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PONTÍFICA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS Programa de Pós-Graduação em Educação DOCÊNCIA, EDUCAÇÃO FÍSICA E DANÇA: DOCÊNCIA, EDUCAÇÃO FÍSICA E DANÇA: DOCÊNCIA, EDUCAÇÃO FÍSICA E DANÇA: DOCÊNCIA, EDUCAÇÃO FÍSICA E DANÇA: UMA COREOGRAFIA NO RÍTMO DE UMA COREOGRAFIA NO RÍTMO DE UMA COREOGRAFIA NO RÍTMO DE UMA COREOGRAFIA NO RÍTMO DE DISCURSOS POLIFÔNICOS DISCURSOS POLIFÔNICOS DISCURSOS POLIFÔNICOS DISCURSOS POLIFÔNICOS KÁTIA CUPERTINO Belo Horizonte 2009

DOCÊNCIA, EDUCAÇÃO FÍSICA E DANÇA:DOCÊNCIA, EDUCAÇÃO ... · ênfase ao ensino das práticas corporais esportivas. Ao exercer a profissão docente em Educação Física nos

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PONTÍFICA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS Programa de Pós-Graduação em Educação

DOCÊNCIA, EDUCAÇÃO FÍSICA E DANÇA:DOCÊNCIA, EDUCAÇÃO FÍSICA E DANÇA:DOCÊNCIA, EDUCAÇÃO FÍSICA E DANÇA:DOCÊNCIA, EDUCAÇÃO FÍSICA E DANÇA:

UMA COREOGRAFIA NO RÍTMO DE UMA COREOGRAFIA NO RÍTMO DE UMA COREOGRAFIA NO RÍTMO DE UMA COREOGRAFIA NO RÍTMO DE

DISCURSOS POLIFÔNICOS DISCURSOS POLIFÔNICOS DISCURSOS POLIFÔNICOS DISCURSOS POLIFÔNICOS

KÁTIA CUPERTINO

Belo Horizonte 2009

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KÁTIA CUPERTINO

DOCÊNCIA, EDUCAÇÃO FÍSICA E DANÇA:DOCÊNCIA, EDUCAÇÃO FÍSICA E DANÇA:DOCÊNCIA, EDUCAÇÃO FÍSICA E DANÇA:DOCÊNCIA, EDUCAÇÃO FÍSICA E DANÇA:

UMA COREOGRAFIA NO RÍTMO DE UMA COREOGRAFIA NO RÍTMO DE UMA COREOGRAFIA NO RÍTMO DE UMA COREOGRAFIA NO RÍTMO DE

DISCURSOS POLIFÔNICOS DISCURSOS POLIFÔNICOS DISCURSOS POLIFÔNICOS DISCURSOS POLIFÔNICOS

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, como requisito para obtenção do título de Mestre em Educação. Orientadora: Dr.ª Magali de Castro

Belo Horizonte 2009

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Kátia Cupertino

DOCÊNCIA, EDUCAÇÃO FÍSICA E DANÇA:DOCÊNCIA, EDUCAÇÃO FÍSICA E DANÇA:DOCÊNCIA, EDUCAÇÃO FÍSICA E DANÇA:DOCÊNCIA, EDUCAÇÃO FÍSICA E DANÇA:

UMA COREOGRAFIA NO RÍTMO DE DISCURSOS POLIFÔNICOS UMA COREOGRAFIA NO RÍTMO DE DISCURSOS POLIFÔNICOS UMA COREOGRAFIA NO RÍTMO DE DISCURSOS POLIFÔNICOS UMA COREOGRAFIA NO RÍTMO DE DISCURSOS POLIFÔNICOS

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, como requisito para obtenção do título de Mestre em Educação.

____________________________________ Prof.ª Dr.ª Magali de Castro (Orientadora) – PUC Minas

____________________________________ Prof.ª Dr.ª Anna Maria Salgueiro Caldeira – PUC Minas

___________________________________ Prof.Dr. Tarcísio Mauro Vago - UFMG

Belo Horizonte, 13 de março de 2009.

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FICHA CATALOGRÁFICA Elaborada pela Biblioteca da Pontifica Universidade Católica de Minas Gerais

Cupertino, Kátia C974d Docência, educação física e dança: uma coreografia no ritmo de discursos polifônicos / Kátia Cupertino. Belo Horizonte, 2009. 218f. : II. Orientadora: Magali de Castro Dissertação (Mestrado) – Pontifica Universidade Católica de Minas Gerais. Programa de Pós-Graduação em Educação. 1. Dança. 2 .Danças folclóricas brasileiras. 3. Educação física. 4. Professores - Formação. I. Castro, Magali de. II. Pontifica Universidade Católica de Minas Gerais. Programa de Pós-Graduação em Educação. III.Título. CDU:793.31(81)

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Dedicatória

Dedico esse estudo às pessoas que, de alguma forma, fizeram parte desse pensar sobre a dança:

Ao meu filho Arthur, com o seu apoio silencioso e incondicional, aceitando

amorosamente a espera do “depois do mestrado”. À minha mãe, pai, irmãos e cunhados, que sempre estiveram por perto, me

permitindo ficar ausente. Aos amigos José Moreira de Souza e Tião Rocha, eternos mestres e inspiradores na

compreensão da dimensão do saberes da cultura popular tradicional. À professora Eustáquia Salvadora de Sousa, por sempre abrir as janelas que me

possibilitaram ver outros horizontes da Educação Física. E à querida e saudosa Anna Maria Casasanta Peixoto da qual tive a honra e o

prazer de receber as primeiras orientações nessa trilha de reflexões, me proporcionando momentos ímpares de descobertas.

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Agradecimentos

À minha orientadora Magali, sempre pronta para elucidar as minhas indagações.

A todos os professores atores da pesquisa, que permitiram expor os seus discursos, me possibilitando realizar esse estudo.

Aos amigos que sempre me apoiaram, em especial a Adelúzia e Danielle, que há muito me acompanham nas “andanças” pela cultura popular

Aos colegas de Mestrado, especialmente a Cláudia, Raquel Borges e Raquelzinha, por compartilhar as minhas reflexões e angústias.

Aos professores do Mestrado, especialmente a Leila, a Anna Maria e ao Cury, pelas suas interlocuções que muitas vezes nos iluminaram.

E a todos que, de alguma forma, escreveram a história da dança bailando, coreografando, refletindo, ou a vivenciando como parte do todo de suas vidas.

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RESUMO

A última década tem sido fortemente marcada pelas discussões em torno da formação docente. Os diferentes enfoques sobre os saberes docentes, que tem sustentado as pesquisas mais recentes nessa área, coincidem no sentido de reconhecer que a atuação pedagógica na docência não se dá apenas com base nos conhecimentos obtidos durante os cursos de formação, mas que, ao atuar em sala de aula, os professores produzem saberes. Nos tempos atuais, os saberes docentes sobre a dança incorporam-se no campo investigativo e reflexivo, institucional e acadêmico da Educação Física, reconhecida como pratica pedagógica da cultura corporal de movimento. Partindo do pressuposto de que as danças da cultura popular tradicional se mantiveram presentes no contexto escolar de forma fragmentada e a-histórica, propos-se entender como os professores apropriaram e mobilizaram os seus saberes docentes em relação à dança, no espaço escolar. Ao se destacar os professores como atores sociais, optou-se pela investigação qualitativa - Estudo de Caso - que possibilitou entender, a partir da subjetividade do professor de Educação Física, o processo de apropriação dos saberes que docentes sobre a dança, construídos ao longo da sua trajetória social e profissional. Paralelamente, propos-se uma releitura necessária e possível da história da dança inserida no campo da Educação Física e das políticas públicas voltadas para a sua inserção no ambiente escolar, tendo como marco histórico a LDB n.9394 de 1996, a partir da qual a dança folclórica inicia o processo de ser consolidada na Educação Física. Tendo como suporte a análise documental e bibliográfica, foram feitas entrevistas semi-estruturadas com professores de Educação Física de duas Escolas de Belo Horizonte, uma pública e uma privada. À luz dos aportes teóricos e contextuais de Pierre Bourdieu (1974/2007); Ruth Mercado, Elsie Rockwell (1988) e Anna Maria Salgueiro Caldeira (2000), foi possível chegar aos resultados que revelam que os saberes docentes sobre a dança são construídos a partir de um processo histórico, dialógico e contínuo e, a apropriação e a mobilização desses saberes estão intimamente relacionadas à trajetória social e profissional dos professores e à própria história do campo de atuação. Palavras-chaves: Dança, Dança Folclórica, Dança Popular Tradicional, Educação Física, Saberes Docentes

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ABSTRACT

The last decade has been strongly marked by discussions about the teacher training. The different approaches to the teacher knowledge, that has sustained the latest research in this area, agree to recognize that the educational performance in teaching is not only based on knowledge obtained during training, but, acting in classroom, teachers produce knowledge. In current times, the knowledge about teaching dance is embedded in the investigative and reflective, academic institutions and Physical Education, recognized as the culture of body movement teaching technique. Assuming that the traditional dances of popular culture remained in the school context in a fragmented manner and non-historical, it was proposed to understand how teachers appropriated and mobilized their knowledge on teaching dance in school. As the teachers were highlight as social actors, a qualitative research Case Study was used, which allowed to understand, from the subjectivity of the Physical Education teacher, the process of appropriation of knowledge that changed in the different teaching experiences on the dance training, experienced along its trajectory and social work. In addition, it was proposed a necessary and possible reassessment of the history of dance included in the field of Physical Education and public policies for its inclusion in the school environment, having as a milestone the so-called Lei de Diretrizes e Bases – LDB – nº.9394, 1996, from which the folk dance starts the process of being consolidated in Physical Education. Having as a support the documentary analysis and literature, semi-structured interviews were performed with Physical Education teachers from two schools of Belo Horizonte, one public and one private. In the light of the contextual and theoretical contributions Pierre Bourdieu (1974/2007); Ruth Mercado, Elsie Rockwell (1988) and Anna Maria Salgueiro Caldeira (2000), it was possible to reach results revealing that the teacher’s knowledge is constructed from a historical process and continuous dialogue, and the appropriation and mobilization of knowledge are closely related to social history of the teachers and to the history of the field of action. Keywords: Dance, Folk Dance, Physical Education, Teacher’s Knowledge

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SUMÁRIO

Páginas

1. INTRODUÇÃO 12 2. PRESSUPOSTOS, QUESTÕES E OBJETIVOS QUE NORTEIAM A

INVESTIGAÇÃO 20 3. O PERCURSO METODOLÓGICO 23

3.1 Os campos da pesquisa 24 3.2 As fontes documentais 31

3.3 As fontes orais 31

3.3.1 Os professores de Educação Física das duas escolas 31 3.3.2 Os pares de nossa dança investigativa: os atores selecionados 34 3.4 Estratégias Metodológicas 37

4. REFLETINDO SOBRE O OBJETO DE INVESTIGAÇÃO 39 4.1 A educação dos corpos através da dança 39

4.2 A dança na teia da cultura 45

4.3 A Ginástica e a Dança: O corpo moldado e silenciado pelo ritmo 55

4.4 A dança no espaço da Educação Física 59

4.4.1 No compasso das políticas públicas do século XX 61

4.4.2 A dança na cultura corporal de movimento: enfim, reconhecida 66

4.5 A dança folclórica como parte de todo o contexto social 75

5. AJUSTANDO O FOCO 80

5.1 Das diferenças às semelhanças: um olhar sobre as trajetórias dos professores à luz das concepções de Pierre Bourdieu 80

10

5.2 Os saberes docentes - A inspiração para a nossa coreografia 86

6.1 Atividades físicas e dança, na infância e na juventude: as influências do contexto familiar 91

6.2 Educação Física, dança e relação com professores na trajetória Escolar: do Ensino Fundamental ao Ensino Médio 92

6.3 A formação específica para a docência da Educação Física: o Curso Superior 112 6.4 Docência e Educação Física na trajetória profissional. 132 6.5 A Dança no contexto da Educação Física: experiências dos professores 145 6.5.1 A Dança na escola Rosa: do isolamento ao senso comum 145 6.5.2 A Dança na escola Azul: da reprodução à criação 156 6.5.3 Os saberes necessários à prática pedagógica da dança na escola, segundo os professores 173 6.6 Políticas públicas para a dança na Educação Física: o que dizem os professores. 177 6.7 Sentidos, significados e saberes docentes: a visão dos professores sobre a dança folclórica e a sua inserção na escola 183

7. CONSIDERAÇÕES FINAIS 192 8. REFERÊNCIAS 197 9. APÊNDICES 205

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LISTA DE FIGURAS

FIGURA I: Arvore da dança 45 FIGURA II: A dinâmica das culturas 54

LISTA DE QUADROS

QUADRO 1: Distribuição de temas relativos à dança por série e turma 30 QUADRO 2: Distribuição dos professores da Escola pública - Rosa 35 QUADRO 3: Distribuição dos professores da Escola privada - Azul 36 QUADRO 4: CBC- Eixo Temático: Dança – 6ª a 9ª Séries 72 QUADRO 5: CBC- Eixo Temático: Dança – Ensino Médio 73

LISTA DE TABELAS TABELA 1 : Estilos de dança presentes no Plano de Ensino dos professores 34 TABELA 2 : Importância da dança no contexto da Educação Física 34

APÊNDICES

A. Ficha Preliminar individual dos atores da pesquisa 205

B. Eixos para roteiro das entrevistas 209

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1. INTRODUÇÃO A dança sempre esteve presente em minha vida, desde a minha primeira

aula de balé clássico, aos doze anos de idade, com o dançarino e coreógrafo

Joaquim Ribeiro.

Em 1979, convidada por um antropólogo a fazer parte de um grupo de

projeção folclórica Aruanda, fundado em 1962, iniciei outro percurso na minha

relação com a dança. A partir desse grupo e de suas pesquisas in loco, fui instigada

a compreender a história do Brasil (e a minha própria) através da expressividade

corporal do seu povo: uma história escrita à margem da historiografia oficial, repleta

de sentidos e significados, diferentes do que até então por mim era conhecido. A

reprodução dos movimentos e das técnicas rígidas da dança clássica se tornou

insuficiente para mim. Assim, abandonei essa forma de dançar, que até então era

considerada por mim como a única possível para se expressar.

Em 1984, optei por me formar em Educação Física, principalmente porque

oferecia a disciplina Dança em sua grade curricular. Assim, ao longo de minha

formação acadêmica na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), qualifiquei-

me na metodologia do ensino da dança. No entanto, a relação da expressividade do

sujeito e sua historicidade através dessa prática cultural não foram abordadas, em

nenhum momento, pelos professores. Além do mais, a maioria das disciplinas dava

ênfase ao ensino das práticas corporais esportivas.

Ao exercer a profissão docente em Educação Física nos diversos níveis de

ensino, sempre que possível eu introduzia na prática pedagógica da dança os meus

saberes experienciais e acadêmicos sobre ela, sobretudo as populares tradicionais.

No entanto, ao longo da minha trajetória profissional como docente, percebi certa

marginalização da dança no meio escolar. Muitos colegas de profissão não inseriam

esse conteúdo no seu planejamento, a não ser para a elaboração de um evento

extraclasse, exigido pela direção da escola na qual atuavam.

No período de 1990 a 1996, ao residir e trabalhar em Carajás, no Estado do

Pará, fundei um grupo de projeção folclórica, denominado Kuarup, que tinha (e tem)

como integrantes os moradores daquela comunidade. Nesse período, pude vivenciar

outras estéticas corporais e rítmicas, diferentes das até então experimentadas como

dançarina no grupo Aruanda. Passei, então, a conhecer mais de perto as raízes

13

culturais daquelas danças “exóticas” e entendê-las a partir de outro contexto: a

realidade em que estavam inseridas.

Em 1996, ao retornar a Belo Horizonte, inscrevi-me no primeiro curso de

especialização em Folclore e Cultura Popular, no Brasil. Considerando a dança

folclórica como um dos elementos culturais que me possibilitaria entender sobre a

identidade cultural de um grupo social, propus como trabalho de conclusão de curso

analisar a dança lundu praticada em Minas Gerais, com ênfase em manifestações

de religiosidade popular em contraponto à mesma existente no Pará, representada,

especificamente, em manifestações profanas. Esse estudo me permitiu entender e

ler a dança folclórica na sua dimensão de sociabilidade em relação ao sujeito

histórico cultural que a praticava.

Como a Educação Física e a dança folclórica têm sido partes integrantes de

minha existência como docente e dançarina há mais de 20 anos, não poderia

levantar questões fora desse contexto.

Certa vez, ao desenvolver o tema sobre as danças folclóricas em uma

escola da rede estadual de ensino de Minas Gerais, presenciei um fato que me

levou a questionar sobre os sentidos e significados que os professores dão à cultura

popular tradicional, refletindo sobre suas práticas pedagógicas. O fato por mim

vivenciado foi o de uma professora de sala de aula da 2ª série do Ensino

Fundamental, que não “permitiu” que seus alunos participassem das montagens

coreográficas das danças a serem apresentadas na festa em comemoração a

“Semana do Folclore”, proposto pela escola. A justificativa pontuada por ela foi de

que “Folclore era coisa do diabo. Portanto, não era coisa de Deus.” Assim, por

respeito e por medo de uma possível represália, os alunos disseram que não

queriam participar dessa festa. Como única professora de Educação Física daquela

instituição, levei o fato à direção, a fim de esclarecer aos alunos, ao corpo docente e

aos pais o que significava conhecermos os “saberes do povo” e que esse povo, no

caso, éramos nós. Portanto, tratava-se da nossa história cultural.

Após esse fato, vi que dentro da sala de aula o professor pode atuar de

forma reprodutora ou transformadora, com o conhecimento que tem em suas mãos.

Durante séculos, aprendemos a desprezar a nossa história. No caso do

conteúdo relacionado aos saberes populares tradicionais - folclore brasileiro –, vi

que não bastava ser decretado que devemos “comemorar” datas folclóricas, pois as

representações constituídas a partir das experiências vividas pelos professores

14

(dentro e fora da escola) interfeririam na abordagem e inclusão ou não desse

conteúdo no contexto escolar.

Por questionar os valores e sentidos que os professores conferem à cultura

popular tradicional e como eles refletem em suas práticas pedagógicas, decidi

ingressar no Mestrado, com o objetivo de encontrar algumas respostas. Uma vez

como estudante, foi-me elucidado que, para procedermos a uma intervenção, é

necessário entender inicialmente a realidade dos sujeitos que nela atuam.

Ao me debruçar sobre a questão da inserção da dança na escola, a partir de

alguns estudos realizados em Minas Gerais e em outros estados brasileiros

constatei que, houve uma evolução nesse debate. Porém, ainda é possível observar

o grande descaso em relação à dança e à sua prática no meio escolar. As pesquisas

apontam que a presença da dança na escola se deu inicialmente através da

Educação Física, voltada para apresentações artísticas em eventos culturais do

meio escolar. No estudo “O ensino da Dança na escola publica do Rio de Janeiro”,

de Cristina Ribeiro Gonçalves Pereira (1995), ao se propor compreender como se

realiza o ensino da dança, a partir de seus fundamentos, objetivos e reais condições

de trabalho, priorizando a investigação do cotidiano escolar em que ela é inserida, a

autora concluiu que apenas 22% de professoras de Educação Física desenvolvem

esse conteúdo em suas aulas. Na dissertação de Lívia Tenório Brasileira (2001),

intitulada “O conhecimento no currículo escolar: o conteúdo Dança em aulas de

Educação Física na perspectiva crítica”, a autora faz uma análise sobre o trato da

dança no interior da disciplina Educação Física, tomando como referencial a teoria

crítica da Educação, analisando como a dança vem sendo pedagogizada,

identificando os elementos que a qualificam no processo educativo. Os resultados

indicaram que, além dos professores de Educação Física não estarem participando

das discussões do projeto pedagógico da escola, não há interesse por parte deles

pelo desenvolvimento do conteúdo dança por parte dos professores.

Contudo, o atual quadro de marginalização da dança e das dificuldades

desse conteúdo, abordado pelo corpo docente, está atrelado, também, ao processo

de formação inicial dos professores de Educação Física. A pesquisadora Daniela

Marcondes (2004), no seu trabalho intitulado “A Aplicabilidade da Dança nas escolas

na percepção dos professores de Educação Física da Rede Municipal do Rio de

Janeiro”, investigou dezessete professores de Educação Física da rede oficial do Rio

de Janeiro, buscando verificar se os mesmos estariam aptos a trabalhar a dança na

15

escola, a partir de conteúdos apropriados na graduação. Em suas conclusões a

autora constatou que os professores já graduados estão despreparados para este

trabalho e que provavelmente o currículo de graduação não oferece suporte teórico-

prático suficiente para embasar o ensino da dança na escola.

Já nos estudos intitulado “Compassos e descompassos do ensino de dança

nas escolas”, realizado por Carla Sílvia Dias de Freitas Morandi (2005), a autora

analisa o ensino de dança nas escolas de Educação Básica, num momento de

transição, ou seja, da nova Lei de Diretrizes e Bases nº. 9394/1996, no momento em

que o ensino de Arte passa a ser componente curricular obrigatório e a dança

entendida nos Parâmetros Curriculares Nacionais como uma forma de linguagem

artística diferenciada. Este estudo descreve como esse ensino tem ocorrido na

educação formal e a analise da inserção da dança nas áreas de Arte e Educação

Física.

Outro aspecto observado foi o processo de apropriação do conhecimento da

dança pelos professores de Educação Física e pela escola, os quais anulam a sua

historicidade e problemática. As pesquisas apontam que os saberes sobre a dança

foram transmitidos como saberes sem origem, sem lugar, atemporais. Além disso,

segundo esses estudos é possível verificar que a desvalorização dos saberes

populares tradicionais é reforçada pela abordagem dada à dança, direcionados

como repertórios folclóricos para festas e eventos escolares. Infelizmente, de acordo

com esses estudos, não há o devido reconhecimento da dança enquanto tema

proposto para a área de Educação Física. A dança continua a ser desenvolvida, em

sua maioria, apenas como atividade extracurricular e fragmentada de forma

instrumental.

Contudo, acredito que o professor tem um papel fundamental na inserção

ou não da dança na escola. É dele o primeiro passo para que esse processo ocorra

de forma tradicional ou transformadora. Quanto à questão sobre a formação de

professores, encontrei cinco pesquisas direcionadas a esse tema: na dissertação de

Sílvia Pavesi Sborquia (2002), “A Dança no Contexto da Educação Física: Os (Des)

Encontros entre a Formação e a Atuação Profissional”, ao levantar a hipótese de

que a dança raramente aparece como um dos conteúdos constitutivos da Educação

Física para ser trabalhado no contexto escolar, pode estar vinculado à concepção de

que os professores de Educação Física têm sobre a dança e quanto ao perfil

profissional que as universidades vêm formando, a autora entrevistou alguns

16

professores da disciplina Dança, em alguns cursos de formação inicial em Educação

Física das universidades estaduais do Paraná e outros professores de Educação

Física atuantes na educação básica nas escolas estaduais da cidade de Londrina,

Paraná. A autora buscou diagnosticar a base conceitual de sustentação

epistemológica sobre o conteúdo da dança dos professores da formação inicial e

dos professores de Educação Física da educação básica. No estudo intitulado “O

movimento de escolarização da dança ocorrido em Minas Gerais no período de 1925

a 1937”, da mineira Elizângela Chaves (2002), a autora faz uma análise através de

fotografias e registros encontrados na “Revista de Ensino”, divulgada pelo Estado

durante esse período, destacando a legitimação da dança ligada à ginástica rítmica,

sob a perspectiva utilitarista de caráter recreativo, higienista e de espetacularização.

Em seus estudos, constatou a influência do Estado na formação de professores

através de publicações voltadas à educação no Estado, conferindo sentidos à sua

prática pedagógica da dança na escola.

Kathya Maria Ayres de Godoy (2003), na pesquisa de doutorado “Dançando

na escola: o movimento da formação dos professores”, apresenta-nos uma reflexão

sobre o movimento de constituição da profissionalização de alunas-estagiárias na

área de arte. Nesse contexto, aborda a construção de um projeto artístico-

pedagógico, implantado no ensino público por meio da linguagem da dança. A partir

da pesquisa-ação, a autora investiga a formação de professores da área de Arte e a

situação da prática do estágio nas licenciaturas como um elemento formativo desses

profissionais e a experiência do estágio por meio da construção de projetos.

No que se refere a investigação dos significados e as potencialidades da

dança no Ensino Fundamental, através da percepção dos professores de Educação

Física, encontre a dissertação de Vânia Rosczinieski Brondani (2003) intitulada

“Significados e implicações do ensino da dança na prática docente dos professores

de Educação Física das escolas públicas do município de Ijuí”, nela a autora procura

identificar os procedimentos adotados por esses profissionais na escolha dos

conteúdos desenvolvidos, abordando as concepções de dança e os aspectos

metodológicos implícitos nos seus discursos. Os resultados de sua pesquisa

revelaram que os professores utilizam a dança como recurso pedagógico nas

escolas, predominando uma concepção de dança limitada à dimensão artística, em

detrimento do valor educativo e do papel social que ela pode desempenhar na

17

construção de uma consciência sobre a importância do corpo e sobre as vivências

corporais dos alunos.

E por fim, me deparei com a dissertação de Daniella Minello (2006),

intitulada “A Dança e as práticas educativas: uma experiência corporal reflexiva na

formação de professores”, nessa a pesquisadora investiga de que forma a dança e

as práticas educativas podem contribuir como uma experiência corporal reflexiva na

formação de professores, analisando o conhecimento e ação corporal existentes em

futuras professoras. Através de uma abordagem metodológica qualitativa de um

Estudo de Caso, analisou a dança clássica, o Jazz e a dança de rua, praticada por

um grupo de alunas de cursos de licenciatura. A autora conclui que, a dança, ao ser

inserida como conhecimento nos processos formativos de professores, contribuía

para uma experiência corporal reflexiva das participantes e para a formação humana

no espaço escolar.

Assim, diante desses ricos estudos, foram levantadas algumas questões

que foram respondidas ao longo desse estudo: se a inserção da dança através da

aula de Educação Física está diretamente articulada aos pensamentos e valores de

cada época, que significados os professores atribuíram à dança na escola, à dança

na Educação Física e à dança folclórica propriamente dita? O que mobilizou os

professores de Educação Física para a inserção da dança folclórica na sua prática

cotidiana escolar? Há diferença entre os saberes docentes direcionados à dança

entre professores de uma escola pública e de uma escola privada? Que

ressignificações foram dadas à dança, por tais professores, ao longo de suas

trajetórias profissionais, inseridos no cotidiano escolar?

A presente pesquisa foi realizada, com o objetivo de compreender o

processo de apropriação dos saberes docentes e a sua relação com o processo de

inserção da dança folclórica pelos professores de Educação Física na rede de

ensino do Estado de Minas Gerais, especificamente em Belo Horizonte.

Como campos da pesquisa optou-se por duas escolas, coincidentemente

situadas em contextos similares, ambas na zona sul de Belo Horizonte: uma

pertencente à rede pública de ensino de Minas Gerais e a outra à rede privada.

Realizou-se uma investigação qualitativa sob a categoria de Estudo de Caso, que

possibilitou a busca dos significados e sentidos conferidos a partir da experiência

com a dança folclórica dos atores da pesquisa. Assim, através das descrições e

discursos das experiências pessoais vividas pelos atores ao longo de sua trajetória

18

social e profissional, foi possível compreender a apropriação, os sentidos e

significados desses saberes docentes.

Nesse estudo, optou-se por apresentar no Capítulo 2, Pressupostos,

questões e objetivos que norteiam a investigação, os pressupostos de que a atuação

efetiva dos professores de Educação Física torna possível a consolidação dessa

prática corporal na cultura escolar, possibilitando levantar algumas questões a

serem respondidas ao longo de nossa pesquisa.

No capítulo 3, O percurso metodológico, justifica-se a opção pela

abordagem qualitativa de pesquisa ao registrarmos as vozes dos professores.

Posteriormente, são apresentados e caracterizados os campos de pesquisa, as

fontes documentais e as fontes orais, situando o leitor quanto à caracterização de

quem são os professores de Educação Física das duas escolas e, por fim, quem são

os nossos pares da dança investigativa.

O capítulo 4, Refletindo sobre o objeto de investigação, é subdividido em 5

subcapítulos. No primeiro subcapítulo A educação dos corpos através da dança, é

abarcado alguns aspectos da evolução da dança em relação à sua inserção na

sociedade através da educação. Logo em seguida no subcapítulo A dança na teia da

cultura é abordada a dança inserida na sociedade em relação às culturas erudita, de

massa as culturas e populares. Posteriormente, é apresentado o subcapítulo A

Ginástica e a Dança: O corpo moldado e silenciado pelo ritmo, que trata da dança ao

ser introduzida na escola e o seu enraizamento no tecnicismo. No subcapítulo, A

dança no espaço da Educação Física, se refere a dança inserida especificamente na

Educação Física escolar e os caminhos percorridos por ela na sua inserção nas

políticas públicas voltadas à Educação Física escolar. Por fim, no subcapítulo A

dança folclórica como parte de todo o contexto trata-se de identificar a inserção

dessa manifestação cultural nas políticas públicas especificamente no Estado de

Minas Gerais.

O capítulo 5 está dividido em duas partes. Na primeira parte, Ajustando o

foco teórico: das diferenças às semelhanças. Um olhar sobre as trajetórias dos

professores à luz das concepções de Pierre Bourdieu, as idéias de Bourdieu são

apresentadas, fundamentando as análises dos aspectos da configuração dos

habitus, capitais culturais e trajetórias sociais dos professores pesquisados, em

relação à Educação Física e a dança. Na segunda parte, Os saberes docentes - a

inspiração para a nossa coreografia apresenta alguns autores que estudaram

19

especificamente sobre a apropriação dos saberes docentes construídos a partir do

entrelaçamento da trama complexa das práticas elaboradas cotidianamente na

escola, entre esses, são destacadas as pesquisadoras Ruth Mercado, Elsie

Rockwell (1988); e Anna Maria Salgueiro Caldeira (2000), as quais nos permitiram

analisar esses saberes a partir da trajetória profissional de nossos atores.

No capítulo 6, Uma coreografia no ritmo de discursos polifônicos: o que

revelou a pesquisa, os resultados da investigação são abordados a partir da

descrição e análise dos depoimentos dos professores de uma escola da rede pública

estadual de ensino e de uma escola da rede privada. Nesse capítulo, foram

agrupadas as falas nas seguintes categorias de análise: a) Atividades físicas e

dança na infância e na juventude: as influências do contexto familiar. b) Educação

Física, dança e relação com professores na trajetória Escolar: do Ensino

Fundamental ao Ensino Médio; c) A formação específica para a docência da

Educação Física: o Curso Superior; d) Docência e Educação Física na trajetória

profissional; e) A dança no contexto da Educação Física: experiências dos

professores; f) A Dança na Escola Rosa: do isolamento ao senso comum; g) A

Dança na Escola Azul: da reprodução à criação; h) Os saberes necessários à prática

pedagógica da dança na escola, segundo os professores; i) Políticas públicas para a

dança na Educação Física: o que dizem os professores; j) Sentidos, significados e

saberes docentes: a visão dos professores sobre a dança folclórica e a sua inserção

na escola.

Por fim, são apresentadas as considerações finais acerca dos sentidos e

significados dos saberes docentes sobre a dança folclórica na escola, construídos

ao longo de trajetórias sociais e profissionais individuais e coletivas dos atores, nas

realidades investigadas.

Esse estudo tornou possível entender de que forma os saberes docentes

sobre a dança foram apropriados, mobilizados e modificados na prática pedagógica,

salientando a dimensão da subjetividade do professor, socialmente produzida.

Assim, ao abordar os hábitus, os obstáculos, as resistências e as possibilidades,

vistos e vivenciados pelo professor como ator social, foi possível obter um rico

material para discussões acerca da dança inserida no contexto escolar, na

Educação Física e nas políticas públicas voltadas para o reconhecimento dessa área

de conhecimento responsável pela escolarização das práticas corporais da cultura

corporal de movimento.

20

2. PRESSUPOSTOS, QUESTÕES E OBJETIVOS QUE NORTEIAM A

INVESTIGAÇÃO.

“Somos responsáveis por nossas escolhas. Temos que ter certeza da propriedade e das razões de nossas opções”

Magali Castro

Esta investigação tem como pressuposto o fato de que a escolarização da

dança esteve atrelada à prática pedagógica dos professores de Educação Física e

que as danças populares tradicionais foram inicialmente privilegiadas pelo Estado

estando, portanto, presentes ao longo da atuação desse profissional no contexto

escolar (CHAVES, 2002; SBORQUIA, 2002; CAMPOS, 2007). Na construção do

objeto da pesquisa, foram destacados os saberes apropriados, transformados e

modificados ao longo da experiência docente, visando a inserção da dança folclórica

no meio escolar no qual os professores atuam. Além disso, considerando os

resultados que indicam a dança como atividade extracurricular nas escolas,

pressupomos que, mesmo diante de atual obrigatoriedade da inserção da dança

pelo Estado, ela ainda continua a ser desenvolvida com ênfase nos aspectos

instrumentais.

Ao investigar sobre a inserção das danças populares tradicionais no

contexto escolar, um fato chamou a atenção: existem em Belo Horizonte as duas

instituições mais antigas do país direcionadas ao estudo, pesquisa e divulgação da

cultura popular tradicional: a Comissão Mineira de Folclore, criada em 1948, e o

Grupo Aruanda, existente desde 1960. Teriam esses grupos relação com a

formação e o ensino de danças folclóricas pelos professores de Educação Física em

Minas Gerais?

Nas pesquisas anteriormente citadas, constatou-se que não foram

destacados os saberes docentes dos professores de Educação Física relativos à

dança folclórica, referenciando-os como atores no processo da consolidação dessa

prática cultural em escolas de Ensino Fundamental de Belo Horizonte, Minas Gerais.

21

Assim, foram levantadas algumas questões que foram respondidas ao longo

desta pesquisa: se a inserção da dança, através da Educação Física está

diretamente articulada aos pensamentos e valores de cada época, que significados

os professores atribuíram à dança na escola, à dança na Educação Física e à dança

folclórica propriamente dita? O que mobilizou os professores de Educação Física

para a inserção da dança folclórica na sua prática cotidiana escolar? Há diferença

entre os saberes docentes direcionados à dança entre professores de uma escola

pública e de uma escola privada? Que ressignificações foram dadas à dança, por

tais professores, ao longo de suas trajetórias profissionais, inseridos no cotidiano

escolar?

Ao entender como os saberes docentes foram apropriados, modificados e

mobilizados na prática pedagógica, salientando o peso da subjetividade do professor

no seu processo de formação, destacou-se a dimensão subjetiva docente no que se

refere ao ensino das danças folclóricas. Assim, partindo do pressuposto de que a

atuação efetiva desses docentes tornou possível a consolidação dessa prática

cultural na cultura escolar, foram investigados seus saberes docentes e a sua

relação com o processo de inserção da dança folclórica, na rede de ensino público e

privado de Belo Horizonte, Minas Gerais. Para isso, foram identificados e analisados

os sentidos e os significados que os professores atribuíram à dança, bem como as

tensões e apropriações que permeiam o processo de ensino dessa prática cultural

no espaço escolar contemporâneo.

Acredita-se que, apesar de existirem os Parâmetros Curriculares Nacionais

(PCN’s) e os Conteúdos Básicos Curriculares (CBC’s) direcionados à Educação

Física escolar, que norteiam o trabalho dos professores, esses realizam a sua

prática pedagógica alicerçada e em sintonia com os sentidos e significados

conferidos por eles mesmos a essa prática cultural curricular.

Tendo essas questões como parâmetro, a presente pesquisa foi realizada,

com o objetivo de compreender o processo de apropriação e mobilização dos

saberes docentes, relativos à dança folclórica, pelos professores de Educação

Física. Para isso, foram estabelecidos como objetivos específicos: analisar o

processo de inserção da dança na educação de Ensino Fundamental, a partir das

políticas públicas no período de 1971 a 2008; identificar as formas de abordagem da

dança folclórica desenvolvidas pelos professores em sua prática docente; identificar

as dificuldades ao desenvolverem esse tema e as alternativas encontradas para

22

solucioná-las; analisar as condições físicas, materiais e humanas das escolas, como

elementos facilitadores ou dificultadores para a abordagem e desenvolvimento da

dança pelos professores de Educação Física; detectar a visão dos professores sobre

as políticas públicas relativas ao ensino da dança na Educação Física e detectar os

sentidos e significados atribuídos pelos professores à dança folclórica a partir de

suas relações com Educação Física e a dança na sua trajetória familiar, escolar e

profissional.

23

3. O PERCURSO METODOLÓGICO

“Os trabalhos científicos são parecidos com uma música que fosse feita não para ser mais ou menos passivamente escutada, ou mesmo

executada, mas sim para fornecer princípios de composição.” (BOURDIEU, 2005, p.63)

Realizou-se uma investigação qualitativa que possibilitou a busca dos

significados e sentidos à dança folclórica a partir da experiência dos professores de

Educação Física, atores da pesquisa. Através das descrições e discursos das

experiências pessoais vividas pelos atores ao longo de sua trajetória social e

profissional, foram compreendidos a apropriação, os sentidos e significados de seus

saberes docentes.

A opção pela abordagem qualitativa de pesquisa se baseia no pensamento

de Lüdke e André (1986), para as quais, através dessa abordagem, é possível

capturar a perspectiva do participante, isto é, elucidar o dinamismo interno de

determinadas situações pelos diferentes pontos de vista dos informantes sobre as

questões que estão sendo focalizadas. Dessa forma, a pesquisa qualitativa passa a

ser entendida como a forma mais adequada para se compreender a natureza da

dança enquanto fenômeno cultural e social que, ao ser inserido no espaço escolar,

recebe significados dados pelos professores de Educação Física, significados esses

responsáveis pela sua inserção ou não no espaço escolar.

Ao serem registradas as vozes dos professores, o presente trabalho teve

como referencial Bogdan e Biklen (1991), que caracterizam a pesquisa qualitativa

como a possibilidade de reconhecer a fonte de dados, o ambiente natural e o

investigador como seus principais instrumentos. Nessa direção, as vozes dos

professores ganham sentido, ao relatarem a sua prática pedagógica escolar. Na

visão dos autores supracitados, o pesquisador passa, então, a ser um instrumento

capaz de captar os sentidos e significados construídos e ressignificados pelos atores

da pesquisa (no caso deste trabalho, os professores de Educação Física). Os

mesmos autores ainda consideram como outra característica da investigação

qualitativa o fato de ser essa uma investigação descritiva, ou seja, “os dados são

recolhidos em forma de palavras ou imagens e não de números” (1991, p. 48). Uma

terceira característica está no fato dos investigadores se interessarem mais pelo

24

processo do que simplesmente pelos resultados ou produtos. A quarta característica

se refere à análise indutiva usada pelos pesquisadores na análise dos dados:

Os pesquisadores não recolhem dados ou provas com o objetivo de confirmar ou infirmar hipóteses construídas previamente; ao invés disso, as abstrações são construídas à medida que os dados particulares que foram recolhidos se vão agrupando (BOGDAN e BIKLEN, 1991, p. 50)

A quinta e última característica da investigação qualitativa, proposta por

Bogdan e Biklen (1991), diz respeito ao destaque dado ao significado, aspecto vital

nessa abordagem. Ao propor esses aspectos os investigadores têm, portanto, como

objetivo principal, captar o que os atores vivenciam e como as suas experiências são

interpretadas por eles próprios. No caso desta pesquisa, buscou-se os significados

que os professores de Educação Física dão à sua pratica pedagógica no espaço

escolar.

No enfoque qualitativo, optou-se pela abordagem metodológica do Estudo

de Caso. A escolha se deve por essa permitir entender, segundo Ludke e André

(1986), o objeto de estudo de forma mais abrangente ao mesmo tempo em que

aprofundada, levando-se em consideração a sua evolução e suas relações

estruturais fundamentais.

Definiu-se como marco histórico o período compreendido entre os anos de

1970 a 2008, período em que foram instituídas as Leis de Diretrizes e Bases do

Ensino de 1º e 2º graus da Educação Nacional - Lei n.º 5692, de 11 de agosto de

1971 e, posteriormente, a Lei nº. 9394, de 20 de dezembro de 1996, a partir da qual

a dança folclórica inicia o processo de ser consolidada na Educação Física. A

intenção foi reconstruir, a partir desse marco histórico, tanto quanto possível, a

compreensão dos sentidos e significados que os atores conferiram ao movimento de

inserção da dança folclórica enquanto manifestação cultural e prática escolar, como

também as re-significações que deram a ela na sua prática pedagógica, no período

de 1970 a 2008.

3.1 Os campos da pesquisa

Foram escolhidas duas escolas diferentes, situadas em contextos similares,

ambas na zona sul de Belo Horizonte. Uma pertencente à rede pública de ensino de

25

Minas Gerais e a outra à rede privada1, porém ambas de prestígio no sistema

educacional mineiro. Na busca por identificar escolas de nível fundamental em que

os professores afirmassem ter a dança folclórica inserida na Educação Física ao

longo do ano letivo, nos deparamos com essas duas escolas, que coincidentemente,

pertencem a mesma região da capital mineira.

A decisão de se trabalhar em uma escola pública e em uma escola privada

se baseia em algumas características que distinguem esses dois tipos de ensino,

especialmente no que diz respeito à Educação Física: a escola pública em Minas

Gerais tem como referência principal os Conteúdos Básicos Comuns (CBC’s)

oferecidos e elaborados pela Secretaria Estadual de Educação, o que não ocorre

necessariamente com as escolas particulares; nas duas escolas há significativas

diferenças na seleção e contratação do quadro docente e no tempo disponível para

a atuação, reflexão, discussão e elaboração da proposta pedagógica da Educação

Física.

Ao recorrer às configurações específicas de cada escola, de acordo com

Araújo (LOMBARDI et al.,2005), buscou-se entender as mediações de aproximação

e de antagonismo entre as dimensões pública e privada da educação escolar. Para

este estudo, essas dimensões são importantes na medida em que influenciam a

formação dos saberes docentes em relação à dança, por serem e terem

características singulares. Ainda de acordo com Araújo, tal perspectiva permite

“investigar o processo que explica o engendramento de concepções educativas e

pedagógicas e de práticas que tecem as instituições escolares expressas, nas quais

as dimensões pública e privada também se manifestam” (p. 126).

A Escola Rosa da rede pública estadual de Minas Gerais, fundada em 1906,

foi selecionada por desenvolver o conteúdo “dança folclórica” nas festividades

escolares do mês de agosto e por contar, em seu quadro docente, com profissionais

da área de Educação Física graduados há mais de vinte anos. Esse período de

tempo determinado se deve pelo fato de, segundo Huberman2, os professores já

1 Segundo Araújo (LOMBARDI et al., 2005, p.131), as categorias pública e privada permitem inferir que o campo educacional escolar é um campo de disputas ditado pelo antagonismo entre interesses confessionais, públicos (de caráter secularizante porque voltados à universalidade, à obrigatoriedade e à gratuidade) e empresariais. E esse antagonismo pode estruturar-se do ponto de vista concepcional, do ponto de vista organizacional (a gestão escolar e as dimensões curriculares), ou do ponto de vista político – educacional. 2 De acordo com Huberman (1995) há algumas fases na carreira dos/as professores/as que podem ser percebidas. Os primeiros anos de profissão, que Huberman denomina fase de “sobrevivência”, é apontada pelos/as professores/as como a fase mais difícil de ser enfrentada por ser uma fase de

26

terem passado por todas as fases na sua carreira profissional, o que possibilita a

investigação das mudanças na sua prática pedagógica ao longo de sua carreira.

A Escola Azul, da rede privada de ensino, fundada em 1909, também

desenvolve o conteúdo da dança na Educação Física, em todos os seus níveis de

ensino, além de contar em seu quadro docente com profissionais formados na

referida área, também há mais de vinte anos.

Ambas escolas, coincidentemente, estão situadas na região sul de Belo

Horizonte, Minas Gerais, no bairro Funcionários, considerado bairro de classe alta.

O bairro está próximo da região central e apresenta facilidade de transporte e

acesso a várias regiões da capital. As duas escolas ficam próximas à Secretaria

Estadual de Educação e Cultura e ao Palácio do Governo. Por se tratarem de

realidades diferentes, esses campos de estudo, em princípio tão próximos e tão

distantes, poderão auxiliar no entendimento de sua influência na constituição da

prática pedagógica de seus professores.

A Escola Rosa foi uma das pioneiras no ensino fundamental em Belo

Horizonte, sendo criada no Governo de João Pinheiro. Seu prédio foi construído em

1897 para servir de residência ao Secretário de Interior. Em 1906, o prédio teve seu

uso alterado, sendo ali instalado o primeiro grupo escolar da cidade.3 O prédio ocupa

dois grandes blocos implantados paralelamente e ligados entre si por um anexo.

Originariamente, esses blocos eram residências distintas, destinadas a altos adaptação a um novo papel social com toda a complexidade relacionada, ligada a muito aprendizado e descobertas. A segunda fase identificada se dá aproximadamente após 3 anos de carreira onde os/as professores/as exprimem mais conforto e confiança, é a fase da “estabilização” ou de “compromisso”. A partir de 4 a 6 anos depois do início da profissão, os professores entram numa fase de estabilização. De uma forma geral, esta fase é caracterizada pela atitude revelada pelos professores e que se manifestam plenamente integrados nas escolas, mas também revelam uma grande independência e domínio nos conteúdos, nos métodos e técnicas pedagógicas. Segundo o autor após 7 anos de ensino, uns professores canalizam as suas energias para melhorar a sua capacidade como docentes, outros centram a sua ação na promoção profissional e outros ainda entram numa fase de verdadeira angustia existencial submergidos pelo peso da rotina, as frustrações cotidianas. Já na fase final da carreira, após 15 anos de carreira é possível encontrar três tipos de atitudes, cristalizando três tipos de percursos profissionais anteriores: Os "positivos" prosseguem o seu alegre caminho de aperfeiçoamento pessoal e profissional; os "defensivos" que face às experiência passadas se mostram mais do que nunca pouco otimistas e generosos; os "desencantados", como o nome indica estão cansados e prontos a desancar todos os que encontram pela frente. 3 Os grupos escolares foram criados a partir das sucessivas reformas do Ensino Primário em Minas Gerais, propostas pelo governo republicano de João Pinheiro, simbolizando uma ruptura com o modelo escolar até então vigente de escolas isoladas. Segundo Vago (2000, p.125), a reforma do Ensino Primário visava atingir as crianças oriundas de famílias economicamente empobrecidas, preparando-lhas para a sua inserção nas práticas de trabalho, na nova vida republicana. Entretanto,segundo o autor, como a primeira condição de matrícula era “entrar na cidade”, ser aceito e incluído no espaço escolar, a exclusão foi inevitável aos habitantes periféricos dessa nova forma escolar que surgia, permanecendo nas escolas isoladas.

27

funcionários do Governo de Minas. Durante seus 102 anos de existência, tornou-se

referencia devido à qualidade de seu ensino e à sua localização central. O prédio

onde a escola funciona até hoje ocupa uma área de 3.700 metros e foi tombado pelo

Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais, em dois de

dezembro de 1983. Em 2001, foi restaurado, considerando as principais

características da época de sua construção.

A partir de 1976, passou a oferecer as séries finais do Ensino Fundamental

(na época, ensino de 1º grau) e, desde 2007, oferece o ensino para Jovens e

Adultos (EJA), no horário noturno. Atualmente, a escola atende aproximadamente

1.120 alunos.

O ingresso no Ensino Fundamental, na Escola Rosa , se dá por cadastro

escolar e número de vagas. Atualmente, conta com uma equipe de 87 servidores (10

na administração; 52 no corpo docente, sete como auxiliar em educação e 16 em

serviços gerais), sendo que 51 são efetivos e 29 designados. Há pouca rotatividade

de profissionais na escola, pelo fato de a contratação ser realizada via concurso

público, o que configura uma média de 10 a 15 anos de atuação no cargo, pelos

funcionários e docentes. O último concurso público ocorreu em 2002.

Quanto à sua infraestrutura, existem dezessete salas de aula, uma quadra

(que está em reforma desde fevereiro de 2008), uma cantina, quatro banheiros, duas

secretarias e dois pátios, sendo que um serve, também, de estacionamento para os

veículos dos funcionários. O corpo administrativo é integrado por uma Diretora, duas

Vice-Diretoras e um colegiado administrativo e financeiro, composto de seis

membros, eleitos pela comunidade escolar. O serviço de apoio conta com três

secretárias, duas encarregadas da manutenção de serviços gerais e duas

cozinheiras. A equipe pedagógica conta com uma orientadora educacional, duas

supervisoras, cinqüenta e oito professores, sendo que três desses são professores

de Educação Física.

No Projeto Político Pedagógico da Escola Rosa , a Educação Física é

contemplada nos eventos de comemoração no Dia do índio, nos Jogos da Amizade,

no Dia do Estudante, na preparação para as olimpíadas, nos Jogos da Primavera,

nas excursões e atividades recreativas, nos jogos de encerramento do ano letivo e

na preparação para a Festa Junina.

Percebe-se uma ênfase referente à prática esportiva, voltada para os jogos

e competições. Em nenhum momento as atividades voltadas para as comemorações

28

do Mês do Folclore se referem à Educação Física. Em 2008, o ano dos Jogos

Olímpicos Mundiais que ocorreram no mês de agosto, não houve a festividade

relativa ao Mês do Folclore. Entretanto, este evento é previsto no cronograma de

Educação Artística, Português, História e Geografia.

A escola adota os Conteúdos Básicos Curriculares que, em maio de 2008,

foi redistribuído para todos os professores de Educação Física atuantes nas turmas

de 6ª a 9ª série. Assim, desde 2005, conforme Resolução nº. 716, de 11 de

novembro de 2005, a carga horária destinada à Educação Física é de uma aula

semanal de 50 minutos, para cada turma. 4

A Escola Azul, fundada na cidade de São João Del Rei, em Minas Gerais,

no ano de 1909, recebia estudantes da elite de diversas regiões brasileiras. Em

1950, os dirigentes da escola resolveram transferi-la para a capital do Estado, com o

objetivo de melhor preparar seus alunos para o ingresso em cursos superiores.

Em Belo Horizonte, funcionaram as primeiras sete turmas do então curso

científico; dois anos depois, surgiram as turmas do ginásio. Em 1977, a escola

passou a oferecer as primeiras séries do Ensino Fundamental. Em 1999, implantou

o Ensino Médio gratuito para alunos de baixa renda. A partir de 2008, oferece,

também, a primeira série do Ensino Fundamental (antigo pré-escolar) para as

crianças de seis anos. O perfil socioeconômico dos alunos é de classe média.

Atualmente, a Escola Azul atende 3.500 alunos, oferecendo, além do Ensino

Fundamental e Médio, a educação noturna para jovens e adultos (essa, de cunho

filantrópico, para jovens carentes).

No que diz respeito à infraestrutura física, a escola ocupa uma área de 13

mil metros quadrados, dividida em duas unidades: uma para a 1ª à 5ª séries do

Ensino Fundamental e a outra para a 6ª até as 9ª séries do Ensino Fundamental e 1º

à 3º séries do Ensino Médio. Existem setenta e cinco salas de aula, uma sala de

4RESOLUÇÃO n.º716 de 11 de novembro de 2005. Art. 4º - § 1º - O professor efetivo de Educação Física somente poderá atuar nos anos iniciais do Ensino Fundamental, se não houver aulas disponíveis nos anos finais e no Ensino Médio; § 2º - Nos anos iniciais do Ensino Fundamental, a Educação Física constará da Proposta Curricular com uma hora aula semanal e, na falta de professor habilitado ou qualificado, conforme disposto no Anexo IV desta Resolução, será ministrada pelo próprio regente de turma. Art. 7º - As turmas e aulas são atribuídas, primeiramente, aos professores detentores de cargo efetivo e de função pública decorrente de estabilidade, que têm vaga assegurada na escola.

29

dança, duas quadras, um ginásio coberto, três cantinas, vinte banheiros, duas

secretarias, dois auditórios.

O corpo administrativo é integrado por um Diretor Geral e Pedagógico, um

Diretor Administrativo e Financeiro e um Diretor Pastoral, que são representantes

legais da mantenedora perante a comunidade. Os diretores exercem suas funções

com apoio de coordenadores, gerentes, assessores, professores e funcionários em

diferentes setores pedagógicos, pastoral, secretaria, psicologia, tesouraria, pessoal,

serviço social, comunicação, jurídico, informática, biblioteca, patrimônio,

manutenção, prefeitura, limpeza, portaria, almoxarifado e gráfica.

Atualmente, a equipe pedagógica conta com trinta coordenadores, três

supervisores pedagógicos, cento e vinte professores, sendo dez professores de

Educação Física. A contratação de professores do quadro docente é feita mediante

análise de currículo e entrevistas.

Os recursos materiais voltados para a prática da Educação Física são

muitos, variados e de boa qualidade, contando, inclusive, com vinte aparelhos de

som.

Além das aulas regulares de Educação Física, a Escola Azul promove

atividades extraclasse como torneios internos, treinamentos de futsal, basquete,

handebol, vôlei, judô e ginástica olímpica em todas as séries. O trabalho é realizado

por meio de treinos e campeonatos internos e intercolegiais. A escola oferece

também aulas de jazz, canto e teatro e conta com um grupo de danças folclóricas

desde 2004, formado por alunos, professores e funcionários, com aproximadamente

vinte e cinco integrantes.

Na Proposta Pedagógica de Educação Física da Escola Azul (2008),

elaborada por dez professores e um coordenador da área, essa disciplina tem como

objetivo geral “compreender criticamente e transformar as diversas práticas da

cultura corporal de movimentos (jogos, brincadeiras, lutas, danças, esportes,

ginásticas, etc.)” e, como objetivos específicos, conhecer as dimensões históricas,

técnicas, sociais, táticas, culturais, políticas, fisiológicas das práticas da cultura

corporal, saber organizar práticas corporais de lazer, de forma autônoma, crítica e

criativa, contextualizando-as e saber participar de diferentes práticas corporais de

lazer, de forma solidária, includente, lúdica e criativa.

De acordo com essa Proposta Pedagógica, a dança é inserida em todos os

níveis de ensino conforme se pode observar no quadro 1:

30

Quadro 1: Distribuição dos temas relativos à dança por série e turma

série / temas Período desenvolvimento

da dança 2ª série 3º série 4ª série 5ª série

Dois meses Brincadeiras de

dança

Dança

criativa

Diversas

formas de

expressão

Dança

livre

Um mês Festa junina Festa

junina

Festa junina Festa

junina

6ª série 7º série 8ª série 9ª série

Dois meses Hip hop,

reggae, jazz,

ballet,

moderno, etc.

dança

folclórica

Dança de

salão

Quadrilha

série / temas

1º ano 2º ano 3º ano

Dois meses dança

folclórica

Dança de

salão

quadrilha

Fonte: Proposta Pedagógica da Educação Física da Escola Azul (2008).

Observou-se que o conteúdo dança é organizado por estilos e faixa etária.

Dessa forma, todos os alunos têm a condição de vivenciarem seus diferentes estilos

ao longo de sua escolarização.

A avaliação, segundo o documento, leva em conta “o objetivo geral e

específico, tendo-os como referências para apreciar a aprendizagem dos alunos, o

processo de construção de conhecimentos e a intervenção pedagógica.” São

propostos três critérios de avaliação, sendo que o primeiro leva em conta a

avaliação da aula pelos alunos, o segundo a avaliação da participação dos alunos

na aula pelo professor e o terceiro a avaliação do processo de trabalho da turma ou

dos pequenos grupos.

A carga horária de Educação Física na Escola Azul é de duas horas/aula

de 50 minutos por semana, para as turmas de 1ª a 5ª séries do Ensino Fundamental

e duas aulas geminadas de 100 minutos dadas uma única vez por semana, para as

turmas de 6ª série do Ensino Fundamental ao 3º ano do Ensino Médio.

31

3.2 As fontes documentais

Foram consultados documentos legais relativos ao Sistema de Ensino

brasileiro e mineiro e, especificamente, à Educação Física, além de documentos das

escolas pesquisadas:

Lei de Diretrizes e Bases do Ensino de 1º e 2º graus da Educação Nacional

– Lei nº. 5692, de 11 de agosto de 1971;

Lei de Diretrizes e Bases Educação Nacional – Lei nº. 9.394, de 20 de

dezembro de 1996;

Parâmetros Curriculares Nacionais de Educação Física, publicação de

1998;

Conteúdos Básicos Curriculares do Estado de Minas Gerais, publicação de

2004;

Documentos disponibilizados pelas Escolas: Projeto Político Pedagógico da

Escola pública Rosa e a Proposta Pedagógica da Educação Física da Escola

privada Azul .

3.3 As fontes orais

Na fase inicial da pesquisa, foram identificados nove professores na escola

da rede pública e quatorze professores da escola privada, sendo todos graduados

em Educação Física. Desses, sete professores da escola pública (Escola Rosa ) e

nove professores da privada (Escola Azul ) preencheram as fichas preliminares

(modelo em anexo, p.208). Alguns professores não foram contatados, por motivos

diversos, e outros não quiseram participar da pesquisa. Assim participaram da

primeira fase da pesquisa dezesseis professores, cujas características são

apresentadas a seguir.

3.3.1 Os professores de Educação Física das duas es colas

Gênero e faixa etária. No que diz respeito ao gênero na escola pública

predomina o sexo feminino, enquanto na privada á maioria dos professores

entrevistados são do sexo masculino. Quanto à faixa etária, é significativo o número

32

de professores que tem idade entre 31 e 50 anos nas duas escolas. Em nenhuma

das duas escolas há professores do sexo masculino com menos de 30 anos, sendo

que essa faixa apresenta número restrito também de professoras. Acredita-se que

esse fato se deve à valorização do tempo de serviço na docência, pelos concursos

públicos, o que, em princípio, favorece as pessoas com mais idade e,

conseqüentemente, maior experiência. Na faixa etária acima de 50 anos,

predominam os professores do sexo masculino nas duas escolas em relação às

professoras.

A Formação acadêmica. Em relação à formação acadêmica, todos são

graduados em Educação Física e apenas dois não estudaram na UFMG, sendo que

um fez o curso na Fundação Oswaldo Aranha, em Volta Redonda (Rio de Janeiro) e

outro na UNINCOR, em Belo Horizonte. A maioria dos professores das duas escolas

fez pós-graduação Lato Sensu, com predominância dos seguintes cursos: Educação

Física Escolar, Treinamento, Lazer e Recreação, Fisiologia do Exercício,

Psicomotricidade e Educação Ambiental. Apenas dois professores da escola

privada fizeram Mestrado, ambos na área da Educação. Um professor da rede

privada está fazendo doutorado na área da História Cultural.

A situação profissional na escola. Todos os professores ingressaram nas

escolas entre 1970 e 2000, exercendo função docente. Todos continuaram nessa

função, sendo que uma professora da escola pública exerceu a função de Vice-

Diretora na década de 1990 e um professor da escola privada de coordenador da

área de Educação Física na mesma década. A primeira se aposentou e o segundo

continua na coordenação até a época da pesquisa.

Experiência docente na área de Educação Física. A maioria dos

professores das duas escolas possui vinte anos de experiência docente. Cinco

professores (um da escola pública e quatro da escola privada) têm experiência de

seis a vinte anos incompletos. Dois professores (um da escola pública e outro da

escola privada) têm experiência inferior a seis anos.

Exercício profissional paralelo em outra escola. Os professores da

escola pública, de um modo geral, exercem a docência em outras escolas, em

paralelo ao exercício da função na escola pesquisada (três atuam em outra escola

estadual, quatro em escolas municipais e um atua também em escola da rede

privada). Já na escola privada apenas três professores atuam na docência em outra

escola (um na pública e dois na privada).

