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PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA
MESTRADO PROFISSIONAL EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA
EDUCAÇÃO FINANCEIRA E EDUCAÇÃO MATEMÁTICA:
INFLAÇÃO DE PREÇO NO ENSINO MÉDIO
Leandro Gonçalves dos Santos
Juiz de Fora (MG)
Agosto, 2017
UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUZI DE FORA
INSTITUTO DE CIÊNCIAS EXATAS
Pós-Graduação em Educação Matemática
Mestrado Profissional em Educação Matemática
Leandro Gonçalves dos Santos
EDUCAÇÃO FINANCEIRA E EDUCAÇÃO MATEMÁTICA:
INFLAÇÃO DE PREÇO NO ENSINO MÉDIO
Orientador: Prof. Dr. Amarildo Melchiades da Silva
Dissertação de Mestrado apresentada
ao Programa de Mestrado Profissional
em Educação Matemática, como parte
dos requisitos para obtenção do título
de Mestre em Educação Matemática.
Juiz de Fora (MG)
Agosto, 2017
Ficha catalográfica elaborada através do programa de
geração automática da Biblioteca Universitária da UFJF,
com os dados fornecidos pelo(a) autor(a)
Santos, Leandro Gonçalves dos .
Educação Financeira e Educação Matemática:Inflação de Preços
no Ensino Médio / Leandro Gonçalves dos Santos. -- 2017.
110 f.
Orientador: Amarildo Melchiades da Silva
Dissertação (mestrado profissional) - Universidade Federal de
Juiz de Fora, Instituto de Ciências Exatas. Programa de Pós
Graduação em Educação Matemática, 2017.
1. Educação Matemática. 2. Educação Financeira Escolar. 3.
Produção de Significados. 4. Produção de Tarefas. 5. Inflação de
Preços. I. Silva, Amarildo Melchiades da , orient. II. Título.
Aos meus pais, Ide e Rosana. Ao meu irmão, Leonardo.
Aos grandes amigos.
Agradecimentos
Aos meus pais, Ide e Rosana, por toda uma vida de exemplos dignos e
de esforços incansáveis na educação (no mais amplo sentido da palavra) de
seus filhos, e também por me incentivarem, apoiarem e suportarem minhas
grandes ausências durante toda a minha caminhada acadêmica.
Ao meu irmão Leonardo, cuja presença sempre alegre em minha vida é
insubstituível.
A toda minha família, pelo apoio e por me acompanharem os passos,
mesmo à distância.
Aos meus amigos, pelos conselhos e orientações, em momentos de
dificuldade, e também pela presença nas comemorações das vitórias
alcançadas.
Ao professor Amarildo, orientador e amigo, pela dedicação, pelo apoio e
pela consideração com relação as minhas dificuldades.
Aos professores do Mestrado Profissional em Educação Matemática da
UFJF, por seu entusiasmo, sua dedicação e seu profissionalismo em todos os
momentos do curso.
Aos distintos professores que aceitaram fazer parte da minha banca,
cuja honra é inestimável para mim.
Aos meus colegas de graduação – que se tornaram bons amigos –
Adriele, Alex, Flávio, Janaína, Mariana, Patrícia, Priscila, Sandra e Thiago, pela
presença, pelo apoio e pelo incentivo.
Aos queridos colegas de turma, Katyane, Vívian, Fabiana, Ângelo,
Marcelo, Andréa, Andreia, Thaís, Rosane, Maria das Graças, Hugo, Esmênia,
Meiriele, Débora, Deysilane, Janaína, Liliane, Marinalva e Michele, pelo alegre
e precioso convívio.
Aos colegas do NIDEEM/UFJF, pelo apoio.
Resumo
Através da pesquisa que apresentamos na presente dissertação, propusemo-
nos investigar o processo de produção de tarefas sobre inflação de preços,
criadas com o objetivo de estimular a produção de significados dos estudantes
do Ensino Médio para este tema. Este trabalho se caracteriza por uma
abordagem qualitativa de investigação, envolvendo uma pesquisa de campo
empreendida em uma escola pública estadual da cidade de Valença, Rio de
Janeiro. A leitura da produção de significados dos sujeitos de pesquisa e a
produção das tarefas foram referenciadas teoricamente pelo Modelo dos
Campos Semânticos. O conjunto de tarefas produzido constituiu um produto
educacional para uso em salas de aula de Matemática da Educação Básica.
Palavras-chave: Educação Matemática. Educação Financeira Escolar.
Produção de Significados. Produção de Tarefas. Inflação de Preços.
Abstract
Through the research that we present in this dissertation, we propose to
investigate the process of production of tasks on price inflation, which were
created with the purpose of stimulating the production of meanings by high
school students for this theme. This work is characterized by a qualitative
research approach, involving a field research undertaken at a state public
school in the city of Valença, Rio de Janeiro. The reading of the meaning
production of the research subjects and the production of the tasks were
theoretically referenced by the Model of Semantic Fields. The set of tasks
produced was an educational product for use in mathematics classrooms of
Elementary Education.
Keywords: Mathematics Education. School Financial Education. Meaning
Production. Task Design. Price Inflation.
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 - Diagrama 1 - Processo Comunicativo........................................... 41
Figura 2 - Diagrama 2 - Processo Comunicativo........................................... 42
Figura 3 - Nota de Cem Reais - Tarefa 5........................................................ 50
Figura 4 - Inflação em 2016 - Reportagem do IBGE – Tarefa 6..................... 51
Figura 5 - Registro Escrito de Nathália - Tarefa 1.......................................... 56
Figura 6 - Registro Escrito de Samuel - Tarefa 2........................................... 66
Figura 7 - Registro Escrito de Samuel - Tarefa 3........................................... 74
Figura 8 - Registro Escrito de Nathália - Tarefa 4 ......................................... 78
Figura 9 - Registro Escrito de Samuel - Tarefa 4........................................... 79
Figura 10 - Registro Escrito de Jair - Tarefa 4............................................... 79
Figura 11 - Nota de Cem Reais - Tarefa 5..................................................... 81
Figura 12 - Registro Escrito de Nathália - Tarefa 5........................................ 92
Figura 13 - Registro Escrito de Jair - Tarefa 5................................................ 93
Figura 14 - Registro Escrito de Samuel - Tarefa ........................................... 93
Figura 15 - Inflação em 2016 - Reportagem do IBGE - Tarefa 6................... 94
Figura 16 - Registro Escrito de Nathália - Tarefa 6....................................... 101
Figura 17 - Registro Escrito de Jair - Tarefa 6.............................................. 101
Figura 18 - Registro Escrito de Samuel - Tarefa 6........................................ 101
LISTA DE SIGLAS
COREMEC - Comitê de Regulação e Fiscalização dos Mercados Financeiros,
de Capitais, de Seguros, de Previdência e Capitalização
CUB - Custo Unitário Básico
CVM - Comissão de Valores Mobiliários
ENEF - Estratégia Nacional de Educação Financeira
FEBRABAM - Federação Brasileira de Bancos
FMI - Fundo Monetário Internacional
GAP - Grupo de Apoio Pedagógico
GREPEM - Grupo de Estudos e Pesquisa em Educação Matemática
GT - Grupo de Trabalho
IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IGP - Índice Geral de Preços
INCC - Índice Nacional do Custo da Construção
INPC - Índice Nacional de Preços ao Consumidor
IPA - Índice de Preços no Atacado
IPCA - Índice de Preços ao Consumidor Amplo
MCS - Modelo dos Campos Semânticos
NIDEEM - Núcleo de Investigação, Divulgação e Estudos em Educação
Matemática da Universidade Federal de Juiz de Fora
OCDE - Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico
POF - Pesquisa de Orçamentos Familiares
SD - Situações Didáticas
SUSEP - Superintendência de Seguros Privados
UFJF - Universidade Federal de Juiz de Fora
SUMÁRIO
1. Introdução ................................................................................................ 12 2. Inflação de Preços ................................................................................... 17 3. Uma Revisão da Literatura ........................................................................24 3.1 - Um Panorama Geral sobre Educação Financeira Escolar ......... 25
3.2 - A Proposta da Estratégia Nacional de Educação Financeira .... 28
3.3 – Justificativas e Produção Acadêmica ....................................... 29 4. Perspectivas Teóricas e a Questão de Investigação ........................... 38 4.1 - Nossos Pressupostos Teóricos .................................................. 39
4.2 – O Problema de Pesquisa .......................................................... 43
5. A Metodologia de Pesquisa ................................................................... 44
5.1 – Caracterização da Pesquisa ...................................................... 45
5.2 – A Pesquisa de Campo ............................................................... 45
5.3 – As Tarefas .................................................................................. 47
5.4 – O Produto Educacional .............................................................. 52
6. Análise da Pesquisa de Campo .............................................................. 53
6.1 – Análise da Tarefa 1 .................................................................... 54
6.2 – Análise da Tarefa 2 .................................................................... 57
6.3 – Análise da Tarefa 3 .................................................................... 67
6.4 – Análise da Tarefa 4 .................................................................... 75
6.5 – Análise da Tarefa 5 .................................................................... 80
6.6 – Análise da Tarefa 6 ................................................................... 94
7. Considerações Finais ............................................................................ 103 Referências .................................................................................................. 106 Anexo 1 - Termo de Compromisso Ético ................................................. 110
1. Introdução
O presente trabalho se trata de uma investigação no campo da
Educação Financeira Escolar. Ele é fruto de meu interesse em contribuir com
os estudos sobre este campo, que vem despertando a atenção de
pesquisadores da área de Educação Matemática, mais notadamente nos
últimos anos.
Meu objetivo central foi pesquisar acerca do ensino do tema inflação de
preços para estudantes do Ensino Médio, em salas de aula de Matemática,
subsidiando o desenvolvimento de tarefas e ações propositivas para o trabalho
docente com tal tema.
A estrada que me conduziu até o mestrado foi quase toda sedimentada
na Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF).
Ingressei no curso de Ciências da Computação da UFJF, em 2004.
Embora não tenha me formado neste curso, foi nessa época que comecei a
ministrar aulas particulares de Matemática e a notar o quanto eu achava
prazeroso e me sentia bem ao ensinar Matemática.
Por impositivos da vida, deixei temporariamente as lides acadêmicas,
em 2008, a ela retornando apenas em meados de 2011, dessa vez no recém
criado curso noturno de Licenciatura em Matemática da UFJF. Fui, pela
segunda vez, acolhido por esta instituição.
Posso dizer que minha história no curso de Matemática e na prática da
educação matemática caminharam sempre juntas, fato que considero um
privilégio que poucos licenciandos podem ter em sua formação.
No primeiro período do curso de Matemática, eu já conseguia transpor
obstáculos que trazem muitas dificuldades para os calouros. Como
consequência disto, pude usufruir de oportunidades que normalmente passam
despercebidas aos estudantes no início de sua formação universitária.
Por exemplo, quando me inscrevi e fui aprovado em um processo
seletivo para bolsista de um projeto da UFJF ligado ao PIBID – Programa
Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência do Ministério da Educação
(governo federal). Através deste projeto, desenvolvi estudos e pesquisas em
Educação Matemática, no interior de uma escola pública, sob a orientação de
um professor da escola e um professor da UFJF. Na mesma época, ingressei
em um grupo de pesquisa que discutia o tema Educação Financeira, associado
ao Núcleo de Investigação, Divulgação e Estudos em Educação Matemática
(NIDEEM). Estas experiências me levaram ao encontro de vários educadores
que influenciaram a minha decisão em cursar o Mestrado Profissional do
Programa de Pós-graduação em Educação Matemática da UFJF, ao qual
ingressei em 2015.
O presente trabalho, apresentado ao programa como projeto de
pesquisa, é parte integrante de um projeto maior em desenvolvimento no grupo
de pesquisa coordenado pelo Prof. Dr. Amarildo Melchiades da Silva, que por
sua vez atua no interior do NIDEEM, trabalhando prioritariamente com
formação de professores e Educação Financeira. Em um de seus estudos de
estágio pós-doutoral, intitulado “Uma experiência de Design em Educação
Matemática: O Projeto Educação Financeira Escolar” (Silva, 2013), sob a
supervisão e colaboração do professor Dr. Arthur Belford Powell (Rutgers
University), o professor Amarildo ofereceu importantes contribuições à minha
pesquisa, algumas das quais apresento, de forma sucinta, ao longo deste texto.
Quando ingressei no programa de mestrado, minha ideia era pesquisar
em Educação Matemática no Ensino Superior. Tanto que, quando me foi
proposto o tema Educação Financeira, por meu orientador, imediato foi o meu
interesse em trabalhar com o curso e o conteúdo da disciplina Matemática
Financeira, oferecida pelo departamento de Matemática da UFJF. A ideia
central era criar um curso de serviço de Educação Financeira para Licenciatura
em Matemática. Mas, após um olhar mais profundo e minucioso para os
objetivos e as propostas de pesquisas do projeto maior supracitado, além da
viabilidade da conclusão da pesquisa, entendi ser mais sensato alterar o tema
e nível de atuação. Deixei a ideia primeira para um futuro e assumi a pesquisa
sobre Inflação de Preços, tendo como foco as tarefas dos professores de
Matemática, o que se configurou como uma nova frente de trabalho a ser
abordada pelo grupo de pesquisa ao qual eu me associei.
Em linhas gerais, minha formação como pesquisador e minha presente
pesquisa convergem nesta dissertação, que foi organizada em seis capítulos.
No capítulo 1, apresento algumas tentativas de caracterização do tema
“Inflação de Preços”, relacionadas ao meu interesse em pesquisar sobre suas
contribuições e relevância para a Educação Financeira no Ensino Médio. E,
ainda neste capítulo, discuto os aportes de duas teorias macroeconômicas para
tratar tal tema, sob perspectivas distintas, porquanto procurei assinalar a
complexidade a ele subjacente.
Apresento, no capítulo 2, uma revisão da literatura em que analiso a
emergência da Educação Financeira em nível internacional e nacional e, ainda,
as pesquisas que identifiquei sobre o tema na área de Educação Matemática.
Nesta direção, explicito alguns pontos da proposta do governo brasileiro –
intitulada Estratégia Nacional de Educação Financeira (ENEF) – para a
inserção da Educação Financeira nas escolas, a partir da qual discuto algumas
perspectivas e abordagens, tendo como contrapontos algumas dissertações
que de alguma forma se aproximam das minhas intenções. Sendo assim, dei
prioridade aos trabalhos acadêmicos que propõem a adoção da Educação
Financeira na Educação Básica. É interessante notar que foi muito reduzido o
número de pesquisas encontradas e, ainda, que há predominância de trabalhos
que apenas tangenciam o assunto, discutindo tão somente a importância da
Educação Financeira no ambiente Escolar.
No capítulo 3, exponho o significado que concebo para “Educação
Financeira Escolar” e assumo uma caracterização, apresentada por Silva e
Powell (2013), do termo “um estudante educado financeiramente”. Além disso,
apresento o Modelo dos Campos Semânticos (MCS), proposto por Romulo
Campos Lins (1994, 1997, 1999, 2012) e presente em Silva (2003, 2013), como
o referencial teórico-metodológico que orientou minha investigação, desde a
perspectiva de um professor assumindo pressupostos teóricos para a
investigação, até sua utilização na criação das tarefas e na análise das falas
dos estudantes nas entrevistas.
Ainda no terceiro capítulo, apresento meu problema de pesquisa,
formulado com base em meus pressupostos teóricos e epistemológicos.
Ao longo do Capítulo 4, explicito minha metodologia de pesquisa e
apresento as tarefas que utilizei na investigação, seus objetivos e o método de
análise da produção de significados dos alunos, frente a tais tarefas.
No Capítulo 5, desenvolvo uma leitura da produção de significados dos
sujeitos de pesquisa, quando buscavam resolver as tarefas propostas. E ainda
avalio as potencialidades das tarefas para constituírem o produto educacional
anexo a esta dissertação.
Finalmente, no Capítulo 6, apresento os resultados de minha pesquisa
de campo e componho minhas considerações finais, sobretudo acerca de meu
problema de pesquisa, que foi assim estabelecido: Produzir um conjunto de
tarefas, referenciadas teoricamente, sobre o tema inflação de preços, para o
ensino de estudantes do Ensino Médio, em salas de aula de Matemática.
2. Inflação de Preços
Neste capítulo, trataremos de fazer algumas considerações importantes
a respeito do tema “Inflação de Preços”, visando esclarecer e evitar algumas
possíveis dúvidas, no decorrer da pesquisa.
No sentido literal da palavra, o termo inflação está associado aos efeitos
inflar ou inchar. Porém, definir o termo “inflação de preços” não é uma tarefa
fácil, visto que, ao longo da história, até mesmo entre os especialistas em
economia, encontramos divergências para o termo.
Desde a década de 1930, diversas escolas macroeconômicas
concorrentes surgiram, ganharam e perderam força, em todo mundo. Esteja
claro que, quando falamos em escolas macroeconômicas, estamos nos
referindo às diversas linhas de pensamentos e estudos econômicos que são
iniciados por um ou mais pesquisadores da área e que passam a ser seguidos,
estudados e difundidos pela comunidade acadêmica, entre os demais
economistas e profissionais afins. (FROYEN, 1999)
Ao optar por seguir uma ou outra dessas escolas macroeconômicas, ou
seja, ao nos alinharmos a uma delas, estamos concordando e admitindo como
certo ou minimamente aceitável todo o seu aparato teórico. Gostamos de
pensar que uma teoria funciona da mesma forma que uma rede, sendo que
seus pressupostos teóricos seriam os nós dessa rede. Assim, do mesmo modo
que ao puxarmos um nó específico de uma rede, inevitavelmente os outros
serão puxados, é lícito pensar que, ao lançar mão de uma teoria ou um modelo
teórico, estamos aceitando como válidos ao menos alguns de seus
pressupostos teóricos.
Atualmente, a produção de significados mais comum, entre os
especialistas, para o termo inflação de preços, designa-o como o aumento
continuado e generalizado dos preços dos bens e serviços. Como está escrito
na sessão de materiais didáticos do site do Banco Central Europeu (European
Central Bank, 2017), numa economia de mercado, os preços dos bens e serviços
estão sempre num processo de mudança, de forma tal que sempre há preços
subindo e outros caindo; porém, essa variação é considerada inflação quando
se verifica um aumento geral dos preços dos bens e serviços, e não quando
apenas os preços de artigos específicos sobem. O resultado da inflação seria a
diminuição no volume de compra de um mesmo produto com o passar do
tempo, utilizando-se um determinado valor em questão. Em outras palavras,
ocorre uma desvalorização da moeda. (EUROPEAN CENTRAL BANK, 2017)
Uma das causas vulgarmente conhecidas dessa desvalorização e,
consequentemente, do aumento da inflação é a impressão de papel-moeda por
parte do governo para cobrir os gastos do estado, ou por parte dos bancos,
graças ao carrossel de depósitos, empréstimos e juros. O crescimento do
volume de dinheiro (papel-moeda) em circulação, sem o devido crescimento na
produção e criação de riqueza, faz com que seja necessária maior quantidade
de dinheiro (valor monetário) para se obter o mesmo produto. O resultado disso
seria a inflação. Em contrapartida, quando o estoque monetário de um país
cresce e a sua produtividade (produto interno bruto) também cresce, pode
acontecer que os preços médios não aumentem ou aumentem mais
lentamente, produzindo, então, uma baixa inflação na economia daquele país.
Desta forma, o dinheiro disponível é disperso entre um grande e crescente
número de produtos e serviços, o que ajuda a manter os preços e controlar a
inflação.
Seguindo linhas de raciocínio similares a esta, a inflação também pode
ser causada por diversos outros fatores, como o aumento exorbitante do preço
de um bem básico – por exemplo, energia elétrica, combustível automotivo e
produtos alimentares – ou, ainda, pelo aumento ou excesso de consumo,
elevando a procura do produto e, consequentemente, o seu preço. Uma
síntese desta busca da gênese do processo inflacionário é dada por Sandroni
(2005, p. 222), quando afirmou: “Inflação é o aumento persistente dos preços
em geral, de que resulta uma contínua perda do poder aquisitivo da moeda”.
Para os especialistas que seguem por este viés, como Lanzana (2005),
existem três tipos básicos de inflação – fruto de sua produção de significado
para o termo – quais sejam:
- Inflação de demanda: é caracterizada pelo excesso de demanda agregada em um determinado setor, em relação à produção disponível. As chances desse tipo de inflação acontecer aumentam quando a produção econômica está próxima ao emprego de recursos. Geralmente ela pode ser combatida com a política econômica de redução da procura agregada. - Inflação de custos: também conhecida como inflação de oferta, ela é associada à subida dos custos de produção. Basicamente a sua caracterização é a seguinte: o nível da demanda permanece, porém, os custos de produção aumentam. Como consequência
desse aumento, ocorre uma retração da produção, que por sua vez, influencia diretamente nos preços de mercado fazendo com que sofram um aumento. Os aumentos salariais e aumento nos custos de matéria-prima são as causas mais comuns desse tipo inflação. O primeiro porque causa o aumento do custo unitário de algum bem ou serviço, já o segundo por provocar um super aumento nos custos da produção, fazendo com que o custo final do bem ou serviço aumente. - Inflação inercial: também é conhecida como inflação psicológica, porque não é causada necessariamente por uma alteração na demanda ou oferta. Para ela acontecer, ela depende da crença das pessoas na subida de preços ou de que ela irá continuar subindo. (LANZANA, 2005, pp. 105-106)
Naturalmente, não há unanimidade quanto à caracterização de inflação.
