
da mídia ditando a moda do mundo moderno. Alguns se referiram aos próprios
colegas que criticam e desestimulam a vontade de continuar agindo corretamente
com seus valores éticos que acredita que podem fazer a diferença na vida dos seus
alunos.
Gráfico 27
E sobre as dificuldades internas em agir eticamente 22% afirmam que não
encontram ou não permitem interferências internas em sua atuação ética, enquanto
78% apontam dificuldades como a instituição no todo, a hierarquia e os direitos dos
alunos a partir do estatuto da criança e adolescente, a incompreensão sobre a
58
importância de agirem eticamente nos diversos momentos da vida, inclusive com
aqueles que estão em formação, a responsabilidade e o compromisso, a falta de
empenho por parte de alguns alunos ou familiares. Confirma até que chega a pensar
se, diante de tantos empecilhos, é válido agir eticamente, pois que sentem como se
eles é que agissem errados, pois aqueles que fogem da ética estão agindo conforme
imposição do sistema.
Gráfico 28
Conforme observação e entrevista com os alunos temos os seguintes dados:
Dos alunos entrevistados, 57% são do sexo masculino e 43% do sexo
feminino.
Gráfico 29
Encontram-se na faixa etária de 15 a 49 anos, sendo 57% entre 15 e 19 anos,
29% entre 35 e 39 anos e apenas 14% entre 45 e 49 anos.
59
Gráfico 30
Sobre o estado civil dos alunos entrevistados, 29% são casados, 57% estão
solteiros, e 14% mantêm união estável.
Gráfico 31
Todos se encontram no ensino Fundamental, mas vale ressaltar que 14% já
concluíram o Ensino Fundamental I e os outros 86% ainda estão em curso.
Gráfico 32
60
A renda familiar da maioria, 72% dos entrevistados, está entre R$930,00 e
R$1395,00 reais, 14% possui renda entre R$465,00 e R$930,00 e 14% possui renda
de R$1395,00 e R$2325,00.
Gráfico 33
A maioria, 57% dos entrevistados, ainda são estudantes apenas, e estudam
no turno noturno devido à distorção série/idade e pela necessidade de ter o turno
oposto disponível para buscar uma atividade remunerada; 29% estudam e possuem
trabalho formal e apenas 14% estuda e trabalha informalmente.
Gráfico 34
Questionados sobre a impressão que sentem sobre o sentimento pessoal dos
professores na sua atuação em sala de aula, 42% dos alunos acham que, de modo
geral, os professores não são felizes desenvolvendo tal atividade, enquanto 29%
acreditam que sim e outros 29% apontam que nem todos os professores estão
felizes com a sua profissão. Eles listam vários fatores que interferem nessa questão,
a exemplo da falta de apoio do governo com as necessidades educacionais do povo
61
brasileiro, a carga horária de trabalho é muito desgastante, assinalando que os
professores trabalham demais.
Gráfico 35
Porém, referindo-se especificamente aos seus professores, 57% dos alunos
acreditam que estes demonstram felicidade no cumprimento de suas funções
docentes, justificando que os mesmos são muito dedicados, carinhosos e
preocupados com o bem-estar dos seus alunos. Dos entrevistados, 29% não
possuem essa mesma crença e apontam que muitos só estão à espera do momento
de aposentadoria, que não podem sentir-se felizes recebendo tão baixos salários
pelo seu trabalho. Os 14% restantes assinalam que alguns professores demonstram
felicidade, outros, não. Para esses, alguns professores estão sendo cada vez mais
oprimidos pelo sistema capitalista.
Gráfico 36
Perguntei aos alunos se eles fossem um anjo, que conselho dariam aos seus
professores para que tivessem mais sucesso na execução de suas tarefas; 28%
disseram que os professores precisariam esforçar-se mais para não demonstrar sua
própria insatisfação; 29% os aconselhariam a serem mais pacientes, exercitassem
62
mais a tolerância, enquanto outros 29% diriam que eles precisariam ser mais rígidos,
exigir mais dos alunos.
