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E QUANDO EU DECODIFICO: A LEITURA DA ESCOLA, NA ESCOLA
Jamile de Andrade Barros, Discente do Programa de Pós-Graduação em Formação de
Professores da Educação Básica/UESC-Bahia, Brasil e-mail: [email protected]
Maria Elizabete Souza Couto, Docente do Programa de Pós-Graduação em Formação
de Professores da Educação Básica/UESC- Bahia, Brasil, e-mail:[email protected] Eixo Temático: Alfabetização e formação profissional.
RESUMO
Este trabalho objetiva compreender as relações dos estudos sobre leitura em sala de aula e as mediações realizadas em situações de trabalho com leitura. Uma pesquisa qualitativa, realizada com uma professora e uma aluna do 1º ano. Para coleta de dados utilizamos ficha de observação e entrevista. Percebemos o movimento vivenciado pela professora e aluna, na atividade de leitura com um livro de imagem, marcado pelo encontro dos conhecimentos prévios e da construção de novos conhecimentos.
Palavras chave: Leitura. Formação do leitor. Prática pedagógica.
ABSTRACT
AND WHEN I DECODE: THE READING OF THE SCHOOL, IN THE
SCHOOL
This work aims at to understand the relationships of the studies on reading in class room and the mediations accomplished in work situations with reading. A qualitative research, accomplished with a teacher and a the 1st year-old student. For collection of data we used observation record and glimpses. We noticed the movement lived by the teacher and student, in the reading activity with an image book, marked by the encounter of the previous knowledge and of the construction of new knowledge.
KEYWORDS: Reading. The reader‟s formation. Pedagogic practice.
INTRODUÇÃO
O Brasil ocupa o 55º lugar no ranking das médias de leitura entre os
participantes do Programa Internacional de Avaliação de Alunos/PISA. Os dados
foram divulgados no Relatório Nacional do PISA 2012 – Resultados Brasileiros. Tal
fato fere o direito à Educação Básica de qualidade para todos os brasileiros. Direito
este preconizado pela sociedade civil e pela legislação de ensino, especificamente a
Lei 9.394/96, que estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional, no inciso
I do Art. 32, tendo como meios básicos o pleno domínio da leitura, da escrita e do
cálculo (BRASIL, 1996).
Segundo Soares (2007a, p.31), o termo alfabetização, etimologicamente,
significa levar a aquisição do alfabeto, ou seja, ensinar a ler e a escrever é “a ação
de alfabetizar, de tornar „alfabeto‟". Refere-se ao ato de codificar e decodificar a
língua e se apropriar do sistema de escrita alfabética. Assim, a especificidade da
alfabetização é a aquisição do código alfabético e ortográfico, por meio do
desenvolvimento das habilidades de leitura e de escrita. Ao longo da história, essas
ações foram tornando-se mais complexas e suas definições se ampliaram, passando
a envolver, principalmente a partir da década de 1990, um novo termo: o letramento,
que Soares (1998, p.39) define como “resultado da ação de ensinar e aprender as
práticas sociais de leitura e escrita. O estado ou condição que adquire um grupo
social ou um indivíduo como consequência de ter se apropriado da escrita e de suas
práticas sociais” (grifos da autora).
Assim, letramento está ligado às práticas sociais de leitura e de escrita.
Tornando-se letrado o sujeito que desenvolve as habilidades de ler e escrever, mas
também de utilizar a leitura e a escrita em situações do cotidiano e em contextos
sociais. Para Soares (2012a), alfabetizar, apenas, não garante a formação de
sujeitos letrados, porém um processo não substitui o outro, complementam-se.
No contexto em que vivemos são exigidas práticas e uso social da leitura e da
escrita. Deparamo-nos com imagens, textos, outdoor, panfletos, placas, letreiros,
entre outros, a todo instante. No entanto, muitos brasileiros ainda não conseguem
enfrentar esses desafios, ou por não saberem ler, ou se sabem não compreendem
essa gama de leituras que são impostas no seu cotidiano, pois não fazem leitura
considerando seu uso social.
Diante desse quadro, percebemos a necessidade de fornecer aos educandos
instrumentos necessários para que consigam buscar, analisar, selecionar,
relacionar, organizar as informações complexas do mundo contemporâneo, por meio
da leitura para que possam exercer a cidadania de forma plena, pois a leitura é um
instrumento de inclusão social e seu uso no cotidiano possibilita melhores condições
de escolhas, autonomia e inserção social.
