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I
Universidade de Brasília
Instituto de Psicologia
Doença de Alzheimer:
Um Estudo sobre o Papel da Filhas Cuidadoras
e suas Relações Familiares
Deusivania Vieira da Silva Falcão
Brasília – DF
2006
II
Universidade de Brasília
Instituto de Psicologia
Doença de Alzheimer:
Um Estudo sobre o Papel das Filhas Cuidadoras e suas Relações Familiares
Deusivania Vieira da Silva Falcão
Tese apresentada ao Instituto de Psicologia,
como requisito parcial à obtenção do grau
de Doutora em Psicologia.
Orientadora: Júlia Sursis Nobre Ferro Bucher-Maluschke
Brasília-DF
Maio / 2006
III
Para todas as famílias e pessoas cuidadoras de
portadores da doença de Alzheimer.
Para minha querida avó Luiza Vieira (in memoriam),
que deixou muitas saudades,
boas lembranças e diversos ensinamentos.
IV
Dr. Alzheimer e Mamãe “...O cérebro vai aos poucos morrendo, mas não avisa qual parte vai morrer e nem quando, por isso você nunca sabe como estará o paciente, afinal ele não tem noção da doença, tem sensação de que acontece alguma coisa estranha com ele, sem saber discernir. Percebe só que não consegue resolver coisas simples, dirá as complexas. Não há cognição constante, e aí começa o dilema. Alguns familiares acreditam que não há o que fazer, contar a verdade é o melhor, outros acham que é brincadeira do paciente, perdem a paciência com as coisas tolas e muitas vezes constrangedoras que o paciente faz. E esse coitado, sente, chora, se envergonha sem saber resolver nada, fica envergonhado, acuado como criança pequena ou como se estivesse sendo humilhado (...) Mamãe foi pega de calça curta, como se diz na linguagem popular, sem chance de desfazer mal entendidos, de dizer que amava as pessoas, e de ser feliz. Passou muitos anos brigando com a própria sombra e embora sendo uma pessoa de boa índole e bom caráter, alguma coisa aconteceu, numa hora qualquer da sua vida, que embora ela não aceitasse, não soube dar marcha ré e recomeçar. Ela perdeu a oportunidade de ter sido feliz enquanto lúcida... Agora o mundo para ela é cor de rosa, vive num mundo de faz de conta, onde todos são bons e ela é muito feliz. Se depender de mim, ela não sai mais desse mundo do faz de conta e quando estiver em outro plano saberá que tudo que fiz foi por amor, mesmo sem jamais termos tido a oportunidade enquanto lúcida de dizermos uma a outra”.
Maria Inês Duarte
V
Agradecimentos
A Deus, pai e grande amigo.
A todas as pessoas que, de alguma maneira, contribuíram para a concretização desta
tese, especialmente as que seguem:
À Profª. Drª. Júlia Sursis Nobre Ferro Bucher-Maluschke. Seu amor à ciência e sua
determinação ao trabalho me fizeram acreditar ainda mais nas possibilidades que a vida
acadêmica oferece. Sua sabedoria e a valiosa amizade fortaleceram em mim a certeza de que a
confiança, o companheirismo, a lealdade, o respeito e o afeto são ingredientes essenciais em
nossas jornadas. Muito obrigada por todos os seus ensinamentos.
Ao Prof. Dr. Ileno Izídio da Costa, que como co-orientador apoiou-me durante o início
deste trabalho e com sua forma crítica questionou o percurso deste, contribuindo para os
avanços obtidos.
À Profª. Drª. Vera Lúcia Decnop Coelho, que tive a oportunidade de conhecer e com
quem compartilhei bons momentos durante o curso de doutorado. Agradeço-lhe imensamente
pela atenção, pelo carinho e pelas importantes contribuições teórico-práticas.
Ao Prof. Dr. Maycoln Leôni Martins Teodoro, pesquisador exímio. Sua
disponibilidade irrestrita em responder algumas demandas surgidas no decorrer desta pesquisa
enriqueceu-a.
À Profª. Drª. Gláucia Ribeiro Starling Diniz, cujas reflexões sobre o objeto deste
estudo ajudaram-me a compreendê-lo e a realizar uma análise crítica sobre ele.