A noção de inflação de preços possui características que são inerentes às
noções de Economia e, consequentemente, às teorias macroeconômicas.
Devido á própria diversidade de teorias existentes, diversas são também as
produções de significados para o termo inflação de preços.
Não é o foco do presente trabalho desenvolver um estudo aprofundando
sobre as escolas teóricas de macroeconomia. Mas entendemos ser pertinente
fazer algumas breves observações acerca das principais características duas
destas escolas – a keynesiana e a monetarista – e discutir sobre o quanto isso
interfere na produção de significados para inflação.
Acerca do surgimento do termo macroeconomia e de questões históricas
a ele relacionadas, Froyen (1999) fez as seguintes considerações:
O termo Macroeconomia foi criado na década de 1930, período que testemunhou um substancial progresso no estudo das questões econômicas agregativas. Após um longo período no qual questões microeconômicas dominaram o campo da economia, as forças que determinavam a renda, o emprego e os preços começaram a receber maior atenção a partir da virada do século. A depressão mundial, iniciada em 1929, intensificou a urgência do estudo das questões macroeconômicas. Os resultados dessas pesquisas foram várias teorias sobre os “ciclos de negócios”, acompanhadas por um conjunto de prescrições de políticas para estabilizar a atividade econômica. Uma sobressaiu-se, ante as demais, tornando-se a nova ortodoxia do pensamento macroeconômico. (FROYEN, 1999, p. 43)
Um desses estudos resultou em uma teoria macroeconômica, que foi
publicada no livro “A Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda”, de John
Maynard Keynes. Por este motivo, todo o processo de mudança resultante da
mesma recebe o nome de Revolução Keynesiana. Fala-se em revolução, pois,
com seus estudos, Keynes atacou o que ele chamou de Economia Clássica.
(FROYEN, 1999).
Froyen (1999, p. 44), salienta que Keynes usava o termo “clássico” para
se referir a todos os economistas que tinham escrito sobre macroeconomia
antes de 1936. Froyen (1999) assim comenta:
Keynes utilizava o termo "clássicos" para se referir virtualmente a todos os economistas que tinham escrito sobre questões macroeconômicas antes de 1936. A terminologia moderna, mais convencional, distingue, na fase anterior a 1930, dois períodos no desenvolvimento da teoria econômica. O primeiro, designado clássico, é dominado pelos trabalhos de Adam Smith (A Riqueza das Nações,1776), David Ricardo (Princípios de Economia Política, 1817) e John Stuart Mill (Princípios da Economia Política, 1848). O segundo, denominado período neoclássico, tem como seus representantes mais proeminentes os ingleses Alfred Marshall (Princípios da Economia, 1920) e A. C. Pigou (A Teoria do Desemprego,1933). Os avanços teóricos que diferenciam os períodos clássico e neoclássico eram relativos sobretudo à teoria microeconômica. Keynes sentia que a teoria macroeconômica dos dois períodos era homogênea o suficiente para ser tratada de maneira indiscriminada. (FROYEN, 1999, p.44)
Sobre a gênese e a relação dos modelos macroeconômicos, outra
consideração importante levantada por Froyen (1999, p. 44), e que nos
interessa considerar neste trabalho, é a seguinte:
Apesar de muitos dos primeiros escritores keynesianos terem
percebido a teoria clássica como completamente ultrapassada, no
decorrer do tempo, essa reação exagerada amainou-se, e a
economia keynesiana moderna terminou incorporando muitas
idéias originárias dos economistas clássicos. O modelo clássico
também fornece o ponto de partida de ataques posteriores contra
a teoria keynesiana feitos pelos monetaristas, pelos economistas
novo-clássicos e pelos teóricos dos ciclos reais de negócios.
(FROYEN, 1999, p. 44)
Para os keynesianos, os gastos públicos tinham papel fundamental na
busca do equilíbrio macroeconômico, porquanto a teoria de Keynes associa
inflação ao excesso de gastos públicos. Tal excesso provoca um desequilíbrio
que pressiona o mercado de fatores de produção (mão-de-obra, equipamentos,
etc.). Esta pressão causa uma elevação nos fatores de produção, que por sua
vez eleva os custos e, como consequência disto, surge a inflação. (FROYEN,
1999).
Diferente da visão monetaristas, a partir da qual o aumento da moeda é
o gerador da inflação, para os keynesianos, se existe inflação, os gastos
públicos estão inadequados aos níveis de oferta, o que se poderia combater
com uma contração dos gastos. Ainda de acordo com a teoria keynesiana,
além dos gastos públicos, fatores como o aumento de preços do petróleo, e
desastres naturais e quebra de oferta da safra agrícola, por exemplo, também
são potenciais geradores de inflação. (FROYEN, 1999).
Com relação à caracterização dos defensores do monetarismo, Froyen
(1999) faz as seguintes assertivas:
A revista britânica, The Economist, definiu um monetarista como alguém “que julga ser mais importante regular a oferta de moeda em uma economia do que controlar outros instrumentos econômicos. (...) O monetarismo começou como uma tentativa de reafirmar a importância econômica da moeda e, portanto, das políticas monetárias. (FROYEN 1999, p. 238)
Não é difícil notar que os monetaristas dão uma extrema importância à
oferta de moeda, diferentemente dos keynesianos, que defendem a
supremacia da contenção dos gastos públicos para se possa ter o controle da
inflação. Para os adeptos da teoria monetarista, a principal causa da inflação
encontra-se na emissão de moedas num ritmo mais acelerado que as
necessidades da economia, o que ocorreria em função do deficit do setor
público. Para se controlar o processo inflacionário, a solução indicada pelos
monetaristas é seria o combate a este deficit e, consequentemente, um
criterioso e eficiente controle na emissão de moedas. (FROYEN, 1999)
Como podemos ver, olhando apenas sobre as perspectivas de duas das
diversas teorias macroeconômicas, chegamos a duas definições (produção de
significados) distintas para Inflação de Preços. Além disso, relacionados à
inflação no Brasil temos ainda diversos índices: o IGP (Índice Geral de Preços);
o IPA (Índice de Preços no Atacado); o INPC (Índice Nacional de Preços ao
Consumidor); o IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo; o INCC (Índice
Nacional do Custo da Construção); e o CUB (Custo Unitário Básico). Todas
essas definições, índices e etc. demonstram a complexidade e dificuldades
para entender o assunto, levando-nos a acreditar na relevância da Educação
Financeira escolar, porquanto defendemos a necessidade de intervenções
didáticas visando o desenvolvimento da autonomia crítica dos alunos em
relação à sua vida econômica.
Passaremos, no seguinte capítulo, a desenvolver esta discussão,
trazendo um panorama geral sobre o que já foi estudado a esse respeito.
3. A Revisão de Literatura
Neste capítulo, apresentamos a revisão de literatura que norteou nossa
proposta de investigação. A partir dela, discutiremos alguns aspectos
relacionados à nossa questão norteadora, que será descrita abaixo. Não é
nosso objetivo, nesta revisão de literatura, listar um grande número de
concepções do que vem a ser educação financeira escolar. Pretendemos, sim,
analisar, compreender e verificar de que maneira diferentes concepções afetam
o processo de ensino e de aprendizagem dos temas pertinentes tal área.
Começaremos o presente capítulo direcionando nosso olhar para o
trabalho que determinou o início do interesse mundial sobre o tema Educação
Financeira. Logo após, apresentaremos a proposta de ensino do governo
brasileiro, intitulada Estratégia Nacional de Educação Financeira (ENEF), e
algumas de suas ações para levar a Educação Financeira ao ambiente escolar.
Feito isto, apresentaremos os resultados de algumas pesquisas e produções
acadêmicas em Educação Financeira, destinadas à escola, o que de alguma
forma se relacionam com o nosso trabalho. Nosso objetivo principal, além dos
já mencionados acima, será o de utilizar as pesquisas concluídas para lançar
luz às nossas questões de investigação, apresentar e elucidar alguns
pressupostos que sustentam nosso trabalho.
3.1 Um Panorama Geral sobre Educação Financeira
No início dos os anos dois mil, o assunto Educação Financeira tornava-
se definitivamente tema de discussão a nível internacional, pois, para o biênio
2003-2004, a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico
(OCDE) aprovara um programa de trabalho, no qual estava incluído um projeto
intitulado Financial Education Project, a ser desenvolvido por dois de seus
comitês: a Comissão de Mercados Financeiros e de Seguros e a Comissão de
Pensões Privadas. Segundo consta nos documentos da organização, o
interesse dos países membros em educar financeiramente seus cidadãos foi o
principal motivo do surgimento desse projeto. (SILVA & POWELL, 2013)
A primeira das duas fases do projeto terminou em 2005, com a
publicação da pesquisa registrada em um relatório intitulado Improving
Financial Literacy: Análysis of Issues and Policie (Cf. OCDE, 2005a), através
do qual foram identificados três grupos de consumidores vulneráveis no cenário
financeiro: i) trabalhadores que precisam contar com suas pensões e suas
economias pessoais para financiar sua aposentadoria; ii) consumidores
endividados, em particular os jovens; e iii) consumidores que não participavam
do sistema financeiro. (OCDE, 2005 apud SILVA; POWELL, 2013)
Sobre esses três grupos, a falta de conscientização dos trabalhadores
sobre a importância de poupar para a aposentadoria, o uso indevido do cartão
de crédito, o aumento dos empréstimos hipotecários e também dos
empréstimos predatórios a que as pessoas se submetiam resultando em
endividamento excessivo e inadimplência, foram algumas das preocupações
sinalizadas pelo relatório.
Tudo isso, em união com exclusão financeira, que afeta principalmente
os analfabetos financeiros e as pessoas de baixa renda, representam para
esse estudo um indicativo dos efeitos catastróficos que a inabilidade na gestão
do dinheiro e o desconhecimento de questões financeiras poderiam causar nas
finanças pessoais e na vida das pessoas e até mesmo na própria economia de
um país.
Segundo Silva e Powell (2013, p.7), o relatório mencionou a “importância
de educar as pessoas financeiramente, decorrente da evolução e sofisticação
dos mercados financeiros e das mudanças demográficas, econômicas e
políticas dos países” e indicou também que a maioria dos países da OCDE já
estava oferecendo programas de Educação Financeira em uma ampla
variedade de temas como podemos ver a seguir:
Além desses fatores que sugeriam a importância de educar financeiramente a população, orelatório indicou que a maioria dos países membros da OCDE estava oferecendo programas de Educação Financeira em uma ampla variedade de temas, tais como: crédito, seguro de investimentos e pensões. Essas informações eram dirigidas ao público em geral. Porém alguns programas estavam direcionados, mais especificamente, aos investidores, aos consumidores endividados e às pessoas que estavam fora do sistema financeiro. (SILVA; POWELL, 2013, p.7)
Outros resultados interessantes do estudo dizem respeito à literacia
financeira. Ele indica que apesar da diferença entre as pesquisas
desenvolvidas em diversos países como a Austrália, Japão, Coréia do Sul e
Estados Unidos e Reino Unido, é comum a todas as pesquisas o baixo nível de
compreensão financeira entre os respondentes. Porém a maioria dos
consumidores acreditavam saber mais sobre questões financeiras do que
realmente sabiam.
Por fim, a OCDE indicou alguns benefícios de se ensinar Educação
Financeira às pessoas: a possibilidade de ajudar na programação de uma
aposentadoria confortável; fornecer informações e habilidades para fazer bons
investimentos; fornecer aos jovens que estão no início de sua vida profissional
as ferramentas básicas para manterem seu orçamento e economias sob
controle, entre outros.
Vale ressaltar que os benefícios de se educar financeiramente os
cidadãos não seriam apenas para as pessoas comuns, mas também para as
economias dos países na medida em que receberiam os seus impactos
positivos.
Como consequência do relatório produzido, foi gerado um documento
com um conjunto de recomendações aos governos dos países membros
intitulado Recomendações sobre os princípios e boas práticas para a Educação
Financeira e Consciência (OCDE, 2005b) trazendo consigo uma definição para
Educação Financeira que passou a ser adotada por alguns países como o
Brasil (BRASIL/ENEF, 2011B, P.57-58) e a Espanha (Cf. CNMV/BANCO DE
ESPAÑA, 2008) e esta foi expressa da seguinte forma:
Educação Financeira é o processo pelo qual os consumidores financeiros/investidores melhoram a sua compreensão sobre os conceitos e produtos financeiros e, através da informação, instrução e/ou aconselhamento objetivos, desenvolvam as habilidades e a confiança para tomar consciência de riscos e oportunidades financeiras, para fazer escolhas informadas, saber onde buscar ajuda e tomar outras medidas eficazes para melhorar a sua proteção e o seu bem-estar financeiro. (OCDE, 2005, apud SILVA; POWELL, 2013, p.3)
Como já dissemos antes, esse trabalho é o resultado do nosso interesse
em contribuir com as investigações sobre Educação Financeira Escolar e suas
relações com os processos de ensino e de aprendizagem. Consiste também
em entender a maneira através da qual o ensino desse assunto será conduzido
no ambiente escolar, o que vai ao encontro das recomendações da OCDE
expressa da seguinte forma na seção “Boas Práticas” do documento citado no
parágrafo anterior: “A educação Financeira deve começar na escola. As
pessoas devem ser educadas sobre questões financeiras o mais cedo possível
em suas vidas.”
No entanto, o alvo de nosso olhar estará, especificamente, nas questões
relacionadas à Inflação de Preços, no contexto do Ensino Médio, o que
contribuirá, direta e indiretamente, para a formação do cidadão com autonomia
crítica.
3.2 A Proposta da Estratégia Nacional de Educação Financeira
Assim como se deu em diversos outros países, o governo brasileiro
seguiu a tendência mundial, e adotou como política pública, a entrada da
Educação Financeira nas escolas de Educação Básica.
Em 2010, através do Decreto Federal 7397/2010 temos o nascimento da
Estratégia Nacional de Educação Financeira (ENEF). Sua gênese é de
responsabilidade de um Grupo de Trabalho (GT), criado em 2007. Este grupo
era composto pelo Comitê de Regulação e Fiscalização dos Mercados
Financeiros, de Capitais, de Seguros, de Previdência e Capitalização
(COREMEC), criado em janeiro de 2006 pelo Decreto nº 5685, além de dezoito
órgãos e entidades do governo, e quatro organizações da iniciativa privada e
da sociedade civil, com a finalidade de discutir e elaborar uma proposta para
melhorar o nível de Educação Financeira da população brasileira. A proposta
governamental (BRASIL, 2011a) tem os, seguintes objetivos:
A ENEF tem os objetivos de promover e fomentar a cultura de educação financeira no país, ampliar a compreensão do cidadão, para que seja capaz de fazer escolhas conscientes quanto à administração de seus recursos, e contribuir para eficiência e solidez dos mercados financeiros, de capitais, de seguros, de previdência e de capitalização. (BRASIL, 2011a, p.2)
Após a apresentação e aprovação da proposta para a criação da ENEF,
foi constituído um novo GT que deu início em 2009 à sua implementação e
continuidade nas ações. E reforçando a fala de Vital (2014), de todas as suas
ações merece destaque a criação do Grupo de Apoio Pedagógico (GAP)
responsável por elaborar o documento intitulado Orientações para a Educação
Financeira nas Escolas. Nele é apresentado o modelo conceitual para levar a
Educação Financeira às escolas como podemos ver em Brasil (2011b), no
seguinte trecho:
Este documento (grifo nosso) pauta-se em problemática atual e apresenta princípios que devem nortear as ações necessárias para se atingir uma situação desejada. Essa proposta se caracteriza pela flexibilidade, para possibilitar sua adaptação aos contextos escolares” (BRASIL, 2011b, p.56)
Não é uma surpresa o fato da ENEF ter adotado o conceito de Educação
Financeira elaborado pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento
Econômico (OCDE), assim como ocorreu na elaboração de documentos de
gestores de políticas públicas educacionais de muitos países, dada a influência
que tal organização tem no mundo. Não obstante é importante destacar qual
seria este conceito, com as devidas adaptações à realidade brasileira:
[...] a Educação Financeira é o processo mediante o qual os indivíduos e as sociedades melhoram sua compreensão dos conceitos e dos produtos financeiros, de maneira que, com informação, formação e orientação claras, adquiram os valores e as competências necessários para se tornarem conscientes das oportunidades e dos riscos neles envolvidos e, então, façam escolhas bem informadas, saibam onde procurar ajuda, adotem outras ações que melhorem o seu bem-estar, contribuindo, assim, de modo consistente para formação de indivíduos e sociedades responsáveis, comprometidos com o futuro. (BRASIL, 2011a, p.20)
Como salienta Vital (2014), podemos ver que o conceito de Educação
Financeira da OCDE possui três níveis de atuação: informação, formação e
orientação. Resolvi cortar a parte que estava causando problemas.
3.3 Justificativas e Produção Acadêmica
Na presente seção, nosso objetivo é apresentar os resultados de
algumas pesquisas que de alguma maneira se relacionam com o nosso
trabalho de pesquisa que apresentamos nesta dissertação e cujos resultados
nos permitiram considerar que dificilmente conseguiríamos fazer um estudo
sobre Educação Financeira e deliberar sobre qual definição e quais
características de tal tema assumiríamos, sem antes entender melhor as
características de nossa sociedade contemporânea, dos sujeitos que vivem
nela e sua maneira de pensar, quando estão imersos em questões financeiras.
Para esclarecermos nossas ideias quanto a isso, fomos buscar apoio nos
estudos do sociólogo polonês Zygmunt Bauman.
Em seus livros e artigos, Bauman (2008) discorre, entre outras coisas,
sobre três ideias que consideramos centrais para o nosso trabalho e
posicionamento perante o tema: o consumismo, a sociedade de consumo e a
noção de modernidade líquida.
O consumismo, para Bauman (2008, p.41) é “(...) um tipo de arranjo
social resultante da reciclagem de vontades, desejos e anseios humanos
rotineiros (...)”, fazendo o consumo assumir papel chave na sociedade. Ou
seja, nasce daí necessidade de possuir bens que excedem as necessidades de
sobrevivência. Sendo assim, devemos ficar atentos para não confundirmos o
consumismo com o consumo. Quanto a este aspecto, Bauman (2008, p. 41)
salienta: “De maneira distinta do consumo que é basicamente uma
característica e uma ocupação dos seres humanos como indivíduos, o
consumismo é um atributo da sociedade.
Já com relação à sociedade de consumo, Bauman (2008) se refere a ela
da seguinte forma:
[...] a sociedade de consumidores representa um conjunto peculiar de condições existenciais em que é elevada a probabilidade de que a maioria dos homens e das mulheres venham a abraçar a cultura consumista em vez de qualquer outra, e de que na maior parte do tempo obedeçam aos preceitos dela com máxima dedicação. (BAUMAN, 2008, p.70)
Pois bem. Quais seriam, então, estas condições existenciais, de acordo
com a proposta por Bauman?
Uma delas é o fato de que o seu valor característico mais elevado, é que
o consumidor tenha uma vida feliz. Como ele comenta, essa talvez seja a única
sociedade que promete felicidade na vida eterna, aqui e agora e a cada agora
sucessivo. Bauman (2008, p.45) refere-se também a ela como “cultura
agorista” ou “cultura apressada”, que, segundo ele, são termos adequados,
criados por Sthepen Bertman.
De acordo com Bauman (2008, p. 64), “(...) a sociedade de consumo
prospera enquanto consegue tornar perpétua a não-satisfação de seus
membros (...)”, o que poderia ser equiparável à infelicidade. O objetivo crucial
do consumo na sociedade de consumidores não seria a satisfação das
necessidades, desejos e vontades, mas a comodificação do consumidor o que
equivale a elevar a condição dos consumidores às mercadorias vendáveis,
uma vez que, nesse contexto, ninguém pode se tornar sujeito sem primeiro
virar mercadoria. (BAUMAN, 2008)
Com relação ao termo líquido nas teorias de Bauman, este se relaciona
com as ideias de algo passageiro, maleável e facilmente mutável.
Ao assumirmos esta como a nossa visão de sociedade, não é difícil
notar a necessidade de se fornecer uma Educação Financeira de qualidade
para os cidadãos, de forma que estes sejam reflexivos e críticos com as suas
situações financeiras e de consumo do dia-a-dia. Para fornecer uma boa
formação em Educação Financeira, acreditamos na necessidade de
possuirmos bons professores, que por sua vez também precisam de uma boa
formação, isto é, uma formação que lhes possibilite trabalhar de maneira
profunda e relevante com os diversos subtemas de Educação Financeira.
