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Educação Fiscal II

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RELAÇÃOESTADO-SOCIEDADE

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Ministério da Fazenda Ministério da Educação

Programa Nacional de Educação Fiscal

RELAÇÃOESTADO-SOCIEDADE

Brasília2005

2ª edição

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Copyright© 2004 Ministério da Fazenda. Ministério da Educação. Todos os direitos reservados

Série Educação Fiscal. Caderno 2

COORDENAÇÃO GERALEscola de Administração Fazendária - Esaf

CONCEPÇÃO DO MATERIAL DIDÁTICODiretoria de Atendimento e Coordenação de Programas – Dirat/EsafGerência do Programa de Educação Fiscal – Geref/Esaf

ELABORAÇÃO DOS TEXTOSComissão de Elaboração de Material para Capacitação:Conceição Teodora Baptista – EsafEdson Luis da Silva – Secretaria de Estado de Finanças – RondôniaEdwiges Rosália Ferreira – Secretaria de Estado da Educação – Rio de JaneiroEugênio Celso Gonçalves – Secretaria da Receita Federal – SRRF 6ª RFIngrid Lílian Fuhr Raad – Ministério da EducaçãoIvany Ehrhardt – EsafMárcia Valéria Ayres Simi de Camargo – Secretaria de Estado da Fazenda – Distrito FederalMargarete Iara Franco Moreira – Secretaria de Estado de Receita e Controle – Mato Grosso do SulMaria Lúcia da Silva Guimarães – Ministério da Educação

COLABORAÇÃOMaria Neli Ramalho SerenoZilpa de Sousa

DIAGRAMAÇÃO E ILUSTRAÇÃOPoliedro Informática, Consultoria e Serviços Ltda.

NORMALIZAÇÃO BIBLIOGRÁFICA Junia Lessa França – UFMG

ENDEREÇO:Escola de Administração Fazendária – EsafGerência do Programa de Educação Fiscal – GerefBloco B, salas BM 8 a 12Estrada de Unaí, Km 4 – BR 25171.686-900 – Brasília – DF

INTERNET: E-mailwww.esaf.fazenda.gov.brwww.educacaofiscal.gov.breduc-fiscal.df.esaf@fazenda.gov.br

Programa Nacional de Educação Fiscal (Brasil)Relação estado-sociedade / Programa

Nacional de Educação Fiscal. – Brasília, 2005.80 p. : il. (Série Educação Fiscal. Caderno 2)2ª edição atualizada.

Participação do Ministério da Fazenda e Ministé-rio da Educação.

1. Teoria do Estado. 2. Sociedade. 3. Evolução do Estado.I. Título II. Série

CDD 320.1

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S U M Á R I O

APRESENTAÇÃO 7O BICHO 91 INTRODUÇÃO 112 A EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO CONCEITO DE ESTADO E DE SOCIEDADE 132.1 Sociedade 132.2 Estado 132.3 A idéia de Constituição 142.4 Antecedentes da Constituição escrita 143 O ESTADO BRASILEIRO 203.1 Cidadania no Brasil, o longo caminho 203.1.1 Período colonial (1500-1822): O peso do passado 203.1.2 Período Imperial (1822-1889):Os direitos políticos saem na frente 233.1.3 A Primeira República (1889 - 1930) 303.1.4 Da Revolução de 1930 à Revolução de 1964 343.1.5 De 1964 até nossos dias 423.2 Elementos do Estado 463.3 Organização do Estado e dos Poderes 484 ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA 515 ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO E CIDADANIA 535.1 Ser cidadão 535.2 Democracia 555.3 Cidadania 556 ESTADO, CAPITAL E TRABALHO 597 DIFERENÇAS SOCIAIS 647.1 Dados estatísticos 647.2 Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) 667.3 Educação e cidadania - um binômio necessário 678 ÉTICA 758.1 Entendendo o que é ética 758.2 O Estado que desejamos 76REFERÊNCIAS 79SITES 80

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A P R E S E N T A Ç Ã O

“Ter consciência fiscal é fazer-se presente, desenvolver espírito crítico

e participativo, comprometer-se e entender que, ao exercermos nos-

sos direitos e deveres, temos nossa cidadania garantida.”

A Escola de Administração Fazendária – Esaf, com o intuito de oferecer à socie-dade em geral e, em especial, aos educadores, instrumentos que possam colaborarno desenvolvimento da cidadania, vem apresentar a coleção pedagógica elaboradapor uma comissão nacional do Grupo de Trabalho de Educação Fiscal – GEF. Ostemas trabalhados neste material fazem parte do Programa Nacional de EducaçãoFiscal – PNEF.

O PNEF visa a provocar mudanças culturais na relação entre o Estado e o cida-dão e, ao mesmo tempo, busca contribuir para uma sociedade comprometida comas suas garantias constitucionais.

Nesse sentido, a Educação Fiscal pode ser entendida como uma nova práticaeducacional que tem como objetivo o desenvolvimento de valores e atitudes, com-petências e habilidades necessárias ao exercício de direitos e deveres na relaçãorecíproca entre o cidadão e o Estado. Fundamenta-se na conscientização da socie-dade sobre a estrutura e o funcionamento da Administração Pública; a funçãosocioeconômica dos tributos; a aplicação dos recursos públicos; as estratégias e osmeios para o exercício do controle democrático.

Os quatro cadernos abordam os seguintes temas: Educação Fiscal no ContextoSocial; Relação Estado-Sociedade; Sistema Tributário Brasileiro; Gestão Democráti-ca dos Recursos Públicos.

O propósito deste material é oferecer informações básicas para que os envolvi-dos neste processo de transformação social alcancem os objetivos propostos epossam atuar como cidadãos participantes.

Reynaldo FernandesDiretor-Geral da Escola de Administração FazendáriaCoordenador Nacional do PNEF

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O BICHO

Vi ontem um bichoNa imundície do pátioCatando comida entre os detritos.

Quando achava alguma coisa,Não examinava nem cheirava:Engolia com voracidade.

O bicho não era um cão,Não era um gato,Não era um rato.

O bicho, meu Deus, era um homem.

Manuel Bandeira

(1886-1968)

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1 INTRODUÇÃO

A relação Estado e sociedade é umarelação histórica e dinâmica que vem sen-do construída com a história da própriahumanidade. É o resultado dos conflitosde interesse, das interações e dos sonhos.É falar sobre o poder e a vida gregária:como se organizar e como assegurar asobrevivência da espécie humana nanossa casa comum - a Terra, garantindoa maior número de pessoas acesso a re-

cursos básicos que lhes possibilitem vi-ver com dignidade.

Em uma retrospectiva histórica da re-lação Estado e sociedade, nos interessesdo poder, escravizamos "negros semalma", dominamos outros povos basea-dos em "superioridade étnica", explodi-mos bombas atômicas, produzimos guer-ras mundiais, criamos doenças e encon-tramos vacinas, geramos o efeito estufa,comprometemos a biosfera do planeta,excluímos 2/3 da humanidade, concen-tramos renda, fizemos greve, organiza-mo-nos em ONGs, partidos e associações.