Ao Prof. Dr. Prof. Dr. José Ivo dos Santos Pedrosa, pela disponibilidade em compor
esta banca de doutorado e pelas considerações realizadas ao presente trabalho.
Ao Prof. Ms. Renato Maia Guimarães, profissional que acredita em seus sonhos e luta
para concretizá-los com determinação. Obrigada pelo apoio, especialmente, durante o estágio
de pós-graduação e a pesquisa de campo, realizados no Centro de Referência em Assistência à
Saúde do Idoso e Portadores da Doença de Alzheimer (HUB).
À Profª. Drª. Cristina Maria de Souza Brito Dias e à Profª. Drª. Nádia Maria Ribeiro
Salomão, exemplos de pesquisadoras, educadoras e amigas. Muito obrigada pelos incentivos.
A todas as cuidadoras e pacientes que participaram desta pesquisa.
Aos profissionais e estudantes estagiários os quais atuaram ou ainda atuam no Centro
de Referência em Assistência à Saúde do Idoso e Portadores da Doença de Alzheimer (HUB),
VI
especialmente, Ana Paula Campos, Cláudia Zanatta, Fátima Vieira, Indira Vale, Fernando,
Iraci Guimarães, Júlia Magdalena, Juliana, Maristela Coimbra, Sérgio Leme e Tatiana Yokoy
Aos professores e funcionários do Instituto de Psicologia os quais contribuíram para a
realização deste trabalho, especialmente, à Edna Alcí.
Aos meus amados e admiráveis avós Francisca Alves, Damião Leite (in memoriam),
Luiza Vieira (in memoriam) e José Vieira (in memoriam), cujos ensinamentos, lições de vida
e determinação se fazem presentes em minhas ações.
À minha preciosa mãe, Rosa Vieira, e ao meu estimado pai, Deusivan Leite (in
memoriam). Agradeço-lhes imensamente por todo amor, cuidado e afeto compartilhado.
Ao meu lindo Walter Falcão. Nosso amor, apoio mútuo, amizade e companheirismo
são fortalezas diante das possibilidades e desafios que a vida nos oferece.
Às minhas queridas irmãs Aline e Analia as quais, ao nascerem, coloriram ainda mais
a minha alegria de viver.
As maravilhosas tias Vilani, Terezinha, Mazé, Deusilene e Deuzilângena. Enfim, a
todos os membros da minha família, que sempre me incentivaram a estudar e a crescer
pessoal e profissionalmente.
À família de meu esposo, da qual hoje também me considero integrante,
especialmente, à minha querida sogra Mercês Cunha, por seu importante apoio e amizade.
Às minhas amigas-irmãs: Isalena Carvalho, pelos momentos ímpares da vida que
compartilhamos; e Annelyse Pereira, que mesmo virtualmente se faz presente.
Aos estimados amigos Aline Monteiro, Aline Paz, Alinejane Jesuíno, Cezar Romeu,
Clô Silva, Cristiane Zuim, Cristina Vianna, Danilo Oliveira, Denise Leão, Edileuza Medeiros,
Fátima de Novais, Fernando Pontes, Florinda Algayer, Jardania Falcão, Julene Porto, Mariza
Paz, Minoru Akutsu, Nerícia Carvalho, Prazeres Vieira, Renata Santinoni, Ronise Almeida,
Simone Costa e Tatiana Carvalho. Cada uma dessas pessoas, através de palavras ou ações,
incentivou-me a acreditar ainda mais nas metas que cumpri.
À CAPES - Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, que me
concedeu uma bolsa durante a realização deste doutorado.
VII
Sumário Introdução ......................................................................................................................
Objetivo Geral ...............................................................................................................
Objetivos Específicos ....................................................................................................
15
17
17
1. Um enfoque sobre as famílias: possibilidades e desafios ..........................................
1.1 Família: concepções múltiplas .................................................................................
1.2 A família como sistema ...........................................................................................
1.3 A teoria estrutural da família ...................................................................................
1.3.1 Coesão e hierarquia: construtos dependentes ou independentes? .........................
1.3.2 Fronteiras ..............................................................................................................