Gráfico 37
Quando perguntados sobre de que forma a prática dos professores influencia
na nua vida cotidiana, 43% apontam que os professores preocupam-se em
conscientizá-los sobre a importância da educação para o desenvolvimento pessoal e
profissional deles, transmitindo isso com simpatia, o que eles acabam levando para
as suas casas, seus familiares; 43% dizem que o conhecimento que os professores
apresentam e a busca constante de saber mais dos professores é um grande
incentivo, estimulando-os a estar sempre movidos pela curiosidade, por saber mais.
Outros 14% apontam que levam para casa, para a sua vida prática, os exemplos de
cidadania que os professores praticam, como inteirar-se dos seus direitos e cumprir
os seus deveres.
Gráfico 38
Sobre os exemplos que os alunos conseguem extrair dos professores e
aplicar em sua vida, 42% dos entrevistados pontuam que é o conhecimento trazido
por eles que são transferidos e aplicados no seu dia-a-dia; 29% dizem que
63
passaram a valorizar mais a si mesmo e aos outros, seguindo o exemplo de seus
professores, e os outros 29% sinalizam que aplicam na sua vida, com sua família
principalmente, a forma respeitosa, carinhosa e responsável com que são tratados
por seus professores.
Gráfico 39
A maioria dos alunos, 86%, considera que o planejamento das suas
atividades é essencial para não correrem o risco de deixar nenhuma atividade sem
execução. Acreditam que planejar é essencial para o sucesso das atividades ao
passo que apenas 14% afirmam que não há a necessidade de planejar suas
atividades.
Gráfico 40
Entre os entrevistados, 72% sentem que seus professores planejam as suas
atividades, pois alguns deles chegam na sala e listam no quadro as atividades que
têm a cumprir em cada aula; 14% acham que não, que têm a impressão que os
professores improvisam as atividades e 14% não soube opinar.
64
Gráfico 41
Dos alunos entrevistados, 71% fazem relação entre o ditado “faça o que digo,
não faça o que eu faço” e a prática docente, pontuando que os professores às vezes
agem em desacordo com o que exigem dos alunos, a exemplo de chegarem
atrasados, mostrarem intolerância, imposição do seu conhecimento sem ouvir a
opinião dos alunos, atenderem ao celular durante a aula etc; 29 % não vêem relação
alguma entre uma coisa e outra. Em contrapartida, assinalam que essa realidade
não se aplica aos professores de sua escola especificamente, pois os mesmos
agem com muito respeito para com seus alunos.
Gráfico 42
Os entrevistados assinalaram algumas atitudes que consideram eticamente
incorretas na conduta dos professores no exercício de suas atividades. 71%
apontam a intolerância diante das dificuldades dos alunos, na divergência de
opiniões etc., ao passo que 29% consideram que os professores poderiam ser mais
comprometidos com a sua tarefa de educador.
65
Gráfico 43
Entre os entrevistados, 42% acham que seus professores possuem
autonomia na sua prática docente, demonstrando criatividade e vontade de inovar,
procurando adequar as orientações recebidas à necessidade real dos alunos; 29%
acham que não, que os professores não têm autonomia, recebendo as
determinações dos superiores e aplicando-as integralmente; 29% consideram que
às vezes demonstram autonomia, outras vezes cumprem as determinações
superiores.
Gráfico 44
5.3 ANÁLISE DAS ENTREVISTAS
Proponho uma reflexão sobre valores do profissional docente, considerando
seus pensamentos, suas ações, opiniões sobre o que entendem ser o bem da
educação, pensar como ocorre a interação entre alunos e professores, refletir sobre
sua prática e sua ação moral no dia-a-dia do ensino, levando em conta problemas
relacionados à ética e a crise educacional no ambiente escolar.
66
Apesar da maioria dos professores afirmar que entraram e continuam na
profissão por vocação, verifica-se que há uma grande insatisfação destes em
relação à prática docente, demonstrando falta de motivação e alegria no
cumprimento de suas atividades como professores. Isso se deve, em grande parte, à
dupla ou tripla jornada de trabalho que têm a cumprir, além dos baixos salários que
recebem, sob pena de não honrarem os compromissos financeiros da vida cotidiana
na nossa sociedade capitalista.