33

Experiência profissional em outras atividades fora da escola. Quatro

professores da escola pública e oito da privada exercem atividades fora da escola.

Dentre as experiências declaradas, predominam àquelas ligadas à área de esporte

(coordenador de esportes em empresa, atividades esportivas em academia, clubes e

em “escolinhas de esporte”). Somente dois mencionaram experiência na área de

comércio e serviços (proprietário de um lava jato e gerente de pousada).

A presença da dança na formação profissional. A maioria dos

professores, com exceção de um da escola pública e um da privada, declararam a

presença da dança na sua formação acadêmica, sendo que, para três deles, essa

formação foi superficial.

Experiência com dança fora da escola. A maioria dos professores das

duas escolas vivencia a dança fora da escola. Na escola pública, a dança está

presente nas festas e atividades de lazer. Já na escola privada, predominam as

aulas de dança de salão, balé, folclore e dança espanhola. Também foi mencionada

a participação em oficinas de dança e em grupos de dança de projeção folclórica.

Apenas um professor da escola pública e um da escola privada não vivenciam a

dança fora da escola.

Envolvimento em projetos de dança e tipos de dança praticada. A

maioria dos professores da escola privada se envolve com projetos de dança na

disciplina Educação Física. Apenas três não declararam envolvimento. Já na escola

pública nenhum professor realiza projetos que se envolve com projetos de dança na

disciplina. Apenas um declarou trabalhar com projeto em eventos. No que diz

respeito aos estilos de dança constantes no Plano de Ensino, predominaram a

expressão corporal, a dança folclórica e a dança criativa nas duas escolas, conforme

revelam os dados da tabela a seguir:

34

Tabela 1: Estilos de dança presentes no Plano de En sino dos professores 5 Estilos

Escola pública Rosa

07 professores

Escola privada Azul

0 9 professores Dança Clássica 1 1 Dança Criativa 4 6 Dança de Rua 2 4

Expressão Corporal 5 7 Dança Folclórica 4 7 Dança Moderna 3 3

Outros 3 7

A importância da dança no contexto da Educação Físi ca. Os

professores das duas escolas apresentaram diferentes posições em relação à

importância da dança; sendo que a opção da dança, como atividade física e cultura,

obteve unanimidade entre os professores da escola pública. Já na escola particular

o destaque foi para a formação humana e conhecimento. Os diversos aspectos

enfatizados pelos professores constam na tabela a seguir:

Tabela 2: Importância da dança no contexto da Educa ção Física 6

Aspectos de importância Escola pública Rosa

( 7 professores) Escola privada Azul

( 9 professores) Atividade física 7 5 Conhecimento 4 8

Cultura 7 6 Festivais 4 4

Formação Humana 6 8 Lazer 5 6

Recreação 4 4 Ritmo 4 4

Técnica 4 6 Outros 0 2

3.3.2 Os pares de nossa dança investigativa: os ato res selecionados

Dos dezesseis professores foram selecionados para a segunda etapa da

pesquisa doze professores, de acordo com os seguintes critérios: ter cursado a

5 Em outros foram declarados: salão (oito), festa junina (dois). Os números não coincidem com o número de professores entrevistados, porque alguns declararam mais de um estilo. 6 Os números não coincidem com o número de professores entrevistados, porque alguns declararam mais de um estilo.

35

disciplina dança na graduação em Educação Física, ter vivenciado a dança fora da

escola e ter afirmado que desenvolve esse conteúdo na sua prática docente.

Buscou-se assegurar a presença de homens e mulheres levando-se em

consideração as diferentes épocas em que se formaram em Educação Física. Os

professores são identificados neste estudo por codinomes escolhidos por eles, no

primeiro contato. Será apresentada, a seguir, a caracterização desses atores que,

daqui para frente, serão “os pares na dança investigativa” desta pesquisa.

Quadro 2: Distribuição dos professores da Escola pú blica Rosa 7

Codinome Sexo Faixa etária e

formação acadêmica

Tempo de experiência na docência

em Educação

Física

Estilos de dança no Plano de Ensino

Séries atua/ atuou

na escola

Experiência com dança

fora da escola

Lúcia Fem. Acima de 50 anos.

Graduação em

Educação Física

34 anos Dança de rua,

expressão corporal e

dança folclórica

2 ª a 5ª séries

Lazer

Teca Fem. 41 a 50 anos.

Especialização em Lazer

22 anos Expressão corporal,

dança folclórica

2 ª a 5ª séries

Dança folclórica,

jazz, espanhola e

afro Ana Fem. Até 30 anos.

Especialização

em Fisiologia

09 anos Expressão corporal dança de

rua, criativa e folclórica.

6ª a 9ª séries

Lazer

Luís Masc. Acima de 50 anos.

Graduação em Educação

Física

36 anos Dança criativa

6ª a 9ª séries

Lazer

Cecel Masc. Acima de 50 anos.

Especialização

em Psicomotricidade

33 anos Expressão corporal,

dança folclórica e

criativa

6ª a 9ª séries

Dança de Salão

Fonte: Ficha Preliminar, 2008.

7 De acordo com as normas estabelecidas pela Secretaria Educação de Minas Gerais, a Educação Básica passa a ser constituída em nove anos, da seguinte forma: 1ª série (antiga Pré-escola), 2ª a 5ª série (antiga 1ª a 4ª) e 6ª a 9ª série (antiga 5ª a 8ª). A partir de 2008, a primeira série do Ensino Fundamental (antigo pré-escolar) passa a ser oferecida na Escola Azul.

36

Quadro 3: Distribuição dos professores da Escola pr ivada Azul

codinome Sexo Faixa etária e

formação acadêmica

Tempo de experiência

na docência

em Educação

Física

Estilos de dança no Plano de Ensino

Série em que atua/ atuou na escola

Experiência com dança fora da escola

Alva Fem. Acima de 50 anos

Graduação em

Educação Física

35 anos

Todos os citados na

Ficha Preliminar.

6ª a 9ª séries

Lazer

Sônia Fem. 41 a 50 anos.

Especialização: Treinamento

Esportivo

26 anos

Expressão corporal,

dança folclórica, dança de

salão

6ª a 9ª e

Ensino Médio

Dança de Salão

Rita Fem. Até 30

Graduação em Educação

Física

09 anos

Expressão corporal, criativa,

folclórica, salão

2ª a 5ª séries e Ensino Médio

Dança Folclórica

Luíza Fem. Até 30

Graduação em Educação

Física

04 anos Expressão corporal,

1ª a 5ª séries

Dança Salão

Sérgio Masc. Acima de 50 anos.

Graduação em

Educação Física

31 anos Expressão corporal, criativa,

dança de Rua,

folclórica, salão

2ª a 5ª séries

Vivencias em

Oficinas

Élcio Masc. 41 a 50 anos.

Mestrado em Educação e

doutorado em História

Cultural (em andamento)

18 anos Expressão corporal, criativa,

dança de rua, moderna e folclórica.

6ª a 9ª e

Ensino Médio

Dança de Salão

Grupo de dança

folclórica

João Masc. 41 a 50 anos.

Especialização: Educação

Física Escolar

18 anos Expressão corporal,

dança de rua, salão,

folclórica e moderna

6ª a 9ª séries

e Ensino Médio

Dança de salão

Fonte: Ficha Preliminar, 2008.

37

3.4 Estratégias Metodológicas

A partir da análise documental, foram consultadas as fontes orais em dois

momentos. Em um primeiro momento, foram recolhidas algumas informações

pessoais e profissionais através da Ficha Preliminar Individual (apêndice, p.204),

preenchida pelos professores de Educação Física das duas escolas, que atuaram ou

atuam na docência no período de 1970 a 2008.

A partir dessas informações, foram selecionados aqueles professores que

mencionaram ter desenvolvido a dança em algum momento de sua prática

pedagógica para uma entrevista semiestruturada (apêndice, p.208).

Optou-se pelo uso de entrevista semiestruturada, também chamada de

semidiretiva ou semiaberta, por situar-se entre dois pólos: a entrevista aberta, não

diretiva ou não estruturada, em que é considerado o quadro de referências do

entrevistado, que tem total liberdade em seu depoimento sobre o tema pesquisado.

E a entrevista fechada, diretiva ou semiestruturada, em que é considerado o quadro

de referências do entrevistador, que faz perguntas que devem ser respondidas pelo

entrevistado. Assim, a entrevista não é totalmente aberta e nem totalmente diretiva e

o pesquisador não se apóia em perguntas formuladas e sim em um roteiro, que lhe

permite abordar e nortear os temas principais da pesquisa.

Segundo Triviños (1978, p. 146), “a entrevista semiestruturada é aquela que

parte de certos questionários básicos, apoiados em teorias que interessam à

pesquisa e que, em seguida, oferecem amplo campo de interrogativas”.

Ludke e André (1986) consideram que a entrevista representa um dos

instrumentos básicos de coleta de dados e permite a captação imediata e recorrente

da informação desejada. As autoras destacam as entrevistas não totalmente

estruturadas, “onde não há a imposição de uma ordem rígida de questões, o

entrevistado discorre sobre o tema proposto com base nas informações que ele

detém e que, no fundo, é a verdadeira razão da entrevista” (p. 33).

Triviños (1987) acrescenta que, a partir de perguntas essenciais, elaboradas

pelo entrevistador, fundamentadas na teoria e nas informações sobre o objeto e

campo da pesquisa, o entrevistado narra espontaneamente suas experiências,

participando da elaboração do conteúdo da pesquisa. Para esse autor, à medida que

as perguntas são respondidas pelo entrevistado, novos questionamentos e

hipóteses se apresentam ao pesquisador, possibilitando a ampliação do conteúdo e

38

do enfoque da pesquisa configurando-se como uma das vantagens da entrevista

semi-estruturada. Ainda segundo Triviños, as perguntas, elaboradas para a

entrevista semi-estruturada, “são resultados não só da teoria que alimenta a ação do

investigador, mas também de toda a informação que ele já recolheu sobre o

fenômeno social que interessa” (146).

As entrevistas foram gravadas, editadas e transcriadas. De acordo com

Castro (2008), a edição consiste em colocar diferentes trechos das falas nos

respectivos eixos ou referenciais de análise. Na medida em que são editados, os

excertos de falas são submetidos a uma “limpeza”, para torná-los acessíveis e

compreensíveis para qualquer leitor. Essa atividade se chama transcriação na

medida em que o trabalho de criação de excertos necessita ser fiel ao pensamento

expresso pelo ator no texto transcrito, sem, no entanto, apresentar os mal

entendidos da escuta e os vícios da linguagem oral, tais como repetição

desnecessária de palavras, gaguejos, cacoetes.8

O conjunto de dados analisados recolhidos, da análise documental e da

consulta às fontes orais foi analisado à luz dos aportes conceituais e teóricos tendo

como referenciais: a) as danças folclóricas no contexto das políticas públicas e seus

sentidos e significados conferidos pelos professores das escolas analisadas; b) o

ensino das danças folclóricas nas escolas analisadas: dificuldades e alternativas; c)

as experiências e as apropriações dos saberes docentes – os discursos polifônicos

dos professores.

8 CASTRO, Magali. Da transcrição à transcriação de entrevistas: Prepa ração e Análise de Entrevistas Abertas e Semi-Estruturadas . Belo Horizonte: PUC-MINAS, Agosto de 2008. (mimeo, trabalho não publicado).

39

4. REFLETINDO SOBRE O OBJETO DE INVESTIGAÇÃO

4.1- A educação dos corpos através da dança

“A gente praticava por diversão e, se sobrasse tempo e espaço, a gente dava uma namoradinha. Ah! A gente dançava era tango, bolero, samba- canção, ligado à dança folclórica era mais a festa junina. A gente aprendia no rádio. Não tinha academia naquela época não. As meninas é que ensinavam para a gente. Eu me lembro de quando adolescente, as colegas levavam os meninos escondidos na garagem e ensinavam. Eu não tive esse privilégio que agora os meninos têm de ter aula de dança na Educação Física." (Prof. Sérgio)

A dança se encontra entre as mais antigas manifestações expressivas,

acompanhando a evolução cultural da humanidade. É uma manifestação do ser

humano, presente em todos os tempos e em todos os povos.

Provavelmente, antes mesmo de procurar expressar-se ou comunicar-se através da palavra articulada, o homem criou com o próprio corpo padrões rítmicos de movimentos, ao mesmo tempo em que desenvolvia um sentido plástico do espaço (MENDES, 1985, p. 6).

Nessa perspectiva, ritmo e dança parecem unidos, tornando-se uma

concepção esteticamente aceita por muitos. Porém, como comenta Mendes (1985,

p.7), a ênfase recai sobre “o sentido cultural da dança, como elemento de

organização e de trabalho dos povos primitivos.” Os primeiros registros sobre a

dança datam do Paleolítico Superior, quando os homens viviam isolados, cultivando

um primitivo individualismo. Para Mendes (1985) os estudiosos, ao interpretarem as

pinturas e desenhos encontrados nas paredes das cavernas, detectaram a

representação pictória de figuras humanas disfarçadas de animais, numa atitude de

executantes de “danças mágicas” destinadas ao objetivo de abater um animal, por

exemplo. No período Neolítico, o homem já adorava os espíritos e cultuava seus

mortos e a dança passou a ser executada em cerimônias e cultos pelos magos e

sacerdotes. Contudo, a dança atingiu seu apogeu na antiguidade pela integração

com outras artes.

Ao buscar reconstruir historicamente o caminho percorrido pela dança nas

suas relações com a educação, De Pellegrin (2007) ressalta que, na Grécia antiga, a

constituição do ideal educativo e sua influência histórica na civilização humana,

especificamente na sociedade ocidental e na construção de seus ideais de

educação, de homem e de mundo, possibilita o entendimento das nossas origens,

40

do pensamento ocidental sobre a arte e o seu papel na educação do ser humano.

Segundo a autora, para a sociedade grega, a dança fazia parte da formação do

soldado-cidadão, os filósofos gregos se manifestaram a favor da dança na

educação, fosse como complemento artístico ou como exercício saudável para se

obter uma boa musculatura. Contudo, para De Pellegrin, a dança recomendada era

aquela que cultivava a disciplina e a harmonia de formas:

A ginástica e, como parte dela, a dança, era associada à beleza e à nobreza; no entanto, era recomendada em virtude de suas propriedades propedêuticas para a guerra, devido ao ser desenvolvido através dela a agilidade, a flexibilidade e a extensão do corpo. A dança era, então, um meio para que o corpo desenvolvesse a plenitude de suas potencialidades e virtudes. Da mesma forma, a luta – outra forma de ginástica – era expressão corporal de vigor, de saúde e de elegância (2007, p.81).

Segundo a mesma autora (2007), com a passagem de uma consciência

mítica para uma consciência racional, o ideal de educação passou a ser objeto de

reflexão dos filósofos gregos. Buscando formular um padrão de educação de

homens livres que fosse correspondente à nova vida política, criaram novas

concepções e imprimiram novos sentidos a diversas práticas culturais (e

educacionais) já existentes, dispensando especial atenção à educação do corpo.

Nesse contexto, Platão nos lega a sistematização de todo um conhecimento teórico-

filosófico que representa a mais avançada versão da Paidéia9 grega: a formação ou

preparação do homem para viver na polis, que surge no século V antes de Cristo,

expressava uma primeira possibilidade de intervenção educativa.

Segundo Portinari (1989), na antiga Grécia, o ideal de perfeição consistia na

harmonia entre corpo e espírito, e para se ter um corpo esbelto e bem torneado,

símbolo da própria beleza para os gregos, era preciso exercitá-lo no esporte e na

dança. Ambos integravam, pois, a formação do soldado-cidadão, desde a infância.

Em Esparta, os meninos praticavam diariamente a embateria, ginástica rítmica que lhes dava a resistência e a agilidade necessárias à vida militar. (...) Só se considerava educado o homem que, além de política e filosofia, soubesse também algum instrumento, cantar e dançar (PORTINARI, 1989, p. 34).

9 Segundo Jaeger, os gregos deram o nome de Paidéia a todas as formas e criações espirituais, ao tesouro completo da sua tradição, tal como nós o designamos por cultura. Inicialmente, a palavra Paidéia, de paidos (criança) significava “criação dos meninos”. Esse ideário tem por tarefa construir o homem como cidadão. De acordo com Jaeger, para Platão “Paidéia é a que dá ao homem o desejo e ânsia de se tornar um cidadão perfeito e o ensina a mandar e a obedecer, tendo a justiça como fundamento”. (1995, p.147)

41

Portinari (1989) comenta que a filosofia, a partir de Platão, produz uma

primeira cisão entre música e dança. A música é valorizada e considerada

necessária como instrumento de educação da alma, de prazer e deleite. Já a dança

assume uma identidade múltipla, contemplando um conjunto de performances do

corpo voltadas para os valores da destreza e do treinamento, cuja potencialidade

máxima se unifica na preparação para a guerra. A autora acrescenta que a dança

esteve atrelada ao poder.

Dança e luta, no entender de Platão, possuem um caráter utilitário tanto para o Estado, como para a família, tanto para os tempos de paz, como para os tempos de guerra. A celebração que a dança pode promover é sempre ligada ao poder ou à capacidade de manter-se no poder (PORTINARI, 1989, p. 43).

Na Idade Média, segundo Portinari (1989), o Cristianismo e suas instituições

alternaram-se em momentos de tolerância e de perseguição com relação à dança. A

tolerância era privilégio exclusivo da dança litúrgica, incorporada aos rituais

religiosos. Transformada em objeto de perseguição, ela passou a ser considerada

uma prática profana, ligada ao demônio, à feitiçaria e à loucura. Como nos lembra

Garaudy,10 citado por De Pellegrin (2007, p.65), “os padres da Igreja, Santo

Agostinho entre eles, condenaram ‘esta loucura lasciva chamada dança, negócio do

diabo.” Com o Cristianismo, a dança passou a ser representada como pecado, pelo

significado que a mesma possuía na tradição grega, latina e bárbara. Segundo De

Pellegrin (2007), a dualidade platônica é assumida plenamente pelo Cristianismo e

nesse sentido a Igreja Católica tolerava a dança, quando a sua proibição se

mostrava ineficaz.

Segundo Portinari (1989), mesmo sob promessas de castigos, os

camponeses continuaram dançando nas suas festas, que guardavam forte vestígio

do Paganismo. Quando a peste negra fazia milhares de vítimas, dançava-se para

exorcizá-la, ou pela euforia de ainda estar vivo. Nessa época, a dança também

amenizava a rotina da vida dos castelos feudais, tanto para os servos quanto para

os senhores.

10 GARAUDY, Roger. Dançar a vida . 6. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1980, p. 28.

42

Sborquia (2002, p.8) relata que, à medida que os povos pagãos se

convertiam, os missionários construíam igrejas nos locais dos antigos templos,

“tomando emprestados aos ritos autóctones os sinos, as velas, o incenso e a

dança”. No século XII, conhecido como o século da razão, a humanidade reforçou

ainda mais, a dissociação entre corpo e mente.

Assim, a mente servia para os prazeres da inteligência e o corpo para as atividades físicas. Essa divisão do ser humano esteve relacionada ao pensamento da época e à influência religiosa da Idade Média, a qual muda a consciência de liberdade da dança, para apenas serem permitidas suas manifestações vinculadas à religião (SBORQUIA, 2002, p.9).

No século XIII, São Tomás de Aquino estreitou os pensamentos aristotélicos

com a teologia e a ética Cristã. O corpo, sem lugar, fica entre a razão e a fé,

permanecendo assim durante toda a Idade Média.

Assim, a partir dos valores impostos pelo Cristianismo, a dança foi

transformada pelos nobres e passa a expressar a cultura e os valores da

aristocracia, assumindo formas de divertimento nas cortes, tornando-se, contudo,

importante na educação da burguesia:

Os primeiros testemunhos significativos sobre as danças na Idade Média aparecem a partir do Século XIV, quando aquela encontra lugar social preciso junto à nobreza e aos círculos ascendentes ligados à burguesia mercantil (...). Aconselha a dança ao jovem discípulo como atividade útil ao exercício do corpo, evidenciando, entretanto, os danos que pode trazer ao espírito, tornando-o vão e lascivo (PINA e PADOVAN, 1995, p. 26).

Para Pina e Padovan (1995), a dança era considerada uma das virtudes dos

nobres, ao lado do saber ler e escrever. Porém, ao executá-la, deveriam observar

algumas recomendações, como o autor descreve no registro de certo mestre de

dança, no caso de suas alunas serem convidadas a dançar durante uma festa:

É de se aconselhar que, por semelhante mando, lhe convenha dançar, sem actos de ligeireza, honestamente dance; mas não como uma boba, a ponto de esforçar-se em saltar, a fim de que não se diga que ela não tem firme intelecto ( PINA e PADOVAN, 1995, p. 27).

Para De Pellegrin (2007), a tradição pedagógica medieval se apropriou de

elementos da Paidéia grega, configurando-os de acordo com as exigências de uma

nova ordem social, política e cultural.

43

O hiato representado pela Paidéia cristã, por sua vez, revela-se decisivo para o ideal de educação que será elaborado nos séculos seguintes, na modernidade. Podemos afirmar que essa concepção de dança, representada como um conjunto de ações que prepara o corpo para alguma coisa, é reeditada em tempos atuais (DE PELLEGRIN, 2007, p. 66).

Como reflexo, a tradição filosófica, cultural, pedagógica e escolar produziu

uma separação radical entre pensar e sentir, entre matéria e espírito, entre razão e

sensibilidade, ou seja, corpo e espírito. A dança passa, então, a ocupar, desde a

antiguidade clássica, um “segundo” lugar nos espaços ocupados pela razão, em

detrimento do sentir. Essa cisão é a expressão estética das contradições do mundo

do trabalho, ou seja, para De Pellegrin (2007), o escravismo antigo e o feudalismo

medieval tornam-se como ciclos preparatórios para o capitalismo moderno.

Na digressão histórica apresentada pelos estudiosos do assunto, evidencia-

se a inquestionável presença da dança nas sociedades antigas e medievais e em

seus correspondentes projetos formativos e educacionais. No entanto, segundo os

autores, não foi atribuído o qualificativo emancipatório.

O declínio da dança se dá com a decadência grega e o domínio romano, em

que a dança passou a fazer parte somente de rituais religiosos. Contudo, surge, a

partir de então, um novo personagem: o professor de dança.

Os romanos contratavam professores gregos para ensinar coreografias a seus filhos e, desse modo, a dança romana foi marcada pela repetição de movimentos alheios, por pantomimas e danças imitadas de outros povos. Essa forma de manifestação realizada pelos romanos levava a uma fragmentação da dança, que ocorria pela divisão do Homem - corpo-mente-alma-, nas culturas chamadas “civilizadas” (SBORQUIA, 2002, p. 8).

No século XV, na Itália, o balé clássico nasceu do cerimonial da corte e dos

divertimentos da aristocracia. No mundo do Renascimento, para Garaudy (1980), as

artes que, até então, estavam a serviço exclusivo da Igreja, tornaram-se símbolo de

riqueza e poder. Nesse sentido, de acordo como o autor, o balé desenvolveu-se

como resposta às aspirações da nova aristocracia, formada no Renascimento. Surge

então a figura do professor de balé:

O papel social adquirido pela dança no seio da sociedade cortês induz os nobres a contratar o mestre de baile, a título permanente, como educador, coreógrafo, mestre de cerimônias e encenador de festas. Considerada agora uma atividade moral e educativa, e aconselhada como exercício para

44

o corpo e para o espírito, a dança torna-se um dos requisitos necessários à formação da dama e do cortesão e, como tal, ensinada desde a tenra idade (PINA e PADOVAN, 1995, p. 31).

Nos séculos XVI e XVII, a visão de mundo e o sistema de valores passaram

a se basear na noção do mundo como se ele fosse uma máquina. Esse desprezo ao

corpo esteve presente em toda a humanidade e influenciou as mais diversas

culturas até os dias atuais. O ser humano não podia expressar seus sentimentos e

pensamentos; simplesmente reproduzia os movimentos padronizados. O século XIX,

século da Revolução Industrial, é a idade de ouro do balé como arte da evasão da

realidade, ou seja, a negação da terra e da gravidade. Nesse contexto, surge a

sapatilha de ponta.

Essa concepção sobre a dança não poderia se inserir na vida real, indo

buscar seus temas nos contos de fadas, no sobrenatural e nos sonhos.

O balé tornou-se, então, mais uma vez, ornamento de um regime aristocrático. Era, além disso, uma arte eclética, sem raízes nacionais no povo, e, por conseguinte, sem caráter nacional (GARAUDY, 1980, p. 38).

No final do século XIX e início do século XX, passou-se aos

questionamentos dos dogmas nas artes, nas ciências, nas sociedades e nas

religiões. Após a Primeira Guerra Mundial, a humanidade precisou descobrir uma

nova linguagem para expressar a necessidade e sentimento do século XX. Nasceu,

então, a dança moderna, de caráter de contestação e rejeição ao rigor acadêmico

preconizado pelo balé clássico.

Procurou-se uma nova relação da dança com a vida real, como decorrência da conscientização de que era necessário mais do que copiar, e muito mais que a mímica. (...) Tomando por base a liberdade expressiva do corpo, a dança moderna reflete o contexto histórico que a gerou: a de um mundo governado por máquinas, no qual o ser humano se debate em busca de novas relações consigo mesmo e com a sociedade (SBORQUIA, 2002, p. 11).

De acordo com Garaudy (1980), a dança passou a ser apenas uma

diversão nas culturas que dividiam o homem entre homens para o trabalho e

homens para a diversão.

45

4.2- A dança na teia da cultura

Com o passar dos séculos a cultura se torna cada vez mais complexa e a

evolução da dança tronou-se um vasto campo. Em 1978, Robinson11 elaborou um

diagrama esquemático em forma de árvore (citada e atualizada por Strazzacappa,

2001) onde indica a gênese e as diferentes aplicações da dança, ao longo dos

tempos, quanto à sua amplitude, quanto ao espaço geográfico e de cunho ético-

moral. Apresenta-se, a seguir, esse diagrama:

Figura 1: Árvore da Dança (ROBINSON, apud BORQUIA, 2002, p.17)

A autora descreve o tronco como “a magia que ocorre entre o sujeito e a

sociedade”. 11 Jacqueline Robinson, bailarina e educadora francesa, elaborou um diagrama onde indica de forma clara a gênese e as diferentes aplicações da dança no mundo contemporâneo. ROBINSON, Jacqueline. Le language chorégraphique . Paris: Vigot, 1978

46

Ao tomar como ponto de partida o tronco principal, De Pellegrin (2007),

sugere que seria necessário compreender o sentido atribuído ao termo magia como

motivação originária primeira de todas as ramificações e significados da dança, ou

seja, essa manifestação estaria ligada a sociedades “primitivas”. De acordo com a

autora, é interessante lembrar que a compreensão mítica da realidade é construída

coletivamente. Nesse sentindo, deviríamos compreendê-la a partir de uma

sociedade determinada. De Pellegrin (2007) ressalta o aspecto da passagem de

uma consciência mítica para uma consciência racional assinalando um novo

entendimento das formas de expressão e representação, conferindo à dança outros

significados, ao longo da história.

Para Strazzacapa (2001), essa forma de classificação da dança, adquire

diversas funções, a partir de três motivações principais: a expressão, o espetáculo e

a recreação.

Segundo Robinson (apud SBORQUIA, 2002, p.18), os principais troncos

podem ser definidos e exemplificados por ela, da seguinte forma:

Raciais: são danças que representam manifestações de povos primitivos e cujos

vestígios ainda persistem. É representada pela dança primitiva.

Étnicas: esse tronco é bifurcado e divide-se em dança étnica e danças populares. A

dança étnica representa a cultura particular de um povo, podendo ter traços da

dança ancestral. A dança popular pode ser definida também como folclórica. Nessa

dança, pela miscigenação das culturas, ocorre a re-interpretação da dança de um

povo por outros países. São todas as manifestações de dança que se mantêm

dentro do folclore e se integram à tradição. Nessa classificação, podemos encontrar

outra subdivisão: a dança da moda, que é dança produzida e veiculada pela mídia e,

consequentemente, praticada pela comunidade. Segundo Sborquia (2002, p.18),

“esse tipo de dança agrupa algumas variedades que permanecem na atualidade,

chegando a incorporar-se ao grupo das populares, por exemplo: axé, funk, lambada,

forró etc.”

Sob esse aspecto, De Pellegrin (2007) comenta que a dança como expressão

étnica poderia materializar-se em qualquer uma das motivações (expressividade,

espetáculo e recreação), dependendo das circunstâncias e dos pressupostos

inerentes à sua realização.

Expressividade: segundo Sborquia (2002), essa é a motivação mais significativa da

dança. Nesse sentido, ao se repensar a inserção da dança na escola há de se levar

47

em consideração o aspecto motivacional dos alunos ao praticá-la no contexto

educacional.

Ao considerá-la sobre o aspecto do lazer, De Pellegrin faz a seguinte

colocação:

Seria obrigatório, para situar alguma forma de dança como lazer, explicitar o que se entende por lazer como categoria de motivação, uma vez que, no contexto moderno, essa dimensão define-se por marcos conceituais claros, distinto dos possíveis sentidos de lazer próprios de outras formações sociais. O lazer, tal como o entendemos e vivenciamos hoje, é um fenômeno da modernidade, um tempo-espaço de vivência da cultura, resultante das tensões entre capital e trabalho (2007, p. 111).

Espetáculo: Segundo Sborquia (2002), as danças acadêmicas, precisam de um

processo de aprendizagem sistematizado, dada a sua complexidade. As habilidades

motoras são exigidas em sua essência altamente estruturada, tornando-se uma

base altamente estruturada que exige o treinamento para poder adquiri-las. Como

exemplo Sborquia (2002), cita o balé clássico, o balé moderno, o sapateado, entre

outras.

Ora, sobre essa categoria De Pellegrin acrescenta que:

O espetáculo, da maneira como está colocado no diagrama (ramificando-se em balé clássico profissional, em técnicas circenses e em balé clássico amador), pressupõe a dimensão do trabalho, da arte como profissão – o que também faz parte de um contexto moderno. O único estilo de dança que aparece acompanhado dos qualificativos profissional e amador é o balé clássico. De maneira semelhante, hoje, qualquer outro estilo de dança pode se profissionalizar, transformando-se em espetáculo (2007, p. 110).

Com base nessa afirmação pode-se incluir os grupos de projeção folclórica

existentes no estado de Minas Gerais desde 196112, que se inspiram nas danças

populares para elaborarem suas montagens coreográficas.

Recreação: são manifestações da dança que podem ter um caráter lúdico. Segundo

o diagrama, entre elas, estão as manifestações de danças de salão e a Ginástica

Rítmica. Quanto a esse tronco, é necessário chamar a atenção para o equívoco em

categorizar a ginástica rítmica ou as atividades rítmicas como dança. Além disso, há

outros estilos de dança que podem ser praticados sob o caráter lúdico, que não só

12 O grupo de projeção folclórica Auranda foi o pioneiro no estilo no estado de Minas, criado em 1961.

48

das danças de salão. O que vai torná-las lúdicas serão as apropriações e as

possibilidades de praticá-las pelos atores sociais.

No entanto tanto Robinson como Strazzacapa não se referem à relação do

sujeito dançante com o contexto sócio histórico em que vive.

Ainda segundo Robinson (apud SBORQUIA, 2002, p. 18), as danças podem

ser classificadas quanto ao espaço geográfico: locais, regionais, nacionais,

estrangeiras e internacionais. Neste ponto, é importante notar que, ao colocar

fronteiras entre essas manifestações, não se leva em conta as relações

estabelecidas na dinâmica da cultura.

Quanto ao cunho étnico-moral em relação às danças, Robinson (apud

SBORQUIA, 2002), sugere outra classificação:13

Danças representativas: manifestações de dança que representam o mítico, o

religioso e os costumes de um grupo social, como as danças étnicas, raciais,

folclóricas e populares. (ex. bumba meu boi, a catira, etc.);

Danças expressivas e recreativas: caracterizam-se pelas elaborações

coreográficas, típicas das interpretações musicais ou temáticas. (danças criativas,

etc.);

Danças sensuais: têm como finalidade a representação da conquista de um

parceiro (samba, tango, bolero, flamenco etc.) 14 .

O esquema criado por Robinson (apud SBORQUIA, 2002, p.18), ao

classificá-las como mais ou menos sensual, expressiva ou lúdica, inclui valores

etnocêntricos às manifestações culturais através da dança ao classificá-las como

mais ou menos sensual, expressiva, ou lúdica. Provavelmente a autora não leva em

consideração a historicidade de cada uma delas, sugerindo, por exemplo que o

tango remete ao erotismo (a sua origem se deu na luta entre homens) ou não

considera as variações do samba (de umbigada, de quatro, de lenço, de crioula, de

roda etc.) presentes por todo o país. As manifestações culturais expressas através

da dança representam grupos sociais que dialogam todo o tempo com outras

linguagens de expressividades lúdicas, profanas, de religiosidade popular etc. No

entanto, a nossa herança histórica e cultural, arbitrariamente incutida, em reproduzir, 13 As danças exemplificadas em todas as categorias são citadas por Strazzacappa (2001) ao atualizar a figura da Arvore de Dança. 14 Robinson subdivide esta categoria em três: sensuais ( que têm como finalidade a conquista do parceiro, com manifestações sutis); sexuais (que tem mais conotação direta na procura do parceiro sexual) e eróticas (as que demonstram mais explicitamente a intenção da cópula) (ROBINSON, apud SBORQUIA, 2002, p.18).

49

distinguir, classificar e categorizar as expressões corporais se reflete na visão dual e

fragmentada de entender, ver e vivenciar as danças.

A análise do diagrama sugere a busca das raízes históricas de cada

manifestação e não apenas o interesse em categorizá-las. Nessa direção, De

Pellegrin acrescenta que:

Essa tarefa se torna mais complexa na medida em que o diagrama não apresenta apenas uma gama de estilos diferenciados, mas além dos estilos, apresenta formas e qualificativos que necessariamente nos levarão a indagar sobre o terreno social e histórico sobre o qual cresce determinado tronco (2007, p.110).

Para Barreto (2008), não se pode negar a história da dança e nem aqueles

que a construíram dançando ou refletindo sobre essa prática cultural. De acordo

com a autora, a história pode ser vista como:

(...) a representação de fatos que são também o presente, porque ela é lida e interpretada por um sujeito que é único, em um espaço que é o aqui e o agora. Por isso, não posso reduzir a construção do conceito de dança à sombra de fatos históricos cristalizados, mas devo caminhar pela interpretação de alguns deles, para que não permaneçam neste texto como algo estático, sem vida e que ficou para trás (2008, p.121).

Geertz (1983), em busca de uma teoria interpretativa de cultura, apresenta

um conceito essencialmente semiótico, definiu a teoria interpretativa como sendo

uma teia de significações (construída pelo próprio homem) e a sua análise como

uma “ciência interpretativa à procura do significado”. Nessa direção, entende-se que

a dança faz parte do universo cultural e é impregnada de valores e símbolos sociais.

Como manifestação cultural, “expressa significados através de movimentos

significantes” relacionados ao pensamento da época correspondente. A sua inserção

no contexto educacional, se dá por relacioná-la à cultura e, consequentemente, à

educação como forma de transmissão cultural.

A dança é mais do que uma expressão de movimentos corporais, é uma

linguagem corporal, através da qual o ser humano se expressa, é um fenômeno

social e uma manifestação cultural, que possui significados próprios em cada

situação. Segundo Rodrigues (1980, p.11), a cultura pode ser considerada como

uma atividade que busca estabelecer rupturas, contrastes e distinções

indispensáveis à constituição do sentido do mundo, das coisas e das relações:

50

(...) tal como a cultura mapeia o território social, inscrevendo-se nele com a lógica de sua organização, também penetra no território da vida humana, a saber, o corpo, tornando as manifestações comportamentais, notadamente as que são constituídas de uma simbologia, para decifrar os seus significados, da forma que foram introjetadas, assimiladas e expressadas.

Para se estudar a cultura de forma mais sistemática, os cientistas sociais

sugeriram uma subdivisão em três tipos: Culturas Eruditas, Culturas de Massa e

Culturas Populares.

As Culturas Eruditas são reconhecidas como oficiais, institucionalizadas,

transmitidas por meio de sistemas específicos e especializados. Elas são

legitimadas através da ciência e do saberes produzidos no meio acadêmico. Já as

Culturas de Massa são decorrentes do desenvolvimento industrial; através do

sistema de comunicação de massa, elas influenciam e caracterizam o estilo de vida

do homem contemporâneo. Assim, a forma de viver de um indivíduo é orientada e

dirigida pelos modismos. Nessas culturas, o que interessa é o consumo e a

mudança de valores considerados efêmeros e mutáveis e, finalmente, as Culturas

Populares são reconhecidas pelas diferentes formas de viver de um indivíduo (ou

grupo social), não são dirigidas por qualquer instituição e nem tampouco de caráter

temporário ou de modismo. São aprendidas e difundidas pela tradição. Segundo

Rocha (1996, p. 5), a expressão cultural popular pode se manter no singular, desde

que se entenda que existe tantas culturas quantos sejam os grupos que as

produzem em contextos materiais e econômicos específicos.

As culturas populares são configuradas, sobretudo, pela forma de

transmissão absolutamente empírica e à margem dos sistemas formais de ensino.

Segundo Rocha (1996, p.5), elas são significativas, sistemáticas e definitivas.

Entretanto, têm uma capacidade de transformação, fato que as caracterizam como

contemporâneas.

A dança está presente em todos os grupos étnicos e em todos os tipos de

culturas. As danças ditas eruditas apresentam-se na forma de balés clássicos,

dança moderna, sapateado, jazz e na dança contemporânea, e são aprendidas e

retransmitidas em academias ou instituições, através de técnicas e metodologias

pré-definidas.

Nas culturas de massa, a presença da dança se dá pelo modismo, ou seja,

é criada e transmitida através dos meios de comunicação midiáticos, sendo

executadas com o objetivo de lazer ou até mesmo com fins lucrativos e estéticos. Já

51

nas culturas populares a dança pode ser dividida em dois grupos: as danças

populares e as danças populares tradicionais ou folclóricas; a primeira inclui todas

as danças praticadas e criadas pelo povo, sem qualquer vínculo com a tradição e

sim com o novo, associados ao ritmo (ex: danças de rua). Já as danças populares

tradicionais são as manifestações caracterizadas por movimentos coreográficos que

foram criados e transformados pela sua funcionalidade, aprendidas por imitação

direta e transmitidas pelos moldes da tradição.

Kallás (2006, p.24) apresenta a seguinte subdivisão para as danças

populares:

Para o grupo de danças populares: as de caráter transitório, disseminadas nos grupos sociais e pela mídia e moda (ex. lambada); as danças folclóricas, tornadas normativas pela tradição e as popularizadas, determinadas (feitas populares) pela globalização, mas de caráter mais permanente que a transitória sem, entretanto, adquirir as características da folclórica (ex. rock in roll).

As culturas populares tradicionais são caracterizadas pela sua pluralidade e

por se apresentarem heterogêneas. Embora não partilhem de um mesmo valor e

origem, cada uma tem uma expressão corporal que a distingue (o maracatu, frevo,

catira, chula, carimbo, lundu, bumba-meu-boi, etc.)15.

Segundo Souza (1999), as culturas populares abrangem as respostas de

grupos étnicos ao contexto de convivência com a outra cultura, quer a cultura do

colonizador ou as culturas do colonizado. Logo, as respostas que os mineiros deram

a essa relação foram diferentes das respostas dadas pelos gaúchos, paraenses,

paulistas. De acordo com Rocha, inserido nas culturas populares está o Folclore, ou

seja, a cultura popular tradicional:

Folclore é a ciência humana e social que estuda os fatos e as relações, os processos e as realizações de um grupo social - materiais, sociais e espirituais, objetivas e subjetivas, orais e escritas - tradicionais, funcionais e de aceitação coletiva, integradas à vivência popular e à dinâmica do cotidiano, resultantes da difusão no tempo e no espaço (ROCHA, 1996, p. 5).

Willian John Thoms em 1846, ao referir-se à necessidade de se estudar o

saber popular criou o termo anglo-saxão Folk-Lore (CASCUDO, 1972, p.400).

15 Para informações sobre essas manifestações populares ver: CASCUDO, Luís da Câmara. Dicionário do Folclore Brasileiro. Natal: Tecnoprint S.A, 1972.

52

Entretanto, Thoms entendia o povo na sua singularidade como uma classe

desaparecida, cabendo aos estudiosos, apenas, juntar os fragmentos de um antigo

saber. De acordo com Souza (1998, p.14), no exame do povo enquanto classe, é

subdividido os que detêm o conhecimento, portanto, detentores dos segredos da

nação, e os que vistos como vulgo, não têm qualquer correspondente com a

realidade do passado. Dessa forma, segundo Souza (apud KALLÁS, 2006 p.29), “o

povo vulgo é ahistórico”.

Com as mudanças de pensamento ao longo dos séculos, o conceito de

Folclore, é reformulado por um grupo de estudiosos da área e apresentado ao povo

brasileiro através da Carta do Folclore Brasileiro16, escrita em 1951, e reelaborada

em 1995. Nela, o Folclore é definido como “o conjunto das criações culturais de uma

comunidade, baseado nas suas tradições expressas individual e/ou coletivamente,

representativo de sua identidade social (Carta do Folclore Brasileiro, 1995, p.197)”.

De acordo com esse documento, Folclore e cultura popular são entendidos como

equivalentes. De acordo com Souza (apud KALLÁS, 2006, p.34), para definir o

conceito de Folclore, deve-se levar em consideração a ideologia da modernidade.

De acordo com o autor, as manifestações populares tradicionais no século XVIII

estavam em constantes ajustes com o que era moderno naquele tempo. Assim, a

modernidade ibérica (de ideologia mercantilista, cristã, branca e européia), configura

novas ressignificações culturais. Atualmente, segundo Souza (apud KALLÁS, 2006),

o Folclore dialoga com a modernidade norte-americana, cujos valores são a

liberdade, o capitalismo, o individualismo, a velocidade, o consumismo, a estética,

entre outros.

As manifestações populares ditas folclóricas estariam, portanto, inseridas no

caleidoscópio da cultura como um todo, participando do processo dinâmico dos

diversos tipos de cultura; influenciando e sendo influenciada pelos mesmos. Para

Rocha (1996, p.5), o Folclore, ao fazer parte das culturas populares, é “mais uma

maneira de ler e interpretar a rede de relações e os desenhos culturais de uma

sociedade, sob a luneta da tradicionalidade, da aceitação coletiva, da

funcionalidade”. No entanto, essas manifestações coexistem com as formas das

culturas eruditas e de massa, conservando suas funções histórico-sociais.

16 O VIII Congresso Brasileiro de Folclore, reunido em Salvador, Bahia, de 12 a 16 de dezembro de 1995, procedeu a releitura da Carta do Folclore Brasileiro, aprovada no I Congresso Brasileiro de Folclore, realizado no Rio de Janeiro de 22 a 31 de agosto de 1951. (Carta do Folclore Brasileiro, In: Anais do VIII Congresso Brasileiro de Folclore , Salvador, 1995. p.197-2004.)

53

Essas formas culturais são extremamente dinâmicas e interdependentes, já

que no limite de cada uma ocorre uma troca de saberes com os quais se

influenciam, constituindo a dinamicidade da cultura como um todo. Na participação

diferenciada no seu espaço de interrelacionamento, há uma relação de igualdade e

não um sobre o outro. No caso da dança, a influência das diversas culturas,

favorece a sua ressignificação e transformação, podendo ser representada no

seguinte esquema:

Figura 2: A dinâmica das culturas (ROCHA, 1999)17.

Na perspectiva da dinâmica das culturas, as danças ao serem classificadas

puramente pelas suas estéticas de movimento, passam a ser participantes de uma

única forma de cultura, deixando de lado os valores e significados conferidos a elas

no fluxo da dinâmica cultural. A dança ao ser caracterizada como racial, étnica,

popular, de expressividade ou de recreação, deixa de se entendida na sua totalidade

de valores e significados diferenciados pela sociedade e por quem a pratica.

Nenhum fato cultural aparece e, principalmente, permanece na sociedade,

sem uma reflexão, ao mesmo tempo em que nenhum fato é assimilado por um grupo

social, sem antes ter passado pelo processo dinâmico do pensar o fazer. Os

elementos tradicionais passam a agir como um dos veículos de uniformização de

padrões de comportamento, criando uma escala de valores significativos que

contribuem para a configuração sociocultural em que esses valores estão

integrados. Não há duas comunidades que tenham culturas idênticas. Por baixo de

semelhanças superficiais há, com freqüência, diferenças importantes em atitudes e

valores. O mesmo ocorre com as danças folclóricas ao adquirir características e

17 ROCHA, Tião. Curso de Especialização em Folclore e Cultura Popul ar. Unicentro Newton Paiva. 1º semestre de 1999. Notas de aula.

54

valores diferentes. Os elementos podem ser aparentemente universais, porém, só

significam algo quando se identificam com uma determinada forma de vida de uma

região. Nesse sentido, as contradições culturais existentes no Brasil fornecem essas

possibilidades de reações diferenciadas, contribuindo para a formação de nossa

identidade.

Na presente pesquisa, a dança nas culturas populares tradicionais é aquela

limitada pela tradição, entendida aqui como constituinte da dinâmica cultural

contemporânea, parte de uma história continuada e em constante transformação. A

sua origem ou história depende da memória dos dançarinos mais antigos. Além

disso, ao ser transmitida, é preciso adaptar os elementos de sua história ao tempo e

ao espaço em que a comunidade se encontra sem, contudo, perder o elo da tradição

e valores assimilados por esse grupo. Certamente, os movimentos e as coreografias

dessas danças estão, em sua maioria, relacionados diretamente ao ritmo e aos

movimentos executados em seu dia-a-dia, portanto, interligadas ao momento

histórico em que a comunidade vive.

A forma de se aprender seus movimentos ocorre de maneira específica,

uma vez que a sua transmissão só vai até o limite desse grupo. Essa forma de

transmissão gera uma rede de significados que será decodificada individual e

coletivamente e dependerá de como se fará a leitura destes movimentos. Daí a

presença da diversidade na sua expressão corporal, embora a matriz determinante

dos movimentos seja conservada. Trata-se de um fator determinante da dança

folclórica, já que, nos outros estilos de dança, a sua transmissão ocorre fora dos

meios sociais em que acontecem, sem perder, com isso, as suas características.

Kallás (2006, p.57) afirma que, apesar de estável, duradoura, não eventual,

a dança folclórica não é inalterável e, por se manifestar através da prática coletiva,

funcionalmente mantém-se viva e atual.

Numa educação “conectada à rede de informações”, pode-se supor a

ocorrência de traduções, diferentes da tradição, dos movimentos coreográficos das

danças folclóricas. Uma vez estando em tempos de globalização, que tendem a

homogeneizar culturas e afirmar laços de interdependência entre povos, as

manifestações populares tradicionais, ditas folclóricas, estão inseridas no

“caleidoscópio da cultura” como um todo participando da dinâmica entre os diversos

tipos de cultura, influenciando e sendo influenciada por eles.

55

4.3- A Ginástica 18 e a Dança: o corpo moldado e silenciado pelo ritmo

“Eu não lembro nada de ruim da professora de Educação Física. Só coisa boa. Quando ela chegava para dar aula, era com se jogasse uma água. Podia estar o barulho que fosse quando ela chegava à porta e dizia assim: Licença, ginástica! Aí era aquela ordem total. {...} Todo mundo queria ir para a Educação Física, então todo mundo acalmava. Porque quem fizesse bagunça não ia.” (Prof.ª Lúcia)

No Brasil, no final do século XIX, segundo Varela e Uria (1992, p.75), a

escola, originalmente criada pelos jesuítas, tinha como propósito uma formação

moral. A dança, dentro do conjunto de práticas sociais, deixou de ser somente uma

atividade livre do ser humano para se tornar parte do currículo escolar através das

atividades físicas. As potencialidades pedagógicas da dança e da música foram

perspicazmente assumidas como estratégia (diferenciada) pelos jesuítas. Nessa

direção, as danças do povo não foram proibidas, mas orientadas convenientemente

como parte do programa educativo, servindo para cultivar o corpo e o espírito.

A fabricação da alma infantil, para a qual contribuem de forma especial os colégios, terá como contrapartida a submissão dos corpos e a educação das vontades em que insistem os educadores religiosos (VARELA e URIA, 1992, p. 84).

A dança era parte orgânica da educação do homem aristocrático que, além

de treinar o corpo por meio da ginástica, da natação e da equitação, tocar a cítara, a

lira e dominar a arte da rapsódia, deveria aprender a mover-se com beleza. A dança

era assim uma expressão diáfana do conjunto de qualidades que deveria ser próprio

do cidadão. Sua prática era oferecida com o fim de “adquirirem maneiras cortesãs

através da dança, da esgrima, da equitação e de outros exercícios de distinção que

lhes proporcionavam o que Bourdieu denomina de hexis corporal19, em consonância

com sua categoria social” (VARELA e URIA, 1992, p. 79).

No século XIX, a educação brasileira foi direcionada para três instâncias:

moral, física e intelectual. O corpo humano não era visto como algo separado da

18 A Gymnastica foi produzida como um dispositivo central para a pretendida “Educação Physica” das crianças (...) Tornada como obrigatória no ensino primário desde a reforma do ensino de 1906, assim mantida em todas as que se seguiram no período, foi designada, ao longo do tempo por “exercícios physicos, “exercícios calisthenicos” ou simplesmente “Gymnastica” (VAGO, 2000, p. 89). 19 A hexis corporal é a forma de se utilizar do corpo com intenção expressiva.

56

alma e, nesta perspectiva, a educação da alma não desprezava a presença do

corpo. Dessa forma, uniu-se o que antes não tinha relações.

Como a educação brasileira tinha como referência a educação européia, a

alusão à ginástica também se deu como processo de racionalização do corpo, tal

qual a educação que se implantava no outro lado do continente. Segundo Crespo

(1990, p.465), “os exercícios valorizavam-se na medida em que as representações

do corpo se modificavam”. A educação integral católica, proposta pelos Jesuítas, se

estabeleceu a partir da formação intelectual, da formação moral e religiosa. A

necessidade de reprimir os excessos, ou as paixões, o desejo de acompanhar os

ritmos do progresso e as novas exigências da economia dava, ao problema do

excesso ou supérfluo, uma dimensão mais complexa: a ociosidade. O homem ao se

entregar aos regalos do corpo, segundo Crespo (1990, p. 465), desviava-se da

reclamada moralidade colocada pela Igreja:

Na sociedade em mudança, os homens eram avaliados pela sua utilidade social. Os corpos valorizavam-se na medida em que pudessem contribuir para a afirmação dos novos valores do trabalho, do rendimento e do progresso. Assim, as condutas humanas não se revelavam de acordo com a reclamada civilização dos costumes, as exigências de austeridade e de contenção dos gestos não se cumpriam; os desvios de comportamentos denunciavam a inexistência de um controle social e eficaz.

Coerente com a visão de mundo e de homem do catolicismo, sem o qual a

ação formativa do homem se transformava em agitação, a educação se alicerçou

através da formação moral baseada no autocontrole. O que se recomendava era um

programa de exercícios corporais que pudesse contribuir para o vigor do espírito, na

perspectiva do “mens sana in corpore sano”.

A educação das crianças subordinava-se, assim, conforme os princípios do Cristianismo, às leis da natureza e realizava-se na obediência a Deus, na contenção dos gestos individuais e no respeito pela presença dos outros (CRESPO, 1990, p. 509).

Para Crespo, o homem, com a supervisão de Deus, fazia as escolhas mais

eficazes das idéias inatas e qualquer homem dispunha de aptidões para construir o

mundo à sua medida. Num contexto de mudanças sociais, culturais e políticas,

devido ao capitalismo e sob as ideologias da Igreja, dava-se, portanto, uma grande

importância aos valores morais e aos limites da expressão gestual.

57

A civilização do corpo traduzia-se num conjunto de preceitos e técnicas, de gestos e maneiras de viver que podiam reconhecer-se nos mais variados momentos da vida humana, no viver quotidiano de um coletivo de homens ansiosos por se desprender, ao mesmo tempo, da “barbárie” dos costumes da maioria rude e das “virtudes” de uma minoria, para caminhar finalmente em direção a outros valores mais fraternos e envolvendo a comunidade inteira (CRESPO, 1990, p. 504).

Os exercícios físicos nas escolas tornavam-se justificados não só pela visão

higienista dos médicos e, posteriormente, por uma visão esportivista, mas também

pelos ideais católicos, na perspectiva de natureza do homem. Nesse contexto, o

corpo passava a ser experimentado de uma forma mais detalhada, como uma

máquina, isto é, podendo ser considerado nas suas diversas partes, numa

perspectiva anatomo-mecância. A palavra de Deus surgia em apoio às

recomendações dos moralistas. Segundo Crespo, a educação cristã das crianças e

os preceitos nela inscritos eram componentes essenciais na regulamentação das

condutas, onde “os menores vestígios de tendências para os prazeres corporais, os

gostos dos sentidos e a intemperança deviam ser imediatamente reprimidos,

mediante o temor dos juízos de Deus” (1990, p. 522). Nesse contexto, de acordo

com o autor,

A formação física (na ordem da natureza), juntamente com a formação intelectual, na ordem das idéias, e a formação moral e religiosa (na ordem dos deveres), constituíam a formação integral do aluno. A pedagogia através do corpo tinha como objetivo infundir hábitos físicos pelo governo dos sentidos, de acordo com a visão católica da vida. (CRESPO, 1990, p.523)

Nesse contexto, os exercícios físicos ao serem introduzidos na escola,

tiveram um papel fundamental na modelagem de idéias através do corpo, um corpo

valorizado pelo seu silêncio e pela sua capacidade de produção. De acordo com

Crespo (1990), as maneiras de se pensar o homem e o mundo refletia na educação

e em todas as esferas da sociedade, assim como a negação ou a afirmação do

corpo

A Educação Física escolar surgiu no Brasil Colônia, em meados do século

XIX, inserida pelos médicos com o objetivo de assegurar a saúde pública, através

dos princípios higienistas e com a participação dos militares como professores de

Educação Física, para a preparação de futuros cidadãos soldados. Era, até então,

58

influenciada pela pedagogia tradicional, na qual a escola tinha o papel de difundir a

instrução e os professores a transmissão dos saberes acumulados e selecionados

pela sociedade hegemônica. O aluno, no processo ensino-aprendizagem, era

reconhecido como um receptor passivo das práticas da reprodução e memorização

dos conteúdos.

O ensino da dança no contexto escolar, através da Educação Física, estava

agregado aos valores educacionais da época e às reflexões sobre a própria

Educação Física, uma vez que essa se configurava enquanto atividade, estabelecida

no âmbito escolar. Assim, a defesa da dança na escola estava, pois, impregnada

dos valores morais incutidos e transformados na e pela sociedade voltada para a

reafirmação da distinção dos sujeitos e dos grupos sociais. De acordo com Vago

(1997, p.62), “a particularidade da Educação Física (e da dança) só encontra lógica

se articulada organicamente com a totalidade da instituição escolar da qual é

manifestação.”

Ao retrocedermos à trajetória da Educação Física no Brasil do final do

século XIX, percebemos que o sistema educacional funcionava através da

reprodução dos padrões europeu, e a dança na escola também não escapou dessa

influência. Introduzida através da prática voltada para a educação das meninas, a

partir do final do século XIX e início do século XX, segundo Sousa (1994), a

ginástica feminina foi inserida na escola, num contexto histórico onde as relações

entre educação, estética e corpo respondiam a um ideal educativo característico da

modernidade.

Sousa (1994, p.65) relata que em 1927, a Reforma de Ensino “Francisco

Campos” dos cursos Primário e Normal trouxe mudanças significativas nos ideais

pensados para o sistema escolar, agora mais preocupado em formar o cidadão

disciplinado e, principalmente, “apto a lidar com a maquinaria da indústria.”

Mesmo sendo, a princípio, exígua e quase sempre combinada com outra

atividade, a inclusão de ginástica, inicialmente, ocorreu a partir dos modelos que

vieram para o Brasil como opções na busca da correção e moldagem dos corpos,

propagada no período da Primeira República, de republicanos fortes, higienizados e

civilizados. Na modernidade que se tentava instalar no Brasil, buscou-se a

implantação e reprodução de comportamentos espelhados nos padrões europeus e,

para atingir esse objetivo, um novo sistema escolar foi organizado, alicerçado na

lapidação dos gestos e das idéias do povo brasileiro considerado rude e ignorante.

59

Porém, segundo Castellani Filho (1991), no final do século XIX, havia uma

resistência à introdução da Educação Física nas escolas. Essa resistência seria um

reflexo de uma sociedade arraigada aos valores escravocratas coloniais, em que o

esforço físico era desprestigiado e distintivo somente dos escravos. Nessa época, de

acordo com o autor, a Educação Física recebeu a forte influência dos métodos

ginásticos europeus20, adotados nas escolas e ministrados, principalmente, por

imigrantes e por instrutores militares, colaborando para que os obstáculos contra a

prática da ginástica para meninas se tornassem ainda maiores.

A ginástica, dentro do conjunto de práticas sociais, se destacava pelo

adestramento do corpo. Para Castellani Filho (1991) a ginástica foi o instrumento

mais adequado para essa ação, uma atitude que não estava mais restrita aos meios

militares, conferindo aos corpos a sua máxima potência. Segundo o autor, nesse

período, há uma recorrente aproximação entre a dança e a ginástica: uma dança

sensível, condizente com o ideal feminino esperado. Essa prática vinha, por vezes,

acompanhada de música, o que tomava a forma de movimentos rítmicos.

4.4- A dança no espaço da Educação Física

“Na Educação Física tinha essa obrigação, com pacotinhos de coreografias prontas”. (Prof.ª Rita)

Segundo Betti (1991), a dança se insere no contexto escolar em 1854,

quando a ginástica passou a ser oferecida aos homens e a dança se tornou uma

atividade exclusiva para as mulheres. As aulas de dança, nesse período, se

voltavam para reafirmar a graciosidade e a leveza das mulheres predestinadas à

maternidade e aos cuidados do lar, através de exercícios calistênicos21, ritmados ao

som musical.

20 Inúmeros métodos ginásticos foram desenvolvidos principalmente nos países europeus, os quais influenciaram a ginástica brasileira. Dentre aqueles que tiveram maior penetração no Brasil, destacam-se as escolas alemã com a “ginástica natural”, a sueca com a “ginástica moderna”, e a francesa com a “ginástica desportiva generalizada”. Essas questões são amplamente analisadas por Castellani Filho (1988), entre outros. 21 Calistenia é uma palavra que tem origem grega e significa kallós – belo, sthenos - força + o sufixo ia. Existem fortes evidências de que a Calistenia é oriunda do século XVIII, reconhecida como forma de sistematização de exercícios físicos, voltados a todos os segmentos corporais - cabeça, tronco,

60

No Sistema de Ensino Normal em Minas Gerais, o primeiro registro oficial

da inserção da prática da dança aparece no Decreto n.4.524, de 21 de fevereiro de

1916, art. 11, letra e:

A ‘educação physica’ será completada por evoluções gymnasticas das alunas em conjuncto e por jogos athleticos femininos, o lawn-tennis e outros, bem como as dansas e brinquedos infantis que serão introduzidos nas classes primarias. Para melhor execução dos movimentos nos exercícios a professora deverá executá-los ella propria, procurando ser imitada. 22

Com a ampliação das práticas corporais escolarizadas, antes restritas à

ginástica e às evoluções militares, segundo Vago (1997), a dança era uma das

atividades que, no projeto moderno, atendia aos preceitos ligados à estética e às

definições das técnicas corporais, consideradas específicas para cada gênero.