Observe que essas relações continuamacontecendo: os conflitos de interesse, asinterações. Logo, a relação Estado e so-ciedade é marcada historicamente portudo o que construímos e continua aber-ta, sendo construída no agora por nos-sas decisões, nossos valores, nossa vi-são de mundo.

Vida gregária: vida em grupos.

Biosfera: camada do globo terrestre habitada pelos seres vivos.

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Tambémconstruímos quando

somos indiferentes ou omissos ouainda quando estamos desligados.Quando achamos natural crianças

nas esquinas pedindo ou seprostituindo, e miséria, violência,corrupção, destruição do meioambiente... a cada resposta ou

a cada omissão definimosquem somos.

A cada sim e acada não construímos estarelação. São essas nossasmarcas deixadas na vida,nossos passos no chão.

A cada voto que damos,decidimos. Quando não

votamos, também decidimos. Quandorespeitamos o diferente, quando não

jogamos lixo na rua, quando cuidamosde nós, dos que estão a nossa volta e

do ambiente ao nosso redor,estamos construindo.

A condição de estarmos vivos exigeresponsabilidade e cuidado para conos-co, para com o outro e tudo o que estáao nosso redor. A vida é preciosa demaispara vivermos no "automático". E essarelação é construída por nós, somos su-jeitos das nossas histórias, sujeitos da his-tória da humanidade.

“O que mata o jardim não é o abandono...O que mata um jardim é esse olhar vazio

De quem por ele passa indiferente.”

(Mário Quintana)

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2 A EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO CONCEITODE ESTADO E DE SOCIEDADE

De acordo com a doutrina de Augusto Comtee H. Spencer, a sociedade não seria o merogrupamento de pessoas, um agregado de indi-víduos, ou seja, não é a sociedade um nomecoletivo para muitos indivíduos. É, na verda-de, uma entidade autônoma que emerge daexperiência da vida coletiva, possuindo carac-terísticas próprias e que transcendem aos indi-víduos que a ela pertençam.

2.1 Sociedade

2.2 Estado

O Estado teria surgido da necessidadede se estabelecer um acordo entre os in-divíduos da sociedade, com o objetivode dirimir os conflitos que se apresenta-vam num período mais primitivo, no to-cante à divisão de bens.

O Estado é resultado de uma longaevolução na maneira de organização dopoder. Ele surge com traços mais defini-dos a partir das transformações por quepassa a sociedade política por volta doséculo XVI. A concentração de poder em

uma única pessoa é a característica prin-cipal do Estado moderno.

Com o advento da Idade Moderna, osurgimento do Estado Absolutista implantaum novo modelo. Há uma centralizaçãode poder político e administrativo. Esti-mula-se uma unificação de fronteiras, lín-gua, cultura, economia e poderio militar.Assim, formula-se o Estado que entende-mos hoje, em seu embrião, tendo comopremissa uma ordenação estável e per-manente.

Idade Moderna

Centralização do

poder político e

administrativo

Idade Média

Poder totalmente

descentralizado.

Estado Feudal

Estado absolutista: estado governado poruma só pessoa.

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O caminho que escolhemos para falar darelação Estado e sociedade é uma breve re-trospectiva das idéias que formaram as Cons-tituições escritas dos Estados-Nações, pois aConstituição é o instrumento jurídico de insti-tucionalização do poder ou carta magna oulei maior que rege um país.

2.3 A idéia de Constituição

Sendo o Estado o resultado de umalonga evolução na maneira de organi-zação do poder, ele traz em si a idéia deinstitucionalização desse poder, que tam-bém é uma criação coletiva apoiada emprecedentes históricos e doutrinários.Surge aqui, a idéia de Constituição es-crita.

2.4 Antecedentes da Constituição escrita

Pactos forais e cartas de franquia

Os pactos forais são convençõesentre o monarca e os súditos no quese refere ao modo de governo e àsgarantias de direitos individuais, e seufundamento é o acordo de vontades.A história constitucional inglesa é ricaem pactos forais.

As cartas de franquia têm a formaescrita e tratam da proteção aos direi-tos individuais.

Desde a antiguidade há a per-cepção sobre a hierarquia das leis.

Na célebre obra de Aristóteles -A Política - está clara essa distinçãoentre leis constitucionais e leis ou-tras, comuns ou ordinárias.

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Contratos de colonização

Surgem com os desco-brimentos das Américas,nos séculos XVI e XVII.Os puritanos, não encon-trando na nova terra po-der estabelecido e imbuí-dos de igualitarismo, fi-

xaram, por mútuo consenso, as regras porque haveriam de governar-se. Transpa-rece, aí, a organização do governo pelospróprios governados, que é outro pilarda idéia de Constituição.

As Leis Fundamentais do Reino

A existência de leis fundamentais

que se impõem ao próprio rei é umacriação dos legisladores franceses,empenhados em defender a Coroa con-tra as fraquezas do próprio monarca.Afirmava essa doutrina que, acima dosoberano e fora de seu alcance, há re-gras quanto à aquisição, ao exercícioe à transmissão do poder, quanto àautoridade do rei, que está subordina-da à lei, e quanto à estabilidade dalei, somente alteráveis pelos EstadosGerais.

Nessa doutrina encontra-se a fonte desuperioridade e imutabilidade das regrasconcernentes ao poder, que estão pre-sentes nas constituições escritas.

Imutabilidade: que não está sujeito a mudar.Puritanos: membros de uma seita de presbiterianosque se encontravam entre os primeiroscolonizadores ingleses da América do Norte.Estados Gerais: na França durante o AntigoRegime, as assembléias convocadaspelo Rei para tratar de assuntos importantesrelativos ao Estado.

A idéia deConstituição foi por

muitos associada à derenovação ou

restabelecimento dopacto social.

Na Idade Média,floresceu a idéia de

que a autoridade dosgovernantes se fundavanum contrato com os

súditos: o pactumsubjectionis.

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As doutrinas do pacto social

Dessas lições resulta sempre que o poder decorre da vontade dos homens e temum estatuto fixado por eles.

Assim, Quando o príncipe vio-lava a obrigação de justiça, pormeio da intervenção do Papa, queera representante da divindadesobre a terra, os súditos ficariamdispensados de obedecer a essepríncipe.

No século XVII, Hobbes, no livro Le-viatã, e Locke, no Tratado do GovernoCivil, desenvolveram a concepção deque a própria sociedade se funda numpacto, num acordo ainda que tácito en-tre os homens. A mesma idéia foi difun-dida por Rosseau, às vésperas da Revo-lução Francesa, em o Contrato Social.

Por esse pacto, o povo sesujeitava a obedecer ao príncipe

enquanto este se comprometia a governarcom justiça, ficando Deus como

árbitro do contrato.

Revolução Francesa

Tácito: que não se exprime em palavras,subentendido, implícito.

