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E-Book: Pesquisa e Ensino

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Diretor-Presidente da FDRH, Luciano Silveira

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Pesquisa e Ensino: Ferramentas de Gestão Pública no RS Coletânea de artigos do convênio FDRH e FAPERGS

Desenvolvimento Sustentável, Tecnologia, Inovação e Pesquisa

Estado e Sociedade Civil

Gestão Pública e Democracia

OrganizadoresCibele Lazzari

Clarissa SehnemDaniel CardosoNeusa Carvalho

Porto Alegre/RS 2015

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Pesquisa e Ensino: Ferramentas de Gestão Pública no RS Coletânea de artigos do convênio FDRH e FAPERGS

Programa de Excelência em Gestão PúblicaPEG/RS

Porto Alegre/RS 2015

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P475 Pesquisa e ensino: ferramentas de gestão pública no RS : coletânea de artigos do convênio FDRH e FAPERGS / Organizadores Cibele Lazzari, Clarissa Sehnem, Daniel Cardoso e Neusa Carvalho. – Porto Alegre :

Companhia Rio-grandense de Artes Gráficas (CORAG), 2015. 300 p. -- ISBN: 978-85-7770-272-5

1. Pesquisa e Ensino. 2. Desenvolvimento Sustentável. 3. Tecnologia, Inovação e Pesquisa. 4. Estado e Sociedade Civil. 5. Gestão Pública. 6. Democracia.

I. Fundação para o Desenvolvimento dos Recursos Humanos (FDRH). II. Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul (FAPERGS) III. Lazzari, Cibeli. IV. Sehnem, Clarissa. V. Cardoso, Daniel. VI. Carvalho, Neusa.

CDU 370(816.5)

Corag - Companhia Rio-grandense de Artes Gráficas

Jorge Hélio Gisler GrecelléDiretor-Presidente

Eloá Nespolo BenedettiDiretora Administrativa e de Negócios

Sérgio Luiz ValmorbidaDiretor Industrial

Capa, projeto gráfico e diagramação:Corag - Companhia Rio-grandense de Artes Gráficas

Revisão:Luiz Antônio Neis, Vanessa Muliterno Corrêa

Dados Técnicos:Maria Helena Bueno Gargioni

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

Catalogação elaborada pela Bibliotecária Adriana Arruda Flores, CRB10-1285.

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APRESENTAÇÃO ..................................................................................... 7

PREFÁCIO .............................................................................................. 9

ÁREA TEMÁTICA IDESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL, TECNOLOGIA, INOVAÇÃO E PESQUISA ............................................................................................ 13

AVALIAÇÃO DA ESTRUTURA FITOSSOCIOLÓGICA DE ÁREAS DE PRESERVAÇÃO DE RECURSOS HÍDRICOS NA BACIA HIDROGRÁFICA DO ARROIO ANDRÉAS, RS, BRASIL, IMPLANTADAS ATRAVÉS DO PAGAMENTO DE SERVIÇOS AMBIENTAIS (PSA) .................................................................................... 15Eduardo A. Lobo, Nilmar A. de Melo, Dionei M. Delevati, Jair Putzke

COOPERATIVISMO, AGROECOLOGIA E AUTONOMIA DA AGRICULTURA FAMILIAR .................................................................................................. 44Jaqueline Patrícia Silveira, Luis Pedro Hilleshein, Sandro Rogério Giacomelli ......

EDUCAÇÃO AMBIENTAL EM UNIDADES DE CONSERVAÇÃO GAÚCHAS ....... 67Celson Roberto Canto Silva, Luisa Xavier Lokschin, Cristina Alves Nascimento, Luiz Felipe Velho, Sabrina Letícia Couto da Silva e Rosangela Leal Bjerk

EDUCAÇÃO DO CAMPO COM PRÁTICAS DE ECONOMIA SOLIDÁRIA E PRODUÇÃO DE ALIMENTOS SAUDÁVEIS PARA O DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL DO MÉDIO ALTO URUGUAI – RS ........................................... 93Antônio Carlos Moreira(Coordenador), Fátima Terezinha Marangon(Colaboradora), Francieli da Silva Siekierski(Bolsista) .........................

INTERAÇÃO UNIVERSIDADE-EMPRESA: UM ESTUDO MULTICASOS .......... 129Clandia Maffini Gomes, João Alfredo Carvalho Lopes, Jordana Marques Kneipp, Roberto Schoproni Bichueti

MUDANÇAS ESTRATÉGICAS E GESTÃO DA INOVAÇÃO TECNOLÓGICA ....... 151Gilnei Luiz de Moura, Adalberto Américo Fischmann, Edson Cezar Aguiar, Wesley Mendes-da-Silva, Luis Felipe Dias Lopes, Andressa Hennig Silva, Janaina Marchi, Tatiane de Andrade Neves Hörbe, Emidio Gressler Teixeira

SUMÁRIO

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ÁREA TEMÁTICA II ESTADO E SOCIEDADE CIVIL ............................................................... 171

ESTADO E SOCIEDADE CIVIL NA DEMOCRATIZAÇÃO DOS DIREITOS DO IDOSO..................................................................................................... 173Solange Beatriz Billig Garces, Aline Cézar Costa,Angela Simone Pires Keitel, Angela Vieira Brunelli, Dinara Hansen, Patrícia Dall’Agnol Bianchi, Darci Junior Barcellos, Diego Paes Ehnke ..................................................................................

O MAPEAMENTO DA JUDICIALIZAÇÃO DA SAÚDE PÚBLICA NO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PÓS CF/88........................ 208Silviana L. Henkes, Débora da Rosa Becker

O QUE SE ENTENDE POR INSTITUIÇÃO E POR QUE ELAS MERECEM SER ESTUDADAS? .......................................................................................... 216Romerio Jair Kunrath

ÁREA TEMÁTICA III GESTÃO PÚBLICA E DEMOCRACIA ...................................................... 235

A EXPERIÊNCIA DE PLANEJAMENTO DO DESENVOLVIMENTO REGIONAL NO RIO GRANDE DO SUL – O CASO DOS COREDES ........................................ 237Rogério Leandro de Lima da Silveira, Sérgio Luis Allebrandt, Ângela Felippi

A GESTÃO DA INOVAÇÃO: O CASO DE UMA PREFEITURA MUNICIPAL NO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL .................................... 262Ariele Goulart, Claudia Maria Prudêncio DeMera, Juliano Nunes Alves

IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS E PARTICIPAÇÃO DA COMUNIDADE ....................................................................................... 277Luciana Leite Lima, Luciano D’Ascenzi, Gianna Vargas Reis Salgada Dias

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PROGRAMA DE EXCELÊNCIA EM GESTÃO PÚBLICA - PEG/RS

APRESENTAÇÃOPara elevar a eficiência e a eficácia na administração pública, a Fundação para o De-

senvolvimento de Recursos Humanos identifica, desenvolve e implementa ferramentas de acesso à gestão por excelência, organizando os temas demandados em projetos, pesquisas e formações, por meio de sua Escola de Governo.

Assim, os temas Desenvolvimento Sustentável, Tecnologia, Inovação e Pesquisa, Estado e Sociedade Civil e Gestão Pública e Democracia definiram as áreas dos artigos da presente publicação, planejada para cumprir os princípios que norteiam a atuação da FDRH, em consonância com o conceito de Governo Aberto (OGP do inglês Open Gover-nment Partnership, lançado em setembro de 2011), preservado na Declaração Universal dos Direitos Humanos, conforme Convenção das Nações Unidas contra a corrupção, visan-do padrões éticos e integridade profissional, em todas as instituições e políticas públicas.

Esses princípios orientam, ainda, os temas que integram as ações educativas da Escola de Governo, atendendo demandas dos órgãos públicos, em atividades dirigidas aos servidores públicos e agentes sociais como, por exemplo os cursos de: Gestão e Fiscaliza-ção de Contratos, Elaboração de Projetos Sociais e SICONV, Gestão em Políticas Públicas, Gestão de Processos Administrativos, Monitoramento e Avaliação de Políticas Públicas, Gestão do Trânsito e Mobilidade Urbana, Segurança Pública e Cidadania.

O projeto da Escola de Governo, em sua estruturação político-pedagógica prevê, também, a pesquisa em Gestão Pública, o que originou o Convênio FDRH e FAPERGS no valor global de R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais), sendo que cada projeto de pesquisa recebeu o valor máximo de R$ 20.000,00 (vinte mil reais). Ao término do processo de seleção, com a previsão real de gastos, houve uma redução do valor do convênio para R$ 260.887,60 (duzentos e sessenta mil, oitocentos e oitenta e sete reais e sessenta centavos).

O anúncio do edital de pesquisa de número 16 foi realizado no dia 4 de dezembro de 2012, com o título Programa de Pesquisa em Ciência, Tecnologia e Inovação da Ges-tão Pública. As inscrições foram abertas até 18 de fevereiro de 2013. O edital teve como objetivo:

“apoiar projetos de pesquisa em ciência, tecnologia e inovação sobre a Gestão Pública nas seguintes áreas de concentração: Gestão Pública e Democracia, Estado e Sociedade Civil e Desenvolvimento Sustentável, Tecnologia, Inovação e Pesquisa, por meio de projetos submetidos por pesquisadores doutores que tenham vínculo empregatício, celetista ou estatutário, com Instituições de Ensino Superior públicas ou privadas sem fins lucrativos, sediadas no Estado do Rio Grande do Sul e que sejam parceiras da Rede Escola de Governo, conforme o Anexo deste Edital”

Após ser instituída a comissão, que analisou a viabilidade e escopo dos projetos, foram selecionados18 projetos de pesquisa. Desses, 16 receberam o repasse financeiro para desenvolver o trabalho de pesquisa; integram esta publicação 12 artigos que, no ano

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vigente, em tempo hábil, atenderam a solicitação da Escola de Governo, prevendo a orga-nização do material para a publicação.

Os temas do edital, também, suscitaram e integraram a proposta da realização do Ciclo de Palestras/2015, valorizando o trabalho científico e os recursos investidos, nas re-ferentes pesquisas.

Ao longo do ano de 2015, foram executadas um total de 10 palestras, numa parceria institucional, visando à reflexão, o debate e a socialização dos conhecimentos produzidos, na pesquisa e nos Cursos de Especialização, com os servidores públicos e agentes sociais.

E, assim, a FDRH posiciona-se entre o tempo e as mudanças, propondo soluções de continuidade, através do PEG/RS, aos projetos/programas que podem apresentar novas possibilidades para qualificação e excelência da gestão pública no Estado do Rio Grande do Sul.

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PROGRAMA DE EXCELÊNCIA EM GESTÃO PÚBLICA - PEG/RS

PREFÁCIO

As temáticas abordadas neste livro estão organizadas em três áreas que são: De-senvolvimento Sustentável, Tecnologia, Inovação e Pesquisa; Estado e Sociedade Civil e Gestão Pública e Democracia. Os artigos são resultados das pesquisas e investigações dos docentes e seus pares.

A primeira área temática trata do desenvolvimento sustentável, tecnologia, ino-vação e pesquisa com estudos que abordam áreas de preservação, agricultura familiar, economia solidária, educação ambiental, interação entre a universidade e a empresa e a gestão da inovação.

Os autores em Avaliação da estrutura fitossociológica de áreas de preservação de recursos hídricos na bacia hidrográfica do Arroio Andréas, RS, avaliaram a composição flo-rística e a estrutura fitossociológica da referida área de preservação, no período de maio de 2013 a abril de 2014, estabelecidas através do Pagamento de Serviços Ambientais (PSA).

No artigo Cooperativismo, agroecologia e autonomia da agricultura familiar os autores apresentam um estudo realizado na região Médio Alto Uruguai, com sete coo-perativas agropecuárias de agricultores familiares, que objetivou compreender, refletir e ampliar políticas públicas de cooperativismo, vinculadas ao contexto de cultura e de de-senvolvimento local. A base deste estudo foi analisar de que forma as políticas públicas são incorporadas à pluralidade de saberes técnicos e populares.

Os autores do artigo em Educação ambiental em unidades de conservação gaúchas apresentam uma importante contribuição para a temática da educação ambiental desen-volvida junto às Unidades de Conservação (UC) no Rio Grande do Sul, uma vez que reúne diagnósticos elaborados a partir de pontos de vistas distintos, o que permite traçar um ce-nário mais completo das realidades, potencialidades e limitações das ações desenvolvidas;

Em Educação do campo com práticas de economia solidária e produção de alimen-tos saudáveis para o desenvolvimento territorial do Médio Alto Uruguai os autores tiveram como objetivo entender o processo de construção socioespacial rural do território do Mé-dio Alto Uruguai-RS, a partir da modernização agropecuária, identificando e caracterizan-do o saber popular camponês vinculado à economia solidária e às práticas agrícolas, res-peitando o processo histórico e a memória dos sujeitos do campo, por meio da discussão do processo de produção e consumo agropecuário.

Os autores de Interação universidade-empresa: Um estudo multicasos, analisam as interações entre universidade e empresa sob a perspectiva de líderes de grupos de pes-quisa de universidades do Rio Grande do Sul: a UFSM, a PUC/RS e a UCS. Trata-se de um estudo comparativo entre as três instituições sobre o processo de interação da Universida-de com a iniciativa privada.

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PESQUISA E ENSINO: FERRAMENTAS DE GESTÃO PÚBLICA NO RS

Em Mudanças estratégicas e gestão da inovação tecnológica o foco são as inova-ções ocorridas na zona portuária e retroportuária do Porto de Rio Grande, os autores dis-cutem a ideia de que a inovação e o planejamento devem considerar as mudanças estra-tégicas necessárias.

A segunda área temática: Estado e Sociedade Civil é composta por três artigos que tratam da democratização dos direitos dos idosos, da judicialização da saúde e neoinsti-tucionalismo.

A partir de mais de uma dezena de seminários desenvolvidos pela Unicruz em par-ceria com a Escola de Governo sobre a democratização dos direitos dos idosos foi escrito o artigo Estado e sociedade civil na democracia dos direitos do idoso. Essas ações possibilita-ram a promoção do conhecimento dos direitos dos idosos de forma reflexiva e intersetorial entre os funcionários públicos e os agentes da sociedade civil, tais como a maior participa-ção dos idosos na busca da efetivação dos seus direitos; maior divulgação desses direitos entre populações idosas excluídas; maior dignidade das pessoas idosas, além de respeito e humanização no atendimento dessas pessoas nos espaços públicos.

Em O mapeamento da judicialização da saúde pública no Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul Pós CF/88, os autores dedicaram-se a conhecer o cenário da judicialização da saúde pública no Estado, a partir da Constituição Federal de 1988, que consagrou a saúde como direito fundamental do cidadão e dever do Estado.

O artigo O que se entende por instituição e por que elas merecem ser estudadas? Tem como propósito fazer uma revisão da literatura sobre o neoinstitucionalismo no cam-po da Ciência Política, destacando a evolução histórica do debate em torno das suas princi-pais vertentes, contrastando-as também com outras correntes ou perspectivas de análise, como o antigo institucionalismo e o comportamentalismo.

A terceira e última área temática refere-se à Gestão Pública e Democracia combina-do por três artigos que misturam assuntos como o desenvolvimento regional no Rio Gran-de do Sul, o caso de uma Prefeitura Municipal no noroeste do Estado e a implementação de políticas públicas.

A experiência de planejamento do desenvolvimento regional no Rio Grande do Sul – O caso dos COREDES analisa o planejamento regional desenvolvido nas últimas duas décadas no Rio Grande do Sul por meio dos Conselhos Regionais de Desenvolvimento (CO-REDEs) trazendo a discussão sobre o planejamento regional, a trajetória do estado e o processo de construção dos planos de desenvolvimento regional dos COREDES, compre-endendo seus avanços e limitações.

Os autores do artigo A gestão da inovação: o caso de uma Prefeitura Municipal no Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul abordaram a inovação na administração pública municipal, entendida como uma forma de fazer diferente não precisando ser novo, ou po-de-se afirmar que, se refere a mudanças significativas (tecnologia, métodos, valores) em

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PROGRAMA DE EXCELÊNCIA EM GESTÃO PÚBLICA - PEG/RS

práticas anteriores, para com isso conseguir aperfeiçoar os serviços e os produtos visando à melhoria do desempenho e o aumento da eficiência do serviço público.

Finalizando a obra, o artigo, Implementação de políticas públicas e participação da comunidade identificou os elementos que explicam a implementação de uma política so-cial específica. Entender como a política foi executada, como se deu a relação entre cida-dãos e servidores públicos e como os recursos foram utilizados são questões que guiaram os esforços.

Boa leitura a todos!

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DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL, TECNOLOGIA, INOVAÇÃO E PESQUISA

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DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL, TECNOLOGIA, INOVAÇÃO E PESQUISA

AVALIAÇÃO DA ESTRUTURA FITOSSOCIOLÓGICA DE ÁREAS DE PRESERVAÇÃO DE RECURSOS HÍDRICOS NA

BACIA HIDROGRÁFICA DO ARROIO ANDRÉAS, RS, BRASIL, IMPLANTADAS ATRAVÉS DO PAGAMENTO DE SERVIÇOS

AMBIENTAIS (PSA)

Eduardo A. Lobo1, Nilmar A. de Melo2, Dionei M. Delevati3, Jair Putzke4

RESUMO

A pesquisa foi desenvolvida entre março de 2013 e julho de 2014 em áreas de pre-servação de recursos hídricos na Bacia Hidrográfica do Arroio Andréas, Município de Vera Cruz, RS, tendo por objetivo avaliar a composição florística e estrutura fitossociológica destas áreas de preservação, implantadas através do Pagamento de Serviços Ambientais (PSA). vinte pontos de coleta foram selecionados para a realização de estudos de monito-ramento ambiental, localizados em propriedades rurais que aderiram ao projeto “Protetor das Águas”, protegendo estas áreas e recebendo pagamento pelo fornecimento deste ser-viço ambiental. Cada ponto de coleta foi dividido em parcelas de 10 x 10 m, onde os pa-râmetros fitossociológicos das espécies foram registrados até a estabilização da curva de suficiência amostral. Dentro de cada parcela foi registrada a altura e perímetro à altura do peito (PAP) das plantas, sendo consideradas apenas as árvores com PAP igual ou superior a 15 cm. Foram calculados os parâmetros fitossociológicos relativos à frequência, densidade e dominância, além do índice do valor de importância (IVI) e índice do valor de cobertura (IVC). O levantamento abrangeu um total de 143 parcelas, onde foram amostrados 1818 indivíduos distribuídos em 83 espécies, que estão incluídas em 72 gêneros e 34 famílias. O resultado da análise de agrupamentos revelou a ocorrência de cinco grupos com base nas médias do IVI, destacando o grupo 1 (G-1), que apresentou o mais alto valor médio (7,5 ± 4.0; CV = 53,5%), mostrando diferenças significativas (p<0.05) quando comparado aos demais grupos. Este resultado indica que as espécies que compõem este grupo correspon-dem à vegetação representativa destas áreas de nascentes, sendo elas: Allophylus edulis (A. St.-Hill., Cambess. & A. J.) R; Casearia silvestres SW; Cupania vernalis Cambess; Inga marginata Willd; Matayba elaeagnoides Radlk.; e Nectandra megapotamica (Spreng.) Mez. Estas espécies possuem um rápido desenvolvimento e se caracterizam como fonte de alimento principal da fauna no local. Por estes motivos, estas espécies são recomenda-

1 Professor do Departamento de Biologia e Farmácia da Universidade de Santa Cruz do Sul (UNISC), RS, Brasil, e do Programa de Mestrado em Tecnologia Ambiental (MTA/UNISC). Autor para corres-pondência: [email protected]. 2 Mestre pelo MTA/UNISC.3 Professor do Departamento de Engenharia, Arquitetura e Ciências Agrárias da UNISC, e do MTA/UNISC. 4 Professor do Departamento de Biologia e Farmácia da Universidade de Santa Cruz do Sul (UNISC), RS, Brasil, e do Programa de Mestrado em Tecnologia Ambiental (MTA/UNISC).

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PESQUISA E ENSINO: FERRAMENTAS DE GESTÃO PÚBLICA NO RS

das para repovoamento em áreas de preservação que já foram degradadas. Desta forma, a adoção por parte dos agricultores do PSA para proteger as nascentes e áreas ripárias que se situam em suas propriedades, configura uma ação altamente eficiente em termos de sustentabilidade, uma vez que os resultados desta pesquisa vêm chancelar a possibilidade de um aumento gradativo espaço-temporal da diversidade de espécies arbóreas/arbores-centes, a partir da vegetação representativa destas áreas de nascentes, classificada em estágio médio de sucessão ecológica.

Palavras - chave: Pagamento por Serviços Ambientais (PSA), preservação de recur-sos hídricos, análise fitossociológica, Índice de Valor de Importância (IVI), Bacia do Arroio Andreas, RS.

ABSTRACT

The research was conducted between March 2013 and July 2014 in preservation areas that protect water resources in the Andreas Stream Hydrographic Basin, county of Vera Cruz, RS, and aimed to evaluate the floristic composition and phytosociological struc-ture of these preservation areas, which were established through the Payment for Envi-ronmental Services (PES). Twenty sampling points located on rural properties that joined the project “Water Guardian” and which protect these areas and receive payment by su-pplying this environmental service, were selected for environmental monitoring studies. Each collection point was divided into 10 x 10 m plots, where the phytosociological pa-rameters of the species were recorded until the sampling sufficiency curve stabilized. In each plot, the height and the breast height circumference (BHC) of plants were recorded, considering only the trees with a BHC equal or less than 15 cm. Phytosociological parame-ters such as frequency, density and dominance, as well as the Importance Value Index (IVI) and Coverage Value Index (CVI) were calculated. The survey included a total of 143 plots where 1818 individuals were sampled and were distributed in 83 species, which include 72 genera and 34 families. The results of the cluster analysis indicate the occurrence of five groups based on the averages of the IVI, highlighting Group 1 (G-1), that showed the highest average (7.5±4.0; CV=53.5%) and significant differences (p<0.05) compared to the other groups. This result indicates that the species that form this group correspond to the representative vegetation of these preserved areas: Allophylus edulis (A. St.-Hill., Cambess. & A. J.) R; Casearia silvestres SW; Cupania vernalis Cambess; Inga marginata Willd; Ma-tayba elaeagnoides Radlk.; and Nectandra megapotamica (Spreng.) Mez. These species grow rapidly and are a principal source of food for local fauna. For these reasons, these species are recommended for restoration in preservation areas that were degraded. In this way, the PES’s adoption by farmers to protect the headwaters and riparian areas located on their properties, is highly efficient in terms of sustainability because the results of this research certifies the possibility of a gradual space-temporal increase of the diversity of tree/shrub-tree species from the representative vegetation of these preserved areas, clas-sified in a median stage of ecological succession.

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DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL, TECNOLOGIA, INOVAÇÃO E PESQUISA

Keywords: Payment for Environmental Services (PES), preservation of water resour-ces, phytosociological analysis, Importance Value Index (IVI), Andreas stream Hydrogra-phic Basin, RS.

INTRODUÇÃO

O processo contínuo de crescimento da população humana e a constante pressão sobre fragmentos naturais para práticas agrícolas, bem como o processo de urbanização, levam diretamente à degradação dos ambientes naturais. A conservação destas áreas, principalmente as que possuem em seu entorno cursos hídricos e nascentes, é de funda-mental importância para a estabilização do fluxo hídrico e de melhorias da qualidade da água nestes locais. Associadas a estes corpos d’água encontram-se as matas ciliares, ca-racterizadas como formações vegetais que ocupam as áreas mais dinâmicas da paisagem dentro de uma bacia hidrográfica, tanto em questões hidrológicas, bem como geomorfo-lógicas e ecológicas.

De acordo com Lima (1989), a presença de uma vegetação ciliar contribui tanto para diminuir a ocorrência do escoamento superficial, que pode causar erosão e arraste de nutrientes e sedimentos para os cursos d’água, quanto para desempenhar um efeito de filtragem superficial dos fluxos de água para os canais. As zonas ripárias, por sua vez, exer-cem funções essenciais para a manutenção da integridade da bacia hidrográfica, represen-tada por sua ação direta em vários processos importantes para a estabilidade da mesma, para a manutenção da qualidade e quantidade de água, assim como para a manutenção do próprio ecossistema aquático. Tais funções influem de forma positiva na hidrologia do solo, melhorando os processos de infiltração, percolação e armazenamento da água pelos lençóis, e diminuindo o processo de escoamento superficial e reduzindo desta forma o processo erosivo (Lima e Zakia, 2004).

Já, segundo Pires e Souza (2003), os desmatamentos causam a vulnerabilidade do solo, resultando na aceleração do processo erosivo. Com a erosão, além do empobreci-mento do solo pela perda de nutrientes e matéria orgânica, há a contaminação dos recur-sos hídricos, pois a não infiltração da água das chuvas no solo, arrasta consigo, não só as partículas do solo, como também diversos produtos químicos, ocasionando a poluição das nascentes e cursos d’água.

1.1 Estudos Fitossociológicos

Conforme Braun-Blanquet (1966), a fitossociologia pode ser definida como um ramo da biossociologia que estuda os agrupamentos de plantas e suas relações e de-pendências frente ao meio ambiente biótico e abiótico. Um estudo fitossociológico não visa apenas conhecer as espécies que compõem a flora, mas também como se comportam no fenômeno de sucessão e como garantem o equilíbrio existente entre a flora e fauna. Já, para Alencar (1979), o estudo da composição florística é de grande importância para o

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PESQUISA E ENSINO: FERRAMENTAS DE GESTÃO PÚBLICA NO RS

conhecimento da estrutura da vegetação em um determinado fragmento, possibilitando informações qualitativas e quantitativas sobre a área em estudo e a tomada de decisões para o melhor manejo de cada tipo de vegetação.

Segundo Jarenkow & Waechter (2001), muitos trabalhos têm sido realizados obje-tivando a caracterização fitogeográfica das distintas formações florestais do Estado, desta-cando que Rambo (1951) foi o pioneiro a realizar este tipo de abordagem, caracterizando duas principais rotas de migração de espécies vegetais no Rio Grande do Sul, denominadas “Portas de Torres”, abrangendo as espécies da porção leste, ou seja, o elemento atlântico, proveniente de latitudes menores, e “Alto Uruguai”, com as espécies que compõem as florestas dos rios Paraná e Uruguai. Entre estas duas formações, ocorre o Planalto, de alti-tude mais elevada e consequentemente, temperaturas médias inferiores, o que dificulta a sobreposição destes dois contingentes.

1.2 Pagamento por Serviços Ambientais (PSA)

Segundo Santos (2009), o pagamento pela provisão de serviços ambientais (PSA) é uma política recente e inovadora que está atraindo a atenção de países desenvolvidos quanto em desenvolvimento. A inovação envolve o afastamento das políticas de comando e controle, utilizando forças de mercado para obter maiores resultados e recompensar os provedores destes serviços, os quais até o momento não vinham recebendo qualquer compensação ou incentivo para realizar os mesmos. O autor complementa que os pro-gramas de PSA podem contribuir para o desenvolvimento econômico, para a geração de renda e a diversificação das atividades da propriedade rural.

Wunder (2008) define PSA como a transferência voluntária de recursos financeiros de beneficiários de tal serviço a pessoas que exercem práticas para um manejo adequado do meio ecossistêmico onde tal serviço é exercido ou compensado. Assim, para haver um pagamento de um serviço, é necessário o reconhecimento do valor econômico para a va-loração do mesmo dentro de uma esfera de mercado, necessitando-se a existência dos três elementos básicos: os produtos, os compradores e os vendedores. Neste caso, os produtos são representados pelos serviços fornecidos pelas áreas rurais ou naturais, os comprado-res constituem os beneficiários dos serviços gerados e os vendedores são os usuários das terras, os quais são responsáveis por tomadas de decisões no gerenciamento ambiental e na utilização de recursos, enfim gerando uma oferta dos serviços ambientais.

O PSA, por ser um conceito e uma prática relativamente nova, apenas recente-mente os governos bem como agências internacionais têm começado a reconhecer o pa-pel que os agricultores e usuários das áreas rurais podem ter nas melhorias do manejo ambiental. Ferramentas de pagamento ou de compensação levam a crer que através de incentivos, haverá uma mudança de comportamento dos agentes econômicos em relação ao meio ambiente (Veiga Neto, 2009).

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DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL, TECNOLOGIA, INOVAÇÃO E PESQUISA

Segundo Moraes (2012), a importância dos serviços ambientais prestados pelas matas ciliares e sua influência nas condições do solo, proteção mecânica, biodiversida-de, condições da água e do ciclo hidrológico, assim como na formação da paisagem, é indiscutível. As nascentes, particularmente, são partes importantes do ciclo hidrológico e possuem um valor inestimável dentro de um estabelecimento rural. Para garantir a pre-servação de uma nascente e a quantidade e qualidade de água, o proprietário rural deve realizar a manutenção da vegetação natural no entorno das nascentes, dos cursos d’água e das encostas. Os serviços ambientais prestados pelas nascentes dependem das condições de manutenção dos ecossistemas. As ações humanas para a conservação das nascentes estão relacionadas com a conservação das matas ciliares e com as áreas de preservação permanente (APP’s), pois água e mata são complementares e indissociáveis.

De acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU, 2011), estão incluídos en-tre os serviços ambientais: a conservação e tratamento natural dos recursos hídricos, a preservação e conservação da biodiversidade, a proteção do solo contra a erosão, o se-questro de carbono na fase de crescimento das plantas, a regulação do clima local, além da formação e composição de paisagens. Mas as ações antrópicas, como as atividades agropecuárias e os desmatamentos, têm provocado processos erosivos e desequilíbrios nas interrelações naturais dos componentes da paisagem dos territórios. Entre os Serviços Ambientais oferecidos pelos ecossistemas se destacam aqueles que têm origem nas flores-tas, pois estas têm uma função fundamental dentro desses ecossistemas e são geradoras de diversos serviços ambientais.

Wünder (2008) afirma, ainda, que o mecanismo de PSA pode ser um instrumento auxiliar eficaz de gestão ambiental e inclusão social quando tratado como instrumento de política de Estado. Neste contexto, no Brasil, a gestão dos recursos naturais seguiu até o ano de 1997 uma linha extremamente voltada para os instrumentos de comando e con-trole. Somente com o advento da Política Nacional de Recursos Hídricos, através da Lei Fe-deral nº 9.433/97 (BRASIL, 1997), os instrumentos econômicos passam a integrar o rol de ferramentas formalmente estabelecidas para a condução de políticas públicas na área am-biental em nível nacional. Até este momento, as iniciativas então existentes, se limitavam a projetos de abrangência local ou regional e em quase que sua totalidade, decorrentes de iniciativas de organismos da sociedade civil ou dos empreendedores.

A partir da promulgação da Política Nacional de Recursos Hídricos observou-se a in-trodução do conceito poluidor-pagador como norteador do processo de gestão das águas. No Estado do Espírito Santo, a Lei Estadual 5.818/1998 (ESPÍRITO SANTO, 1998) que institui a Política Estadual de Recursos Hídricos ousou um pouco mais, inovando com o concei-to provedor-recebedor ao propor mecanismos compensatórios a prestadores de serviços ambientais na área de melhoria de qualidade e incremento da disponibilidade das águas.

A Lei n° 9.985/2000, que institui o Sistema Nacional de unidades de Conservação da Natureza, apresenta o beneficiamento dos municípios que têm parques e Áreas de Proteção Ambiental (APP). No Brasil, é o primeiro instrumento econômico a pagar por serviços provenientes das florestas do Brasil. Seu objetivo é servir de incentivo na criação

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PESQUISA E ENSINO: FERRAMENTAS DE GESTÃO PÚBLICA NO RS

e manutenção de áreas de conservação. Dentro deste texto, conforme os artigos 47 e 48, os órgãos de abastecimento de água e energia elétrica devem contribuir financeiramente para a proteção e implementação de unidades de conservação.

Cabe ressaltar que ainda não existe uma resolução para a atividade de Pagamentos por Serviços Ambientais. Existe um projeto de Lei (PL) n° 5.487/09, que busca instituir a Política Nacional dos Serviços Ambientais, criando um programa federal de pagamentos por serviços ambientais, bem como estabelecer formas de controle e financiamento desse programa. Nesse PL, constam outros projetos que tratavam de PSA, como o PL 792/07 que dispunha sobre a definição dos serviços ambientais.

O PL nº 5.487/09 faz uma definição dos principais conceitos como serviço ambien-tal, pagamento por serviço ambiental, pagador e recebedor. Também apresenta os princí-pios e diretrizes dentre os quais se destacam os seguintes incisos: III - promoção da integri-dade ambiental com inclusão social de populações rurais em situação de vulnerabilidade; VI - reconhecimento da contribuição da agricultura familiar, dos povos indígenas e dos povos e comunidades tradicionais para a conservação ambiental e VII - prioridade para áreas que apresentem maior risco sócio-ambiental.

A tendência do uso de PSA’s tem se mostrado em forte ascensão no Brasil. Desde a primeira iniciativa, o Pró-ambiente aprovado em 2003, novas iniciativas já foram lançadas e estão sendo implementadas no território brasileiro. Há iniciativas privadas, que são coor-denadas e financiadas com recursos de empresas e/ou de ONGs, como há projetos gover-namentais, que contam com governos atuando como os impulsionadores e coordenadores assim como financiadores ou captadores de recursos para os projetos e programas. Podem ser citados como exemplos de PSA’s governamentais no Brasil o projeto Produtores de Água no Espírito Santo, Bolsa Floresta no Amazonas, Pró-ambiente em diversos pólos pilo-tos na Amazônia Legal, Bolsa Verde em Minas Gerais, Conservador das Águas em Extrema (MG), entre outros.

1.3 Delimitação do Problema

À luz dos antecedentes expostos, a Universidade de Santa Cruz do Sul (UNISC), em parceria com a empresa Universal Leaf Tabacos e Fundación Altadis (organização sem fins lucrativos, pertencente ao Grupo Imperial Tobacco), e contando com o apoio e Município de Vera Cruz, RS, Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Pardo (Comitê Pardo), Sinditaba-co e AFUBRA (Associação dos Fumicultores do Brasil), assinaram, em 2011, um contrato para a execução do projeto “Pagamento por Serviços Ambientais (PSA) na Bacia do Arroio Andréas, RS, Brasil”, denominado Projeto “Protetor das Águas”, a ser desenvolvido pela UNISC num período de cinco anos (2011-2015).

O projeto visa proteger as nascentes e áreas ripárias da referida bacia, garantindo a preservação dos recursos hídricos mediante o pagamento aos agricultores de pequenas propriedades pelo fornecimento de serviços ambientais (PSA) de proteção das nascentes

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DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL, TECNOLOGIA, INOVAÇÃO E PESQUISA

e áreas ripárias que se situam em suas propriedades, caracterizando-os como “Produtores de Água”. Desta forma, a partir da identificação das nascentes e áreas ripárias foi feito um levantamento dos dados da propriedade (diagnóstico) e estabelecidos os planos de ação para recuperação e/ou proteção destas áreas. A adesão dos produtores foi voluntária e eles participam durante todo o processo. A concessão dos incentivos financeiros foi rea-lizada após a adesão e implantação, parcial ou total das ações práticas conservacionistas previamente acordadas entre as partes.

O projeto definiu, a partir do diagnóstico realizado, as áreas consideradas estraté-gicas em função da “produção de água”, tais como nascentes importantes contribuintes do Arroio Andréas e áreas ripárias, e negociando com os produtores quais extensões de terra (área da propriedade) deverão ser preservadas. O produtor que aceitou aderir ao projeto assinou um contrato de adesão. Este contrato está vinculado à UNISC, que realiza um pagamento anual ao produtor pela área a ser preservada. Segundo Moraes (2012), considerando os valores médios municipais das rendas brutas por hectare de cada uma das principais atividades agrícolas na região (tabaco, milho e arroz), foi estimado o valor da prestação deste serviço ambiental, que resultou em R$ 325,00 por hectare/ano acrescido de um bônus de adesão de R$ 200,00 por agricultor.

A partir da determinação da área a ser incluída como área de preservação am-biental, a mesma foi demarcada para que fosse realizada a cerca de proteção da área. Este processo além de ser fundamental para o cercamento, também fornece ao produ-tor (de forma visível) a área a ser preservada. O trabalho de cercamento destas áreas de preservação foi concluído no final de 2013. Assim, assume-se como hipótese de trabalho que em função desta ação de preservação, a qualidade ambiental deverá melhorar signi-ficativamente, em todos os aspectos a serem pesquisados, gerando novos conhecimentos dos processos solo/água/biodiversidade, com ênfase na racionalização do uso da água, e garantindo água de qualidade para o consumo humano e a proteção de meio ambiente. Se esta hipótese for provada verdadeira, poder-se-á incentivar a adoção do Pagamento por Serviços Ambientais (PSA) como instrumento de políticas públicas para o desenvolvimento sustentável do território rural.

Trabalhos de monitoramento ambiental em sistemas hídricos regionais consideran-do variáveis físicas, químicas e biológicas (algas como bioindicadores) têm sido realizados pela UNISC (p. ex., BES et al., 2012; BOHRN et al., 2013; DÜPONT et al., 2007; HEINRICH et al., 2014; HERMANY et al., 2006; LOBO et al., 2004a,b,c,d, 2010, 2014; 2015; OLIVEIRA et al., 2001; SALOMONI et al., 2006, 2011; SCHUCH et al., 2012, 2015; WETZEL et al., 2002), no entanto, verifica-se a carência de informações quanto à composição florestal existente no entorno destes cursos hídricos.

Neste contexto, a presente pesquisa objetivou avaliar a composição florística e estrutura fitossociológica das áreas de preservação na Bacia do Arroio Andréas, RS, no período de maio de 2013 a Abril de 2014, estabelecidas através do pagamento de Servi-ços Ambientais (PSA). É importante destacar que este pesquisa foi desenvolvida graças ao apoio financeiro do Edital FAPERGS 16/2012, Programa de Pesquisa em Ciência, Tecnologia

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PESQUISA E ENSINO: FERRAMENTAS DE GESTÃO PÚBLICA NO RS

e Inovação sobre Gestão Pública, tendo como área de concentração o Desenvolvimento Sustentável, Tecnologia, Inovação e Pesquisa, concedido ao primeiro autor deste artigo, Prof. Dr. Eduardo Lobo Alcayaga.

2 MATERIAL E MÉTODOS

2.1 Área de Estudo/Amostragem

A bacia do Arroio Andréas, está localizada no município de Vera Cruz, RS, e tem fun-damental importância como manancial para abastecimento de água do mesmo. Apresenta uma área de drenagem de 80,2 km², valor que classifica esta bacia como “pequeno arroio de ordem 2-5”, seguindo a classificação descrita em Chapman (1992). Ao longo desta bacia foram selecionados 20 pontos de coleta, onde foram subdivididos em parcelas de 10 x 10m, em áreas de preservação localizadas em propriedades rurais que aderiram ao projeto “Protetor das Águas”, protegendo estas áreas e recebendo pagamento pelo fornecimen-to deste Serviço Ambiental (PSA). A localização destes pontos de coleta apresenta-se na figura 1.

Com relação às amostragens vegetacionais, coletas mensais foram efetuadas nas áreas de preservação selecionadas na bacia do arroio Andréas, para identificação e conta-gem das plantas instaladas desde o seu abandono e cercamento. Todas as espécies flores-tais interceptadas nas parcelas foram coletadas, herborizadas e preparadas como exsica-tas, sendo armazenadas na coleção do Herbário da UNISC (HCB) - Universidade de Santa Cruz do Sul, conforme as técnicas propostas por Silva (1989). A identificação do material foi feita com base nas seguintes referências taxonômicas: Sobral et. al., (2006), Backes & Irgang (2002; 2004a), para árvores nativas; Backes & Irgang (2004b), para árvores exóticas; e para pteridófitas seguiu-se a sistemática proposta por Tryon & Tryon (1982).

2.2 Parâmetros Fitossociológicos para Espécies Arborescentes/Arbóreas

Os dados fitossociológicos foram obtidos com a aplicação do método de parcelas amostrais, descrito por Martins (1993). Para todas as espécies arbóreas que apresentarem PAP (Perímetro na Altura do Peito), igual ou superior a 15cm a 1,40m do solo, foram le-vantados dados como altura da primeira ramificação, diâmetro da copa, altura da árvore e PAP. A partir dos dados obtidos, foram calculados os seguintes parâmetros fitossocioló-gicos quantitativos: Densidade Absoluta (DAi) e Relativa (DRi), Frequência Absoluta (FAi) e Relativa (FRi), Dominância Absoluta (DoAi) e Relativa (DoRi), Índice de Valor de Importân-cia (IVI) e Cobertura (IVC), seguindo as recomendações de Mueller-Dombois & Ellenberg (1974) e Martins (1993).

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DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL, TECNOLOGIA, INOVAÇÃO E PESQUISA

2.3 Processamento da Informação

Para determinar o número de parcelas utilizou-se a análise da Curva espécie/área. Esta área mínima corresponde ao ponto de inflexão da curva ou no início da tendência de estabilização da mesma (SCHILLING & BATISTA, 2008).

No processamento da informação, empregou-se a estatística descritiva para a tabu-lação dos dados e sua ilustração gráfica, como por exemplo, gráfico de barras para visuali-zação e interpretação das medidas de tendência central e dispersão (CALLEGARI-JACQUES, 2006). Trabalhou-se com níveis de significância de 5% (p<0,05). As diferenças estatísticas foram estabelecidas utilizando a prova estatística não paramétrica de Kruskall-Wallis, se-guido do teste de comparações pareadas de Mann-Whitney com a correção de Bonferroni para comparações múltiplas, conforme Hammer et al., (2001). Visando o agrupamento das espécies em função da similaridade quantitativa tendo como base o Índice do Valor de Importância (IVI), aplicou-se a análise de cluster baseada no método de Ward (1963), se-guindo as recomendações de Hair et al., (2005). A matriz biológica foi padronizada utilizan-do a transformação matemática [LN (X+ 1)]. As análises foram processadas utilizando-se o software Past versão 2.15 (HAMMER et al., 2001).

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PESQUISA E ENSINO: FERRAMENTAS DE GESTÃO PÚBLICA NO RS

A

B

C

Figura 1. A) Bacia do Arroio Andréas, RS. B) Localização da Bacia no Estado do Rio Grande do Sul. C) Mapa da Bacia do Arroio Andréas, mostrando a localização dos 20 pontos de coleta selecionados.

3 RESULTADOS E DISCUSSÃO

Com relação ao número de parcelas representativas do estudo, e levando em conta que os 20 pontos de amostragem apresentam características distintas quanto à preserva-ção e localização dos mesmos, foram levantadas um total de 143 parcelas de 10X10 m². Porém, a partir da 135ª parcela já houve uma estabilização da curva amostral, o que levou ao término do levantamento (Figura 2). O número de parcelas amostrais em cada área de amostragem era variável conforme o tamanho da área preservada, entre 6 a 15 parcelas amostrais conforme cada área de coleta. O levantamento abrangeu um total de 143 par-celas, onde foram amostrados 1818 indivíduos distribuídos em 83 espécies, subdivididas

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DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL, TECNOLOGIA, INOVAÇÃO E PESQUISA

em 72 gêneros e 34 famílias, em uma área amostral total de 14.300 m², conforme pode ser observado na tabela 2.

Figura 2. Curva de suficiência amostral para a determinação do número de parcelas.

As famílias mais representativas em número de espécies foram: Fabaceae (13), cor-respondendo a uma riqueza de 16%; Myrtaceae (8), com uma riqueza de 8%; Meliaceae (5), com uma riqueza de 6%; Arecaceae (4); Bignoniaceae (4); Euphorbiaceaae (4), cada família com uma riqueza de 5%; Lauraceae (3); Rutaceae (3); Salicaceae (3) e Sapindaceae (3), cada família com uma riqueza de 3%. As famílias que estiveram representadas com até duas espécies foram agrupadas como “outras”, atingindo 40% do total, conforme pode ser observada na figura 3.

Longui et al. (1986) realizaram levantamentos botânicos no Morro do Botucaraí, região do Vale do Rio Pardo, RS, e destacaram a expressiva representatividade da família Fabaceae, seguido pelas famílias Myrtaceae, Lauraceae e Euphorbiaceae. Do ponto de vis-ta fisionômico os autores destacaram, ainda, as famílias Sapindaceae, Salicaceae, Melia-ceae, Boraginaceae, Moraceae, Arecaceae e Sapotaceae. Similarmente, em levantamento realizado por Melo et al. (2014), também no Morro do Botucaraí, a família que apresentou o maior número de espécies foi Fabaceae com 10 taxa, seguida de Lauraceae (7), Euphor-biaceae (6), Myrtaceae (6), Meliaceae (4), Sapindaceae (4), Arecaceae (3), Moraceae (3) e Salicaceae (3).

Família Espécies Nome popular

ADOXACEAE Sambucus australis Cham. & Schlecht.

Sabugueiro

ANACARDIACEAE Schinus molle L. Aroeira-salso

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PESQUISA E ENSINO: FERRAMENTAS DE GESTÃO PÚBLICA NO RS

Schinus terebinthifolius Raddi.

Aroeira-vermelha

ANNONACEAE Annona neosalicifolia H. Rainer

Araticum-do-mato

Rollinia silvatica (St. Hil.) Mart.

Araticum-do-campo

ARALIACEAE Schefflera morototoni (Aubl.) Maguire, Steyerm. & Frodin.

Caixeta

Tetrapanax papyriferum (Hook.) C. Koch.

Folha-de-papel

ARAUCARIACEAE Araucaria angustifolia (Bertol.) Kuntze.

Pinheiro-do-paraná

ARECACEAE Bactris lindmaniana Drude ex Lindeman.

Tucum

Butia capitata (Mart.) Becc. Butiazeiro

Euterpe edulis Mart. Palmito

Syagrus romanzoffiana (Cham.) Glassmann.

Gerivá

ASTERACEAE Dasyphyllum spinescens (Less.) Cabrera

Cambará-de-espinho

Gochnatia polymorpha (Less.) Cabrera

Cambará

BIGNONIACEAE Jacaranda micrantha Cham. Caroba

Tabebuia (Androanthus) alba (Cham.) Sandwith.

Ipê-amarelo

Tabebuia (Androanthus) heptaphylla (Vell). Toledo

Ipê-roxo

Tecoma stans (L.) Juss. ex. Kenth.

Falso-ipê-de-jardim

BORAGINACEAE Cordia americana (L.) Gottschling. & J.E.Mill

Guajuvira

Cordia trichotoma (Vell.) Arráb. ex Steud.

Louro

CANNABACEAE Trema micrantha (L.) Blume Pau-pólvora

CARDIOPTERIDACEAE Citronella paniculata (Mart.) R. A. Howard.

Congonha-verde

CARICACEAE Vasconcella quercifolia A. St. Hill

Mamoeiro-do-mato

CYATHEACEAE Alsophila setosa Kaulf. Xaxim-de-espinho

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DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL, TECNOLOGIA, INOVAÇÃO E PESQUISA

Cyathea atrovirens (Langsd. & Fisch)

Xaxim-anão

DICKSONIACEAE Dicksonia sellowiana Hook. Xaxim-gigante

EUPHORBIACEAE Actinostemon concolor (Spreng.) Müll.

Laranjeira-do-mato

Alchornea triplinervia (Spreng.) Müll. Arg.

Tapiá

Sapium glandulatum (L.) Morong.

Leiteiro

Tetrorchidium rubrivenium Poep. & Endl.

Canemoçu

FABACEAE Abarema langsdorffii (Benth.) B. & J. Grimes

Brinco-de-macaco

Acacia nitidifolia Spreng. Vamos-junto

Bauhinia forficata Link. Pata-de-vaca

Calliandra brevipes Benth. Topete-de-cardeal

Calliandra tweediei Benth. Topete-de-cardeal

Enterolobium contorstisiliquum (Vell.) Morong.

Timbaúva

Erythrina cristagalli L. Corticeira-do-banhado

Erythrina falcata Benth Corticeira-da-serra

Inga marginata Willd. Ingá-feijão

Machaerium paraguariense Hassl.

Farinha-seca

Mimosa bimucronata (D.C.) Kuntze

Unha-de-gato

Parapiptadenia rigida (Benth.) Brenan.

Angico-vermelho

Phanera microstachya (Raddi.) L.P. Queiroz

Tripa-de-galinha

LAURACEAE Nectandra megapotamica (Spreng.) Mez

Canela-preta

Nectandra oppositifolia Nees.

Canela-ferrugem

Persea americana Will. Abacateiro

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PESQUISA E ENSINO: FERRAMENTAS DE GESTÃO PÚBLICA NO RS

LOGANIACEAE Strychnos brasiliensis (Spreng.) Mart.

Esporão-de-galo

MALVACEAE Luehea divaricata Mart & Zucc.

Açoita-cavalo

MELIACEAE Cabralea canjerana (Vell.) Mart.

Cangerana

Cedrela fissilis Vell. Cedro

Guarea macrophylla Vahl. Catiguá-morcego

Trichilia catigua A. Juss. Catiguá

Trichilia clausseni C. DC. Catiguá-vermelho

MONIMIACEAE Hennecartia omphalandra J. Poiss.

Canema

Figura 3. Gráfico de representatividade das famílias nos 20 pontos de coleta na bacia do Arroio Andréas, de acordo com o número de espécies amostradas.

Conforme exposto anteriormente, pode-se afirmar que o padrão de distribuição das espécies vegetais na região Central do Rio Grande do Sul é homogêneo. Os fragmen-tos florestais estudados podem ser caracterizados como vegetação subtropical (Floresta Estacional Decidual). A composição florística dos fragmentos estudados é complexa e va-riável, caracterizando-se por apresentar espécies típicas do bioma Mata Atlântica, bem como espécies associadas à vegetação ciliar. Os fragmentos podem ser classificados em estágio médio de sucessão ecológica, condição que caracteriza um aumento gradativo es-paço-temporal da diversidade de espécies.

Verificou-se a ocorrência de diferentes grupos de espécies, com diferentes localiza-ções dentro dos fragmentos: as situadas na beira dos cursos hídricos, que dependem da dinâmica fluvial da calha (oscilações de níveis d’água, umidade, etc.); as espécies encon-tradas no interior do fragmento, que dependem fundamentalmente das interações sinér-

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DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL, TECNOLOGIA, INOVAÇÃO E PESQUISA

gicas do ecossistema, não havendo presença marcante do fator umidade; e as espécies encontradas na borda do fragmento, que são espécies pioneiras e típicas de áreas mais drenadas.

Para todas as espécies arbóreas que apresentaram PAP (Perímetro na Altura do Peito), igual ou superior a 15cm a 1,40m do solo, foram levantados dados como altura da primeira ramificação, diâmetro da copa, altura da árvore e PAP. A partir dos dados obtidos, foram calculados os seguintes parâmetros fitossociológicos quantitativos: Densidade Ab-soluta (DAi) e Relativa (DRi), Frequência Absoluta (FAi) e Relativa (FRi), Dominância Absolu-ta (DoAi) e Relativa (DoRi), Índice de Valor de Importância (IVI) e Cobertura (IVC).

Cabe destacar que das 83 espécies amostradas sete são espécies exóticas, sendo elas: Tetrapanax papyriferum, popularmente conhecida por folha-de-papel, espécie origi-nária da Ásia; Tecoma stans, o popular amarelinho ou falso-ipê-de-jardim, espécie originá-ria do México e sul dos Estados Unidos, o qual foi introduzido no Brasil como ornamental e hoje se alastra de forma significativa nas regiões de campos limpos em todo o País, princi-palmente no Paraná e na Serra Gaúcha; Persea americana, o abacateiro que é originário da América Central e do México, introduzido para fins alimentícios e disseminado pela mas-tofauna; Bambusa sp., conhecida popularmente como portaquareira, originária da Ásia; Hovenia dulcis, conhecida na região por Uva-do-japão, sendo certamente a espécie de maior preocupação por se tratar de uma espécie exótica invasora, ocupando rapidamente qualquer formação florestal. É originária da Ásia, e foi trazida para o Brasil para fins ener-géticos; Citrus reticulata, a bergamoteira, espécie nativa do Sudeste Asiático, muito culti-vada em pomares e dispersa por animais, e Psidium guajava, a goiabeira, espécie nativa da América Central e norte da América do Sul, também cultivada em pomares e muito apre-ciada por aves e mamíferos, os quais fazem a sua dispersão (BACKES & IRGANG, 2004b). Espécies exóticas acabam ocupando o ambiente das espécies nativas. A alta incidência de H. dulcis, mesmo que sendo encontrada em menos de 50% das áreas de coleta, por exem-plo, é motivo de preocupação, pincipalmente quando encontra condições favoráveis para seu desenvolvimento, pois é uma espécie considerada “agressiva”, apresentando rápida dispersão pela avifauna, devendo ser adotada uma política para controle desta espécie.

É importante também salientar a ocorrência de A. setosa (xaxim-de-espinho) e C. atrovirens (xaxim-anão), samambaias de hábito arborescente, pertencentes à família Cya-theaceae e D. sellowiana (xaxim-gigante), (Dicksoniaceae), espécie vulnerável e que mere-ce atenção, devido à alta redução destes exemplares da flora atual.

Dentre os parâmetros fitossociológicos calculados, o Índice do Valor de Importân-cia (IVI) corresponde à combinação de valores fitossociológicos relativos de cada espécie, destacando a densidade relativa, frequência relativa e dominância relativa das mesmas, visando atribuir-lhes um valor hierárquico de importância relativa dentro da comunidade vegetal, em levantamentos de regeneração natural (MATTEUCCI & COLMA, 1982). Ainda, segundo Salomão et al. (2011), o IVI tem por objetivo subsidiar e auxiliar na tomada de decisão para selecionar quais espécies arbóreas serão prioritárias (espécies-chave) nos trabalhos de restauração florestal em áreas de preservação permanente (APP) e áreas de

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PESQUISA E ENSINO: FERRAMENTAS DE GESTÃO PÚBLICA NO RS

reserva legal (ARL), em especial na regeneração natural. Desta forma, o IVI foi escolhido como parâmetro fitossociológico para representar a comunidade arbórea/arborescente das áreas de nascentes na Bacia do Arroio Andréas.

As 83 espécies identificadas foram agrupadas utilizando a análise de cluster em cin-co grupos com base nas médias do IVI, conforme pode ser observado na figura 4. Destes, o Grupo 1 (G-1) destacou-se por apresentar o mais alto valor médio do IVI, 7,5 ± 4.0; Coe-ficiente de variação – C.V. = 53,5%. Das espécies que compõem o G-1, C. vernalis destacou--se como a espécie mais importante, uma vez que apresentou o mais alto valor médio do IVI (14,3 ± 2,0 %, C.V.= 14,3%), seguido por A. edulis (8,7± 2,0 %, C.V.= 23,4%), I. marginata (7,6 ± 2,0 %, C.V.= 26,8%), N. megapotamica (7,0 ± 2,0 %, C.V.= 29,3%), C. sylvestris (4,3 ± 2,0 %, C.V.= 47,9%) e M. elaeagnoides (2,9 ± 2,05 %, C.V.= 70,1%). A figura 5 apresenta foto-grafias destacando aspectos morfológicos destas seis espécies. Como se observa na figura 6, o IVI médio do Grupo 1 (G-1) apresentou diferenças significativas (p<0.05) quando com-parado aos demais grupos. Este resultado, portanto, indica que as espécies que compõem este grupo caracterizam o dossel arborescente nos fragmentos estudados.

A alta representatividade deste grupo está diretamente associada pela dispersão destas plantas que é feita exclusivamente por animais. Estas espécies florestais são as prin-cipais fontes de alimentação para a grande maioria da avifauna e mastofauna da região, o que contribui para sua rápida dispersão e também por serem plantas de rápido desen-volvimento e indicadas para a recuperação de áreas degradadas, tal importância destas espécies para manutenção da avifauna e preservação de ecossistemas (BACKES & IRGANG, 2002).

Segundo os mesmos autores, a espécie A. edulis (chal-chal), por exemplo, é uma espécie pioneira, seus frutos servem como alimento para aves, bugios e outros mamí-feros. Já a espécie C. vernalis (camboatá-vermelho), apresenta uma propagação natural bem eficiente é uma excelente frutífera para a avifauna em geral, sendo muito apreciada por sabiás, tucanos, graxains e quatis. A espécie C. silvestris (chá-de-bugre), é uma im-portante melífera de inverno, onde seus frutos servem de alimento para a avifauna. N. megapotamica (canela-preta), também tem seus frutos dispersos pela avifauna, sendo en-contrada em todas as formações florestais e é de grande importância na recuperação de áreas degradadas, podendo ocorrer desde formações florestais pioneiras até clímax. M. elaeagnoides (camboatá-branco), é disseminado exclusivamente por pássaros. Conforme Lorenzi (1992), I. marginata (ingá-feijão) é outra espécie importante estando associada neste grupo por sua ampla dispersão por aves, mamíferos e também peixes, sendo indica-da para a recuperação de florestas ribeirinhas. Desta forma, o fator determinante para o agrupamento destas espécies pode ser justificado principalmente pelo agente dispersor.

O grupo 2 (G-2) reúne espécies cuja distribuição é feita principalmente pelo vento ou carregadas pela água das chuvas como é o caso de E. crista galli (corticeira-do-banha-do), B. suaveolens (trombeteira), P. rigida (angico-vermelho), B. forficata (pata-de-vaca) e A. nitidifolia (unha-de-gato). Nos grupos 3 (G-3), 4 (G-4) e 5 (G-5) destacaram-se os agru-pamentos de plantas cuja dispersão das sementes é feita exclusivamente pelo vento, ou

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DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL, TECNOLOGIA, INOVAÇÃO E PESQUISA

por espécies específicas de animais como é o caso da S. morototoni (caixeta), onde a dis-persão é feita exclusivamente por primatas. O agrupamento observado está relacionado, também, com o grau de preservação da formação florestal, dando condições para a manu-tenção de vegetação de sub-bosque arborescente, bem como de plantas que ocorrem em ambientes mais úmidos e sombreados, como é o caso do D. sellowiana (xaxim-gigante) e E. edulis (palmito) (BACKES & IRGANG, 2002).

Os fragmentos florestais são atualmente os últimos representantes das vegetações originárias e são considerados muito importantes pelo valor ecológico e taxonômico, pois se constituem numa coleção viva de espécies representativas da flora local e de sua diver-sidade genética, funcionando como um banco de informações sobre a estrutura e funcio-namento deste ecossistema (ORTEGA & ENGEL, 1992).

Conforme Golsmith (1986), a vegetação é considerada como o agrupamento de plantas que crescem em um determinado local e pode ser caracterizado tanto pelas es-pécies que o compõem como pela combinação de características estruturais e funcionais referentes à sua aparência, ou fisionomia. Neste contexto, a fisionomia de uma comuni-dade vegetal refere-se à sua aparência geral externa, o que envolve cor e luxuriância, rapi-damente determinadas através da abordagem visual e é resultante do conjunto de formas de vida presentes nas plantas predominantes. A composição indica a flora envolvida, ou seja, as espécies vegetais ali presentes. A estrutura é a ordenação das formas de vida que compõem a vegetação e que se apresenta de maneira estratificada, ou seja, é o reconhe-cimento e descrição das sinúsias componentes de uma dada vegetação. É caracterizada por observações sobre a densidade, caducidade foliar, presença de formas de vida típi-cas (árvores, arbustos, ervas, palmeiras, lianas, fetos arborescentes, etc.) e estratificação (BARBOSA, 2006).

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PESQUISA E ENSINO: FERRAMENTAS DE GESTÃO PÚBLICA NO RS

Figura 4. Análise de agrupamento (similaridade quanti tati va (%), método da Variância Mínima) do Índice do Valor de Importância (IVI) das 82 espécies arbóreo/arborescentes identi fi cadas nos 20 pontos de amostragem nas áreas de nascentes na Bacia do Arroio Andréas, RS, coletadas de agosto de 2013 a junho de 2014. Grupos (G) 1 a 5.

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DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL, TECNOLOGIA, INOVAÇÃO E PESQUISA

Figura 5. Detalhes morfológicos das espécies do G-1: 1) Cupania vernalis (camboatá-vermelho); 2) Allophylus edulis (chal-chal); 3) Inga marginata (ingá-feijão); 4) Nectandra megapotamica (canela-preta); 5) Casearia silvestris (chá-de-bugre); 6) Matayba elaeagnoides (camboatá-branco).

Desta forma as espécies que retratam as feições da paisagem local e caracterizam o docel dos fragmentos fl orestais estudados são: N. megapotamica; A. edulis; I. marginata; C. silvestres; C. vernalis; e M. elaeagnoides, como pode ser observado no perfi l esquemá-ti co da vegetação na fi gura 7.

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PESQUISA E ENSINO: FERRAMENTAS DE GESTÃO PÚBLICA NO RS

Figura 6. Gráfico de barras das médias (± desvio-padrão) do Índice do Valor de Importância (IVI) para cada um dos cinco grupos de espécies arbóreas/arborescentes identificadas através da Análise de agrupamento (método da variância mínima) nos 20 pontos de amostragem nas áreas de nascentes na Bacia do Arroio Andréas, RS, coletadas de agosto de 2013 a junho de 2014. (*) = Diferença significativa (p<0.05).

De um modo geral podemos observar três estratificações das espécies arborescen-tes/arbóreas, dentro dos 20 pontos amostrados. Na análise da estrutura vertical, verifi-cou-se que no estrato superior (Estrato 1), destacam-se as árvores de maior porte, com altura que pode superar os 20m, tais como: A. angustifolia; P. dioica; e E. falcata. No estra-to médio (Estrato 2) destacam-se as espécies com alturas entre 7 e 20m, onde predomi-nam os indivíduos de: N. megapotamica; S. romanzoffiana; A. edulis; M. elaeagnoides e E. rostrifolia. O estrato Intermediário (Estrato 3) destacam-se as espécies que apresentaram altura inferior a 7m, com o predomínio de C. vernalis; C. sylvestris; E. edulis; A. concolor; U. baccifera e B. forficata. Já nos estratos Inferiores (Estrato 4 e Estrato 5) destacam-se as espécies de ervas e arbustos que estão associadas junto com a vegetação aborescente/arbórea, com o predomínio de exemplares de orquidáceas, cactáceas, pteridófitas, asterá-ceas, solanáceas e gramíneas.

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Figura 7. Perfil esquemático da vegetação na bacia do Arroio Andréas. 1) Syagrus romanzoffiana (gerivá); 2) Inga marginata (ingá-feijão); 3) Nectandra megapotamica (canela-preta); 4) Euterpe edulis (palmito); 5) Actinostemon concolor (laranjeira-do-mato); 6) Cupania vernalis (camboatá-vermelho); 7) Matayba elaeagnoides (camboatá-branco); 8) Allophylus edulis (chal-chal); 9) Araucaria angustifolia (pinheiro-do-Paraná); 10) Erythrina falcata (corticeira-da-serra); 11) Casearia silvestris (chá-de-bugre); 12) Phytolacca dioica (umbuzeiro).

Conforme IBGE (1992), uma Região Fitoecológica compreende um espaço definido por uma florística de gêneros e de formas biológicas que se repetem dentro de um mesmo clima, podendo ocorrer em terrenos de litologia variada, mas com relevo bem marcado. O Rio Grande do Sul apresenta as seguintes Regiões Fitoecológicas: Floresta Ombrófila Densa; Floresta Ombrófila Mista; Floresta Estacional Semidecidual; Floresta Estacional De-cidual; Estepe (Campos gerais planálticos e da campanha gaúcha); Savana Estépica; Áreas de Formações Pioneiras; e Sistema de transição (Áreas de Tensão Ecológica).

A formação fitoecológica da Bacia do Arroio Andreas é a Região da Floresta Esta-cional Decidual, que segundo Leite & Klein (1990), abrange a vertente leste do Planalto Sul-Rio-Grandense e a parte leste da Depressão Central Gaúcha, onde também avança so-bre terrenos circunvizinhos à Serra Geral e seus patamares, também chamada de Floresta Tropical Caducifólia, o que é comprovado em Rambo (1951).

Conforme Both (2009), a estrutura da Floresta Estacional Decidual é representada por um estrato arbóreo contínuo de altura não superior a 20 m, formado principalmente por espécies perenifólias, além de um estrato de arvoretas distintas e espécies emergen-tes com altura variando entre 25 e 30m. A fisionomia desta floresta é determinada pelas espécies emergentes, representadas principalmentes por leguminosas caducifólias, onde se destacam Apuleia leiocarpa (Vogel) J. F. Macbr. (grápia) e P. rigida (angico); ao longo do estrato arbóreo contínuo destacam-se C.americana (guajuvira), H. balansae (alecrim) e E.

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rostrifolia (batinga) e no estrato de arvoretas ocorrem os gêneros Actinostemon, Sorocea e Trichilia. A maior representatividade da família Fabaceae no presente levantamento pode ser também justificada considerando os levantamentos feitos por Jarenkow & Waechter (2001), os quais relatam a dominância de leguminosas na Floresta Estacional Decidual.

Esta composição vegetacional é marcante e facilmente observada nos fragmentos florestais na Bacia do Arroio Andréas, a única exeção é a ausência de A. leiocarpa (grápia) nos fragmentos estudados, destacando que esta espécie tem sido muito explorada pelos agricultores em função do grande valor econômico de sua madeira para a construção civil, fabricação de tonéis, barris e como fonte energética (BACKES & IRGANG, 2004b).

Segundo Rambo (1951), a Floresta Estacional Decidual da Fralda da Serra Geral começa a oeste, próximo ao Rio Itú, afluente maior do Rio Ibicuí na margem nordeste e termina próximo a Osório, atingindo toda a Serra Geral, e somente se alargando ao longo dos rios, limitando-se ao sul com o rio Jacuí e seus efluentes. Na mata virgem desta for-mação vegetacional observa-se a seguinte distribuição: a orla da mata, a faixa marginal e a mata alta. A orla da mata é uma verdadeira cerca viva de arbustos e ervas, entre as quais a C. ramosissima ocupa o lugar principal. A faixa marginal consiste de arbustos e árvores pequenas, como A. concolor, S. bonplandii, U. baccifera e espécies de Abutilon e Boehme-ria. A mata alta compõe-se em toda extensão da Serra, das seguintes espécies típicas: P. dioica (umbú); Zanthoxylum spp.; C. fissilis; C.canjerana; C. trichotoma M. frondosus; P. rigida; A. leiocarpa; E. contortisiliquum; L. divaricata; C. americana; Ocotea spp.; Nectan-dra spp.; e V. megapotamica.

Neste contexto, verifica-se que a composição florística na Bacia do Arroio Andréas é complexa e variável, estando diretamente ligada aos fatores bióticos e físicos do meio. A preservação das zonas ripárias e de nascentes, além de contribuir na melhoria da qualida-de da água, também contribui na manutenção do fluxo gênico entre espécies, permitindo assim a manutenção da biodiversidade do local.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A composição florística dos fragmentos estudados na Bacia do Arroio Andréas, RS, é complexa e variável, caracterizando-se por apresentar espécies típicas do bioma Mata Atlântica, bem como espécies associadas à vegetação ciliar. Os fragmentos podem ser clas-sificados em estágio médio de sucessão ecológica, condição que caracteriza um aumento gradativo espaço-temporal da diversidade de espécies. Verificou-se a ocorrência de dife-rentes grupos de espécies, com diferentes localizações dentro dos fragmentos: as situadas na beira dos cursos hídricos, que dependem da dinâmica fluvial da calha (oscilações de ní-veis d’água, umidade, etc.); as espécies encontradas no interior do fragmento, que depen-dem fundamentalmente das interações sinérgicas do ecossistema, não havendo presença marcante do fator umidade; e as espécies encontradas na borda do fragmento, que são espécies pioneiras e típicas de áreas mais drenadas.

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De forma geral, os resultados demonstram que espécies pioneiras e secundárias iniciais destacaram-se por apresentar os maiores Índices de Valor de Importância (IVI), na maioria dos pontos de coleta, configurando um conjunto de espécies que estão se organi-zando para evoluírem ao próximo estágio, mas colonizando inicialmente o terreno aban-donado em volta das nascentes. Camboatás e cha-chal destacam-se como as espécies mais comuns nesses pontos, especialmente por terem sua disseminação feita por aves.

A partir da análise de agrupamentos, observou-se a ocorrência de um grupo de seis espécies que se destacou por apresentar o mais alto valor médio do IVI, mostrando dife-renças significativas (p<0.05) quando comparado aos demais grupos. Este resultado, por-tanto, indica que as espécies que compõem este grupo caracterizam-se como a vegetação representativa destas áreas de nascentes, em função dos altos valores de importância cal-culados. As espécies que compõem este grupo são: Nectandra megapotamica, Allophylus edulis, Inga marginata, Casearia silvestris, Cupania vernalis e Matayba elaeagnoides. Estas espécies possuem um rápido desenvolvimento e se caracterizam como fonte de alimento principal da fauna no local. Por estes motivos, estas espécies são recomendadas para re-povoamento em áreas de preservação que já foram degradadas.

A pesquisa desenvolvida caracterizou-se como um estudo inédito da vegetação em áreas de preservação de nascentes e áreas ripárias. De fato, os resultados demonstraram que a preservação destas áreas estratégicas revelou-se como peça chave para a conserva-ção florestal, considerando que em curto prazo haverá diminuição da perda de solo para os rios e consequente aumento da possibilidade de recarga de aquíferos, contribuindo para a normalidade do ciclo hidrológico, e promovendo, em última análise, um aumento da dis-ponibilidade hídrica. A preservação das zonas ripárias e de nascentes, além de contribuir na melhoria da qualidade da água, também contribui na manutenção do fluxo gênico entre espécies, permitindo assim a manutenção da biodiversidade do local.

Cabe destacar, contudo, que o estudo da importância das matas ciliares nestas áreas de nascentes, foi possível graças à demarcação e cercamento destas áreas tornando--as protegidas, áreas de preservação ambiental, trabalho garantido pelo projeto “Protetor das Águas”, durante o ano de 2013, através do pagamento aos agricultores de peque-nas propriedades pelo fornecimento de serviços ambientais de proteção das nascentes e áreas ripárias que se situam em suas propriedades, oferecendo aos produtores rurais uma oportunidade de complementar sua renda através da conservação dos recursos hídricos, caracterizando-os como produtores de água.

Desta forma a adoção por parte dos agricultores do Pagamento por Serviços Am-bientais (PSA), para proteger as nascentes e áreas ripárias que se situam em suas proprie-dades, configura uma ação altamente eficiente em termos de sustentabilidade, uma vez que os resultados desta pesquisa vem chancelar a possibilidade de um aumento gradativo espaço-temporal da diversidade de espécies arbóreas/arborescentes a partir da vegetação representativa destas áreas de nascentes, classificadas em estágio médio de sucessao eco-lógica. Assim, em função dos resultados obtidos, a adoção do PSA como um instrumento

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de política de desenvolvimento sustentável do território rural, pelos órgãos públicos com-petentes, tornando-se uma alternativa promissora em termos de gestão pública.

As áreas de preservação das propriedades rurais que aderiram o PSA entre 2011 e 2015 já apresentaram uma evidente recuperação e equilíbrio das condições biológicas, uma vez que foi verificado um aumento na diversidade de espécies vegetais em todos os pontos amostrados, além de uma melhora significativa na qualidade da água nas áreas de nascentes (OLIVEIRA et al., 2014). A dinâmica na distribuição das espécies florestais ao longo da Bacia está também associada diretamente com as espécies de animais, com des-taque para aves e mamíferos como os principais dispersores das sementes da flora ali exis-tente. Um processo positivo e gradativo de sucessão ecológica está em andamento nestas áreas, além da estabilização do solo, com a redução dos processos erosivos e aumento da composição florística a partir da estabilização dos estratos florestais, bem como aumento da disponibilidade hídrica. Neste contexto, a adoção do PSA nas propriedades rurais é uma ferramenta de Gestão Ambiental de grande importância na recuperação de cursos hídricos, além de formar corredores naturais para o fluxo gênico da flora e da fauna e da melhoria na qualidade de vida dos produtores rurais.

AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem o apoio financeiro do Edital FAPERGS 16/2012, Programa de Pesquisa em Ciência, Tecnologia e Inovação sobre Gestão Pública, tendo como área de concentração o Desenvolvimento Sustentável, Tecnologia, Inovação e Pesquisa. Ainda, agradecem à Empresa Universal Leaf Tobacco e à Fundación Altadis pelo apoio financeiro do Projeto “Protetor das Águas” na Bacia do Arroio Andreas, RS, Brasil, no período 2011-2015.

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COOPERATIVISMO, AGROECOLOGIA E AUTONOMIA DA AGRICULTURA FAMILIAR

Jaqueline Patrícia Silveira5, Luis Pedro Hilleshein6, Sandro Rogério Giacomelli7

Este artigo traz uma reflexão sobre o papel das políticas públicas, do cooperativis-mo e da agroecologia para o desenvolvimento sustentável da agricultura familiar na região Médio Alto Uruguai – RS.

INTRODUÇÃO

A fase atual demonstra que a agricultura familiar está em processo de afirmação dos seus sistemas de produção e das relações socioeconômicas que buscam fortalecer as suas organizações sociais e produtivas, destacando-se uma “disputa” entre a integração aos grandes complexos agroindustriais, onde Ploeg (2008) chamaria de Impérios Alimen-tares e a construção da autonomia da agricultura familiar, com a afirmação das organiza-ções cooperativistas. Para tanto, as políticas públicas possuem papel central no processo construtivo.

O cooperativismo está sustentado no contexto dos governantes que viam e veem, nesta forma de organização, o elo que liga o bem-estar social com o econômico, onde este processo de incorporação adquire subsídios sustentados no desenvolvimento e na educa-ção do homem do campo como objetivos a serem alcançados através do cooperativismo.

O cooperativismo hoje é também sensível aos novos desafios que a economia glo-balizada traz. As cooperativas precisam estar em constante aprendizado, buscando novas capacidades e competências de interesse público e privado. Para tanto, têm se apropriado de técnicas de produção agroecológicas, visando atender demandas específicas e cada vez maiores na sociedade, bem como, acessam as políticas públicas criadas pelo Estado e propostas para o desenvolvimento local e regional para responder aos seus propósitos e objetivos perante a sociedade.

O Estado do Rio Grande do Sul possui, na agricultura e pecuária, dois pilares prin-cipais de sua economia. Na Região do Corede Médio Alto Uruguai não é diferente, sua

5 Acadêmica do Curso de Administração - Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões – URI Campus Frederico Westphalen. 6 Professor/Pesquisador do Departamento de Ciências Agrárias - Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões – URI Campus Frederico Westphalen. 7 Professor/Pesquisador do Departamento de Ciências Exatas e da Terra - Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões – URI Campus Frederico Westphalen, Rua Assis Brasil, 709, CEP.: 98400-000, Frederico Westphalen – RS. Email: [email protected]

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economia baseia-se na agricultura, sobretudo familiar. Esta região abrange 22 municípios, possuindo 21.287 unidades de produção com uma média de área de 16 ha, onde, por haver um relevo bastante acidentado, a média de área útil para o cultivo é de apenas 8 ha (GIRARDI, et al, 2010).

Nos últimos anos, por iniciativa dos próprios agricultores familiares do Médio Alto Uruguai, apoiados por instituições locais, foram criadas “novas” organizações, destacan-do-se as cooperativas de agricultores familiares que trabalham com a atividade leiteira e produção de alimentos.

Estas cooperativas, que possuem uma característica mais de economia solidária, buscam agregar valor ao produto através da comercialização conjunta, assistência técnica e compras de insumos para a produção. Esta tendência também é verificada em outras regiões do Brasil, como é o caso do Oeste de Santa Catariana e sudoeste do Paraná, onde já estão organizadas centrais de cooperativas.

A partir do exposto, o presente artigo apresenta um estudo realizado na região Médio Alto Uruguai, com sete cooperativas agropecuárias de agricultores familiares, que objetivou compreender, refletir e ampliar políticas públicas de cooperativismo, vinculadas ao contexto de cultura e de desenvolvimento local. A base deste estudo foi analisar de que forma as políticas públicas são incorporadas à pluralidade de saberes técnicos e populares que contribuam com a melhoria na eficácia e eficiência do papel do Estado junto às coope-rativas agropecuárias da região.

Ao final deste artigo, almeja-se ter colaborado para aumentar as discussões sobre o cooperativismo e sua relação com as políticas públicas, de maneira que os gestores, pú-blicos ou privados, voltem ainda mais seu olhar para as pequenas cooperativas agropecu-árias, pois as mesmas têm papel fundamental de impulsionar a economia local, abrangem várias famílias e entidades, e as diversas interações que as cooperativas proporcionam estão impregnadas de um conjunto de saberes, valores e conhecimentos.

2 COOPERATIVISMO

A cooperação existe desde que o homem precisou viver em conjunto, necessitando da ajuda de seus semelhantes para sobreviver. Mesmo sem um conceito definido, as pes-soas uniam suas forças em prol de um objetivo comum, é o caso dos povos nômades, do cultivo das primeiras lavouras, dos indígenas que reuniam suas tribos para caçar, pescar e lutar.

Schneider (1998), afirma que ao longo da história humana, sempre existiu a coope-ração, como processo social. Porém, devido ao sistema econômico vigente na Antiguidade, a cooperação era geralmente simples ou por meio de associações forçadas, tornando o processo instável.

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Ainda diante de dificuldades, a cooperação já se mostrava eficiente, desde a Idade Média, onde os artesãos se reuniam para trabalhar em casa, fazendo com que a economia se desenvolvesse através de grupos profissionais. Com o passar dos anos, se manteve as dificuldades sociais enfrentadas pela classe operária e surge a Revolução Industrial, trans-formando o modo de produção das indústrias e alavancando o capitalismo (CENZI, 2009).

Segundo Cenzi (2009), graças às transformações impostas pela Revolução Industrial é que surge o comunismo, o sindicalismo e o cooperativismo, visto como forma democráti-ca de produzir e distribuir riquezas e como resposta ao crescimento desenfreado do capital sobre o homem.