Assim, à dança foi mais direcionada às meninas e às mulheres e o ensino da

ginástica obrigatoriamente, para ambos os sexos sendo, no entanto, realizadas na

forma de reprodução.

No intuito de transformar a dança num objeto de ensino, a escola acabou

por distingui-la da dança presente nos salões e palcos. Como explica Chaves (2002)

buscava-se a educação corporal por meio de “cortesias”, “posições graciosas”

presentes na dança, seguindo as aspirações modernas por um corpo esteticamente

saudável e higienizado. Ainda segundo a autora, a ginástica rítmica passou a ser

cada vez mais divulgada como uma das práticas mais indicadas para o gênero

feminino, aliando o trabalho rítmico e musical, assim como a harmonia dos gestos

expressivos típicos da dança, à cientificidade e eficiência da ginástica.

Nos anos 30 e 40 do século XX, a ginástica, o desporto e os jogos

recreativos visavam à coragem, à vitalidade, ao heroísmo e à disciplina a serviço da

pátria. A partir dos anos 1940, a Educação Física tomou impulso para a “Educação

Física desportiva generalizada” ou a ginástica francesa. Nesta, a mulher existia

como retrato de sua maternidade, parte da responsabilidade na eugenia da raça.

Assim, para as mulheres prevalecia a prática da ginástica feminina e da dança,

compostas de movimentos delicados que buscavam desenvolver a graça, a beleza e

mulheres sadias para gerarem filhos saudáveis.

membros - implicando em exercitações lineares, anguladas, com ou sem acompanhamento rítmico. Disponível em: www.cdof.com.br.historia. Acesso em 05 de dez de 2008.

61

Após a Segunda Guerra Mundial, potencializando-se ainda mais

especificamente a partir da década de 60 do século XX, a Educação Física foi sendo

submetida aos princípios do esporte de rendimento, privilegiando os indivíduos

considerados mais ágeis, mais hábeis. Nesse contexto, a técnica sobrepujou a arte

e a dança perdeu o seu espaço, mesmo que irrisório, no contexto escolar. A

Educação Física passou a ser vista como uma fonte inesgotável de futuros atletas.

Porém, segundo Vago (1997), isso não aconteceu porque o esporte de rendimento

não precisava do ensino de Educação Física na escola para lhe fornecer atletas. No

entanto, o esporte na escola foi utilizado como um meio para difundir valores ligados

ao esporte de rendimento. Segundo o autor (2003, p. 4), a Educação Física passou,

a partir dessa época, a ser “reinterpretada como celeiro de reprodução dos

princípios do esporte de rendimento, ainda hegemônicos na organização de sua

prática”. No entanto, a ginástica e a dança são direcionadas às mulheres, e por não

se prestar ao cunho competitivo continuaram preteridas.

Entretanto, as práticas inseridas na Educação Física até então (o esporte,

os jogos, a ginástica e a dança) eram concebidas pelas teorias acríticas, com função

apenas de reprodução e inculcação da ideologia dominante. Assim a educação era o

principal determinante das transformações sociais, na medida em que contribuísse

para “adequar” o indivíduo à sociedade classista e excludente. Assim, a dança e

todas as práticas corporais eram desenvolvidas na dimensão de reproduzir a

estética hegemônica nos corpos ahistóricos, uniformes e silenciosos.

4.4.1- No compasso das políticas públicas do século XX

-“Eu acredito que seja interessante esse movimento, de colocar a dança, a ginástica, a brincadeira e a luta como conteúdos da Educação Física, além do esporte. Mas de ser obrigatório é complicado. Como ser obrigatório se na escola, por exemplo, não tem um colchão, não tem uma corda, uma quadra coberta, não tem um som, não tem um espaço razoável, não tem nem bebedouro! Também os professores não estão preparados pra isso, uma vez que a Educação Física era só voltada para o gesto, para a cópia. Os professores precisavam aprender a ensinar.” (Prof.ª Teca)

A Constituição da República Federativa do Brasil de outubro de 1988, trata

das manifestações culturais e do Desporto. Entretanto, não se refere,

62

especificamente, à Educação Física. No que diz respeito aos Desportos, o artigo 217

determina que “é dever do Estado fomentar práticas desportivas formais e não

formais, como direito de cada um”. O inciso II desse artigo se refere ao desporto

educacional: “a destinação de recursos públicos para a promoção prioritária do

desporto educacional e, em casos específicos, para a do desporto de alto

rendimento”.

Já na Constituição do Estado de Minas Gerais, de 1989, a Educação Física

é especificada na seção VII, do Desporto e do Lazer, no artigo 218:

O Estado garantirá, por intermédio da rede oficial de ensino e em colaboração com entidades desportivas, a promoção, o estímulo, a orientação e o apoio à prática e difusão da Educação Física e do desporto, formal e não formal.

No âmbito escolar, a Educação Física sempre esteve nas escolas de Ensino

Fundamental e Médio sob a forma de exercícios e atividades físicas. Entretanto, nos

documentos legais que regulamentam o Sistema de Ensino Brasileiro, a Educação

Física aparece expressamente a partir da Lei nº. 5692, de 11 de agosto de 1971,

que fixa diretrizes e bases para o Ensino de 1º e 2º graus. O artigo dessa Lei

estabelece que “será obrigatória a inclusão da Educação Moral e Cívica, Educação

Física, Educação Artística e Programa de Saúde, nos currículos plenos dos

estabelecimentos de 1º e 2º graus.”

Em novembro desse mesmo ano, a Educação Física através de uma

legislação específica, baixada pelo Decreto n.º 69.450 de 01 de novembro 1971,

artigo 1º, a seguinte concepção de Educação Física:

A Educação Física, atividade que por seus meios, processos e técnicas, desperta, desenvolve e aprimora forças físicas, morais, cívicas, psíquicas e sociais do educando, constitui um dos fatores básicos para a conquista das finalidades da educação nacional.

Passando então a ser reconhecida como uma atividade escolar regular,

desportiva e recreativa, como apresentado no artigo 2º:

A Educação Física, desportiva e recreativa, integrará como atividade escolar regular, o currículo dos cursos de todos os graus de qualquer sistema de ensino.

63

Entretanto, ao defender uma idéia integradora da Educação Física, Vago

(1997) explicita que, o que mudou foi mais o objetivo psicosocial que se pretendia

alcançar com a Educação Física do que o caráter corporal das atividades que

poderiam ser praticadas. Ainda,segundo o autor, essa escolha foi apenas pela

simples variação nas atividades físicas, seja pelo exercício físico, pelo jogo, pelas

atividades rítmicas ou pelo esporte. Para as séries iniciais do Ensino Primário,

segundo o artigo 3º, inciso I, do mencionado Decreto, essa prática pedagógica

manteve-se alicerçada nos valores higienistas e militares.

Atividades físicas de caráter recreativo, de preferência as que favoreçam a consideração de hábitos higiênicos, o desenvolvimento corporal e mental harmônicos, a melhoria da aptidão física, o despertar do espírito comunitário, de criatividade, do senso moral e cívico, além de outras, que concorram para completar a formação integral da personalidade.

Já para o Ensino Médio, a Educação Física se voltou, mais especificamente,

para a preparação do jovem para o mundo do trabalho:

No Ensino Médio, por atividades que contribuam para o aprimoramento e aproveitamento integrado de todas as potencialidades físicas, morais e psíquicas do indivíduo, possibilitando-lhe pelo emprego útil do tempo de lazer, uma perfeita sociabilidade e conservação da saúde, o fortalecimento da vontade, o estímulo às tendências de liderança e implantação de hábitos sadios. (DECRETO nº.69.450 de 01 de novembro de 1971, artigo 3º).

Assim, a função social requerida da Educação Física, continua a ser, segundo

Vago (1997, p. 66), “produzir, de forma recreativa, seres humanos física, moral,

cívica, psíquica e socialmente aptos e saudáveis, tal como deseja o mundo do

trabalho”.

Nesse contexto, legitimada pela respectiva Lei e Decreto, a Educação

Física, gradativamente, sofre um processo acelerado de esportivização, em que a

aptidão física ganha destaque, constituindo referência fundamental para o seu

ensino.

A aptidão física constitui a referência fundamental para orientar o planejamento, controle e avaliação da Educação Física, desportiva e recreativa, no nível dos estabelecimentos de ensino (...) A partir da quinta

64

série de escolarização, deverá ser incluída na programação de atividades a iniciação desportiva. (DECRETO nº. 69.450 de 01 de novembro de 1971, artigo 3º, III, 1º e 2º).

Como reflexo dessa visão, ocorre uma supervalorização do esporte no

conteúdo escolar. Assim, a dança, como outras práticas corporais, passa a ser

preterida e, em muitos casos, deixa de fazer parte do conteúdo programático regular

da Educação Física nas escolas.

No entanto e mesmo na contramão do processo de esportivização, a dança

não desaparece nem na escola e nem no contexto da Educação Física,

configurando-se, na maioria das vezes, como uma atividade extraclasse, geralmente

conduzida por professores de Educação Física, em sua maioria mulheres e para um

público composto quase exclusivamente pelo sexo feminino, o que reforça a sua

representação e utilização na escola como uma atividade feminina.

Assim a dança continuou a ser desenvolvida também nos cursos de

formação, com caráter instrumental, e sendo pouco reconhecida, conforme Pacheco

(1988, p.4):

Até nos cursos de Educação Física, a dança parece ter dificuldade de ser reconhecida como parte integrante no processo, comumente denominada de Rítmica ou Atividades Rítmicas.

Ainda com relação ao ensino da dança, Marques (1999, p. 48) acrescenta

que, são valorizados aspectos característicos do século XVIII, como, por exemplo, o

destaque à espetacularização e ao aprimoramento técnico. Nessa abordagem, a

autora destaca que

Repensar a educação e a dança no mundo contemporâneo quer no âmbito artístico profissional, quer na escola básica, significa também repensar todo este sistema de valores e de idéias concebidos desde o século XVIII e que foram incorporados ao pensamento educacional ocidental.

No início década de 1980, em decorrência da criação dos primeiros cursos

de Pós-Graduação em Educação Física no Brasil, do retorno de professores

doutorados no exterior, da ampliação do número de publicações na área, como do

aumento do número de congressos e eventos direcionados à Educação Física,

surgem novos movimentos na Educação Física escolar, em oposição à vertente

mais tecnicista, esportivista e biologista, até então predominantes.

65

Nesse contexto, foi traduzida e transplantada no Brasil a abordagem

psicomotora elaborada pelo psicólogo francês Jean Le Boulch (1985), que o

diferencia das concepções de aprendizagem motora centradas no rendimento.

Privilegiando a interação dos domínios cognitivo, afetivo e motor e visando a

“educação pelo movimento”, essa teoria se apóia em conhecimentos sobre as

etapas do desenvolvimento: do esquema corporal que leva a criança a tomar

consciência de seu corpo, da lateralidade, a situar-se no espaço, a dominar o tempo

e a adquirir habilmente a coordenação de seus gestos e movimentos. A

sensibilidade, a imaginação e a criatividade são levadas em consideração nas

práticas do cotidiano, porém, com o foco na correção, reabilitação e adaptação do

aluno ao meio social.

Sob esse olhar sobre o corpo, a dança e qualquer outra atividade oferecida

na Educação Física passam a ser fundamentadas na interdependência do

desenvolvimento motor, cognitivo e afetivo dos indivíduos, chegando ao ponto da

Educação Física e da Psicomotricidade serem compreendidas pelo novo discurso de

“educação integral” no meio acadêmico e também pelo senso comum como

sinônimas. Essa nova concepção da Educação Física escolar foi analisada por

muitos estudiosos da área como uma teoria negativa pois, na medida em que a ela

se submetia aos conhecimentos da Psicologia, perdia sua especificidade, reduzindo-

se a mais um “meio” para auxiliar a aprendizagem das demais disciplinas escolares

através da integração, reabilitação, adaptação e socialização.

Já no final da década de 1980, a Educação Física, segundo Vago (2004),

passa a ser organizada em torno dos estudos relacionados à abordagem

desenvolvimentista, ou seja, à aprendizagem, e controle motor das crianças através

das habilidades motoras básicas ou movimentos fundamentais como o andar, correr,

saltar, lançar, girar, dentre outras. Assim a concepção desenvolvimentista se

constitui como a base para que as crianças pudessem, futuramente, aprender as

diferentes modalidades esportivas. Ou seja, o esporte torna-se mais uma vez, o fim

da Educação Física. Nesse contexto, a dança passa a ser abordada como uma

opção a mais para o desenvolvimento motor através de seus elementos técnicos (os

giros, os saltos, os equilíbrios).

Como conseqüência inevitável, dada pelos múltiplos olhares, o corpo é

entendido como um corpo que sente, pensa, cria e se expressa. A partir da década

de 1990, a crise dos pressupostos teóricos que nortearam a prática pedagógica da

66

Educação Física provoca um processo de reflexão sobre as diferentes abordagens

desta disciplina escolar, fundamentado nas contribuições não só psicológicas, mas,

também nas filosóficas, antropológicas e sociológicas.

4.4.2- A dança na cultura corporal de movimento: en fim, reconhecida

-“O professor tem que ter uma visão crítica em relação à dança. Que a dança não é pegar os passos e copiar. Não só ensinar a técnica, mas sobre aquela dança, como intervir, como modificar a partir dela. {...} Criar a partir do nada, é uma coisa, criar a partir do conhecimento que você tem é outra coisa. Você tem que ter uma criticidade que te permita modificar esse conhecimento pra você produzir uma coisa nova.” (Prof. João)

No início da década de 1990, surge uma nova visão sobre essa prática

pedagógica, a visão “crítico-superadora” da Educação Física, expressa no livro

Metodologia do Ensino de Educação Física (1982), resultado de um trabalho coletivo

de um grupo de professores de Educação Física.Nessa publicação, a Educação

Física é entendida como “uma disciplina que trata, pedagogicamente, na escola, do

conhecimento de uma área denominada aqui de cultura corporal” (Coletivo de

Autores, 1992, p.61). Nessa abordagem o conhecimento como elucidação da

realidade, se dá também na compreensão da historicidade do aluno como sujeito

histórico.

Segundo Betti (1991), a Educação Física passou assumir outra função na

escola: introduzir e integrar o aluno na cultura corporal de movimento, formando o

cidadão que vai produzi-la, reproduzi-la e transformá-la, dando-lhe condições para

usufruir do jogo, do esporte, das atividades rítmicas e da dança, das ginásticas e das

práticas de aptidão física, em benefício da qualidade da vida.

Pra essa nova concepção de Educação Física não basta aprender

habilidades motoras e desenvolver capacidades físicas. É necessário possibilitar ao

aluno a oportunidade de aprender a organizar-se socialmente para praticar e

interpretar as práticas inseridas na cultura corporal de movimento.

Em escritos de 1991 e 1994, Kunz23 propõe uma abordagem da Educação

Física na perspectiva “crítico-emancipatória”, através da qual defende a cultura

corporal como forma de atividade da qual a dança faz parte, pois o autor entende

23 KUNZ, Eleonor. Educação Física: ensino e mudança . Ijuí: Ed. Unijuí, 1991. KUNZ, Eleonor. Transformação didático pedagógica do esporte. Ijuí: Ed. Unijuí,1994.

67

expressão corporal como linguagem e como conhecimento universal, patrimônio

cultural criado pelo homem, que pode e deve ser “socializado” pelos alunos na

escola, possibilitando-lhes a compreensão das múltiplas realidades sociais

complexas e contraditórias do mundo atual. Nessa proposta, a dança não se

restringe à sua mera prática, mas inclui a reflexão dessa prática.

Esse novo pensar sobre a educação e a Educação Física refletiu-se no

documento da nova Lei de Diretrizes e Bases do Ensino dos 1º e 2º graus da

Educação Nacional, Lei n.º 9394/1996, de 20 de dezembro de 1996. Nela, a

Educação Física passa a ser reconhecida como componente curricular e não

apenas como atividade regular:

A Educação Física integra a proposta pedagógica da escola, é componente curricular da Educação Básica, ajustando-se às faixas etárias e às condições da população escolar, sendo facultativa nos cursos noturnos (Artigo 26, inciso 3º).

Essa ressignificação da Educação Física como componente curricular,

exigiu uma repensar seus conteúdos, considerados como expressão de produções

culturais, como conhecimento historicamente acumulado e socialmente transmitido.

Considerada inicialmente como recurso higienista e, sucessivamente, como

atividade de regeneração da raça, de preparação para o trabalho e de preparação

de atletas, ela passa a ser entendida como uma prática que tematiza diferentes

manifestações da cultura corporal. Nessa nova perspectiva, o ensino da dança

integra o conteúdo e a prática da Educação Física sob um novo olhar, direcionado

para a possibilidade da socialização e compreensão dos valores que fundamentam

as ações, atitudes e valores da sociedade atual.

Um ano após a promulgação da referida Lei, o Ministério da Educação

publicou e distribuiu os chamados Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN’s) para o

Ensino Fundamental para todas as áreas de conhecimento. Na proposta para a área

da Educação Física, o aluno é reconhecido como sujeito. Competindo a ele

aprender, para além das técnicas de execução, discutir suas regras e estratégias,

apreciá-las criticamente, analisá-las esteticamente, avaliá-las eticamente,

ressignificá-las e recriá-las” (PCN’s, 1997, p. 25). Nesse documento, o conhecimento

deve ser retraçado desde sua origem como forma de elucidação da realidade,

68

possibilitando ao aluno reconhecer-se como sujeito histórico, capaz de interferir de

forma autônoma na sociedade.

A Educação Física, a partir de então, tem seus fundamentos nas

concepções de corpo e movimento. Dito de outra maneira, a natureza do trabalho

desenvolvido nessa área tem íntima relação com a compreensão que se tem desses

dois conceitos. Para Merleau-Ponty, o corpo é a própria experiência, ou seja:

O nosso corpo, enquanto se move a si mesmo, quer dizer, enquanto inseparável de uma visão do mundo, e é esta mesma visão realizada, é a condição de possibilidade de todas as operações expressivas e de todas as aquisições que constituem o mundo cultural. (1999, p.519)

Nessa perspectiva a Educação Física passa a considerar, integrar e

especificar também as dimensões cultural, social, política e afetiva, presentes no

corpo vivido, isto é, no corpo de pessoas que interagem e se movimentam como

sujeitos sociais e como cidadãos. Buscando compreender a complexidade entre

corpo e movimento, os PCN’s entendem os conteúdos da Educação Física como

expressão de produções culturais, como conhecimento historicamente acumulado e

socialmente transmitido.

Assim considera como objeto de estudo da Educação Física a cultura

corporal de movimento. Ao reconhecer que a história do sujeito é uma história de

cultura, na medida em que tudo o que se faz está inserido num contexto cultural,

produzindo e reproduzindo cultura, passa a entendê-la como uma construção da

sociedade, da coletividade à qual os indivíduos pertencem, antecedendo-os e

transformando-os. Assim, segundo Daolio (1998, p. 39), o corpo passa a ser

compreendido como “expressão da cultura”. Para ele, a cultura passa a ser a

principal referência para a Educação Física, uma vez que as manifestações

corporais do homem (esporte, dança, ginástica, jogo, etc.) são geradas no seio de

determinada cultura e se manifestam diversificadamente, no contexto de grupos

culturais específicos.

Assim, dentre as produções dessa cultura corporal, algumas foram

incorporadas à disciplina Educação Física, sendo os conteúdos do Ensino

Fundamental divididos em três blocos: 1) Esportes, jogos, lutas e ginásticas; 2)

Conhecimentos sobre o corpo e 3) Atividades Rítmicas e Expressivas. Nesse último,

a dança está inserida como uma atividade a ser desenvolvida na escola. Chamamos

69

a atenção para o fato de que, pela primeira vez, a dança aparece dissociada da

ginástica, sendo compreendidas como conteúdos e atividades distintas. De acordo

com Barreto (2008), o PCN da Educação Física insere a dança na área de

Educação Física, no bloco das Atividades Rítmicas e Expressivas, considerando-a

uma manifestação da cultura corporal, que tem como característica as intenções de

comunicação e de expressão por meio de gestos e estímulos sonoros.

O PCN sugere que o ensino da dança ocorra através de um processo que

proporcione ao aluno a prática, a apreciação e a contextualização da arte/dança. Ao

considerar a dança como uma linguagem artística, afirma que o professor de

Educação Física deve recorrer aos outros subsídios norteados no PCN/Arte, ou seja

no sentido de desenvolver um trabalho de dança criativo, concebendo a dança como

linguagem artística.

A dança como conteúdo da Educação Física, deve ser orientada como

atividade rítmica e como conteúdo da disciplina de Artes como linguagem artística.

Na primeira situação a dança deve ser assoviada aos conteúdos relativos ao corpo e

ao esporte, lutas e ginásticas. Na segunda situação as atividades a serem

desenvolvidas são as danças brasileiras, urbanas e eruditas, as danças e

coreografias associadas a manifestações musicais, brincadeiras de roda e ciranda.

Já na segunda situação, a dança deve ser articulada aos conteúdos relativos

Apesar da abrangência das propostas, nota-se que o corpo ainda é

entendido como seu objeto de estudo, como um corpo passível de ser moldado. A

realidade escolar nos revela uma concepção ainda presa a estilos, codificações e

formatos pré-determinados, cujo processo de ensino-aprendizagem concentra-se no

produto, ou seja, na aquisição de padrões de movimentos pré-estabelecidos que

seja passado pelo professor e assimilados pelos alunos através das “atividades

rítmicas”. Da mesma forma, o movimento do corpo, como um elemento fundante da

Educação Física, continua próximo a uma concepção fisiobiológica da educação.

Porém, novos autores apresentam novas formas de pensar a Educação

Física, para além da concepção fisiobiológica. Em suas colocações, reconhecem o

estudante como sujeito sociocultural e, nesse sentido, a Educação Física deve ser

tratada de outra forma. A dança, assim como outras manifestações culturais, passa

a ter destaque na Educação Física escolar. Essa nova maneira de pensar a

educação e a sociedade influenciaram na construção dos projetos político

70

pedagógicos das escolas e no processo ensino-aprendizagem desse conteúdo, em

Minas Gerais.

Em 1998, o Conselho Nacional de Educação aprovou as Diretrizes

Curriculares para o ensino da Educação Física no Ensino Fundamental. Nessa

proposta, a Educação Física, entendida como uma área do conhecimento é

responsável pela problematização e pela prática da cultura corporal de movimento, o

que inclui a dança como um conteúdo. Nessa concepção de Educação Física, as

Diretrizes Curriculares estabelecem os conteúdos que têm em comum a

representação corporal, através de características lúdicas, criadas e transformadas

pelas diversas culturas humanas. A partir dessa visão, cabe à Educação Física,

inserida no contexto escolar, possibilitar a ressignificação da cultura corporal,

utilizando-se da ludicidade. Assim, de acordo com essas Diretrizes, a inserção da

dança nas aulas de Educação Física possibilita o acesso a esse acervo cultural,

compreendido como direito inalienável de todo cidadão e como importante

patrimônio histórico da humanidade, portanto, parte do processo de construção da

sua individualidade.

Em 2005, a Secretaria de Estado da Educação de Minas Gerais avançou ao

definir a estruturação dos Conteúdos Básicos Comuns -CBC’s-, que deveriam ser

contemplados pelo Projeto Político-Pedagógico das escolas da rede estadual de

ensino de Minas Gerais. Em 2006, esses conteúdos passam por uma revisão e são

disponibilizados no site - Centro de Referência Virtual - da Secretaria de Educação

do Estado de Minas Gerais. Segundo Teixeira,

A proposta de ensino de Educação Física se insere num projeto maior da Secretaria de Educação do Estado de Minas Gerais denominado Projeto de Desenvolvimento Profissional – PDP. Esse projeto tem como objetivos o desenvolvimento profissional de professores da rede estadual através da formação continuada. ( 2008, p.28)

Nessa proposta, a Educação Física é reconhecida com área do

conhecimento que trata das práticas corporais construídas ao longo do tempo.

Essas práticas inseridas nos “Eixos Temáticos”- são representadas nas formas de

esporte, ginástica, jogos e brincadeiras, dança e movimentos expressivos. Cada

“Eixo Temático” é constituído por uma rede de conhecimentos denominada “Temas”

que, por sua vez, desdobram-se em “Tópicos”, ou seja, a unidade menor de ensino a

ser desenvolvida em sala de aula.

71

A dança ganha destaque, reconhecida além de atividades rítmicas, faz parte

do Eixo Temático “Dança e Movimentos Expressivos”- voltado para a Educação

Física do Ensino Fundamental da 6ª a 9ª série - e, “Dança e Expressões Rítmicas”-

voltado para o Ensino Médio-. Sobre o ensino da dança na escola, a referida

proposta (Minas, 2005, p.46) sugere abordá-la como uma manifestação da cultura

de movimento, ”comportando valores culturais, sociais e pessoais produzidos

historicamente”, no sentido de superar a visão da dança como mera repetição de

gestos. Sugere também a possibilidade de trabalhar a dança, voltada para a

pantomíma24 e a dramatização.

Nos quadros a seguir se encontram os Tópicos referentes aos temas do

eixo temático para o ensino de 6ª a 9ª série e para o ensino Médio.

Segundo o documento, os Tópicos obrigatórios são numerados em

algarismos arábicos e os tópicos complementares em algarismos romanos.

24 Na pantomima (do grego Pantos = imitação; Mima = todo), as cenas são explicadas por meio do gesto.

72

Quadro 4: CBC - Eixo Temático Dança – 6ª a 9 ª séries Conteúdo Básico Comum (CBC) da Educação Física do Ensino Fundamental da 6ª a 9ª

série.

Eixo Temático IV: Dança e Movimentos Expressivos.

Temas: Dança Criativa, Dramatização, Pantomima

TÓPICOS HABILIDADES

1. Elementos constitutivos da dança: formas, espaço, tempo.

1.1 Vivenciar os elementos constitutivos da dança. 1.2 Identificar os elementos constitutivos da dança.

2. O corpo na dança e nos movimentos expressivos

2.1. Vivenciar o movimento em diferentes ritmos. 2.2. Articular o gesto com sons e ritmos produzidos pelo próprio corpo, por diferentes objetos e instrumentos musicais. 2.3. Expressar sentimentos e idéias utilizando as múltiplas linguagens do corpo. 2.4. Conhecer as possibilidades do corpo na dança: impulsionar, dobrar, flexionar, contrair, elevar, alongar, relaxar, dentre outras. 2..5. Reconhecer as possibilidades corporais de pessoas portadoras de necessidades especiais na dança e nos movimentos expressivos.

3. Criação e improvisação 3.1. Vivenciar processos de criação e improvisação. 3.2. Compor pequenas coreografias a partir de temas, materiais ou músicas.

4. A diversidade cultural nas danças brasileiras ( grifo nosso)

4.1. Reconhecer a pluralidade das manifestações culturais na dança em nosso país. 4.2. Vivenciar as diferentes manifestações culturais da dança. ( grifo nosso)

5.. Dança e mídia 5.1. Identificar estereótipos na dança. 5.2. Identificar a influência da mídia nas formas de dançar.

6. Dança como meio de desenvolvimento de valores e atitudes

6.1. Compreender a dança como meio de desenvolvimento de valores e atitudes (afetividade, confiança, criatividade, sensibilidade, respeito às diferenças, inclusão).

7. Dança e relações de gênero 7.1. Identificar a dança como possibilidade de superação de preconceitos. 7.2. Compreender as relações sociais entre homens e mulheres na dança.

I - Características de cada modalidade de dança II - A dança nos eventos escolares: festivais

• Identificar as características das danças e dos movimentos expressivos. • Vivenciar a dança em eventos escolares.

( Minas Gerais, 2005, p. 52-54)

73

Quadro 5: CBC - Eixo Temático Dança – Ensino Médio Conteúdo Básico Comum (CBC) da Educação Física do Ensino Médio

Eixo Temático IV: Dança e Expressões Rítmicas.

Temas: Dança Criativa, Dramatização, Pantomima

TÓPICOS HABILIDADES 1. A expressão corporal 1.1. Aperfeiçoar a vivência dos elementos constitutivos

da dança: forma, espaço e tempo. 1.2. Expressar-se corporalmente utilizando os elementos constitutivos da dança. 1.3. Compreender as danças e os movimentos expressivos como possibilidade de expressão individual e coletiva. 1.4. Compreender a dança e os movimentos expressivos como parte da história cultural da humanidade

2.Exercícios coreográficos 2.1. Desenvolver a capacidade de abstração na criação de temas. 2.2. Criar seqüências coreográficas. 2.3. Vivenciar as danças e movimentos expressivos nos eventos escolares.

3. Elementos constitutivos da dança: formas, espaço, tempo

3.1. Vivenciar os elementos constitutivos da dança. 3.2. Identificar os elementos constitutivos da dança.

4. O corpo na dança e nos movimentos expressivos 4.1. Vivenciar o movimento em diferentes ritmos. 4.2. Articular o gesto com sons e ritmos produzidos pelo próprio corpo, por diferentes objetos e instrumentos musicais. 4.3. Expressar sentimentos e idéias utilizando as múltiplas linguagens do corpo. 4.4 Conhecer as possibilidades do corpo na dança: impulsionar, dobrar, flexionar, contrair, elevar, alongar, relaxar, dentre outras. 4.5. Reconhecer as possibilidades corporais de pessoas portadoras de necessidades especiais na dança e nos movimentos expressivos.

5.Criação e improvisação 5.1. Vivenciar processos de criação e improvisação. 5.2. Compor pequenas coreografias a partir de temas, materiais ou músicas.

6. A diversidade cultural nas danças brasileiras ( grifo nosso)

6.1. Reconhecer a pluralidade das manifestações culturais na dança em nosso país. 6.2. Vivenciar as diferentes manifestações culturais da dança. ( grifo nosso)

7.Dança e mídia 7.1. Identificar estereótipos na dança. 7.2. Identificar a influência da mídia nas formas de dançar.

8.Dança como meio de desenvolvimento de valores e atitudes

8.1. Compreender a dança como meio de desenvolvimento de valores e atitudes (afetividade, confiança, criatividade, sensibilidade, respeito às diferenças, inclusão).

9. Dança e relações de gênero 9.1. Identificar a dança como possibilidade de superação de preconceitos. 9.2. Compreender as relações sociais entre homens e mulheres na dança.

III - Características de cada modalidade de dança IV - A dança nos eventos escolares: festivais

• Identificar as características das danças e dos movimentos expressivos. • Vivenciar a dança em eventos escolares.

74

Nota-se, na proposta do CBC, a denominada dança criativa, que aborda as

mais variadas manifestações e estilos de dança, constituindo-se assim em uma

opção metodológica que atende aos objetivos da dança na escola, por permitir que

todas as pessoas dancem - ou se movimentem expressivamente - de acordo com

suas possibilidades. (Minas Gerais, 2005)

Segundo o CBC, cada escola deverá definir, também, os conteúdos

complementares para atender às necessidades e aos interesses dos alunos,

observadas as condições da escola e as características locais e regionais da

comunidade onde está inserida. Nessa proposta, assim como o PCN da Educação

Física, é prescrito o tema da diversidade cultural a partir de danças brasileiras.

Nesse cenário, a dança na escola passou a se constituir uma alternativa da

educação escolar contemporânea, contribuindo para a sensibilização e

conscientização dos alunos no que se refere às suas posturas, gestos e ações

cotidianas e às suas necessidades de expressar, comunicar, criar, e compartilhar

suas vivências estéticas de movimento. E também à vivência levando-se me

consideração as suas transformações, sua historicidade e suas influências na vida

cotidiana do aluno, possibilitando que ele se reconheça como ator social crítico e

criativo.

Nesse sentido Vargas (2003, p.10) justifica sua inclusão no currículo:

Por ser a dança atividade física, artística, expressão, comunicação, linguagem básica da raça humana e própria da sua cultura, nos faz parecer lógica a sua utilização como complemento das práticas educativas, em busca da formação global de nossas crianças e adolescentes.

O CBC sugere ainda que a Educação Física seja desenvolvida levando-se

em consideração: a ludicidade que possibilita um exercício de autonomia através do

lúdico, da curiosidade e da criação e recriação de significados; e a

interdisciplinaridade, voltada para a formação do cidadão reflexivo, crítico, e

autônomo, a partir da releitura dos movimentos da e na dança, sob os olhares

multidisciplinares; e a inclusão, como acesso de direito aos conteúdos na

escolarização, que possibilita ao aluno reconhecer e valorizar suas experiências e

conhecimentos práticos, nessa abordagem a diversidade cultural é reconhecida

como ponto de partida da educação inclusiva.

75

Sobre esse último aspecto o CBC de Educação Física, propõem a

diversidade cultural como centralidade no currículo, o que leva a dança popular

tradicional ocupar lugar um novo lugar na escola:

O reconhecimento da diversidade, além de ser essência dos princípios da democracia e da estética, é também uma das diretrizes da educação nacional. O ensino da Educação Física considera a cultura local, regional – própria de um grupo social -, bem como a cultura universal, ou seja, o saber cultural, historicamente acumulado como patrimônio da humanidade. Por isso, é necessário dialogar a diversidade cultural e a pluralidade de concepções de mundo, posicionando-se diante das culturas em desvantagem social, compreendendo-as na sua totalidade. (MINAS GERAIS, 2005, p. 24-25)

4.5- A dança folclórica como parte de todo o conte xto

A dança na escola, notadamente a dança folclórica, esteve presente em

todo o percurso da Educação Física escolar. Sua inserção e presença na escola se

deram, inicialmente, através da Educação Física, especialmente, através de danças

folclóricas, mesmo que voltadas apenas para apresentações artísticas nos eventos

culturais. Seus movimentos e ritmos estão conectados à linguagem, à religiosidade,

ás crenças, à culinária, aos costumes e aos valores da comunidade que a pratica

manifestando a sua identidade cultural. Apesar dos valores fabricados pela

modernidade apontarem para a sua falência, o caminho para entender a sua

participação na dinâmica cultural contemporânea se dá através da releitura de

nossas tradições, reinterpretadas ao longo de nossa história.

Contrária ao individualismo proposto pela modernidade, a relação das

danças folclóricas com os movimentos sociais são feitas pelo e em prol do coletivo.

No entanto, as danças ditadas pela indústria cultural são cultuadas como

movimentos homogêneos, efêmeros e de acordo com o modismo. Algumas danças

representadas na cultura popular tradicional podem ter uma gestualidade corporal

comum, mas são diferentes em cada grupo social que as pratica; para alguns,

podem representar o sagrado, para outros, o profano, a barganha ou o prazer; o

grupo ou o individual. Sob esse olhar, não acrescenta nada reproduzir os seus

ritmos e movimentos, caracterizando-os como universais, uniformes e

descontextualizados de suas raízes históricas.

76

Ao longo de sua historicidade da inserção da dança no contexto escolar, a

dança passou por momentos de valorização e de legitimação por parte do Estado.

A intenção de inserção dos saberes populares no contexto escolar é anterior

a Lei de Diretrizes e Bases do Ensino de 1º e 2º graus – lei nº. 5692/71. Por ocasião

do I Congresso Brasileiro de Folclore, em 1951, foi redigida a “Carta do Folclore

Brasileiro”, na qual já se propunha a introdução dos diversos conteúdos do Folclore

na prática pedagógica.

Em Minas Gerais, em 1954 foi assinado um convênio25 entre o Governo, o

Instituto Brasileiro de Educação, Ciência e Cultura (IBECC) e a Comissão Nacional

de Folclore, com o objetivo de fomentar o estudo, o desenvolvimento e a pesquisa

do Folclore no Estado. Nesse documento, o Governo signatário já se comprometia a

incluir, no currículo de formação de professores, um curso qualificação em

Folclore.26

Segundo Segala (2005, p.108), entre os anos de 1940 e 1950, devido ao

desenvolvimento do processo de industrialização, das imigrações internas, e da

crescente urbanização, “a idéia do Folclore tinha força enquanto fator nacionalizante

de interação ou comunhão social, assimilando os imigrantes, impulsionando o

artesanato local e fixando o homem a terra”. Ainda, segundo a autora, a idéia do

Folclore na sala de aula naquela época era uma idéia polêmica. Por um lado, havia

àqueles que defendia pois, na escola, haveria uma forma de preservar e transmitir

esses saberes, que se perdiam na vida cotidiana e, por outro, havia aqueles que

consideravam que competia à escola problematizar as culturas populares nos

processos sociais e históricos. Segundo Segala, esses debates,

(...) foi-se cristalizando na escola, como recurso didático para inculcar conteúdos, como compilação de curiosidades brasileiras, idéias avulsas, figurinhas sem nexo do boto cor-de-rosa, da lenda da vitória régia, do bolo de milho, do Saci Pererê. ( 2005, p.108).

Após alguns anos, em 1965, no contexto da ditadura militar, da repressão

política e cultural, foi criado o Decreto nº. 56.747, de 17 de Agosto, que determinou o

dia 22 de agosto como o Dia Nacional do Folclore, data de comemoração do

25 Resolução n.º114, publicada em Minas Gerais no Diário da Assembléia em 24 de agosto de 1954. 26 A Comissão Mineira de Folclore tem realizado cursos de atualização sobre folclore brasileiro, voltados para professores, ao longo dos seus 60 anos de existência.

77

Folclore pelos estabelecimentos de ensino, pela Comissão Nacional de Folclore e

pelas entidades estaduais.

Art. 1º- Será celebrado, anualmente, a 22 de agosto, em todo o território nacional o Dia do Folclore. Art. 2º - A Campanha de Defesa do Folclore Brasileiro, do Ministério de Educação e Cultura e a Comissão Nacional de Folclore, do Instituto Brasileiro de Educação, Ciência e Cultura e respectivas entidades estaduais deverão comemorar o Dia do Folclore e associarem-se a promoções de iniciativa oficial ou privada, estimulando ainda nos estabelecimentos de curso primário, médio e superior, as celebrações que realcem a importância do Folclore na formação cultural do país (Decreto nº. 56747, de 17 de agosto de 1965).

Desde então, as culturas populares tradicionais são, celebradas nas escolas

como uma data festiva, diluindo-se o seu contorno de campo de estudos nas

diversas disciplinas. Segundo Segala (2005, p.108), percebe-se ainda hoje que

“predominam nos planejamentos dos professores, os projetos de “atrações

nostálgicas”: o uso do Folclore como recurso didático ou divertimento”.

A Constituição da República Federativa do Brasil, de outubro de 1988, ao

tratar das manifestações culturais, não faz nenhuma alusão ao Folclore no âmbito

escolar. Porém, no artigo 215, inciso 1º, determina que o Estado proteja as

manifestações das culturas populares, indígenas e afro-brasileiras e das de outros

grupos participantes do processo civilizatório nacional. E, no inciso 2º do mesmo

artigo fixa a Lei das datas comemorativas de alta significação para os diferentes

segmentos étnicos e nacionais.

Em sintonia com essa nova Constituição, em 1995, no VIII Congresso

Brasileiro de Folclore, ocorrido em Salvador, foi reelaborada a “Carta do Folclore

Brasileiro” - originariamente redigida em 1951-, incorporando as mudanças

decorrentes da contemporaneidade27. Nesse novo documento, encontram-se os

fundamentos, as normas e os princípios orientadores das atividades relacionadas ao

Folclore, no território nacional.

27 Segundo Segala (2005, p.109), “vale lembrar que nos anos de 1980, na então Secretaria de Cultura do Ministério de Educação, ocorre a criação do projeto “Interação entre a educação básica e os diferentes contextos culturais existentes no país”. Nesse contexto, as especificidades e os saberes populares eram experimentados nos currículos, no material didático e em oficinas de arte. Havendo, tentativas de descentralização da produção dos conteúdos no trabalho pedagógico, valorizando as diversidades e os saberes locais” (In: Anais do Seminário Nacional de Políticas Públicas para as culturas populares, Brasília, 2005).

78

Quanto à inclusão do Folclore na escola, é ressaltado os seguintes tópicos

da Carta do Folclore de 1997 que, em seu capítulo III, Ensino e Educação,

recomenda nos seus art.1 e art. 7:

(...) Desenvolver ação conjunta entre os Ministérios da Cultura e da Educação, a fim de que o conteúdo do folclore seja incluído nos níveis de 1º e 2º graus e como disciplina específica do 3º grau, de forma mais ampla, incluindo enfoque teórico e prático, através do ensino regular, de oficinas, de observações e de iniciação às pesquisas bibliográficas e de campo. (...) Incluir o ensino de Folclore nos cursos de 2º grau (Habilitação/Magistério), nos cursos de Comunicação, de Artes, de Educação Física, de História, de Geografia, de Turismo, nos Conservatórios e Academias de Artes em geral, Faculdades de Ciências Humanas e Sociais, de Pedagogia, de Serviço Social.

Ao se propor a inserção das danças populares tradicionais no meio escolar,

a partir da proposta do CBC de Educação Física, entendendo-as como parte de todo

o contexto cultural e histórico, a dança passa a contribuir para repensar o seu saber

pedagógico e a utilização dessa prática cultural como um meio de emancipação.

Nessa proposta a diversidade cultural passa a ser abordada na escola com a

intenção de promover o reconhecimento de sua pluralidade, a partir das danças

brasileiras, ou seja, compreendendo-as como uma multiplicidade cultural brasileira

que se move e interpenetra no meio escolar, aberto aos saberes locais e as

expressões populares, ou seja, criando um espaço de possibilidades de

aprendizagens recíprocas ou co-educacionais. Como diz Segala (2005, p.108), “um

espaço para recontextualizar e complexificar o processo de produção de

conhecimento na circularidade de saberes”.

Nesse sentido, o entendimento de que a dança nas culturas populares

tradicionais fazem parte de todo o contexto histórico cultural possibilita uma nova e

ampla abordagem no processo de sua inserção como prática pedagógica da cultura

corporal de movimento. A abordagem atual da dança como prática pedagógica é

norteada pela possibilidade de instigar, criar, improvisar e expressar individualmente

e em grupo as suas várias linguagens corporais, além de reconhecer e vivenciar a

as diferentes formas estéticas de movimento, possibilitando a participação que,

como ator social, cria e ressignifica as formas de dançar.

No entanto, apesar dos avanços nas políticas públicas, os saberes nas

culturas populares permaneceram reconhecidos e arbitrariamente divulgados de

modo pejorativo pelo senso comum como um “conhecimento” estagnado no passado

79

e, como tal, desassociado do contexto histórico dos atores sociais, reconhecidos

pejorativamente como “folclóricos”, emudecidos no processo dialógico entre as

outras formas reconhecidas de cultura. As manifestações populares tradicionais

passaram a serem abordadas e entendidas a partir de sua fragmentação “folclórica”

e não na sua dimensão de totalidade no universo da cultura humana.

No âmbito das políticas públicas, foram dados passos largos em direção às

propostas e projetos que possibilitam a transformação do conhecimento como forma

de emancipação, o que implica compreender o papel dos professores como grupo

produtor e legitimador desses saberes, no cotidiano escolar. Ou seja, colocar os

professores como atores do processo e não apenas como transmissores de

conhecimentos já constituídos e arbitrariamente impostos e reproduzidos de forma

fragmentada.

80

5. AJUSTANDO O FOCO TEÓRICO

- “Lembro da primeira aula de dança, foi um caos. Foi muito engraçado, porque nesse dia dissemos: vamos dar aula de dança, e entramos para sala de dança e aí todos os alunos estatelaram os olhos e se encostaram à parede e ficaram agarrados como lagartixas. Aí a gente viu que não ia ser fácil. Era complicado, ainda mais pra quem não tinha vivência e só com a experienciazinha que a gente teve durante a faculdade, não era o bastante. Nem os professores que chegaram depois, em 1990. Nem eles tinham experiência com dança não. Foi um desafio pra nós”. (Prof. Sérgio)

5.1 Das diferenças às semelhanças: um olhar sobre as trajetórias dos

professores à luz das concepções de Pierre Bourdieu

“Os sujeitos não sabem, propriamente falando, o que fazem, que o que eles fazem tem mais sentido do que eles sabem”.

Pierre Bourdieu, 1983, p.73.

Ao entender que a trama complexa de práticas, valores e saberes dos

professores, elaborada cotidianamente na escola, está relacionada aos múltiplos

fatores intrínsecos presentes na trajetória social dos mesmos e com o objetivo de

identificar os saberes docentes relacionados às suas trajetórias profissionais na

Educação Física, optou-se por tornar as contribuições de Pierre Bourdieu,

relacionadas à relação entre as trajetórias dos sujeitos históricos e a história social.

Para Bourdieu (1998), o sujeito histórico se constitui a partir de um conjunto

de experiências relativas às marcas da sua trajetória familiar, da escolarização a que

foram submetidos e de suas relações sociais. O autor considera que toda trajetória

social deve ser compreendida como uma maneira singular de percorrer o espaço

social, onde se exprimem as disposições do habitus se reconstitui a série de

posições sucessivas ocupadas por um mesmo agente28 ou por um mesmo grupo de

agentes em espaços sucessivos. Para ele, as mudanças sucessivas pelas quais o

sujeito passa durante seu movimento na sociedade, e que acabam por sedimentar

um habitus relacionado à sua história, quando unidos a outros grupos sociais,

definem trajetórias comuns.

28 Para Bourdieu, o agente social é agido (do interior) tanto quanto age (para o exterior) (BOURDIEU, apud BONNEWITZ, 2003, p. 83). Bourdieu considera que os agentes não calculam racionalmente o tempo todo, mas sofrem pressões dos diferentes tipos de capitais e agentes. Cada elemento do campo é um agente, assim os agentes de um determinado campo partilham um conjunto de interesses e capital comuns.

81

Essa sedimentação ou incorporação, de acordo com o sociólogo, se dá sob

a forma de habitus, categoria que é definida como “um sistema de disposições

duráveis e transponíveis que, integrando todas as experiências às experiências

passadas, funciona a cada momento como uma matriz de percepções, apreciações

e de ações”(BOURDIEU,1983, p.61). Corresponde a uma matriz determinada pela

posição social do sujeito, que lhe permite pensar, ver e agir nas mais variadas

situações.

O habitus traduz, dessa forma, estilos de vida, julgamentos políticos, morais

e estéticos, tornando-se um meio de ação que permite criar ou desenvolver

estratégias individuais ou coletivas. O autor reconhece que o habitus, "sistema de

disposições duráveis", ou práticas produzidas por ele, não pode ser explicado como

algo adquirido mecanicamente, como uma soma de estímulos; só pode ser

explicado dialeticamente, ou seja, “o colocar em relação à estrutura objetiva que

define as condições de produção do habitus (que engendrou essas práticas) com as

condições do exercício desses habitus (...)” (BOURDIEU,1983, p. 65).

O habitus adquirido na família está no princípio da estruturação das experiências escolares (e em particular, da recepção e da assimilação da mensagem propriamente pedagógica). O habitus é transformado pela ação escolar, ela mesma diversificada, estando por sua vez no princípio da estruturação de todas as experiências ulteriores (por exemplo, da recepção e da assimilação das mensagens produzidas e difundidas pela indústria cultural ou das experiências profissionais) e assim por diante, de reestruturação em reestruturação (BOURDIEU, 1983, p. 80).

Setton (2002, p.65), ao interpretar a teoria de Bourdieu em nossa

contemporaneidade, destaca que o sociólogo busca “romper com as interpretações

deterministas e unidimensionais da prática, recuperando a noção ativa dos sujeitos

como produtos da história de todo campo social e de experiências acumuladas ao

curso de uma trajetória individual”. Nesse sentido, este trabalho concorda com a

autora, ao colocar que esse “estoque de disposições incorporadas” não é apenas

resultado da sedimentação de uma vivência nas instituições. Segundo ela, deve ser

entendido como:

(...) um sistema em construção, em constante mutação e, portanto, adaptável aos estímulos do mundo moderno: um habitus como trajetória, mediação do passado e do presente; habitus como história sendo feita; habitus como expressão de uma identidade social em construção (SETTON, 2002, p. 67).

82

Os habitus, para Bourdieu (1983, p.75), tendem, ao mesmo tempo, a

reproduzir e atualizar as estruturas e as disposições estruturadas, permitindo

ajustamentos e inovações às exigências colocadas pelas situações concretas. Para

ele, esse sistema de disposições tem dois princípios: o princípio da continuidade, ou

seja, das disposições passadas que sobrevivem e que tendem a se perpetuar no

futuro, atualizando-se nas práticas estruturadas e o princípio das transformações e

das revoluções regradas, ou seja, é “na relação dialética entre as disposições e o

acontecimento que se constitui a conjuntura capaz de transformar em ação coletiva

as práticas objetivamente coordenadas” (1983, p.76). Segundo o sociólogo:

Essa disposição durável completa o duplo processo de interiorização de estruturas exteriores, ao passo que as práticas dos agentes exteriorizam os sistemas de disposições incorporadas. Enquanto produto da história o habitus produz práticas individuais e coletivas, produz história, portanto, em conformidade com os esquemas engendrados pela história” (BOURDIEU, 1983, p.76).

Os diferentes habitus primários (desenvolvidos no ambiente doméstico) e os

secundários (desenvolvidos, sobretudo, na escola), inculcados diferenciadamente

pelos múltipos sujeitos históricos, na ótica de Bourdieu (2005a, p.22), “são princípios

geradores de práticas distintas e distintivas”, pelo fato dos agentes, ao fazerem parte

de determinados espaços sociais, serem dotados de diferentes categorias de

percepção, de esquemas classificatórios, de um gosto, permitindo-lhes estabelecer

diferentemente as suas estratégias (escolarização, demais investimentos culturais,

emprego etc.). De acordo com o autor, “o mesmo comportamento ou o mesmo bem

pode parecer distinto para um, pretensioso ou ostentatório para o outro e vulgar para

um terceiro” (2005a, p. 22).

Bourdieu enfatiza o papel da família no processo de socialização dos

agentes, não só por determinar a construção dos habitus primários, mas também

pelo investimento ou não na conquista dos capitais. Partindo, assim, do pressuposto

de que a dimensão dos saberes docentes se relaciona também às outras esferas da

vida social e não somente a escolar, entende-se, a partir de Bourdieu (1998 p.67),

que cada indivíduo passa a ser caracterizado por uma bagagem objetiva e

socialmente determinada: o capital econômico, o capital social e o capital cultural.

Esses capitais interferem e influenciam na incorporação dos habitus e nos

83

desdobramentos sobre a prática e os saberes docentes. O capital social é definido

como

(...) o conjunto de recursos ou potenciais que estão ligados à posse de uma rede durável de relações mais ou menos institucionalizadas de interconhecimento ou, em outros termos, à vinculação a um grupo, como conjunto de agentes que são dotados de propriedades comuns (passíveis de serem percebidas pelo observador, pelos outros ou por eles mesmos), mas também são unidos por ligações permanentes e úteis (BOURDIEU, 1998, p. 67).

Na teoria bourdieusiana, o volume do capital social que um agente possui

individualmente depende da extensão da rede de relações que ele pode

efetivamente mobilizar e do volume desse mesmo capital de cada um daqueles a

quem está ligado.

O capital econômico é constituído pelos bens e serviços a que ele dá

acesso, ou seja, para possuir os bens culturais em sua materialidade é necessário

ter simplesmente o capital econômico, fato que se evidencia, por exemplo, na

compra de um livro ou de uma obra de arte.

Já o capital cultural, para ele, pode ser caracterizado pelos diplomas, nível

de conhecimento geral, boas maneiras, etc., e é utilizado para se distinguir do capital

econômico e do capital social. Para o sociólogo (1983, p.76), “a dimensão cultural é

primordial para as transformações sociais”. Em sua concepção, o capital cultural

pode existir sob três formas: no estado incorporado, no estado objetivado e no

estado institucionalizado.

A bagagem transmitida pela família está associada ao capital cultural de

forma “incorporada”, ou seja, tatuada nos corpos dos sujeitos, através da

interiorização de disposições duradouras. A acumulação desse capital cultural

pressupõe um trabalho de interiorização e de assimilação, o qual custa tempo e

deve ser realizado pessoalmente pelo agente. Assim, o capital cultural é a herança

cultural transmitida pelo meio familiar, porém não pode ser transmitido

instantaneamente como herança ou doação. Para Bourdieu, “é na própria lógica da

transmissão do capital cultural que reside o princípio mais poderoso da eficácia

ideológica dessa espécie de capital” (1998, p.76). Do ponto de vista do sociólogo,

esse capital constitui o elemento da bagagem familiar que teria maior impacto na

definição do destino escolar.

84

Já no estado objetivado, o capital cultural pode existir sob a forma de bens

culturais transmissíveis: pinturas, livros, etc., adquiridos através do capital

econômico. Entretanto, para se apropriar simbolicamente dele e utilizá-lo de acordo

com a sua destinação específica, o sujeito precisa dispor, pessoalmente, de capital

incorporado. Segundo o autor, o capital objetivado só existe e subsiste,

(...) como capital ativo e atuante, de forma material e simbólica, na condição de ser apropriado pelos agentes e utilizado como arma e objeto das lutas que se travam nos campos da produção cultural e, para além deles, no campo das classes sociais (BOURDIEU, 1998, p. 78).

E, finalmente, no estado institucionalizado, o capital cultural materializa-se

através dos diplomas, formado basicamente por títulos escolares. Nessa categoria

estão as informações sobre o mundo escolar, ou seja, tudo que está incorporado ao

currículo escolar. Esse capital cultural, instrumento básico da escola, é o patrimônio

cultural passado de geração a geração, por meio da inserção do sujeito no ambiente

escolar. Porém, a incorporação do capital cultural institucionalizado não ocorre

naturalmente, no momento em que se inscreve ou se freqüenta as aulas; ele

depende da decodificação dos bens arbitrariamente selecionados, a partir de

algumas disposições e aptidões necessárias à apreensão desses códigos; ou seja,

dos habitus necessários para interpretar esse código diferenciado e distintivo da

classe dominante. Sob a ótica de Bourdieu (1998, p.77), é também uma forma de

capital que, semelhante àquele econômico, estabelece diferença no mercado, já que

a incorporação de distintas práticas e saberes é considerada de maior hierarquia

que a incorporação de outras. Assim, a legitimação do capital cultural

institucionalizado se dá pela classificação dada aos capitais culturais selecionados

pela escola.

Na perspectiva do sociólogo (2005a, p.50), torna-se ainda necessária a

construção da trajetória dos grupos nos diversos campos, levando em consideração

“a localização do campo no arcabouço do poder; pela teia sincrônica de um

determinado momento histórico e pelas marcas distintivas das trajetórias dos grupos

sociais e dos agentes”. Aplicando a teoria de Bourdieu considera-se aqui a

interseção da trajetória dos professores de Educação Física com a história do

campo da Educação Física nas diferentes épocas de sua inserção e transformação

no contexto educacional e escolar. O conceito de campo é utilizado para se referir a

85

certos espaços sociais, nos quais determinado tipo de bem é produzido, consumido

e classificado. Para Bourdieu, o espaço social global é entendido como um campo

de força e de lutas:

(...) ao mesmo tempo, como um campo de forças, cuja necessidade se impõe aos agentes que nele se encontram envolvido, e como um campo de lutas, no interior do qual os agentes se enfrentam, com meios e fins diferenciados, conforme sua posição na estrutura do campo de forças, contribuindo assim para a conservação ou a transformação de sua estrutura (BOURDIEU, 2005a, p. 50).

Segundo Nogueira e Nogueira (2006, p.36), “no interior dos campos de

realidade social, os indivíduos envolvidos passam, então, a lutar pelo controle da

produção e, sobretudo, pelo direito de legitimamente classificarem e hierarquizarem

os bens produzidos”, produzindo estratégias diferentes de acordo com a posição

ocupada por ele no campo social. Vale ressaltar que, para Bourdieu, se o campo

está em permanente mudança, a trajetória social torna-se, portanto, o movimento

dentro de um campo de possíveis.

Na teoria bourdieusiana (2005a), um grupo, mobilizado para e pela defesa

de seus interesses, tem tanto mais oportunidade de existir e subsistir quanto mais os

agentes sociais estiverem inclinados a se reconhecerem mutuamente e a se

identificarem em um mesmo projeto, portanto próximos no espaço social, alicerçados

no trabalho coletivo em construção. Sob esse olhar, o sociólogo chama a atenção

para a diversidade dos espaços sociais, no que se refere às possibilidades e aos

limites de tais espaços. Para o autor, todos os campos possuem características

próprias, com dinâmicas, regras e capitais específicos e apresentam um pólo

dominante e outro dominado, um espaço de conflitos e consensos definidos de

acordo com os valores internos. Bourdieu exemplifica, destacando o Estado como

um espaço social que tem a capacidade de regular o funcionamento dos diferentes

campos, (no nosso caso, da Educação e da Educação Física), seja por meio de

intervenções financeiras (campo econômico), pedagógicas (campo cultural) ou até

mesmo jurídicas (concursos públicos).

Sob a perspectiva dos professores atuarem no campo da Educação Física,

pressupõem-se uma diferenciação nas trajetórias sociais dos professores da escola

pública em relação aos professores atuantes na escola privada. Na teoria relacional

de Bourdieu, a trajetória descreve a série de posições sucessivamente ocupadas por

86

um mesmo agente em relação aos estados sucessivos num estado determinado do

campo, ou seja, um estado de possíveis, como designa o autor. Segundo ele,

(...) não podemos compreender uma trajetória, a menos que tenhamos previamente construído os estados sucessivos do campo no qual ela se desenrolou; logo, o conjunto de relações objetivas que vincularam o agente considerado ao conjunto dos outros agentes no mesmo campo e que se defrontam no mesmo espaço de possíveis. (BOURDIEU, 2005a, p. 82).

Compreender que o campo é marcado por uma lógica particular constituído

de hierarquias e disputas, nos permite entender a formação e incorporação dos

saberes docentes pelos professores de Educação Física. Assim, ao ocuparem

posições distintas nesse espaço social, contribuem com as ferramentas teóricas e

práticas que possuem e que adquiriram ao longo de sua trajetória social e

profissional, vinculadas à história do campo da Educação Física escolar.

A partir dessas considerações sobre a teoria de Bourdieu, a socialização

familiar, escolar e profissional passa a ter um peso na formação dos saberes

docentes sobre e para a dança na escola pública e privada, entendidas como

realidades distintas no campo da Educação Física.

5.2 Os saberes docentes - A inspiração para a nossa coreografia

“{...} a mudança foi bem radical, em termos da própria estrutura do colégio. As aulas antes eram feitas num clube e depois passaram para o colégio. Então o barulho da EF começou a retumbar nas salas do colégio. {...} E aí eles exigiram aulas teóricas, por causa do barulho. {...} Aí, vieram novos professores. As aulas passaram a ser mistas, com aulas teóricas. A motivação por parte os alunos foi menor, porque eles preferiram as aulas práticas.{...} Com a aquisição de novos professores foi juntando cada um com uma mentalidade, cada um com um projeto, aí foi modificando.” (Prof.ª Alva)

Para trilhar as releituras sobre os saberes docentes dos professores de

Educação Física e a inserção da dança folclórica no contexto escolar, optou-se

tornar as contribuições de alguns autores que se debruçaram a pesquisar sobre a

formação dos saberes docentes.

O termo “saber docente” foi criado para dar conta da complexidade e

especificidade do saber construído no (e para o) exercício da atividade docente e da

87

profissão. Para Tardif et al (1991), a noção de saber tem um sentido mais amplo,

englobando os conhecimentos, as competências, as habilidades ou aptidões e as

atitudes dos docentes. Tardif (2005) identifica na prática cotidiana dos professores

uma pluralidade de saberes que são por eles denominados como: saberes

profissionais, saberes disciplinares, saberes curriculares e saberes experienciais.