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O pensamento iluminista e a idéia de constituição1

A idéia de Constituição ganhou força associada às concepções do Iluminismo no século XVIII. Essacosmovisão tem cinco idéias-força, que se exprimem pelas noções de Indivíduo, Razão, Natureza,Felicidade e Progresso. De fato, ela concebe o homem como indivíduo, ou seja, como um ser individuali-zado, com vida e direitos próprios, que não se confunde com a coletividade nem se funde nesta. Esteindivíduo é eminentemente racional, determina a sua vontade por uma razão que não aceita senão oque lhe pode ser demonstrado. Razão, portanto, que rejeita o preconceito, isto é, tudo aquilo que nãopode ser explicado objetivamente. Tal indivíduo racional vive num mundo governado em última instân-cia por uma natureza boa e previdente. Dessa natureza resultam leis (naturais) que conduzem à melhordas situações possíveis, desde que não embaraçadas. Visam à felicidade que é o objetivo do homem.Objetivo a ser realizado na Terra e não no Céu, como era o caso da salvação eterna, meta proposta parao homem pelo Cristianismo. Enfim, o otimismo quanto ao futuro, pois o homem, sua condição de vida,seus conhecimentos, sempre estão em aperfeiçoamento, em progresso.

Essa cosmovisão é fonte do liberalismo político eeconômico que triunfa com as revoluções dos séculosXVIII e XIX na Europa. Nesse último plano, o liberalis-mo afirma a virtude da livre concorrência, da não-inter-venção do Estado, enfim o laissez-faire, que enseja a

expansão capitalista.

Cosmovisão: visão universal.Laissez-faire: (expressão francesa) não-intervenção do Estadonas atividades econômicas (deixar fazer, deixar passar).Liberalismo: doutrina partidária da livre empresa, que se opõe aosocialismo e ao dirigismo.Teoria segundo a qual o Estado não deveintervir nas relações econômicas que existem entre indivíduos, classes ou nações.

1 FERREIRA FILHO, 1987, p. 4-9. Adapatação feita por Edson Luis Silva

No planoestritamente político, o

liberalismo encarece os direitosnaturais do homem, tolera o Estado

como um mal necessário e exige, paraprevenir eventuais abusos, a separação

de poderes que Montesquieuteorizou, de forma definitiva, no

Espírito das Leis.

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Noção polêmica de Constituição2

Ao surgir, já que estava ligada à dou-trina liberal, a idéia de Constituição escri-ta tinha um caráter polêmico. Não desig-nava qualquer organização fundamental,mas apenas a que desse ao Estado umaestrutura conforme os princípios do libe-ralismo.

Era, pois, uma arma ideológica contrao Ancien Régime, contra o absolutismo,contra a confusão entre o monarca e oEstado, contra uma organização acusadade ser irracional. Propunha substituir tudoisso por um governo moderado, incapazde abusos, zeloso defensor das liberda-

des individuais.

Mais explicitamente,para o liberalismo, Constituição

é um documento escrito e soleneque organiza o Estado, adotandonecessariamente a separação dos

poderes e visando a garantiros direitos do homem.

Este conceito polêmico é que exprime,numa fórmula célebre, a Declaração de1789:

“Toda sociedade na qual não estáassegurada a garantia dos direitos nemdeterminada a separação dos poderes

não tem Constituição” (art. 16).

Anicien régime: (expressão francesa) antigoregime.

2 FERREIRA FILHO, 1987, p. 4-9. Adapatação feita por Edson Luis Silva

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Nas Américas, o rompimento das su-jeições às colônias impôs a adoção deconstituições escritas, em que, rompen-do a organização histórica, a vontade doslibertadores pudesse fixar as regras bási-cas da existência independente.

Esse regime depende da existência

3 FERREIRA FILHO, 1987, p. 4-9. Adapatação feita por Edson Luis Silva

O Constitucionalismo3

Conceito polêmico, alimenta o movimento político e jurídico chamado Constitucionalismo. Este visaa estabelecer em toda parte regimes constitucionais, quer dizer, governos moderados, limitados em seuspoderes, submetidos a constituições escritas.

Confundem - se, no plano político, com o liberalismo e, como este, sua marcha no século XIX e nastrês primeiras décadas do século XX foi triunfal. Ou pela derrubada dos tronos, ou pela "outorga" dos

monarcas, um a um, todos os Estados europeus, salvo a Rússia, adotaram Constituição.

de uma opinião pública ativa e informa-da e esta depende de um certo grau delazer, instrução, riqueza, que só num cer-to grau de desenvolvimento pode umEstado alcançar. De modo geral, os po-vos mais ricos tendem a ser os mais li-vres, e o enriquecimento geral propicia

a reivindicação de liberdade maior.

Sem dúvida,o Constitucionalismona América tem a

mesma orientação queo europeu.

Aqui, porém, aConstituição escrita era

exigência da própria independência,pois esta implicava o rompimentodos costumes e a destruição das

instituições políticastradicionais.

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3.1.1 Período colonial (1500-1822): O peso do passado

3 O ESTADO BRASILEIRO

Seminômades: grupo social que opta pelo gênero devida que combina a prática ocasional da agriculturacom atividades pastoris sem local fixo.Aluvião: detritos provenientes deerosão, depositados por correntes deágua e que contêm ouro.

3.1 Cidadania no Brasil, o longo caminho

O país nasceu da conquista de povosseminômades pelos europeus, detento-res de tecnologia muito mais avançadapara a época. O efeito imediato da con-quista foi a dominação e o extermínio,pela guerra, pela escravização e peladoença, de milhões de indígenas aquiresidentes.

A conquista teve conotação comer-cial, a colonização foi um empreendi-mento do governo colonial aliado a par-ticulares. A atividade que melhor se pres-tou à finalidade lucrativa foi a produçãode açúcar, mercadoria com crescente mer-cado na Europa. Essa produção tinhaduas características importantes: exigiagrandes capitais e muita mão-de-obra.Outro produto tropical, como o tabaco,juntou-se depois ao açúcar. Consolidou-se, por esse modo, um traço que marcoudurante séculos a economia e a socieda-de brasileiras: o latifúndio monocultor eexportador de base escravista.

A mineração, sobretudo de aluvião, re-queria menor volume de capital e de mão-de-obra, além de ser uma atividade volátil,cheia de incertezas. As fortunas podiam sur-gir e desaparecer rapidamente.

Outra atividade econômica importan-te desde o início da colonização foi acriação de gado, que se desenvolveu nointerior do país como atividade subsidiá-ria da grande propriedade agrícola.

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A escravização de índios foi pra-ticada no início do período colonial.Calcula-se que havia na época dadescoberta do Brasil cerca de 4 mi-lhões de índios. Em 1823 restava me-nos de 1 milhão.

Portugal, à época da conquista, tinhacerca de 1 milhão de habitantes, insufici-entes para colonizar o vasto império queconquistara.

Escravidão e grande propriedade nãoconstruíram ambiente favorável à forma-ção de futuros cidadãos.

O fator mais negativo para a ci-dadania foi a escravidão. Na épocada independência, numa populaçãode cerca de 5 milhões, incluindo uns800 mil índios, havia mais de 1 mi-lhão de escravos.