Encaramos este como um dos mais fortes apontamentos da relevância da
nossa pesquisa e também como um vislumbre da necessidade de se trabalhar
com os diversos públicos que permeiam a Educação Básica de nosso país.
Nessa direção, apresentaremos algumas pesquisas desenvolvidas em
Educação Financeira Escolar com foco na sala de aula de matemática. A
grande maioria destas pesquisas está ligada a um projeto maior desenvolvido
no NIDEEN/UFJF. O motivo dessa escolha foi valorizar o trabalho que está
sendo feito há alguns anos, no interior deste grupo de pesquisas.
Campos (2012) produziu a dissertação intitulada “Uma investigação
sobre a Educação Financeira na Matemática do Ensino Fundamental”. Nesse
trabalho, o autor (Ibidem) aborda a importância da Educação Financeira no
Ensino Fundamental e a sua atuação como espaço de discussão de diferentes
perspectivas, procurando construir uma proposta que respeitasse as diferentes
concepções e pontos de vista que as pessoas têm em relação ao dinheiro.
Quanto a este aspecto da Educação Financeira, Campos (2012) aponta para
um possível modo de se trabalhar em sala de aula:
Sugerimos que a Educação Financeira, nas escolas, deveria constituir-se em um espaço de discussão de diferentes perspectivas. Cada aluno debatendo suas próprias ideias e ouvindo os argumentos dos outros. Este ambiente pode contribuir com a formação dos estudantes. (CAMPOS, 2012, p. 50)
Campos (2012) ainda discute a possibilidade de inserção da Educação
Financeira como tema transversal no currículo escolar.
De fato, percebemos que os PCN, que discutem os temas transversais, afirmam que eles correspondem a “questões importantes, urgentes e presentes sob várias formas na vida cotidiana” [...]. São temas com abrangência nacional e passíveis de discussão no Ensino Fundamental. Além disso, favorecem a compreensão da realidade e a participação social dos alunos. [...] De acordo com o documento, os Temas Transversais não constituem novas áreas ou disciplinas, mas devem perpassar por todas as áreas do conhecimento. Assim, não são abordados paralelamente, mas passam a fazer parte dos conteúdos e metodologias das disciplinas. [...] Apesar de a Educação Financeira não figurar como um tema transversal, percebemos que os PCN sinalizam para a possibilidade de inserção de outras questões. Notamos, diante das características apresentadas para os temas transversais e dos seus objetivos na formação dos estudantes, a possibilidade de discutir a Educação Financeira como um tema transversal. (CAMPOS, 2012, p. 51)
Também preocupada com a inserção da Educação Financeira no Ensino
Fundamental, Losano (2013) defendeu a dissertação Intitulada “Design de
Tarefas de Educação Financeira para 6° ano do Ensino Fundamental”, que
trata da elaboração de tarefas de Educação Financeira para o 6° ano do ensino
fundamental. Losano (2013) inicia sua revisão de literatura fazendo análise de
livros que tratam do tema Educação Financeira em seus diversos aspectos, e
comenta sobre a dificuldade em se encontrar material e pesquisas sobre
educação Financeira advindos do meio acadêmico.
Após vasta pesquisa em sites acadêmicos, em anais de congressos e encontros de Educação Matemática, percebemos que não há muitos trabalhos acadêmicos em Educação Financeira. Encontramos sim, mas em Matemática Financeira, focados no ensino de juros simples, compostos, porcentagens, descontos e acréscimos. (LOSANO, 2013, p. 34)
Vital (2014) defendeu a dissertação de título: “Educação Financeira e
Educação Matemática: Inflação de Preços”. Por diversos motivos podemos
dizer que nosso trabalho, no projeto geral de nosso grupo de pesquisa,
pretende dar continuidade a esta pesquisa de Vital (Ibidem), que foi elaborada
para introduzir o tema inflação no 9º ano do Ensino Fundamental. Podemos
dizer isso porque um tema muito similar é trabalhado em ambos. Enquanto
Vital (2014) está preocupado com a produção de significados dos alunos do
Ensino Fundamental, nosso foco são os alunos do Ensino médio.
Assim como nós, o autor inicia sua revisão de literatura, fazendo uma
apresentação resumida, porém bastante abrangente da Estratégia Nacional de
Educação Financeira (ENEF).
Vital (2014, p.20) descreve o material didático produzido pela ENEF da
seguinte forma:
O material didático inicialmente produzido foi para atender ao projeto piloto que teve duração de três semestres letivos, de agosto de 2010 até dezembro de 2011. Neste primeiro momento, a avaliação englobou somente o ensino médio. Foram observados 891 escolas e 26981 alunos, com 13745 alunos no grupo de controle e 13236 alunos no grupo de tratamento, em 6 estados brasileiros. Foram distribuídos para estas escolas: os livros do aluno contendo 69 Situações Didáticas (SD) divididas em 3 blocos, sendo cada bloco com 23 SD para serem trabalhadas em um semestre; o caderno do aluno e o livro do professor, que é espelho do livro do aluno, contendo orientações didáticas e conteúdos complementares. No ano de 2013, a ENEF começou a elaborar o material didático e a divulgar o início do projeto piloto também para ensino fundamental. Serão contempladas 820 escolas públicas localizadas em cinco regiões brasileiras, buscando atender a 7380 professores e a 164000 alunos. (VITAL 2014, p. 20)
Além disto, Vital (2014) destaca ainda a importância que a ENEF atribui
para a promoção de um diálogo articulador entre as áreas do conhecimento
presentes no ambiente escolar e elege as características que, segundo ele,
devem estar presentes na elaboração das situações didáticas que permitam
aos alunos se desenvolverem em termos de competências intimamente
relacionadas a situações financeiras do cotidiano. Entre estas, destaca Vital
(Ibidem):
(...) - os alunos responsabilizam-se pela organização de sua atividade para tentar resolver o problema proposto; - a atividade dos alunos está orientada para a obtenção de um resultado previamente explicitado e que pode ser identificado pelos próprios alunos; - a resolução do problema envolve a tomada de decisões por parte dos alunos, para adequá-las ao objetivo perseguido; - os alunos podem recorrer a diferentes estratégias para resolver o problema formulado; - os alunos estabelecem relações sociais diversas: comunicações, debates ou negociações com outros alunos e com o professor. (VITAL, 2014, p.22).
Por fim, Vital (2014) faz um estudo sobre produções acadêmicas da
Educação Financeira finalizadas e em andamento até aquele momento, tanto
no país quanto fora dele, e destaca uma dissertação do Departamento de
Economia do Instituto Universitário de Lisboa, elaborada por Fernandes (2011)
e intitulada “Acerca da Literacia Financeira”, na qual a autora analisa os
“conceitos de literacia financeira e conceitos associados como a educação
financeira, inclusão financeira, segurança financeira e bem-estar financeiro...”
(FERNANDES, 2011, p. 2)
Além disso, Fernandes (2011) faz uma análise comparativa de cinco
estratégias de Literacia Financeira implementadas por cinco países, como
podemos ver no trecho abaixo retirado de seu texto:
A análise comparativa das cinco estratégias de literacia financeira (Portugal, Reino Unido, Estados Unidos, Nova Zelândia e Índia) a ser desenvolvida no capítulo V, será elaborada com o propósito de encontrar diferenças e semelhanças entre as várias iniciativas dos países, no sentido de entender qual o caminho que cada país traça para melhorar a literacia da população, quais as metodologias, quais os temas abordados e quais as competências transmitidas. Neste capítulo serão também comparados alguns indicadores socioeconómicos para perceber as diferentes realidades de cada país reflectidas nas especificidades de cada estratégia de literacia financeira. Para a obtenção dos indicadores socioeconómicos recorrer-se-á às bases de dados do Banco Mundial, Unesco e OCDE disponibilizadas nos seus websites. (FERNANDES, 2011, p.2)
Ao longo de trabalho, Fernandes (2011) apresentou um importante
panorama das principais contradições e diferenças de perspectivas relativas à
literacia financeira, explicitando a seguinte questão: Por que se defende a
importância da literacia financeira?
Além das instituições públicas de educação de Portugal, a Fernandes
(2011) interage também com os programas de Educação Financeira
desenvolvidos por instituições públicas e privadas de países como Reino
Unido, Estados Unidos, Nova Zelândia e Índia. Buscando dessa forma,
compreender quais são os benefícios que o aumento da Literacia Financeira
traz para as pessoas comuns e para o cenário econômico dos países. (VITAL,
2014)
Saindo da revisão de literatura e olhando para a parte prática do trabalho
de Vital (2014, p. 56) o autor introduz uma série de tarefas sobre Inflação de
Preços em sala de aula, através de uma tarefa disparadora, da seguinte forma:
As tarefas a seguir têm como objetivo esclarecer o que é inflação e como ela influencia na nossa vida, na da nossa família e de nosso país. Antes de começar nossas leituras, gostaria de saber: o que você sabe dizer sobre inflação de preços?
O objetivo Vital (2014) com essa tarefa foi introduzir o tema inflação de
preços aos alunos. Feito isso o isso o autor seguiu com outras quatro tarefas
das quais destacaremos duas:
Tarefa 1: O que é inflação de preços?
A inflação de preços ou simplesmente inflação é o processo de aumento
contínuo e generalizado de preços dos bens e serviços negociados em um
país. Contínuo porque o aumento dos preços ocorre ao longo de meses, anos
e até décadas. Generalizado porque ele acontece no preço da maioria dos
bens e serviços, tais como, alimentos, automóveis, aluguéis, passagens de
ônibus, gasolina, cafezinho e pão francês. Estas duas características são
importantes para se dizer que houve inflação.
Para discutir:
Considerando o texto anterior, responda:
a) Se há um aumento de preços num dado mês por algum motivo e há
estabilidade de preços nos meses seguintes, podemos caracterizar inflação?
b) Se apenas os preços das hortaliças e frutas aumentam num período do
ano, enquanto o preço da maioria dos demais produtos permanece inalterado,
podemos caracterizar inflação?
Tarefa 2: Quais as causas da inflação?
Uma inflação de preços é causada por vários fatores, entre eles:
- O aumento da quantidade de dinheiro em circulação em um país. Pois
quando ocorre esse aumento, a população tem maior poder aquisitivo e
consome mais. Mas o que parece positivo, num primeiro momento, pode
esconder um problema. Se o consumo é muito alto, pode haver escassez de
produtos no mercado e, com o crescimento da procura eles aumentam de
preço. Com os preços em alta, a população perde o poder aquisitivo, ou seja,
pode comprar cada vez menos.
- A inflação de preços pode ser gerada por um conflito em uma região do
mundo. Por exemplo, uma guerra no Oriente Médio pode disparar o preço do
petróleo vendido para vários países do mundo. Como o preço do petróleo
influencia o preço de vários outros produtos e serviços, pode ocorrer inflação.
- A inflação de preços pode ser gerada por fatores climáticos num país.
Para discutir:
a) Se o governo brasileiro anunciar que o salário mínimo aumentará cinco
vezes em relação ao valor atual, isso poderia influenciar na inflação?
b) O aumento do preço da gasolina pode influenciar nos gastos de uma família
que não possui carro ou moto?
c) Que fatores climáticos podem influenciar na inflação de um país e porque
isso ocorre?
A Tarefa 1 teve o objetivo de trazer uma caracterização e definição de
Inflação de Preços adotadas em Livros de Macroeconomia, além da
potencialidade de produção de significados dos alunos a partir dos
questionamentos que foram elaborados sobre o resíduo de enunciação. O
objetivo da Tarefa 2 foi apresentar alguns fatores que ocasionam a inflação de
preços na economia de um país. (VITAL, 2014).
Em 2015 o professor Jesus Nazareno Martins Dias tratou do ensino da
noção de juros para estudantes do ensino fundamental em sua dissertação
Intitulada “Educação Financeira Escolar: a noção de juros”, a partir de uma
perspectiva de inserção da Educação Financeira no ambiente escolar como
parte do currículo de matemática.
Em sua Revisão de Literatura, Dias (2014) discorre assim sobre a
pesquisa de diversos autores. E assim como nós também destaca o trabalho
de Campos (2012) sobre a importância da inserção da Educação Financeira no
currículo de matemática. Vejamos as palavras de Dias (2014):
Ele [Campos,2012] defendeu que a Educação Financeira fosse inserida no currículo de Matemática, vislumbrando a possibilidade de, por essa via, alcançar os diversos segmentos da sociedade. De fato, tendo em vista a busca da universalização da Educação Básica, a ação de inserção do tema na escola ampliaria as discussões, permitindo que as questões fossem vivenciadas e discutidas nos lares, no contexto social, abrangendo o alcance da proposta. Isso possibilitaria às pessoas maior familiaridade com aspectos importantes da Educação Financeira tais como: planejamento em longo prazo; mudanças de cenário econômico; complexidade do sistema financeiro; gestão financeira. (DIAS, 2015, pp. 15 e 16)
De Andréia Stambassi Souza em 2016 temos a dissertação: “Design e
Desenvolvimento de um curso de formação continuada para professores em
Educação Financeira Escolar” onde a professora investiga uma proposta de
formação de professores da Educação Básica sobre o tema Educação
Financeira na escola considerando as características de um curso de formação
de professores que tem como foco a escola e que envolvem a formação de
cidadãos através da Educação Financeira.
Com base nesta revisão, esperamos que o nosso trabalho possa
contribuir para complementar o projeto do qual fazemos parte e para
enriquecer o estudo sobre Educação Financeira.
4. Perspectivas Teóricas e a Questão de
Investigação
Apesar de podermos considerar este trabalho como um estudo local, ele
trouxe diversas contribuições para nossa visão docente sobre a prática da sala
de aula na Educação Básica. Em nossa curta carreira como professor de
Matemática, já vivenciamos e notamos que uma das principais dificuldades de
nossa prática profissional, é a de deliberar sobre quais elementos constituintes
desta prática devemos dar privilegiada atenção em prol da eficácia e eficiência
de nosso trabalho.
São inúmeros aspectos (pedagógicos, psicológicos, políticos, filosóficos,
sociológicos...) envolvidos nos processos de ensino e de aprendizagem que
contribuem para a criação de diversas dúvidas sobre conteúdos curriculares;
relacionamento entre professor e alunos; metodologias alternativas de ensino
entre outros. Concordamos com Glaeser (1982 p.83), quando afirma que
“ensinamos na neblina! Não dispomos de meios eficientes para saber de
antemão o que será fácil ou difícil para o aluno.” Em particular, no que diz
respeito aos processos de ensino e de aprendizagem da Matemática na
formação de futuros professores da disciplina, existem inúmeras pesquisas que
apontam o esquecimento do “para quem se ensina”, o que deixa em segundo
plano o processo de aprendizagem.
Por esta razão, antes de formular a nossa questão de investigação,
optamos por elucidar as posições teóricas que assumimos, ao tomar os
pressupostos e concepções presentes no Modelo dos Campos Semânticos
(MCS) como teoria e orientação de nossa investigação, o qual nos possibilita
um refinamento do olhar para as questões da sala de aula de Matemática.
4.1 Nossos Pressupostos Teóricos
O Modelo dos Campos Semânticos (MCS) é um modelo epistemológico,
criado pelo educador matemático Rômulo Lins a partir de 1993 (LINS, 1993),
porém sua origem das ideias se encontrava em sua tese de doutorado
defendida em 1992. Nós optamos por utilizar esse modelo como referencial
teórico e instrumento análise das produções de significados dos sujeitos de
pesquisa, por se mostrar uma teoria relativamente simples se comparado com
outras teorias em Educação Matemática, porém poderosa e que nos permitiu
ter certa clareza dos dados que desejávamos analisar. Essa teoria tem em
seus pilares as noções de conhecimento, significado e campos semânticos,
que incorporam as ideias de Vygotisky, Leontiev e Nelson Godman.
Com efeito, as noções-categorias tratadas no Modelo dos Campos
Semânticos (MCS), como significado, produção de significado, dificuldades,
processo comunicativo e processos de ensino e de aprendizagem, oferecem-
nos um método de ler os processos cognitivos discentes, denominado Método
de Leitura Plausível (SILVA, 2003). Tais aportes ou noções-categorias são
encontrados em Lins (1999, 2001 e 2004).
De acordo com o MCS, a noção de significado proposta por Lins (2001)
é a de um conjunto de coisas que se diz a respeito de um objeto. Esta noção
se refere não ao que um sujeito poderia dizer, mas ao que ele efetivamente diz
sobre um objeto, no interior de uma atividade. Por exemplo, a ação (discente)
de elaborar uma estratégia para vencer um jogo pode ser considerada uma
atividade, e no interior desta atividade, significados podem ser produzidos e
negociados, segundo os aportes do MCS. Estes mesmos aportes teóricos
permitem-nos afirmar que a legitimidade dos significados produzidos pelos
estudantes não é algo sobre os quais os professores tenham domínio ou
possam decidir, pois significados matemáticos ou não-matemáticos produzidos
por um determinado sujeito, no interior de uma atividade (LEONTIEV, 2006),
são sempre legítimos, dentro de um processo comunicativo qualquer,
independente dos possíveis interlocutores reais (LINS, 1999).
Segundo Lins (2012), produzir significados significa realizar ações
enunciativas sobre um determinado objeto. Nesta perspectiva, Lins (2012)
observa que ensinar significa sugerir modos de produção de significados e
aprender é internalizar modos legítimos de produção de significados. O
processo de internalização, aqui citado, deve ser entendido no sentido proposto
por Vigotsky (1994).
Para Lins (1999), um ponto importante das ideias de Vygostky para o
MCS é o fato de que ele pensou em termos de processo; e assevera que, “[em
Vygostsky], o olhar se dirige a processos, que uma vez postos em marcha são
a causa de sua própria mudança”. (LINS, 1999, p. 79).
Outra noção importante do MCS é o de processo comunicativo. A
discussão começa com a escolha de um dos dois pressupostos a seguir: o de
que “somos todos diferentes” (presente nas teorias Vygotskyanas) ou o de que
“somos todos iguais” (presente em teorias onde a categorização é possível,
como é o caso da teoria piagetiana). Em Lins (1999), ele discorre sobre as
diferenças entre essas duas concepções e explicita a sua escolha pela primeira
opção, que consequentemente também assumiremos.
O pressuposto de que somos todos diferentes, apoiado nas ideias de
Vygostsky assume que “dada a plasticidade do cérebro humano, a menos que
alguém intervenha, nosso caminho é divergimos fortemente nas constituições
de nosso funcionamento cognitivo”. (LINS, 1999, P.79). Ou seja, esse
pressuposto significa a divergência do funcionamento cognitivo dos indivíduos
é a tendência natural. Partindo disso, podemos ver então que o mais
importante para nós não é fazer a analise pela falta, ou seja, o que o indivíduo
ainda não sabe não é o mais importante, mas sim descobrirem que lugar
cognitivo o aluno está e avaliar a necessidade de intervenção.
A caracterização de Lins (1999) para processo comunicativo é dada a
partir das noções de autor, leitor e texto, no sentido segundo o qual autor é
aquele que produz a enunciação como, por exemplo, um professor em uma
aula expositiva. Vejamos, abaixo, o diagrama do processo comunicativo
proposto por Lins (1999).
Figura 1 – Diagrama 1 - Processo Comunicativo
O autor quando fala, fala sempre para alguém mas, este alguém não
corresponde a nenhum indivíduo específico mas sim para um leitor por ele
constituído. O interlocutor para o qual se dirige o autor é um ser cognitivo. E o
significado das setas pontilhadas é para indicar que somente na construção do
autor que a “transmissão” acontece.
Vindo da outra ponta (Figura 2), acontece um processo similar, mas que
não é o mesmo. Agora o leitor lê o resíduo de enunciação deixado, transforma-
o em texto (ou não), e torna-se assim um novo autor. Esse transformar em
texto dito aqui seria a produção de significados. Por causa disso, podemos
afirmar que esse processo depende da produção de significados de cada um,
que em algum momento é Leitor e em outros se torna autor e vice versa.
Figura 2 – Diagrama 2 - Processo Comunicativo
Outra noção-categoria importante do MCS estudada por Silva (2003) são
os núcleos, que por sua vez foram inspirados na noção de estipulação, ou seja,
algo estipulado previamente.
inspirou a noção de núcleo a partir da idéia de estipulações locais da seguinte maneira: no processo de produção de significados, existem algumas afirmações que a pessoa faz e que, tomando-as como absolutamente válidas, não sente necessidade de justificá-las. A essas crenças-afirmações, chamaremos de estipulações locais. E ao conjunto de estipulações locais constituídas no interior de uma atividade denominamos núcleo. (SILVA, 2003, p. 75).