A experiência desenvolvida com a leitura apresentada tem como objetivo
identificar e compreender como as professoras/alfabetizadoras estabelecem as
relações dos estudos sobre leitura em sala de aula e as mediações realizadas em
situações de trabalho com a leitura, e faz parte de uma pesquisa em andamento. O
lócus da pesquisa é uma escola pública municipal, da cidade de Itabuna/BA na sala
do 1º ano do Ensino Fundamental I.
A AQUISIÇÃO DA LEITURA
Ler e escrever são atividades iniciadas no período da alfabetização que
devem ser organizadas paralelamente, assim como a alfabetização e o letramento.
Conceitos distintos, porém indissociáveis, como nos assegura Soares (2012), que
alfabetizar e letrar são duas ações distintas, mas não inseparáveis, ao contrário: o ideal seria alfabetizar letrando, ou seja: ensinar a ler e escrever no contexto das práticas sociais da leitura e da escrita, de modo que o indivíduo se tornasse, ao mesmo tempo, alfabetizado e letrado (SOARES, 2012, p. 47 - grifo da autora).
Na proposta de alfabetizar letrando não existe um conceito que seja mais
importante que o da leitura ou o da escrita. O fato de as escolas acreditarem ser
mais fácil avaliar um aluno pelos seus acertos e erros de escrita do que nas
atividades em que o aluno lê, contribui para elevar os índices de crianças que,
apesar de serem consideradas alfabetizadas, não conseguem compreender o que
leem, apenas decodificam sem atribuir sentido ao que ler.
Nessa perspectiva, encontramos respaldo em Kleiman (2011); Silva (2005);
Cafiero (2005) e adotamos o conceito de que ler é construir sentido, utilizar
estratégias, interagir, e não, simplesmente, agrupar letras, palavras e frases ou
conhecer o significado das palavras escritas, decodificar etc. Tais ideias corroboram
com o pensamento de Solé, (1998, p. 52) quando diz que “ler não é decodificar, mas
para ler é preciso saber decodificar”. A decodificação é uma parte importante da
leitura que ajuda o leitor a estabelecer relações, à medida que ele vai decodificando
as informações do texto, entre estas e os seus conhecimentos prévios, construindo
unidades de sentido, ou seja, processando a compreensão do que está sendo lido.
Isso significa que, desde a educação infantil, quando as crianças ainda não leem
convencionalmente, é essencial estimular uma postura de busca e elaboração de
significados diante dos textos que circulam na escola e no seu cotidiano.
Para a criança que está iniciando o processo de aprendizagem da leitura,
Cafiero adverte que a decodificação é uma operação difícil e não automática, “é o
momento inicial da leitura, no qual executamos, basicamente, o reconhecimento de
palavras e o processamento sintático” (2005, p. 31). As crianças que ainda não têm
segurança na relação som/letra, sílabas não canônicas, que saem do padrão
consoante-vogal, podem, ao tentar ler uma palavra, letra por letra, trocá-las e não
conseguir decodificar corretamente. Palavras ou letras isoladas que não fazem
sentido serão mais difíceis para esse leitor que está iniciando. Ratificando que o
processo sintático faz parte da decodificação, portanto
Um aluno que leia letra por letra a palavra (m+a+c+a+r+r+o+n+a+d+a), por exemplo, não conseguirá dizer que palavra leu, por sobrecarregar a memória. Quando as últimas letras entrarem no processamento, as primeiras já terão sido descartadas (CAFIERO, 2005, p.31).
A escola deve assegurar a vivência de práticas concretas de leitura e
produção de texto, pois só a codificação e decodificação não são suficientes para
que o aluno aprenda a ler e escrever e fazer uso social dessas ferramentas. Dessa
forma, é essencial que
[...] sejam oferecidas condições para que as crianças entrem em contato com uma ampla diversidade de textos, em diferentes contextos de interação, para que possam ampliar capacidades comunicativas e, assim, utilizar a língua, buscando os efeitos de sentido pretendidos (LEAL; MORAIS, 2006, p.7).
É importante que os professores incentivem e trabalhem com a leitura de
forma sistematizada, desde os seus primeiros anos, pois os educandos concluem os
anos iniciais do ensino fundamental sem as habilidades1 de decodificar e da
compreensão leitora, necessárias para se tornar um leitor e, muitas vezes, não
gostam de ler, pois se sentem incapazes.