Entre escravose senhores, existia uma

população legalmente livre,mas à qual faltavam todas

as condições para o exercíciodos direitos civis, sobretudo

a educação.

Ela dependia dosgrandes proprietários para

morar, trabalhar e defender-secontra o arbítrio do governo e

de outros proprietários.

Escravidão dos índios

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Não se pode dizer que os senhoresfossem cidadãos. Eram, sem dúvida, li-vres, votavam e eram votados nas elei-ções municipais. Eram simples potenta-dos que absorviam parte das funções doEstado, sobretudo as funções judiciárias.Em suas mãos, a justiça, que é a princi-pal garantia dos direitos civis, tornava-sesimples instrumento do poder pessoal. Opoder do governo terminava na porteiradas grandes fazendas.

Os impostos eram também freqüente-mente arrecadados por meio de contra-tos com particulares. Outras informaçõespúblicas, como o registro de nascimen-tos, casamentos e óbitos, eram exercidas

pelo clero católico. A conseqüência detudo isso era que não existia de verdadeum poder que pudesse ser chamado depúblico, isto é, que pudesse ser a garan-tia da igualdade de todos perante a lei,que pudesse ser a garantia dos direitoscivis.

Outro aspecto da administração colo-nial portuguesa que dificultava o desen-volvimento de uma consciência de direi-tos era o descaso pela educação primá-ria. De início, ela estava nas mãos dosjesuítas. Após a expulsão desses religio-sos em 1759, o governo assumiu a suaresponsabilidade, mas de maneira com-pletamente inadequada.

No século XVIII houve quatro revoltaspolíticas. A mais politizada foi a Inconfi-dência Mineira (1789) e a mais popular

Em 1872, meioséculo após a independência,

apenas 16% da populaçãoera alfabetizada.

A situação nãoera muito melhor na

educação superior, escolassuperiores só foram admitidasapós a chegada da Corte, em

1808. Em contraste com aEspanha, Portugal nunca

permitiu a criação deuniversidades em

sua colônia.

foi a Revolta dos Alfaiates, de 1798. Aúltima e mais séria revolta do períodocolonial aconteceu em Pernambuco, em

Potentados: senhores de grandeautoridade e/ou poder material.

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1817, que incluía, além de Pernambuco,as capitanias da Paraíba e do Rio Gran-de do Norte, que controlaram o governodurante dois meses.

Na revolta de 1817 apareceram commais clareza algunstraços de uma nas-cente consciênciade direitos sociais epolíticos. A escravi-dão não foi tocada.

Chegou-se ao

fim do período co-

lonial com a gran-

de maioria da po-

pulação excluída

dos direitos civis e

3.1.2 Período Imperial (1822 - 1889): Os direitos políticos saem na frente

A independênciado Brasil foi relativamente

pacífica. A principal característicapolítica da independência brasileira

foi a negociação entre a elitenacional, a Coroa Portuguesa

e a Inglaterra.

Graças àintermediação da Inglaterra,

Portugal aceitou a independênciado Brasil mediante o pagamento de

uma indenização de 2 milhõesde libras esterlinas.

Inconfidência Mineira

políticos e sem a existência de um sen-

tido de nacionalidade. No máximo, ha-

via alguns centros urbanos dotados de

uma população politicamente mais

aguerrida e algum sentimento de iden-

tidade regional.

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Do lado americano, havia o exemploadmirado dos Estados Unidos, do ladoeuropeu, havia a tradição colonial portu-guesa, as pressões daSanta Aliança e, sobre-tudo, a influência me-diadora da Inglaterra.Foi esta última que fa-cilitou a solução con-ciliadora e forneceu omodelo de monarquiaconstitucional, comple-mentado pelas idéiasdo liberalismo francêspós-revolucionário. Oconstitucionalismo exi-gia a presença de um governo represen-tativo baseado no voto dos cidadãos ena separação dos poderes políticos. AConstituição outorgada de 1824, que re-

geu o país até o fim da monarquia, com-binando idéias de constituições européi-as, como a francesa de 1791 e a espa-

nhola de 1812, es-tabeleceu três Po-deres tradicionais,O Executivo, o Le-gislativo (divididoem Senado e Câma-ra) e o Judiciário.Como resíduo doabsolutismo, criouainda um quar toPoder, chamado deModerador, que eraprivativo do impe-

rador. A principal atribuição desse Po-der era a livre nomeação dos minis-tros de Estado, independentemente daopinião do Legislativo.

O papel do povofoi mais decisivo em 1831,

quando o primeiro imperadorfoi forçado a renunciar.

À época daindependência, o Brasil

era puxado em duas direçõesopostas: a direção americana,

republicana, e a direçãoeuropéia, monárquica.

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A Constituição regulou os direitospolíticos e definiu quem teria direitode votar e ser votado. Podiam votar

todos os homens de 25 anos ou maisque tivessem renda mínima de 100 mil-réis.

As mulheres não votavam,e os escravos, naturalmente,não eram considerados cida-dãos. Os libertos podiam vo-tar na eleição primária. O li-mite caía para 21 anos no casodos chefes de família, dos ofi-ciais militares, bacharéis, clé-rigos, empregados políticos,em geral de todos os que ti-vessem independência econô-mica.

A eleição era indireta, feita em dois turnos.No primeiro, os votantes escolhiam os eleito-res, na proporção de um eleitor para cada 100domicílios.

Nos municípios, os vereadores e juízes depaz eram eleitos pelos votantes em um só tur-no. Os presidentes de província eram de no-meação do governo central.

Os senadores eram eleitos em lista tríplice,da qual o imperador escolhia o candidato desua preferência. Os senadores eram vitalícios,os deputados tinham mandato de quatro anos.

Os eleitores, que deviam ter renda de 200mil-réis, elegiam os deputados e senadores.

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Em 1881, a Câmara dos Deputados aprovou lei que introduzia o voto direto,eliminando o primeiro turno das eleições. Não haveria mais, daí em diante, votan-tes, haveria apenas eleitores. Ao mesmo tempo, a lei passava para 200 mil-réis aexigência da renda, proibia o voto dos analfabetos e tornava o voto facultativo.

A lei de fato limitouo voto ao excluir os

analfabetos. Somente 15% dapopulação era alfabetizada, ou 20%,

se considerarmos apenas a populaçãomasculina. De imediato, 80% da

população masculina era excluídado direito de voto.

Houve um corte de quase 90% do elei-torado. O mais grave é que o retrocessofoi duradouro.

Essa legislação permaneceuquase sem alteração até 1881.

Mais de 90% da população vivia emáreas rurais, sob o controle ou

influência dos grandes proprietários.Nas cidades, muitos votanteseram funcionários públicoscontrolados pelo governo.