A cooperação e o próprio cooperativismo começam a ser discutidos, inicialmente, por um grupo de pensadores econômicos, denominados por Karl Marx como socialistas utópicos. Dentre os socialistas utópicos, destaca-se Robert Owen, considerado precursor do cooperativismo moderno e primeiro autor a usar a palavra “cooperação” (BIALOSKOR-SKI NETO, 2006).

Os socialistas utópicos apostavam nas organizações do tipo cooperativas e acredi-tavam que elas seriam o meio para superar o modo de produção capitalista. Marx, por sua vez, afirmava que esse não seria o caminho para a superação das contradições da socie-dade capitalista e propunha a revolução como caminho dessa superação (MARX; ENGELS, 1998).

O cooperativismo moderno ganha forma concreta, em 1844, quando surge na In-glaterra a “Rochdale Society of Equitable Pionners”, uma cooperativa de consumo fundada pela união de 28 operários tecelões que tentavam fugir da miséria (BIALOSKORSKI NETO, 2006).

Frantz (2012), afirma que o movimento cooperativista não iniciou com a experiên-cia de Rochdale, porém esta se tornou um modelo de organização que conseguiu superar as várias dificuldades práticas da cooperação, reconhecendo a necessidade de seguir de-terminados princípios para seu funcionamento.

A experiência dos tecelões de Rochdale deu certo, pois utilizou-se de princípios para conduzir suas atividades. Tais princípios, embora tenham sido revisados várias vezes, ainda embasam os utilizados até hoje pelas cooperativas. Nesse sentido, Gawlak (2010), aponta os atuais princípios do cooperativismo: a) Adesão voluntária e livre; b) Contro-le democrático pelos membros; c) Participação econômica dos associados; d) Autonomia e independência; e) Educação, formação e informação; f) Intercooperação e g) Interesse pela comunidade.

Nesta perspectiva, vários autores conceituam o tema cooperativismo visando fa-cilitar sua compreensão. Cenzi (2009) diz que o termo cooperação tem origem no verbo latino cooperari, que significa operar juntamente com alguém. Nesse sentido, Pinho (1966, p. 8), afirma que “Do ponto de vista sociológico, cooperação é uma forma de integração

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social e pode ser entendida como ação conjugada em que pessoas se unem, de modo for-mal ou informal, para alcançar o mesmo objetivo.”

No entendimento de Gawlak (2010), o cooperativismo é uma doutrina cultural e so-cioeconômica, baseada na liberdade humana e nos princípios cooperativos. O autor expli-ca que a cultura cooperativista procura desenvolver o intelecto das pessoas, visando a sua melhoria contínua, ao passo que seus princípios buscam através do resultado econômico o desenvolvimento social.

Desta forma, pode-se afirmar que as cooperativas têm o intuito de contribuir no aspecto econômico, social e cultural, pois ao mesmo tempo em que procuram incrementar a renda dos cooperados, também buscam melhorar a sua qualidade de vida e sua condição social.

No Brasil, a cooperação ocorre desde o tempo anterior ao descobrimento, através dos sistemas coletivos indígenas, e é impulsionada com a “República dos Guaranis”, expe-riência associativa promovida pelos padres jesuítas depois da chegada dos portugueses no país, por volta de 1610 (BIALOSKORSKI NETO, 2006).

As ideias cooperativistas foram impulsionadas com a chegada dos imigrantes e as cooperativas nasceram, primordialmente, nas cidades do Sul e Nordeste do Brasil, man-tendo-se um cooperativismo urbano tradicional. Apenas depois de seu surgimento urba-no, é que foram sendo constituídas experiências rurais, como cooperativas vinícolas, trití-colas, madeireiras, de laticínios e outras (VÉRAS NETO, 2002; CENZI, 2009).

As cooperativas brasileiras são classificadas de acordo com o segmento em que atuam, dividindo-se em 13 ramos econômicos que proporcionam maior visibilidade a cada tipo de negócio. Regem-se por uma lei, de nº 5.764, de 16 de dezembro de 1971, e são representadas institucionalmente através da Organização das Cooperativas Brasileiras – OCB, além de sindicatos e órgãos estaduais/regionais.

O estado do Rio Grande do Sul tem grande potencial para o cooperativismo, princi-palmente agropecuário e de crédito. Em 1902, inicia-se a história do cooperativismo gaú-cho, com o surgimento da primeira cooperativa de crédito brasileira, no município de Nova Petrópolis.

3 POLÍTICAS PÚBLICAS

A vida em sociedade é demasiadamente complexa, ao passo em que envolve a di-ferenciação de pessoas, de raças, de crenças, de classes sociais, de gêneros, de modos de vida, entre outros. Conviver nesta sociedade repleta de diversidade requer conciliar os interesses de cada indivíduo, através da cooperação, da competição sadia e do controle dos conflitos.

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Segundo Rua (2009), os conflitos são naturais nas sociedades, porém, é preciso que os mesmos possam ser controlados e ocorram dentro de limites governáveis. A autora afirma ainda que a administração dos conflitos é possível de ser alcançada através da co-erção ou da política. A coerção é o ato de reprimir os conflitos, já a política busca construir consensos e conciliar interesses.

Neste sentido, a política vai além da coerção, tratando-se de uma série de processos formais e informais que exprimem relações de poder entre Estado e sociedade e que se propõem a solucionar de forma pacífica os conflitos quanto a bens públicos (RUA, 1998).

Para Rua (2009), o termo política, quando derivado do inglês, politics, diz respeito às atividades políticas, ou seja, ao uso de procedimentos para solucionar conflitos. Já o termo policy refere-se a atividade do governo de criar, formular e implementar políticas públicas, a partir do processo da política.

Surge o conceito de políticas públicas, definido por Souza (2007, p. 69) como:

o campo do conhecimento que busca, ao mesmo tempo, “colocar o governo em ação” e/ou analisar essa ação (variável independente) e, quando necessário, propor mudanças no rumo ou curso dessas ações (variável dependente). A formulação de políticas públicas constitui-se no estágio em que os governos democráticos traduzem seus propósitos e plataformas eleitorais em programas e ações que produzirão resultados ou mudanças no mundo real.

Nota-se que as políticas públicas envolvem também uma série de processos, ini-ciando com a identificação dos problemas a serem solucionados, a busca de alternativas de solução, para então poder tomar decisões e somente a partir disso, formular e imple-mentar um programa ou uma política.

Kehrig (2005), afirma que uma política pública abrange um conjunto de decisões e ações convergidas para resolver problemas políticos e que causam implicações sociais, envolvendo para sua concretização, o uso de recursos públicos. A autora acredita ainda, que as políticas públicas consistem em respostas estabelecidas pela sociedade, através do seu sistema político, com o objetivo de atender aos anseios e necessidades sociais da população.

As políticas públicas não nascem por nascer, precisam de um sentido e de objetivos para existir, e nesta perspectiva, Teixeira (2002, p. 3) aponta que:

As políticas públicas visam responder a demandas, principalmente dos setores marginalizados da sociedade, considerados como vulneráveis. Essas demandas são interpretadas por aqueles que ocupam o poder, mas influenciadas por uma agenda que se cria na sociedade civil através da pressão e mobilização social. Visam ampliar

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e efetivar direitos de cidadania, também gestados nas lutas sociais e que passam a ser reconhecidos institucionalmente. Outras políticas objetivam promover o desenvolvimento, criando alternativas de geração de emprego e renda como forma compensatória dos ajustes criados por outras políticas de cunho mais estratégico (econômicas). Ainda outras são necessárias para regular conflitos entre os diversos atores sociais que, mesmo hegemônicos, têm contradições de interesses que não se resolvem por si mesmas ou pelo mercado e necessitam de mediação. (TEIXEIRA, p. 3, 2002)

Percebe-se através dos seus objetivos, o papel importante que as políticas públicas têm na sociedade, pois não só atendem populações vulneráveis como também buscam garantir que estes setores tenham meios de sair de uma perspectiva assistencialista para um desenvolvimento, por meio da geração de empregos, da educação e outros.

Atualmente, quando se fala em políticas públicas é preciso atentar-se à participa-ção da sociedade na sua formulação, implementação e análise. Neste sentido, Teixeira (2002, p. 6) afirma que:

É certo que mudanças mais substantivas só podem ocorrer quando efetivamente se muda a composição do poder, mas pode-se obter conquistas sociais através da mobilização social, da ação coletiva, sobretudo quando esta passa a ter um conteúdo de proposição, de debate público de alternativas e não de mera crítica. Para isso, é necessário que as proposições sejam legitimadas por um amplo consenso e que tenham uma abrangência maior que os interesses corporativos ou setoriais.

Neste sentido, nota-se que as organizações representativas que existem na socie-dade podem contribuir significativamente com o papel do Estado, pois representam as pessoas e suas comunidades, e através do debate público, podem encontrar opções de soluções e propostas para as suas demandas e oferecê-las aos governos como alternativas de políticas públicas.

3.1 Políticas Públicas para a Agricultura Familiar

Neste item, serão abordadas as principais políticas públicas utilizadas pelas organi-zações da agricultura familiar, sobretudo no que se refere à comercialização.

3.1.1 Programa de Aquisição de Alimentos – PAA

O Programa de Aquisição de Alimentos – PAA constitui-se de um mecanismo com-plementar ao Programa Nacional da Agricultura Familiar – Pronaf e uma das principais ações do Programa Fome Zero. Foi criado em 02 de julho de 2003, por meio da Lei nº

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10.696, possibilitando aos órgãos públicos realizarem a aquisição de alimentos da agricul-tura familiar, dispensando o processo de licitação.

O contexto atual torna a agricultura familiar como setor estratégico na produção e fornecimento de alimentos para a população. Contudo, as condições impostas pela globa-lização dificultam o acesso aos mercados pelos agricultores, que mesmo unidos em asso-ciações ou cooperativas, se defrontam com exigências que restringem a comercialização de sua produção.

Nesse sentido, o PAA se insere como alternativa para superar estes obstáculos, ao passo que estabelece uma nova relação entre órgãos públicos e agricultores e suas or-ganizações, possibilitando o fornecimento de alimentos para populações em situação de insegurança alimentar.

O Programa PAA possui dois objetivos básicos: promover o acesso à alimentação e incentivar a agricultura familiar. Para atingir essas finalidades, o Programa adquire gêneros alimentícios produzidos pela agricultura familiar, com isenção de licitação, e os designa às pessoas em situação de insegurança alimentar e nutricional e àquelas atendidas pela rede socioassistencial, pelos equipamentos públicos de segurança alimentar e nutricional e pela rede pública e filantrópica de ensino (MDS, 2014).

O Programa busca promover a inclusão social no campo, pois oportuniza a comer-cialização da produção a preços justos, beneficiando os agricultores familiares que por ve-zes são esquecidos. Além disso, o PAA contribui para a distribuição de renda, a circulação do dinheiro na economia local, a exploração mais racional do espaço rural, a valorização da produção orgânica e agroecológica, a preservação da cultura alimentar regional e estimula o associativismo e o cooperativismo (MDS, 2014).

Podem participar do Programa PAA, os agricultores familiares individualmente ou organizados em cooperativas e/ou outras organizações formalmente instituídas como pes-soa jurídica de direito privado. Para acessar o PAA individualmente, os agricultores familia-res devem possuir a Declaração de Aptidão ao PRONAF (DAP), instrumento que classifica a família como da agricultura familiar. Já as cooperativas e associações devem possuir a Declaração de Aptidão ao PRONAF (DAP) Especial Pessoa Jurídica. (ASCOM/MDS, 2012).

De acordo com a CONAB (2014), um dos indicadores do sucesso do PAA é dado pela mensuração do número de famílias de agricultores familiares que participam do progra-ma. Assim, o quadro a seguir mostra a quantidade de famílias que participaram do PAA ao longo dos anos de 2003 a 2012:

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QUADRO 01: EVOLUÇÃO DO NÚMERO DE FAMÍLIAS DE AGRICULTORES, DE 2003 A 2012, POR REGIÃO.

Fonte: CONAB/GECAF, 2014.

O quadro 01 demonstra que o Programa vem atingindo seus objetivos, pois nota--se o aumento gradativo do número de unidades familiares fornecedoras de alimentos ao PAA. Pode-se afirmar, diante dos números, que houve oportunidades de acesso aos mercados, geração de renda, melhoria na qualidade de vida e incentivo à produção de alimentos para milhares de agricultores familiares, bem como, que o PAA contribui para a redução do êxodo rural.

Por fim, pode-se afirmar que o Programa PAA é uma grande alternativa para os agricultores familiares e/ou as cooperativas comercializarem seus produtos, possibilitando escoamento de produção, geração de maior renda aos envolvidos e o desenvolvimento local, além de estarem contribuindo para a melhoria de vida das populações em situação de insegurança alimentar.

3.1.2 Programa Nacional de Alimentação Escolar – PNAE

O Programa Nacional de Alimentação Escolar – PNAE é administrado pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), e busca transferir recursos aos estados e municípios para que estes forneçam merenda escolar aos estudantes, no intuito de su-prir parcialmente suas necessidades nutricionais.

Com a publicação da Constituição Federal, em 1988, a alimentação escolar passa a ser um direito constitucional, ficando assegurada a todos os alunos do ensino fundamen-tal, através de programa a ser oferecido pelos governos federal, estaduais e municipais (BRASIL, 1988). A nova Constituição trazia ainda, a possibilidade de descentralização de recursos e execução de programas públicos, incluindo a alimentação escolar.

Segundo FNDE (2014), desde sua criação até 1993, a execução do programa ocor-reu de maneira centralizada, onde o órgão gerenciador era responsável por tudo, desde os cardápios e a aquisição dos alimentos até a distribuição destes em todo o país.

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Somente em 1994, a descentralização dos recursos para execução do PNAE é oficia-lizada, através da Lei n° 8.913, de 12 de julho de 1994 e mediante assinatura de convênios com os municípios e com o envolvimento das Secretarias de Educação, dos estados e do Distrito Federal (FNDE, 2014).

Contudo, esta descentralização só foi consolidada em 1998, com o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação assumindo o gerenciamento do programa e com a Me-dida Provisória nº 1.784, de 14 de dezembro de 1998. Tal medida estabeleceu o repasse direto e automático dos recursos aos municípios e secretarias de educação, sem necessi-dade de celebrar convênios (FNDE, 2014).

Froehlich (2010), aponta que a descentralização, na execução do PNAE veio com a finalidade de proporcionar maior agilidade ao processo de aquisição de alimentos, tal como diminuir os custos gerados pela perda de validade e degradação dos produtos que acontecia na modalidade centralizada.

Outro grande avanço ocorreu em 2009, quando o PNAE foi modificado através da Lei 11.947/2009, que instituiu como regra principal que as compras para a alimentação escolar dos municípios fossem voltadas, no mínimo, em 30% para agricultores e empreen-dimentos familiares, sem a necessidade de licitação. (BRASIL, 2009).

Antes desta descentralização bem como da nova Lei, as escolas e governos adqui-riam os alimentos de intermediários, atacadistas, supermercados e empresas de gêneros alimentícios, o qual se caracteriza por ser um setor centralizado e que dominava as licita-ções públicas. A importante constatação do governo foi de que havia uma inadequação dos alimentos fornecidos aos alunos, além de desperdícios com perda de validade, preços altos e alimentos demasiadamente industrializados.

Assim, por meio da transferência de recursos financeiros do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação – FNDE aos estados e municípios, dá-se início ao processo, sendo publicada uma Chamada Pública de intenção de compra da agricultura familiar. Ba-sicamente, os fornecedores do Programa Nacional de Alimentação Escolar são os agricul-tores familiares que possuam DAP física e/ou suas cooperativas e associações que tenham DAP jurídica.

Por fim, destaca-se que o PNAE vem sendo bastante incentivado e divulgado entre os agricultores familiares e suas organizações, pois é um programa, que além de fornecer uma alimentação saudável e adequada aos alunos, fortalece e valoriza a agricultura fami-liar por meio da comercialização de sua produção, estimulando a permanência do homem no campo, reconectando os agricultores com os consumidores locais e contribuindo para o desenvolvimento regional.

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4 METODOLOGIA

No que se refere à metodologia utilizada neste estudo, a pesquisa teve caráter ex-ploratório. Apresenta elementos de pesquisa participante, ao fazer com que os pesqui-sados participassem na análise de sua própria realidade, conhecendo as causas dos seus problemas e construindo em conjunto as possíveis soluções. O estudo, é ainda, bibliográfi-co e de campo, permitindo aprofundar as questões propostas e construir conhecimentos.

A delimitação da pesquisa contemplou as pequenas cooperativas agropecuárias de economia familiar, localizadas na Região do Corede Médio Alto Uruguai, pois através das características socioculturais, com base na agricultura familiar é que esta região se dife-rencia das demais, almejando olhares voltados para o desenvolvimento local, baseado no cooperativismo. Ainda, acredita-se que existem saberes do campo que permanecem no anonimato, com vasto potencial, porém desassistidos pelo estado, e desta forma, bus-ca-se fomentar essa região, colocando-a em destaque por meio de pesquisas e de ações cooperativistas.

Visando coletar dados, foi elaborado um questionário, o qual foi aplicado às coo-perativas, através de visitas. A aplicação dos questionários deu-se sob termo de consen-timento livre e esclarecido, sendo mantidos em posse dos pesquisadores por um período de cinco anos.

A interpretação e reflexão acerca dos dados coletados envolveram as análises quan-titativa e qualitativa, predominando esta última, pois considera a complexidade da reali-dade social.

5 RESULTADOS E DISCUSSÕES

Ao iniciar, torna-se importante esclarecer que foram encontradas na região nove cooperativas que se enquadravam nos critérios delimitados pela pesquisa, e que destas, sete foram estudadas. No intuito de preservar a identidade das mesmas, elas serão intitu-ladas nesta pesquisa como Cooperativa A, B, C, D, E, F e G.

Para conhecer melhor as cooperativas pesquisadas e entender seu funcionamento, é necessário entre outras coisas saber seu tamanho, aqui medido pela quantidade de só-cios que possui, conforme demonstra o gráfico 01.

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Gráfico 01: Número de cooperados por cooperativaFonte: Elaborado pelos autores

Observa-se no gráfico 01 que todas as cooperativas pesquisadas são pequenas, apresentando a média de 70 associados cada uma. Contudo, esta média aumenta devido às cooperativas F e C possuírem maior número de sócios, pois as demais, representando 71% do total de cooperativas analisadas, possuem menos de 60 cooperados cada uma.

É relevante atentar ao fato de que por trás de um sócio há uma família, assim, o número de pessoas envolvidas em uma cooperativa toma proporções maiores, bem como aumenta sua importância e responsabilidade na comunidade.

Sabe-se que quanto mais cooperados possuir, maiores precisam ser as ferramen-tas de controle e gestão das cooperativas, visto que o volume de produção aumenta pro-porcionalmente ao número de pessoas envolvidas. Por outro lado, ter poucos associados pode facilitar a gestão, mas também pode dificultar o atendimento à demanda pelos pro-dutos e serviços que a cooperativa oferece ao mercado.

No gráfico 02, é apresentado o ano de fundação das cooperativas pesquisadas.

Gráfico 02: Ano de fundação das cooperativas pesquisadasFonte: Elaborado pelos autores

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O gráfico acima aponta um fato curioso: 58% das cooperativas pesquisadas sur-giram entre os anos de 2006 e 2007. As demais foram criadas em 2010 e uma única na década de 90.

Neste sentido, todas as cooperativas criadas entre 2006 e 2007 trabalham, princi-palmente, com a comercialização de gêneros alimentícios, o que pode ter relação, mesmo que indiretamente, com o amadurecimento do Programa de Aquisição de Alimentos – PAA.

As cooperativas pesquisadas surgiram por diversos motivos, destacando-se que 58% delas foram fundadas para viabilizar a comercialização da produção de seus coopera-dos, seja através de políticas públicas ou de grandes empresas. Estas cooperativas viram que as produções individuais de cada associado, quando somadas, geravam um volume expressivo para ofertar ao mercado, o que por sua vez, facilita as negociações e o incre-mento nos preços pagos ao produtor.

Observou-se também, que 29% das cooperativas estudadas foram criadas a partir de muitos debates entre agricultores e da necessidade de organizar a produção, comer-cialização e agroindustrialização do município ao qual pertencem. Ainda, dentre todas as cooperativas pesquisadas, uma única afirmou ter surgido por ver na cooperação uma for-ma de garantir sobrevivência de seus cooperados, através da produção de alimentos para subsistência e da geração de renda.

Nota-se que aquelas cooperativas que surgiram por debates ou por entenderem o sentido da palavra cooperação, dominam bem os princípios que regem a doutrina coope-rativista, não só por conhecerem, mas também por praticarem os mesmos na condução das suas atividades. Neste sentido, segundo Crúzio (2005), os princípios do cooperativismo são: adesão voluntária e livre; controle democrático pelos sócios; participação econômica dos sócios; autonomia e independência; educação, treinamento e informação; cooperação entre cooperativas e preocupação com a comunidade. As demais cooperativas pesquisa-das, quando questionadas sobre os princípios, os desconheciam ou consideram somente parte deles no seu cotidiano.

Para exercer a representação sindical das cooperativas, bem como defender seus interesses, existem diversos órgãos representativos, tanto em nível federal quanto estadu-al. A participação nestas instituições se dá através de filiação ou registro, mediante paga-mento de anuidades. Neste sentido, algumas cooperativas estudadas nesta pesquisa são registradas no Sindicato e Organização das Cooperativas do Estado do Rio Grande do Sul - OCERGS, na União Nacional das Cooperativas da Agricultura Familiar e Economia Solidária - UNICAFES, na Confederação Nacional das Cooperativas da Reforma Agrária – CONCRAB e na Central Estadual das Cooperativas da Reforma Agrária – COCEARGS, e outras, não são filiadas a nenhum órgão.

Observa-se que as cooperativas mais maduras em relação ao entendimento do que é o cooperativismo, se preocupam em participar de uma organização maior que as repre-sente, seja em convênios e projetos ou na defesa de seus interesses. Percebe-se ainda que

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há uma preocupação das mesmas em fortalecer o setor em que trabalham, através destes órgãos representativos.

Neste contexto, é importante destacar que, com exceção de uma cooperativa es-tudada, todas as demais participam ativamente do Fórum Regional do Cooperativismo das Regiões dos Coredes Médio Alto Uruguai e Rio da Várzea. Este Fórum surgiu no ano de 2012, com o intuito de ser um espaço permanente de diálogo, quanto aos rumos do cooperativismo e do desenvolvimento regional. Em se tratando de políticas públicas, to-das as cooperativas estudadas participam de algum programa de governo, como pode ser visualizado no gráfico 03.

Gráfico 03: Políticas públicas acessadas pelas cooperativas estudadasFonte: Elaborado pelos autores

Analisando o gráfico 03, nota-se que há certa diversidade de políticas públicas acessadas pelas cooperativas estudadas, contudo, as mais representativas são o Programa Nacional de Alimentação Escolar – PNAE, com 71% de adesão e o Programa Extensão Coo-perativa – PEC/RS, com 100% de participação das cooperativas. As demais políticas, apesar de menos acessadas, são de extrema importância para aquelas organizações beneficiárias.

O Programa de Extensão Cooperativa – PEC/RS, o qual todas as cooperativas aces-sam, é avaliado pelas mesmas de forma muito positiva. Neste sentido, os representantes das cooperativas entrevistados afirmam que o PEC/RS proporciona meios para o associado se tornar mais participativo, auxilia na organização da gestão da cooperativa e orienta as ações a serem tomadas para a melhoria da mesma. Apenas uma cooperativa vê o progra-ma de maneira diferente, alegando que somente são coletados dados e não é devolvido nenhum resultado à mesma.

O Programa Nacional de Alimentação Escolar – PNAE, é visto pelas cooperativas analisadas como um importante canal de comercialização e escoamento da produção que, sobretudo, valoriza a produção local e motiva os agricultores a continuarem na sua ati-vidade no meio rural, pois há a garantia de que seus produtos serão vendidos e gerarão incremento na renda.

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De modo geral, todas as cooperativas pesquisadas afirmam que as políticas públi-cas trazem contribuições importantes, pois fomentam a produção, viabilizam a comerciali-zação, garantem o pagamento e a continuidade da cooperativa e de seus associados.

Neste sentido, é preocupante o fato de que a maioria das cooperativas se mantêm vivas devido às políticas públicas, pois se estas acabarem corre-se grande risco de a co-operativa também deixar de existir. Se o PNAE acabasse, por exemplo, onde estas cinco cooperativas apontadas no gráfico 03 iriam comercializar seus produtos?

É relevante ainda, o fato de que nas cooperativas estudadas que são beneficiárias do PNAE e PAA, observou-se que tais programas são os principais e/ou únicos canais de co-mercialização. Gazolla (2012), afirma que esta situação pode gerar dependência, levando a perda da autonomia e margens de manobra, já que estes agricultores envolvidos começam a se relacionar com poucos canais de comercialização.

Em termos de melhorias e desenvolvimento que as políticas públicas trazem para as cooperativas em longo prazo, nota-se que as mesmas percebem na política pública um meio de se viabilizar e de dar ânimo e motivação aos seus associados. Em relação aos Pro-gramas Leite Gaúcho e Irrigando a Agricultura Familiar, as cooperativas beneficiárias afir-mam que estes projetos garantem a produção permanente, trazem a redução dos custos de produzir leite e consequentemente aumentam a lucratividade.

Já quanto ao PNAE e PAA, as cooperativas apontam que os mesmos têm tempo determinado e que quando acabam o produtor/agricultor fica sem garantias, ou seja, em curto prazo tais políticas são excelentes, enquanto que em longo prazo as mesmas deixam a desejar. Isto é visto por Muller (2007), como uma limitação dos programas, pois os agri-cultores só participam das vendas se houverem projetos selecionados de compras, o que causa descontinuidades de vendas e expectativas junto às famílias beneficiadas.

Ainda tratando de comercialização, surge o processo de intercooperação, como ele-mento importante para as cooperativas atenderem as demandas do mercado e das pró-prias políticas públicas. Neste contexto, são poucos os casos de intercooperações existen-tes entre as mesmas, devido, principalmente ao fato de que se localizam distantes umas das outras. Isto é comprovado, pois quando analisadas as cooperativas que cooperam en-tre si, observa-se que se localizam em municípios vizinhos, o que facilita a logística.

Há entre as cooperativas pesquisadas, uma em particular que realiza um processo de intercooperação natural, sem exigências e contratos, pois ela surgiu da união de diver-sas pequenas agroindústrias locais, onde cada uma produz algo específico e todos esses produtos, quando somados, geram uma diversidade e quantidade propícia para oferecer ao mercado consumidor e para atender as políticas públicas das quais participa.

As questões relacionadas à intercooperação são dialogadas de forma intensa no Fórum Regional do Cooperativismo, já há algum tempo. As cooperativas têm interesse no tema e veem na união uma maneira de se manterem em atuação e fortalecerem o setor

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cooperativista na região. Isto é percebido, principalmente nas cooperativas B, C, D e E, ao afirmarem que as discussões e as ideias sobre a intercooperação já estão muito claras e que só falta colocá-las em prática.

Neste sentido, as ideias que surgiram nos encontros do Fórum Regional de Coo-perativismo, das quais as cooperativas se referem, dizem respeito à criação de uma Coo-perativa Central, que pudesse gerenciar esse processo de intercooperação entre as orga-nizações interessadas. Esta Central, segundo seus idealizadores, deverá ter sede em um município de localização estratégica e deve funcionar de maneira virtual e rápida, através de um site que aproxime e interligue aqueles que querem vender daqueles que querem comprar. A página na internet será o mecanismo principal para efetivar a Central, onde as cooperativas participantes poderão ofertar seus produtos na quantidade que possuírem e assim, a Central ao receber um pedido, saberá se há oferta para atender a demanda e onde buscar os produtos para comercializar.

Ressalta-se aqui que a Cooperativa Central deve se utilizar dos mais modernos re-cursos tecnológicos para efetivar a comercialização e a intercooperação, e ainda que, face à importância desta Central para o desenvolvimento da região, deveria ser criada uma política para viabilizar a sua criação e estruturação.

A Cooperativa Central terá papel muito importante para as cooperativas e seus as-sociados, pois trata-se de um canal alternativo de comercialização e de um mecanismo de sustentação para as mesmas, que não deixará que todo o sistema de produção, comer-cialização e renda criado com as políticas públicas termine caso a política deixe de existir.

Neste sentido, quando questionadas se este sistema continua sem a política públi-ca, todas as cooperativas pesquisadas afirmam que não, pois não há outro espaço para comercializar e os cooperados ficam temerosos em investir e produzir sem a garantia que a política traz. Já aqueles programas como PróRedes, Leite Gaúcho e Irrigando a Agricultura Familiar têm maior continuidade, pois são financiamentos com crédito subsidiado para compra de equipamentos e para criação de sistemas de pastagens e irrigação, onde mes-mo terminando o programa, o equipamento e o sistema permanecem. O mesmo ocorre com o PEC/RS, em que as ferramentas de gestão adotadas podem continuar e que para isso acontecer só depende da própria cooperativa. Ao falar-se tanto em políticas públicas, surgiu o interesse em saber se as próprias cooperativas oferecem algum tipo de incentivo ou programa para seus funcionários, cooperados ou para a sociedade. Contatou-se que, em três cooperativas estudadas não há nenhum tipo de incentivo específico, que uma co-operativa tem ideias quanto a isto, mas que estas ainda não foram postas em prática e que as demais cooperativas apresentam alguma forma de política.

Neste contexto, a cooperativa B considera que o serviço de assistência técnica que presta a agricultores não associados seja uma forma de retorno para a sociedade. Para a cooperativa C, a atualização, organização e acompanhamento dos projetos dos agriculto-res através da assistência técnica e extensão rural, é uma forma de política que a mesma oferece para a agricultura, já para a sociedade a cooperativa C representa um espaço de

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debate, o qual centraliza a discussão da política pública agrícola com os agricultores do município. E a cooperativa D afirma que, se a comunidade na qual está inserida possui uma igreja, um salão de festas e máquinas para trabalhar, é devido à existência e atuação da cooperativa.

Desta forma, o fato de que a maioria das cooperativas analisadas não possui ne-nhum sistema de retorno ou incentivo, demonstra o quanto são frágeis, e essa fragilidade pode se traduzir em obstáculos para as mesmas continuarem existindo no futuro. Nota-se ainda, que há uma relação interessante, pois as cooperativas que consideram ter algum tipo de incentivo são as mesmas que surgiram por debates e que utilizam melhor os prin-cípios do cooperativismo.

Em relação à existência de dificuldades que as cooperativas pesquisadas encontram para acessar as políticas públicas, cinco delas afirmam que o processo é muito burocrático e demorado, e que isto por vezes desmotiva a participação nas políticas. Duas cooperativas relatam que o que dificulta, no caso do PNAE e PAA, é a enorme quantidade de produtos solicitados, os quais muitas vezes a cooperativa não tem para fornecer, bem como o espa-ço físico demandado para estocagem. Ainda em relação ao PNAE, duas outras cooperativas apontam que os custos com transporte para fornecer são altos, pois têm que buscar o pro-duto no agricultor e levar até a escola, e que esse deslocamento, geralmente é realizado com carros particulares, pois as cooperativas em questão não possuem veículos próprios.

Diante disso, nota-se que falta estrutura física para que algumas cooperativas pos-sam ter melhores condições de atender e executar as políticas públicas. Foi apontada ain-da, por algumas cooperativas que há nas políticas públicas muitos aspectos incoerentes, pois as mesmas são elaboradas por poucas pessoas que geralmente desconhecem a reali-dade das regiões para as quais a política está sendo pensada.

Neste sentido, Teixeira (2002), afirma que as políticas públicas são elaboradas num campo excessivamente contraditório, no qual há interesses e visões divergentes e opostas, sendo difícil definir os limites entre público e privado, e que por isso, tem-se a necessidade do debate com a sociedade, da transparência, da sua elaboração em espaços públicos e não nos gabinetes governamentais.

Neste contexto, algumas cooperativas relatam que a criação da Secretaria de De-senvolvimento Rural, Pesca e Cooperativismo – SDR, através do governo estadual, vem possibilitando grandes avanços na construção de políticas públicas voltadas aos agricul-tores familiares e as cooperativas. O Fórum Regional de Cooperativismo é visto também como importante espaço de debate para vislumbrar propostas e alternativas de políticas públicas adequadas à realidade das cooperativas, sobretudo por contar com a participação de membros do Departamento de Cooperativismo da SDR.

O Fórum Regional do Cooperativismo e a própria SDR, neste contexto, ganham pro-posições maiores, pois representam a sociedade articulada em suas organizações coopera-tivas, e como afirma Teixeira (2002, p. 6), “[...] passa a exercer um papel político amplo de

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construir alternativas nos vários campos de atuação do Estado e de oferecê-las ao debate público, coparticipando, inclusive, na sua implementação e gestão.”.

Por fim, quando questionadas sobre quais políticas públicas deveriam ser criadas para o setor cooperativista, as respostas foram as mais diversas. Em geral, as cooperativas estudadas reconhecem que já se avançou muito em termos de políticas e que atualmente há recursos e programas para as mais distintas áreas, contudo, apontam algumas questões que gostariam que fossem analisadas, tais como:

● Criação de um programa de capital de giro, especificamente para as pequenas cooperativas;

● Disponibilização ou custeio de um técnico por município para atender as deman-das da cooperativa e seus associados;

● Criação de mais políticas que beneficiem e favoreçam a permanência dos agricul-tores no meio rural;

● Facilitar a legalização de agroindústrias;

● Valorização daquelas agroindústrias que estão em atividade e que realmente pro-movem renda e trazem melhorias à qualidade de vida de diversas famílias, ao invés das particulares;

● Oferecer subsídios no preço do leite e crédito subsidiado para todos aqueles agri-cultores familiares que trabalham com leite e não institucionalizado somente para alguns;

● Criação de política que pudesse viabilizar e/ou garantir os investimentos realiza-dos pelos agricultores familiares;

● Criar um espaço onde as próprias cooperativas pudessem dizer o que realmente precisam, pois as políticas públicas não se adéquam à realidade local e por vezes benefi-ciam só algumas cooperativas.

Diante do exposto, nota-se uma diversidade de interesses que precisam ser conci-liados e observados, seja pelo Governo em seus níveis federal, estadual e municipal, seja pelos órgãos representativos e sindicais ou pelo próprio Fórum Regional de Cooperativis-mo, que pode representar os anseios das cooperativas da região, em debates maiores.

Finalmente, observa-se que as pequenas cooperativas trabalham com os excluídos e que destes proverá a segurança da produção de alimentos, por isto é tão importante fortalecer as cadeias produtivas das economias de base familiar e cooperativa, de forma a proporcionar meios que garantam a sua sustentabilidade e sobrevivência.

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DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL, TECNOLOGIA, INOVAÇÃO E PESQUISA

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir das experiências analisadas neste artigo, chamou atenção o fato de que as cooperativas mais evoluídas em termos do puro e verdadeiro cooperativismo são aquelas que nasceram através de debates, que buscam conhecer e aplicar os princípios da doutrina cooperativista, que são filiadas a órgãos maiores, que participam ativamente dos encon-tros do Fórum Regional de Cooperativismo e que, sobretudo, trabalham com os excluídos.

Ao longo do estudo, verificou-se que este segmento de cooperativas pesquisado, utiliza e precisa de incentivo e de políticas públicas para conduzir suas atividades. Notou--se que as políticas que beneficiam o cooperativismo são uma excelente forma de manter, ampliar e desenvolver a sociedade, pois as cooperativas auxiliam a manter laços de cul-tura, de responsabilidade social, estimulam a justiça e a cooperação entre as pessoas e a preservação de valores éticos.

Entretanto, constatou-se também que a maioria das cooperativas encontra-se em situação de dependência das políticas públicas. Algumas, inclusive, têm os programas como principais ou únicos canais de comercialização de sua produção. Verificou-se que são as políticas públicas que dão sustentabilidade e mantêm vivas as cooperativas agro-pecuárias pesquisadas e que sem as políticas o cooperativismo rural da região Médio Alto Uruguai não sobrevive no sistema capitalista.

Neste sentido, a maioria dos programas têm tempo determinado e quando acabam os agricultores e a cooperativas ficam sem garantias. No caso do PNAE e PAA, é preciso todo ano executar o mesmo processo burocrático de juntar documentos e concorrer em uma chamada pública para comercializar os mesmos produtos. Esta sazonalidade das po-líticas gera descontinuidade de vendas e acaba desmotivando os agricultores cooperados.

Neste contexto, a dependência das políticas públicas gera uma situação perigosa para as cooperativas, pois se tais programas e políticas acabam, corre-se o risco de a coo-perativa também deixar de existir. Se o PNAE acabasse, por exemplo, onde as cinco coope-rativas apontadas no estudo iriam comercializar seus produtos?

Por isso, há a necessidade de criar políticas públicas definitivas para este segmento de cooperativas, de forma que proporcione continuidade ao sistema. É necessário ain-da que as cooperativas estudadas busquem outros espaços de comercialização, e neste sentido, a ideia que as mesmas têm de criar uma Cooperativa Central, é extremamente importante e precisa ser posta em prática, pois trata-se de um canal alternativo de comer-cialização e de um mecanismo de sustentação para as mesmas, que não deixará que todo o sistema de produção, comercialização e renda, criado com as políticas públicas, termine caso a política deixe de existir.

Para tanto, a Cooperativa Central deve se utilizar dos mais modernos recursos tec-nológicos para efetivar a comercialização e a intercooperação, e ainda, face à importância

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desta Central para o desenvolvimento da região, deveria ser criada uma política para via-bilizar a sua criação e estruturação.

Ressalta-se que o sistema cooperativista e o sistema mercantil não andam juntos, e neste sentido as cooperativas precisam ir além da comercialização, desenvolvendo me-canismos de entre ajuda, de troca de forças e de intercooperação, para assim poderem avançar.

Nesta perspectiva, o Fórum Regional Cooperativismo das Regiões dos Coredes Mé-dio Alto Uruguai e Rio da Várzea, do qual as cooperativas analisadas participam, é um ele-mento importante na construção do diálogo entre as cooperativas e do fortalecimento do setor, sobretudo nas referidas regiões. O Fórum representa a sociedade articulada em suas organizações cooperativas, e neste sentido, através do seu espaço de debate pode vislum-brar propostas e alternativas de políticas públicas adequadas à realidade das cooperativas.

Nota-se que é através das suas características socioculturais, com base na agricul-tura familiar que a Região do Corede Médio Alto Uruguai se diferencia das demais regiões. Neste sentido, o fortalecimento das cadeias produtivas, geração de trabalho e renda, por intermédio do cooperativismo, é um aporte importante para o desenvolvimento local e regional.

Para tanto, a ampliação e continuidade das políticas públicas federais e das ações e programas do governo do Estado, principalmente através da Secretaria de Desenvolvimen-to Rural, Pesca e Cooperativismo – SDR, que beneficiam as cooperativas agropecuárias e as agroindústrias de economia familiar, são estratégias que fortalecem o crescimento e o desenvolvimento desta região e que constroem atores mais ativos no exercício da cidada-nia, com liberdade e autonomia.

Por fim, acredita-se que este estudo tenha demonstrado a relevância do papel do Estado para com as cooperativas analisadas e espera-se que o mesmo contribua para au-mentar as discussões sobre o cooperativismo e sua relação com as políticas públicas, de maneira que os gestores voltem ainda mais seu olhar para as pequenas cooperativas agro-pecuárias.

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EDUCAÇÃO AMBIENTAL EM UNIDADES DE CONSERVAÇÃO GAÚCHAS

Celson Roberto Canto Silva, Luisa Xavier Lokschin, Cristina Alves Nascimento, Luiz Felipe Velho, Sabrina Letícia Couto da Silva, Rosangela Leal Bjerk

Este artigo tem como objetivo avaliar o estado atual da Educação Ambiental em Unidades de Conservação gaúchas, à luz das diretrizes propostas pela Estratégia Nacional de Comunicação e Educação Ambiental no âmbito do Sistema Nacional de Unidades de Conserva-ção, utilizando-se para tal de diagnósticos desenvolvi-dos junto aos gestores dessas áreas e profissionais das instituições de ensino básico estaduais.

Qual o panorama da educação ambiental desenvolvida em unidades de conserva-ção gaúchas?

Uma das estratégias de conservação da biodiversidade é o estabelecimento de áre-as especialmente protegidas, com limites definidos, denominadas Unidades de Conser-vação (UC). Com características naturais relevantes, tais áreas são instituídas pelo Poder Público, o qual se incumbe de dar garantias adequadas de proteção à biodiversidade e aos outros atributos naturais nelas contidos. Uma das formas de se fazer a gestão desses terri-tórios é envolver a sociedade e assegurar a participação das populações locais na sua ges-tão, através do fortalecimento da comunicação, da educação e da sensibilização pública. A Educação Ambiental (EA), neste sentido, tem se constituído numa importante ferramenta para a gestão de UC, de modo que recentemente foi estabelecida a Estratégia Nacional de Comunicação e Educação Ambiental no âmbito do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (ENCEA). No estado do Rio Grande do Sul, cabe ao órgão gestor do Sistema Estadual de Unidades de Conservação (SEUC), em conjunto com o órgão gestor da Política Estadual de Educação Ambiental, o papel predominante na implementação da ENCEA nas UCs gaúchas. No intuito de contribuir com este processo, o presente trabalho avalia as realidades, fragilidades e potencialidades das ações de EA atualmente desenvolvidas junto às UCs, pertencentes ao SEUC do RS, a partir do ponto de vista dos seus gestores e das instituições de ensino básico do estado, principal público atendido por estas ações.

INTRODUÇÃO

O estabelecimento de áreas protegidas, porções do território separadas e com uso da terra e dos recursos naturais limitados, é o principal instrumento da conservação da biodiversidade (BENSUSAN, 2006). O Brasil, de acordo com Ministério do Meio Ambiente (2014), mantém 16,9% (1,5 milhão de km2) do seu território protegido sob a forma de Unidades de Conservação (UCs), as quais são definidas pelo Sistema Nacional de Unidades

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PESQUISA E ENSINO: FERRAMENTAS DE GESTÃO PÚBLICA NO RS

de Conservação (SNUC) como áreas com características naturais relevantes, legalmente instituídas pelo Poder Público, com objetivos de conservação (BRASIL, 2000).

Em 2006, para o pleno estabelecimento desses espaços, foi instituído o Plano Es-tratégico Nacional de Áreas Protegidas (PNAP), que propôs os princípios e diretrizes que devem nortear as ações a serem desenvolvidas até 2015. Uma das estratégias apontadas pelo PNAP para o alcance de seus objetivos é o fortalecimento da comunicação, da edu-cação e da sensibilização pública para a participação e o controle social sobre o SNUC (BRASIL, 2006).

Tais diretrizes corroboram a Política Nacional de Educação Ambiental (PNEA), a qual incumbe os órgãos integrantes do Sistema Nacional de Meio Ambiente (SISNAMA) de pro-moverem ações de Educação Ambiental (EA) integradas aos programas de conservação, recuperação e melhoria do meio ambiente. Essas ações devem estar presentes, de forma articulada, em todos os níveis e modalidades do processo educativo, em caráter formal e não-formal. De acordo com essa política, a EA constitui-se em:

“(...) processos por meio dos quais o indivíduo e a coletividade constroem valores sociais, conhecimentos, habilidades, atitudes e competências voltadas para a conservação do meio ambiente, bem de uso comum do povo, essencial à sadia qualidade de vida e sua sustentabilidade” (BRASIL, 1999).

A formulação da Estratégia Nacional de Comunicação e Educação Ambiental, no âmbito do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (ENCEA), em consonância com as demais políticas citadas, trouxe aos diferentes atores das UCs e em seu entorno um marco referencial orientador na implantação de programas, projetos e ações de comuni-cação e EA. Voltado ao (re) conhecimento, valorização, criação e implementação das UCs, o documento apresenta diretrizes e ações estratégicas a serem implementadas, dentre as quais a inserção das UCs como temática no ensino formal e não-formal (MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE, 2011).

A ENCEA caracteriza-se pelo caráter educativo aliado ao comunicativo, gerando um consenso na sociedade sobre a seriedade com que se deve encarar a conservação, refor-çando a compreensão crescente sobre o tema. O principal objetivo da ENCEA é promover a participação e o controle social na implantação e gestão das UCs, corredores ecológicos, mosaicos e reservas da biosfera, a partir do fortalecimento e estímulo a implementação de ações de Comunicação e EA, fortalecendo o diálogo entre a sociedade e as instituições responsáveis.

Para tal, o documento propôs diretrizes e ações estratégicas a serem adotadas. A primeira delas diz respeito ao fortalecimento da ação governamental na formulação e exe-cução de ações de EA no âmbito do SNUC. Uma segunda diretriz refere-se à consolidação das formas de participação social nos processos de criação, implementação e gestão das UCs. Incentiva a facilitação do acesso à informação, assim como formas de qualificar o

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processo de participação das comunidades, promovendo meios adequados para que isso ocorra. Outras duas diretrizes tratam do estímulo à inserção das UCs como temática na educação formal e não-formal, fomentando a participação social nestes processos, respei-tando-se os aspectos culturais, históricos, econômicos e sociais regionais. A quinta e últi-ma diretriz trata da qualificação e ampliação da abordagem da mídia com relação às UCs e ampliação da abordagem de processos educomunicativos. Ou seja, preconiza que deva ser estimulado o uso das diversas mídias disponíveis – jornal, rádio, TV, mídias eletrônicas, etc. – na divulgação dos diversos aspectos relacionados às UCs, de modo que a abordagem da temática junto às comunidades inseridas no contexto seja feita a partir de processos e ferramentas educomunicativas (MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE, 2011).

A adoção dessa importante política nas diferentes esferas do SNUC requer, entre-tanto, o conhecimento inicial das potencialidades e fragilidades das ações que vêm sendo conduzidas, de modo a gerar um referencial para posterior monitoramento e avaliação de resultados.

No estado do Rio Grande do Sul, o Sistema Estadual de Unidades de Conservação (SEUC/RS) é constituído atualmente por 45 UCs estaduais, municipais e particulares, com-preendendo 1,19% do território do estado (SEMA, 2014). Estudos recentes, abordando a EA em UCs localizadas no Rio Grande do Sul (MUHLE, 2012; PISSATTO et al., 2012), reve-laram que as ações de EA são ferramentas valiosas para a superação do distanciamento entre o homem e a natureza, proporcionando aos envolvidos uma maior compreensão quanto à função e à importância desses espaços. A despeito disso, informações precisas sobre o panorama da EA em UCs gaúchas, reunidas de maneira sistematizada e a partir de diferentes olhares ainda não haviam sido produzidas.

O presente trabalho constitui-se numa contribuição ao conhecimento das ações de comunicação e EA em curso nas UCs pertencentes ao SEUC/RS, visando subsidiar a ado-ção da ENCEA por parte destas. Ao mesmo tempo, almeja gerar subsídios que norteiem propostas de ações condizentes com a Política Estadual de Educação Ambiental, a qual propõe, no que concerne às UCs, diversas recomendações no âmbito do ensino formal (RIO GRANDE DO SUL, 2010).

São apresentados dois diagnósticos elaborados a partir de diferentes pontos de vista: dos gestores das UCs e dos profissionais atuantes no ensino básico do Rio Grande do Sul. Tais estudos constituíram o projeto “Mapeamento e diagnóstico das ações de Comuni-cação e Educação Ambiental no âmbito do Sistema Estadual de Unidades de Conservação do Rio Grande do Sul”, desenvolvido pelo Núcleo Interdisciplinar de Estudos Ambientais, grupo de pesquisa do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul – Campus Porto Alegre, em parceria com a Divisão de Unidades de Conservação, da Secretaria Estadual do Meio Ambiente, no âmbito do Programa de Pesquisa em Ciência, Tecnologia e Inovação sobre Gestão Pública do estado do Rio Grande do Sul.

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2 PERCEPÇÃO DOS GESTORES DAS UNIDADES DE CONSERVAÇÃO

No Rio Grande do Sul, a gestão das unidades de conservação administradas pelo Poder Público estadual é feita por servidores da Secretaria do Meio Ambiente, na Divisão de Unidades de Conservação (DUC). Atualmente, são 22 unidades de conservação esta-duais em diferentes estágios de implementação. A fim de traçar diretrizes comuns para a educação ambiental nessas áreas protegidas, a DUC realizou uma pesquisa avaliando como a atividade é desenvolvida nas UCs estaduais, a partir da percepção dos servidores atuantes nessas áreas.

2.1 Materiais e Métodos

O diagnóstico da EA em UCs estaduais foi realizado por meio de um questionário encaminhado por e-mail aos servidores (técnicos ambientais e chefes de UC) de 17 UCs. O questionário foi elaborado utilizando-se a ferramenta Google.Doc, que permite criar as questões, enviar por e-mail e ainda organizar as respostas em uma planilha. O questioná-rio semiestruturado foi composto por 18 questões, algumas de identificação dos entrevis-tados e seu local de trabalho e outras que buscaram entender a rotina da UC relacionada com a educação ambiental, assim como os entendimentos dos servidores sobre o tema.

Os questionários foram enviados em dezembro de 2013 e reencaminhados em ja-neiro de 2014, sendo considerados para análise aqueles recebidos até dia 12 de março de 2014.

2.1 Resultados e Discussão

O questionário foi respondido por 15 servidores, de 14 UCs. São apresentados a seguir os resultados obtidos para as principais perguntas do questionário.

A maioria das 15 unidades de conservação afirmou realizar ações de EA, em um to-tal de 11. A Figura 2.2.1 ilustra a distribuição da existência (ou não) de ações de educação ambiental conforme as categorias de manejo.

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Figura 2.2.1 – Ações específicas de EA nas UCs, por categoria de manejo (PE=Parque Estadual; RB=Reserva Biológica; APA=Área de Proteção Ambiental; EE=Estação Ecológica; RVS=Refúgio de Vida Silvestre).

O público-alvo preferencial das UCs é o publico escolar (nove) seguido pelo público em geral (sete). Os moradores do interior/entorno das UCs aparecem com quatro do total de 14, como público alvo.

Quando indagados sobre os objetivos gerais das ações e as temáticas abordadas, chama atenção que a maioria daqueles que afirmaram realizar atividades de EA, infor-maram que os objetivos destas foram divulgar a UC (Figura 2.2.2). Por se tratar de uma questão aberta, outro número que se destaca é o daqueles que não responderam com objetivos das ações e sim em como são realizadas as mesmas (palestras, trilhas, orientação aos proprietários, plantio de mudas). Nesta questão, foi solicitado ainda que os projetos escritos fossem encaminhados para a Coordenação de Educação Ambiental, não sendo recebido nenhum.

Figura 2.2.2 – Objetivo das ações de EA.

No tocante aos servidores envolvidos nas ações de EA realizadas, do total de UCs que afirmaram desenvolver ações, todas responderam que as ações são realizadas por téc-nicos ambientais (ou responsável pela unidade) e, em alguns casos, por outros servidores, conforme a Figura 2.2.3.

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Figura 2.2.3 – Servidores envolvidos nas ações de EA.

Todas as UCs (exceto o Parque de Itapuã) afirmaram interagir com a sociedade através da fiscalização, mostrando a ênfase dada a essa atividade, que historicamente é uma prioridade de gestão (Figura 2.2.4). Outras formas de interação constituíram-se em situações pontuais, como palestras e eventos. Atividades de divulgação da unidade e de articulação de parcerias com a sociedade são as formas menos comuns de interação. Com relação à interação através do conselho gestor, todas as UCs, que já apresentam conselho ativo (e que responderam a este questionário) destacaram ser este uma forma de intera-ção com a sociedade.

A percepção das comunidades do entorno/interior sobre a UCs é apresentada na Figura 2.2.5.

Uma vez que o questionamento permitia uma livre expressão das percepções e dada a qualidade e riqueza das informações, são destacados abaixo alguns trechos das respostas:

- “Os moradores do interior da UC conhecem os limites e a existência da UC, mas a maioria não acredita em uma efetivação rápida da área”;

- “Não é muito boa, principalmente pelo fato da mesma não ter sido envolvida no processo de criação”;

- “Eles enxergam o parque como uma ‘coisa’ isolada. Pensam que os animais e as plantas devem ficar aqui dentro, como compensação dos danos ambientais”;

- “Tem a plena consciência da existência da UC, porém agem numa visão de que a UC ainda não existe”;

- “Com o início da regularização fundiária e trabalhos com agricultores do entorno, a percepção tem melhorado bastante”;

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DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL, TECNOLOGIA, INOVAÇÃO E PESQUISA

- “Antes das ações de EA era a pior possível, mas atualmente percebemos que mui-tos maus entendimentos já foram desfeitos, acredito que estamos no caminho certo, em-bora ainda bastante longo e árduo”;

- “Alguns entendem a importância da preservação, mas acredito que a maioria ain-da enxerga as UCs do Delta do Jacuí como empecilhos ao desenvolvimento urbano”.

Figura 2.2.4 – Formas de interação da UC com a sociedade.

Figura 2.2.5 – Avaliação da percepção da comunidade sobre a UC.

Com relação às dificuldades que a equipe da UC enfrenta para a realização das ações de EA, após uma análise das respostas, evidencia-se que a falta de estrutura das UCs (como espaço físico, material didático) e a limitação de pessoal (equipe insuficiente, sem capacitação específica) estiveram dentre as considerações de todos os questionários. Outras considerações foram: a falta de diretrizes para atuação, a participação da comunidade, a necessidade de compatibilizar com diversas atividades de gestão e a falta de recursos financeiros para os projetos. Quando questionados sobre que tipo de material, equipamento e apoio seriam necessários para melhorar a estrutura da UC para os trabalhos de EA e comunicação, destacaram o incremento de pessoal e de materiais de divulgação (Figura 2.2.6).

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Figura 2.2.6. Necessidades das UCs para melhoria nas atividades de EA e comunicação.

No que se refere aos parceiros das ações de EA da UC, os resultados são apresenta-dos na (Figura 2.2.7). Fica evidente que os principais parceiros apontados foram as escolas públicas, as ONGs, as universidades e os agricultores.

De acordo com os gestores das UCs, ações de comunicação e divulgação da UC es-tão presentes. Das 15 respostas recebidas, apenas uma afirmou não ter ações específicas de comunicação e divulgação. As palestras e o uso das redes sociais, como o Facebook, apareceram com destaque, evidenciando que muitas UCs estão aproveitando esse meio digital e de comunicação (Figura 2.2.8).

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Figura 2.2.7. Principais parceiros das ações de EA realizadas pelas UCs.

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Figura 2.2.8. Ações de comunicação e divulgação das UCs.

Uma questão aberta avaliou de que forma os esforços em comunicação e divulga-ção ajudam no cumprimento dos objetivos da UC. São destacados abaixo alguns trechos das respostas:

- “Levar o conhecimento sobre a Unidade de Conservação”;

- “Seria importante porque permitiria uma maior participação da comunidade na gestão’’;

- “Como a UC não está implantada, a divulgação visa atrair pesquisas/trabalhos acadêmicos para a área e a trabalhar "na mente" da comunidade residente e de entorno à existência da UC, divulgando algumas regras de uso e incutindo a ideia de área protegida”;

- “Desmistificando a ideia de balneário e parque de diversão, e mostrando a impor-tância desta área preservada e conservada para a comunidade que se sente lesada”;

- “Demonstrar ao público as ações e importância da UC”;

- “É possível que diferentes públicos sintam-se interessados em tornarem-se usuá-rios de UC”;

- “Fundamental”;

- “Ajudam em estabelecer uma relação de conhecimento da existência da UC para a sociedade”;

-“Passam a ter mais contato com a UC para comunicar sobre irregularidades”;

- “Não sei informar”;

- “Ponto de partida para a sua valorização, considerando que "as pessoas não dão importância, ou não preservam, aquilo que não conhecem (...) resultando em novas inicia-

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PESQUISA E ENSINO: FERRAMENTAS DE GESTÃO PÚBLICA NO RS

tivas participativas de conservação dos recursos locais, em conformidade com os objetivos da UC”;

- “Se fossem mais efetivos e constantes, talvez a população em geral e do entorno tomassem para si o conhecimento sobre a UC e colaborassem com a conservação do am-biente local”;

- “Favorecem para que uma maior parte da população saiba da existência da UC”.

Por fim, os gestores informaram quais dos papéis de gestão da UC têm mais facili-dade e quais têm mais dificuldade em exercer. As respostas são ilustradas na Figura 2.2.9. Constata-se que a atividade de presidência de conselho gestor foi a única que a maioria dos respondentes indicou ter dificuldades.

Figura 2.2.9. Funções que os gestores e os técnicos ambientais das UCs tem maior facilidade ou dificuldade em exercer.

Constatou-se, com base nesta pesquisa, que a maioria das UCs estaduais realiza ações de EA. Estas, no entanto, são pontuais, na forma de palestras e tendo como público-alvo e parceiro preferencial as escolas.

A seguir alguns pontos são analisados, sendo traçadas relações com a legislação vigente, com as diretrizes da ENCEA, com bibliografia relacionada diretamente ao tema e com as questões discutidas em outras atividades da Divisão de Unidades de Conservação, como a Oficina de Estruturação da Coordenação de Educação Ambiental (OECEA).

a) Das ações de educação ambiental e seus objetivos

De modo geral, os servidores das unidades de conservação afirmam realizar ações de educação ambiental. No entanto, evidenciou-se que estas são predominantemente pa-lestras, atividades pontuais de informação sobre a existência da UC e sua biodiversidade. Quando questionados sobre os objetivos das ações de EA, a grande maioria das UCs não

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soube deixar claro quais são os objetivos ou afirmou ser a divulgação da existência (e a biodiversidade da área) os principais objetivos da EA realizada.

Segundo Padua (2012), o objetivo da EA é “compartilhar a temática ambiental com todos os segmentos da sociedade, especialmente as comunidades que vivem no entorno das áreas que são protegidas, para que haja uma participação efetiva nas temáticas ligadas à sua conservação”. Já a lei que institui a Política Nacional da Educação Ambiental (BRASIL, 1999) define a educação ambiental como: “processo por meio dos quais o indivíduo e a coletividade constroem valores sociais, conhecimentos, habilidades, atitudes e competên-cias voltadas para a conservação do meio ambiente” (art 1º).

As ações de divulgação da existência da unidade de conservação, sua importância e biodiversidade podem ser consideradas como EA. No entanto, Loureiro e Cunha (2008) destacam que esses entendimentos têm como objetivo a conformação das pessoas à situ-ação vivida, não tendo um caráter problematizador e transformador, importante nos pro-cessos educativos. “A educação deve proporcionar condições para a produção e aquisição de conhecimento e habilidades e ao desenvolvimento de atitudes visando a participação do cidadão” (QUINTAS, 2002), especialmente quando se trata da gestão ambiental públi-ca. Devemos estar atentos aos processos de formação de pessoas para a participação nas temáticas ligadas à conservação, com caráter crítico e emancipatório.

O questionário enviado solicitava que projetos escritos, quando existentes, fossem encaminhados à DUC. Considerando que nenhum foi recebido, conclui-se que as ações não são vinculadas a um projeto, não sendo parte de um processo planejado e com objeti-vo claro. A falta de pessoal e de formação específica, somadas à falta de estrutura das UCs, direciona a gestão das unidades de conservação para ações de EA pontuais vinculadas a demandas externas.

b) Público-alvo

De acordo com as respostas dadas, os moradores aparecem em apenas quatro das 14 UC e os visitantes em um, sendo o público escolar e o público em geral os preferenciais das ações de EA nas UCs. No entanto, na OECEA, os participantes afirmaram que a comu-nidade local (afetada pela UC/residente) deveria ser o público alvo das atividades de EA das UCs. Quintas (2002) também destaca que o processo educativo deve ser desenvolvi-do com aqueles grupos que estão diretamente envolvidos com a gestão ambiental, neste caso, com a UC. Padua (2012) afirma que “se a população que vive ao redor da unidade de conservação não se sente parte ou envolvida por ela, acaba por se ressentir (...)”. Assim, ganha ênfase a necessidade que as ações em EA na gestão das UCs sejam reorientadas para o público residente no entorno (ou interior) das UCs.

As reuniões de conselho apareceram como uma das importantes formas de intera-ção da UC com a sociedade, mas para que os conselhos de fato cumpram seu papel é ne-cessário que os conselheiros estejam preparados para essa atuação. Esta preparação para a participação dos conselheiros pode ser considerada uma ação de EA, um instrumento

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privilegiado para unir a necessidade de participação democrática, com os objetivos das unidades de conservação e com as temáticas da sociedade em cada contexto (LOUREIRO et al., 2003).

O fato de o público escolar surgir como preferencial e ainda, que as escolas são os principais parceiros das ações, deve resultar do histórico de se vincular educação ambien-tal com a educação formal, conforme também destaca QUINTAS (2002) “por haver uma tendência a se confundir educação com escolarização, historicamente as ações de educa-ção ambiental (...) se voltaram para a educação formal”. No entanto, a educação ambiental deve ter foco na educação formal, mas também não-formal (BRASIL, 1999). A gestão das UCs afeta diretamente a vida de muitas pessoas, pela possibilidade de alterações no sis-tema de produção, na desapropriação, nas restrições à pesca, etc, sendo fundamental a inserção das ações educativas promovidas pela gestão das áreas com ênfase em educação não-formal.

c) Interface educação e fiscalização

Na questão que tratava da interação da sociedade com a UC, apenas uma das res-postas não apontou a fiscalização como forma de interação, mostrando a importância des-sa atividade na aproximação da gestão da UC com a sociedade. Talvez pela existência de equipes mais direcionadas para a fiscalização (os servidores do quadro de guarda-parque) e/ou pela tradição da instituição, a fiscalização ganha destaque. PADUA (2012) enfatiza, porém, que quando a sociedade não se sente parte da gestão, pode optar por tentar tirar partido da área protegida (como caça e pesca) ao invés de protegê-la. Para a gestão das UC é fundamental que as ações educativas atinjam o público diretamente envolvido pelas ações da gestão, e não apenas as ações de fiscalização.

d) Comunicação e a Educação Ambiental

Conforme a análise das respostas relacionadas aos objetivos da EA, o principal obje-tivo das ações das UCs é a divulgação. No entanto, é necessário termos clareza de que co-municação e educação ambiental são instrumentos diferentes, ambos importantes. As Di-retrizes para a ENCEA (CONAMA nº 14/2012) afirmam que “é consenso que a comunicação e a educação ambiental são instrumentos indispensáveis para incentivar a mobilização da população e a participação das comunidades” na gestão das UCs. Esse entendimento não é novo na Divisão, uma vez que na OECEA foi discutido pelos participantes que a comunica-ção é diferente da educação, e que as duas são importantes. Porém, evidencia-se que tal-vez tenha faltado aprofundar essa discussão, ficando evidente que ainda ha confusão com relação a esses dois temas. Apesar da divulgação ter sido citada como pouco frequente na interação com a sociedade, 14 questionários indicaram formas de divulgação, com ênfase nas palestras. Atividades de divulgação da unidade e de articulação de parcerias com a sociedade são as formas menos comuns de interação, mas muitos chamam de atividades de EA aquelas que são de divulgação, conforme os objetivos das atividades.

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Os servidores reconhecem a necessidade de atividades de EA, assim como obser-vam os bons resultados delas. Os trabalhos que vem sendo realizados já têm demons-trando os resultados de aproximação da comunidade com a gestão da UC, revertendo processos anteriormente estabelecidos. Três unidades destacaram que a percepção da comunidade sobre a unidade de conservação está melhorando, em função do trabalho que vêm sendo realizado pela equipe da UC. Como exemplos, as citações extraídas dos questionários: “antes das ações de EA era a pior possível, mas atualmente percebemos que muitos maus entendimentos já foram desfeitos, acredito que estamos no caminho certo, embora ainda bastante longo e árduo” e “trabalhos com agricultores do entorno, a percepção tem melhorado bastante”.

Essa busca de diretrizes para a atuação dos servidores nas UCs é uma etapa impor-tante para a melhoria do sistema de áreas protegidas estaduais, sendo fundamental para a gestão do sistema. A Divisão precisa consolidar bases conceituais de trabalho em EA assim como estabelecer diretrizes e ferramentas para a atuação dos servidores. Essas diretrizes preliminares são traçadas por equipe técnica especificamente designada para atuar com EA nas UCs, assim como discutida com os servidores e deverá ser finalizada e consolidada em uma capacitação específica sobre EA em UCs com a participação de servidores de to-das as UCs.

Como diretrizes preliminares que subsidiarão a organização dessa capacitação es-pecífica enumeramos:

- Compreender a educação ambiental como um processo de formação de pessoas;

- Essas pessoas devem ter condições de participar dos processos de decisão em que a unidade de conservação interfere nas suas vidas, em um caráter crítico e emancipatório;

- Os conselhos das unidades de conservação devem ter atenção especial, por serem espaços legalmente constituídos e legítimos de participação, envolvendo todos os setores diretamente afetados pela UC;

- As ações devem ser planejadas, tendo clareza dos objetivos;

- O objetivo das ações devem ser prioritariamente aqueles relacionados com os objetivos da unidade de conservação;

- Os servidores devem se apropriar da abordagem de “educação ambiental no pro-cesso de gestão ambiental pública”;

- O público alvo deve ser preferencialmente aquele diretamente envolvido com a unidade de conservação;

- A comunicação é parte do processo de educação ambiental;

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- Para análise da eficácia dos esforços em educação ambiental são necessárias fer-ramentas de monitoramento e sistematização das informações.

3 PERCEPÇÃO DOS PROFISSIONAIS ATUANTES EM INSTITUIÇÕES DE ENSINO BÁSICO

No âmbito do estado do Rio Grande do Sul, a Lei nº 13.597/2010 instituiu a Política Estadual de Educação Ambiental e criou o Programa Estadual de Educação Ambiental (RIO GRANDE DO SUL, 2010). Tais documentos reafirmam os princípios e diretrizes do ProNEA e o papel da EA não formal para a sensibilização da sociedade quanto à importância das UCs. No que tange ao papel da EA formal, pontuou, de forma inédita, que todas as escolas devem incorporar em seus currículos, entre outros aspectos relacionados à conservação ambiental, o tema espaços territoriais especialmente protegidos.

Considerando tais princípios e diretrizes, assim como aqueles contidos na ENCEA, resta indagar qual é o real panorama da inserção da temática das UCs na educação gaúcha. Com o objetivo de preencher esta lacuna de informações, o presente diagnóstico visou identificar o perfil, as fragilidades e as potencialidades das ações de EA em UCs desenvol-vidas no âmbito do ensino básico do estado.

3.1 Materiais e Métodos

O referencial geográfico do estudo, adotado para definição do público alvo da in-vestigação e determinação da metodologia de planejamento e seleção de amostras, foi a bacia hidrográfica e seu pertencimento a uma das três regiões hidrográficas existentes no Rio Grande do Sul: Região Hidrográfica do Guaíba, Região Hidrográfica do Uruguai e Região Hidrográfica das Bacias Litorâneas.

Para a definição dos municípios abordados no estudo, foram selecionadas aleato-riamente 20 UCs, de modo a contemplar os diferentes órgãos gestores (município e esta-do), as três regiões hidrográficas e os dois tipos de uso (uso sustentável e proteção inte-gral). Dessa forma, constituíram-se em universo amostral todas as instituições de ensino básico localizadas nos municípios pertencentes às bacias hidrográficas nas quais se locali-zam as UCs selecionadas. Nesse sentido, das 25 bacias hidrográficas do estado, 14 foram contempladas, abrangendo 249 municípios. As bacias hidrográficas abrangidas no estudo foram: Baixo Jacuí, Rio Caí, Rio Gravataí, Lago Guaíba, Rio dos Sinos, Rio Taquari-Antas, Rio Camaquã, Litoral Médio, Rio Mampituba, Rio Tramandaí; Apuaê-Inhandava, Turvo-Santa Rosa-Santo Cristo, Rio Ibicuí e Várzea.

A pesquisa consistiu na aplicação de um questionário semiestruturado às institui-ções de ensino das bacias hidrográficas abrangidas pelo projeto, sendo o tamanho amos-tral definido com base numa margem de erro de 5%, estimativa proporcional de p=0,50 e nível de confiança de 95% (SILVA et al., 1997). A seleção das escolas foi aleatória. Em

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primeiro estágio, através de uma amostragem estratificada segundo níveis e modalidades de ensino e, em segundo estágio, através de uma amostragem sistemática dentro de cada um dos estratos definidos, o que resultou num total de 2.639 questionários enviados. Pro-cedeu-se o envio do questionário até o recebimento da resposta por parte da escola ou até o número máximo de dez envios.

O questionário aplicado foi constituído de 27 questões, distribuídas entre abertas e fechadas, consistindo em três blocos: identificação da instituição respondente, identifica-ção do relacionamento desta com as UCs e caracterização das ações de EA desenvolvidas.

Os questionários foram encaminhados às escolas nos meses de março e abril de 2014, via correio eletrônico, com o uso da ferramenta Google.Docs. Para a obtenção das informações necessárias à implementação do estudo, procedeu-se a elaboração de um banco de dados das instituições de ensino da região de abrangência da pesquisa, a partir de cadastro da Secretaria Estadual de Educação do Rio Grande do Sul.

3.2 Resultados e Discussão

Foram respondidos 130 questionários, correspondendo a 4,9% das instituições de ensino amostradas. Os questionários provieram de escolas de 88 municípios, abrangendo as três regiões e as 14 bacias hidrográficas do estado (Fig. 3.2.1).

Figura 3.2.1. Abrangência geográfica da pesquisa.

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Os questionários foram respondidos predominantemente por diretores (40,8%) e professores (25,4%). As instituições respondentes estão inseridas principalmente no ambiente urbano (53,8%), sendo a quase totalidade pública (93,9%), da rede municipal (47,3%) e estadual (43,1%), e majoritariamente de nível fundamental (45,4%). A maioria das instituições revelou possuir até 30 professores (68%) e menos de 500 alunos (77%).

Um primeiro dado relevante consiste no fato que 85,4% das instituições de ensino avaliadas afirmaram conhecer alguma UC, sendo que as principais fontes de informação foram a Internet e outras tecnologias virtuais (52,3%), os jornais e revistas (34,6%) e os materiais informativos elaborados pelas UC (31,5%).

A maioria das instituições de ensino (70%) informou desenvolver atividades em UCs, entretanto apenas 49,5% destas souberam indicar corretamente as áreas protegidas nas quais as atividades foram realizadas. Das áreas indicadas, 74,2% são de UCs pertencen-tes ao SEUC/RS e 25,8% referentes a UCs federais. O restante das escolas que informou de-senvolver atividades em UCs (50,5%), indicou outras áreas, como Parques Urbanos, Jardins Botânicos, áreas particulares e outros ambientes no entorno das escolas, como local das atividades. Assim, é possível concluir que apenas 34,65% do total de escolas amostradas de fato desenvolvem atividades em UCs.

Das 45 UCs cadastradas no SEUC/RS, 23 foram citadas pelas instituições, represen-tando 51,1% do total. Com relação ao órgão gestor, 13 UCs citadas são administradas por municípios e 10 administradas pelo estado. Dentre este montante, a UC mais mencionada foi o Parque estadual do Turvo (7,58% do total de citações). O Parque Estadual de Itapuã, a APA do Banhado Grande, a APA Estadual Delta do Jacuí, a Rebio do Lami José Lutzenberger e a APA do Caraá também foram bem mencionadas, cada uma com 6,1% das citações.

A maioria das UCs indicadas pelas escolas está inserida, pelo menos em parte, em municípios dispostos na mesma bacia hidrográfica. De fato, 80,6% das UCs informadas encontram-se nesta situação, o que significa que as instituições de ensino mantêm contato com UCs localizadas em sua proximidade.

No que se refere à inserção da temática das UCs na EA desenvolvida nas escolas, esta só ocorre de maneira mais frequente em disciplinas específicas, conforme informado por 55% das escolas (Fig. 3.2.2). Nas diferentes formas de abordagem, a maioria das esco-las revelou inserção pouco frequente (anual, eventual ou inexistente).

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DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL, TECNOLOGIA, INOVAÇÃO E PESQUISA

Figura 3.2.2. Inserção do tema UC nas escolas.

Quanto aos tipos de atividades de EA desenvolvidas nas UCs, todas as atividades investigadas obtiveram uma frequência baixa (anual, eventual ou inexistente) em mais de 70% das escolas (Fig. 3.2.3). As atividades mais frequentes (mensal, trimestral e semestral) foram os Cursos ou palestras de EA (26,2%) e Passeios ou trilhas ecológicas (23,1%). Des-taca-se ainda a frequência insignificante das ações em prol da gestão das UC (participação na elaboração de planos de manejo, reuniões de conselhos gestores, etc.), atividade citada como anual, eventual ou inexistente por 93,1% das escolas. Com relação a este aspecto, a pesquisa também revelou que apenas 6,9% das escolas afirmaram participar de algum conselho gestor de UC.

Figura 3.2.3. Atividades desenvolvidas pelas escolas nas UCs.

As principais motivações para as instituições de ensino executarem as atividades de EA nas UCs foram as iniciativas da própria comunidade escolar (67,7%), os Parâmetros Curriculares Nacionais do Ministério da Educação (58,5%) e o interesse dos profissionais da instituição (56,9%) (Fig. 3.2.4). A adoção da ENCEA foi uma das motivações com menor frequência de citações entre as escolas estudadas (3,1%).

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Figura 3.2.4. Motivações para o desenvolvimento das atividades de EA em UC.

No que se refere às parcerias das instituições de ensino para o desenvolvimento das atividades de EA nas UCs (Fig. 3.2.5), evidencia-se que 45,4% das escolas não apre-sentam nenhuma parceria e que os principais parceiros seriam o Poder Público (33,8%) e as Organizações Não Governamentais (18,5%). Chama a atenção o fato das Instituições Superiores de Ensino e os Comitês de Bacia serem pouco citados pelas escolas (5,4% e 3,1%, respectivamente).

Figura 3.2.5. Parcerias das escolas para o desenvolvimento das atividades de EA em UC.

Segundo a pesquisa, as atividades de EA desenvolvidas nas UCs são apoiadas prin-cipalmente por material pedagógico de produção própria sobre temas ambientais (58,5%) e internet ou outras tecnologias virtuais (CDs, DVDs, sites e blogs de turismo, de ONGs, de EA, etc.) (53,8%), como evidenciado pela Figura 3.2.6. O material informativo elaborado pela UC foi citado por apenas 29,2% das escolas.

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Figura 3.2.6. Material de apoio utilizado pelas escolas nas atividades de EA em UC.

Ao serem analisados os diversos fatores que podem influenciar a realização (ou não) de atividades de EA nas UCs (Figura 3.2.7), apenas três foram avaliados pela maioria das escolas como negativos: a disponibilidade de recursos financeiros para transporte dos alunos (63,6%), a existência de profissionais qualificados em EA (43,5%) e a mobilidade da comunidade escolar (43%).

Figura 3.2.7. Avaliação dos fatores que influenciam a realização ou não das atividades de EA em UC.

Embora o índice de retorno de questionários possa ser considerado baixo (apenas 4,9% do universo amostral), o número absoluto de escolas participantes (130) é muito sa-tisfatório. Principalmente quando comparado aos resultados obtidos por trabalhos simila-

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res, como Mamede (2008), que avaliou a atuação das escolas brasileiras em atividades de comunicação e EA em UC com base na análise de um número bem menor de questionários respondidos.

Segundo Marconi & Lakatos (2005), questionários enviados aos entrevistados al-cançam em média apenas 25% de devolução. No presente estudo, em face do método de envio eletrônico dos questionários, uma série de inconsistências – como endereços eletrô-nicos desatualizados, caixas de correio eletrônico cheias, falta de frequência na verificação de e-mails, falhas técnicas de transmissão, entre outros - podem ter resultado num índice de respostas aquém do esperado.

Deve-se considerar, no entanto, que a abrangência da pesquisa é relevante, visto ter alcançado 35,3% dos municípios avaliados (88 dentre os 249 municípios contemplados nos questionários enviados) e o total de bacias hidrográficas incluídas no estudo.

Referindo-se ao nível e à rede das instituições de ensino, a maioria das escolas lo-calizadas na área de abrangência do estudo é pública e de ensino fundamental. Portanto, não surpreende a maior representatividade destas instituições na amostra. Além disso, o perfil das mesmas caracteriza-se por serem pequenas ou de médio porte. Consequente-mente, os dados desta pesquisa retratam predominantemente o ponto de vista de escolas da rede pública e com esse porte. Frequência similar quanto à rede de ensino foi obtida por Mamede (2008), que registrou 88% de respostas advindas de escolas públicas, tanto municipais quanto estaduais.

Apesar da grande maioria dos respondentes ter revelado conhecer ou saber da existência de UCs, tais resultados devem ser considerados com cautela visto que, quando instigados a nomear as UCs nas quais realizaram ações de EA, não responderam à questão ou indicaram outras áreas naturais como pertencentes a esta categoria. Isto corrobora com o aparente desconhecimento do conceito de Unidade de Conservação, evidenciado nas respostas abertas, quando áreas não caracterizadas como UC também foram mencio-nadas.

O resultado preponderante de que as UCs foram conhecidas através da internet e outras tecnologias virtuais (CDs, DVDs, sites e blogs de turismo, de ONGs, de EA, etc.) contrasta com o observado por Mamede (2008), que registrou os materiais informativos distribuídos pelas UC, a indicação de pessoas e o simples conhecimento prévio sobre a existência das mesmas como as principais formas de conhecimento dessas áreas. Em seu estudo, as tecnologias virtuais foram justamente as formas menos citadas. Considerando--se a defasagem de tempo entre os dois estudos, e o rápido avanço e a crescente disponi-bilidade de acesso às tecnologias virtuais, é possível que os resultados retratem de fato um maior papel dessas tecnologias na comunicação atual das UCs.

Novamente em contraste com o obtido por Mamede (2008), em que 83,4% das escolas revelaram desenvolver ou participar de atividades nas UCs, no presente estudo menos de 50% das instituições de ensino de fato desenvolveram atividades de EA em UCs.

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Contudo, como em seu questionário não havia a necessidade de nomear as UCs, Mamede (2008) pode ter retratado também uma confusão quanto ao conceito inerente a essas áreas protegidas.