Os saberes profissionais são o conjunto de saberes transmitidos pelas

instituições de formação de professores. Esses conhecimentos se transformam em

saberes destinados à formação científica ou erudita dos professores e são

incorporados à prática pedagógica, estabelecida através da formação inicial ou

contínua dos docentes.

Os saberes disciplinares são os saberes sociais, definidos e selecionados

pela instituição universitária e também incorporados através da formação inicial e

contínua dos professores pelas disciplinas oferecidas nas universidades. Esses

emergem da tradição cultural e dos grupos sociais produtores de saberes.

Os saberes curriculares, de acordo com Tardif (1991), integram os

programas definidos pelos órgãos do sistema de ensino, traduzidos em objetivos,

conteúdos e metodologias que devem orientar o ensino das disciplinas na escola.

Já os saberes experienciais são os saberes prático-específicos, adquiridos

ao longo da experiência no exercício da docência. É considerado também como um

saber tácito. Esses saberes são fundamentais, uma vez que contribuem para

configurar a subjetividade do professor.

Para Tardif et al, ao serem pelos professores incorporados, expressam o

conjunto de habilidades e práticas assimiladas ao longo de sua trajetória

profissional.

O saber da experiência é formado de todos os demais, porém retraduzido e submetido às certezas construídas na prática e no vivido. É a partir desse saber que os professores/as tentam transformar suas relações de exterioridade com os saberes, em relações de interioridade com sua própria prática (1991, p. 32).

Nessa perspectiva, esses autores entendem que o saber docente forma um

conjunto de representações, a partir das quais os professores interpretam,

compreendem e orientam a sua prática cotidiana e profissional.

88

Em 2000, Tardif, juntamente com Raymond (2000, p.215), introduzem uma

nova dimensão à abordagem dos saberes docentes, considerando o significado das

experiências pessoais e os saberes advindos da formação escolar pré-profissional,

ou seja, o professor faz uso de sua cultura pessoal, que se relaciona com sua

história de vida e suas experiências escolares como aluno. Para esses autores

(2000) a sua apropriação se dá ao longo da trajetória de formação profissional do

docente. Nesse sentido, há uma pluralidade dos saberes docentes que são

adquiridos e construídos numa dimensão temporal inscrita na história de vida e na

trajetória profissional do professor. Porém, ao relacionar aos saberes docentes,

Tardif deixa de relacionar os saberes docentes ao contexto sócio-histórico mais

amplo, nos quais os professores estão inseridos, deixando de se referir ao caráter

histórico do saber docente no cotidiano do professor.

Rockwell e Mercado (1988) vão além, ao considerar que os saberes

docentes estão sutilmente integrados à trama social da escola e que é difícil

distingui-los no fluxo cotidiano. Para elas, o caráter histórico é fundamental na

compreensão dos saberes docentes, significando os saberes adquiridos na

resolução cotidiana do trabalho docente e na necessária e continua reflexão

integrada à prática cotidiana do professor. Assim, essa acumulação histórica,

expressada no presente, constitui outra dimensão que permite compreender a

prática docente e os seus saberes. Ambas as autoras se baseiam nas contribuições

de Heller (1977) sobre a natureza e as características do saber cotidiano, a qual

centraliza no sujeito histórico a apropriação heterogênea dos saberes sociais que

estão contidos na vida diária. A vida cotidiana, para essa autora, é concebida como

“um momento do movimento social” (1977, p. 21). Nesse contexto, o saber cotidiano,

para a autora, pode ser entendido como “a soma de nossos conhecimentos sobre a

realidade que utilizamos de modo efetivo na vida cotidiana de modo mais

heterogêneo”(HELLER,1977,p.317,tradução nossa)29. É no cotidiano que o professor

se apropria dos usos sociais próprios dos sistemas e das instituições.

Sob esse prisma, Rockwell e Mercado (1988) caracterizam os saberes

docentes como dialógicos, históricos e socialmente construídos. Dialógicos, no

sentido dos professores se apropriarem dos saberes necessários para o ensino

durante seu trabalho em sala de aula, em interação com os alunos, com os materiais

29 La suma de nuestros conocimientos sobre la realidad que disponem de modo efectivo en la vida cotidiana del modo más heterogéneo.

89

pedagógicos, com seus colegas, pais de alunos, e com todos os meios de

comunicação acessíveis relacionados ao ensino. Essa apropriação se origina a partir

da reflexibilidade que o ensino impõe aos professores no cotidiano escolar. São

Históricos, pelo fato de que, ao esclarecer a heterogeneidade que encontramos na

prática docente, o trabalho do professor se situa em determinada escola, que o

condiciona e exige dele práticas diferentes, segundo a trajetória histórica dessa

mesma escola. Nesse sentido a biografia dos professores e sua apropriação de

saberes ao longo de sua experiência docente contribuem para formar as

características próprias de cada escola. Para essas autoras, a relação entre

construção histórica e biografia mostra outro eixo entre a prática docente e o

contexto institucional, ou seja, “toda prática docente reflete um processo complexo

de apropriação e construção que se dá no cruzamento entre a biografia individual e

a história das práticas sociais e educativas (1988, p.72, tradução nossa)”.30

Na perspectiva de que os professores incorporam experiências e saberes

de origem histórica diversas, expressando uma acumulação histórica, matizada

pelas características particulares dos sujeitos e das escolas que demarcam a prática

docente cotidiana, Rockwell e Mercado acrescentam que, “dado este processo de

construção ativa do saber que requer a docência, se pode supor que a prática

docente não é a reprodução passiva da formação profissional ou das normas oficiais

(1988, p. 71, tradução nossa).31

As autoras salientam que os saberes e suas práticas são pluriculturais, na

medida em que o processo de apropriação de um conhecimento particular dos

professores gera novos saberes que, por sua vez, integram ou rejeitam propostas

pedagógicas provenientes de diferentes épocas e âmbitos sociais. Esta

heterogeneidade, resultado entre outras coisas, da progressiva apropriação e

utilização de práticas ao longo da vida de cada professor, ocorre em determinados

contextos culturais e sociais, que estão também em constante processo de

transformação. Assim, o conhecimento que o professor possui em relação ao seu

trabalho se constrói cotidianamente em cada escola, significando que os saberes

são compartilhados não só no presente, mas também a partir de diferentes práticas

30 Toda práctica docente refleja un proceso complejo de apropiacción y construccíon que se da en el cruce entre la biografía individual y la historia de las prácticas sociales y educativas. 31 Dado este proceso de una construcción activa del saber que requiere el trabajo, se puede suponer que la práctica docente no es reproducción pasiva de la formacíon profesional o de las normas oficiales.

90

provenientes de outros espaços sociais e momentos históricos que se atualizam na

prática individual de cada professor.

Tomando como referência as autoras citadas, Caldeira (2000, p. 89) reforça

e esclarece que o saber docente cotidiano deve ser tomado como “um processo

inacabado, em constante movimento de reconversão”. Nessa direção, Caldeira

enumera quatro princípios norteadores da formação docente. Um deles é o princípio

da intencionalidade do trabalho docente, que entende que toda ação humana é

política, portanto, comprometida com a construção de um determinado projeto de

homem e sociedade. O outro princípio é a articulação teoria e prática, que supõe um

processo de mão dupla, propiciando a reflexão sobre a prática cotidiana docente e

favorecendo a sua intervenção e transformação, num processo dinâmico em

construção. O princípio do trabalho coletivo na escola é estimulado pelas reformas

atuais que tendem a propiciar a autonomia das escolas, mediante a construção

coletiva do projeto educativo, o que vem a contribuir para a diversidade desses

saberes docentes. E, por último, o princípio do reconhecimento do caráter subjetivo

e social do trabalho docente, ou seja, o reconhecimento da relação recíproca entre o

sujeito e o meio social, no campo profissional.

Para Caldeira (2000, p. 94), a constituição da subjetividade está situada em

um espaço social e em um tempo determinado, o que implica considerá-la resultante

da influência dos processos culturais, econômicos, sociais e políticos. Segundo a

autora, esses princípios não se colocam hierarquicamente uns sobre outros ou em

ordem sucessiva, e sim, intercedem-se a todo o momento, uns aos outros, durante a

formação e a prática pedagógica do professor. Nesse contexto, Caldeira reafirma

que “considerar a formação dos saberes docentes dessa forma significa também o

reconhecimento de que os próprios indivíduos contribuem para a formação dos

contextos” (2000, p.94).

Assim, a partir dessas considerações teóricas, é possível traçar os

“movimentos coreográficos” sob os holofotes guiados por Bourdieu, Rockwell,

Mercado e Caldeira, na medida em que, ao direcionar o nosso olhar para as

trajetórias dos professores, concatenadas às mudanças significativas em seu grupo

social, possibilita captar os sentidos, significados e saberes docentes relacionados à

dança folclórica e à sua inserção no contexto escolar.

91

6. UMA COREOGRAFIA NO RITMO DE DISCURSOS POLIFÔNICO S:

O QUE REVELOU A PESQUISA

Neste capítulo, apresenta-se a trajetória de vida dos professores

entrevistados, com ênfase na suas vivências com a dança no meio familiar, escolar

e profissional. As respostas dos professores possibilitaram analisar a inserção da

dança através das aulas de Educação Física32, no contexto escolar das duas

escolas pesquisadas, identificando os sentidos e significados dados a dança por

esses professores.

Os dados coletados foram organizados em sete eixos que abordam a

experiência com a docência e com a dança no contexto familiar até as percepções

sobre a dança na escola, em especial, a dança folclórica.

6.1- Atividades físicas e dança, na infância e na juventude: as influências do

contexto familiar.

6.2- Educação Física, dança e relação com professores na trajetória escolar: do

Ensino Fundamental ao Ensino Médio.

6.3- A formação específica para a docência da Educação Física: o Curso

Superior.

6.4- Docência e Educação Física na trajetória profissional.

6.5- A Dança no contexto da Educação Física: experiências dos professores

6.5.1 - A Dança na Escola Rosa: do isolamento ao senso comum.

6.5.2 - A Dança na Escola Azul: da reprodução à criação.

6.5.3 - Os saberes necessários à prática pedagógica da dança na escola,

segundo os professores.

6.6 - Políticas públicas para a dança na Educação Física: o que dizem os

professores.

6.7 - Sentidos, significados e saberes docentes: a visão dos professores sobre a

dança folclórica e a sua inserção na escola.

32 Com o objetivo de simplificar a escrita do termo Educação Física referenciada várias vezes nos discursos dos atores, optou-se por utilizar a sigla EF.

92

6.1- Atividades físicas e dança, na infância e na j uventude: as influências

do contexto familiar

De acordo com Bourdieu (1974), as experiências primárias deixam marcas

nas experiências ulteriores da vida. Nesse sentido, quando se acredita reconhecer

uma ação como “natural”, na verdade refere à aprendizagem por familiarização.

Assim, a importância da origem social e dos habitus primários, desenvolvidos no

seio da família, onde o indivíduo tem sua primeira e profunda impressão social,

(Bourdieu,1996), me levou a analisar as vivências, e impressões dos professores

entrevistados com a docência, a Educação Física e a dança na sua trajetória social

familiar.

A presença de professores na família

A presença de professores na família foi indicada por 50% dos atores, que

disseram ter parentes que possivelmente influenciaram em sua escolha profissional.

Observa-se que os professores existentes nas famílias dos atores eram

predominantemente do sexo feminino, fato que se justifica, historicamente, pelas

representações relativas ao gênero feminino, contribuindo ao longo da história, em

nossa sociedade. Segundo Louro (1999, p. 24), a categoria gênero é “constituinte da

identidade dos sujeitos” e não correspondendo a simples exigência de papéis

masculinos e femininos. Para ela:

Os papéis dizem respeito aos padrões ou regras estabelecidas por uma sociedade para seus membros, definindo comportamentos, roupas, maneiras de se portar, etc., e que cada um deveria saber o que é considerado adequado ou não para um homem ou uma mulher na sociedade em que está inserido, procurando atender a essas expectativas. Então, o gênero não se apresenta como um simples cumprimento de papéis, mas como algo que constitui o próprio sujeito dentro das diversas relações - de gênero, de classe, étnicas etc. - que estão presentes na sociedade. ( 1999, p.24)

A nobre missão pública de ensinar, segundo Chamon (2005), era destinada

exclusivamente ao sexo feminino, como uma nova extensão de sua função maternal,

sendo um dos motivos que justificou a implantação da escola Normal. Nesse

contexto, a questão da feminização do magistério primário, através das escolas

93

Normais, de acordo com o autor, tinha como principal objetivo preparar profissionais

para atuarem na rede de escolas primárias públicas em expansão. Assim a

presença maciça de mulheres nas escolas primárias, era um fato relacionado às

mudanças na cultura escolar, dentre outros.

“Minha mãe foi professora de 1ª a 4ª Série. Ela morava na fazenda, e ela era professora rural. Deu aulas só o tempo que ela morava com o meu avô. Meu pai era muito rígido e aí, quando casou, ela ficou só por conta dos filhos. As minhas três irmãs foram professoras. Eu sou a mais velha. A minha mãe colocava a gente pra estudar direto, todos os dias!” (Prof.ª Lúcia). “A minha mãe é professora de Educação Infantil e a minha tia é professora do primário, alfabetizadora. A minha irmã trabalha com EF” (Prof.ª Ana). “A minha mãe é professora (...) só que de matemática. A profissão professor é muito comum na família. Tenho duas irmãs que, mesmo sendo uma arquiteta e a outra fonoaudióloga, dão aulas na faculdade” (Prof.ª Luíza). “A minha mãe é professora de ensino primário da rede estadual (...) Eu nunca a vi dando aula” (Prof. João). “Eu tenho uma cunhada que é professora de EF. Ela foi a minha professora no Ensino Fundamental. Depois fui eu, a minha irmã, depois vieram as primas de terceiro grau” (Prof.ª Teca). “A minha mãe fez Normal e depois um curso técnico – CEDEF-, que capacitava profissionais a nível técnico, para trabalhar com EF. Antigamente não era exigido o curso superior para dar aulas, e ela me deu aula de EF (...) E tenho a minha tia, que também é professora de EF, foi minha professora no Ensino Médio. Os meus dois irmãos são também professores de EF” (Prof.ª Rita).

O professor Luís foi o único professor a relatar que foi o primeiro na família a

ser professor. Destaca-se na sua biografia que a sua família (avós paternos)

migraram da Itália para o Brasil no início do século XX, portanto a sua relação, com

outros parentes foi dificultada pela distância geográfica, como relata a seguir:

“Todos nós somos formados. Formado para professor fui só eu. Os outros irmãos são: agrimensor, psicóloga, enfermeiro, secretária, advogado” (Prof. Luís).

Dois professores, ambos de cidades do interior do estado de Minas Gerais,

afirmaram não terem recebido nenhum apoio familiar quando optaram pela carreira

da docência, pois suas famílias viam a profissão docente como inferior às outras,

mais especificamente, a Medicina e a Engenharia.

94

Para Nóvoa (1992), um dos principais aspectos que contribuíram para a

desvalorização social da profissão é a feminização do magistério, em especial do

magistério primário (as séries iniciais), pois, segundo o autor, o magistério exige

características tais como: docilidade, falta de competitividade e obediência. Assim,

para a família desses professores, a docência não oferecia nenhuma condição para

a melhoria da qualidade de vida familiar, principalmente quando comparada às

outras profissões legitimadas pela sociedade como hierarquicamente de maior

status social, no caso a Medicina e a Engenharia. De acordo com Bourdieu (1998),

esses valores sociais representativos das profissões estão agregados aos modos de

vida, crenças, valores, etc., sendo classificados, hierarquizados e legitimados pelos

grupos dominantes e repassados arbitrariamente de geração a geração. Assim, as

escolhas tanto dos filhos como dos pais têm como referência informações de

pessoas que possuem certa familiaridade com determinadas profissões.

“Quando o meu pai soube que eu queria fazer EF ele só faltou me "matar”. Quando eu vim para BH, eu vim brigada com ele. Eu me lembro que a única que me deu apoio foi uma irmã. O meu pai não queria que eu fosse professora, pois já tinham três professoras em casa. Ele não queria mais professora na família. Por quê? Porque ele não queria mais alguém dependente dele. E eu seria mais uma professora com um salário baixo. Mas eu bati o pé. Mesmo assim, vindo contra a vontade dele, eu cedi um pouquinho, pois tentei vestibular para Farmácia. Não passei. Aí, tentei EF aqui em Belo Horizonte e passei. Foi uma coisa até contraditória: foi ele que me introduziu nesse gosto pelo esporte! Pagou as aulas de esporte, mas fez um escarcéu quando optei por ser professora de EF!” (Prof.ª Teca). “Meus irmãos todos ou eram médicos ou engenheiros(...) Eu tinha 17 anos (...) Passei no vestibular pra EF(...) A situação financeira que a gente vivia na infância era muito difícil(...) O meu pai pagava o meu transporte e a minha alimentação Como eu tinha bolsa no COLTEC, ela se estendeu para o Curso na UFMG(...) Mas me lembro quando o meu pai falou: ‘- Como você não escolheu fazer Medicina, nem isso eu não vou pagar mais’. Aí,, a minha tia me ajudou, mas depois do segundo período eu consegui monitoria e aí, me virei” (Prof. João).

O habitus esportivo

Os professores entrevistados se apropriaram de um habitus específico da

prática esportiva, ao acompanharem de perto as atividades profissionais dos pais

e/ou irmãos na área do esporte. Além disso, todos disseram praticar com

regularidade alguma atividade esportiva, tornando-se um dos principais meios de

lazer e socialização dos nossos atores.

“Eu sempre, desde moleque, fui apaixonado pelo esporte. Com seis anos, eu aprendi a nadar. Tinha um clube perto da minha casa, o que favorecia

95

eu praticar esporte, tanto futebol de campo como de salão. Brincar na rua e brincar dentro do clube(...) Todos os nossos amigos freqüentavam o clube. E era também a única opção que a gente tinha. Era inclusive um clube de classe social baixa” (Prof. Cecel). “O meu pai me levava para vê-lo coordenar um time de futebol, no trabalho dele. Então, eu viajava muito com meu pai, acompanhando o trabalho dele, assistindo-o coordenar esses jogos de futebol” (Prof. Élcio). “Eu nasci numa família de atletas. Meu pai foi jogador do América, goleiro em 1928. Seleção mineira. E depois disso, ele fundou um clube, onde os meus irmãos jogavam futebol. Praticamente eu cresci vendo o meu pai jogar futebol. Em uma família de dez pessoas, eu era a penúltima. E essa foi a primeira influência(...) Meu pai criou o dente de leite do América e eu participei do voleibol do América. Um dos meus irmãos se tornou profissional do esporte, na seleção brasileira de futebol(...) Ele foi jogador do fluminense, depois como técnico e chegou à seleção, como técnico” (Prof.ª Alva). “Eu jogava voleibol no colégio e aí, fui convidada pra jogar na praça. Não era pago. Era para todo mundo. Tinha um time e eu jogava desde nova. Joguei até os 20 anos. Ia jogar contra as cidades vizinhas. Eu acho que eu jogava vôlei porque tinha muita gente que fazia. Se tivesse basquete, eu fazia. Se tivesse mulher jogando, eu teria jogado basquete ou futebol(...) Eu me lembro de que, às vezes, a minha mãe me dava castigo e eu dizia: ‘- Me bate, me bate!’ Só para não ter o castigo de ficar sem jogar voleibol” (Prof.ª Lúcia). “Comecei a nadar com seis meses, na “Quatro nados”. Depois fui para um Clube, com três anos. Com seis anos fui convidada a passar para a equipe precoce! Aprendi a nadar o borboleta de olhar os outros nadando. O técnico me acompanhou até os 14 anos de idade” (Prof.ª Luísa).

A família que canta, toca e dança junto

Nos depoimentos das professoras entrevistadas, percebe-se um maior

envolvimento, ao falarem sobre o tema. Todas se referiram à presença de músicas e

de danças nos encontros familiares, durante sua infância ou juventude. De acordo

com Bonnewitz (2003, p.82), as disposições são atitudes, inclinações para perceber,

sentir, fazer e pensar, interiorizadas pelos indivíduos em razões de condições

objetivas de existência, e que funcionam então como princípios inconscientes que

orientam a ação, percepção e reflexão. Sob essa perspectiva, a dança esteve

sempre presente na vida familiar das professoras, o que despertou nelas uma

disposição e interesse por essa atividade, quando se referem à vivência com a

dança:

“Eu sempre gostei. A influência na casa era muito grande. Papai sempre foi motivador. Ele era músico. Meus pais eram muito alegres. Gostavam de festas, de dança, de música (...) Meus irmãos eram todos músicos. Todos tocavam um instrumento. Então, a influencia da música e das festas estão muito presentes aqui na nossa casa” (Prof.ª Alva).

96

“Nossa Senhora! A minha família adora dançar. Principalmente música caipira, né? Nós somos da roça! Teve uma vez que juntamos só gente da minha família. Todo tipo de música. Forró, esse tipo de música sertaneja mesmo. Dançávamos separados” (Prof.ª Lúcia). “(...) O meu pai era um exímio dançarino de salão. Ele acostumou a dançar aquelas danças lá, só o trivial. Não era nada dessas danças atuais” (Prof.ª Sônia). “(...) A minha família é muito grande, somos onze irmãos. A minha mãe toca bandolim e sempre que tem festas, a gente dança muito. Sempre é muito bacana quando nos encontramos” (Prof.ª Teca). “Eu me lembro que, quando era adolescente, ajudava a minha mãe a montar as dancinhas para a Educação Infantil. Eu e minha irmã, às vezes íamos à escola ajudá-la. A gente assistia muitos filmes de dança. E os professores nos ajudavam, auxiliando até onde os alunos eram capazes de fazer determinados movimentos” (Prof.ª Ana). “Meu pai é muito tímido, mas sempre leva a minha mãe para dançar. Se a minha mãe começa a beber mais tarde, e o meu pai mais cedo, a gente sabe que a noite vai acabar em uma pista de dança. A família dança toda junta, quando a gente vai para um casamento, por exemplo. Eles dançam Bolero, essas coisas assim. Só em atividades festivas” (Prof.ª Luísa). “Nossa, a minha [família] é muito musical. Eu moro num bairro em que a música é muito presente. A minha família tem muitos artistas, não que despontaram no cenário artístico, mas minha bisavó tocava piano na Igreja, a minha irmã ensaiava corais de primos e levava para cantar. Na minha família tem ator, cantor, bailarino. Meu irmão toca teclado, violão, guitarra. Não tem dia que a gente passa sem música. E a dança, sou eu. Minha mãe, depois que eu entrei num grupo de danças folclóricas da UFMG, é freqüentadora assídua dos espetáculos” (Prof.ª Rita).

As “horas dançantes”: aprender a dançar, dançando

Os professores com idade acima de 50 anos disseram ter freqüentado

bailes ou “horas dançantes” em sua juventude. Nota-se que a dança de salão foi o

estilo mais praticado, inclusive por seus familiares: o Bolero, o Tango, o “Chá-chá-

chá”, a Rumba, o Samba, entre outras, todas danças em que a presença do par é

essencial para a sua prática. No entanto, nenhum dos atores disse que freqüentou

academias para aprender a dançar, e sim que “aprendiam dançando” ou observando

os mais velhos dançarem, o que reforça a constatação de que, nos “bailes

dançantes” as pessoas de faixas etárias diferentes freqüentavam juntos os mesmos

espaços sociais. Além disso, professores homens entrevistados relataram a

necessidade de “saber dançar” para não serem “rejeitados” pelo sexo oposto nos

eventos sociais, ou seja, a prática da dança, para eles, era um meio de aproximação

97

de seus pares. A dança não era o mais importante e sim a relação social favorecida

através dela.

Já no depoimento do professor Élcio, com idade entre 40 e 50 anos, há o

relato de uma nova vivência em relação à dança: as discotecas, bastante

freqüentadas, em sua maioria por jovens, a partir da década de 1980. Nota-se que o

domínio da técnica, a partir dessa época, se coloca como uma nova forma de se

expressar através da dança, ou seja, as danças praticadas na sua adolescência

“copiavam” os movimentos apresentados pela mídia cinematográfica norte-

americana. Pressupõe-se que as mudanças de estilos de danças nas festas

promovidas pelos jovens sejam decorrentes da influencia de outras culturas,

facilitadas pelos meios de comunicação em massa. Paralelo a isso, nota-se que as

academias de dança existentes em Belo Horizonte, criadas a partir da década de

1970, surgiram direcionadas unicamente ao ensino do Balé clássico e Jazz, todas

freqüentadas quase que exclusivamente por crianças e adolescentes do sexo

feminino. Dessa forma, a “aprendizagem” da dança não passava pela academia, e

sim pelos encontros sociais.

“A gente dançava tudo, bem ou mal. Aprendi sozinho. Aprendi praticando. A gente saia, e toda festinha que fazia tinha um baile né? Aí, todo mundo participava. A minha família era de seis homens e seis mulheres e todos nós dançamos Bolero, Samba, Tango. Nós procurávamos imitar, né? Na minha época, a gente era recusado, então tinha que saber dançar. Até arranjar um par constante pra noite toda. Era o jeito de arranjar namorada. E também, porque eu gostava” (Prof. Luis). “Tinham as famosas festas juninas no bairro e também na época a gente ia a muitos bailes, as famosas horas dançantes, que era no domingo à tarde. A dança fazia parte do contexto que era o ponto de encontro, era a nossa referência. Então você tinha por obrigação aprender a dançar. Aprendia a dançar na raça. Todos os meus irmãos tinham muito ritmo. Então a gente ganhava as meninas pela dança (...) Por que os bailes dançantes? Porque era o que tinha na época. E também a gente saia do bairro para aumentar o nosso circulo de amizade. Lá era hora dançante: com Roberto Carlos, Ray Connif e tudo mais; Rock, Bossa Nova, Tango nas festas de quinze anos. Ah! Tinha as festas juninas que até tinham as competições entre os bairros. Mas era muito tranqüilo. Antes, a gente não tinha dinheiro. E a gente reunia em uma casa para fazer as festas. Quinze, dezesseis anos. Ai, organizávamos as horas dançantes nas casas das meninas” (Prof. Cecel). “A minha experiência com dança na juventude foi nas “domingueiras”, que chamava. Nos bailes, aqui em BH, a gente participava de quadrilhas, festas juninas. A gente praticava por diversão e, se sobrasse tempo e espaço, a gente dava uma namoradinha. Ah! A gente dançava era Tango, Bolero, Samba-canção. Ligado à dança folclórica era mais a festa junina. A gente aprendia no rádio. Não tinha academia naquela época não. As meninas é

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que ensinavam para a gente. Eu me lembro de quando adolescente, as colegas levavam os meninos escondidos na garagem e ensinavam. Eu não tive esse privilégio que agora os meninos têm de ter aula de dança na Educação Física" (Prof. Sérgio). “Na minha casa, quando não tinha lugar para dançar, na época se chamava baile ou hora dançante. Quando não tinha lugar programado, a festa era aqui em casa. Meus pais nunca se opuseram a isso. Era festa constante. No bairro, éramos conhecidos pelas festas na nossa casa. Meus pais também dançavam. E muito! Tinha rumba, Bolero, Tango, Cha-cha-chá, Lambada ou alguma coisa parecida, sei lá. A gente aprendia a dança nas festas. Havia dois clubes de gafieira. “A gafieira” e “Aí, vem a Marinha”. Eram mais freqüentados por negros. Mas lá a dança era a coisa mais linda. A gente tinha a preferência de escolher o par que freqüentava lá. E dançavam muito bem. Não era bem a gafieira em si. Então, quando iam nessas festas, eles abafavam! Aprendi a dançar dançando” (Prof.ª Alva).

Dançar não é para todos No que se refere à presença da dança na família, os professores do sexo

masculino teceram comentários superficiais em relação à manifestação de seus

familiares sobre a dança. Para dois professores, com idade abaixo de 50 anos, é

dada uma ênfase sobre as críticas realizadas pelos familiares quanto às formas de

sua expressão relacionada à dança, estabelecendo uma relação entre “saber

dançar” (e poder fazê-lo) com o domínio da técnica. Nota-se que, em seus

depoimentos, associaram outros fatos à ausência da dança na família.

“Não tinha músicos, mas a minha família era festeira!” (Prof. Sérgio). “A minha mãe gostava de dançar, mas meu pai não. Os meus avós vieram fugidos da Itália, da Campanha da Abissínia. A minha mãe era uma mulata. O meu pai veio para cá com oito anos, ainda menino” (Prof.Luís). “Eu nunca vi meus pais dançarem. Era uma relação bem seca, a dele com a minha mãe, mas era muito carinhoso com os filhos” (Prof.Cecel). “Eu não dançava, era muito tímido. Ficava assistindo, apesar de morrer de vontade. Eu achava que, para dançar, tinha que se dançar dentro daquelas técnicas ali. Mas como eu não dominava, eu ficava envergonhado de dançar. Eu era muito tímido. Talvez fosse por isso que eu resolvi pensar em ensinar as pessoas, pra perder essa vergonha. A gente era muito influenciada pelos filmes da época(...) O que eu me lembro é das minhas irmãs mais velhas do que eu. Elas gostavam muito, na época da adolescência, de comemorar os aniversários delas. E as festas eram no bairro, lá em casa (...) E rolava solto as danças lá. Eu me lembro de fazer um globo com espelhos para colocar na garagem lá de casa. E eu gostava de ficar lá. Apesar da timidez, eu gostava de ficar vendo os meninos e as meninas dançarem. Isso foi bem marcante (...) Depois dos doze anos, as minhas irmãs comemoravam, regularmente, todos os anos. E era festa de arromba” (Prof. Élcio).

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“Não lembro de nada, na minha cidade também não. Tinha as festas juninas. Mas eu era muito tímido, eu não dançava e era travado (...) Meu pai até falava que, se a família precisasse de algum artista ou jogador de futebol para comer, a família passaria fome. Tinha aquelas festinhas da família, mas eu era motivo de gozação, então, eu não dançava” (Prof. João).

Duas professoras, uma com idade acima de 50 anos e a outra com menos

de 30, disseram que percebiam a prática da dança como inata, ou seja, como

natural na vida humana e não como algo culturalmente aprendido e vivenciado.

Entretanto, seus depoimentos revelam a presença da dança em seu contexto

familiar e social, o que é explicado por Nogueira e Nogueira (2006), quando afirmam

que “a socialização primária deixa marcas nas experiências ulteriores da vida.

Assim, quando acredita-se reconhecer por “natural”, na verdade referi-se à

aprendizagem por familiarização” (p. 90).

“A gente aprendia fazendo. Natural da vida. Todo mundo dançava! Todo mundo não parava. Homens e mulheres, todo mundo dançava” (Prof.ª Lúcia). “Eu acho que sempre foi um pouco natural. Todas as festas, comemorações têm um pouco de música e dança. Acho que a dança é uma coisa do ser humano” (Prof.ª Luíza).

Aprender a dançar na academia

Duas professoras disseram ter freqüentado academias de dança ainda na

infância e durante a juventude. Os estilos oferecidos se referiam às danças

estilizadas e também criadas por outras culturas que não a brasileira: balé clássico,

jazz, flamenco. Observa-se que, através dessas danças, as academias reforçaram a

valorização pela sociedade em busca de uma gestualidade de movimentos

femininos, suaves, uniformes e técnicos, apropriados, cultivados, difundidos e

divulgados pela fração hegemônica da sociedade. Pressupõe-se aqui, que a

representação da sociedade em valorizar e hierarquizar a dança, agregada à

reprodução e domínio da técnica (clássica, branca, européia), torna-se mais

acentuada com o aparecimento das academias de dança por todo o país.

“Quando eu fazia jazz, era numa academia (...) e a professora era muito famosa na cidade. Eu me lembro de alguém na minha casa ter me perguntado por que eu não fazia Balé. Por que eu escolhi o Jazz? Eu não sei se tem a ver com a personalidade da gente que é mais agitada, mas eu me lembro de ter escolhido este estilo. Eu fiz até os meus 17 anos (...) Fiz vários cursos de dança. Continuei com as aulas de Jazz até os 22 anos de idade, mais ou menos. Depois entrei na aula de Afro durante três anos, fiz

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dança espanhola durante dois anos e no Aruanda dancei um ano” (Prof.ª Teca). “Entrei no balé com cinco anos. Eu tenho duas irmãs, uma mais velha outra mais nova. Elas fizeram Balé, mas saíram. Eu pedi para entrar no Balé. Dentro do Balé, eu fazia dança flamenca, Jazz, fazia muita coisa. Com 11 anos, eu parei de dançar. Eu fazia Balé cinco vezes por semana. Sempre gostei e sentia falta” (Prof.ª Luíza).

Os espectadores das festas populares

Os atores relataram que, em suas vivências com festas populares, foram

apenas espectadores. Em nenhum momento se interessaram por obter alguma

informação mais aprofundada sobre as manifestações populares, mantendo a

posição de gostar ou não do que assistiam. A maioria disse ter presenciado uma

festa de Reinado ou Congado33, tanto no interior como na região metropolitana de

Belo Horizonte. Os professores revelaram a falta de informação sobre a diversidade

da cultura popular tradicional em Minas Gerais, ao mesmo tempo em que

demonstram a presença da Festa de Reinado no Estado. Somente a professora

Sônia relatou que sua família fazia parte da festa, no interior de Minas Gerais, mas

os protagonistas eram os integrantes dos grupos de Reinado.

Quando o professor Sérgio compara a presença na manifestação do Frevo

em Recife, Pernambuco, à freqüência a jogos no estádio de futebol Mineirão, refere-

se ao modo de vida por ele percebido e, vivenciado, em relação à manifestação

popular do Frevo, típico do nordeste. Nesse caso e em todos os outros, constata-se

que para esses professores, as manifestações populares tradicionais foram

distantes em seu cotidiano.

“Eu adoro todo festival de quadrilha. E até penso entrar em um grupo de quadrilha. Hoje, é um número artístico. Houve uma influencia pesadíssima da mídia. Não é quadrilha. Não tem mais ‘olha a cobra, o tú’. O ritmo é diferente. É um batido mais forte, mais ativo. É espetáculo. É um grupo, mas não é uma quadrilha. Já vi Congado, festa do tambor, já. Sempre quando tem alguma coisa assim, eu vou” (Prof. Cecel).

33 De acordo com Cascudo (1972, p. 298), Congado se refere aos “autos populares brasileiros, de motivação africana, existentes em quase todo o país.” Segundo Gomes e Pereira (1988), em Minas Gerais, a expressão de religiosidade do Congado, e mais especificamente a do Reinado, refere-se aos grupos (Candombe, Moçambique, Congos, Vilão, Marujos, Catopês, Caboclos) de devoção de Nossa Senhora do Rosário e outros santos. Em Belo Horizonte, o Congado se tornou o termo coletivo mais abrangente que designa a festa religiosa de que participam esses grupos, estejam eles reunidos ou não em Irmandades, vinculados ou não a um Reinado. O destaque dos reis e Irmandades levou alguns autores a preferirem o termo Reinado para designar as festividades do ciclo do Rosário em Minas.

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“Eu já participei de carnaval, Ticumbí34, já fui à festa na cidade de Jequitibá. Eu tive que fazer uma pesquisa no Ticumbi, no Espírito Santo para a escola (...) para ver como é que eles dançavam” (Prof.ª Teca). “Eu fui a uma festa de Reis, em Itaúnas, Espírito Santo. Eu estava de férias e passei lá e eles estavam fazendo a festa. Já o Congado, nós chegamos a levar um grupo na escola pública Tito Novaes na festa do Folclore, embora o Congado não seja Folclore, porque é uma religião, mas faz parte também do conteúdo” (Prof.ª Alva). “Congado, eu só assisti em Belo Horizonte. Nas festas do interior eu também só assistia, ficava mais nas barracas (...) Morei em Recife, seis meses, em 1969. Dancei muito Frevo! Adorei (...) Lá eu tive contato com Frevo. Lá é igual a... ir ao Mineirão passear... cotidiano, normal, o tempo todo na televisão. Eu achei aquilo muito bacana. O primeiro contato com dança folclórica foi lá” (Prof. Sérgio). “Eu sou de Conselheiro Lafaiete, lá e aqui em Venda Nova eu vi muito Congado” (Prof. Luís). “O meu pai trabalhou na Secretaria de Cultura e me levou para assistir a uma festa de Congado, na Cachoeirinha. Eram costumes e expressões corporais muito diferentes do que eu vivia. Eu só assistia, sem entender. Eu lembro que eu não gostava” (Prof. Élcio). “No interior sempre tem muitas festas, festas que reúnem o povo, festas religiosas e os bailes. A gente participava dos reinados, fazia parte da festa. Os protagonistas das festas eram recebidos por todos os moradores das casas em que eles dançavam em frente” (Prof.ª Sônia).

6.2 - Educação Física, dança e relação com profess ores na trajetória

escolar: do Ensino Fundamental ao Ensino Médio 35

De acordo com Rockwell e Mercado, “toda prática educativa docente reflete

um processo complexo de apropriação e construção que se dão no cruzamento

34 Manifestação de Reinado no Estado de Espírito Santo pelos devotos de São Benedito. 35 A estrutura do sistema de ensino sofreu algumas alterações no decorrer do tempo vivido pelos atores da pesquisa. De acordo com a Lei nº. 4024, de 20 de dezembro de 1961, que fixa as Diretrizes e Bases da Educação Nacional, a escola básica dividia-se em: Ensino Primário (4 anos), ginásio ( 4 anos) e Ensino Médio – Normal, Científico, Clássico ou Técnico - ( 3 anos). Com o advento da Lei nº. 5692, de 11 de agosto de 1971, que estabelece diretrizes e bases para o ensino de 1º e 2º Graus, o Ensino Primário e o Ginásio, passaram a integrar o ensino de 1º grau (séries iniciais e séries finais) e o nível Médio passou a se chamar Ensino de 2º grau. Nesse período, a educação infantil não se integrava à escola básica e era denominada pré-escolar ou pré-primário. A Lei nº. 9394, de 20 de dezembro de 1996, estabelece como integrantes da Educação Básica a Educação Infantil, o Ensino Fundamental (séries iniciais- 4 anos - e séries finais - 4 anos ) e o Ensino Médio ( 3 anos ). Os atores desta pesquisa quando falam em séries iniciais ou séries finais, estão se referindo ao Ensino de 1º Grau, estabelecido pela Lei nº. 5692/71, época em que estudaram.

102

entre a biografia individual e a história das práticas sociais e educativas” (1988, p.

72, tradução nossa).36

Serão apresentadas a seguir as análises sobre as vivências dos atores

durante suas trajetórias escolares, destacando como elas os influenciaram na

construção de sentidos e significados relativos à profissão docente, ao professor de

Educação Física, ao papel dessa disciplina na escola e, mais ainda, à inserção da

dança na escola através das práticas pedagógicas vivenciadas pelos atores ao

longo de suas trajetórias como aluno e professor.

A Educação Física que não marcou

Através das falas da maioria dos atores, nota-se que não ficaram

registradas em suas memórias as vivências das aulas de EF nas séries iniciais do

Ensino Fundamental. Em sua maioria, se referenciaram nas atividades recreativas.

No entanto, não foram capazes de descrevê-las. Para alguns atores, quem

ministrava as atividades direcionadas à EF eram as suas professoras regentes de

classe. Esse fato foi relatado tanto pelos professores com mais de 50 anos quanto

pelos professores com menos de 30, independentemente de serem ou não alunos

de escolas públicas ou privadas.

“(...) Da EF, só me lembro de não ser misto. Mais nada. Lembro também de ficar encostado vendo os alunos mais velhos fazendo e ai eu ficava olhando eles fazendo as ginásticas e alongamentos” (Prof. Luís). “Naquela época da escola pública não tinha EF direito. Tinha uma recreação com a própria professora de sala” (Prof. Sérgio). “(...) De primeira a quarta série, eu acho que não teve EF(...) Eu acho que não tinha professor de EF. Tinha a professora, e as aulas eram como se fosse uma extensão do recreio” (Prof. Élcio). “(...) Eu lembro pouca coisa das aulas, mais do local que era muito precário(...) Me lembro de atividades com bola, ginástica rítmica, pequenos jogos” (Prof.ª Rita). “A EF na minha escola foi inexistente(...) A professora de sala dava todas as matérias, mas não dava EF” (Prof.ª Sônia).

A Educação Física em outros espaços A professora Lúcia, ao lembrar-se dos conteúdos das aulas de Educação

Física por ela vivenciada no interior do estado de Minas Gerais, menciona uma 36 “Toda práctica docente refleja un proceso complejo de apropriación y construccíon que se dá en el cruce entre la biografia individual y la de la historia de las prácticas sociales y educativas”.

103

diversidade de atividades ministradas por sua professora e as relaciona com o

espaço físico utilizado pro ela como quadra esportiva na praça da cidade.

“A EF foi muito boa! Eu gostava muito. Acho que na minha cidade era a única escola que tinha(...) Ela dava salto em distância, tinha dança. Eu aprendi tudo quando estava na 1ª a 4ª série. Isso na década de 1950 a 1960. Foi uma professora só. Não tinha quadra. Acho que é por isso que ela improvisava (...) Era nessa praça (...) Eram mais brincadeiras” (Prof.ª Lúcia).

Para os homens, a hegemonia da calistenia e dos esp ortes. Para as mulheres,

a ginástica e o vôlei

Ao se referirem a experiência com a EF nos anos finais do Ensino

Fundamental, observa-se que as aulas de EF vivenciadas por eles tiveram como

único objetivo o ensino de esportes coletivos com bola em alternância com a

ginástica calistênica. Esse fato reforça o entendimento de EF e esporte como

sinônimos, representada pela sociedade e pela educação. Essa relação pode ser

entendida pelo processo histórico da construção da EF na escola, o que em seus

primórdios, visava o aprimoramento técnico com o fim de preparação de cidadãos

fortes e saudáveis para o mundo capitalista, e posteriormente, passou a ser vista

como um campo propício para as almejadas conquistas de medalhas, sendo,

portanto, um lugar ideal para a descoberta e formação de atletas. Além disso, seu

conteúdo contemplava atividades esportivas eram atividades ginásticas ou

calistênicas, ministradas por professores militares. A EF, para eles, era apenas

condicionada a prática esportiva. Segundo Vago (2000), a introdução dos jogos na

EF trouxe uma novidade em relação aos exercícios calistênicos até então existentes:

A introdução dos jogos coletivos mobilizaram coletivamente as crianças na consecução de um fim, de um resultado: nos jogos deve-se atingir uma finalidade, e para isso são regulados por regras, que devem ser aprendidas, incorporadas- tornadas corpo- , respeitadas e praticadas. Ou seja: depois de uma disputa, de uma competição, há uma conquista, uma vitória – um resultado (p. 105)

A inclusão “de um jeito ou de outro” nas atividades esportivas era realizada

pelos próprios alunos, fato que configura a iniciativa do aluno e não do professor em

se incluir nas aulas desta disciplina. Nota-se ainda que, a influência militarista

presente na EF permaneceu durante décadas, uma vez que o período de

escolarização dos nossos atores variou entre os anos de 1950 a 1990.

104

“(...) A minha EF de 5ª a 8ª era mais calistenia militar. Depois, quando o colégio Municipal foi transferido para o bairro São Cristóvão, as aulas passaram a ser praticamente ginástica e esporte” (Prof. Luís). “(...) Tive EF de 5ª a 8ª, mas era com um militar. Ele dava bola, depois ele dava bola, depois dava queimada, e depois ele dava bola e bola (...) Basicamente era esporte” (Prof. Sérgio).

“(...) Tive um professor muito sério, muito comprometido, mas que tinha como fundamental objeto de ensino o esporte. Então, no começo do ano, era correr, atletismo, pesar, medir, ver altura, depois teve basquete, vôlei, futebol de salão e handebol. Nas minhas aulas de Educação Física eu só tinha acesso ao esporte” (Prof.Élcio). “Na 5ª e 6ª, não tinha professor. Era um moço que dava a bola pra gente jogar lá, e dizia olha agora é a aula de EF, e era futebol ou vôlei. Na 7ª série, entrou uma professora formada, que começou a dar aulas pra gente (...) Mas era só esporte. Só esporte de rendimento. Eu me incluía de um jeito ou de outro nas atividades” (Prof. João ).

Através dos depoimentos das professoras, a modalidade esportiva do

voleibol, nas aulas de EF, era direcionada com maior predominância para as turmas

femininas. De acordo com Sousa e Altmann:

Sendo gênero uma categoria relacional, há de se pensar sua articulação com outras categorias durante aulas de Educação Física, porque gênero, idade, força e habilidade formam um “emaranhado de exclusões” vivido por meninas e meninos na escola (...) O corpo da mulher estava, pois, dotado de docilidade e sentimento, qualidades negadas ao homem pela “natureza” (...) Entretanto, não se considera que, pelo fato de homens e mulheres praticarem os mesmos esportes, estes tenham deixado de ser genereficados (...)notamos que a prática esportiva permanece estreitamente ligada à imagem masculina”. ( 1999, p. 56-58).

Tal visão é configurada ao longo de nossa história, concatenando na

“feminização” socialmente construída, “naturalmente“ aceita e pela escola

reproduzida, em relação a determinadas práticas esportivas: futebol para homens,

voleibol e queimada (e dança) para mulheres. Ou seja, esportes de confronto para

homens.

Na fala da professora Alva, percebe-se a reflexão sobre a EF por ela

praticada na época de sua escolarização, destacando a ludicidade através das

atividades esportivas, em contraponto com a ênfase dada ao esporte como

rendimento, inserido posteriormente na escola. Ao se referir à relação escola-família,

destaca o papel social de cada uma, considerando que a função da família em

formar o indivíduo foi transferida cada vez mais para a escola.

105

“(...) Era só calistenia. Ou era esporte (mais vôlei), ou era ginástica” (Prof.ª Sônia).

”De 5ª a 8ª série, eu estudei na escola pública, e lá eu pratiquei voleibol na EF. Não era aquela coisa que hoje, tem uma influência maior de que formar atletas, definir as regras, o aluno não faz isso, não faz aquilo. Naquela época, a formação do indivíduo era de dentro de casa, a família formava o indivíduo. Hoje, a escola tem que formar o indivíduo. Não era muito para a formação de atletas, era você brincar. Depois que nasceu o esporte” (Prof.ª Alva).

Ser atleta: a moeda para o reconhecimento

Os professores que afirmaram terem apreciado as aulas de EF esportivista,

além de serem do sexo masculino, tiveram uma vivência anterior extraclasse com

práticas esportivas coletivas. Suas habilidades, anteriormente adquiridas, através do

habitus esportivo, lhes proporcionaram experiências de sucesso e o reconhecimento

pelo corpo docente e discente da instituição.

De acordo com Bourdieu (1988, p. 42), “é o nível cultural global do grupo

familiar que mantém a relação mais estreita com o êxito escolar da criança”. Nesse

sentido, nota-se que os alunos de êxito nas aulas de Educação Física foram os

mesmos alunos que tiveram desfrutaram de disposições duráveis para o capital

cultural institucionalizado por esta disciplina ao longo de sua inclusão e legitimação

na educação escolar. Ou seja, o êxito desses alunos, não ocorreu naturalmente na

frequência às aulas de EF escolar, mas por algumas disposições e aptidões

necessárias à apreensão das técnicas (no caso, a prevalência dos esportes

coletivos), incorporadas por eles a partir do habitus da prática esportiva vivenciada

anteriormente ou fora da escola.

Ainda de acordo com Bourdieu, o habitus pode ter sua utilidade para viver no

mundo, porém, ao mesmo tempo, tende a reproduzir as condições de sua própria

produção. Assim, a Educação Física, vivenciada pelos atores durante a sua

trajetória escolar, cumpriu a função de produção e consagração (medalhas,

competições) dos consumidores dotados desse habitus. Ou seja, eles eram

portadores das aptidões socialmente adquiridas que exigidas por essa disciplina até

então.

“(...) Então, eu adorava a aula de EF. Uma porque eu gostava de jogar e outra porque eu me destacava mais que os outros colegas. Então, para um adolescente isso fazia a diferença” (Prof. Elcio). “Eu tinha uma relação muito saudável com a EF. Eu era conhecido na escola por ser atleta. Não era dispensado por isto. Ser atleta, na década de

106

1964, 1965 era a glória! (...) Eu sempre me destaquei, mais uns quatro ou cinco. Nós estávamos sempre na seleção. A minha vida sempre foi muito pautada no esporte” (Prof. Cecel).

Pelas falas das professoras que disseram não gostar das aulas de EF,

vivenciadas nas séries finais do Ensino Fundamental, pode-se perceber que as

mesmas não tiveram contato com essa prática esportiva extraclasse durante a sua

infância e adolescência. No entanto, afirmam que praticaram esportes individuais,

como mostram os depoimentos a seguir:

“Eu não gostava da EF de lá. Primeiro, porque eu já tinha toda uma vivência. Eles me apresentavam assim: ‘- Essa aqui é uma atleta de ginástica olímpica’ (...) E segundo, porque as aulas eram muito voltadas para o esporte e eu sempre tive muito medo de bola. Era muito magrinha, pequenininha. Os esportes eram os coletivos, e o que eu praticava era individual! (...) Eu acho que as aulas não foram significativas para mim. As aulas eram super esportivas. A gente fazia teste de cooper, lá tinha um campo de futebol. E a gente corria, corria, pesava, media... Eu não me lembro de ter uma aula com brincadeiras. Eu me lembro de ficar sentada no banco sueco vendo as minhas colegas jogarem e eu ajudando, levando recado para os padres” (Prof.ª Teca). “Em relação à EF na escola, eu tinha pavor! Porque as aulas se resumiam ao vôlei, futebol, queimada e vôlei. Era uma escola privada. Eu nunca me identifiquei com esses jogos, então eu não gostava de EF” (Prof.ª Ana). “(...) Nas últimas séries a EF evoluiu, saiu um pouco da calistenia, e aí, tive algumas noções de esportes (...) Mas aquela coisa de tirar par ou impar e você vai sobrando, vai sobrando... E você pensa assim: Será que eu vou ser escolhida? (...) Era queimada e futebol (...) Mas eu via que as meninas que eram boas de bola eram respeitadas. Eu também queria ser boa. Eu participava de qualquer jeito(...) Como eu era sócia de um clube, participava dos jogos que as pessoas faziam dentro do clube. As atividades que eu fiz no Clube me ajudaram muito na EF. Eu jogava muita peteca no clube” (Prof.ª Sônia).

Nos depoimentos nota-se a restrição dos conteúdos da EF aos esportes

coletivos era paralelamente reforçada pela punição aos que não gostavam dessa

prática. Outro aspecto considerado é a designação dos esportes de confronto para o

sexo masculino, “preservando a fragilidade feminina”, inculcada nos valores

socioculturais, até então, inconscientemente incorporados. Durante décadas, ainda

que seja pela EF ou pela educação de forma geral, os alunos não eram vistos na

sua singularidade, muito menos na diversidade de vivências corporais. Os corpos e

os sujeitos eram reconhecidos como homogêneos e uniformes.

107

Oliveira (2006), ao descortinar historicamente os vínculos entre

corporalidade e escolarização, destaca que, através da passagem da escola

doméstica, escola de classe única, a corporeidade foi constituída através da

dimensão formativa sob um processo baseado na apologia da ciência, do progresso

e da racionalidade dado pela modernidade. Nessa perspectiva, a preparação para

os desfiles de “Sete de Setembro” como os movimentos da ginástica na perspectiva

de uniformidade, estavam atrelados a esse processo de formação para a civilidade

através dos corpos escolarizados.

“Algumas amigas minhas não gostavam de fazer EF, a vida inteira foram punidas por isso. Umas porque eram obesas e se constrangiam, outras por serem obrigadas. Ou então quem não fazia EF era obrigada a desfilar no Sete de Setembro. Eu desfilava porque gostava, era baliza” (Prof.ª Teca). “(...) Na 7ª série, só tive vôlei o ano todo! Teve um dia que nós reclamamos então a professora falou: ‘- Então, vocês queriam que eu desse ginástica? Então, vou dar ginástica!’ A ginástica foi com saltitos, tipo ginástica rítmica... mas ela deu de uma forma que nunca mais questionamos!” (Prof.ª Ana).

Meninos e meninas “naturalmente” separados . Houve unanimidade nas falas dos professores em suas vivências de aulas

com turmas separadas por gênero: professoras mulheres para as meninas e

professores homens para os meninos. Somente uma professora entrevistada disse

ter questionado, ainda como estudante, a divisão das aulas de Educação Física por

sexo. Nota-se que, esse fato ocorreu no final da década de 1990, coincidindo,

portanto, com a nova proposta educacional elaborada pela LDBEN/1996, abrindo

espaço para o pensamento crítico e reflexivo dos alunos e dos professores.

A distinção entre os gêneros, no que diz respeito às atividades físicas,

estavam presentes não só na EF, como também nos valores incutidos pela

sociedade. Para Sousa e Altmann (1999)37, não se pode concluir que as meninas

são excluídas de jogos apenas por questões de gênero, pois o critério de exclusão

37 Com a introdução do esporte moderno como conteúdo da Educação Física escolar no Brasil, a partir dos anos 30 do século passado, “a mulher manteve-se perdedora porque era um corpo frágil diante do homem. Aos homens era permitido jogar futebol, basquete e judô, esportes que exigiam maior esforço, confronto corpo a corpo; “as mulheres, a suavidade de movimentos e a distância de outros corpos, garantidas pela ginástica rítmica e voleibol. O homem que praticasse esses esportes ‘correria o risco’ de ser visto pela sociedade como efeminado. (...)A participação das mulheres nesses esportes foi autorizada pelo Conselho Nacional de Desportos no ano de 1979 e endossada por estudos científicos que jogavam por terra os argumentos sobre a propensão das mulheres às lesões esportivas” (p. 58).

108

não é exatamente o fato de elas serem mulheres, mas por serem consideradas mais

fracas e menos habilidosas que seus colegas ou mesmo que outras colegas.

“Em 1967 para 1968 houve uma alteração em que o colégio passou a ser misto. A gente tinha EF duas vezes por semana. Mas as aulas eram separadas” (Prof. Cecel). “As turmas eram separadas. Um professor para aos meninos e uma professora para as meninas” (Prof.ª Ana). “A turma descia mista, mas jogava separado. Eu não lembro de jogar com as meninas (...) A gente tinha muitas quadras. O professor ensinava as técnicas juntos. Mas na hora de jogar as meninas iam para outra quadra... Era separado” (Prof. Élcio). “Do pré-primário até a quarta série era separada dos meninos. Eu era aluna de uma professora e os meninos de um professor. A EF era diferente da que a gente vê Hoje,” (Prof.ª Luiza). “Eu não gostava que a EF fosse separada. Eu não entendia por que os meninos tinham as mesmas atividades que as meninas, então porque não era junto. Eu lembro de ter falado para a professora que queria competir com os meninos, no salto em altura. E os meninos estavam saltando mais alto, e eu tinha ganhado das meninas. Mas ela não deixou” (Prof.ªLuíza).

A hegemonia do esporte também no Ensino Médio

Constata-se que a ênfase em esportes com bola permaneceu até o final da

escolarização, o que evidenciou com maior clareza a participação exclusiva dos

alunos que “naturalmente” eram selecionados para eventos de competição esportiva

promovidos pela escola.

“(...) Quando eu fui para o primeiro ano do Ensino Médio, a EF veio novamente aqui para dentro da escola, em 1997. Antes era fora. Aí, eu desorientei! Eu ia aos banheiros femininos e falava: ‘- Você é do meu time, você também!’, ‘- Não, não vou jogar, não!’ ‘- Vai sim!’. Eu participava dos campeonatos internos, eu adorava” (Prof.ª Luíza). “(...) Também foi esportivista... Engraçado, eu achava que iria lembrar de mais detalhes, mas não (...) Não lembro de detalhes. O que me marcou foram os esportes!” (Prof.ªRita). “(...) No Ensino Médio, vim para Belo Horizonte (...) Nos dois primeiros anos, estavam construindo a quadra. Então ficávamos num pátio e nós só jogávamos vôlei lá. No terceiro ano, a quadra ficou pronta e eles só incluíram os outros esportes, handebol e futebol” (Prof. João).

Para as duas professoras que freqüentaram o Curso Normal, as aulas de

EF foram marcadas por atividades recreativas para serem reproduzidas com seus

109

futuros alunos. Já o direcionamento das atividades para o desenvolvimento

psicomotor do aluno evidencia a compreensão da EF como sinônimos presentes na

década de 1980.

“(...) Fiz magistério na escola particular (...) Era um curso muito voltado para crianças. Recreações, né? Não dá uma base muito boa para você alcançar outros objetivos na Educação Física” (Prof.ª Alva). “No Ensino Médio, eu fui para uma escola de Ensino Normal (...) A EF era praticamente psicomotricadade e brincadeiras, era voltada muito para aprender atividades direcionadas à Educação Infantil. A gente tinha aula prática das brincadeiras que a gente copiava na aula teórica” (Prof.ª Ana).

Pelas repostas dos atores, observa-se que, nesse nível de ensino, cabia

aos alunos se organizarem nas aulas com posição ou nenhuma interferência do

professor, porém a ênfase continua a ser no esporte coletivo.

“Lembro-me que no Ensino Médio a gente enrolava a professora muito. Jogava quem quisesse” (Prof.ª Teca). “(...) O professor era considerado “rola bola”. O professor só falava assim: 0‘-Agora começa a modalidade handebol’, e a gente jogava o handebol; ‘- Agora o futebol!’, e a gente jogava futebol. Não tinha o ensinamento da técnica como o professor de 5ª a 8ª série ensinava. Mas apesar da gente sempre querer o jogo, a gente via a diferença de só jogar e do professor que ficava ali. A minha turma era quase toda da outra escola. A gente sentia um pouco a falta, mas a gente gostava” (Prof. Élcio).

As duas professoras, com idade abaixo de 30 anos, relataram que os

conteúdos das aulas de EF, vivenciados enquanto alunas, no Ensino Médio,

extrapolaram o reducionismo do esporte. Ambas estudaram em escolas particulares,

em Belo Horizonte, onde lhes foi oferecido uma EF com maior amplitude nos

conteúdos propostos, onde, embora houvesse uma predominância do esporte, já

eram inseridas outras práticas corporais, no final da década de 1990.

“Basicamente esportes, jogos estudantis. Uma vez, foi num clube que abrigou todo mundo (...) Essas coisas marcam, abertura das Olimpíadas... Eu ensaiava e participava. Mas houve também excursões, caminhada ao Pico da Bandeira (...)” (Prof.ª Rita). “(...) No Ensino Médio, tivemos umas aulas bem diferentes. Já tinha um trabalho dentro da EF. Já tava uma coisa bem madura (...) Me marcaram muito as pesquisas, os trabalhos... então isso me deixava alucinada. Teve um dia que sugerimos mergulho e o professor conseguiu pra gente. Foi muito bacana. A elaboração por tema de conteúdos, eu ficava louca para chegar o dia da aula” (Prof.ª Luíza).

110

A inexistência da dança no Ensino Fundamental: um olhar masculino Seis atores, todos homens, foram unânimes em dizer que não tiveram

vivências significativas com a dança nas aulas de EF. Referiram-se às suas

experiências somente a partir dos anos finais do Ensino Fundamental e no Ensino

Médio. A quadrilha foi a única vivência praticada por meninas ou meninos, não

sendo praticados outros estilos de dança no contexto escolar e mesmo a falta de

envolvimento da EF com a dança, entre as décadas de 1950 e 1990. Ou seja, a EF

era concebida a partir da dualidade entre masculino e feminino, em todos os

aspectos.