Essa constatação nos remete à teoria de Marx sobre a mais-valia, quando o
professor dispõe de grande parte do seu tempo exercendo o seu trabalho, mas
recebendo muito aquém das suas necessidades. O produto do seu trabalho é
utilizado como moeda de troca, portanto, uma mercadoria. Ele é dominado pelo seu
trabalho, passando a executá-lo apenas como uma forma de satisfazer as suas
necessidades. Lucro real mesmo é obtido pelos órgãos gestores, que se tornam os
proprietários da força do trabalho e da produção do trabalhador, que, por exemplo,
nas instituições públicas, as verbas destinadas à educação não são repassadas
integralmente e não são utilizadas na melhoria das condições de trabalho e
remuneração do professor. Já nas instituições privadas, os lucros adquiridos através
da cobrança das mensalidades dos alunos são convertidos em benefícios próprios
para os donos dos estabelecimentos, não dividindo os lucros com aquele que, com
sua força de trabalho, produz a mercadoria oferecida, ou seja, o professor.
Outro fator diz respeito à qualificação profissional, exigência da sociedade
capitalista do conhecimento Os professores graduam-se, especializam-se, estão
sempre buscando aperfeiçoamento, mas infelizmente não recebem incentivos
financeiros por isso, como fica evidenciado nos dados acerca da remuneração dos
professores comparados à remuneração dos seus alunos. Os professores, ao
assumirem uma das suas atribuições, qual seja a de ajudar os alunos na sua
formação profissional para que obtenham melhores condições de sobrevivência
econômica, recebem salários equivalentes a estes, que ainda estão no meio do
caminho da formação profissional qualificada e especializada.
A excessiva carga horária do trabalho docente, exigência do mercado
capitalista, se reflete na falta de tempo para planejar as suas aulas com
antecedência mínima, buscar novas alternativas para ensinar determinados
conteúdos e melhoria na qualidade do seu trabalho, organizar atividades extra-
67
classes (tarefa quase impossível), uma vez que todos possuem família e uma vida
fora do trabalho. Sendo assim, baseado na quantidade de trabalho e no tempo que
disponibiliza para essa produção, o professor deveria ser remunerado na mesma
proporção. Baseado na teoria capitalista de Marx, o que se constata é que o
professor transformou-se num operário intelectual na sociedade capitalista e a
educação assumiu a função de mercadoria.
Os professores apontam o planejamento como essencial ao sucesso de suas
atividades, mas enfrentam uma grande dificuldade, tanto na elaboração, quanto na
sua execução. Novamente esbarram na exigência capitalista de trabalhar de dois a
três turnos em troca de um salário razoável, que atenda minimamente às suas reais
necessidades econômicas. Além da jornada dupla ou tripla de trabalho (Gráfico 10),
o professor ainda precisa organizar um tempo para dedicar-se à família, que muitas
vezes é negligenciada em detrimento das inúmeras atividades relacionadas ao
trabalho docente (Gráfico 18). Raramente o professor pode dispor de algumas horas
do seu tempo para o lazer ou para investir na sua formação continuada (Gráficos 12
e 13), sem contar que a remuneração que recebe não é suficiente para essas
necessidades, que também são muito reais.
Infelizmente grande parte dos professores entrevistados não dispõe de
tempo, nem de recursos financeiros para estarem continuamente se reciclando,
aprendendo sobre as novas tecnologias, métodos de ensino, melhoria da auto-
estima (Gráficos 12 e 13). Aqueles que podem participar dos cursos de formação
continuada com freqüência não o fazem, por não estarem motivados (Gráfico 21),
por não estarem mais tão confiantes no poder transformador da educação e do
papel do educador (Gráfico 24). Ainda assim, os alunos conseguem extrair de sua
prática lições que consideram fundamentais para a convivência em sociedade, como
a valorização que os seus professores demonstram pelos indivíduos que são,
ressaltando suas potencialidades, agindo com respeito em relação às suas
carências e dificuldades.