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A herança colonial pesou mais naárea dos direitos civis. O novo país her-dou a escravidão, que negava a condi-ção humana do escravo, herdou as gran-des propriedades rurais, fechadas à açãoda lei, e herdou um Estado comprome-tido com o poder privado. A Inglaterraexigiu, como parte do preço do reconhe-cimento da independência, a assinaturade um tratado que incluía a proibição do

tráfico de escravos. O tratado foi ratifica-do em 1827. Em obediência a suas exi-gências, foi votada em 1831 uma lei queconsiderava o tráfico como pirataria. Masa lei não teve efeito prático.

Calcula-se que, desde o início do trá-fico a 1850, tenham entrado no Brasilquatro milhões de escravos. Sua distri-buição era desigual.

A Escravidão no Brasil: do tráfico à abolição

Ratificado: confirmado, reafirmado.

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Apesar da oposição dos escravistas,a lei era pouco radical. Permitia aos donos dos "ingênuos",

isto é, dos que nascessem livres, beneficiar-se deseu trabalho gratuito até 21 anos de idade.

De início, nos séculos XVI e XVII,concentravam-se na região produtora de açúcar,

sobretudo Pernambuco e Bahia. No século XVIII, umgrande número foi levado para a região de exploração do

ouro, em Minas Gerais. A partir da segundadécada do século XIX, concentraram-se na região

do café, que incluía Rio de Janeiro,Minas Gerais e São Paulo.

Por iniciativa do imperador,com o apoio da imprensa e a

ferrenha resistência dos fazendeiros,o gabinete chefiado pelo visconde do

Rio Branco conseguiu fazer aprovar, em1817, a lei que libertava os filhos

de escravos que nascessemdaí em diante.

A abolição final só começou aser discutida no Parlamento em1884. O Brasil era o último país detradição cristã e ocidental a libertaros escravos.

Comemoração da Abolição

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A população negra teve que enfren-tar sozinha o desafio da ascensão sociale freqüentemente precisou fazê-lo por ro-tas originais, como o esporte, a música ea dança. Esporte, sobretudo o fute-bol, música, sobretudo o sam-ba, e dança, sobretudo o car-naval, foram os principais ca-nais de ascensão social dosnegros até recentemente.

No Brasil, aos libertos não foramdadas nem escolas, nem terras, nemempregos. Passada a euforia da liber-tação, muitos ex-escravos regressarama suas fazendas ou a fazendas vizi-nhas, para retomar o trabalho por bai-xo salário. Onde havia dinamismo eco-nômico provocado pela expansão docafé, como em São Paulo, os novos em-pregos, tanto na agricultura como na in-

dústria, foram ocupados pelos milharesde imigrantes italianos que o governoatraía para o país. Lá, os ex-escravosforam expulsos ou relegados aos traba-lhos mais brutos e mais mal pagos.

As conseqüências disso foram duradou-ras para a população negra. Até hoje essapopulação ocupa posição inferior em to-dos os indicadores de qualidade de vida.

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3.1.3 A Primeira República (1889 - 1930)

lares exigindo maior participação eleitoral.A única exceção foi o movimento pelo votofeminino, valente, mas limitado. O votofeminino acabou sendo introduzido apósa Revolução de 1930, embora não cons-tasse do programa dos revolucionários.

Eram grandes os proprietários, os oficiaisda Guarda Nacional, os chefes de polícia eseus delegados, os juízes, os presidentes

das províncias ou esta-dos, os chefes dos par-tidos nacionais ou esta-duais. Até mesmo osmembros mais esclare-cidos da elite política na-cional, bons conhece-dores das teorias do go-verno representativo,quando se tratava de fa-

zer política prática, recorriam aos métodosfraudulentos, ou eram coniventes com osque praticavam.

Até 1930, o Brasil ainda era um paíspredominantemente agrícola. Segundo ocenso de 1920, apenas 16,6% da popula-ção vivia em cidades de 20 mil habitantesou mais (não houve censo em 1930), e70% se ocupava em atividades agrícolas.

A proclamação da República, em 1889, não alterou o quadro político do Brasil. AConstituição republicana de 1891 eliminou apenas a exigência da renda de 200 mil-réis, que não era muito alta. A principal barreira ao voto, a exclusão dos analfabe-tos, foi mantida. Continuavam também a não votar as mulheres, os mendigos, ossoldados, os membros das ordens religiosas.

Do ponto de vista da representação po-lítica, a Primeira República não significougrande mudança. Ela introduziu a federa-ção de acordo com o modelo dos EstadosUnidos. A descentralização facilitou a for-mação de sólidas oligarquias estaduais.

A Primeira República ficou conhecidacomo "República dos Coronéis". Quandoa Guarda perdeu sua natureza militar, res-tou-lhe o poder políticode seus chefes. Coronelpassou, então, a indicarsimplesmente o chefepolítico local. Ocoronelismo era a alian-ça desses chefes com ospresidentes dos Estadose desses com o presiden-te da República. Nesseparaíso das oligarquias, as práticas eleito-rais fraudulentas não podiam desaparecer.

Os eleitores continuaram a ser coagidos,comprados, enganados ou simplesmente ex-cluídos. A Câmara Federal reconhecia comodeputados os que apoiassem o governadore o presidente da República, e tachava osdemais pretendentes de ilegítimos.

Mas, apesar de todas as leis que restrin-giam o direito do voto e de todas as práti-cas que deturpavam o voto dado, não hou-ve no Brasil, até 1930, movimentos popu-

Oligarquia: governo em que a autoridade éexercida por algumas pessoas ou famíliaspoderosas.

Primeira República

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Na sociedade rural, dominavam osgrandes proprietários, que antes de 1888eram também, na grande maioria, pro-prietários de escravos. Eram eles,freqüentemente em aliança com comer-ciantes urbanos, que sustentavam a polí-tica do coronelismo e impediam a parti-cipação política dos ex-escravos, aosquais antes negavam os direitos civis.

Nas fazendas, imperava a lei do coro-nel, criada por ele, executada por ele.Quando o Estado dava seu apoio políti-co ao governador, havia a troca de indi-cações de autoridades, como o delegadode polícia, o juiz, o coletor de impostos,o agente do correio, a professora primá-ria. A justiça privada ou controlada poragentes privados é a negação da justiça.

Liberalismo ortodoxo: liberalismo tradicional,com defesa intransigente da liberdade indivi-dual e contra a ingerência do poder estatal.

Logo no inícioda República, em 1891,

foi regulado o trabalho demenores na capital federal.

Em 1927 voltou-se ao assunto com a aprovação doCódigo dos Menores.

Predominava então um liberalis-mo ortodoxo, já superado em ou-tros países. Não cabia ao Estado pro-mover a assistência social. A Consti-tuição republicana proibia ao gover-no federal interferir na regulamenta-ção do trabalho. Tal interferência eraconsiderada violação da liberdade doexercício profissional.

No período entre 1884 e 1920, entra-ram no Brasil cerca de três milhões deimigrantes. Desses, 1,8 milhão foi paraSão Paulo.

A assistência social estava quase ex-clusivamente nas mãos de associaçõesparticulares.

O governo pouco cogitava de legisla-ção trabalhista e de proteção ao traba-lhador. Houve retrocesso na legislação: aConstituição republicana de 1891 retiroudo Estado a obrigação de fornecer edu-cação primária, constante da Constitui-ção de 1824.