“Não me lembro de ter havido dança na EF no Instituo de Educação. Já no Municipal, eu me lembro só da quadrilha” (Prof. Luis). “Dança era só na época da festa junina. E a gente dançava com elas só para a festa junina. O contato foi muito pouco. No Ensino Médio, também foi só com festa junina (...) era uma pessoa contratada pelo colégio que passava os passos, e a gente dançava. O professor nem ia. As aulas eram separadas das meninas. Isso na década de 1970” (Prof. Sérgio). “Não tive nada relacionado à dança. No Colégio Técnico, eles colocaram um projeto chamado Biodança. Mas eu não me interessei. Depois, eu fiquei sabendo que era relaxamento. Mas eu não fiz” (Prof. João). “Nós tínhamos um diretor... Ele gostava muito de gincana, festa junina, festivais, pra aproximar o aluno. Tinha muita Festa Junina, festivais. Então eu aproveitei muito as festas juninas. Não tinha outras danças na EF” (Prof.ª Alva).

Da quadra para o palco

A relação das professoras com a dança, ainda como alunas, no cotidiano

escolar, foi maior e mais intensa. Em sua maioria, as mulheres tinham certa vivência

da dança no contexto escolar. No entanto, esse conteúdo, desenvolvido nas aulas

de EF, teve como objetivo principal a apresentação em eventos escolares. Além das

danças vivenciadas para as Festas Juninas, eram oferecidas outras voltadas para

Festivais de Folclore, Festa da Primavera e Festivais de dança, e até mesmo para

apresentações em programas de televisão. Assim a dança, ao ser inserida no

contexto escolar, nas aulas de EF oferecidas às meninas, era desenvolvida pelos

professores a partir de uma visão utilitarista, com fim em si mesma. Nesse caso, a

111

dança só foi desenvolvida quando o professor era solicitado e não como um

elemento educativo.

Em algumas escolas particulares, observa-se a prática de convidar outros

professores (funcionários ou não da escola) para ensinar as coreografias nas aulas

de EF. Como esse fato foi relatado apenas por professores que estudaram em

escolas particulares, acredita-se que essas escolas tinham autonomia para contratar

algum profissional que viesse favorecer o processo de ensino-aprendizagem sobre

algum tema. No entanto, não foi relatada nenhuma aula em que se refletisse sobre a

prática da dança, só a reprodução da mesma, através de coreografias determinadas

anteriormente.

Quanto a aceitação e participação do sexo masculino nas danças

folclóricas, observa-se serem elas desenvolvidas sob a visão de movimentos

diferenciados entre homens e mulheres. Nesse caso, as tradicionais danças

gaúchas eram aceitas e reproduzidas no contexto escolar (mineiro) devido o seu

entendimento de que aos homens cabe a postura ereta, firme, projetada através de

sapateados fortes e às mulheres cabem os gestos suaves, pequenos e sutis.

Segundo Campos (2007), as danças folclóricas foram bastante difundidas nos

cursos de formação em EF da UFMG, propiciando a sua divulgação na escola, pelos

professores responsáveis por essa prática pedagógica.

“As danças eram para apresentar. Às vezes, era também para apresentar em desfiles de Sete de Setembro. As aulas eram mistas, mas se fosse fazer outra coisa eles faziam separados. Aí, eles faziam outra atividade. Os homens dançavam só se fosse folclórica, Aí, eles dançavam! (...) No ensino de 5ª a 8ª série, não lembro de ter tido dança. Era mais poesia, interpretação. A professora não era formada” (Prof.ª Lúcia).

“Na 6ª série, fui para uma escola pública (...) Teve um trabalho de dança folclórica, para apresentar em uma “Feira de Folclore”. Nós tivemos aulas com uma professora que sabia dança, e que não era a nossa professora. Então, aprendemos várias danças folclóricas. Eu lembro da ciranda, danças de roda...” (Prof.ª Ana) “Quando tinha alguma dança, era para um evento especial, dia das mães. E essas pessoas já tinham tudo na cabeça, já. A gente só ensaiava. Eu lembro de uma que falava da galinha. E a gente era os pintinhos, (risos), era coisa para falar da mãe né? Então era entrar de baixo das asas da galinha... ( risos)” (Prof.ª Sônia). “Lembro, foi na 8ª série, da gente dançando danças folclóricas. Lembro da gente montando uma coreografia para o festival de dança. No Ensino Médio, lembro da gente fazendo a dança de salão (...) Eu lembro da aula de dança de salão, da gente ter assistido um vídeo, depois aprendido uns passos, depois de dançar aqueles passos com os colegas, depois de

112

montar uma mini-coreografia com aqueles passos. Usaram vários recursos na verdade, usaram outros professores, dançavam com a gente (...) Eu lembro do festival de dança, que a gente pegou uma coreografia contemporânea. Mas o que mais me marcou foi um festival de jogos que teve dança (...) Foi um entrosamento, e tinha vários tipos de música assim. Colocaram o som, mas deixaram a gente mais livre” (Prof.ª Luíza).

Nos relatos das duas professoras, observa-se que a EF não se fazia

presente nas atividades interdisciplinares. A experiência em vivenciar a dança a

partir de outra disciplina que não a EF foi um fato marcante e determinante para

estabelecer uma nova forma de desenvolver esse conteúdo no contexto escolar.

Para a entrevistada Rita, a proposta diferenciada em sua vivência escolar era

deslocada do processo, uma vez que houve apenas uma aula sobre o conteúdo

dança. Na fala da mesma professora, a justificativa da ausência desse conteúdo nas

aulas de EF se dá pela resistência por parte dos alunos ( homens) e que, em parte,

era aceita pelos professores.

“No ginásio eu participei da quadrilha. Lembro que mamãe beliscava pra gente dançar. (...) Mas me lembro de uma professora de português, que trabalhava literatura com a gente. E essa professora organizava um festival de dança com a literatura que a gente estava lendo. Eu amava esses festivais! Se estávamos estudando Jorge Amado, o ano todo víamos a cultura da Bahia e do Nordeste. Aí,, no final do ano, você ficava a vontade com seu grupo para criar uma dança sobre a literatura ou sobre o estado do escritor (...) Em nenhum momento a professora de Educação Física nos orientou, pelo menos não me lembro” (Prof.ª Teca). “(...) Engraçado! Eu achava que iria lembrar de mais detalhes, mas não. Quanto à dança eu lembro muito pouco, se eles faziam. A resistência era tão grande que eles preferiam não fazer. Tinha um evento... chamava Empório, que a gente assistia. Mais era dança pra festa da família. Lembro de uma dança circular que o professor propôs, mas muito pouco. Não lembro de detalhes. O que me marcou foram os esportes” (Prof.ª Rita).

6.3- A formação específica para a docência da Educ ação Física: o

Curso Superior

Segundo Rokwell e Mercado (1988), a história nos permite dar conta de

toda a heterogeneidade que encontramos na prática docente e que, por sua vez, é

condicionada pela trajetória histórica da escola. Para as autoras, é necessário

conhecer o professor não apenas em seu papel de docente, mas também como

sujeito de sua própria vida, que trabalha dentro de determinadas condições materiais

113

e se apropria seletivamente de saberes e práticas para sobreviver e realizar o seu

trabalho. Assim, nesse eixo, serão priorizadas as vozes dos professores no percurso

de sua formação inicial.

Os motivos da escolha da profissão de professor de EF

Pelos depoimentos, verifica-se vários motivos para a escolha da profissão

docente em EF. Para uns, na década de 1970, a profissão gozava de certo status na

sociedade e era bem remunerada. Para outros, mais jovens, a relação

(professora/aluna-técnico/aluna) estabelecida no decorrer dos anos foi o que

motivou a escolherem essa profissão. Nesse sentido, as suas escolhas profissionais

tiveram a ver com as relações sociais, estabelecidas dentro da escola ou fora dela,

porém em sua maioria em aproximação às vivências, marcantes e permanentes da

prática de atividades físicas.

“Eu comecei com esporte quando comecei a fazer judô. Com uns 13 anos por Aí, (...) O meu professor de judô foi quem me indicou para fazer EF (...) Mas eu escolhi ser professor porque dava status e era bem remunerado! Mesmo com a deficiência de material, valia a pena. Na Prefeitura, eu cheguei a ganhar 17 salários mínimos! E eu sempre trabalhei só em duas escolas, as duas públicas” (Prof. Luís). “Minha família era classe média, meu pai gerente e minha mãe dona de casa. Para o meu pai, o importante era a gente ter um diploma, pra gente ter uma vida com menos dificuldades que ele. Não importava em que profissão (...) Nessa época, meu irmão já era formado em EF (...) Ele estava ganhando muito dinheiro. Porque a nossa prioridade era ganhar dinheiro, melhorar a nossa condição de vida (...) Com dois anos de formado, consegui comprar um carro zero km! Você acredita? Isso ainda é raridade! Ganhei muito dinheiro atuando com Educação Física, não posso reclamar” (Prof. Cecel).

“Eu fazia ginástica olímpica na escola, na minha época de Educação Primária, e a minha técnica era excelente. Era também a minha professora de EF (...) Eu me lembro, com dez anos, falando que queria ser professora de EF. A minha influência eu devo a ela” (Prof.ªTeca). “A minha mãe foi minha professora na educação infantil, e a minha tia. E elas eram muito incentivadoras (...) Depois, a minha técnica foi minha professora no primário todo. E com ela, eu gostava de fazer aula (...) Acabei escolhendo a profissão” (Prof.ª Ana). “O técnico de natação me acompanhou até os quatorze anos de idade. Fora isso, a escola me influenciou muito também (...) A EF foi muito envolvente” (Prof.ª Luíza). “A minha mãe fez Normal e depois o curso do CEDEF, que capacitava profissionais para trabalhar com EF. Antigamente, não era exigido o curso superior para dar aulas, e ela me deu aulas de Educação Física (...) E

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minha tia, (...) que também é professora de EF e foi minha professora no Ensino Médio... Ela é uma professora que tem um ótimo relacionamento com os alunos. Sabe, um professor que todo mundo gosta é o professor de EF. Com raras exceções, é claro” (Prof.ª Rita).

O professor Élcio, ao dizer que optou por se profissionalizar em EF pelas

práticas corporais que havia vivenciado anteriormente, não se lembrou da referência

que tinha do pai como técnico de futebol. O professor chama a atenção para o fato

de muitos jovens na idade de 18 anos não terem idéia sobre qual carreira

profissional querem seguir, o que possibilita o início de um processo conflitante para

muitos alunos de graduação.

“Antes eu escolhi Agronomia, gostava muito de tomar conta do jardim lá de casa. Então, eu fiz vestibular para Agronomia, passei, mas fiquei um semestre só. Sempre fui educado junto deles, né? E Aí, eu voltei e fiz o vestibular para EF na UFMG, porque eu gostava de praticar esportes (...) Eu fui mais para satisfazer uma questão pessoal para aprender outros esportes do que para ser professor de EF, mas isso era muito próprio da idade, né? Eu tinha dezoito anos!” (Prof. Élcio).

Outros professores justificaram a escolha, pelas experiências que tinham

como técnicos antes da faculdade. Suas escolhas foram pautadas na intenção de

obter um título para algo com que já estavam trabalhando, não levando em conta a

formação para professor, mas sim para técnicos em determinadas modalidades

esportivas.

Para o professor João, ao se inscrever no curso de graduação em EF disse

optar por esse curso por praticar algum esporte. O professor afirma que a escolha

não foi só pela prática, mas por querer atuar como professor e não como técnico.

Em seu depoimento, ressalta-se uma maior expectativa dos graduandos voltados

para o bacharelado em relação à Licenciatura, fato que se confirma em algumas

pesquisas da área38, comprovando o maior interesse pelos graduandos nessa área

de atuação.

“Eu tinha na minha cabeça que eu desejava ou Arquitetura ou Educação Física. Como eu estava ruim na matemática, decidi fazer EF, primeiro. No ano que vem, vou tentar Arquitetura! Eu entrei na EF com a idéia fixa de trabalhar com natação(...) Eu não era atleta, mas tinha aprendido a nadar” (Prof.ª Sônia).

38 De acordo com Pinho et al ( 2007), o treinamento físico, esportivo e a atividade física voltada para a saúde têm sido alvos de muito interesse atualmente, por parte dos graduandos em Educação Física, mas em contrapartida, o mercado de trabalho para o professor de Educação Física na escola ainda parece ser o mais estável.Disponível em ( www.efdeportes.com/edf108/licenciutra-ou-bacaharelado-em-educação-fisica.htm ) Acesso em: 05 de dez de 2008.

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“(...) Eu tive um irmão que jogava futebol no Atlético Mineiro, ele era goleiro. Eu sempre gostei de futebol também. Mas fui me tornar arbitro internacional de vôlei. Meu pai não jogava, mas ele era presidente de clube” (Prof. Sérgio). “Até a metade do segundo ano do Ensino Médio, eu ia fazer medicina. Na metade do terceiro ano, eu e mais dois colegas, muito amigos, resolvemos fazer EF. Na época, eu não sabia como era o curso. Eu não tinha idéia, eu sabia que queria ser professor de EF. Não pensava em ser técnico, ter uma academia... E essa idéia veio a partir do terceiro ano, pela vivência esportiva que eu tinha (...) Mas eu vejo Hoje, que uma coisa é bem diferente da outra. Mas essa consciência de que ter vivência e ser professor veio bem depois de formado! Na minha turma, 90% queria ser dono de academia, 10% técnico e 1% professor” (Prof. João).

Segundo o depoimento de Rita, a sua motivação para a profissão de

professor de EF se deu pelo interesse pela pratica de atividades físicas,

demonstrando ter uma visão romântica e idealizadora em relação ao papel da EF na

sociedade. Observa-se ainda que a sua escolha é justificada por entender o campo

da EF como uma área direcionada especificamente ao lazer e recreação:

“Na 6ª série, eu decidi a minha escolha profissional. Eu queria trabalhar com EF. Muito por motivação. Eu me interessava por tudo na EF. Sempre em colônias de férias eu me interessava pelo trabalho dos monitores. ‘- Isso é legal, tem música, tem dança. Eu vou ensinar as pessoas a serem felizes e a buscar prazer!’. Na 6ª série, eu fui arbitra, apitando uma queimada e eu tinha que vestir a blusa que os professores de EF usavam. Eu me achei a professora! (...) Havia também uma academia do lado da minha casa. E eu achava lindo... A gente tinha a ilusão de que todo mundo respira saúde. Além disso, a minha tia, também professora de EF e minha professora no Ensino Médio, foi uma grande incentivadora” (Prof.ª Rita).

A professora Lúcia foi a única que se referiu à sua professora

alfabetizadora. Interessante destacar que sua mãe também exercia essa função de

professora no campo. Ao dar importância à professora que lhe ensinou a ler, reforça

o marco nas famílias rurais, ao se alfabetizarem, possibilitando assim a sua distinção

nesse meio social.

“A que me marcou foi a professora de sala de aula. Por quê? Porque ela me ensinou a ler!” (Prof.ª Lúcia).

Cabe aqui ressaltar que os estilos de vida ligados à prática esportiva que os

atores tiveram no seu espaço de socialização familiar contribuíram para a

apropriação desse bem cultural incorporado, propiciando as suas escolhas na

116

trajetória profissional no campo da EF, uma vez que se tornou “naturalmente” fácil

sua circulação nesse campo, pelas disposições adquiridas e incorporadas da prática

de atividades físicas ao longo de relações sociais (na família, na escola e fora dela).

Os professores de Educação Física que fizeram difer ença

Ao indicarem os professores que marcaram sua trajetória escolar, alguns

professores mais velhos destacaram como positiva a postura autoritária de seus

educadores. A valorização dessa postura devia-se ao fato de entenderem ser “um

prêmio” estarem inscritos numa escola pública de boa qualidade, o que tornava

legítima a posição autoritária dos professores, ao imporem a ordem nas salas de

aula. Nessa época, o ensino público era reconhecido como um ensino de boa

qualidade, portanto, bastante concorrido, inclusive pela elite.

Pela fala da professora Lúcia, ao se referir à rígida disciplina imposta aos

alunos naquela época, coloca como mérito a participação nas aulas de EF, aos

alunos que aceitavam as regras impostas pela escola e pela professora de EF.

Contudo, nota-se que os fatos remeteram à década de 1960, na qual a ditadura

militar determinava as ações e os valores formativos da época.

“Dentro do Colégio Municipal, eu tive um professor que me entusiasmou muito mais que outros (...) Quando optei para fazer Educação Física, ele me deu muito apoio. O professor (...) foi o meu espelho. Eu nunca falei isso pra ele. Ele era muito bravo. Tinha gente que não gostava dele (...) Não tinha discussão, não tinha briga. E tinha uma coisa: ‘- Calado! Quem manda aqui é o professor!’ Tinha castigos! (...) A escola era a melhor e nós dávamos graças a Deus por estar lá. Então, não questionávamos” (Prof. Cecel). “Eu não lembro nada de ruim da professora de EF, só coisa boa. Quando ela chegava para dar aula, é igualzinho Hoje,. Era com se jogasse uma água. Podia estar o barulho que fosse quando ela chegava à porta e dizia assim: ‘- Licença, ginástica!’ Aí, era aquela ordem total. Isso eu aprendi muito com ela (...) Todo mundo queria ir para a EF, então todo mundo acalmava, porque quem fizesse bagunça não ia. Eu aprendi com ela, como por exemplo. Eu ia fazer a chamada: ‘- Você quer fazer EF ou não?’ Aí, era aquela calma” (Prof.ª Lúcia).

Já a professora Luíza disse exatamente o contrário: o conjunto da

possibilidade dos alunos questionarem e sugerirem atividades, a argumentação do

professor diante dos conteúdos gerando uma distinção no envolvimento com os

alunos e, uma relação mais próxima, ao mesmo tempo distanciada

117

profissionalmente, foram os aspectos primordiais para a construção e manutenção

do interesse dos alunos por essa disciplina. Essa professora, com menos de 30

anos, se escolarizou na década de 1990, na escola em que trabalha atualmente. Já

os atores que citaram a postura autoritária de seus professores de EF se

escolarizaram na década de 1960.

“A EF, quando veio pra cá, me marcou muito, as pesquisas, os trabalhos. Então isso me deixava alucinada. Teve um dia que sugerimos mergulho, e o professor conseguiu para a gente. Foi muito bacana a elaboração por temas de conteúdos. Eu ficava louca para chegar o dia da EF. Esses dois professores me marcaram muito, primeiro pela maneira que eles se portam na aula, a segurança na argumentação, o conhecimento que eles trazem. E fora que eles têm um envolvimento pessoal com os alunos muito bacana. É próxima, mas é profissional (...) Quando eu estava na 7ª série, (...) eu falei pra minha mãe, que eu já tinha escolhido a minha profissão: ‘- Eu quero ser professora de EF’, e ela aceitou numa boa” (Prof.ª Luíza).

Pelas falas dos atores, observa-se a influência do técnico na escolha

profissional, ou seja, a influência das escolhas pelas relações sociais estabelecidas

ao longo da infância e adolescência:

“No ensino primário, não me lembro de nenhum que me marcou. Mas o professor de Judô, era o meu professor no Minas Tênis. Foi ele quem me indicou para fazer EF” (Prof. Luís). “Depois, a minha técnica foi minha professora no primário todo. E com ela eu gostava de fazer aula. Ela trabalhava outras coisas, e até mesmo quando colocava os esportes. Ela não gostava de bola, mas ensinava a gente a jogar. Então, por causas dela, eu acabei escolhendo a profissão. Eu cheguei a trabalhar com ela com ginásticas olímpica e a competir também” (Prof.ª Ana).

Somente uma professora entrevistada reconhece o seu professor de dança

(academia) como alguém que lhe marcou, na sua escolha profissional. Tratava-se

de um professor do sexo masculino, fato raro na década de 1980.

“Uma das pessoas que mais me marcou, acho que foi o professor de dança afro (...) Primeiro por ser homem, segundo por ele não cobrar desempenho e terceiro por sempre falar na liberdade de expressão. Eu me lembro de um aluno que não tinha muito ritmo (...) E ele falava para ele se soltar, se deixar levar. Ele dava muita ênfase na expressividade dos alunos. A gente montava e criava a coreografia juntos. Todos se sentiam parte dela. Acho que ele, de alguma forma, ajudou na minha formação como professora” (Prof.ª Teca).

118

Os professores da graduação que marcaram Quando indagado aos atores sobre os fatos que os marcou nas suas

passagens pelo curso de EF, houve uma heterogeneidade em relação à valorização

dos cursos em que se formaram. Alguns disseram que o espaço e o tempo foram

pouco estimulantes, do ponto de vista intelectual. O que leva a pressupor que, a

formação inicial não influenciou as suas práticas, uma vez que, ao exercerem a

profissão, o espaço e o tempo eram outros, diferentes do meio acadêmico. Já para

os atores que exaltaram seu espaço de formação, as referências foram a excelência

de ensino, a consistência do trabalho realizado pelos professores, a diversidade e a

boa formação cultural.

Segundo Lelis (2001), duas ordens de questões precisam ser colocadas ao

se referir às lembranças diferenciadas sobre o papel da formação inicial na

construção de um modo de ser professor:

A primeira relaciona-se à força da socialização familiar e escolar na configuração de sistemas de pensamento comum a toda uma geração, isto é, as disposições que organizam o pensamento e a prática – duráveis e transferíveis – são tributárias destas duas instituições, família e escola. A segunda questão refere-se às exigências que devem pautar a formação inicial de professores, independente do nível desta formação. Quer esta formação aconteça na universidade, quer se desenvolva em escolas normais ou ainda em institutos superiores de educação, o desafio está em reconhecer que nenhuma destas instâncias poderá isoladamente dar conta de suas necessidades (p. 47).

Observa-se que a maioria ingressou no meio acadêmico na ilusão de

encontrar respostas, receitas e soluções, ou seja, a aplicação rápida do

conhecimento acadêmico no campo profissional em que já atuavam (clubes

esportivos).

“Fiz EF na Fundação Oswaldo Aranha, em 1996. O curso tinha muita teoria. Era muito interessante, porque a gente via o por quê fazer (...) Entrei disposta a fazer, tinha que fazer as atividades que eu não gostava. Ninguém me obrigou a entrar lá, então eu tinha que fazer. Aí, eu comecei a ver o lado legal do vôlei, do futebol. Como trabalhar melhor sem ter que só jogar a bola para meninas. Eu tive a disciplina Psicomotricidade, voltada para a Educação Básica, então foi muito legal” (Prof.ª Ana). “Eu lembro que o que adorava no curso eram as aulas muito técnicas. Sempre fui um aluno muito estudioso, mas não questionava o que aprendia com os professores. Então eu não questionava os professores. Os professores não faziam a relação entre o que estávamos aprendendo e a vida profissional, muito menos eu! Isso é uma questão de amadurecimento também” (Prof. Élcio).

119

“Era bom aluno, sou bem nos estudos até Hoje,. Em 1987, tinha 17 anos e passei no Vestibular. Se fosse agora, eu aproveitaria mais as disciplinas do que aproveitei. Eu era estudioso, mas era pouco crítico com relação às disciplinas. Eu não conseguia fazer uma ponte do que eu estava aprendendo lá com o que eu faria na escola. E isso também não era feito pelos professores. Eu não tinha muito essa preocupação. As aulas eram aleatórias e não tinham nenhuma ligação. Eu freqüentei a escola de Educação Física entre 1987 a 1991, e em 1991 fiz vestibular para Medicina" (Prof. João). “Eu entrei na EF com a idéia fixa de trabalhar com natação. O que não era direcionado a natação não me interessava muito. Acho que isso foi um erro. Eu entrei na faculdade achando que aquilo lá era uma academia. Quando entrei no Minas Tênis Clube para trabalhar com natação, eu estava no terceiro período. Eu só fui ficar mais atenta no final do curso, quando estava pra sair de lá. Foi Aí, que eu vi que devia ter aproveitado mais” (Prof.ª Sônia). “Eu entrei em 2001 na UFMG (...) Foi um curso ótimo, mas em outras ficaram devendo. Eu entrei pro curso pensando ser técnica de natação. Uma matéria que me marcou muito foi a natação, apesar de que ficava pensando: ‘- Nossa, mas é só isso?’ Mas muita coisa eu questionava. Você fica querendo algo mais. Apesar de na graduação a gente ser um eterno estudante, mas na Educação Física tem professores que te fazem perceber que você tem que correr muito atrás" (Prof.ª Luíza).

Os professores que marcaram a vida acadêmica dos entrevistados eram

profissionais competentes, que dominavam as técnicas que deveriam ensinar; e

apesar de exigentes, tinham boa relação com os alunos, mantendo uma postura

afetiva e alegre.

“Na graduação os professores que me marcaram foram vários (...) Eu ajudava o professor de vôlei (...) com a arbitragem, ele ensinava mais a parte técnica e tática, e eu o ajudava a ensinar na arbitragem, aula de súmula. Quando eu entrei já era arbitro e ele me conhecia. Foi um professor que marcou muito” (Prof. Sérgio). “Os professores que me marcaram foram os que me cobravam muito: primeiro, a Anatomia; segundo, o professor de atletismo. Ele deixava mais ou menos solto, mas ao mesmo tempo ele pedia muito(...) Ele fingia que estava deixando a gente largada, mas ele nos cobrava muito. E a ginástica olímpica, ela exigia da gente como se fossemos atletas, da mão sair sangrando! Tinha que ser do jeito que ela queria. Ela ensinava primeiro a fazer, depois colocava a gente para raciocinar o que a gente estava fazendo. Eu achei isso muito positivo (...) A natação, mesmo que não me pedisse eu estava muito empenhada a buscar. O professor de vôlei (...) não me marcou pela exigência, mas pelas suas risadas. O basquete também foi um céu” (Prof.ª Sônia).

A hegemonia do ensino com ênfase no gesto técnico, especificamente das

modalidades esportivas, também se deu durante a formação inicial, prevalecendo a

120

visão esportivista da EF. Fato que veio a reforçar a cultura incorporada do esporte

em sua trajetória escolar.

Ao relatar sua passagem como aluna na graduação, a professora Alva faz

uma comparação destacando a mudança na grade e no processo ensino-

aprendizagem ao longo das décadas. Ao fazê-lo, admite que o curso atual é melhor

do que o que ela teve. Ao ressaltar a diferença da formação inicial dos cursos de

graduação em EF atualmente, afirma que a sua formação teve ênfase na prática não

reflexiva, portanto, tecnicista:

“Hoje, eu vejo a EF totalmente diferente da minha. Em termos de matéria, em termos de prática, em termos de obrigação. Hoje, os alunos fazem mais trabalho. São obrigados a fazer mais atividades teóricas com muito mais fundamento, fazem trabalhos teóricos sobre a própria evolução. Então esse desenvolvimento foi muito superior ao que eu fiz” (Prof.ª Alva). “O curso de EF me traz ótimas lembranças. Entrei em uma turma que era muito questionadora. A maioria das aulas eram esportivistas. Na aula de atletismo, o professor cobrava o gesto técnico, a perfeição, como se fossemos atletas. As aulas, no entanto, eram muito gostosas, divertíamos muito (...) Eu não sei como está o curso agora, mas o que fiz, a ênfase era no esporte, na técnica. As aulas de vôlei eram para aprender a jogar, as de dança para dançar e as de brincadeira para brincar” (Prof.ª Teca).

As aulas no Instituto de Ciências Biológicas ofereceram outra dimensão do

significado de ser aluno universitário. O olhar diferenciado sobre o corpo, que não a

prática esportiva, gerou um duplo sentimento de medo ou desprezo, reforçando

ainda mais o que supunham entender sobre a formação docente em EF, ou seja,

uma visão tecnicista do movimento humano.

“No ICB é que sentíamos na Universidade, tínhamos medo não dos cadáveres, mas dos professores (...)” (Prof.ª Teca).

“Havia um descaso por parte dos alunos a outras disciplinas. Bioquímica, eu passei, mas não aprendi nada” (Prof.ª Rita).

Para os professores que disseram que o espaço e tempo foram pouco

estimulantes, do ponto de vista intelectual, a formação inicial não influenciou as suas

práticas, uma vez que a ao exercer a profissão, o espaço e tempo eram outros,

diferentes do meio acadêmico. Já para os que exaltaram este espaço de formação,

as referências são a excelência de ensino, a consistência do trabalho realizado

pelos professores, a diversidade e boa formação cultural.

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Na fala de três professores entrevistados, ao se referiram ao mesmo

professor de sua graduação, na disciplina Vôlei, destacaram os aspectos afetivos na

relação professor/aluno. Para um, este professor era bom, “mesmo sendo militar”;

para outro, foi a sua interação entre aluno/professor que possibilitou a co-educação;

e para outra, a sua postura afetiva e alegre com os alunos foi o mais motivador.

“Na graduação, os professores que me marcaram foram vários (...) Eu ajudava o professor de vôlei (...) com a arbitragem, ele ensinava mais a parte técnica e tática, e eu o ajudava a ensinar na arbitragem, (aula de súmula). Quando eu entrei já era arbitro e ele me conhecia. Foi um professor que marcou muito” (Prof. Sérgio). “Os professores que me marcaram foram os que me cobravam muito. Primeiro a Anatomia, segundo, o professor de Atletismo. Ele deixava mais ou menos solto, mas ao mesmo tempo ele pedia muito(...) Ele fingia que estava deixando a gente largada, mas ele nos cobrava muito. E terceiro, a Ginástica Olímpica. Ela [a professora] exigia da gente como se fossemos atletas, da mão sair sangrando! Tinha que ser do jeito que ela queria. Ela ensinava primeiro a fazer, depois colocava a gente para raciocinar o que a gente estava fazendo. Eu achei isso muito positivo isso (...) A natação, mesmo que não me pedisse eu estava muito empenhada a buscar. O professor de vôlei (...), não me marcou pela exigência, mas pelas suas risadas. O basquete também foi um céu (...)” (Prof.ª Sônia).

Três professores da rede pública de ensino se formaram em EF pelo

Programa de Expansão e Melhoria do Ensino Médio, PREMEM, na década de 1960.

O programa foi sancionado pelo Decreto nº. 63.914, de 26 de dezembro de 1968,

(...) tendo como objetivo específico de incentivar o desenvolvimento quantitativo, a transformação estrutural e o aperfeiçoamento do Ensino Médio. A sua função era a de administrar os projetos de âmbito nacional que visavam ao treinamento e aperfeiçoamento de professores de Ensino Médio geral, à construção de um ginásio polivalente modelo na capital de cada Estado, ao equipamento e manutenção dos centros de treinamento de professores de ciências, à seleção de bolsistas para aperfeiçoamento no estrangeiro e à organização de serviços de assistência técnica educacional (Artigos 1º, 2º e 6º).

Os professores que cursaram o PREMEM afirmaram que ingressaram no

curso através de concurso público, semelhante ao vestibular da época, e recebiam

para estudar na escola de Educação Física (UFMG). Nesse período, afirmaram que

a infraestrutura das escolas estaduais contempladas no projeto era de excelente

qualidade. Nesse programa, foram investidos recursos orçamentários federais e

estaduais e extra-orçamentários de fontes internas e externas neste programa, no

entanto, ele não foi adiante, entrando em processo de extinção a partir de 1977.

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Um professor relatou que, seus professores eram ao mesmo tempo

docentes no curso de EF pela UFMG e exerciam a carreira militar, o que influenciou

na formação disciplinadora incorporada pelas normas e hábitos militaristas.

“Participei do PREMEM, do governo. Eu fiz um concurso e entrei. A gente fazia o curso de EF e depois recebíamos uma verba, muito boa, para dar aulas no interior. Na cidade de Caeté, onde trabalhei no PREMEM, tinha todo o material. Era como uma escola aberta. A gente dava aula nos horários depois das aulas deles. Aí, o dinheiro acabou e foi tudo embora também” (Prof. Luís). “Eu fiz a prova do PREMEM, igual a um Vestibular. E Aí, eu fiz um ano na Universidade Federal (...) A gente ganhava bem, era bastante, dava pra viver! O curso era de um ano (...) Deixei tudo lá (...) Eu deveria trabalhar em uma cidade do interior de Minas, mas como o PREMEM acabou, eu não fui para lá. Voltei, sem trabalhar para o programa. Mas me lembro que, com o PREMEM, eles melhoraram o espaço e, se não tinha, eles alugavam. Tudo era melhor: o espaço, material, tudo!” (Prof.ª Lúcia). “Apareceu uma oportunidade para fazer o curso do PREMEM. Eram dois anos e era feito na escola de EF da UFMG, na Gameleira. O PREMEM era um curso oferecido pelo governo. Era como um vestibular e os melhores classificados tinham o direito de escolher a cidade para trabalhar. Eu queria trabalhar em Belo Horizonte. Na época, era muito dinheiro que se ganhava para fazer o curso, era em dólares! (...) Éramos muito bem pagos para estudar. Não sei por que, mas depois que o programa acabou, deixaram de mandar a verba que vinha dos Estados Unidos, acho (...) O PREMEM foi muito bom, muito puxado. A maioria dos professores era militar. Então a disciplina vinha em primeiro lugar. Tivemos aulas de vários esportes, manhã e tarde. Como não havia escola para mim, porque eu fui bem classificado e não tinha nenhuma em Belo Horizonte, e logo depois o PREMEM foi extinto, não dei aulas por ele (...) Depois que me formei em EF no PREMEM, tentei vestibular na UFMG e passei bem, fui bem classificado, isso em 1969. Completei o curso de EF em dois anos porque pude eliminar várias disciplinas, por causa do PREMEM” (Prof. Cecel).

As disciplinas mais difíceis

Para alguns professores, as disciplinas mais difíceis (esgrima, esportes com

bola) eram aquelas que não tinham sido vivenciadas antes da graduação. Para o

professor formado na década de 1950, o ensino da EF se atinha a algumas

atividades destacadas em relação ao militarismo, tais como marcha e exercícios

calistênicos. Destaca-se nos depoimentos a dificuldade na prática do Basquete,

esporte considerado “masculino” e praticado quase que exclusivamente por homens,

durante muitos anos.

“A disciplina mais difícil foi a Esgrima” (Prof. Luís). “O curso foi muito interessante, porque eu entrei disposta a fazer as atividades que eu não gostava. Ninguém me obrigou a entrar lá, então eu

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tinha que fazer. Aí, eu comecei a ver o lado legal do vôlei, do futebol, como trabalhar melhor sem ter que só jogar a bola para meninas” (Prof.ª Ana). “Basquete era a coisa mais difícil do mundo! Eu só tive contato com a bola na faculdade e eu fiquei tão traumatizada” (Prof.ª Lúcia).

Alguns atores consideraram as disciplinas teóricas mais difíceis, em relação

às disciplinas práticas. O habitus esportivo vinculado à “prática pela prática” ou à

prática pela técnica/desempenho, sem uma reflexão sobre ela, se justifica pelo

pensamento dicotômico entre corpo/mente, refletido e reproduzido na concepção de

educação e reforçado na EF durante décadas, no contexto escolar.

“As disciplinas mais difíceis foram a Anatomia, a Fisiologia. Não sei como está agora, mas na época a gente não entendia muito” (Prof. Cecel). “Nas disciplinas teóricas eu não ia muito bem, mas nas práticas me dei muito bem. Minha nota melhor foi 7.5 (...) Eu me sentia muito só nessa busca. Embora meus pais me dessem apoio, não sabiam o que era uma faculdade. Na minha casa eu sou a única a ter um curso superior. Eu sou a penúltima e nenhum irmão fez curso superior, só primário. Não tinham condições para isso não” (Prof.ª Alva). “A disciplina Fisiologia do Esforço foi muito difícil. Essas aulas teóricas poderiam ter sido melhores. Deixaram a desejar. Isso me marcou negativamente” (Prof. Sérgio). “As matérias teóricas foram mais difíceis. A fisiologia do exercício, eu adorei” (Prof.ª Lúcia). “Eu queria vencer a etapa de Anatomia a qualquer custo! Porque eu não queria ver aqueles cadáveres na minha frente nunca mais. Eu tinha medo, eu sonhava. Tanto que depois da Anatomia, eu nunca mais peguei em carne. Eu não sou vegetariana, mas quase. Eu podia tomar bomba em qualquer matéria, menos em Anatomia, embora nunca tivesse tomado. Mas anatomia, eu sabia a origem e a inserção de tudo!” (Prof.ª Sônia).

Da sala para o palco

No depoimento da professora Rita, observa-se a permanência da vivência

da dança com foco em montagens coreográficas para espetáculo no curso de

graduação, na década de 2000. Nota-se que, em nenhum momento, se referiu às

reflexões sobre a formação do professor de EF a partir da dança, ou seja, a vivência

da dança é destacada pela satisfação das apresentações artísticas, em detrimento

de sua formação como docente.

“O curso de EF é um curso muito legal. Eu acho que todo mundo deveria fazer. Subir no palco, por exemplo, era uma coisa que nunca tinha feito. Fazer-me gostar do palco foi lá! Fazer conhecer dimensões da cultura de movimento, antes eu só achava que era natação... os trabalhos, a turma,

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na sua diversidade. Fazer com prazer (...) Cada um com a sua linha de trabalho. Uns querendo mais treinamento, outros voltados para a EF, outros para a dança. Tenho ótimas recordações” (Prof.ª Rita).

Unidos, só nas aulas de Ritmo e Recreação

Durante décadas, os cursos de EF reforçaram o conceito de que as

atividades deveriam ser diferentes e diferenciadas para homens e mulheres.

Segundo Sousa (1997a), com a mudança da grade implantada em 1991, no curso

de EF da UFMG, a organização das turmas utilizou-se do critério da ordem

alfabética, substituindo o critério por sexo, possibilitando que homens e mulheres,

em conjunto, praticassem e aprendessem a ensinar os esportes, tanto do Futebol de

Salão como o Basquete e a Ginástica Rítmica, por exemplo.

Dois professores se referiram à separação por sexo das turmas para as

aulas práticas, favorecendo e fortalecendo o pensamento de considerar como

“natural” a distinção entre determinadas práticas corporais condicionadas ao gênero.

Ao relatarem que as disciplinas Ritmo e Recreação foram vivenciadas em turmas

mistas, nesse contexto pode-se constatar o senso comum sobre a prática da dança,

caracterizada apenas como movimentos rítmicos.

De acordo com Sborquia (2002), a dança, inserida nos cursos de EF, em

princípio como Ritmo e Movimento, visava o aprimoramento técnico-esportivo, com o

fim de preparar homens fortes e saudáveis, justificando a influencia da Pedagogia

tecnicista. As aulas de Ritmo e Recreação eram as únicas disciplinas vivenciadas

em turmas mistas, não existindo um conflito entre homens e mulheres. Pelo

contrário: pelos depoimentos, observa-se o processo de co-educação entre os

alunos. No entanto, a distinção entre Ginástica Rítmica para mulheres e Judô para

homens, permite ler a perpetuação dos atributos masculinos e femininos pelo

esporte e, também, segundo Sousa (1997a, p.35), “os mascaramentos que,

historicamente, vão sendo modificados, para que seja garantida a implantação dos

valores desejados, com regras diferenciadas para homens e para mulheres”.

“Na graduação, as aulas eram separadas. As aulas de Ritmo e Recreação eram juntas (...). Não tinha nenhuma dificuldade por ser junto. Acho que também era pela idade, a gente era mais maduro, não éramos mais adolescentes. As meninas levavam a gente também. E a gente ia” (Prof. Sérgio). “As aulas eram divididas em turmas masculinas e femininas. Os homens tinham Judô e a gente, Ginástica Rítmica. O gesto técnico era cobrado e

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ensinado em todas as disciplinas. A gente não aprendia com ensinar, mas como fazer” ( Prof.ª Teca).

Aprender a dançar na graduação

Ao perguntarmos aos atores se na disciplina de Dança na graduação em EF

haviam aprendido a ensinar a dança, tanto para as professoras como para os

professores, formados em várias épocas, a didática era voltada com ênfase na

aprendizagem da reprodução de passos coreográficos, caracterizando uma

aprendizagem da “prática pela prática”. A dança vivenciada com o fim em si mesma,

através da reprodução da técnica de determinados movimentos, era voltada ao

desenvolvimento da performance do aluno. Nesse sentido, o desenvolvimento da

técnica formal da dança não ocorreu paralelamente ao desenvolvimento do

pensamento abstrato do aluno, permitindo a compreensão do significado da dança e

da expressividade nela contida.

“Ensinavam a praticar. Nada de como ensinar, mas como dançar” (Prof. João). “Ensinava a dançar, porque muitos não dançavam, principalmente os homens (...)” (Prof.ª Lúcia).

“As disciplinas na graduação ensinavam mais a fazer. Poucos professores tinham a preocupação em ensinar a ensinar. Mesmo porque, teve uma época, aquela ‘legião estrangeira’ que está até Hoje, que nunca tinham colocado o pé numa escola brasileira, e estavam ensinando as técnicas esportivas, dos esportes de alto rendimento (...) A disciplina de Dança nos ensinava aquelas técnicas de expressão corporal e pra gente desenvolver o nosso potencial motor. Não nos ensinava a ensinar” (Prof. Élcio). “A Dança era junta, meninos e meninas. As aulas de dança eram muito divertidas. A gente ria de quem não sabia ou não tinha jeito pra dança. A professora fazia passos e nós éramos avaliados pela nossa performance ou quem conseguisse fazer o mais parecido com o gesto dela. Eu não me lembro de ter usado, como professora, alguma coisa que essas aulas me ensinaram. Aliás, nunca soube o porque tinha o nome de Dança Elementar” (Prof.ª Teca). “Tinha uma monitora de dança folclórica que dizia assim: ‘- O passo é assim, mas eu vou quebrar pra você’, e a gente aprendia mais facilmente” (Prof.ª Luíza).

A professora Ana, com idade abaixo de 30 anos, disse ter vivenciado a

pedagogia do ensino da dança, entretanto, ainda direcionada para elaborações

coreográficas:

126

“Na disciplina de Dança, ensinava a fazer e a ensinar. Colocar a dança de forma intencional, trabalhar alguma coisa com os alunos, isso vai desenvolver o que nos meninos? Era uma fundamentação do porquê fazer. A gente aprendia os passos, mas nos davam possibilidades. Por exemplo, pensar a dança na cultura popular não só em festas juninas. O professor de EF é sempre requisitado na época de Festa Junina. Eles sempre ligam: ‘- Você tem alguma dança ‘diferente’ para festa junina, sem ser quadrilha?’ (Prof.ª Ana).

A professora Luíza se mostrou indignada com o processo de reproduzir os

passos de uma dança característica da cultura midiática. Se, por um lado, esse

depoimento mostra a continuidade de uma visão tradicional e superficial na

disciplina Ritmo e Movimento, no início do século XXI, por outro, evidencia que, em

outras vivências direcionadas à dança, já houve uma maior contextualização, no que

se refere às possibilidades de se refletir, aprender e vivenciar a dança. Entretanto,

ao afirmar ter sido orientada para a reflexão sobre esse conteúdo, não se aprofunda

nessa questão:

“O que me lembro da disciplina de Dança foi Ritmo e Movimento... A professora morreu e o substituto (...) não foi muito bom. Foi muita reprodução, coisas assim. A gente teve Axé39. Ele colocou a música “Menina na Praia” e a gente, ridiculamente, dançou essa coreografia no auditório. Não teve nenhum debate sobre esse tipo de dança. Depois nós tivemos a Introdução à Coreografia, (...) e foi ótimo. A professora (...) ensinou tudo da dança. Passou o filme Billy Elliot. Tinha muita leitura, muito vídeo, muita discussão. Ela dava introdução de tudo, era super aberta, deixava a gente questionar, sugerir. No Festival, a gente podia escolher ou dançar ou participar da organização. A gente pode ver um pouco do outro lado. E tive dança folclórica (...) Acho que pra toda turma foi uma aula muito bacana. Tinha muito trabalho em grupo. Hoje, eu sei montar uma coreografia. O Afro foi a única [dança] que não ensinou a ensinar. As outras ensinaram a ensinar e a correr atrás” (Prof.ª Luíza).

As vivências diferenciadas pelos gêneros

Alguns atores, graduados no período de 1960 a 1999, disseram terem

vivenciado a dança em turmas separadas por sexos. Nesse aspecto, os homens se

referem à dança como algo mais voltada para a recreação, já as mulheres, para a

montagem coreográfica. Observa-se que, para a prática das aulas de dança, era

exigido o uso de trajes específicos, trajes esses utilizados em academias de dança,

ou seja, inicialmente criados para a prática do balé ou jazz. Esse fato certamente

reforçava a representação por parte dos alunos e da sociedade sobre a prática 39 Axé pode ser classificado como gênero musical dançante, originário da Bahia, de ritmo enérgico, com elementos afro-brasileiros.

127

dessa atividade cultural, como sendo essencialmente feminina, representando a

estreita e contínua imbricação entre o social e o biológico, uma forma de categorizar

através dos trajes, os movimentos corporais socialmente entendidos como naturais

de cada sexo. A exclusão “natural” também se dava a partir da distinção dos

aparatos divulgados pelas academias de dança.

“(...) As aulas eram separadas. Principalmente nessas coisas da dança folclórica, eu me vesti de homem” (Prof.ª Lúcia). “Eu inclusive fiz parte do grupo de dança na Escola de EF da UFMG. Eram danças mais modernas, era só de mulheres. Eu me lembro dos macacões, a gente até brincava: ‘- Nossa! Ainda bem que era só de mulheres. Imagina só eles de malha!’ (risos)” (Prof.ª Sônia).

Os professores homens formados na década de 1960 disseram não terem

vivenciado a dança como uma disciplina regular:

“Tinha e eu participava quando era convidado, dançarino, né? Nas quadrilhas, só não fui noivo, o resto eu fui” (Prof. Luís). “Eu tive aquelas aulas de ritmo e aquelas danças e brincadeiras na Recreação. O que eu lembro é isso.” (Prof. Sérgio) -“As aulas de dança foram mais voltadas para ritmo e movimento. Havia a disciplina de Recreação (...) aquelas brincadeiras que a gente não esquece” (Prof. Cecel).

Somente o professor Élcio, graduado no início da década de 1990, disse ter

vivenciado a dança com ênfase na expressão corporal. O fato de não ter vivenciado

a dança folclórica foi pela falta de professor no período em que se formou:

“O que eu me lembro é da disciplina Ritmo. Não tive dança folclórica. Eram orientações espaciais de deslocamento dentro de um determinado ritmo. Um trabalho que nós fizemos em conjunto foi passar uma mensagem através da expressão corporal. Lembro de uma espécie de teatro que eles acharam engraçado” (Prof. Èlcio).

A dança folclórica fragmentada

Todos os atores disseram ter vivenciado a dança folclórica, quer como

disciplina regular ou inserida na disciplina de Recreação pelos cursos de graduação

em EF. Essa vivência diferenciada e distanciada colaborou para a concepção da

distinção entre dança como recreação e dança como conhecimento ou, mais

precisamente, como espetáculo. Observa-se que a denominação da disciplina

128

Dança sempre esteve atrelada a uma categoria como Dança Elementar, Dança

Folclórica, Dança Moderna, Ritmo e Movimento, o que favorecia ainda mais o

entendimento superficial, distante e fragmentado sobre sua abordagem na formação

inicial. Essa visão é confirmada por se referirem apenas às suas participações em

elaborações coreográficas para apresentações de trabalhos em grupo ou de

espetáculos. Nota-se que, a dança folclórica é vivenciada através da reprodução de

coreografias reelaboradas pelos grupos de projeção40. Nesse caso, a dança

folclórica é reproduzida sob a tutela da estética erudita.

“Tinha mais era Dança Folclórica, apesar da resistência de alguns alunos. As aulas eram mistas (...) Eles mandavam a gente fazer alguma pesquisa e alguma coreografia dentro da dança folclórica. A gente buscava as coreografias de conhecimento que a gente tinha de Festa Junina, de Bumba-meu-boi, esses conhecimentos que a gente tinha no Ensino Fundamental” (Prof.ª Alva). “Nossa! Eu tive a melhor professora da minha vida (...) A mulher era uma coisa! Era militar mesmo. Era bom demais, bom demais! (lágrimas) Tinha uma dança baiana. Ela ensinava aquelas danças. Ah! Tinha outra professora: era uma dança marcada... Ritmo!” (Prof.ª Lúcia). “A disciplina de Dança foi dividida por bimestre: no primeiro era Balé, no segundo eram danças populares e o terceiro, estágios e trabalhos com crianças. Tinha provas práticas: cada um tinha que escolher a sua música e montar a sua coreografia. Tanto que virou um evento. Quando tinha prova de dança, a faculdade toda assistia” (Prof.ª Ana). “Eu peguei o currículo antigo e tive Dança Folclórica e Dança Moderna em um período só. Eram duas aulas por semana, um semestre” (Prof. João).

Os atores, ao se referirem à vivência da dança folclórica, revelaram uma

ênfase em montagens coreográficas, abordadas de forma diferenciada pela

disciplina de Recreação. A dança folclórica não foi abordada e contextualizada como

uma manifestação cultural inserida no contexto histórico, social e cultual da qual faz

parte, mas numa visão apenas voltada para a espetacularização, como uma

40 Podemos categorizar três formas de utilização e apropriação dos fatos folclóricos: o primeiro seriam os Grupos Autênticos, que se utilizam dessa manifestação com o intuito de preservar suas crenças, seu modo de viver, agir e pensar, transmitido por gerações de forma tradicional e funcional, fazendo parte de sua identidade cultural (por exemplo, as Folia de Reis, as Catiras, os Reinados, entre outros); o segundo seriam os Grupos Tradicionais, sendo um modo de projeção, cuja característica básica é a preservação e manutenção de valores culturais de um determinado grupo social como forma de distinção, por exemplo os Centros de Tradições Gaúchas; e o terceiro seriam os Grupos de Projeção ou para-folclóricos, voltados à recriações estéticas coreográficas e musicais, a partir da pesquisa na diversidade das raízes culturais. A projeção folclórica tem como princípio básico apenas a divulgação de aspectos (fragmentados e selecionados) da cultura popular, reproduzidos em espetáculos artísticos de caráter erudito.

129

expressão exótica e diferente. A cultura é vista como exterior ao sujeito. O processo

ensino/aprendizagem da dança se limitava a “colecionar” coreografias de outras

regiões, de outros sujeitos, sem o conhecimento de suas origens e diversidades. A

preocupação com o trato do conhecimento da dança na graduação era direcionada a

eventos em que a dança fosse desenvolvida e vivenciada como fim em si mesma.

Nesse distanciamento, nota-se que em nenhum momento, algum professor se

referiu a qualquer expressividade da dança em Minas Gerais.

“Na disciplina de Dança, teve uma coisa muito legal: a professora pediu para a gente montar uma coreografia sobre a marcha fúnebre. Aí, eu me lembrei que eu tinha ouvido essa música quando criança com a minha tia. Nós chegamos a apresentar essa coreografia no interior de Minas Gerais. Assim, eu fui me destacando em alguma coisa” (Prof.ª Alva).

“Na Dança Folclórica (...) a gente via muito a cultura do lugar. Até o Barbosinha41 dava danças folclóricas (...) As danças dele eram muito ligadas a brincadeiras. A gente aprendia a brincar e não a ensinar... E depois a gente ia para a sala e as professoras colocavam aquelas lâminas lá para a gente aprender a ensinar, mas a gente nem olhava...” (Prof.ª Sônia). “As aulas de Dança Folclórica foram ótimas, mesmo aprendendo como dançar as danças de determinada região. Nunca foi dito por que se dançava daquele jeito ou o seu histórico. Quando entrei no Grupo de danças folclóricas da EF é que fui aprender um pouco sobre seus históricos, pois os apresentadores falavam antes de dançarmos” (Prof.ª Teca). “Na Dança Folclórica, no trabalho final, a gente tinha que montar uma coreografia de dança, que foi uma leitura que a gente fez na biblioteca, e a gente montava. Lembro que a gente pedia a outros alunos para ajudarem a montar a coreografia” (Prof. João).

Quando perguntados sobre alguns fatos marcantes como aluno na

graduação, alguns atores se referiram especificamente à sua vivência com a dança.

A fala do professor Élcio, justifica a rejeição a dança pela possibilidade de se expor

através dela, além de sua dificuldade em acompanhar corretamente o ritmo, o que

reforça a concepção e vivência da dança apenas direcionada a apresentações,

inclusive na disciplina de Recreação:

“(...) Lembro que tinha um Grupo de danças folclóricas, que eu passei a freqüentar. Fiz uma apresentação no teatro da UFMG. E depois eu vi o filme, vi que não tinha o menor jeito. Aí, eu abandonei, eu vi que estava fazendo papel de palhaço lá (risos). Isso me marcou bastante (...) Eu não

41 O ator se referencia ao professor, na época, da disciplina de Recreação do Curso de Educação Física da UFMG.

130

lembro qual região que era não. Eu lembro o dia da apresentação, suava frio. Foi uma coisa muito marcante pra mim. Na minha turma, eu acho que fui o único. Eu era iniciante mesmo! Não sei como a professora teve coragem de colocar-me para dançar (risos). Isso me marcou bastante (...) A disciplina que mais me balançava era a de Dança, justamente por (...) me expor. No meu imaginário, eu entendia que não era um cara adequado para dançar. No esporte, eu me soltava mais, apesar da gente ter que se expor. Eu lembro que gelava quando o Barbosinha dizia: ‘- Toca, dona Eva!’ E Aí,, quando ela tocava, eu tinha que entrar. (risos) E o meu ritmo, eu achava que não era muito bom” (Prof. Élcio).

De aluno de dança a professor

Na avaliação de alguns a disciplina de Dança não contribuiu de forma

efetiva para a aplicação desse conteúdo durante a sua atuação como professor de

EF escolar. Nos discursos dos atores, permanece um distanciamento muito grande

entre EF e dança. Observa-se que não há uma clareza quanto as formas como a EF

pode contribuir para que as pessoas interajam melhor com seu grupo, utilizando-se

da dança.

“As disciplinas na graduação não me ajudaram a ensinar, mas talvez, elas inconscientemente me ajudaram” (Prof. Élcio). “O que as aulas de dança contribuíram na minha docência? Nossa! Acho que nada. Eu nem sabia contar! Eu não sabia o ritmo dela. Eu não sabia o tempo das músicas” (Prof.ª Sônia). “Tive que buscar em livros e com pessoas que sabiam mais sobre o assunto” (Prof. Cecel).

“Na Introdução a Coreografia, (...) cada aluno teve que escolher um tema, a música. E termos técnicos: cânon. Eu uso, mas não sei os nomes” (Prof.ª Rita).

Com a mudança de currículo no curso de EF da UFMG, os atores

graduados na década de 2000 passaram a vivenciar dois semestres de dança.

Nessa nova realidade, a professora Rita, ao comentar sobre a proposta da disciplina

Dança Folclórica, demonstrou ter vivenciado as danças inseridas na cultura popular

tradicional de uma forma mais abrangente, que não só a reprodução.

“Tivemos Dança Folclórica I e Folclore e Educação. Na Dança Folclórica, toda aula valia um ponto. Mas ninguém se importava! (...) Ela foi professora substituta e foi homenageada, de tão marcante que foi! Ela passou pra gente a cultura no Brasil (...), o que é e o que deixa de ser Folclore. As aulas práticas foram muito marcantes. Tudo com um referencial teórico por detrás. Era obrigatório? Era! Mas eu sentia, pela turma, que todos dançavam. Via colegas homens dançando, e gostavam (...) Na optativa ‘Folclore e Educação’, a nossa turma foi conhecer o Festival de Folclore em

131

Jequitibá [interior de Minas]. Fomos também a Dores do Indaiá, Minas Gerais. Acho que era outra reflexão, não só a prática” (Prof.ª Rita).

A ausência de leituras

Quanto às leituras realizadas sobre essa prática cultural, no período de

graduação, os atores disseram, em sua maioria, ter se limitado apenas às apostilas

preparadas por seus professores, não se referindo a nenhuma literatura específica

da área. Infelizmente, observa-se que, essa ausência de leitura especificamente da

área da Dança se deu por várias décadas, na trajetória da formação inicial dos

atores. Nessa análise, pode-se pressupor que, os referenciais teóricos que os

professores tiveram durante a sua formação inicial estariam ligados a uma

concepção técnica para o trato da dança, relacionando-a com a atividade física,

sem uma abordagem dos aspectos históricos, sociais, culturais, estéticos e

políticos em que a dança está inserida. A leitura direcionada a “receitas” de

coreografias estimulou, de certa forma, para o entendimento de que o papel da

dança na EF se restringia a reproduzir e, não a refletir sobre ou a partir dela.

“Havia leituras durante o curso. Tinha apostilas, livros mesmo! Na disciplina Ritmo teve muito pouco. O período era muito curto” (Prof. Luís). “Eu sempre li muito, sempre busquei em livros e revistas as informações que necessitava. Sempre gostei de ler e fui muito estudioso. Na graduação, as aulas eram mais práticas, mas tinha algumas apostilas” (Prof. Cecel). “Tinha sim. Um dia era teórica, na dança também, e na outra era prática. Tinha alguma apostila. Eu até tenho aqui em casa! “(Prof.ª Lúcia).

“Tivemos muito pouca leitura. Acho que não tinha bibliografia naquela época. O que a gente lia era mais sobre a técnica e a tática. No Ritmo teve muito pouca coisa” (Prof. Sérgio). “Na disciplina de Danças Folclóricas, a professora tinha uma apostila. Eu recorro a ela sempre que preciso. Mas as aulas práticas foram muito marcantes. Tudo com um referencial teórico por detrás. Tinha leituras, textos e a apostila dela” (Prof.ª Rita).

“Não me lembro de nenhuma leitura, a não ser nesse dia que fomos à biblioteca para o trabalho de danças folclóricas” (Prof. João).

Apenas duas professoras disseram realizar a transposição de outras leituras

para a área da dança. Contudo, isso só ocorreu após a sua formação inicial e na

atuação como docente.

132

“Não me lembro de ter lido nada sobre a dança no curso de EF. As minhas leituras são sobre educação, que eu transfiro para a dança e para a EF” (Prof.ª Teca). “Autores não me lembro, mas tem um livro que se chama ‘Dança e Educação’, que me orienta... livros de Ioga e de expressão corporal, que eu utilizei durante a minha gestação. Tem muitos livros que falam da gestação e das mudanças do corpo relacionado à gravidez, que eu utilizo com os meus alunos na aula de dança. Não é voltado para a EF e sim para a gravidez. Então, eu consegui pegar muito disso, de como seu corpo está mudando. Eu vejo que o corpo das crianças está mudando, e muda rápido, o desenvolvimento físico, de crescimento, de maturação sexual. Então, eu vejo que o meu trabalho de dança no ano que vem será diferente” (Prof.ª Ana).

6. 4- Docência e Educação Física na trajetória pro fissional

Ao registrar a trajetória profissional de nossos atores, não se pode deixar de

registrar as escolas percorridas ao longo de sua profissão até o momento de sua

inserção na escola em que a pesquisa foi realizada. De acordo com Rockwell e

Mercado (1988), o traslado de uma escola a outra, a mudança de cargo e a sua

inserção em determinada escola, requerem na carreira profissional a apropriação de

saberes necessários para atuar de forma satisfatória em cada situação. Além disso,

segundo as autoras, é no cotidiano escolar que se fazem presentes as vozes vindas

de várias direções (das reformas políticas; das trocas de experiências de atualização

e das experiências acumuladas em outras escolas, entre tantas outras).

A caravana da docência: trajetórias como profission al de Educação Física

Nos depoimentos, contata-se que os professores ao se formarem,

exerceram a docência em várias escolas antes de ingressarem nas escolas em que

realizamos a pesquisa. Contudo, observa-se que os professores da Escola Rosa,

imediatamente após terem se formado, ingressaram na rede de ensino escolar

pública, atuando ao longo de suas carreiras em média de três a quatro escolas como

contratados42. Desses, somente dois disseram trabalharem em outros espaços fora

da escola (escolas de natação e ginástica olímpica), antes de ingressarem no meio

escolar.