1 Segundo Solé “para ler é necessário dominar as habilidades de decodificação e aprender as distintas estratégias
que levam a compreensão [...]” (1998, p. 24).
Para Cafiero (2005) a leitura é uma atividade complexa, pois o leitor produz
sentidos e é capaz de compreender o que leu, a partir das relações que estabelece
entre as informações do texto e seus conhecimentos prévios. Assegura também
que por considerar uma atividade cognitiva e social, a leitura é uma atividade que
pressupõe que, quando as pessoas leem, estão executando uma série de operações mentais que vão além da decodificação e utilizam estratégias, algumas inconscientemente e outras conscientemente. Como atividade social, a leitura pressupõe a interação entre um escritor e um leitor, que estão distantes, mas que querem se comunicar (CAFIERO, 2005, p. 8).
Os conhecimentos prévios que Solé (1998) e Cafiero (2005) consideram
como imprescindíveis para que estabeleçam as relações entre o que está sendo
proposto e o que o aluno já sabe, pois, conforme Solé (1998), durante a vida vão se
acumulando informações e construindo representações da realidade graças às
interações que são realizadas uns com os outros, principalmente aqueles que
exercem a função de educadores, e que a cada momento da história/texto esses
conhecimentos são relativos e ampliáveis, auxiliando as crianças a compreenderem
o texto. Freire nos diz [...] “a leitura da palavra não é apenas precedida pela leitura
do mundo, mas por uma certa forma de “escrevê-lo” ou de “reescrevê-lo”, quer dizer,
de transformá-lo através de nossa prática consciente” (1989, p.13). Ou seja, ele
amplia nosso entendimento sobre os conhecimentos prévios e diz ainda que este vai
se ampliando à medida que vivenciamos situações em nosso cotidiano em que a
“leitura de mundo” e a “leitura da palavra” se associam e façam sentido, que uma
implica na continuidade da outra para que possamos fazer o uso social da leitura,
ampliando a visão de mundo. Para Freire,
Ler é uma operação inteligente, difícil, exigente, mas gratificante [...] Ler é procurar ou buscar criar a compreensão do lido [...] ler é engajar-se numa experiência criativa em torno da compreensão. Da compreensão e da comunicação. E a experiência da compreensão será tão mais profunda quanto sejamos nela capazes de associar, jamais dicotomizar, os conceitos emergentes na experiência escolar aos que resultam do mundo da cotidianidade (FREIRE, 1997, p.20).
Aprender a ler envolve muito mais que percepções: ouvir, passar os olhos,
ver. Ler é sentir, uma atividade que requer envolvimento por aquele que lê e aquele
que escreveu uma cumplicidade. Para a criança esse envolvimento parece ser maior
ainda, pois no seu imaginário infantil a capacidade de se colocar como autor,
personagem, vivenciar a história está mais aguçado nesta fase da vida, a infância.
Assim, três aspectos deverão estar simultaneamente, presentes desde o início do
aprendizado da leitura, tais como:
- aprender a ler com textos, não com frases, menos ainda com palavras, jamais com sílabas... - aprende-se a ler lendo textos que não se sabe ler, mas cuja leitura se tem necessidade. Lê-los é procurar as respostas às perguntas que nos fazemos... – e, portanto, aprender a ler – é negociação entre o conhecido, que está na nossa cabeça, e o desconhecido, que está no papel; entre o que está atrás e o que está diante dos olhos. É um trabalho de detetive que utiliza índices (paginação, palavras conhecidas...) para elaborar hipóteses, verificá-las com base em outros índices, voltar aos pontos que permanecem obscuros, com ajudas externas, etc. - as estratégias empregadas nesses atos de leitura serão analisadas e comparadas pelos diferentes atores que refletem sobre sua prática [...] (FOUCAMBERT, 1994, p.37-38).
A partir dos estudos do autor fica evidente que é necessário trabalhar a
leitura, em sala de aula, buscando o seu significado para a criança, para que possa
fazer sentido e compreender o que está sendo lido, rompendo com a utilização da
silabação, a repetição, a fragmentação dos textos, que não fazem sentido para que
as crianças aprendam a ler. É importante, assim, que a leitura esteja sempre
inserida em situações de comunicação significativas, que se leiam textos que
atendem a um objetivo: para se manter informados sobre um evento que interessa
aquela turma, para estudar e adquirir conhecimentos, para obter informações ou por
simples prazer, ou seja, atender as mais diversas finalidades.