1.4 A família e seus aspectos intergeracionais e transgeracionais .................................
1.4.1 A família e seus mitos ...........................................................................................
1.5 A família e o ciclo vital – breve reflexão ................................................................
19
19
22
27
29
32
33
42
45
2. Reflexões sobre processo de envelhecimento, maturidade feminina, velhice,
gênero e saúde ................................................................................................................
2.1 Envelhecimento, velhice e gênero: percursos diferenciados ...................................
2.2 Envelhecimento: uma ênfase na mulher da meia-idade e suas relações familiares
2.3 Os avós: imagens da velhice e da proximidade de morte na família? .....................
2.4 Velhice, sofrimento psíquico e saúde mental ..........................................................
2.5. Envelhecimento e saúde: a importância de uma visão multidimensional ..............
47
49
54
58
64
69
3. Idosos com Alzheimer e suas relações familiares: um enfoque sobre o papel das
cuidadoras ......................................................................................................................
3.1 Diagnóstico da doença de Alzheimer.......................................................................
3.2 As pessoas cuidadoras de idosos com DA: aspectos psicossociais e familiares .....
3.3 As famílias de idosos com demência .......................................................................
3.4 - Programas de apoio e intervenções medicamentos e psicossociais: aliados no
tratamento de portadores da doença de Alzheimer e suporte para seus cuidadores e
familiares .......................................................................................................................
74
81
83
92
96
VIII
4. Método .......................................................................................................................
4.1 Local do estudo ........................................................................................................
4.2 Participantes .............................................................................................................
4.3 Instrumentos ............................................................................................................
4.3.1 Mini-Mental State Examination – MMSE ............................................................
4.3.2 Entrevista aberta com roteiro semi-estruturado ....................................................
4.3.3 Family System Test (FAST) .................................................................................
4.3.3.1 FAST - Descrição do material utilizado e procedimentos para a aplicação ......
4.4 Justificativa da escolha pelas abordagens quantitativa e qualitativa .......................
4.5 Procedimentos .........................................................................................................
4.6 Tratamento dos dados do FAST ..............................................................................
4.7 Tratamento dos dados das entrevistas ......................................................................
103
103
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112
113
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115
5. Resultados ..................................................................................................................
5.1 Definição das categorias ..........................................................................................
5.2 Resultados quantitativos das entrevistas ..................................................................
5.3 Resultados do FAST (Dados Quantitativos) ............................................................
5.3.1 Coesão nas famílias das filhas cuidadoras de pais/mães portadores da doença
de Alzheimer na perspectiva das filhas cuidadoras .......................................................
5.3.2 Hierarquia nas famílias das filhas cuidadoras de pais/mães com Alzheimer na
perspectiva das filhas cuidadoras ...................................................................................
118
121
134
142
142
144
6. Discussão dos resultados ...........................................................................................
6.1 Concepções sobre a doença de Alzheimer na perspectiva das filhas cuidadoras ....
6.2 O provável/possível diagnóstico da doença de Alzheimer: inquietações dos
familiares e dos profissionais .........................................................................................
6.3 As reações iniciais das filhas cuidadoras e de seus familiares diante do
provável/possível diagnóstico de Alzheimer .................................................................
6.4 Concepções das filhas cuidadoras sobre as características pessoais dos pais/das
mães portadores de Alzheimer antes e após a doença ...................................................
6.5 As filhas cuidadoras diante do pai/da mãe com provável/possível diagnóstico de
Alzheimer – principais motivos para o exercício do papel ............................................
147
147
153
156
159
163
IX
6.6 Os sentimentos das filhas diante do papel de cuidar ...............................................
6.7 As relações entre os membros do sistema familiar na perspectiva das filhas
cuidadoras: uma ênfase na coesão e na hierarquia ........................................................
6.7.1 O Subsistema pais/mães com Alzheimer - filhas cuidadoras antes e após a
doença ............................................................................................................................
6.7.2 Refletindo as relações, a lealdade e o compromisso entre os irmãos diante da
mãe/do pai portador da doença de Alzheimer ................................................
6.7.3 O impacto da doença de Alzheimer no subsistema avós portadores-filhas
cuidadoras e netos ..........................................................................................................
6.8 O Centro de Referência e a escuta psicológica: um suporte para os familiares de
pessoas idosas com provável/possível Alzheimer .........................................................
6.9 Algumas limitações deste estudo .............................................................................
7. Considerações finais ..................................................................................................