42 A rede pública estadual de educação de Minas Gerais permaneceu por mais de 20 anos sem oferecer concursos públicos para professores. O último foi realizado em 2000, o que provavelmente contribuiu para que o fluxo de professores designados aumentasse nessas escolas.

133

“Fiz concurso para Prefeitura. Trabalhei numa escola estadual (...) depois na escola municipal (...) quatro ou cinco anos. Na Escola Rosa, três anos. Na escola da prefeitura estou há vinte anos! Eu não sei a ordem. Ah! Trabalhei em Caeté [MG] dois anos. Eu mudava de escolas porque eu era contratado, e no dia do concurso eu perdi a hora. Depois de dez anos como contratado, eu fui efetivado” (Prof. Luís). “O marido de minha irmã comprou um colégio (...) e lá eu trabalhei com EF. Trabalhei muitos anos com a pré-escola. Eu já trabalhava como professora de 1ª a 4ª séries. Lá fiquei, acho que uns cinco anos. Aí,, passou um tempo, eu dobrei e peguei de 5ª a 8ª série. Depois eu fiz outro concurso e dei a aula também de 5ª a 8ª, e trabalhava num colégio particular de 5ª a 8ª séries (...) Aí, eu fiz um segundo concurso e entrei (...) Fui para uma escola do Estado e lá fiquei até aposentar. Fiquei lá sete anos. Nessa escola, eu fui diretora durante cinco anos. Foi maravilhoso” (Prof.ª Lúcia). “Eu trabalhei em várias escolas particulares, com a pré-escola (...) por ter feito o curso de Psicomotrocidade, o que era um diferencial. Fui convidado a trabalhar em escolas de freiras (...) Teve época que trabalhava em quatro escolas. Na escola particular (...), o meu professor de EF escolar trabalhava lá. Eu tinha sido um bom ex-aluno, lá fiquei 19 anos! Foi muito legal. Fiz o concurso e estou nessa escola pública, há 14 anos (...) Vou aposentar esse ano” (Prof. Cecel). “Quando me formei, fui trabalhar em uma academia de natação (...) Fiquei lá dois anos. Mas sabia que não era o que eu queria fazer. Eu queria ser professora de EF em escolas e não em clubes! Aí,, eu consegui entrar num colégio particular (...) Lá trabalhei com a EF no ensino de 5ª a 8ª séries, só para meninas de classe alta. Como eram da elite, elas faziam cursos fora da escola: Jazz, Balé, Ginástica em academias... e não faziam EF. Até diziam: ‘- Eu não vou pegar nessa bola suja!’, ‘- Eu não vou quebrar a minha unha’, coisas desse tipo. Depois recebi um convite pra substituir uma professora de EF com licença maternidade, em Carajás, no Pará. Eu nem sabia onde ficava, tive que olhar no mapa. Larguei tudo (...) E Aí, fui trabalhar com um contrato de quatro meses(...) Quando venceu o contrato, apareceu uma vaga e me contrataram definitivamente. Fiquei lá de 1991 até 1995(...) Quando vim embora, fui morar em São Matheus, Espírito Santo (...), e lá fui chamada para dar aulas em uma escola pública (...) Quando voltei pra Belo Horizonte, abriu concurso pra professor no Centro Pedagógico/UFMG. Eu fiz (...) e fiquei um ano como substituto. Em 2000, passei no concurso do Estado, e fui trabalhar numa escola pública no bairro Ipiranga [Belo Horizonte]. Lá foi o oposto de tudo que tinha vivenciado até então: falta de recursos materiais, professores desiludidos, os alunos agressivos. Atualmente dou aulas de EF na escola Rosa,(...) na Prefeitura de Contagem com Ensino Médio (...), e em uma escolinha particular (...) de Educação Infantil....” (Prof.ª Teca). “Eu me formei e comecei a trabalhar com ginástica olímpica na escolinha, com a minha professora (...)Trabalhei com natação, ginástica em academia. Em 2002, eu fiz concurso no Estado (...), com 1ª a 4ª séries (...) Lá eu fiquei seis meses. Eu era contratada e depois de seis meses veio a efetivação e Aí,, na ordem de classificação uma professora escolheu a escola. Normal, né?Fazer o quê? E Aí,, eu escolhi outra escola estadual para trabalhar com a Educação Infantil (...) Fiquei lá por 4 anos, de agosto de 2002 a 2006 (...) Dou aulas em uma escola particular de Educação Infantil” (Prof.ª Ana).

134

Já os professores da Escola Azul, também percorreram várias escolas,

porém, em sua maioria, na rede de ensino particular, ingressando nessas por serem

(bons) ex-alunos ou por indicação de amigos ou parentes, ou seja, pelo seu capital

social em terem ligações diretas ou indiretas com os responsáveis por essas

instituições. Entre esses, também houve os que trabalharam em academias ou

clubes (três mulheres) e outros com esportes coletivos. Isso, paralelamente, ou

antes, de ingressarem na referida escola. Somente um professor disse ter

participado de um concurso público na rede municipal de Belo Horizonte. Três

professores trabalharam numa mesma escola particular antes de ingressarem na

Escola Azul, sendo que dois desses atuam, também, como docentes em cursos de

formação superior para professores de EF.

“Fui substituindo em um monte de colégios. Eu fui ex-aluna (...) e o diretor valorizou esta parte (...) Dei aulas também em uma escola pública de 5ª a 8ª, lá então eu dei mais aula teórica, substituindo uma professora do magistério, e dava voleibol. Era técnica na escola. Dei aula em uma escola particular (...) também, lá fiquei doze anos (...)” (Prof.ª Alva). “Primeira escola que trabalhei eu ainda estava no segundo período de EF (...) Ensino Fundamental só. Eu dava aula para o masculino, eu e uma mulher para as meninas (...) Entrei a convite desse diretor, uma vez que estudei lá. Depois, fui convidado pelas freiras para ir para uma escola particular (...) com Ensino Primário. Isso em 1975 ou 1976. Fiquei lá dois anos (...) Era árbitro nacional de vôlei ao mesmo tempo (...) Agora, só trabalho aqui” (Prof. Sérgio).

“Eu comecei trabalhando com natação (...) Mas depois eu fiquei noiva e optei pelo noivado, e optei por ficar na escolinha de um clube (...) Aí, eu fiquei decepcionada por não ganhar dinheiro com a natação. Fui pra informática, fiz três ou quatro cursos de informática. Tinha um irmão que estava se dando muito bem. Aí,, eu pedi pro clube para ficar só com quatro horas. Pensei em desistir e ir para a informática, Aí, eu fui chamada para trabalhar nessa escola. Então, a parte financeira ficou suprida. Então, eu desisti da informática. Trabalho aqui e no Clube...” (Prof.ª Sônia). “Comecei como monitora de natação em um clube. Eu ganhava só o lanche! Depois disso, eu comecei, ainda no terceiro período de EF, a dar aula de natação na UFMG, com a orientação da professora. Depois eu fui para uma escola (...) como monitora de ginástica olímpica, recebendo e tudo (...) Depois, paralelamente, comecei a trabalhar como contratada numa escola pública estadual para os ciclos 1, 2 e 3 e aqui no colégio Azul. Eram realidades diferentes(...) Então não tinha como pegar um projeto pronto da Escola Azul e colocar lá. Agora estou aqui e Hoje, começo em outra escola de Educação Infantil, particular (...)” ( Prof.ª Luíza). “Eu era bolsista na faculdade e dava aula para iniciantes em natação e hidroginástica também (...) Assim que formei, em 2000, eu comecei a trabalhar em uma academia, dando aulas de hidroginástica e ginástica. Em 2001, a minha tia me indicou para dar aulas na escola particular em que ela trabalhava, para dar aulas de danças folclóricas (...) Eu não sabia o que ia fazer, mas precisava de emprego. Eles estavam precisando de professora

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de Balé. Tinha um evento ‘Literarte’ e eu tive que montar algumas danças de 1ª a 4ª série. Na EF tinha essa obrigação, com pacotinhos de coreografias prontas(...) Hoje, estou na Escola Azul com a EF e o grupo de Dança, e também com o grupo de Danças numa outra escola particular (...) ” (Prof.ª Rita). “Trabalhei como preparador físico (...) Eu entrei para a Prefeitura em 1994 e saí agora, em 2007. Dei aulas para o segundo ciclo, correspondente a 5ª, 6ª e 7ª séries e trabalhava na Escola Azul, ao mesmo tempo (...) Além disso, eu e mais dois amigos tínhamos uma escolinha de esportes (...) Hoje, trabalho num curso de formação para professores de EF (...), além do Colégio Azul” (Prof. Elcio). “Eu fiz monitorias em natação, vôlei, depois fiquei num clube (...) com coordenação de Esportes. O pessoal do clube queria que eu largasse a faculdade e só ficasse trabalhando. Aí, eu disse ‘não’. No sétimo período, eu dei aula numa escola particular para alunos de 5ª a 8ª séries. Fiquei lá três anos. Mas, em 1991, fiz vestibular no final do ano para Medicina. Aí, eu passei, larguei o colégio e fui fazer só medicina. Mas eu acabei desistindo da Medicina e voltei a dar aula. Fui indicado para trabalhar em outra escola particular. Lá fiquei 14 anos. Atualmente, também dou aulas em uma faculdade de Educação Física” (Prof. João).

Alguns professores comentaram sobre a dificuldade em se trabalhar em

duas escolas ao mesmo tempo, destacando que, mesmo sendo pertencentes a uma

mesma rede de ensino, têm visões diferentes sobre a educação:

“Trabalhar em duas escolas diferentes é ruim... É péssimo. Por exemplo, marca uma reunião nas duas escolas no sábado, como é que você vai fazer. É melhor você ter uma escola só. Que é uma mesma teoria” (Prof.ª Lúcia). “Dei aulas paralelamente em uma escola pública da prefeitura, (...) e uma particular (...) Então, eu tive que atender a duas demandas diferentes” (Prof. Elcio).

Da reprodução aos questionamentos

Observa-se que, as práticas pedagógicas no início de suas carreiras (tanto

em suas vivências nas escolas públicas quanto nas particulares) se aproximaram ao

que haviam vivenciado ainda na sua trajetória escolar, ou seja, o que tinham mais

domínio: as práticas esportivas. Ao mesmo tempo afirmam sobre a dificuldade em

introduzir outras práticas corporais ou até mesmo outras modalidades esportivas,

diferente do esporte de quadra.

“ Um dia as meninas ficavam no vôlei e os meninos no handebol. No outro dia, eu trocava. Você precisa ver os meninos jogando vôlei. Como professora eu trabalhei, dança, handebol, basquete, vôlei. Inclusive, as professoras ficavam morrendo de raiva de mim, porque elas davam as mesmas coisas e eu cheguei dando outras coisas. Nossa! Elas implicavam

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comigo demais. As professoras A e B davam aulas de 5ª a 8ª séries (...) e ficaram as duas juntas contra mim. Eu entrava num lugar, elas ficavam em outro” (Prof.ª Lúcia). “A gente dava ginástica e jogava bola (...) Trabalhar com esportes de quadra era mais prático. Como eu ia dar ginástica sem o colchão? Vou pedir pro menino colocar as costas no chão? Jogar bola é mais prático, né? Como eu ia dar Judô? Nas escolas que tinham material, eu cheguei a iniciar o Judô, mas os colchões eram ruins, não tinha tatami. Depois o futebol tomou conta mesmo, e o voleibol” (Prof. Luís). “Logo que eu me formei, eu fui trabalhar numa escola particular (...) de 5ª a 8ª. E lá eu reproduzi muito do que eu vi no meu curso de formação: as quatro modalidades dos esportes coletivos. Nem atletismo tinha, mas tinha a natação. Sempre nessa perspectiva do esporte. E eu comecei a dar aula ensinando os esportes sem muito questionamento que Hoje, a gente tem: pra que isso, por que isso, o que a gente está aprendendo aqui é bom para o dia-a-dia, desenvolve isso, isso...” (Prof. Élcio).

A inserção nas escolas pesquisadas

Observa-se que os professores da Escola Rosa atuaram como designados

ou contratados, durante alguns anos, em outras escolas públicas, antes de

ingressarem nela. Cabe aqui ressaltar que, somente duas professoras são efetivas

atualmente nessa escola. Todos são concursados para exercerem a profissão de

professores de EF na rede pública estadual de Minas Gerais e dois também em

redes municipais de ensino. A transição entre escolas públicas não foi por motivos

pessoais, visando uma melhor qualidade, no que se refere a melhores condições de

trabalho, mas sim, por opção em continuar a trabalhar como docente na rede

pública. Somente uma professora disse ter escolhido ingressar especificamente na

Escola Rosa , entre as muitas outras opções:

“Quando vim para Belo Horizonte, já era concursada no Estado. Aí, eu vim para essa Escola (...), eu tinha experiência e fui chamada para ser vice-diretora” (Prof.ª Lúcia). “Um dia, eu estava dando aulas para uma turminha de três anos, no último horário, dia 22 de março de 2006, a diretora disse: ‘- Você não vai poder continuar mais aqui, o Estado diminuiu a carga horária e o seu cargo não cabe mais aqui’. E aí, a inspetora me disse que tinha uma escola boa para mim. Aí, eu fui à superintendência e no outro dia, no primeiro horário, eu estava com uma turma de 7ª série! Foi um choque, porque você deixar num dia uma turma de 3 anos e no outro pegar alunos de 13! Era uma turma dificílima Tanto que quando eles saíram, a escola achou ótimo, porque era uma turma indisciplinada. Era uma turma agressiva. Eu sei que nas duas primeiras semanas eu pensei em pedir exoneração. ‘Não vou desistir, estudei tanto para chegar até aqui!’ (...) Eu sou professora de Educação Infantil em outra escola, em sala de aula. A minha paixão é

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Educação Infantil. Fiz o magistério no nível médio. Depois caí, aqui, com 5ª a 9ª série. Achei que não ia gostar, mas acabei gostando” (Prof.ª Rita).

“Nessa escola entrei como contratado, fiquei lá só três anos. Depois, vim para uma escola pública mais perto de casa” (Prof. Luís).

“Entrei na Escola Rosa como contratado. Fiquei lá acho que quatro anos. Não me envolvia muito, dava as minhas aulas e ia embora” (Prof. Cecel).

“Em 2002, eu passei com ótima classificação no concurso público e pude escolher a escola para trabalhar. Aí, quando me perguntaram, eu escolhi essa escola (...), primeiro porque era mais perto de casa e também por achar que era um bom lugar para trabalhar” (Prof.ª Teca).

Já os professores da Escola Azul disseram terem sido convidados a

ingressarem nessa escola, passando por um processo de entrevistas. Os mesmos

profesores ingressaram na escola a partir do contrato inicial como seus técnicos em

escolinhas de atividades esportivas extraclasse, oferecidas por essa instituição.

Dentre eles, somente uma disse ter ingressado na escola através da coordenação

de um grupo de projeção de danças folclóricas em outra escola particular. Antes de

serem admitidos na escola, os professores buscaram referências anteriores sobre

ela, através de outros profissionais nela atuantes. Dos professores que ingressaram

a partir de 1992, foi exigido um maior comprometimento com a EF, no que diz

respeito a “conquistar” os alunos para essa prática pedagógica, evidenciando a

expectativa que a escola tinha sobre seu corpo docente na área da EF. Pelos

depoimentos, observa-se que a Escola Azul manteve a prática de selecionar os

professores mais qualificados e que melhor atendiam às suas expectativas e

propostas pedagógicas. Observa-se que o vínculo com a escola era estabelecido

desde a sua entrada, não havendo diferenciação entre professores efetivos e

contratados, como na rede pública.

“Eu fui chamada para substituir uma colega que estava grávida e também porque o diretor (...) conhecia meus pais. Fui dar aulas pro primário e de 5ª até a 8ª séries. Fiquei lá vinte e cinco anos e na outra escola, oito” (Prof.ª Alva).

“Em 1978, eu vim pra cá, convidado, também, pelo diretor (...), porque eu pegava carona com ele, eu jogava futebol de salão e era atleta do Clube Atlético (...) Aqui entrei em 1978, nos níveis Primário e Ensino Médio (...)” (Prof. Sérgio).

“Em 1980, eu tinha dois alunos de natação (...) que eram filhos de uma professora e coordenadora no turno da tarde, aqui na escola. Eles diziam: ‘- Nossa! Você tem que trabalhar na Escola Azul, suas aulas são boas demais! Você tem que ir pra Escola Azul’. Aí, eu fui indicada e fiz a entrevista. Peguei só o Primário” (Prof.ª Sônia).

138

“Em 1992, apareceu uma oportunidade de a gente vir prá cá. Aí, eu deixei a preparação física no Clube Cruzeiro (...) Eu fiz opção pela área escolar e eu fiquei em duas escolas particulares (...) Lembro de quando fui chamando para trabalhar, a direção exigiu que a gente fizesse com que os meninos gostassem da EF. Era o único objetivo! -Como não gostar da EF? E a gente foi saber que tinha varias polêmicas dos professores anteriores. Então, eu fui contratado com o objetivo de fazer com que os alunos gostassem da EF” (Prof. Élcio).

“Eu entrei aqui com o projeto de dança. Com o projeto de 5ª ao Ensino Médio(...). A direção estava esperando um professor de dança, eles estavam precisando. A minha tia me indicou. E na entrevista eu disse: -Porque vocês não colocam um grupo de dança folclórica?’ Na outra escola... em que eu trabalho, tem um grupo tão legal (...) E Aí, eles me aceitaram. Em 2006, a academia me mandou embora, porque eu estava com poucas aulas e eles queriam que eu ficasse mais lá. Quando eu voltei de férias, o coordenador disse: - Rita, tem três turmas do Ensino Médio, primeiro ano, você que? -Quero!’ ” (Prof.ª Rita). “Na época, me convidaram para dar aulas de vôlei. Aí, eu disse que não. Aí, quando um professor (...) foi para a Austrália e meus colegas disseram que aqui trabalhavam com uma proposta diferente. Só que eu dava vinte e seis aulas na escola Y. Porém, essa escola começou a dizer um tanto de coisa em relação à EF, não a entendendo como área de conhecimento, que eu optei por ir para a Escola Azul. Ai eu peguei algumas aulas à tarde, pra 1ª a 4ª série” (Prof. João). “Chamaram para ser monitora aqui sem receber. Porém, o professor era mais velho e a minha possibilidade de aprender era maior. Aí, eu larguei onde recebia e vim para cá de graça, por investimento profissional. Depois, ele saiu e eu fiquei sozinha. Depois de três meses, fui contratada para ser professora de ginástica olímpica. Depois, fui contratada para trabalhar na Escola Azul” (Prof.ª Luíza).

Cada escola, uma realidade

Nota-se que os professores da Escola Rosa não tiveram muitas

experiências em trabalhos coletivos, quando atuaram em outras escolas da rede

pública, seus planejamentos eram desenvolvidos individualmente, além de haver

distinção e hierarquia pelos próprios professores, entre os designados e efetivos, o

que aumentava ainda mais a relação de tensão entre si. Nesse caso, fica claro o

jogo de poder e de interesse no campo da EF escolar, o que, pela falta do

pensamento coletivo, reforçava o trabalho individual e isolado dos atores.

“Numa escola estadual (...), de 5ª a 8ª série, na cidade de Bambuí [MG], tinha um professor que não era formado. Não tínhamos nenhuma relação, ele era pra lá e eu prá cá. Ele não sabia nada! Ele só sabia fazer os meninos correr. Ele fazia os meninos correrem em volta da praça de esportes o tempo todo. Nossa! Eu ficava revoltada, que correria! Nas reuniões eu falava mesmo, até Hoje, ele tem raiva de mim (...) Não está certo isso! (...) Na Escola Rosa,, eu achei muito difícil. As professoras eram muito enjoadas. Não sei se elas têm uma cabeça muito pequena. Dos alunos eu até gostava, fiz olimpíadas, fanfarra, bandinha, danças folclóricas, mas lidar com as professoras é aborrecido” (Prof.ª Lúcia).

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A experiência em ingressar em outra escola, pelos professores da rede

privada, provocou em alguns deles um estranhamento, tanto de conteúdos com os

quais não “dominavam” ou não tinham vivência como docentes, como em relação à

exigência da escola. Porém, a busca de novos conhecimentos e sua troca entre a

equipe de profissionais eram as condições de sobrevivência no espaço de trabalho.

Na fala da professora Alva, observa-se o seu entendimento quanto à distinção entre

as suas práticas corporais e seu estilo de vida, com relação ao corpo docente e

discente da Escola Azul .

“Na Escola Azul, eu me achava meio complexada. O nível do colégio era muito diferente do meu nível. O colégio dava aula para classe A, e eu não estava acostumada com isso. Assim, houve um aprendizado muito grande com os alunos. Recebo bilhetinho até hoje (...), A aula era lá no ginástico. Então, não tinha dificuldade nenhuma, não tinha um planejamento a seguir. Tinha um coordenador, mas não tinha planejamento. Eu dava ginástica, eu gostava de despertar no aluno a autoconfiança” (Prof.ª Alva). “O coordenador dessa época me ajudava muito. Em 2005, eu peguei uma turma de 1ª, uma de 2ª, e uma de 4ª, ou seja, crianças de sete a dez anos. Mas é muito mais tranqüila, principalmente pelo apoio. Ter os professores A e B43 para espelhar é muito importante” (Prof.ª Luíza). “E aí, eu pensei: ‘E agora? Eu me especializei tanto em natação... ’ Aí, eu peguei as aulas do Curso Básico44. A gente fazia uma EF toda baseada na Psicomotricidade, a gente queria que eles tivessem muitas e muitas experiências com todo tipo de material, para que eles tivessem no “arquivo da cabeça” deles uma facilidade para toda atividade física que eles quisessem trabalhar. Éramos sete ou oito professores. No Ensino Primário, éramos três professores para duas turmas. A gente tinha uma equipe excelente. Primeiro, eu fui atrás da Literatura para me dar um aparato para dar as aulas. Eu ia à faculdade e procurava professores titulares das matérias e perguntava quais os autores que eu tinha que buscar. As dificuldades eram mais no sentido de buscar a variedade de atividades e materiais, porque a EF, nessa faixa etária, não era no sentido de buscar resultado. Então, no Primário, a gente fazia mais a Psicomotricidade. Naquela época, não tinha coordenador de EF, depois que passou a ter” (Prof.ª Sônia).

43 A professora se refere aos seus professores de EF no período de sua escolarização e que agora são seus colegas de profissão. 44 O Curso Básico foi um curso criado por um grupo de professores da área da EF, em que as atividades são direcionadas aos temas da Psicomotricidade, com ênfase na vivência esportiva de forma generalizada.

140

A comparação com as outras escolas em que trabalhar am

Alguns professores teceram alguns comentários, comparando as escolas em

que trabalharam. Em sua maioria, o trabalho coletivizado em outras escolas foi o

ponto de destaque:

“Na escola particular foi muito bacana, pois tinha um coordenador que me deu todo o apoio, pois, para meu desespero, peguei turmas mistas! Nunca tinha dado aula para homens. O coordenador me ensinou tudo, claro que bem esportivizado: as aulas eram de vôlei, futsal, handebol e basquete. Ele me ensinava:- Você coloca duas fileiras uma de cada lado do campo e os alunos deverão dar toques com a bola um para o outro, coisas assim. Sempre em cima da técnica, como fazer o gesto técnico, do mesmo jeito que aprendemos na graduação. Não tinha nada de teoria sobre os esportes. Tudo que sei como ensinar os esportes aprendi com esse professor, que era o coordenador” ( Prof.ª Teca).

“O pessoal hoje está tão solto. Não dá resultado. Se não tiver alguma coisa bem organizada, não sai. Não é uma coisa militar. Mas é exigindo, conversando. Por exemplo, eu terminava a aula uns 10 minutos antes e a gente conversava o que aprendeu o que fez de bom e o que fez de ruim. Isso eu aprendi no PREMEM. E, com a experiência com a profissão, eu fui aumentando mais ainda. O resultado foi maior” (Prof.ª Lúcia). “Eu achei muito difícil ser professora de EF. O meu universo era a academia. Os alunos me testavam. Hoje, eu dou aula para a 5ª série. Tudo mudou. A energia é outra. Hoje, não tem conteúdo que me apavora. Acho que tudo é possível” (Prof.ª Rita). “A supervisão tinha muito medo do professor de EF que chegava e soltava os meninos. E como ela viu que na minha aula os meninos não ficavam soltos, ela começou a apoiar o meu trabalho. A gente tinha um contato com os professores, e a gente trocava experiências. A gente trocava artigos pros professores de sala de aula (...) A minha prática era melhor, quando se trabalhava em conjunto com os professores de sala. O conteúdo da Educação Infantil é muito próximo da EF. De 1ª a 4ª não tem brincadeira na sala de aula. Já na Educação Infantil, eles aprendiam brincando (...) Eu vejo trabalhando dois tipos de professores: o que larga pra lá e dão o futebol e a queimada e o que corre atrás. Eu busquei na hora em que senti necessidade, em artigos, periódicos, livros. Várias vezes eu disse: ‘Você pesquisa na sua casa que eu pesquiso na minha’. A busca é em conjunto com o aluno” (Prof.ª Rita). “No colégio Azul, as aulas eram fora do colégio e extra-turno. Era num clube e depois passou a ser no ginásio de um colégio. Com isso, os meninos podiam apresentar um atestado de que faziam Inglês, ou alguma outra coisa e não iam... Com isso, só 70 % dos alunos faziam EF nessa época. E as aulas eram mistas. Lembro que nos dois primeiros anos eu seguia o planejamento, que também era só esporte (...)” (Prof. Elcio). “Totalmente diferente, não quanto à minha postura não, mas quanto à forma de ministrar a aula, sim. Primeiro, com relação à estrutura, era totalmente diferente uma escola da outra, mesmo sendo ambas particulares. A proposta de educação é diferente uma da outra, apesar do que eu acreditava no que era a EF e eu fazia muito nas duas escolas” (Prof. João).

141

Alguns professores que trabalharam em escolas da rede privada relataram a

dificuldade ao serem professores substitutos ou novatos, o que se pode relacionar

aos professores contratados nas escolas da rede pública.

“A gente nova no lugar é ruim. Alguém novo no lugar atrapalha. É ruim o professor que entra, porque ele sofre, ele fica marcado. Na escola Azul, foram os piores anos de profissão de minha vida. Eu peguei as apostilas com medo de não dar conta. Já na escola... eu tenho lembranças maravilhosas. Você me pegou no pior período de minha profissão” (Prof.ª Lúcia). “Na escola Azul, eu peguei uma época em que havia uma professora que se considerava a ‘dona da quadra’, por ter mais tempo de escola que eu. Nós nos chocamos várias vezes. Eu me lembro que, quando havia reuniões, a supervisora distribuía os projetos e me pulava. Nesse dia, eu dei o berro: ‘- Por que eu não recebi?’ A outra professora me disse que sempre foi assim e que não se importava. Em todas as reuniões eu reclamava, até que chegou o dia em que a supervisora me entregou uma cópia em que a EF estava incluída para contribuir” (Prof.ª Teca). “Quando comecei a dar aulas depois que me formei... Olha, eu me choquei. Porque a gente tem uma idealização de mostrar, de promover aquele aluno, e na época você via que aquele aluno só queria jogar, fazer time de vôlei, entrar na quadra. Eu tentei mudar um pouco, mas como eu tava substituindo, eu não podia, não queria mostrar que era melhor, sei lá (...)” (Prof.ª Alva).

“O meu colega de trabalho levantou a questão sobre a alienação dos alunos na escola, de não quererem participar. Os outros professores não questionavam. Primeiro, nós tínhamos acabado de sair da faculdade, os outros tinham mais de vinte, trinta anos de trabalho. Eles estavam numa situação muito cômoda. Podendo até aparecer algum questionamento do tipo: os alunos não questionaram. Parece que naturalizou: melhorar a coordenação motora, porque era bom! Não havia questionamentos. Poxa! Nós ficamos quatro anos na faculdade e não temos uma resposta pra esses alunos!” (Prof. Elcio).

As condições materiais De acordo com Rockwell e Mercado (1988), as condições materiais da

escola são a base imprescindível para analisar a prática docente, o que certamente

influenciará na construção do saber docente e na possibilidade de práticas diversas.

Para as autoras, essas condições estão agregadas às pautas de organização do

espaço e do tempo em cada escola. Ou seja, “o espaço e o tempo não são assim

recursos disponíveis incondicionalmente para o docente, sempre são mediados por

toda a trama organizativa e social da escola (p.69, tradução nossa). 45

45 “El espaço y el tiempo no son así recursos disponíbles incondicionalmente para el docente; siempre son mediados por toda la trama organizativa y social de la escuela”.

142

Nos relatos pode-se observar uma grande diferença nas condições

materiais (quantidade e qualidade) disponibilizada aos professores pelas escolas

das redes de ensino pública em relação a escola da rede privada. Além disso, nota-

se uma maior interação em relação às demandas do corpo administrativo, docente e

discente na Escola Azul do que na Escola Rosa.

Os depoimentos dos professores da Escola Rosa , não relatam grande

mobilização para a mudança, fato justificado pela alteração constante de

professores contratados, dificultando a interação na trama social da escola e o

isolamento do professor no seu espaço e tempo pedagógico. Nota-se que, ao

manterem-se na individualidade, os questionamentos (individualizados) dos

professores, ao exercerem a profissão na rede pública não foram coletivamente

articulados. Esse círculo vicioso, justificado também, pela da falta de recursos

materiais específicos para outras práticas, reforça o pensamento de que as outras

atividades, que não fossem os esportes de quadra, não pudessem ser inseridas na

escola.

“Tinha diferença das escolas da Prefeitura e do Estado, em relação ao material, né? No Estado não tinha nada, só bola. Até hoje, quando compra material, é de péssima qualidade. Não tinha vestiário. Como os alunos iriam tomar banho? (...) O que foi mais difícil para dar aulas na escola Azul era o espaço. As aulas eram no pátio. E ele era inclinado! Na outra escola, agora é que cobriram a quadra. É uma vergonha! Eu cheguei a dar na Prefeitura ginástica olímpica, lá tinham todos os aparelhos. Eu não tinha domínio, mas tinha conhecimento para passar para eles. Já no Estado, é sem comentários! (Prof. Luís). “Quanto ao material, sempre recebemos bolas. Na escola Azul na última vez que eles entregaram os materiais, a supervisora me chamou e disse:- ‘Teca, vem aqui para ver o que é isso, são bolas, vários tipos e duas varinhas: uma vermelha e uma branca. Deve haver algum engano! ’ Eu já sabia o que era: uma antena do poste de vôlei e bolas, bolas, bolas, vários tipos de bola. A gente até começou a rir. É o material que chega até Hoje, para nós. É um absurdo que é o material que até Hoje, a Secretaria de Educação manda para a EF, não vem outro tipo de material, mesmo a gente solicitando!” (Prof.ª Teca).

Nota-se que, já os atores da Escola Azul, demonstraram terem-se

mobilizado coletivamente em direção a mudança. No entanto, isso só foi possível

quando alicerçada à ao interesse por parte da direção no que se referia a efetiva

mobilização/ participação dos alunos às aulas de Educação Física, fato que

colaborou para se repensar a infraestrutura apropriada a essa prática pedagógica.

143

“De formação, eu e Sérgio deveríamos ser os mais novos. Mas a estrutura da EF era diferente. Nós tínhamos que dar todos os esportes, mas não dentro de uma programação: este mês é isso, aquele é aquilo. Era mais lúdico, não tinha aquela obrigação. Depois passou a ter notas, conceitos, trabalhos teóricos, pesquisas. Então a mudança foi bem radical, em termos da própria estrutura da Escola (...) As aulas antes eram feitas num clube e depois passaram para o colégio. Então o barulho da EF começou a retumbar nas salas do colégio. Tinha um ginásio, mas o barulho interferia na sala de aula. E Aí, eles exigiram aulas teóricas, por causa do barulho. O espaço físico para a EF prejudicava as outras aulas. Então, começamos a ter muito atrito com isto, com as aulas teóricas. Aí, começamos a fazer uma programação. As aulas passaram a ser mistas com aulas teóricas. A motivação por parte os alunos foi menor, porque eles preferiram as aulas práticas, isso em 1991. Os alunos reclamavam das aulas teóricas, mas nós éramos obrigados a dar. E aí, começamos a introduzir a dança, que foi muito legal. A mudança das nossas aulas foi por causa da estrutura do colégio. Porque a gente fazia aula no clube e as aulas eram só práticas, depois fomos pro colégio. No ginásio, tinha que caber duas a três turmas naquele espaço físico que a gente tinha. E também vieram novos professores. A direção dispensou vários professores e com a aquisição de novos foi juntando cada um com uma mentalidade, cada um com um projeto. Aí, foi modificando” (Prof.ª Alva). “Eu dei aula fora do colégio uns três anos. Então, quando a gente propôs essa mudança, as aulas já estavam acontecendo na Escola. O espaço, até hoje tem lá. Só que incomodava as aulas teóricas, mas também foi por influência nossa que eles começaram a mudar. A EF era um apêndice, 70% dos alunos iam. E esse problema do barulho, a gente precisava aprender a conviver com ele, melhorar o espaço, tanto que fizeram um isolamento nas janelas. Depois eles construíram uma quadra suspensa que muitos chamam de G2, outros chamam de ‘gaiola’. Se a gente não tivesse colocado esses empecilhos de que não estávamos dando aula para todo mundo e, outro argumento foi o aluguel que pagavam super caro, pra usar o ginásio do outro colégio, não teriam solucionado(...)” (Prof. Sérgio).

Além das aulas regulares, na Escola Azul , observa-se o interesse pela

direção em mobilizar os alunos a permanecerem no espaço escolar (via atividades

culturais e esportivas), criando assim um vínculo mais estreito entre os

professores/alunos e a própria instituição. Essa maior permanência na escola

favoreceu a busca e a troca de conhecimento por parte do corpo docente,

estabelecendo, uma rede de conhecimento que fortaleceu a prática pedagógica da

EF nessa escola específica.

“E a busca de material é muito importante, a gente está sempre buscando muito texto, muito filme, muito texto, muito livro. Um traz uma idéia e a gente vai adquirindo isso. E o colégio dá o maior apoio (...) O teatro, a dança, o coral, muitas coisas que não tinham antigamente, o colégio está oferecendo pra eles. E os alunos estão abrindo a cabeça para isso. Tudo é gratuito. Só o Jazz que é pago. Nas outras oficinas, é só querer participar. Não tem eliminação e exclusão, não. Quem quer e gosta, é só querer” (Prof. Sérgio).

144

Ao fazeram comentários a respeito das disciplinas oferecidas pela

Faculdade de Educação, alguns professores questionaram a sua intervenção na

docência da EF.

“As disciplinas na FAE ficaram de uma maneira muito superficial. Não foi dito, por exemplo, se alguém te perguntar para que EF, como você vai convencer o aluno do porquê dessa aula. Eu não sabia argumentar com os alunos a função da EF escolar. Eu tive Psicologia da Educação, Organização escolar, mas nada específico da EF. Teve momentos que eu fui para casa querendo desistir. Estávamos numa época em que as questões políticas no Brasil estavam “pegando fogo”. E eu aqui, ensinando coordenação motora? Foi um momento de questionamento da profissão. Não estava satisfeito com o nível de intervenção que estava exercendo” (Prof. Élcio).

O trabalho em equipe

Observa-se que o trabalho em equipe, na Escola Azul , foi o ponto de

partida de muitos professores para iniciar o processo de reflexão e mudanças de

suas práticas docentes:

“Foi a primeira vez que trabalhei com uma equipe onde havia programação e seguimento. Antes, não era assim. Tinha coordenação pedagógica, mas não tinha planejamento da Educação Física. Foi uma exigência da escola. A nossas aulas não poderiam fazer barulho, tinha que ter alternativas. Além disso, a Secretaria de Educação começou a exigir um programa de aulas da EF, então tinha que ter um planejamento mensal, anual e diário. Então, foi mudando através disso aí” ( Prof.ª Alva). “Na Escola Azul era muito interessante, porque sempre quando tinha algum problema, a gente levava pras reuniões e a gente quebrava o cacete. Quando fomos contratados na Escola, a gente tinha que ter as quintas-feiras, à noite, livre para reunião. Então, todas as quintas-feiras, fazíamos uma reunião geral. Quando não tinha a reunião geral, a gente reunia pra EF. Foi um momento de muito envolvimento, a gente queria muito mudar” (Prof. Élcio).

Observa-se pelos relatos que, com a entrada (e permanência) dos novos

professores, houve uma maior cobrança (e motivação) para as mudanças:

“Normalmente se tem essa dificuldade, inclusive em comparação ao outro, eu era a mais velha, formada. Eu via outros colegas, a diferença de obrigatoriedade. Porque os alunos ficavam mais soltos, a liberdade de ação era diferente. Eles deixavam os alunos fazerem o que quisessem. Eu já não permitia. Tinha que haver disciplina” (Prof.ª Alva). “Na década de 1990, saíram os três professores e entraram outros. Aí, eu passei a dar aulas para turmas mistas. Os professores novos trouxeram propostas novas e nós abraçamos isso e mudamos a nossa proposta radicalmente. Isso é muito importante” (Prof. Sérgio).

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“A Escola Azul, teve uma influência muito grande na continuação dessas reflexões e incômodos, porque lá encontramos no grupo de trabalho dois profissionais que formaram com a gente. As idéias eram próximas, e lá eles tinham um poder de intervenção muito maior do que a gente tinha na outra escola. Na ,Escola Azul foi uma continuidade dessas angústias, mas com uma abertura maior para refletir (...) Lá tinha um espaço de interlocução maior (...) E aí, pensamos dar outra cara para EF. Porque não pode acontecer em uma caminhada, conciliar teoria e prática, ao invés daquela alienação de só jogar” (Prof. Élcio).

A partir da relação com professores novos, no ambiente de trabalho, foram

geradas novas reflexões sobre a prática e um maior aprofundamento teórico sobre

os conteúdos da EF.

“Muita coisa que a gente tinha aprendido na graduação, eu aplicava. Mas também, trazia coisas diferentes, buscava também. Conversava com os meus colegas” (Prof. Sérgio). “O professor X fez a especialização e depois o professor Y também entrou. E nessa época, o livro ‘Coletivo de Autores’ estava sendo discutido com muita veemência. Então, em 1995 ou 1996, esse professor trouxe todas as reflexões que teve lá e a gente começou a pensar nessas dimensões. Logo depois, eu também fiz especialização. A especialização fundamentou bastante a nossa intervenção” (Prof. Élcio).

6.5- A Dança no contexto da Educação Física: expe riências dos

professores.

Apresenta-se, a seguir, os depoimentos dos professores relativos “a sua

experiência específica com a docência da dança no contexto escolar, não só nas

escolas pesquisadas, mas também em outras escolas. Em suas vivencias com a

dança o aluno não era considerado como protagonista do processo e muito menos

como um sujeito histórico, como atualmente prevêem os Conteúdos Básicos

Curriculares. Resta saber se os professores reproduziram ou não suas vivências

anteriores ainda como alunos.

6.5.1- A dança na Escola Rosa: do isolamento ao se nso comum

Os depoimentos dos atores da Escola Rosa revelaram que, a abordagem

da dança, pelos professores, foi de forma isolada e realizada dentro da perspectiva

tradicional, voltada para apresentações artísticas em eventos escolares ou a

146

associando apenas ao ritmo e movimento. Nota-se que, a reprodução no

desenvolvimento dessa prática cultural tem como base as suas vivências escolares

e, também, a formação inicial como professores. O estilo de dança folclórica foi o

mais enfatizado nas vivencias proporcionadas aos alunos, porém era,

especificamente, incluído apenas nas festividades juninas.

“Cheguei a trabalhar festa junina. Sempre eu puxava” (Prof. Luís). “Ninguém cria do nada. Tive que buscar em livros e com pessoas que sabiam mais sobre o assunto” (Prof. Cecel).

A professora Ana afirmou que, a sua formação inicial não lhe tinha oferecido

condições para o desenvolvimento da dança na escola, recorrendo aos aspectos da

psicomotricidade e do ritmo e movimento. Nessa abordagem, a dança na escola é

abordada no sentido de desenvolver no aluno somente os aspectos motor, afetivo e

cognitivo, de forma fragmentada e descontextualizada. Segundo Rockwell e

Mercado:

A negação da prática docente real como objeto de conhecimento tem tido sua expressão nas propostas de formação, no sentido de que estas apresentaram uma cisão entre teoria e prática, de tal maneira que na prática se supõe só como a “aplicação da teoria”. Com ela se aprofunda aquela distancia entre as propostas de formação de professores e as práticas escolares reais (1988, p.74, tradução nossa). 46

Ao reduzir a dança ao conhecimento de ritmos47 diferentes, os atores

demonstram entendê-la apenas como uma atividade física e não como uma

manifestação cultural. Ao relatarem ter incluído em seu planejamento esse tema (na

maioria a pedido das meninas), comentam sobre a resistência dos meninos quanto a

esse conteúdo. Ao ser permitido aos alunos a possibilidade de criar e trocar

informações sobre o estilo por eles escolhido, a aceitação foi maior. No entanto,

essa prática ainda permaneceu alicerçada à perspectiva de apresentações

artísticas, como resultado final. Esse pensamento acrítico e tecnicista em restringir a

dança somente a apresentações em eventos, socialmente construído, foi incutido e

46 “La negacíon da práctica docente real como objeto de conocimiento ha tenido su expresion en las propuestas de formacíon en el sentido de que éstas presentam una escisíon entre teoría y práctica, de tal manera que ésta se supone sólo como la “aplicacion de la teoría”. Con ello se profundiza aquella distancia entre las propuestas de formacíon de maestros y las prácticas escolares reales”. 47 “O ritmo é uma habilidade motora e também, um conhecimento musical, que é estudado a partir da métrica musical” (SBORQUIA, 2002, p. 118).

147

reproduzido pela escola, condicionando elementos de diferenciação dos sexos:

dança para meninas (que docilmente expressa a alma) e futebol para homens (se

expressavam através da força, técnica e confronto). Rockwell e Mercado (1988)

chamam a atenção para o fato de que a história nos permite dar conta de toda a

heterogeneidade que encontramos na prática docente e que, essas mesmas

práticas estão condicionadas pela trajetória histórica da escola. Acrescenta-se aqui a

relação existente entre Estado, Igreja e Escola, definindo e disputando os valores a

serem hierarquicamente legitimados, incorporados e reproduzidos na e pela

sociedade.

“Dança era mais fácil, porque você pegava o som. As aulas eram mistas. Eu não me preocupava em ser dança só com par ou não. Era dança mais livre, mais para desenvolver ritmo” (Prof.ª Lúcia). “Eu vi que a teoria não se aplicava muito na prática. Às vezes a gente levava uma atividade que diziam que era para aquela faixa etária, mas chegava lá e eles falavam: ‘- Mas é isso?’ Tanto que surgiu dança. Eu colocava muita psicomotricidade dentro da dança. Por exemplo, nesse momento eu quero um salto, um giro. A gente fazia trabalho em grupo e eles montavam a coreografia. As respostas deles foram muito interessantes. Aos poucos, fui conseguindo trabalhar com eles. E eles me cobravam mais aulas para dançar. E aí, chegou o mês da dança. As meninas pediram. E aí, foi um horror, aquele monte de meninos sentados e aquele monte de menina com vergonha. Bom, então eu pensei: ‘Chegar e trabalhar com dança não dá’. Aí, eu comecei a trabalhar com ritmo e movimento. E aí, eles começaram a participar As minhas primeiras aulas foram cópias das aulas da faculdade. Hoje, eu já faço diferente, mas era mais por insegurança minha” (Prof.ª Ana).

A permanência da visão esportivista da Educação Fís ica

O professor Cecel não vê nenhuma relação entre a dança e a EF, ou seja, o

fato de não entender o significado da dança o impede de contextualizá-la em suas

aulas. Na relação histórica do homem na sociedade contemporânea, o professor

aponta outro dado: a influência da comunicação através da mídia na reprodução de

valores incutidos pela sociedade, através da assimilação acrítica. Ele ainda não

entende a possibilidade de desenvolver esses conceitos e pré-conceitos através da

reflexão sobre a dança, difundida através desse meio de comunicação, tão mais

próximo do corpo discente.

“EF e dança são coisas distintas. Não tem professor de dança que atua com EF e vice versa. Isso é raro! A mídia divulga a dança e o esporte separados” (Prof. Cecel).

148

Dança e Educação Física: movimento

Para o professor Luís a ausência da dança nas aulas de EF se justifica pela

resistência dos alunos em relação a ela. No entanto, acrescenta que, ao praticarem

a dança, o fazem diferentemente de sua época na juventude. Assim, o professor

coloca na balança as diferentes formas de manifestações culturais, esquecendo-se

de refletir que a dinâmica das mesmas está alicerçada às transformações histórica,

social, política e econômica dos sujeitos. Além disso, ao relacionar a dança com a

EF, destaca somente a relação com o movimento, ou seja, a presença da dança na

EF se justifica porque ambas são reconhecidas, apenas, como movimento,

apresentando um pensamento linear e desvinculado da educação de forma mais

ampla.

“Eu nunca trabalhei dança de 6ª a 9ª séries porque eles têm resistência a isso. Eles têm resistência porque não foi feita a cabeça deles. Hoje, você vai numa festinha, os homens dançam de um lado e as mulheres do outro. Antes a gente dançava junto. Agora só ficam pulando e gritando. Essa matéria na escola, a dança, incentiva a gente a fazer as aulas, a ter conhecimento e a ter uma atividade física também” (Prof. Luís).

“Cada um no seu quadrado”

Quanto a desenvolver a dança conjuntamente com o corpo docente da EF,

nos depoimentos de Teca nota-se a dificuldade encontrada na inserção da dança

nessa escola de forma coletivizada (e repensada) por todos os professores. Nesse

caso, o isolamento de determinados professores contribuiu para que

permanecessem alheios às propostas dos novos professores.

“Na Escola Rosa, havia uma professora que escolhia as turmas e os horários. Ela era a mais antiga da EF na escola. Não queria organizar e nem planejar as festas em conjunto. Lembro que na festa junina eu montei várias danças e ela continuou com a dança country. A mesma de três anos seguidos, segundo as outras professoras. No outro ano, disse que toparia planejarmos juntas. No entanto, não seguia o planejamento que tínhamos montado. Por fim, deixei de lado, até que ela aposentou e eu fiquei sozinha” (Prof.ª Teca).

Da quadra para o palco

149

A dificuldade em promover o trabalho coletivo por parte de alguns docentes

e o trato com a dança permaneceu de forma tradicional e desconectada dos outros

contextos:

“Quando eu era diretora, às vezes tinha que ensaiar alguma coisa. Em dança era eu que fazia. Mesmo tendo uma professora de 5ª a 8ª, formada (...) Mas a dança, ela dizia que ‘não é coisa minha’. E na 1ª a 4ª séries, as professoras de sala é que davam EF. Os alunos ficavam doidos para dançar. Mas elas não davam” (Prof.ª Lúcia).

A abordagem descontextualizada da dança é também justificada pelos

professores ao considerarem a diminuição do tempo das aulas de EF no o ensino de

2ª a 5ª séries (de duas horas/aula semanais para uma hora/aula semanal) na rede

estadual de ensino atualmente48. Assim, a dança na escola se faz presente somente

em relação a apresentações “artísticas”, elaboradas tanto pelo profissional de EF

como pelos professores regentes, reforçando o pensamento de que a dança possa

ser abordada apenas como uma atividade.

“Eu levo as coreografias prontas, até mesmo por questão de tempo. Antes eu dava duas aulas por semana, no total de oito turmas. Agora, com a redução do número de aulas por turma pelo Estado. Antes eu dava 16 aulas por semana, sendo duas aulas por semana por turma. Agora, dou apenas uma aula para 18 turmas (...) Para a festa junina, e com a diminuição da carga horária, eu vou montar esse ano apenas oito coreografias e as outras danças as professoras de sala que montem. Algumas professoras acham legal, outras viram a cara, outras acham um absurdo. Eu não montar todas as danças como antes. Eu até cheguei a falar para elas: ‘- Vocês encontram com os alunos cinco vezes por semana, cinco horas por dia, das 07h às 11h. Vocês podem pegar meia hora todo dia e montar a coreografia. Eu não! Só encontro uma vez por semana com todos os alunos, e somente por 50 minutos’ ” (Prof.ª Teca).

A professora Ana avalia que a disciplina dança vivenciada na sua formação

inicial não lhe deu condições para a sua atuação no ensino da mesma:

“Eu nunca fiz aula de dança, eu não tinha noção de como dar aula de dança. Eu só sabia quando era época de comemorações. Aí, eu pensei: ‘Vou pro técnico’. Hoje, eu já consigo trabalhar diferente com eles. Eu já consigo fazer um trabalho com eles. No ano passado nós fizemos as danças por época, eles tiveram que buscar como eram as danças, como era os penteados, as roupas, etc.” (Prof.ª Ana).

48A diminuição da carga horária da EF no ensino fundamental na rede de ensino do estado de Minas Gerais foi implemntada notadamente logo após a elaboração e distribuição dos Conteúdos Básicos Curriculares para a Educação Física, ou seja, a partir de 2007.

150

Mesmos atores, contextos diferentes: a experiência com dança em outras

escolas

Ao exercerem a docência em outras escolas, nota-se que, há um consenso

sobre essa prática pedagógica para os professores da Escola Rosa : o entendimento

da dança como uma atividade física a ser desenvolvida com o fim em si mesma.

Entretanto, o trato com a dança diferentemente vivenciado em outras escolas, foi

realizado de forma coletiva entre os demais professores de EF. Essa

heterogeneidade da prática docente é o resultado, entre outras coisas, da

progressiva e possível apropriação dentro de determinados contextos culturais e

sociais, que também estão em constante processo de mudança.

Na fala da professora Teca, é proposto um diálogo com a cultura

incorporada pelos alunos através de um processo de co-educação aberto a outras

linguagens. A apresentação de um grupo de Congado49 numa outra escola

possibilitou o reconhecimento dessa manifestação tradicional numa outra dimensão

que não só do exótico e do distante, ou seja, numa manifestação de religiosidade

popular. Essa experiência possibilitou, segundo a professora, favoreceu o

conhecimento da dança nas instâncias do profano e do sagrado ultrapassando o

entendimento da mesma, como espetáculo artístico.

“Numa outra escola pública, o que os alunos queriam era ouvir Funk50, jogar futebol e queimada. Aos poucos, fui levando coisas diferentes e deram muito certo. Claro que foi com dificuldade, mas aos poucos fui conseguindo. Eles eram carentes de tudo! Lembro que propus dançar o Funk com eles. No início, eles acharam engraçado Até as professoras olhavam esquisito para mim. Eles me ensinariam, mas eu também iria ensinar outras danças. Eles toparam. Como a escola não estava nem Aí, para o que eu ministrava, tinha a liberdade de fazer o que quisesse. Um dia, levamos um grupo de Congado para [se] apresentar na escola. alguns alunos faziam parte, foi muito bacana. Aos poucos, levava para a direção o porquê de estar trabalhando daquela forma. Percebi que as alunas tinham uma facilidade e vivência de movimento diferente do meu (...) Na escola particular, é totalmente diferente, é uma equipe de professores. Dou aulas para a Educação Infantil. A dança é trabalhada de forma de brincadeiras cantadas e voltadas para a psicomotricidade. Lá, são crianças até seis

49 Segundo a Federação de Congado de Minas Gerais, na região metropolitana de Belo Horizonte existem mais de trinta grupos e no Estado de Minas Gerais, existem aproximadamente dois mil grupos de Congados. 50 O Funk tem origem a partir do pianista norte-americamo Horace Silver, na década de 1960, ao unir o Jazz à Soul Music e a difundir a expressão "funk style". Nesta época, o funk ainda não tinha a sua principal característica: o swing. Na década de 70 surgiram as primeiros grupos deste gênero no Rio de Janeiro. A partir da década de 1980, o funk no Rio foi influenciado por um novo ritmo da Flórida, o Miami Bass, que trazia músicas mais erotizadas e batidas mais rápidas, influenciando também na forma de dançar esse ritmo. Disponível em: (http:// www.terra.com.br/reporterra/funk/história-do-funk.htm) Acesso em: 05 de Dez de 2008.

151

anos de idade. Toda a infraestrutura, som, material, bagagem dos professores, é diferente, é outra realidade” (Prof.ª Teca).

Ao ser destacada as vivencias com a dança, o professor Cecel destaca o

fato da ausência da dança (e de outros conteúdos) na escola estar atrelada

(também) a diversidade e a qualidade de materiais disponibilizados pela instituição,

além do baixo salário do professor da rede estadual. Fato último que o obrigaria a

trabalhar em várias escolas ao mesmo tempo.

“(...) Na década de 80, assim que me formei, trabalhei numa escola estadual, com Ensino Médio. Nessa escola havia uma professora que trabalhava com dança. Ela fazia muitos festivais na escola particular que trabalhava, não sei por que não fazia no Estado. Acho que não recebia o bastante para isso (...) Mas mesmo assim, ela me ensinou muitas danças, danças que eu levava para a escola particular... A gente fazia gincanas com os alunos e na abertura eles tinham que apresentar uma dança. Era muito legal. A gente usava muitas brincadeiras de coordenação motora, equilíbrio. Os alunos adoravam” (Prof. Cecel).

“Como professores na escola particular, tínhamos a obrigação de saber tudo o que acontecia na escola, e toda a escola o que acontecia na EF. Isso era muito bom. Durante 15 anos, a festa junina foi tradição em BH. Cada ano era um tema: regional, estadual, nacional, Copa do mundo etc. Tinha os professores que eram padrinhos de cada turma (...) Toda a escola participava. No início, buscávamos ajuda de fora para as coreografias. Contratamos o Aruanda.51A escola sempre contratava alguém para ensinar uma dança que não sabíamos. Além disso, os alunos eram da elite, e sempre conheciam alguém que sabia uma dança de um determinado país. Os pais nos ajudavam muito. Depois de alguns anos, a gente tinha um acervo muito grande, pelos anos de evento e que a gente sempre consultava. Fita de vídeos. A criatividade era muito grande” (Prof. Cecel).

A tratarem a dança ainda de forma tradicional, tecnicista, fragmentada e

descontextualizada pelos vários professores que atuaram na Escola Rosa , nota-se o

pouco conhecimento dos mesmos sobre esse tema, sendo limitada à incorporação

do senso comum (divulgado pela mídia) em referir a essa prática corporal ao gênero

feminino. Além disso, a imobilidade e, o distanciamento desses profissionais,

dificultou o entendimento da dança como integrante da cultura escolar refletindo na

51 O Grupo de danças folclóricas Aruanda foi criado em Belo Horizonte, em 1960, pelo antropólogo Paulo César Vale. Pioneiro no gênero em Minas Gerais e no Brasil, tem como integrantes pessoas (acima de 18 anos) que queiram participar de suas apresentações e de suas pesquisas sobre as danças e as músicas na cultura popular tradicional. O grupo foi o inspirador para todos os grupos de projeções das danças folclóricas, existentes em Belo Horizonte.

152

ausência da mesma justificada pela relação direta com o as condições específicas

da própria escola.

Nota-se que os atuais docentes ainda não tiveram a possibilidade de

elaborarem conjuntamente um planejamento da EF. Assim, a tradicional abordagem

da dança na Escola Rosa , impediu a possibilidade de se criar uma leitura crítica do

cotidiano escolar no qual estão inseridos. Nessa realidade, o deslocamento para o

reconhecimento da dança na EF como pertencente à cultura corporal de movimento,

a relação intrínseca entre teoria e prática e as reflexões sobre a dança como

elemento educativo ainda estão ensaiando os primeiros passos na Escola Rosa.

Segundo Caldeira (2008), a visão da história presente no cotidiano é que possibilita

pensar o professor como sujeito, assim e, se o cotidiano é uma construção histórica,

ele pode ser transformado. Nessa possibilidade de ruptura, torna-se fundamental a

participação do professor52.

Contudo, nota-se, ainda, uma dificuldade na compreensão da proposta

legitimada no novo discurso da EF, entendida como cultura corporal de movimento,

no entanto, de acordo com Caldeira (2008), essas propostas, também, implicam em

rupturas e “re-conceitualizações” de uma série de conceitos que já estão lá,

“naturalizados” nas práticas desses atores. A apropriação não é imediata. Leva

tempo para passar do estranhamento para a reflexão e, posteriormente, à

apropriação. Na Escola Rosa , os professores não tiveram esse tempo (a mudança

de professores agravou ainda mais essa possibilidade) e nem houve um trabalho

coletivo que contribuísse para isso. Segundo a autora (2008) esse processo de

apropriação tem que ser alimentado e ser repensado e, de preferência,

coletivamente, o que nessa Escola, pelo isolamento do professores de EF, ainda,

não foi possível.

No contexto escolar, de professores de Educação Física e professores

regentes para uma mesma disciplina, a professora Teca, sugere outra possibilidade

de pesquisa sobre essa prática pedagógica: a inserção da dança sob o olhar e

vivências das professoras regentes. O que possibilitaria obter outros dados para se

entender a inserção da dança sob outros olhares e vivências, as professoras

regentes que, frequentemente, “dividem o mesmo palco” com a EF. Mas isso seria

52 CALDEIRA, Anna Maria Salgueiro. Saberes Docentes . Mestrado em Educação - PUC /Minas. 2º semestre 2008. Notas de aula.

153

outra pesquisa, no mínimo interessante, o que, possibilitaria o entendimento, sob um

outro olhar, da presença da dança alicerçada ao espetáculo.

“Em relação à dança, os professores acham que tem que ser o professor de EF mesmo. Seria até interessante entrevistar esses professores e como eles montam as danças para a festa Junina. Tem professores que acham que a gente tem que ter o gesto técnico” (Prof.ª Teca).

Como falar de dança sem abordar gênero?

Ao se abordar como os atores se relacionam com as diferenças de gênero

aliadas à prática da dança, observa-se alguns consensos nos depoimentos dos

atores. No depoimento do professor Cecel, percebe-se que a relação do professor

de EF em desenvolver esse conteúdo possibilitou o aluno se orientar a partir da

opinião do professor sobre o assunto.

“A questão de gênero é interessante. Eu tive um aluno numa outra escola pública (...) Hoje, é bailarino profissional no Palácio das Artes. E ele me perguntou na aula de EF o que eu achava dele fazer Balé. Disse-me que os pais não estavam gostando muito da idéia. Eu disse a ele que era para fazer o que gostasse e que deveria ir de acordo com a sua cabeça. Se fosse esperar a aprovação de todos, não faria nada” (Prof. Cecel).

Ao fazer uma avaliação da dança acadêmica, o professor sugere que, na

graduação, se tenha aulas de dança clássica, sobretudo com o objetivo de

desenvolver e aprimorar os movimentos, revelando a sua visão restrita sobre a

dança, se tornando importante no aspecto do aperfeiçoamento da técnica. Nesse

caso, nota-se que, não são distinguidas pelo professor as diferenças quanto aos

objetivos da dança ao ser ensinada numa academia e numa instituição de ensino,

especificamente nas aulas de EF.

“Acho que no curso de graduação a gente, homens e mulheres deveríamos ter Balé. É uma dança muito difícil e de movimentos complexos e de alta coordenação motora e ritmo. Talvez assim, valorizaríamos mais quem a pratica. Já tive vários alunos homens com esse interesse pela dança”. (Prof. Cecel)

Já ao se referir às danças folclóricas e gênero, o mesmo professor diz não

considerar essa relação existente nas danças folclóricas. O fato é que a relação de

gênero é muito forte nesse estilo de dança, uma vez que a sua origem está

agregada aos movimentos do cotidiano, do trabalho e da inserção das mulheres na

154

sociedade. Na literatura sobre as danças inseridas nas manifestações da cultura

popular tradicional, encontra-se uma proporção de danças em que os dois gêneros

se fazem presente. No entanto, o número de danças praticadas apenas por homens

é bem maior do que as praticadas somente por mulheres, pressupondo-se que

talvez a relação entre o público (masculino) e o privado (feminino) esteja também

refletida na nossa memória corporal através da dança.