Ademais, a leitura que é realizada com texto em sala de aula também será
determinante para a formação de um leitor ativo, crítico e questionador, que se sinta
estimulado e capaz para realizar as leituras que serão impostas no seu cotidiano.
Lembrando ainda que, de acordo com Solé (1998), poder ler é compreender e
interpretar textos escritos de diversos gêneros textuais, com diferentes intenções e
objetivos, contribuindo de forma decisiva para a autonomia das pessoas, na medida
em que a leitura é um instrumento necessário em uma sociedade letrada.
Para os alunos que estão no seu processo inicial da leitura é fundamental que
o professor proporcione momentos de leitura, em que leia para eles sendo modelos
de leitor e proporcionando a experiência de se apropriarem da linguagem escrita,
ainda que não saibam ler convencionalmente. Carvalho nos chama a atenção para o
papel do professor nessa mediação com a leitura quando afirma que
A maneira pela qual o alfabetizador encara o ato de ler determina, em grande parte, sua maneira de ensinar. [...] Antes mesmo de ensinar a decodificar as letras e sons, é preciso mostrar aos alunos o que se ganha, o que se aprende com a leitura: mas isso só será possível por meio de atividades que façam sentido, que visem à compreensão de leitura desde as etapas iniciais da alfabetização. (2010, p.11).
Sendo assim, na escola, o trabalho com a leitura deverá indicar suas
finalidades e/ou objetivos, propondo diferentes situações onde os alunos possam
aprender a ler, construindo a sua autonomia leitora. A formação do sujeito
leitor/leitura deve possibilitar o diálogo e a reflexão entre teoria e a prática, entre o
leitor (professor) e a sua prática pedagógica, para que possam avançar no seu
processo de formação.
Em se tratando da formação do professor-leitor, e a leitura como objeto de
conhecimento (SOLÉ, 1998), a esta deve está entrelaçada com a experiência de
vida e profissional do professor, o que influencia nas suas escolhas em sala de aula,
pois o que se lê diz também como se é e no que acredita, como ser individual e
social. Não podemos esquecer a história de vida dessas pessoas, o percurso até
chegar ali, o ser professor-leitor, suas vivências e experiências, para que de fato as
informações ali ministradas façam sentido e possam ser transformadas em saberes.
Segundo Freire, (2002, p. 39), “[...] o importante é que a reflexão seja um
instrumento dinamizador entre teoria e prática” na construção do sujeito (professor e
aluno) leitor.
São muitos os desafios a serem superados, tanto no que se refere à formação
do professor, como sujeito da ação pedagógica reflexiva, também como sujeito
aprendente que, à medida que se forma, também forma os alunos, tendo a
consciência do seu papel de formador de leitor, (re)significando seu trabalho em sala
de aula, corroborando com o que diz Macedo (2010, p. 57), “o trabalho de formação
que perspectivamos, requer uma relação com o outro”.
PERCURSO DA PESQUISA
A pesquisa foi de natureza qualitativa, aconteceu numa sala de aula de Ciclo
da Infância, fase I, que corresponde ao 1º ano, e os atores sociais foram a
professora, que terá o nome fictício de Lilás, e a aluna envolvida na atividade será
chamada de Violeta, tem 6 anos de idade.
Usamos como instrumento para coleta de dados uma ficha de observação
para anotar o desenvolvimento da aula realizada pela professora e a entrevista com
a aluna, que nos possibilitou a compreensão sobre a atividade de leitura
desenvolvida em sala de aula.
DELINEANDO CAMINHOS
A aula selecionada para esta apresentação foi a de número 7, que aconteceu
no dia 03.10.14, no turno matutino, após as atividades de rotina (prece realizada
pelos alunos, a música do “Bom dia” e fazer a chamada), a professora Lilás disse à
turma que naquele dia um aluno iria realizar a leitura deleite.
A leitura deleite é uma estratégia apresentada na formação do Programa
PNAIC - Pacto Nacional da Alfabetização na Idade Certa, que, além de favorecer o
contato do professor com textos literários, indica que é uma leitura sempre de prazer
e reflexão sobre o que é lido, sem [...] “se preocupar com a questão formal da leitura.
É ler para se divertir, sentir prazer, para refletir sobre a vida” (BRASIL/MEC, 2012,
p.27).