Lins ainda observa que:
Um núcleo pode ser constituído por um diagrama, por um desenho, por uma balança, por um conjunto de princípios (axiomas, por exemplo), por uma situação “realista” ou ficcional. O que importa é que é em relação aos objetos do núcleo que vai ser produzido significado, seja para que texto for. Núcleos não se referem especificamente a “conteúdos” ou “áreas de conhecimento”: em relação ao mesmo núcleo de balança de dois pratos, é possível produzir significado para uma equação, para a noção de justiça ou para fenômenos físicos diversos. (LINS, 1997, p.144).
Quanto á questão das dificuldades, dentro do MCS, Lins (1993) as divide
em duas categorias: obstáculo e limite epistemológicos. Obstáculo
epistemológico é o processo no qual um aluno operando dentro de um campo
semântico, poderia potencialmente produzir significado para uma afirmação,
mas não produz; (...) Limite epistemológico seria a impossibilidade de um aluno
produzir significado para uma afirmação ou um resíduo de enunciação, numa
certa direção, devido à sua maneira de operar cognitivamente. (LINS, 1993)
Para finalizar, compactuamos com Ramos (2011) quando salienta que a
respeito da complexidade de todo esse processo da produção de significados.
O fenômeno da produção de significados é uma atividade complexa que envolve a atividade em questão e a tarefa que é sua origem, os significados e os textos sendo produzidos, o possível processo de transformação dos núcleos e as consequentes rupturas em busca de novos modos de produção de significados. E relacionam-se, ainda, com o papel do professor como interlocutor e os alunos como interlocutores uns dos outros, os interlocutores não-presentes, a existência de certos modos de produção que os educadores querem que os alunos dominem e a existência de certas afirmações que os alunos assumam como correta. (RAMOS, 2011, p.38)
Feitas essas considerações, podemos agora sintetizar nossa questão de
investigação ressaltando que todo nosso trabalho em todas as suas etapas é
referenciado teoricamente, e não se apoia no senso comum. Temos a intenção
com isso de produzir tarefas orientadas por objetivos e pressupostos teóricos
bem definidos.
4.2 O Problema de Pesquisa
Como destacado anteriormente nesse trabalho, nossa pesquisa é parte
de um projeto maior intitulado “Design e Desenvolvimento de um Programa de
Educação Financeira para a Formação de Estudantes e Professores da
Educação Básica”.
Atendendo às concepções de Educação Financeira, apresentadas na
seção 2.3 do presente trabalho, aos objetivos propostos no projeto supracitado,
buscamos problematizar situações atuais e relevantes para os alunos, fazendo
com que desenvolvam o pensamento financeiro diante de tarefas que foram
elaboradas com o intuito de estimular a produção de significados dos sujeitos
de pesquisa. Estas tarefas irão compor material didático do projeto e o produto
educacional desta pesquisa.
Assim, a partir destes objetivos, formulamos o seguinte problema de
pesquisa: Produzir um conjunto de tarefas, referenciadas teoricamente, sobre o
tema inflação de preços para o ensino de estudantes do Ensino Médio em
salas de aula de Matemática.
5. A Metodologia de Pesquisa
Nas linhas abaixo apresentamos nossa metodologia de pesquisa. Este
capítulo está dividido em quatro seções. Na primeira seção caracterizaremos
nossa pesquisa como uma abordagem qualitativa de investigação. Na
segunda, descreveremos como se deu nossa pesquisa de campo,
apresentando o contexto onde ela foi desenvolvida e caracterizando os nossos
sujeitos de pesquisa. Na terceira seção, acrescentaremos novos elementos ao
referencial teórico adotado no capítulo anterior – as noções categorias do MCS
- e esclarecemos como fizemos a leitura da produção de significados dos
sujeitos de pesquisa. Na quarta e última seção esclareceremos as condutas
que orientaram o caminho da produção do conjunto de tarefas até sua
constituição em produto educacional.
5.1. Caracterização da Pesquisa
A pesquisa caracteriza-se como sendo uma abordagem qualitativa de
investigação conforme proposto por Bogdan e Biklen (2010). Segundo estes
pesquisadores (Ibidem), cinco características podem ser destacadas em uma
pesquisa qualitativa:
Na investigação qualitativa a fonte direta de dados é o ambiente natural, constituindo o investigador o instrumento principal. [...] A investigação qualitativa é descritiva. [...] Os investigadores interessam-se mais pelo processo do que simplesmente pelos resultados ou produtos. [...] Os investigadores tendem a analisar os seus dados de forma indutiva. [...] O significado é de importância vital na abordagem qualitativa (BOGDAN e BIKLEN, 2010, p. 47-51).
Como parte de nossa investigação, desenvolvemos uma pesquisa de
campo que descreveremos a seguir.
5.2 A Pesquisa de Campo
Assim como em Vital (2014), nossa pesquisa de campo foi dividida em
duas etapas. A primeira etapa foi a de elaboração das tarefas, realizada
durante encontros semanais do grupo de pesquisa NIDEEM no Laboratório de
pesquisa em Educação Matemática do Programa de Pós-Graduação em
Educação Matemática da UFJF. Estes encontros são frequentados por
professores da rede pública e privada da cidade de Juiz de Fora, discentes do
Curso de Licenciatura em Matemática e do Programa de Mestrado Profissional
de Educação Matemática da UFJF.
A segunda etapa constituiu-se da pesquisa de campo. Ela foi
desenvolvida em uma escola da estadual cidade de Valença, no estado do Rio
de Janeiro, onde o pesquisador realiza suas atividades docentes. Nesta escola
existem turmas de 8º e 9º ano do ensino fundamental e duas turmas do 1° ano,
duas do segundo, e uma turma do 3° ano do Ensino Médio. Contudo decidimos
convidar para participar da pesquisa somente alguns alunos do 3º ano. A turma
era composta por 15 alunos, dos quais apenas 3 alunos aceitaram participar.
Decidimos escolher todos os alunos de uma mesma turma, pois estes
frequentam o mesmo ambiente escolar desde 6° ano do ensino fundamental.
Acreditamos, conforme destacado por Bogdan e Biklen (2010), que
devemos assumir que o comportamento humano é significativamente
influenciado pelo contexto em que ocorre e este deve, sempre que possível,
estar presente ao local de estudo. Por este motivo, optamos por investigar na
escola em que trabalhamos.
No dia 20 de junho de 2017 realizamos uma conversa com os sujeitos
de pesquisa e explicamos alguns pontos do que iria ocorrer nos dias seguintes
e fizemos a entrega do termo de compromisso ético (ver Anexo 1) que seria
assinado pelo pesquisador, pelo responsável do aluno e pelo orientador da
pesquisa, protegendo suas identidades e permitindo o uso e divulgação das
informações que seriam coletadas no presente trabalho.
Os sujeitos de pesquisas foram identificados pelos seguintes
pseudônimos: Jair, Nathália e Samuel. Após esta etapa, marcamos três
encontros com os alunos, que foram realizados nos dias 07, 11 e 14 de agosto
de 2017. Nestes três encontros, aplicamos as seis tarefas que são
apresentadas na seção 4.3 do presente capítulo.
A coleta de dados das ações enunciativas de nossos sujeitos foi feita
usando a filmagem das sessões de entrevistas, e anotações no caderno de
campo. Além disso, disponibilizamos aos alunos lápis, borracha, as tarefas
impressas em papel A4, calculadora; e permitimos a utilização da calculadora
do próprio celular.
Nossa conduta, nas entrevistas foi, em geral: iniciar cada tarefa com os
sujeitos de pesquisa, realizando uma leitura inicialmente individual; durante e
após esta leitura questionamos os sujeitos sobre possíveis dúvidas do
vocabulário presente nas tarefas; caso isso ocorresse, incentivávamos a
realização de consulta ao dicionário disponibilizado durante os encontros ou ao
dicionário virtual. Feito isso, os alunos realizavam as tarefas propostas e
quando todos terminavam, começávamos a conversar sobre as respostas e
estratégias de cada aluno na resolução apresentada.
5.3 As Tarefas
Nossa investigação toma como ponto de partida três tarefas compostas
por aquelas produzidas por Vital (2014), destacadas na revisão de literatura,
além de outras três tarefas elaboradas de acordo com os pressupostos do
MCS e que explorem a temática inflação de preços para, a partir daí, ampliar a
produção de significados dos estudantes do Ensino Médio.
O motivo de utilizar as tarefas de Vital (2014) para iniciar a discussão
sobre inflação no 3º Ano seria a de considerar que no processo de educar
financeiramente os estudantes da Educação Básica, proposta pelo nosso grupo
de pesquisa, o aluno pudesse retomar a ideia inicial discutida com ele no nono
ano do Ensino Fundamental e ampliar seus modos de produção de significados
a partir das novas tarefas propostas, quais as que seguem.
Tarefa 1: Inflação de Preços
As tarefas a seguir têm como objetivo esclarecer o que é inflação e como ela
influencia na nossa vida, na da nossa família e de nosso país.
Antes de começar nossas leituras, gostaria de saber o que você sabe dizer
sobre inflação de preços?
Tarefa 2: O que é inflação de preços?
A inflação de preços ou simplesmente inflação é o processo de aumento
contínuo e generalizado de preços dos bens e serviços negociados em um
país. Contínuo porque o aumento dos preços ocorre ao longo de meses, anos
e até décadas. Generalizado porque ele acontece no preço da maioria dos
bens e serviços, tais como, alimentos, automóveis, aluguéis, passagens de
ônibus, gasolina, cafezinho e pão francês. Estas duas características são
importantes para se dizer que houve inflação.
Para discutir:
Considerando o texto anterior, responda:
a) Se há um aumento de preços num dado mês por algum motivo e há
estabilidade de preços nos meses seguintes, podemos caracterizar inflação?
b) Se apenas os preços das hortaliças e frutas aumentam num período do
ano, enquanto o preço da maioria dos demais produtos permanece inalterado,
podemos caracterizar inflação?
Tarefa 3: Quais as causas da inflação?
Uma inflação de preços é causada por vários fatores, entre eles:
- O aumento da quantidade de dinheiro em circulação em um país. Pois
quando ocorre esse aumento, a população tem maior poder aquisitivo e
consome mais. Mas o que parece positivo, num primeiro momento, pode
esconder um problema. Se o consumo é muito alto, pode haver escassez de
produtos no mercado e, com o crescimento da procura eles aumentam de
preço. Com os preços em alta, a população perde o poder aquisitivo, ou seja,
pode comprar cada vez menos.
- A inflação de preços pode ser gerada por um conflito em uma região do
mundo. Por exemplo, uma guerra no Oriente Médio pode disparar o preço do
petróleo vendido para vários países do mundo. Como o preço do petróleo
influencia o preço de vários outros produtos e serviços, pode ocorrer inflação.
- A inflação de preços pode ser gerada por fatores climáticos num país.
Para discutir:
a) Se o governo brasileiro anunciar que o salário mínimo aumentará cinco
vezes em relação ao valor atual, isso poderia influenciar na inflação?
b) O aumento do preço da gasolina pode influenciar nos gastos de uma família
que não possui carro ou moto?
c) Que fatores climáticos podem influenciar na inflação de um país e por que
isso ocorre?
Em nosso processo de elaboração das tarefas, nosso foco esteve em
criar situações em que os estudantes produzissem diferentes de significados a
respeito do tema. Além disso, esperamos que elas possam também inspirar
professores a criar outras tarefas, aplicá-las e analisá-las e dessa forma
direcionar seu trabalho na sala de aula.
Nas tarefas 4 e 5 ambas intituladas “Inflação e Desvalorização do
Dinheiro” tivemos como objetivo analisar a reação dos alunos perante a
desvalorização da moeda brasileira ao longo dos anos em um cenário de
inflação elevada. Com essa tarefa pretendíamos sugerir aos alunos o tamanho
da “destruição” que uma inflação elevada tem sobre o poder de compra das
pessoas de um país. Ela foi apresentada da seguinte forma:
Tarefa 4: “Inflação e Desvalorização do Dinheiro”
“Em meados dos anos 1970 começaram a aparecer músicas sobre o dia a dia da população nas artes os primeiros reclamos da perda de valor do dinheiro, e o país cantou com Paulinho da Viola a música Pecado Capital, tema da novela de 1975-6 — cujo verso mais famoso era “Dinheiro na mão é Vendaval”. “Dinheiro na mão é vendaval É vendaval! Na vida de um sonhador De um sonhador! Quanta gente aí se engana E cai da cama Com toda a ilusão que sonhou E a grandeza se desfaz Quando a solidão é mais Alguém já falou...”
Em 1977, fez sucesso a música “Saco de Feijão” de Francisco Santana. “De que me serve um saco cheio de dinheiro pra comprar um quilo de feijão? No tempo dos dérreis e do vintém se vivia muito bem, sem haver reclamação Eu ia no armazém do seu Manoel com um tostão trazia um quilo de feijão. Depois que inventaram o tal cruzeiro eu trago um embrulhinho na mão e deixo um saco de dinheiro.” Para discutir
Como você acha que estava a inflação no Brasil naquela época?
Tarefa 5: “Inflação e Desvalorização do Dinheiro”
Figura 3 – Nota de cem reais – Tarefa 5
Para discutir:
a) De 1° de Julho de 1994 até fevereiro de 2014, estudos indicaram que o nosso dinheiro desvalorizou aproximadamente 77,65%. Com isso, uma nota de R$ 100,00 reais valeria quanto em 2014? O que você entende sobre o valor encontrado?
b) Ao longo de quase 20 anos de Plano Real, a inflação acumulada desde 01/07/1994 até 01/02/2014 medida pelo IPCA*, foi de 347,51%. Considerando essa inflação, quanto custaria um produto de R$ 1,00 em 1994 em 2014?
c) Sabendo que no final da década de 80 e início da década de 90 a inflação chegava a 5000% ao ano, o que você pode dizer sobre a situação financeira da população nessa época?
Na tarefa 6, o nosso objetivo foi o de trazer uma reflexão sobre as
consequências de se economizar ou investir dinheiro na poupança, porém
levando-se em consideração os efeitos da inflação sobre essa “aplicação”.
Será parte de nossa observação nesta tarefa verificar se os estudantes usarão
as informações obtidas anteriormente para utilizar neste momento.
Tarefa 6: Inflação x Poupança
Na data de 11/ 01 /2017 foi ao ar no portal G1 a seguinte postagem:
Figura 4 – Inflação em 2016 – Reportagem do IBGE – Tarefa 6
Fonte:<http://g1.globo.com/economia/noticia/inflacao-oficial-fecha-2016-em-629-diz-
ibge.ghtml>. Acesso em: 12 Ago.2017.
Segundo o Banco Central do Brasil, a Caderneta de Poupança atual tem rendimento composto de uma taxa fixa de 0,5% ao mês mais a Taxa Referencial (TR) variável, que gera juros final médio em torno de 0,6% ao mês.
Para Discutir a) Senhor João está decidindo depositar R$ 10000,00 na poupança com o objetivo de fazer seu dinheiro aumentar com o Juros. Você acha que isso vai acontecer? b) Para você, quando é mais vantajoso guardar dinheiro na poupança para lucrar com os juros?
Essas foram as tarefas elaboradas para apresentar aos estudantes e
avaliar as suas potencialidades para uso em sala de aula.
5.4 O Produto Educacional
As tarefas apresentadas na seção 4.3, além de fazerem parte de uma
proposta curricular presente no projeto maior em que nossa pesquisa está
inserida, constituirão também um produto educacional.
Assim, antes da elaboração do produto educacional, pretendemos
reavaliar as potencialidades das tarefas. Temos o interesse que esse material,
ao ser apresentado às salas de aula do Ensino Médio, possibilite aos
professores e alunos, novos modos de produção de significados ao se tratar da
Educação Financeira e do tema inflação de preços.
Esta revisão das tarefas é realizada após os resultados das análises da
produção de significados dos sujeitos de pesquisa que se dispuseram a falar
do tema proposto, a partir das tarefas que lhe foram apresentadas.
Apresentamos a seguir as leituras da produção de significados que
foram obtidas na pesquisa de campo e que nos nortearam para atender aos
objetivos supracitados.
6. Análise da Pesquisa de Campo
Neste capítulo apresentaremos a análise obtida na pesquisa de campo
fazendo uma leitura das produções de significados do material registrado pelos
sujeitos (resolução das tarefas, diálogos, expressões diversas). Porém, antes
de chegarmos a este ponto devemos recordar que foram aplicadas 6 tarefas a
um grupo de 3 alunos do 3° ano Ensino Médio.
Por esse motivo, essa análise será subdividida em seis seções. No início
de cada seção, apresentaremos novamente as tarefas (que já exibimos no
capítulo anterior), cada qual à sua vez, para nos auxiliar na organização deste
trabalho, facilitando a leitura deste capítulo.
O processo de produção de significados dos estudantes inicia com a
apresentação da tarefa 1. Como já foi abordado num momento anterior, nossa
intenção de começar com essa tarefa objetivava obter dos sujeitos de pesquisa
o que eles entendiam sobre o tema proposto: inflação de preços.
Neste capítulo apresentamos somente alguns registros escritos dos
alunos e fragmentos de suas falas. Sua produção escrita foi acrescentada na
íntegra nos anexos, além da transcrição completa das transcrições das
filmagens. Tomamos esta decisão porque para a análise foram selecionadas as
informações principais.
6.1 Análise da Tarefa 1
Eis a seguir a tarefa 1, assim como foi apresentada aos sujeitos na
pesquisa de campo.
Tarefa 1: Inflação de Preços
As tarefas a seguir têm como objetivo esclarecer o que é inflação e como ela
influencia na nossa vida, na da nossa família e de nosso país.
Antes de começar nossas leituras, gostaria de saber o que você sabe dizer
sobre inflação de preços?
O processo se iniciou com a fala do pesquisador. Ele deu ligeiras
explicações acerca do prosseguimento da pesquisa, enquanto entregava a
folha com a Tarefa 1. Vejamos trechos da transcrição do vídeo.
Pesq1: Pessoal, eu vou passar para vocês algumas tarefas, que iniciaremos hoje e continuaremos provavelmente amanhã, são seis tarefas no total. Meus planos são de aplicar pelo menos três hoje e três amanhã. Podem fazer com calma, sem pressa, tem tempo de sobra, por isso optei por dois dias. Vamos fazer o seguinte: todo mundo faz uma primeira leitura individual e depois fazemos uma leitura em conjunto. Ou seja, algum de vocês faz uma leitura sozinho para o grupo inteiro ouvir e assim tirarmos todas as dúvidas antes de vocês resolverem as tarefas. Essa é a Tarefa 1.
Após a leitura iniciamos, ponderamos que seria interessante que
conversássemos livremente sobre o que eles pensaram antes de começarem
com as anotações.
Pesq: Vocês entenderam o que eu estou querendo com essa tarefa? O que eu quero que vocês façam? Entenderam o texto da tarefa? Têm alguma dúvida em alguma palavra?
Samuel: Assim, eu não lembro muito bem o que que é inflação. Tipo, eu sei que ela tem a ver com a mudança de preços nos produtos. Mas não sei me aprofundar sobre esse tipo de coisa. Eu sei que por exemplo, os salários dos profissionais aumentam conforme a inflação.
Pesq: E você Jair Bolsonaro, o que você tem a dizer sobre o que o Samuel Falou?
Jair: Tenho a dizer que a inflação move os preços né? Se a inflação estiver alta os preços vão estar altos. Se a inflação estiver baixa...
Pesq: Você Nathália?
Nathália: Assim, eu sei mais ou menos na prática o que que é mas não sei muito explicar o que é.
Pesq: Mas o que, que você considera assim “na prática”? Quando você diz “na prática” você quer dizer o quê?
Nathália: Na prática por exemplo eu sei que todo ano a inflação sobe, e ai normalmente o salário mínimo sobe proporcionalmente à inflação não é? Costuma aumentar. O preço dos produtos tem uma certa inflação né?
Pesq: O preço dos produtos costuma aumentar?
Nathália: É, estavam reclamando antes do tomate que estava muito caro. Essas coisas...
Percebemos, durante este primeiro momento, não só na fala como
também na escrita de todos os alunos, que inflação de preços estava
diretamente relacionada com alterações no preço dos produtos e preços
elevados. Nathália e Samuel ainda relacionam inflação com aumento salarial.
Isso fica bem claro na estipulação local a seguir, retirada da fala de Jair
Bolsonaro: “Se a inflação estiver alta os preços vão estar altos.”.
Vale ressaltar que para o MCS conhecimento implícito não é
conhecimento. Portanto quando a aluna Nathália diz que “sabe o que é na
prática, mas não sabe explicar”, isso não pode ser considerado conhecimento e
consequentemente naquele instante ela não sabe o que é inflação. Porém sua
fala posterior e sua escrita mostram seu real conhecimento sobre o assunto.