Ao se comparar as formas de expressão na dança dos alunos numa escola

pública e outra privada, a professora Teca observa uma diferenciação quanto a

resistência dos alunos homens a praticarem certos movimentos de quadris,

movimentos que socialmente foram representados como femininos e

pejorativamente como afeminados, extrapolando a relação dos movimentos com a

opção sexual. Assim, a categoria gênero não é entendida e nem abordada pelos

professores como uma categoria construída na relação social. A diversidade na

cultura popular tradicional e as suas dimensões imensuráveis de movimentos e

ritmos refletem essa relação. A resistência do movimento lateral dos quadris

(rebolado) dos alunos nas escolas referenciadas pelos professores e que, são tão

presentes nas danças folclóricas no estado do Pará, como o Carimbo e o Lundu53,

está entranhada de valores culturais étnicos formadores dessa cultura, tão distante

dos olhares “limitados pelas montanhas de Minas”. Nesse contexto, o olhar

“naturalmente acostumado” a negar a nossa história se volta para o exótico, nos

coloca como estrangeiros de nossa própria cultura. Como exemplo, pode-se citar a

dança Lundu: poucos sabem da sua existência nas Folias de Reis no estado de

Minas Gerais, no entanto, a maioria dos professores conhecem o Lundu paraense54.

No depoimento da professora Teca, as diferentes atitudes em relação a

dança folclórica demonstra a interferência dos valores transmitidos e difundidos no

contexto escolar com os incutidos pelos alunos no seio familiar:

“Na escola da periferia, os homens não tinham essas coisas de rebolar. Rebolavam normalmente na dança Carimbó, do norte do Brasil. A gente até falava: ‘- Não gente, menos, menos!’ Quando eu fui trabalhar numa

53 A dança Lundu no Estado de Minas Gerais se apresenta vinculado às manifestações de religiosidade popular das Folias de Reis. Já o Lundu no Estado do Pará é encontrado nas manifestações de características profanas. Para maiores informações ver: CUPERTINO, Kátia. Nas entrelinhas da expressão: a dança folclórica lundu. Belo Horizonte: Quatiara, 2006. 54 A dança Lundu no Estado de Minas Gerais se apresenta vinculado às manifestações de religiosidade popular das Folias de Reis. Já o Lundu paraense é encontrado nas manifestações de características profanas. Para maiores informações ver: CUPERTINO, Kátia. Nas entrelinhas da expressão: a dança folclórica lundu. Belo Horizonte: Quatiara, 2006.

155

escola particular, mesmo quando eles fizeram a dança, acharam interessante. Eles não faziam os movimentos de rebolar. Já em outra escola particular, eles não quiseram dançar, essa dança. E falaram: ‘- Nós não vamos fazer esse tal de Carimbó, essa dança de bicha, de rebolar’ (...) Há uma diferença na escola pública da periferia e da particular “ (Prof.ª Teca).

A relação de gênero está associada aos estilos de vida que, por sua vez,

ficam tatuados nas expressões corporais dos sujeitos, cabendo ressaltar a relação

entre a cultura escolar e a cultura familiar.

“O que eu percebo é que as crianças da periferia têm uma vivência de corpo diferente, e vem com ela para a escola. Eles têm uma experiência de corpo, de movimento diferente. Talvez porque eles vêm os pais no pagode, dançando. Quando fazem as reuniões, o churrasco, os pais dançam juntos. As pessoas dançam juntas. E o mesmo não acontece nas festas das elites. Acredito que seja essa vivência que eles têm de casa” (Prof.ª Teca). “Os meninos gostam de dançar. Eles têm é um pouco de preconceito, que a própria vida social deles já impõe que menino não deve fazer dança (...) Eles têm interesse em participar. Agora, você tem que querer entrar bem devagar com eles. Primeiro, trazendo músicas de que eles gostam. Eles gostam muito de música. Dançar a música, porque dançar, eles não dançam. Já para as meninas, é mais fácil” (Prof. Ana ).

Ao abordarem as danças divulgadas pela mídia, os professores disseram ter

uma maior facilidade e aceitação pro parte dos alunos, no entanto, não disseram tê-

la contextualizado. De acordo com De Pellegrin (2007),

O consumo de determinadas formas de dança e música sempre acompanhou a trajetória do poder, povoando as experiências estéticas das aristocracias colonial, imperial e republicana, e, em um segundo tempo, das burguesias emergentes, industrial e mercantil. A padronização estética cultural se massifica nesse período marcado por uma intensa e hegemônica pasteurização fonográfico-musical e visual-auditiva. Evidentemente, o reconhecimento dessas influências midiáticas traz consigo uma conclusão assertiva: o colonialismo cultural externo e a domesticação corporal dele decorrentes (p. 48).

No entanto, nota-se que a abordagem da dança difundida e divulgada pela

mídia, permaneceu arraigada na tradição da reprodução de coreografias, sem

qualquer reflexão sobre os valores reproduzidos e introjetados por essa forma de

comunicação e, muito menos, a contextualização de sua origem social e corporal.

Observa-se que ao serem inseridas na escola também não passou pela

reflexão e critica, deixando para fora dos portões a sua relação histórica no que diz

respeito ao sexo masculino estar associado à dança de rua, a cultura popular urbana

156

e, a sua linguagem corporal sendo destacado, somente, e mais uma vez, o exótico,

o movimento, o diferente.

“Eu acho que o homem está mais familiarizado com a dança Hoje,. Por exemplo, na escola Rosa, quantas vezes eu montava na minha aula, dança de rua, por exemplo, e os meninos montavam e apresentavam. A mídia influenciou, porque aí, todo mundo ficava encantado. Era lindo!” (Prof.ª Lucia).

6.5.2- A dança na Escola Azul: da reprodução à cria ção

Segundo os depoimentos dos professores, a dança na Escola Azul era

inserida prevalecendo a abordagem acrítica e descontextualizada. A relação de

gênero era reforçada, na medida em que, as mulheres eram as que “naturalmente”

desenvolviam (reproduziam) essa prática pedagógica. Os adereços e trajes,

voltados para apresentações, também eram pré-selecionados pelas docentes,

levando-se em consideração a estética graciosa, típicamente feminina. Constata-se

que a dança folclórica, nessa escola, também foi introduzida associada às

festividades juninas.

“Eu criava. Tudo meu foi por prática, por gostar. Fazia os meninos criarem alguma coisa. Mas eles faziam mais o que eu ensinava, dificilmente eles faziam mais alguma coisa. Mas eu levava pronto para os meninos. Eu quem criava. Então, tinha na escola, o “Tico-tico no fubá”. Sempre as professoras davam. Eu fiz a coreografia” (Prof.ª Alva). “A dança antes era mais assim, na época na festa junina. As professoras eram quem ajudavam mais. Mas não era a dança como agora não. Não era para apresentação da festa junina não, era mais para ter nas aulas que aconteciam nessa época do ano. Não eram os cinco grandes temas, era mais esporte (...) Quando eu vim pra Escola Azul, as aulas eram separadas. Eu, e outros dois professores, dávamos aulas para o masculino. Também eram mais esportivas as aulas. Não tinha essa parte de dança. Tinha recreação, mas o esporte era com mais ênfase. Isso em todos os níveis. Não tinha a dança incluída no nosso planejamento não” (Prof. Sérgio) “As nossas danças eram só brincadeiras de roda. Quando eu entrei aqui em 1980, começamos a introduzir a dança através das festas juninas. Isso era feito pelos professores de artes, que faziam a festa da família. Aí, uma professor largou e uma professora de classe sentiu necessidade de introduzirmos a dança. Ela foi na direção e disse que gostaria que tivéssemos danças, porque nas festas juninas eram só barraquinhas. Aí, começamos com a quadrilha, mas depois nós vimos que tinha muita quadrilha. E aí, nós introduzimos a dança country e depois a folclórica (...) Depois, nós começamos a querer variar. E nós começamos a ver que pelos tipos de músicas ficariam bonitinhas, que tipo de adereços os alunos

157

dançariam com mais graça. Sempre voltada para a festa junina” (Prof.ª Sônia).

A dança presente nos festivais de dança: a solução?

Na Escola Azul , a dança, em princípio, foi inserida no planejamento da EF

para atender a outras demandas da Escola, com a diminuição de reclamações

quanto ao “barulho” que a EF fazia nos espaços da escola, demonstrando a tensa

relação entre a EF, inserida na escola, e a sua desvalorização. Embora os

professores focassem, no desenvolvimento das aptidões físicas do aluno, a

associação dessa prática pedagógica aos festivais de dança é recebida com um

caráter mais lúdico. Nota-se que, a motivação dos alunos favoreceu a

contextualização histórica das danças escolhidas por eles, o que lhes permitiu ir

além do limite de sua espetacularização.

“Os alunos reclamavam das aulas teóricas, mas éramos obrigados a dar. Aí, começamos a introduzir a dança, que foi muito legal. Começamos a fazer um festival. Tinha um tema que a gente dava para eles desenvolver a dança. Muitos meninos e meninas participaram. E foi legal. Tivemos dois ou três festivais de dança. Muito humor. Mas a gente ficava atenta pra eles não extrapolarem. A gente fez Lambada, Salsa, Tango, Valsa, Forró (...) Eles aprendiam como era o Bolero, como dançavam, como ele surgiu. Aí, eles escolhiam um ritmo que eles queriam apresentar. Os alunos descobriram o Tango, as coreografias com flor na boca, saia justa. A gente fazia um sorteio para que todos os ritmos entrassem no festival. Então, isso tudo entrava como conhecimento, como chance de aprender, de liberdade com os colegas, porque eles tinham que aprender com o colega, sabendo ou não, sendo feia ou não (...) Eles apresentavam a teoria da dança, depois eles apresentavam a dança. Então, foi muito motivador. Tinha grupos que levavam o som, discutiam roupa, alugavam. Se não houvesse motivação, eles apresentariam de qualquer forma” (Prof.ª Alva).

“A gente já fez vários festivais de dança, para quem queria. Essas apresentações são para o aluno se sentir apto, capaz e mostrar para todo mundo o que aprendeu. Mas os festivais de dança estavam ficando muito extensos e tinha pouco público. Tinha festival com 18 danças! Aí, nós tiramos o festival” (Prof.ª Sônia).

A professora Alva faz uma distinção entre os objetivos da dança e os

objetivos dos esportes, ambos difundidos na EF, para ela a possibilidade da prática

pedagógica da dança oferece uma maior liberdade de expressão.

“O vôlei tem necessidade de autoconfiança, a ginástica tem a necessidade de autoconfiança. A dança é uma liberdade de ação. Você vai rebolar do jeito que você quer. A dança forma a expressão corporal, muito natural. A dança mostra isso. E num bailarino você destaca o que está com a

158

expressão melhor, o que te transmite a integração do aluno. Então, eu acho que a motivação te leva a isso” (Prof.ª Alva).

A inclusão da luta e da dança: e agora?

Ao se repensar os temas da Educação Física propostos pelos novos

professores que haviam participado de cursos de pós-graduação, a dança,

inicialmente, não foi mencionada. Destaca-se o fato de que, segundo os

depoimentos, todos aqueles faziam parte do corpo docente dos novos professores

contratados e disseram ter participado de especializações eram homens e que,

segundo seus depoimentos a dança não fez parte dos seus habitus escolares,

sendo foi vivenciada como uma disciplina recarregada de valores femininos.

“Em 1995 um professor fez o curso de especialização em Educação Física Escolar e propôs uma organização de novos conteúdos, numa reunião que tivemos. Não uma filosofia de EF, mas uma organização de conteúdos. Ele colocou no quadro que a gente precisava trabalhar não só os esportes, mas os jogos, as brincadeiras, mas não foi incluída a dança! Ninguém se lembrou da dança. E Aí, começamos a dar aulas de outros conteúdos” (Prof. Élcio). “Com lutas também foi difícil. Teve professor que [disse]: ‘- Nossa senhora! Como é que eu vou fazer? Como nós vamos fazer? Vamos correr atrás. Mas vamos encarar! Vamos chamar alguns professores de fora para nos ajudar’. E aí, a agente começou” (Prof. Sérgio). “ ‘Como é que eu vou dar aula de Sumô, como vou dar aulas de basquete, de lutas?’ Eu ficava apavorada com essa possibilidade. Eu estava disposta a correr atrás, mas não tinha tempo eu ainda estava na academia E a aula de basquete? Eu não consegui dormir na noite anterior. O coordenador, na época, brincava comigo que eu planejei a aula de basquete quatro meses (...) Eu me lembro desse coordenador me dizendo: ‘- Que negócio é esse de apavorar pra dar aula de basquete? Você já me imaginou dando aula de dança?’ Ele quis dizer, não que todo mundo dá aula de basquete, mas a vivência com dança ou com lutas você já tem uma coisa a mais para a EF escolar. O basquete, você tem essa prática, não é que é mais fácil, não é tão específico quanto a dança. Basquete ele já jogou, eu já joguei uma vez na vida. Mas com dança é mais difícil. Hoje, eu não tenho mais medo” (Prof.ª Rita).

Nota-se que a inclusão da abordagem do tema Lutas, também, causou certo

estranhamento e preocupação por parte das professoras, reforçando o pensamento

do senso comum, associado apenas o aspecto biológico a determinadas práticas

corporais. Observa-se ainda que, mesmo tendo vivenciado diferentes conteúdos no

curso de EF, os professores mantiveram e reproduziram os valores incorporados na

relação entre gênero e certas práticas corporais. Além disso a sua abordagem na

159

graduação não os permitiu avançar nesses conceitos legitimados e reproduzidos em

vários setores da sociedade.

Nos depoimentos, observa-se um consenso entre os atores homens da

Escola Azul ao afirmarem que a inclusão do tema da dança na EF foi acompanhada

de um processo de tensões, conflitos e questionamentos entre os vários sujeitos e, a

mudança só surtiu efeito na medida em que foi aceita por todo o corpo docente. Ao

ao ser reinserida, nessa Escola, inicialmente era desenvolvida exclusivamente na

Educação Infantil (reproduzida através de brinquedos cantados) e no Ensino Médio

(através do ritmo do Forró), de forma descontextualizada e utilizada como apenas

uma técnica corporal, sem qualquer reflexão sobre ou a partir dela.

Entretanto, ao ser entendida como prática pedagógica presente na cultura

corporal de movimento, portanto, integrante no processo de construção e reflexão

sobre as práticas corporais, possibilitou aos professores oferecer outras práticas

além do esporte.

“Em 1997, nós começamos a organizar um quadro mais amplo dos conteúdos. E aí, quando foi se apresentar o quadro para a direção, eu me lembro de ter falado: ‘Está faltando a dança! Dança pros baixinhos, dança infantil, muito incipiente’. Mas eram danças que estavam mais na atualidade... era o Forró” (Prof. Élcio).

“A gente [se] propôs a trabalhar a dança sem ter experiência.’ Vamos correr atrás, vamos buscar’. A maioria não tinha experiência. Chamamos pessoas que tinham experiência com dança na escola, chamamos grupos de fora para dar oficinas. E fomos sempre aprendendo alguma coisa e colocando na aula” (Prof. Sérgio). “O interessante é que não era só eu que estava dando aulas de dança, mas os outros professores novatos. Nas outras séries, eram outras danças, brinquedos cantados, então todos estavam trabalhando com isso. Todos trabalhando com o mesmo Planejamento. Porém, teve um professor que recusou e os alunos disseram: ‘- Só você está dando aulas de dança, mas tal professor não está’. Eu lembro que na reunião nós discutimos muito sobre isso. Se for pra fazer um planejamento em conjunto para todo mundo, que todo mundo o siga. Sempre tudo era decidido em conjunto, apesar das resistências, formações diferentes, tempos diferentes, mas na escola Azul era muito interessante, porque sempre quando tinha algum problema, a gente levava pras reuniões” (Prof. Élcio).

A aceitação desse conteúdo para as professoras mulheres foi maior por ser

entendido como uma atividade que elas “naturalmente” dominavam, não pela técnica

em si, mas pelas experiências em se desenvolver esse tema em suas aulas.

“Nós fizemos a pesquisa naquele ‘Coletivo de Autores’ e vimos que, se a EF abordasse os cinco grandes temas, ela seria mais completa. E dentro

160

deles tinha a dança. Aí, nós exploramos a dança. E já não era mais um bicho de sete cabeças, já que estávamos trabalhando” (Prof.ª Sônia).

Constata-se que o espaço destinado inicialmente destinado a essa prática

corporal, na Escola Azul, está relacionado às academias de dança (balé), o que

contribuiu para a representação (incutida e incorporada pelos discentes) de sua

prática estar relacionada ao gênero feminino.

“Outra coisa, aqui não é assim, mas a maioria das salas de dança é rosa. Teve um dia que a professora de Balé colocou uns desenhos todos de cor rosa e os meninos não entraram. Eu disse: ‘Ah! Mas o que tem ser rosa, podia ser amarelo?’ Aí, eles entraram” (Prof.ª Rita).

Observa-se que a inserção desse tema no planejamento da EF, agora

entendida pelos professores como cultura corporal de movimento, foi acompanhada

de certo estranhamento e resistência por parte dos alunos, principalmente dos

alunos homens. No entanto, a convicção de sua importância, defendida por todo o

corpo docente da EF, e a indistinção de sua vivência por gênero, contribuiu para a

receptividade da mudança.

“A dificuldade no inicio foi muito maior. Os meninos relutaram contra, primeiro por parte dos meninos que estão muito mais interessados na bola do que uma coisa de festividade, de arte enfim. Só que depois, nós afirmamos: ‘- Não vamos abrir mão, vocês vão ter dança da primeira série até a última!’ Como eles viram que não tinham saída, eles acostumam que tinha que passar por aquilo ali. Hoje, quando eu dou uma música e peço para eles criarem uma coreografia de um minuto, com cinco ou seis vezes que coloco a música, eles tem a coreografia pronta. A direção fez elogios. Eles reconhecem o nosso trabalho” (Prof.ª Sônia). “(...) Eu tive tanta dificuldade, gostava tanto de dançar, tinha uma timidez tão grande. Porque vão esses meninos passar pelo que eu passei? Talvez nessa perspectiva sim. Lembro que, na primeira aula de dança que dei lá eu não tinha essa argumentação que tinha hoje, mas estava muito imbuído de ensinar. E aí, eu dei o meu exemplo, que eu nunca tive aula de dança na escola: ‘- Nunca tive a oportunidade de aprender. E vocês, quando tem oportunidade estão recusando?’ E aí, nós começamos as meninas muito animadas. Então as meninas me ensinaram. Não foi da noite pro dia, então elas falavam: ‘- Professor, mexe mais a cintura!’ ‘- Eu estou tentando!’ Eu falei pra vocês da minha história!” (Prof. Élcio). “Não somos nenhum “expert” em dança, não, mas pelo menos os meninos têm um conhecimento, uma autonomia. A gente vai buscar em outra escola, traz outros professores para ajudar nas nossas aulas. Estamos levando. Tem sido uma experiência bem interessante” (Prof. Sérgio).

161

Da resistência à valorização

Sendo a EF, entendida e apropriada pelo corpo docente da Escola Azul,

como área de conhecimento, as reflexões realizadas nos cursos de pós–graduação

permitiram aos professores entender o novo discurso, legitimado pelas políticas

públicas e também pelo campo acadêmico. Assim, a qualificação contínua de alguns

professores, na busca de novos conhecimentos, agregada à possibilidade de

interferir (através da sua inserção no cotidiano escolar), foi fundamental para a

aceitação e a valorização desse discurso por parte não só dos professores como

dos pais dos respectivos alunos, contribuindo para a efetiva mudança nos valores,

representações e disposições para o conhecimento.

“O que ajudou no processo de mudança nos conteúdos da EF na escola Azul foram também as intervenções que nós tivemos num Congresso. Um professor (...) mandou a nossa proposta de organização curricular para um Congresso, e a gente foi apresentar. E a gente começou a ter visibilidade na UFMG (...) a nossa organização curricular passou a ser citada como exemplo e isso foi crescendo em importância. Em 2002, eu passei no Mestrado da FAE /UFMG. Isso foi outra questão que deu respaldo. Logo em seguida, outro professor também. Isso tudo ajudou pra gente conquistar outros espaços. Nós levamos que a EF tem outra dimensão, a técnica é só uma delas (...) Por causa da especialização e do Mestrado, tínhamos argumentos mais convincentes de que a EF tem que ocupar outros espaços que não só o do ensino de esportes, na alienação total (...) Enfrentamos muita resistência também por parte dos meninos da escola. Inclusive teve alguns pais que foram na escola:- Mas que negócio é esse? A escola satura os meninos de trabalho e agora na EF os meninos vão ter que fazer trabalho? Aí, o diretor reuniu a gente e disse: ‘- Os pais tão reclamando, e agora?’ ‘ - Podemos conversar com os pais?’ E aí, sentamos com eles. E dissemos que a intenção da nossa EF é muito além disso. É mostrar pros meninos que, por trás de um jogo de futebol, tem interesses financeiros, e falamos horas. Até que teve um pai que disse: ‘- É isso que vocês estão ensinando, gostei, eu acho que o meu filho tem que aprender!’, falou desse jeito na reunião! E aí, nós conseguimos convencer os pais” ( Prof. Élcio).

Nota-se que a legitimação da inserção da dança nessa Escola também

esteve agregada aos veículos de comunicação reconhecidos pela sociedade, como

difusores e formadores de opinião, influenciando na receptividade dos alunos, na

motivação dos professores e no destaque e valorização da escola pela sociedade.

(...) A revista “Nova Escola” fez contato com um professor na UFMG, perguntando assim: ‘- Nós estamos querendo fazer umas reportagens sobre intervenções diferentes na EF’, e ele falou: ‘- Vai lá, na escola Azul, que eles fazem um trabalho interessante com dança na EF’. E aí, foi um batalhão de jornalistas nos entrevistar e também fazer uma matéria com

162

uma aula de dança. E Aí, saiu uma reportagem grande na “Nova Escola”. Isso também foi um fator que ajudou a amenizar um pouco a resistência que os meninos tem em relação à dança” (Prof. Élcio).

Da mudança de pensamento à busca de novas estratégi as

O professor Élcio relata que utilizou da estratégia de aprender a dançar em

uma academia, para depois ensinar no contexto escolar. Ressalta-se aqui que,

concomitantemente, nesse contexto social as academias de dança, com o foco para

a dança de salão se ampliaram por toda a capital mineira, aproveitando a divulgação

feita pela mídia da prática da dança de salão, reforçando o entendimento de que,

para dançá-las, as pessoas deveriam dominar suas técnicas. Assim a escolha

desses estilos e ritmos estava associada ao que os alunos (jovens) mais facilmente

aceitariam. Entretanto, a legitimidade de sua prática se dá na cópia desconectada de

qualquer contextualização, o que nos permite pensar que a abordagem dessa

manifestação cultural na escola continuou a ser tratada de forma tradicional e o que

mudou foram, apenas, os ritmos e os estilos.

“Para ensinar a dança, busquei primeiro os princípios de ensinar qualquer conteúdo na escola, na época de 1992. Eu lembro que na FAE tive acesso à dissertação da Elizângela55, que eu recolhi algumas informações lá. Agora, eu comecei por conta própria. Pensamos: ‘- Bom, se podemos fazer com o esporte, podemos fazer com a dança’ (...) Eu lembro que tive que ir em academias para aprender a dançar o Forró, pra ensinar um pouco. Pra dança especificamente, a minha professora da academia me indicou algumas apostilas, isso numa perspectiva técnica. Então cansei de dar aulas de Forró e eu não sabia nada. Eu tinha colocado a idéia, então, como é que eu vou fazer? Já outro tomou uma estratégia diferente. Acho que ele já sabia um pouco de dança. Convidou uma professora para dar algumas aulas, na aula dele e aí, ele aprendeu. Com as vindas dela, ele aprendeu também, porém foi um outro movimento. De novo, as minhas aulas de dança foram mais direcionadas na técnica com passos de Forró do que realmente discutir as relações que podem ser construídas nas danças, as questões sociais, econômicas. Essas dimensões ainda não estavam colocadas para a gente. Era mais na perspectiva de aumentar o quadro de conteúdos. A gente continuava a ensinar a técnica e a tática numa perspectiva mais ampliada, não só esportes. E ai é que cada ano, todo final de ano, a gente tinha uma discussão muito ferrenha, se os alunos estavam gostando ou não estavam. E essa mudança provoca estranhamentos, provoca certa resistência. E então a gente tentava o tempo todo, na base do ensaio e erro... conversava para ver o que a gente podia amenizar” ( Prof. Élcio).

55 O ator se refere à Dissertação de Elizângela Chaves (2002) na pesquisa intitulada “O movimento de escolarização da dança ocorrido em Minas Gerais no período de 1925 a 1937 ”, UFMG.

163

As experiências comuns aos professores da Escola Azul não estancou as

possibilidades das diferentes estratégias escolhidas por eles. Essa pesquisa

constata-se que, a maior dificuldade dos professores se baseava no gesto técnico.

Esse pensamento nos permite acreditar que a ausência do domínio da técnica

impedia os professores de desenvolver essa prática pedagógica, uma vez que,

faziam uma comparação da formação e atuação de dançarinos/bailarinos com a

formação do professor de EF e a sua atuação no ambiente escolar.

“E Aí, foi a minha grande dificuldade. Eu tive que buscar fora o que eu não conhecia relativo à dança. Tive que buscar sobre expressão corporal, o que era isso, qual a importância disso. Fiz cursos de dança criativa, dança expressiva, como isso atinge a gente. Fiz dança folclórica em grupos também. Na outra escola, quando levavam professores também para dar oficinas, a gente participava das aulas. Eu fiz dança de salão até o ano passado. Apesar de ter aula de Ritmo na escola de EF, o meu ritmo era muito ruim. Eu queira abranger a maior quantidade de dança que eu pudesse ensinar” (Prof. João). “A minha limitação técnica de dançar é a minha limitação de conhecimento. Aí, eu tive que correr atrás para buscar” (Prof. João).

Entre erros e acertos...

Para o professor Sérgio, assim com para os outros professores homens, a

disciplina de dança na graduação não foi o suficiente para a sua atuação na

docência. Já para a professora Sônia as aulas na graduação ofereceram um suporte

técnico para desenvolver a dança, ou seja, de forma tradicional, desvinculada de

qualquer reflexão, como numa academia de dança. Nota-se que, ao utilizarem a sala

de dança (direcionada para aulas de balé) a resistência por parte dos alunos -

homens- foi ainda maior. Esse fato se deve pela caracterização dada a esse espaço,

como um local específico para práticas corporais femininas, associada às aulas nas

academias.

“Lembro da primeira aula de dança, foi um caos. Foi muito engraçado, porque nesse dia dissemos: ‘- Vamos dar aula de dança’, e entramos para sala de dança e aí, todos os alunos estatelaram os olhos e se encostaram à parede e ficaram agarrados como lagartixas. Aí, a gente viu que não ia ser fácil. Era complicado, ainda mais pra quem não tinha vivência e só com a experienciazinha que a gente teve durante a faculdade não era o bastante. Nem os professores que chegaram depois em 1990, nem eles tinham experiência com dança não. Foi um desafio pra nós” (Prof. Sérgio). “As aulas da graduação me ajudaram na criação das coreografias, da distribuição, no deslocamento. Ter feito muito a prática também ajudou. Eu me lembrava do que eu fazia, e claro, com muita pratica” (Prof.ª Sonia).

164

Observa-se que, a relação estabelecida pela co-educação entre professores

e alunos possibilitou o início de um processo de reflexão na abordagem até então

executada de forma linear, reprodutora e silenciosa, ampliando a apropriação de

novos saberes sobre a abordagem da dança na escola.

“Lembro de quando uma aluna me disse que uma coisa é dançar Forró pra você, porque é gostoso. Outra coisa é dançar para apresentar. E isso que eu estou falando foram elas que me disseram. Então, vamos arranjar um espaço para gente organizar. Eles falaram dessa dificuldade: da dança em grupo e da dança em duplas. Só sei que isso motivou a turma. Eles ficaram mais interessados. Não veio todo mundo, mas veio a metade” (Prof. Élcio).

“Há uns quatro anos atrás, tinha um grupo de alunos da 7ª série com uma dificuldade enorme na dança folclórica. A dificuldade deles era que no grupo de trabalho não tinha meninas. Eles ficaram com a dança do Bumba-meu-boi56. Eram meninos que não tinham grande interesse pela escola. Aí, o líder deles os mobilizou. Eles foram atrás da representação do boi e fizeram uma dança legal. O legal foi que gerou na turma um debate de que como, às vezes, a gente coloca muitas dificuldades nas coisas e quando mobilizamos, conseguimos fazer algo legal” (Prof. João).

A professora Sônia, que antes desenvolvia a dança somente voltada para a

festa junina, relatou uma abordagem mais lúdica da dança na escola:

“(...) Então eu comecei dança assim: mostrando as formações de dança, as possibilidades de movimentos, de sincronismo, essas teorias da dança (...) Nas brincadeiras eles percebem que estamos estudando a dança. Eu coloco muitas músicas, muitos ritmos. E aí, desenvolvo com eles. Cada série tem o seu tema, por exemplo: na 2ª série eles desenvolveram os ritmos, que a gente chama de brincadeiras de dança; na 3ª série, já que desenvolvi a questão corporal, modifico um pouco; na 4ª série, a dança criativa; na 5ª série, a dança livre. Então, eles trazem as músicas que eles conhecem em casa, para gente fazer uma reflexão critica. Muitos trazem o Funk, movimentações com o corpo, até questões sexuais aparecem” (Prof.ª Sônia).

O prazer de pensar a dança

A dança, ao ser apropriada pelos alunos e professores, ganhou outras

dimensões e espaços. As apresentações não foram mais a finalidade de sua

inserção na Escola Azul, mas uma consequência casual. A associação entre gênero

e essa prática corporal foi, aos poucos, sendo reconstruída tanto pelos professores

56 Ver: CASCUDO, Luís da Câmara. Dicionário do Folclore Brasileiro . Natal: Tecnoprint S.A, 1972.

165

como pelos alunos. As reflexões não se limitavam à sua historicidade, até então,

recortada e fragmentada pelo exótico.

Nota-se que, a avaliação dessa prática pedagógica deixou de ser focada no

produto (apresentações artísticas) para ser considerada em seu processo através da

participação e aquisição de conhecimento. Nos depoimentos, observa-se a inserção

da dança numa possibilidade de abordagem desse tema como uma formação

humana mais ampliada. Assim, à abertura para as mudanças no contexto

educacional da Escola Azul possibilitou o dialogo, a reflexão e a reconstrução dos

saberes docentes apropriadas por esses professores. Nesse contexto, a

“naturalidade” da recepção pelo corpo discente foi construída através do processo

coletivo compartilhado por todos.

“Os alunos começaram a criar uma nova cultura. As apresentações de dança foram motivo de... Eu lembro que as apresentações de dança começaram a ser para escola inteira. Teve um grupo de dança que ficou tão bom que levamos paro recreio, e a arquibancada ficou cheia. Levaram o Tango. Os meninos de terno e gravata com a flor na boca, aquela representação toda. E eles começaram a curtir tanto que hoje eles não têm tanta resistência pros meninos aprenderem a dançar. Não foi só aprender a dança, mas aprender o que a dança representa para o nosso país. O país é conhecido lá fora não só pelo futebol mas, também pelo carnaval. Lembro que fizemos uma pergunta: ‘Quem sabe dançar Carnaval? Como a gente dança o Carnaval?’ Uma série de reflexões” (Prof. João). “Há uma participação muito maior agora. Eles aceitam naturalmente. ‘Agora vai ser dança!’ Eles ficam meio assim, mas na hora em que começam, eles gostam. Às vezes, eles têm dificuldade. Todos participam. Eu não obrigo. Eles são avaliados também. Aqui no colégio, tem nota para participação, não é conceito. Toda aula a gente avalia. A gente avalia a participação também e não só o produto final” (Prof. Sérgio).

Legitimada como prática pedagógica para todo o corp o discente

Na atual proposta construída pelo corpo docente de EF da Escola Azul ,

observa-se que houve uma preocupação na distinção de estilos e abordagens em

relação aos diferentes níveis de ensino, ampliando o leque de técnicas, estilos e

reflexões dos alunos sobre a dança e a partir dela.

“A dança, no nosso planejamento, vai além da festa junina. A festa junina é só na época. As últimas turmas de cada dança apresentam a quadrilha, já é tradicional. Já nas outras, cada série apresenta outro tipo de dança. Na festa junina, a gente tem as danças folclóricas. No primário, por exemplo, na 2ª série, são brincadeiras de dança; na 3ª série, são danças criativas. Aí, eles vão criar uma estória e tal com o corpo. Na 4ª, tem diversas formas

166

de expressão e na 5ª tem a dança livre. Aí, a agente não deixa entrar as músicas apelativas, a gente dá uma censurada. A gente conversa: ‘- Pode isso? Você acha isso bacana mesmo? Ah, mas é diferente. É diferente, mas não é uma coisa legal, olha o que a letra fala’, e a gente mostra. Eles conhecem. Na 5ª série, escolhem o tipo de dança. Têm uns que escolhem Rock, outros escolhem “Mamonas Assassinas”, sempre com muito humor. Mas a gente fica atento pra eles não extrapolarem (Prof. Sérgio). “Nós organizamos. Por exemplo, na 5ª série, se não me engano, aprendem a dança folclórica; na 6ª, a dança internacional; na 8ª, as danças de academia e o Forró universitário para o Ensino Médio. Fizemos uma organização de conteúdos em que os meninos teriam oportunidades de passar por vários estilos de dança” (Prof. Élcio).

Os professores justificaram as suas razões na distinção de diferentes estilos

para cada nível de ensino, levando-se em consideração a relação diferenciada dos

“corpos dançantes” de seus alunos e seus os interesses pessoais, fazendo assim,

uma ponte com os aspectos da sociedade na qual estavam inseridos. Os

professores disseram ter proposto várias abordagens sobre a dança na intenção de

transpor as demandas e questionamentos propícios a determinada faixa etária e nas

suas relações com a sociedade. As práticas corporais dos alunos fora da Escola

(caracterizada como urbana e elitizada) foram levadas em consideração,

estabelecendo assim, um diálogo com suas realidades sociais. Na identificação de

estilos, verifica-se que a dança clássica não foi sequer mencionada. No entanto,

nota-se que, os professores não tinham claro a argumentação que justificasse o fato

de a dança folclórica ser abordada especificamente na 6ª série. Ao sugerirem uma

proposta mais aprofundada, não deixam claro a sua forma de abordagem. Nota-se

que, ao optarem por determinados estilos, foi levado em consideração o diálogo que

seus alunos estabelecem com os meios de comunicação, acreditando-se facilitar a

inserção dessa prática cultural no meio escolar:

“A distribuição de estilos por níveis foi por experiência. Por exemplo, a ginástica de academia. Tem uma faixa etária que procura a academia. A gente percebeu que os meninos dão certo valor pra estética corporal e geralmente eles procuram a academia. Então, propomos esse tema porque esse interesse é construído. Aí, nós levamos o que a academia propõe e o que ela consegue executar, e quais sãos as críticas em relação a ela? Esse raciocínio tinha que valer pra dança também. O que justificava colocar dança de salão para 8ª série?É justamente pela procura de dança do ‘Forró universitário’. Então, toda essa organização de dança foi muita em função da relação que os meninos têm com a sociedade. É claro que a gente não consegue acertar sempre. Por exemplo, na 6ª série, eles vêem dança folclórica. O que justifica a dança folclórica na 6ª série? Esse argumento, a gente não tem. Pra outras, a gente tem. O argumento é mais assim: que é importante conhecer a dança folclórica, mas em relação a

167

idade deles, a gente não tem ainda clareza, também é difícil fazer isso com todas os conteúdos, né?” (Prof. Élcio).

“Nós pensamos nos interesses deles. Para as crianças, foi mais voltada para brincar de ritmos, de expressão corporal e depois de criar movimentos com temas. Meninos de 8ª série, eles estão muito próximos de dançar valsa de 15 anos, a dançar as danças junto. Aí, pensamos: dança de salão; para a 7ª série, ficou a dança folclórica porque já tinha dança folclórica no Primário para distanciar e dar um enfoque com mais maturidade; e para a 9ª, a opção da dança que eles estavam descobrindo o corpo, falam palavrões... o Hip-Hop. A gente explica a função disso na sociedade. E no Ensino Médio, será uma repetição dessas só que com mais maturidade. Então, nós tínhamos a dança para a festa junina e a dança na sala de aula de EF” (Prof.ª Sônia).

Os professores relataram outras possibilidades de se abordar a dança,

colocando em cheque a inserção da dança na escola focada na performance

homogeneizada, ou seja sob o aspecto da reprodução:

“Através da dança a gente pode debater muita coisa. Por exemplo, ir para uma sala de aula, para ficar fazendo debate da dança... Não! Acho que é muito melhor a gente vivenciar. ‘Vamos fazer uma ‘Dança dos Famosos’ 57 aqui, e em cada aula a gente questionar: E aí,a relação de João com Maria ficou meio estremecida por que um errou e não podia errar, o jurado deu uma nota menor...’ Se não fosse competição não teria acontecido .Então, a partir da vivência de uma realidade a gente questionar e não artificializar uma debate. Então vamos viver e refletir em cima disso. Infelizmente, eu não tive isso na minha graduação” (Prof. Élcio).

Para o professor Élcio, a possibilidade da transposição dos temas referentes

ao esporte para o campo da dança, reforça a percepção do pouco interesse em se

desenvolver pesquisas na área da dança pelo profissional de EF. Nesse contexto, a

ausência se deve ao entendimento de que a EF se restringir às atividades esportivas

de caráter competitivo, técnico e excludente.

“Eu comecei a questionar como era o mundo social da dança. E aí, eu descobri que tem, no estado do Rio Grande do Sul, uma competição de dança que os dançarinos colocam alfinetes na sapatilha do outro para ele dançar mal. Eu trouxe esses dados e comecei a discutir com o pessoal.

57 Programa fruto da imitação de programas produzidos por canais de televisões estrangeiras. O quadro chamado Dança dos Famosos, que é de fato uma cópia do programa Dancing with the stars, transmitido pelo canal estrangeiro de TV por assinatura People and Arts. O requisito anunciado é que os participantes concorrentes não sejam pessoas experientes em dança, razão pela qual cada um deles é acompanhado por um profissional de dança que, atuando como professor particular e coreógrafo, é o responsável pela performance a ser executada pela dupla, depois de aulas intensivas em recortes de tempo minúsculos e impossíveis de configurar um aprendizado orgânico. De acordo com De Pellegrin, “o ensino de dança, nesse caso, passa a ser tratado como uma espécie de fast-food artístico, onde a cada semana o ‘aluno’ deve digerir um pacote básico de movimentos e passos para ser apresentado frente às câmeras ( 2007, p.49).”

168

Uma das falhas [dessa] dança é não ter uma bibliografia específica para tratar dessas questões. Por exemplo: tem uma tese de doutorado sobre futebol e competição, mas da dança ainda está pra se fazer. Então, foi muito na comparação com a bibliografia do esporte, que a gente começou” (Prof. Élcio).

Mesmos atores, contextos diferentes: a experiência com a dança em outras escolas

Ao relatarem suas vivências como docentes em outras escolas destacaram

algumas diferenças no trato da dança. Na fala de alguns, observa-se certa

dificuldade para a inserção da dança na escola ao se levar em consideração os

pensamentos filosóficos e religiosos de certas instituições privadas, nas quais

atuaram. Nesse contexto educacional, ao estarem imbricadas de valores filosóficos

e religiosos, essa manifestação não é vista como mais uma atividade cultural do ser

humano, mas carregada de valores negativos contrários aos doutrinados pela

instituição. A ruptura nos modos de sentir e representar o corpo, dada a partir da

contradição entre a razão e a fé, influenciou (e ainda estão presentes) na forma de

se construir e reconstruir a nossa educação, tornando possível indagar sobre a EF e

a dança presente nos tempos atuais nas escolas, laicas, católicas, batistas,

metodistas, entre outras. Enfim, quais seriam as visões sobre corpo e mente?

Haveria uma dualidade? Haveria um diálogo com a organização econômica e

política da nossa sociedade contemporânea, materialista? Até onde e como a fé e a

razão estão inscritas e traduzidas em nossos corpos? Isso são outras reflexões

acerca dos paradigmas que nos orientam na nossa concepção de homem, de

sociedade, de natureza e de futuro.

“Na outra escola particular, eu não trabalhei com dança porque, devido à religião, a dança não era bem aceita lá. Hoje, a gente sabe que tem algumas iniciativas, mas na época era muito incipiente. Isso em 1990. Era perigoso falar de dança. Eu não me lembro de nenhum evento com dança lá, nem de festa junina” (Prof. Élcio).

A troca de saberes e experiências em outras escolas proporcionaram ao

professor João a ampliação do conhecimento sobre essa prática cultural. Nota-se

que, os mesmos professores atuaram de maneiras diferenciadas em outros

contextos, ou seja, continuaram a ensaiar com seus alunos as coreografias

169

anteriormente criadas e elaboradas (por eles ou por outros profissionais), como um

efeito dominó.

“Ao trabalhar em uma escola pública municipal, eu e mais uma professora nos encontrávamos esporadicamente. Como ela era muito envolvida com a questão da dança, ela me ajudou muito. A gente marcava ensaios aos sábados e ensaiávamos juntos (...) Todo ano, a gente preparava uma apresentação de dança para os formandos. E a gente usava a aula de EF para ensaiar para essa apresentação. Não era nenhuma perspectiva sobre as questões da dança, era para apresentar. Eu lembro que teve um ano que eles utilizaram a música do grupo Skank (...) e eu sugeri a dança e ela disse: ‘- Pode deixar que eu levo a coreografia’. E aí, eu ia aprendendo e até levei para a escola Azul também alguns elementos (...)” (Prof. Élcio).

O estranhamento por parte dos professores sobre a relação e significados

conferidos a dança por seus inseridos em outros contextos escolares, reflete o

pensamento do senso comum incorporado e legitimado pela sociedade

urbana/elitista, portanto distintiva, a qual considera certos habitus como “inferiores”

condicionados aos outros grupos populares. A atuação como docente em realidades

dispares (periferia/ centro – escola pública /privada) permitiu o professor Élcio

perceber a dança sob outra dimensão dessa prática cultural na escola: a dança

associada ao prazer e a ludicidade, a presença da dança nos momentos de lazer e a

diferença na relação com a expressividade corporal:

“Estranho! A gente tem uma idéia de que nas práticas populares o machismo é pior. A vontade da expressão corporal supera essa questão. A gente tem que tomar cuidado com as generalizações, mas lá na outra escola eu não tive tanta resistência igual à escola Azul. Eles não tinham esse pudor de apresentar. Parece que era mais comum essa expressão corporal, eles ouvirem algumas críticas, mas eles convivem melhor com isso. A dança não é só apresentar com o outro. Tiveram resistência, tiveram, mas muito menor. Mas não dos homens todos sentados. E mais uma coisa: eles levam muito na brincadeira, não é uma questão técnica. É uma questão de brincar também. E também eu tinha um apoio dessa professora que entendia de dança. Ela entendia, ela era animada e motivava os alunos” (Prof. Élcio).

O melhor tema!

De acordo com Rockwell e Mercado,

À margem de qualquer modelo abstrato de docência, é na permanência e no exercício diário que os professores acumulam, recordam ou duvidam, comparam, integram ou questionam as propostas do trabalho docente que

170

se tem formulado nos distintos ambientes sociais nos diferentes momentos históricos (1988, p. 71, tradução nossa). 58

Nesse sentido, nota-se que, a motivação e o incentivo à docência são

destacados como a peça principal para que o corpo docente se mova na busca de

conhecimentos. Nesse sentido, o campo de possibilidades (gestão e corpo docente),

especificamente na Escola Azul , contribuiu para que os atores refletissem,

ampliassem e reelaborassem os seus saberes sobre a pedagogia da dança na

escola.

“O professor tem que ter esse incentivo, essa vivência. Eu converso com os meus alunos que eu também não tive nenhuma experiência em dança, nem nada. Agora, até acho que, depois de tanto tempo, eu já me sinto um dançarino. O melhor tema que a gente tem no colégio, eu acho, particularmente, é a dança! É o melhor tema. Tem professores que acham muito difícil, mas no final acham que é muito bacana” (Prof. Sérgio).

“Por parte dos alunos, a dança é muito bem aceita na escola Azul. Todos os alunos adoram. Acho que é pela própria proposta da EF na escola que favorece (...)” (Prof. João).

A dança e a sua relação de gênero

Ao estabelecer a relação entre gênero, sexualidade e dança, nota-se que, o

conceito incorporado pelos professores reflete o senso comum, legitimado e

reproduzido pelos meios de comunicação, na sociedade ocidental. A reprodução

desse conceito generalista reproduz o pensamento de “quem dança” ou se expressa

através dela é o sexo frágil e dominado, portanto, feminino, ou seja, reafimando a

relação entre dança e a categoria gênero do sexo feminino.

“Acho que o conceito de homem rebolar caiu muito com a dança baiana. A dança baiana veio acabar com esse machismo. Até então, os homens não podiam dançar sozinhos e nem rebolar. Essa liberdade dos baianos veio proporcionar essa liberdade no rebolado. E isso influenciou a todos. Os meninos sabiam todas as coreografias. Apesar das músicas não serem aquela coisa. Diziam:‘- Ah, eu vou pagar mico! Ah, é engraçado’. Só isso já fazia os alunos se liberarem. Nem dança folclórica (...) tem influenciado tanto quanto a dança baiana” (Prof.ª Alva).

“Quando o menino já está disposto a dançar, ele já venceu a primeira barreira do gênero masculino em relação à opção sexual, quando ele vai ter um contato mais próximo com uma menina. Por exemplo: eu era muito

58 “Al margen de qualquier modelo abstracto de docencia, es en la permanencia y el ejercicio diario donde los maestros acumulan, recuerdan u olvidan, comparan, integran o rechazan las propuestas de trabajo docente que se han formulado desde distintos ámbitos sociales en diferentes momentos históricos”.

171

tímido. Numa festa de quinze anos, eu não sabia pra onde olhar. Encostar o seu corpo no corpo da mulher é muito difícil. Então, pra determinadas faixas etárias, é muito difícil. Eu vejo que na aula de dança folclórica para as 5ª e 6ª séries, os meninos seguram as meninas com muito cuidado. Tem hora que a menina diz: ‘Segura direito aqui!’ Faz parte desse florescimento para a vida. Isso já não acontece no Ensino Médio. Eles tem facilidade de chamar. Às vezes, até extrapola. Teve um aluno que falou assim: ‘- Ô professor, me ensina, porque estou querendo ‘pegar uma gatinha’. Ah,não! Pra isso não vou ensinar não” (Prof. Élcio).

Ao associarem alguns gestos corporais (tidos como femininos) e o gênero,

observa-se que os atores apresentaram certa ausência de reflexão sobre a histórica

cultural no que diz respeito às gestualidades corporais, o que é “permitido”, “aceito”

e reproduzido na nossa sociedade contemporânea, capitalista e excludente. Os

valores incorporados socialmente à prática corporal da dança estão agregados a

nossa história, assim, as expressões corporais fazem parte da moldagem feita pela

cultura, por nós assimilada e incorporada. Nessa direção, a inserção da dança no

ambiente escolar pode ou não reforçar os valores tatuados ao longo de nossas vidas

reproduzindo-os, ou transformando-os.

“No grupo de danças folclóricas, aqui no colégio Azul, nós temos dois homens. Mas acho já teve preconceito maior. Eu penso assim: como é um conhecimento popular, a catira59 originalmente era só para homens, mas agora você já vê com mulheres. A dança na escola, é claro que você vai fazer algumas modificações. Mas claro que você vai ter homens e mulheres dançando. Se você vai dançar um Oxum, mais feminina, você vai colocar passos que respeitem a sexualidade dos meninos. Mas eles não vão deixar de dançar. No grupo como os meninos entraram agora, tem danças que só tem passos femininos, então a gente começou a reformular as danças. É um conhecimento popular e eles também tem direito a esse conhecimento” (Prof.ª Rita). “Eu vejo que a menina, por ela ter mais graça com o corpo, se ela dançar rebolando, não tem problema. O menino se considera mais limitado, porque tem limitação em relação aos gestos. Então eles ficam com medo de criarem e serem chamados de “bichinha” e serem rejeitados na sala de aula. As meninas, não. Pela liberdade que elas tem, qualquer gesto que elas fizerem, são só chamadas de graciosas” (Prof.ª Sônia).

59 Dança popular tradicional brasileira, conhecida e praticada largamente no interior do país. Dançada na sua origem somente por homens, é manifestada tanto em festas de religiosidade popular como em festas de voltadas para o campo. A sua característica coreográfica se dá pela variação de palmeados e sapateados executados por seus dançantes. Para saber mais, ver: CASCUDO, Luís da Câmara. Dicionário do Folclore Brasileiro . Natal: Tecnoprint S.A, 1972.

172

Para o professor João o que importa é a visão que o professor tem sobre a

dança. Visão essa, construída na relação entre gênero/sociedade e a sua vivência

individual com essa prática cultural.

“O gênero do professor não interfere. Agora, a visão que eles têm de dança, sim” (Prof. João).

6.5.3- Os saberes necessários à prática pedagógica da dança na

escola, segundo os professores

Para Rockwell e Mercado (1988), a prática e os saberes docentes se dão

também pelo confronto entre a prática docente (real) e os diversos modelos

pedagógicos circulantes no ambiente educacional. Assim, a possibilidade de

rompimento da distância entre a formação inicial e prática real requer uma

reconceitualização e construção de conhecimento acerca dessa prática cultural.

Constata-se certa polaridade nas falas dos professores da Escola Rosa ,

quanto aos saberes necessários para a inserção da dança na escola. Para o

professor Cecel, a inserção da dança na escola está vinculada, especificamente, à

motivação e qualificação do professor para essa prática pedagógica, além de sua

obrigatoriedade nos plano de ensino.

“Primeiro, você teria que ser pago para isso, ou seja, para buscar conhecimento; segundo, teria que ser obrigatório na escola. Obrigatório mesmo! Um planejamento: um festival de dança, se vai ser artística, dança folclórica. Mas acredito que também deve ser incluída a festa junina, folclórica. Para isso, deve ter profissionais capacitados. Porque esses profissionais, ao chegarem à EF, não tiveram essa base. Lógico que lá eles vão ter que se virar e aprender. Talvez, devesse ser legal, se dentro da grade curricular na EF tivesse aulas de dança, tanto para homens como para mulheres. Agora, tem que ser obrigatório, fora isso, se não for obrigatório, não vai dar. Mas para que isso aconteça tem que ter profissionais que queiram trabalhar” (Prof. Cecel).

Já a professora Lúcia demonstrou um olhar mais romântico e acrítico sobre

o papel da EF e da dança, na escola:

“Os saberes, que os professores precisam ter para desenvolver dança na escola são o ritmo, gostar de dança e amar mesmo a profissão” (Prof.ª Lúcia).

173

Para a professora Teca, o professor deve entender a diferença das

vivências da dança nos diferentes espaços sociais, ou seja, para ela, a dança na

escola é diferente da dança na academia, pensamento que vai ao encontro à de

Vago (2008), ao comentar a especificidade do lidar com a prática de esportes, jogos,

dança, capoeira, etc., na escola: “Diferente, porque escola não é a rua, escola não é

a praça, escola não é academia. Ela dialoga às vezes de forma até conflituosa, com

todos esses lugares, mas a escola tem a sua peculiaridade”. 60

Parece que cada vez mais se tem um tempo autorizado para a dança

(carnaval, festas junina, baladas, etc.), uma autorização geral para se dançar, assim

como se deu com as manifestações populares tradicionais no início de nossa

colonização (aos Maracatus, Congados, entre tantas outras, só eram “permitido”,

pelos colonizadores, a sua presença e manifestação em determinadas épocas e

lugares). Tomar a dança como objeto de pesquisa no espaço singular das escolas é

no mínimo diferente. Pois, a escola é um espaço singular onde se permite repensar

essa prática cultural e os seus conflitos ao serem aceitas, impostas legitimadas ou

negadas pela sociedade.

“O professor tem que estar mais ciente do que está acontecendo na sociedade. Os professores têm que saber que não é dentro da academia ou dentro da escola que a dança está só acontecendo. Mas, também na rua, na sociedade. O que o vizinho está dançando? Que corpos e que cultura de movimento é essa? Os professores têm que saber que dentro da academia é muito diferente do que acontece na realidade da escola” (Prof.ª Teca).

Os professores caracterizaram a apropriação dos saberes sobre a dança e

a sua inserção na escola, agregados aos seus percursos profissionais nas escolas

em que trabalharam, saberes alicerçados aos conceitos sobre a EF escolar. Embora

alguns tivessem demonstrado uma visão mais ampliada da EF, verifica-se que,

especificamente, entre os professores na Escola Rosa , ainda não houve a

concretude desse novo conceito, sobretudo na dança. No entanto, destaca-se aqui

as condições históricas, materiais e humanas singulares da Escola Rosa (relatadas

nos depoimentos) que, muitas vezes, dificultaram ou impediram os possíveis

deslocamentos desses atores. Nesse sentido, pode-se constatar que os saberes

60 Intervenção realizada por Vago, membro da banca de Daniel Marangon Duffles Teixeira. Práticas docentes produzidas no cotidiano escolar, no processo de implantação de uma nova proposta de Educação Física, no Estado de Minas Ger ais . 2008. – PUC Minas. / 2º semestre de 2008, VAGO, Tarcísio Mauro.

174

docentes dos professores inseridos na Escola Rosa permaneceram desconectados

da rede de repercussões nos espaços sociais, o que possibilitou um menor

deslocamento, pela sua própria inércia na individualmente.

Os professores da Escola Azul, embora oferecendo uma nova proposta

aliada à concepção da EF escolar como prática pedagógica da cultura corporal de

movimento, também, não souberam especificar quais os saberes necessários para a

inserção da dança na escola, limitando-se, a enumerar os aspectos que dificultam

ou facilitam o processo da inserção dessa prática cultural.

Observa-se um consenso entre os professores mais antigos das duas

escolas, ao afirmarem que a motivação e a qualificação vêm em primeiro plano na

busca de novos conhecimentos, segundo eles, independentemente de ser ou não

sobre a dança.

“Os saberes que o professor deve ter para desenvolver a dança na escola [são] a disciplina e a motivação. O professor que não tiver motivação não desenvolve nenhum trabalho. A participação, ele tem que ter participando, perguntando, mostrando, influenciando a busca. E o conhecimento dele até vem junto com os alunos, porque se o aluno cobrar dele alguma coisa, ele vai buscar. Ele precisa ter a humildade de mostrar que ele está aprendendo também. O professor tem que ter uma formação para desenvolver dança na escola. Eu corri muito atrás, porque não tive. Poderia ter sido melhor. Eu aprendi muito com os alunos e com meus colegas, mas o curso poderia ter sido melhor. Além disso, tem que ter sensibilidade, percepção de não forçar e buscar conhecimento, para passar e discutir com os alunos. Isso é muito importante, a crítica e o diálogo” (Prof. Sérgio).

Ao destacar a necessidade do professor de EF em ter conhecimentos sobre

a psicologia para uma “melhor” abordagem da dança na escola, a professora Sônia,

justifica por ser esse um conhecimento que pode auxiliar na desinibição dos alunos.

Para ela, o conhecimento sobre a dança deve se restringir ao domínio dos gestos

técnicos, ao desenvolvimento do ritmo:

“A gente tem que buscar na hora que precisa saberes culturais. O lado psicológico deve ser enfocado (...) Estou me referindo que nas aulas de dança, ao trabalharem a desinibição, o encorajamento e a se soltar é o lado psicológico. Porque senão, vai ser para ele um martírio fazer dança, e também para apresentar. A gente ter a psicologia e deixar a vontade para ele saber que ele é merecedor daquela apresentação. Eles só ficam descontraídos quando eles vêem a aprovação (...) O professor tem que saber ritmo, deslocamento e saber dosar o tanto que ainda está sendo interesse do aluno, mostrar a existência de tudo que existe para que ele possa fazer suas escolhas (Prof.ª Sônia).

175

A professora Luíza ressaltou que, os conhecimentos específicos para uma

montagem coreográfica é o único saber necessário para a inserção da dança na

escola. O que nos permite observar que, para ela, a inserção da dança na escola

ainda se restringe, apenas, a montagens coreográficas. Ao entendê-la como,

apenas, mais um conteúdo da EF, nota-se que a nova proposta para a EF escolar,

ainda, não foi por ela apropriada em toda a sua singularidade e possibilidade como

formação humana mais ampliada, limitando-se apenas a uma ampliação de

possibilidades de movimento.

“Eu acho que um pouco de dança, um pouco de introdução a coreografia. Não tem que saber o nome cânone, mas tem que saber que tem esse recurso, que eu posso colocar um mesmo movimento em movimentos de onda. Mas o mais importante é a questão da psicologia, da pedagogia. Fazer com que os alunos entendam que aquilo é um conhecimento, que isso não vai influenciar na sexualidade dele, né? Ela é mais um conteúdo. É uma forma de você trabalhar. É a mesma coisa dos meninos falarem para as meninas assim: ‘Vocês vão jogar futebol. Ah, mas futebol não é coisa do homem?” Então é a mesma coisa para mim: dança, ou esporte, ou ginástica. Você vai ter os conteúdos específicos, mas não é ele o principal. O principal mesmo da escola é o pedagógico lá da FAE, a prática de ensino. Muito mais as discussões que a gente teve da pedagogia do que o conhecimento da disciplina” (Prof.ª Luíza).

Ao se referir a um grupo de projeção folclórica para a sua capacitação como

professora nesse estilo de dança, a professora Rita destacou a importância do

conhecimento sobre os gestos técnicos dessa linguagem corporal. Nota-se assim,

uma visão fragmentada dessa manifestação cultural, não fazendo uma distinção

entre a abordagem na escola e num grupo de espetacularização das danças

folclóricas. Contudo, ao destacar a necessidade de se buscar novos conhecimentos

a partir da demanda dos alunos, demonstra a visão de que o conhecimento não se

limita ao aprendido na formação inicial.

Cabe aqui atentar para o fato de que várias manifestações populares

tradicionais, expressadas pela dança, se encontram presentes em todo o país,

porém, são ressignificadas pela dinâmica das culturas regionais onde se inserem.

Categorizá-las apenas na sua regionalização não lhe dá a sua totalidade.

176

“A busca constante, buscar pessoas que possam te auxiliar. O Sarandeiros61 me capacitou a ensinar vários passos básicos, gestos técnicos. Outra coisa são as formações coreográficas. Assistir um vídeo e perceber as variações que um grupo de dança criou a visão artística que foi transformada em dança. Se você foi ensinar uma dança de uma região, você deve saber o básico, que o Carimbó é do norte. Às vezes, os alunos nos perguntam coisas além do que sabemos. Buscar com o aluno (Prof.ª Rita).

Já o professor João reforça a importância do conhecimento sobre a dança

numa perspectiva de abordagem voltada para a contextualização, favorecendo a

reflexão e a criatividade dos alunos:

“O professor tem que ter uma visão crítica em relação à dança, que a dança não é pegar os passos e copiar. E a preocupação é ensinar a ensinar. Não só ensinar a técnica, mas sobre aquela dança, como intervir, como modificar a partir dela, de saber que aquela dança, por exemplo, é legal. Como eu fiz com meus alunos, como o filme de dança de salão, a apresentação de Tango dos trios no final é diferente do usual. Mas é Tango! Eles conhecem os passos também. Criar a partir do nada é uma coisa, criar a partir do conhecimento que você tem é outra coisa. Você tem que ter uma criticidade que te permita modificar esse conhecimento pra você produzir uma coisa nova (Prof. João).