Outro importante fator que deve ser levado em consideração é o tempo de
serviço desses profissionais. Aqueles que têm pouco tempo de atuação (Gráfico 9)
não esperam continuar por muito tempo (Gráfico 15), dadas às dificuldades que
enfrentam para desenvolver o seu trabalho, principalmente a indisciplina e a falta de
interesse dos alunos, além da baixa remuneração (Gráfico 21). A maioria deles
68
encontra-se próximo à aposentadoria (Gráfico 9) e muitos já se deixam levar pelo
cansaço, fruto da baixa auto-estima e desmotivação. Essa observação também se
evidencia nas entrevistas realizadas com os alunos, uma vez que observaram que
os seus professores mais antigos apresentam sinais de desânimo, muitas vezes
evidenciando a ansiedade pela chegada do momento de parar suas atividades como
docente. Eles deixam de acreditar que seu trabalho é fundamental para a
transformação dos alunos, na criação de um mundo melhor, mais justo, com mais
oportunidades de vida digna.
Segundo Aristóteles, a ética e os valores morais são aprendidos, fruto da
convivência, e o mundo exterior à escola exerce cada dia mais poder de atração
sobre as crianças e jovens. Verificamos que os professores, apesar de acreditarem
que exercem influência na vida dos seus alunos e que a atuação ética é fundamental
nessa relação, destacam que têm encontrado muitas dificuldades para atuar
eticamente (Gráfico 23 e 27). Dificuldades que vão desde a hierarquia da instituição,
passando pela crítica dos colegas de profissão, até a influência da sociedade
capitalista. Apesar da influência externa da sociedade, dos meios de comunicação e
da globalização, os alunos deixam claro que ainda são muito influenciados pelos
seus professores (Gráficos 38 e 39), levando para a sua vida prática os exemplos de
conscientização e de atuação cidadã demonstrados por eles em sua atuação em
sala de aula, além de espelharem-se nestes no desejo constante de obtenção de
conhecimentos que lhes permitirão uma melhoria na sua própria condição de vida e
na sua relação com a sociedade em que vive. Essa constatação nos faz recordar
Martins (1995, p.12), quando nos diz que “a educação é um ato político na práxis” e
que a prática pedagógica dos professores possibilita a conscientização dos alunos e
através dessa conscientização o homem “constrói sua realidade”.
A análise dos dados obtidos durante a entrevista nos sugere que a
intolerância apontada pelos alunos, sobre a conduta ética dos professores, está
diretamente relacionada à falta de flexibilidade no que diz respeito ao cumprimento
de prazos e nível de conhecimento individual de cada aluno na realização das
atividades, ou seja, os professores devem exigir mais dos seus alunos a dedicação
em busca do conhecimento, pois a capacidade de entendimento depende da
vivência que o aluno apresenta. Cada aluno apresenta um nível de conhecimento e
de dificuldade no desenvolvimento da aprendizagem levando em consideração os
69
saberes adquiridos na sua vida cotidiana. De acordo com Enguita (1989), a
tendência da escola é uniformizar os alunos e os professores devem estar atentos a
isso, utilizando sua prática pedagógica autônoma, como os alunos analisam que
estes possuem, e atuar no sentido de respeitar a individualidade de cada um, na
medida do possível, valorizando o que eles possuem de conhecimento e
incentivando a capacidade de buscar cada vez mais.
Ainda que reféns do sistema capitalista e da globalização, apontados por
Zagury (2006), não podemos, como defendeu Freire, nos afastar da ética sob pena
de nos afastar do caráter formador da atividade educativa. Para Freire “educar é
formar” e essa prática não pode ser realizada se não for baseada na formação de
virtudes. E o professor não pode furtar-se dessa importante tarefa, que visa, nas
palavras de Aristóteles, “o bem supremo, a felicidade”.
Nos dias atuais a educação tem sido mais preocupada com a instrução e
menos com a formação integral do homem. Daí as questões éticas terem se
transformado numa visão individualista, onde o que é ético para um, pode não ser
para o outro. Não existe um modelo de conduta pautando as ações dos indivíduos,
cada um age de acordo com suas conveniências, desprezando, muitas vezes, os
sentimentos e direitos do outro. Mas não devemos esquecer que, apesar das
mudanças nas configurações das relações sociais, das transformações sofridas
pelos valores morais ao longo do tempo, os direitos humanos, a justiça social, a
cooperação e o bem-estar da coletividade, como nos aponta Bauman (2006, p. 8)
não deixaram de existir, não perderam a sua importância, precisando apenas ser
revistos e adequados à nova atualidade. Como nos afirmou Valls (2006),
independentemente das condições históricas, a distinção entre o bem e o mal é uma
questão sempre atual e “agir eticamente é agir de acordo com o bem”.