Embora outros estudos referentes à EA em UCs do Rio Grande do Sul não avaliem sistematicamente a participação das escolas em ações nessas áreas, infere-se a partir do trabalho de Muhle (2012) que o público escolar esteja envolvido em atividades de EA em no mínimo 11 UCs pertencentes ao SEUC/RS, sendo sete Parques, duas Áreas de Proteção Ambiental (APA) e duas Reservas Biológicas (Rebio).

No que diz respeito à participação das escolas em Conselhos de UCs, verifica-se que o papel dessas instituições na gestão participativa das mesmas ainda é muito reduzido. Segundo Loureiro & Cunha (2008), os Conselhos Gestores são fundamentais para a imple-mentação da educação no processo de gestão ambiental, pois se constituem em espaços de participação, diálogo e exercício da cidadania, nos quais podem ser construídos acordos consensuais para os conflitos existentes.

A inserção do tema Unidade de Conservação nas escolas estudadas ainda é tímida, uma vez que apresentou maior frequência apenas nos conteúdos curriculares de discipli-nas específicas. Comparando-se com os resultados obtidos por Mamede (2008), em que a frequência das atividades não foi considerada - apenas sua realização - há semelhança entre os estudos, visto que ambos constataram que a abordagem do tema, quando exis-tente, ocorria predominantemente nos conteúdos curriculares de disciplinas específicas. Cabe ressaltar que tais resultados evidenciam uma lacuna considerável entre a realidade e o que é previsto na maioria das legislações e políticas públicas referentes à EA, as quais fomentam o estímulo à inserção das UCs como temática no ensino formal em todas as suas abordagens, referentes a ensino, pesquisa e extensão (MMA, 2011).

Embora em frequências menores, as principais atividades de EA desenvolvidas ou acompanhadas nas UCs pelas instituições de ensino estudadas foram semelhantes às apontadas por Mamede (2008) e Muhle (2012). A primeira autora registrou serem os cur-sos ou palestras as atividades mais desenvolvidas (83,3%), seguidas dos passeios ou tri-lhas ecológicas (75,0%) e da participação em eventos diversos (73,8%). Por sua vez, Muh-le (2012) relatou principalmente a ocorrência das seguintes ações vinculadas às escolas: trilhas e visitas guiadas (72,7%), palestras (54,5%), plantio de mudas e implantação de viveiros (36,4%), cursos para formação de professores (27,3%) e jogos e atividades lúdicas (27,3%).

Os Parâmetros Curriculares Nacionais do Ministério da Educação foram uma das principais motivações indicadas pelas escolas para execução de suas atividades de EA em UC, apesar das iniciativas da comunidade escolar e do interesse dos profissionais da insti-tuição terem sido os mais citados. Isto condiz com as recomendações das Políticas Nacio-nal e Estadual de EA, que sugerem justamente os Parâmetros Curriculares Nacionais como referência na inclusão da EA em todos os níveis e modalidades de ensino (BRASIL, 1999; RIO GRANDE DO SUL, 2010). Por outro lado, fica evidente também que a ENCEA, talvez

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por sua recente proposição, ainda não foi efetivamente apropriada pelas instituições de ensino.

A ausência de parcerias na maioria das instituições de ensino abordadas contrasta com o observado por Mamede (2008), que registrou o poder público (59%) e as organiza-ções não governamentais, associações, cooperativas e similares (41%) como as principais parceiras para o desenvolvimento de ações de EA em UCs. Mamede (2008) teve a ausência de parcerias citada por apenas 23,5% das escolas participantes de sua pesquisa.

Referente aos materiais de apoio utilizados pelas escolas nas atividades de EA em UCs, os resultados permanecem diferentes daqueles obtidos por Mamede (2008), em que os materiais informativos distribuídos pelas UCs e pelos órgãos ambientais (70,6%) foram o principal registro. No presente estudo, esses materiais foram o quarto mais citado, cor-roborando com as manifestações contidas nas questões abertas, que sugerem a necessi-dade de uma maior comunicação das UCs através da produção e distribuição de material informativo.

Por fim, a principal dificuldade encontrada pelas escolas estudadas no desenvolvi-mento das atividades de EA nas UCs foi a mesma apontada por Mamede (2008), qual seja, a falta de acesso ou transporte (41%), possivelmente em face da indisponibilidade de re-cursos financeiros para custeá-lo. Aliás, quando analisado o contexto em que as atividades de EA em UCs são realizadas, ou seja, por iniciativa da comunidade escolar, com recursos próprios e pouca ou nenhuma parceria, fica evidente o quanto este fator é limitante para as instituições de ensino.

Com base nestes resultados, é possível traçar um cenário para as atividades de EA em UCs nas escolas gaúchas. Este cenário caracteriza-se por escolas que desenvolvem di-versas ações de EA relacionadas à conservação ambiental, contudo, não necessariamente em UCs, utilizando-se, prioritariamente, das áreas naturais disponíveis ou de mais fácil acesso na sua região.

A pouca utilização das UCs pelas instituições de ensino pode resultar de um com-plexo de fatores, no qual estão incluídas desde a limitada inserção da temática das UC nas escolas, o que provavelmente gera o desconhecimento da natureza e do papel dessas áreas, até a carência de recursos e parcerias para a execução das ações, principalmente no que diz respeito ao custeio de transporte.

Essa limitada inserção da temática das áreas protegidas nas escolas parece estar relacionada à pouca capacidade das UCs em desenvolver ações de comunicação e EA junto a este público e à carência de profissionais qualificados em EA nas escolas, que sejam ca-pazes de trabalhar o tema junto à comunidade escolar. Desta forma, as principais políticas públicas relacionadas à EA em UCs, como a ENCEA, não têm alcançado o segmento.

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4 SÍNTESE DOS ESTUDOS E RECOMENDAÇÕES

O presente trabalho é uma importante contribuição para o conhecimento da EA desenvolvida junto às UCs no Rio Grande do Sul, uma vez que reúne diagnósticos elabora-dos a partir de pontos de vistas distintos, o que permite traçar um cenário mais completo das realidades, potencialidades e limitações das ações atualmente desenvolvidas. Neste trecho final do capítulo é feita uma síntese dos resultados, seguida da avaliação do quanto eles atendem as diretrizes propostas pela ENCEA. Por fim, são apresentadas algumas reco-mendações aos órgãos gestores das políticas ambientais e educação ambiental visando a melhor implementação desta política no âmbito do SEUC/RS e das escolas.

Considerando-se os diagnósticos realizados, é possível constatar algumas realida-des apontadas em ambos os estudos. Em primeiro lugar, é possível afirmar que existem ações de EA ou comunicação sendo realizadas nas UCs pertencentes ao SEUC/RS, sendo o público alvo predominante as escolas públicas. Constata-se, ainda, que possivelmente tais escolas localizam-se no entorno dessas UCs, ou pelo menos na mesma bacia hidrográfica das mesmas.

Percebe-se, entretanto, que o atendimento das UCs às escolas ainda é limitado, visto que apenas pouco mais de um terço das mesmas realiza atividades nessas áreas. Os estudos apontam algumas limitações que podem explicar tal realidade. A insuficiência de recursos humanos capacitados em EA, tanto nas UCs quanto nas escolas, parece ser um fator fundamental. Isto fica evidente na forma como as atividades são desenvolvidas nas UCs, com pouco ou nenhum planejamento, e, geralmente, restrita a atividades de comuni-cação. Por outro lado, isto é perceptível nas escolas pela maneira como o tema é inserido nos currículos, de forma disciplinar e não transversal, assim como pelo pouco reconheci-mento demonstrado sobre as políticas governamentais relacionadas à EA. A própria con-fusão entre EA e a comunicação, evidenciada pela constatação de que a ação de EA mais citada em ambos os estudos foi a palestra, é mais uma evidência da necessidade de uma melhor capacitação dos agentes envolvidos no planejamento e execução dessas ações.

Outro aspecto demonstrado em ambos os estudos que limita também a inserção do tema das UCs nas escolas foi a falta de material de divulgação ou educativo produzido pelas áreas protegidas. Obviamente isto também está relacionado à situação tratada no parágrafo anterior. Mas, por outro lado, também pode resultar da falta de parceria com outras entidades como universidades e comitês de bacia, evidenciada em ambos os estu-dos. Ainda com relação a isso, parece que os meios digitais de comunicação, principalmen-te aqueles relacionados à rede mundial de computadores, são importantes ferramentas para o suprimento dessa lacuna.

Um terceiro fator limitante para a realização de atividades de EA nas UCs, por parte das escolas, é a indisponibilidade de recursos financeiros ou de parcerias que viabilizem, por exemplo, o transporte dos alunos a essas áreas protegidas. Isto também é apontado pelas UCs, que evidenciam também a carência de recursos financeiros e infraestrutura físi-

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ca para realizar ações de comunicação e EA de modo articulado com vários públicos alvos, inclusive com o público escolar.

Com base nestes resultados, é possível avaliar que diversas diretrizes da ENCEA ain-da não foram implementadas em nível do estado do Rio Grande do Sul, seja no segmento escolar ou no âmbito do SEUC/RS.

Ações estratégicas relacionadas ao fortalecimento da ação governamental na for-mulação e execução de ações de comunicação e EA, tais como infraestrutura e capacidade técnica necessária e integração com outros fóruns deliberativos e consultivos de controle social, são limitadas nas UCs gaúchas. Ações relacionadas à consolidação das formas de participação social nos processos de criação, implementação e gestão de UCs, como o fortalecimento dos conselhos gestores, embora presentes nas UCs, também são limitadas, o que fica evidente na dificuldade manifestada pelos gestores das UCs na execução desta atividade.

Por outro lado, o estudo revela também que iniciativas atualmente em andamento pela DUC do estado do RS, como o estabelecimento de diretrizes em comunicação e EA para a atuação dos servidores das UCs e a realização de capacitações específicas sobre o tema com os mesmos, atendem prontamente diversas ações estratégicas propostas pela ENCEA. Tais ações estão relacionadas ao fortalecimento da ação governamental, à inser-ção das UCs como temática nos processos educativos formais e não-formais e na adoção de práticas educomunicativas.

No que tange ao estímulo à inserção das UCs como temática no ensino formal, umas das diretrizes da ENCEA, o trabalho evidenciou que diversas ações estratégicas ain-da não foram implementadas pelas escolas. Como exemplo podem ser citadas as ações relacionadas à inclusão de questões ligadas à realidade e ao cotidiano das UCs nos seus Projetos Políticos Pedagógicos e a implantação de metodologias que utilizem as UCs como cenário para o ensino e a pesquisa.

Considerando as potencialidades e limitações reveladas neste estudo, percebe-se que há um longo caminho a ser trilhado para a completa implementação dessa política no SEUC/RS e nas escolas do estado. Dentre os principais desafios destaca-se a imple-mentação, junto aos órgãos gestores da política ambiental do estado e dos municípios, da infraestrutura e suporte técnico necessário à formulação e implantação de programas e ações de comunicação e EA nas UCs. Isto necessariamente implica num aporte de recursos oriundos dos próprios órgãos ou do estabelecimento de parcerias.

No âmbito do Órgão Gestor da Política Estadual de Educação Ambiental, é impor-tante que se proponham ações que, articuladas com as secretarias de educação munici-pais, coordenadorias regionais de educação do estado e instituições de ensino superior, promovam: o desenvolvimento e implantação de metodologias que utilizem as UCs como cenário para o ensino e a pesquisa, bem como para a adoção de práticas sustentáveis; a destinação de recursos para a implementação de ações de comunicação e EA que versem

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sobre a temática das UCs e viabilizem o deslocamento do público escolar às mesmas; a for-mação de educadores ambientais em cursos que incluam questões ligadas à realidade e ao cotidiano das UCs; a produção coletiva de materiais didáticos, ferramentas de comunica-ção e outros instrumentos pedagógicos de EA para serem utilizados nas escolas e nas UCs.

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EDUCAÇÃO DO CAMPO COM PRÁTICAS DE ECONOMIA SOLIDÁRIA E PRODUÇÃO DE ALIMENTOS SAUDÁVEIS PARA O

DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL DO MÉDIO ALTO URUGUAI – RS

Antônio Carlos Moreira(Coordenador)8, Fátima Terezinha Marangon(Colaboradora)9,

Francieli da Silva Siekierski(Bolsista)10

Este artigo tem como objetivo entender o processo de construção socioespacial rural do território do Médio Alto Uruguai - RS, a partir da modernização agrope-cuária, identificando e caracterizando o saber popular camponês vinculado à economia solidária e às práticas agrícolas, respeitando o processo histórico e a memó-ria dos sujeitos do campo, por meio da discussão do processo de produção e consumo agropecuário do território do Médio Alto Uruguai - RS, ocorrido antes e após o processo de modernização agrícola brasileira, destacando a realidade dos municípios de Lajeado do Bugre, Sagrada Família e São Pedro das Missões.

SABERES OU CONHECIMENTOS CAMPONESES

Ao observarmos mais detalhadamente o espaço agrário percebemos que ainda existem variadas práticas de economia solidária e inúmeras experiências voltadas ao culti-vo e produção de alimentos saudáveis. Com essa pesquisa objetivamos melhor conhecer o território rural dos municípios de Lajeado do Bugre, Sagrada Família e São Pedro das Missões - RS, identificando e analisando as relações humanas desenvolvidas pelos agri-cultores/as locais que exercitam experiências de economia solidária e realizam a ativida-de agropecuária com práticas vinculadas ao cultivo e produção de alimentos, à guisa da cultura camponesa. A cultura camponesa preserva e conserva significativas relações de respeito entre os seres humanos e valoriza o tempo real da natureza, por isso se mantém em sintonia com os processos naturais dos ecossistemas e com o cosmo. Esses saberes e conhecimentos camponeses passaram a ser pesquisados e valorizados mais recentemente por inúmeros pesquisadores brasileiros. Com os resultados da pesquisa poderemos me-

8 Doutor em Geografia e professor da URI - Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões - Campus de Frederico Westphalen - RS9 Mestre em Matemática Aplicada e professora da URI - Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões - Campus de Frederico Westphalen - RS10 Acadêmica do Curso de Direito da URI - Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões - Campus de Frederico Westphalen - RS

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lhor conhecer a construção e reconstrução territorial local com perspectivas de pensar e discutir o desenvolvimento sustentável do território rural contando com a colaboração da educação do campo.

1 UM POUCO DA REALIDADE DO ESPAÇO RURAL DOS TERRITÓRIOS DE LAJEADO DO BUGRE, SAGRADA FAMÍLIA E SÃO PEDRO DAS MISSÕES – RS

A pesquisa foi realizada com agricultores dos territórios municipais de Lajeado do Bugre, Sagrada Família e São Pedro das Missões, onde foram pesquisadas em torno de 5% das famílias que compõem a população rural. Uma parcela dos entrevistados são pessoas carentes e a grande maioria depende de programas oficiais para sobrevier e viver, além daqueles agricultores que dependem de políticas públicas para continuar no campo. A escolha dos agricultores para fazer as entrevistas contou com a participação direta dos dirigentes políticos municipais e de funcionários da EMATER-RS. O questionário foi orga-nizado de forma tal que contemplasse temas diversos, abordando a realidade do espaço agrário dos três territórios, dando ênfase aos aspectos culturais voltados aos eitos ligados ao cultivo e produção de alimentos saudáveis, com a identificação de práticas de economia solidária presentes nas relações sociais.

1.1 Sujeitos Camponeses Cultivando a Vida em Pequenas Áreas de Terra

Para ajudar entender a realidade do espaço rural da área pesquisada decidimos que seria de suma importância apontar algumas características relacionadas à formação étnica e cultural dos agricultores, bem como a identificação da estrutura fundiária e como se encontra a real distribuição de terras.

A origem étnica da população que constitui os agricultores possui inúmeras pro-cedências. De acordo com o Gráfico 01 verificamos a presença de índios/nativos, cabo-clos, alemães, espanhóis, italianos, negros, poloneses e outros. Dependendo da formação étnica e cultural é possível melhor entender as ligações existentes entre os agricultores camponeses com o desenvolvimento do espaço agrário dos três territórios pesquisados.

Gráfico 01 - Procedência étnica dos agricultores entrevistados

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A quanti dade de terra entre os entrevistados varia de 01 a 100 hectares, sendo que a maioria deles ati nge uma quanti dade inferior a 20 ha. Além disso, muitos não possuem lote de terra, como aponta o Gráfi co 01, a realidade de Lajeado do Bugre - RS. Optou-se por pesquisar agricultores com pequena extensão de terras, por se entender que são nes-sas propriedades rurais que se encontram sujeitos guardiões da cultura camponesa, sendo mais valorizada neste conti ngente histórico.

Gráfi co 02 – Estrutura Fundiária de Lajeado do Bugre - RS

A parte inicial da pesquisa contempla perguntas que foram organizadas com a fi -nalidade de identi fi car e conhecer a realidade agrária da economia da casa e do seu en-torno, verifi cando aspectos da estrutura fí sica da moradia dos agricultores e os elementos que estão envolvidos na organização e manutenção da casa residencial. Neste senti do, os questi onamentos moti vavam os entrevistados a se manifestarem, apontando os aspectos ligados às condições da casa, a origem da água consumida, a existência ou não de jardim e árvores ornamentais, se os agricultores possuíam horta ou não, além de outros aspectos concernentes a realidade da casa e de seus habitantes.

Na cultura camponesa a casa de moradia possui um signifi cado muito grande na vida dos agricultores camponeses. Ao contrário do agronegócio que apenas almeja lucro com a uti lização da terra, o camponês faz da terra uma extensão da sua vida, por isso a casa, além de ser um marco de referência do grupo familiar, se consti tui no principal ele-mento na manutenção da sua existência e para a construção da própria identi dade. A casa é segurança, e acima de tudo, a moradia e seu entorno, se transformam num laboratório de experimentos e de aprendizagem. Existem muitos elementos presentes na organização de uma moradia camponesa, tanto dentro quanto fora da casa. Os sujeitos que vivem e convivem nesse ambiente sabem muito bem como administrar a casa e seu entorno. As-sim sendo, a casa de moradia camponesa abriga os camponeses e serve de depósito de muita cultura e sabedoria, congregando todos os instrumentos fí sicos necessários para desenvolver a vida no campo.

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1.2 Semelhanças e Diferenças de Economia entre a Agricultura Campone-sa e a Agricultura de Mercado ou do Agronegócio

Ao aprofundarmos nosso entendimento referente às origens da economia e da eco-logia iremos perceber que tanto um conceito quanto outro possuem vínculos com a casa e seus cuidados, porém queremos deixar claro que a abordagem que estamos apontando referente à casa, está relacionada à casa de moradia, mais especificamente à moradia dos camponeses pesquisados. Na organização do desenvolvimento de uma propriedade rural ou de uma unidade de produção agropecuária camponesa é impossível imaginar e nem analisar sem a abordagem da economia ou da ecologia que significam, grosso modo, co-nhecer a casa de moradia e construir bons hábitos e costumes para cuidar da casa.

Ao entendermos que a definição embrionária de economia condiz com casa e seus costumes, iremos compreender o significado da moradia camponesa, construída e recons-truída sem negócios, mas sim, com cuidados. Por isso, se torna oportuno recuperarmos a origem do termo economia, criado pelos gregos, em que eco quer dizer casa e nomia costumes. A palavra “economia” deriva da junção dos termos gregos “oikos” (casa) e “no-mos” (costume, lei) resultando em “regras ou administração da casa, do lar”. O conceito de economia11 engloba a noção de como as sociedades utilizam os recursos para a produção de bens, bem como o valor e a forma como é feita a distribuição desses bens entre os indivíduos.

Outra definição e que se aproxima da abordagem anterior para o termo econo-mia12, vamos perceber uma relação próxima entre uma e outra definição. Nesta análise a palavra economia vem do grego οικονομία (de οiκος,translit.oikos, ‘casa’ + νόμος, translit, enomos, ‘costume ou lei’, ou também ‘gerir, administrar’: daí “regras da casa” ou “admi-nistração doméstica”. Essa definição acrescenta que a economia é uma ciência que analisa a produção, distribuição e consumo de bens e serviços. Concluímos que as semelhanças entre uma definição e outra são significativas, e o que difere são as inclusões feitas na abordagem a seguir, imbuídas por um olhar de sistema econômico.

As modificações ocorridas na definição e na abordagem da economia desde as suas origens até o atual contexto histórico e econômico refletem diretamente no planejamento dos espaços agrários do Rio Grande do Sul. Para os agricultores camponeses o significado da economia difere dos agricultores do agronegócio, pois, se para os camponeses a econo-mia condiz com o surgimento do termo, para os agricultores do agronegócio a economia rural é uma atividade que visa preponderantemente à obtenção de lucro e de acúmulo de capital.

Os agricultores camponeses brasileiros foram invadidos pelos ideários economicis-tas do agronegócio a partir das últimas décadas, e ainda estão sentindo uma forte ameaça de destruição de suas culturas, comprometendo as suas sobrevivências. Para o agronegó-

11 Disponível em <http://www.significados.com.br/economia/>. Acesso em 08 ago.2014.12 Disponível em <http://pt.wikipedia.org/wiki/Economia>. Acesso em 08 ago.2014.

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cio não existe tamanho de propriedade rural nem quantidade de produção, o importante é transformar a atividade agropecuária num grande negócio. Em nome do lucro, nega-se toda e qualquer possibilidade de pensamento e atitude que não corresponda aos princí-pios capitalísticos. Dessa maneira, os territórios agrários do Médio Alto Uruguai gaúcho passaram, em grande parte, de territórios rurais como fonte de vida para territórios volta-dos ao comércio e mercado.

A agricultura camponesa planeja seu território com a finalidade de desenvolver os sujeitos que estão envolvidos em cada unidade agrária, assim sendo, a pequena proporção de terra é suficiente para o desenvolvimento humano. As produções excedentes precisam existir, pois existe uma dependência técnica de outras culturas ou tecnologias. Das inúme-ras tecnologias utilizadas na atividade agropecuária os camponeses conseguem ter domí-nio ou compreensão sobre as mesmas e outras não, por isso as tecnologias que lhe faltam, o agricultor necessita comprar em forma de conhecimento, de instrumento de trabalho e equipamentos ou em forma de produto de consumo. Para suprir a necessidade total da tecnologia de dependência externa da sua propriedade, o agricultor camponês compra, geralmente nos centros urbanos, os equipamentos ou produtos faltantes. Ao comprar, precisa pagar com moeda corrente ou com produtos da sua propriedade agrícola, assim sendo, necessita produzir excedentes para atender essa demanda.

A agropecuária para o agronegócio é um espaço para o negócio que tem como princípio acumular capital e obter lucro. Esse modo de desenvolver a atividade agrícola é controlado por alguns aglomerados muito poderosos; econômica, tecnológica e politica-mente. Nesta linha de raciocínio, os territórios rurais de Lajeado do Bugre, Sagrada Família e São Pedro das Missões seriam preferidos pelo avanço das relações capitalistas no campo, a partir de 1990, para atender os objetivos e os desejos dos detentores de capital. Assim foram sendo introduzidas medidas para tornar o agricultor dependente do modo agro-negócio de praticar a agropecuária com propostas técnicas para desestabilizar a cultura camponesa e dar poderes exagerados às técnicas modernas de precisão.

Neste contexto histórico presenciamos uma modernização da agricultura um pouco diferente da modernização agropecuária da década de 1970. Visualizam-se alguns incre-mentos a mais daqueles existentes no final do século passado, com uma presença maior das empresas atuando diretamente com os agricultores. Se o Estado, com todo o seu apa-rato tecnológico e de extensão daquele período histórico, era a vanguarda das mudanças agropecuárias, atualmente percebemos que alguns aglomerados econômicos, em nível mundial, controlam quase todo o processo de produção e de consumo no meio rural. As principais empresas mundiais são13a Dow, Monsanto, Bayer, Basf e Du Pont, se responsa-bilizam pelo controle da produção desde a invenção das sementes até a industrialização e comercialização de muitos produtos agrícolas.

13 Disponível em <http://portalafricas.com.br/v1/silvio-tendler-o-filme-que-dow-monsanto-syn-genta-bayer-basf-e-du-pont-nao-querem-que-voce-veja/>. Acesso em 09 ago.2014

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Num efeito cascata, esses aglomerados vão estendendo o controle econômico, téc-nico, político e jurídico, desde as ideias iniciais de planejamento agropecuário até o consu-mo final das mercadorias derivadas desse setor. O atual governo do estado do Rio Grande do Sul está desenvolvendo um planejamento com o objetivo de recuperar parte da cultura camponesa que promovia o cuidado com a vida e por isso desenvolvia a economia voltada ao cultivo e produção de alimentos saudáveis. Muitas políticas públicas entrelaçadas entre os governos municipal, estadual e federal buscam revalorizar o agricultor camponês incen-tivando a independência técnica e econômica desses para com os detentores do mercado, porém a competição com o poder dos aglomerados do agronegócio impede a implemen-tação de tais políticas.

Também é fato afirmar que parte significativa das políticas do governo federal está ligada ao agronegócio, com programas difundidos pelo MAPA (Ministério de Abastecimen-to e Produção Agropecuária) preconizando o agronegócio. Por outro lado, o governo atua com o MDA (Ministério de Desenvolvimento Agropecuário), com medidas que incentivam a agroecologia e a cultura camponesa, porém o MDA possui muito menos poder que o MAPA. Neste sentido, os financiamentos ou os empréstimos governamentais são promovi-dos com a preponderância dos interesses neoliberais do agronegócio e com poucas opor-tunidades para a agricultura camponesa. O poder dos representantes políticos do agro-negócio no Congresso Nacional e no Senado Brasileiro representa 70%, enquanto que, o poder dos representantes políticos dos agricultores camponeses atinge menos de trinta por cento do total do Legislativo. Isso significa afirmar que as medidas governamentais do governo federal, mesmo as do Executivo, estão atreladas aos interesses do grande capital.

O espaço rural do noroeste do Rio Grande do Sul, ao se expor demasiadamente à economia de mercado, foi perdendo suas características de agricultura camponesa e ga-nhando aspectos de agricultura de negócio. Com isso, a autonomia dos sujeitos do campo que possuíam um modo de pensar livre, para construir seus microterritórios rurais, obje-tivando a qualidade de vida na roça, foi perdendo, em parte, o seu significado, e em seu lugar foi se criando uma estrutura de dependência aos interesses do grande mercado e da indústria. Tendo em vista que nem sempre ocorre uma homogeneização de desconstru-ção e reconstrução cultural, percebemos que parte dos territórios rurais e de suas terri-torialidades, não assumiu o pensamento neoliberal e manteve a cultura camponesa. Essa constatação nos alerta para analisarmos mais profundamente a realidade socioespacial rural desse território regional e verificar se a cultura do agronegócio tomou conta definiti-vamente ou se ainda persistem traços da agricultura camponesa.

A pesquisa realizada nos três territórios municipais gaúchos, de Lajeado do Bugre, Sagrada Família e São Pedro das Missões, pretendia e ainda deseja desvendar a realidade sócio-econômica-cultural rural, apresentando os dados relacionados com essa realidade. Apesar de nos atentarmos mais às manifestações espaciais ligadas ao cultivo de alimentos saudáveis e às práticas de economia solidária, indiretamente todos os dados coletados e analisados possuem correspondência e fazem parte do território na sua integralidade.

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Uma preocupação que vem na mente de qualquer ser humano que almeja cons-truir sua casa ou sua morada é a terra. Portanto, a terra para qualquer animal, inclusive para o hominídeo linguajante, significa segurança, é a guarida, ou seja, é a certeza de proteção e abrigo. Enquanto os promotores do agronegócio criam pânico e desespero ao transformar a terra em mercadoria, o modo de pensar do camponês é ter um espaço de terrar para viver e conviver. Por isso, no olhar dos camponeses, a terra é sequência da vida, é esperança que a vida continuará seu trajeto até o final.

Ao perder a sua autonomia sobre o planejamento da terra, o agricultor campo-nês perdeu sua instabilidade técnica e econômica, precisando se submeter aos anseios do grande capital internacional e nacional, sendo submetido aos comandos do mercado, que não condizem com os desejos dos camponeses. Com a deformação da identidade, foi se destruindo a cultura camponesa, pois essa não colabora com o mercado do agronegócio. As medidas adotadas pelo grande capital monopolista, ligado ao setor agropecuário, bus-cou investir em vários fronts para atacar a agricultura camponesa.

A economia camponesa gira em torno dos sujeitos que compõem a família ou a comunidade camponesa, no caso estudado, a maioria dos agricultores possuem posse de terra, e uma parte deles não. Precisamos compreender que não é a organização familiar que define o modo de produzir e de consumir no campo, mas sim o modo de pensar e de agir. A composição da família é composta por homens, mulheres, jovens e crianças, inde-pendente da faixa etária que cada componente da família se encontra.

O modo de produzir e de consumir na agricultura está relacionado ao pensamento, à cultura, aos valores humanos que cada qual possui. No modo de produção capitalista, a terra e as pessoas são tratadas como mercadoria, no modo de produção camponês, a terra faz parte das pessoas e as pessoas são gente, são seres humanos, são sujeitos da história. Por isso, que a casa do agricultor camponês deve ser vista como uma morada em que a mesma está inserida num contexto com contornos físicos e naturais entrelaçados com as dimensões culturais.

Gráfico 03 – Estrutura Física das casas de moradia

As estruturas das casas de moradia dos entrevistados possuem características dife-rentes, algumas foram construídas de alvenaria, algumas mistas e outras de madeira. Na

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pesquisa não apareceu o registro de casebre, apesar de muitas residências serem muito humildes, apresentando algumas defi ciências fí sicas. Vale destacar que muitas moradias foram construídas com porões. Para o agricultor camponês, o porão representa um mini-mercado onde são guardados muitos alimentos para serem conservados até que se to-mem providências de outros alimentos.

Gráfi co 04 - Saneamento Básico das Moradias de Sagrada Família – RS

O gráfi co anterior apresenta os dados referentes ao saneamento básico das casas e energia elétrica. A energia elétrica está instalada em todas as casas, bem como todas possuem fossas sépti cas ou sumidouros. Esses dados foram coletados em Sagrada Família, sendo que nesse território 100% dos entrevistados possui banheiro, porém nos municípios que ainda não possuem, as famílias estão inscritas num programa do governo federal que fi nanciará a construção dos mesmos, que serão monitorados pelo governo municipal.

Algumas casas possuem jardins e árvores ornamentais, outras não, como podemos verifi car nos dados coletados. As fl ores são culti vadas geralmente pelas mulheres da casa, sendo que as mudas são trocadas entre vizinhos. A compra de mudas de fl ores aparece apenas em alguns casos.

Gráfi co 05 - Jardins domésti cos nas casas dos agricultores

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Figura 01 – Jardim numa Propriedade Rural em Sagrada Família – RS

Os dados do Gráfico anterior mostram um percentual de 60% que não possui jar-dim, porém são raros os agricultores que não cultivam flores, mesmo não havendo um espaço definido para ser estetizado, quase que a maioria deles possui flores. Geralmente encontram outros meios, como vasos para cultivar flores.

Constata-se que a quantidade de lixo ou de resíduos sólidos, bem como os líquidos têm aumentado consideravelmente nas últimas décadas, no espaço rural. A maioria dos agricultores afirma fazer a separação do lixo doméstico, sendo que parte do mesmo é lançada na horta ou roça, ou ainda jogada para os animais domésticos, e parte dele, o lixo seco, a maior parte é queimada e outra, a Prefeitura recolhe. Nesta abordagem, não nos aprofundamos na análise referente ao destino dos resíduos líquidos, porém é fato que a presença de produtos químicos misturados na água e jogados no esgoto da cozinha, do banheiro e da área de serviço, em que os mesmos podem contaminar os lençóis freáticos e cursos d’água subterrâneos.

1.3 Terra, Solo, Água, Ar, Vegetais, Animais mais os Humanos: Vida Sim, Negócio Não

Analisando a economia camponesa na sua essência, possivelmente perceberemos as relações socionaturais estabelecidas entre os camponeses e os elementos da natureza. Se a terra é extensão da vida, os demais elementos naturais também fazem parte, como o ar, a água, os vegetais, os animais e outros componentes dos ecossistemas. Por isso, a cul-tura que desenvolve a agricultura camponesa procura respeitar os elementos da natureza e compreender que os mesmos são orgânicos e interdependentes de outros elementos naturais como a atmosfera e sua constituição.

Ao escolher um lugar para morar, que vai se transformando num território, os cam-poneses avaliam se as condições naturais são favoráveis para o desenvolvimento de todos os sujeitos que constituem aquele grupo familiar. A terra é considerada fonte de vida. É nela que se estabelecem outros elementos da vida humana como a água. O elemento na-tural água, juntamente com o solo é de vital importância e de extrema necessidade para

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a existência animal, incluindo os seres humanos. Sem o processo de modernização agro-pecuária, a presença da água no território a ser escolhido pelos agricultores camponeses era inevitável. Encontrada na nascente, habitualmente denominada de fonte d’água ou originária de um córrego ou rio, a água servia para atender as necessidades humanas e dos animais criados pelos camponeses.

Gráfico 06 - Origem da água consumida pelos agricultores

Com o processo de modernização agropecuária, a água deixou de ser rigorosamen-te cuidada em suas nascentes, pois os lugares onde surge a água naturalmente passaram a ser desmatados ou desvegetados e degradados com a produção agrícola desejada pelas agroindústrias. Além das degradações da vegetação e do solo, a maior parte das águas potáveis foi e está sendo contaminada por agrotóxicos depositados nas lavouras e os quí-micos em geral utilizados na criação agropecuária. Ao invés de se questionar o modo como se utiliza o solo agrícola e urbano, os governos em geral constroem alternativas, no que se refere ao abastecimento de água. Tanto os moradores urbanos quanto os habitantes rurais são contemplados pelo Estado com rede de água encanada, porém com muitas dúvidas relacionadas à boa qualidade da mesma.

Assim como a água, a vegetação, independentemente de qualidade, quantidade ou de espécie foi sendo destruída pelo avanço do capitalismo no campo, em nome da mo-dernização agropecuária. Inclusive se criaram leis para impedir a derrubada de vegetação com espécies nativas, contraditoriamente, incentivando-se o cultivo de vegetação exótica. Ao invés de utilizar a vegetação existente de forma racional, incentivando a reposição da mesma, de acordo com a quantidade extraída, criou-se um modo legalista que proíbe e inibe o plantio de árvores nativas e se motiva o plantio de árvores exóticas. Com isso, os ecossistemas naturais e originais foram e estão se degradando ainda mais, comprometen-do-se assim, os demais elementos naturais que dependiam da vegetação para existir.

Podemos citar dois exemplos culturais dos gaúchos que estão sendo ameaçados com o avanço da agricultura moderna e de precisão, uma delas é a contaminação da er-va-mate, que se encontra junto ou próximo das lavouras de soja, trigo e milho, por metais pesados. A outra complicação é a proibição da utilização da lenha com espécies nativas para assar a carne do churrasco ou manter acesas as chamas do fogão à lenha. A utilização intensa, rápida e desenfreada patrocinada pelo agronegócio está destruindo uma ou várias culturas seculares que dependiam diretamente da existência dos ecossistemas completos

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para desenvolver suas vidas. Tanto a agricultura quanto a pecuária, no atual modo de pro-dução e de consumo poluem, degradam e destroem a natureza física/natural, bem como a natureza humana.

1.4 Origem da Alimentação dos Agricultores nos Territórios Locais de La-jeado do Bugre, Sagrada Família e São Pedro das Missões – RS

As mudanças ocorridas na forma de alimentação dos sujeitos do campo no territó-rio do Médio Alto Uruguai gaúcho, nas últimas décadas, foram significativas em alguns ca-sos e menos importantes em outras situações. Ao estudar a realidade rural dos territórios locais de Lajeado do Bugre, Sagrada Família e São Pedro das Missões-RS percebe-se que existem alguns exemplos em que agricultores deixam de cultivar seu próprio alimento para adquirir o mesmo, nos supermercados. Outros agricultores cultivam e produzem inúmeros e diversificados tipos de alimentos, se alternando entre gêneros in natura e fabricados ou feitos pelas mãos dos próprios agricultores.

Para o desenvolvimento territorial com sustentabilidade, não combina muito um território municipal depender de outros territórios os produtos de subsistência, por exem-plo. É um debate que requer muito estudo, discussão e atitude política.

Gráfico 07 - Alimentação doméstica nos municípios de Lajeado do Bugre, Sagrada Família e São Pedro das Missões – RS

Apresentam-se nesse gráfico dados que servem de alerta aos dirigentes políticos municipais, estaduais e federais, aos que desejam qualidade de vida e um lugar melhor para morar. A pesquisa apresenta um dado sobre a origem ou procedência da alimentação doméstica dos agricultores entrevistados nos três territórios, que preocupa os defensores do desenvolvimento territorial sustentável. Se quase a metade da população depende de outros territórios para se alimentar, isso significa que o PIB do município diminui, sofrendo consequências negativas com esses hábitos e costumes. Além disso, ao consumir produtos alimentícios desconhecidos pode-se colocar em dúvida a qualidade e o sabor dos mesmos.

Os dados a seguir, referem-se ao planejamento da alimentação e o envolvimento dos membros do grupo familiar para cumprir essa finalidade. Verificamos que a mulher

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exerce um papel importantí ssimo nesse item, se transformando num importante ícone da economia domésti ca.

Gráfi co 08 – Responsáveis pelo planejamento da alimentação domésti ca em Sagrada Família – RS

A invasão cultural urbana vinculada ao avanço do capitalismo no campo, incenti va o consumo de produtos alimentí cios industrializados e desmoti va o consumo de produtos culti vados na roça ou fabricados por agricultores camponeses. A dependência técnica e cultural dos camponeses relacionada à alimentação, aumentou consideravelmente, nas últi mas décadas, com práti cas de consumo domésti co, um tanto espantoso. Um exemplo de dependência é o uso frequente de refrigerantes arti fi ciais, em negação ao consumo de sucos derivados de frutas nati vas ou culti vados pelo agricultor. Outros exemplos de dependência técnica e econômica da morada dos agricultores são encontrados nos terri-tórios rurais estudados, como a compra nos supermercados urbanos de muitos produtos alimentí cios que poderiam ser culti vados ou produzidos pelos agricultores.

Ao analisar a realidade do espaço agrário dos municípios de Lajeado do Bugre, Sa-grada Família e São Pedro das Missões-RS, aparecem algumas parti cularidades específi cas em cada território, mas muito semelhante, no contexto em geral. Os dados levantados preocupam aqueles que sonham com o desenvolvimento territorial sustentável, porém sa-ti sfazem os interessados e defensores da manutenção das relações capitalistas no campo, sem respeito e dignidade em que o lucro se sobressai.

Se por um lado, o consumo de produtos industrializados aumentou entre os agri-cultores, por outro percebemos que ainda se mantém uma cultura de independência do mercado industrial, no que se refere a muitos alimentos consumidos in natura e outros fabricados pelos agricultores camponeses. Como se nota nos gráfi cos e quadros, os sujei-tos do campo preservam muitos hábitos e costumes relacionados à economia domésti ca que precisam ser destacados. Os exemplos que aparecem com relação ao uso de muitos produtos da roça uti lizados como matéria-prima para a fabricação de inúmeros alimentos, tanto derivados de vegetais quanto de animais.

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Gráfico 09 - Horta entre os agricultores nos municípios de Lajeado do Bugre, Sagrada Família e São Pedro das Missões – RS

A cultura camponesa pode ser considerada uma cultura necessária para o desen-volvimento territorial sustentável pelas possibilidades que a mesma apresenta no que se refere ao desenvolvimento do ser humano de maneira saudável e sem destruir, degradar ou contaminar os alimentos, nem mesmo o solo, a água e os animais.

As práticas e experiências dos agricultores camponeses para suprir as necessidades básicas, cultivando e produzindo alimentos, permite uma relação amistosa e respeitosa com a natureza. Os espaços destinados para o cultivo de vegetais, geralmente, se encon-tram no entorno da casa, bem próximo a ela, num reservado denominado horta.

Na horta é cultivada uma enorme variedade de alimentos vegetais, entre eles os destaques para as verduras, tubérculos, frutos, leguminosas e outras. Dentre essas hor-taliças pode-se destacar: alface, repolho, brócolis, chicória, tomate, cenoura, beterraba, couve-flor, rúcula, pepino, rabanete, ervilha e muitos outros.

Parte dos vegetais consumidos, como alimentos, são cultivados na propriedade ru-ral, junto ao planejamento e organização dos demais plantios e cultivos. Dentre os vege-tais cultivados, diferentes das hortaliças, podem ser destacados feijão preto, milho, amen-doim, batata-doce, batata-inglesa, mandioca, abóbora, moranga, melão, cana-de-açúcar, melancia e outros.

Também faz parte da dieta dos agricultores camponeses frutas diversificadas, algu-mas nativas e a maioria delas são frutíferas exóticas, porém, tendo em vista que o cultivo está sendo realizado por muito tempo, às vezes pode-se confundir com frutas nativas. Os cítricos em geral são cultivados pelos agricultores locais, além de outras espécies como a videira, abacateiro, ameixeira, caquizeiro, bananeira, abacaxizeiro, pessegueiro, amoreira e outras.

A proposta e a execução dos planejamentos do agronegócio para a agricultura está direcionada para a produção de monoculturas, tanto na agricultura quanto na pecuária.

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PESQUISA E ENSINO: FERRAMENTAS DE GESTÃO PÚBLICA NO RS

Numa outra dinâmica de planejamento, por isso identificamos como desenvolvi-mento, os agricultores camponeses cultivam muitos vegetais e transformam em subpro-dutos, bem como criam inúmeros animais destinados para a alimentação e para a tração diversificada.

Quadro 01: Produtos vegetais cultivados pelos agricultores

Produto LB SF SP Produto LB SF SP Produto LB SF SP

Abacate S S Cebolinha S S S/V Morango S

Abacaxi S S Cenoura S S S/V Moranga S

Abóbora S S S Cereja S S Morango S/V

Acerola S S Chicória S S/V Nozes S S

Agrião S Chuchu S S/V Palmito

Alface S/V S S/V Coquinho S Pão de açúcar

S S

Alho S S/V Couve S S S Pepino S S/V

Ameixa S S Couve-flor S S Pera S S

Ameixinha S Cravo Pêssego S S S/V

Amendoim V S S/V Ervilha S S Pimenta S S

Amora S S Figo S S Pimentão S S

Ananás S Feijão S S S/V Pinhão S S

Angá S S Fruta-do-conde

S Pipoca S S S

Araticum S S Jabuticaba S S Pitanga S

Arroz Kiwi S Quaresma

Aveia S S/V Laranja S S S/V Rabanete S S

Batata-doce S S/V Lima S S Radite S S

Batatinha S/V S S Limão S S S/V Repolho S S S/V

Bergamota S S S/V Maçã S S Romã S

Beterraba S S/V Mandioca V S S/V Rúcula S/V S

Brócolis S S Manga S S Salsinha S S/V

Butiá S Manjericão S S S Soja V S/V

Cana S S/V Maracujá S Tomate S S/V

Canela S S Melancia S/V Trigo S S/V

Caqui S S Melão S S/V Uva S S/V

Carambola S Milho S S/V S/V Vagem S SLegenda:LB – Lajeado do Bugre; SF - Sagrada Família; SP – São Pedro das MissõesS – Produtos somente para a subsistência; S/V - Produtos para a subsistência e para a venda

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DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL, TECNOLOGIA, INOVAÇÃO E PESQUISA

Com esse modo de pensar e de agir, os agricultores camponeses criam muitos ani-mais como vaca de leite, gado bovino de corte, ovelhas, porcos, galinhas, patos, coelhos, abelhas, peixes e outros. Além do aproveitamento direto dos animais para o consumo, também conseguem beneficiar uma quantidade enorme de subprodutos derivados dos animais criados na propriedade.

1.5 Na Economia da Agricultura Camponesa são Somados os Dados do Cultivar Mais Criar Mais Fabricar Mais Guardar que Resulta em Cultura e Política

A economia da agricultura camponesa se diferencia da agricultura de mercado e de negócio pela dinamicidade e organização desenvolvida pelos sujeitos do campo e por isso se sustenta e se recria por milhares de anos. Buscar a independência para um grupo de camponeses significa não depender de outros para existir, porém, essa existência pre-cisa ser construída com ética e cuidado. Assim sendo, alguns verbos como cultivar, criar, fabricar e guardar se transformam em ações e atitudes, constantemente. Isso precisa ser orgânico e dinâmico, pois esse jeito de ser agricultor requer uma aproximação dos elemen-tos da natureza, que podem se transformar em recurso benéfico, e às vezes, em prejuízo.

Quadro 02: Animais criados pelos agricultores

Animais LB SF SP Animais LB SF SP

Abelha Exótica S Porco S/V S S/V

Abelha Nativa S S Pomba S S

Codorna S Gado de corte S/V S S/V

Galinha S/V S S/V Cabrito S

Marreco S Cascudo S

Pato S S S Carpa-capim S S/V

Pavão S Dourado S

Peru S S Joaninha S

Coelho S S Lambari S S

Ovelha S S Muçum S S

Gado leiteiro S/V S S/V Pintado SLegenda:LB – Lajeado do Bugre; SF - Sagrada Família; SP – São Pedro das MissõesS – Produtos somente para a subsistência; S/V - Produtos para a subsistência e para a venda

O agronegócio motiva a monocultura e o consumo de produtos industrializados com o uso de tecnologias compradas, com agricultores produzindo para o mercado. A

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agricultura camponesa planeja, inicialmente, para a subsistência, com tecnologias próprias dos camponeses, projetando a policultura e a criação de espécies diversificadas de ani-mais.

Presenciamos nos três territórios locais pesquisados que, apesar da existência de geladeiras, freezers e outros meios de conservação refrigerada, muitos agricultores cam-poneses guardam em abrigos fechados e protegidos de invasões predadoras, muitos ve-getais in natura. Ainda são utilizados outros produtos como o leite, os ovos, a lã, o mel, a cera, própolis, pé-de-moleque, pipoca e outros. Também fabricam muitos produtos de ori-gem animal como a nata, manteiga, queijo, salame, copas, banha (gordura animal), carne de porco cozida e conservada na gordura, além de outros derivados de animal.

Quadro 03: Produtos fabricados pelos agricultores

Alimentos LB SF SP Alimentos LB SF SP

Açúcar mascavo S Mel S S/V

Banha S S/V Melado S S S

Bacon Morcela S

Bolachas S S S/V Mortadela S

Bolos S S Nata S

Cachaça Pão S S S/V

Canjica S/V Pé-de-moleque S S S

Chimias S S S/V Presunto

Coalho Queijo de porco S S

Cri-cri S S Rapadura S S

Cucas S S S/V Requeijão S V

Farinha Roscas S S/V

Fermento Salame S

Garapa S Torresmo S S

Graspa Vinagre S/V

Leite S S/V Vinho S/V

Macarrão S S S Vinho doce S/V

Manteiga S SLegenda:LB – Lajeado do Bugre; SF - Sagrada Família; SP – São Pedro das MissõesS – Produtos somente para a subsistência; S/V - Produtos para a subsistência e para a venda

Constatou-se que muitos frutos cultivados são consumidos in natura e muitos deles são utilizados como matéria-prima para a fabricação de outros produtos como geleias, su-cos, vinho, vinagre, conservas, compotas e outros. Assim como os frutos, muitos vegetais

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DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL, TECNOLOGIA, INOVAÇÃO E PESQUISA

cultivados na agricultura servem de matéria-prima para a fabricação de farinha de milho, farinha de mandioca, polvilho, açúcar mascavo, melado e outros.

Quadro 04: Ervas medicinais utilizadas pelos agricultores

Ervas Lb Sf Sp Ervas Lb Sf Sp

Agrião CP CP Gervão CP

Aipo CP CP Guaco CP

Alcachofra CP CP Hortelã CP CP

Alecrim CP CP Losna CP

Arruda CP Macela CP CP CP

Babosa CP CP Manjericão CP CP

Boldo CP CP CP Malva CP CP

Camomila CP CP CP Manjerona CP CP

Carqueja CP CP Pata-de-vaca CP CP

Catinga-de-mulata CP Poejo CP

Cavalinha CP CP Ponto-alívio CP

Chapéu de couro CP Pulmonária

Cidreira CP CP CP Sabugueiro CP

Confrei CP Sipó-milome CP

Erva-doce CP CP Sálvia CP

Erva-mate CP CP Terramicina CP

Espinheira-santa Transagem CP

Funcho CP CP VickLegenda: LB - Lajeado do BugreSF - Sagrada FamíliaSP - São Pedro das MissõesCP - Consumo Próprio

Outros dados apontam a existência de chás e ervas medicinais. Alguns extraídos da vegetação nativa e outros cultivados. Juntamente com as hortaliças, costumeiramente os agricultores cultivam temperos para serem utilizados na confecção dos pratos, além de chás e ervas medicinais. Muitos aproveitam as ervas medicinais in natura, porém, muitos utilizam para a fabricação de outros medicamentos caseiros.

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PESQUISA E ENSINO: FERRAMENTAS DE GESTÃO PÚBLICA NO RS

Gráfico10 - Cultivo e uso de ervas medicinais nos municípios de Lajeado do Bugre, Sagrada Família e São Pedro das Missões – RS

Os agricultores guardam muita sabedoria também no que se refere ao tratamen-to de pequenas doenças através da utilização de chás feitos com ervas, raízes, cascas de madeiras, folhas e outras. Sabem também fabricar muitas alternativas ao medicamento farmacêutico moderno/químico, como pomadas, cremes, emplastos e outros, utilizando, principalmente os vegetais.

1.6 O Desenvolvimento da Atividade Agropecuária entre os Camponeses e a Agricultura Moderna

A produção na agricultura regional se concretiza através de atividades ligadas ao cultivo e produção de grãos e outros vegetais e na atividade pecuária com a criação e produção de animais. Parte das atividades atende diretamente as necessidades básicas dos agricultores e parte está voltada à produção de matéria-prima para as agroindústrias. Alguns agricultores exercem sua profissão vendendo alguns produtos agrícolas, in natura, em parte, e fabricados, outra parcela. Na pesquisa aparecem dados relacionados ao pro-cesso de produção agropecuário direcionado às agroindústrias em que a tecnologia exter-na interfere mais nas atividades realizadas pelos agricultores do que ao cultivar e criar para a produção ligada ao consumo doméstico.

A força mecânica motorizada está presente nas atividades agrárias, tanto no pre-paro do solo, transportes em geral na propriedade, quanto na preparação da alimentação animal, transporte da água encanada e na ordenha do leite. Nesse sentido, percebemos que a energia elétrica é de suma importância nas propriedades rurais, quanto à energia derivada de petróleo.

Para a agricultura camponesa é costumeiro a diversificação da produção na pro-priedade rural, pois nessa cultura as atividades da roça e da pecuária andam juntas e se entrelaçam nos seus afazeres cotidianos. Tanto o cultivo de plantas agrícolas quanto a cria-ção de animais são planejado junto, o que exige do agricultor habilidades nos dois setores. Para atender as necessidades básicas de alimentação como a carne, ovos, leite e outros, como para o transporte em geral.

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O gráfi co a seguir aponta uma realidade do município de Lajeado do Bugre, com poucas alterações nos demais territórios. O dado apresentado registra uma dependência signifi cati va do agricultor para com a indústria química, principalmente, no que se refere à alimentação animal. Contrariando a lógica do capital, existem agricultores que produzem a ração animal na própria propriedade rural, uti lizando milho, soja, abóbora, mandioca e outros tubérculos ou vegetais.

Gráfi co 11 – Origem da alimentação animal dos agricultores de Lajeado do Bugre – RS

O solo está sendo preparado para a produção de grãos ou gramíneas, com a uti li-zação de adubos químicos e ferti lizantes. Além desses incrementos introduzidos no solo, a maioria uti liza agrotóxicos nas lavouras, em maior ou em menor escala.

Gráfi co 12 - Agricultores que uti lizam agroquímicos nos municípios de Lajeado do Bugre, Sagrada Família e São Pedro das Missões – RS

Não aparecem dados da quanti dade consumida, mas a maioria não consegue de-senvolver suas ati vidades agropecuárias sem o uso desses produtos. Principalmente o produto uti lizado para secar a vegetação, popularmente chamado de secante, parece ser indispensável na realização das ati vidades agrícolas.

Gráfi co 13 – Expectati va dos agricultores para desenvolver a ati vidade agropecuária sem o uso de agroquímicos em São Pedro das Missões – RS

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A dependência técnica de muitos agricultores, alguns na sua totalidade, outros em partes dependentes da tecnologia moderna, pois tanto na lavoura quanto na pecuária necessitam de técnicas agroindustriais para o exercício da atividade agrícola.

O exemplo citado sobre a possibilidade de desenvolver a atividade agrícola sem o uso de agroquímicos é de São Pedro das Missões–RS, porém, todos os agricultores entre-vistados apontam meios alternativos ao uso de produtos químicos. Ao analisarmos a di-mensão cultural de um agricultor, precisamos compreender que nem todos os agricultores se modernizaram ao todo, ou seja, alguns alteraram em parte o seu modo de produzir e de consumir, de acordo com os parâmetros do agronegócio.

Gráfico 14 - Meios alternativos de controle biológico entre os agricultores de São Pedro das Missões –RS

Ao pesquisarmos de forma mais profunda poderemos perceber que uma parte do seu modo de pensar e de agir com relação à agricultura, continua voltado à cultura campo-nesa, exercendo relações de respeito para com a natureza, não poluindo nem degradando. Se por um lado a tecnologia mecânica e agroquímica/sintética moderna invadiu a cultura dos agricultores, por outro, um número significativo de agricultores preservam os modos camponeses de cultivar o solo, utilizando adubos orgânicos, tração animal para aumentar a força motriz, arados simples, enxadas, foices e outros instrumentos manuais. Dessa for-ma, a atuação sobre os aspectos físicos e naturais são menos alterados do que no modo indicado pelo agronegócio.

1.7 As Sementes são Patrimônios da Humanidade como o Ar, a Água, a Terra: Fiquemos Atentos aos Atentados dos Forasteiros do Agronegócio.

O processo de modernização agropecuária no Brasil introduzido a partir de 1970, ocorreu pelo grande capital internacional e apoiado freneticamente pelos governos mili-tares e subsequentes, com a justificativa de diminuir a falta de alimentos. Foi apenas uma justificativa, pois fomos percebendo através de pesquisas teóricas e práticas, que o obje-tivo da modernização agropecuária tinha como cunho atender os interesses do mercado, controlado pelas transnacionais, monopolizando o processo de produção, industrialização e comercialização dos produtos agrícolas.

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DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL, TECNOLOGIA, INOVAÇÃO E PESQUISA

Uma das característi cas básicas da modernização agropecuária foi a mudança cul-tural, introduzida entre os agricultores que desempenhavam a ati vidade agropecuária e entre os consumidores. Numa ponta, produzir matéria-prima para a indústria e na outra consumir produtos industrializados, pois possuíam melhor qualidade.

Gráfi co 15 – Origem das sementes e mudas de hortaliças culti vadas pelos agricultores em Sagrada Família–RS

Verifi camos que um elemento, aparentemente, insignifi cante, relacionado ao se-tor agropecuário, diz respeito às sementes uti lizadas para a produção agrícola. Para os agricultores camponeses, as sementes são guardadas e trocadas com outros agricultores interessados nelas. Para o agronegócio, as sementes devem ser controladas por algumas empresas e manipuladas por laboratórios do gênero e posteriormente comercializadas por altos custos pela propriedade genéti ca.

Percebemos, a parti r do exemplo de Sagrada Família, que muitos agricultores pre-servam e trocam as sementes, mudas e similares uti lizadas, principalmente no culti vo da economia de subsistência. Os demais territórios apresentam dados semelhantes a esse respeito. Os governos municipais poderiam pensar e refl eti r sobre esse dado do gráfi co a seguir em que aparece um percentual elevado de agricultores que ainda compram semen-tes de hortaliças. Os dados a seguir mostram a realidade sobre a origem da semente nos territórios de Lajeado do Bugre e de São Pedro das Missões–RS.

Gráfi co 16 – Origem das sementes agrícolas uti lizadas pelos agricultores em Lajeado do Bugre–RS

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Gráfi cos 17 - Origem das sementes agrícolas uti lizadas pelos agricultores em São Pedro das Missões–RS

As principais empresas ligadas ao agronegócio querem controlar a produção e a co-mercialização de sementes em geral. Para a cultura camponesa, as sementes são patrimô-nio da humanidade e não podem ser controladas por ninguém, elas devem ser guardadas e trocadas gratuitamente. Esse é um debate quase desaparecido das salas de aula, desde a academia até o ensino básico.

Assim sendo, entendemos que Educação do Campo, precisa exercitar essa abor-dagem, constantemente para moti var a sociedade a conversar mais sobre as sementes em geral e a respeito do uso das mesmas. Os reais guardiões das sementes são os agri-cultores camponeses, o que não impede do agricultor moderno se tornar num guardião de sementes também. Os dados da pesquisa referentes aos territórios locais de Lajeado do Bugre, Sagrada Família e São Pedro das Missões–RS, apresentam uma realidade sobre as sementes vegetais e aos sêmens animais, reti rando dos agricultores parte signifi cati va do controle das sementes. Nos resultados pesquisados fi ca evidenciado que a maioria das sementes é comprada pelos agricultores, desde sementes e mudas das hortaliças e fl ores até as sementes uti lizadas nas lavouras de soja, trigo e milho.

Gráfi co 18 – Origem genéti ca para a reprodução animal no município de Lajeado do Bugre–RS

Com relação à origem da genéti ca animal, os agricultores afi rmaram que a inse-minação arti fi cial é responsável pela prenhez dos animais criados em suas propriedades. Isso ocorre, geralmente, com a produção do gado leiteiro, pois os agricultores que criam

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frangos e suínos para a indústria, a própria agroindústria fornece os suínos e frangos, com o controle genético da empresa.

No território local de Lajeado do Bugre–RS, conforme o gráfico a seguir aponta, é o município que mais utiliza métodos naturais para a reprodução animal, dos entrevistados, a maioria age desta maneira. Esse é um indicativo da continuidade de métodos tradicio-nais com a troca de genéticas, entre os reprodutores na criação de animais.

Muitos agricultores continuam fazendo a troca de sêmens de alguns animais, atra-vés de empréstimos ou de troca de animais reprodutores. Afirmam os agricultores que essa prática evita a consanguinidade e melhoria genética. No caso de aves, trocam-se os ovos. O exemplo disso ocorre muito em outras trocas de sementes vegetais ou mudas en-tre os agricultores entrevistados, com a finalidade de melhoria genética ou para adquirir novas espécies. Essas trocas são realizadas com cereais, tubérculos, mudas e outros.

Figura 02 - Símbolo Programa Tuia Cheia em Lajeado do Bugre–RS

Cabe destacar que no município de Lajeado do Bugre, com a ajuda de professo-res da URI – Campus de Frederico Westphalen–RS, e de educadores agroecológicos, está sendo criado e implementado o Programa Tuia Cheia. Esse programa tem a finalidade de resgatar as sementes crioulas existentes em nível local/regional, criar um banco de da-dos e promover o exercício da troca, bem como desenvolver o espírito do cuidado e da guarda das sementes agrícolas crioulas. O programa, após a sua concretização, deverá ser dissimulado para outros territórios rurais, pois não poderá ser exclusividade de um único território. Outros interessados poderão se beneficiar desse programa e executá-lo, da sua maneira, com o objetivo de ampliar a multiplicação de sementes crioulas.

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1.8 A Educação do Campo Ocupando o seu Espaço com o Desenvolvi-mento Territorial de Lajeado do Bugre, Sagrada Família e São Pedro das Missões–RS

A educação formal e informal contribuiu e ainda conti nua contribuindo para que a sociedade negue a cultura camponesa e enalteça a cultura urbana/industrial. Muitos mitos ainda estão presentes na práti ca agropecuária, principalmente para convencer os jovens a permanecer na agricultura, porém desprezando a cultura camponesa e endeusan-do a cultura moderna e de precisão. O Estado, por sua vez, cria leis que protegem a pro-dução de alimentos industrializados e, às vezes, desprotege o consumo de alimentos não industrializados. Os produtos industrializados podem, legalmente, uti lizar uma série de produtos químicos, contendo metais pesados, desde os agrotóxicos até os conservantes em geral, mas o consumo de um produto que não tenha a aprovação legal da tecnologia moderna é questi onado. Alguns agricultores camponeses que não se ‘enquadram ou se encaixam’ no sistema legal de produção de alimentos, não conseguem comercializar seus produtos, exceto que façam na clandesti nidade. Chega ser um absurdo.

Essa abordagem referente ao modo de produzir e de consumir da população regio-nal, contribui para pensarmos sobre a realidade agrícola e que rumos a população poderá projetar para os territórios que possuem a missão agrícola. Se a cultura camponesa possui importância e signifi cância para o desenvolvimento territorial ou não.

Em São Pedro das Missões, as orientações técnicas recebidas pelos agricultores pesquisados são realizadas pela EMATER-RS, por agrônomos e técnicos agrícolas, pela co-operati va. Se existem muitas informações relacionadas aos procedimentos técnicos, por outro lado as orientações fi naceiras e contábeis quase inexistem.

Gráfi co 19 – Orientações técnicas recebidas pelos agricultores de São Pedro das Missões–RS

O Estado ainda poderia auxiliar burocráti ca, jurídica e contabilmente para que os agricultores camponeses se organizem em associações e cooperati vas/associati vas, além de garanti r espaços de consumo, a exemplo dos programas de governo já existentes. Criar leis que protejam os agricultores camponeses, bem como preços justos aos produtos agrí-colas e da roça a serem comercializados. Aliado a isso, se torna quase que necessário criar uma logísti ca entre a produção inicial agrícola, o transporte e a comercialização, evitando que os agricultores saiam do seu espaço de produção para comercializar seus produtos.

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DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL, TECNOLOGIA, INOVAÇÃO E PESQUISA

Os agricultores ao serem questi onados sobre as orientações econômicas e técnicas recebidas para a realização das ati vidades agropecuárias fi cavam surpresos ao se comen-tar de planejamento fi nanceiro. A maioria informou que recebeu e recebe orientações técnicas, porém orientações fi nanceiras poucos ou quase ninguém dos entrevistados se manifestou positi vamente.

De acordo com a pesquisa, pouco difere entre os três territórios, a maioria não faz contas de quanto vai gastar e quanto vai sobrar economicamente, quando projetam as suas ati vidades agrícolas. Além disso, são provocadas outras consequências ao desen-volver a ati vidade agropecuária, que poderão contribuir com a melhoria da qualidade de vida, como poderão prejudicar, quando forem uti lizados agrotóxicos em larga escala, por exemplo.

Gráfi co 20 – Orientações fi nanceiras recebidas pelos agricultores de Lajeado do Bugre – RS

Tendo em vista que não existe controle sobre as informações técnicas repassadas aos agricultores, os responsáveis pelos marketi ngs de venda são muito habilidosos. Muitas vezes os vendedores apresentam aos agricultores uma fórmula mágica, rápida e efi ciente, com a justi fi cati va de lucros fáceis e efi cazes. Na ilusão que lucrarão muito, muitos agricul-tores se iludem com altos rendimentos lucrati vos, com ati vidade agropecuária, porém nem todo vendedor esclarece as causas e as consequências, ao se adotar determinada tecno-logia. Existe um discurso fácil, que o agronegócio contribui com a produção de alimentos no Brasil, porém os dados verdadeiros apontam que é a agricultura familiar camponesa, a principal responsável por mais de 70% dos alimentos presentes na mesa do consumidor.

Outra falácia ligada ao agronegócio, é o grande destaque que se aponta à produti -vidade, comparada com as áreas culti vadas, porém não se avaliam os impactos negati vos provocados ao solo, à água, à vegetação, aos animais e aos seres humanos, que estão sendo contaminados pelo uso e abuso de agrotóxicos e ferti lizantes, anti bióti cos e demais produtos arti fi ciais. A incidência de doenças decorrentes do atual modelo de produção e consumo agropecuário aumentou muito nos últi mos anos, como câncer e outros. Os ven-dedores de tecnologias, ligados ao agronegócio, apontam uma parte da realidade, o lucro fácil, e escondem a outra, que são os impactos socioambientais.

A seguir apresentaremos os dados relacionados aos principais aspectos fí sicos e na-turais, que são de fundamental importância para a vida humana e para o desenvolvimento da agropecuária nos territórios locais de Lajeado do Bugre, Sagrada Família e São Pedro

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das Missões–RS. Dentre esses elementos da natureza destacaremos o solo, a vegetação e a água.

O gráfi co a seguir representa o grau de preocupação dos agricultores de Sagrada Família, relacionada à qualidade do solo. A demonstração de preocupação, por parte dos agricultores, pode ser estendida aos dirigentes políti cos também.

Gráfi co 21 – Preocupação dos agricultores de Sagrada Família (RS) com a realidade atual do solo agrícola

Os dados a seguir apresentarão o grau de interesse da maioria dos agricultores em plantar árvores espontaneamente. Nesse caso, de São Pedro das Missões, fi cou eviden-ciado que os agricultores se preocupam com existência da vegetação e por isso plantam árvores. Porém, a origem das mudas acontece fora do território local, e muitas vezes, o planti o ocorre mais com árvores exóti cas do que com árvores nati vas.

Gráfi co 22 – Preocupação dos Agricultores de São Pedro das Missões (RS) com o planti o de árvores

Os agricultores camponeses supriram muitas necessidades, uti lizando a vegeta-ção em geral, desde o início da colonização do território regional. Independentemente de tamanho e espécie, a vegetação auxilia signifi cati vamente os agricultores em diversas ati vidades da roça, na casa, em construções, para instrumentos de trabalho, frutí feras, remédios e muitos outros.

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Gráfi co 23 – Preocupação dos Agricultores de Lajeado do Bugre (RS) com a proteção da água

Os dados a seguir condizem com a situação atual da água e de seu uso. Apontamos os dados de Lajeado do Bugre, porém essa realidade de despreocupação por parte dos agricultores entrevistados, com relação à proteção da água, é comum nos três territórios. Ligado à esses dados, a maioria dos agricultores confi a na qualidade da água. É uma situa-ção que se apresenta, que pode ser melhor analisada e compreendida.

Mediante ao atual contexto histórico e cultural da agropecuária brasileira e regio-nal, em que o lucro e o negócio nessa ati vidade estão de rédeas soltas, surgem algumas indagações que consideramos prudente, mencioná-las. As orientações técnicas dos vende-dores de agrotóxicos, de insumos agrícolas e de produtos veterinários, também apontam preocupação com relação à qualidade da água? Existem vínculos entre o modelo do agro-negócio, em realizar as ati vidades agropecuárias com os índices de doenças como o câncer, cardiovasculares e outras molésti as humanas? Os agricultores devem fazer a contabilidade sobre os ganhos e as perdas no momento de planejar as ati vidades agrícolas? A realidade atual ligada ao desenvolvimento territorial rural, passa por provações e por reprovações, precisamos analisar e comparar os prós e os contras, para planejar o espaço rural.

Além dos agricultores, se torna de suma importância que a sociedade possa discuti r e dialogar mais sobre a realidade agropecuária e os projetos políti cos direcionados para esse setor. Até que ponto a agricultura defendida pelo agronegócio está colaborando com a qualidade de vida dos agricultores ou está prejudicando. Existem ensinamentos positi vos e promissores entre os agricultores que detêm a cultura camponesa ou não. Se a agricul-tura camponesa possui mais de dez mil anos, suas experiências e práti cas agrícolas contri-buiriam par o desenvolvimento rural sustentável. O Estado, em suas diferentes esferas e níveis, também é responsável pela realidade que se apresenta e ele pode ser responsável por um desenvolvimento sustentável na agricultura ou se posiciona do lado do agronegó-cio apenas e fecha os olhos para a cultura camponesa. O que a cultura camponesa repre-sentaria para o desenvolvimento territorial local e regional?

Um dos objeti vos dessa pesquisa é analisar a realidade dos três territórios muni-cipais para entender a situação que se apresenta relacionada ao culti vo e a produção de alimentos saudáveis de maneira solidária. Verifi camos que as práti cas de trocas entre os agricultores camponeses são necessárias, pois esse exercício permite a cooperação e a ajuda para suprir as necessidades que se apresentam coti dianamente. Além disso, ajudará

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a manter a semente como patrimônio da humanidade, pois as sementes como o ar, a água e a terra, elas são bens vitais à existência humana e por isso são inalienáveis.

Com relação à parti cipação em movimentos sociais e outras insti tuições fora do grupo familiar, a pesquisa mostra que a maioria dos agricultores parti cipa de alguma agre-miação ou organização social.

Gráfi co 24 - Parti cipação dos agricultores em movimentos sociais em São Pedro das Missões-RS

As enti dades religiosas e os sindicatos aparecem como as insti tuições mais procu-radas pelos agricultores entrevistados parti ciparem. Levando em consideração esses mo-vimentos sociais, se torna oportuno apontar uma preocupação, qual seja, de que maneira eles colaboram ou poderiam colaborar com o objeti vo de debates e discussões relaciona-das ao contexto da agricultura local? Entendemos que a união dos trabalhadores agricul-tores e a reunião para discuti r e pensar em políti cas que garantam a qualidade de vida e dignidade humana pode ser realizada em qualquer circunstância ou organização social.

1.9 A Educação do Campo Ajudando a Construir Eitos de Economia Solidária para o Culti vo de Alimentos Saudáveis

A agricultura camponesa representa uma cultura, que para entendê-la, exige-se uma análise muito mais complexa do que analisar apenas a ati vidade profi ssional. Além de uti lizarem ensinamentos construídos pela sociedade agrícola, acumulados a milhares de anos, os agricultores camponeses necessitam de muita persistência e paciência para o desenvolvimento da práti ca agrícola. A agricultura do agronegócio apresenta as receitas prontas para os agricultores que devem apenas segui-las uti lizando o receituário agro-nômico na ati vidade. Ao contrário, o agricultor camponês desenvolve a práti ca agrícola com experimentos e resultados e por isso necessita respeitar o tempo da natureza. Assim sendo, constantemente ou sistemati camente, precisa estar observando as manifestações dos planetas e das estrelas, principalmente as diferentes fases da lua e as estações do ano.

Os agricultores camponeses exercitam com maestria o diálogo com os demais agri-cultores, além de desencadear uma relação de humildade com todos os elementos da natureza. Todos os elementos naturais são importantes na práti ca agropecuária campone-sa, bem como o desenvolvimento de cada um deles. Afora isso, estabelece-se uma troca

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de energia muito positiva entre o agricultor camponês e os demais seres orgânicos. Aliás, todos os elementos da natureza possuem organicidade para os agricultores camponeses, não existe ser inanimado. O senso de percepção e de observação dos camponeses está sempre apurado e tudo tem um sentido ou um significado, cada som ou ruído, cada cheiro, cada visão, cada sensação de frio, de calor, de alegria ou de dor.

Por isso, cada manifestação da natureza representa um significado importante que poderá ajudar ou atrapalhar o plantio, o cultivo e a colheita. Os olhares e todos os demais sentidos corporais dos camponeses ficam atentos, e a todo o instante, estão alertas, inde-pendentemente do período ou fase agrícola, pois todas as fases se fundem num processo contínuo e ininterrupto. Faz-se necessário planejar, planejar e planejar, pois sempre há um motivo para ser observado, desde o modo de colher e guardar a semente até o momento da colheita do fruto.

Mesmo nos momentos de contemplação, os agricultores camponeses estão ob-servando e refletindo sobre as conquistas e retrocessos, por isso são muito sábios, pois aprendem muito. Constantemente acumulam conhecimentos e sabedorias, e dificilmente emitem pareceres injustos, querendo prejudicar os demais seres humanos. Possuem a sensibilidade aflorada, porém enfrentam os obstáculos com muita coragem e determi-nação. Desprezam a falsidade e dificilmente aceitam a falta de confiança entre os seres humanos, por isso acreditamos que exercitam a ética e o cuidado, fazendo disso um labo-ratório cultural.

A amistosidade e a gratuidade permeiam os sentimentos e valores humanos co-laborando com o respeito entre as relações sociais e socionaturais. Viver e deixai viver, certamente é o lema e a lição de vida que a maioria dos agricultores camponeses carrega em seu interior. Cultivar alimentos saudáveis para suprir as necessidades básicas do grupo familiar ou comunitário, e ao sobrarem alimentos, os mesmos poderão ser compartilha-dos, trocados ou comercializados com outros necessitados. Assim sendo, entendemos que a agricultura camponesa poderá colaborar para o desenvolvimento territorial com sus-tentabilidade cultivando, produzindo e comercializando alimentos saudáveis. Os produtos alimentícios derivados do trabalho dos agricultores camponeses possuem muita energia positiva, além de concentrar qualidade nutritiva e saborosa.

Referente às políticas públicas oferecidas pelos governos, federal, estadual ou mu-nicipal,considera-se que as mesmas são importantíssimas para o crescimento humano e para o desenvolvimento territorial, porém as mesmas precisam ser discutidas e compre-endidas pela população em geral. No que se refere à presença do Estado no processo de planejamento territorial rural, pode se transformar num interventor significativo, porém o Estado precisa repensar as medidas que adota relacionadas ao desenvolvimento das ati-vidades agropecuárias. Também precisa rever as leis que permitem algumas atitudes rela-cionadas ao modo de produzir e de consumir no setor agropecuário e outras que proíbem.

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Figura 03 – Projeto Formação de Animadores em Educação do Campo em Sagrada Família–RS

Figura 04 – Projeto Formação de Animadores em Educação do Campo em São Pedro das Missões–RS

Figura 05 – Projeto Formação de Animadores em Educação do Campo em São Pedro das Missões–RS

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Figura 06 – Projeto Formação de Animadores em Educação do Campo em Lajeado do Bugre–RS

Figura 07 – Projeto Formação de Animadores em Educação do Campo em Lajeado do Bugre–RS

A sociedade em geral necessita compreender como funciona o Estado e entender que os poderes constituintes do Estado estão organizados em Executivo, Legislativo e Judi-ciário. Nem sempre as políticas públicas ligadas ao espaço agrário contemplam, de manei-ra justa, os agricultores camponeses, pois tantos recursos econômicos para a aquisição de fertilizantes, maquinários e construções físicas beneficiam os empresários latifundiários, e pouco os camponeses.

A agricultura camponesa precisa de políticas públicas com financiamentos em lon-go prazo que garantam aos agricultores o tempo necessário para recuperar os solos agri-cultáveis degradados. Se os agricultores camponeses sabem cultivar, fabricar ou produzir alimentos saudáveis caberia ao Estado promover o acompanhamento com orientações técnicas e financeiras, auxiliando-os a qualificar mais o alimento. Incentivar o modo agro-ecológico de cultivo, criação e produção agrícola, aproximando os conhecimentos científi-cos da EMBRAPA dos agricultores, sem perder de vista a cultura camponesa. Os governos mais próximos dos agricultores construiriam infraestrutura para armazenamento e trans-

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formação de matérias-primas em produtos industrializados ou fabricados com a finalidade de aumentar a agregação de valores ao produto agrícola.

As instituições de ensino, independentemente de nível de formação ou grau de instrução necessitam rever seus Programas de Ensino e incluir nos Projetos Pedagógicos a pesquisa, o ensino e a extensão que contemplem eitos ligados à cultura camponesa. A formação dos seres humanos não pode ser exclusivamente conduzida por objetivos e con-teúdos que preconizam aspectos das realidades urbanas. O desenvolvimento territorial com sustentabilidades requer que se analise a realidade com imparcialidade e veracidade. A vida dos seres humanos é complexa como é complexa a natureza em geral, incluindo a atmosfera, da qual fazemos parte. Superar o ideário do consumismo inconsciente e irres-ponsável e voltar o olhar para os lugares que estão opostos à cidade, pois nesses lugares também têm esperança, têm sonhos, têm qualidade e têm vida.

CONCLUSÃO

A diminuição da pobreza extrema, meta do governo estadual através do programa RS Mais Igual, bem como dos dirigentes políticos dos territórios dos municípios gaúchos de Lajeado do Bugre, Sagrada Família e São Pedro das Missões, pode ser conquistada com projetos que colaborem para que os mais necessitados percebam que eles podem ser autônomos, no que se refere à conquista do alimento e melhoria de qualidade de vida.

A proposta estabelecida nesse projeto de iniciação científica desejava melhor co-nhecer a história da agricultura do território do Médio Alto Uruguai rio-grandense, estabe-lecendo uma comparação entre o antes e o após a modernização agropecuária e identifi-car nos três territórios locais a existência ou não de práticas e experimentos de economia solidária e de cultivo de alimentos saudáveis presentes entre os agricultores.

Os resultados da pesquisa proporcionaram contribuições significativas com o co-nhecimento científico e o ensino superior. Os conhecimentos construídos ficarão dispo-níveis para quem interessar possa e queira usá-los. A cultura camponesa guarda saberes de mais de dez mil anos e esses saberes/conhecimentos poderão enriquecer os currículos escolares dos municípios em que a população possui uma vocação, predominantemente agrícola.

Além disso, a cultura camponesa guarda receitas, modelos, experiências valiosas relacionadas ao cultivo, armazenamento e preparo de alimentos saudáveis, no cuidado com a terra, a água e a vegetação, na criação de animais e muitos outros. Afora a produção saudável de alimentos, habitualmente, os camponeses praticam a economia solidária por meio de inúmeras e variadas trocas gratuitas. Essa cultura guarda a essência da palavra economia quando se refere a sua origem (eco=casa e nomia=costume), ela nos ensina o valor da troca e da ajuda entre os seres humanos em promoção ao cuidado da vida e o res-peito com os ecossistemas. A economia solidária contribui com a sustentabilidade natural, política, cultural, social, principalmente.

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Os resultados da pesquisa certamente contribuirão com o desenvolvimento do ter-ritório regional, pois, nos permitiu melhor conhecer o espaço rural e sua forma de cons-trução territorial. Esse debate voltado à cultura camponesa pode contribuir com propostas políticas aos dirigentes públicos para o desenvolvimento territorial rural.