Vejamos o registro da aluna Nathália:
Figura 5 – Registro escrito de Nathália – Tarefa 1
Observando a escrita de Nathália destacamos que o professor deve
estar atento para o fato de que diferentes significados produzidos podem gerar
diferentes conhecimentos para a mesma enunciação. Além disso, observamos
que questionamentos que as vezes consideramos simples, não se mostraram
tão simples, quando os sujeitos de pesquisa produziram significados para eles,
como falar sobre Inflação de Preços.
6.2 – Análise da Tarefa 2
Analisaremos, a seguir, a produção de significados dos sujeitos de
pesquisa para a tarefa 2. Consideremos a tarefa:
Tarefa 2: O que é inflação de preços?
A inflação de preços ou simplesmente inflação é o processo de aumento
contínuo e generalizado de preços dos bens e serviços negociados em um
país. Contínuo porque o aumento dos preços ocorre ao longo de meses, anos
e até décadas. Generalizado porque ele acontece no preço da maioria dos
bens e serviços, tais como, alimentos, automóveis, aluguéis, passagens de
ônibus, gasolina, cafezinho e pão francês. Estas duas características são
importantes para se dizer que houve inflação.
Para discutir:
Considerando o texto anterior, responda:
a) Se há um aumento de preços num dado mês por algum motivo e há
estabilidade de preços nos meses seguintes, podemos caracterizar inflação?
b) Se apenas os preços das hortaliças e frutas aumentam num período do
ano, enquanto o preço da maioria dos demais produtos permanece inalterado,
podemos caracterizar inflação?
Novamente o processo se inicia com a fala do pesquisador:
Pesq: Então, aquela foi a Tarefa 1. Vou passar pra vocês aqui agora a segunda tarefa. Fazer a mesma coisa. Vocês façam uma leitura individual, e depois alguém lê para o grupo todo para tirarmos alguma dúvida que ficar sobre a tarefa.
Os sujeitos passam a fazer a leitura e Nathalia pergunta:
Nathalia: Uma pergunta. Aqui em “se há um aumento no preço em um dado mês por algum motivo e há estabilidade de preços no mês seguinte”, quer dizer que nos outros meses continua no mesmo preço do mesmo aumento que teve no mês?
Logo em seguida Samuel demonstra também ter dúvidas na tarefa:
Samuel: Assim, era um real, passou pra dois e seguiu dois e dois nos próximos meses ou era um real, passou pra dois, voltou pra um e continuou um nos próximos meses?
Nathalia: É!
O pesquisador fez uma releitura da tarefa, em voz baixa, para entender
as perguntas dos sujeitos e percebemos que a dúvida deles era dizia respeito a
estabilização.
Pesq: O entendimento aqui seria que ele aumentou e depois estabilizou.
Jair: Igual o Temer fez com a gasolina? Jogou o preço lá no alto e ai ele fica?
Os alunos fazem um silêncio momentâneo enquanto terminam de
resolver a tarefa. Feito isso, o pesquisador reinicia a discussão. Nesse primeiro
momento, nosso objetivo foi tentar perceber se os alunos haviam percebido o
fato de estarem com uma definição formal de Inflação e se haviam se
apropriado dela para resolver as tarefas seguintes.
Pesq: Deixem-me fazer uma pergunta para vocês. Quando vocês leram o texto inicial, deu para perceber que o texto está te dando uma definição para inflação?
Samuel: Sim.
Nathalia: Sim.
Jair: Sim.
Pesq: Está bem clara essa definição?
Samuel: Você quer saber se ela influencia, na nossa opinião?
Pesq: Por exemplo, [...] se eu te perguntar novamente aquela pergunta inicial após você ter lido isso que está aqui, te ajudaria de alguma forma? A primeira que eu fiz?
Nathalia: Ajudaria.
Jair: Ela é praticamente a resposta dessa daqui.
Samuel: É assim que as respostas são feitas?
[...]
Pesq: Você sabe dizer coisas a mais sobre inflação do que você sabia antes? Agora depois de ter lido essa definição? Ela ajudou vocês?
Samuel: Sim.
Nathalia: Ela só me ajudou a explicar melhor. Porque antes eu não estava sabendo era explicar, mas na prática eu acho que a gente sabe o quê que é inflação. [Fala algo que não consegui entender]
Pesq: Entendi. Mas então, quando ele fala aqui... [Leitura da definição de inflação na Tarefa 2]. Essa definição está clara então?
Alunos: [Confirmação com movimento de cabeça]
Na sequência pedimos para que cada um dos sujeitos falasse sobre
suas respostas para as perguntas da tarefa 2. O objetivo foi observar sua
produção de significados para o assunto abordado na fala dos sujeitos e depois
compará-los com os resíduos de enunciação em sua produção escrita, assim
como fizemos com as respostas de Nathália na tarefa 1.
Pesq: Que resposta você deu para a primeira pergunta Samuel? [leitura de parte da primeira pergunta] “Se há um aumento de preços em um dado produto por algum motivo...”
Samuel: Eu respondi que não, porque como diz no segundo texto, pelo que eu entendi, pra você considerar uma inflação ela precisa ter um aumento de preços continuo. [...] Um produto não aumenta de preços só por causa da inflação, pode aumentar o preço de um produto por vários motivos. Então não é só porque aumentou o preço de um produto que isso pode ser considerado inflação. Não é por qualquer motivo que o salário das pessoas pode ser influenciado. Então não acho que seja inflação.
Nota-se que a explicação de Samuel é um tanto confusa. Em
determinados momentos ele usa da definição para embasar o que está falando,
em outros, observamos suas e estipulações locais sendo mantidas. Por esse
motivo, toda sua argumentação se torna um tanto confusa e até mesmo
desconexa. Apesar disso, podemos entender alguns fragmentos de sua
produção de significados.
Por exemplo, apesar da definição falar que a inflação é o processo de
aumento contínuo e generalizado de preços dos bens e serviços negociados
em um país nessa sua primeira fala ele parece a relacionar a inflação com o
aumento do preço momentâneo de um produto qualquer. Isso pode ser notado
na nas falas subsequentes de Nathália e Jair que parecem operarem numa
direção diferente, eles produzem significados para interlocutores distintos.
Nathalia: Mas aqui ele não especificou que foi em um só produto.
Jair: É ele tá falando da primeira. [Parece que Jair tenha entendido que Samuel estava respondendo as outras perguntas].
A conversa segue com Samuel tentando melhorar sua argumentação e
os outros dois alunos tentando entender seu resíduo de enunciação.
Samuel: Não, não foi em um só produto, mas precisa ser contínuo. Ele falou que precisa ser contínuo.
Nathalia: Ah, contínuo pode ser daqui a um ano.
Jair: É, daqui a um ano.
Samuel: Então, eu sei, mas ele não falou, ele não especificou. Eu acho que não é. Um produto pode aumentar o preço por qualquer motivo, não só pela inflação. Qualquer motivo. Qualquer! Então nem sempre poder ser. [Nathália interrompe Samuel].
Nathalia: /A isso ai foi o que eu expliquei na b né./
Observamos que os alunos estão tentando falar a partir do conceito de
inflação de preços presente na tarefa. Esta tentativa de incorporação de novos
objetos a suas falas é constitutiva do processo de aprendizagem e, por este
motivo, muito importante sob a ótica do MCS.
Em seguida perguntamos a Nathália sobre sua resposta:
Pesq: O que você colocou ai Nathália?
Nathalia: Ah, eu coloquei que no mês que aumentou sim.
Pesq: No mês que aumentou o quê?
Nathalia: No mês que aumentou é inflação. Ai e continuou o mesmo preço, provavelmente não vai abaixar né?
Pesq: Tem a ver com aquela pergunta que vocês fizeram anteriormente? Lá no início? Tem a ver com aquilo? Ou não?
Nathalia: Não. Eu tô falando, aumentou o preço dos produtos em um mês e nos meses seguintes continuou o mesmo preço.
Pesq: Isso ai, estabilizou.
Nathalia: Estabilizou. E se estabilizou, provavelmente o pessoal não vai abaixar o preço né. A tendência é ir aumentando. Então no mês que aumentou sim.
Pesq: Entendi.
Nathalia: Ninguém vai querer baixar o preço [Risos]. Igual fazer aquelas promoções.
Jair: É! [Fala sorri junto com a fala de Nathália]
Pesq: Então houve inflação naquele mês pra você?
Nathalia: Naquele mês houve inflação.
Podemos observar que, até este ponto, que Nathalia se apropria apenas
de parte da definição. Sua produção de significado leva em conta o aumento
generalizado dos preços, porém ela parece não entender muito bem de que
esse aumento necessariamente precisa ser contínuo. Mais especificamente a
continuidade parece ainda trazer dúvidas para ela, ocasionando em
justificações não legítimas.
Antes mesmo nós perguntarmos sua resposta, ainda durante a conversa
com Nathália, Jair se pronuncia:
Jair: Botei sim porque aumentou os preços proporcionalmente à inflação. Tipo a inflação aumentou 1%, os preços aumentariam equivalente a 1% da inflação.
Nathalia: [Nathália faz uma expressão de desentendida]. Mas também não falou quanto aumentou né?
Jair: Não, eu botei proporcionalmente. Falei, tipo assim a inflação aumentou então o preço também aumentaria.
Daqui em diante os sujeitos demonstram desentendimentos e podemos
perceber como ainda operam com lógicas distintas.
Samuel: Eu já discordo de vocês dois.
Nathalia: Eu só acho que se gerou estabilidade não vai abaixar, então é inflação.
Samuel: Claro que pode abaixar. Claro que pode abaixar.
Jair: Botei aqui que nos meses seguinte... [Nathália interrompe a fala de Jair Bolsonaro].
Nathalia: „Ah pode abaixar. Naquelas promoções falsas pode abaixar’ [Fala com tom irônico].
Samuel: Mas é que não precisa. [...]
Jair: Se há um aumento nos preços num dado mês por algum motivo e há estabilidade. Tipo assim, aumentou e agora está estável, parou.
Samuel: Hum...
Jair: Então...
Nesse momento Samuel tenta legitimar os significados que produz com
exemplos. Mas como Nathália não consegue falar na mesma direção que os
interlocutores de Samuel, ela se mostra irônica e inacessível. Veja isso no
diálogo que segue:
Nathalia: É tipo na televisão, por exemplo... [Samuel interrompe Nathália].
Samuel: „Por exemplo cara, se um cara é fazendeiro e ele quer compra um trator por exemplo.’
Nathalia: Um trator? Que exemplo difícil!... [Fala com tom Irônico].
Samuel: E ele precisa de dinheiro pra comprar um trator, então ele vai aumentar o preço dos produtos dele pra poder comprar o trator e quando ele comprar o trator e ou tiver o dinheiro pra comprar ele diminui.
Jair: Mas não necessariamente. [Samuel interrompe Jair].
Samuel: Porque não adianta você aumentar o preço de um produto.
Nathalia: Mas ai ele não falou de um trator falou de todos os produtos. Ele não especificou.
Jair: Correto [...]
Samuel: [...] Eu não tô dando um motivo porque alguém poderia aumentar o preço. Não tô falando que esse é o caso que está aqui. Estou falando que alguém possa aumentar o preço por qualquer coisa. Até por interesse pessoal. Mas ele vai ver que os produtos dele não são os mais baratos e outras pessoas procuram outros produtos. Então ele vai ter que diminuir pro produto dele continuar sendo comprado. A inflação pra ela ser inflação ela tem que ter influência no pensamento dos trabalhadores.
Nathalia: Hum? Tô entendendo nada que ele tá falando, não. [Risos].
Samuel: Pra continuar com mesmo poder de compra. Entendeu?
Jair: [Fala algo inaudível].
Todos fazem um silêncio momentâneo tentando entender o que foi
discutido anteriormente. Mesmo nós ainda possuíamos muitas dúvidas sobre a
produção de significados de Samuel, e por esse motivo, voltamos a questioná-
lo.
Pesq: Você está dizendo Samuel, que pra ser inflação isso tem que pesar no bolso de quem está pagando? [...].
Samuel: Nãão. Eu tô falando que, nem todo aumento de preço pode ser caso de inflação, mesmo que dure por um tempo. Mesmo, mesmo que se caracterize inflação, o tempo...
Nathalia: Por isso que eu expliquei na b) que não!
Jair: É.
Pesq: Você está querendo dizer então que aumentar o preço, não necessariamente quer dizer que houve um aumento de inflação, ou causado pela inflação.
Samuel: Isso! Porque pode ser um aumento de preço pessoal. É exatamente, isso que eu tô falando.
Nathália e Jair ainda discordam de Samuel e tentam fazer com que ele
compare perguntas e respostas das questões a) e b).
Nathalia: Mas se não botou uma coisa específica. Na b) por exemplo eu não coloquei que é considerada inflação por que? Porque uma coisa específica tipo hortaliça e fruta pode ter tido uma praga na plantação e aumentou o preço por causa disso
Jair: É, não é específico. A estiagem de chuvas.
Nathalia: É, a estiagem pode ser algum problema na plantação. Então na b) eu acho que não é inflação mas na (a) teve um aumento de preço e não especificou que é sei lá de carro, de cafezinho, de pão. Não especificou, falou que teve um aumento de preços. Se teve um aumento a gente pensa que foi em todos os produtos no geral. Então isso daí se estabilizou provavelmente é inflação.
Pesq: [Silencio]
Nathalia: Entendeu o que eu falei? [Fala direcionada para pesquisador].
Apesar de ainda equivocada em algumas conclusões, a produção de
significados de Nathália está bem clara. Mesmo não concordando com os
argumentos dela, Samuel demonstra tê-lo entendido.
Pesq: Entendi. E você entendeu o que ela falou Samuel?
Samuel: Entendi.
Pesq: Você concorda?
Samuel: Não [Risos]. Continuo não concordando.
Pesq: E você Jair concorda com ela?
Jair: Sim! [Balançando a cabeça]
Pesq: Então pra você e pra Nathália houve inflação.
Jair: Sim!
Pesq: Pro Samuel não.
Samuel: Então até porque as informações dadas aqui são muito rasas. Então eu não vou falar que isso é inflação sem ter mais informações.
Nathalia: Meu Deus! Esse menino está muito teoria da conspiração.
Pesq: Então, deixa ele. Ele tem a opinião dele.
Samuel: Eu não vou falar [Risos].
A divergência de ideias entre Samuel e Nathália foi bastante promissora
pois obrigou os dois a produzirem significados na direção de esclarecer sua
forma de pensar.
Passamos para a segunda pergunta da Tarefa 2. Nela todos
demonstram ter a mesma opinião.
Pesq: E essa segunda pergunta? [Leitura da pergunta b] “Se apenas os preços das hortaliças e frutas aumentam num período do ano, enquanto o preço da maioria dos demais produtos permanece inalterado, podemos caracterizar inflação?”.
Samuel: Ai todo mundo falou não. Todo mundo falou não mesmo.
Nathalia: Não.
Jair: Não.
Pesq: Não, e colocaram mais alguma coisa? Podem ler as respostas?
Nathalia: Bom eu falei não porque o aumento é um aumento contínuo e generalizado. Pode ser que aconteceu alguma coisa como uma baixa produção nas plantações. Teve alguma chuva alguma praga ou alguma coisa. Que aumentou em algum momento do ano e depois pode ser que abaixe de novo. Igual aconteceu com o tomate, aumentou muito o preço e já abaixou de novo. Com fruta acontece isso daí direto. Aumentar e abaixar o preço.
Pesq: Sim entendi. E vocês concordam?
Samuel: Falei a mesma coisa que ela.
Pesq: E você Jair?
Jair: Também. Falei a mesma coisa praticamente.
Observamos que Nathália fala a partir do enunciado da tarefa 2, o que
nos sugere que ela transformou em texto aquele resíduo de enunciação e o
incorporou a sua fala.
Diversos pontos ainda não estavam claros para nós decidirmos o que
Samuel realmente havia internalizado da definição. Por esse motivo
resolvemos voltar na primeira pergunta para tentar entender melhor sua
produção de Significados. Mas ele se mostrou impermeável. Apenas Nathália e
Jair interagiram e reafirmaram suas conclusões.
Pesq: Só pra complementar a pergunta a) com relação a divergência de vocês. E para não ficar dúvida com relação a nada.
Samuel: A não.
Pesq: Essa primeira frase aqui “A inflação de preços ou simplesmente inflação é o processo de aumento contínuo e generalizado do preço dos Bens de serviços e produtos em um país” Isso não ajuda tirar a divergência que vocês estão na letra a)? Pergunta para todos.
Nathalia: Mas é por causa disso que eu tenho minha opinião. Porque aqui não especificou o produto. Na (b) sim especificou mas na (a) não especificou. E o aumento estabilizou pelo que falou aqui.
Jair: Foi durante o mês. Tipo a inflação subiu um mês e em determinados produtos naquele mês subiram o preço.
Pesq: Entendi.
Nathalia: Não especificou o produto, só falou que aumentou. E se falou que aumentou a gente pensa que são todos. Porque não especificou nenhum.
Pesq: Ok!
Mais uma vez alertamos para o fato da fala e da escrita demonstrarem
produções de significados diferentes. Dessa vez escolhemos a escrita de
Samuel para reafirmar nossa observação:
Figura 6 – Registro escrito de Samuel – Tarefa 2
Com essa tarefa pretendíamos verificar se os alunos se apropriariam da
definição de inflação apresentada e se eles a utilizariam para responder às
questões propostas. Observamos que, de certo modo, todos eles produziram
significados para a definição de Inflação. Comparando as produções dos
sujeitos de nossa pesquisa com os de Vital (2014) para a mesma tarefa
pudemos perceber que os alunos do ensino médio compreendem e utilizam a
definição ou os elementos dela para o qual produziram significados, diferente
dos alunos do ensino fundamental que permaneceram com suas próprias
concepções de inflação de preços, ou seja, eles não constituíram em texto a
caracterização apresentada. (VIDAL, 2014).
Por questões de horário, este foi o fim de nosso primeiro encontro.
6.3 Análise da Tarefa 3
Em nosso segundo encontro os alunos realizaram as tarefas 3 e 4.
Nesse momento nosso foco é a tarefa 3 que foi apresentada tal como a
imagem a seguir:
Tarefa 3: Quais as causas da inflação?
Uma inflação de preços é causada por vários fatores, entre eles:
- O aumento da quantidade de dinheiro em circulação em um país. Pois
quando ocorre esse aumento, a população tem maior poder aquisitivo e
consome mais. Mas o que parece positivo, num primeiro momento, pode
esconder um problema. Se o consumo é muito alto, pode haver escassez de
produtos no mercado e, com o crescimento da procura eles aumentam de
preço. Com os preços em alta, a população perde o poder aquisitivo, ou seja,
pode comprar cada vez menos.
- A inflação de preços pode ser gerada por um conflito em uma região do
mundo. Por exemplo, uma guerra no Oriente Médio pode disparar o preço do
petróleo vendido para vários países do mundo. Como o preço do petróleo
influencia o preço de vários outros produtos e serviços, pode ocorrer inflação.
- A inflação de preços pode ser gerada por fatores climáticos num país.
Para discutir:
a) Se o governo brasileiro anunciar que o salário mínimo aumentará cinco
vezes em relação ao valor atual, isso poderia influenciar na inflação?
b) O aumento do preço da gasolina pode influenciar nos gastos de uma família
que não possui carro ou moto?
c) Que fatores climáticos podem influenciar na inflação de um país e por que
isso ocorre?
O pesquisador inicia sua fala apresentando a tarefa 3 aos alunos.
Pesq: Então gente vamos dar prosseguimento com a Tarefa 3 agora. Vou passar para vocês. Vamos seguir o mesmo prosseguimento de ontem. Você vão fazer uma leitura individual e depois escolhemos um pra ler para ler em voz alta para tirarmos alguma possível dúvida.
Logo após a leitura eles começam a conversar:
Samuel: Olha lá! Um dos motivos d’eu não ter concordado com a questão lá da anterior foi isso. É muita coisa que influencia uma inflação. Por isso que eu não concordei. Só aquelas informações lá não poderiam ser consideradas inflação. Olha a quantidade de motivos que pode ser a inflação. Por isso que eu não concordei.
[...]
Samuel: [...] Se eu não souber responder uma questão com precisão eu posso especular?
Pesq: Pode!
Samuel: Por exemplo, a c) tá falando [leitura da pergunta] “que fatores climáticos podem influenciar na inflação de um país e por que isso ocorre?”
Samuel: Eu tenho uma suposição do que talvez mude a inflação. Mas eu não tenho certeza que é isso.
Pesq: Ah não! Pode colocar o que você acha que é a resposta. Se alguém tiver mais dúvida pode perguntar ok?
Os alunos prosseguem respondendo às perguntas da tarefa e quando
terminam nós aproveitamos a conversa inicial com Samuel para indagá-lo
sobre suas respostas.
Pesq: Qual foi sua resposta? [referindo-se a primeira questão da tarefa]
Samuel: Eu falei justamente isso. Depende porque, da mesma forma que um país pode aumentar o preço pra poder diminuir o poder de compra, ele pode fazer o contrário. Mas isso eu não sei se é considerado só uma correção ou isso pode ser considerado inflação entendeu?