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Só em 1926, quando a Constituição sofreu sua primeira reforma, é que o governofederal foi autorizado a legislar sobre o trabalho.

Durante a Primeira República, a presença do governo nas relações entre patrõese empregados dava-se por meio da ingerência da polícia.

Surpreendentemente,o reconhecimento dos sindicatosrurais precedeu o dos sindicatos

urbanos (1903 e 1907,respectivamente). O fato seexplica pela presença detrabalhadores estrangeiros

na cafeicultura.

As representaçõesdiplomáticas de seus países de

origem estavam sempre atentas aotratamento que lhes era dado pelosfazendeiros e protestavam contra

os arbítrios cometidos.

No campo da legislação social,

apenas algumas tímidas medidas fo-

ram adotadas, a maioria delas após

a assinatura pelo Brasil, em 1919,

do Tratado de Versalhes e o ingres-

so do país na Organização Interna-

cional do Trabalho (OIT). Em 1923, foi criado o Conselho Na-

cional do Trabalho, que no entanto

permaneceu inativo. O que houve de

mais importante foi a criação de uma

Caixa de Aposentadoria e Pensão para

os ferroviários, em 1923.

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No campo, a pequena assistência so-

cial que existia era exercida pelos coro-

néis. Assim como controlavam a justiça e

a polícia, os grandes proprietários também

constituíam o único recurso dos trabalha-

dores quando se tratava de comprar re-

médios, de chamar um médico, de ser

levado a um hospital, de ser enterrado.

Do censo de 1920, em 30 milhões dehabitantes, apenas 24% sabiam ler e es-crever. Os adultos masculinos alfabetiza-dos, isto é, os que tinham direito de voto,não passariam de um milhão ao movi-mento abolicionista.

Três anos depois, em 1926, ao fi-

nal da Primeira República, havia pelo

menos 47 Caixas, uns 8 mil operários

contribuintes e cerca de 7 mil pensio-

nistas. As poucas medidas tomadas

restringiam-se ao meio urbano.

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3.1.4 Da Revolução de 1930 à Revolução de 1964

A guerra causou impactos econômicose políticos. O preço do café, principal pro-duto de exportação, sofreu grande que-da, reduzindo-se, em conseqüência, a ca-pacidade de importar. Maior produtor decafé, o Estado de São Paulo foi particular-mente penalizado. O governo desenvol-vera amplo programa de defesa do preçodo café, como conseqüência, grandes sa-fras foram produzidas nos últimos anosda década de 1920. A superprodução coin-cidiu com a crise de 1929 e com a GrandeDepressão que a seguiu, e os preços docafé despencaram.

Em 3 de outubro de 1930, o pre-sidente da República, WashingtonLuís, foi deposto por um movimen-to armado dirigido por civis e mili-tares de três Estados da Federação,Minas Gerais, Rio Grande do Sul eParaíba: a Revolução de 1930, em-bora tenha havido, e ainda haja,muita discussão sobre se seria ade-quado usar a palavra revolução paradescrever o que aconteceu.

Getúlio Vargas

Washington Luiz

Mas foi sem dúvida o aconteci-mento mais marcante da históriapolítica do Brasil desde a indepen-dência. É importante, então, discu-tir suas causas e seu significado. APrimeira República caracterizava-sepelo governo das oligarquias regio-nais, as mais fortes eram as de SãoPaulo, Minas Gerais e Rio Grandedo Sul. Fatos internos e externos co-meçaram a abalar o acordo oligár-quico. Entre os externos, devem-semencionar a Primeira Grande Guer-ra e a quebra da Bolsa de NovaYork em 1929.

Revolução de 1930

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Internamente, a fermenta-ção oposicionista começou aganhar força na década de1920 com os operários, em1922 e 1924 houve revolta dosjovens oficiais no Rio de Ja-neiro e São Paulo, respectiva-mente. Em São Paulo eles con-trolaram a capital por algunsdias, abandonaram a cidadee juntaram-se a outros milita-res rebeldes do sul do país eformaram a coluna que per-correu milhares de quilômetrossob perseguição dos soldadoslegalistas, até internar-se naBolívia em 1927, sem ter sidoderrotada. A coluna ganhou onome dos seus dois coman-dantes iniciais, o coronelMiguel Costa, da Polícia Mili-tar de São Paulo, que aban-donou a luta e o capitão LuísCarlos Prestes, do Exército.

O movimento de 1922 pretendia recu-perar a influência perdida pelos militaresno governo republicano, em que as oligar-quias passaram a exercer maior influência.

O fermento oposicionista manifestou-se também no campo cultural e intelec-tual. No ano de 1922, foi organizada emSão Paulo a Semana de Arte Moderna.

Cartaz do Teatro Municipal

Obopuru - obra de Tarcila do AmaralSemana da arte moderna

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A década de 1920 terminou presencian-do uma das poucas campanhas eleitoraisda Primeira República em que houve au-têntica competição. O candidato oficial àpresidência, Júlio Prestes, paulista como opresidente que estava no poder, represen-tava a continuidade administrativa.

A elei-ção, comode cos-tume, foifraudada,e o gover-no, tam-bém co-mo decostume,declarou-se vence-dor. Ascoisas pa-

reciam caminhar para a retomada da "pazoligárquica". Entretanto, o governador daParaíba, João Pessoa, foi morto por uminimigo político local e sua morte forne-ceu o pretexto para que os elementosmais radicais da Aliança Liberal retomas-sem a luta, desta vez com propósito aber-tamente revolucionário.

Sem grandes batalhas, caiu a PrimeiraRepública, aos 41 anos de vida, e Getú-lio Vargas assume o poder.

O can-didato daoposição,G e t ú l i oVargas, àfrente daAliança Li-beral, in-t roduziutemas no-vos emsua plata-forma po-

lítica. Falava em mudanças no sistemaeleitoral, em voto secreto, em repre-sentação proporcional, em combate àsfraudes eleitorais; falava em reformassociais, como a jornada de trabalho deoito horas, férias, salário mínimo, pro-teção ao trabalho das mulheres e me-nores de idade.

A Aliança Liberal ameaçava ainda osistema por ter colocado em camposopostos as duas principais forças políti-cas da República, os Estados de SãoPaulo e Minas Gerais. Os dois Estadosalternavam-se na presidência. Em 1930,o acordo foi quebrado quando SãoPaulo insistiu em um candidato paulistapara substituir um presidente tambémpaulista. Rompido o acordo, os confli-tos latentes, dentro e fora das oligar-quias, encontraram campo fértil para semanifestar.

A elite políticamineira, frustrada em suas ambições,

aliou-se à elite gaúcha, sempreinsatisfeita com o domínio de paulistas

e mineiros. Às duas juntou-se aelite da Paraíba.