A sociedade contemporânea atravessa um momento de crise de valores
éticos e morais em decorrência das transformações aceleradas e constantes pelas
invenções tecnológicas em geral, mas principalmente nos meios de comunicação,
por exemplo, com base na linguagem e escrita atualmente conhecemos novas
formas e meios de comunicação como jornais, revistas, telefone, televisão e a
internet.
Essa crise de valores éticos e morais é apontada por Bauman como a
substituição do “SER” pelo “TER” e a modernidade como uma época em que há o
70
predomínio da estética, onde o valor das pessoas é medido pela influência
econômica, política e social que possuem.
Essas transformações, em função da evolução tecnológica, caracterizam a
era moderna, apresentando novas técnicas de trabalho, a globalização, e
inevitavelmente provocando alterações no modo de pensar e agir dos grupos
humanos. A partir daí, consideremos as exigências de maiores competências na
atuação do professor no mercado de trabalho, confirmando a teoria de Bezerra e
Silva (2006, p.4), quando afirmam que a sociedade capitalista do conhecimento
exige níveis cada vez maiores de escolarização e se os profissionais desejam ser
valorizados devem adquirir as competências e habilidades exigidas pelo mercado e
sua responsabilidade na formação dos seus alunos.
71
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A proposta do estudo foi discutir a influência que a prática docente ética
exerce sobre a formação do aluno no ensino fundamental. Essa discussão foi
permeada pelos conceitos de ética, práxis social e prática pedagógica autônoma sob
a influência e os reflexos que a economia capitalista impõe na sociedade.
É certo que precisamos acompanhar as transformações de toda ordem que
ocorrem na sociedade. Porém, estamos visivelmente assistindo à significativa
alteração de valores que são básicos e essenciais à convivência humana. A
economia capitalista incentiva cada vez mais a prática do consumismo exacerbado,
através dos meios de comunicação que vivem propagando a necessidade da
aquisição de produtos que, na realidade, não representam necessidades reais, mas
criadas em nome da facilidade e comodismo. Esse bombardeio de falsas
necessidades criadas para atender ao mercado capitalista faz com que as crianças
convivam, desde cedo, com o desejo de ter, de possuir aqueles produtos que estão
na moda. Mas, certamente, a grande desigualdade econômica e social que existe
em nossa sociedade, aliada aos valores como a corrupção, a competição desleal, a
desigualdade de condição de acesso à educação, saúde, habitação, a discriminação
racial e social, muitas vezes velada, entre outros fatores, contribuem para que
nossas crianças e jovens cresçam convivendo com o distanciamento de valores que
norteiam a conduta ética entre os homens, como o respeito, a solidariedade, a
honestidade, a verdade, a retidão.
Acredito que pela educação é possível amenizar esses efeitos tão nocivos à
convivência humana e o professor atuar como um agente fundamental na condução
dos seus alunos pelo caminho da retidão. Para tanto, sua formação deve ser
baseada na autonomia, reflexão e na ética, pois só assim sua prática pedagógica
configurará em uma prática social. Mas isso não tem sido fácil, pois os professores
sofrem, assim como as outras classes trabalhadoras, as pressões e imposições do
mercado capitalista. Aliás, as pressões sobre os professores são maiores do que os
outros trabalhadores, afinal de contas eles têm como principal função contribuir para
a formação pessoal e profissional de crianças, jovens e adultos.
72
Minha convivência com profissionais de educação e minhas observações
acerca da prática de professores me levaram a refletir sobre o compromisso desses
profissionais com a sua função de formar, não apenas informar. Por isso, senti a
necessidade de realizar essa pesquisa para entender os fatores que interferem na
prática docente ética desses profissionais e qual a força que essa prática exerce
sobre os alunos.