8. Referências ................................................................................................................
Anexo I ..........................................................................................................................
Anexo II .........................................................................................................................
Anexo III ........................................................................................................................
Anexo IV .......................................................................................................................
Anexo V .........................................................................................................................
Anexo VI .......................................................................................................................
Anexo VII ......................................................................................................................
Anexo VIII .....................................................................................................................
Anexo IX .......................................................................................................................
177
180
191
201
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281
283
X
Lista de Tabelas
Tabela 1. Análise descritiva dos dados sócio-demográficos dos idosos com DA ......... 105
Tabela 2. Análise descritiva dos dados sócio-demográficos das filhas cuidadoras .......
106
Tabela 3. Concepções sobre a doença de Alzheimer na perspectiva das filhas
cuidadoras ......................................................................................................................
134
Tabela 4. Reação inicial das filhas cuidadoras e de seus familiares diante da
descoberta do provável/possível diagnóstico da doença de Alzheimer .........................
135
Tabela 5. Principais atividades de cuidado com o(a)s pais/mães portadores da doença
de Alzheimer desenvolvidas pelas filhas cuidadoras ...................................................
135
Tabela 6. Principais características pessoais dos pais/das mães portadores da DA
antes e após a doença na perspectiva das filhas cuidadoras ..........................................
136
Tabela 7. Vida pessoal das filhas cuidadoras antes e após a doença dos pais/das mães
portadores da DA ...........................................................................................................
137
Tabela 8. Sentimento das filhas cuidadoras diante do fato de cuidar dos pais/das
mães portadores da doença de Alzheimer .....................................................................
138
Tabela 9. Relacionamento das filhas cuidadoras com os pais/as mães portadores de
Alzheimer antes e após a doença ...................................................................................
138
Tabela 10. Relações familiares das filhas cuidadoras antes e após a doença dos
pais/das mães portadores da DA ....................................................................................
139
Tabela 11. Relações extrafamiliares das filhas cuidadoras e dos pais/das mães
portadores de Alzheimer antes e após a doença destes na perspectiva das filhas
cuidadoras ....................................................................................................................
140
XI
Lista de Figuras e Quadros
Figura 1 - As relações familiares de idosos com Alzheimer numa perspectiva
sistêmica ........................................................................................................................
Figura 2 - Processo da análise de conteúdo ...................................................................
Figura 3 - Fatores que afetam as relações familiares, a dinâmica dos cuidados e o
papel das cuidadoras ......................................................................................................
Quadro 1 - Explicativo acerca do uso de cada instrumento para cada objetivo da
pesquisa ..........................................................................................................................
Quadro 2 - Apresentação das categorias e subcategorias da análise de conteúdo .........
101
117
146
111
118
XII
Resumo
A doença de Alzheimer é a causa mais comum de demência, e uma de suas principais
conseqüências é o fato de atingir todo o sistema familiar. Esta pesquisa objetivou investigar as
relações familiares das filhas cuidadoras de pais/mães com possível/provável diagnóstico de
Alzheimer. A amostra foi composta por 32 filhas e seus respectivos pais (6 pais e 26 mães). A
partir da revisão bibliográfica elaborou-se uma entrevista aberta com roteiro semi-estruturado.
Sua aplicação foi gravada, transcrita e, posteriormente, analisada segundo a técnica de Bardin.
Também foi utilizado o FAST (Family System Test), instrumento que consiste em um
processo de investigação bidimensional destinado a realizar uma análise estrutural e sistêmica
das percepções dos sujeitos sobre as relações familiares. Os resultados apontaram que ao
receber a notícia do diagnóstico, a maioria das filhas cuidadoras e de seus familiares reagiu de
maneira desfavorável. Antes e após a doença, a subcategoria mais destacada por elas foram as
relações familiares desfavoráveis (conflitos). A maioria delas nutria um sentimento de
obrigação filial e gratidão perante os pais – motivos mais apontados para justificar o exercício
deste papel. Verificou-se também que elas percebiam uma inversão hierárquica de poder em
relação às mães com Alzheimer, ou seja, antes da doença, não tinham poder sobre estas, mas
depois passaram a ter. Todavia, constatou-se que elas gostariam de exercer menos tal
autoridade, revelando o descontentamento diante do fato de se sentirem, por vezes, mães das
próprias mães. Embora as cuidadoras tenham percebido a inversão hierárquica em relação às
mães, não apresentaram diminuição do vínculo afetivo (coesão) com as respectivas mães,
permanecendo o que sentiam antes da doença. Isso confirmou que coesão e hierarquia são
construtos independentes. Conclui-se pela importância de políticas públicas de saúde que
divulguem e esclareçam o mal de Alzheimer, prestando apoio aos pacientes e seus familiares.