Os resultados da pesquisa apresentam dados significativos relacionados ao desen-volvimento territorial, pois evidenciam experiências e práticas de agricultura voltadas à economia solidária e ao cultivo e produção de alimentos saudáveis que podem se trans-formar em propostas políticas para os territórios. A realização da pesquisa com os agricul-tores contou com a colaboração constante de representantes políticos municipais locais, que são os principais e legítimos representantes da democracia participativa, se quiserem.

Os diálogos permanentes, estabelecidos principalmente com os representantes do Poder Executivo e dos movimentos sociais, muito contribuíram para estabelecermos uma relação de confiança entre nós pesquisadores com os administradores públicos e as lide-ranças comunitárias. Outra entidade ou instituição que se envolveu direta e indiretamente conosco na realização da pesquisa foi a EMATER/RS, através de conversas relacionadas à realidade do agricultor camponês e suas perspectivas. Tanto os administradores públi-cos quanto os trabalhadores/educadores da EMATER/RS, além, de mapear e identificar os agricultores camponeses nos acompanharam em várias propriedades rurais, com visitas in loco nos três municípios, nos auxiliando para realizar as pesquisas de campo. Repre-sentantes de movimentos sociais também participaram dos diálogos e debates realizados, demonstrando muita preocupação com a atual situação da agricultura camponesa em contradição com a agricultura moderna do agronegócio.

A partir da análise dos dados coletados sobre a realidade rural dos territórios de Lajeado do Bugre, Sagrada Família e São Pedro das Missões–RS, concluímos que o proces-so de modernização promoveu um aculturamento de parte significativa dos agricultores, criando-se com isso, muitas dependências técnicas ligadas ao cultivo, armazenamento, fabricação e consumo de alimentos. Os agricultores para desenvolverem suas atividades agropecuárias estão, em parte, reféns da tecnologia de quem controla o setor, principal-mente das empresas agroindustriais e comerciais do ramo agrícola. Propostas políticas sugeridas para o desenvolvimento territorial rural no Médio Alto Uruguai:

- Animar os agricultores a cultivar e produzir os alimentos básicos para a subsistên-cia, incentivando-os através de leis específicas;

- Criar programas para orientar os agricultores, com técnicas agropecuárias e plane-jamento financeiro com sustentabilidade;

- Estabelecer metas para reduzir as degradações da vegetação e do solo e recupera-ção da água das nascentes e dos cursos como córregos, rios e similares;

- Incentivar o cultivo, a fabricação e a comercialização de alimentos saudáveis com auxílio logístico e burocrático aos agricultores;

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- Identificar e registrar todas as experiências e práticas de economia solidária e de cultivo de alimentos saudáveis existentes no território municipal e multiplicá-las com ou-tros interessados do município;

- Introduzir nos programas educacionais o estudo permanente e sistemático da Educação do Campo para conscientizar as crianças, adolescentes e jovens do real significa-do da agricultura camponesa;

- Criar leis municipais, proibindo o uso de agrotóxicos nas atividades agrícolas ou controlando a utilização exagerada de agroquímicos;

- Incentivar a educação alimentar, vinculando-a com os produtos da roça;

- Colaborar com a promoção de intercâmbios entre os agricultores que guardam sementes e utilizam sementes agrícolas crioulas, incentivando a troca das mesmas;

- Colaborar para a organização de cooperativas e associações de agricultores para a produção, transformação e comercialização de alimentos saudáveis.

Essas sugestões de propostas, além de serem publicadas, serão apresentadas aos dirigentes políticos e administradores dos territórios locais de, Lajeado do Bugre, Sagrada Família e São Pedro das Missões–RS. Também será necessário promover encontros de de-bate sobre a importância ou não das mesmas.

Entendemos que as análises construídas a partir desse estudo são muito simples ainda, ficando como sugestões para novas pesquisas sobre a realidade do espaço agrário brasileiro, tendo como fonte de pesquisa os territórios regionais do Médio Alto Uruguai gaúcho. Quanto maior for o número de interessados em entender a história da agricultura, compreendendo as contradições existentes no processo de produção e de consumo no meio rural, melhores serão as decisões tomadas pela sociedade nos próximos planejamen-tos territoriais. Com isso, a qualidade dos alimentos terá melhor sabor, as relações sociais e socionaturais ocorrerão com mais respeito e, acima de tudo, teremos melhor qualidade de vida.

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DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL, TECNOLOGIA, INOVAÇÃO E PESQUISA

INTERAÇÃO UNIVERSIDADE-EMPRESA: UM ESTUDO MULTICASOS

Clandia Maffini Gomes14, João Alfredo Carvalho Lopes15, Jordana Marques Kneipp16, Roberto Schoproni Bichueti 17

Este artigo tem como objetivo identificar os principais aspectos que caracterizam a interação universidade--empresa, por meio de uma análise multicasos em gru-pos de pesquisa de três universidades do Rio Grande do Sul: Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS, Universidade de Caxias do Sul – UCS e Universidade Federal de Santa Maria – UFSM.

[Título no minicaso]

[Descrição do minicaso]

INTRODUÇÃO

A inovação tecnológica representa um imperativo para a competitividade e o de-senvolvimento empresarial. Muitos são os esforços para o aumento da capacidade de transformação do conhecimento em produtos e processos inovadores, sendo a interação entre o setor acadêmico e empresarial, um dos principais elementos desse processo.

O desenvolvimento da sociedade contemporânea fundamenta-se cada vez mais na densidade científico-tecnológica, necessitando de políticas para a promoção da interação entre a universidade e as empresas, em função do potencial acadêmico de contribuir para a geração de tecnologia e de inovação.

14 Doutora e Pós-doutora em Administração pela Universidade de São Paulo - FEA/USP. Professora Associada do Departamento de Ciências Administrativas da UFSM. Pesquisadora e Bolsista de Produtividade do CNPq. Editora da Revista de Administração da Universi-dade Federal de Santa Maria.15 Bacharel em Ciências Contábeis e Mestre em Gestão de Organizações Públicas pela Universidade Federal de Santa Maria - UFSM16 Mestre e Doutoranda em Administração pela Universidade Federal de Santa Maria - PPGA/UFSM. Professora Assistente da Unidade Descentralizada de Educação Superior da UFSM, em Silveira Mar-tins - UDESSM/UFSM.17 Mestre e Doutorando em Administração pela Universidade Federal de Santa Maria - PPGA/UFSM.

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PESQUISA E ENSINO: FERRAMENTAS DE GESTÃO PÚBLICA NO RS

Os programas governamentais de fomento à interação universidade-empresa ga-nham destaque no contexto da inovação. Alterações no marco regulatório, disponibiliza-ção de recursos e de incentivos para projetos e de investimentos em infraestrutura, em ambientes de inovação, consistem nos principais instrumentos destas políticas.

Diversos benefícios decorrem desta aproximação, uma vez que a universidade pode se tornar uma fonte de recursos para a pesquisa, de conhecimento das necessidades do mercado e de enriquecimento dos processos de ensino e pesquisa. Por outro lado, a in-dústria pode contribuir para a redução de riscos e de custos, geração de produtos e de processos inovadores e de maior competitividade.

Vários condicionantes internos e externos influenciam nos resultados alcançados, a partir do processo de interação em razão da diversidade de atores envolvidos, tais como: as características dos indivíduos e das organizações e a motivação dos parceiros acadêmicos e empresariais envolvidos. Torna-se necessário assim, que os gestores e os policy-makers compreendam de forma adequada os principais aspectos que influenciam o processo de interação e os resultados decorrentes.

Diante da complexidade do tema, surgem alguns questionamentos: o que motiva os pesquisadores a interagir com o setor produtivo? Quais as características do processo e dos atores envolvidos? Quais são os principais elementos que facilitam ou dificultam a efetividade das interações? Quais os principais resultados do processo de interação?

Desse modo, visando a colaborar para o avanço do conhecimento no campo da ges-tão de tecnologia e de inovação, o objetivo central desse estudo consiste em identificar os principais aspectos que caracterizam a interação universidade-empresa, a partir da coleta de dados em universidades do Rio Grande do Sul, no Brasil.

O estudo foi conduzido por meio de uma análise multicasos em grupos de pesquisa de três universidades: Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS, Uni-versidade de Caxias do Sul–UCS e Universidade Federal de Santa Maria–UFSM. A principal contribuição do estudo consiste no entendimento e compreensão de alguns elementos que podem inibir ou potencializar o processo de interação. Tais aspectos podem se dife-renciar em função de variações nos perfis individuais e institucionais.

2 A IMPORTÂNCIA DA INTERAÇÃO ENTRE UNIVERSIDADE E EMPRESA PARA O DESENVOLVIMENTO E INOVAÇÃO

Embora a atividade de inovação tecnológica seja um fator essencial para produção de tecnologia, apenas uma pequena parcela da população mundial desenvolve esse pro-cesso, sendo capaz de aplicar a tecnologia na produção e no consumo. Cerca de um terço da população mundial, não inova nem é capaz de adaptar tecnologias estrangeiras, tor-nando o desenvolvimento econômico uma nova missão para as universidades (ETZKOWITZ e LEYDESDORFF, 2000; SACHS, 2000).

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DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL, TECNOLOGIA, INOVAÇÃO E PESQUISA

Do ponto de vista do desenvolvimento econômico, a existência de interação entre o setor produtivo e acadêmico poder ser considerada um sinal positivo de orientação para inovação que se reflete nos programas de governo e nas atividades inovativas nas empre-sas. (INZELT, 2004).

Ao considerar a atividade de inovação como prioridade estratégica, o estado pode articular alguns mecanismos para o seu desenvolvimento, tais como: a formalização de esforços acadêmicos para promover relações com a indústria e a provisão de fundos admi-nistrados pelo estado e dedicados a fomentar a inovação em nível empresarial. Compre-ender o comportamento destes mecanismos de incentivo, como se relacionam e até que ponto contribuem para o desenvolvimento desse processo, permite refinar a sua forma de gestão. (SUTZ, 2000).

A combinação de expertise acadêmica e empresarial, através do desenvolvimento de parcerias entre a universidade, a indústria e o governo pode ampliar a capacidade de inovação. Para Inzelt (2004), a chave deste processo se constitui na interação entre os se-tores acadêmico e produtivo, pois a partir do seu esforço conjunto é possível fortalecer a competitividade, através da geração de produtos e de serviços com maior valor agregado.

As relações estabelecidas entre pesquisadores e o setor produtivo requerem com-plementaridade de competências e de necessidades. Vários são os benefícios para o setor empresarial e ao setor acadêmico oriundos dessas parcerias (ALBERTIN e AMARAL, 2010; AMADEI, 2009; CUNHA, 1999; DE MELO, 2004; DE TOLEDO e LOTUFO, 2011; ETZKOWITZ, 2009; MACHADO e BIANCHETTI, 2011; CRESPO e DRIDI, 2007; CRUZ, 1999; DA COSTA, PORTO, e FELDHAUS, 2010; ETZKOWITZ, 1998; SEGATTO-MENDES e SBRAGIA, 2002). Desse modo, superar os obstáculos que possam surgir neste processo, potencializando os resul-tados alcançados ou replicando experiências exitosas, torna-se um desafio efetivo para os gestores.

Ao interagir com o setor empresarial, a universidade conhece melhor as necessida-des do setor produtivo, o que possibilita a aceleração do processo de pesquisa e a geração de resultados diretamente aplicáveis ao mercado. Como consequência tem-se a ampliação da probabilidade de capitalizar o conhecimento através da geração e da comercialização de patentes, mantendo a sintonia do país com a competitividade mundial (BENEDETTI e TORKOMIAN, 2011; DE MELO, 2004).

Para ser competitivo internacionalmente, são necessárias políticas e ações que fo-mentem o adensamento tecnológico do setor produtivo. Gomes et al (2009), condicionam a competitividade e a inserção internacional à obtenção de taxas elevadas de inovação, ao relacionamento externo e à preocupação com o desenvolvimento sustentável. A intera-ção entre as universidades e as empresas incorporam o progresso técnico nas indústrias, aumentando o número de empresas de base tecnológica e melhorando as condições de competitividade do país (DE MELO, 2004; DE TOLEDO e LOTUFO, 2011).

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PESQUISA E ENSINO: FERRAMENTAS DE GESTÃO PÚBLICA NO RS

Ao mesmo tempo, é possível, também, observar a existência de um déficit de pes-quisa aplicada no país que limita o seu desenvolvimento tecnológico. Em países desen-volvidos, a maioria dos cientistas trabalha no setor produtivo, enquanto no Brasil esta proporção é ainda pequena. Além disso, a maioria das empresas brasileiras não são orien-tadas para a inovação e condiciona as despesas de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) ao faturamento, em oposição ao que é praticado em países desenvolvidos (ANDREASSI e SBRAGIA, 2002; BALDINI e BORGONHONI, 2007; BENEDETTI e TORKOMIAN, 2011). A falta de conscientização das empresas acerca das vantagens da interação entre universidades e empresas, dificulta a aproximação com os grupos de pesquisa, fazendo com que o setor produtivo não aproveite plenamente a infraestrutura de Ciência e Tecnologia, disponível (CUNHA, 1999; FERREIRA, 2002; SESSA et al, 2007).

No entanto, a transferência de tecnologia é apenas uma parcela das atividades desenvolvidas pelos pesquisadores, ou seja, apenas uma pequena fração das interações existentes possui foco na capitalização de conhecimento. Um olhar muito estreito sobre atividades de patenteamento e spin-off pode negligenciar resultados igualmente significa-tivos, mas com retorno econômico menos visível (D’ESTE e PATEL, 2007).

É possível concluir que a interação universidade-empresa se constitui em uma es-tratégia para gerar inovação com impacto e potencial significativos. Entretanto, ao analisar seus resultados efetivos, devem ser considerados, também, aspectos que não se relacio-nam diretamente aos benefícios econômicos e tecnológicos.

3 ASPECTOS QUE CONDICIONAM A INTERAÇÃO ENTRE A UNIVERSI-DADE E A EMPRESA

A despeito do consenso acerca das vantagens da existência de interação para os ambientes acadêmico e empresarial, as atividades inovativas nas empresas continuam sendo determinadas pelas suas estratégias internas (LAURSEN e SALTER, 2004). Poucas empresas efetuam parceria com universidades e com institutos de pesquisa para o fomen-to e ampliação das atividades inovativas, embora existam diferenças relativas às caracterís-ticas dos produtos oferecidos e aos padrões setoriais (TESSARIN e SUZIGAN, 2011).

Observe-se ainda que existe uma gama de possibilidades de interação, com vários níveis e padrões de relacionamento e diferentes tipos de fluxos de informação, impactan-do os resultados do processo (INZELT, 2004; SESSA et al., 2007).

Os diferentes aspectos que motivam o surgimento de interação entre empresas e universidades também devem ser considerados. Para Sutz (2000) os relacionamentos podem ocorrer tanto a partir de necessidades e de competências sinérgicas identificadas pelos envolvidos (bottom-up), quanto por mecanismos desenvolvidos pelo Estado, nos al-tos escalões (top down). Ainda que haja confluência de interesses, existem dificuldades de comunicação entre pesquisadores e empresas, devido às diferenças de linguagem de cada segmento, que condicionam o processo de interação (CUNHA, 1999; e CYSNE, 2005).

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DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL, TECNOLOGIA, INOVAÇÃO E PESQUISA

Se a empresa tiver origem na universidade ou seus gestores mantiverem contato estreito com o meio acadêmico, a rede de contatos existente facilita a interação com os pesquisadores da universidade (BENEDETTI e TORKOMIAN, 2011; LYNSKEY, 2004). Porém, interações com baixo conteúdo científico-tecnológico não agregam valor aos envolvidos no processo (MANJARRÉS-HENRÍQUEZ et al., 2009; RAPINI, 2007), impactando o retorno à sociedade dos investimentos públicos em infraestrutura de pesquisa, que seriam recupe-rados através de exploração de propriedade intelectual (FISHER e ATKINSON-GROSJEAN, 2002).

Além de aspectos institucionais relacionados à capacidade de absorção da empresa, Laursen e Salter (2004), ressaltam outras variáveis estruturais que influenciam a propen-são à interação, tais como: o perfil das atividades inovativas e o tamanho das empresas. Ao mesmo tempo, a estratégia de pesquisa da empresa se destaca como fator importante no âmbito gerencial. Se a empresa com a qual a universidade interage for uma start-up, o uso da pesquisa acadêmica terá diferentes contribuições (COHEN, NELSON e WALSH, 2002).

A transferência de tecnologia das universidades para a indústria tem sido promovi-da por meio de diversos mecanismos: lei da inovação, programas governamentais de apoio a empreendimentos inovadores entre empresas e ICT’s, estabelecimento de parques cien-tíficos e tecnológicos, com destaque à propriedade intelectual, através de escritórios de transferência de tecnologia. No entanto, patentes e licenças, são meios secundários para a transferência de conteúdo da pesquisa para a indústria e são úteis somente para poucas indústrias (COHEN, NELSON e WALSH, 2002). Tais incentivos podem ser efetivos a determi-nados tipos de interação e não ao amplo conjunto de mecanismos possíveis (RAPINI, CAS-SIOLATO e BITTENCOURT, 2007). Justifica-se assim, a importância de analisar o contexto e a utilidade dos dispositivos institucionais e estratégias gerenciais adotadas.

A propensão dos grupos de pesquisa de envolvimento em atividades do setor pro-dutivo varia de acordo com a área de pesquisa e a diversidade de atributos existentes, como os ativos de conhecimento, financeiros, relacionais e pessoais, que interferem no processo de interação. (LANDRY, AMARA e OUIMET, 2005). Fatores organizacionais e ou-tros aspectos relacionados ao indivíduo também contribuem para maior ou menor intera-ção entre pesquisadores acadêmicos e o setor produtivo (BERCOVITZ e FELDMAN, 2003). Há ainda questões político-ideológicas e éticas que conjugadas às diferentes realidades institucionais impactam o resultado do processo de interação entre empresas e universi-dades (EVANS e PACKHAM, 2003; MACHADO e BIANCHETTI, 2011).

Observa-se, portanto, que a interação de empresas com o setor acadêmico é carac-terizada por uma combinação de incentivos individuais, organizacionais e institucionais. A inovação tende a ser favorecida em ambientes nos quais os incentivos acadêmicos e comerciais estão vinculados (OWEN-SMITH e POWELL, 2001). Há uma gama de fatores a serem considerados para que a gestão do processo de interação tenha êxito. A análise destes fatores, à luz de realidades distintas, auxilia na identificação de alternativas de ação para os gestores.

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PESQUISA E ENSINO: FERRAMENTAS DE GESTÃO PÚBLICA NO RS

Na sequência, são apresentados os procedimentos metodológicos adotados para a coleta e análise de resultados do estudo.

4 MÉTODO DO ESTUDO

O estudo de natureza exploratória, analisa a contribuição da interação universida-de-empresa na percepção de diferentes grupos de pesquisa, buscando evidenciar suas principais contribuições em cada instituição, objeto de análise.

A estratégia de pesquisa utilizada se constituiu na realização de um estudo qualita-tivo de casos múltiplos.

O instrumento de coleta de dados foi aplicado com quatro pesquisadores líderes de grupos de pesquisa em três universidades do Rio Grande do Sul: Universidade Federal de Santa Maria–UFSM, Pontifícia Universidade Católica–PUCRS e Universidade de Caxias do Sul–UCS.

Os entrevistados são identificados no texto como E1, E2, E3 e E4, respectivamente, visando a preservar a confidencialidade dos dados.

Para a realização das entrevistas, os sujeitos foram escolhidos por acessibilidade e por conveniência, sendo considerado como requisito principal de seleção, a interação existente entre o grupo de pesquisa e empresas da região e do país.

Dados complementares foram obtidos nas home pages dos laboratórios dos grupos de pesquisa e na página do Diretório de Grupos de Pesquisa do CNPq.

Para a consecução da pesquisa foi adotado um modelo conceitual adaptado de Segatto-Mendes e Sbragia (2002), apresentado na Figura 1. Os construtos foram consoli-dados em um quadro referencial para a elaboração das categorias de análise.

Figura 1 – Modelo teórico do estudo

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DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL, TECNOLOGIA, INOVAÇÃO E PESQUISA

Fonte: Adaptado de Segatto-Mendes e Sbragia, (2002)

Os dados foram coletados por meio de entrevistas semiestruturadas, cujo roteiro foi elaborado a partir dos construtos do modelo teórico. Cada constructo contém quatro categorias de análise, conforme se pode observar na Quadro 1.

Quadro 1 – Quadro referencial de análise

Categorias de Análise Variáveis Autores

Motivações

Complementação de recursos e melhoria de infraestrutura

Crespo e Dridi, 2007; Segatto-Mendes e Sbragia, 2002.

Incremento na formação dos estudantes

Cruz, 1999.

Realização da função social da universidade

Segatto-Mendes e Sbragia, 2002.

Capitalização dos resultados de pesquisa

Etzkowitz, 1998

Processo de Interação

Interface Segatto-Mendes e Sbragia, 2002.Tipos de interação Inzelt, 2004; Segatto-Mendes e

Sbragia, 2002.Perfil das interações (nível de conhecimento e fluxo de informação)

Rapini, 2007; Sessa et al., 2007.

Perfil do grupo e empresas Laursen e Salter, 2004; Owen-Smith e Powell, 2001

Barreiras e Facilitadores

Estruturais, suporte governamental e institucional

Segatto-Mendes e Sbragia, 2002.

Vínculo com setor produtivo Benedetti e Torkomian, 2011; Lynskey, 2004.

Culturais e político-ideológicos D’este e Patel, 2007Institucionais, organizacionais e individuais

Bercovitz e Feldman, 2003; D’este e Patel, 2007;

Resultados

Melhor formação dos alunos Cruz, 1999.Reconhecimento do trabalho do grupo e aporte de recursos

Segatto-Mendes e Sbragia, 2002.

Patentes, royalties, incremento na produção científica

Etzkowitz, 1998.

Conhecimento das necessidades da empresa e incremento nas linhas de ensino e pesquisa

Segatto-Mendes e Sbragia, 2002; Ripper Filho, 1994.

As entrevistas foram gravadas e, posteriormente, transcritas. Em seguida, os dados foram analisados por meio da técnica de análise de conteúdo.

A descrição e análise qualitativa dos principais resultados obtidos no estudo são apresentados na sequência.

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PESQUISA E ENSINO: FERRAMENTAS DE GESTÃO PÚBLICA NO RS

5 APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

A análise e a interpretação dos dados foram estruturadas de acordo com as catego-rias de análise do modelo conceitual adotado.

Os principais resultados do estudo, considerando as evidências encontradas em cada uma das universidades pesquisadas, são a seguir apresentados.

5.1 Caso UFSM

O laboratório “A”, localizado na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), foi im-plantado em 2001, na área de química e atua no desenvolvimento e validação de métodos analíticos para aplicação em amostras de interesse agropecuário, industrial e ambiental.

Os serviços realizados permitem o controle de resíduos de pesticidas, drogas veteri-nárias e contaminantes em produtos de comercialização interna e exportação, atendendo produtores rurais, cooperativas, órgãos de fiscalização, companhias de exportação, ICT’s, empresas e empresários.

O grupo de pesquisa ao qual o laboratório encontra-se vinculado é formado por 6 pesquisadores e 21 estudantes (5 de doutorado e 9 de mestrado).

A prestação de serviços do laboratório ocorre através de projetos intermediados pela Fundação de Apoio da Universidade e o grupo de pesquisa não possui acordos espe-cíficos de transferência de tecnologia com empresas. Embora o laboratório possua inte-ração com empresas através da prestação de serviços tecnológicos e de consultoria, não foi observada a existência de interação com o setor produtivo declarada no Diretório dos Grupos de Pesquisa do CNPq.

A produção técnica do grupo inclui processos e técnicas com registro de proprieda-de intelectual não licenciados no Brasil, nos EUA e na Alemanha.

O laboratório de pesquisa não possui acreditação ou certificação, embora disponha dos principais requisitos para execução de análises complexas, estabelecidos por normas de qualidade internacionais.

O grupo de pesquisa possui projeto de cooperação com uma universidade espa-nhola e faz parte de duas redes de serviços tecnológicos pertencentes ao Sistema Brasilei-ro de Tecnologia - SIBRATEC: Rede de Laboratórios de Resíduos e Contaminantes e Rede Nacional de Análises de Alimentos (RENALI).

Os projetos do laboratório não são financiados por editais de apoio à pesquisa em cooperação com empresas e o grupo de pesquisa também não possui projetos submetidos ou aprovados de apoio às agências de fomento para esta finalidade.

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DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL, TECNOLOGIA, INOVAÇÃO E PESQUISA

5.1.1 Motivações

A principal motivação para o grupo de pesquisa interagir com empresas consiste em buscar realizar a função social da universidade. De acordo com o entrevistado E1, “...a universidade precisa reagir às necessidades da sociedade. Você não pode ficar num país - no meu entendimento - de terceiro mundo, só buscando pesquisa pura, e não atendendo aquilo que a sociedade ao seu redor necessita”.

O grupo de pesquisa dispõe de infraestrutura de pesquisa de interesse para o setor produtivo. Entretanto, suas pesquisas não estão focadas na obtenção de recursos do setor privado, e sim em atender às demandas regionais. O entrevistado E1 destaca que “procura aliar a pesquisa desses programas [de pós-graduação] com as necessidades regionais, não somente a pesquisa pura e aplicada [...] cada aluno que vai desenvolver algum trabalho de pesquisa, a gente procura voltar para alguma necessidade [regional/local]. ”

A relevância das demandas, no contexto regional, apresentadas ao grupo de pes-quisa sobrepõe-se aos critérios econômicos. De acordo com o entrevistado E2 “às vezes a gente se envolve um pouco mais em coisas que não têm um retorno financeiro, uma compensação desse tipo, mas que a gente vê que é uma demanda importante”. Até mesmo questões que fogem do know-how do grupo são atendidas quando há condições, confor-me destaca o entrevistado E1: “Veio uma demanda e a gente acabou se envolvendo, saiu um pouquinho do nosso foco, mas porque a gente achou que era algo importante para a região”.

A complementação de recursos e melhoria de infraestrutura aparece como uma motivação secundária, identificada somente em um trecho do relato do entrevistado E2: “essa é a ideia, conseguir recursos para manter o grupo funcionando e se possível até expandir”.

Embora o grupo de pesquisa seja da área de química e tenha processos e técnicas com registro de propriedade intelectual, não trabalha com a possibilidade de exploração comercial, através de transferência de tecnologia. As evidências a seguir, relatadas pelo entrevistado E2, deixam claro este ponto de vista: “Na parte que a gente trabalha não é muito comum a questão de patentes. Os métodos de análise, geralmente a gente desen-volve visando publicação”; “essa parte de desenvolver métodos, de aplicar, isso não é um foco que se pode explorar muito pra questão de patentear”; “eu acho que o nosso foco não estaria muito nessa questão de propriedade intelectual”; “nossa batalha não é nessa parte de inovação tecnológica, mais a parte de serviço tecnológico, a nossa atuação é mais nessa linha”.

5.1.2 Processo de Interação

Em relação à interface com as empresas, o laboratório declara que não mantém vínculo com o setor produtivo, embora um aluno de doutorado que atuava na indústria,

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PESQUISA E ENSINO: FERRAMENTAS DE GESTÃO PÚBLICA NO RS

enquanto desenvolvia sua tese, tenha migrado da empresa para o grupo como bolsista de pós-doutorado.

Os serviços prestados pelo laboratório são intermediados pela Fundação de Apoio da Universidade, responsável somente pela cobrança e recebimento de recursos, compras e pagamento de despesas. O laboratório não mantém, também, interação com empresas da incubadora da UFSM e não são desenvolvidos esforços para a canalização das intera-ções.

As interações são basicamente informais, pontuais assistemáticas. O entrevistado E2, observa que as empresas, em geral, buscam soluções mais rápidas e, portanto, não investiriam no laboratório, pois não possuem uma rotina de P&D.

O relacionamento do laboratório com as empresas é basicamente unilateral, en-volvendo treinamentos e análises químicas para grandes empresas e para órgãos públi-cos, conforme evidencia o entrevistado E1: “São empresas de grande porte que solicitam treinamento porque nesta área, nesses equipamentos que o pessoal sai formado daqui, é muito difícil pessoal”.

O entrevistado E2 observa que já ocorreu uma interação envolvendo uso de equipa-mento de ponta de um fornecedor, porém essa interação foi de curto prazo e não envolveu trabalho colaborativo. Esta experiência oportunizou acesso do laboratório a equipamentos ‘estado da arte’ de sua área e possibilitou à empresa utilizar a credibilidade do grupo de pesquisa na comunidade científica como estratégia de marketing. Porém, esta interação não envolveu troca de conhecimento: “[...]a gente vai ter oportunidade de usar um equi-pamento que a gente não tem, desenvolver alguns trabalhos com este equipamento, e o lado deles é que a gente vai divulgar eles em termos de Brasil, e eles vão poder usar em eventos, com clientes... mas isso eu não vejo como uma parceria”.

Os serviços que o laboratório desenvolve envolvem muito conhecimento tácito, conforme relata o entrevistado E2: “você não tem muito nos livros como aprender isso, e você não aprende na graduação o suficiente para executar esse tipo de análise”.

Deve-se observar, ainda, que os equipamentos utilizados nas pesquisas são de alta complexidade e reside aí o interesse das empresas. Nesse sentido, o entrevistado E2 res-salta que “essa formação, ela é um pouco mais complexa, para deixar que o aluno fique pronto para esse tipo de análise, leva um certo tempo”. A complexidade, portanto, reside na utilização dos equipamentos, enquanto que os serviços prestados não exigem produção de conhecimento novo, apenas a reprodução de processos já existentes.

Apesar de o laboratório ser da área de química, seu trabalho não envolve inte-rações com foco em inovação. Para o entrevistado E2 “Algumas áreas, até da química mesmo, têm mais facilidades de cooperação neste sentido”. As empresas que utilizam os serviços do grupo de pesquisa como forma de apoio à qualidade de seus produtos, em sua maioria, são da área de alimentos e não desenvolvem atividades de P&D, como destaca o

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DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL, TECNOLOGIA, INOVAÇÃO E PESQUISA

entrevistado E2: “Na verdade a gente é um apoio para garantia de qualidade da produção [...] é uma ferramenta que eles podem utilizar”.

5.1.3 Barreiras/Facilitadores

As principais dificuldades encontradas pelo grupo de pesquisa estão relacionadas aos fatores organizacionais e culturais: Comunicação com as empresas e certificação de qualidade do laboratório. Nesse sentido, o entrevistado E1 afirma que “Não somos feitos para fazer propaganda, nós não somos marketeiros, nós somos ratos de laboratório, nós somos acostumados a baixar a cabeça e ficar nos laboratórios desenvolvendo métodos”.

A infraestrutura foi identificada como uma questão central e o suporte institucional para acreditação e orientação em relação à exploração de propriedade intelectual foram apontados como gargalos no processo. Em relação a esse aspecto o entrevistado E1 relata que “se a instituição entende que a prestação de serviço é uma linha importante pra ela, ela precisava dar isso, e na verdade fica muito mais da iniciativa de cada um, cada um tem que ir atrás, e nós fomos atrás disso, porque a gente entende que para o laboratório se manter isso é importante”.

Em relação à exploração de propriedade intelectual, o entrevistado E1 diz: “acho que a universidade precisa nos ensinar, a gente vem de uma geração que não aprendeu a fazer, acho que essa nova fase institucional precisa disso”. O entrevistado E2 complementa que o suporte governamental através do SIBRATEC ainda não surtiu efeito: “Nessas redes, a gente tem recebido financiamento, mas uma das cobranças é implantar sistemas de qua-lidade, fazer credenciação no INMETRO”.

Os pesquisadores consideram que os editais para projetos em conjunto com em-presas, devem ser aperfeiçoados. Corroborando essa argumentação o entrevistado E1 des-taca: “Eu acho que eles são muito vagos”.

Os entrevistados observam ainda que seria necessário que houvesse uma participa-ção maior do setor privado no financiamento a pesquisas colaborativas: “muitos outros pa-íses se desenvolvem assim, são as indústrias que incentivam a pesquisa nas universidades e isso funciona [...] não que seja 100% a empresa financiando a pesquisa, não tô dizendo que o governo deva se isentar, mas eu acho que não pode ser só o governo”.

5.1.4 Resultados

A melhoria na formação dos alunos é uma contribuição evidente da interação para ambos os entrevistados. O entrevistado E1 argumenta que “O aluno que trabalha aqui com a necessidade real, é um aluno que sai pronto pra qualquer desafio [...] se ele for um aluno só de sala de aula, ele certamente terá dificuldade de se estabelecer no mercado de trabalho”. O entrevistado E2 complementa esse pensamento afirmando que “a gente tá formando pessoal em coisas que são de extrema importância, que com certeza vai ser

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PESQUISA E ENSINO: FERRAMENTAS DE GESTÃO PÚBLICA NO RS

muito útil em termos de carreira futura para eles”, refletindo-se na produção científica dos pesquisadores.

O contato estreito com as necessidades do mercado reorienta as linhas de ensino na universidade, adequando a formação dos alunos às necessidades do mercado em que irão atuar: “No curso de química bacharelado, a gente já sugeriu que na próxima reforma introduzisse esta disciplina de sistema de qualidade”, relata o entrevistado E1.

A capitalização dos resultados de pesquisa não é um resultado, porque o grupo de pesquisa não considera esta possibilidade nas oportunidades de interações com o setor produtivo. De acordo com o entrevistado E1, o reconhecimento do trabalho do grupo de pesquisa é um resultado importante da interação: “os nossos nomes passaram a ser mais reconhecidos [...] há três anos atrás nós tivemos cinco projetos aprovados ao final do ano [...] a gente percebe que é em função do trabalho que a gente vem desenvolvendo”. O impacto efetivo da interação está intimamente relacionado à melhoria de infraestrutura do laboratório, em razão do aporte de recursos nestas interações, aspecto corroborado pelo entrevistado E2: “a gente está para receber outro equipamento que eu acho que vai alavancar bastante [a produção técnico/científica]”.

5.2 Caso 2 – PUCRS

O Centro de Pesquisa, vinculado ao Parque Tecnológico da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – TECNOPUC PUCRS, foi implantado em 2004 e sedia um Ins-tituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT) na área de Saúde, que entre outras metas, visa promover a inovação em estreita articulação com empresas inovadoras, nas áreas do SIBRATEC. Tanto o Centro de Pesquisa quanto o INCT são coordenados pelo líder do grupo, que trabalhou anteriormente como professor na UNIFESP e UFRGS.

A PUCRS figura entre as 50 maiores solicitantes de patentes no Brasil, tendo efe-tuado até junho de 2011, cerca de 75 depósitos de patentes no Brasil, 36 depósitos de patentes internacionais, 2 licenciamentos para um laboratório farmacêutico nacional, 11 softwares registrados, 48 marcas registradas e 1 contrato e transferência de know-how registrado.

O grupo de pesquisa possui 12 pesquisadores e 27 estudantes, sendo 7 de douto-rado e 16 de mestrado, além de integrantes externos à instituição, vinculados aos ICT’s. O grupo de pesquisa mantém parceria com um grupo de pesquisa da UFSM, para análises e testes de fármacos, possui produtos e processos com registro de propriedade intelectual no Brasil, EUA, Suíça e Inglaterra e mantém vínculo com uma empresa de base tecnológica vinculada ao Centro de Pesquisa, fundada em 2001, por pesquisadores do próprio grupo.

Os serviços oferecidos pelo Centro de Pesquisa são de alta complexidade, incluindo identificação e quantificação de princípios ativos e insumos farmacêuticos por técnicas avançadas. A empresa vinculada tem foco em P&D de insumos biotecnológicos e atua for-

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DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL, TECNOLOGIA, INOVAÇÃO E PESQUISA

temente na captação de recursos, juntamente com o Centro de Pesquisa. Possui projetos aprovados em diversos editais de apoio à pesquisa conjunta entre ICT’s e empresas: MCT/CNPq–BIOINOVA; MCT/CNPq–RHAE Pesquisador na Empresa; FINEP/PAPPE Subvenção; CAPES/MCT/FINEP – Programa Nacional de Pós-Doutorado – PNPD; e MCT/FINEP – Sub-venção Econômica à Inovação.

5.2.1 Motivações

Impulsionado pelo perfil da área de pesquisa em fármacos, o grupo tem um dire-cionamento claro para capitalizar os resultados de pesquisa, afirma o entrevistado E3: “[...] se prevendo as grandes possibilidades de transformar conhecimento em tecnologia, em coisas úteis para a sociedade”, cumprindo a função social da universidade através deste processo. O fato de estar dentro de um parque tecnológico contribui para isto, exigindo desenvolvimento de expertise em P&D.

O retorno social das pesquisas do grupo de pesquisa se reflete na possibilidade de reduzir custos com medicamentos, argumenta o entrevistado E3: “o Brasil gasta alguns bilhões de reais por ano, importando esses medicamentos, porque são medicamentos com-pulsórios, está na lista do SUS e o Brasil importa a preço de ouro [...] Então nós estamos ajudando o país nesse esforço”.

Na visão do pesquisador E3, o trabalho do grupo gera resultados para sociedade tanto em associação com a empresa, quanto puramente dentro do ambiente acadêmico: “tanto como empresário, como acadêmico, nós estamos trabalhando para a sociedade, quer dizer, produzimos coisas para sociedade, seja de uma maneira ou de outra: realizar o lucro aqui, que empresa é para dar lucro, ou não visando o lucro aqui, que a função da academia não é mercantil”.

5.2.2 Processo de Interação

O grupo mantém relação permanente com o setor produtivo, através da estrutu-ra do TECNOPUC e trabalha em ‘simbiose’ com a empresa dos pesquisadores, ressalta o entrevistado E3. “Quando eu me transferi para a PUC, saí da universidade federal e vim para aqui [...] eu propus para o reitor [...] trazer a empresa também, e colocar a empresa lado a lado com o centro de pesquisa. Com duas missões totalmente diferentes, mas inter-ligadas”. É uma interação bilateral, envolvendo compartilhamento de pessoal, recursos e infraestrutura, mediada pela Agência de Gestão Tecnológica, mecanismo institucional facilitador deste processo. O entrevistado E3 argumenta que: “tudo que significa produzir conhecimento, formar recursos humanos, se faz no centro de pesquisa; e tudo que é desen-volvimento tecnológico se faz na empresa. ”

Os projetos desenvolvidos são de alta complexidade e envolvem pesquisa conjunta com empresas do setor farmacêutico. A universidade provê infraestrutura e a empresa paga despesas administrativas e de pessoal, incluindo bolsas e salários aos pesquisadores,

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PESQUISA E ENSINO: FERRAMENTAS DE GESTÃO PÚBLICA NO RS

além dos impostos correspondentes. O entrevistado E3 acrescenta que: “cabe ao pesqui-sador pegar recursos do CNPq, da FINEP, na planície, como qualquer um, muitas vezes julgado por pares, e até agora tem sido meritocrático”.

5.2.3 Barreiras/Facilitadores

A principal dificuldade identificada se refere à existência de conflito de interesses. Segundo o entrevistado E3 “o conflito de interesse surge na medida em que eu, como co-ordenador do centro de pesquisa e presidente da empresa, quer dizer, ninguém vai saber se uma ideia ‘brilhante’ que eu tenho, se é do empreendedor, se é da empresa, ou é da universidade”. Esta questão foi resolvida a partir da regulamentação de que a propriedade intelectual gerada proveniente de produtos e de processos é da PUC, inclusive as patentes que o pesquisador possuía de empresa, antes de se instalar junto ao centro de pesquisa. Dessa forma, os royalties são divididos igualmente entre a universidade, o pesquisador e o centro de pesquisa.

Dificuldades político-ideológicas foram apontadas também pelo pesquisador na viabilização de seu modelo de pesquisa, associadas às dificuldades de instalação de uma estrutura industrial nas universidades públicas. Conforme argumenta o entrevistado E3 “no serviço público, isso não funciona muito bem porque, infelizmente a universidade é partidarizada e não querem nada com o setor privado”. A flexibilidade e a estrutura de incentivos calcada na meritocracia da universidade privada foi apontada como um fator- chave para viabilizar um modelo de pesquisa em colaboração com o setor privado. Nesse sentido, o entrevistado E3 afirma: “Esse negócio de universidade eu já tive dos dois lados, duas universidades federais de excelência [...] inclusive eu vim para cá criar o Centro de Biotecnologia, na universidade federal, nunca funcionou. Primeiro porque: porque não po-dia estabelecer esse modelo de empresas, porque diziam que eu ia vender a universidade”.

Na visão do pesquisador E3, os recursos governamentais para fomento à interação com empresas poderiam ser mais eficientes, caso houvesse uma adequação na estrutura universitária das instituições públicas: “pode fazer tudo de ouro, que não vai funcionar enquanto a universidade não mudar de visão do que ela quer [...] com a atual estrutura da universidade brasileira não vai funcionar”. O pesquisador sugere ainda criação de um modelo de interação, a partir da empresa para a universidade: “É estabelecer um modelo que funciona, que é começar na empresa e vir para a universidade, e não da universidade para empresa, aí não vai dar certo”.

5.2.4 Resultados

Os principais resultados obtidos pelo grupo de pesquisa estão associados à maior aplicabilidade das pesquisas e à propriedade intelectual: “tem muita coisa que você desen-volve aqui que é puramente acadêmico, mas você tem um viés aplicado”, afirma o entrevis-tado E3. O estreito vínculo com empresas e, consequente, proximidade do setor produti-vo, possibilita maior aporte de recursos, conforme destaca o entrevistado E3: “na empresa

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DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL, TECNOLOGIA, INOVAÇÃO E PESQUISA

nós captamos recursos que eu chamo na planície, quer dizer, concorrendo com outras em-presas em edital. Nós captamos recursos do SEBRAE, do BNDES/FUNTEC, da FINEP; e no centro de pesquisa recursos FINEP, BNDES/FUNTEC, CNPq. Aí nós temos bastante recursos para gastar com equipamentos de última geração, com estudantes, com bolsas, material de consumo”.

A capitalização dos resultados de pesquisa do grupo resulta em parcerias de vulto para a instituição com empresas do setor farmacêutico, observa o entrevistado E3: “nós acabamos de assinar um contrato aí com o BNDES/FUNTEC via PUC, com uma grande em-presa farmacêutica nacional [...] nós estamos fechando um acordo com essa empresa para montarmos a primeira planta industrial no Brasil para produção de biofármacos”. Além de capitalizar os resultados de pesquisa a interação se reflete na produção científica, dispo-nibilidade de bolsas, melhoria de infraestrutura para o grupo e maior inserção nas redes acadêmicas: “Se você olhar nos papers que nós produzimos esse ano, que não são poucos [...] muitos aqui são da empresa, da interação da empresa com o centro de pesquisa. Nós temos uns oito estudantes de mestrado e doutorado que são pagos pela empresa [...] eu tenho um excelente centro de pesquisa, eu não devo a ninguém no mundo, eu tenho tudo aqui, tenho interação com grandes universidades no exterior, grandes interações com uni-versidades nacionais”.

5.3 Caso 3 – UCS

O laboratório, vinculado à Universidade de Caxias do Sul–UCS, é oriundo da área de biotecnologia e atua no desenvolvimento de tecnologias microbianas. O coordenador de um dos Núcleos de Inovação e Desenvolvimento da Universidade, é líder do grupo de pesquisa. Os núcleos agrupam pesquisadores de diferentes unidades da instituição, sen-do avaliados, principalmente, a partir do critério de aplicabilidade de suas pesquisas em produtos e processos. Para assegurar a qualificação dos serviços oferecidos pelos labora-tórios, a universidade criou o Programa de Acreditação dos Laboratórios Prestadores de Serviços, com o objetivo de adequá-los à Norma ISO/IEC 17025:2005.

O líder do grupo de pesquisa foi sócio-fundador de uma empresa de biotecnologia, que funcionava fora da estrutura da UCS, porém a empresa encerrou suas atividades por dificuldades administrativas. O grupo de pesquisa é formado por 6 pesquisadores e 29 estudantes e possui produtos e processos tecnológicos com registro de propriedade inte-lectual no Brasil e nos EUA.

Através de acordo de cooperação com a universidade, o grupo de pesquisa tem parceria e colaboração com o Laboratório Nacional de Ciência e Tecnologia do Bioetanol, com uma empresa nacional de biotecnologia pioneira no Brasil em sua área de atuação, que utiliza enzimas para utilização na indústria têxtil, de alimentos, controle biológico de insetos, entre outros e, também, com uma empresa graduada da Incubadora Tecnológica de Caxias de Sul, uma start-up do Instituto de Biotecnologia da UCS que atua no desenvol-vimento de insumos biológicos para agricultura e pecuária.

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PESQUISA E ENSINO: FERRAMENTAS DE GESTÃO PÚBLICA NO RS

5.3.1 Motivações

A transferência de tecnologia é inerente à área do grupo e permeia a própria for-mação dos alunos, aumentando a possibilidade de as pesquisas resultarem no registro de propriedade intelectual. Para o entrevistado E4 “[...]a ideia da biotecnologia, justamente é essa, é que o aluno, ele possa no seu trabalho de dissertação, no seu trabalho de tese... desenvolver tecnologia, e que essa biotecnologia possa ser repassada para uma empre-sa”. Além disso, a interação aparece como parte da função social da universidade: “[...]o pesquisador também tem que ter a liberdade dele... mas ele também tem que fazer uma pesquisa para a sociedade que lhe paga de alguma maneira”.

5.3.2 Processo de Interação

Embora o laboratório faça parte de um núcleo de inovação e desenvolvimento, as interações não utilizam uma estrutura de interface. A intermediação do Escritório de Transferência de Tecnologia ocorre apenas quando as pesquisas especificamente envol-vem a tecnologia a ser transferida. As interações são em sua maioria unilaterais, da univer-sidade para as empresas, e pontuais: “[...]em dois mil e quatro veio uma empresa brasileira pequena, querendo produzir enzimas, então ela pegou o nosso conhecimento e nós fize-mos um contrato de royalties com essa empresa... hoje ela está produzindo essa enzima e vendendo naquela região”, argumenta o entrevistado E4. Mesmo envolvendo propriedade intelectual, esta interação não envolve pesquisa conjunta: “não houve, vamos dizer assim, uma interação entre a empresa e a universidade, houve a pesquisa na universidade, e que a empresa se interessou e veio buscar”.

O grupo mantém ainda vínculo com um centro de pesquisa público, envolvendo pesquisa conjunta na área de expertise do laboratório. “Nós temos um convênio com essa instituição [CTBE] para desenvolver essa enzima que vai possibilitar tornar econômico o álcool de segunda geração”, ressalta E4. O modelo de pesquisa idealizado pelo pesquisa-dor consistia em instalar a empresa, próxima ao laboratório, porém não foi viabilizado por questões de mercado: “Essa empresa que eu montei, qual era a ideia:...criar essa empresa, e essa empresa vir à universidade e interagir com a universidade. Essa ideia não existe, porque a biotecnologia, ela é feita para a biotecnologia”.

5.3.3 Barreiras/Facilitadores

O alinhamento estratégico entre a pesquisa acadêmica e a demanda do mercado, foi a principal dificuldade apontada pelo entrevistado E4, referindo-se, especificamente à liberdade do pesquisador em definir suas prioridades de pesquisa: “ o pesquisador vai fazer a pesquisa do que ele gosta, e quase sempre essa pesquisa não está ligada às neces-sidades, às demandas da empresa”. A dificuldade em conhecer as demandas do setor pro-dutivo ocorre não somente em relação ao pesquisador, mas também no meio empresarial que não expõe à universidade os gargalos nos quais a pesquisa acadêmica poderia contri-

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DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL, TECNOLOGIA, INOVAÇÃO E PESQUISA

buir. “[...]existe uma lacuna de interesses, a pesquisa na universidade e as necessidades e demanda da empresa”.

O entrevistado E4, acrescenta ainda que o conhecimento prévio da demanda ou a construção de uma parceria para o desenvolvimento da pesquisa é apontado como uma forma de facilitar esta interação: “eu acho que o caminho para iniciar a pesquisa é mais interessante para que essa pesquisa já seja desenvolvida dentro de uma demanda”. A in-serção do empreendedorismo na formação dos alunos é um esforço institucional para fa-cilitar a transição da pesquisa acadêmica para o mercado: “[...]nós temos disciplinas de empreendedorismo, temos disciplinas de patente, onde não são disciplinas obrigatórias”.

A estruturação de cursos de pós-graduação profissionais é apontada pelo entrevis-tado E4 como uma alternativa para aproximar mais a pesquisa acadêmica do setor produ-tivo. “O mestrado profissional tem o objetivo de resolver uma demanda [...] o compromisso não é você escrever uma dissertação, necessariamente. Você pode desenvolver uma técni-ca, resolver um problema na empresa, desenvolver uma tecnologia...”. Os mecanismos de avaliação têm um papel-chave, pois na área de pesquisa do grupo os programas de pós--graduação “[...]são avaliados não só pela produção feita, pelos trabalhos, mas também pela produção de tecnologia, a produção de patentes”.

Um modelo de interação entre a empresa e o laboratório facilitaria o desenvolvi-mento de parcerias virtuosas, porém na visão do pesquisador E4, a manutenção de ativi-dades paralelas com empresas, fora da estrutura da universidade, inviabiliza o processo. Nas palavras do entrevistado E4, [...]o negócio de dizer que é pesquisador e empresário é história... eu participei de uma empresa que eu era sócio e nunca ia lá... porque se você abraçar essas coisas, você não vai ser nem um bom empresário e nem um bom homem de universidade”. O mercado ainda prematuro da área de biotecnologia também foi apontado como uma dificuldade para o grupo de pesquisa: “não existe a empresa de biotecnologia... as empresas de biotecnologia estão para serem formadas, ainda”.

O grupo de pesquisa, de acordo com o entrevistado E4, embora não possua supor-te governamental para realizar pesquisas com interação com empresas, já buscou captar recursos dessa forma: “eu, particularmente, fiz projetos com empresas, mas eu não fui contemplado”. Porém, talvez os pesquisadores desconheçam os mecanismos atuais de fo-mento, uma vez que declara: “isso não está acontecendo mais, não existe mais esse tipo de edital”.

A síntese das interações dos grupos de pesquisa analisados, contendo suas caracte-rísticas individuais, de acordo com cada um dos construtos do modelo teórico elaborado, é a seguir apresentada no Quadro 2.

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PESQUISA E ENSINO: FERRAMENTAS DE GESTÃO PÚBLICA NO RS

Quadro 2 – Síntese das principais características das interações dos grupos

Grupo UFSM Grupo PUCRS Grupo UCS

Motivações Realização da função social da universidade

• Capitalização dos re-sultados de pesquisa

• Capitalização dos resultados de pes-quisa

Processo

• Inexistência de vínculo regu-lar com setor produtivo;

• Inexistência de intermedia-ção;

• Interações informais e pon-tuais;

• Relações unilaterais; • Empresas pequenas, sem in-

vestimento em P&D; • Elevado conteúdo científico e

pouco conteúdo tecnológico

• Existência de víncu-lo regular com setor produtivo;

• Existência de inter-mediação;

• Interações formais, regulares;

• Relações bilaterais; • Empresas grandes

com investimento em P&D;

• Elevado conteúdo científico e tecnoló-gico

• Vínculo regular com setor produ-tivo;

• Inexistência de in-termediação;

• Interações for-mais, pontuais;

• Relações unilate-rais e bilaterais;

• Empresas peque-nas com investi-mento em P&D;

• Elevado conteúdo científico e tecno-lógico

Barreiras eDificuldades

• Comunicação com empresas;• Certificação de qualidade; • Infraestrutura

• Conflito de interes-ses;

• Vínculo do pesquisa-dor com a empresa

• Falta de alinha-mento de interes-ses;

• C o n h e c i m e n t o prévio da deman-da de mercado

Resultados• Impacto da Formação de alu-

nos;• Captação de recursos

• Patentes e royalties, • Captação de recursos

• Patentes e royal-ties

A análise dos dados apresentados no quadro acima permite concluir que existem diferenças e similaridades significativas em relação a algumas características dos casos es-tudados. As diferenças encontram-se, principalmente, no tipo de motivação e nas barrei-ras que dificultam o processo de pesquisa. Existem também semelhanças, especialmente entre os casos da PUC/RS e a UCS, por serem instituições de origem privada. O caso da UFSM, se diferencia, sobretudo, pelo interesse público existente.

Na sequência são discutidas as considerações finais do estudo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O estudo teve como objetivo analisar a interação entre universidade e empresa sob a perspectiva de líderes de grupos de pesquisa de universidades do Rio Grande do Sul: a UFSM, a PUC/RS e a UCS. Foram identificadas variações relativas a alguns aspectos que caracterizam a relação entre universidade e empresa, nos grupos de pesquisa das institui-

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DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL, TECNOLOGIA, INOVAÇÃO E PESQUISA

ções analisadas, especialmente no que se refere ao processo. Foram verificadas também, algumas semelhanças, principalmente entre as instituições privadas, a PUCRS e a UCS.

A principal motivação para a interação com empresas, observada na UFSM, insti-tuição pública, refere-se à função social da universidade, enquanto que nas instituições privadas, esteja concentrada na capitalização de resultados de pesquisa.

As principais barreiras e dificuldades enfrentadas pelos grupos de pesquisa são di-ferentes em cada uma das instituições e estão relacionadas a aspectos institucionais. As dificuldades encontradas na UFSM, estão centradas na comunicação com as empresas e na, certificação de qualidade dos laboratórios. Os principais aspectos observados na PUC/RS, foi conflito de interesses e na UCS, foi o alinhamento entre a pesquisa acadêmica e a demanda do setor produtivo. Entre os mecanismos facilitadores apontados, verificou-se que na UFSM foi a disponibilidade de infraestrutura, na PUCRS o vínculo do pesquisador com a indústria e na UCS a antecipação dos gargalos da indústria. O suporte governamen-tal não foi apontado como um fator-chave para promoção da interação, embora o grupo da PUC/RS, utilize recursos públicos para desenvolvimento de projetos conjuntos.

Quanto ao processo de interação, o grupo de pesquisa da UFSM, se diferencia dos demais, principalmente por seus pesquisadores não manterem vínculo com o setor produ-tivo e essas interações, em sua maioria, sejam informais. O principal destaque do grupo de pesquisa da PUC/RS, em relação ao processo de interação, consiste no líder do grupo de pesquisa ser sócio-diretor de uma empresa que opera em parceria com o laboratório. Em relação à contribuição das interações para os grupos de pesquisa, destaca-se, na UFSM, a formação de alunos e o elevado volume de recursos captados em editais de apoio a proje-tos conjuntos, na PUC/RS.

Embora sejam consistentes os resultados encontrados na pesquisa, ressalte-se que a principal limitação do estudo reside em análise de casos específicos em instituições de organização administrativa diferentes (pública e privada) e baseados na percepção, apenas dos líderes dos grupos de pesquisa, aspectos que podem causar vieses de análise, cujos resultados podem não representar o conjunto das interações universidade-empresa, em cada instituição. As evidências, portanto, não podem ser comparadas entre as instituições, sendo considerados apenas como indícios do tema estudado que podem ser trabalhadas pela gestão institucional.

A principal contribuição da pesquisa consiste na identificação de aspectos que po-dem impactar a gestão da interação entre as universidades e as empresas, cuja superação pode ampliar significativamente em termos quantitativos e qualitativos, a aplicação das pesquisas acadêmicas no meio empresarial, com benefícios consideráveis para a socieda-de.

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PESQUISA E ENSINO: FERRAMENTAS DE GESTÃO PÚBLICA NO RS

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DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL, TECNOLOGIA, INOVAÇÃO E PESQUISA

MUDANÇAS ESTRATÉGICAS E GESTÃO DA INOVAÇÃO TECNOLÓGICA

Gilnei Luiz de Moura18, Adalberto Américo Fischmann19, Edson Cezar Aguiar20, Wesley Mendes-da-Silva21,

Luis Felipe Dias Lopes22, Andressa Hennig Silva23, Janaina Marchi24, Tatiane de Andrade Neves Hörbe25, Emidio Gressler Teixeira26

O transporte marítimo tem sido o principal meio logís-tico internacional de produtos. A excelência dos portos brasileiros é elevada com a Lei nº 8.630/93. Este artigo objetiva investigar as mudanças estratégicas e a ges-tão da inovação tecnológica, ocorridas no Porto de Rio Grande, e averiguar como o mesmo se posicionou fren-te às inúmeras pressões naturais do ambiente; bem como a mudança estratégica e a inovação tecnológica foram percebidas pelo seu planejamento estratégico.

ESTUDO DE CASO NA ZONA PORTUÁRIA E RETROPORTUÁRIA DO PORTO DE RIO GRANDE/RS

O primeiro porto estatal a ser enquadrado na nova lei portuária, Lei 8.630 de 25/02/1993, na lei de modernização, foi o porto de Rio Grande, implicando assim, a ca-racterização de uma nova configuração de organização da zona portuária e retroportuá-ria, redefinindo as funções do território (Viera e Viera, 2000). Com a transição do modelo de administração pública para o de administração privada, ocorreram diversas mudanças estratégicas, alterando a realidade até então estabelecida no local. Ao considerar a com-

18 Doutor em Administração - FEA/USP, Professor do Departamento de Ciências Administrativas da UFSM, [email protected] Doutor em Administração - FEA/USP, Professor do Departamento de Administração e Diretor da FEA/USP, [email protected] Doutor em Administração - FEA/USP, diretor executivo do Sindicato dos Operadores Portuários do Paraná e professor da PUC-PR, [email protected] Doutor em Ciências e Livre-Docente em Administração Financeira - FEA/USP, Professor do Curso de Mestrado e Doutorado da Escola de Administração de Empresas de São Paulo - FGV/EAESP, [email protected] Doutor em Engenharia de Produção - PPEGP/UFSC. Professor Associado do Departamento de Ciências Administrativas da UFSM, [email protected] Doutoranda em Administração - PPGA/UFSM, Professora da Unipampa - Campus Santana do Li-vramento, [email protected] Mestranda em Administração - PPGA/UFSM, [email protected] Mestranda em Administração - PPGA/UFSM, [email protected] Discente de Graduação em Administração - UFSM, [email protected]

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plexidade envolvida no ambiente destes empreendimentos, assim como a configuração da Parcerias Público-Privado - PPP, entende-se que estas organizações necessitam de ajustes constantes para que possam, por meio do Planejamento Estratégico, adequar seu porte, seus processos, suas estruturas e seus custos. Este caso sinaliza com uma proposta de discutir a ideia de que a inovação e o planejamento devem considerar as mudanças estra-tégicas necessárias.

O PORTO DE RIO GRANDE FRENTE AO CENÁRIO DE MODERNIZAÇÃO DAS OPERAÇÕES PORTUÁRIAS NO BRASIL E NOVA LEI DE PORTOS (12.815/13)

A globalização, que vem interligando países e culturas há séculos, em nenhum mo-mento da história retrocedeu em seu curso, reconfigurando e reconectando o planeta in-cessantemente. Os reflexos deste processo são inúmeros, atingindo cada parte do globo de diferentes formas. Na esfera econômica, a globalização impulsiona a internacionaliza-ção das atividades financeiras e comerciais, fazendo com que as barreiras nacionais sejam transpostas a partir da compra, venda e produção não mais restritas ao mercado interno de cada nação.

Nessaconfiguração, a logística dos transportes, responsável por movimentar produ-tos e serviços, conquista cada vez mais importância (Vieira e Vieira, 2000). Dentre as cate-gorias de transportes existentes, uma categoria se destaca: o transporte marítimo, o qual tem sido o principal meio logístico internacional de exportação e importação de produtos manufaturados e semimanufaturados. No início de 1993, o sistema portuário brasileiro passou por forte crise institucional, principalmente devido às consequências advindas com a abrupta dissolução da Portobrás, empresa pública que administrava os portos federais desde 1975. Esse processo culminou com a aprovação da Lei 8.630, de 25 de fevereiro de 1993, conhecida como Lei de Modernização dos Portos.

A partir dessa lei, que previu o modelo de concessão de Parcerias Público-Privadas (PPP) para esse setor, diversos esforços empreendidos pelos sucessivos governos busca-ram aumentar a eficiência dos serviços portuários com a oferta de políticas e programas de investimentos específicos. A privatização ocorreu em termos operacionais, mantendo o patrimônio público e os bens materiais que compõem a estrutura do porto (Vieira e Vieira, 2000).

Recentemente, um novo marco regulatório (Lei 12.815/13) destaca a importância da exploração do setor buscando o aumento da competitividade e o desenvolvimento do país. Destarte, cada porto procura organizar sua gestão a fim de atender às diretrizes da nova Lei, em conformidade com o planejamento governamental de políticas e diretrizes de logística integrada (SEP, 2014). A sanção do novo marco regulatório corrobora a prerro-gativa de que estas organizações necessitam de ajustes constantes para que possam, por meio de inovações e mudanças, adequar seu porte, seus processos, suas estruturas e seus custos.

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Considerando toda a complexidade envolvida em ambientes portuários, este tra-balho busca tão-somente analisar as mudanças que o Porto do Rio Grande, a partir de sua Superintendência – SUPRG, executou, com o objetivo de atender as demandas previstas na Lei 12.815/13. Especificamente, buscou-se descrever o Porto do Rio Grande frente ao contexto portuário nacional, identificar as principais mudanças estratégicas executadas pela Superintendência do Porto relacionando essas mudanças com as demandas de incre-mento de eficiência e competitividade impostas pela nova Lei de Portos.

No setor público, a identificação do resultado das mudanças nos níveis organiza-cional e agregado, ou macro (no sentido de que envolve os resultados para o conjunto da sociedade), não é simples. Como as organizações públicas, via de regra, não competem por participações crescentes em um mercado comercial, o resultado, do ponto de vista macro, fica associado a objetivos socioeconômicos e políticos, do ponto de vista da organização, associa-se às finalidades organizacionais. Entretanto, no caso dos portos públicos, a arena competitiva é diferente. O sistema de autarquias, como o caso do Porto em questão, por ter que ser autossustentável, busca a competitividade em nível diferente das demais ins-tituições públicas.

Assim sendo, desvelar as mudanças estratégicas ocorridas nestes ambientes, pode contribuir para compreender a forma como se organizam a fim de alcançar a melhoria de seus processos, bem como, abre possibilidade para que lacunas sejam identificadas e que seja estabelecido um diálogo com demais empreendimentos afins, além de que, abre-se precedente para replicar os resultados aqui encontrados a outros modelos organizacionais que almejam a otimização e desburocratização das organizações públicas.

1.1 Mudança Organizacional como Instrumento para Modernização, Competitividade e Inovação

Partindo do pressuposto de que “mudança organizacional é qualquer transforma-ção de natureza estrutural, institucional, estratégica, cultural, tecnológica, humana, ou de qualquer outro componente, capaz de gerar impacto em partes ou no conjunto da or-ganização” (Wood Jr., 1995, p. 190), entende-se que a mudança organizacional deve ser constante (Weick e Quinn, 1999) e tratada como essencial para qualquer organização, pois o conhecimento, a informação, o mercado e as pessoas não são estáticos, ao contrário, estão em processo constante de mudança, “afinal de contas tudo muda – os ambientes desestabilizam-se, os nichos desaparecem, as oportunidades banalizam-se” (Mintzberg, Ahlstrand, Lampel, 2000, p. 106). A globalização e a rápida evolução dos meios de comu-nicação aceleraram ainda mais esses processos e, por consequência, aumentaram ainda mais a necessidade de adequação às novas demandas de mercado. Essa temática tem sido alvo de inúmeras pesquisas e investigações.

Segundo Wood Jr., Curado e Campos (1994), a mudança organizacional pode ser dividida quanto à natureza, quanto à relação da organização com o ambiente, ou, ainda, quanto à forma de implementação. No que diz respeito à mudança quanto à natureza, po-

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de-se subdividi-la em mudanças estruturais, quando relacionada ao organograma, funções e tarefas, em mudanças estratégicas, quando relacionada ao mercado-alvo da organização e seu foco de atuação, em mudanças culturais, quando a mudança for pautada nos valores e no estilo de liderança, em mudanças tecnológicas, quando for relacionada aos processos e métodos de produção, ou também, em mudanças relacionadas a recursos humanos, quando a mudança envolver pessoas, políticas de seleção e formação. A mudança quanto à relação com o ambiente pode ocorrer de duas formas, ou mudança reativa, que é quan-do a mudança é uma resposta ao ambiente, ou mudança voluntária, que é uma anteci-pação baseada em expectativas futuras. As mudanças organizacionais, no quesito forma de implementação, ainda podem ser subdivididas em reeducativa, coercitiva ou racional (Wood Jr., Curado, Campos, 1994), quanto aos aspectos gerenciais da mudança.

Já os aspectos promotores da mudança, de acordo com Herzog (1991 apud Wood Jr., Curado, Campos, 1994), são:

(a) crises e problemas: dificuldades com a estrutura organizacional, incapacidade de atender às necessidades dos clientes, restrição de recursos; (b) novas oportunidades: introdução de novas tecnologias, introdução de novos produtos e serviços, disponibilidade de novos recursos; (c) novas diretrizes internas ou externas: adequação a novas leis, adaptação a novas estratégias corporativas, implementação de novos sistemas de controle.

Outro aspecto relevante a se considerar, é a inovação como meio promotor de mu-dança, e assim atrelados a este conceito, surgem algumas classificações como: inovação incremental, inovação semirradical e inovação radical. A primeira traz melhorias modera-das às organizações, objetivando o aprimoramento dos produtos e/ou processos em vigor (Davila, Epstein, Shelton, 2007), existindo continuidade nos padrões gerais de funciona-mento da organização, ou ainda, segundo Hinings e Greenwood (1988), inovação incre-mental é o ajustamento de estruturas e processos para alcançar maior coerência dentro de um mesmo arquétipo. Para Davila, Epstein e Shelton (2007), em contraponto à incremen-tal, a inovação radical é o conjunto de novos produtos e/ou serviços fornecidos de maneira inteiramente nova, inovando-os de forma abrupta e rompendo os padrões existentes. Já a inovação semirradical alcança, em ambientes competitivos, mudanças inviáveis por meio de inovações incrementais, ou seja, “a inovação semirradical envolve mudança substancial nos modelos de negócios ou na tecnologia de uma organização – mas não em ambas” (Davila, Epstein, Shelton, 2007).

De fato, uma mudança organizacional, seja de caráter incremental, semirradical ou radical, é sempre um movimento contínuo, pois segundo Weick e Quinn (1999, p. 381), “a mudança nunca começa porque ela nunca para”, e por si só, traz modificações que afetam positivamente e/ou negativamente a organização, o ambiente e as pessoas envolvidas, e são geralmente marcos na organização, como a Lei 12.815/93 (Brasil, 1993), também conhecida como Nova Lei de Modernização dos Portos, que balizou mudanças e inovações de caráter incremental no setor portuário brasileiro, uma vez que delimitou orientações

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visando à melhoria desse setor por meio de diretrizes voltadas ao aumento da eficiência e eficácia em suas operações.

1.2 Lei 12.815

Na percepção de Araújo (2013), no Brasil, a exemplo de outros países, a maioria das cidades desenvolveu-se no entorno das instalações portuárias construídas para o escoa-mento da produção nacional. O país goza de status privilegiado para as transações marí-timas e isso reflete no amplo e complexo sistema portuário marítimo e fluvial instaurado ao longo do tempo.

Administrar e zelar pela eficiência desses empreendimentos é tarefa que envolve, entre outras questões, regulação competente, altos investimentos e tecnologia avança-da. Em termos de Brasil, ao verificar-se a proeminência da era globalizada neoliberal em princípios da década de 1990, passa-se a exigir dos portos nacionais uma nova demanda, a qual evidenciou a inoperância desse Sistema por duas razões principais: falta de pla-nejamento portuário somado aos baixos investimentos em desenvolvimento, inovação e modernização (Araújo, 2013; Fleury, 2011).

No início de 1993, o sistema portuário brasileiro passou por forte crise institucional, principalmente devido às consequências advindas com a abrupta dissolução da Portobrás, empresa pública que administrava os portos federais desde 1975. Em função dessa neces-sidade de modernização do sistema portuário, a fim de atender as exigências e os padrões do mercado internacional, surge um novo marco, a Lei 8.630 de 1993, também conhecida como Lei de Modernização dos Portos (Brasil, 1993). Essa lei buscou propor uma nova regulação ao Sistema Portuário Brasileiro, na medida em que apresentou diretrizes com o intuito de integrar o País, de forma efetiva, às exigências internacionais (Araújo, 2013).

A principal característica dessa legislação foi a de estabelecer a possibilidade de contratos de concessões à iniciativa privada no que diz respeito à administração e opera-cionalização desses empreendimentos, a partir das chamadas Parcerias Público-Privadas (Brasil, Lei 8.630/93). Esse marco regulatório inicial foi amparado por diversas medidas ao longo dos anos, em função da dinamicidade dos processos alusivos ao setor, com o objetivo de equiparar a competitividade dos portos nacionais aos padrões daqueles con-siderados referência (Vieira e Vieira, 2000). Em função destes constantes ajustes, vinte anos após a sanção da primeira Lei de Portos, o Governo Federal aprova um novo marco regulatório, com a criação da Medida Provisória 595, intitulada de MP dos Portos, em 07 de Dezembro de 2012, trazendo como principal finalidade prover diretrizes para melhorar a eficiência dos portos brasileiros e, principalmente, constituir novos procedimentos para as concessões destes (Araújo, 2013). Tendo em vista a importância do setor portuário ao comércio e desenvolvimento econômico do país (Cardoso, 2013), em 05 de junho de 2013 a Presidência da República converte a MP 595 em lei, sancionando-a como a Lei n°12.815.

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A referida Lei tem como vieses principais, por um lado, a alteração da regulamenta-ção sobre a gestão e o fornecimento da mão-de-obra portuária, e, por outro, o incentivo à modernização, expansão e otimização da infraestrutura e da superestrutura que integram os portos organizados e instalações portuárias, visando a uma maior competitividade no cenário nacional e internacional e o desenvolvimento interno do país.

No Artigo 3º, capítulo I, da Lei 12.815, o Governo Federal prevê que as diretrizes básicas para a exploração dos portos organizados e instalações portuárias sejam: (I) ex-pansão, modernização e otimização da infraestrutura e da superestrutura que integram os portos organizados e instalações portuárias; (II) garantia da modicidade e da publicidade das tarifas e preços praticados no setor, da qualidade da atividade prestada e da efetivida-de dos direitos dos usuários; (III) estímulo à modernização e ao aprimoramento da gestão dos portos organizados e instalações portuárias, à valorização e à qualificação da mão--de-obra portuária e à eficiência das atividades prestadas; (IV) promoção da segurança da navegação na entrada e na saída das embarcações dos portos; (V) estímulo à concorrência, incentivando a participação do setor privado e assegurando o amplo acesso aos portos organizados, instalações e atividades portuárias (Brasil, Lei 12.815/13).

Visando atender às normas e padrões dos sistemas de segurança internacional, a Lei 12.815, por meio do Artigo 53, capítulo VIII, instituiu ainda o Programa Nacional de Dra-gagem Portuária e Hidroviária II, implantado pela Secretaria de Portos da Presidência da República e pelo Ministério dos Transportes, o qual abrange, dentre outras atividades: as obras e serviços de engenharia de dragagem para manutenção ou ampliação de áreas por-tuárias e de hidrovias, o serviço de sinalização e balizamento, o monitoramento ambiental e o gerenciamento da execução dos serviços e obras (Brasil, Lei 12.815/13).

1.3 Método

Este trabalho buscou analisar as mudanças que o Porto do Rio Grande, a partir de sua Superintendência - SUPRG, promoveu ao longo dos anos de 2013 e 2014, com o pro-pósito de atender as novas demandas previstas na Lei 12.815/13. Diante desta proposta estabelecida, adotou-se um plano de pesquisa de caráter descritivo, quanto aos seus obje-tivos; qualitativo, quanto à abordagem do problema; e, como delineamento de pesquisa, optou-se pelo estudo de caso. O plano de pesquisa de caráter descritivo, de acordo com Cervo, Bervian e Silva (2007), busca observar, registrar, analisar e correlacionar fatos ou fenômenos (variáveis) sem manipulá-los. Dessa forma, a proposta nesta pesquisa foi a de descrever quais foram as mudanças implementadas em observância ao marco regulatório 12.815/13 no Porto do Rio Grande.

A abordagem qualitativa justificou-se, uma vez que se trabalhou em uma realidade que foi difícil de ser quantificada, visto que envolvia um universo de motivos, valores e atitudes, aprofundando-se no mundo intangível dos significados das ações e das relações humanas (Minayo, 1996). A pesquisa de cunho qualitativo, de acordo com Richardson

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(2010), justifica-se, sobremodo, por ser uma forma adequada para entender a natureza de um fenômeno social.

Godoi e Balsini (2010) destacam que o foco da pesquisa qualitativa é interpretar as intenções e significados dos atores sociais envolvidos no estudo, uma vez que os dados são representações das ações e expressões humanas, exigindo a imersão do pesquisador no contexto a ser investigado. Além disso, o ambiente natural, no caso o Porto do Rio Gran-de, foi, também, fonte direta para a coleta de dados e estes não requereram tratamento estatístico.

Nesta pesquisa os dados coletados foram de dois tipos:

PRIMÁRIOS: obtidos por meio de entrevistas abertas (Godoi, Mello E Silva, 2006), com os executivos (diretores e gerentes operacionais da Superintendência do Porto) que influenciam ou têm contato com questões estratégicas de gestão corporativa;

SECUNDÁRIOS: obtidos com análise documental, pela leitura e cadastramento da documentação disponível no site do Porto do Rio Grande, na Legislação correspondente, bem como, diretrizes internacionais que preconizam algumas demandas globais para a administração de portos.

A construção do instrumento de pesquisa pautou-se, sobretudo, no referencial te-órico que abrange os conceitos a que esta pesquisa enfoca: mudança organizacional e legislação portuária. Como delineamento de pesquisa utilizou-se o estudo de caso, que se caracteriza pelo estudo profundo e holístico da unidade de análise (Gil, 2009). De acordo com Marconi e Lakatos (2008, p. 274), o método de estudo de caso “refere-se ao levan-tamento com mais profundidade de determinado caso ou grupo humano sob todos os seus aspectos. Entretanto, é limitado, pois se restringe ao caso que estuda, ou seja, um único caso, não podendo ser generalizado”. Corroborando o método de estudo de caso, este estudo utilizou-se de técnicas distintas para a coleta de dados, as quais foram entre-vistas abertas complementadas por investigações bibliográficas. Esse método, conforme Yin (1994), requer, justamente, esse diálogo de técnicas para compreensão do objeto em estudo.

1.4 RESULTADOS E DISCUSSÕES

1.4.1 Panorama atual do contexto portuário nacional

O contexto do sistema portuário nacional é marcado, ainda, por forte intervenção do governo federal em termos de política de gestão, regulação e controle. Ao todo, são trinta e cinco portos públicos organizados27, sendo que dezenove são administrados pela

27 Porto organizado: bem público construído e aparelhado para atender a necessidades de nave-

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União, via Companhia das Docas, e dezesseis, são concessões ou delegações estaduais ou municipais (SEP/PR, 2015).

O órgão federal responsável pela formulação de políticas públicas para o setor é a Secretaria Especial de Portos da Presidência da República (SEP/PR), desde o ano de 2007 (Brasil, lei nº 11.518/07), a qual, por sua vez, é vinculada ao Ministério dos Transportes. Essa secretaria, de caráter legislativo, tem como área de atuação a formulação de políticas e diretrizes para o desenvolvimento e o fomento do setor de portos e instalações portu-árias marítimas, fluviais e lacustres e, especialmente, promover a execução e a avaliação de medidas, programas e projetos de apoio ao desenvolvimento da infraestrutura e da superestrutura dos portos e instalações portuárias. Além disso, figuram também como competência da SEP/PR elaborar planos gerais de outorgas, aprovar os planos de desen-volvimento e zoneamento dos portos (SEP/PR, 2015).

Vinculada à SEP/PR, a Agência Nacional de Transportes Aquaviários – ANTAQ, fun-ciona como uma autarquia, gozando, portanto, de independência administrativa e finan-ceira. Sua atuação, de caráter executivo e regulador, pressupõe a implementação das po-líticas elaboradas pela Secretaria Especial de Portos da Presidência da República -SEP/PR, pelo Conselho Nacional de Integração de Políticas de Transporte – CONIT e pelo Ministério dos Transportes, segundo os princípios e diretrizes estabelecidos na legislação. É respon-sável por regular, supervisionar e fiscalizar as atividades de prestação de serviços de trans-porte aquaviário e de exploração da infraestrutura portuária e aquaviária (ANTAQ, 2015).

Compete à ANTAQ, com base nas diretrizes do poder concedente, realizar os proce-dimentos licitatórios, adotar as medidas para assegurar o cumprimento dos cronogramas de investimento previstos nas autorizações e exigir garantias ou aplicar sanções, inclusive a cassação da autorização, fornecer autorização de instalação portuária, celebrar os con-tratos de concessão e arrendamento e expedir as autorizações de instalação portuária de-vendo fiscalizá-los (BRASIL, Lei 12.815). Ainda, deve atuar no sentido de tornar mais eco-nômica e segura a movimentação de pessoas e bens pelas vias aquaviárias brasileiras, em cumprimento a padrões de eficiência, segurança, conforto, regularidade, pontualidade e modicidade nos fretes e tarifas;arbitrar conflitos de interesses para impedir situações que configurem competição imperfeita ou infração contra a ordem econômica, e harmonizar os interesses dos usuários com os das empresas e entidades do setor, sempre preservando o interesse público (ANTAQ, 2015).

Vinculadas à SEP/PR, estão também as sete Companhias das Docas, consideradas sociedades de economias mistas cujo acionista majoritário é o Governo Federal. Adminis-tram, via delegação, dezenove portos do país. Entre suas funções, estão: promover, con-trolar e disponibilizar infraestrutura. No que diz respeito às decisões legais, opera conjun-tamente aos Conselhos Portuários (CAP) como órgão consultivo, pois a centralização das decisões ocorre na SEP/PR (Câmara Federal dos Deputados, 2015).

gação, de movimentação de passageiros ou de movimentação e armazenagem de mercadorias, e cujo tráfego e operações portuárias estejam sob jurisdição de autoridade portuária (SEP/PR, 2015).