Nathalia: Do contra!
Pesq: Você está falando no caso de aumentar o salário?
Samuel: Aumentar o Salário.
Pesq: Para aumentar o poder de compra?
Samuel: Pra aumentar o poder de compra. Porque, da mesma forma que tem escassez pode ter abundância de produtos. Eu não sei se isso é uma saída viável, e se isso é considerado inflação. Por isso que eu não discordo, mas também não concordo.
Pesq: Só pra eu entender sua resposta, Você está falando que se o governo aumentar o poder de compra por causa de abundância de produtos no mercado...
Samuel: Não, não. Não falei isso. Pode acontecer, eu acho que isso pode acontecer. Porque tipo assim a pergunta é, a pergunta foi: “Se o governo brasileiro anunciar que o salário mínimo aumentará cinco vezes em relação ao valor atual, isso poderia influenciar a inflação?” Pô! Cinco vezes o valor atual é muita coisa então, pra isso ser uma inflação tem que ser uma coisa bem radical.
Nesse momento o espaço de filmagem termina por um descuido do
pesquisador com relação ao espaço de armazenamento, mas podemos
perceber que o Samuel demonstra uma certa confusão com relação a causa e
consequência quando relacionamos aumento salarial e inflação. Isso fica ainda
mais claro em suas falas posteriores. Os outros sujeitos também demonstram
ter dúvidas similares com relação à resposta de Samuel. Ele tenta explicar
melhor seu raciocínio:
Pesq: Então Samuel o vídeo tinha parado ali. Qual que foi sua resposta pra letra a) da tarefa 3?
Samuel: Eu falei que depende. Eu acredito que possa ser inflação, mas um aumento de cinco vezes é muita coisa. Então eu acho que poder ser por algum outro motivo também.
Pesq: Sim, só pra entender sua resposta. [...] quando você fala que o aumento de cinco vezes é muita coisa você está querendo dizer que ele é muita coisa para gerar inflação? É isso que não estou entendendo na sua resposta.
Samuel: Não é tipo assim, o salário, pra ele ter que aumentar cinco vezes? Só por causa da inflação? Acho que é uma coisa...acho que é meio desproporcional isso sabe. Anormal. Porque se for cinco vezes o salário anual, é muita coisa.
Pesq: Então. Mas você entendeu que a pergunta “se o governo brasileiro anunciar que o salário mínimo aumentará cinco vezes em relação ao valor atual isso pode influenciar na inflação.” [...] Você está considerando que a inflação que está fazendo esse aumento do salário?
Samuel: Não, não, não, não. Falei que o aumento do salário pode influenciar na inflação.
Nathalia: Hum? Não entendi nada! Explica esse negócio direito Samuel.
Samuel: Ah! Caraca velho!
Jair: Você está falando que o salário vai influenciar?
Samuel: Tipo assim, olha só. O que originou o problema pra ter que aumentar cinco vezes o salário da inflação, pode ser qualquer motivo, mas também pode ser a inflação. Entendeu?
Decidimos seguir para a resposta de Nathália e retornar em Samuel
novamente no futuro. Esperávamos que isso daria tempo para ele reorganizar
seus argumentos e que o ajudaria a expor sua fala de maneira mais clara.
Pesq: Tá. Vou voltar em você ainda [fala direcionada a Samuel]. Nathália e a sua como que ficou?
Nathalia: Ah! Eu acho que sim, porque quando aumenta o salário, a pessoa tem mais poder de compra, então ela começa a comprar coisas que antes ela não estava comprando. Tipo, por exemplo uma casa. Tem um número limitado de casas no Brasil.
Samuel: //Pô! [Samuel interrompe Nathália mas não completa o que iria falar]
Nathalia: Se muitas pessoas começam a ter dinheiro pra comprar uma casa e começam a comprar, o valor da casa vai aumentar. Porque tem muita gente pra comprar uma casa entendeu?
Em sua produção de significados Nathália sugere que ela entendeu os
problemas que podem ser ocasionados pelo aumento do dinheiro em
circulação. Na sequência indagamos Jair sobre sua resposta e ele demonstra
que ele e Nathália compartilham do mesmo interlocutor.
Pesq: Entendi. E você Jair?
Jair: Botei quase a mesma coisa que ela. Botei que sim, porque o mercado é movido pela lei da oferta e da procura. Tem só uma casa, e pessoas procurando, o preço aumenta.
Ao tentarmos confirmar tal fato, Samuel fica indignado por não
considerarmos sua resposta no mesmo grupo dos seus amigos. Então usamos
esse momento para retornar nas dúvidas que havíamos ficado anteriormente
com sua resposta.
Permitir que o aluno crie e encaminhe suas justificações, o transforma
em agente de sua aprendizagem. Desta forma o aluno passa a interferir na sua
aprendizagem e se transforma também em agente da aprendizagem de outros
alunos. (PROCÓPIO, 2011)
Pesq: Então vocês dois estão concordando que se aumentar o salário, a inflação sobe?
Samuel: Pooxa [..] que bullying é isso que vocês estão fazendo comigo? [Risos]. Não falou de mim por quê?
Nathalia: Ué você que estava do contra [risos].
Pesq: é que ainda não entendi sua resposta. (Risos)
Jair: O salário da inflação? [Abre os braços e faz uma careta, frisando que não estava entendendo]
Pesq: // É que as vezes você não conseguiu. //
Samuel: // Não gente, tô falando porque. //
Nathalia: // Não! O que eu acho é que você não tá respondendo à pergunta. A pergunta é: Isso poderia influenciar na inflação? // [os três falam juntos]
Samuel: Eu entendi! Eu falei que sim.
Nathalia: Você tá falando que pode causar o aumento do salário.
Samuel: Não, vocês não entenderam nada. [...]
Nathalia: Não tô entendendo mesmo não.
Samuel: Tô falando que pode causar, influenciar na inflação, justamente porque o valor aumentar cinco vezes é muita coisa. Isso que eu estou falando.
Pesq: Ok! Isso eu entendi. Você acha que um aumento de cinco vezes é muito alto.
Samuel: É muito alto entendeu? [...]
Pesq: Você já viu um salário aumentando esse valor? O salário mínimo? Você...
Samuel: A última vez que eu lembro que o salário mínimo aumentou foi uns trinta a quarenta reais a mais não foi? Que ai de novecentos e pouco passou para novecentos e cinquenta. Quando eu lembro. Da última vez que eu lembro.
Pesq: // Então, um aumento de... //
Samuel: // Um aumento de cinco vezes... // [falam juntos e os dois pausam pro outro completar].
Pesq: // Olhando o histórico do aumento de salário. //
Samuel: // Um aumento de cinco vezes é muita coisa. // [Falam juntos novamente].
Pesq: Então isso pra você poderia ocasionar a inflação.
Nathalia: Você respondeu sim e não. Não por quê?
Samuel: Não, porque pode ser outro problema
Pesq: Mas você acredita [...]
Samuel: Que sim, pode aumentar sim.
Pesq: Tá! É que ficou confuso. Realmente até eu me perdi.
Pesq: Eu não estou entendendo se você está respondendo uma pergunta que é assim, [O salário aumenta por causa da inflação?] ou ...
Samuel: Nããão!
Nathalia: É o que todo mundo entendeu. Pra você ver como que ficou boa a sua explicação. [Ironia e risos].
Samuel: Não, eu tô falando... [Silencio e Samuel olha indignado para a Nathália]
Jair: [Risos].
Pesq: Não se irrite com a Nathália. [Risos].
[Silencio e Samuel olha indignado para a Nathália].
Samuel continua apresentando os significados que produziu para a pergunta a) da tarefa:
Samuel: [Risos]. O que eu tô falando é: Eu acredito sim que ela possa influenciar na inflação só que esse aumento de cinco vezes é muita coisa. Então eu não sei se esse aumento é pra consertar alguma coisa? Se é pra mudar alguma coisa e não só a inflação entendeu o que tô falando?
Pesq: Entendi.
Samuel: Porque cinco vezes é muita coisa, não sei se é com o objetivo de alterar a inflação! Isso que estou falando. Mas sim que é, realmente é inflação.
Optamos por encerrar a discussão da pergunta a) e dar prosseguimento
para a pergunta b).
Pesq: Ok! E na letra b) como ficou ai?
[...]
Pesq: A pergunta é: “O aumento do preço da gasolina pode influenciar nos gastos de uma família que não possui carro ou moto?”.
Samuel: Sim!
Pesq: Alguém deu algum exemplo?
Nathalia: Eu dei.
Samuel: Todo mundo deu esse exemplo!
Nathalia: Eu dei o exemplo [...] dos produtos. A maioria dos produtos aqui no Brasil é transportado por caminhão.
Jair: Caminhão é Diesel [Risos].
Nathalia: Verdade. [Risos].
Samuel: Ela deu um exemplo. Do exemplo [Risos].
Pesq: Não, mas, realmente, aqui na pergunta está falando da gasolina, mas você pode levar em consideração o combustível no geral.
Jair: Não, eu entendi. Eu botei um exemplo dos correios. Os correios usam transporte assim, que usa gasolina.
Notamos que na tarefa 2(b) eles produzem diferentes significados,
referentes aos diferentes exemplos e sugerem que incorporaram o enunciado
da tarefa de modo a utilizá-la em suas justificações. Daí partimos para a
pergunta c:
Pesq: E na letra c): “Que fatores climáticos podem influenciar na inflação de um país e porque isso ocorre?”.
Nathalia: Vai Samuel! [Fala olhando e rindo para Samuel]
Samuel: Eu falei que sim. [...] Eu espero que sim.
Pesq: Sim?
Nathalia: Cara, mas a pergunta aqui é que fatores que influenciam?
Jair: [Risos].
Nathalia: Você entendeu a pergunta?
Novamente num primeiro momento Samuel parece não ter uma resposta
clara para a pergunta. No fundo ele parece não entender a pergunta.
Posteriormente ao tentar melhorar seus argumentos sua produção de
significados fica ainda mais confusa.
Samuel: Ah! Eu falei assim: os fatores climáticos podem influenciar a inflação de um país.
Nathalia: Sim!
Samuel: Por que isso ocorre? Porque eu falei que os fatores climáticos que podem influenciar são, a temperatura do local por exemplo. O produto que isso vai influenciar tipo um aquecedor por exemplo. Um aquecedor vai ser vendido muito mais num país com frio do que nos países mais quentes, então, o conjunto de produtos que servem para auxiliar na temperatura pode alterar a inflação.
Já a produção de Significados de Nathália e Jair foram:
Nathalia: Eu botei, sim mas eu botei por exemplo a quantidade de chuva, a temperatura. Como por exemplo em plantação, tem plantas e frutas que só nascem em lugar úmido e quente. Ai quando vai plantar e vender essa mesma planta e fruta
em um país que não é úmido e quente o preço tende a ser mais alto. Porque não tem abundância daquilo no país.
Pesq: Entendi. E você Jair?
Jair: Eu coloquei que poderia ser tipo a questão da estiagem.
Pesq: Estiagem?
Jair: Sim estiagem, porque isso pode interferir na produção de alimentos e, isso acaba interferindo na inflação [...].
Samuel: Basicamente é isso, o clima ele altera quais produtos vão ser mais vendidos em um país. Então eu acho que isso pode influenciar a inflação.
Nathalia: É, e a abundancia dos produtos também
Jair: [O que segue é inaudível].
Pesq: Sim, perfeito! Eu entendi o que vocês quiseram falar! Vou passar a tarefa então agora.
Observamos que a produção de significados de Nathália e Jair fica
enriquecida pelos exemplos que sugere que eles estão incorporando as
informações colocadas nas tarefas e usando-as de modo a incorporá-las a
suas falas.
Diferente das tarefas anteriores, o material escrito de Samuel continua
demonstrando certa confusão em sua resposta para a pergunta a).
Figura 7 – Registro escrito de Samuel – Tarefa 3
6.4 Análise da Tarefa 4
Eis a seguir a tarefa 4, assim como foi apresentada aos sujeitos na
pesquisa de campo.
Tarefa 4: “Inflação e Desvalorização do Dinheiro”
“Em meados dos anos 1970 começaram a aparecer músicas sobre o dia a dia da população nas artes os primeiros reclamos da perda de valor do dinheiro, e o país cantou com Paulinho da Viola a música Pecado Capital, tema da novela de 1975-6 — cujo verso mais famoso era “Dinheiro na mão é Vendaval”. “Dinheiro na mão é vendaval É vendaval! Na vida de um sonhador De um sonhador! Quanta gente aí se engana E cai da cama Com toda a ilusão que sonhou E a grandeza se desfaz Quando a solidão é mais Alguém já falou...”
Em 1977, fez sucesso a música “Saco de Feijão” de Francisco Santana. “De que me serve um saco cheio de dinheiro pra comprar um quilo de feijão? No tempo dos dérreis e do vintém se vivia muito bem, sem haver reclamação Eu ia no armazém do seu Manoel com um tostão trazia um quilo de feijão. Depois que inventaram o tal cruzeiro eu trago um embrulhinho na mão e deixo um saco de dinheiro.” Para discutir
Como você acha que estava a inflação no Brasil naquela época?
Entregues as fichas aos alunos, eles passam a ler, e imediatamente e
após a leitura a discussão inicia:
Pesq: Assim, antes de pensar na pergunta em si, o que vocês têm a dizer sobre o que está acontecendo aqui. [Aponta para a tarefa]. O que vocês acham que o texto está querendo mostrar para vocês?
Jair: Inflação no tempo?
Nathalia: O quanto que a inflação subiu né? Principalmente no período.
Jair: Nessa época aqui, era bizarro!
Nathalia: Antes o cara falou que comprava muito agora não compra [...].
Jair: Mudou a moeda a inflação subiu.
Pesq: Entendi.
Nathália e Jair parecem ter entendido a ideia central da tarefa, que seria
a desvalorização do dinheiro e a queda do poder de compra da moeda de um
país. Samuel por sua vez demonstra possuir certas dúvidas como podemos ver
abaixo.
Samuel: Mas isso não depende também do quanto que ele ganha?
[Silêncio]...
Nathalia: // Não mas ele não falou qual era...//
Jair: // Mesmo que ele //
Pesq: // Como assim Samuel? // [Todos os três falam ao mesmo tempo interrompendo um a fala do outro]
Samuel: Por exemplo, ele ganha x% de salário, o salário dele era o x. E ele usava por exemplo 10% desse salário pra poder fazer compra do mês. Agora, ele ganha 2x, mas também gasta 20% do trabalho. Continua gastando 20%...
Nathalia: Tô falando que ele troca o contexto?
Samuel: É a mesma proporção entendeu? Ele gasta a mesma proporção. O salário dele subiu mas também o preço dos produtos subiu.
Apesar do texto não remeter a esse fato, Samuel opera com a ideia de
que caso o preço dos produtos e o valor do dinheiro (salário) aumentem numa
mesma proporção, então não haveria queda do poder de compra da pessoa.
Na verdade as músicas em questão foram criadas num período onde a inflação
era muito alta. A composição de Francisco Santana, faz uma comparação entre
o poder de compra do cruzeiro, moeda vigente na época e o Vitém, moeda que
saiu de circulação no século XIX.
Pesq: [...] Você está querendo dizer que ao aumentar a moeda aqui, o valor subiu e o preço do feijão no caso, ou melhor o preço do que ele comprou subiu na mesma proporção? Você está querendo dizer isso? Que depende disso?
Samuel: É!
Nathalia: To falando que ele está botando tudo num contexto!
Jair: Até porque né, se esse for o caso...
Pesq: [...] Mas é isso que você acha que ele está falando aqui?
Samuel: É, tipo assim, “como você acha que estava a inflação naquela época?”, eu acho isso, [...] o salário era menor, mas também o valor dos produtos era menor. Se subiu o salário, ou seja, o dinheiro que a gente tem, também subiu o valor dos produtos. Então a proporção do que você gasta de quanto você ganha eu acho que continua a mesma! Pode ter piorado um pouco por não sei o que mas não é tão pior como eles estão falando aqui não.
Para não correr o risco de influenciar a produção de significados dos
alunos ainda nesse momento inicial, o pesquisador decide dar sequência à
realização da tarefa.
Pesq: Ok. Então vamos fazer o seguinte, respondam ai o que vocês acham que deveriam responder, depois nós aprofundamos nessa discussão.
Jair: Pode dar exemplo familiar?
Pesq: Pode dar exemplo! É até bom que vocês coloquem exemplos mesmo. Precisando de mais folhas é só falar!
Todos respondem à pergunta relativamente rápido em comparação com
as outras Então o pesquisador questiona Nathália sobre sua resposta. E
reinicia a discussão anterior.
Nathalia: Eu falei que provavelmente nessa época, a inflação estava alta, porque [...] no texto fala que com mais dinheiro do que levava antes se comprava menos coisa do que comprava antes. Isso que eu respondi.
Pesq: Ai o que que você acha da resposta dela Samuel.
Samuel: Concordo.
Nathalia: Que isso? Que emoção [...]!
[Todos sorriem] .
Samuel: Eu concordo ué.
Nathalia: Que absurdo, cadê a briga?
Samuel: Eu só respondi diferente. Eu só falei que tipo, o valor do, a quantidade de dinheiro que as pessoas ganhavam, e o valor dos produtos, eles procuram se manter na mesma proporção, só isso.
A produção escrita de Nathália complementa seus argumentos. A partir
de suas crenças-afirmações e de suas justificações, vai produzindo
conhecimento e encaminhando a resolução.
Figura 8 – Registro escrito de Nathália – Tarefa 4
Neste momento, faço uma intervenção, na tentativa de incluir mais
alguns elementos para que Samuel possa pensar sobre o que ele próprio
disse:
Pesq: Não, espera. Você está falando de algumas coisas que são distintas. Uma coisa é quando você alterar a moeda, e por causa disso você altera o valor das coisas para fazer a correção [...] Não é nem correção que fala, é a conversão da moeda. A inflação não é exatamente isso. [...]
Porém essa intervenção não parece ter alterado sua produção de
significados, como podemos ver na sequência. Apesar de Samuel achar que
estava falando numa direção de Nathália, sua produção de significados é
claramente distinta. Ele parece acreditar que o salário das pessoas e o preço
dos produtos permanecem em equilíbrio após a inflação. Ele ainda mistura
conceitos diferente como alteração e conversão de moedas e inflação. E agora
durante a análise percebemos que ele não parece ter percebido que o vintém e
o cruzeiro não são contemporâneos.
Samuel: // Eu não falei isso, eu falei em relação ao quanto ele ganhava e do quanto ele poderia comprar. //
Pesq: Não. Sim! Claro que quando um país altera a moeda você tem que fazer a correção do preço dos produtos.
Samuel: É disso que eu tô falando!
Pesq: Perfeito. Mas eu acho que o que a Nathália está querendo dizer, sobre o que ela entendeu e que [...] eu acho que você concordou...
Samuel: // Concordei. Coloquei aqui. // [interrompe o pesquisador com sua fala]
Pesq: Colocou?
Samuel: Sim.
Pesq: Eu acho que esse ponto aqui que fala sobre “depois que inventaram o tal cruzeiro eu trago um embrulhinho na mão e deixo um saco de dinheiro”, eu acho que
esse “Embrulhinho” é o que está dando o tal contraste com comprar um quilo de feijão. [...] Comprar um quilo de feijão ele está falando de comprar uma quantidade boa [Faz gesto de algo grande]. E você, Jair?
A produção escrita de Samuel também reforça sua fala:
Figura 9 – Registro escrito de Samuel – Tarefa 4
Na sequência Jair fala sobre sua resposta.
Jair: Que nem eles falaram. Só mudei um pouquinho o texto.
Pesq: O que que você escreveu exatamente?
Jair: Eu escrevi que naquela época lá [...], pra combater a inflação eles criaram outra moeda. Uma contramedida. Mas ai na criação dessa outra moeda a inflação continuou alta. Só que ai a diferença era que eles criavam mais dinheiro [girando a mão], pra tentar suprir a inflação e não dava. Ai de manhã meu pai estava me contando que de manhã era um preço. Tipo assim, ia comprar um biscoito e estava dois reais de manhã, Na época era o cruzeiro né? Estava dois cruzeiros de manhã, chegava de tarde já estava cinco. Ai meu pai fala que no outro dia já estava seis.
A produção escrita de Jair também mostra alinhamento entre a sua
escrita e a sua fala.
Figura 10 – Registro escrito de Jair – Tarefa 4
No final da tarefa, enquanto se prepara para encerrar o segundo dia de
pesquisa, o professor tenta responder às dúvidas e perguntas de Samuel com
uma breve conversa informal sobre o assunto.
Samuel: E como eram os salários na época? Eles ganhavam o mesmo valor?
Pesq: Esse é o problema.
Samuel: Então? Ele ganhando o mesmo valor, isso pode alterar [...]