Aprendi desde criança que os adultos se constituem em referência para as
crianças e jovens. Fui criada e educada com uma base sólida de respeito e
admiração para com meus professores e sempre procurei copiar deles seus
exemplos positivos. Mas eram outros tempos, não estávamos vivendo essa era
globalizada com o avanço dos meios de comunicação de massa, as crianças
geralmente passavam a maior parte do tempo na companhia dos seus pais. Hoje, a
exigência capitalista obriga os pais a permanecerem mais tempo fora de casa,
trabalhando para levar o sustento mínimo à família, enquanto as crianças e jovens
passam mais tempo na rua, ou em casa em frente à televisão ou ao computador. E o
que temos assistido cada vez com mais gravidade são situações de desrespeito aos
direitos do próximo, o “jeitinho” para conseguir o que se quer, mesmo que para isso
alguém saia prejudicado, a corrupção estampada de representantes dos poderes
públicos, a impunidade, o enriquecimento ilícito, a exploração econômica do
trabalhador honesto pelos proprietários dos meios de produção.
Apesar de todas as dificuldades enfrentadas pelos professores no exercício
de suas funções, com a falta de uma autonomia significativa, a falta de apoio e
acompanhamento da família, a remuneração insuficiente em relação à jornada de
trabalho, a insatisfação provocada pelas condições materiais de trabalho, a falta de
tempo para planejar e executar suas atividades, os alunos percebem e criticam a
sua prática docente, deixando claro que eles ainda representam um exemplo a ser
seguido, e melhor ainda, eles identificam e selecionam as características
consideradas negativas nessa atuação e avaliam a importância que a conduta ética
dos professores representa na sua formação como pessoas e profissionais.
Após observações, entrevistas e análise dos dados obtidos, verificamos que,
apesar de mudanças significativas na estrutura e relações sociais, apesar da
inversão de alguns valores observados na nossa atual conjuntura, os professores
ainda se constituem modelos de comportamento e conduta perante seus alunos.
73
Nessa escola que serviu de campo de pesquisa, os alunos observam a
postura dos seus professores ao ensinar, tendo claro o papel formador que estes
devem possuir. Os professores são avaliados pelos alunos, que enxergam seus
exemplos, que podem ser positivos ou negativos. Alunos e professores reconhecem
as dificuldades em agir conforme o que é certo no contexto político, histórico,
econômico e social em que estamos vivendo na contemporaneidade, mas ainda
conseguem ter em mente o caráter formador da prática pedagógica.
A conduta pessoal e profissional do professores na relação com seus alunos
representa grande poder de influência na formação destes, uma vez que evidenciam
os exemplos que consideram positivos e passam a aplicá-los na sua vida. Da
mesma forma podendo ocorrer como exemplos negativos, pois, se consideram os
professores como modelos de conduta ética, se não tiverem discernimento quanto a
estes valores, fato que é comum com alunos de menos idade e menos vivência que
os entrevistados, certamente farão dessa prática um hábito na sua vida, pois,
conforme Aristóteles, as virtudes morais são resultantes da prática habitual desses
atos.
Sendo assim, o professor deve estar em constante estado de vigilância e
reflexão sobre suas atitudes no exercício de sua prática docente. Temos a
percepção de que vários fatores interferem nesta atuação, pois, como foi dito
anteriormente, o professor é antes de tudo um ser humano, porquanto possui
limitações, sofrendo também as pressões e exigências da sociedade capitalista e
das alterações nos valores gerados por ela.
Ficou constatado nesta pesquisa que, dos professores ainda depende a
formação moral e intelectual dos seus alunos, especialmente devido à falta de
acompanhamento da família e dos poderes públicos. É uma tarefa difícil,
desgastante, pois se torna complicado incutir nos alunos valores como a cooperação
e a honestidade, quando o que assistimos diariamente no nosso cotidiano são
práticas de individualismo, competição desleal e corrupção. Não é muito fácil
convencer os alunos sobre a importância da escolarização para a concretização de
um futuro promissor, se a todo tempo vemos exemplos de pessoas que atingem
nível de desenvolvimento econômico através de estratégias políticas e sociais fora
dos padrões considerados éticos.
74
O presente estudo permitiu verificar que o professor, apesar de todas as
adversidades identificadas durante a pesquisa, tem grande poder de influência e
importância na formação educacional do aluno, portanto a sua atuação docente
deve estar baseada na conduta ética.