O livro selecionado fazia parte do Acervo de Obras Complementares do
MEC/PNAIC (BRASIL) e, mostrando o livro, a professora questionou:
Lilás - Quem gostaria de contar esta história?
Era o livro intitulado “Telefone sem fio”, autoria de Ilan Brenman e Renato
Moriconi, da editora Companhia das Letrinhas. Um livro de imagens que retoma uma
brincadeira tradicional (telefone sem fio), na qual uma palavra, frase, é cochichada
no ouvido de alguém e esse passa adiante. A graça está no final: como chegará a
frase que foi dita inicialmente?
A leitura deleite foi realizada com um livro de imagem ilustrado com
personagens coloridos e com o fundo preto que dava visibilidade e definição às
imagens. Cada personagem faz o mesmo gesto o que aguça a imaginação do leitor
que pode usar sua criatividade e entrar na brincadeira realizando inúmeras leituras,
por exemplo, a de imagem, criando frases e/ou possível mensagem que deveria ser
sussurrada, descrevendo os personagens da história etc.
Violeta (nome fictício), colocando-se de pé, respondeu (gritando
entusiasmada): - Eu, tia... eu...
A professora Lilás entregou o livro a Violeta e solicitou que começasse a
leitura.
E após analisar a capa do livro a aluna...
- Violeta: „T‟ „E‟ „L‟ „E‟ „F‟ „O‟ „N‟ „E‟ „S‟ „E‟ „M‟ „F‟ „I‟ „O‟ (leu letra por letra em
voz alta).
Lilás – E aí, Violeta, qual o título do livro?
Violeta observando a ilustração da capa
respondeu: Abra Bem os Seus Ouvidos.
Em seguida, abriu o livro e continuou a realizar a leitura das imagens2:
O palhaço do rei sussurrou para o rei.
O rei sussurrou para o seu guarda.
O guarda sussurrou para o nadador.
O nadador sussurrou para o pirata.
O pirata sussurrou para a arara.
A arara sussurrou para o índio.
O índio sussurrou para uma nobre senhora rica.
O turista sussurrou para uma nobre senhora rica.
A senhora sussurrou para uma senhora pobre.
A pobre velhinha sussurrou para o lobo com o capuz de Chapeuzinho
Vermelho.
O lobo vestiu a roupa da vovozinha e sussurrou a mesma coisa para
Chapeuzinho Vermelho.
A Chapeuzinho sussurrou para o caçador.
O caçador sussurrou para o seu cachorro de raça.
O cachorro sussurrou para o palhaço do rei.
Fim
Após a leitura da aluna não houve conversa/intervenção sobre a atividade que
havia sido realizada. A professora solicitou que desenhassem as cenas que mais
2 Segundo Manguel (2001) o que vemos e lemos de uma imagem se dá com base nas nossas experiências, ou
seja, nos nossos conhecimentos prévios o fazemos as relações e identificações e a leitura surge como a ação que
nos permite que explorar/ler a imagem, esta me captura.
gostaram do livro, entregando papéis em branco, disponibilizando lápis de cor e
hidrocor para colorir a pintura.
Enquanto Violeta se organizava para realizar a atividade solicitada,
aproximamo-nos para fazer algumas perguntas, conhecer melhor a pequena leitora
e as estratégias que utilizou para a realização da leitura.
PESQUISADORA – Violeta, quantos anos você tem?
VIOLETA: Seis anos, tia, faço sete em fevereiro (2015).
PESQUISADORA - Onde você ouviu essa palavra sussurrou? (a aluna repetiu
a palavra (sussurrou) em todas as frases, num total de14 vezes).
VIOLETA: Na televisão.
PESQUISADORA: Você sabe o que é sussurrar?
VIOLETA: Falar baixinho, no ouvido.
PESQUISADORA: Que imagem é essa Violeta?
VIOLETA: Um nadador.
PESQUISADORA: Mostrei a imagem novamente e questionei: Como você
sabe que é um nadador?
VIOLETA: Sim tia, tem no desenho da TV, ele usa um capacete de respirador,
igual a esse aí.
PESQUISADORA: Mostrei a outra imagem: Por que essa senhora é uma
“nobre senhora rica”?
VIOLETA: Ela usa óculos, colar de pérolas e a roupa dela é colorida.
PESQUISADORA: E essa aqui é uma pobre senhora, por quê?