Pesq: Esse é o problema da inflação. Porque nós recebemos por mês. Só que a inflação alta vai fazendo alteração dos preços, dia a dia, semana a semana. E por ai vai.
Jair: E ele me falou que tinha vez que e os amigos dele iam em loja, pegava o produto e tinham quatro negócios colados por cima do outro [Se referendo aos preços]. Ai eles iam e tiravam dois e pagavam aquele preço. [Risos].
Pesq: Existia até uma, classe de trabalhadores, classe não, um tipo de trabalhador que ficava nos supermercados só pra ficar alterando os preços dos produtos, porque as vezes o preço que começou o dia não era o preço que o produto iria terminar o dia na prateleira. Eu também vivi nesse período. Assim, eu já era nascido numa época de inflação alta desse jeito que está citando aqui. Mas no fundo eu não peguei, eu não vivi isso na pele como o meu pai e seu pai e esse pessoal do qual está falando aqui. Eu era criança. Era brutal o que a inflação fazia. Porque o seu salário era até corrigido quando você ia receber no mês seguinte, mas uma semana depois a inflação já veio, e desvalorizou todo seu dinheiro, [...] como ele está falando aqui já deu uma desvalorizada boa no seu dinheiro. Chegava ao cúmulo de por exemplo, [...] não se vender passagem de ônibus em alguns lugares com antecedência. Muita gente perdeu muito dinheiro nesse período. Mais alguma colocação para fazer sobre essa?
Samuel: É igual o Iene no Japão.
Jair: [...] Acho que é o cruzeiro mesmo que tem nota de quinhentos mil né?
Pesq: Nota de quinhentos mil. Você ir pagar alguma coisa e ter que gastar um milhão. Pra esse tipo de coisa nem precisa ir longe. Outro dia mesmo estava conversando com um amigo de vocês sobre a questão dos pesos na Argentina.
6.5 Análise da tarefa 5
O enunciado e a figura da tarefa 5 foram exibidos como mostrado na
figura a seguir.
Tarefa 5
Figura 11 – Nota de cem reais – Tarefa 5
Para discutir:
a) Dê 1° de Julho de 1994 até fevereiro de 2014, estudos indicaram que o nosso dinheiro desvalorizou aproximadamente 77,65%. Com isso, uma nota de R$ 100,00 reais valeria quanto em 2014? O que você entende sobre o valor encontrado?
b) Ao longo de quase 20 anos de Plano Real, a inflação acumulada desde 01/07/1994 até 01/02/2014 medida pelo IPCA*, foi de 347,51%. Considerando essa inflação, quanto custaria um produto de R$ 1,00 em 1994 em 2014?
c) Sabendo que no final da década de 80 e início da década de 90 a inflação chegava a 5000% ao ano, o que você pode dizer sobre a situação financeira da população nessa época?
Neste encontro, apresentamos as últimas tarefas aos alunos após
informar que esse seria provavelmente o encontro final da pesquisa caso não
ocorresse nenhum imprevisto.
A tarefa 5 foi apresentada ao grupo:
Pesq: Vamos dar início então a tarefa 5. Penúltima tarefa da pesquisa. Seguindo o mesmo processo.
Samuel: Professor, você vai mostrar como faz essas coisas?
Nathalia: Vou esperar vocês fazerem pra colar.
Jair: Agora está bem puxadinho hein!
Samuel: Se eu soubesse teria recusado [Risos]
Pesq: Recusar por causa das contas? [Risos].
Samuel: É!
Nathalia: Exatamente. [Risos].
Pesq: Que isso, Vocês sabem tudo isso ai.
Samuel: Não sei não. Já esqueci.
[Silêncio].
Vale ressaltar que essa foi a primeira tarefa onde os alunos se deparam
com números e contas a serem feitas. E prontamente eles demostram certo
desconforto com a ideia. Mesmo sabendo previamente essa seria uma tarefa
de Educação Matemática.
Uma coisa interessante acontece logo na sequência. Jair estranha a
primeira pergunta onde indagamos sobre o valor da nota de cem reais.
Jair: “Quanto que a nota de cem reais valeria em 2014?” [Faz sinal de que não entende a pergunta]. Cem reais! [Risos]
Nathalia: Oi?
Pesq: Como é? [Não havia escutado a pergunta de Jair da primeira vez]
Jair: Valeria cem reais.
Samuel: Oooooh, É mesmo! Quanto que vale uma nota de cem reais? É cem reais!
Nathalia: É claro!
Samuel: Ninguém falou nada comparando a outra nota!
Ficamos surpresos ao notar que mesmo após a quarta tarefa discutir
sobre a questão da desvalorização do dinheiro, nenhum dos alunos levou sua
produção de significado da tarefa anterior em consideração ao fazer sua
primeira análise da tarefa 5. Pelo contrário como vimos acima.
Pedimos para relerem a pergunta novamente, esperando que notassem
o equívoco em suas conclusões. Porem Jair e Samuel continuaram operando
com a mesma lógica.
Pesq: Espera ai, [...] leia a pergunta pra mim outra vez.
Jair: “Dê 1° de Julho de 1994 até fevereiro de 2014, estudos indicaram que o nosso dinheiro desvalorizou aproximadamente 77,65%. Com isso, uma nota de R$ 100,00 reais valeria quanto em 2014? O que você entende sobre o valor encontrado?”
Samuel: Cem reais! [Afirmam com toda a certeza, tanto Samuel quanto Jair Bolsonaro].
Jair: Valeria cem reais!
Apenas Nathália nota uma outra possível produção de significados para
o valor da nota. Porém sua desconfiança chama atenção de Jair e Samuel que
passam a questionar a pergunta e produção de significados uns do outro.
Nathalia: Não, não, não, pera ai! [Nathália fala isso com olhar desconfiado para pesquisador]
Samuel: Ela não tá nem comparando com a nota de cem reais de 1994.
Jair: Falou que desvalorizou.
Nathalia: Acho que deve diminuir 77,65 de 100.
Jair: Desvalorizou... [Jair fala parece estar repensando sua resposta].
Nathalia: Desvalorizou...
Samuel: Mas na pergunta não está comparando a nota de cem reais de 2014 com 1994. E nem está comparando o real com uma outra moeda. Então uma nota de cem reais em 2014 vale cem reais.
Jair: Não falou de que de ano a que ano.
Nathalia: E não perguntou quanto de poder de compra da nota teria em 2014.
Jair: Da pra entrar com recurso ai [Risos].
Nathalia: [Risos] É, dá pra pensar em entrar com recurso nessa questão ai.
Pesq: Vocês estão falando que?
Nathalia: Explica o que você quer nessa questão. Que a gente daqui a pouco entrar com o recurso.
Jair : É.
Mesmo assim eles parecem não vislumbrar a existência de outra
produção de significados para o valor da nota de cem reais.
Nesse momento o pesquisador resolve fazer uma intervenção como
vemos no trecho abaixo:
Pesq: Olha, “Dê 1° de Julho de 1994 até fevereiro de 2014, estudos indicaram que o
nosso dinheiro desvalorizou aproximadamente 77,65%. Com isso, uma nota de R$
100,00 reais valeria quanto em 2014? O que você entende sobre o valor encontrado?”.
Você está falando que ela valeria cem? [Fala direcionada para o Samuel.]
Samuel: É ué. Acho que ela não está comparando com nada. Tanto que até aqui todo
mundo concordou. Não está comparando com outra moeda ou com a mesma [...]
Nathalia: É ela não ta falando, tipo.
Jair: //Sim o que ela tinha em 2017, ai em 2014. // [Interrompe Nathália].
Nathalia: Tipo, quanto de poder de compra eu tinha em 1994 simbolicamente e em
2014.
Os sujeitos de pesquisa parecem não operar com a ideia de que o valor
impresso na nota não é o valor que expressa o poder de compra com aquela
nota. Numa sala de aula real, isto deveria ser objeto de atenção de todos os
alunos e uma grande discussão deveria ser motivada pelo professor para que
esta nova informação fosse discutida por todos. No processo de ensino, se
caracterizado como uma dificuldade de aprendizagem, poderia ser um
obstáculo ou limite epistemológico. A resposta a isto viria da observação do
professor/pesquisador de suas maneiras de operar, das lógicas das operações
envolvidas.
Aqui, o que fizemos foi apenas introduzir alguns questionamentos que
sugerem que eles poderiam olhar para a possível “desvalorização do dinheiro”
para observar se eles poderiam mudar os seus jeitos de operar:
Pesq: Éh. Mas o desvalorizou ai não significa nada?
Jair: Ela está desvalorizando de 2017 pra 2014, ou de 1994 pra 2014? Porque a
pergunta aqui está, “Com isso uma nota de cem reais valeria quanto em 2014?”.
Nathalia: É, você está comparando?
Pesq: Com isso eu estou...
Nathalia: // O que você quer comparar ele com 1994? //...
Pesq: Esse “com isso” está fazendo um link à desvalorização. “Com isso” ou seja,
“Com relação a essa desvalorização”.
Rapidamente Jair começa a fazer algumas contas de cabeça que
demonstram sua mudança de direção na maneira de pensar.
Jair: Então vale vinte, [...] vinte e três e ...
Nathalia: Vocês são muito complicados que horror...
Samuel: Claro que não.
Nathalia: [Fala algo inaudível]
Jair: Vinte e dois e quarenta e cinco.
Nathalia: Oi?
Jair: Vale R$ 22,45!
Nathalia: Tá fazendo a conta ai na calculadora?
Jair: De cabeça! Calculadora tá desligada. Fiz na calculadora não. [Mostra o celular
desligado]
Jair: Da R$ 22,45 oh.
[Todos olham para o pesquisador]
Pesq: Então vamos lá, podem fazer ai.
Os sujeitos começam a realizar a tarefa porém dessa vez dialogando
entre si. Samuel ainda demonstra desconforto em ter que trabalhar com
números e contas. Porém sempre presta bastante atenção nos argumentos e
resultados de seus amigos. Muitas vezes fazendo até mesmo correções e
complementando soluções incompletas.
Jair: Setenta e sete?
Nathalia: Não, o que eu falei. Diminuiu R$ 77,45 de R$100,00.
Jair: vinte e dois e quarenta e cinco.
Samuel: Ah, mano!... Não faz essas paradas de conta, não. Estragou a pesquisa.
Jair: Então é isso R$ 22,45.
Nathalia: É ué o que eu falei. Diminui 77,65 de 100.
Jair: É esse valor.
Samuel: A gente só vamos pular essa questão. Da até tontura. [Fala irritado].
Nathalia: Começou a envolver matemática a pessoa se estressa [Risos]. Vinte e dois e trinta e cinco.
Samuel: Pior de tudo é escrever, como eu vou escrever isso? Você não quer a conta, você quer a conclusão?
Jair: O que você entende sobre esse valor encontrado.
Pesq: Responda como se você estivesse fazendo uma prova, um concurso ou alguma coisa assim e você encontrou essa questão na sua frente [Fala direcionada para Samuel].
Samuel: Eu sairia correndo.
Pesq: Sairia correndo? [Risos].
Jair: Tinha que ser de múltipla escolha.
Nathalia: A nem tá tão ruim assim.
Samuel: Sairia sim. Não estou aguentando matemática.
Jair: Tinha que ser de múltipla escolha essa.
Nathalia: Eu vou botar a conta pra fingir que fiz uma continha.
Na continuação Jair questiona:
Jair: O que é IPCA?
Pesq: O IPCA?
Jair: É
Pesq: IPCA é um índice. Achei que tivesse colocado ai. Foi um erro meu. Era pra ter uma nota de rodapé. Significa Índice de Preços ao Consumidor Amplo. Isso que significa essa sigla. Ele é um dos índices envolvidos com a inflação. Existem outros.
Nathália segue para a pergunta (b) da tarefa e questiona os amigos:
Nathalia: Quem vai ser o bonitinho que vai fazer as contas da de baixo pros coleguinhas?
Samuel: Cara, conta você nem conta comigo.
Nathalia: Então, vai Jair Bolsonaro, a gente confia em você. É o moleque de exatas aqui. [Risos].
Jair: Confiou na pessoa errada.
Samuel: Faço ai mínima ideia de como faz.
Jair começa a pensar na pergunta e começa a criar confusão entre as
perguntas (a) e (b). Porém Nathália mostrou que estava atenta o que leva o
amigo a reler a tarefa.
Jair: Ué, Por cento. Se for contar como nota de cem, aquilo ali é trezentos e cinquenta e sete reais e cinquenta e um centavos.
Nathalia: Hum?
Jair: É uma nota de cem pô. De cem em cem reais...
Pesq: O que Jair? Qual sua dúvida?
Jair: Você está falando de cem em cem reais não está? A de cima foi R$100,00 então
ai é R$77,00 reais.
Nathalia: Mas aqui eu acho que você tem que tirar 347% de R$ 1,00?
Jair: [Releitura da tarefa].
Samuel: Gente isso daqui é matemática.
Mesmo após fazer a releitura da tarefa, Jair continua operando numa
direção distinta de Nathália e não entende onde suas contas estão erradas.
Nathalia: Você descobre quanto é 347% de R$ 1,00 e soma! Né?
Jair: R$347,00!
Nathalia: Não pô, de um real!
Samuel: [Risos].
Jair: 343?
Nathalia: Não é de R$ 100,00 não é de R$1,00! É de R$1,00 real não é de R$ 100,00 não. [Aponta um com a mão].
Samuel: É porque a lógica que ele está levando é de multiplicar o número [...]
Jair: [Risos] É, realmente.
Samuel: Por isso que ele está achando esse valor.
Samuel: Mas eu realmente não posso falar se o Jair está certo ou está errado [...].
Jair: R$ 37,85. Não pera ai.
Nathalia: O gente pera ai. 100% de...
Jair: Três reais e quarenta e sete centavos.
Samuel: Gente só olhar...
Nathalia: Olha!
Jair: Passa a vírgula pra frente.
Nathalia: Cem por cento de um real, é um real.
Jair: Cem por cento!
Nathalia: Né?
Jair: Então, três reais e quarenta e sete centavos!
Jair: Três reais quarenta e sete centavos, quatrocentos e oitenta e cinco...
[Pausa e todos olham para o pesquisador].
Enfim o pesquisador resolve interferir, porém os alunos conseguem dar
prosseguimento sua produção de significados sem grandes intervenções.
Pesq: Qual a dúvida de vocês?
[Todos riem]
Nathalia: Tá rolando mó discussão aqui.
Pesq: Em relação a qual pergunta?
Nathalia: A b)!
Jair: R$3,47.
Nathalia: Não é fazer isso? É descobrir 347, quanto é 347% por cento de R$ 1,00.
Jair: Não é?
Pesq: Deixa eu fazer uma releitura dela. [Pesquisador tenta explicar sem influenciar na resposta] Se você pegar um produto que custava um real em 1994 [...]. Quanto ele vai custar com essa inflação de 347,51%
Jair: Três reais e quarenta e sete centavos! Aproximadamente!
Samuel: Mas gente, ele nem tá falando o valor.
Nathalia: E ai soma um real! Soma o um real que ele custava e coloca mais trezentos e quarenta e sete por cento desse um real.
Jair: Quatro reais e quarenta e sete centavos.
Nathalia: É tipo isso.
Jair: Não sei se é pra somar mas, eu sei que...
Nathalia: Eu acho que é pra somar porque se o produto era um real e ele aumentou 347%, ele já era um real, então você soma o um real que ele custava mais os 347% que ele aumentou.
[...]
Jair: Essa não vou fazer conta não, só vou botar.
Samuel: Não tem que fazer conta aqui.
Nathalia: Não, Vamos fazer a conta.
[...]
Pesq: Cada um coloca do jeito que acha que deve. Quem acha que tem que ser direto coloca direto. Quem acha que precisa deixar alguma conta deixa ela aí.
Terminando de responder a segunda pergunta eles partem direto para a
terceira. Novamente Nathália pede a Jair para fazer as contas. Ela também
pergunta ao pesquisador se aquele jeito que estão trabalhando em conjunto é o
correto para a pesquisa.
Nathalia: Vai Jair das contas faz a (c).
Nathalia: Aqui era pra gente fazer assim colando um do outro mesmo? [Nathalia faz a pergunta direcionada para o Pesquisador].
Pesq: Podem discutir entre vocês sim, sem problemas.
Jair: É discursiva.
Nathalia: Vai lá então.
Jair: “Sabendo que no final da década de 80 e início da década de 90 a inflação chegava a 5000% ao ano, o que você pode dizer sobre a situação financeira da população nessa época?”
[...]
Nathalia: Todo mundo pobre. Vou perguntar pra minha mãe se ela era pobre nessa época.
Jair: Acho que nessa época não.
Nathalia: Falei como se eu fosse rica agora.
Samuel: O problema é que tipo assim, teve um período muito curto. Final da década de oitenta e início da década de noventa. Isso deve ser assim um lastro de 10 anos? [...]
Nathália: [Risos].
Samuel: É ué, final da década de oitenta e início da década de noventa da quanto tempo?
Nathalia: Sei lá, ele não especificou.
Samuel: Então. É isso ai!
Jair: Tipo assim, final de 1979 e entrada de 1980.
[...]
Samuel: Então, você concorda que é pouco tempo?
Nathalia: Gente por que vocês estão discutindo quanto tempo o negócio.
Samuel: Nããão. Então, é porque ele aumentou 5000% ao ano. Então eu acho que o
salário não tinha como ser regularizado com essa inflação aqui.
Nathalia: Estava todo mundo pobre. Não tô falando que estava todo mundo pobre?
Samuel: É até o que eu acho que o professor falou isso. Que você ia de manhã, e a
tarde tinha outro preço.
Nathalia: O pai dele que falou. [Fala direcionada para Jair].
Samuel: É, eu lembro de ter ouvido essa história aqui. [Risos]
Jair: É, ele que falou.
Pesq: É isso mesmo, quando eu estava conversando com Jair, ele contou do pai dele.
Samuel: Mas então, isso daí foi nesse período aqui?
Pesq: Foi.
Esperamos todos finalizarem a tarefa e, então, voltamos ao debate.
Pesq: E essa pergunta ai, o que vocês acharam dela?
Samuel: É aquilo que a gente estava discutindo aqui.
Pesq: Mas vocês estavam num impasse ali. Eu só queria entender ele direito. “Na década de 80 e 90 agente teve uma inflação que chegava a 5000% ao ano”. Ai o Jair falou da história pai dele. Mas se vocês estivessem vivendo numa inflação desse tamanho, Você tem noção do sentimento que você teria em relação ao seu dinheiro?
Jair: Revolta...
Samuel: A com certeza, até porque o salário não pode ser ajustado todo dia.
Jair: Todo mês!
Nathalia: Porque se aumentava 5000%, então durante o mês, ao longo do mês, ia aumentando a inflação. Até quando ele falou ai, ia trocando as etiquetas dos produtos, que só ficavam mais caros.
Jair: Porque até o final do ano que é o reajuste do salário. No final do ano poderia ter faltado até dinheiro pra comprar algumas coisas.
Nathalia: Final do mês o pessoal devia estar numa miséria [...],
Jair: Final do ano né, porque o reajuste é por ano.
Nathalia: Não, final do mês também. Porque a pessoa recebe por mês [...].
Samuel: Então é justamente por ganhar todo mês é que o salário pra ser ajustado assim tão rápido não iria dar né?
Nathalia: É.
Nesse ponto de nosso trabalho esperávamos que os sujeitos estivessem
com a definição de internalizada. Mesmo que ainda demonstrem algumas
incoerências no que diz respeito ao vocabulário utilizado, todos parecem já ter
se apropriado das ideias centrais da definição de inflação e fazem uso delas
em suas argumentações. Então o pesquisador resolve fazer algumas
colocações.
Pesq: Realmente, é mais ou menos por ai que acontecia. [...] Quando a inflação alcança esses patamares falados ai, e que em alguns lugares ela alcançou valores até mais altos, você não consegue acompanhar. A desvalorização da moeda é tão grande que por mais que você reajuste o salário você não conseguia acompanhar. E assim, sem fazer juízo de valor, a população mais pobre acabava sendo a que mais sofria com isso. Porque ela ficava sem dinheiro para comprar coisas básicas. Como alimentação, luz.
Nathalia: Mas assim, [...] tipo a inflação de aluguel ela também aumentava?
Pesq: Assim, a inflação ela desvaloriza a sua moeda. [...] Por exemplo, vocês entenderam a primeira questão, ela fala mais ou menos sobre isso. É esse valor que vocês chegaram nela mesmo ...
Samuel: Eu acho que influencia sim porque é tipo um efeito dominó. Vai piorando as coisas, as pessoas estão precisando guardar dinheiro para comprar alguns itens, então aumenta o aluguel esse tipo de coisa.
Pesq: Claro que existem outros índices e outros fatores que fazem o preço das coisas aumentarem além da inflação. No caso do aluguel mesmo eles têm um índice para calcular o aumento anual do aluguel mas eu não lembro o que que é agora. Porque tem a inflação mas tem uma outra valorização por causa da localização do prédio e outras coisas assim.