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Os Conselhos Portuários - CAP, cujo presidente é nomeado pelo Governo Federal por meio da SEP/PR, atuam como fóruns consultivos, de regulamentação e supervisão quanto às atividades e serviços realizados no porto, mas não têm personalidade jurídica, e sua atuação ocorre diretamente na regulamentação das atividades, homologação dos va-lores das tarifas portuárias, do horário de funcionamento do porto, aprovação das normas e a aprovação do Plano de Desenvolvimento e Zoneamento do porto – PDZ (SEP/PR, 2015).

Além destes órgãos e secretarias, cabe ressaltar que dezesseis portos funcionam por meio de delegações (Porto de São Francisco do Sul/SC) ou concessões (total de quinze portos) a governos federais e estaduais via contratos. Nesses regimes, o poder público se desonera da prestação do serviço que em tese seria de sua titularidade em favor de um agente privado, que se remunerará a partir dos resultados de sua gestão. O Porto do Rio Grande insere-se nesse modelo de Parceria Púbico-Privada, sendo uma autarquia do governo do Estadodo Rio Grande do Sul, administrada pela Superintendência do Porto do Rio Grande - SUPRG.

1.4.2 Porto do Rio Grande: o porto do Conesul

O Porto do Rio Grande, autarquia do governo estadual desde 1996, é o porto de mar mais meridional do Brasil, localizado na cidade de Rio Grande/RS, na margem Oeste do Canal do Norte, que é o escoadouro natural de toda a bacia hidrográfica da Laguna dos Patos. Dos três Portos Organizados do Estado, Rio Grande é o mais importante, como único porto marítimo, capaz de ser desenvolvido racionalmente, em condições de atender à navegação de longo curso, a qual exige boas profundidades (Porto do Rio Grande, 2015).

O porto se interliga a todas as regiões do Estado do Rio Grande do Sul, pela malha rodo-ferroviária e pelo sistema navegável das Lagoas dos Patos e Mirim, com seus rios tri-butários. O porto apresenta uma oferta de infraestruturas de transporte que compreende os modais rodoviários, hidroviários, ferroviários e aeroportuários. A multimodalidade do Porto do Rio Grande é um importante fator na redução de custos e no aumento da efici-ência logística, agregando maior valor às mercadorias que passam por suas instalações (Quintana e Philomena, 2007; Porto do Rio Grande, 2012).

Em função de suas características naturais, o Porto consegue operar com um calado em profundidade superior aos portos mais importantes do Mercosul, como Buenos Aires e Montevideo. Hoje, Rio Grande já alcança o limite que os demais portos citados suportam, entretanto, sua capacidade ainda pode ser amplamente explorada, e, em futuro próximo, as perspectivas são as de que supere em cinco a sete pés a profundidade do calado dos outros dois (Porto do Rio Grande, 2015).

Atualmente, Rio Grande se destaca pela grande capacidade de escoamento de grãos. No ano de 2014, foram 10.987.141 toneladas, sendo a opção, inclusive, para cargas advindas de outros estados do país em função do curto tempo de descarga dos caminhões e da atracagem do navio no porto (Porto do Rio Grande, 2014).

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Para garantir a eficiência no escoamento de cargas, o Porto conta com os principais terminais de grãos: Bunge; Bianchini; TermasaTergrasa; o principal exportador de contêiner e importador de contêiner, o TECON; a Petrobrás; a Yara Fertilizantes; diversos operadores portuários; além de uma gama cuja soma ultrapassa duas mil empresas. Em função disso, o Porto do Rio Grande é o quarto mais importante porto no ranking de movimentação de cargas em portos organizados do país, e o primeiro do Conesul (SEP/PR, 2014). É importan-te salientar que, no terceiro trimestre de 2014, enquanto os três mais importantes portos do país registraram quedas significativas no volume de movimentação de cargas, o Porto do Rio Grande registrou alta de mais de 8% (Boletim Informativo Portuário, ANTAQ, 2014).

Para manter o nível de competitividade alcançado e, além disso, buscar aumentar a efetividade em seus resultados, a SUPRG vinha procurando à época, a partir das diretrizes previstas na Lei 12.815/13, implementar melhorias e mudanças nos serviços prestados, atuando fortemente em termos de tecnologia e gestão.

1.4.5 Mudanças estratégicas e a gestão portuária no porto do Rio Grande

Os portos são responsáveis por oitenta por cento de todo valor da corrente de co-mércio exterior no Brasil (ANTAQ, 2015). Isso atesta sua importância e relevância não ape-nas para a economia, mas para o desenvolvimento do país como um todo.

Apesar de sua importância, os portos brasileiros ainda encontram-se em situação pouco competitiva se comparados com a grande maioria dos portos do mundo. O Porto de Santos, considerado o melhor porto da América Latina, ocupa o 38º lugar no ranking mun-dial em movimentação de carga (SEP/PR, 2015), com 110 milhões de toneladas em 2014. Já o Porto do Rio Grande, no ano de 2014, movimentou mais de 34 milhões de tonela-das de cargas, bem aquém do volume percebido em Santos (ANTAQ, Estatística Portuária, 2014). Entretanto, o porto comporta operar com aumento de demanda. Haja vista a cres-cente produção de grãos, a previsão é que pelos próximos dois anos haverá aumento no volume de escoamento, impactando na infraestrutura e superestrutura, conforme relata o Superintendente portuário (2014). O crescimento verificado é de 10% ao ano, segundo o Diretor Técnico do Porto (2014). Só no último trimestre de 2014, o crescimento superou os 8% (SEP/PR, 2014).

Com esse cenário futuro previsto e com as novas diretrizes verificadas na Lei 12.815/13, a Superintendência portuária organizou-se no sentido de modificar e melhorar os serviços portuários, objetivando aumentar a eficiência e a eficácia das operações. O novo marco regulatório é bem enfático ao afirmar, nos artigos 1º ao 3º do capítulo 1, que os principais objetivos trazidos pela lei enfocam na modernização, modicidade e segurança da navegação.

No que tange à modernização, conforme a Superintendência - SUPRG, diversas me-didas foram implementadas ao longo dos dois últimos anos e concentraram-se, principal-

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mente, em mudanças nos sistemas de gestão e segurança, respaldado por forte incremen-to tecnológico.

A tecnologia está incorporada, praticamente, em todos os níveis dos processos. A gestão é realizada a partir de um sistema único, o Sistema Porto, que envolve desde o controle da chegada da carga, até a pesagem e saída. Conforme Diretor Técnico do Porto (2014) esse sistema incorporou bastante inteligência ao processo, pois, em vez de tra-balharem com diversos processos dispersos, o porto opera com um programa único. O sistema foi criado para a solução de problemas operacionais, técnicos e gerenciais. Dentre eles, destaca-se a capacidade de otimização do fluxo de cargas a partir do agendamento e monitoramento da chegada dos caminhões ao porto:

O Sistema Porto é uma ferramenta (...) que não tem em outro porto do Brasil. (...) Uma questão bem interessante foi o processo de agendamento dos caminhões (...), a partir do momento em que fizemos o agendamento e distribuímos o fluxo com base na realidade de espaço e infraestrutura que temos, conseguimos receber melhor as nossas cargas e conseguiu dar mais fluidez (Diretor Técnico, 2014).

Além disso, conforme o mesmo Diretor relata (2014), o Sistema possibilitou não apenas realizar e identificar o agendamento dos caminhões num raio de 60 km do porto, que seria expandido para 200 Km, como também, monitorar desde a chegada do cami-nhão e todos os trâmites que ele operou dentro do porto através de um chip de identifica-ção. Assim, é possível executar um mapeamento do fluxo dos caminhões, organizar desde a chegada até o descarregamento, diminuindo o tempo de espera. A gestão do tempo é relevante e está relacionada intimamente com a eficiência e eficácia das operações, uma vez que representa custos para quem está expedindo e recebendo a carga (Superintenden-te do Porto do Rio Grande, 2014).

Ainda sobre esse aspecto, o desenvolvimento de um software de processo combi-nado de monitoramento e controle de acesso respaldado por 86 câmeras digitais de alta tecnologia, permite que todo o porto organizado, área operacional e administrativa, sejam monitorados com imagens em alta definição (Diretor Técnico, 2014). O controle de acesso ao porto se dá através de biometria. Conforme a Superintendência (2014), isso também é um avanço nas questões de atendimento ISPS CODE (Código Internacional para Segurança de Navios e Instalações Portuárias), que é a principal diretriz dentro da área portuária em questão de segurança. Acerca desse software, o Diretor Técnico (2014) afirma,

Fizemos todo um novo sistema de controle de acesso de pessoas e ainda estamos qualificando alguns pontos, por exemplo, vamos integrar as nossas balanças aos nossos portões de acesso, então, não será mais necessário sair do portão de acesso, depois se identificar e somente depois ir para balança. Com esse novo processo, no momento que tu estás identificando o caminhão, já faz a pesagem.Este é um exemplo de uma série de procedimentos que estamos desenvolvendo no intuito de otimizar e racionalizar as operações. Na

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PESQUISA E ENSINO: FERRAMENTAS DE GESTÃO PÚBLICA NO RS

parte de software temos evoluído bastante e é o nosso diferencial competitivo.

Ou seja, em termos de aumentar a eficiência, segurança e a pontualidade, a SPRG acredita que o caminho seja otimizar os processos para reduzir tempo e dirimir custos. Ao encontro disso, o Superintendente (2014) relata que o Porto já está tendo resultados com isso, tanto é que em um estudo recente feito pela FIRJAN (Federação das Indústrias do Rio de Janeiro, 2014), o porto de Rio Grande foi considerado o porto mais eficiente do país na logística de grãos e na operação de granéis.

Desde o ano de 2007, com a criação da Secretaria Especial de Portos da Presidência da República – SEP/PR, as operações portuárias no país gozam de um planejamento pa-drão, o que confere certa uniformidade às operações portuárias em um primeiro plano. Por isso, acredita-se, que a vantagem competitiva resida no nível tecnológico incorporado aos processos. Para o Responsável pelo Planejamento Estratégico (2014) o Porto do Rio Grande, em funções dos avanços que realizou, está hoje, na vanguarda da inovação tecno-lógica no país. Tanto na área de sistemas, como na área de comunicação, e, principalmen-te, na área de segurança.

De acordo com o Assessor do Gabinete da Superintendência (2014), responsável pela parte de Inovação Tecnológica e Gestão de Projetos, dentro do processo do planeja-mento, se verificou que existe uma necessidade permanente de atualização tecnológica, até em termos de competitividade. Observa que,

Nós temos que oferecer ao nosso cliente, entre outras coisas, segurança e conforto na operação portuária o que envolve recursos muito elevados. Voltando ao tema do monitoramento, eu fiz um processo combinado, que é monitoramento e controle de acesso. O monitoramento já está em funcionamento. A gente saiu de, tecnicamente falando, nós tínhamos, até então, funcionando 17 câmeras analógicas. Hoje, nosso pátio está com 86 câmeras digitais de alta tecnologia. Temos o Porto todo monitorado. 100% da área operacional e administrativa é coberta por monitoramento. Não temos ponto cego. E uma vantagem também desse sistema é que conseguimos gravar imagens em HD por até 90 dias consecutivos. É um avanço muito grande nessa área tecnológica. Juntamente com o processo de monitoramento, estamos implantando também um controle de acesso através de biometria. Isso também é um avanço nas questões de atendimento ISPS CODE (Código Internacional para Segurança de Navios e Instalações Portuárias), que é regra dentro da área portuária contemplar a questão de segurança da área portuária em função do ISPS CODE. Portanto, esse pacote que eu desenvolvi é monitoramento e controle de acesso. (Assessor do Gabinete da Superintendência, 2014)

Ainda em termos estratégicos, o Assessor do Gabinete da Superintendência (2014) afirma que o principal objetivo estratégico da administração do Porto era a eficiência por-

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DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL, TECNOLOGIA, INOVAÇÃO E PESQUISA

tuária, “nós somos o primeiro porto em eficiência operacional no país”. Em 2014, o Porto de Rio Grande podia ser considerado na vanguarda da inovação tecnológica, tanto na área de sistemas, quanto na área de comunicação, como na área de segurança principalmente, sendo que a área que mais demanda investimentos em tecnologia é a de segurança. Nesse sentido, há alguns pontos específicos que extrapolam as margens da gerência do porto, e.g.,

nós temos um cais público aqui, o Porto Novo, porém, nós gerenciamos todos os terminais privados, que são concessões que o Porto faz para empresas poderem atuar no Porto do Rio Grande. Na questão do monitoramento, aconteceu e às vezes acontecem coisas fora do Porto organizado, e que o Porto julga ser necessário uma intervenção nossa. Então, vou te dar um exemplo. Nós estamos ampliando nosso monitoramento para terminais do Superporto, porque nós consideramos que é importante que a gente consiga estender esse braço de monitoramento para aquela área. Isso é uma questão urgente. As coisas são muito dinâmicas na operação portuária e complexas. Então, hoje, a gente está num cenário tranquilo, mas amanhã, podemos estar num cenário caótico. Temos que estar sempre observando isso e tomando as devidas providências, que geralmente são rápidas. (Assessor do Gabinete da Superintendência, 2014)

O Assessor do Gabinete da Superintendência (2014) alerta que o problema está em que as operações portuárias no país são muito padronizadas, ou seja, o que pode ser observado separadamente é o nível tecnológico de cada porto, e nessa parte de tecnologia de monitoramento o Porto de Rio Grande está muito avançado.

A questão ambiental, dado o atual estágio de interação com stakholders, não pode ser tratada como assunto secundário pela gestão portuária, uma vez que as operações impactam sobremaneira no ambiente natural, a mudança no movimento da água e a al-teração no ecossistema marinho, problemas causados pelo efeito das dragagens e dispo-sição de resíduos (Crucey, 2006; Giner e Ripoll, 2009). A fim de atender a essa demanda, alguns projetos foram idealizados em parceria com instituições de ensino superior. Dois dos principais projetos,um em convênio com o CRAM - Centro de Recuperação de Animais Marinhos e outro com o NEMA – Núcleo de Educação e Monitoramento Ambiental, da Universidade Federal de Rio Grande, tratam do cuidado com a fauna marinha (Diretor Técnico, 2014).

Além desses projetos, a Gestão Ambiental é respaldada pelo suporte de um softwa-re específico de simulação em ambiente virtual (Diretor Técnico, 2014). O objetivo principal é projetar possíveis cenários da entrada e acesso das embarcações visando reduzir tempo e risco de acidente. Ademais, o programa também permite simular outras realidades. A dragagem de manutenção tem sua estratégia testada, em princípio, nesse sistema, o que proporciona a correção e melhorias antes da atividade ser executada na prática. Com isso, é possível medir e reduzir os impactos ambientais dessa atividade (Diretor Técnico, 2014).

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PESQUISA E ENSINO: FERRAMENTAS DE GESTÃO PÚBLICA NO RS

Tendo em vista o exposto, pode-se inferir algumas análises e ponderações acerca das alterações implementadas no recorte de tempo analisado pela Superintendência do Porto do Rio Grande. O primeiro aspecto é que, ao se ter em mente que as mudanças or-ganizacionais são transformações de naturezas distintas, sendo estruturais, institucionais, tecnológicas entre outras, é salutar considerar que são precedidas por ações, as quais objetivam interferir em práticas e processos, a fim de que a organização se adapte à nova situação. Dessa forma, as reações advindas, ora planejadas, ora emergentes, pela gestão do Porto às novas demandas da Lei 12.815/13, podem ser caracterizadas como processos de mudança organizacional, uma vez que estariam relacionadas, sobretudo, à ordem tec-nológica.

Em função da complexidade e do grande volume das operações, os recursos infor-matizados proporcionaram o aporte necessário para a modernização dos serviços, visto que a exigência do dispositivo legal prevê o aumento da eficiência e eficácia do trabalho portuário. Não obstante, o processo de mudança estratégica teve escopo amplo, vislum-brando impactos a longo prazo, e ocasionou interferências pontuais, inclusive na cultura da organização, uma vez que reconfigurou a forma como as atividades foram planejadas, gerenciadas e executadas, e.g., a apropriação em larga escala do uso de softwares, tanto para questões operacionais como gerenciais, balizará, inclusive, o processo de tomada de decisão por meio do suporte aferido em termos de informações, dados, relatórios e con-troles internos.

Neste desenho, em que as transformações atendem as exigências da legislação, tor-na-se relevante considerar como fatores promotores das mudanças, justamente as novas diretrizes, que incentivaram, de certa forma, as nova estratégias corporativas e os sistemas implementados. Não obstante, caracteriza-se, dessa forma, as transformações como mu-danças estratégicas alicerçadas em inovações incrementais, as quais objetivaram, por sua vez, aprimorar processos já existentes, ajustando-os, a fim de alcançar maior coerência às exigências de eficiência.

Ademais, não apenas em função da legislação vigente, é possível analisar as mu-danças ocorridas no Porto do Rio Grande. A preocupação com os clientes e demais stake-holders, perpassou a conjuntura das transformações, influenciando alguns processos. Como as atividades portuárias geralmente despendem custos vultosos e uma espera de tempo considerável àqueles que as contratam, trabalhar no sentido de reduzir os dispên-dios financeiros e o tempo de espera no andamento dos processos, afeta positivamente as expectativas dos clientes, aprimorando a competitividade portuária. Além disso, como as atividades proporcionam forte impacto ambiental, em função dos processos de abertura de canais, aumento do calado, geração de resíduos, investir em estratégias voltadas à ges-tão ambiental atende às necessidades da sociedade, em termos ecológicos, uma vez que a preservação do meio e dos recursos ambientais é uma demanda e um imperativo que não pode ser negligenciado, pelas organizações, atualmente.

Assim, considerando que os problemas nos processos portuários impactam dire-tamente na percepção do cliente final – o importador e o exportador - quanto à qualida-

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DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL, TECNOLOGIA, INOVAÇÃO E PESQUISA

de dos serviços, faz-se salutar investir na otimização dos processos relacionados a essas questões, para garantir níveis satisfatórios de competitividade. A tecnologia da informação pode ser considerada forte aliada, a fim de se alcançar a eficiência e eficácia nos processos. A partir disso, pode-se considerar que as estratégias adotadas pela Superintendência do Porto do Rio Grande vêm ao encontro desses pressupostos, à medida que concentram es-forços, no sentido de não apenas adquirir, mas também, de desenvolver tecnologia apro-priada às necessidades reais das demandas dos diversos clientes e stakeholders.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Para o Brasil, com grande extensão territorial e com seus principais parceiros comer-ciais distantes geograficamente, o transporte marítimo tem um papel preponderante para o seu desempenho comercial. Os dados corroboram essa preocupação: mais de oitenta por cento de suas exportações e importações ocorrem através dos portos (ANTAQ, 2014). Atento a esta importante questão, o governo brasileiro iniciou em 1993, um programa de reestruturação de seus portos, através da Lei de Modernização dos Portos (8630/93).

A legislação portuária de 1993, objetivou estimular as mudanças necessárias para-alavancar as operações portuárias brasileiras, de forma a alcançarem níveis de qualidade internacionalmente aceitos, como satisfatórios. Para o aumento da eficiência dos serviços portuários, a lei estabeleceu a quebra do monopólio do governo, quanto às operações por-tuárias, objetivando promover a competitividade e reduzir custos. O avanço da legislação, culminando com o marco regulatório 12.815/13, demonstra que o ambiente portuário requer constantes atualizações. Para tanto, não bastam apenas avanços em termos de leis, faz-se necessário adaptar essas diretrizes à cada realidade.

No que diz respeito ao Porto do Rio Grande, as novas diretrizes incentivaram, entre outras questões, medidas para viabilizar maior grau de agilidade e segurança nas opera-ções, buscando, com isso, melhorar a operação portuária e tornar o porto mais competi-tivo e seguro para ocomércio exterior, para seus stakeholders e ambiente natural. Nesse sentido, buscou desenvolver tecnologias de monitoramento e controle próprios, que aten-dessem necessidades específicas de sua conjuntura. Os principais recursos utilizados para promover mudanças no ambiente portuário foram: reestruturação dos processos portuá-rios e incorporação de novas tecnologias. Quanto ao habilitador de mudanças de tecnolo-gia, destaca-se a tecnologia da informação (TI).

Ao se verificar os investimentos realizados pelos principais portos, como Shangai e Yangshan, percebe-se que o caminho percorrido pelo Porto do Rio Grande, está em har-monia com os pressupostos de desenvolvimento de grandes potências, amparado em ci-ência e tecnologia (Revista Portuária, 2011). Entretanto, cabe a ressalva de que, mesmo que cada organização portuária desenvolva-se dentro dos aspectos da competitividade e modernização e que os órgãos governamentais proponham diretrizes legais para o avanço dessas questões, o transporte marítimo é apenas um modal da cadeia logística. Essa ca-

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PESQUISA E ENSINO: FERRAMENTAS DE GESTÃO PÚBLICA NO RS

deia se estrutura de forma integrada com outros modais, como o ferroviário, o rodoviário, o aéreo.

Como reflexo direto dos baixos investimentos, nas últimas décadas, em desenvol-vimento e inovação, em todo o setor logístico (Fleury, 2011), o Brasil perdeu este ano, 20 posições no ranking do Logistics Performance Index (LPI). Este índice é calculado pelo Banco Mundial e mede a eficiência da cadeia de transportes, portos e transferência de mercadorias em 160 países, no qual o Brasil passou da 45° posição para a 65° (World Bank, 2014a). O LPI avalia seis dimensões-chave, quais sejam, a eficácia do processo de libera-ção, a qualidade das infraestruturas relacionadas com o comércio e os transportes, a faci-lidade de providenciar embarques a preços competitivos, a competência e qualidade dos serviços de logística, a capacidade de controlar e rastrear as remessas e a pontualidade dos embarques, para chegar ao destino, dentro do prazo de entrega previsto ou esperado (World Bank, 2014a). Avaliando mais especificamente o quesito estrutura portuária, o Bra-sil figura, atualmente, na 126ª posição, em níveis semelhantes a países como o Cazaquis-tão, estando atrás de Senegal e Sri Lanka (World Bank, 2014b).

Por mais que incrementos e inovações sejam implementados nos ambientes por-tuários, como os realizados no Porto do Rio Grande, para que haja uma melhoria significa-tiva nas taxas de eficiência e eficácia, serão necessárias mudanças amplas, concernentes a todos os aspectos da estrutura logística do país. Sem essa visão integrada da cadeia, as melhorias serão pontuais e não comportarão um real avanço do setor, bem como, de toda a economia do país, haja vista a estreita relação entre comércio interno e externo e canais de distribuição e provisão de insumos e recursos.

Assim, entende-se que o Sistema Portuário Brasileiro ainda necessita desenvolver--se em diversos aspectos para equiparar-se aos padrões internacionais mais elevados, com isso, ratifica-sea importância dos marcos regulatórios, como a Lei 12.815, pois foi por meio desses instrumentos que viabilizaram-se os grandes investimentos da iniciativa privada no setor, como melhoramento dos equipamentos e processos gerenciais, e que estes levaram a um aumento crescente da produtividade e a redução dos custos envolvidos, estes tam-bém, influenciados pela competitividade gerada (Araújo, 2013; Levy, 2002).

Assim, considera-se que os objetivos propostos neste estudo foram alcançados. A partir dos relatos dos sujeitos envolvidos nos setores estratégicos da administração por-tuária, foi possível identificar e analisar algumas mudanças no Porto do Rio Grande, que a SUPRG executou, com o objetivo de atender as demandas previstas na Lei 12.815/13. Em relação ao objetivo de descrever o Porto do Rio Grande frente ao contexto portuário nacional, foi possível, a partir da busca de dados em órgãos referentes, como a Secretaria de Portos da Presidência da República-SEP/PR e a Agência Nacional de Transportes Aqua-viários-ANTAQ.

Este estudo, apresenta, como limitações, o fato de se tratar de um estudo de caso, que se destina a descrever as principais mudanças estratégicas implementadas em um ambiente portuário, não podendo, portanto, ser generalizado para outras situações. Além

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DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL, TECNOLOGIA, INOVAÇÃO E PESQUISA

disso, a pesquisa encontra limitações impostas pela própria seleção do método e da ela-boração do instrumento de pesquisa, elaborado com a finalidade de atender aos objetivos deste estudo.

No entanto, não houve limitações em relação à coleta de informações no Porto do Rio Grande.

Como sugestões para estudos futuros, percebe-se a necessidade de comparar rea-lidades portuárias brasileiras, a fim de que se construa um panorama geral do setor, onde também possam ser identificados possíveis gaps e descompassos nos processos, no de-senvolvimento e na modernização desses ambientes, no alcance das diretrizes legais. Não obstante, faz-se salutar observar o sistema portuário, não como algo isolado, mas perten-cente a um sistema integrado de logística que comporta portos, aeroportos, ferrovias e rodovias. Por isso, é preciso criar convergência, em termos de medidas governamentais, em busca de um objetivo comum, que é o escoamento da produção nacional.

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PESQUISA E ENSINO: FERRAMENTAS DE GESTÃO PÚBLICA NO RS

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ESTADO E SOCIEDADE CIVIL

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ESTADO E SOCIEDADE CIVIL

ESTADO E SOCIEDADE CIVIL NA DEMOCRATIZAÇÃO DOS DIREITOS DO IDOSO

Solange Beatriz Billig Garces28, Aline Cézar Costa29, Angela Simone Pires Keitel30, Angela Vieira Brunelli31,

Dinara Hansen32, Patrícia Dall’Agnol Bianchi33, Darci Junior Barcellos34, Diego Paes Ehnke35

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Dentre tantas demandas da sociedade civil, que buscam a visibilidade do Estado, encontra-se a questão social do envelhecimento, que em função das mudanças demográfi-cas, passa a ser presente na sociedade. O idoso, anteriormente, afastava-se da vida social, quando se aposentava e, atualmente, contrariando a posição anterior, busca a sua inser-ção na esfera pública. Várias razões contribuíram para essa mudança de comportamento social, mais especificamente o urbanismo, o presentismo, o consumismo, a universaliza-ção da aposentadoria, a tecnologia, a informação e as mídias, e a própria qualidade de vida dos idosos que os tornam mais autônomos e independentes para gerenciar suas vidas. Matos e Matos (2008), referendam que a autossatisfação dos idosos consiste em fazer com que estes tenham oportunidades de desenvolver seu potencial próprio, com acesso às instituições sociais e complementa afirmando:

E para que os idosos possam viver com dignidade, é necessário assegurar-lhes uma vida segura, livre de explorações físicas ou abuso mental; um tratamento justo, não importando a idade, gênero, condições étnicas, raciais ou incapacidades; a sua valorização pessoal, não importando o peso econômico da sua contribuição (MATOS; MATOS, 2008, p.93).

28 Prof.ª Dr.ª da Universidade de Cruz Alta-UNICRUZ. Coordenadora da Pesquisa Edital FDRH/FAPER-GS – 2013/2014. Líder do GIEEH – Grupo Interdisciplinar de Estudos do Envelhecimento Humano – UNICRUZ/CNPq29 Funcionária da Unicruz. Mestranda em Práticas Socioculturais e Desenvolvimento Social da Uni-cruz. Colaboradora da Pesquisa.Estudante integrante do GIEEH.30 Professora da Unicruz - Colaboradoras da Pesquisa. Pesquisadoras do GIEEH.31 Professora da Unicruz - Colaboradoras da Pesquisa. Pesquisadoras do GIEEH.32 Professora da Unicruz - Colaboradoras da Pesquisa. Pesquisadoras do GIEEH.33 Professora da Unicruz - Colaboradoras da Pesquisa. Pesquisadoras do GIEEH.34 Acadêmicos, respectivamente do Cursos de Direito e Enfermagem - Bolsistas da Pesquisa FDRH/FAPERGS.35 Acadêmicos, respectivamente do Cursos de Direito e Enfermagem - Bolsistas da Pesquisa FDRH/FAPERGS.

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Independente da idade, muitos idosos com capacidade funcional, participam de processos sociais, quais sejam econômicos, hedônicos ou políticos. Portanto, a participa-ção dos idosos no espaço público é um fato e respeitá-lo como cidadão que é, torna-se imprescindível. De acordo com Magalhães (2005 apud MATOS; MATOS, 2008, p. 93):

Numa perspectiva histórica podemos [...] compreender que o Idoso é uma invenção social produzida pela expansão das classes trabalhadoras assalariadas e desprovida fazendo com que o idoso, antes circunscrito ao meio familiar seja transformado em questões de políticas públicas a exigir a ação institucionalizada do Estado e da Sociedade Civil. Por ser uma construção social, ‘invenção’ de processos sociais e psicossociais, a velhice e o idoso emergem da dinâmica demográfica, do modo de produção econômico, da estrutura e organização de grupos e classes sociais, dos valores e padrões culturais vigentes das ideologias correntes e dominantes e das relações entre o Estado e a Sociedade Civil.

Portanto, socializar os direitos dos idosos em instâncias que constituem espaços de participação entre a sociedade civil e o Estado, é extremamente importante, especialmen-te quando se deseja ratificar que o marco desses espaços deve ser paritário, democrático, dialógico e coletivo.

Para Gohn (2010), atualmente, passou-se a construir novas representações sobre as ações civis, mais ativas e propositivas, atuando sobre formas modernas de ações cole-tivas e articulações em redes, trazendo com isso a participação de novos atores sociais e um destaque maior para as políticas sociais públicas. O que a autora quer expressar é que na sociedade contemporânea as reivindicações da sociedade civil organizada e das asso-ciações está “focada menos nos pressupostos ideológicos e políticos” como era nos anos 1970 e 1980, e agora foca nos “vínculos sociais comunitários organizados segundo critérios de cor, raça, IDADE, gênero, habilidades e capacidades humanas”( p.12).

Machado (2007), explicita que a participação popular é a forma com a qual a socie-dade civil manifesta ao Estado suas necessidade e reivindicações. Como o envelhecimento vem se projetando como uma nova categoria social, o idoso precisa exercitar esse proces-so de participação, já que, por muito tempo, ao aposentar-se, se afasta da sociedade e se exclui dessa participação, conforme corrobora Hahne(2013, p. 3) “[...] os idosos são carac-terizados como usuários dos serviços públicos, recebendo as informações passivamente, sem se darem conta de que têm direitos garantidos, formalmente e que devem lutar por eles.”

Essa posição do idoso é comum, pois se soma à desvalorização da velhice “[...] um certo cansaço pelos anos vividos e pelas lutas empreendidas, os tornam mais acomodados ao seu espaço de participação política” (MACHADO, 2007,p. 228).

Trabalhar o exercício da cidadania, por meio de uma participação democrática, é algo ainda necessário em um país que herdou uma política clientelista e patrimonialista de

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ESTADO E SOCIEDADE CIVIL

apadrinhamentos, cumpadrismos, familiarismos, preconceitos e intolerâncias, que atual-mente são inaceitáveis. Infelizmente, essa herança está arraigada ainda hoje, especialmen-te entre os que detêm ou acreditam deter o poder, como os que exercem cargos públicos. É necessário (re)significar o “status quo” das relações entre o público e o privado, pois em uma sociedade complexa, como a atual, essas relações precisam ser horizontalizadas, baseadas em participação democrática da sociedade civil, especialmente porque há espa-ços específicos para isso, mas que precisam aprender a ser de fato “democráticos” e não mais uma extensão do poder governamental. Embora sejam espaços institucionalizados, precisam ser paritários, com respeito aos saberes do cotidiano e as pluralidades que são demonstradas pela participação da sociedade civil.

Nesse sentido, a Universidade de Cruz Alta, localizada na cidade de Cruz Alta-RS, tem uma característica comunitária e prioriza, em sua missão, a formação de cidadãos críticos, éticos, solidários e comprometidos com o desenvolvimento sustentável. Além dis-so, como construtora de conhecimentos, contribui na formação de cidadãos que tenham consciência da importância de sua participação na esfera pública das comunidades, das quais fazem parte. Foi parceira da Rede Escola de Governo, programa desenvolvido pela Secretaria de Justiça e Direitos Humanos, por meio da Fundação para o Desenvolvimento de Recursos Humanos(FDRH) do Estado do Rio Grande do Sul, no período de 2011 a 2014, atuando através do Programa de Gestão de Políticas Públicas para os Direitos Humanos, em três eixos: necessidades especiais, diversidade sexual e geracional (envelhecimento). Em relação à questão do envelhecimento atuou desenvolvendo dezoito seminários de ar-ticulação sobre a Rede de Defesa e Proteção dos Direitos dos Idosos (RENADI), que envol-veram em torno de 50% dos municípios do Estado do Rio Grande do Sul.

Essa aproximação com gestores e funcionários públicos e agentes sociais, que atu-am com a população idosa, aliada à experiência da UNICRUZ na área do envelhecimento, a partir de ações de ensino, pesquisa e extensão, desde o ano de 2000, através do Grupo Interdisciplinar de Estudos do Envelhecimento Humano (GIEEH), cadastrado no Diretório dos Grupos de Pesquisa do CNPq, e também com representantes da IES, como integrantes atuantes no Conselho Municipal do Idoso, desde a sua criação (1999), oportunizou propor estratégias que viabilizassem práticas sociais, aos agentes da sociedade civil e funcioná-rios públicos, voltadas para a visibilidade e implementação dos direitos do idoso em seus diferentes aspectos, estimulando a sua cidadania participativa. Nesse sentido, o Programa da Rede Escola de Governo na UNICRUZ, em seu Projeto Político-Pedagógico, estimula em suas diretrizes a realização de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação, afirmando que: “O Programa Escola de Governo na Universidade de Cruz Alta, contribui também com pes-quisas que visam responder aos desafios técnico-científicos dos municípios integrantes do COREDE Alto Jacuí, à diversidade dos sujeitos e revitalização das relações entre sujeito e conhecimento” (UNICRUZ, 2011, p.4).

Portanto, aproveitando essa possibilidade, a partir de edital de pesquisa, lançado em convênio com a FDRH e a FAPERGS, se propôs a realização dessa pesquisa, com abor-dagem socioantropológica, para adequar a proposta de formação, que realizou através da Rede Escola de Governo, e, para aliar as propostas, priorizou-se uma metodologia dia-

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lógica, no paradigma da Educação Popular, onde se valorizam os saberes que os sujeitos trazem de seus contextos de vivência, pois conforme Freire (1996), ao mesmo tempo que ensinamos também aprendemos.

Assim, esta pesquisa socioantropológica teve como objetivo propor estratégias que viabilizassem práticas sociais, aos agentes da sociedade civil e funcionários públicos, volta-das para a visibilidade e implementação dos direitos do idoso em seus diferentes aspectos, estimulando a sua cidadania participativa. Nesse sentido, a abordagem qualitativa da pes-quisa socioantropológica possibilitou a realização de ações por etapas, sendo realizado até o momento: diagnóstico das políticas públicas internacionais, nacionais, estaduais e mu-nicipais, que orientam as demandas dos idosos na atualidade; identificou-se as instâncias sociais, que se constituem, no município de Cruz Alta-RS, como espaços de participação da sociedade civil e do Estado para debater, refletir, reivindicar, vivenciar e fiscalizar a efe-tivação dos direitos dos idosos; a descrição e análise dos conhecimentos dos agentes da sociedade civil (conselheiros) e funcionários públicos atuantes, junto aos órgãos públicos (secretarias de saúde, de assistência social, habitação, entre outras) sobre as políticas pú-blicas voltadas aos idosos e os seus direitos, através de visita aos setores e aplicação de um roteiro de entrevista; encontros entre representantes da Universidade (coordenadores da pesquisa), do Centro de Convivência do Idoso, atrelado à Secretaria Municipal de Desen-volvimento Social, responsável pelo desenvolvimento das políticas públicas para o idoso no município e conselheiros do COMID ( Conselho Municipal do Idoso). A partir desses encontros reflexivos e dos resultados da entrevista com os funcionários e agentes sociais, elaborou-se uma Cartilha para os Idosos, além de cartazes e seminários sobre Direitos Hu-manos, priorizando a questão dos direitos dos idosos. O projeto prevê ainda a realização de uma quinta e uma sexta etapas, que são: a realização de encontros nos bairros mais vulneráveis de Cruz Alta, com os agentes comunitários, líderes e presidentes de associação de bairros e idosos para divulgação dos direitos dos idosos e distribuição das Cartilhas e, a realização de encontros e seminários de formação para os funcionários públicos e os con-selheiros (agentes sociais) para divulgação dos Direitos dos Idosos como Direitos Humanos e, também para formação de agentes sociais, efetivamente participativos, na questão do controle social.

2 METODOLOGIA

A proposta socioantropológica (BRANDÃO, 2003), tem características das pesqui-sas etnográfica (baseada no cotidiano das pessoas, nesse caso dos idosos), participante (interação com a comunidade: funcionários públicos, agentes sociais e idosos) e ação ( ações de mudança da realidade) e por isso a pesquisa se organizou em etapas. Na primeira etapa realizou-se um diagnóstico das políticas públicas internacionais, nacionais, estadu-ais e municipais, que orientam as demandas dos idosos na atualidade para socialização entre os funcionários e agentes sociais; na segunda etapa da pesquisa identificaram-se as instâncias sociais, que se constituem, no município de Cruz Alta-RS, como espaços de participação da sociedade civil e do Estado para debater, refletir, reivindicar, vivenciar e fiscalizar a efetivação dos direitos dos idosos; na terceira etapa da pesquisa se fez a des-

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crição e análise dos conhecimentos dos agentes da sociedade civil (conselheiros) e funcio-nários públicos atuantes, junto aos órgãos públicos (secretarias de saúde, de assistência social, habitação, entre outras) sobre as políticas públicas voltadas aos idosos e os seus direitos. Essa etapa foi realizada através de uma visita aos setores e a aplicação de um roteiro de entrevista. A quarta etapa da pesquisa se realizou a partir de encontros entre representantes da Universidade (coordenadores da pesquisa), do Centro de Convivência do Idoso, atrelado à Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social, responsável pelo de-senvolvimento das políticas públicas para o idoso no município e conselheiros do COMID ( Conselho Municipal do Idoso). A partir desses encontros reflexivos e dos resultados da entrevista com os funcionários e agentes sociais, elaborou-se uma Cartilha para os Idosos, além de panfletos, cartazes e seminários sobre Direitos Humanos, priorizando a questão dos direitos dos idosos. Todas essas etapas da pesquisa foram realizadas e os resultados estarão sendo discutidos nesse capítulo. Todavia, a pesquisa ainda está em andamento, já que o projeto prevê a realização de uma quinta e uma sexta etapas, que são: a realização de encontros nos bairros mais vulneráveis de Cruz Alta, com os agentes comunitários, líde-res e presidentes de associação de bairros e idosos para divulgação dos direitos dos idosos e distribuição das Cartilhas e, a realização de encontros e seminários de formação para os funcionários públicos e os conselheiros (agentes sociais) para divulgação dos Direitos dos Idosos como Direitos Humanos e, também para formação de agentes sociais, efetivamente participativos, na questão do controle social.

Portanto, o contexto de pesquisa foram os órgãos governamentais, que atuam na implementação e gestão das políticas públicas voltadas aos idosos (secretarias de saúde, assistência e desenvolvimento social,...), bem como o Conselho Municipal dos Idosos (CO-MID). Os sujeitos da pesquisa foram os funcionários públicos que atuam nos contextos citados, escolhidos por amostragem aleatória, os representantes da sociedade civil e go-vernamental, que atuam no COMID.

Os instrumentos e metodologias de coleta de dados foram: reuniões de reconheci-mento (exploratórias), rodas de conversas, mesas-redondas, entrevistas face a face. Tam-bém foram organizados panfletos e uma Cartilha sobre os direitos dos idosos e o acesso desses aos serviços públicos para serem trabalhados nas comunidades mais vulneráveis do município, com os presidentes de bairros e idosos em uma próxima etapa da pesquisa.

Os resultados da pesquisa foram organizados através de dados qualitativos (a partir da organização de categorias de análise, conforme propõe Bardin (1977), e por meio de análise crítico-dialética, a partir de falas e depoimentos dos atores sociais) e de forma quantitativa (estatística descritiva, por meio de percentuais estatísticos).

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3 RESULTADOS E DISCUSSÕES

3. 1 Diagnóstico das Políticas Públicas Internacionais, Nacionais, Estaduais e Municipais que Orientam as Demandas dos Idosos na Atualidade

Na primeira etapa da pesquisa, realizou-se um diagnóstico das políticas públicas (internacionais, nacionais, estaduais e municipais) que orientam as demandas dos idosos, atualmente, para atender etapa posterior da pesquisa, que foi a socialização dessas políti-cas entre os funcionários e agentes sociais.

O conceito de políticas públicas está relacionado a questões de governo, ou seja, ações do governo em determinadas áreas e atualmente é através dos estudos da Ciência Política que se procura “entender como e por que os governos optam por determinadas ações” (GARCES, 2012, p. 193).

Para Borges (2002), política pública diz respeito a programas de ação governamen-tal, que precisam ser executados em prol de uma determinada população e que atualmen-te substitui o que na década de 1970 era chamado de planejamento estatal. Souza (2006), coloca que um dos conceitos de políticas públicas mais conhecido é de Laswell, no qual esse conceito procura responder as seguintes questões: quem ganha o quê, por que e que diferença faz e, portanto, deve ser analisado sob múltiplos olhares, pois envolvem as rela-ções entre Estado, política, economia e sociedade.

Ainda explicita Souza (2006), que a política pública possui um ciclo e este se cons-titui dos seguintes estágios: definição de agenda, identificação de alternativas, avaliação das opções, seleção das opções, implementação e avaliação. “A política pública envolve vários atores e níveis de decisão, embora seja materializada através dos governos, e não necessariamente se restringe a participantes formais, já que os informais são também im-portantes” (p. 36)

Atualmente, as políticas públicas são pensadas para diferentes segmentos e che-gam aos governos a partir das agendas públicas levantadas pelos diversos grupos que nar-ram suas necessidades, geralmente nos espaços públicos abertos especificamente para isso, já que hoje vivemos regimes de governo democráticos, que exigem participação e controle social.

Como o envelhecimento populacional é um processo que está em crescente de-manda no mundo e de forma bastante acelerada no Brasil, com uma população atual em torno de 21 milhões de idosos e com previsões de 28,3 milhões, elevando-se em 2050 para 64 milhões (IBGE, 2010), referendam Rodriguez-Wong e Carvalho (2006, p.23), que “gru-pos populacionais mais velhos demandarão recursos massivos, a médio e longo prazos, seja pelo lado da previdência social, seja pelo fato de que é nas idades mais avançadas que os cuidados com a saúde tornam-se mais necessários e onerosos”. Nesse sentido, Giaco-min (2012, p. 19), explicita que o envelhecimento “[...]exige a construção de políticas para

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Ainda nesta década, a OPAS (Organização Pan-Americana de Saúde) desenvolve o Programa de Envejeciemento y Salud. Em 2003, se realiza em Santiago no Chile, a I Con-ferência Regional Intergovernamental sobre Envelhecimento na América Latina e Caribe, promovida pela Comissão Econômica para América Latina e Caribe - CEPAL, de 19 a 21 de novembro de 2003. Nessa conferência, conforme explicita Huechuan ( 2009 apud SILVA; YAZBEK, 2014, p. 103):

Se aprovou a Estratégia Regional de Implementação do Plano de Ação Internacional sobre Envelhecimento, como instrumento programático de orientação aos governantes dos países do continente, na formulação de políticas e determinação de prioridades relacionadas ao envelhecimento na região.

No ano de 2007, a II Conferência Regional Intergovernamental sobre Envelhecimen-to na América Latina e Caribe, foi realizada pela CEPAL, em Brasília-DF, com o tema Hacia una sociedad para todas las edades y de protección social basada en derechos.Já, a III Con-ferencia Regional Intergovernamental sobre Envelhecimento na América Latina e Caribe realizou-se em 2012, em San José, na Costa Rica. O Brasil foi representado e colaborou na construção da Carta de São José, que estabelece os direitos dos idosos da América Latina e Caribe. Essa carta foi elaborada por mais de 150 representantes dos países membros da Comissão Econômica para América Latina e Caribe (CEPAL, 2012). Em 2013, se realiza a 1ª reunião de segmento da “Carta de São José sobre os Direitos das Pessoas Idosas na América Latina e Caribe”, na Costa Rica, para discussão do que foi implementado em 2012. Ainda, em nível internacional, cabe destacar que, em 2010, a reforma na Previdência da França, aumenta o tempo de contribuição em dois anos e gera protestos em todo o país.

Data/ano Políticas e Diretrizes Nacionais

1982 Decreto 86.880, institui a Comissão Nacional sobre a Pessoa Idosa

1984 Aprovação da Consolidação das Leis da Previdência Social

1985 Fundação da COBAP– Confederação Brasileira de Aposentados e Pensionistas

1986 COBAP organiza caravanas à Brasília e se organizam para participar da Constituinte

1987 Cria-se a ANG- Associação Nacional de Gerontologia

1987 Criado o Programa do Ministério da Saúde “Viva bem a idade que você tem”

1987 Criação da Lei 7.604/87

1988 Constituição Federal do Brasil de 1988

1989 Realiza-se a Conferência organizada pela ANG, em Brasília-DF

1989 Portaria GM/MS nº 810/1989

1990 Reestruturação do Ministério do Trabalho e da Previdência Social

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pessoas de todas as idades, gêneros e condição social, cujas dimensões sejam ao mesmo tempo verticais – isto é, eficientes ao longo de todo o curso da vida, desde o pré-natal à velhice - e transversais – inclusivas, multissetoriais e de caráter interdisciplinar.”

O que se percebe, atualmente é que se constituíram muitas políticas nessa área, mas que não se efetivaram em sua plenitude, precisando ainda da participação ativa dos atores sociais como protagonistas no controle social dessas políticas. Assim sendo, de-monstram-se, nos quadros a seguir, a evolução das políticas públicas voltadas aos idosos, em níveis internacional e nacional.

Data/ano Políticas e Diretrizes Internacionais

1982 1ª Assembleia Mundial do Envelhecimento – AME

1998 Organização Pan-Americana de Saúde – OPAS (discute envelhecimento)

2002 2ª Assembleia Mundial do Envelhecimento

2003 I Conferência Regional Intergovernamental sobre Envelhecimento na América Latina e Caribe

2007 II Conferência Regional Intergovernamental sobre Envelhecimento na América Latina e Caribe

2010 Greves na França para evitar proposta do Governo de reforma da previdência, aumentando o período de trabalho de mais dois anos para conceder a aposentadoria(60 para 62) e mais dois anos de trabalho para receber salário integral( de 65 para 67)

2012 III Conferência Regional Intergovernamental sobre Envelhecimento na América Latina e Caribe

2013 1ª reunião de segmento da "Carta de São José sobre os Direitos das Pessoas Idosas na América Latina e Caribe” – San Jose- Costa Rica

Quadro 1 – Políticas e Diretrizes Internacionais sobre Envelhecimento

Em relação às políticas e Diretrizes Internacionais, destacam-se a 1ª Assembleia Mundial do Envelhecimento, realizada em Viena, na Áustria, resulta a criação do I Plano Internacional sobre Envelhecimento. A 2ª Assembleia Mundial do Envelhecimento, reali-zada em Madri, na Espanha. A partir da década de 1990, em razão das discussões inter-nacionais sobre o envelhecimento, instala-se o Plano de Ação Mundial sobre o Envelhe-cimento (PAME). A primeira e a segunda Assembleias Mundiais sobre o Envelhecimento foram patrocinadas pela ONU, e foram fundamentais para o desenvolvimento do PAME e para as políticas sociais destinadas aos idosos. A partir dessa mobilização internacional de discussão do envelhecimento na esfera pública, no Brasil há a inserção do idoso brasileiro na Constituição de 1988 e culmina com uma Política Nacional do Idoso, em 1994. Foi as-sim, com essa preocupação, que na década de 1990, o País dá início à disponibilização de serviços voltados para o idoso, onde se vê a velhice como questão pública (GARCES, 2012).

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1990 Criação dos Conselhos Estaduais dos Idosos

1990 Lei Orgânica Nacional da Saúde, Lei nº 8.080/1990

1991 Criação do Plano Preliminar para a PNI

1991 / 1992 O movimento conhecido como a luta pelos 147%

1993 Lei de Assistência Social – LOAS – Nº 8.742/93

1994 Criação do Conselho Nacional do Idoso - CNI - Lei nº 8.842/1994

1994 Criação da Lei 8.842/94 - Política Nacional do Idoso(PNI), que foi regulamentada em 1996, através do Decreto nº 1.948/96

1994 Lei nº 8.926/94 – bulas de remédios

1995 Reestruturação do Ministério da Previdência e Assistência Social

1996 A tragédia da Clínica Santa Genoveva, no Estado do Rio de Janeiro

1996 Lei 8.842/94, foi regulamentada em 1996 – PNI (Decreto 1.948/96, que regulamentou essa Lei)

1997 Lei nº 9.503/97 – Código de Trânsito Brasileiro

1998 Lei de Assistência Social – LOAS – Nº 8.742/93

1999 Política Nacional de Saúde do Idoso, em 1999 ( Ministério da Saúde por meio da Portaria 1.395 de 09/12/99)

1999 Portaria GM/MS nº 280/1999

2000 Portaria SAS/MS nº 249/2000

2000 A Lei 10.098/00, regulamentada pelo Decreto Federal 5.296/04

2000 Lei nº 10.048, de 8 de novembro de 2000

2002 Decreto nº 4.227/02- Constitui-se o Conselho Nacional dos Direitos dos Idosos – CNDI

2003 Resolução GS nº 52/2002

2002 Portaria GM/MS nº 702/2002

2002 Portaria GM/MS nº 703/2002

2002 Portaria SAS/MS nº 843/2002

2003 Cria-se a Lei 10.741/2003 – Estatuto Nacional do Idoso

2003 Portaria GS nº 8/2003

2004 Realização do I Seminário sobre Educação e Envelhecimento Populacional

2004 Resolução 145/ 2004 do CNS

2004 Lei de Assistência Social – LOAS – Nº 8.742/93

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PESQUISA E ENSINO: FERRAMENTAS DE GESTÃO PÚBLICA NO RS

2005 Resolução Anvisa - RDC nº 283, de 26 de setembro de 2005

2006 PORTARIA Nº 2.528, DE 19 DE OUTUBRO DE 2006

2006 Institui-se nacionalmente a RENADI – Rede Nacional de Proteção e Defesa da Pessoa Idosa

2006 I Conferência Nacional da Pessoa Idosa

2006 Lei nº 11.433/06

2006 Decreto nº 5.934, de 18 de outubro de 2006 - Transporte Interestadual

2006 Resolução Anvisa - RDC nº 11, de 30 de janeiro de 2006

2009 II Conferência Nacional da Pessoa Idosa

2009 Decreto nº 7.037/2009

2009 Decreto nº 6.800/2009

2010 Lei Federal nº 12.213/2010

2011 III Conferência Nacional da Pessoa IdosaQuadro 2 - Políticas e Diretrizes Nacionais sobre Envelhecimento

Em razão da 1ª Assembleia Mundial do Envelhecimento, o Brasil cria, em 27 de janeiro de 1982, o Decreto 86.880, que institui a Comissão Nacional sobre a Pessoa Idosa, com o compromisso de fomentar políticas públicas para essa população.

Em 1985, é criada a Confederação Brasileira de Aposentados e Pensionistas (CO-BAP), uma sociedade civil sem fins lucrativos, durante o IX Congresso Nacional dos Aposen-tados e Pensionistas (CNAP), realizado de 10 a 13 de outubro de 1985, na cidade de Curi-tiba (PR). Ela representa, em âmbito nacional, as entidades de trabalhadores aposentados e pensionistas do país. Seu objetivo defende os interesses desse segmento e reivindica o cumprimento dos seus direitos. Para isso, promove ações com suas federações e demais entidades filiadas para tratar de assuntos de interesse do movimento e definir estratégias de ação. Ela surge como resultado do empenho e ação de grupos de aposentados que bus-cavam uma organização que pudesse representá-los nacionalmente (COBAP, 2011).

A COBAP se propunha a congregar, em nível nacional, entidades representativas de aposentados, reformados e pensionistas, independentemente de suas origens profissionais. São considerados membros natos da COBAP, todas as federações estaduais de aposentados e pensionistas, bem como qualquer associação, liga, núcleo, departamento, união,[...]que congregue aposentados e/ou pensionistas de determinada profissão, cidade, estado ou região (SIMÕES, 1998, p.16).

De 1986 a 1988, a COBAP, as federações e as associações de aposentados e pensio-nistas organizaram várias caravanas a Brasília, para audiências com ministros e parlamen-

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tares do Congresso Constituinte e tiveram representantes seus no grupo de Trabalho para a Reestruturação da Previdência Social (SIMÕES, 1998).

De 1987 a 1990, o Programa do Ministério da Saúde intitulado “Viva bem a idade que você tem” se beneficiou da estrutura dos centros de convivência, veiculando através desse,s um jornalzinho que tratava da temática do autocuidado e da promoção de saúde (LEMOS et al., 2011).

De acordo com Simões (1998), a lei 7.604/1987, determinou a atualização do va-lor dos benefícios, porém as diferenças correspondentes ao período de 1979 a 1984 não foram pagas, dando oportunidade para reclamações na justiça para reposição das diferen-ças. A maioria das ações favoráveis aos aposentados e pensionistas e à COBAP, teve papel fundamental nestas ações.

A Constituição Federal do Brasil, no Capítulo VII - Artigo 230 ressalta que: “A família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas, assegurando sua partici-pação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida” (BRASIL, 1988). No título VIII Da Ordem Social - Capítulo II - Da seguridade Social - na Seção IV Da Assistência Social, no art. 203 “A Assistência Social será prestada a quem dela necessitar, independente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivo: I – a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e a velhice”. Os arts.203 e 204, garantem aos mais velhos um sistema de proteção social e incorpora algumas orien-tações da Assembleia de Viena (BRASIL, 1988).

A Constituição Federal de 1988, estabeleceu a garantia de um salário mínimo aos idosos carentes, maiores de 65 anos e ampliação da previdência aos idosos da zona rural. A mesma ainda direciona a responsabilidade do cuidado com o idoso entre Estado, família e sociedade, conforme art. 230 (GIACOMIN, 2012). Nesse texto constitucional, conforme Faleiros (2012), há uma mudança de paradigma do idoso assistido para ativo, do improdu-tivo excluído do mercado de trabalho para sujeito de direitos, do idoso cuidado, exclusiva-mente, pela família para o idoso protegido pelo Estado e pela sociedade, do marginalizado para o participante.

Normas e padrões para funcionamento de casas de repouso, clínicas geriátricas e outras instituições destinadas ao atendimento de idosos deverão ser observadas em todo o território nacional, conforme prevê a Portaria GM/MS nº 810/1989. Mas é somente em 2002, através da Resolução nº 52/2002, que irá fixar os parâmetros e estabelecer inter-pretação para a Portaria nº 810/1989, do Ministério da Saúde, sobre estabelecimentos de cuidados aos idosos.

O Ministério do Trabalho e da Previdência Social é restabelecido pela Lei n° 8.029/90, que foi extinto novamente, em 1992, pelo Ministério da Previdência Social (MPS). Em 1990, com a criação dos Conselhos Estaduais, surge a possibilidade de partici-pação da sociedade civil no controle social das políticas públicas.

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PESQUISA E ENSINO: FERRAMENTAS DE GESTÃO PÚBLICA NO RS

A Associação Nacional de Gerontologia (ANG), na sua Conferência, produziu o do-cumento intitulado Recomendações: política para a terceira idade nos anos 90. Este docu-mento foi entregue ao governo e surge o Projeto Vivência e que é o ponto de partida para o Plano Preliminar para a Política Nacional do Idoso.

A Lei Orgânica Nacional da Saúde Lei nº 8.080/1990, vai dispor sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes. Em 1990, o Ministério através do Projeto Vivência, produzido pela ANG, e que envolvia vários de seus Ministérios, na elaboração de ações para o idoso, chega ao Plano Preliminar para a Política Nacional do Idoso. O plano tinha o seguinte ob-jetivo geral: Promover a autonomia, integração e participação efetiva dos idosos na socie-dade, para que sejam copartícipes da consecução dos objetivos e princípios fundamentais da Nação. Previa ações referentes à formação da opinião pública, ao trabalho, previdência social, educação, saúde, habitação, assistência social, esportes e lazer e à cultura. Contudo, a minuta do Decreto-Lei que dá origem à Lei n° 8.842, propriamente dita, é redigida mais tarde, por funcionários da LBA (9ª Legião Brasileira de Assistência), SENPROS (Secretaria Nacional de Promoção Social) e ANG (LEMOS et al., 2011).

O movimento conhecido como a luta pelos 147%, 1991/92, para repor as perdas no montante das aposentadorias e pensões, protagonizado por aposentados e pensionistas, teve apoio da COBAP. Esse movimento deu visibilidade aos idosos, pela grande repercus-são dada pela mídia. Começou, quando em setembro de 1991, o salário mínimo recebeu um aumento de 147,06% e os benefícios da Previdência Social foram reajustados em ape-nas 54,6%, baseado nas disposições das Leis 8.212 e 8.213, que implantaram os planos de benefício e custeio da previdência, implantando novas regras para o reajuste dos be-nefícios e desvinculando-os do salário mínimo. Começava aí a luta entre os aposentados e pensionistas e o governo da época, o então presidente Fernando Collor de Mello, que insistia que se efetuasse o pagamento dos 147,06%, a previdência teria um rombo de Cr$ 3 trilhões, o que levaria o sistema à falência e o caos no país (SIMÕES, 1998).

Nos anos 90, é formulada a Lei Orgânica da Assistência Social - LOAS (8.742/1993), que regulamentou a concessão do benefício de prestação continuada às pessoas com mais de 70 anos, pertencentes a famílias com renda mensal per capita inferior a ¼ do salário mínimo (em 1998, a idade foi reduzida a 67 e em 2004 para 65 anos e, atualmente uma das reivindicações dos idosos é reduzir essa idade para 60 anos, conforme prevê o Estatuto do Idoso). Essa legislação integra atualmente o SUAS (Sistema Único de Assistência Social), criada em julho de 2005 e regulamentada em julho de 2011(Lei nº 12.435).

Em 1994, no governo de Itamar Franco, cria-se o Conselho Nacional do Idoso jun-tamente com a PNI (Lei 8.842/94) e o Plano Integrado de ação governamental para o de-senvolvimento da política nacional do idoso (LEMOS et al., 2011). No entanto, o Conselho Nacional dos Direitos do Idoso, só foi implementado em 2002, pelo Decreto nº 4.227 e regulamentado pelo Decreto n.º 5.109/2004. A partir disso foram criados novos Conselhos Estaduais e Municipais de idosos. Para Giacomin (2012), esses constituem espaços de “ex-

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pressão, representação e participação popular” e representam os espaços institucionaliza-dos, abertos para a participação popular no controle social.

A Lei nº 8.842/94, estabelece a Política Nacional do Idoso. Nela constam princí-pios e diretrizes para as ações governamentais para os três planos da Federação, ou seja, União, estados e municípios. Estabelece também que as pessoas idosas terão prioridade no atendimento dos serviços previdenciários, garantia de assistência à saúde, prevenção e acesso à saúde, entre outros direitos. Esta lei cria também o CNI (Conselho Nacional do Idoso). Essa lei reivindicada pela sociedade é resultado de inúmeras discussões e consul-tas ocorridas nos estados, nas quais participaram idosos ativos, aposentados, professores universitários, profissionais da área de gerontologia e geriatria, contando com várias enti-dades representativas desse segmento. Entretanto, essa legislação não foi eficientemente aplicada. Isso se deve a vários fatores, que vão desde contradições dos próprios textos legais até o desconhecimento de seu conteúdo.

Essa Lei (nº 8.842 de 1994), só foi regulamentada em 1996 (Decreto nº1.948/96) e tem o objetivo de:

Assegurar os direitos sociais do idoso, criando condições para promover sua autonomia, integração e participação efetiva na sociedade(art.1º),com articulação da família, do estado e da sociedade, defendendo sua dignidade, bem-estar e direito à vida (art.3º) (FALEIROS, 2012, p. 62).

A Lei nº 8.926, de 1994, torna obrigatória a inclusão, nas bulas de medicamentos, de advertências e recomendações sobre seu uso por pessoas de mais de 65 anos.

Em 1995, o antigo Ministério da Previdência Social (MPS), transforma-se em Minis-tério da Previdência e Assistência Social (MPAS).

Em 1996, a tragédia na Clínica Santa Genoveva, na área da saúde pública brasileira, resultou na morte de 94 idosos vítimas de abandono, descaso e negligência.Todas essas mortes aconteceram em um período de dois meses por falta de higiene e tratamento ade-quado. A cozinha e as enfermarias flagradas imundas, pacientes tinham suas roupas de cama sujas de fezes, ninguém possuía dieta especial e muitos recebiam ração de cachorro misturada à comida. O problema mais grave, no entanto, foi a péssima qualidade da água servida. Um exame descobriu que apresentava coliformes fecais e bactérias shigella e sal-monella. As vítimas, a maioria abandonada pela família e também pela saúde pública, na época do Governo Fernando Henrique Cardoso e do Ministro da Saúde Adib Jattene. Infelizmente, a partir dessa tragédia, na Clínica Santa Genoveva, no Rio de Janeiro, é que se estimulou a mobilização do governo e da sociedade civil para a implantação das polí-ticas públicas para os idosos. Mas, apesar desse fato, somente em 2005, é que a ANVISA, através da RDC nº 283, de 26 de setembro de 2005, constitui as normas de funcionamento das instituições geriátricas.

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PESQUISA E ENSINO: FERRAMENTAS DE GESTÃO PÚBLICA NO RS

Assim, em 1996, após a regulamentação da PNI, entidades da sociedade civil, liga-das à questão do idoso (ANG, SBGG, CNBB, COBAP, entre outras) e governamentais (Mi-nistérios e setores públicos) foram convocados pela Secretaria de Assistência Social, para elaborarem diretrizes básicas para a implantação da PNI (Lei 8.842/94 - regulamentada em 1996, através do Decreto 1.948/96). Esse documento denominou-se “Plano Integra-do de Ação Governamental para o Desenvolvimento da Política Nacional do Idoso”. Esse plano incluía nove ministérios e se valia de fóruns permanentes estaduais e regionais e fóruns nacionais esporádicos, para a sua implantação. Em 2009, é lançado o Decreto nº 6.800/2009, que dá nova redação ao art. 2º do Decreto nº 1.948, de 3 de julho de 1996, que regulamenta a Lei nº 8.842, de 4 de janeiro de 1994, que dispõe sobre a Política Na-cional do Idoso.

Em 1997, cria-se a Lei nº 9.503, que institui o Código de Trânsito Brasileiro e que traz em seu artigo 214 “Deixar de dar preferência de passagem a pedestre e a veículo não motorizado: III - portadores de deficiência física, crianças, idosos e gestantes” constitui-se em infração gravíssima e o condutor deverá ser multado. Em relação à mobilidade e aces-sibilidade do idoso, no ano de 2000, cria-se a Lei 10.098/00, regulamentada pelo Decreto Federal 5.296/04, que garante às pessoas com dificuldade de locomoção – entre elas, os idosos – acessibilidade aos meios de transporte, aos prédios públicos e privados, às ruas, calçadas e praças, por meio de rampas, portas mais largas, barras em corredores e banhei-ros e toda adaptação necessária para facilitar a mobilidade.

No ano de 1999, a Política Nacional de Saúde do Idoso (criada pelo Ministério da Saúde, por meio da Portaria 1.395 de 09/12/99, regulamentada pela Resolução nº 145, em 2004, pelo Conselho Nacional de Saúde e colocada em prática somente em 2006 pela nova Portaria nº 2.528/2006), dispõe de uma política devidamente expressa, relacionada à saúde do idoso e constitui política de saúde implantada pelo SUS (Sistema Único de Saú-de) “assegura acesso universal, mas desigual pela grande demanda e falta de condições”(-FALEIROS, 2012,p. 60). A política possui dois eixos norteadores: medidas preventivas, com especial destaque para a promoção da saúde e atendimento multidisciplinar específico para o idoso. No ano seguinte, através da Portaria SAS/MS nº 249/2000, criam-se as Redes Estaduais de Assistência à Saúde do Idoso e normas de cadastramento e funcionamento dos Centros de Referência em Assistência à Saúde do Idoso, todavia, essas redes só foram implementadas através da Portaria GM/MS nº 702, no ano de 2002.

Em 2000, cria-se a Lei nº 10.048 (08/11/2000), que estabelece prioridade de aten-dimento para deficientes, idosos, gestantes e lactantes:

Art. 1º As pessoas portadoras de deficiência física, os idosos com idade igual ou superior a sessenta e cinco anos, as gestantes, as lactantes e as pessoas acompanhadas por crianças de colo, terão atendimento prioritário, nos termos desta Lei.

Art. 2º As repartições públicas e empresas concessionárias de serviços públicos, estão obrigadas a dispensar atendimento prioritário,

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ESTADO E SOCIEDADE CIVIL

por meio de serviços individualizados que assegurem tratamento diferenciado e atendimento imediato às pessoas a que se refere o art.1º (BRASIL, 2000).

Em 2002, através de duas portarias (Portaria GM/MS nº 703/2002 e Portaria SAS/MS nº 843/2002), o Ministério da Saúde, trata de questões relacionadas à Doença de Al-zheimer estabelecendo, respectivamente, um Programa de Assistência aos Portadores de Doença de Alzheimer, e um Protocolo de clínicas e diretrizes terapêuticas - Demência por Doença de Alzheimer.

O grande marco na legislação do idoso acontece no dia 01 de outubro do ano de 2003, com a criação da Lei nº 10.741/2003 – Estatuto Nacional do Idoso, após sete anos de tramitação no Congresso. O Estatuto do Idoso constitui atualmente a mais importante legislação para o idoso (pessoa a partir dos 60 anos) e “versa sobre diversas áreas dos direitos fundamentais e das necessidades de proteção dos idosos” (PRADO, 2012, p.91). Também, em 2003, é instituído o Programa de Medicamentos para a Terceira Idade, atra-vés da Portaria GS nº 8/2003.

No ano de 2004, acontece o I Seminário sobre Educação e Envelhecimento. Este seminário realizou-se em Brasília-DF, tendo como pauta, a discussão sobre a inclusão de disciplinas que abordem a temática do envelhecimento, em todos os currículos dos cursos universitários brasileiros (ALENCAR; CARVALHO, 2009).

Em 2006, a Resolução Anvisa - RDC nº 11, de 30 de janeiro de 2006, regulamenta o atendimento domiciliar pela equipe de saúde e também o Decreto nº 5.934 estabelece mecanismos e critérios a serem adotados na aplicação do disposto no art. 40 da Lei no 10.741, de 1º de outubro de 2003 (Estatuto do Idoso), e dá outras Providências, revogando então os Decretos nº 5.130 e 5.155 de 2004.

A Rede Nacional de Proteção e Defesa da Pessoa Idosa (RENADI), é uma proposição que veio como uma proposta de política pública inovadora, a partir de seu lançamento na I Conferência Nacional dos Direitos da Pessoa Idosa, em 2006; em 2009 durante a II Conferência Nacional, o tema foi a avaliação da Rede Nacional de Proteção e Defesa da Pessoa Idosa (RENADI) e em 2011, durante a III conferência o tema foi a intersetorialidade, indispensável para que se efetive a RENADI. Ainda, em 2006 a Lei nº 11.433 dispõe sobre o Dia Nacional do Idoso ( 01 de outubro).

O Decreto nº 7.037, de dezembro de 2009 aprovou o Programa Nacional de Direitos Humanos - PNDH-3. Este projeto de Lei Federal, institui o Fundo Nacional do Idoso. Já, a Lei Federal nº 12.213/2010, institui o Fundo Nacional do Idoso e autoriza deduzir do imposto de renda, devido pelas pessoas físicas e jurídicas, as doações efetuadas aos Fundos Muni-cipais, Estaduais e Nacional do Idoso e altera a Lei no 9.250, de 26 de dezembro de 1995.

Com o aumento da população idosa, a maioria dos países, se obrigaram a criar legislações específicas para esse contingente populacional, a partir de um plano nacio-

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PESQUISA E ENSINO: FERRAMENTAS DE GESTÃO PÚBLICA NO RS

nal, com ampla participação dos cidadãos (idosos, profissionais, políticos e familiares). No Brasil, a partir da criação dos Conselhos de Direitos dos Idosos, há maior participação dos atores nesta construção, mas infelizmente ainda há grande parcela dessa população que não se alertou para a necessidade de participação nesses espaços. Em razão disso cogita--se que o tema da IV Conferência Nacional da Pessoa Idosa, ainda sem data definida, seja sobre o protagonismo dos idosos, já que em níveis estaduais, esse é o tema em discussão.

Concebe-se assim, a participação social nas políticas públicas na perspectiva do ‘controle social’, no sentido de os setores organizados da sociedade, participarem desde as suas formulações – planos, programas e projetos –, acompanhamento de suas execuções até a definição da alocação de recursos para que estas atendam aos interesses da coleti-vidade.

Data/ano Políticas e Diretrizes Estadual

1988 Decreto Estadual(RS) nº 32.989/1988

1989 Constituição do Estado do Rio Grande do Sul

2000 Portaria SAS/MS nº 249/2000.

2000 Lei Estadual(RS)nº 11.517/2000

2000 Lei Estadual(RS) nº 11.497/2000

2002 Criam-se as Redes Estaduais de Atenção a Saúde do idoso.

2004 Portaria GS nº 13, de 31 de março de 2004

2005 Portaria estadual CIB-RS, nº 227, 13 de dezembro de 2005.

2009 III Conferência Estadual do idoso

2009 Lei nº 13.300, de 01 de dezembro de 2009.

2009 Lei nº 13.262, de 20 de outubro de 2009.

2009 Decreto nº 46.653, de 01 de outubro de 2009.

2011 IV Conferência Estadual do Idoso

2012 Lei estadual nº 14.175, de 27 de dezembro de 2012.

2013 Lei estadual nº 14254, de 28 de junho de 2013

2013 Lei estadual nº 14.288, de 7 de agosto de 2013

2013 RESOLUÇÃO Nº 05/2012Quadro 3 - Políticas e Diretrizes do Estado do RS sobre Envelhecimento

A Constituição do Estado do Rio Grande do Sul de 1989, em seu Capítulo V, Seção I (da família, criança, adolescente e do idoso) faz referência ao idoso. O Decreto Estadual (RS) nº 32.989/1988, institui o Conselho Estadual do Idoso (CEI) em 11 de outubro de 1988

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ESTADO E SOCIEDADE CIVIL

e nasceu da reivindicação de vinte entidades e órgãos públicos e da aspiração legítima dos idosos para alcançar seus direitos como cidadãos.

A Portaria SAS/MS nº 249/2000, institui as Redes Estaduais de Assistência à Saú-de do Idoso e normas de cadastramento e funcionamento dos Centros de Referência em Assistência à Saúde do Idoso. Fixa parâmetros e estabelece interpretação da Portaria nº 810/1989, do Ministério da Saúde, sobre estabelecimentos de cuidados aos Idosos; im-plementa o Programa de Medicamentos para a Terceira Idade; Cria a Comissão de Mobi-lização e Divulgação de Campanha de Vacinação do Idoso e designa o Centro Estadual de Vigilância em Saúde como o responsável pela Coordenação das Ações de Prevenção das Doenças evitáveis, por vacinas, na população acima de 60 anos.

A lei Estadual nº 11.517 de 2000, institui as diretrizes da Política Estadual do Idoso e tem como objetivo assegurar os direitos sociais do idoso, criando condições para promo-ver sua autonomia, integração e participação efetiva na sociedade.

A Lei Estadual nº 11.497/2000 institui o Programa de Assistência ao Idoso no Estado do Rio Grande do Sul.

A Portaria GS nº 13, de 31 de março de 2004, cria a Comissão de Mobilização e Divulgação de Campanha de Vacinação do Idoso e designa o Centro Estadual de Vigilância em Saúde, como responsável pela Coordenação das Ações de Prevenção das Doenças evi-táveis, por vacinas, na população acima de 60 anos.

A Portaria estadual CIB-RS, nº 227, 13 de dezembro de 2005, aprova a Política Se-torial da Saúde e seu Plano de Ação. A articulação intersetorial abrange as áreas da Edu-cação, da Previdência e Assistência Social, da Cidadania e do Trabalho, da Habitação, da Justiça e do Ministério Público, da Cultura, do Turismo, Esporte e Lazer, do Transporte, da Delegacia de Proteção ao Idoso, da Assistência Técnica e Extensão Rural (Ater), além das Organizações Não Governamentais (ONGs), que prestam atenção ao idoso.

A Lei nº 13.300/2009, dispõe sobre o acesso preferencial aos idosos, aos portado-res de deficiência e às gestantes em eventos culturais, artísticos, desportivos e similares realizados em todo o Estado do Rio Grande do Sul e a Lei nº 13.262/2009, dispõe sobre a reserva de vagas a pessoas idosas nos estacionamentos públicos e privados do Estado do Rio Grande do Sul. O Decreto nº 46.653 de 01 de outubro de 2009, cria o Programa Remé-dio em casa para idosos.

A Lei estadual nº 14.175/2012, altera a Lei n.º 8.109, de 19 de dezembro de 1985, que dispõe sobre a Taxa de Serviços Diversos.

Embora o Conselho estadual do Idoso já existisse há alguns anos, foi legalizado a partir da Lei estadual nº 14254/2013 (dispõe sobre a criação do Conselho Estadual da Pessoa Idosa − CEI/RS). O CEI é uma organização, que dentre suas competências, está a de zelar pelos direitos das pessoas idosas, propondo ações de política social pública, ade-

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PESQUISA E ENSINO: FERRAMENTAS DE GESTÃO PÚBLICA NO RS

quadas às demandas. Trabalha em conjunto com os Conselhos Municipais, para encontrar condições favoráveis de responder às denúncias recebidas diretamente, e que também lhe chegam através do Disque 100. Também em 2013, a Lei Estadual nº 14.288, de 2013 institui o Fundo Estadual da Pessoa Idosa – FUNEPI - no Estado do Rio Grande do Sul.

No Estado do Rio Grande do Sul, foram realizadas seis conferências estaduais, sen-do as quatro últimas realizadas, respectivamente, nos anos de 2006, 2009, 2011 e 2013. Os temas das últimas conferências foram, respectivamente, sobre a Implantação da Rede de Proteção e Defesa da Pessoa Idosa (RENADI); a avaliação da Rede de Proteção e Defesa da Pessoa Idosa (RENADI); a intersetorialidade e em 2013 a temática foi sobre “A Pessoa Idosa e o Protagonismo nas Transformações Sociais”.

Data/ano Políticas e Diretrizes Municipais

1999 Lei 0685/99

2000 I Conferência Municipal do Idoso

2001 I Fórum Municipal do Idoso

2002 II Conferência Municipal do Idoso

2003 II Fórum Municipal do Idoso

2004 III Conferência Municipal do Idoso

2004 Decreto 088/2004

2005 III Fórum Municipal do Idoso

2006 IV Conferência Municipal do Idoso

2007 IV Fórum Municipal do Idoso

2008 V Conferência Municipal do Idoso

2009 V Fórum Municipal do Idoso

2010 VI Fórum Municipal do Idoso

2010 Lei nº2021/2010

2011 VI Conferência Municipal do Idoso

2013 VII Fórum Municipal do Idoso

2013 VII Conferência Municipal do Idoso

2013 Lei 2360/2013Quadro 4 - Políticas e Diretrizes do Município de Cruz Alta para os idosos

Em 1999, através da Lei nº 0685/99, criado o Conselho Municipal do Idoso de Cruz Alta (COMID). Em 2004, através do Decreto 088/2004, se estabelece o regimento interno do COMID. No ano de 2010, há alteração da lei do COMID, através da legislação

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ESTADO E SOCIEDADE CIVIL

nº 2.021/2010, para incluir a criação do Fundo Municipal do Idoso. Em 2013 a Lei nº 2.360/2013, altera ementas e artigos da Lei de 2010.

No município, desde a criação do Conselho se estabeleceu como regra que a cada dois anos é realizada uma conferência municipal e nos anos de intervalo é realizado um Fórum Municipal do Idoso. Ambos os eventos já alcançaram sete edições, em 15 anos de existência. Desde o ano de 2010, o município passou a realizar pré-conferências, nos bair-ros da cidade e no ano de 2013, realizou pré-conferências também em seus distritos, com idosos rurais, com o envolvimento e adesão da EMATER/ASCAR.

3.2 Espaços de Participação da Sociedade Civil e do Estado para Efetivação dos Direitos dos Idosos no Município de Cruz Alta-RS

Na segunda etapa da pesquisa, identificaram-se as instâncias sociais, que se cons-tituem, no município de Cruz Alta-RS, como espaços de participação da sociedade civil e do Estado para debater, refletir, reivindicar, vivenciar e fiscalizar a efetivação dos direitos dos idosos.

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PESQUISA E ENSINO: FERRAMENTAS DE GESTÃO PÚBLICA NO RS

Estado Sociedade Civil

Secretaria Municipal de Saúde- Estratégias de Saúde da Família (ESFs)- Saúde Mental- Farmácia Popular

- Associação dos Aposentados - Associação de Moradores- SESC – Serviço Social do Comércio - Igreja Evangélica de Confissão Luterana- Universidade de Cruz Alta – Unicruz- Lyons - Asilo - Grupos de Terceira Idade- Liga de Combate ao Câncer- Emater

Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social:- Centro de Referência Maria Mulher – Coordenadoria de Políticas Setoriais para as Mulheres- Gabinete 1ª Dama- CREAS- CRAS- Centro de Convivência do Idoso

- Secretaria Municipal da Fazenda

- Secretaria de Cultura e Turismo

- Secretaria de Esportes

- Secretaria de Habitação

- INSS

- Brigada Militar

- 9ª CRS

- 9ª CRE

Procuradoria Jurídica (PROJUR)Quadro 5 – Espaços de participação da Sociedade Civil e do Estado

Os órgãos governamentais que apresentam envolvimento, no município de Cruz Alta, com a questão do idoso, são mais especificamente a Secretaria de Desenvolvimento Social e a Secretaria de Saúde. Os demais órgãos participam com representantes no CO-MID e também fazem atendimentos frequentes aos idosos em seus setores.