75
REFERÊNCIAS
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78
APÊNDICE A – ROTEIRO PARA ENTREVISTA – PROFESSORES
PROFESSOR E SUA ATUAÇAO ÉTICA
1. Local de residência permanente:
Cidade________________ Bairro ___________________
2. Residência: ( ) Própria ( ) Alugada
3. Sexo: ( ) Masculino ( ) Feminino
4. Estado Civil: ( ) Casado ( ) Solteiro ( ) Divorciado ( ) União estável
5. Faixa Etária
( ) 20 a 24 anos ( ) 35 a 39 anos
( ) 25 a 28 anos ( ) 40 a 44 anos ( ) 50 a 54 anos
( ) 30 a 34 anos ( ) 45 a 49 anos ( ) mais de 54 anos
6. Nível de formação
( ) Graduação Curso___________________________
( ) Especialização Curso ___________________________
( ) Mestrado Curso ___________________________
( ) Doutorado Curso ___________________________
7. Local de trabalho
( ) Escola pública ( ) Escola Particular ( ) Escola Pública e Particular
8. Além de lecionar, desenvolve outra atividade remunerada? ( ) sim ( ) não
Qual?_____________________
9. Qual a sua carga horária nessa atividade? ___________________________________
10. Tempo de Serviço em educação
( ) 1 a 5 anos ( ) 6 a 10 anos ( ) 11 a 15 anos
( ) 16 a 20 anos ( ) 21 a 25 anos
11. Carga Horária Semanal
( ) 20 horas ( ) 40 horas ( ) 60 horas
12. Renda mensal
( ) menos de R$ 465,00 ( 1 salário mínimo) ( ) entre R$ 465,00 e R$ 1395,00
( )entre R$ 1395,00 e R$ 2325,00 ( ) entre R$ 2325,00 e R$ 4650,00
13. Participa de programas de formação continuada? ( ) sim ( ) não
Com que freqüência? ( ) Mensal ( ) Trimestral
( ) Semestral ( ) Anual
14. Qual o motivo que o levou à escolha dessa profissão?
( ) Vocação ( ) única opção ( ) Mais fácil
( ) Tradição familiar ( ) Salário ( ) Oportunidade
15. Ainda é o mesmo motivo que o mantém na profissão? ( ) sim ( ) não
Se não, qual o motivo da sua permanência na profissão?
( ) Estabilidade ( ) Falta de outra oportunidade ( ) Comodismo ( )Vocação
16. Você considera importante planejar as suas atividades docentes? ( ) sim ( ) não
Você consegue cumprir o planejamento? ( ) sim ( ) não ( ) às vezes
17. Descreva o seu cotidiano. Fora o tempo que gasta com as atividades escolares, pessoais,
quantas horas do dia sobram para fazer outras coisas pessoais e profissionais?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
18. Já que não sobre tempo, quando é que faz o seu planejamento?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
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19. Dentro do plano das possibilidades, considerando as condições materiais de trabalho e de
vida, o que o anima a tentar planejar as suas atividades de ensino?
( ) não planejo porque não muda nada ( ) Não consigo planejar porque não tenho tempo
( ) Não consigo planejar porque não adianta, os alunos não querem nada.
( ) Planejo, mas não transforma a realidade. ( ) Planejo, quando posso, mas não tenho
resposta nenhuma
( ) Planejo, quando posso e verifico resultados positivos.
( ) Planejo na maioria das vezes, isto é imprescindível para o sucesso do meu trabalho.
20. Atualmente, no seu exercício profissional, o que o desmotiva?
( ) Condições salariais ( ) Falta de recursos e estrutura adequada na instituição
( ) Indisciplina e desinteresse dos alunos
21. No exercício de sua profissão você segue algum modelo na composição da sua da prática?
Qual?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
22- O que você entende por felicidade? Você é feliz enquanto professor?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
23- Você consegue extrair algum exemplo de vida dos seus alunos e trazê-lo para a sua
prática? De que forma?
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___________________________________________________________________________
24. Você acredita no poder transformador da educação? ( ) sim ( ) não
De que forma você contribui para isso?