VIOLETA: Essa é toda branca.
PESQUISADORA: Insisti... E por que essa é nobre e rica?
VIOLETA: Ela é toda loira, estilosa e bonita.
PESQUISADORA: E essa aqui?
VIOLETA: É pobre, não tem dinheiro e veste roupa feia, uma roupa sem cor, e
a outra é colorida.
PESQUISADORA: E quem não veste roupa colorida é pobre?
VIOLETA: É, tia, sem cor.
PESQUISADORA: Você acha isso ou alguém falou pra você?
VIOLETA: Minha mãe falou, eu também acho.
PESQUISADORA: Você conhece a história de Chapeuzinho Vermelho?
VIOLETA: Hum rum...
PESQUISADORA: Onde você ouviu essa história?
VIOLETA: A história de Chapeuzinho Vermelho, minha tia do outro ano me
contava, mas eu já sabia algumas coisas, já vi no desenho que meu primo levou pra
minha casa.
Em seguida, um aluno (aqui vamos apelidá-lo de João), que estava folheando
o livro e ouvindo os questionamentos que fazia a Violeta, falou:
JOÃO: Ela não leu nada, no livro não tem nenhuma palavra. Olha!
PESQUISADORA: Veja João esse é um livro de imagem. Ela leu as imagens.
JOÃO: E pode tia?
PESQUISADORA: Pode sim. Quando não tem palavras, nós fazemos a
leitura da imagem. Nos cartazes é assim, no outdoor nas ruas. Os quadros dos
pintores famosos...
JOÃO: Tia, na minha casa tem um quadro.
PESQUISADORA: Como é o quadro?
JOÃO: De flores, tem flores no vaso, são coloridas.
PESQUISADORA: Olha aí, você está fazendo a descrição do quadro, dizendo
como é, fazendo a leitura.
Nesse momento, mostrei aos alunos a caixa com outros livros que não têm
palavras, apenas imagens. Folheie com eles, que ficaram surpresos. Em seguida, a
atividade foi interrompida e não tivemos a oportunidade de retomar.
Resgatando a situação de leitura com o livro Telefone sem fio, logo na leitura
do título, percebemos que a aluna Violeta ainda não lia convencionalmente, leu letra
por letra identificando-as, porém não conseguiu fazer a relação entre a letra, sílaba e
a palavra. Segundo Cafiero (2005, p. 31), “a medida que vai processando as
informações, o leitor as armazena em sua memória, para que possa ir organizando
as informações em unidades cada vez maiores”. Assim, a aluna não consegue fazer
esse processo da decodificação ainda, lendo o título como se fosse uma única
palavra, sobrecarregando a memória de trabalho3.
A aluna identificou as letras e leu o título segundo o que estava vendo na
imagem. Durante a leitura, que realizou em voz alta para seus colegas, utilizou os
conhecimentos prévios para desenvolver a atividade. O livro selecionado para leitura
3 Segundo Cafiero (2005) a memória de trabalho ou temporária é onde o leitor no seu processo de decodificação
lê letras para formar sílabas, sílabas para formar palavras e assim por diante, na tentativa de processar as
informações ele sobrecarrega a memória e não consegue organizar as informações. Quando começa a processar
as últimas letras, as primeiras já são esquecidas.
apresentou situações, por meio das imagens, que eram familiares a Violeta, tratava
de temáticas que levava em conta seus conhecimentos prévios e favoreceu a ajuda
necessária para construir o seu significado (SOLÉ, 1988).
Fica claro, na fala de Violeta, ao responder os questionamentos, que sua
leitura é fruto das suas vivências, do que ela vem construindo enquanto experiências
de vida, formativas, por meio dos filmes de desenho que assiste na TV, dos diálogos
com seus familiares, das suas interações e este conjunto de situações, inclusive as
vivenciadas na escola, quando relata que já conhecia a história de Chapeuzinho
Vermelho, pois sua professora do ano anterior havia lido para a turma. Essa
experiência vivenciada pela aluna, somadas a aprendizagem e aquisição da leitura
convencional e autônoma, pode fazer dela uma leitora ainda mais fascinante.
Soares (2012) diz que o letramento pode acontecer antes mesmo da
alfabetização. Tal situação ficou presente na leitura que Violeta traz para a escola. A
leitura realizada na aula foi a do seu cotidiano, de suas vivências, quando expõe que
aprendeu a palavra “sussurrou” e algumas características que ajudaram a identificar
os personagens em programas de TV, assim como que pessoas que se vestem com
roupas coloridas são ricas etc.