Outrossim, deveria ser incentivada a busca pelos profissionais, logo que surgissem os
primeiros sintomas da doença, favorecendo o tratamento e a promoção de saúde da família. O
domínio das informações acerca da enfermidade pode favorecer o sistema familiar a tomar
decisões e a efetivar medidas práticas, contribuindo para o equilíbrio emocional dos membros.
Palavras-Chaves: Alzheimer, Família, Pais, Mães, Filhas.
XIII
Abstract
Alzheimer’s disease is the most common form of dementia, and one of its main
consequences is the fact that it affects all the family system. This research aims at
investigating the family relationships between daughters and their parents (father or mother,
possible or probable AD patients). The sample consisted of thirty-two daughters and their
respective parents (six fathers and twenty-six mothers). We started from a bibliographical
review, out of which we devised an open interview with a semi-structured format. This was
recorded, transcribed and later analyzed according to the Bardin technique. We also used
FAST (Family System Test), a tool consisting of a bi-dimensional investigation process with
the view to analyzing, structurally and systemically, the subjects’ perceptions insofar as their
family relationships went. The results have pointed out that, upon receiving the news of the
diagnosis, the majority of daughters and of their relatives reacted negatively. Prior and
subsequent to the disease, the most highlighted sub-category was unfavourable family
relationships (conflicts). Most daughters nurtured a sense of filial duty towards their parents-
the most frequent reason to justify their caregiving role. It was also verified that the daughters
perceived a hierarchical inversion of power regarding their Alzheimer mothers. Although
before the disease, the former had no power over the latter, the daughters came to exercise
this power later on. Nevertheless, it was clear that the daughters would rather exercise their
authority less often, which reveals their discontentment with being, in fact, their mothers’
mothers at times. Even though the caregivers have realized the hierarchical inversion in
relation to their mothers, the emotional bond (cohesion) towards their mothers did not grow
less strong. This confirms that family cohesion and hierarchy are independent constructs.
Therefore, we conclude that it is vital the promotion of public health policies which can
enable the population to have a better understanding of Alzheimer’s disease, providing
patients and their relatives with support. We also see the search for professionals as crucial
when the disease is in its initial stage so as to facilitate treatment and to promote the health of
the family. Having a great range of information about the disease may favour the family
system when it comes to decision-making and to practical measures which can contribute to
the emotional balance of those involved.
Key Words: Alzheimer, Family, Parents, Mothers, Daughters.
15
Introdução
O envelhecimento da população é um fenômeno mundial que traz possibilidades e
desafios a serem enfrentados especialmente nos âmbitos social, cultural, familiar e
econômico. A síntese dos indicadores sociais do IBGE (2004) revelou que a proporção de
idosos na população brasileira é cada vez maior. Em 2000, 30% dos brasileiros tinham de
zero a 14 anos, e os maiores de 65 anos representavam 5% da população. Em 2050, esses dois
grupos etários se igualarão: cada um deles representará 18% da composição demográfica
brasileira. No campo da saúde, tais números revelam a importância das políticas públicas
voltadas para o idoso: se, em 2000, o Brasil tinha 1,8 milhão de pessoas com 80 anos ou mais,
em 2050, esse contingente poderá ser de 13,7 milhões.
Acompanhando esse processo de envelhecimento, prevê-se um aumento na
prevalência de demências tais como a doença de Alzheimer (DA), a mais comum entre elas.