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25. Você tem autonomia na sua prática docente? ( ) sim ( ) não ( ) às vezes
Como ela se manifesta?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
26. Qual a sua dificuldade em exercer uma prática docente autônoma?
___________________________________________________________________________
27. Você acredita que o seu trabalho como educador tem alguma influência na
intelectualidade, nos valores dos seus alunos? ( ) Sim ( ) não ( ) às vezes
Justifique:___________________________________________________________________
28. Como você se coloca diante dessa crença?
___________________________________________________________________________
29. De qual atividade você gosta mais? ( ) Ser professor ( ) Outras
Por quê? ____________________________________________________________________
30. Como você vê a ética na sua relação professor x aluno?
31. Quais as dificuldades externas que encontra quando quer agir eticamente?
___________________________________________________________________________
32. E as internas?
___________________________________________________________________________
Obrigada por sua atenção.
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APÊNDICE B – ROTEIRO PARA ENTREVISTA – ALUNOS
ALUNO E ATUAÇÃO ÉTICA DOS PROFESSORES
1. Local de residência: Cidade________________ Bairro ____________________
2. Sexo: ( ) masculino ( ) feminino
3. Estado civil: ( ) casado ( ) solteiro ( ) divorciado ( ) união estável
4. Faixa etária
( ) 15 a 19 anos ( ) 30 a 34 anos ( ) 45 a 49 anos
( ) 20 a 24 anos ( ) 35 a 39 anos ( ) 50 a 54 anos
( ) 25 a 28 anos ( ) 40 a 44 anos ( ) mais de 54 anos
5. Escolaridade
( ) Alfabetização ( ) Fundamental I incompleto ( ) Fundamental I completo
( ) Fundamental II incompleto ( ) Fundamental II completo
6. Ocupação
( ) estudante ( ) estudante e desempregado ( ) estudante e aposentado
( ) estudante e trabalhador formal Qual?................................
( ) estudante e trabalhador informal Qual?................................
7. Renda familiar
( ) menos de R$ 465,00 ( 1 salário mínimo) ( ) entre R$ 930,00 e R$ 1395,00
( ) entre R$ 465,00 e R$ 930,00 ( ) entre R$ 1395,00 e R$ 2325,00
08. Para você, o que é ser humano?
______________________________________________________________________
09. Qual a sua opinião sobre cultura? Como você vê a cultura?
______________________________________________________________________
10. O que é felicidade para você? Você é feliz?
______________________________________________________________________
11. Qual o seu entendimento sobre ética?
______________________________________________________________________
12. Você sente que, de maneira geral, na educação brasileira, os professores são felizes
quando estão na sala de aula, realizando sua função de educador? Justifique:
______________________________________________________________________
13. E na sua escola? Qual a sua opinião?
______________________________________________________________________
14- Se você fosse um anjo de guarda dos seus professores, que coisa boa diria a eles para que
eles tivessem melhor resultado como professor e os alunos ficassem mais felizes e
aprendessem melhor?
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15. De que forma a prática dos professores influencia sua vida cotidiana?
______________________________________________________________________
16. O que você consegue tirar de exemplo do seu professor e aplicar na sua vida?
______________________________________________________________________
17- Como é o seu dia-a-dia, as atividades que desenvolve até a hora da escola?
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18. Você planeja o seu dia, as atividades que têm a fazer desde a manhã até a hora de vir à
escola?
______________________________________________________________________
19- Acha que isso é importante para o cumprimento de suas tarefas? Justifique:
______________________________________________________________________
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20- E seus professores, você sente que eles planejam as aulas e atividades que são feitas na
sala? Por quê?
______________________________________________________________________
21. Certamente você já ouviu o ditado “faça o que eu digo, não faça o que eu faço”. Você
consegue relacionar esse ditado com alguma prática dos professores? Justifique.
22. Em que medida esse ditado vale para os professores daqui da sua escola?
______________________________________________________________________
23. O que você verifica de negativo na conduta do professor de acordo com o que você
acredita que seja eticamente correto?
24. Você sente que seus professores têm autonomia na realização das atividades de sala de
aula ou que apenas cumprem o que foi determinado pela coordenação e direção da escola? Em
quais situações você se apóia para dar a sua resposta?
___________________________________________________________________________
Obrigada por sua atenção.