Os órgãos da sociedade civil que mais lutam pelos direitos dos idosos são a Asso-ciação dos Aposentados; o - SESC – Serviço Social do Comércio; a Igreja Evangélica de Con-fissão Luterana; a Universidade de Cruz Alta – Unicruz; o Asilo Santo Antônio e a EMATER. Além disso, o Conselho Municipal do Idoso, que reúne os órgãos governamentais e da so-ciedade civil, é responsável, principalmente pelo debate, reflexão, reivindicação e controle social sobre a efetivação dos direitos dos idosos.

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ESTADO E SOCIEDADE CIVIL

3.3 Conhecimentos dos Funcionários Públicos e Agentes da Sociedade Civ-il sobre as Políticas Públicas Voltadas aos Idosos

Na terceira etapa da pesquisa se fez a descrição e análise sobre o conhecimento dos agentes da sociedade civil (conselheiros) e funcionários públicos atuantes junto aos órgãos públicos (Secretarias de Saúde, de Desenvolvimento Social, de Habitação, da Fazen-da, Cultura e Turismo e Esporte) sobre as políticas públicas voltadas aos idosos e os seus direitos, visando (re)significar saberes. Essa etapa foi realizada através de uma visita aos setores e a aplicação de um roteiro de entrevista. Os resultados iniciam com a descrição do perfil dos entrevistados, que aparecem na tabela 1 e 3.

Tabela 1 – Perfil dos funcionários públicos entrevistados

Categorias Indicadores f %

Faixa Etária

16 a 19 anos 8 11,12

20 a 30 anos 18 25,00

31 a 40 anos 13 18,06

41 a 50 anos 18 25,00

51 a 60 anos 13 18,06

61 a 70 anos 1 1,38

71 a 80 anos 1 1,38

Total 72 100%

SexoFeminino 57 79,16

Masculino 15 20,84

Total 72 100%

Escolaridade

Ens. Fund. Incompleto 0 0,00

Ens.Fund. Completo 4 5,56

Ens. Médio Incompleto 3 4,16

Ens. Médio Completo 17 23,62

Ens. Sup. Incompleto 14 19,45

Ens. Sup. Completo 28 38,88

Pós-Graduação Especialização 5 6,95

Pós-Graduação Mestrado 1 1,38

Pós-Graduação Doutorado 0 0,00

Total 72 100%

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PESQUISA E ENSINO: FERRAMENTAS DE GESTÃO PÚBLICA NO RS

Formação

Serviço Social 6 8,33

Psicologia 3 4,16

Enfermagem 4 5,55

Farmácia 1 1,39

Odontologia 1 1,39

História 2 2,78

Economia 2 2,78

Jornalismo 1 1,39

Direito 7 9,72

Gestão Pública 1 1,39

Gestão Ambiental 1 1,39

Letras 1 1,39

Ciência da Computação 2 2,78

Cursando Direito 3 4,16

Cursando Administração 3 4,16

Cursando Serviço Social 2 2,78

Técnico em Enfermagem 5 6,95

Técnico em Contabilidade 1 1,39

Cursando Técnico em Contabilidade 1 1,39

Cursando Técnico em Enfermagem 1 1,39

Estudante (estagiário(a)) 1 1,39

Sem formação 17 23,62

Não informado 6 8,33

Total 72 100%

A faixa etária predominante de funcionários públicos está entre os 20 a 30 anos (25%) e dos 41 a 50 anos (25%). E as faixas etárias com maior número de funcionários (86,12%) está entre os 20 aos 60 anos de idade. Acima de 60 anos apresentou-se um per-centual de 2,76%. Entre os funcionários, apresentou-se um percentual maior de mulheres (79,16%).

Em relação à formação, 81,95% dos funcionários têm de ensino médio completo a ensino superior completo. Dentre estes, 38,88% apresentam ensino superior comple-to, 19,45% estão cursando o ensino superior e 23,62% possuem ensino médio completo,

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ESTADO E SOCIEDADE CIVIL

23,62% não têm formação. Em relação às áreas de formação, destacaram-se em maior número os com formação em Ciências Sociais Aplicadas (56,26%), Ciências da Saúde (27,08%), Ciências Humanas (10,42%), Ciências Exatas e da Terra (4,16%) e Linguística, Letras e Artes (2,08%), se destacaram em maior número dentre os profissionais públicos.

Ainda na descrição do perfil dos funcionários públicos entrevistados, definiram-se os setores e funções em que atuam. Os funcionários da Secretaria da Saúde participaram em maior número (29,50%), da Fazenda participaram em 26,40%, da Secretaria de Desen-volvimento Social com 23,61% e da Habitação com 11,12%, totalizando uma participação dessas Secretarias em 90,64%.

Dentre a função, 11,12% são estagiários; 8,34%; são assistentes sociais, 6,95% são Técnicos em Enfermagem; 6,94% Recepcionistas, 6,94% são auxiliares administrativos, 5,55% são enfermeiros, 5,55% são fiscais tributários e 6,94% não responderam.

Como funcionários públicos, 100% deles fazem atendimento à pessoa idosa. A maior frequência desse atendimento está entre o “sempre” e o “quase sempre”(58,32%), o que demonstra a necessidade do conhecimento dos mesmos sobre os direitos dos ido-sos.

Tabela 2 – Frequência de atendimento à pessoa idosa

Categorias Indicadores f %

Frequência de Atendimento à Pessoa Idosa

Nunca

Raramente 7 9,73

Às vezes 23 31,95

Quase sempre 12 16,66

Sempre 30 41,66

Total 72 100%

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PESQUISA E ENSINO: FERRAMENTAS DE GESTÃO PÚBLICA NO RS

Tabela 3 – Setores, cargos e funções dos funcionários públicos entrevistados

Categorias Indicadores f %

Setores

Centro de Referência “Maria Mulher” 2 2,78Gabinete 1ª Dama 2 2,78Secretaria de Saúde 10 13,88Secretaria de Saúde (ESF) 5 6,95Secretaria de Saúde - Saúde Mental 3 4,16Secretaria de Saúde – NAR – Radiologia 1 1,38Secretaria de Saúde – Farmácia Popular 2 2,78Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social (SMDS)

5 6,95

SMDS – CRAS 3 4,16SMDS – CREAS 7 9,72Secretaria da Fazenda 19 26,40Secretaria de Cultura e Turismo 2 2,78Secretaria de Esportes 3 4,16Secretaria de Habitação 8 11,12Total 72 100%

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ESTADO E SOCIEDADE CIVIL

Cargo/Função

Assistente Social 6 8,34Diretora do Centro de Referência “Maria Mulher” 1 1,39Secretária 2 2,78Coordenadora de Políticas Setoriais 1 1,39Técnico(a) Enfermagem 5 6,95Enfermeira(o) 4 5,55Técnico(a) Radiologia 1 1,39Auxiliar Consultório Dentário 1 1,39Segurança 1 1,39Recepcionista 5 6,94Estagiário(a) (Farmácia 1) 8 11,12Psicóloga 2 2,77Dentista 1 1,39Farmacêutica 1 1,39Orientador de Terceira Idade 2 2,77Agente Social 1 1,39ASB 1 1,39Atendimento 1 1,39Fiscal Tributário 4 5,55Auxiliar Administrativo 5 6,94Dirigente 1 1,39Advogado 1 1,39Assistente Superior Administrativo 1 1,39Procurador 1 1,39Cargo de Confiança 2 2,77Coordenador de Eventos 1 1,39Diretor de Equipe 1 1,39Coordenador de Equipe 1 1,39Bibliotecário(a) 1 1,39Não respondeu 5 6,94Assessora Especial 1 1,39Secretária Municipal de Habitação 1 1,39Dirigente do Atendimento Social 1 1,39Controlador de Dados 1 1,30Total 72 100%

Quando esses foram questionados sobre o conhecimento dos direitos dos idosos, 97,22% responderam que conhecem. E dentre os direitos mais conhecidos e lembrados pelos funcionários públicos estão a Prioridade no Atendimento e Direito à Saúde (40,42%); Direitos de Transporte (21,86%) e Direitos Fundamentais (37,72%), conforme a tabela 4.

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Tabela 4 - Direitos dos idosos mais conhecidos pelos funcionários públicos

Área Direitos Citados F %

Direitos Fundamentais

Estatuto do Idoso 18 11,92%Direito à Aposentadoria (previdência social) 5 3,32%Direito à habitação/moradia digna (Habitação) 4 2,64%PNI 3 1,98%PnMulher 3 1,98%Evitar maus tratos 2 1,32%Direito de ser bem atendido 2 1,32%Atenção dos filhos, família ( Apoio familiar) 2 1,32%Benefício BPC/sociais 2 1,32%Direito ao lazer 2 1,32%Direito à alimentação 1 0,66%Direito de acompanhamento da família 1 0,66%Acessibilidade 1 0,66%Assistência jurídica gratuita 1 0,66%Atendimento preferencial nos processos 1 0,66%Direito ao envelhecimento saudável 1 0,66%Mais respeito e atenção com o idoso 1 0,66%Não deixá-los abandonados física e emocionalmente 1 0,66%Promoção de políticas públicas de proteção ao idoso 1 0,66%Proteção do estado quanto a sua vida 1 0,66%Proteção integral 1 0,66%Proteção social 1 0,66%Receber orientações 1 0,66%Respeito 1 0,66%

Direitos de Transporte Garantia de Transporte Coletivo Urbano 24 15,90%Garantia de Transporte Intermunicipal 5 3,32%Estacionamento preferencial 4 2,64%

Prioridade no Atendimento e Direitos à Saúde

Prioridade no atendimento 45 29,80%Direito à saúde 6 3,98%Agendamento de consultas 5 3,32%Medicamentos gratuitos 2 1,32%Cartão do Idoso 1 0,66%Garantia de acesso à rede pública 1 0,66%Vacinação da gripe 1 0,66%

Em relação à descrição do atendimento dos funcionários públicos municipais em relação aos idosos, destacaram três categorias: Recepção e Acolhida; Atendimento, Orien-tação e Encaminhamento e Garantia de Direitos.

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Tabela 5- indicadores de descrição do seu atendimento à pessoa idosa

Categorias Indicadores f %

Recepção e acolhida

Atenção 21 14,38%Respeito 17 11,64%Paciência e Calma 10 6,84%Cordialidade 10 6,84%Escuta 09 6,16%Educação 07 4,80%Acolhimento 07 4,80%Compreensão 3 2,06%Alteridade 3 2,06%Carinho 2 1,36%Humanidade 2 1,36%Simpatia 1 0,68%Recepção 1 0,68%Comprometimento 1 0,68%Dedicação 1 0,68%Sinto prazer em atender os idosos 1 0,68%

Atendimento, Orientação e Encaminhamento

Linguagem simples e clara 5 3,42%Orientar e dar explicações aos idosos 4 2,74%Tirar dúvidas dos idosos 4 2,74%Agilidade no atendimento 3 2,06%Atendimento sem distinção (igual aos demais) 3 2,06%Encaminhamento técnico 3 2,06%Acompanhamento 3 2,06%Registro e resolução de problemas 2 1,36%Sempre ajudo aos idosos 2 1,36%Discernimento 1 0,68%Presteza 1 0,68%Traquejo e sensibilidade 1 0,68%Ajuda na locomoção do idoso 1 0,68%Honestidade 1 0,68%Humildade 1 0,68%Respeito às limitações 1 0,68%Responsabilidade 1 0,68%Sempre pode melhorar 1 0,68%Muito bom 1 0,68%Muito importante 1 0,68%Normal 1 0,68%Ótimo 1 0,68%

Garantia de direitosRespeito aos seus direitos 3 2,06%Divulgar e orientar os direitos 2 1,36%Encaminhamento ao CREAS 2 1,36%Respeito às limitações 1 0,68%

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Dentre as sugestões em relação a melhorar o atendimento às pessoas idosas no setor em que atuam, os funcionários públicos destacaram:

Tabela 6 – Sugestões para melhorar o atendimento aos idosos no serviço público

Sugestões f %Acessibilidade 11 17,74%Mais recursos humanos para as políticas setoriais (mulheres) /SMDS

5 8,06%

Mais recursos financeiros para as políticas setoriais 4 6,45%Não precisa de melhorias 4 6,45%Ter mais paciência e dedicação com os idosos 4 6,45%Melhorar o processo de acolhimento e escuta 3 4,83%Prioridade nas consultas e agendamentos 3 4,83%Inclusão de oficinas de dança e natação 2 3,22%Maior liberação de exames mais complexos e consultas especializadas

2 3,22%

Ter mais respeito e educação com os idosos 2 3,22%Ter um guichê apenas para atendimento de idosos 2 3,22%Caixa exclusivo prioritário para idosos nos setores públicos e privados

1 1,61%

Casa dia 1 1,61%Desenvolver nos grupos de convivência - estatuto dos idosos, lazer, brincadeiras, artesanato, dança e teatro

1 1,61%

Divulgação das prioridades dos idosos 1 1,61%Equipamentos para o CREAS e CRAS 1 1,61%Folder com direitos dos idosos 1 1,61%Infraestrutura adequada à dimensão de trabalho (carro, telefone fixo e móvel)

1 1,61%

Investir mais em prevenção 1 1,61%Maior gama de remédios gratuitos 1 1,61%Maior preparação das equipes para atender os idosos 1 1,61%Mais cadeiras para os idosos aguardarem sentados nas filas 1 1,61%Mais profissionais 1 1,61%Mais rapidez no atendimento 1 1,61%Necessidade de estagiários ou professores de EF no CRAS 1 1,61%Para que os órgãos visitem os idosos pré-catalogados que não podem se locomover

1 1,61%

Pessoas treinadas para atender os idosos 1 1,61%Placas para identificar o setor 1 1,61%Ouvi-los mais 1 1,61%Ter um dia na semana para atendimento especial aos idosos 1 1,61%Veículo para o Conselho do Idoso 1 1,61%

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Os 18 agentes sociais entrevistados fazem parte do Conselho Municipal do idoso e destes 13 (72,22%) são titulares e 05 (27,78%) são suplentes. Dos conselheiros entrevista-dos, 10 (55,56%) representam o governo e 08 (44,44%), a sociedade civil.

Dentre os conselheiros a, menor idade é de 25 anos e a maior de 80 anos. A mé-dia de idade dos conselheiros é de 55,77 anos de idade. E a faixa etária que tem maior percentual de representantes é a de 30 a 39 anos (27,78%). Em sua maioria são mulheres (72,22%). 61,12% dos agentes sociais conselheiros tem ensino superior e/ou pós-gradua-ção, o que representa um elevado grau de ensino, conforme dados da tabela 7.

Tabela 7 – Perfil dos agentes sociais

Categorias Indicadores f %

Faixa Etária

16 a 19 anos 0 0,00%20 a 29 anos 1 5,56%30 a 39 anos 5 27,78%40 a 49 anos 2 11,11%50 a 59 anos 4 22,22%60 a 69 anos 3 16,66%70 a 79 anos 2 11,11%80 anos ou mais 1 5,56%Total 18 100%

SexoFeminino 13 72,22%Masculino 5 27,78%Total 18 100%

Escolaridade

Ens. Fund. Incompleto 0 0,00%Ens.Fund. Completo 1 5,56%Ens. Médio Incompleto 0 0,00%Ens. Médio Completo 3 16,66%Ens. Sup. Incompleto 2 11,11%Ens. Sup. Completo 8 44,44%Pós-Graduação Especialização 2 11,11%Pós-Graduação Mestrado 0 0,00%Pós-Graduação Doutorado 1 5,56%Não respondeu 1 5,56%Total 18 100%

A instituição governamental que tem maior representação no Conselho é a Secreta-ria Municipal de Desenvolvimento Social, com dois representantes. As demais instituições têm um representante, sendo que as instituições da sociedade civil e do Estado que têm agentes sociais no Conselho Municipal do Idoso, aparecem no quadro 6, devendo ser pari-tárias, ou seja, em igual número de representantes da sociedade civil e do Estado. Todavia, a participação da sociedade civil não se dá em sua totalidade, sendo que nas reuniões em que foram realizadas as entrevistas, o governo estava em maior número de representantes do que a sociedade civil.

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Instituição Governamental Nº Instituição da Sociedade Civil Nº SMDS 2 Asilo 1SM Habitação 1 Grupos de Terceira idade 1SM Cultura e Turismo 1 Igreja Evangélica de Confissão Luterana 1SMS 1 Lyons Clube de Cruz Alta 19ªCRE 1 Liga Feminina de Combate ao Câncer 19ª CRS 1 SESC 1INSS 1 Emater/ASCAR 1Procuradoria Jurídica (PROJUR) 1 Unicruz – Universidade de Cruz Alta 1Brigada Militar 1

Quadro 6 – Representantes das instituições da sociedade civil e governo que participaram da pesquisa.

Os agentes sociais conselheiros foram questionados sobre como é a sua participa-ção no Conselho e suas respostas aparecem sintetizadas no quadro 7.

Sua participação no conselho é... f %Participativo e comprometido com as questões do envelhecimento no Município, Estado e País

15 51,86%

Participa e opina de vez em quando 5 18,51%Mais escuta do que fala nas reuniões 5 18,51%Participativo e comprometido com as questões do envelhecimento só no município

3 11,12%

Nunca fala nem opina nas reuniões 0 0,00%Não participa das reuniões 0 0,00%Total 28 100,00%

Quadro 7 – Como os conselheiros avaliam sua participação no COMID

Os agentes sociais também foram questionados sobre como descrevem sua atua-ção como conselheiros. Cabe destacar que em sua maioria se consideram participantes e ativos.

Tabela 8 – Autodescrição dos conselheiros

Como se descreve como conselheiro f %Participativo(a) 8 27,58%Ativo(a) 8 27,58%Em fase de apropriação do funcionamento do conselho, pois iniciaram a participar há pouco tempo

2 6,89%

Não responderam 2 6,89%Auxilia nas reuniões 1 3,44%

Ajuda os idosos que não conhecem seus direitos 1 3,44%Tem carinho pelos idosos 1 3,44%Preocupado(a) com as questões dos idosos 1 3,44%Participativo(a) só nas reuniões do conselho 1 3,44%

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Interessada(o) nas questões dos idosos 1 3,44%A disposição do conselho 1 3,44%Militante 1 3,44%Atua no controle social 1 3,44%Total 29 100%

O período em que as entrevistas foram feitas aos conselheiros, foi no mês de maio de 2014 e o COMID havia realizado três reuniões (março, abril e maio). 27,78%, respon-deram que nunca faltaram; 27,78% que participaram de 2 a 3 vezes, 22,22%, que parti-ciparam 01 vez nesse ano e 22,22% que não participaram de nenhuma reunião (esses responderam o questionário em seus locais de trabalho). Observa-se, portanto que mais de 55,56% dos conselheiros são assíduos às reuniões do COMID.

Os conselheiros foram questionados se conhecem os direitos dos idosos e somente um (5,55%) respondeu que não conhece. Dentre os direitos mais conhecidos e citados pelos conselheiros estão os Direitos Fundamentais como o Estatuto do Idoso (15,90%), o direito à aposentadoria (9,10%), o direito ao lazer (6,82%), o direito à moradia (4,55%), entre outros, a Prioridade no Atendimento e Direitos à Saúde e o Direito a Transportes. Da mesma forma, em pesquisa realizada por Martins e Massarollo (2010, p. 483), “a maioria dos idosos relatou conhecer seus direitos ou conhecer alguns deles. Os direitos mais co-nhecidos estão relacionados ao transporte e ao atendimento prioritário.”

Ainda, conforme Martins e Massarollo (2010, p. 481), com 63 idosos, sobre o co-nhecimento dos seus direitos “31(49,2%) responderam afirmativamente, 11 (17,5%) dis-seram que conheciam alguns direitos, 19 (30,2%) afirmaram desconhecer os direitos, um (1,6%) não respondeu e um (1,6%) disse que não se lembrava.”

Tabela 9 – Direitos dos idosos mais citados pelos conselheiros

Área Direitos Citados f %Direitos Fundamentais Estatuto do idoso 7 15,90%

Direito à Aposentadoria 4 9,10%Direito ao Lazer 3 6,82%Política Nacional do Idoso 2 4,55%Direito a frequentar a sociedade 1 2,27%Direito de ser repeitado 1 2,27%Direito à convivência familiar 1 2,27%Direito à educação 1 2,27%Direito à alimentação 1 2,27%Diretrizes e Assembleias Internacionais 1 2,27%Fundo Municipal do Idoso 1 2,27%

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Prioridade no Atendimento e Direitos à Saúde

Prioridade no atendimento 4 9,10%Direito à saúde 4 9,10%Direito a Medicamentos 2 4,55%Política Nacional de Saúde ao Idoso 1 2,27%Atendimento hospitalar preferencial 1 2,27%

Direitos de Transporte Transporte /passagens gratuitas 7 15,90%Direito à Habitação Direito à Moradia 2 4,55%

3.4 Políticas Públicas: (Re)Significar Saberes Através da Ação

A quarta etapa da pesquisa se realizou a partir de encontros entre representantes da Universidade (coordenadores da pesquisa), do Centro de Convivência do Idoso, atrela-do à Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social, responsável pelo desenvolvimento das políticas públicas para o idoso no município e conselheiros do COMID ( Conselho Mu-nicipal do Idoso).

A partir desses encontros reflexivos e dos resultados da entrevista com os funcioná-rios e agentes sociais, elaborou-se uma Cartilha para os Idosos, além de panfletos, cartazes e seminários sobre Direitos Humanos, priorizando a questão dos direitos dos idosos.

Todavia, a pesquisa ainda está em andamento, já que o projeto prevê a realização de uma quinta e uma sexta etapas, que são: a realização de encontros nos bairros mais vulneráveis de Cruz Alta, com os agentes comunitários, líderes e presidentes de associação de bairros e idosos para divulgação dos direitos dos idosos e distribuição das Cartilhas e, a realização de encontros e seminários de formação para os funcionários públicos e os con-selheiros (agentes sociais) para divulgação dos Direitos dos Idosos como Direitos Humanos e, também para formação de agentes sociais, efetivamente participativos, na questão do controle social.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Percebe-se, portanto, que esse conjunto de políticas constituem compromissos de todos, atores e gestores do sistema, que em uma sociedade democrática, exigem a partici-pação da sociedade civil nos espaços abertos democraticamente, visando ao controle so-cial, para a efetivação de um envelhecimento digno, com qualidade de vida e participativo.

Portanto, com essa proposição de pesquisa por meio de estratégias que viabilizem práticas sociais, aos agentes da sociedade civil e funcionários públicos, voltadas para a visi-bilidade e implementação dos direitos do idoso em seus diferentes aspectos, estimulando a sua cidadania participativa, garante o acesso a essas informações para populações ido-sas vulnerabilizadas por subordinações como a pobreza, a dependência, o analfabetismo, entre outras. Essas ações possibilitaram a promoção do conhecimento dos direitos dos idosos, de forma reflexiva e intersetorial, entre os funcionários públicos e os agentes da sociedade civil, ligados a essa temática, perspectivando intervenções sociais nesses pro-

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cessos, tais como a maior participação dos idosos na busca da efetivação dos seus direitos; maior divulgação desses direitos entre populações idosas excluídas; maior dignidade das pessoas idosas, além de respeito e humanização no atendimento dessas pessoas, nos es-paços públicos.

Essa pesquisa vem complementar a Proposta do Programa Escola de Governo na UNICRUZ, que se efetivou a partir de duas áreas de concentração (Gestão Pública e De-mocracia e Estado e Sociedade Civil) onde se desenvolveu o programa Políticas Públicas em Direitos Humanos, a partir de três eixos temáticos: necessidades especiais, diversidade sexual e geracional (envelhecimento). E foi a Rede Escola de Governo que deixou como legado na IES, a criação do Núcleo de Ação em Pró-Direitos Humanos com o desenvolvi-mento de um Fórum Permanente de Direitos Humanos, no âmbito da Unicruz, e, especi-ficamente uma campanha para o corpo docente, discente, colaboradores e comunidade externa, nas quais os direitos dos idosos, o respeito e dignidade para com eles, deve ser imprescindível. Essas atividades foram desenvolvidas com os alunos da Universidade de Cruz Alta - UNICRUZ. Essa pesquisa ainda prossegue com a divulgação dos direitos dos idosos, através da Cartilha do Idoso, elaborada nesse projeto, e que será, na continuidade da pesquisa divulgada e socializada entre idosos, familiares e agentes sociais, nos bairros mais vulnerabilizados de Cruz Alta-RS.

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O MAPEAMENTO DA JUDICIALIZAÇÃO DA SAÚDE PÚBLICA NO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

PÓS - CF/88

Silviana L. Henkes36, Débora da Rosa Becker37

Este artigo tem como objetivo geral analisar a judicia-lização da saúde pública no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul no âmbito do 2º. grau de jurisdição (re-cursos e reexame necessário), a partir da promulgação da CF88. O direito à saúde foi reconhecido pela CF88 como direito fundamental de todo cidadão (artigo 6º.) e dever do Estado (art.216). A pesquisa realizou o ma-peamento da judicialização durante 25 anos, sendo possível conhecer o ritmo de crescimento, as maiores demandas (carências, a origem dos pleitos etc). Con-cluiu-se que a judicialização da saúde pública vem crescendo intensamente, com alguns períodos de dimi-nuição, e que tornou-se um instrumento indispensável para a efetividade do direito à saúde no Estado do Rio Grande do Sul.

INTRODUÇÃO

A pesquisa tem como objetivo conhecer o cenário da judicialização da saúde públi-ca no Estado do Rio Grande do Sul, a partir da CF88 que consagrou a saúde como direito fundamental do cidadão e dever do Estado (artigos 6º. e 196). Foi desenvolvida através do método de abordagem indutivo e dos métodos de procedimento estatístico e o monográ-fico. Utilizou-se a busca no site do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul junto ao campo direcionado à pesquisa jurisprudencial, utilizando-se como marco temporal o período de 05 de outubro de 1988 a 31 de dezembro de 2012 e como índice de busca a palavra-chave “saúde pública”. Na busca foram catalogados 14.217 julgados, todos inseri-dos em uma tabela e posteriormente analisados. A tabela continha os seguintes campos: número do acórdão, origem, data, relator, requerente, requerido, instrumento, pedido, decisão e temática.

Ainda que expressivo o número de julgados analisados, impende observar que es-tes não representam a totalidade das demandas ajuizadas no Estado do Rio Grande do Sul ligadas à temática “saúde pública”. Isso porque o objetivo da pesquisa compreendeu

36 Pós-doutora em Direito. Ex-professora da Universidade Federal de Pelotas. Professora da Univer-sidade Federal de Uberlândia37 Aluna da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Pelotas. Ex-bolsista da Rede Escola de Governo∕FAPERGS

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somente os julgados em 2º. grau de jurisdição no TJRS (recursos e reexame necessário), não alcançando, portanto, as demandas que se esgotaram ou estavam em curso na 1ª. ins-tância, nem mesmo as demandas ajuizadas na Justiça Federal ou ainda, as demandas que versam sobre saúde e saúde pública, mas cujos acórdãos não consignaram a palavra-chave “saúde pública”. Deve-se observar que o número total de demandas relacionadas direta ou indiretamente à saúde no TJRS, bem como nos demais tribunais brasileiros é desconhe-cido. Contudo, o Conselho Nacional de Justiça estipula que são mais de 241 mil processos judiciais envolvendo demandas da saúde no Brasil.

Ressalta-se que a delimitação do objeto da pesquisa deu-se em razão do tempo e recursos disponíveis, bem como do número de pesquisadores envolvidos, haja vista o considerável número de demandas e teor dos acórdãos a ser analisado.

Verifica-se que a temática é de extrema importância, eis que a judicialização das políticas públicas de saúde vem ocupando um importante lugar na agenda estatal. No âm-bito do poder executivo federal, houve a criação de um subgrupo de trabalho destinado à análise das questões relacionadas às demandas judiciais em saúde, através da Resolução 01, de 27 de fevereiro de 2013. O grupo revela a preocupação do Governo Federal com a questão e tem como objetivo proporcionar subsídios técnicos e jurídicos para auxiliar os entes federativos nas demandas judiciais em saúde e propor a adoção de medidas preven-tivas e saneadoras para a redução das demandas judiciais. O apoio financeiro à pesquisa concedido pela Rede Escola de Governo∕Governo do Estado do Rio Grande do Sul∕FAPER-GS também evidencia a preocupação do governo gaúcho com a judicialização das políticas públicas de saúde.

2 DIREITO FUNDAMENTAL À SAÚDE E SUA RELEVÂNCIA

Segundo Cavalcante Filho (2013), os direitos fundamentais são aqueles direitos tidos como básicos para toda e qualquer pessoa, independentemente de quaisquer cir-cunstâncias particulares, atingindo pessoas indeterminadas e, por serem uma construção histórica, variam de lugar para lugar. De acordo com Canotilho (2003), ao serem inseridos em uma Constituição, estabelecem a pessoa como centro e titular de direitos, sendo sua principal função a defesa da pessoa humana e da sua dignidade perante os poderes do Estado, tendo também a função de garantir a sobrevivência e os mínimos meios de pre-servação da dignidade através da prestação estatal, da proteção perante terceiros e da não discriminação, que nada mais é do que o dever de tratamento igualitário a todos os cidadãos, independente de quaisquer questões de cunho pessoal.

A Constituição Federal de 1988 se apresentou vanguardista no que se refere ao reconhecimento de direitos fundamentais e sociais e às suas respectivas garantias. A con-sagração do direito à saúde no texto constitucional representou um importante avanço normativo e uma conquista social. A CF88 declara o direito à saúde, entre outros disposi-tivos, nos seus artigos 6º e 196:

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Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.

A Carta Magna estabeleceu ainda como dever do Estado assegurar a todos, igualita-riamente, as ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação:

Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.

Passados mais de 25 anos da promulgação da Constituição Federal de 1988, muito se tem a festejar, mas a luta continua. A par do reconhecimento do direito fundamental à saúde houve o crescimento exponencial do número de demandas judiciais contra o Estado (União, Estados e Municípios) visando conferir efetividade ao direito fundamental à saúde (e dos outros direitos fundamentais), o que indica que a efetividade do direito à saúde ainda depende, em boa medida, da judicialização.

Nota-se que a judicialização das demandas de saúde vem se tornando um proble-ma crônico no Brasil, pois enquanto grande parte da população depende da intervenção do Poder Judiciário para garantir o acesso à saúde (medicamentos, consultas, exames, internações, cirurgias etc.), a administração pública sofre com a elevação dos gastos públi-cos, da insuficiência de recursos e da dificuldade de planejamento orçamentário.

Segundo Watanabe (2013), o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça caminham, precisamente, no sentido da inadmissibilidade de invocação da cláusula da reserva do possível nos processos em que esteja em jogo o mínimo existencial, portan-to, a insuficiência de recursos não é oponível à realização do mínimo existencial.

Contudo, cabe deixar consignado que a fundamentabilidade dos direitos sociais não está reduzida ao mínimo existencial, afinal, preocupou-se o constituinte com a dignidade da pessoa humana – como um todo e não com sua versão minimalista ( WATANABE, 2013).

Canela Jr. (2013) defende o controle das políticas públicas pelo Poder Judiciário na hipótese de colisão de direitos fundamentais, pois políticas públicas que não satisfaçam espontaneamente os direitos fundamentais sociais afrontam o artigo 3º. da CF88.

Importa salientar que grande parte da doutrina, destacando-se Schwartz (2001), concebe o direito à saúde como uma norma autoaplicável, ou seja, para a sua efetivação não se faz necessária a atuação do legislador infraconstitucional (regulamentando a norma constitucional). De outro lado, alguns doutrinadores, como Barroso (2007), consideram que este direito carece de uma atuação do poder legislativo, que teria a incumbência de definir o seu alcance, pois a Constituição Federal faria uma referência genérica a ele.

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O crescimento de demandas judiciais desde a promulgação da Carta Magna em 05 de outubro de 1988, revela o problema da efeti vidade das normas consti tucionais e a im-portância das políti cas públicas que visam garanti r aos cidadãos o acesso efi caz aos meios mínimos de subsistência e de alcance da dignidade.

3 RESULTADOS OBTIDOS

Após a pesquisa e análise dos 14.217 julgados encontrados (na base de acórdão do TJRS), correspondente aos recursos ao TJRS de outubro de 1988 até dezembro de 2012, verifi cou-se que houve um signifi cante aumento das demandas, de quase insignifi cantes, 03 casos no primeiro ano, correspondentes ao meses de outubro, novembro e dezembro de 1988 (pós-promulgação da CF), passaram a um exorbitante número nos últi mos anos da análise: 2681 recursos em 2012. Tal percepção pode ser verifi cada a parti r do quadro abaixo (fi gura 1), que traz os números de recursos ao TJRS e revela o incremento constante das demandas.

Figura 1 – Recursos por anoFonte: (HENKES E BECKER, 2014)

Figura 2 - Crescimento das demandas ao TJRSFonte: (HENKES E BECKER, 2014)

Percebe-se claramente, no período analisado, o incremento das demandas (fi gura 1 e fi gura 2), o que leva a crer que o Estado ainda não implementou, de modo efi caz,

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políti cas públicas capazes de efeti var e garanti r o acesso universal a esse direito funda-mental, porque se assim fosse, não seria necessário o recurso ao judiciário. Concluiu-se que a efi cácia do direito à saúde no Rio Grande do Sul depende, ainda, em boa medida, da judicialização.

O crescimento das demandas ao Poder Judiciário (TJRS) como forma de garanti r o acesso à saúde é constante, mas nos seguintes períodos constatou-se o seu maior cres-cimento: 1989-1990: 260%; 1993-1994: 133%; 1999-2000: 101%; 2002-2003: 159%. Se analisados o número de demandas ano por ano, somente nos seguintes períodos houve diminuição 1990-1991:-50%; 1991-1992: -44%; 1995-1996: -8%; 2001-2002: -4%; 2007-2008:-11%; 2010-2011:-0,8%.

Conforme visto ao longo dos anos, ampliou-se o recurso ao Poder Judiciário (TJRS) como garanti a de efeti vidade do direito fundamental à saúde, elevando-se o número de demandas visando ao fornecimento de todos os meios necessários de assegurar a saúde, diga-se a cura de enfermidades, como pedidos de remédios, tratamentos, cirurgias, exa-mes etc.

Verifi ca-se, (fi gura 3) que o número de demandas por medicamentos é predomi-nante (67,7%). A pesquisa constatou que nas demandas ao TJRS visando à saúde pública predomina uma visão reducionista de saúde, esta ligada ao tratamento de afecções e en-fermidades, portanto, um modelo patogênico, biomédico de saúde que valoriza a causa específi ca da doença ou lesão e a aculturação médica.

Figura 3 – Percentuais de demandasFonte: (HENKES E BECKER, 2014)

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O pedido de fornecimento de medicamentos representa o maior percentual das de-mandas, conforme salientado são 67,73% (9629 demandas), contudo, o percentual é ainda maior se considerados os pedidos de medicamentos cumulados com outros itens de tra-tamento. O fornecimento de procedimento cirúrgico representa 5.30% (753 demandas), a internação hospitalar é 3.67% (522 demandas); o pedido de fornecimento de exames é 3.22% (458 demandas); diversos itens de tratamento, por exemplo, medicamentos e fral-das ou fraldas e exames) é 2.35% (334 demandas); narcotráfico é 3.63% (516 demandas); porte de tóxicos é 3.23% (459 demandas) e outros representam 3.62% (514 demandas).

A Organização Mundial da Saúde define saúde como “um estado de completo bem--estar físico, mental e social e não somente a ausência de afecções e enfermidades”. Lima (2012) defende que não se pode pensar em saúde sem pensar em saúde ambiental e leciona ser necessário superar os conceitos reducionistas, a partir de um modelo integra-dor, ecossistêmico e territorial que incorpore elementos da saúde ambiental. Para o autor, saúde ambiental é mais do que saúde do meio ambiente, é também saúde do meio socio-econômico, cultural e psicológico; é o ambiente que importa à saúde humana, tendo em vista que a saúde é resultado da produção social (moradia, trabalho, lazer etc.). Importa salientar que o conceito de saúde ambiental não é novo, no Brasil a 1ª. Conferência Nacio-nal sobre Saúde Ambiental ocorreu em Brasília no ano de 2009.

Percebeu-se que aqueles que buscam o acesso à saúde, em sua maioria, buscam o fornecimento de medicamentos, exames, procedimentos cirúrgicos, internações hospi-talares, portanto, a cura ou melhora de afecções e enfermidades, sendo insignificante ou não existente o número de demandas ligadas ao conceito de saúde ambiental, por exem-plo, acesso à água potável e ao saneamento básico, etc.

Além disso, verificou-se, no início do período pesquisado, que as demandas ligadas ao termo “saúde pública” eram vinculadas, na sua maioria, a questões relacionadas aos entorpecentes, enfatizando-se o risco que o seu uso e a sua comercialização trariam à saúde pública.

Um dado em princípio positivo é que não foram registradas demandas no TJRS de 179 municípios gaúchos, o que revela, a priori, um bom nível de efetividade do direito à saúde nestes municípios. Contudo, a falta de dados e estudos acerca dos números da judicialização em 1º. grau impossibilita o conhecimento do real cenário da judicialização nestes municípios. Em 172 municípios, o número de recursos é de até 10 no período ana-lisado, portanto, baixo. Dos municípios gaúchos, 142 têm de 11 a 455 recursos e 05 têm mais de 456 recursos (Porto Alegre, Pelotas, Passo Fundo, Santa Maria e São Gabriel). Contudo, destes 05 municípios, 04 estão entre as cidades mais populosas do Estado, o que justifica o número elevado.

O município de Nova Santa Rita teve 01 recurso para os 24.859 habitantes, confe-rindo o status de menor índice de judicialização apresentado dentre os municípios com judicialização no TJRS. Ratifica-se que 172 não apresentaram demandas de 2º. Grau no TJRS no período analisado.

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CONCLUSÕES

A pesquisa conseguiu mapear os recursos ao TJRS, no período de 05 de outubro de 1988 até 31.12.2012, que versavam sobre “saúde pública”. Foram catalogados e analisados 14.217 recursos. Importa consignar as dificuldades encontradas na execução da pesquisa decorrentes da instabilidade do site do TJRS o que pode gerar números não exatos, mas aproximados. Assim, os resultados encontrados demonstram o cenário da judicialização da saúde pública no TJRS (2º. Grau) com um grau elevado de confiabilidade.

A continuação da pesquisa poderia ter como objetivo a análise: a) qualitativa das decisões das 14.217 demandas; b) das demandas de 1º.grau; c) dos orçamentos (dos municípios gaúchos e do Estado) versus os valores dispensados pelos cofres públicos nas ações judicializadas.

A falta de dados preexistentes e a continuação da pesquisa, bem como sua amplia-ção, poderia colaborar no planejamento, elaboração e execução das políticas públicas e assim na efetividade do direito à saúde no Estado do Rio Grande do Sul.

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O QUE SE ENTENDE POR INSTITUIÇÃO E POR QUE ELAS MERECEM SER ESTUDADAS?

Romerio Jair Kunrath 38

Este artigo tem como objetivo apresentar uma defini-ção conceitual de instituição levando em consideração a evolução histórica das abordagens institucionalistas na Ciência Política e sua interrelação com a Economia e a Sociologia. Além disso, observar as características das três versões do neoinstitucionalismo na Ciência Política, e de que maneira estas podem ajudar a expli-car “novas experiências institucionais” em contextos democráticos. Este trabalho tem como propósito fazer uma revisão da literatura sobre o neoinstitucionalismo no campo da Ciência Política, destacando a evolução histórica do debate em torno das suas principais ver-tentes, contrastando-as também com outras correntes ou perspectivas de análise, como o antigo institucio-nalismo e o comportamentalismo. Sem a pretensão de apresentar uma nova abordagem sobre o tema, limita-se a analisar comparativamente as diferentes vertentes do neoinstitucionalismo existentes (institu-cionalismo histórico, institucionalismo da escolha ra-cional, institucionalismo sociológico), ressaltando as principais características de cada uma delas. Parte-se da ideia de que cada uma, embora detenham pressu-postos distintos, tais pressupostos, não estão isentos de uma perspectiva normativa.

[Palavras-Chaves: instituição, instituições políticas democráticas, neoinstituciona-lismo, democracia e desenvolvimento].

INTRODUÇÃO

Segundo os teóricos do institucionalismo existem diferentes tipos de instituições: econômicas, sociais, políticas, culturais e religiosas que colaboram na estruturação e orde-namento das sociedades. Pode-se definir instituições como diferentes formas de organiza-

38 Professor Adjunto do Departamento de Sociologia e Política da Universidade Federal de Pelotas. Doutor em Ciência Política pelo Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal do Rio Gran-de do Sul. Entre os trabalhos mais relevantes do autor até o momento, se destacam a organização do livro “Trabalho e Cidadania no Brasil” (2006) e sua Tese de Doutorado intitulada ?Os Conselhos Econômicos e Sociais em perspectiva comparada: os casos da Espanha e do Brasil” (2012). Email: [email protected]

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ção social, como um conjunto de regras formais e informais que ordenam o funcionamen-to da sociedade, que orientam o comportamento e a conduta de atores sociais, sejam eles individuais ou coletivos.

De acordo com Cintra (2004, p.38), para a moderna ciência política, as instituições permitem às pessoas e grupos, cooperar, regular e permanentemente, e de modo confi-ável, acreditar em empreendimentos comuns, necessários à vida em sociedade39. Juntas, elas promovem a interação dos indivíduos em diferentes espaços e ambientes, refletindo toda uma diversidade de formas e estilos de se viver. Neste sentido, elas são extremamen-te importantes no processo de socialização dos indivíduos para que estes se sintam parte de uma coletividade maior, como membros efetivos de uma comunidade, enquanto sujei-tos partícipes de algo que transcende as esferas individual e privada, como protagonistas e, também, responsáveis pela construção coletiva da qual fazem parte.

Talcott Parsons (1979 [1951]), por exemplo, chama de instituição a um “complexo de funções” ou de relações institucionalizadas, com uma significação estrutural estratégi-ca. De modo objetivo é preciso considerá-la uma estrutura parcial da sociedade que cum-pre determinadas funções, normatizada por regras estabelecidas e aceitas por todos em sociedade, onde normas, objetivos e valores, constituem um sistema que pode evoluir, mas que mantém certa unidade e coerência, ressaltando que cada instituição tem a sua própria estrutura, um determinado modo de representação e de participação, um sistema de organização, de funcionamento, de financiamento, atribuições e poderes, que definem as suas funções.

A primeira instituição com a qual o indivíduo se depara ao nascer é a família. Depois vem a escola, a igreja e, sucessivamente ao longo da vida, depara-se com um conjunto cada vez maior de instituições, de vários formatos e de diferentes tamanhos. Logo, se está diante de grandes instituições econômicas e políticas, como o mercado, os Estados, de governos que administram as sociedades, de líderes que nos representam e aos quais se delega, na maioria das vezes, a função de deliberação nas instâncias de decisão, sejam elas em âmbito local, nacional, ou internacional.

Evidentemente que, quando se fala de sociedades democráticas não há como negar a importância das instituições para o funcionamento e manutenção do regime político democrático. Não há como não fazer referência às instituições políticas, ao Estado propria-mente dito, aos poderes deste Estado (Executivo, Legislativo e Judiciário), ao parlamento (Câmara de Deputados e Senado Federal), aos partidos políticos, associações empresariais e sindicais, organizações da sociedade civil, entre outras formas de organização institucio-nal e social. Tanto Estados, governos, partidos políticos e grupos de interesse organizados na sociedade, dispõem de meios e/ou de recursos de poder para influenciar os processos

39 As instituições estimulam certos comportamentos dos eleitores e dos próprios políticos e parti-dos e desencorajam outros. Sendo que, cada país tem a sua organização política peculiar, surgida do enfrentamento dos desafios deparados ao longo de sua história, existindo uma grande difusão de modelos institucionais entre as sociedades, quando as várias famílias de governos democráticos têm sido comparadas e avaliadas, o seu desempenho à luz de diversos critérios (Cintra, 2004, p.38-39).

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de tomada de decisão, o modo como as decisões serão tomadas, sejam elas adotadas de forma democrática, deliberativa, ou participativa, contribuindo para os objetivos ou fins da política, que em síntese, podem ser definidos como a resolução pacífica dos conflitos, a construção e a manutenção da ordem.

Seguindo nesta direção, instituições políticas democráticos podem ser vistas como instâncias de representação, deliberação, participação e consulta. Podem ser compreen-didas, também, como regras que orientam o comportamento de indivíduos, grupos e co-letividades, as quais se diferem em suas estratégias de ação. Em alguns momentos, até se sobrepondo e, em outros, se complementando mutuamente. Ocorre que não existe con-senso na literatura sobre o próprio conceito de instituição, sobre como explicar a origem e a própria evolução das mesmas, sobre aquelas que são mais importantes, ou necessárias, em determinadas circunstâncias, seus êxitos ou fracassos.

1.1 A Evolução Histórica das Abordagens Institucionalistas na Ciência Política

Desde as primeiras décadas do Século XX até meados da década de 1960 é possível observar a predominância de duas abordagens teóricas na Ciência Política, o institucio-nalismo e o comportamentalismo. Depois deste período, surge uma terceira abordagem conhecida como novo institucionalismo, ou neoinstitucionalismo, que se tornou prevale-cente, ou hegemônica, nos últimos 40 anos (PERES, 2008)40.

O autor faz uma breve reconstrução histórica do desenvolvimento teórico meto-dológico do paradigma neoinstitucionalista na Ciência Política, tomando como ponto de partida a revolução comportamentalista que floresceu nos anos de 1920-1930. Afirma que o comportamentalismo tem seu auge na década de 1950, permanecendo hegemônico até meados dos anos 1960. O neoinstitucionalismo seria fruto da oposição ao compor-tamentalismo tal como ocorreu com este em relação ao antigo institucionalismo, resul-tando como uma espécie de simbiose, ou de síntese, daquilo que se produziu por essas duas abordagens, até aquele momento, emergindo e ganhando destaque a partir dos anos 1960.

Pode-se dizer que na Ciência Política houve um predomínio do institucionalismo até 1930. O hoje, antigo institucionalismo, até meados dos anos 1940, se centrou em análises especulativas, descritivas e formalistas, inspiradas pela Filosofia Política e pelo Direito. Esta primeira abordagem começou a se tornar insuficiente para explicar determinados fenôme-nos políticos que ocorriam na época, como o nazismo, o fascismo, o socialismo, as crises do liberalismo e de representação política, a apatia e a alienação política dos cidadãos.

40 De acordo com o autor “é em torno deste paradigma que se movimenta e que se organiza a co-munidade deste campo científico, fazendo avançar o conhecimento acerca dos fenômenos políticos no interior do seu próprio sistema cosmológico”. Para os neoinstitucionalistas as instituições impor-tam decisivamente na produção de resultados políticos (PERES, 2008, p.53-54).

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A revolução comportamentalista foi uma reação a esta primeira abordagem das instituições. Sobretudo, a partir da Segunda Guerra Mundial, seus estudos passaram a enfocar a dinâmica real da política, com ênfase na investigação factual, na proposição de hipóteses testáveis e na busca de generalizações empíricas, incorporando novas técnicas mais avançadas de análise estatística, com pesquisas de opinião e, inclusive, incorporan-do o método comparativo na análise de diversos países (CHILCOTE, 1997). Pode-se dizer, então, que o comportamentalismo foi um movimento acadêmico de rejeição ao antigo institucionalismo, pois existia uma certa insatisfação em relação à Ciência Política conven-cional, especialmente, das abordagens históricas, filosóficas e de descrição institucional prevalecentes.

Peres destaca 4 fatores que contribuíram para a emergência do comportamentalis-mo: 1) a desvalorização por parte do governo norte-americano dos trabalhos de cientistas políticos institucionalistas da época; 2) a incapacidade que os teóricos institucionalistas ti-nham para explicar determinados fenômenos, como o nazismo, o fascismo e o socialismo; 3) a ineficácia que a aplicação do modelo norte-americano de democracia tinha em países não industrializados; 4) e a grande influência de pesquisadores europeus na nova forma-ção de cientistas políticos americanos e na condução de pesquisas sociais trazendo novas concepções teórico-metodológicas. Destaca-se, neste caso, numa visão multidisciplinar da ciência, bastante eclética, e pluralista, onde se atribuía relevância a outras teorias, socioló-gicas e psicológicas, para o entendimento da política (PERES, 2008, p.57).

Foi a perspectiva interdisciplinar que possibilitou o entrecruzamento de interesses das várias disciplinas (Psicologia, Sociologia, Antropologia, Economia e Ciência Política), eram vistas como as ciências do comportamento, integrando diferentes enfoques e me-todologias, uma vez que tinham algo em comum, ou seja, o interesse em explicar o com-portamento humano. O comportamentalismo, portanto, criticava a abordagem institucio-nalista da época, propondo uma teoria positiva e uma análise empiricamente orientada e bem mais rigorosa em termos conceituais. Sua proposta programática era de utilizar, de maneira pluralista, abordagens metodológicas de outras ciências que lhe estavam próxi-mas, como a psicologia, a sociologia e a antropologia, compondo a base sobre a qual se apoiaria sua maior cientificidade e reconhecimento social. Essa perspectiva possibilitou vá-rias contribuições à Ciência Política, tendo grande preocupação com a objetividade do co-nhecimento e com as generalizações indutivas consideradas essenciais à análise científica.

No final dos anos 1960, o comportamentalismo entrou em crise e surgiu o novo institucionalismo como um movimento de dupla rejeição: a ausência de cientificidade do antigo institucionalismo e a ausência do contexto institucional nas abordagens comporta-mentalistas, tanto as indutivas como dedutivas. Como afirmam Dimaggio e Powell (1991), este apareceu como uma reação contra a revolução behaviorista, buscando encontrar no-vas respostas para antigas questões, por exemplo, como as escolhas sociais são moldadas, mediadas e canalizadas por arranjos institucionais. As críticas ao comportamentalismo se concentravam, basicamente, no seu ecletismo teórico e em sua pretensão multidisciplinar, quebrando fronteiras disciplinares, impondo à Ciência Política perda de foco e especifici-dade analítica em relação às outras ciências do comportamento. A ideia era a de que se

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fez tabula rasa do contexto institucional da esfera estritamente política, onde a análise das preferências individuais não poderia explicar plenamente as decisões coletivas, as quais somente poderiam ser explicadas se entendido os mecanismos pelos quais as decisões individuais são agregadas e combinadas nas decisões coletivas. Submetido a testes e re-futações, as críticas ao comportamentalismo foram apresentadas, chegando-se a algumas constatações como mostra o quadro a seguir:

Quadro 1.1 – As principais críticas ao comportamentalismo

A negação de que a Ciência Política pudesse vir a ser uma ciência capaz de estabelecer leis como as ciências naturais.O comportamento seria apenas uma das dimensões do fenômeno político. A impossibilidade da quantificação de todos os dados relevantes à análise política.A discrepância entre as pretensões teóricas do comportamentalismo e os resultados de suas pesquisas.A necessidade de adoção de algum tipo de pesquisa aplicada.A necessidade de comprometimento moral do pesquisador com a pesquisa realizada, o que afastaria ou pelo menos relaxaria a premissa comportamentalista da radical neutralidade axiológica.A necessidade de uma redução dos enfoques multidisciplinares, a fim de manter a especificidade da análise da Ciência Política.Um excesso de rigor metodológico e teórico, o que poderia levar à anulação da criatividade do pesquisador e, consequentemente, à estagnação teórica e metodológica [uma clara preocupação com o contexto da descoberta e não apenas com o contexto da justificativa, segundo os termos popperianos].

Fonte: PERES, 2008, p. 61.

De acordo com Peres, a abordagem institucional ressurge, trazendo para o cen-tro do debate as instituições. Mas, agora sob uma nova roupagem, com as preocupações trazidas e evidenciadas pelo comportamentalismo, principalmente, em relação à cienti-ficidade. Do antigo institucionalismo, se manteve a centralidade das instituições para a explicação dos fenômenos políticos e, do comportamentalismo, o rigor teórico e dedutivo, a precisão conceitual, a orientação empírica da pesquisa.

Assim, as instituições políticas passaram a ser consideradas variáveis-chaves na explicação dos processos decisórios, inclusive, condicionando aquilo que estava, naquele momento, no centro das análises - o comportamento dos atores. Portanto, em síntese, o neoinstitucionalismo afirma que as instituições moldam e condicionam o comportamento individual, seja por constrangimentos ou, por restrições.

Os novos institucionalistas rejeitam a proposição de que um conjunto de carac-terísticas comportamentais, sociais, e psicológicas podem ser suficientes para explicar a ação individual e a ação coletiva. Conforme Steinmo (1997), os neoinstitucionalistas estão interessados em instituições sociais e estatais que moldam a maneira como os atores po-líticos definem seus interesses e estruturam as relações de poder com os outros grupos. Abrangendo outras dimensões institucionais, como as regras de competição eleitoral, a es-trutura do sistema partidário, e a relação de diversos setores do governo com a estrutura

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e organização de diferentes atores econômicos e sociais da sociedade como os sindicatos, por exemplo.

Os neoinstitucionalistas herdam a preocupação com o rigor metodológico e a orien-tação empírica do comportamentalismo, mantendo o foco nas instituições com acuidade científica. Mais do que constranger e restringir as ações dos indivíduos, as instituições moldam e estruturam as ações, limitando suas possibilidades, estruturando cada vez mais as preferências dos atores. Ainda, segundo Peres, em relação à preferência dos atores, é possível identificar duas perspectivas de análise. Na perspectiva sociológica, há um en-tendimento de que as instituições moldam as preferências e o que está em jogo são os processos da sua produção. Nela vai se dar maior atenção aos processos de socialização política. Enquanto, na Ciência Política, as instituições interagem com preferências já dadas, provocando um processo de transição destas, em relação aos objetos dentro de uma es-cala de utilidades, ou daquilo que ocuparia, o primeiro, segundo ou, terceiro lugar, numa escala dada de preferências. O que implica dizer que, ambas tomam as escolhas como possibilidades de análise, mas a diferença está no fato de que na Sociologia, as variáveis explicativas seriam exógenas à própria decisão e, na Ciência Política, tais variáveis seriam endógenas ao processo decisório. Para ele, a ideia básica que serve de núcleo epistemo-lógico e metodológico das análises, acerca dos fenômenos políticos, é de que os atores responderiam estratégica e moralmente a um conjunto de regras formais e informais que são circunscritas às instituições, pois estas moldam, condicionam e induzem os atores a agirem e decidirem de determinada maneira, o que acaba explicando, em grande parte, muito do que ocorre na dinâmica política atual (PERES, 2008, p.64-65).

1.2 Hall e Taylor e as Três Versões do Neoinstitucionalismo

Para Peter Hall e Rosemary Taylor (2003), o neoinstitucionalismo consolida-se na Ci-ência Política, enquanto uma nova abordagem a partir dos anos 1980. Constituindo-se em uma corrente de pensamento político não unificada, que compreende três vertentes: 1) Institucionalismo Histórico; 2) Institucionalismo da Escolha Racional; 3) Institucionalismo Sociológico. Segundo estes autores, pode-se compará-las, dando atenção a duas questões que são fundamentais em toda análise institucional: Primeiro, como se constrói a relação entre instituição e comportamento? E, segundo, como explicar o processo pelo qual insti-tuições surgem e se modificam?

Primeiramente, considerando a questão de como as instituições afetam o compor-tamento dos indivíduos, de fundamental importância para toda análise institucional, os autores estabelecem duas perspectivas básicas entre os neoinstitucionalistas: a perspecti-va calculadora e a cultural, as quais sumariamos no quadro a seguir.

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Quadro 1.2 – Como as instituições afetam o comportamento dos indivíduos?

Questões: Perspectiva Calculadora Perspectiva CulturalComo os atores se comportam?

Enfatiza os aspectos do comportamento hu-mano que são instrumentais e orientados no sentido de um cálculo estratégico. Indivíduos buscam maximizar seu rendimento com refe-rência a um conjunto de objetivos definidos e de acordo com suas preferências. Examinam todas as escolhas possíveis, com o fim de ob-ter o benefício máximo.

O comportamento jamais é inteiramente estratégico, mas limitado pela própria visão de mundo, própria ao indivíduo. Reconhecendo que o comportamento hu-mano é racional e orientado para fins, enfatiza-se o fato de que os indivíduos recor-rem com frequência a pro-tocolos estabelecidos ou, a modelos de comportamento já conhecidos, para alcançar seus objetivos. Enfatiza, ain-da, que o ponto de escolha de uma linha de ação depen-de da interpretação de uma situação, mais do que um cálculo, puramente utilitário.

Que fazem as insti-tuições?

Elas afetam os comportamentos dos atores ao oferecerem uma certeza quanto ao com-portamento presente e vindouro de outros atores. As instituições podem fornecer in-formações concernentes ao comportamento dos outros, aos mecanismos de aplicação de acordos, as penalidades, em caso de defec-ção, etc. Elas afetam o comportamento dos indivíduos, ao incidirem sobre as expectativas de um ator dado, no tocante às ações que os outros irão tomar em reação a sua própria ação.

“Fornecem modelos morais e cognitivos que permitem a interpretação e a ação. O indivíduo é concebido como uma identidade profunda-mente envolvida num mun-do de instituições, composto de símbolos, de cenários e de protocolos que forne-cem filtros de interpretação, aplicáveis à situação ou, a si próprio, a partir das quais se define uma linha de ação. Não somente as instituições fornecem informações úteis de um ponto de vista estra-tégico, mas também afetam a identidade, a imagem de si, e as preferências que guiam a ação” (p.198).

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Por que instituições se mantêm?

Porque elas postulam uma certa ordem, um certo equilíbrio. Os indivíduos aderem a tal modelo de comportamento, porque os indi-víduos perderiam mais se o evitassem. Assim, quanto mais uma instituição contribui, mais fortalecida ela tende a ser.

Explica a persistência das ins-tituições ao mostrar que elas não são objetos de decisões individuais. Enquanto cons-truções coletivas não podem ser transformadas de um dia para outro, pela simples ação individual. As institui-ções resistem a serem postas radicalmente em causa, por-que elas estruturam as pró-prias decisões concernentes a uma eventual reforma que o indivíduo possa adotar.

Fonte: Dados sistematizados pelo autor, com base nos argumentos de Hall e Taylor, (2003, p. 197-199).

1.2.1 O Institucionalismo Histórico

O Institucionalismo Histórico é a primeira corrente do pensamento neoinstituciona-lista, que se desenvolveu em reação à perspectiva estrutural funcionalista, predominante na época. Sua maior preocupação estava sobre as assimetrias do poder, sobre as desi-gualdades de acesso aos recursos por diferentes grupos. Ela tem dado especial atenção às instituições oficiais, como o Estado, com um poder de arbítrio sobre os interesses con-correntes. O Estado é visto, enquanto um complexo de instituições, capaz de estruturar a natureza e os resultados dos conflitos entre os grupos. Mais tarde, passou a verificar como outras organizações políticas e sociais como, por exemplo, as organizações do capital e do trabalho podiam estruturar as interações sociais de modo a engendrar situações políticas e econômicas particulares em cada país. Destaca-se o impacto das instituições no âmbito nacional, principalmente, aquelas que estruturam as relações entre legisladores, os inte-resses organizados, o eleitorado e o poder judiciário.

Os teóricos do institucionalismo histórico (STEINMO, 1992; SKOCPOL, 1985; PIER-SON, 2002), definem instituições como “procedimentos, protocolos, normas e convenções oficiais e oficiosas, inerentes à estrutura organizacional da comunidade política, ou da eco-nomia política”. Referem-se às “regras de uma ordem constitucional ou, dos procedimen-tos habituais de funcionamento de uma organização, até às convenções que governam o comportamento de sindicatos ou, as relações entre bancos e empresas”. Tendem a asso-ciar as instituições às organizações e às regras, ou convenções editadas pelas organizações formais (HALL & TAYLOR, 2003, p.196).

1.2.1.1 Principais Características do Institucionalismo Histórico

Relação entre as instituições e o comportamento concebidos em termos muito ge-rais. Recorrem a ambas perspectivas (calculadora e cultural), quando tratam da relação

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entre instituições e ações, mostrando que muitas convenções ligadas a instituições sociais, não podem ser vistas como objeto explícito de decisões individuais. Existem exemplos des-te tipo de análise (SKOCPOL, 1985; IMMERGUTH, 1992; HATTAM, 1993), que sugerem que as estratégias induzidas por um contexto institucional dado, podem se cristalizar ao longo do tempo, tornando-se visões de mundo.

Importância atribuída às assimetrias de poder. As instituições conferem a certos grupos ou interesses um acesso desproporcional nos processos de decisão. Geralmente são as instituições políticas que estruturam as categorias de interesse, representadas nos processos de decisão. Logo, a estrutura do sistema político favorece a constituição de cer-tas condições sociais, em detrimento de outras.

Causalidade Social: Defende-se uma causalidade social dependente da trajetória percorrida (path dependent). Atribui-se importância às propriedades do contexto local herdadas do passado, procurando identificar elementos de continuidade e as situações críticas – crises econômicas e militares – com capacidade de provocar mudanças de traje-tória. O institucionalismo histórico tem toda uma concepção particular do desenvolvimen-to histórico. Em que o desenvolvimento depende de uma trajetória já percorrida (path dependent). As instituições aparecem como integrantes permanentes da paisagem históri-ca, ao mesmo tempo um dos principais fatores que mantêm o desenvolvimento histórico sobre um conjunto de trajetos. Tentam explicar como as instituições produzem, estrutu-ram a resposta de uma dada nação a novos desafios, de como as capacidades do Estado e as políticas herdadas existentes, estruturam as decisões ulteriores, ou as condicionam.

Embora chame atenção sobre o papel das instituições na vida política, procuram situá-las numa cadeia causal que deixa espaço para outros fatores. Em particular, o desen-volvimento sócio-econômico e a difusão das ideias. Apresenta um mundo mais complexo que o universo de preferências e de instituições postuladas pelos teóricos da escolha racio-nal, estando sempre atento às relações entre as instituições, as ideias e as crenças.

1.2.2 O Institucionalismo da Escolha Racional

Paralelamente ao institucionalismo histórico, se desenvolveu também o institucio-nalismo da escolha racional (ARROW, 1963; OLSON, 1999; DOWNS, 1999). Esta perspec-tiva nasceu para responder a estabilidade das decisões e de maiorias estáveis na aprova-ção de leis dentro do Congresso norte-americano, buscando uma resposta pelo lado das instituições, pelo modo como as regras de procedimento e as comissões do Congresso estruturam as escolhas, as informações de que dispõem os seus membros. Desta forma, facilitando as negociações entre os parlamentares, reduzindo os custos de transação, na realização de acordos e resolvendo boa parte dos problemas da ação coletiva enfrentada pelos legisladores (MCCUBBITS e SULLIVAN, 198741). Nos anos 1990, outros temas rece-bem atenção dos teóricos da escolha racional (NORTH, 1990; TSEBELIS, 2009; WEIGAST,

41 Citados por HALL e TAYLOR, 2003.

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1997), como o comportamento das coalizões de governo, o desenvolvimento histórico das instituições políticas e a intensidade dos conflitos étnicos.

1.1.1.1 Principais Características do Institucionalismo da Escolha Racional

Existem 4 principais características ligadas a este enfoque que estão presentes na maioria das análises:

Os atores se comportam de modo inteiramente utilitário para maximizar a satisfa-ção de suas preferências. De um modo geral, postula-se que os atores pertinentes com-partilham de um conjunto determinado de preferências ou de gostos, utilizando-se com frequência, de estratégias que, pressupõem, um número significativo de cálculos para po-der satisfazê-las.

Tendem a considerar a vida política como uma série de dilemas da ação coletiva. Dilemas definidos como situação em que os indivíduos que agem de modo a maximizar a satisfação de suas preferências o fazem com um risco de produzir um resultado subótimo para a coletividade (no sentido de que um resultado ainda melhor poderia ser produzido, sem que ninguém fosse prejudicado). Isto se dá pela ausência de arranjos institucionais, que impedem o ator de perceber qual a melhor ação, ou o que seria a melhor opção, no plano coletivo.

Enfatizam o papel da interação estratégica na determinação de situações políticas. O comportamento seria determinado, não pela ação de forças históricas impessoais, mas por um cálculo estratégico, que considera o comportamento provável para os demais ato-res. Sendo que “as instituições estruturam essa interação ao influenciarem a possibilidade e a sequência de alternativas na agenda, ou a oferecerem informações... que reduzem a incerteza no tocante ao comportamento dos outros, ao mesmo tempo que propiciam aos atores ‘ganhos de troca’, o que os incentivará a se dirigirem a certos cálculos ou ações pre-cisas” (HALL e TAYLOR, 2003, p.206).”

Quanto à origem das instituições, tem um enfoque próprio para sua explicação. O processo de criação de instituições geralmente está centrado na noção de acordo voluntá-rio, entre os atores interessados. Explica-se a existência da instituição, ao valor atribuído a suas funções, pelo olhar dos atores que dela fazem parte, e que, ao mesmo tempo são influenciados por ela.

1.1.2 O Institucionalismo Sociológico

O institucionalismo Sociológico surge no quadro da teoria das organizações, ao final dos anos 1970, em contestação a uma distinção tradicional da esfera social, vista como reflexo de uma racionalidade abstrata de fins e meios, de tipo burocrático, e as esferas influenciadas por um conjunto de práticas associadas à cultura.

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Os teóricos desta vertente (COLE, 1989; DIMAGGIO & POWELL, 1991; SCOTT & MAYER, 1994), sustentam que as formas e os procedimentos institucionais modernos não são adotados simplesmente porque são eficazes, tendo em vista a função que devam cumprir, mas estas devem ser consideradas como práticas culturais, que são incorporadas pelas organizações. Desse modo, mesmo a prática mais burocrática deveria ser explicada nestes termos culturalistas. Seguindo nesta direção, explicam porque as organizações ado-tam um específico conjunto de formas, procedimentos, ou símbolos institucionais, com particular atenção à difusão dessas práticas.

1.2.3.1 Principais Características do Institucionalismo Sociológico

O institucionalismo sociológico tende a definir as instituições, de maneira muito mais global, do que os pesquisadores em ciência política costumam fazer, incluindo “os sistemas de símbolos, os esquemas cognitivos, os modelos morais, que fornecem padrões de significação, que guiam a ação humana”, revelando existir certa imbricação entre ins-tituições e cultura. Tal concepção reflete uma “virada cognitivista” no interior da própria Sociologia, sobre a concepção de cultura que passa a ser vista como “uma rede de hábitos, de símbolos e de cenários, que fornecem modelos de comportamento” (HALL e TAYLOR, 2003, p.209).

Tal abordagem tem um modo específico de encarar as relações entre instituições e a ação individual, considerando uma dimensão normativa e uma dimensão cognitiva do impacto das instituições sobre o comportamento humano. A primeira associa institui-ções aos papéis que indivíduos exercem dentro delas, que são regidos por normas e que influenciam o seu comportamento. A segunda refere-se ao fornecimento de esquemas, categorias e modelos cognitivos, indispensáveis para agir e sem os quais seria impossível interpretar o mundo e o comportamento dos outros atores. As instituições exercem influ-ência sobre o comportamento, não simplesmente ao especificarem o que se deve fazer, mas também, o que se pode imaginar fazer em determinados contextos. Trata-se de uma relação altamente interativa, onde os indivíduos se constituem, simultaneamente, como atores sociais, empreendendo ações dotadas de significado social, reforçando a convenção a que obedecem. É uma visão de que a ação está estreitamente ligada à interpretação, em que o indivíduo defrontado com uma dada situação, deve encontrar uma saída, e as insti-tuições lhe oferecem os meios para resolver isso.

Tem uma maneira específica de tratar do problema da explicação, do surgimento e da modificação das práticas institucionais. Sustenta-se que as “organizações adotam uma nova prática, por razões que têm menos a ver com o aumento da sua eficiência, do que com o reforço que oferece a sua legitimidade social e à de seus adeptos”. As organizações adotam formas e práticas institucionais particulares, porque elas têm um valor largamente reconhecido, num ambiente cultural mais amplo, podendo servir mais para satisfazer uma conveniência social do que uma lógica instrumental, por exemplo. Uma determinada es-colha institucional pode estar relacionada ao papel social, a concepção de mundo, ou ao

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próprio estilo de ser e de estar no mundo de seus agentes. A questão fundamental é saber o que confere legitimidade a determinados arranjos institucionais.

1.3 Comparando as Três Versões do Neoinstitucionalismo

Para os autores mencionados acima, Hall e Taylor, cada uma das perspectivas neoinstitucionalistas na Ciência Política apresenta vantagens e desvantagens, seja para compreender o problema da definição das relações entre instituições e comportamento, seja para explicar a origem e as mudanças das instituições. Primeiramente, considerando as dificuldades para compreender o problema das relações entre instituições e comporta-mento, o institucionalismo histórico tem uma concepção mais ampla, incluindo o enfoque calculador e culturalista. Seria mais eclético, porém dedica pouca atenção à compreensão de como instituições afetam o comportamento.

O institucionalismo da Escolha Racional, apresenta uma concepção mais precisa, mais sistemática dos conceitos que emprega em sua teoria. No entanto, corre o risco de passar ao largo de dimensões importantes do comportamento ao reduzir a explicação, em seus modelos preditivos, à uma imagem simplista das motivações humanas. Seus pontos fortes são: enfatizar que a ação política envolve a gestão da incerteza; demonstrar a im-portância dos fluxos de informações para as relações de poder e as situações políticas; e, em especial, dar relevo ao papel da interação estratégica na determinação de situações políticas, em que a intencionalidade das ações humanas tem seu peso, sem negligenciar o papel reservado às variáveis estruturais, sob a forma de instituições.

O Institucionalismo Sociológico, por outro lado, nos ensina que mesmo um ator for-temente utilitário, pode escolher estratégias de outro repertório (cultural), identificando novas possibilidades de influenciar do ambiente institucional sobre as escolhas estratégi-cas dos atores. Ilustra o impacto das instituições sobre o comportamento individual.

Quanto à explicação sobre a origem e as mudanças nas instituições, também é pos-sível identificar vantagens e desvantagens em cada uma das abordagens. A abordagem da escolha racional, enfatiza as funções e vantagens que as instituições oferecem. Sobretudo, são as vantagens que uma instituição propicia aos indivíduos que explicam sua permanên-cia. No entanto, torna-se limitada, ao tentar explicar a origem das instituições. A origem é explicada pelos efeitos decorrentes da sua própria existência. Por mais que estes efeitos sirvam para explicar a sua permanência, não se deve confundir, com a explicação da ori-gem das instituições, pois trata-se de duas explicações distintas. É uma abordagem extre-mamente funcionalista, que postula que as instituições existentes são as mais eficientes e para as ineficientes não existe explicação. Além disso, tende a apresentar a criação das instituições como um processo quase contratual, caracterizado por um acordo voluntário entre atores, relativamente iguais e independentes, subestimando o fato de que a assime-tria das relações de poder confere muito mais influência a certos atores que a outros, no processo de criação das instituições.

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Para o Institucionalismo Histórico e o Institucionalismo Sociológico, um e outro, sublinham que as instituições são criadas e adotadas num mundo que já às têm em abun-dância. Para o Institucionalismo Sociológico, parte-se desta constatação, para examinar o modo como as instituições existentes estruturam o campo de visão dos atores, que têm em vista, a criação ou a reforma institucional. Os atores que criam novas instituições, to-mam de empréstimo, elementos dos modelos de instituições existentes. Desenvolve-se uma concepção mais ampla das razões pelas quais uma instituição particular pode ser escolhida, que vai bem além das meras considerações de eficácia, para englobar o papel dos esforços interativos de interpretação e uma preocupação com a legitimidade social, o que permite ir mais longe na explicação dos numerosos casos de ineficácia, constatados em instituições sociais e políticas.

Ainda, segundo a perspectiva do Institucionalismo Histórico, chama a atenção para o modo como as relações de poder, inscritas nas instituições existentes, conferem a certos atores ou interesses mais poder do que a outros, no tocante à criação de novas institui-ções. Eles combinam com esse ponto de vista, uma concepção de influência de percurso que reconhece igualmente a importância dos modelos institucionais existentes, nos pro-cessos de criação institucional. A origem das instituições é apresentada de modo indutivo. Mergulhando-se nos arquivos históricos para encontrar as razões pelas quais seus funda-dores as criaram, buscando o significado atribuído pelos atores às suas próprias ações.

Nesse sentido, Hall e Taylor (2003, p.219), concluem o seu trabalho afirmando ser este o tempo de intensificar os intercâmbios entre as diferentes abordagens do neoinsti-tucionalismo, pois todas elas revelam aspectos importantes do comportamento humano e do impacto, que as instituições podem ter sobre ele. Segundo os autores, ao tornar mais flexíveis os postulados próprios de cada uma destas versões, é possível encontrar um terreno teórico comum, a partir do qual a análise das instituições de cada um desses enfoques poderia ser complementada ou reforçada pelas demais, existindo vários motivos para seguir acreditando, que ainda se tem muito o que aprender com todas elas.

Em artigo intitulado “As instituições entre as estruturas e as ações”, Bruno Tréret (2003), afirma que é possível encontrar um desenvolvimento semelhante do (neo)institu-cionalismo nas áreas de Economia, Ciência Política e Sociologia. Para ele, os novos institu-cionalismos se diferenciam a partir de duas posições: 1) o peso que atribuem na origem das instituições aos conflitos de interesse e de poder ou à coordenação entre indivíduos; e 2) ao papel que é atribuído à racionalidade estritamente instrumental ou às representa-ções e a cultura (THÉRET, 2003, p. 226).

De acordo com Théret, o novo institucionalismo compreende as instituições, en-quanto espaços de mediação, que precisam ser elucidados, para que se compreendam as ações dos indivíduos e suas manifestações coletivas. O autor chama atenção para o fato de muitos estudiosos das instituições prestarem pouca atenção à própria definição de ins-tituição. Em seu trabalho, apresenta algumas definições precisas do que são instituições, do ponto de vista dos economistas, sociólogos e cientistas políticos. Para além das frontei-ras, entre as abordagens dessas áreas de conhecimento, o autor aponta que as diferenças

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podem estar presentes, mais em uma mesma disciplina, do que entre elas, chamando a atenção para a redundância nas diferenciações entre as disciplinas, sinalizando para uma convergência entre as mesmas e, não apenas, na interface das correntes presentes em cada uma delas.

Examinando a dinâmica intradisciplinar, que leva ao encontro de diferentes pa-radigmas e, até mesmo, ao diálogo entre distintas abordagens, o que o autor verifica é uma convergência transdisciplinar, que nos remete a certo retorno ao pensamento insti-tucionalista original, ou seja, ao antigo institucionalismo. Para Théret, apesar dos novos institucionalismos atribuírem significados distintos às instituições, existem similaridades e evoluções convergentes entre os enfoques.

Conforme Théret (2003), os novos institucionalistas em Ciência Política, se di-ferenciam claramente uns dos outros, mas continuam mantendo relações bilaterais de naturezas diferentes. O Institucionalismo Histórico e o Institucionalismo Sociológico, por exemplo, fazendo a crítica ao Institucionalismo da Escolha Racional, recusando a atitude funcionalista na definição e no entendimento sobre a gênese das instituições, uma vez que, não se aceita a racionalidade instrumental como única explicação dos comportamen-tos. Também não consideram que as instituições são exógenas aos comportamentos dos indivíduos ou à conduta dos atores sociais.

Na sua visão, o Institucionalismo da Escolha Racional, é a extensão da Nova Econo-mia Institucional para o campo da Ciência Política. Embora, se desenvolvam de modos di-ferentes, diz ele, “compartilham do mesmo a priori em relação às instituições – do cálculo otimizador, assumindo uma posição instrumental, funcionalista e contratualista”. A gênese das instituições é interpretada como o resultado de uma congruência entre decisões indi-viduais, o resultado agregado do cálculo custo/benefício, como o produto de um contrato entre os agentes (THÉRET, 2003, p.232).

Sobre as convergências das abordagens, Théret salienta que o institucionalismo his-tórico, seria o pivô da evolução convergente, na integração dos paradigmas. Segundo essa perspectiva, os atores históricos selecionam instituições, em razão de fins instrumentais, a partir de mecanismos do institucionalismo sociológico e por meio de um conjunto de alter-nativas que se encontram historicamente disponíveis, através de um menu de alternativas institucionais já existentes. Também, para a escolha racional, se começa a levar em conta o papel das ideias e das visões de mundo, em seus modelos de jogos e jogadores envolvidos em contextos culturais específicos. Fatores como a cultura, a história, as ideias e as institui-ções fornecem as bases para um sistema de crenças compartilhadas. Desempenhando um importante papel, onde algumas soluções são mais prováveis, porque os atores creem que os outros também as escolherão. Dessa forma, a teoria da escolha racional, também deve estar pronta para alargar suas hipóteses, dando mais espaço para as dimensões herdadas e os aspectos cognitivos das instituições.

O instutucionalismo sociológico mais recente, por sua vez, tem dado atenção aos processos de legitimação e de reprodução institucional. Tem se esforçado para ampliar o

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foco, enfatizando os elementos políticos e estratégicos da ação e da mudança institucional. Procura articular, de modo mais consistente, o institucionalismo organizacional, a sociolo-gia geral, incorporando, na agenda, o papel dos interesses e do poder.

Portanto, na visão do autor, já existem indícios claros da busca de complementa-riedade, com relação às contribuições fornecidas pelas diferentes abordagens do neoins-titucionalismo para a análise dos fenômenos sociais. Seguindo nesta direção, da busca de convergências entre os diferentes paradigmas, de acordo com Théret (2003, p.247), é possível estabelecer uma posição mediana de instituição. Para tal, seria preciso que cada paradigma se utilize dos problemas dos outros, tentando respondê-los a sua maneira, a partir da sua problemática, pois é assim, a partir de respostas alternativas oferecidas a uma mesma pergunta, ou oferecidas a questões idênticas, que diversos paradigmas po-dem ser realmente comparados.