Todavia, desde já, aponta-se que não necessariamente toda velhice e todo o processo de
envelhecer deve ser associado a enfermidades. Existem várias pessoas idosas desenvolvendo
suas atividades com saúde. Porém, a DA é um fato preocupante, porque atinge cerca de 17 a
25 milhões de pessoas no mundo, considerando-se sua prevalência 1 a 1,5%, entre 60 e 65
anos, e 45% após os 95 anos. Como, na maioria dos países, a população morre com idade,
cada vez, mais avançada, a incidência do mal de Alzheimer aumenta na mesma proporção
(Canineu, 2002), constituindo um problema de saúde pública em todo o mundo.
No Brasil, calcula-se que 1,2 milhão de pessoas sofre dessa doença, muitas das quais
não possuem o provável/possível diagnóstico porque ainda se espera muito, para tomar as
providências, quando um idoso apresenta problemas de memória. Estima-se que 5% da
população brasileira maior de 65 anos apresente os sintomas dessa enfermidade. No Distrito
Federal, isso corresponde a aproximadamente 3.500 pessoas. Apesar do número elevado de
casos, existem, nesta capital, poucos especialistas em geriatria com capacidade de
diagnosticar e tratar a DA (Ribeiro, 2004).
No Estatuto do Idoso (Lei 10.741/03), o Art. 15 expressa que “é assegurada a atenção
integral à saúde do idoso, por intermédio do Sistema Único de Saúde - SUS, garantindo-lhe o
acesso universal e igualitário, em conjunto articulado e contínuo das ações e serviços, para a
prevenção, promoção, proteção e recuperação da saúde, incluindo a atenção especial às
doenças que afetam preferencialmente os idosos”. O fato é que, em todo o Brasil, o sistema de
saúde público ou privado não está preparado para atender à demanda dos familiares e das
16
pessoas idosas, especialmente quando são acometidos pelo mal de Alzheimer. Por sua vez, o
sistema previdenciário, público ou privado, não prevê formas de financiamento para o
estabelecimento de redes de apoio às necessidades de assistência aos idosos dependentes com
ou sem família. Como bem apontou Caldas (2003), a dependência também necessita ser
reconhecida como uma importante questão de saúde pública. Assim sendo, seu impacto sobre
a família e a sociedade não deve ser subestimado.
Nesse cenário, a transição demográfica e a epidemiológica apresentam, cada vez
mais, um quadro de sobrevivência de idosos na dependência de um ou mais sujeitos que
suprem as suas limitações para a realização das atividades de vida diária. Estas pessoas, em
geral, são familiares. Mas, apesar de o cuidado familiar ser um aspecto importante, ele não se
aplica a todos os idosos. Existem aqueles que não possuem família. Há outros cujos recursos
são restritos ou seus parentes precisam trabalhar e não podem deixar o mercado de trabalho
para cuidar deles (Caldas, 2003).
Dentre os cuidadores, destacam-se as mulheres que amiúde residem no mesmo
domicílio e se tornam as cuidadoras de pais, maridos, sogros e filhos (McGoldrick, 1995;
Neri, 2001a; Neri & Sommerhalder, 2002). Aliás, não é apenas no Brasil que culturalmente é
transmitida a idéia de que as mulheres são as “grandes cuidadoras” dos idosos incapacitados:
a maioria dos pesquisadores e dos dados coletados pelo mundo indica que, salvo por razões
culturais específicas, a mulher é a cuidadora tradicional (Neri, 1993). Ao assumirem o papel
de cuidadoras, as mulheres se responsabilizam, também, pelo estímulo à ajuda mútua,
propiciando o intercâmbio entre as gerações (Lopes, 2003).
Durante o estágio de Pós-Graduação realizado no Centro de Referência em Assistência
à Saúde do Idoso e Portadores da Doença de Alzheimer, situado no Hospital da Universidade
de Brasília – HUB, e, especificamente, durante a pesquisa deste trabalho, viu-se que a maioria
dos cuidadores de idosos com Alzheimer era do sexo feminino. Por esse motivo, optou-se por
não investigar os cuidadores do sexo masculino, apesar de alguns deles desenvolverem este
papel e participarem das atividades do Centro. Dentre as cuidadoras, observou-se que
existiam esposas, filhas, noras, netas, cunhadas, entre outras. Por questões de delimitação e
dos objetivos desta pesquisa, selecionaram-se, para estudo, apenas as filhas dos pacientes.