Pesq: Mas por exemplo, você pensar que uma nota de 100 em 94 hoje ela tem uma desvalorização aproximada de 77%. Ai vocês chegaram nesse valor ai, 22,35. Uma nota de 100 valendo 22,35 isso significa o que?
Jair: Tipo 22,35 do que ela era antes?
Samuel: Basicamente é aquele mesmo caso da música que a gente viu. Com a mesma quantidade de dinheiro ele compra bem menos hoje do que comprava antigamente.
Pesq: Isso ai.
Samuel: Foi isso que eu respondi.
Pesq: Isso que significa a desvalorização da moeda. Que é a queda do seu poder de compra. O poder de compra da nota de 100 hoje é o mesmo que 22,35 em 1994.
Por um descuido, o pesquisador acaba respondendo à sua própria
pergunta.
Nathália: Coloquei que foi aproximadamente R$ 4,48.
Pesq: E você a mesma coisa? [Fala direcionada para Samuel]
Samuel: Botei quase a mesma coisa só que com palavras diferentes.
Jair: Também! Eu ia escrever só uma linha mas acabei escrevendo três.
Nathalia: Três linhas só pra essa pergunta?
Pesq: Deixa ele responder do jeito que acha que deve.
Samuel: Ela gosta de fazer Bullying com os outros alunos.
Pesq: Gostariam de acrescentar mais alguma coisa?
[Todos respondem que não com gestos e falando].
Pesq: Então vou dar essa tarefa como encerrada e vamos para a última.
Mas felizmente ao observar a fala final dos sujeitos e também sua
produção podemos ver que eles próprios chegaram a uma conclusão similar de
maneira independente, como pode ser observado a seguir no material de
Nathália:
Figura 12 – Registro escrito de Nathália - Tarefa 5
O recorte a seguir, feito da transcrição da produção de Jair também, fortalece nosso argumento:
Figura 13 – Registro escrito de Jair – Tarefa 5
Até mesmo Samuel que nas tarefas anteriores e no início da Tarefa 5 se
mostrara ainda bastante confuso parece começar a caminhar na mesma
direção que Nathália e Jair.
Figura 14 – Registro escrito de Samuel – Tarefa 5
6.6 Análise da Tarefa 6
Finalizamos o terceiro dia de encontro apresentando a tarefa 6. Veja
abaixo:
Tarefa 6: Inflação x Poupança
Na data de 11/ 01 /2017 foi ao ar no portal G1 a seguinte postagem:
Figura 15 – Inflação em 2016 – Reportagem do IBGE – Tarefa 6
Fonte: http://g1.globo.com/economia/noticia/inflacao-oficial-fecha-2016-em-629-diz-ibge.ghtml
Segundo o Banco Central do Brasil, a Caderneta de Poupança atual tem rendimento composto de uma taxa fixa de 0,5% ao mês mais a Taxa Referencial (TR) variável, que gera juros final médio em torno de 0,6% ao mês. Para Discutir a) Senhor João está decidindo depositar R$ 10000,00 na poupança com o objetivo de fazer seu dinheiro aumentar com os juros. Você acha que isso vai acontecer? b) Para você, quando é mais vantajoso guardar dinheiro na poupança para lucrar com os juros?
A tarefa 6 é apresentada aos alunos, eles fazem a leitura e a produção
de significados deles inicia:
Nathalia: Essa inflação que fecha em 2016 é a inflação do ano inteiro ou é a inflação de um mês só? É do ano todo não é?
Samuel: Basicamente o que o texto está falando é que a taxa que eles dão na poupança é menor do que a inflação. É isso? Tipo, a taxa da poupança não acompanha a inflação. Isso?
Pesq: Pode ser. [Nathália interrompe]
Nathalia: //A poupança tem rendimento composto. É juros composto o da poupança?//
Pesq: Então, espera ai. Já vi que vocês não entenderam direito algumas coisas. Primeiro respondendo a primeira pergunta que a Nathália fez. Olha só, a inflação fecha 2016 num determinado valor. Se fechou 2016, quer dizer que essa foi a inflação no decorrer do ano.
Nathalia: Acumulada no ano inteiro?
Pesq: Acumulada no decorrer do ano. Isso ai. Vamos lá [Leitura da reportagem]. Agora ficou claro essa parte?
[Todos respondem que sim.]
Para a realização da tarefa, decidimos fazer uma breve intervenção para
sanar algumas dúvidas dos alunos. Focamos somente no que seria necessário
para a realização dos cálculos presentes na tarefa:
Nathalia: A taxa fixa de 0,5 é juros composto?
Pesq: O composto aqui está se referindo a uma taxa fixa mais uma taxa variável. É a composição das duas.
Jair: Entendi, tipo assim, se tivesse 0,5 e 0,6, seria 0,11%?
Pesq: Não, olha só. [Samuel interrompe].
Samuel: // Não entendi nada. //
Pesq: Olha. [Jair interrompe].
Jair: // 0,5 é a fixa? //
Pesq: 0,5 é a fixa!
Jair: Mais a taxa variável
Pesq: Mais a variável. Da 0,6!
Jair: A entendi, então é 1%.
Pesq: Isso ai, no caso 0,1%.
Nesse momento tivemos uma interrupção externa. Uma aluna da escola
passou para entregar o material de Samuel pois o horário de aula havia
acabado. Samuel se ausenta momentaneamente. A pesquisa segue com Jair e
Nathália:
Pesq: Mas continuando aqui Jair. Você tem uma taxa fixa de 0,5 mais uma taxa variável, que juntas geram juros de 0,6 % ao mês. Deu pra entender melhor agora?
Nathalia: Entendi!
Jair: Entendi!
Jair: Achei que eram duas taxas distintas.
Nathalia: É eu também. Eu achei que era pra somar 0,5 com 0,6. Eita tá rendendo pouco hein.
Passados alguns minutos, Samuel retorna à mesa ainda com suas
dúvidas iniciais:
Samuel: Mas pera aí, O texto está falando exatamente o que aqui?
Decidimos aproveitar esse momento para deixar Nathália e Jair
explicarem o que entenderam para Samuel e com isso poderíamos observar a
sua produção de significados através de sua fala.
Pesq: Você consegue falar pro Samuel o que você entendeu agora Nathália?
Nathalia: Assim, quando você coloca seu dinheiro na poupança, ele rende fixo 5% ai
junta com essa taxa referencial variável que ele fica mais ou menos 0.6, ou seja o seu
dinheiro rende todo mês 0,6.
Jair: Mas essa referencial ela pode variar, tipo assim, 0,2 ou 0,3, pode aumentar ou
diminuir.
Nathalia: É. Por isso que é variável. Ai a soma disso daí fica mais ou menos 0,6 % ao
mês. Ai você coloca 10 mil reais. Provavelmente calcula quanto é 0,6 de 10 mil reais e
vai somando todo mês [...]. Rendimento ruim. A menos que você ponha um bilhão não
vai render nada.
Jair: Vai render cinco reais por mês.
Nathalia: É. Rendimento péssimo pra caramba.
Samuel: Poupança nem é um bom lugar pra render dinheiro. É um dos piores na
verdade.
Jair: Cinco reais, é cinco reais por mês.
Nathalia: Ainda pergunta se o dinheiro vai aumentar. [Nathália se mostra indignada]
Jair: O cara vai ganhar dinheiro ué.
Nathalia: Nem calculei ainda e já sei que está bem baixo
Jair: Se você ganhar na Mega-Sena e colocar o dinheiro na poupança você consegue
viver só com os juros por mês.
Nathalia: É. Se você ganhar na Mega Sena, mas esse cara só colocou 10 mil reais,
coitado!
Os sujeitos entenderam e concordaram que o rendimento da poupança é
muito baixo. Porém Samuel ainda demonstra possuir dúvidas principalmente
com relação ao papel da inflação.
Pesq: Mas só antes de vocês prosseguirem, Agora deu pra entender a tarefa Samuel?
Samuel: É, agora deu [Fala que deu porém ainda parece ter dúvidas].
Pesq: Não gostei desse deu [risos]. No fim das contas são duas informações.
Samuel: Tá mas ele está falando assim [releitura em voz baixa] Tem uma taxa fixa que é 0,5, mais...
Pesq: Mais uma taxa variável.
Samuel: Que é a da inflação?
Pesq: Não necessariamente. Aqui ele está falando do rendimento da poupança.
Samuel: A sim!
Pesq: Por isso que eu estou falando que tem duas informações. Uma do portal G1 e a outra no texto abaixo.
Antes de prosseguirem, Jair ainda nos indaga sobre mais uma dúvida na
tarefa. Tentamos responder da melhor maneira possível sem interferir em sua
produção de significados.
Jair: Na letra b), tá perguntando se é mais vantajoso guardar quando a inflação estiver
alta ou baixa? É nesse sentido?
Pesq: Ai é mais pra vocês responderem mesmo. Quando que vocês acharam mais
importante.
Jair: Quando que ela está mais alta ou mais baixa? Tipo isso?
Pesq: Então, se você acha isso...
E Finalizando a discussão inicial, Nathália que havia parado de falar
para fazer algumas contas chega a uma conclusão:
Nathalia: A não pera ai. Está levemente vantajoso sim. [Nathália estava fazendo contas na calculadora]. Então é porque aqui é o do ano. Então se dividir 6,29 que é o que teve o ano inteiro e dividir por 12 que é o número de meses então da [...] 0,52. Não é que é vantajoso! Bem leve mas está vantajoso.
Samuel: O que?
Nathalia: Assim, a média de aumento da inflação está 0,52 a cada mês.
Samuel: É como se você estivesse falando que ele está ganhando mais do que a inflação aumenta?
Nathalia: Mas está uma vantagem assim, ó... [Faz um símbolo com os dedos para identifica algo pequeno].
Samuel: A mas já é uma vantagem.
[...]
Nathalia: Não, aqui. A média cresceu 6,29 no ano. O ano tem 12 meses então eu
divido esse 6,29 por 12 para encontrar a média de crescimento em cada mês do ano.
E a média deu 0,52 por mês. E o negócio aqui está 0,6. Entendeu?
Samuel: Entendi.
Nathalia: Estão está bem pouco vantajoso mas está vantajoso. Uma vantagem que da
pra ele comprar um Halls no final.
Jair: Não, nem isso.
Nathalia: É, é uma vantagem bem pequena, mas está vantajoso.
Sanadas todas as dúvidas eles começam a resolver a tarefa.
Samuel: Pode começar a responder?
Pesq: Pode fica a vontade.
Diferente das tarefas anteriores, os sujeitos conversaram bastante e
trocaram muitas informações no decorrer da resolução. Todos apresentaram
pequenas dificuldades nos conteúdos matemática da tarefa. Uns mais que
outros, porém em grupo todas essas dificuldades foram vencidas e o processo
de produção de significados sempre seguiu adiante.
Nathalia: Mas vamos discutir a letra b) antes de fazer?
Samuel: Mas a letra b) não tem muito mistério não. Vai valer a pena quando a taxa de rendimento da poupança for igual ou um pouco maior que a inflação.
Nathalia: Eu acho que vai ser mais vantajoso quando a inflação for menor.
Samuel: Então. Menor ou igual.
Nathalia: Não, igual não vai ser.
Samuel: O que não é vantajoso e que a gente tem certeza é quando a taxa de rendimento for menor que a da inflação. Ai o seu dinheiro vai passar a estar desvalorizando. Pronto.
Nathalia: Cadê a discursão? Cadê o debate?
Samuel: Não tem debate quando todo mundo concorda. [Risos].
Nathalia: Não gosto disso não. [Risos].
Ao perceber que todos completaram a tarefa demos início a discussão
final.
Pesq: Gente, vamos lá então pra finalizar. Com relação à letra b), como que vocês responderam?
Samuel: Você quer que a gente leia o que está escrito ou que responda com as nossas palavras?
Pesq: Pode responder.
Nathália a rapidamente se prontifica, seguida de Samuel:
Nathalia: Quando a inflação está baixa!
Samuel: Eu coloquei que é vantajoso quando está igual ou maior a taxa de rendimento em relação à inflação.
Todos concordam que haverá lucro enquanto a inflação estiver mais
baixa que o valor da taxa de rendimento da poupança. Porem tanto Samuel,
quanto Jair que ainda não havia se pronunciado acreditam que também haverá
lucro quando as duas taxas forem iguais.
Nathalia: Igual... Eu não concordo não, mas quando a inflação está mais baixa que a taxa de rendimento.
Samuel: Porque se estiver igual você vai lucrar.
Jair: Mas você vai lucrar menos.
Samuel: É você vai lucrar ué.
Nathalia: Você não vai perder.
Jair: É. Então?
Nathalia: Mas você não vai lucrar.
Samuel: Então, mas continua sendo, entre aspas, vantajoso.
Jair: É melhor do que você estar com dinheiro parado. Porque se você estiver com o
dinheiro aqui. A inflação vai estar aumentando e você não vai estar recebendo nada.
Seu dinheiro vai estar desvalorizando.
Samuel: É como se aquele dinheiro tivesse guardado. Vai aumentar a inflação mas
você continua com o mesmo valor. Entendeu?
Jair: É mais vantajoso você deixar 110 mil parado todo mês e você receber cinco do
que...
Samuel: Você ir perdendo.
Jair: Você não acha não? [Fala direcionada para Nathália]
Os dois tentam fazer com que Nathália converse com os mesmos
interlocutores que eles. Porém, ela se mostra firme em suas convicções, que
por sinal é a mais correta, levando-se em consideração a pergunta b) da tarefa.
Porém devemos levar em consideração as produções de significado de Jair e
Samuel. Sua lógica não pode ser considerada necessariamente errada.
Nathalia: Sei lá. Se eu não estou ganhando, eu não acho vantajoso, não. Se está a mesma coisa...
Pesq: Assim... [Jair fala junto].
Jair: Poxa eu tô falando que a cada cinco...
Pesq: Olha só eu entendi o que os três falaram. Para o Samuel e Jair é melhor você deixar o dinheiro na poupança, você ganhando mesmo que seja pouco do que você deixar ele parado [...].
Samuel: Sim mas se você guardar ele no cofre por exemplo ele não vai estar aumentando com a inflação. Pelo menos lá se for igual ele aumenta junto com a inflação.
Nathalia: Se a taxa fosse igual à da inflação eu não deixaria na poupança. Eu deixaria em outro lugar que fosse mais vantajoso.
Pesq: Então ai vem a parte que [...] que a Nathália falou. Ela está respondendo mais ao pé da letra. Num sentido de quando vai ser mais vantajoso. “Pra você quando vai ser mais vantajoso guardar dinheiro na poupança para lucrar com juros?” [Fala dando ênfase no mais]. Pra ela, isso seria estar ganhando literalmente.
Nathalia: Exatamente. Porque senão eu deixaria em outro lugar que não fosse na poupança.
Pesq: Pra ela se a inflação está igual ao rendimento da poupança, ela não está ganhando nada. E assim ela não vai estar lucrando. Eu entendi as duas respostas. As respostas dos três. Ok?
[...]
Pesq: [...] Fica encerrada então nossa pesquisa[...]. Obrigado a todos vocês por participarem. Até a próxima.
Nas figuras a seguir apresentamos os registros escritos dos alunos para
a última Tarefa:
Figura 16 – Registro escrito de Nathália – Tarefa 6
Figura 17 – Registro Escrito de Jair – Tarefa 6
Figura 18 – Registro Escrito de Samuel – Tarefa 6
Como podemos ver, a fala dos três alunos caminha lado a lado com sua
produção escrita.
Toda a análise que desenvolvemos, nesta investigação, permitiu-nos,
efetivamente, observar a potencialidade das tarefas e algumas dificuldades dos
sujeitos de pesquisa, quando estes produziam significados para o tema
Inflação de Preços.
Notamos que Nathália incorporou o conceito de inflação ao ponto de a
ideia de contínuo e generalizado se transformar em estipulação local sendo
incorporada ao núcleo.
Entre as dificuldades que identificamos, destaca-se a confusão entre
Inflação e aumento salarial, que aparece na análise da produção significados
de Samuel para todas as tarefas propostas na pesquisa de campo, com
exceção da Tarefa 6. Pois, tanto pela transcrição quanto pelos registros
escritos (fichas) para tal tarefa, pareceu-nos que Samuel não mais confundia a
noção de Inflação.
7. Considerações Finais
Nesta seção apresentamos algumas considerações com base nas
informações coletadas ao longo dos capítulos anteriores. Ressaltamos que
durante toda a pesquisa tivemos em mente nosso problema de pesquisa:
Produzir um conjunto de tarefas, referenciadas teoricamente, sobre o tema
inflação de preços para o ensino de estudantes do Ensino Médio em salas de
aula de Matemática.
Nossa observação durante a pesquisa de campo sugere que os sujeitos
efetivamente discutiram as questões propostas nas tarefas o que garantiu que
a potencialidade das tarefas atingiu seu objetivo: estimular a produção de
significados dos estudantes.
Avaliamos que a ordem escolhida para apresentação desta série de
tarefas, aos sujeitos de pesquisa, tenha permitido aos alunos superarem suas
dificuldades, produzindo significados sobre inflação e desvalorização do
dinheiro. Entendemos estas dificuldades como um obstáculo epistemológico,
de acordo com o nosso referencial teórico.
Assim como Vital (2014), iniciamos nosso estudo com a certeza de que
o presente trabalho começa a fazer parte de um caminho ainda pouco
explorado nas pesquisas em Educação Matemática referente à proposta de
inserção da Educação Financeira na escola com a particularidade, para nós, de
fazer parte da Matemática Escolar. Mas percebemos na nossa revisão de
literatura que os primeiros passos já foram dados em direção à inserção do
tema na escola.
Consideramos que nosso objetivo nesta pesquisa foi alcançado.
Devemos ressaltar que este resultado só foi possível devido à importância de
se ter em mãos uma concepção do que entendemos sobre Educação
Financeira e uma caracterização de um estudante educado financeiramente
proposto por Silva & Powell (2013).
Como Campos (2012) e Vital (2014), constatamos que diversos
pesquisadores entendem que a Educação Financeira é importante no contexto
em que vivemos. Propostas de Educação Financeira começam a surgir em
alguns setores, com diferentes olhares e perspectivas. No entanto, o sistema
de ensino não tem acompanhado estas mudanças.
Esperamos que este trabalho possa contribuir para novas reflexões e
para a elaboração de um Produto Educacional que consiste no conjunto de
tarefas aplicadas no trabalho de campo e em orientações que auxiliem o
professor a utilizá-las em sala de aula. Entendemos que as tarefas elaboradas
e testadas por nós alcançam a finalidade de auxiliar a produção de significados
para o termo Inflação de preços. Chegamos a essa conclusão ao observar os
diferentes significados produzidos pelos sujeitos de pesquisa.
É importante registrar o quanto nosso olhar para a sala de aula e para a
aprendizagem mudou a partir do desenvolvimento dessa produção. As
dificuldades de aprendizagem continuam aparecendo, mas a forma com a qual
lidamos com elas é que mudou substancialmente. Percebemos que em uma
sala de aula acontecem mais eventos a serem analisados do que podemos
conceber, mas para vê-los com clareza precisamos permitir ao aluno explicitar
os mais variados modos de operar e produzir significados, e o Modelo dos
Campos Semânticos, nos proporciona uma maneira única lermos essa
produção. O professor quando pautado por concepções claras de seus
referenciais, torna-se mais preparado para estimular a aprendizagem de seus
alunos e para atuar nas suas dificuldades de aprendizagem.
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VYGOTSKY, L.S. A Formação social da mente. 5 ed. São Paulo: Martins Fontes, 1994.
ANEXO 1
Termo de Compromisso Ético
Firmamos este termo de compromisso com a finalidade de esclarecer os
procedimentos que envolvem a pesquisa, a utilização dos dados coletados e deixar
transparente a relação entre os envolvidos e o tratamento e uso das informações
coletadas.
As atividades e filmagens realizadas servirão como material para pesquisas
que procuram entender melhor o processo de produção de significados na sala de
aula. Este material será parte integrante de nossa dissertação de mestrado, realizado
na Universidade Federal de Juiz de fora. O acesso aos registros escritos e em vídeo
será exclusivo do grupo de pesquisa, que assume o compromisso de não divulgá-los,
e os registros escritos das mesmas serão feitos preservando-se a identidade dos
sujeitos em sigilo, através dos pseudônimos por eles escolhidos. Nas pesquisas que
utilizarem o material coletados não será feita menção ao ano e a instituição onde a
pesquisa foi realizada para preservação da identidade do grupo.
As informações provenientes da análise dessas atividades poderão ser
utilizadas pelos pesquisadores em publicações e eventos científicos e divulgadas a
todos aqueles que se interessarem pelas pesquisas, na forma acima indicada.
Juiz de Fora, 07 de Julho de 2017.
Leandro Gonçalves dos Santos – Pesquisador
Responsável do(a) aluno(a)