A perspectiva aberta pelas interdependências estruturais entre os diversos pólos dos paradigmas do institucionalismo atual, aponta para uma posição mais eclética e me-diana de instituição, considerando que se deve combinar o enfoque de cálculo e de cultu-ra, visto como o resultado de um conflito que utiliza tanto a convenção como a coopera-ção. Os institucionalistas históricos estariam mais próximos desta posição. As instituições favorecem comportamentos e transações estratégicas orientadas para o futuro, são assim mediações entre atores e estruturas, exercendo um duplo papel, como via de mão dupla, na relação entre ambos. Neste sentido, não seriam nem as instituições que determinam o comportamento dos indivíduos, nem o comportamento dos indivíduos que determinam as instituições, não existindo uma confluência recíproca entre ambos.

O autor lembra, que existe no antigo institucionalismo econômico, uma concep-ção de instituição que corresponde perfeitamente a uma postura eclética. John Commons (1990), define “instituição de forma ampla, como o resultado de toda transação entre pes-soas, envolvendo regras operativas que estabilizam a tensão entre as outras duas dimen-sões das transações, que são o conflito e a cooperação”. A instituição é “o que permite manter, estabelecendo limites, a tensão dinâmica entre os princípios do conflito e da co-operação, que são constitutivos das transações: as regras comuns aceitas pelos agentes nas transações introduzem princípios de ordem, que permitem que elas sejam operadas e reproduzidas no tempo”. Essa concepção de instituição, como regra da ação coletiva que controla, restringe, ou liberta a ação individual, permite explicar sua gênese nos de-sencontros da oposição conflito/cooperação, já que apesar de serem princípios de uma ordem estabelecida pelo conflito, funcionam também como convenções de cooperação e, portanto, como regras de coordenação” (THÉRET, 2003, p. 249).

Neste sentido, “as instituições são encaradas como redes cognitivas capazes de esti-mular a ação individual, ou seja, podem ser vistas como estruturas de estímulo. A partir da perspectiva de futuro, o projeto individual é valorizado, ao ponto que passa a fazer parte da representação da pessoa, incorporando as disposições, e a formação de habitus42, não

42 O conceito de habitus foi desenvolvido por Bourdieu (1992), com o objetivo de por fim à anti-

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podendo ser visto como sinônimo de incultação de normas de reprodução, corresponden-te a posições sociais e condutas individuais. É por isso que as instituições não são necessa-riamente obstáculos à inovação, mas podem ao contrário, estimular a mudança, inclusive, uma mudança profunda e radical” (THÉRET, 2003, p. 250). Uma concepção dinâmica de instituição pode, então, ser uma concepção extensiva das instituições, compreendendo (regulação do conflito, compromisso, convenção e cooperação). Sob uma concepção me-diana de instituição, ela pode ser tanto convenção para a cooperação, como forma de regulação do conflito para a ação coletiva estratégica e rotineira.

Tal compreensão de instituição torna-se, portanto, atraente para pensar novos ar-ranjos institucionais, que envolvem tanto a perspectiva de cooperação entre os atores nas relações entre Estado e Sociedade, entre diferentes grupos de interesse como capital/ tra-balho, além de outros setores organizados da sociedade civil e o governo. Bem como, a manifestação do conflito e o estabelecimento de regras de coordenação, através das quais, todos os atores podem se orientar, individual ou coletivamente.

Aceitando as sugestões presentes, tanto no artigo de Hall e Taylor (2003), como nas sugestões apresentadas por Théret (2003), no sentido de uma posição mediana de instituição, é possível desenvolver comparações, levando em conta a contribuição dos di-ferentes enfoques do neoinstitucionalismo, na Ciência Política. De um lado, enfatizando a importância dos contextos históricos, observando a trajetória e a conjuntura de cada país, ou local, onde instituições estão sendo criadas. E, por outro lado, examinando a decisão estratégica (instrumental), por parte dos atores que delas participam.

Observa-se, com base nas três versões do neoinstitucionalismo, que as instituições voltam a ser estudadas com renovado ímpeto nas últimas décadas. Dentre a diversificação teórica metodológica dessas três abordagens na, Ciência Política e das possibilidades e li-mites de cada uma delas, de uma maneira sintética, pode-se aferir duas premissas básicas, primeiro, que a história corrobora na conformação das instituições; e, segundo, que as instituições estruturam o comportamento político dos atores (PUTNAM, 2005).

Assim, às contribuições do neoinstitucionalismo sobre a gênese e evolução das ins-tituições, não implica, necessariamente, passar de imediato à análise sobre os seus con-textos de origem, explicando as mudanças que se dão no decorrer do tempo. Contudo, é possível ressaltar com as vantagens e desvantagens inerentes a cada uma das abordagens, aquilo que poderá ser útil para o desenvolvimento de uma análise institucional, o que se pode destacar é a importância do contexto histórico; a utilização da cultura e do cálculo, às estratégias dos atores, o conflito e a cooperação, etc.

nomia individuo/sociedade. O conceito de habitus que ele desenvolve ao longo da sua obra, corres-ponde a uma matriz determinada pela posição social do indivíduo, que lhe permite pensar, ver e agir nas mais variadas situações. O habitus traduz, dessa forma, estilos de vida, julgamentos políticos, morais e estéticos. Ele é, também, um meio de ação que permite criar ou desenvolver estratégiais individuais ou coletivas.

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Perante o contexto em que surgem estas instituições, busca-se compreender os motivos pelos quais são criadas, identificando o formato institucional, os atores que delas participam, os papéis que têm desempenhado e as razões pelas quais elas sobrevivem até hoje, além de verificar qual o seu diferencial, ou complementaridade, em relação a outras instituições já existentes, qual a sua contribuição para a democracia vigente e a evolução do debate, em torno deste tema, no Brasil e na América Latina.

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A EXPERIÊNCIA DE PLANEJAMENTO DO DESENVOLVIMETO REGIONAL NO RIO GRANDE DO SUL – O CASO DOS COREDES

Rogério Leandro de Lima da Silveira43, Sérgio Luis Allebrandt44,Ângela Felippi45

Este artigo tem como objetivo analisar a experiência de planejamento regional, desenvolvida nas últimas duas décadas no Rio Grande do Sul, por meio dos Conselhos Regionais de Desenvolvimento (COREDEs), trazendo a discussão sobre o planejamento regional, a trajetória do estado e o processo de construção dos planos de de-senvolvimento regional dos COREDEs, compreendendo seus avanços e limitações.

A EXPERIÊNCIA DOS COREDES

Os Conselhos Regionais de Desenvolvimento (COREDEs), constituem uma proposta de planejamento regional pioneira no país, exitosa e de longa duração – mais de duas décadas -, desenvolvida no Rio Grande do Sul. São 28 Conselhos distribuídos pelo estado, configurando divisões regionais do mesmo e articulando as diversas instituições públicas, privadas e da sociedade civil organizada, na elaboração de propostas de desenvolvimento, tornando-se referência em experiências de democracia direta. Para tal, os Conselhos re-alizaram planos estratégicos de desenvolvimento regional, sendo que o último foi objeto de estudo deste capítulo, observando, especialmente, a participação da sociedade civil e o estado.

43 Doutor em Geografia Humana pela UFSC, professor titular do Departamento de História e Ge-ografia, e pesquisador do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Regional da Univer-sidade de Santa Cruz do Sul (UNISC). Líder do grupo de pesquisa do CNPq, Grupo de Pesquisa e Estudos Urbanos Regionais (GEPEUR) e coordenador do Observatório do Desenvolvimento Regional. E-mail:[email protected] Doutor em Desenvolvimento Regional pela UNISC, professor titular do Programa de Pós-Gradu-ação em Desenvolvimento da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (UNIJUÍ). Líder do Grupo Interdisciplinar de Estudos em Gestão Pública, Desenvolvimento e Cida-dania (GPDeC) e coordenador do Programa de Extensão: Gestão Social e Cidadania. E-mail:[email protected] Doutora em Comunicação Social pela PUCRS. Professora adjunta do Departamento de Comunica-ção Social e do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Regional da Universidade de Santa Cruz do Sul (UNISC). Líder do grupo de pesquisa do CNPq - Desenvolvimento Regional e Processos Socioculturais. E-mail: [email protected]

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INTRODUÇÃO

O presente artigo apresenta, de modo sintético, os resultados obtidos com a pes-quisa “Estratégias de planejamento e gestão regional no Rio Grande do Sul: O papel do Estado e da sociedade civil, na elaboração dos planos estratégicos regionais de desenvolvi-mento”, realizada durante 2013 e 2014, com o apoio da Fundação para o Desenvolvimento de Recursos Humanos do Rio Grande do Sul (FDRH-RS), em parceria com a Fundação de Amparo à Pesquisa do Rio Grande do Sul (FAPERGS), através do Edital 16/2012.

A pesquisa foi desenvolvida, sob a coordenação do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Regional, da Universidade de Santa Cruz do Sul, em conjunto com pesquisadores dos seguintes programas de pós-graduação: Planejamento Urbano e Re-gional, da UFRGS; e Desenvolvimento, da UNIJUI. Também colaboraram na pesquisa, pes-quisadores da Universidade Federal de Santa Maria, do Centro Universitário UNIVATES e da Universidade Regional da Campanha, no âmbito do Observatório do Desenvolvimento Regional (OBSERVA-DR)46.

O objetivo da pesquisa, foi o de compreender como nos últimos anos têm ocorrido o desenvolvimento, das políticas públicas de planejamento regional, no território do Rio Grande do Sul, a partir do processo de construção e de implementação dos planos regio-nais de desenvolvimento pelos Conselhos Regionais de Desenvolvimento – COREDEs, em suas regiões de abrangência. Também se buscou analisar como a sociedade civil e Estado, participaram desse processo, bem como, compreender suas principais características, par-ticularidades, avanços e limitações.

O foco da pesquisa, foi o de analisar como os COREDEs construíram seus processos e instrumentos (planos) de planejamento e gestão do desenvolvimento regional, relativos ao período de 2009 e 2010, quando foi celebrado um convênio entre o Fórum dos CORE-DEs e o Governo do Estado do Rio Grande do Sul, para a produção de planos estratégicos de desenvolvimento regional, em cada uma das 28 regiões dos COREDEs, existentes no território do Rio Grande do Sul.

Diante do elevado número de conselhos regionais e a fim de realizar uma análise mais aprofundada, optamos metodologicamente, por examinar os processos recentes de planejamento regional, em 14 regiões selecionadas dos COREDEs. Os critérios de seleção foram a acessibilidade às fontes de dados, a escolha de ao menos um COREDE por região funcional de planejamento do Rio Grande do Sul, e os diferentes tempos de existência dos

46 O Observatório do Desenvolvimento Regional (OBSERVA-DR) é uma rede de pesquisa e de exten-são com foco no desenvolvimento regional do Brasil. Integram essa rede, atualmente, 25 Programas de Pós-Graduação em Desenvolvimento Regional e áreas afins, como é o caso dos três Programas de Pós-Graduação que participam dessa pesquisa. O OBSERVA-DR tem por objetivo construir e manter uma rede de estudos, contribuindo para a produção e a difusão de conhecimento e informações sobre os processos e as políticas públicas de desenvolvimento regional. A coordenação do OBSERVA--DR é do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Regional, da Universidade de Santa Cruz do Sul.

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COREDEs. Foram então selecionados os seguintes COREDEs: Alto da Serra do Botucaraí, Celeiro, Central, Encosta da Serra-Paranhana, Fronteira Oeste, Jacuí Centro, Litoral, Noro-este Colonial, Sul, Produção, Serra, Vale do Rio Pardo, Vale do Rio dos Sinos, Vale do Rio Taquari. A Figura 1 permite melhor visualizar a localização dos mesmos, no território do Rio Grande do Sul.

Figura 1.1 – Regiões selecionadas para a pesquisa

O presente arti go está assim consti tuído: inicialmente realizamos uma breve revi-são sobre os desafi os, mas também sobre a importância dos processos de planejamento regional no contexto da globalização da economia. Num segundo tópico, abordamos a experiência dos COREDEs e sua trajetória de planejamento regional. Por fi m, no últi mo tópico, apresentamos os resultados da análise documental dos planos regionais de desen-volvimento, bem como das entrevistas semiestruturadas, realizadas com atores regionais sobre a parti cipação da sociedade civil e o papel do Estado no processo de planejamento, realizado pelos COREDEs em suas regiões de abrangência.

2 GLOBALIZAÇÃO E PLANEJAMENTO: A IMPORTÂNCIA E OS DESAFIOS DA ESCALA REGIONAL

Vivemos um período de muitas e céleres transformações. Um tempo de intensa globalização econômica, de seleti va reestruturação produti va, e de desigual integração de mercados, cujos resultados têm sido muito diferentes, e mesmo desiguais, no que se refere ao processo de desenvolvimento nos e dos territórios. O atual contexto de amplia-ção e crescente complexidade da divisão da produção e das diversas formas de circulação de capitais, mercadorias, informações e pessoas, têm levado a uma maior diversifi cação, complexifi cação e diferenciação dos espaços geográfi cos, condicionando, assim, sua dinâ-

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mica de desenvolvimento em diferentes escalas espaciais: seja a do mundo, a do país, a dos estados, a das regiões e a dos municípios. (SANTOS, 1996).

A integração econômica, comercial e financeira dos mercados, viabilizada pela difu-são das modernas tecnologias, da flexibilização das legislações nacionais, e da aceleração da informação, por meio da expansão das redes técnicas de transporte e comunicação, tem promovido, simultaneamente, uma contínua ampliação dos espaços de consumo, e de especialização e seleção dos espaços de produção. Isso tem exigido níveis maiores de produtividade das empresas e melhores condições de competitividade dos países, das re-giões e das cidades, promovendo o predomínio de usos corporativos e de modos desiguais de apropriação do território. (SANTOS, 2000).

Essa dinâmica de desenvolvimento tem se caracterizado pela promoção e pelo agravamento das disparidades territoriais, pelo aumento da fragmentação territorial, pela ampliação das dependências e pelo reforço das interdependências entre cidades e entre regiões.

Nessa realidade complexa, não se sustenta o discurso e o argumento de que a região estaria perdendo importância, diante de uma provável e inexorável homogeneização dos espaços geográficos, decorrente da expansão do capital financeiro e transnacional, pelos diferentes espaços do mundo. Na verdade, como alerta Milton Santos, nesse contexto de um espaço geográfico tornado mundial, “o tempo acelerado, acentuando a diferenciação dos eventos, aumenta a diferenciação dos lugares (...) [e] as regiões são o suporte e a condição de relações globais, que de outra forma não se realizariam. Agora, exatamente, é que não se pode deixar de considerar a região”. (SANTOS, 1996, p.197)

Assim, se por um lado é importante que se aprofunde a discussão sobre os efeitos da globalização econômica sobre a estruturação e desenvolvimento dos espaços regionais, de outro lado, também se faz indispensável analisar e compreender como os territórios, nesse novo e cambiante contexto, constroem suas políticas e ações de planejamento e de desenvolvimento regional.

Certamente, muitos são os desafios para as regiões, diante desse contexto de cres-centes e contínuas mudanças econômicas e tecnológicas que alteram o sentido e a inten-sidade das relações existentes entre as diferentes regiões e cidades do mundo - trazen-do incertezas e dificuldades de integração, diante das eventuais limitações e deficiências desses espaços geográficos. Mas, por outro lado, também é verdade que esse mesmo contexto, também possibilita a esses mesmos espaços, novas oportunidades, a partir da valorização das potencialidades existentes. Nessa perspectiva, a ideia de planejamen-to territorial, não apenas se faz necessária, como também se mostra imprescindível ao desenvolvimento desses espaços regionais.

Mas qual ideia de planejamento valorizar?

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Diante da velocidade das mudanças estruturais em curso, do grau de incertezas quanto ao futuro, da forte interdependência dos lugares e dos processos, e do compromis-so com as gerações futuras, há a necessidade de se repensar a prática tradicional de plane-jamento e de avançarmos no sentido de construirmos novas abordagens, que justamente deem conta da complexa realidade em que estamos inseridos.

Entendemos que a proposta de Planejamento Estratégico-Participativo, em uso em vários países, inclusive no Brasil, se afirma e se legitima como instrumento de planejamen-to e de gestão, a ser desenvolvida em conjunto com a sociedade. Nesse sentido, podemos destacar e distinguir, a partir das contribuições de Almeida et al (1993), de Merhy (1995), e de De Toni (2001), alguns dos pressupostos teóricos e metodológicos, que fundamentam tanto essa como aquelas concepções mais tradicionais de planejamento.

De uma maneira geral, podemos dizer que os modelos tradicionais de planejamen-to se caracterizam pelo fato de serem extremamente normativos, impessoais e pretensa-mente neutros, uma vez que baseiam seus resultados e interpretações no determinismo da racionalidade técnica e instrumental, do próprio modelo de planejamento.

Tais modelos também defendem que o planejamento pressupõe a existência de um sujeito planejador, via de regra, o Estado, e de um objeto em que o planejamento in-cide – uma determinada realidade econômica e social. Para essas concepções, os demais agentes sociais e econômicos apresentam um papel eminentemente passivo e previsível, na medida em que seguem leis e obedecem a prognósticos de teorias sociais bem conhe-cidas. Ou seja, mesmo que o sistema gere incertezas ou variáveis imprevisíveis, essas serão numeráveis e previsíveis, diante da realização de um diagnóstico verdadeiro e objetivo. Portanto, não haveria risco, de que variáveis imprevisíveis, venham afetar a governabili-dade almejada. A governabilidade é garantida pela legitimidade do projeto político e pelo embasamento técnico-instrumental, do modelo de planejamento adotado.

Numa outra perspectiva, a concepção de planejamento, estratégico e participativo, baseada na elaboração teórica do economista chileno Carlos Matus (1997), através de seu Planejamento Estratégico Situacional – PES, propõe uma abordagem, em termos de plane-jamento, que busque compreender a complexa realidade em que vivemos, modificando-a.

Nessa concepção estratégica de planejamento parte-se da ideia-chave de que na realidade social existem inúmeros agentes que planejam, a partir de objetivos específicos. Nesse contexto, tem-se o componente da permanente incerteza que vai exigir uma inten-sa elaboração estratégica e um potente sistema de gestão. Assim, há a necessidade de frequentemente se redimensionar, agregar, combinar diferentes operações, em diferentes estratégias. Em vez do diagnóstico tradicional, vamos ter explicações situacionais, onde em função das distintas capacidades de planejamento dos atores sociais, a explicação da realidade, implica em diferentes graus de governabilidade, em relação ao sistema social existente. Para essa concepção deve-se concentrar a atenção na conjuntura, no embate dos atores sociais. Assim, o “contexto conjuntural do plano representa uma permanente

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passagem entre o conflito, a negociação e o consenso, é onde tudo se decide” (DE TONI, 2001, p.147).

Nesse sentido, o planejamento não é prerrogativa única do Estado, nem apenas de uma dada classe social dominante. O planejamento, na medida em que não depende exclusivamente de variáveis econômicas, pode ser exercido por qualquer indivíduo, seg-mento ou grupo social, uma vez que cada um deles possui maior ou menor capacidade de planejamento e/ou de habilidades institucionais. (FORTES, 2001).

No Brasil, essa concepção de planejamento estratégico e participativo aplicada ao território, começa a ser empregada apenas a partir dos anos noventa do século passado, notadamente na escala municipal, e limitada, basicamente, ao planejamento e ao geren-ciamento urbano. Na escala regional, o emprego desse modelo de planejamento, pode-se dizer, ainda é um verdadeiro desafio.

Muitas são as dificuldades, tanto dos municípios, como das regiões em poder dis-por de condições mínimas adequadas à sua realização e implementação. Além da falta de visão e de vontade política em deflagrar esse processo de transformação da gestão munic-ipal e regional, muitas vezes não há lideranças, nem tampouco, um quadro de servidores públicos, suficientemente capacitados e qualificados para auxiliarem nessa tarefa. Não são menos importantes recursos financeiros mínimos, sensibilidade social e um forte sentido comum que garantam a sustentabilidade de uma iniciativa de tal envergadura (PFEIFFER, 1999).

Além disso, na escala regional, acrescem-se ainda obstáculos de outra ordem. Como articular interesses sociais e econômicos diversos organizados em territórios mu-nicipais distintos? Como lidar com a disputa acirrada dos municípios por investimentos privados, verbas estaduais ou federais? Como sensibilizar os prefeitos municipais e o con-junto das demais lideranças da sociedade civil regional para viabilizar tal proposta? Enfim, como planejar um projeto de desenvolvimento regional que assegure a identidade e a sustentabilidade plena da região?

Assim, e de acordo com essa perspectiva teórica e metodológica, entendemos que a proposta de planejamento estratégico e participativo regional, em curso nas regiões do Rio Grande do Sul, tem buscado encontrar as respostas para essas questões, de forma a vi-abilizar um projeto de desenvolvimento, que efetivamente assegure às regiões, condições efetivas de crescimento econômico, aliado à sustentabilidade plena de sua comunidade e de seu ambiente.

Daí a importância de analisarmos e de compreendermos como esse modelo de planejamento estratégico e participativo vem sendo implementado nas regiões dos CORE-DEs do nosso Estado, quais têm sido suas características e particularidades, seus avanços e limitações.

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2 A TRAJETÓRIA DO RIO GRANDE DO SUL EM PLANEJAMENTO REGIONAL E A EXPERIÊNCIA DOS COREDES

Diversos estudos têm abordado, ao longo do tempo, as políticas voltadas à questão regional, no Rio Grande do Sul. Como mostram alguns estudiosos das questões do de-senvolvimento (MESQUITA, 1984; NYGAARD, 1990; DALMAZO, 1991, 1992; SIEDENBERG, 2000; RÜCKERT, 2002; VEIGA, 2006; MUÑOZ, 2007; ALLEBRANDT, 2010; CARGNIN, 2014), a partir da década de 1970, surgiram diversas propostas de regionalização, direcionadas para o planejamento do desenvolvimento regional, no Rio Grande do Sul.

Em 1974, surgiu o Sistema de Desenvolvimento Regional Urbano (Sisdru), decor-rente do estudo denominado Proposição de Organização Territorial do Estado para Fins de Programação Regional e Urbana, elaborado pela então Secretaria do Desenvolvimento Re-gional e das Obras Públicas. Como afirma Cargnin (2014), tratou-se de amplo estudo que propunha um modelo de organização regional e hierarquia urbana, baseada nos conceitos de região polarizada e região homogênea.

Ainda em 1976, destaca-se a criação da Federação das Associações de Municípios do Rio Grande do Sul (Famurs), a partir das então 14 Associações de Municípios já exis-tentes (hoje são 27 Associações). As associações de municípios foram e são importantes no processo de organização supramunicipal das administrações públicas locais, e a Famurs exerce papel importante de intermediação das demandas municipais com os órgãos esta-duais e federais, com o Governo estadual e com o Parlamento gaúcho. A atuação da Fa-murs e das Associações de Municípios impacta o processo de desenvolvimento das regiões gaúchas.

Em 1987, já no período de redemocratização, durante o governo Simon (1986/1990), foi elaborado o Programa Estadual de Descentralização Regional (PEDR). O PEDR tinha por preocupação a regionalização e descentralização administrativa do governo estadual, além de implantar em cada região um processo de planejamento para o seu desenvolvimento.

O PEDR não chegou a ser regulamentado e implantado. Resistências de ordem po-lítica, administrativa e corporativa foram decisivas. No aspecto político, estava presente uma reação dos deputados estaduais, que temiam uma concorrência de liderança regional com os coordenadores regionais que seriam indicados pelo governador. A região passaria a ter um canal institucional para suas demandas, o que na visão dos deputados, fragilizava seu papel político de intermediador. Este conflito, estabelecido entre a democracia repre-sentativa e a democracia participativa, era muito forte naquele momento histórico, apesar do discurso participativo e descentralizante da constituinte federal e das constituintes es-taduais, já em curso naquele momento. No aspecto administrativo, a reação dos diferen-tes órgãos de desconcentração, que ficariam submetidas, não só às decisões dos órgãos setoriais aos quais se subordinam funcionalmente (secretarias ou estatais), mas também a um coordenador regional. Os órgãos também argumentavam o rompimento das séries históricas de dados estatísticos, já que em muitos casos a reestruturação significava ade-quações na composição dos municípios, que integravam os diferentes recortes organiza-

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tivos das diferentes secretarias. Este último aspecto, de caráter administrativo, ao mesmo tempo era político, pois não havia entendimento entre os prefeitos e comunidades locais, com relação aos municípios pólos das diferentes regiões, e as comunidades locais também não abririam mão, facilmente, de perder a sede de uma delegacia ou coordenadoria, daí a dificuldade em unificar a territorialidade das estruturas setoriais do Estado (problema presente até hoje). Ligado a isso, a resistência corporativa natural dos servidores, pois o processo poderia causar desacomodações, e havia a presença da inércia burocrática (AL-LEBRANDT, 2010).

Outro aspecto importante no governo Simon foi a criação, no início de 1987, da Secretaria Extraordinária para Assuntos de Ciência e Tecnologia, e de sua transformação em Secretaria de Ciência e Tecnologia em agosto de 1990. A discussão sobre o desenvol-vimento regional no Rio Grande do Sul já vinha sendo levada a efeito no final dos anos 80, com forte envolvimento de alguns atores sociais regionais (especialmente as universida-des comunitárias e parcela do empresariado mobilizado por aquelas). Exemplo disso, é a discussão sobre a regionalização dos recursos públicos estaduais, na área da Ciência e Tecnologia, até então concentrada na Fapergs e voltada, quase que exclusivamente, para o atendimento a projetos de pesquisadores lotados nas grandes universidades federais, especialmente a UFRGS. A partir de 1989, o governo estadual, em parceria com o sistema de ensino superior do Estado, inicia a implantação do Programa de Polos de Modernização Tecnológica. Para Rückert (2004), a política de polos estava consubstanciada na concepção de gestão pública descentralizada e de construção de vantagens competitivas sistêmicas territoriais. As ações em torno da criação dos polos fortaleceram, sobretudo, o modelo de Universidade Comunitária, que naquele momento histórico consolidavam seu processo de regionalização aliado à definição das vocações regionais, especialmente com a introdução da visão de vocação tecnológica, que visava a alavancagem do desenvolvimento regional, e que viabilizou um amplo movimento de mobilização regional na discussão do desenvol-vimento e na definição de vocações relacionadas a inovações tecnológicas, em torno das quais se organizavam os polos e as novas áreas de atuação das universidades regionais (ALLEBRANDT, 2010).

Na proposta dos Conselhos Regionais de Desenvolvimento (COREDEs), nascida du-rante a campanha eleitoral para governador em 1990, a discussão sobre a descentraliza-ção, o planejamento e a gestão do desenvolvimento regional, a promoção do desenvol-vimento, a partir das regiões e a avaliação positiva do processo de implantação de polos tecnológicos, foi decisiva. Além disso, o candidato Collares, vencedor do pleito, já expe-rimentara a tentativa de implantação dos Conselhos Populares, concebidos como instru-mentos de democracia participativa e de interação da sociedade com o governo, quando Prefeito de Porto Alegre.

A proposta dos COREDEs foi implantada gradativamente a partir de 1991, e encon-tra-se em desenvolvimento até hoje, tendo sobrevivido a seis governos estaduais e atuan-do, atualmente, em parceria com o sétimo governo.

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Logo no início de 1991, a equipe técnica do novo governo, elaborou um estudo técnico, em que propunha três possibilidades para a organização do estado: uma com oito regiões, uma com doze e a terceira com 22 regiões. O Governador Collares, em diversas ocasiões, defendeu a proposta de dividir o estado em 12 regiões. No entanto, desde o iní-cio, percebeu-se que a proposta de criação dos conselhos, ainda nascida formalmente nos debates de campanha e incluída formalmente como política pública no plano de governo, fora imediatamente assumida pelas comunidades regionais, passando a ser protagonizada pela sociedade civil organizada.

Estava presente a visão de que o planejamento é entendido como um elemento crucial para o processo de desenvolvimento e a região como um elemento-chave, para via-bilizar o processo de planejamento e de realização desse desenvolvimento. Assim, ainda que possa existir a indução de um processo de desenvolvimento de modo exógeno, sua concretização só se dá endogenamente. Neste sentido, é fundamental para uma região ser entendida como região de planejamento do desenvolvimento que estejam presentes estes aspectos do processo de legitimação e, em especial, o sentimento de pertencimento dos diferentes municípios e comunidades que a integram. Se o desenvolvimento é feito pelas pessoas, depende do sonho, do desejo, da vontade, da adesão, das decisões e das escolhas das pessoas, então o protagonismo local é elemento crucial, já que o desenvolvimento é um fenômeno que resulta das relações humanas (ALLEBRANDT, 2010).

Assim, as regiões foram organizadas a partir do debate público, desenvolvido ao longo de 1991, culminando com a criação formal de 17 COREDEs entre junho e dezembro daquele ano. Ainda no final de novembro de 1991, foi realizado em Ijuí, o Seminário Esta-dual sobre Planejamento e Orçamento Regionalizado47. Primeira oportunidade de reunião das diretorias dos conselhos já constituídos ou em processo de constituição, foi lançada a ideia de organizar uma instância estadual, culminando com a criação do Fórum dos CORE-DEs já no mês de março de 1992. O Fórum assumiu, desde o início, um papel fundamen-tal no processo de promoção do desenvolvimento regional, no âmbito do estado gaúcho, garantindo unidade do movimento corediano e constituindo-se na principal instância de intermediação com os órgãos estatais e com o governo estadual. A elaboração, a cada quatro anos (durante a campanha eleitoral para governador do estado), do documento PRO-RS48, que apresenta a visão da sociedade sobre desenvolvimento das regiões e do es-tado, constitui-se em instrumento importante, que impacta a agenda pública, em termos de políticas sobre o desenvolvimento regional.

47 O Seminário foi promovido por três Secretarias de Estado (Indústria e Comércio, Coordenação e Planejamento e Fazenda), pela Assembleia Legislativa e pelo Corede Noroeste Colonial. Os objetivos do Seminário foram: Oportunizar entendimento da Constituição do Estado a respeito do Planeja-mento e Orçamento Regionalizado e explicitação do posicionamento do Poder Público Estadual a respeito do assunto para debater com a liderança gaúcha; Criar condições para continuidade do processo de estruturação dos Conselhos com vistas à instrumentalização para o desenvolvimento regional; Oportunizar encontro de todas as Diretorias dos Conselhos de Desenvolvimento, para per-muta de experiências e definição de ações conjuntas (RELATÓRIO TÉCNICO, 1991 apud ALLEBRANDT, 2010) 48 Em sua quinta versão, o PRO-RS V foi publicado em 2014.

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Em 1994, com 21 Coredes organizados, que cobriam o território gaúcho, com exce-ção da região metropolitana, a Lei estadual nº 10.283, reconheceu e instituiu formalmente os conselhos. No final de 1996, foi criado o 22º Corede (Metropolitano Delta do Jacuí). Entre 2002 e 2008, ocorreram algumas divisões regionais com a criação de seis novos con-selhos, totalizando os atuais 28 COREDEs, no âmbito do estado.

A partir de sua constituição os COREDEs participaram, em menor ou maior grau, do debate (e em diversos casos das deliberações), sobre as políticas de planejamento e desenvolvimento regional no estado, tanto no que se refere às políticas estaduais quanto às políticas de âmbito nacional.

Cargnin (2014), descreve e analisa as principais políticas de planejamento e desen-volvimento regional das duas últimas décadas.

Na década de 1990, algumas políticas voltaram-se, especialmente, para a meta-de sul do estado. Ainda em 1994, por meio do Decreto 35.707, foi instituído o Projeto Articulado de Desenvolvimento para as regiões da Campanha, Central, Fronteira Oeste, Centro-Sul e Sul do Estado. Em 1996, foi instituído o Programa de Fomento e Reconversão Produtiva da Metade Sul do Estado do Rio Grande do Sul (Reconversul), que se constituiu na principal ferramenta de ação para a modificação do quadro existente na Metade Sul, contando inicialmente com 120 linhas de crédito do BNDES, com taxas altamente subsidia-das. Em 1998 o Programa de Desenvolvimento e Reestruturação Econômica para a Metade Sul, deu continuidade a diversas ações, de forma integrada, entre União e Estado do Rio Grande do Sul.

A política federal, que abarca partes do território gaúcho, em seus processos de planejamento para o desenvolvimento regional é a relativa às Mesorregiões. A atuação em Mesorregiões Diferenciadas em diversas partes do Brasil, surge a partir das diretri-zes presentes no PPA 2000-2003 e é uma iniciativa do Ministério de Integração Nacional (MIN), através da Secretaria de Programas Regionais (SPR) com o Programa de Promoção da Sustentabilidade de Espaços Sub-Regionais (Promeso) (MINISTÉRIO DA INTEGRAÇÃO NACIONAL, 2007). As Mesorregiões Diferenciadas constituem-se em subespaços político--institucionais criados na busca de uma ação territorial mais efetiva e coordenados das políticas públicas com o objetivo de contribuir para a redução das desigualdades regionais, promovendo novas dinâmicas de desenvolvimento. A Mesorregião Grande Fronteira do Mercosul (MesoMercosul), que abrange o norte do Rio Grande do Sul (223 municípios), o oeste de Santa Catarina (131 municípios) e o sudoeste do Paraná (42 municípios), e a Mesorregião da Metade Sul do Rio Grande do Sul (MesoSul) que abrange 105 municípios, integram dois terços dos municípios gaúchos neste Programa. Em 2001, a MesoSul cria o Fórum de Desenvolvimento Integrado e Sustentável da Metade Sul do Rio Grande do Sul, e em 2002, a MesoMercosul instala o Fórum de Desenvolvimento Integrado e Sustentável da Mesorregião Grande Fronteira do Mercosul, como espaços de discussão, responsável pela identificação, pela priorização e pelo encaminhamento das demandas locais e acom-panhamento da implementação de projetos. Ambos os Fóruns são protagonizados, no es-tado, pelos COREDEs e pelas universidades regionais.

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Em 1998, por meio do Decreto 38.438, é instituída a Política de Desenvolvimento Regional do Estado do Rio Grande do Sul. Cargnin (2014), considera esta política um dos instrumentos formais mais completos para a redução das desigualdades regionais no es-tado. Visando incentivar o desenvolvimento mais equilibrado entre as regiões, tornava elegíveis para a implementação dos instrumentos da política as que apresentassem PIB per capita inferior a 80% do PIB per capita estadual. Os instrumentos da política eram o Fundo de Desenvolvimento Regional (FDR), o Fundo Operação Empresa (Fundopem) e o Fundo do Programa Integrado de Melhoria Social (Fundopimes), além da regionalização dos investimentos, por meio da Consulta Popular.

O FDR, ainda que constasse formalmente dos orçamentos estaduais até 2008, nun-ca chegou a ser capitalizado, nem executado. Em 2015, diversos fundos estaduais foram extintos, entre eles o FDR e o Fundopimes.

Em 1999, com a mudança de governo, foram realizados seminários nas 22 regiões dos COREDEs então existentes, visando à definição de uma nova política de desenvolvi-mento regional. Estes seminários restringiram-se ao levantamento de gargalos e potencia-lidades de cada região. Além disso, o instrumento principal para a definição participativa de alocação de recursos, passou a ser o Orçamento Participativo Estadual (OPE) que subs-tituiu a Consulta Popular. Nesse processo foi questionada a legitimidade dos COREDEs, en-quanto principal ator de representação regional. Apenas, após amplo embate foi elabora-do um Termo de Acordo entre Governo e COREDEs, regulando a participação dos mesmos no processo do OPE. Paralelamente, no entanto, houve intensa participação dos COREDEs na elaboração do PPA estadual.

Em 2001, foi instituído Grupo de Trabalho para as Regiões Menos Desenvolvidas (G7 Menos) com vistas a propor ações para as regiões escolhidas com base no PIB pc infe-rior a 80% da média estadual.

Desencadeado pelo novo governo, que assumiu em 2003, foi desenvolvido por consultoria internacional, o Estudo de Desenvolvimento Regional e Logística para o Rio Grande do Sul (Rumos 2015), visando a estruturação de políticas públicas e ações privadas, voltadas à redução das desigualdades regionais, aumento da competitividade econômica, ampliação da capacidade logística e melhorias na governança regional. Uma das contribui-ções importantes do Rumos 2015, foi a instituição de nove Regiões Funcionais de Planeja-mento (RFP), um recorte espacial mais agregado, mas que respeitava os limites territoriais dos COREDEs que integravam cada RFP. No âmbito do Rumos 2015, foi proposto o instru-mento de Compromisso de Planejamento Regional (acordo entre o estado e as regiões), tendo sido discutidos em três RFP, mas assinado apenas na RFP 5. Com a troca de governo, no entanto, mesmo nesta região, o processo foi interrompido.

No governo que assumiu em 2007, não houve uma política específica voltada à questão regional e à discussão das desigualdades regionais. No entanto, como apontam Cargnin (2014 e Allebrandt (2010), em 2007 os COREDEs participaram do esforço de dis-cussão regionalizada do PPA 2008-2011. A Secretaria de Planejamento e Gestão (Seplag)

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apresentou o PPA, de forma regionalizada, introduzindo os Cadernos de Regionalização. Foram realizados seminários nas nove Regiões Funcionais de Planejamento, em conjun-to com a Seplag, debatendo com a comunidade regional. Para efeito da elaboração dos Cadernos de Regionalização do PPA 2008-2011, a regionalização dos indicadores, ações e metas passíveis de serem regionalizados, foi definida por duas escalas de abrangência: pe-las nove Regiões Funcionais de Planejamento, e pelos então 26 COREDEs. Os Cadernos de Regionalização foram publicados e disponibilizados para consulta, nos portais do Governo.

Também foi durante esse governo, que os COREDEs conseguiram concretizar a ela-boração dos planos estratégicos de desenvolvimento das suas regiões. Após negociações com o governo, foi assinado protocolo e convênio, que viabilizou o repasse de recursos por parte do governo aos COREDEs para que os mesmos pudessem custear as despesas da elaboração de 2649 planos estratégicos de desenvolvimento.

Os planos, concluídos em 2010, constituíram-se num dos insumos para a elabo-ração do Plano Plurianual Participativo do governo, que assumiu em 2011. Em 2014, os Coredes acordaram com o governo a destinação orçamentária de oito milhões de reais, para custear o processo de atualização dos planos estratégicos regionais em 2015. A con-cretização deste processo está sendo negociada com o atual governo, apesar do contin-genciamento de boa parte do referido recurso.

Verifica-se que existem muitas relações entre os COREDEs e os diferentes governos gaúchos, das duas últimas décadas, especialmente no que concerne aos temas do plane-jamento e desenvolvimento regional e das dinâmicas propostas para atuar nesta temática, em especial na relação e ação, integrada ou não, com os Conselhos Regionais de Desen-volvimento.

Constata-se que a temática do desenvolvimento regional sempre esteve presente em algum grau, tanto nas intenções programáticas dos governos gaúchos, como nas polí-ticas, efetivamente concretizadas, ao longo dos diferentes governos. Ainda que diferentes teorias econômicas e sociais orientaram as intenções dos governos, aproximando-se, ora mais de uma visão neoliberal e ora de uma visão mais desenvolvimentista, todos os go-vernos mantiveram relações com os COREDEs durante seus governos. Independente das posturas ideológicas adotadas, houve avanços no sentido de qualificar o processo de defi-nição das políticas públicas de desenvolvimento regional e na dinâmica do planejamento regional.

Pode-se considerar, como marcos desse processo, os planos estratégicos de de-senvolvimento, elaborados pelos COREDEs, para suas regiões em 2009/2010, a utilização e incorporação das diretrizes e programas desses planos no PPA 2012-2015, a inclusão de recurso no orçamento estadual de 2015, para a atualização desses planos, com a recomen-dação de que também sejam elaborados os planos de desenvolvimento dos municípios integrantes de cada COREDEs, em articulação com os COMUDEs de cada região.

49 Dois COREDEs não firmaram convênio.

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GESTÃO PÚBLICA E DEMOCRACIA

No entanto, há necessidade de avanços na relação entre governo estadual e a rede de COREDEs e COMUDEs, no sentido de trazer mais efetividade às políticas públicas explí-citas ou implícitas de desenvolvimento regional, buscando maior integração com as esfe-ras local e nacional do Estado, e qualificando os processos participativos de elaboração dos instrumentos para a gestão das políticas públicas. É neste sentido que na próxima unidade apresenta-se resultados da pesquisa que buscou compreender a construção e a imple-mentação dos planos estratégicos e, nesse processo, a participação da sociedade civil.

3.OS PLANOS ESTRATÉGICOS DE DESENVOLVIMENTO REGIONAL

A partir do apoio da literatura sobre planejamento regional, de uma ampla coleta de dados primários, composta de 48 entrevistas semiestruturadas50, realizadas de forma presencial, com atores sociais, relacionados a 13, dos 28 COREDEs existentes no estado, e de análise documental, com o exame de 14 planos estratégicos de desenvolvimento re-gional de 2009-2010, buscou-se compreender a construção e a implementação dos planos estratégicos e, nesse processo, a participação da sociedade civil.

3.1 Análise Documental

Num primeiro momento, realizou-se a análise documental, por meio do exame dos planos estratégicos de desenvolvimento regional, a partir de uma metodologia desenvol-vida pelo grupo de pesquisa, constando, entre outros instrumentos, de um roteiro de 38 questões fechadas, utilizando a escala Likert unipolar, com cinco opções51. As questões abordavam aspectos do diagnóstico elaborado durante a realização do plano estratégico e da metodologia de elaboração do plano em si, bem como questões sobre sua implemen-tação. Os planos estratégicos analisados foram os dos 14 COREDEs selecionados para a pesquisa, já mencionados no artigo.

Os planos estratégicos, em geral, são compostos de quatro partes: (1) de um diag-nóstico técnico-situacional (aspectos físicos, naturais, culturais, demográficos, de infraes-trutura, econômicos, políticos, sociais e institucionais); (2) da análise geral do campo de forças; (3) da elaboração da visão, missão, vocação, princípios, valores e macrodiretrizes, objetivos específicos, programas e projetos; (4) do apontamento da governança do pla-no. Os planos examinados, no geral, contemplavam, com maior ou menor detalhamento, essas quatro partes. As variações nos modelos de planos se deram, em parte, porque os COREDEs seguiram dois diferentes modelos de elaboração, o indicado pelo Fórum dos CO-

50 Da totalidade de entrevistas, uma teve o áudio comprometido e não pode ser utilizada. O recorte inicial de 14 COREDEs foi mantido, parcialmente, nesta parte da pesquisa, porque, num deles, do Jacuí Centro, não foi possível realizar as entrevistas.51 A metodologia desenvolvida está descrita no livro Observando o planejamento regional no Rio Grande do Sul: uma análise da experiência recente dos Conselhos Regionais de Desenvolvimento (COREDEs), organizado pelos autores deste artigo, pela Edunisc, em 2015, e disponível em http://www.unisc.br/portal/upload/com_editora_livro/ebook_coredes_final.pdf.

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REDEs e o do Instituto Latino-americano e do Caribe de Planificação Econômica e Social (ILPES), sendo que em alguns casos, foi realizada uma fusão dos dois modelos. Nem sem-pre os planos deixaram claro, a qual metodologia se filiaram.

Observando a primeira parte dos planos, constatou-se que houve preocupação em reunir um conjunto de dados acercadas distintas temáticas que compõem um diagnóstico. Em grande parte dos planos, porém, os dados foram parciais ou incompletos. Em alguns, certas temáticas estiveram ausentes, como a questão energética, que não aparece em 90% dos planos, e a infraestrutura e transporte, também ausentes em 70% dos planos, a educação e saúde, inexistentes em metade dos planos. Houve temáticas, como cultura e lazer, que não foram contempladas em nenhum plano analisado. Poucos planos estratégi-cos trouxeram informações sobre o setor terciário, a estrutura de comunicação, a gestão pública, a habitação, os dados sociais (leitos hospitalares, índices de drogadição, número de presos na relação com as vagas prisionais, população idosa e infantil, violência contra a mulher).

Ainda, a respeito do diagnóstico, quase não houve análise dos dados apresenta-dos, nem quadro evolutivo dos números. Da mesma forma, não houve preocupação traba-lhar indicadores regionais. Os dados foram apresentados por municípios, sem um quadro evolutivo sobre a situação dos diferentes setores, ou ainda comparações com as demais regiões ou mesmo com dados do estado, com vistas a possibilitar uma análise e uma me-lhor compreensão do significado dos dados apurados para o processo de desenvolvimento regional.

Quanto às questões relativas aos processos de elaboração, implementação e ges-tão do plano estratégico em si, nem sempre esteve claro, se houve preocupação em com a formação de uma equipe para a construção de plano de caráter indisciplinar, embora alguns planos tenham sinalizado com isso. O mesmo vale para a participação da sociedade na elaboração da matriz FOFA. Em oito planos estratégicos analisados não há nenhuma ou há pouca evidência que isso tenha ocorrido.

Sobre o debate do diagnóstico regional junto à sociedade, oito planos estratégicos ou não mencionam nada a respeito ou fazem uma rápida alusão a esse debate. Somente um é rico em detalhes sobre eventos, metodologias e inciativas de discussão do diagnós-tico.

Sobre o uso do diagnóstico para construir a matriz FOFA, do plano estratégico, a maior parte dos documentos (oito), identifica ocorrência em alguns pontos específicos. Somente em dois planos estratégicos a matriz FOFA, é totalmente coerente com o diag-nóstico regional. Nem sempre esteve claro, nos planos, se a elaboração da FOFA se deu de forma participativa. Há o predomínio, entre os planos analisados, da apresentação da matriz FOFA, com poucos detalhes, não permitindo aprofundar a análise e o cruzamento dos elementos estruturais mais relevantes ao desenvolvimento regional. Em dois planos estratégicos há riqueza no desenvolvimento desse ponto.

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Acerca de ter havido, durante o planejamento, discussão e definição de forma par-ticipativa - com técnicos, governos e sociedade civil organizada - dos referenciais estraté-gicos (visão, vocação e valores) da região, a maior parte dos planos estratégicos (dez) não traz evidências ou traz poucas evidências a esse respeito e nenhum traz com riqueza de informações este processo. E sobre os planos estratégicos trazerem os referenciais estraté-gicos, em oito, os referenciais são citados e em dois houve detalhamento desse processo.

Acerca da participação da sociedade na elaboração dos macroobjetivos (progra-mas, projetos e ações), em nove planos ou não há menção à participação ou há poucos dados a respeito. E quanto aos planos estratégicos trazerem os programas, projetos e ações visando à promoção do desenvolvimento regional, em seis casos há a apresentação detalhada dos mesmos, sendo que todos os planos registram parte desses componentes.

Sobre a gestão do plano, os documentos analisados não detalham ou dão clareza sobre o modelo de gestão (implementação, monitoramento, avaliação e controle) a execu-ção do plano (indicadores, prazos, mecanismos etc.).

No que tange à divulgação do plano, alguns documentos dão conta desta informa-ção, embora parcialmente, registrando a ocorrência de assembleias, inclusive com registro fotográfico das mesmas.

3.1 Análise das Entrevistas

Com vistas a compreender o processo de construção e implementação dos planos estratégicos de desenvolvimento regional dos COREDEs, foi entrevistado um primeiro gru-po, composto por pessoas que se envolveram diretamente na elaboração dos planos em 2009-2010, ou que estavam na direção ou secretaria executiva dos COREDEs, no período de realização desta pesquisa, na condição de delegados ou de técnicos/consultores. Ain-da, as entrevistas contemplaram outro grupo de sujeitos representantes de segmentos e instâncias da sociedade civil, como COMUDEs, Orçamento Participativo, setor empresarial, Associação de Engenheiros e Arquitetos, EMATER, conselhos gestores de Políticas Públicas, que participou dos COREDEs, quando da realização dos planos estratégicos e/ou durante o momento da realização da pesquisa.

As questões das entrevistas enfrentaram três eixos: (a) constituição e estrutura dos Conselhos, (b) processo de planejamento estratégico, e (c) principais ações de implantação e gestão do plano. Para a análise, foram definidas as categorias: (1) constituição, estrutura e funcionamento dos COREDEs e (2) representatividade e participação para a construção do plano e implantação do plano52.

52 A parte inicial da sigla corresponde ao COREDE do entrevistado, a seguinte, (ex: DE e S) ao en-trevistado delegado do COREDE e ao entrevistado da sociedade civil participante do COREDE. O ano se refere ao que foi realização da entrevista. Desta forma: Alto da Serra do Botucaraí: CASB-DE1, CASB-DE2, CASB-DE3; Celeiro (CCEL): CCEL-DE1, CCEL-DE2; Central (CCEN): CCEN-DE1, CCEN-DE2, CCEN-DE3; Fronteira Oeste (CFO): CFO-DE1, CFO-DE2; Litoral Norte (CLN): CLN-DE1, CLN-DE2, CL-

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Com relação ao grupo de dirigentes e técnicos entrevistados e à primeira categoria, constituição e estrutura dos Conselhos, as falas convergem para um relato que dá conta de dificuldades iniciais na formação dos mesmos, tanto no sentido do entendimento da proposta, como no reconhecimento da entidade e na sua perenidade:

(...) pra implantação do COREDE foi uma luta (...). Bem intensa. Em função de que o pessoal também já (...) [estava] tá cansado de plano. Plano disso, plano daquilo, o governo vai fazer isso, vai fazer aquilo. Então já estavam, na época, cansados, e a região era muito assim... Pessimista. (CSU-DE1)

Em parte dos COREDEs ouvidos, as falas são de que sua estruturação tem estreita relação com instituições que deram ‘abrigo’ aos Conselhos durante os anos de existência, especialmente as universidades regionais. Em regiões como o Vale do Rio Pardo, Taquari e da Produção, o COREDE, inclusive, ainda funciona dentro da universidade, com infraes-trutura e quadros funcionais cedidos para o Conselho. Em outras, como Serra, Zona Sul e Produção, gestores da universidade (reitores, pró-reitores) ocupam cargos diretivos no COREDE. Na maioria dos COREDEs estudados, técnicos e pesquisadores da universidade têm feito o acompanhamento como consultores ou integrantes do mesmo ao longo da sua existência, sendo que em alguns, como no Sul, a relação foi se distanciando com o passar do tempo. Apesar de em parte positiva, a relação denota certa dependência dos Conselhos às instituições que os abrigam, além da falta de recursos próprios.

Mas uma das coisas que percebemos que faltava estrutura, quer dizer, um local fixo, e aí eu batalhei um local na universidade. (CPRO-DE1)

Então eu tenho um olhar muito mais institucional do que pela entidade [COREDE] aqui. Esse é o primeiro recorte (...). (CSU-DE2)

(...) a instituição COREDE tem pouca ou nenhuma coesão, no sentido de que não tem nem corpo técnico trabalhando. Então, quando se reúnem, são os prefeitos, os secretários da fazenda, os secretários de planejamento. (CVRS-DE1)

Em termos de funcionamento, a relação com as representações da sociedade e dos governos, entre elas os COMUDEs e o governo do Estado, foi questionada. No que se refere

N-DE3; Noroeste Colonial (CNC): CNC-DE1, CNC-DE2, CNC-DE3; Paranhana Encosta da Serra (CPES): CPES-DE1, CPES-DE2; Produção (CPRO): CPRO-DE1, CPRO-DE2; Serra (CSE): CSE-DE1, CSE-DE2, CSE--DE3; Sul (CSU): CSU-DE1, CSU-DE2, CSU-DE3, CSU-DE4; Vale do Rio dos Sinos (CVRS): CVRS-DE1, CVRS-DE2, CVRS-DE3; Vale do Rio Pardo (CVRP): CVRP-DE1, CVRP-DE2, CVRP-DE3, CVRP-DE4; Vale do Taquari (CVT): CVT-DE1, CVT-DE2, CVT-DE3; Noroeste Colonial (CNC-S1); Produção (CPRO): CPRO-S1, CPRO-S2, CPRO-S3, CPRO-S4; Serra (CSE): CSE-S1, CSE-S2, CSE-S3; Sul (CSU): CSU-S1; Vale do Rio Pardo (CVRP): CVRP-S1, CVRP-S2.

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ao primeiro aspecto, em alguns COREDEs a relação é apontada como positiva, ocorrendo efetivamente no fluxo que se propõe em termos de participação social:

Nós temos feito um debate importante com os COMUDEs. Por exemplo, nesse ano de 2013, quando nós elaboramos o PPA, a pauta pra nossa política de governo para os próximos quatro anos, o COMUDE teve presente em todas as assembleias que a gente fez em cada uma das comunidades (...). (CVRP-DE1)

No entanto, emerge das entrevistas, que o representante municipal do COMUDE integra o COREDE, porém não consegue fazer em nível local (município) as discussões com o coletivo. A representação acaba mais sendo do poder público municipal no COREDE, por meio do representante do COMUDE. Em alguns casos, nem isso se efetiva com a devida regularidade.

(...) não sei se é dado o devido valor a esses COMUDEs sabe, eu vejo que em alguns lugares há um certo descrédito ou não há um olhar, a gente sabe que principalmente o poder executivo tem muita coisa pra resolver. (CPRO-DE2)

E quanto à relação com o governo do Estado, as dificuldades envolvem três aspec-tos: a) a alternância dos governos e da postura dos mesmos em relação aos COREDEs; b) a falta de destinação de recursos financeiros e infraestruturais em quantias adequadas à necessidade de manutenção dos COREDEs; e c) a falta de repasses em dia e nas quantida-des estabelecidas com a Consulta Popular.

Por que ele [governo/governador] vai transferir poder pro COREDE? Por que o governador vai transferir poder pra região? (CPRO-DE1)

A respeito do segundo eixo das entrevistas, o processo de planejamento estraté-gico, com a construção dos planos e neles, do diagnóstico técnico geral, as entrevistas demonstraram a presença das universidades com seus quadros técnicos ou de técnicos independentes, que trabalharam para ou de forma conjunta com o grupo diretivo dos CO-REDEs, na elaboração do diagnóstico, a partir de dados disponibilizados pela FEE e IBGE e de dados levantados diretamente.

Não foi muito aprofundado esse debate. Não foi, e até, inclusive, talvez a região carece desse conhecimento mais específico. A gente ficou muito limitado a alguns pensantes, alguns pensadores de modo geral. (CVRP-DE1)

Ele [diagnóstico] foi construído a muitas mãos e todas as pessoas que desenvolveram essa proposta aqui, elas estavam imbuídas do melhor e maior desejo de que realmente sejam as necessidades regionais. (CPRO-DE2)

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(...) acho que faltou a contribuição de pessoas que têm um acúmulo de conhecimento da região bem grande. (CNC-DE2)

(...) vejo que ele é falho, porque não teve esse retorno das entidades, instituições, das próprias prefeituras, que pudessem dar uma confirmação ou validar esses questionamentos que foram feitos (...). Faltou um pouco mais de consistência, eu acho que é isso. (CVRS-DE2)

Em síntese, com relação à elaboração do plano estratégico, as entrevistas apontam para o curto prazo para sua execução, basicamente com recursos humanos e materiais, das instituições participantes de cada COREDE e uma verba pouco significativa do governo do Estado. O cotejamento dos dados, que vêm das entrevistas com o que emerge da análise documental dos planos estratégicos como ‘falha’ nos dados regionais e falta de coerência entre o diagnóstico e a construção da matriz FOFA, pode ser explicada por essas condições de realização dos planos.

Nós achamos que o nosso plano, embora traga um bom número de informações em termos de caracterização (...), mas entre os números e a interpretação dos números, ao meu juízo, poderia ser melhor, mas nós conseguimos transformar isso em propostas, digamos assim, a realidade que está colocada com as realizações previstas. (CSE-DE1)

Em relação à participação dos distintos setores da sociedade na elaboração do diagnóstico e dos planos estratégicos, as entrevistas apontam para a ausência de alguns setores, como o empresarial, em especial o industrial, extremamente significativo em al-gumas regiões. Da mesma forma, houve a ausência dos trabalhadores por meio de suas representações.

Os grandes proprietários, os grandes fabricantes, as grandes indústrias, eles relutam muito, entende? Então aqueles que dão um impulso para o desenvolvimento que deveriam. (CASB-DE2)

Sobre a divulgação dos planos estratégicos concluídos para a sociedade, as entre-vistas apontam para a ocorrência da mesma, dando mais clareza em relação ao encontra-do na análise dos planos estratégicos. As entrevistas relatam a edição de um livro com o plano em cada região ou de CD, de material para a imprensa, entre outras ações.

Com relação ao terceiro eixo das entrevistas, implantação e gestão do plano estra-tégico, os relatos são de dificuldades, atribuídas à falta de governança, à impossibilidade dos COREDEs executarem as demandas regionais – de responsabilidade do estado e de outras instituições. De outro modo, muitos entrevistados falaram sobre a concretização dos projetos, a partir do esforço de articulação dos COREDEs, junto ao estado e Consulta Popular, na qual os projetos aparecem nas demandas regionais, seja pela ação direta dos COREDEs e das instituições que se relacionam com ele, fazendo pressão junto aos órgãos executores.

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(...) têm ações estratégicas que estão colocadas no plano que não dependem do COREDE em si, elas dependem das ações de outras instituições, seja da universidade, do poder público, das empresas, até mesmo essa sinergia e essa conversa permanente, em torno do plano com as diferentes entidades, acho que é uma fragilidade aí, isso tem que ser aperfeiçoado. (CNC-DE3)

Inclusive, com relação à Consulta Popular, há um atrelamento da dinâmica dos CO-REDEs às agendas da Consulta, numa modificação da função original dos Conselhos.

(...) nos quatro anos em que participei, o que se assistia, era um movimento forte, da Brigada Militar, do Corpo de Bombeiros, das coordenadorias regionais da saúde, da Coordenadoria da Educação, buscando recursos (...) e alguns prefeitos também, para o seu município. Então, essa própria forma de como o projeto está posto ele fragmenta a região em vez de unir. (CLN-DE2)

Outros entrevistados veem a Consulta Popular como aliada dos COREDEs.

Não, não temos problemas. Boa relação, muito boa. Foi crescendo e eles foram compreendendo, por exemplo, hoje Brigada Militar, Polícia Civil, são “parceríssimos” nossos. São nosso braço direito na Consulta Popular. (CCEN-DE3)

Ainda sobre a implementação dos planos estratégicos, as entrevistas reconhecem certa falta de organização.

Essa é a parte que faltou na implementação, aqui, é dessa comissão sentar e ver aqui: vamos ver aqui na educação, tem essa proposta. O que nós vamos fazer? (CVRS-DE2)

Em síntese, as dificuldades encontradas no processo de construção e de implemen-tação dos planos têm relação com falta de recursos humanos, financeiros e estruturais dos COREDEs, carência de maior articulação dos municípios, por meio dos COMUDEs, atrela-mento à Consulta Popular, para execução dos projetos, o que gera confusão em relação ao papel original dos conselhos, e construção de unidade regional para garantia da gover-nança.

Com relação ao segundo grupo de entrevistados, os representantes da sociedade civil organizada e seu lugar no processo de planejamento regional, por meio dos COREDEs, de um modo geral, as falas indicam o reconhecimento de que a participação ainda não alcança o que poderia, potencialmente alcançar.

(...) eu entendo que tem que ser mais abrangente, que quem tem mais que se envolver é a sociedade civil. São as associações de bairro, são a comunidade como um todo (CVRP-S1).

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Mas o que a gente percebe é que, nos municípios, em função das coisas que traz ele é mais... assim carece uma participação popular maior, tu percebe porque isso tem, o que é, é uma questão cultural é o problema do faço e não recebo, isso é prático (CSE-S3).

Embora haja um reconhecimento da importância da participação.

Eu sempre digo que a coisa deve ser aperfeiçoada, não pode ficar estática, tem que ter uma participação maior do segmento da população, um pouco mais, em função da credibilidade das coisas. Se tu tem a participação, tem os retornos nas questões [...] O processo foi bom, mas carece mais da participação dos segmentos societário, da sociedade. (CSE-S3).

Corroborando as entrevistas com dirigentes, as entrevistas com a sociedade civil, também indicaram a pouca participação do setor empresarial nos COREDEs, tendo como causas apontadas, tanto a identificação dos conselhos com o ‘governo’, a não identificação de vantagens na participação e ao descrédito na efetividade dos conselhos.

Infelizmente nós temos essa visão, de que tudo o que depende de órgão público emperra, não funciona, não vai, não anda, essa é a nossa visão, não é minha, é a nossa visão! (CSE-S1)

Além do empresariado e do trabalhador, os movimentos sociais também foram

apontados como ausentes nos conselhos.

Muitas vezes a pessoa não é nem liderança na comunidade dela e em lugar nenhum. E aí talvez por causa disso, por essa crise de ausência de lideranças, foram colocadas qualquer pessoa, e essa pessoa não se comprometeu tanto, porque tem outras prioridades, aí pegam lá (CNC-S1).

(...) de repente os movimentos sociais não reconhecem tanto o COREDE como um Conselho de Desenvolvimento mesmo (CNC-S1).

Na relação espacial, percebeu-se uma participação maior dos setores urbanos e seus representantes, com relação às representações rurais nos COREDEs.

No que se refere à participação no processo de elaboração do plano, foi destacado que a maior representação é do meio urbano, pois, em geral, os agricultores têm dificuldades de se deslocarem para participar destes espaços, sendo, na maioria das vezes, representados pelo presidente do sindicato (CPRO-S1).

Os entrevistados ressaltam a importância da qualificação para a participação, no sentido de que sociedade em geral – que participa diretamente na Consulta Popular - e

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seus delegados ou representantes possam ser capacitados para uma mais adequada par-ticipação. Durante a elaboração dos planos, a capacitação dos delegados se efetivou e se refletiu numa presença politizada no debate e na autonomia para propor propostas no planejamento.

Eu lembro que tinha bastante discussão, um defendia mais a sua proposta que o outro, ou os grupos na prioridade das questões. Mas houve discussão com certeza. Houve uma relação de vários pontos e a partir daí a gente priorizou alguns pontos (CNC-S2).

Com relação ao diagnóstico técnico dos planos estratégicos, representantes da so-ciedade civil apontam a ausência ou falha nos dados apresentados e o risco de se projeta-rem propostas de desenvolvimento, a partir de um “diagnóstico defasado” (CSE-S1). Por outro lado, há um reconhecimento da sociedade civil, em aspectos positivos do plano.

(...) os planos estratégicos foram bons, eu acho que os planos estratégicos, nossos aqui, inicialmente nos pontos comunitários, como nós tivemos naquele período, nós tivemos a elaboração do plano diretor e esse plano diretor envolveu a região toda e nós, no meio das nossas discussões, que nós fazíamos reuniões temáticas, com a discussão dos nossos itens, também isso foi bom, que coincidiu essas datas (CSE-S3).

As entrevistas com a sociedade civil indicaram, ainda, que os COREDEs são confun-didos com o estado, especialmente por setores como o empresariado, e isso se dá, em parte, pela grande representatividade que os poderes públicos municipais e estadual têm, em termos de delegados presentes nos Conselhos.

Com relação ao diagnóstico situacional presente no plano, há a percepção, por par-te de entrevistados da sociedade civil, da precariedade de certos dados e da possibilidade de se estar planejando a partir de dados “defasados” (CSE-S1). E com relação às demandas levantadas durante as deliberações de prioridades para elaboração dos planos estratégi-cos, entrevistados apontam para a não contemplação no plano, de certas demandas suge-ridas pela sociedade.

Por outro lado, há o reconhecimento de elementos positivos na elaboração do plano.

(...) os planos estratégicos foram bons, eu acho que os planos estratégicos nossos aqui, inicialmente nos pontos comunitários, como nós tivemos naquele período, nós tivemos a elaboração do plano diretor e esse plano diretor envolveu a região toda e nós no meio das nossas discussões, que nós fazíamos reuniões temáticas com a discussão dos nossos itens, também isso foi bom, que coincidiu essas datas (CSE-S3).

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De um modo geral, no que tange à implementação do plano, entre os entrevista-dos, se observa que falta conhecimento sobre a implementação. O que se observa é que muitos entrevistados deixaram de participar do COREDEs, por conta de deixarem os cargos públicos que os levavam ao COREDE e perderem a relação com o processo de gestão do plano. Alguns entrevistados apontaram a falta de publicização do plano finalizado.

(...) a única coisa que, digamos assim, falhou, foi o pós, porque eu não tive mais contato com o resultado daquele trabalho e eu não sei se foi feito um planejamento com aquelas informações. Se foi feito, ficou muito restrito na administração passada, mas não foram publicizadas essas ações (...). (CPRO-S2)

O papel de executor do estado foi lembrado pelos entrevistados, assim como da necessidade de articulação entre distintas instâncias, como o governo federal.

O COREDE não pode ser responsável pela execução desse plano, não cabe ao COREDE executar, porque o COREDE, sequer tem estrutura e dinheiro pra isso (...). (CNC-S14)

De outra parte, houve quem ressaltou que o plano segue sendo referência para projetos de desenvolvimento das regiões, inclusive com consulta ao documento editado (livro) com o plano.

CONCLUSÕES

A compreensão dos Conselhos Regionais de Desenvolvimento, por meio de seu pro-cesso mais recente de planejamento estratégico, leva a várias considerações tanto sobre o planejamento, a organização regional, a participação da sociedade civil na democracia representativa e deliberativa e sobre a ação do estado nesse processo.

Em linhas gerais, podemos destacar como conclusões a respeito da elaboração e execução dos planos estratégicos, certa fragilidade no processo de levantamento e organi-zação dos dados para o diagnóstico situacional, assim como a ocorrência de maior ou me-nos consulta à sociedade sobre as prioridades para a montagem dos programas e projetos constantes no plano. Ou seja, os planos estratégicos apresentam, de um modo geral, várias lacunas e alguns planos têm contradições entre o que aponta o diagnóstico e o que trazem como proposta para o desenvolvimento regional. Por outro lado, especialmente com as entrevistas, percebeu-se que houve um grande esforço por parte dos delegados e consul-tores, em realizar os planos com os recursos financeiros, técnicos, humanos e estruturais limitados e num prazo exíguo.

Em geral, o estudo indicou uma dependência dos COREDEs de outras instituições que os amparam, com estrutura e recursos humanos, decorrente do escasso recurso que o governo do estado destina ao seu funcionamento. De forma resistente, percebeu-se que

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os COREDEs seguem existindo e tendo um papel por vezes distinto do original – como de mobilizar a efetivação de suas propostas por meio da Consulta Popular -, com conselheiros que, em grande número, estão atuantes desde o surgimento dos Conselhos Regionais e convictos de sua importância, tanto para o desenvolvimento regional e do Rio Grande do Sul como um todo, bem como da relevância de se investir em experiências de democracia representativa e deliberativa.

Outra conclusão é a falta de amadurecimento, por parte de alguns setores e talvez da grande maioria da população sobre as possibilidades de exercerem a democracia nos moldes que os COREDEs possibilitam. Seja em decorrência de poucas décadas de efetiva democracia na história brasileira, que leva grande parte da população a limitar-se a escolha de dirigentes nos pleitos regulares, e que leva certos setores sociais a levarem suas pautas por meio de outros canais que não o que se apresentou aqui, como o setor empresarial, as representações de trabalhadores e movimentos sociais, pouco presentes nos COREDEs.

Entende-se também que é preciso apoiar e qualificar a ação dos COREDEs em seu processo de planejamento, através de uma articulação mais efetiva dos mesmos com as universidades regionais, e também através da capacitação dos seus quadros em relação ao processo de obtenção, organização e análise dos dados secundários, relativos aos usos do território regional, bem como na utilização de metodologias ativas que contribuam para ampliar e qualificar a participação dos diferentes atores regionais. Nesse sentido, ações de cooperação entre o Fórum dos COREDEs, as Universidades, e órgãos públicos de pesquisa e de levantamentos de dados secundários, como o IBGE, a FEE-RS, o IPEA, dentre outros, podem representar um significativo avanço na qualificação do diagnóstico técnico regio-nal, na construção e implementação do plano estratégico regional.

Por fim, vale mencionar a dificuldade das regiões se pensarem no seu conjunto, existindo o predomínio nos planos da valorização das questões ou demandas setoriais identificadas, sobretudo, no âmbito da escala local, dos municípios que integram a região. Ou seja, a síntese regional das potencialidades e principais limitações, via de regra, resulta da soma daquelas apontadas na escala municipal, sem abordá-los, criticamente, na pers-pectiva da escala regional, no âmbito do território regional.

Além disso, em que pese a divisão geográfica e política de alguns COREDEs poder não corresponder a uma certa unidade e identidade territorial, por ter sido definida ex-ternamente à região, o que se constata é que em termos de efetiva governança na escala regional, ainda se tem um caminho a ser percorrido.

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PESQUISA E ENSINO: FERRAMENTAS DE GESTÃO PÚBLICA NO RS

A GESTÃO DA INOVAÇÃO: O CASO DE UMA PREFEITURA MUNICIPAL NO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

Ariele Goulart, Claudia Maria Prudêncio DeMera53, Juliano Nunes Alves 54

Este artigo tem como objetivo identificar que tipo de inovação caracteriza a Prefeitura Municipal de Cruz Alta, e por meio da discussão de temas de administra-ção pública, administração pública municipal, inovação e inovação na gestão pública.

A INOVAÇÃO NA PREFEITURA MUNICIPAL DE CRUZ ALTA

Uma das principais administrações públicas do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul, com uma população de 64.126 de habitantes e uma área de 1.360,37 km². Foram entrevistadas quatro secretarias, buscando caracterizar a inovação e identificar e analisar os aspectos estratégicos, de processos e relacionamentos, de aprendizagem e relaciona-dos à prefeitura. A Prefeitura caracteriza-se Empresa Tipo 2, em relação à inovação, a qual representa que a Prefeitura possui certo conhecimento, acerca de que precisa mudar, mas não sabe como ou onde obter recursos, portanto, para tingir os níveis Empresa Tipo 3 e Empresa Tipo 4, de acordo com o modelo de Tidd, Bessant e Pavitt (2008)¹ é necessário focar em metas estratégicas claras, desenvolver relações de longo prazo para sustentar a inovação, apresentar um processo claro de gestão de projeto bem apoiado pela alta gestão e operado em um clima organizacional inovador, com isso terá chances de sucesso. Para melhorar a gestão da inovação na Prefeitura Municipal de Cruz Alta, primeiramente, é preciso comprometimento para atingir melhores resultados, a gestão da inovação ainda é incipiente, devido aos obstáculos levantados neste trabalho. Porém, lembra-se, que inovar é um compromisso com o desenvolvimento da sociedade, visando sempre o interesse da coletividade.

INTRODUÇÃO

A administração na esfera pública pressupõe, segundo Bobbio (1997, p. 10)², um gerenciamento de recursos e atividades voltadas ao coletivo e ao interesse da sociedade. Em seu sentido mais abrangente, a expressão administração pública designa o conjunto de atividades diretamente destinadas à execução das tarefas ou incumbências consideradas de interesse público ou comum, numa coletividade ou numa organização estatal.

53 Doutora em Desenvolvimento Rural-UFRGS, docente do Curso de Mestrado Profissional em De-senvolvimento Rural e do Programa de Pós-Graduação em Práticas Socioculturais e Desenvolvimento Social-Unicruz. E-mail: [email protected] Mestre e Doutorando em Administração-UFSM e Professor e Coordenador do Curso de Adminis-tração na Universidade de Cruz Alta. E-mail: [email protected]

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A inovação impõe grandes desafios - e possibilita grandes oportunidades – ao setor público, na visão de Bessant e Tidd (2009, p. 24)³, pois a pressão pela oferta de mais e melhores serviços sem aumento de carga tributária, é um quebra-cabeça capaz de tirar o sono de muitos servidores públicos. O desafio consiste em saber lidar com um mundo de incertezas, experimentando constantemente novas oportunidades.

A inovação em serviços é um ramo dos estudos de inovação cuja literatura vem se desenvolvendo de forma significativa, trazendo contribuições teóricas e empíricas que aju-dam a compreender melhor os processos de inovação na economia e a própria dinâmica do desenvolvimento econômico. No entanto, ainda há amplo campo para pesquisa sobre inovação no serviço público, principalmente sobre seus resultados, em razão da pouca atenção que vem sendo dispensada a esse ramo da atividade econômica e social 4.

Essa pouca atenção é devido ao fato de que em sua grande maioria de estudos, o setor público é tratado como meio, em momentos como financiador em outros como regulador dos processos de inovações. Não como protagonista gerador dos processos de inovação4,5,6. Além disso, inovações no governo estão restritas em escopo; entretanto, elas têm o potencial de disparar grandes processos de transformação do Estado, com seus efei-tos impactando tanto o setor público como o setor privado7.

Neste estudo o tema abordado é a inovação na administração pública municipal, a qual pode ser entendida como uma forma de fazer diferente, não precisando ser novo ou pode-se afirmar que se refere a mudanças significativas (tecnologia, métodos, valores) em práticas anteriores, para com isso conseguir aperfeiçoar os serviços e os produtos visando à melhoria do desempenho e o aumento da eficiência do serviço público8,9,10,11.

2 ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA MUNICIPAL

A Constituição vigente, promulgada em 1988, de acordo com Nazareth e Porto (2002, p. 5)12, define como uma “união indissolúvel” a organização político-administrativa da República Federativa do Brasil, que compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios (arts. 1º e 18).

É ao governo municipal, que cabe prestar os serviços públicos aos cidadãos. É no espaço local, no município, que os usuários explicitam suas necessidades não satisfeitas e aprendem a se colocar diante dos serviços como cidadãos13. É interessante registrar, como afirma Junior (2000, p. 14), que somente a partir de 1988 os municípios foram definidos como entes federados com autonomia para elaborar e ser regidos por sua própria lei orgâ-nica, obviamente, desde que atendidos os princípios, preceitos e competências estabeleci-dos pela Constituição Federal e pelas Constituições dos respectivos estados de que fazem parte. Porém, após esse processo de descentralização, as competências técnicas e admi-nistrativas dos municípios se mostraram limitadas diante das novas responsabilidades15.

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Portanto, Pfeiffer (2000, p.3)15 considera que se começou a reconhecer amplamen-te que os tradicionais instrumentos de planejamento urbano já não eram adequados para lidar com a dinâmica de desenvolvimento das médias e grandes cidades. Eles são carac-terizados, sobretudo, por normas e regras, mas oferecem pouco apoio para as decisões necessárias e na orientação das ações. Com esses instrumentos, os municípios são ad-ministrados mais burocraticamente do que gerenciados de forma flexível e dinâmica. A partir disso, o mesmo autor afirma que encontra-se o Planejamento Estratégico, o qual foi adaptado às condições específicas da administração pública no Brasil, e que deve ser complementado por uma visão de gerenciamento de projetos e por técnicas de trabalho participativas, transparentes e dinâmicas.

A adoção de paradigmas de gestão gerencial inicia-se também com a criação da responsabilização fiscal, que restou materializada no ano de 2000, através da Lei de Res-ponsabilidade Fiscal nº 101/2000, a qual, segundo Campelo (2010)16, tem por finalidade fiscalizar a gestão contábil e orçamentária, lançando novos paradigmas, metas fiscais e res-ponsabilidades objetivas aos gestores públicos, quanto ao controle econômico e financeiro nos entes federativos, e em todas as entidades e organizações públicas da administração direta e indireta.

Em conformidade com Mascarenhas, Carvalho, Melo e Oliveira (2005, p. 2)17, esta lei levou os agentes públicos a dispor, esforços e mecanismos que garantam a observância dessa nova realidade, em que processos deixam de ser apenas instrumentos para circula-ção de papéis para transformarem-se em instrumentos de aprendizagem organizacional, bem como em processos com recursos controlados por agentes externos. Conforme os mesmos autores, tem-se então, a migração do modelo de gestão burocrática para um mo-delo de gestão pública gerencial, objetivando eficiência, qualidade na prestação de servi-ços públicos e o desenvolvimento de uma cultura gerencial.

1.1 Inovação na Administração Pública Municipal

A inovação é fortemente associada ao crescimento, pois, como afirmam Bessant e Tidd (2009)³, a capacidade de avistar oportunidades e criar novas formas de explorá-las é indispensável ao processo de inovação. Ainda de acordo com os autores supracitados, a inovação é orientada pela habilidade de fazer relações, de visualizar oportunidades e de tirar vantagem das mesmas. Às vezes, envolve possibilidades completamente novas, como a exploração de avanços tecnológicos totalmente radicais.

É evidente que nem todos os jogos envolvem resultados em termos de ganhos ou perdas. Serviços públicos, como os de saúde, educação e seguridade social, podem não gerar lucros, mas afetam significativamente a qualidade de vida de milhões de pessoas, uma vez que boas ideias, de acordo com Bessant e Tidd (2009)³, quando corretamente implementadas, podem resultar em serviços novos importantes e na execução eficiente daqueles que já existem – especialmente em uma época em que a pressão sobre os gastos públicos é cada vez maior.

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Existe também o entendimento de que a inovação não ocorre somente quando é feito algo inédito, mas sim, quando ocorrem certas mudanças em relação ao realizado anteriormente, afirma Girardi (2010, p. 47)11. A inovação pode ser entendida como fazer “diferente” com valor agregado, sem necessariamente ser novo, destarte, o município, a prefeitura ou organização pública inovadora é a que presta um serviço ou oferece um produto com valor agregado¹¹.

Em um mercado eleitoral competitivo, a governança fica sujeita à destruição cria-tiva, a recorrência à inovação, no sentido de criar vantagens competitivas para o partido no poder assegurar a manutenção do poder e a renovação do seu monopólio, afirma Pi-nho e Santana (1998, p.6)18, por isso a inovação – a bem sucedida evidentemente – cria a imagem de um governo ativo, sintonizado com as necessidades da população (leia-se eleitorado), moderno, transforma-se em quase um paradigma.