Constatou-se que das 32 filhas cuidadoras investigadas, 26 estavam na meia-idade, motivo
pelo qual, no capítulo 2, será enfatizada essa etapa da vida. Partindo dessas informações,
apresentam-se, a seguir, os objetivos desta tese.
17
Objetivo Geral
Contribuir para a construção do conhecimento acerca do papel das filhas cuidadoras de
pais/mães com provável/possível diagnóstico de Alzheimer e suas relações familiares,
visando a subsidiar teoricamente as estratégias de intervenção dos profissionais de saúde que
atuam na área.
Objetivos Específicos
Objetivando compreender o papel das filhas cuidadoras de pais/mães com
provável/possível diagnóstico de Alzheimer e suas relações familiares, busca-se investigar, na
perspectiva destas filhas:
1. Concepções sobre a doença de Alzheimer;
2. Reações iniciais delas e de seus familiares diante da revelação do provável/possível
diagnóstico da DA;
3. Principais acontecimentos ocorridos na vida das mães/dos pais portadores da DA, do
ponto de vista das filhas cuidadoras;
4. Cuidados desenvolvidos por estas filhas para com as mães/os pais portadores da DA;
5. Sentimentos vivenciados diante do fato de cuidar das mães/dos pais portadores da DA;
6. Atividades emocionais e instrumentais desenvolvidas por estas cuidadoras para com as
mães/os pais portadores da DA;
7. Verificar, antes e após a DA, na perspectiva das filhas cuidadoras:
7.1 Características pessoais das mães/ dos pais portadores da DA;
7.2 Características da vida pessoal das filhas cuidadoras;
7.3 Acontecimentos cruciais ocorridos na família das filhas cuidadoras;
8. Averiguar na perspectiva das filhas cuidadoras:
8.1 Representação da família antes da doença do pai/da mãe com Alzheimer;
8.2 Representação da família na situação atual;
8.3 Representação da família numa situação de conflito;
8.4 Representação da família ideal;
8.5 Coesão e hierarquia da família em todas as representações (antes da doença,
atualmente, em situação de conflito e idealmente).
18
Utilizou-se, como aporte teórico, a perspectiva sistêmica da família e, especificamente,
a abordagem estrutural proposta por Salvador Minuchin e a transgeracional da família,
destacando conceitos apresentados por Ivan Boszormenyi-Nagy, Murray Bowen e Helm
Stierlin. Baseando-se nestes autores, na revisão bibliográfica e nos resultados deste estudo,
apresentou-se fatores que afetam as relações familiares, a dinâmica dos cuidados e o papel das
cuidadoras diante dos pais/das mães com provável/possível diagnóstico de DA.
Sinaliza-se que esta tese poderá fornecer subsídios teóricos que auxiliarão não
somente a compreensão da temática em pauta, mas também, a fundamentação de propostas
sociopolíticas, educacionais e sanitárias voltadas para o apoio aos portadores e a seus
familiares envolvidos com a situação. Aliado a essas contribuições, evidencia-se o fato de que
são poucas as pesquisas de campo específicas acerca das relações familiares das filhas
cuidadoras e dos pais/mães com Alzheimer, não se constatando, após revisão bibliográfica,
nenhum estudo, sobre esta temática, na realidade brasileira.
Visando a uma compreensão sobre o trabalho, apresenta-se, no capítulo 1, uma
reflexão acerca do conceito de família, da perspectiva sistêmica e de alguns fundamentos das
teorias estrutural e transgeracional, como uma tentativa de melhor compreender as relações
familiares de idosos com Alzheimer. O capítulo 2 discute questões inerentes ao processo de
envelhecimento, à maturidade, ao gênero, à saúde e à velhice, enfocando o papel da mulher e
dos avós no meio sociofamiliar. O capítulo 3, por sua vez, diz respeito aos conteúdos
relacionados à doença de Alzheimer, apontando aspectos referentes à epidemiologia, aos
sintomas, ao diagnóstico e ao tratamento. Enfatiza-se também a figura e o papel dos
cuidadores diante da doença, a reação inicial da família diante da notícia do provável/possível
diagnóstico de Alzheimer, e as relações familiares destes idosos. Posteriormente, apresenta-se
o método da pesquisa, seguido dos resultados e da discussão. Por fim, são destacadas as
considerações finais e as referências bibliográficas.