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Drama Um pé na terra fincado e outro para trás, perdido e pendendo sem apoio, braços para trás sugerindo propulsão adiante... numa foto chamada Drama, isso dá o que pensar. Há, inicialmente, a luz em formato elíptico. Olho que algo vê, algo apreende, logo após sua abertura para uma cena do mundo. Metáfora para o despertar para a própria realidade, abrir o olho é ver-se em meio à difícil decisão: largar-se ao voo e perder a terra, ou manter-se na terra e largar o voo? A foto parece dizer bem: nenhum dos dois separados se sustenta, vide que não se trata aí de permanência, mas de movimento. Refletir sobre o drama proposto é redescobrir imageticamente o cego de Clarice, questionador que é da cegueira existencial da personagem. Por sua vez, o braço poderia sugerir um abandono de si numa experiência do voar, não fosse sua posição. Suporte do peso do mundo, do que está acima, a personagem central é também uma coluna de seu próprio edifício, talvez em vias de reconstruir-se, que, como sabemos, nada mais é do que mover-se. Mover-se é um passo que se dá não em direção ao lugar diferente que se mede em quilômetros, mas a uma outra experiência de mundo. Não a toa, ergue-se ao centro e aponta, com as palmas, na mesma direção que as colunas, implicando se a si enquanto suporte. Um suporte do porvir de si. Se é verdade que suporta, é também verdade que move- se. Essa mínima sugestão do movimento contida em múltiplos detalhes – angulação do corpo adiante, braços para cima,

Drama - Foto Bruna Cavalcante

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Page 1: Drama - Foto Bruna Cavalcante

Drama

Um pé na terra fincado e outro para trás, perdido e pendendo sem apoio, braços

para trás sugerindo propulsão adiante... numa foto chamada Drama, isso dá o que

pensar. Há, inicialmente, a luz em formato elíptico. Olho que algo vê, algo apreende,

logo após sua abertura para uma cena do mundo. Metáfora para o despertar para a

própria realidade, abrir o olho é ver-se em meio à difícil decisão: largar-se ao voo e

perder a terra, ou manter-se na terra e largar o voo? A foto parece dizer bem: nenhum

dos dois separados se sustenta, vide que não se trata aí de permanência, mas de

movimento. Refletir sobre o drama proposto é redescobrir imageticamente o cego de

Clarice, questionador que é da cegueira existencial da personagem.

Por sua vez, o braço poderia sugerir um abandono de si numa experiência do

voar, não fosse sua posição. Suporte do peso do mundo, do que está acima, a

personagem central é também uma coluna de seu próprio edifício, talvez em vias de

reconstruir-se, que, como sabemos, nada mais é do que mover-se. Mover-se é um passo

que se dá não em direção ao lugar diferente que se mede em quilômetros, mas a uma

outra experiência de mundo. Não a toa, ergue-se ao centro e aponta, com as palmas, na

mesma direção que as colunas, implicando se a si enquanto suporte. Um suporte do

porvir de si.

Se é verdade que suporta, é também verdade que move-se. Essa mínima

sugestão do movimento contida em múltiplos detalhes – angulação do corpo adiante,

braços para cima, ponta do pé tocando o chão – acaba por tornar o movimento ainda

mais dramático (e pressuposto). A bem da verdade pode-se dizer que apesar de poder se

tratar do clichê do voo, aparenta muito mais ser a subversão da cambalhota da criança

ou do FlicFlac invertido da ginasta, ambos movimentos de uma nova construção de

corpo e de sujeito, o primeiro operando pela eterna experimentação, o segundo pela

eterna busca da leveza na gravidade.

Nota-se claramente, entretanto, que é um momento limite por conta da luz: se é

ainda escura como as bordas, lentamente desfaz-se em luz, partindo do rosto. E não é

sempre o rosto que denota o brilho eterno da novidade?