Para o professor Élcio, o conhecimento necessário para a abordagem da

dança na escola passa pela dimensão do seu reconhecimento como formação

humana mais ampla. Para ele, o domínio da técnica nos diversos estilos, não é o

mais importante:

-“Creio que ter o conhecimento técnico é bom, ajuda, mas não é imprescindível. O principal é ter a clareza de qual é a função dele na escola. E qual seria a função desse conteúdo no seu cotidiano escolar? Acho que essa clareza o professor precisa ter. Esse saber que o professor não pode ser um mero transmissor de um conteúdo que não tem nenhum sentido, não tem significado nenhum pra vida desses meninos. Ele tem que ter o conhecimento de que o professor hoje em dia, tem que atuar na construção do cidadão na compreensão do mínimo do mundo da dança, do esporte, pra que ele não seja alienado nesses aspectos, nessas áreas. Esses saberes são imprescindíveis. É claro que a metodologia pra ensinar, também é imprescindível. Porque que eu falo que o saber técnico não é imprescindível, porque ele pode convidar uma pessoa que tem esse saber técnico para ensinar. Dificilmente a gente vai encontrar uma pessoa que construiu um conhecimento do valor desse conteúdo no cotidiano das pessoas, e como ele pode refletir e questionar. Porque, isso não é comum. É mais comum encontrar uma pessoa que sabe dançar bem um Forró, um Tango, do que uma pessoa que saiba refletir sobre o que o Tango

61 Grupo de projeção em danças folclórica foi criado, aproximadamente, há 25 anos na Escola de Educação Física da UFMG, pela professora Vera Soares (docente da disciplina de Danças Folclóricas da referida instituição) e pelos alunos desse curso de graduação.

177

representa pra vida, quais são os seus costumes os sentidos. Então, imprescindível mesmo é essa função social que ele tem na escola, uma metodologia interessante, e se ele tiver conhecimento técnico, ótimo. Eu, pelo menos, não tinha, continuo não tendo um conhecimento mais profundo, mas eu consigo dar uma boa aula de dança, na perspectiva do que eu acho que seja uma boa aula de dança na escola” (Prof. Elcio).

A partir dos discursos polifônicos dos professores, verifica-se que os

saberes necessários à pedagogia da dança na escola remeteram às suas vivências

no cotidiano escolar. Contudo, ainda não têm clareza sobre os saberes docentes,

necessários para a sua atuação ao inserirem essa prática pedagógica na escola. No

entanto, observa-se que seus saberes dialogaram com as concepções que têm de

educação, Educação Física escolar e dança, incorporados e ressignificados ao

longo de suas experiências como alunos, professores e atores sociais.

O isolamento do professor favorece o congelamento de seus saberes, não

permitindo a sua reflexibilidade e transformação. Nesse sentido, os fatores que

dificultaram ou permitiram as mudanças na proposta da dança na Escola Rosa e na

Escola Azul estão intimamente ligados à possibilidade de atuação, motivação e

mobilização do professor, no campo educacional.

O entendimento da dança na escola integrando aos conteúdos de formação

humana, numa perspectiva mais ampliada, está ensaiando seus primeiros passos.

Esse processo de transformação e apropriação implica na transformação de valores

e conhecimentos sobre o papel da educação na sociedade e no seu reconhecimento

por alunos e professores.

6.6- Políticas públicas para a dança na Educação F ísica: o que dizem os

professores

Os depoimentos dos professores da Escola Rosa , ao abordarem o tema

das políticas públicas voltadas para a EF e para a dança na escola, revelaram um

desconhecimento, e até mesmo, certo descaso sobre as políticas públicas

direcionadas a sua área de atuação. Essa atitude nos premite pensar como se deu o

processo de acesso a essas diretrizes por parte dos professores que, de direito e

dever deveriam ter esse conhecimento.

178

Os professores mais antigos da Escola Rosa , embora sempre atuando na

rede estadual de educação, afirmaram não ter nenhum conhecimento a respeito das

diretrizes das políticas públicas da área da EF:

“As Diretrizes eu não conheço não” (Prof. Luís).

“Não tenho conhecimento. Quando foi implantado, há dois anos mais ou menos, eu estava fazendo o curso de gestão pra diretores. Um colega me entregou alguma coisa para ler, mas não me aprofundei” (Prof. Cecel).

A professora Ana relatou que só havia tomado conhecimento do CBC pouco

tempo antes de nossa pesquisa. Contudo, destacou o fato de que não houve

qualquer discussão ou reflexão a respeito dessas novas diretrizes por parte dos

professores ou da direção. No entanto, deixou claro estar ciente de que as políticas

públicas devem nortear os profissionais da área no contexto escolar e que a

apropriação dessas diretrizes não se dá imediatamente.

“A dança faz parte do CBC. A supervisora entregou ontem pra gente. Chegou por área. Não houve nenhuma reunião ainda sobre o CBC que recebemos. Mas eu acredito que haverá uma reunião, eu não sei quando, para a gente discutir. Na proposta de EF é considerada a dança e ela contempla muito a expressão corporal. É praticamente uma cópia do PCN. Agora, no PCN é muito amplo. Ou seja, você vai diferenciando por turma e por série, porque são diferentes as respostas deles (...) Todo bloco que é escrito em algum lugar, por algum governo, refletem uma ideologia. Até a minha aula. Ela existe. Agora, ele veio para nortear o trabalho, porque antes cada um trabalhava do jeito que queria (...) A gente sabe que não é o ideal. Podia ter muito mais coisas, podia ter muito mais dentro da realidade da escola. Mais já ajuda o professor recém formado quando chega na escola e não sabe o que fazer, e gosta de handebol e dá só o handebol . Isso vem para equilibrar um pouco o que trabalhar. A EF ficou muito tempo perdida. O que dar dentro da escola? Cada um dava o que queria. Não é obrigatório, são referências. Usando como referência eu não vejo problema nenhum, é mais um livro para você usar como referência (...) Só que o Estado tem uma política de trabalho muito estranha. Ele passa um monte de coisas para o professor, mas não tem dá um tempo para tirar a dúvida, porque você está o tempo todo com as crianças” (Prof. Ana).

Quanto à possibilidade dos grandes temas serem desenvolvidos pela EF

escolar os posicionamentos dos professores foram diferenciados, para uns se deve

começar pelos alunos, para outros, pela valorização dos professores. Nesse sentido,

observou-se que os depoimentos dos professores Luís e Cecel se complementaram:

“Esses grandes temas devem ser começados a trabalhar no primário. Aí, dá certo de entrar na cabeça dos meninos. Do contrário... tem que começar na base!” (Prof. Luís).

179

“Acho que, para as políticas públicas darem certo, é necessário que se invista no professor! Ele tem que ser valorizado financeiramente. Senão, fica dando aulas em várias escolas e com isso não se envolve com nenhuma, e muito menos com os alunos. Agora não: o professor no Estado só vai lá dar a sua aula sem se preocupar com o aluno e vai embora, talvez por falta de estímulo, por não ser cobrado em nada e, também, por não receber bem” (Prof. Cecel).

Paralelo às falas desses professores, a professora Lúcia destacou a

necessidade da predisposição do professor para implantar as novas diretrizes das

políticas públicas em suas aulas. No entanto, pode-se observar que mesmo calcada

numa perspectiva acrítica entendida como parte da realidade dos alunos, há uma

ausência do conhecimento dessa nova proposta para a EF.

“A dança inserida nas políticas públicas, eu acho isso muito importante. Eu acho que a dança dá um ritmo pra pessoa de vida, de tudo. Importantíssimo. Eu acho excelente. E é possível trabalhar, com o tempo sim. Claro que com professores que realmente querem dar esse conteúdo. Porque eu trabalhei com pouco material, pouco conhecimento, pouco tudo, mas eu corri atrás” (Prof.ª Lúcia).

A professora Teca demonstrou ter acessado, lido e entendido a nova

proposta das políticas públicas voltadas para a EF. Porém, ela, assim como os

professores Sergio e Alva (professores antigos da Escola Azul ), fizeram algumas

ressalvas à sua aplicabilidade, levando em conta a realidade da escola e a formação

inicial do professor.

“Eu acredito que é interessante esse movimento de colocar a dança, a ginástica, a brincadeira e a luta como conteúdos da EF, além do esporte. Mas de ser obrigatório, é complicado. Como ser obrigatório se na escola, por exemplo, na escola Rosa, não tem um colchão, não tem uma corda, uma quadra coberta, não tem um som, não tem um espaço razoável, não tem nem bebedouro! Também os professores não estão preparados pra isso, uma vez que a EF era só voltada para o gesto, a cópia. Acho então, que as dificuldades são essas: recursos materiais e humanos. Os professores precisavam aprender a ensinar. Eu acho que algumas dificuldades são essas” (Prof.ª Teca).

“Eu já li o PCN várias vezes. Eu não pensei em críticas, mas tem muita coisa boa. Acho que devia ser mais difundido pras outras escolas também. Aqui na escola Azul, começamos a diversificar em 1990, 1992, mesmo sem ter esse conhecimento. Ele, o PCN, incentiva a pensar a sua prática. Mas o governo deve dar possibilidades para que aconteça, não só determinar. E a estrutura e a base? O governo tem que oferecer cursos, olhar se está sendo feito, não obrigar, mas incentivar” (Prof. Sérgio).

180

“Quanto às políticas públicas, tem muita é demagogia. A escola pública tem muitos meios de fazer um trabalho. Porque agora as ONGs estão nas escolas e elas estão conseguindo fazer? A escola pública [tem] muita demagogia. Eles têm dinheiro para reformar o Mineirão, tem dinheiro para dar ao país Haiti, mas não tem dinheiro para dar uma estrutura para a escola. Não é estrutura material não: estrutura pedagógica, de valorização de trabalho. Porque antes tinha um Estadual Central, um Instituto de Educação, que tinham um conceito A e Hoje, acabou? (...) Eu acho que um planejamento geral, como o PCN nos dá um parecer. Mas pra ser cumprido... cada escola é cada escola. Tem uma que tem material, tem outra que não tem (...) Papel aceita muita coisa, prática é diferente. Os professores foram exigidos a cumprir certas coisas, mas eles não se acham capazes, não se acham no dever de fazer, porque o salário deles não faz com que eles cumpram determinadas coisas” (Prof.ª Alva).

Assim como para a maioria dos professores das duas escolas, o professor

João não demonstrou grande conhecimento sobre as atuais políticas públicas.

Contudo, o acesso aos PCNS foi muito maior entre os professores (de ambas as

escolas) do que ao CBC, o que nos leva a pensar na sua maior divulgação e tempo

para apropriação pelos professores.

“Eu li o PCN e os CBC, mas não sei especificamente sobre a dança. Eu sei o que falam em relação à educação em geral (...) Muitas das nossas discussões foram baseadas nele, inclusive sobre a EF ser colocada como atividade. Ele, o PCN, serviu muito como passo inicial. Ele foi uma coisa importante na época em que surgiu e como surgiu. Inclusive tem escolas que não têm conhecimento nem o mínimo do que se refere o PCN. É totalmente possível aplicar, mesmo com relação ao espaço” (Prof. João).

Ao comparar a EF vivenciada no seu período escolar e a atual proposta, a

professora Rita se referiu apenas à ampliação das práticas corporais, demonstrando

sua falta de conhecimento sobre a nova concepção da EF no contexto escolar:

“Conheço o mínimo. Hoje, eu vejo que a EF não é só o fazer, mas o aprender a fazer e aprender a ser. É uma disciplina como outra qualquer. A gente enfatiza isso muito bem. Eu vejo que na minha época era só praticar, era só esporte. Hoje, eu vejo que abriu o leque” (Prof.ª Rita).

Já a professora Paula destacou que as diretrizes das políticas públicas

(PCN) são possíveis de serem inseridas nas escolas por sugerirem temas da vida

cotidiana dos alunos. No entanto, se referiu aos temas transversais sugeridos por

esse documento:

“Os PCNs, eles colocam coisas do cotidiano escolar. Não tem muito como fugir. São conhecimentos da vida, os alunos vão trazendo. Não tem muito como separar as coisas (...) Os professores estão preparados para discutir

181

tal tema transversal? Eu acho que não. Mas se ele estiver sensível para perceber esses temas, basta correr atrás que vai trazer coisas. Na verdade, a gente não sai da faculdade preparada para dar aula de qualquer coisa não. Eu tenho que estar pronta para correr atrás de qualquer tema. Por exemplo, se saiu na minha aula o tema de dopping, eu tenho que estudar, correr atrás e trazer pros meus alunos, seja que tema que for” (Prof.ª Luíza).

O professor Élcio ressalta a participação da sociedade na reconstrução das

políticas públicas, destacando o fato de muitas vezes elas serem elaboradas a partir

das experiências ocorridas dentro da própria escola. Entretanto, destaca a

importância do entendimento por parte dos professores da nova concepção de EF

no contexto escolar e não só a ampliação de suas práticas corporais. Para ele, a

compreensão e conhecimento das políticas voltadas a EF, pelos professores da

área, podem legitimar a sua prática pedagógica diante da sociedade:

“Eu sei toda a problemática da inserção de um currículo por vias políticas. Mas, mesmo o que pesam essas críticas, é necessário ter uma política. E muitas vezes essas políticas fazem escolhas, e essas escolhas são problemáticas na inserção do cotidiano escolar. Mas eu prefiro essa problemática de inserir uma política pública no contexto escolar que não cabe do que não ter uma política pública. Em relação à obrigatoriedade de ensinar a dança, é importante que as políticas públicas coloquem o conteúdo de dança, mas não só de dança e outros também. Agora, estou pleiteando o circo e outras mais, como conteúdo a ser ensinado e trabalhado nas escolas. O que eu questiono muito é o como (...) O professor, no seu curso de formação, na sua formação continuada, ele tem que aprimorar. Porque é muito problemático quando um CBC, ou os PCNS, uma Escola Plural, falam como você vai fazer as coisas. Você não sabe a realidade da escola, não sabe a estrutura que a escola tem. Então, eu faço as minhas restrições. Mas eu acredito que como conteúdo a obrigatoriedade tem que ter. Isso dá respaldo pro professor (...) Nós já fomos muito criticados aqui na escola Azul: ‘- Onde é que vocês estão tirando isso? Onde é que está escrito que a dança tem que ter?’ Muitas pessoas acham que a gente só pode intervir na escola se você tiver alguma questão legal, uma política. E a gente sabe também que, as leis e as políticas vêm depois de certas intervenções estarem acontecendo nas escolas. Aí, é que a política e a lei muda. Acho que dá um respaldo. Agora, o fato de não ter, também, não impede do professor de ir lá e fazer esse processo acontecer. Senão, não teria transformação nenhuma, estaríamos ensinando conteúdos da década de vinte até hoje” (Prof. Élcio).

A maioria dos professores, independentemente de atuarem na rede pública

ou privada, não tiveram acesso ou não leram as políticas públicas referentes à EF

escolar. Nota-se certo distanciamento entre as mudanças sugeridas pelo governo e

as realidades nas quais elas possam efetivamente ocorrer. A concepção da EF

escolar, para muitos professores, ainda está enraizada e tatuada nos corpos,

pensamentos e saberes dos professores como sinônimo de esporte. A mudança

182

dessa concepção faz parte do processo inserido na teia de relações da cultura

escolar e da sociedade. De acordo com Caldeira (2008):

A apropriação das políticas públicas implica em rupturas e reconceitualização de uma série de conceitos que já estão lá, naturalizados na prática dos professores. Assim, eles precisam de mais tempo para haver uma apropriação e a escola não lhes deu esse tempo e, também, não houve um trabalho coletivo que favorecesse essa apropriação. O processo de apropriação das práticas alternativas tem que ser alimentado e repensado e, de preferência, coletivamente, no sentido de concretizar as propostas que a reforma propõe.62

No entanto, a dança nas políticas públicas, definida pela proposta do Estado

como os CBC’s, possibilita uma maior abertura para a dança ser inserida nas

escolas e, nas aulas de EF. E isso é um grande avanço! Ao se constatar a presença

da dança nas políticas públicas, nos projetos pedagógicos e, também nos

planejamentos dos professores, pode-se perceber um avanço na compreensão de

uma EF mais abrangente.

Segundo Crespo (1999) as maneiras de se pensar o homem e o mundo são

refletidos na educação e em todas as esferas da sociedade, a negação ou a

afirmação do corpo também. Nesse sentido, pode-se considerar que os problemas e

soluções dadas à educação são decorrentes aos problemas que se colocam aos

homens ao longo de sua evolução. Assim, ao se tentar entender o papel da

educação na sociedade, deve-se levar em consideração os múltiplos fatores que,

em qualquer época, estabelecem complexas relações com a educação: aspectos

filosóficos, políticos, científicos, históricos e culturais, criados pela relação do homem

com a sua natureza humana.

Pelos depoimentos dos atores, constata-se que para que ocorram de fato as

mudanças propostas pelas novas diretrizes políticas, há de se estreitar a via de

comunicação entre a formação inicial, a realidade escolar e os saberes docentes,

favorecendo a reflexão, o conhecimento e o reconhecimento da formação humana

mais abrangente do ator social, a partir de uma Educação Física inclusiva, lúdica,

interdisciplinar e humanitária, reconhecida como conhecimento da cultura corporal

de movimento.

62CALDEIRA, Anna Maria Salgueiro. Saberes Docentes . Mestrado em Educação - PUC Minas. Belo Horizonte, 2º semestre de 2008. Notas de aula.

183

6.7- Sentidos, significados e saberes docentes: a v isão dos

professores sobre a dança folclórica e a sua inser ção na escola

Quanto à inserção da dança folclórica na EF, os discursos de alguns

professores apresentam como uma dificuldade para a inserção da dança folclórica

na escola, a resistência dos alunos, reforçada pelo senso comum em considerá-la

congelada no tempo e no espaço social, incapaz de dialogar com a história, com a

cultura e os valores produzidos e incutidos pela nossa sociedade urbana, moderna,

capitalista, consumista, individualista e fragmentada.

“É importante, porque culturalmente é um aprendizado que a gente tem. Pela música, a gente aprende muita coisa. Eu sou de Conselheiro Lafaiete [MG]. Lá e aqui em Venda Nova eu vi muito Congado. A dança gaúcha também é interessantíssima. Eu acho interessantíssimo. Eu nunca trabalhei, porque eles têm resistência a isso. Eles têm resistência porque não foi feita a cabeça deles (...) Acho que os professores vão ter muita dificuldade em incluir essa dança nas suas aulas. Porque, para os alunos, quem dança é boiola, essas coisas. A gente liga a televisão e vê só Rap63, e eles acham que é só isso que é legal. Então cria resistência, né? É igual o vôlei e o futebol: se você fala que vai fazer handebol...[eles dizem:] ‘- Ah!’ E saem pra lá” (Prof. Luís).

O entendimento de que as manifestações populares tradicionais se

resumem e se configuram apenas sob os aspectos da tradição64 e da oralidade,

mantida e repassada através das gerações, demonstrou o conceito dado pelo senso

comum sobre as tradições folclóricas estarem atreladas a “coisas do passado”.

“Folclore é o que passa de pai para filho. Eu acho que é isso. Dança folclórica é a mesma coisa. Quadrilha, por exemplo, que passa de avô para filho e para neto. É importante pra passar da pessoa mais velha para a mais nova” (Prof.ª Lúcia).

Nota-se uma visão estereotipada dos professores ao considerarem o Folclore

apenas pelo limite geográfico, deixando de ser entendido na sua complexidade

histórica, social e cultural. Esse pensamento justifica o seu conhecimento apenas

pela sua diversidade, ou pelo exótico (com destaque para as danças encontradas

63 De origem norte-americana, a cultura Hip Hop, da qual o Rap faz parte junto com o grafite e a dança Break, foi introduzido no Brasil no começo dos anos 80 (poucos anos depois de seu surgimento, nos Estados Unidos), mais notadamente em São Paulo. Disponível em: (http:// cliquemusic.uol.com.br/generos/generos ). Acesso em: 06 de Dez/ 2008. 64 MARTINS, Saul A. (1986, p.17) enumera cinco características para se identificar um fato como folclórico: a tradicionalidade; a oralidade, a aceitação coletiva, a funcionalidade e a vulgaridade (a existência indistintamente do pertencimento a classes sociais).

184

fora do estado de Minas Gerais) e não pelas suas singularidades. Nos depoimentos

dos professores, verifica-se a ausência da reflexão de que a dança inserida na

cultura popular tradicional, representa os habitus e as atitudes de um determinado

grupo social configurando a sua identidade cultural.

“Folclore é conhecer alguma coisa de alguma região, estado. Eu acho que o Folclore deve ser sempre valorizado. Porque é a base, é história. Como toda cultura daquele lugar deve ser valorizado de uma forma ou de outra, com dança com música. Eu vejo [que] os nossos alunos não têm história pra contar, como eu tenho muitas para contar, da vida (...) É uma geração do imediatismo, do momento. E o Folclore, muitas vezes quando acontece, vai buscar alguma história daquela região daquela época” (Prof. Cecel).

“É uma manifestação de cultura corporal de movimento. Porque é um movimento que não é só relacionado à dança, mas com as outras culturas. Tem Folclore em vários outros lugares. Agora, nas olimpíadas, seria interessante chamar a atenção para o Folclore dos outros países” (Prof.ª Ana).

Por ser a cultura dinâmica, urge novos padrões culturais, novas formas de

ver, sentir e ler o mundo. Em cada grupo social (acadêmico, religioso, étnico, etc.),

as suas visões de mundo variam, dando significados diferentes às coisas, aos

saberes e a sua forma de “fazer cultura”. Nessa direção, a professora Teca destaca

a necessidade de colocar a história de mãos dadas com o conhecimento da

diversidade de nossas expressões corporais através da dança

“A dança folclórica na escola é importante para você saber a construção da sua história. Eu acho que isso faz parte. E a dança folclórica é essa coisa mesmo. Eu só fui entender que havia danças diferentes a partir da dança folclórica. Porque, pela mídia, eu achava que todo mundo dançava igual” (Prof.ª Teca).

A visão das professoras Alva e Sônia e do professor Sérgio se mantiveram

de forma tradicional, nostálgica e estática nas memórias gestuais do passado na sua

impossibilidade de se relacionar com o presente. O Folclore, para eles, é entendido

como coisa do passado que o presente não entende. A distinção em se conhecer a

dança na sua relação com a tradição permanece fora do seu pertencimento.

Contrários a esse pensamento, Gomes e Pereira (1992, p.30) afirmam que “o saber

popular não se fecha em si mesmo, vedado num antiquário, para ser observado

como raridade que se recusa a dialogar com as manifestações sociais em curso”.

“(...) Eu acho que tudo naquela época tinha um porque, tinha uma fé, uma crença, uma alegria, uma devoção, uma obrigação como o santo. Então, eu acho que isso tem que ser preservado, jamais eliminado da escola, da vida

185

do indivíduo. Porque hoje, nós não temos história. Nós não temos contos, temos contos de violência, de que caiu matou, atirou... Antes, dançávamos na casa de fulano. Lá dançávamos o Forró, o Baião, aquelas musiquinhas inocentes e maldosas” (Prof.ª Alva).

“Folclore não está ligado à cultura? Está mais do que ligado, a dança folclórica.Tem que ter, porque escola não é só o conteúdo que cai no vestibular. A escola Azul abriu isso de alguns anos pra cá. O teatro, a dança, o coral, oferecer isso pros alunos. Muitas coisas que não tinham antigamente, o colégio está oferecendo pra eles. E os alunos estão abrindo a cabeça para isso. Isso é muitíssimo importante. Quem me dera que eu tivesse essa vivência quando eu era estudante” (Prof. Sérgio). “A dança folclórica não tem mais aquela regionalidade. As danças do sul são dançadas em vários locais, elas vão misturando. A dança folclórica deixou de ser parte daquele regionalismo. Ela é mais marcante no nordeste, mas você vê o Frevo pelo Brasil todo. A dança é importante, porque faz parte da nossa cultura, em termos de conhecimento. O Brasil, principalmente, ele é grande em todos os aspectos. Os alunos vão precisar ter esse conhecimento para poderem comparar o ritmo do passado com o ritmo atual” (Prof.ª Sônia).

A professora Rita defendeu a inserção da dança folclórica na escola pela

possibilidade da troca de saberes sobre a dança, apropriados diferentemente do

meio acadêmico. No entanto, não soube justificá-la pela sua dimensão cultural.

“A minha primeira aula do ano no Ensino Médio foi Dança Folclórica. O primeiro conteúdo do primeiro tema era Dança Folclórica. E aí, eu ira conhecer os meus alunos que me tiraram o sonho antes d’eu conhecê-los, porque todos os professores diziam: ‘- Ensino Médio, não!’ E eu, que nunca dei aula para esta faixa etária (...) Eu vou conhecer os meus alunos com um tema que eu domino (...) Eu inicio com o que eu chamo trio nordestino: Xote, Coco, Xaxado. Fiz uma dança do Sul, nesse ano eu fiz o Frevo. E como a primeira aula de dança do ano é no início dele, eu disse: ‘- Acabei de chegar o Recife e estou com o Frevo na cabeça’. Aí, começo: pego cinco movimentos, oito tempos, dois tempos, dois tempos e monto a seqüência. Depois pego a música do Frevo canção, que é mais lento. E depois, no final, eu coloco uma música rápida e coloco uma abaixada como desafio. Isso é a aula prática do Frevo. E isso com as outras danças. Fiz Xote Carreirinha do Sul. Já fiz no desafio do lenço no Carimbó”65 (Prof.ª Rita).

A possibilidade da recriação coreográfica dos professores se manteve

atrelada à reprodução coreográfica feita por grupos de projeção, ou seja, o professor

e o aluno reconhecem a dança pela estética dos traços corporais anteriormente pré-

selecionados, por esses grupos. Essa permanência da reprodução tecnicista,

tradicional e acrítica das práticas corporais pela EF, ao longo de sua presença na

escola, também se cristalizou na abordagem da dança folclórica ao utilizarem o

65 A entrevistada cita danças presentes na cultura popular tradicional brasileira. Para saber mais ver: CASCUDO, Luís Câmara. Dicionário do Folclore Brasileiro . Natal: Tecnoprint S.A, 1972.

186

“álbum de danças” colecionadas pelos grupos de projeção. A finalidade da maioria

desses grupos é divulgação e pesquisa das manifestações populares tradicionais,

sob a tutela da estética erudita.

Ao se limitarem à reprodução das danças recriadas pelos grupos de

projeção, os professores deixam de fora o conhecimento mais importante na sua

abordagem no contexto escolar: os sujeitos históricos e suas realidades sociais.

Cabe aqui ressaltar que a visão da professora Rita (e de muitos outros), voltada

apenas para a coleção, foi incutida em toda a sua trajetória acadêmica (escolar e

universitária). A abordagem quanto ao conceito do termo Folclore apresentado por

essa professora revelou o senso comum em caracterizá-lo pela sua utilidade. Sob

esse aspecto, Souza (2007) contesta, afirmando que:

Nos processos marcados pela tradição, todo saber é saber fazer e o acesso ao fazer exige encontro com outra pessoa que sabe fazer. Ou seja, todo conhecimento é transmitido diretamente nas relações pessoais e ofertado como um dom. E mais, ao estudo do Folclore interessam as tradições que não levam necessariamente a utilidade como valor último (p. 3).

O olhar da professora Luíza, voltado para o exótico, reforça a visão das

danças folclóricas como distantes de nossa realidade, portanto, desvinculadas da

nossa formação histórica e cultural. Nesse contexto, verifica-se que as danças

folclóricas ao serem introduzidas nas festas juninas, foram abordadas apenas como

um elemento a mais para o “abrilhantamento” da festa. A relação da vivência da

dança folclórica voltada para as apresentações da festa junina limitou o trato de

forma mais ampla e contextualizada, uma vez que se restringiu a criar e ensaiar os

passos coreográficos para as apresentações artísticas. Assim, pode-se dizer que a

dança folclórica também foi apropriada e transmitida pela escola através do arbitrário

cultural, como caracterizou Bourdieu (1998). Ou seja, ao deixar de conhecer as

nossas danças, nos tornamos estrangeiros de nossa própria herança cultural, nos

condicionando “naturalmente” a ver e a ler a nossa história através da dança (de

forma acrítica) sob a luneta do etnocentrismo.

“A gente fez uma reunião pedagógica no final de ano para pegar sugestões. E aí, eu sugeri ser danças do nordeste, o Xaxado. Pegar as danças do nordeste porque são danças mais culturais dessa época. No norte, na festa junina, eles estão preocupados com a festa de Parintins no

187

Estado do Amazonas. Você não vai ter música voltada para festa junina, eles estão voltados pro “garantido e caprichoso”. Se você pega a região sul, eles também não tem essa tradição de festa junina. Quem mais tem tradição é o Nordeste e o Sudeste, tem mais essa característica de roça, do interior. Então, eles sugeriram assim, que a quadrilha fosse da 1ª série, e que a 5ª série fizesse outra dança. Mas tradicionalmente a quadrilha é das últimas séries de conclusão (5ª, 9ª séries e os 3º anos do Ensino Médio). Então foi desse jeito. No ano passado foram diferentes, teve Xote nordestino, Catira...” (Prof.ª Luíza)66.

No entanto, a busca de estratégias em decorrência da nova visão sobre a

dança e sobre a EF na escola, alicerçada como cultura corporal de movimento,

possibilitou à professora Luíza abordar a dança inicialmente de forma tradicional

para depois propiciar a participação conjunta e inclusiva de todos no processo de

sua elaboração, ao ponto dos alunos a reconhecerem como sua.

“A sugestão é que a gente faça um estudo de dança e depois a festa junina. Eu gosto de ver como dois temas separados. Porque tem esse estresse para os alunos, essa cobrança que a gente faz de apresentação. Então, eu gosto de desenvolver os temas separados. A dança folclórica, para a festa junina, a gente vai criando junto, e os alunos no final falam: ‘- Olha a minha dança!’ (...) Folclore é tudo que vem de uma cultura, de um conhecimento popular. A dança folclórica é mais rica de movimentos. Como é coisa do conhecimento popular, é para todo mundo. Não tem esse rigor, não tem esses empecilhos como em outras danças Todo mundo pode fazer. E, além dos passos da dança, tem esse conhecimento popular por trás. Por que no Pará se dança o Siriá Carimbó? E o Brasil é muito grande, se formos pegar só os esportes para estudar, os conhecimentos populares, você não vai conseguir muita coisa” (Prof.ª Luíza).

A dança folclórica na dimensão da projeção

Ao relatar que coordena um grupo de projeção de danças folclóricas na

Escola Azul , formado por alunos e professores, a professora Rita, acredita que

favoreceu a divulgação das manifestações populares no contexto escolar. No

entanto, nota-se que esse espaço e tempo devem ser entendidos diferentemente do

destinado à dança na EF como conhecimento para a emancipação. Os atores são

os mesmos, mas a função da dança nesses contextos é diferente (podendo até

serem complementares), cabendo ao professor fazer essa diferenciação.

A vivência da dança folclórica em outros contextos sociais que não o só da

projeção, mobilizou a professora Rita em levar esse conhecimento para dentro de 66 Para informações sobre as danças citadas ver: CASCUDO, Luís da Câmara. Dicionário do Folclore Brasileiro . Natal: Tecnoprint S.A, 1972.

188

suas aulas. No entanto, se restringiu a reprodução de suas vivências (mais uma vez

sob o olhar do exótico). Deve-se ressaltar que o sentido da dança, na cultura popular

tradicional, está tão fortemente associado à freqüência da prática, às condições

socialmente qualificadas em que ela se realiza e à maneira de realizá-la, que se

torna difícil interpretar a maior parte delas. Nesse contexto, de acordo com Rocha

(1998) 67, o ideal seria começar pelo mais próximo, pelo comum, e ver a sua

singularidade representada no todo.

“Folclore é conhecimento, saber que está relacionado ao povo. Não é só dança, música; não é coisa só do passado. Eu sinto que é uma coisa muito presente Hoje,. Por mais que a gente vê que tem manifestação correndo risco, eu acredito que vai ter cada vez mais alunos falando sobre isso. Folclore é uma coisa fascinante, que eu tento conhecer através das festas, das pessoas, de vídeos, da internet (...) Folclore, para mim, é tudo que se tornou costume (...) A dança e a forma de agir também tem um costume. Através de um movimento de um braço, de uma postura, a dança pode te despertar para outras coisas. Eu sou apaixonada pelas danças folclóricas. Sou apaixonada com as possibilidades de movimentos que a gente encontra nas danças folclóricas no Brasil. Os alunos, eles entram na sua também, eles apaixonam pela sua paixão” (Prof.ª Rita).

Se for para reproduzir, tanto faz se é esporte, lut a ou dança.

O professor João fez uma distinção quanto a utilizar a dança folclórica na

escola apenas como reprodução de seus traços corporais e a reconhecê-la como

parte integrante de um contexto maior e complexo do grupo social da qual faz parte.

Nesse contexto, quanto ao caráter da reprodução das danças, De Pellegrin (2007, p.

44) ressalta que o suposto ensino reduz-se praticamente “à imitação do estereótipo,

cujo objetivo é o alcance de uma performance padronizada e repetitiva, que se

traduz, na realidade, numa experiência estética pobre e vazia de sentido”.

“A própria dança folclórica é um questionamento que eu faço muito grande em como trabalhar esse tipo de dança com nossos alunos. A gente questiona muito na EF, de um modo geral. A questão da reprodução do alto rendimento dos esportes também ocorre na dança folclórica a partir do momento em que a gente faz a mesma coisa, a gente está reproduzindo tanto quanto. Então, os meninos têm que entender o sentido daquela dança, o porquê existe aquela dança e saber que o que eles estão fazendo ali é uma mera reprodução, não é uma parte folclórica. Aquilo tem um sentido, um significado para aquela região lá. A partir do momento que estão reproduzindo aqui, é um mero espetáculo. E eles conhecem o sentido e tudo, sabem do que aconteceu. Daí, é o que falo que é importante a gente também entender, além dos cinco grandes temas. A

67 ROCHA, Tião. Curso de Especialização em Folclore e Cultura Popul ar. Unicentro Newton Paiva. Belo Horizonte, 1998. Notas de aula.

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gente tem que entender pra que está fazendo, qual é o significado daquilo. Se nós nos limitarmos a só reproduzir, se for reprodução, tanto faz você só usar os esportes ou os grandes temas, que é o que eu questiono muito nas escolas. Tem escolas que falam que trabalham os cinco grandes temas. Mas de que forma que trabalham? Reproduzindo?” (Prof. João).

O professor Élcio destacou a possibilidade da dança folclórica ser abordada

como uma forma de conhecermos a nossa diversidade cultural. Ele reconheceu a

sua relação de co-educação, ao aprender com o outro, no sentido de entender os

seus significados no contexto em que está inserido. Na sua concepção de Folclore,

as identidades culturais de um determinado grupo se apresentam nas suas variadas

expressões. Para ele, cabe ao professor possibilitar essa troca de conhecimentos

mais próxima com os grupos autênticos, ou seja, como disse Rocha68, “beber na

fonte”. Sobre a transmutação das festas populares ao serem popularizadas e

“elitizadas”, associando-as à visão do mundo hegemônico, o professor ressalta a

sua mudança de sentido e significado presentes na sua origem, ao se tornar, pela

mídia, apenas em um espetáculo a mais.

“Eu vi a festa do Boi Bumbá, em Parintins, no estado do Amazonas. O nível de espetacularização abandonou um pouco a questão do sentido e significado da dança que foram construídos ali. E parece que é uma ironia: quanto mais se torna popular, [mais se] perde o sentido e o significado. Popular, no sentido de se ter uma divulgação nacional. Se você pegar uns sociólogos, eles vão dizer isso. Eu estudei agora François Dubeet. Ele diz que a escola, a partir do momento que ela cresceu e massificou, ela perdeu o seu sentido e significado. Então, ele aponta como caminho: vamos tentar fazer em pequenos grupos. Então, a dança folclórica seria muito significativa se a gente conseguisse identificar aquele grupo e aprender com ele, aprender que existe aquele sentido, aquele significado, mas não pra tentar transferir aquele sentido e significado do que acontece lá no interior de Minas Gerais pra uma comunidade urbana. Em termos de divulgação, tem um certo valor, mas não representa a sua essência. Nós brasileiros, nós não podemos deixar de conhecer que uma determinada região construiu uma determinada expressão corporal para transmitir determinado significado. Então, o meu entender da dança folclórica na escola é esse. E por que não aprender essa expressão corporal por meio desse estilo de dança?” (Prof. Élcio).

Nota-se que nenhum professor se referiu à possibilidade de se entender a

cultura popular tradicional como patrimônio cultural, possibilitando que os atores

sociais reconheçam as suas formas culturais como bens culturais, constituintes da

68 ROCHA, Tião. Curso de Especialização em Folclore e Cultura Popul ar. Unicentro Newton Paiva. Belo Horizonte, 1998. Notas de aula.

190

cultura nacional em toda a sua extensão de cidadãos. Nesse contexto, a dança

folclórica inserida na escola seria um dos elementos que possibilitaria obter

informações sobre o nosso patrimônio cultural imaterial. O Folclore, manifestado

através da dança não, é apenas a sobrevivência. Ele é vivo, atuante e em contínuo

processo de mudança. Se na sociedade do século XXI, a dança ocupa um lugar de

destaque na experiência estética dos nossos alunos, deve-se ter um olhar mais

atento e crítico sobre as características dessa prática corporal ao ser inserida na

escola. Enfim, quais sãos relações entre dança e cultura? Só a de consumo?

Infelizmente, para a maioria dos atores ainda é possível perceber a visão

estreita e de senso comum sobre a dança folclórica e a sua abordagem na escola,

cabendo a ela apenas a sua reprodução (a partir de cópias de grupos de projeção),

enfatizando o exótico, o distante e o utilitário. Já, para a minoria, (e isso pode ser

considerado um avanço!) ela é reconhecida na sua dimensão como identidade

cultural brasileira, pensamento que possibilitou a diferenciação de sua abordagem

na escola, indo além da reprodução da técnica. Verifica-se que as vivências na

disciplina de Dança ou de Dança Folclórica na formação inicial, pelos professores

das duas escolas, não foram suficientes para a transformação de sua visão sobre

essa prática cultural, incutida ao longo de sua trajetória social e escolar, mas alguns

passos foram dados, e isso é o início para se praticar (e repensar) qualquer dança.

Os saberes docentes sobre a dança folclórica foram caracterizados no

“processo dialogicamente histórico”, como se referem Rockwell e Mercado (1988).

Nesse caso pode entender que a formação inicial (que de inicial só tem o nome) é

um dos caminhos a ser percorrido na dimensão da formação dos saberes docentes,

nesse caso há uma grande possibilidade de passar a entender os saberes docentes

inseridos e construídos na trama social, dos demais saberes construídos nas

diferentes relações sociais ao longo de suas trajetórias.

No diálogo da escola coma cultura popular tradicional pode-se perceber um

avanço, pois ao ser reconhecida (mesmo que ainda por poucos) na sua totalidade, a

escola tem o potencial de ser o lugar de compreensão e de conhecimento da cultura

popular tradicional, não sob a tutela da cultura erudita, mas da própria cultura

popular, abrindo espaços para o dialogo com as diferentes leituras de se entender

essas manifestações como atuais e atuantes no contexto histórico, político, cultural e

social. Nesse sentido, pode-se afirmar que a visão dos professores sobre a dança

folclórica ou sobre as manifestações populares tradicionais, constituída ao longo de

191

sua trajetória de vida, influenciou a abordagem dessa prática pedagógica ao ser

inserida na escola.

Ao término desta pesquisa, cosntata-se um entrelaçamento entre a história

de vida dos professores, a experiência deles como estudantes, quando fora da

escola, na formação ou (de) formação inicial com professores de Educação Física e,

quando atuantes na escola. Assim, a partir desse entrelaçamento pode-se entender

que os saberes docentes foram (e permanecem) constituídos não só na formação

inicial, mas nas suas relações estabelecidas na rua, na casa, nas experiências

sociais. Nesse contexto, a formação inicial deve estar aberta a acompanhar essas

mudanças, construídas socialmente, e, ao estabelecer um currículo, deve-se manter

o olhar atento à possibilidade de um dialogo em direção a uma formação humana

mais abrangente. Uma formação humana de qualidade como direito!

Nessa realidade, reafirma-se que o professor de Educação Física ocupa o

papel fundamental no processo de transformação da inserção da dança na escola

como uma prática pedagógica da cultura corporal de movimento, capaz de oferecer

um conhecimento reflexivo, crítico e emancipatório.

192

7. CONSIDERAÇÕES FINAIS:

Quando se propôs a dançar ao som dos discursos polifônicos, vários

timbres de vozes expressados pelos atores foram convidados a fazer parte da

dança, uns com vozes mais graves pela idade e experiência, outras mais agudas

pela sua juventude, outras mais roucas pelas suas intensidades na locução. E, ao

convidá-los, sugeriu-se um estilo, o estilo que todos conhecem e, de alguma forma,

vivenciaram: as danças populares tradicionais brasileiras.

Essas foram escolhidas por estarem inseridas num contexto social onde o

ritmo desenfreado da modernidade se torna cada vez mais necessária a

reconstrução de sua história. Assim, as nossas danças tradicionalmente

vivenciadas, criadas e recriadas marcam o ponto de referência da nossa memória

coreográfica. Dessa forma, as reflexões tiveram como ponto de partida os discursos

produzidos, reproduzidos e recriados pelos atores, ao desenvolverem a dança no

espaço escolar, ao dialogarem com a sua trajetória no seu contexto histórico, social

e profissional.

Esta pesquisa possibilitou entender as trajetórias desses atores (em seus

encontros e desencontros), focados em suas experiências com a dança no meio

familiar, nos contextos escolares (como alunos e docentes) e nas suas relações, na

construção de seus saberes sobre essa prática cultural, ao ser introduzida no

emaranhado de saberes da escola.

Nesta pesquisa, foi possível entender que o produto de nossa experiência

passada e presente não é totalmente determinado pelas escolhas e nem totalmente

livre delas. Porém, o que foi incorporado socialmente só será transformado se

coletivamente for motivado a isso. Nesse sentido, para que as mudanças possam

ocorrer dentro do contexto escolar, é necessário que todos sejam convidados a

participar da dança. E, como num movimento de caracol, nas quadrilhas tão

presentes nesse contexto, percorrer os espaços não só das quadras ou dos pátios,

mas das salas, dos gabinetes, das ruas, das casas, dos parques, das universidades

e dos palácios do governo, ao ritmo retumbante das mudanças.

Viu-se que as diferentes relações do corpo com a dança, nas várias

instâncias da história, favoreceram as estratégias de reprodução para uns, como as

escolhas de transformação para outros. O aspecto utilitário da dança (folclórica ou

193

não) passou a ser secundário, no instante em que percebemos a dimensão em que

ela ocorre. De uma forma ou outra, a dança sempre esteve presente no contexto

escolar, seja para moldar ou para mobilizar.

Ao se constatar a dimensão dos habitus tatuados nos corpos e nas relações

com a dança na trajetória escolar e a sua influência legitimada pelos meios

acadêmicos, pensou-se ser esse o ponto chave para a reflexão sobre a formação de

professores de Educação Física. Constatou-se que as vivências (apropriadas) na

formação inicial, em sua maioria, só fizeram reforçar o que já estava incorporado: o

olhar fragmentado e limitado na utilidade da dança como espetáculo. E a dança

folclórica não fugiu a isso. O que mudou foram as novas cores e adereços,

ampliando a possibilidade de ser reconhecida pela sua diversidade de movimentos,

porém ainda não pela sua singularidade nas relações.

As trajetórias sociais percorridas pelos atores demarcaram os ritmos de suas

falas, embora a história da Educação Física estivesse permeada de possibilidades,

após um período em que essa área foi excludente, reprodutora, muda e surda às

vozes que se fizeram calar. Por vários momentos, o individual e o coletivo, nas suas

lógicas de ação, se mostravam como um único corpo, dançando ao “som de uma

orquestra sem maestro”. As disposições para as mudanças e as resistências para se

manter inerte se entrelaçaram com os espaços sociais e suas lógicas e situações,

cotidianamente vividas pelos atores.

A necessidade de entender não só os saberes dos professores de Educação

Física, ao ocuparem tal posição, mas a trajetória que os levou a ocupá-la, nos

conduziu a dialogar com os atores, transcrevendo as suas escolhas e experiências

ao longo de suas vidas sociais e profissionais, nos momentos em que tiveram a

dança como seu par, embora às vezes como seu impar. Através das dimensões

qualitativas de suas vivências com essa prática culturalmente construída, pode-se

perceber e entender os compassos e descompassos de seus habitus como

“princípios geradores de práticas e saberes distintos e distintivos”69, coletivamente

compartilhados nas suas representações, significados e ações historicamente

produzidos.

Os professores de Educação Física, já estão ensaiando os primeiros passos

na direção da apropriação e mobilização dos saberes docentes sobre a dança, não

69 BOURDIEU ( 2005, p.22).

194

para reproduzirem uma coreografia, mas para entenderem a dança na sua dimensão

participativa na formação humana. Nesse sentido, esses saberes poderão contribuir

para que a rede de relações se estabeleça como também podem fortalecer o

entendimento da dança como mercadoria. Para isso, é preciso refletir para escolher.

Nessa perspectiva, seria interessante convidar para fazer parte da dança na

escola as linguagens contemporâneas da mídia, não com o olhar para o diferente

como se fizessem parte de um álbum de figurinhas exóticas, mas na possibilidade

de inserir o que está próximo. Se for feito um recorte e se esquecer o complexo,

perde-se o compasso de nossas reflexões!

A construção dos saberes docentes sobre a dança e a sua apropriação não

se dá anulando os caminhos trilhados pelo sujeito histórico, cultural e social.

Contudo, os espaços sociais escolhidos pelos atores são também produtos

históricos, singulares e originais, nas suas relações, normas, regras e formas de

interesses possíveis. Os sentidos conferidos à inserção da dança folclórica no

espaço escolar ainda estão tradicionalmente congelados no tempo, tatuados através

dos habitus incorporados arbitrariamente (ainda no seio da família e posteriormente

por todo o seu percurso escolar), levando ao seu entendimento e classificação como

inferior, rude, pobre, exótica e, sobretudo, distante da realidade escolar e da

possibilidade de reconhecê-la na sua dimensão de identidade cultural. Entretanto, os

saberes, congelados na perspectiva de reproduzi-la, passaram a ser insuficientes,

ao convidar para a dança corpos singularmente históricos, com suas cadências de

movimentos e vivências distintas. Pelos diferentes timbres de discursos, foi possível,

em princípio com certo estranhamento pela desarmonia (como no momento em que

cada músico de uma orquestra afinasse, ao mesmo tempo, os seus instrumentos),

perceber que, para se criar uma música, é preciso diferentes notas musicais

Na dualidade das realidades, verificou-se que a inserção da dança nesses

contextos está de braços dados com as suas singularidades. Nessa dimensão de

público e privado, os saberes docentes e as suas possibilidades de serem ouvidos e

compartilhados fazem a diferença para as transformações do ritmo da dança. Quais

seriam as possibilidades na dualidade centro/periferia?

No contexto polifônico, viu-se que as diferentes vivências com a dança

refletem as possibilidades de dançá-la e pensá-la. Ao ser inserida na escola, pelos

professores de Educação Física, reconhecida como conhecimento inserido na

cultura corporal de movimento, a dança abre espaço para, também, se pensar sobre

195

e a partir dela. Constatou-se que as políticas públicas são reconhecidas como as

claves de uma partitura musical, mas não a música em si. No entanto, uma depende

da outra para ser reconhecida, transmitida e recriada. O acesso e apropriação das

políticas públicas passam necessariamente pela reflexão, inicialmente realizada e

construída pelo corpo docente. As políticas públicas, ao fazerem parte dessa

ciranda, refletiram, mesmo que nebulosamente, os sujeitos que antes reproduziam e

se reproduziam, espelhados numa realidade imóvel, fragmentada, muda e surda.

Entretanto, para que elas continuassem a fazer parte dessa dança, foi necessário

não só entrar na roda, mas olhar de frente e dialogar com os sujeitos nas suas

diferentes perspectivas, expectativas e possibilidades.

Depois de ouvir e dialogar com tantos saberes acredita-se que a maior

possibilidade de êxito para a inserção da dança na escola está reservada, na sua

compreensão como manifestação cultural, portanto, vivenciada de forma inclusiva,

lúdica, interdisciplinar e de conhecimento como emancipação. Nessa direção, o

entendimento desse processo de seleção das vivências, culturalmente construídas,

permite ver o conhecimento escolar como um resultado de conhecimentos apenas

eruditos/científicos, mas de um conjunto de conhecimentos extraídos dos saberes

populares, dos saberes cotidianos, de aspectos da cultura de massa, de saberes

díspares, de origens diversas, sendo transmitido como o que há de mais

fundamental na cultura humana e, nessa direção, os saberes docentes podem

promover a transformação.

Se, por um lado, alguns se moveram na direção do reconhecimento da dança

como uma manifestação cultural, portanto, identitária, e pertencente à formação

humana de maneira mais abrangente, por outro lado, há aqueles que ainda a vêem

sob a luneta da reprodução acrítica e descontextualizada. A visão tecnicista da

dança na escola está atrelada ao não reconhecimento da Educação Física como

conhecimento. No entanto, a mudança já se iniciou, e essa mudança é alicerçada

pelas conquistas de gerações. A dança folclórica saiu da situação de silenciamento

para a presença nos discursos polifônicos dos professores, dos CBC’s, dos projetos

pedagógicos. Basta agora ouvir a polifonia das culturas populares.

Ao se propor dançar aos ritmos de discursos polifônicos, criou-se uma

ciranda, a ciranda dos saberes sobre a dança e nela, alguns passos foram

executados. Porém, foi preciso reproduzi-los, decodificá-los, interpretá-los, criá-los e

recriá-los, a partir da coletividade e diversidade das vozes que fizeram parte dessa

196

dança. Uma vez em círculo, foi possível perceber o ritmo dos nossos pares e

impares. Estando em roda, foi possível perceber que, mesmo reproduzindo, em

alguns momentos, determinados passos, os corpos dos sujeitos eram diferentes e

diferentemente utilizavam dessa linguagem para se expressarem e serem

interpretados na circularidade dos saberes. Assim, os discursos, na sua polifonia,

cercaram a roda e a roda foi cercada pela história individual e coletiva,

permanecendo aberta para quem quiser dela fazer parte, como um convite à dança

para todos os corpos.

A nossa montagem coreográfica chegou ao fim, mas a forma de vivenciá-la

(e repensá-la) dependerá de cada um. A ciranda dos saberes docentes foi apenas

uma possibilidade de se refletir a dança inserida na sociedade e no contexto escolar;

há de se criar outros diálogos, reflexões e vivências corporais, para o seu

entendimento na sua totalidade.

197

8. REFERÊNCIAS

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205

9. APÊNDICES

A- FICHA PRELIMINAR INDIVIDUAL PRELIMINAR Título da Pesquisa : Docência, Educação Física e Dança: uma coreografia no ritmo de discursos polifônicos. Mestranda : Kátia Cupertino Prof.ª Orientadora : Magali de Castro INSTITUIÇÃO : ____________________________________________________________________

1. DADOS PESSOAIS:

Nome: ___________________________________________________ Pseudônimo: _____________________ Telefone residencial: __________________ Celular: ________________ E-mail: _______________________________________________________________ Faixa etária: Até 30 anos ( ) 31 a 40 anos ( ) 41 a 50 anos ( ) Acima de 50 anos ( ) 2. INFORMAÇÔES ESCOLARES:

a. Curso de graduação:

Escola __________________________________________________ Cidade ___________________ Ano de conclusão: __________________

b. Possui pós- graduação? ( ) especialização ( ) mestrado ( ) doutorado � Nome do curso: _________________________________________________

206

3. SITUAÇÃO NA ESCOLA: 3.1. Ano de ingresso: ________________ 3.2. Tempo de atuação na rede de ensino: _______________________

3.3. Cargos que exerceu e anos:

Cargo: _____________________ Ano(s): __________________

Cargo: _____________________ Ano(s): __________________ Cargo: _____________________ Ano(s): __________________ 4. ATIVIDADE PROFISSIONAL ATUAL – FORA DA ESCOL A 4.1 Trabalha em outra escola? ( ) sim ( ) nã o 4.2 Se sim, qual tipo de escola? ( ) particular laica ( ) particular religiosa ( ) estadual ( ) municipal 4.3 Em qual nível de ensino? ( ) Educação Infantil ( ) Ensino Fundamental - 1ª a 4ª ( ) Ensino Fundamental - 5ª a 9 ª ( ) Ensino Médio ( ) outros 4.4 Exerce outra atividade nessa escola? ( ) sim ( ) não Especifique: _______________________________________________ 5. EXPERIÊNCIA PROFISSIONAL EM OUTRAS ÁREAS Função / Local / Período: _______________________________________________ Função / Local/ Período: _______________________________________________________________ Função / Local/ Período: _______________________________________________________________ 6. FORMAÇÃO E EXPERIÊNCIA EM RELAÇÃO À DANÇA: 6.1 Você estudou dança na sua formação profissional ? ( ) sim ( ) não

207

Comentários: _________________________________________________________________ ________________________________________________________________

6.2 Atua em projeto de ensino na dança? ( ) sim ( ) não Comentários: _________________________________________________________________ _________________________________________________________________

6.3 A dança é ou foi contemplada no seu Plano d e Ensino, nesta escola? ( ) sim ( ) não 6.4 Através de quais estilos? ( ) moderna ( ) bale clássico ( ) dança criativa ( ) folclórica ( ) dança de rua ( ) outros Especifique: ____________________________________________________ __________________________________________________________

6.5 . Quais são as suas experiências com dança for a da escola:

( estilo / local/ período ) .----------------------------------------------------------------------------------------------------------- . ----------------------------------------------------------------------------------------------------------- . -----------------------------------------------------------------------------------------------------------

6.6 A dança, no contexto da Educação Física, é : ( enumere de 1 a 3 na ordem de importância )

( ) atividade física ( ) conhecimento ( ) ritmo e movimento ( ) formação humana ( ) técnicas da dança ( ) cultura ( ) lazer ( ) recreação ( ) apresentações em Festivais ( ) outros - Especifique: .-----------------------------------------------------------------------------------------------------------

208

. -----------------------------------------------------------------------------------------------------------

7. DISPONIBILIDADE PARA PARTICIPAR DA PESQUISA :

Concorda em ser entrevistada? Sim ( ) Não ( ) Para a realização das entrevistas, indique: Local: ____________________________________________ Disponibilidade de horários: ______________________________

209

B - EIXOS PARA ROTEIRO DAS ENTREVISTAS

� Dados pessoais (preencher uma ficha)

1: Relação com a profissão docente com a Educação F ísica na trajetória

familiar

� Existência de professores de Educação Física na família. � Fatos marcantes na trajetória familiar que, de alguma forma, tenham a ver com a

escolha da profissão de professor de Educação Física � Fato ou aspecto da vida familiar que possa ter influenciado sua opção pela

profissão docente, por que escolheu essa profissão. � Como a sua família se relaciona com a dança? � Onde estudou dança. Porque e qual estilo? � O que aprendeu? � Quais estilos preferem? Por quê?

2: Relação com a profissão docente e a dança na tra jetória escolar

� Relação com a profissão docente, enquanto estudante do curso fundamental (como via a profissão de professora de Educação Física desde a primeira série do ensino fundamental) e por que (se gostava ou não, se a achava fácil ou difícil, complicada ou simples).

� Quais as Lembranças das aulas de Educação Física. � Como era desenvolvido o conteúdo dança? � Tipo de aulas em que foram desenvolvidos esse conteúdo. De que mais gostava

e de que menos gostava e por que. � Algum Professor de Educação Física marcou sua vida e por que. � Alguma aula ou evento sobre dança que marcou a sua passagem no ensino

fundamental.

3: O curso de licenciatura e a preparação para o ex ercício de Educação

Física (ESTUDANTE)

� Lembranças do curso de Educação Física: como foram realizados, fatos

marcantes, atividades complementares oferecidas pela Instituição formadora, aulas e professores que sobressaíram de alguma forma.

� Dificuldades, atividades e disciplinas que mais agradaram e, que menos agradaram; os aspectos positivos e negativos. Comparação do Curso de Educação Física atual com aquele que cursou

� Apreciação das disciplinas de Dança e do curso de Educação Física em sua época como estudante.

� Em que aspecto contribuiu para desenvolver a dança na escola? � Outros cursos sobre dança– formação continuada

210

� Quais as leituras sobre dança (durante o curso / e atualmente) � Atos e pessoas marcantes ao desenvolver a dança na escola? (fora ou dentro do

meio acadêmico)

4: Ingresso na profissão docente e trajetória profi ssional � Quando e como ingressou na profissão de Educação Física. � Quando e como ingressou nessa escola � Trajetória profissional: níveis, séries de atuação, outros cargos na área de

educação, tempo de trabalho, carga horária, fatos marcantes, conflitos, dificuldades, colegas de trabalho, supervisoras, diretores, etc.

� Disciplinas do curso de Educação Física que mais ajudaram no exercício da profissão.

5- Percepções e representações sobre dança no cotid iano do professor

� Percepção sobre o ensino atual da dança na Educação Física em relação ao tempo em que cursou durante a sua graduação: professores, alunos, relação entre escola e família, regulamentação, etc.

� Experiências com a dança na escola: fatos; dificuldades e alternativas encontradas, preparação de aulas, domínio do conteúdo, avaliação, interdisciplinaridade, lembrança dos alunos/ gênero, conflitos, desafios.

� Condições que favorecem ou dificultam o desenvolvimento desse conteúdo na escola (aspectos físicos, materiais, projeto político pedagógico, participação dos outros professores, direção, supervisão, alunos, pais etc.)

� Leituras importantes que contribuíram para o desenvolvimento desse conteúdo � A questão de gênero na profissão Educação Física. Influencia?E na aula de

dança em geral na Educação Física? � Percepções sobre as questões relacionadas a influencia da mídia na escola

ontem e hoje ao se desenvolver esse conteúdo. � Quais os saberes que os professores devem ter para se desenvolver a dança na

escola? � Opinião sobre a formação sobre dança para o professor de ensino fundamental

em nível superior, e sugestões que daria para a formação profissional (licenciatura) para desenvolver esse conteúdo.

6 – Políticas públicas e Educação Física

� O que você pensa sobre a inserção da dança como conteúdo obrigatório da Educação Física Escolar

� Conhece o que o PCN direcionado à Educação Física? O que pensa a respeito? É possível?

� E as Diretrizes Curriculares Nacionais o que explicitam sobre a dança na escola? É possível?

� O que mudou e o que continua? � Quais as dificuldades em aplicar as propostas do governo?

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07- Percepção e vivência da dança folclórica na esc ola

� Conceito de Folclore. Dança Folclórica � Dança folclórica na escola. Por quê? Para que? � Como e onde buscou conhecimentos teóricos e práticos sobre as danças

folclóricas � Já participou ou presenciou uma festa popular. Quando, onde e como? � Algum grupo de projeção folclórica ou grupos autênticos influenciou em sua

prática pedagógica sobre este estilo de dança? Qual e como se deu essa influencia?

� Quais as dificuldades e soluções encontradas para se desenvolver a dança folclórica na escola?

� Qual é a relação entre dança folclórica e outras danças influenciadas pela mídia na escola?

� Qual e como é a relação entre gênero na dança folclórica desenvolvida na escola?