Júlio Prestes

João Pessoa

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Quanto à amplitude, a mobilização atingiu vários Estados da Federação, além dacapital da República; envolveu vários grupos sociais: operários, classe média, milita-res, oligarquias, industriais. Quanto à organização, multiplicaram-se os sindicatos eoutras associações de classe; surgiram vários partidos políticos; e pela primeira vezforam criados movimentos políticos de massa de âmbito nacional.

Entre 1930 e 1937,o Brasil viveu uma fase de grandeagitação política. Mas o período de

1930 superou os anteriores pelaamplitude e pelo grau de organização

dos movimentos políticos.

As elites paulistas uniram-se e re-voltaram-se contra o governo federalem 1932, exigindo uma constituiçãopara o país.

A revolta paulista, chamada Revo-lução Constitucionalista, durou três me-ses e foi a mais importante guerra civilbrasileira do século XX.

Os paulistas perderam a guerra no cam-po de batalha, mas a ganharam no cam-po da política. O governo federal con-cordou em convocar eleições para a as-sembléia constituinte que deveria elegertambém o presidente da República. As

eleições se deram em 1933, sob novasregras eleitorais, que representavam jágrande progresso em relação à PrimeiraRepública. Para reduzir as fraudes, foi in-troduzido o voto secreto e criada umajustiça eleitoral. O voto secreto protegiao eleitor das pressões dos caciques polí-ticos; a justiça eleitoral colocava nas mãosde juízes profissionais a fiscalização doalistamento, da votação, da apuração dosvotos e o reconhecimento dos eleitos. Ovoto secreto e a justiça eleitoral foramconquistas democráticas. Houve tambémavanços na cidadania política. Pela pri-meira vez, as mulheres ganharam o di-reito ao voto.

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A Constituinte confirmou GetúlioVargas na presidência e elaborou umaConstituição, inspirada na de Weimar,da Alemanha, em que pela primeiravez constava um capítulo sobre a or-dem econômica e social.

O golpe veio em 1937. O primeiromovimento foi a deposição do gover-nador do Rio Grande do Sul, Flores

O golpe de 1937 e o estabelecimentodo Estado Novo contaram com o apoioentusiasta dos integralistas.

O nacionalismo econômico do EstadoNovo só fez crescer com o passar do tem-po. Seus cavalos de batalha foram a si-derurgia e o petróleo. Vargas negocioucom os Estados Unidos a entrada do Brasilna guerra em troca de apoio para cons-truir uma grande siderúrgica estatal.

A oposição ao Estado Novo só ganhouforça por efeito das mudanças externastrazidas com o final da Segunda GuerraMundial. De 1937 a 1945 o país viveusob um regime ditatorial civil, garantidopelas forças armadas, em que as mani-festações políticas eram proibidas, o go-verno legislava por decreto, a censuracontrolava a imprensa, os cárceres se en-chiam de inimigos do regime.

da Cunha, ex-aliado de Vargas. Final-mente, um documento forjado por ofi-ciais integralistas foi usado como pre-texto final para fechar o Congresso edecretar nova Constituição. O docu-mento, batizado de Plano Cohen, des-crevia um pretenso plano comunistapara derrubar o governo. Para causarmais impacto, o plano previa o assas-sinato de vários políticos.

Desde o primeiromomento, a liderança

que chegou ao poder em 1930dedicou grande atenção ao

problema trabalhista e social.Vasta legislação foi promulgada,culminando na Consolidaçãodas Leis do Trabalho (CLT),

de 1943.

O período de 1930a 1945 foi o grande momento da

legislação social. Na área trabalhista,foi criado em 1931 o Departamento

Nacional do Trabalho.

Constituição de Weimar: constituição de1919, instituidora da primeira república ale-mã, elaborada e votada na cidade de Weimar,na Saxônia; texto constitucional equilibradoe prudentemente inovador.

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A Constituição de 1934 consagroua competência do governo para re-gular as relações de trabalho, confir-mou a jornada de oito horas e deter-minou a criação de um salário míni-mo capaz de atender às necessidadesda vida de um trabalhador chefe defamília. O salário mínimo foi adota-do em 1940. A Constituição criou tam-bém a Justiça do Trabalho, que en-trou em pleno funcionamento em1941. Em 1943, veio a Consolidaçãodas Leis do Trabalho.

Vargas foi, afinal, derrubado por seuspróprios ministros militares em 1945. Apósa derrubada de Vargas, foram convocadaseleições presidenciais e legislativas paradezembro de 1945. As eleições legislativasdestinavam-se a escolher uma assembléiaconstituinte, a terceira desde a fundaçãoda República. O presidente eleito, generalEurico Gaspar Dutra, tomou posse emjaneiro de 1946.

A Constituição de 1946 manteve asconquistas sociais do período anterior egarantiu os tradicionais direitos civis epolíticos. Até 1964, houve liberdade deimprensa e de organização política.

Na área da previdência, os grandesavanços se deram a partir de 1933.

Apesar de tudo, não se pode negarque o período de 1930 a 1945 foi a erados direitos sociais. Nele foi implantadoo grosso da legislação trabalhista eprevidenciária. O que veio depois foiaperfeiçoamento, racionalização e exten-são da legislação a número maior de tra-balhadores. Foi também a era da organi-zação sindical, só modificada em parteapós a segunda democratização, de 1985.

Eurico Gaspar Dutra

1934Confirmaçãoda jornada de

8 horas de trabalho.

1940Adoção do salário

mínimo.

1943Consolidação dasLeis do Trabalho.

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Ao se candidatar à eleição presidencialde 1950, o ex-ditador não teve dificuldadeem eleger-se, conquistando quase 49%dos votos, contra apenas 30% docompetidor mais próximo. Seu segundogoverno foi o exemplo mais típico dopopulismo no Brasil e consolidou suaimagem de “pai dos pobres”.

A eleição de Vargas para presidente,pelo voto popular, em 1950, representouum grande desapontamento para seusinimigos, que tentaram utilizar meioslegais e manobras políticas para impedirsua posse. Seu segundo governo foimarcado por radicalização nacionalista,além do populismo. O ministro do

Trabalho, João Goulart, agia em acordocom os dirigentes sindicais, pelegos ounão. Pelo lado nacionalista, destacou-sea luta pelo monopólio estatal daexploração e do refino do petróleo,corporificada na criação da Petrobrás, em1953. Essa política provocou a reação dosconservadores. Os militares exigiram arenúncia do presidente.

Vargas preferiu matar-se a ceder ou alutar. Deu um tiro no coração no dia 24de agosto de 1954, em seu quarto dedormir no Palácio do Catete, deixandouma carta-testamento de forte conteúdonacionalista e populista.

O próximo presidente eleito foi Jusce-lino Kubitscheck, cujo governo foi mar-cado pela fundação de Brasília, por gran-de desenvolvimento econômico e altainflação.

Seu sucessor, Jânio Quadros, foi eleitoem 1960 com 48,3% dos votos.

O governo Jânio Quadros foi curto.Ele tomou posse em janeiro de 1961 erenunciou em agosto desse mesmo ano,alegando impossibilidade de governar.