Do outro lado, os autores supracitados evidenciam que um governo que não adota a inovação passaria a ser visto com reservas, conservador, não forma uma imagem po-sitiva, pois a introdução de inovações por parte de uma administração pública provoca desequilíbrios no sistema político, forçando outras administrações a adotarem a mesma inovação ou a procurarem outras no sentido de criar uma diferenciação.

Reiteram, ainda, Pinho e Santana (1998)18 que essa competição que ocorre entre as administrações públicas leva à eliminação de diferenciais competitivos, bem como a criação de seus próprios diferenciais. A especificidade da gestão pública faz com que, evi-dentemente, essa transladação não ocorra diretamente. Se no caso do sistema econômico, o qual trata fundamentalmente de mudanças tecnológicas (relembrando que também ha-veria novos produtos, novos processos e novas formas organizacionais), no caso da gestão pública trata-se de sistemas sociais.

Deste modo, não é porque uma inovação seja bem sucedida numa determinada área (um município, por exemplo) que ela o será em qualquer outra área. Pinho e Santana (1998, p. 7)18 entendem que pode até haver o caso da inovação simplesmente não se apli-car, não ser pertinente, cabível em outra realidade, não haver interesse em ser adotada, mesmo que seja uma inovação e que seja bem-sucedida.

3 METODOLOGIA

Dadas às características do problema de pesquisa e dos objetivos formulados, o trabalho constitui-se num estudo descritivo, realizado através de um estudo de caso. Do ponto de vista da abordagem do problema, a presente pesquisa classifica-se como qualita-tiva, empregando a metodologia de estudo de caso único19. Com essa técnica permite-se o agrupamento de um número expressivo de dados20.

O estudo de caso pode ser definido como uma estratégia de pesquisa que estuda os fenômenos como um processo dinâmico, dentro de seu contexto real, utilizando várias

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fontes de evidências, com o objetivo de explicar o fenômeno observado de forma global, considerando toda a sua complexidade20. O caso escolhido para a realização desta pesqui-sa é o da Prefeitura Municipal de Cruz Alta. Na Tabela 01 é apresentada uma síntese do método de pesquisa

Quadro 1.1 – Síntese da Metodologia

Aspectos Características

Tipo de pesquisa Qualitativa – Descritiva

Método de pesquisa Entrevistas semi-estruturadas

Construção do roteiro de entrevistas Revisão de literatura

Coleta de dados Entrevistas semi-estruturadas, realizadas face a face e gravadas

Unidade de análise Indivíduos

Instrumento e análise de resultados Roteiro de entrevistas para secretários municipais

Entrevistados Quatro Secretários Municipais

Definição da região Local onde a Prefeitura está situada

Uma vez determinada a estratégia para a realização da pesquisa, os procedimentos metodológicos desenvolveram-se em duas etapas. A primeira envolveu os levantamentos bibliográficos. Nesta fase, buscou-se o conhecimento disponível na área para identificar possíveis aspectos que pudessem identificar o quanto inovadoras se encontram as secre-tarias municipais, bem como, a prefeitura como um todo, e com isso, verificar lacunas e possibilidades de discussão sobre o processo. Na fase seguinte, cuidou-se da prepara-ção do roteiro de entrevista adaptado do instrumento sugerido por Tidd, Bessant e Pavitt (2008)¹, buscando avaliar a gestão da inovação da Prefeitura por meio de análises junto às secretarias.

Após estudar os procedimentos para a condução da entrevista (explicações sobre os objetivos da pesquisa; solicitação para gravação da entrevista explicando o rigor meto-dológico necessário de tal procedimento), cuidou-se de sua aplicação junto aos secretários municipais da prefeitura estudada. A escolha do secretário(a) justifica-se por ser ele o res-ponsável pela secretaria, possui grande conhecimento sobre aspectos chaves relacionados ao objetivo da pesquisa. Esse tipo de trabalho é conhecido como técnica informante-chave (key informant technique) ou levantamento de opinião de especialista (Expert-opinion sur-vey). Segundo Marshall (1996)²¹ essa técnica costuma ser útil quando os informantes não podem ser diretamente observados e os mesmos podem oferecer informações históricas sobre o fenômeno estudado e o pesquisador tem a vantagem de ter certo controle sobre o modo de questionamento.

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4 RESULTADOS

Conforme o método de pesquisa especificado, para responder a problemática des-te estudo: “como melhorar a gestão da inovação por parte da Prefeitura Municipal de Cruz Alta?”, foram realizadas entrevistas, baseadas em um roteiro de entrevista, com os secre-tários da Prefeitura estudada, a qual foi gravada. Na tentativa de facilitar o entendimento de aspectos importantes da entrevista e, também, de atingir os objetivos do estudo, faz-se necessário que esta seja dividida nas seguintes partes: caracterização da Prefeitura Muni-cipal de Cruz Alta; analisar os aspectos estratégicos relacionados à inovação; analisar os aspectos de processos e relacionamentos relacionados à inovação; analisar os aspectos de aprendizagem relacionados à inovação e, por fim, analisar a inovação em relação à Prefeitura.

4.1 Caracterização da Prefeitura Municipal de Cruz Alta

Uma das principais administrações públicas do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul com uma população de 64.126 de habitantes e uma área de 1.360,37 km². A es-trutura administrativa da Prefeitura Municipal de Cruz Alta é formada, atualmente, por doze Secretarias Municipais, sendo elas: Secretaria de Administração e Desenvolvimento Humano; Secretaria da Fazenda; Secretaria de Obras, Transporte, Trânsito e Saneamento; Secretaria de Planejamento; Secretaria de Desenvolvimento Econômico; Secretaria de De-senvolvimento Social; Secretaria de Educação; Secretaria de Cultura, Turismo e Eventos; Secretaria da Saúde; Secretaria de Desenvolvimento Rural, Meio Ambiente, Ciência, Tec-nologia e Abastecimento; e por fim, Secretaria da Mobilidade Urbana e da Guarda Muni-cipal.

4.2 Aspectos Estratégicos Relacionados à Inovação

No âmbito da estratégia relacionada à inovação, De Toni e Pereira (2002)²² afirmam que a evolução da estratégia se dá quando decisões internas e eventos externos estão interligados e, com isso, cria-se um consenso acerca de deliberações a serem tomadas.

De acordo com os relatos, entende-se que existem medidas e atividades que de-monstram uma atenção em relação à conhecimentos estratégicos que auxiliam a tomada de decisão e a identificação de possíveis melhorias, e, para isso, os agentes utilizam-se de dados, números que são coletados na própria secretaria objetivando sustentar desenvol-vimento de ações estratégicas.

Como alternativa para o suporte para a inovação, sugere-se que este decorra de parcerias e convênios entre a Prefeitura e o setor privado, bem como, universidades e centros de pesquisa.

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Diante destas considerações, nota-se que a questão da estratégia voltada à ino-vação não é uma prática comum em todas as Secretarias, elaborar metas para se atingir a estratégia principal não é corriqueiro no cotidiano do serviço público desta Prefeitura, entretanto, percebe-se um interesse por parte dos entrevistados em melhorias destas con-dições, a dificuldade aparece quando estas decisões não dependem deles, ou seja, a sub-missão à hierarquia, às vezes, torna-se um entrave no momento de implementar alguma ação inovativa que traga resultados satisfatórios.

Desta forma, Tidd, Bessant e Pavitt (2008)¹ orientam a estratégia, basicamente, contendo alguns passos, como: tomar decisões de mudança em direção a um objetivo proposto, a partir disso, medir e avaliar os resultados dessa mudança e ajustar ou corrigir o objetivo para, então, decidir sobre as próximas ações.

Portanto, constata-se que a participação da comunidade em relação aos resultados obtidos pela Prefeitura, de modo geral, é fundamental para que a difusão e intercâmbio de informações aconteçam com o intuito de beneficiar o processo de inovação a partir de novas propostas e ideias que nascem no público-alvo do setor público, que é o cidadão.

4.2.1 Aspectos de Processos e Relacionamentos Relacionados à Inovação

Somente o cumprimento da lei não é suficiente para sanar responsabilidades da ad-ministração pública – sem, óbvio, incorrer na ilegalidade – é preciso a introdução de maior rapidez nos serviços prestados pelos gestores, além de incluir melhorias²³.

No entendimento de Girardi (2010)¹¹, o sucesso da inovação depende do envol-vimento de todos os que trabalham juntos e, também, fornecedores e clientes, isso de-monstra a importância da cultura e dos valores imbuídos na organização, e ainda, a capa-cidade gerencial na adoção e principalmente na implementação das inovações. Torna-se importante considerar que, assim como é necessário incluir processos para a melhoria do serviço, é igualmente necessário eliminar outros para facilitar o andamento das atividades, reduzindo empecilhos.

Entende-se que parcerias entre universidades e demais centros de pesquisa faz-se necessário, pois esta cooperação torna-se benéfica para ambos os lados. Porém, esta par-ceria pode e deve existir de forma mais consolidada, como se supõe pelos secretários, pois são organizações diferentes atuando de formas distintas, objetivando um desenvolvimen-to da comunidade na qual estão inseridas.

Consoante a Rezende & Castor (2005, p. 21)9, a inovação não acontece facilmente, ela encontra algumas barreiras, tais como: isolamento dos gestores municipais; falta de integração entre os gestores municipais e os munícipes; intolerância com pesquisadores locais; horizonte de curto prazo, desprezando detalhes de planejamentos e necessidades de tempo; práticas conservadoras; racionalismo e burocracia excessivos; excesso de infor-malidade; e incentivos inadequados aos inovadores.

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Além do desenvolvimento da inovação, a absorção da inovação nem sempre acon-tece facilmente por parte dos munícipes ou gestores locais, ou até mesmo dos demais interessados na cidade. Para facilitar essas atividades, é fundamental a elaboração e a implementação do planejamento de forma participativa, considerando os conceitos de aprendizagem organizacional e coletiva.

Diante disso, passa-se agora à análise acerca das relações entre a aprendizagem e a inovação.

4.2.2 Aspectos de Aprendizagem Relacionados à Inovação

Em conformidade aos aspectos de aprendizagem relacionados à inovação, Guima-rães, Angelim, Spezia & Magalhães (2003)24 concordam que deve-se respeitar os processos de aprendizagem, ou seja, os recursos disponíveis (pessoas, máquinas, dinheiro, conheci-mentos, tecnologias, etc.), pois estes se relacionam entre si, objetivando alterar atitudes, comportamentos e valores organizacionais, com a finalidade de, por meio de uma com-preensão mais adequada da realidade, aperfeiçoar as ações da organização, em síntese, a busca constante pela melhoria.

No entendimento de Vidal e Rosa Filho (2011, p. 191)23, é necessário que a gestão pública induza uma série de práticas de mudança da cultura e do nível operativo, com o ob-jetivo de fortalecer e acelerar a modernização da instituição pública. Uma destas práticas é a introdução de uma cultura de postos e responsabilidades, a qual se baseia na merito-cracia e competência dos servidores públicos. Apesar de haver manifestações pontuais de uma cultura de aprendizagem a fim de inovar na prestação do serviço, a prática de revisão de projetos relacionada ao desempenho e ao erro, ainda, não é unânime entre as secreta-rias da Prefeitura Municipal de Cruz Alta.

Aprendizagem está diretamente relacionada ao conhecimento, habilidades e atitu-des, na definição de Rabaglio (2001)25, conhecimento é o saber, constituído pela escolari-dade, conhecimentos técnicos, cursos gerais; habilidades é o saber fazer, constituída pela experiência, prática e capacidade de realizar determinada tarefa; e por fim, atitudes é o querer fazer, constituídas por comportamentos e ações compatíveis para atingir um obje-tivo proposto utilizando-se e aplicando conhecimentos e habilidades adquiridas.

Pode-se perceber que existe uma associação das questões de aprendizagem, unica-mente, ao nível de conhecimento e aperfeiçoamento de seus servidores, sem contar que esse tema não se resume, unicamente, aos quesitos curriculares, passando também por aspectos comportamentais e institucionais, como a propensão à mudança e a estrutura administrativa que auxilia nessa construção. Portanto, deve-se haver um constante ajusta-mento de rotinas e um propósito de mudança possibilitando informações, treinamentos, especializações, técnicas que aprimorem as atividades realizadas, para assim, obter mais qualidade nas informações manuseadas e, também, reduzir falhas.

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A partir disso, passa-se a analisar a inovação em relação à Prefeitura.

4.2.3 A inovação em Relação à Prefeitura

No âmbito da inovação concernente à administração pública municipal, Jacobi & Pi-nho (2006, p. 8) compartilham o entendimento de que a inovação na gestão pública pode ser caracterizada em programas com objetivos, natureza e desenhos diversos.

Inovar implica introduzir mudanças dentro de uma ordem existente ou planejada e, portanto, alterar elementos e introduzir aspectos valorativos, seja em instituições, em métodos, em técnicas, em formas organizacionais, em avaliação, em atitudes, em relações sociais, em componentes materiais, etc., é sempre inovar em relação a algo. As melhorias que se propõe introduzir sempre estarão associadas a um sistema de valores e, portanto, a um determinado conceito. O que está efetivamente em jogo é a transformação de uma realidade, na medida em que os indicadores sociais revelam a necessidades de mudanças para enfrentar problemas, crises ou deficiências num determinado contexto. Ao definir inovação é preciso levar em consideração um amplo leque de possibilidades, tendo como premissa a necessidade de considerar um conjunto do sistema e os alcances e limites dos processos políticos-institucionais.

O primeiro depoimento refere-se à inserção de pessoas que ocupam Cargos de Confiança, ou seja, cargo de chefia, na Prefeitura, que são oriundas de relações partidárias com interesse político, em vista disso, na colocação do entrevistado, não há, muitas vezes, comprometimento efetivo destas com o interesse de inovar, no seu trabalho diário, pois ocupam cargos temporários.

Em suma, as maiores dificuldades informadas pelos entrevistados não se manifes-tam de cima para baixo, ou seja, da alta gestão que fornece suporte, mas sim, a operacio-nalidade das ações em direção à mudança ou à prática inovadora que possibilite otimiza-ção de recursos, tempo, e que traga benefícios à coletividade, evidentemente.

Diante destes aspectos considerados pelos entrevistados nas secretarias municipais da Prefeitura Municipal de Cruz Alta, passa-se, então, à síntese do estudo sobre o tipo de inovação e principais características de inovação desta Prefeitura.

4.2.4 Tipo de Inovação e Principais Características de Inovação

A partir do exposto até então, dentro dos aspectos analisados e de acordo com os resultados obtidos através das entrevistas, o trabalho expõe atributos que interagem entre critérios estudados. O tipo de inovação que caracteriza a Prefeitura Municipal de Cruz Alta se enquadra no tipo 2 de inovação sugerido por Tidd, Bessant e Pavitt (2008)¹, de acordo com a Figura 1.1, pois, a instituição sabe como mudar, mas não sabe como ou onde obter recursos. O que explica esse enquadramento são as informações coletadas com os entre-

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vistados a respeito dos aspectos estudados relacionados à inovação, como ilustra a Figura 1.1, os aspectos relacionados à pesquisa:

Figura 1.1 – Tipos de Inovação¹

A Figura 1.1 representa uma abordagem que oferece breve visualização a fim de despertar atenção e gerar comprometimento com a melhoria, e no caso estudado posicio-na-se no Tipo 2 no qual foram obtidos ao longo das análises do presente estudo.

Além disso, no que concerne aos parâmetros estratégicos, a Prefeitura analisada apresentou certa inquietação com conhecimentos de dados, relatórios, estatística que são utilizados na tomada de decisão, pois os dados existem para auxiliar o gestor a respeito de possíveis melhorias. Destarte, para que haja melhoria nas relações com o cidadão através dos benefícios da modernização da gestão pública, é preciso intensificar o uso de tecnolo-gias de informação a fim de refinar a transparência da gestão, porém, esta prefeitura não apresenta um padrão na utilização de informações para cumprimento de metas, uma vez que, muitas vezes, estas advêm das demandas solicitadas pela população.

De acordo com os critérios referentes aos processos e aos relacionamentos, os en-trevistados manifestaram o anseio de eliminar procedimentos que impedem o andamento pleno e ágil de projetos que requerem certa urgência de tempo. Há, também, a resistência dos agentes, que é uma obstrução nociva porque torna a propagação da mudança algo mais difícil de atingir, pois na concepção dos entrevistados, os servidores devem apresen-tar comportamentos que denotem propensão à mudança.

Em relação à população ou à comunidade em geral do município de Cruz Alta, os re-latos evidenciam uma proximidade da instituição e do cidadão, ainda muito ínfima, quan-do se considera o potencial de participação e interação que pode haver entre sociedade civil e agentes públicos municipais, isto é, fortalecer o diálogo para haver mais atores en-volvidos em um mesmo processo – e isso é uma maneira de inovar.

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O processo burocrático é presente nesta Prefeitura, porém não é de todo reprová-vel, visto que é necessário e legal – salienta-se, a observância da burocracia é discutível, mas sem prejuízo ao cumprimento da lei e da norma -, portanto, os entrevistados a colo-caram como um atributo a ser revisto, por isso, torna-se fundamental o reajustamento de processos, com o intuito de simplificar trâmites que geram custos e poderiam não existir. O planejamento consiste em determinadas secretarias, em determinados projetos, com isso, os entrevistados sugeriram uma melhor atenção aos detalhes que permeiam o plane-jamento, especialmente, no que tange à mudança e inovação.

Meritocracia e recompensas aparecem, timidamente, ao se levantar a discussão acerca da aprendizagem no serviço público municipal do município de Cruz Alta, pois, co-meçam a aparecer ações pontuais nesta perspectiva, buscando instigar constantemente a criatividade na geração de ideias por meio de participações ativas objetivando resultados benéficos à coletividade. Percebeu-se o anseio dos entrevistados em modernizar a gestão pública com métodos e práticas oriundos da administração gerencial, para isso, é preciso profissionalização dos agentes através de treinamentos contínuos de aperfeiçoamento, tanto de conhecimentos coletivos, como específicos. Identificar ações que produzam re-sultados satisfatórios, ou seja, planos que prosperem, para isso, torna-se primordialmente necessárias a disseminação e a divulgação destes resultados positivos, na visão dos entre-vistados.

Por fim, de acordo com os relatos, a busca constante por recursos, não só finan-ceiros, como de tecnologias, materiais, pessoal, etc. tornam-se cada vez mais difícil e, por esta razão, trava o suporte a inovações maiores e mais elaboradas. Os relatos também mostraram que a interação entre os setores se dá em momentos necessários para se au-ferir informações pertinentes às atividades administrativas, portanto, a estrutura carece de uma tomada de decisão mais participativa a fim de corroborar com alternativas para soluções de melhoria.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O processo de inovação, desde a ideia até a implementação, não é tarefa fácil. Es-pecialmente, na administração pública municipal, na qual os recursos são escassos e de-pende de uma gama de fatores para que os resultados produzam efeitos consideráveis.

A partir deste trabalho, constatou-se que para melhorar a gestão da inovação por parte da Prefeitura Municipal de Cruz Alta é preciso, no que se refere aos aspectos estra-tégicos, inicialmente, manter práticas e projetos que, comprovadamente, estejam produ-zindo soluções para os problemas dos cidadãos; posteriormente, aprimorar o agente – in-dependente de sua colocação hierárquica ou designação – capacitando-o, valorizando-o, de modo que a prestação de um serviço público de qualidade esteja imbuída na cultura organizacional da Prefeitura; utilizar-se de dados, para elaboração de metas de melhoria, tornando a busca pela excelência um desafio permanente; desenvolver ações que possi-

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bilitem aproximação maior, participação e envolvimento com a população, auxiliando a troca de experiências, conhecimentos e ideias entre o poder público e a sociedade.

No que tange a processos e relacionamentos, é necessário rever processos pura-mente burocráticos, trazer novos processos ou substituir por algo mais simples, rápido e eficaz. Formalidades em excesso tornam o cotidiano do trabalho impraticável, moroso e ineficiente. Neste âmbito, a legislação também provoca bloqueios para a inovação, devido à sua complexidade e alteração constante, visto que, processos em andamento podem so-frer rompimentos, devido a uma alteração de lei. Importante salientar que a proximidade entre a gestão pública municipal e a sociedade implica reconhecimento de responsabilida-des com a fiscalização das ações do poder público, participação da sociedade no processo de tomada de decisão, o que iria desaguar na neutralização de interesses corporativos, com o objetivo de adequar decisões às reais demandas da sociedade.

Melhorar a gestão da inovação, através da aproximação do setor público municipal com as empresas e as universidades, mostrou-se ser uma tentativa de preencher lacunas e possibilitar parcerias consistentes para gerar projetos inovadores.

Os aspectos da aprendizagem precisam ser melhorados em nível de modernização. Aperfeiçoar servidores é primordial na esfera pública local, uma vez que isso se torna um facilitador no momento de intempéries estatais que surgem e podem causar maior difi-culdade na qualidade do serviço prestado. Agentes aperfeiçoados têm tendência a propor sugestões, planos, propostas de melhoria, devido aos conhecimentos e experiências que possuem no campo profissional.

Em relação à Prefeitura, é preciso haver uma comunicação mais harmônica entre as secretarias e seus departamentos, desta forma, será possível compartilhar a tomada de decisão, tornando-a participativa e transparente.

Em suma, a Prefeitura Municipal de Cruz Alta, possui pontos fortes em relação à inovação e algumas secretarias e pontos fracos em outras. Entretanto, há potencial para equiparar os pontos positivos com as secretarias que apresentam poucas experiências inovadoras. A Prefeitura caracteriza-se Empresa Tipo 2, em relação à inovação, a qual re-presenta que a Prefeitura possui certo conhecimento acerca de que precisa mudar, mas não sabe como ou onde obter recursos, portanto, para atingir os níveis Empresa Tipo 3 e Empresa Tipo 4, de acordo com o modelo de Tidd; Bessant e Pavitt (2008)¹, é necessário focar em metas estratégicas claras, desenvolver relações de longo prazo para sustentar a inovação, apresentar um processo claro de gestão de projeto bem apoiado pela alta gestão e operado em um clima organizacional inovador, com isso terá chances de sucesso.

Para melhorar a gestão da inovação na Prefeitura Municipal de Cruz Alta, primeira-mente, é preciso comprometimento para atingir melhores resultados, a gestão da inova-ção ainda é incipiente, devido aos obstáculos levantados neste trabalho. Porém, lembra--se, que inovar é um compromisso com o desenvolvimento da sociedade, visando sempre ao interesse da coletividade.

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Para tornar eficazes e de mais qualidade os serviços prestados pela Prefeitura Mu-nicipal de Cruz Alta, torna-se necessário incluir melhorias no modo como estes são ofereci-dos e distribuídos, repensar ofícios, atribuir peculiaridades importantes naqueles serviços e projetos bem-sucedidos e, também, buscar práticas totalmente novas a fim de moderni-zar a administração pública municipal, utilizando-se dos recursos disponíveis e potenciais para obter resultados satisfatórios para o interesse público.

O tipo de inovação que caracteriza a Prefeitura Municipal de Cruz Alta, é o Tipo 2 de inovação, que mostra que a mesma possui certo conhecimento acerca de que é preciso mudar, mas não sabe como nem onde obter recursos suficientes. Reforça-se, destarte, que a gestão da inovação é um processo incerto e complexo, porém, através de análises contínuas a respeito de seu desempenho e, como este se configura, é primordial para al-cançar o desenvolvimento de sua capacidade de inovar, oferecendo serviços de qualidade, eficiência baseada no interesse público.

Este estudo contribuiu para a compreensão de como ocorre a gestão da inovação na administração pública municipal, especificamente, no município de Cruz Alta, ao pro-porcionar um breve diagnóstico dos aspectos organizacionais que interferem no processo de inovação e, também, pode auxiliar gestores sobre melhorias a serem implementadas, através deste conhecimento.

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GESTÃO PÚBLICA E DEMOCRACIA

IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS E PARTICIPAÇÃO DA COMUNIDADE

Luciana Leite Lima55, Luciano D’Ascenzi56, Gianna Vargas Reis Salgada Dias57

Este artigo tem como objetivo analisar a implementa-ção de uma política pública de saúde, problematizando a atuação dos burocratas executores e a dos usuários, por meio dos Conselhos Locais de Saúde.

A análise de políticas públicas é um campo em expansão. Isso se deve à relevância das políticas públicas para a sociedade, tanto em virtude de seus benefícios quanto de seus custos sociais. Entender a ação política que as permeia, como elas funcionam, como refletem as relações dos governos com a sociedade, quais são seus impactos, são apenas algumas das questões que norteiam esse campo.

A compreensão das políticas públicas comumente têm início com a ideia de ciclo. O ciclo de políticas públicas é uma abordagem que separa a política em fases: formulação, implementação e avaliação. A etapa de formulação é composta pelos processos de defi-nição e escolha dos problemas que merecem intervenção estatal, produção de soluções e tomada de decisão; a implementação refere-se à execução das decisões tomadas; e a avaliação consiste na interrogação sobre recursos, processos, produtos, resultados e im-pactos da política.

Esse artigo concentra-se na fase de implementação e é fruto da pesquisa “Imple-mentação de políticas públicas e participação da comunidade”58. O objetivo do estudo foi identificar os elementos que explicam a implementação de uma política social específica. Entender como a política foi executada, como que se deu a relação entre cidadãos e ser-vidores públicos e como os recursos foram utilizados são questões que guiaram nossos esforços.

Para isso, analisamos uma política na área da saúde pública, pois é um dos setores (ao lado da educação e da assistência social) que está em contato direto com o cidadão no cotidiano do seu trabalho. Dentro da política de saúde, selecionamos a Política Nacional de Humanização (PNH), pois seu principal objetivo seria modificar as práticas de gestão

55 Professora do curso de Bacharelado em Políticas Públicas e do Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas da UFRGS.56 Doutor em Ciências Sociais, técnico superior da Agência Estadual de Regulação dos Serviços Pú-blicos Delegados do Rio Grande do Sul (AGERGS). 57 Graduanda do curso de Políticas Públicas da UFRGS.58 A execução da pesquisa contou, ainda, com a participação das bolsistas de iniciação científica Renata Bruscato e Doris Beatriz Nunes de Souza.

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e de assistência à saúde, de forma a se tornarem mais responsivas e articuladas com as demandas das comunidades.

A Política Nacional de Humanização foi lançada pelo Ministério da Saúde, em 2003 e, no ano seguinte, o município de Porto Alegre formalizou sua adesão. Em 2006, a Se-cretaria Municipal de Saúde (SMS), criou o Comitê de Humanização, com o propósito de implementar o programa nos serviços municipais de saúde59.

Este estudo se debruçou sobre a implementação da PNH, nas unidades básicas de saúde (UBS). Os dados utilizados na pesquisa são provenientes de entrevistas semiestrutu-radas, realizadas com os coordenadores de 42 unidades básicas de saúde de Porto Alegre e com oito conselheiros representantes de usuários, cobrindo as oito regiões de saúde de-limitadas pela Secretaria Municipal de Saúde. Além disso, utilizamos normas e publicações do Ministério da Saúde.

Este artigo está organizado em quatro partes, além da introdução e da conclusão. Na primeira parte, fazemos uma breve discussão sobre o papel da discricionariedade na implementação de políticas públicas. A segunda parte é dedicada à apresentação da polí-tica pública formal, isto é, conforme consta nas normas que estruturam a PNH. Na terceira parte, apresentamos os dados coletados nas entrevistas. Essa descrição está organizada em tópicos que apresentam como a política é executada, os elementos que explicam essa dinâmica e o papel do Conselho Local de Saúde nesse processo. A quarta parte analisa e discute as informações geradas a partir da descrição dos dados.

Implementação de Políticas Públicas: a Questão da Discricionariedade

Estudar a implementação de políticas públicas, exige delimitar um modelo para a análise. A opção mais tradicional são as abordagens top-down. Elas assumem que a imple-mentação das políticas deve estar em conformidade com as intenções dos formuladores.

Por seu turno, as abordagens denominadas bottom-up, atentam para os espaços locais de implementação, nos quais atuam as burocracias de nível de rua e desenrolam-se as relações interorganizacionais. Ou seja, destacam a questão da discricionariedade.

Especificamente, atentamos para a discricionariedade exercida pela burocracia res-ponsável pela implementação, como é operada e quais as consequências para o resultado e o desenho da política. Atentar para os espaços locais, permite inserir os usuários dos serviços na análise. No entanto, deve-se enfatizar que essa inclusão é feita por meio de sua relação com a burocracia. Pois aceita-se que este grupo detém o controle da gestão dos serviços, mesmo com a existência dos mecanismos de participação.

59 Em 2014, Porto Alegre dispunha de 173 serviços de saúde: 45 unidades básicas de saúde, 107 estratégias de saúde da família, oito núcleos de atendimento à criança e ao adolescente, seis centros de saúde, quatro pronto-atendimentos e dois hospitais. Esses serviços estão organizados em oito gerências distritais.

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Nesse contexto, as burocracias de nível de rua são as agências nas quais os traba-lhadores interagem diretamente com os cidadãos no curso de suas tarefas e que têm subs-tancial discrição na execução de seu trabalho (LIPSKY, 1980). Esse grupo exerce um papel importante no processo de implementação. Isso se deve a sua discricionariedade, que permite promover mudanças na política, em adaptação aos contextos de ação, separando a “política pública de fato” da “política pública de ficção” (GOFEN, 2014).

O exercício da discricionariedade é possível, em virtude do caráter profissional da atuação, da limitação de recursos, das restrições para supervisionar e controlar as ativida-des e da ambiguidade de objetivos e estratégias das políticas.

Por um lado, a discricionariedade é necessária, uma vez que os serviços sociais requerem respostas a circunstâncias complexas e individuais. Por outro lado, a discrição concede controle a esses burocratas, cujas práticas variam, por vezes, prejudicando, mais do que beneficiando, a política e os cidadãos (BRODKIN, 2007).

A Política de Humanização Segundo o Ministério da Saúde

A Política Nacional de Humanização foi criada em 2003, pelo Ministério da Saúde com o objetivo de solucionar os problemas da desvalorização e da falta de treinamento, em relação ao tratamento subjetivo, dos profissionais da saúde. Além disso, propunha-se a modificar a gestão centralizada e verticalizada que desincentiva a participação dos traba-lhadores e dos usuários (BRASIL, 2013a).

Humanização, nos termos da política, significa a valorização dos trabalhadores, dos usuários e dos gestores, cedendo maior autonomia nas ações e decisões relacionadas aos serviços oferecidos pelo SUS (BRASIL, 2013a). O entrosamento de todas as partes envol-vidas levaria ao fortalecimento dos vínculos entre esses atores, aproximando-os e facili-tando a identificação, por parte dos gestores, das necessidades da população atendida. Melhorias no local e nas condições de trabalho, também fazem parte do plano da política, uma vez que deixariam os profissionais mais à vontade e satisfeitos, servindo de incentivo para um aumento na qualidade do atendimento (BRASIL, 2013b).

As diretrizes gerais para a implementação da política são:

a) promover a gestão participativa por meio da ampliação do diálogo entre os pro-fissionais, entre os profissionais e a população, entre os profissionais e a administração;

b) implantar, estimular e fortalecer Grupos de Trabalho de Hu manização. Eles fun-cionarão “como dispositivos de articulação, estímulo, valorização e formulação de políticas de humanização [...]” (BRASIL, 2004, p. 12);

c) estimular práticas resolutivas, racionalizar e adequar o uso de medicamentos;

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d) reforçar o conceito de clínica ampliada: compromisso com o sujeito e seu cole-tivo, estímulo a diferentes práticas terapêuticas e corresponsabilidade de gestores, traba-lhadores e usuários no processo de produção de saúde;

e) sensibilizar as equipes de saúde em relação ao problema da violência intrafami-liar e quanto à questão dos preconceitos na hora da recepção e dos encaminhamentos;

f) adequar os serviços ao ambiente e à cultura local, respeitando a privacidade e promovendo uma ambiência acolhedora e confortável;

g) viabilizar a participação dos trabalhadores nas unidades de saúde por meio de colegiados gestores;

h) implementar um sistema de comunicação e de informação que promova o auto-desenvolvimento e amplie o compromisso social dos trabalhadores de saúde;

i) promover ações de incentivo e valorização da jornada integral ao SUS, do traba-lho em equipe e da participação em processos de educação permanente que qualifiquem a ação e a inserção dos trabalhadores na rede SUS.

Implementação da Política Nacional de Humanização

A partir dos dados coletados nas entrevistas realizadas, descrevemos a implemen-tação da política e, em seguida, explicamos esse processo a partir de quatro elementos:

a) conhecimento e entendimento da política pública por parte dos executores: co-nhecimento da política, acesso e fonte de material informativo, acesso a treinamento e entendimento dos objetivos e das estratégias da política;

b) condições organizacionais: estrutura física da unidade de saúde e a percepção sobre suficiência e qualidade dos recursos humanos;

c) conformidade dos implementadores com os princípios e objetivos da política: visão dos respondentes acerca da política pública;

d) o papel dos Conselhos Locais de Saúde na implementação da PNH.

Descrição da implementação da PNH nas unidades básicas de saúde

Na descrição da implementação da política, enfatizamos duas questões: a participa-ção nos Grupos de Trabalho de Humanização (GTH) e a execução de ações da PNH.

Os GTHs são uma das principais ferramentas de implementação da PNH. Eles eram organizados no nível das gerências distritais e tinham por objetivo difundir e incentivar a

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implementação da política a partir de reuniões esporádicas. Seus integrantes funcionariam como multiplicadores das questões ali tratadas. Participariam do grupo, os coordenadores dos serviços ou outros trabalhadores indicados por eles. Embora os GTHs já estivessem instituídos nas gerências distritais pesquisadas, 10 coordenadores afirmaram que eles não existiam. Em todas as oito gerências distritais havia pelo menos um coordenador que acre-ditava que o GTH não existisse.

Quadro 1- Implementação dos GTHs

Sim Não Não sabe Total

Tem GTH na gerência distrital 25 10 7 42

O coordenador da UBS participa 6 19 - 25

A UBS envia um representante 12 6 1 19Fonte: elaboração própria

Em relação à participação nesses grupos, nos 19 casos em que o coordenador não participava diretamente, havia funcionários designados de 12 UBSs. Os trabalhadores in-dicados para participar dos grupos em substituição ao coordenador foram escolhidos com base em diferentes critérios, dentre os quais destacamos: decisão da gerência distrital, disposição do trabalhador, afinidade com a ideia coloquial de “humanização” (ou seja, os profissionais vistos como amáveis e, assim, mais propensos a “humanizar”) e falta de afinidade com essa ideia (ou seja, os profissionais vistos como intratáveis e, assim, mais propensos a serem “humanizados”).

Desse modo, averiguou-se que, das 42 unidades básicas de saúde estudadas, ape-nas 18 enviavam um representante para os GTHs. Cabe investigar se, nos casos em que havia participação, os GTHs eram efetivos no alcance de seus objetivos de difundir e incen-tivar a implementação da política. Para isso, esperava-se que os participantes repassassem às suas unidades os assuntos tratados pelo grupo.

Quadro 2- Temas tratados pelos GTHs, segundo os entrevistados

Número de respondentes

Discutir humanização e acolhimento 10

Discutir problemas das UBSs 2

Fazer reuniões 1

Não sabe 5

Total de respondentes 18Fonte: elaboração própria

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Quando questionados sobre os assuntos tratados nas reuniões, nenhum entrevista-do soube explicá-los ou especificá-los, nem mesmo informar se eram utilizados na gestão e na assistência realizadas nas unidades.

Sobre a implementação dos GTHs, pôde-se tirar três conclusões principais. Em pri-meiro lugar, tais grupos não estavam difundidos, dado o fato de que pelo menos um coor-denador em cada gerência não sabia de sua existência. Em segundo lugar, a participação dos coordenadores das unidades era bastante limitada, apenas seis participavam pesso-almente, demonstrando a baixa priorização da atividade. Em terceiro lugar, apesar de 18 unidades enviarem representantes para as respectivas reuniões, nenhum respondente de-monstrou conhecimento dos assuntos ali tratados. Isso tudo sugere que os participantes dos GTHs não estariam sequer comunicando os assuntos tratados em suas UBSs. Mesmo porque, as coordenações não pareciam estar preocupadas com isso.

Dada a situação acima descrita, surpreendeu o fato de que apenas um coordenador admitiu não executar nenhuma ação de humanização. Os demais afirmaram que a UBS, sob sua gestão, implantava pelo menos alguma atividade dessa categoria. Se os GTHs eram os instrumentos de difusão da política, mas não funcionavam adequadamente, o que ex-plicaria tais relatos de aderência?

Para responder a essa pergunta, voltamos nosso olhar para o objeto da implemen-tação. O que foi executado?

A ação mais disseminada nas UBSs analisadas, era o acolhimento60, citado por 27 coordenadores. Contudo, duas observações devem ser feitas. Primeiro, essa ação era sem-pre adaptada às condições das unidades e, por isso, diferentes atividades eram chamadas de “acolhimento”, por exemplo: tudo o que é feito na recepção, tratar os usuários com afeto, olhar para os usuários de forma diferente, ouvir e conversar com usuários e/ ou re-solver os problemas dos usuários, comemorar aniversários de funcionários etc. Segundo, essa grande referência ao acolhimento se deveu ao fato de que essa ação teve a primeira tentativa de implementação em 2001, mas, segundo os trabalhadores que passaram pelo processo, não obteve sucesso. O Ministério da Saúde reapresentou o acolhimento como uma das principais diretrizes da PNH em 2008. Assim, essa era a ação mais conhecida pelos informantes, que acabavam tomando-a como sinônimo de política de humanização.

Esporadicamente, foram citadas 23 diferentes atividades executadas, que os en-trevistados enquadraram como “política de humanização”: realização de grupos de in-formação e prevenção (gestantes, dependentes químicos, diabete, asma), reuniões de

60 Acolhimento é o “processo constitutivo das práticas de produção e promoção de saúde, que implica responsabilização do trabalhador/equipe pelo usuário, desde a sua chegada até a sua saí-da. Ouvindo sua queixa, considerando suas preocupações e angústias, fazendo uso de uma escuta qualificada que possibilite analisar a demanda e, colocando os limites necessários, garantir atenção integral, resolutiva e responsável por meio do acionamento/articulação das redes internas dos ser-viços (visando à horizontalidade do cuidado) e redes externas, com outros serviços de saúde, para continuidade da assistência quando necessário” (BRASIL, 2008, p. 51).

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equipe, participação e desenvolvimento de cursos de capacitação, organização de confra-ternizações entre os trabalhadores (aniversários, natal, ano-novo), atividades em escolas (palestras, visitas e vacinações), resolução de problemas não rotineiros, busca ativa (pro-cedimento técnico de ação em vigilância epidemiológica), visita domiciliar, sala de espera (ação que utiliza o espaço da sala de espera para dar informações sobre saúde), conversar com os funcionários, ambiência (decoração da unidade para campanhas, pintura de pa-redes, melhorias na sala de espera etc), assistência ao direito da mulher, oferta de con-sulta de psiquiatria, atendimento de pré-natal, esforço para realizar atendimentos frente à escassez de recursos, conscientização dos usuários quanto ao desperdício de recursos gerados pelas faltas às consultas, tudo o que é feito na recepção, atividades de promoção da saúde, agendamento de consultas, atender bem, realizar testes itinerantes (DST, HIV, gravidez, diabetes), formar o Conselho Local de Saúde.

Algumas dessas atividades faziam parte da rotina das UBSs, precedendo a PNH, por exemplo: reuniões de equipe, grupos de informação e prevenção, participação em capa-citações, visita domiciliar. Outras, dificilmente poderiam ser inseridas na categoria “ativi-dade”: qualquer ação que se faz na recepção, conversar com os funcionários etc. Tanto a diversidade é um dado importante, quanto a indicação de afazeres rotineiros ou vagos.

Além disso, iniciativas como visitar escolas, busca ativa e assistência ao direito da mulher, foram respostas às características do território e da população residente. Ilustra-tivamente, as situações de busca ativa, relatadas eram iniciativas voluntárias dos profis-sionais, utilizando seus próprios veículos ou transporte coletivo. Eles visitavam pessoas com dificuldade de locomoção ou com doenças contagiosas quando, por algum motivo, não compareciam à consulta agendada. Por seu turno, o atendimento de “assistência ao direito da mulher” era uma iniciativa da enfermeira da UBS, que detinha conhecimento sobre alguns procedimentos administrativos auxiliares, dirigidos às mulheres em situações de risco ou violência.

Nada disso era previsto pela SMS, muito menos, fazia parte da PNH. Contextual-mente, foram atividades (re)formuladas e (re)implementadas para dar conta das necessi-dades locais e são sempre referidas como fruto de um grande esforço pessoal, realizado pelos trabalhadores, para atender as necessidades dos usuários. Desse modo, se por um lado, o produto do voluntarismo é a aparente falta de padrão na implementação; por ou-tro, trata-se da apropriação e controle do trabalho e das prioridades, específicos a cada lugar, por parte da burocracia implementadora.

No que tange às ações típicas da PNH, as reuniões de equipe foram citadas por seis coordenadores, enquanto o Conselho Local de Saúde, por apenas um. Mas novamente, deve-se atentar para o fato de serem atividades já estabelecidas previamente à política.

Percebe-se que os agentes desenvolveram ideias bastante distintas acerca das ativi-dades que comporiam a “política de humanização”. Tanto as atividades rotineiras, quanto outras, que foram criadas para resolver problemas específicos da unidade e dos usuários, fazem parte da “humanização” promovida nas UBSs. Assim, o que ocorreu não foi, propria-

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mente, a implementação da PNH, conforme previsto em sua formulação, mas a apropria-ção e reformulação da política por seus executores.

A implementação da política ocorreu por meio da apropriação local e ampla das ações propostas. A seguir, são apresentados os dados referentes às variáveis que podem elucidar esse estado de coisas. Ou seja, o que explica o desenvolvimento desse processo de implementação?

Conhecimento e Entendimento da Política

Trabalhamos com os seguintes elementos para averiguar o “conhecimento e enten-dimento da política pública”: conhecimento da política, acesso e fonte de material infor-mativo, acesso a treinamento, bem como o entendimento dos objetivos da política.

Consideramos “conhecer a política” desde “ter ideia” até “conhecer os objetivos e as diretrizes”. Tal abrangência permitiu reunir todas as respostas dadas.

Quadro 3 - Fonte da informação sobre a PNH

Número de respondentes

Reuniões com a gerência distrital 16

Cursos de capacitação da SMS 9

Curso de graduação ou especialização 5

Reunião dos GTHs 2

Não lembra 2

Outros 8Fonte: elaboração própria

Na categoria “outros” agrupamos os atores que receberam informações de fontes variadas: tarefas de docência, estudando para concurso público, capacitação em emprego anterior e pesquisa por conta própria.

A principal fonte de difusão da política foi a gerência distrital, por meio das reuniões periódicas, que realiza com todos os coordenadores dos serviços de saúde de sua região. Nestes encontros, a gerência informa aos coordenadores, as diretrizes da secretaria de saúde, relata casos e toma decisões sobre as atividades desenvolvidas. Foi nesse contexto que os respondentes receberam as informações sobre a política de humanização e, por isso, esses 16 atores “têm ideia” do que ela seja. Nenhum deles conhecia as diretrizes e os objetivos da PNH e, comumente, a usavam como sinônimo do acolhimento. Os atores

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GESTÃO PÚBLICA E DEMOCRACIA

que demonstraram conhecimento específico sobre a política, foram os que aprenderam na universidade, durante cursos de graduação, especialização e tarefas de docência.

Os coordenadores que conheceram a política, por meio de cursos de capacitação da SMS, a viram de forma transversal, inserida em atividades que versavam sobre aspectos assistenciais específicos, como, por exemplo, o acolhimento.

Quadro 4- Acesso a material informativo e treinamento sobre a PNH

Sim Não Não lembra

Recebeu material informativo 16 22 4

Recebeu treinamento 12 30 -Fonte: elaboração própria

No que tange ao “acesso dos coordenadores a material informativo”, consideramos tudo que contivesse alguma explicação sobre os princípios, objetivos e estratégias da polí-tica pública. Entre os que tiveram acesso ao material informativo, as fontes de oferta foram variadas: livro recebido em uma capacitação (mas que teria sido perdido), folheto, e-mail da gerência distrital, material impresso recebido em emprego anterior, slides impressos, textos xerocados, pesquisa voluntária na internet. Nenhum coordenador informou ter re-cebido da SMS o material, produzido pelo Ministério da Saúde. Assim como, aqueles que informaram ter recebido material não souberam de sua localização, no momento da pes-quisa, informando não o utilizarem para desenvolver atividades em sua UBS.

No que se refere ao “treinamento”, entendeu-se desde curso de capacitação até palestras. Nesse sentido, dos doze coordenadores que receberam treinamento, onze o obtiveram da SMS e um em local de trabalho anterior. Entre esses 11, sete relataram que os cursos versavam sobre o SUS de forma geral, ou sobre procedimentos assistenciais, e três afirmaram que fizeram capacitação sobre acolhimento. Somente um coordenador recebeu treinamento específico sobre a PNH. O respondente que realizou sua capacitação em emprego anterior informou que ela versou sobre assuntos gerais do sistema de saúde.

A partir de 2006, a SMS passou a exigir a inserção das atividades de “humanização” nos relatórios de gestão das UBSs, instrumento de prestação de contas. Desse modo, por um lado, os coordenadores deveriam implementar ações de “humanização” nas UBSs, por outro, tiveram pouco ou nenhum acesso ao conteúdo da política. Esse contexto é propício para a apropriação e reformulação da política.

Tal processo de ressignificação pôde ser observado por meio da visão estabelecida pelos agentes em relação aos objetivos da política. Quando indagados sobre os objetivos, os respondentes apresentaram uma série de questões que agrupamos a partir de quatro ênfases com foco: no atendimento e assistência ao usuário, na relação com o usuário, no trabalhador e na gestão, distribuídos em 29 diferentes citações.

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Quadro 5- Objetivos da PNH

Com foco no atendimento e na assistência Número de menções

Acolhimento 20

Atender bem 13

Outros 32

Com foco no usuário

Educação do usuário 2

Facilitar o relacionamento entre o usuário e o trabalhador 2

Outros 2

Com foco no trabalhador

Incremento das condições de trabalho 6

Outros 5

Com foco na gestão

Gestão compartilhada 2

Estrutura física da unidade 2

Outros 4Fonte: elaboração própria

Relacionados ao “atendimento e à assistência”, os coordenadores citaram 14 dife-rentes objetivos. O mais mencionado foi o acolhimento, que apareceu tanto como obje-tivo, quanto como estratégia de implementação. Além dos objetivos expostos no quadro 5, foram referidos: considerar não somente fatores biológicos; ser resolutivo; tratar os pacientes com respeito; tornar o atendimento mais personalizado, mais humano e afeti-vo; atender com equidade; sentir-se responsável pelos usuários; melhorar a qualidade de vida dos usuários; atuar de forma intersetorial; realizar grupos de atividades preventivas e testes rápidos; garantir a felicidade de todos (usuários e trabalhadores); melhorar acesso; e garantir o acesso universal, independente de crenças.

Com foco na “relação com os usuários”, foram citados quatro objetivos. Desses, a educação do usuário foi referida em dois sentidos: o usuário deve conhecer o funcio-namento do sistema de saúde e seus problemas; e o usuário deve se responsabilizar por sua saúde. Os outros objetivos aludidos foram: garantir os direitos dos usuários e ter bom relacionamento com a comunidade.

Com ênfase nos “trabalhadores”, cinco diferentes objetivos foram atribuídos à po-lítica. Além dos já citados: educação permanente, saúde do trabalhador, acolhimento e humanização do servidor.

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Com foco na “gestão”, seis diferentes objetivos foram apontados. Além dos que estão no quadro 5, temos: a formação do Conselho Local de Saúde, do Grupo de Trabalho de Humanização, a organização da rede de assistência e a realização de festas.

Essas informações indicam que os atores não compartilhavam do mesmo entendi-mento, quanto aos objetivos da política. Em meio à diversidade de objetivos apontados, percebemos um espaço de interpretação livre e subjetiva da política, a partir do que suge-re seu nome: humanização.

Os coordenadores costumavam se apoiar na palavra “humanizar”, e daí derivar seu entendimento. Por isso, foi muito comum o uso de termos como afeto, humano, fe-licidade, educação, respeito, personalizar etc. Pois são, na percepção dos entrevistados, relacionados com a palavra “humanizar”. Dessa forma, embora os objetivos citados não constassem diretamente como alvos da PNH, de forma geral e considerando as proposi-ções extremamente amplas e vagas da política, eles acabaram sendo concebidos como tal.

Condições organizacionais

No que se refere à variável “condições organizacionais”, consideramos a percepção sobre quantidade e qualidade dos recursos humanos e a estrutura física da unidade de saúde.

Em relação à “percepção sobre a quantidade dos recursos humanos”, havia uma ideia disseminada de grande carência para desenvolver as ações que a secretaria de saúde e a comunidade esperavam da UBS. Do total de entrevistados, 36 consideraram que havia falta de recursos humanos, enfatizando a sobrecarga de trabalho derivada dessa situação. Quatro coordenadores informaram que a quantidade de trabalhadores estaria adequada e dois não comentaram a questão. Os trabalhadores considerados mais escassos eram principalmente, médicos e pessoal administrativo, além de agentes comunitários e enfer-meiros.

A questão dos serviços administrativos foi uma preocupação recorrente dos infor-mantes. Pois não havia previsão de trabalhadores administrativos para UBSs. Tais serviços eram realizados pelos profissionais de saúde e, em alguns casos, com o auxílio dos segu-ranças-porteiros. Estes agiam prestando informações sobre o funcionamento das unida-des e/ou atendendo ao telefone. Conforme expôs um dos coordenadores: “Então, quem atende ao telefone? Por camaradagem, o vigilante!”.

Os trabalhadores da limpeza e da segurança eram terceirizados e sua participação nas atividades administrativas, voluntária. Dessa maneira, a execução de tais atividades varia muito entre as UBSs pesquisadas. Além disso, os coordenadores salientaram que a execução de atividades administrativas, pelos profissionais de saúde, os desviava das fun-ções assistenciais, intensificando aquela percepção de insuficiência de recursos humanos. O trabalho administrativo era visto como improdutivo e sua execução gerava tensão com o órgão central. As falas que seguem, ilustram essa questão.

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Então esse tipo de demanda repetitiva cansa. [Demanda] burocrática, que não vai alterar, no fundo, nada. [A SMS demanda o] número de receitas dispensadas em uma unidade. Nada a ver! Por quê? Porque uma receita pode ter 30 medicamentos ou um só. Eu tenho um funcionário que vai ter que dispensar igual [...]. Então, eu estou dispensando. Tem um estoque mensal. Eu preciso demandar o número de receitas? Não! Mas eles [a SMS] me exigem todo mês o número de receitas dispensadas pela unidade. Pra quê?! Eu ainda brinco aqui: veja o cesto de lixo! Não te acrescenta nada! Não vai mudar o andamento da unidade, nem vai botar um auxiliar de farmácia na farmácia...

[...] nós não temos funcionário administrativo. Então, os nossos técnicos fazem serviço de balcão, distribuição de medicamentos e outras coisas que não são da competência do técnico, não é? Mas aqui, como todo mundo se ajuda, a coisa acaba funcionando direitinho. Mas não seria o correto.

Essa forte percepção de carência de recursos humanos torna a visão voluntarista um elemento importante para a execução das atividades. Assim, o esforço pessoal aparece como um importante recurso que é apropriado pela organização, para atingir seus objeti-vos, num contexto de escassez de recursos. A valorização do esforço individual, que muitas vezes era visto como responsável pelo andamento das atividades, funcionava minimizando o sentimento de impotência, evidenciando a falta de recursos.

Essa situação pôde ser ilustrada pelas seguintes falas: “Claro que sempre está fal-tando recursos humanos. Isso eu acho que tu vai ouvir em tudo quanto é lugar, tá? Mas eu acho que, com o esforço do pessoal, dá pra fazer”.

Uma pessoa que entra pra fazer esse teste [rápido de HIV] vai levar, no mínimo, 20 minutos [...]. Depois, eu tenho que dar a resposta do teste. Eu vou sempre rezar para que dê negativo, mas é claro que eu vou pegar os positivos. Aí, quando a pessoa olha que o teste deu positivo, que ela está com o HIV [e eu preciso dizer], eu tenho o próximo [usuário para atender]... Essa parte que eu acho que a gente falha... Na questão... Se a gente for ver a humanização, eu acho que faltam recursos nesse sentido, sim. Se tu me pergunta: tudo funciona muito bem? Funciona porque a gente se esforça muito [...].

Eu acho que o nosso grupo se esmera nessa atenção. Até porque... Não sei se isso tem o lado bom. Talvez como tudo na vida tem o lado bom e o lado não bom, mas, por serem moradoras, a maioria das técnicas, as antigas, se criaram aqui. Então, elas conhecem as pessoas. Então, algum laço tem, de padrinho, de madrinha, de primo, de tio afastado, amigo do vizinho [...]. Então, as pessoas se sentem muito comprometidas, umas com as outras.

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A “qualidade dos recursos humanos” foi abordada por meio da percepção sobre a oferta de cursos de capacitação. Dezoito respondentes afirmaram que havia oferta ade-quada, 14 consideraram que faltava treinamento para os trabalhadores e 10 julgaram que capacitação não era um tema relevante frente à escassez de recursos humanos. Os cursos de capacitação citados, eram voltados a procedimentos técnico-assistenciais. Nenhum res-pondente mencionou cursos voltados para a gestão das unidades. Isso é relevante, uma vez que as atividades administrativas eram uma preocupação recorrente dos entrevista-dos.

A organização da rotina das unidades estava a cargo da equipe de trabalhadores e da coordenação. Tal rotina era composta tanto por atividades técnico-assistenciais, quanto por atividades administrativas e, na medida em que os trabalhadores não recebiam forma-ção para realizar essas últimas, vigorava a sensação de que: “[ficamos] apagando incêndio o dia inteiro”. Pode derivar dessa percepção, o forte sentimento de carência de recursos humanos, uma vez que os fluxos de acesso e atendimento eram definidos com base em critérios forjados na experiência de trabalho e nas respectivas corporações.

A percepção de escassez de recursos em uma burocracia profissional de linha de frente, que precisa tomar decisões em contextos de interação direta com o cidadão, tende a gerar uma grande variabilidade de condutas. E, do ponto de vista gerencial, pode produ-zir baixa governabilidade, conforme ilustra a fala de um dos respondentes.

O que é difícil para uma coordenação? Tu exigir coisas e tu não dar coisas. Chegar, e mandar as pessoas fazer coisas que elas não têm condições de fazer. As pessoas trabalham no verão, sem ar condicionado. [...]. É horrível, mas eu tenho que falar. A gente deixa de cobrar algumas coisas... Às vezes, alguém fala do ginecologista, e aí eu, coordenador, vejo que ele trabalha há 28 anos numa salinha menor do que essa e toda mofada. Ele precisa entrar de lado para poder examinar a paciente na mesa ginecológica. Por que ele tem aquele jeito? Porque ele vem apanhando há anos. Então, eu não consigo achar que ele é tão ruim assim...

No que tange à “estrutura física das unidades”, 30 coordenadores consideraram que era inadequada e 11 consideraram apropriada para as atividades que desenvolviam. Uma unidade estava em reforma no período da pesquisa. Em virtude disso, o atendimento foi deslocado para o corredor de um centro de saúde em outro endereço.

Os coordenadores, que avaliaram a estrutura física de sua unidade como inade-quada, apontaram principalmente a falta de uma sala, para fazer o primeiro atendimento, além de espaço para os trabalhadores cumprirem sua hora de intervalo e refeições. De forma geral, havia a percepção da carência de espaço para o atendimento aos usuários, para atividades administrativas, bem como para os trabalhadores (cozinha, descanso, ves-tiário e banheiro). Além disso, foi citada a falta de automatização do trabalho, gerando dificuldades para o desenvolvimento das atividades administrativas. É interessante notar, que uma das unidades estudadas havia sido escolhida como piloto para a implantação da

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informatização da rede. Após o início da experiência, a coordenadora mostrou-se cética e frustrada quanto ao aumento da eficiência, decorrente de tal processo.

Conformidade dos Implementadores com os Princípios e Objetivos da Política

Em primeiro lugar, 20 respondentes entendiam que a realidade de constrangimen-tos e limitações, que imperavam nas unidades de saúde impedia a implementação da PNH. De acordo com essa visão, as UBSs não contariam com espaços adequados para fazer o primeiro atendimento (sala de acolhimento, espaço para indagar com privacidade o usu-ário sobre sua saúde, sala de espera) e com trabalhadores suficientes para realizar esse atendimento da forma adequada (segundo a visão disseminada, o acolhimento exigiria mais tempo com o usuário). Além disso, faltariam: treinamento para realizar as ativida-des, computadores para fazer o trabalho de forma mais ágil e segura, oferta de serviços de complexidade secundária e formas ágeis de encaminhamento de usuários. Ao mes-mo tempo, todos os coordenadores acionaram o contexto de carência de recursos gerais, quando foram questionados sobre os princípios e objetivos da política.

Em segundo lugar, apesar da falta de recursos, nove coordenadores consideravam a política adequada. Dois citaram que a cogestão seria um mérito da PNH. Os demais en-fatizaram os seguintes pontos positivos da política: estimularia novas ideias; aproximaria os usuários da unidade; seria coerente com as necessidades do serviço e seus problemas; incentivaria o bom atendimento; protegeria os trabalhadores; facilitaria o acesso ao des-centralizar o atendimento da figura do médico; e criaria um espaço para discutir e compar-tilhar os problemas que os coordenadores enfrentam: “Saber que não está sozinha nesse universo”.

Em terceiro lugar, seis atores enfatizaram questões sobre a difusão da política públi-ca: que a secretaria de saúde deveria ofertar treinamentos, além de fomentar debates com os trabalhadores e usuários para tentar produzir um entendimento comum sobre as ações. Esses coordenadores percebiam que a informação sobre a PNH não chegava até os traba-lhadores, creditando essa responsabilidade à SMS e ao MS. No entanto, a conexão entre a SMS e os trabalhadores dentro das unidades era feita por meio da figura do coordenador. Ele seria o responsável pelo fluxo de informações e pela operacionalização das atividades demandadas. Mais uma vez, surge a questão da profissionalização da gestão nas unidades. Todos os funcionários que executavam atividades de gestão se viam, fundamentalmente, como técnicos em saúde, não treinados para aquela atividade. Quando, a bem da verdade, em cargos de gestão, não restava claro que tais atividades servissem como uma espécie de link entre a SMS e o grupo de funcionários, atuando como disseminadores das diretrizes centralmente definidas.

Em quarto lugar, quatro coordenadores acreditavam que a política de humanização era insuficiente para resolver os problemas das UBSs. Isso porque, eles se referiam a um contexto mais amplo de dificuldades e carências. Esse grupo percebia que os problemas

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de acesso e resolutividade eram causados, em grande parte, por variáveis que não tinham como ser controladas pelo serviço. Tais como questões de deficiência de renda, saneamen-to básico, localização geográfica dos serviços de média complexidade, transporte público deficitário, falta de trabalhadores etc. Assim, viam com reservas a PNH, conforme explicou uma coordenadora: “O que eu tenho medo... Eu vou ser bem sincera... O que me dá um pouco de receio é de que isso acabe sendo usado por parte da gestão [da SMS] para botar tudo [todos os problemas dos serviços de saúde] na responsabilidade do profissional”.

Quinto, essa percepção parece se relacionar com a de que a implementação da PNH implicaria sobrecarga de trabalho para os profissionais, conforme citado por três co-ordenadores. Eles enfatizaram a multiplicidade de programas a serem executados, mas que não viriam acompanhados dos respectivos recursos, competindo pela utilização dos já existentes.

Em sexto, três informantes consideraram que a política era subjetiva, de difícil ope-racionalização ou utópica. Enfatizaram a falta de clareza quanto às formas de operaciona-lização. Algo que dificultaria seu entendimento e comprometeria sua execução. Isso pode expressar a falta de treinamento e de difusão da política por parte da secretaria.

Por fim, dois respondentes avaliaram que a PNH estaria mais voltada para o traba-lho que era desenvolvido pelas equipes de saúde da família. E outros dois pensavam que ela propunha o óbvio: humanizar o ser humano. Não traria, portanto, nada de novo para o contexto das unidades básicas de saúde. Nesse quadro, percebeu-se certo desconcerto, quanto à ideia de uma política que propunha humanizar um serviço prestado por seres humanos a humanos. Além de colocar em xeque certa identidade humanista, os proble-mas de funcionamento dos serviços passariam a ser decorrentes do comportamento dos trabalhadores, não da carência de recursos.

Dessa forma, apenas nove coordenadores consideraram que a política poderia ser algo positivo. Porém, deixaram muito claro, que a execução seria bastante tortuosa. Os demais estavam pessimistas, não a vendo como uma iniciativa que pudesse solucionar as dificuldades enfrentadas ou melhorar o trabalho. Portanto, esse quadro apontou para um baixo grau de apoio à PNH.

Papel do Conselho Local de Saúde na Implementação da Política

Nesse tópico, serão apresentados os dados coletados nas entrevistas com conse-lheiros representantes dos usuários, nos Conselhos Locais de Saúde. O intuito foi verificar a influência dos usuários, por meio do CLS, na implementação da PNH. Para isso, foram coletados dados junto a oito conselheiros representantes de usuários, em acordo às oito regiões de saúde delimitadas pela Secretaria Municipal de Saúde. A escolha se deu em virtude da participação ativa nas reuniões do Conselho Municipal de Saúde.

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A descrição dos dados está organizada a partir das seguintes variáveis: perfil de-mográfico, motivação para participar, percepção da relação do CLS com a UBS e nível de conhecimento da PNH.

O grupo de conselheiros entrevistados, era composto por cinco mulheres e três homens, com idades entre 46 e 68 anos. Quatro tinham cursado o ensino médio, três o ensino fundamental e um o superior. Cinco eram aposentados, um sindicalista, um traba-lhava em uma ONG e uma dona de casa. Sete iniciaram sua atuação como conselheiro na década de 2000 e um na década de 1990.

Em relação à “motivação para participar”, quatro iniciaram sua atuação em virtude das dificuldades de acesso (suas, de parentes ou de vizinhos) aos serviços de saúde, sendo que dois foram informados da existência dos conselhos por médicos; um passou a partici-par em virtude do anúncio de uma mudança organizacional, que seria realizada na unidade de sua região; outro, em decorrência da decisão da SMS de interromper o atendimento odontológico da região; um para buscar melhorias no atendimento; e outro para se ocu-par, após a aposentadoria.

No que tange à “percepção da relação dos conselhos locais com as unidades de saú-de”, deve-se salientar que os entrevistados deixaram claro o protagonismo dos usuários nos conselhos, vistos como espaços de luta pela melhoria do atendimento. Cabe salientar, que os coordenadores valiam-se dessa ideia: defendiam os conselhos como um espaço dos usuários; e as unidades, dos trabalhadores.

Todos os informantes relataram manter uma relação de parceria e cobrança com a unidade e, especificamente, com a figura do coordenador. Prevaleceram relatos de traba-lho cooperativo, em dois níveis.

- No âmbito da unidade, tentava-se resolver as demandas dos usuários com os re-cursos disponíveis. Nesse sentido, seria comum o encaminhamento de soluções conjuntas, usuários e coordenação. Ilustrativamente:

Tivemos um fato que [...] discutimos com a coordenadora [...] de como é que a gente poderia colocar agentes comunitários. Bom, a gente sentou, desenhou, riscou, e chegamos a uma conclusão: vamos diminuir a quantidade de famílias e aumentar a quantidade de agentes. Cada agente, hoje, tem em torno de 600 famílias, por aí. Depende do grupo que cada um pega.

- Citada por todos os respondentes, a busca por soluções para problemas que não poderiam ser resolvidos pela coordenação da unidade. Nesse caso, percebeu-se a imbri-cação de demandas: dos usuários, dos trabalhadores e da coordenação da unidade. Sendo que as demandas por aumento da equipe de trabalhadores e por reformas na estrutura física foram as mais citadas:

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Quando a gente veio pro conselho, a gente tinha duas metas: [uma] era que a UBS abrisse o terceiro turno para atender outras famílias que moravam lá do outro lado do asfalto. Elas foram para lá, venderam os apartamentos e disseram que tinha posto de saúde, que tinha escola, que tinha tudo. Só que não avisaram que [o posto de saúde] já estava cheio. E aí, a coordenadora [da UBS] da época disse: “Não! Não tem condições”. [Ela] foi lá no conselho [local de saúde] e disse: “Não tem condições! Para nós atendermos essa comunidade, nós temos que ter outra equipe”. E o horário [de funcionamento da UBS] era só até as oito [horas da noite]. Aí assim, fizemos uma proposta para o conselho [municipal de saúde] que teria que ir até as 22 horas. Mas ela [a coordenadora da UBS] queria uma equipe completa. E aí, a gente conseguiu.

Esse tipo de demanda exigia negociação com as demais instâncias de participação, bem como com a Secretaria Municipal de Saúde. Nesse sentido, era estratégia comum dos coordenadores utilizarem o CLS, como forma de pressionar a SMS, isentando-se de qualquer desgaste ou conflito.

Vale esclarecer que, quando indagados sobre a relação da UBS com o CLS, nove co-ordenadores relataram que o espaço serviria para a divulgação das necessidades, dificul-dade e problemas da unidade, para assim compartilhar responsabilidades. Nesse sentido, pode-se compreender que uma pauta recorrente nos CLS, era a estrutura física dos prédios das UBSs.

Em relação à PNH, averiguou-se que os conselheiros já tinham ouvido falar na “hu-manização”, e entendiam que se tratava essencialmente, da melhoria das relações entre trabalhadores e usuários, sempre caracterizadas como difíceis e tensas. Segundo diferen-tes conselheiros:

- Porque a gente chega numa unidade, e tu não és bem-atendido. É essa a questão. Tu chega na unidade, lá, e o funcionário te joga três, quatro pedras na mão.

- Porque, quem tá necessitado, está sendo muito mal-atendido, por quem está do outro lado do balcão. Então, é muita distância entre os pacientes e os servidores. Então, os servidores se acham deuses e nós somos os pobres coitados.

- A queixa maior que se dá, é quanto à fisionomia das pessoas, que estão no guichê para distribuir as fichas. Estão com cara de brabas, estão cansadas.

De forma geral, os informantes entendiam que a “humanização” dizia respeito ao oferecimento de um bom atendimento. Tratar bem, atender bem, atender sem preconcei-tos e cumprimentar, foram expressões que se repetiam na fala dos conselheiros:

- Então, a humanização [...] para mim, começa no cumprimento, no sorriso. Até no olhar, a gente identifica esse processo.

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- [Humanização] é aquela parte de relações públicas, que vai do bom atendimento, do bom acolhimento, do bom cumprimento... Porque às vezes, a gente não dá bom dia. Até um olhar, então, é o processo de humanização.

- [O comportamento dos usuários também surge como objeto da humanização:] a política de humanização [...] é uma tentativa de convencer o trabalhador de receber bem o usuário e de convencer o usuário a tratar bem o trabalhador.

No que tange às ações, o acolhimento foi citado por todos, enquanto apenas um citou a ambiência. No entanto, os atores afirmaram que o acolhimento é o mesmo que humanização. Assim, o acolhimento seria ofertar um bom atendimento, receber atendi-mento no momento em que o usuário procura a unidade, conversar, ser ouvido pelos trabalhadores etc. Um conselheiro declarou que acolhimento seria a ação realizada pelos agentes comunitários nas equipes de saúde da família. Qual seja, visitar os usuários na região de abrangência, identificar suas necessidades de saúde e marcar a visita da equipe de profissionais de saúde. Outro explicou que o acolhimento seria a classificação dos pa-cientes, conforme cada necessidade.

Percebeu-se haver alguma semelhança entre o entendimento da política por parte dos trabalhadores e dos usuários. Nos dois casos, a política era entendida e explicada a partir do que a palavra “humanização” sugeria, prevalecendo o foco no atendimento. Ou seja, o problema central parecia estar no atendimento.

Análise da Implementação da PNH

A relação entre a política pública formal e a política pública implementada, com a qual o cidadão se relaciona, é um tema relevante para a gestão pública. Afinal, um conjun-to de recursos é alocado para a elaboração de uma iniciativa e espera-se que os resultados previstos sejam alcançados.

No entanto, os trabalhos de análise de implementação de políticas públicas apon-tam que, no desenrolar desse processo, ocorre uma dissonância entre as intenções dis-postas nas políticas públicas formais e sua execução. Se aceita assim, que a relação entre a política planejada e a que é efetivamente implementada, não é de determinação. A rela-ção entre o plano e a implementação é dialógica: o plano sofre modificações durante sua execução e, ao mesmo tempo, influencia as ações e decisões dos implementadores. Foi justamente isso que averiguamos em nosso estudo.

Em relação à política pública formal, observamos que era pouco estruturada, seus objetivos não estavam claros, assim como as formas de alcançá-los, e não houve socia-lização. Essas características abriram espaços de agência para os implementadores, pois políticas públicas abstratas contêm mundos possíveis de aplicações práticas: quanto mais geral uma ideia, mais provável que ela seja realizada de forma diversa daquela pensada pelos formuladores (MAJONE e WILDAVSKY,1984).

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GESTÃO PÚBLICA E DEMOCRACIA

A ideia de ‘humanizar’ os serviços de saúde foi apropriada pela burocracia imple-mentadora que, contudo, promoveu a seguinte adaptação: redefiniu ‘as atividades da hu-manização’ que, em vez de surgirem na forma de novas tarefas, se transformaram em rótulos aplicados às atividades previamente existentes. Com isso, esses atores construíram uma política que diferia, bastante, da proposta dos formuladores. Temos aí duas questões.

Primeiro, por um lado, havia frouxidão nas definições, carência de treinamento e limitações no contexto organizacional, por outro, exigência formal de que fossem executa-das ‘ações de humanização’. Diante desse quadro, os implementadores construíram uma ideia ampla e não compartilhada da política: ampla porque a política foi definida de muitas formas; não compartilhada, pois os atores entrevistados tinham entendimentos díspares. Isso permitiu o seguinte ajuste: atividades que já faziam parte da rotina das unidades fo-ram recategorizadas como ações da ‘política de humanização’. Desse modo, os agentes cumpriam com uma exigência formal da SMS, recheando seus relatórios de atividades com ações da ‘nova política’. Como afirmou um respondente, “tem um monte de coisas que a gente faz [há tempos] que é humanização e nós não sabíamos”. Tal movimento facilitou tratar o gap entre objetivos e realizações, moldando os objetivos ao que podia ou já era feito. Portanto, a adaptação da política minimizou a carência percebida nos recursos e permitiu a implementação da política tida como possível pelos executores. Vemos aqui, que as condições organizacionais ajudaram a moldar as práticas dos atores à política e esta às práticas. Assim, o processo de adaptação foi resultado das decisões e ações dos atores implementadores, frente aos incentivos organizacionais (BRODKIN, 2011).

Segundo, ao mesmo tempo, é justamente essa adaptação/reformulação que per-mitiu dizer que a Secretaria Municipal da Saúde de Porto Alegre, implementa a Política Nacional de Humanização. Esse processo de implementação/adaptação/reformulação demonstrou que, apesar das falhas de desenho, o plano da política também exerceu in-fluência nos espaços locais. Nesse caso, isso ocorreu por meio da ideia pré-concebida do significado de “humanização” e da solicitação da SMS de que “ações de humanização” fossem inseridas nos relatórios de gestão das unidades.

A reformulação da PNH, realizada pelos implementadores, teve em vista os contex-tos locais, resolvendo três problemas: atender às demandas da autoridade central, manter a rotina funcionando e evitar conflitos com servidores (comuns em ambientes de mudan-ça).

Foi interessante atentar para a especificidade do trabalho dos coordenadores, que interagiam com os demais trabalhadores de saúde, com a gerência distrital e com os usu-ários. Respondiam a demandas dessas três frentes distintas. Tal conformação expressou um grau elevado de discricionariedade, no desempenho de suas funções. Ela funcionou como um mecanismo de adaptação e, também, de reformulação. Essa adaptação pode ser vista como um processo de correção de erros de desenho e de acomodação de diferentes demandas e necessidades, nem sempre conciliáveis.

Quanto a isso, salta aos olhos a seguinte declaração:

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A gente é invisível. Quando que a gente aparece? Quando dá errado! Morreu não sei quem na porta do posto de saúde. Ficou cinco horas na fila... Alguém entrou no posto de saúde pra ver como nós trabalhamos aqui? [...] Já atendi paciente na cozinha. Eu atendo paciente no corredor. Eu atendo paciente lá fora, sentado no banquinho. Porque eu não tenho estrutura! Alguém entrou aqui pra ver por que o paciente ficou 5 horas lá fora? Porque eu não tenho como pôr ele pra dentro. Porque se tivesse, ele estava aqui dentro, tá?

A fala acima evidencia visões desconexas entre a política original e a política imple-mentada. Enquanto os implementadores enfatizaram preocupações relacionadas com a estrutura dos serviços para dar conta das demandas “humanizantes”, a PNH parecia suge-rir que a mudança dependeria da reformulação da gestão e da rotina do serviço.

Observou-se também, que as ações, os objetivos e as estratégias atribuídos à po-lítica pelos implementadores enfatizavam a assistência, afastando-se das intenções dos formuladores e indicando um não compartilhamento de preferências com as instâncias gestoras do sistema. Essa priorização poderia estar vinculada à natureza das profissões da saúde, bem como à proximidade com os usuários. O compartilhamento de visões e de-mandas entre trabalhadores e usuários pôde ser percebido, inclusive, nos dados coletados junto aos representantes dos usuários, nos conselhos locais de saúde.

Juntos aos CLSs, verificou-se que havia certo compartilhamento da visão da política entre os usuários e a burocracia implementadora. Isso pode ser consequência da interação entre esses atores, produzindo alinhamento de ideias e necessidades. De fato, havia uma relação de cooperação, no nível das unidades básicas de saúde, com vistas à produção de melhorias nos serviços. Nesse sentido, os conselhos locais de saúde apareceram como uma alternativa do coordenador, seja para sensibilizar a secretaria de saúde, seja para politizar os problemas operacionais.

A gestão interna do trabalho e da assistência, permaneceu como um campo de atuação restrita do corpo burocrático. Isso, no entanto, não parecia se dever a alguma sorte de resistência dos burocratas em cooperar com os usuários. Mas sim, que a partici-pação destes, nos processos de gestão interna, gerava uma contradição entre os esquemas normativos que orientavam a ação do gestor. Queremos dizer que, o gestor do serviço é chamado a atender um conjunto de demandas que, por vezes, se chocam: precisavam im-plantar as diretrizes emanadas pela secretaria de saúde sem a contrapartida de recursos e capacitação; deviam criar um clima organizacional propício ao desenvolvimento de uma atividade, que só se concretiza na interação entre os indivíduos; necessitavam manter rela-ções com os fóruns de participação popular, que traziam novas demandas para a unidade. Isto posto, seguir as regras formais, orientar os serviços às demandas sociais e, ainda, construir consenso em torno das atividades desenvolvidas são racionalidades, algumas vezes, contraditórias.

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Dito isso, fez sentido o esforço das unidades para preservar um espaço de atuação próprio, moldando as políticas verticalmente impostas ao que podia ser realizado e va-lendo-se do apoio da comunidade para executar iniciativas que necessitassem de pressão popular. A construção e a defesa desse espaço de discricionariedade, surgiram como um pré-requisito para a execução cotidiana dos serviços.

CONCLUSÕES

O objetivo geral da pesquisa apresentada foi identificar elementos que explicassem a implementação da PNH, considerando a atuação da burocracia executora e dos usuários. Delinearemos algumas conclusões a partir disso.

Em relação à forma como a política foi executada, verificamos que ocorreu uma adaptação das diretrizes formuladas pelo Ministério da Saúde. Isso se deu em virtude, principalmente, da percepção disseminada de carência de recursos para a execução de novas tarefas, em um ambiente já sobrecarregado. Além disso, se viu que foi dada pouca atenção para o treinamento dos atores nos marcos da política.

Outra questão que chamou atenção foi a baixa valorização da atividade de gestão das unidades. Os profissionais de saúde a executavam, mas não a viam como questão central, nem estavam preparados para ela. O cargo gerencial somava-se às atividades as-sistenciais, mais valorizadas pela visão de mundo dominante.

Tal desinteresse pode ser uma explicação para a falta de profissionalização da ges-tão das unidades, levando a análises equivocadas sobre os problemas do trabalho. Isso pode ser ilustrado pela defesa recorrente da necessidade de aumento no número de fun-cionários, antes que se analisem os fluxos existentes dentro das unidades.

No que tange à relação entre cidadãos e servidores públicos, vimos que há um clima de intensa cooperação. Profissionais de saúde, que atuam na ponta, e usuários com-partilham ideias e necessidades específicas. Isto é, os profissionais levam ao conselho, os problemas da unidade que não conseguem resolver. Ao que, os usuários utilizam seu repertório de ação para pressionar a secretaria de saúde a atender as demandas locais. E é assim que o serviço e os usuários tentam influenciar a implementação das políticas. Dessa forma, o controle social se dá num sentido amplo, e não especificamente, em relação a uma ou outra iniciativa.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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BRASIL. Ministério da Saúde. Política Nacional de Humanização. Brasília: Ministério da Saúde, 2013a. Disponível em: <http://portal.saude.gov.br/portal/saude/cidadao/area.cfm?id_area=1342>. Acesso em: 12 mar. 2013.

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BRODKIN, E. Z. Bureaucracy redux: management reformism and the welfare state. Journal of Public Administration Research and Theory, n. 17, 2007.______. Policy work: street-level organizations under new managerialism. Journal of Public Administration Research and Theory, n. 21, 2011.

GOFEN, A. Mind the gap: dimensions and influence of street-level divergence. Journal of Public Administration Research and Theory, n. 24, 2014.

LIPSKY, M. Street-level Bureaucracy: dilemmas of the individual in public services. New York: Russel Sage Foundation, 1980.

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