O texto que Violeta construiu oralmente é formado de frases soltas, com
vocabulário repetitivo, tendo as características de textos que são produzidos nas
escolas, não apresentando o encadeamento de ideias para criação de uma história,
como inicialmente foi proposto por Lilás. Cafiero (2005) diz que o “escritor dá ao
texto uma organização interna, pensa-o como um todo e não como uma soma de
partes isoladas.” Observamos, então, que Violeta leu as imagens, porém, conseguiu
elaborar frases, não produzindo sentido para quem possivelmente pudesse vir a ler
o seu texto.
Em contrapartida, a professora (Lilás) não realizou nenhuma intervenção ou
orientação no decorrer da atividade, e após o seu término apenas solicitou que os
alunos desenhassem a parte que mais gostaram, deixando o livro a disposição para
quem quisesse folheá-lo. Carvalho (2010) nos diz que é preciso que o professor
mostre aos alunos o que se ganha e se aprende com a leitura e isso só é possível
quando o mesmo realiza questionamentos, analisa as atividades, chamando a
atenção dos alunos para aspectos importantes que fazem parte do processo da
leitura e da compreensão do texto. Podendo, ainda, ser escrita em ocasiões de
transição entre a oralidade e a escrita, incentivando a participação de todos e
mostrando que o que se diz não é igual ao que se escreve.
CONSIDERAÇÕES
As considerações acerca do trabalho apresentado são parciais, por se tratar
de uma pesquisa em andamento, e pela complexidade que é identificar e
compreender os processos formativos de como as professoras/alfabetizadoras
estabelecem as relações dos estudos sobre leitura em sala de aula e as mediações
realizadas nas situações de trabalho com os alunos.
Os dados analisados deixam evidente a necessidade de um trabalho
sistematizado e planejado voltado para as práticas de leitura na escola, pois, de
modo geral, nos planejamentos com as professoras das classes de alfabetização
dão ênfase as atividades de escrita, por considerarem mais fáceis de avaliar.
Nessa perspectiva, evidenciamos que a diversidade e a qualidade das
práticas de leitura realizadas dentro e fora da escola, exercem papel fundamental na
formação do leitor. Salientamos a necessidade da intervenção realizada pelo
professor durante as atividades com as crianças, antes, durante e depois da leitura
(SOLÉ, 1998), contribuem para que, diante dos textos, sejam eles escritos ou de
imagem, assumam os procedimentos que os ajudem a ler convencionalmente.
Portanto, a prática de diversas atividades com textos diferenciados,
explorando as características dos mesmos, suas finalidades, estimulando a leitura
em variadas situações, tendo o professor como mediador desse processo,
oportunizando a participação, levantamento de hipóteses e os levando a refletirem
acerca da sua aprendizagem, forma leitores autônomos, que se interrogam sobre
sua própria compreensão e estabelecem relações entre o que leem, seus
conhecimentos e experiências.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria da Educação Básica. Diretoria de Apoio à Gestão Educacional. Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa: Formação do Professor Alfabetizador. Caderno de apresentação. Brasília, MEC, SEB, 2012.
CARVALHO, Marlene. Guia prático do alfabetizador. 1.ed. São Paulo: Ática, 2010.
CAFIERO, Delaine. Leitura como processo: caderno do formador. (Coleção
Alfabetização e Letramento). Belo Horizonte: UFMG, 2005. FREIRE, Paulo. Professora sim, tia não: cartas a quem ousa ensinar. 24. ed. São Paulo: Loyola, 1997. FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler: em três artigos que se completam.
São Paulo: Cortez, 1989. FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 24. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2002. LEAL, Telma Ferraz; MORAIS, Artur Gomes. A argumentação em textos escritos:
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MANGUEL, Alberto. A imagem como narrativa. In: Lendo Imagens. Uma história de amor e ódio. Trad. Rubens Figueiredo, Rosaura Eichemberg, Cláudia Strauch. São Paulo: Cia. das Letras, 2001. SOARES, Magda. Letramento: um tema em três gêneros. 5ª ed. Belo Horizonte:
Autêntica, 2012.
SOLÉ, Isabel. Estratégias de leitura. Tradução Claudia Schilling. Porto Alegre: ArtMed, 1998.