O populis-mo era um fe-nômeno ur-bano e refle-tia esse novoBrasil que sur-gia, ainda in-seguro, masdistinto doBrasil rural daPrimeira Re-pública, quedominara a vida social e políticaaté 1930.

A antecipação dos direitos soci-ais fazia com que eles não fossemvistos como tais, como indepen-dentes da ação do governo, mascomo um favor em troca do qualse deviam gratidão e lealdade. Acidadania que daí resultava erapassiva e receptora em vez de ati-va e reivindicadora.

Getúlio Vargas

Jânio Quadros

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A renúncia foi aceita imediatamentepelo Congresso. Os ministros militaresdeclararam não aceitar a posse do vice-presidente, Goulart, instalando-se umacrise política. Renovou-se a disputa quedividia políticos e militares desde o go-verno Vargas.

A posse de Goulart só ocorreu apósum ato adicional instituindo o Parlamen-tarismo no Brasil, segundo o qual o pre-sidente só seria chefe do Estado.

Desde o primeiro momento, Goulart eas forças que o apoiavam buscaram re-verter a situação e restaurar o Presidencia-lismo. Depois de uma série de primeiros-ministros que não conseguiram governar,o Congresso marcou um plebiscito parajaneiro de 1963 para decidir sobre o sis-tema de governo. Como era de esperar,o Presidencialismo venceu por grandemaioria e Goulart assumiu os plenos po-deres de um presidente.

No Rio de Janeiro, em 13 de março de1964, foi realizado grande comício emfrente à Central do Brasil com 150 mil

Em 1963, o governo promulgouo Estatuto do Trabalhador Rural, quepela primeira vez estendia ao cam-po a legislação social e sindical. Oimpacto maior do estatuto foi sobreo processo de formação de sindica-tos rurais, tornado agora muito maissimples e desburocratizado. Em1964, a Confederação dos Trabalha-dores na Agricultura (Contag), for-mada nesse ano, já contava com 26federações e 263 sindicatos reconhe-cidos pelo Ministério.

pessoas. O Presidente, além do seu dis-curso, assinou dois decretos: um delesnacionalizando uma refinaria de petró-leo, o outro, desapropriando terras àsmargens de ferrovias e rodovias federaise de barragens de irrigação. O decretomais explosivo era o de desapropriaçãode terras. A maior dificuldade legal àreforma agrária estava na Constituição,que exigia pagamento em dinheiro dasterras desapropriadas. O pagamento emdinheiro elevava muito os custos da re-forma, e o Congresso recusava-se aemendar a Constituição nesse item.

João Goulart

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Como a tensão crescia, os militares intervieram e implantaram o regime militar.

3.1.5 De 1964 até nossos dias

Promovido pororganizações religiosas, sob

inspiração de um padrenorte-americano e financiado por

homens de negócio paulistas,calculado em 500 mil pessoas, centrousua retórica no perigo comunista que sealegava vir do governo federal. Outroscomícios semelhantes foram planejados

para outras capitais sob o lema"Marcha da Família comDeus pela Liberdade".

A partir dessecomício do dia 13, os

acontecimentos se precipitaram.No dia 19 de março um comício

foi organizado em São Pauloem protesto contrao Rio de Janeiro.

Os governos militares podem ser divididos em três fases.

A primeira vai de 1964 a 1968 e corresponde ao governo do general CasteloBranco e primeiro ano de governo do general Costa e Silva. No último ano,1968, a economia retomou os altos índices de crescimento da década de 1950.

A segunda fase vai de 1968 a 1974 e compreende os anos mais sombrios dahistória do país, do ponto de vista dos direitos civis e políticos. Foi o domíniodos militares mais truculentos, reunidos em torno do general Garrastazu Médici.Em contraste com as taxas de crescimento, o salário mínimo continuou adecrescer.

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Apesar da tragédia da morte deTancredo Neves, a retomada da supre-macia civil em 1985 se fez de maneirarazoavelmente ordenada e, até agora,sem retrocessos.

A terceira fase começa em 1974, com a posse do general Ernesto Geisel, etermina em 1985, com a eleição indireta de Tancredo Neves.

A Constituinte de 1988 redigiu eaprovou a Constituição mais liberal edemocrática que o país já teve, mere-cendo por isso o nome de Constitui-

ção Cidadã. AConstituição de1988 eliminou ogrande obstáculoainda existente àuniversalidade dovoto, tornando-ofacultativo aosanalfabetos.

Em 1989, hou-ve a primeira elei-ção direta parapresidente da Re-pública desde1960. Duas outraseleições presiden-

ciais se seguiram em clima de nor-malidade, precedidas de um inédi-to processo de impedimento do pri-meiro presidente eleito.

Tancredo Neves

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A partir doterceiro ano dogoverno Sar-ney, o desen-canto começoua crescer, poisficara claro quea democratiza-ção não resol-

veria automati-camente os problemas do dia-a-dia quemais afligiam o grosso da população.

F e r n a n d oCollor, emboravinculado àselites políticasmais tradicio-nais do país,apresentou-secomo messiassalvador des-vinculado dosvícios dos ve-

lhos políticos. Fernando Collor venceu oprimeiro turno das eleições, derrotandopolíticos experimentados, como o líderdo PMDB, Ulisses Guimarães, e o líderdo PSDB, Mário Covas.

No segundo turno, derrotou o can-didato do PT, o também carismáticoLuís Inácio Lula da Silva. Mesmo de-pois da posse do novo presidente, essepartido tinha 5% das cadeiras na Câ-mara dos Deputados.

Humilhada e ofendida por não ver suasesperanças concretizadas, a populaçãoque fora às ruas oito anos antes para pe-dir as eleições diretas repetiu a jornadapara pedir o impedimento do primeiro pre-sidente eleito pelo voto direto.

O Congresso abriu o processode impedimento que resultou noafastamento do presidente, doisanos e meio depois da posse, e emsua substituição pelo vice-presiden-te, Itamar Franco.

Avanço também foram as duaseleições presidenciais seguintes, fei-ta em clima de normalidade. Na pri-meira, em 1994, foi eleito em pri-meiro turno o sociólogo FernandoHenrique Cardoso. Durante seumandato, o Congresso, sob intensapressão do Executivo, aprovou a re-eleição, que veio a beneficiar o pre-sidente na eleição de 1998, ganhapor ele também no primeiro turno.

José Sarney

Fernando Collor de Melo

Fernando Henrique Cardoso

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A persistência da desigualdade é ape-nas em parte explicada pelo baixo cres-cimento econômico do país nos últimos20 anos. Mesmo durante o período dealto crescimento da década de 1970 elanão se reduziu.

Crescendo ou não,o país permanece desigual.O efeito positivo sobre a

distribuição de renda trazidopelo fim da inflação altateve efeito passageiro.

A escandalosadesigualdade que concentra

nas mãos de poucos a riquezanacional tem como conseqüência

níveis dolorosos de pobrezae miséria.

Tomando-se a renda de 70 dólares —que a Organização Mundial da Saúde(OMS) considera ser o mínimo necessáriopara a sobrevivência — como a linha di-visória da pobreza, o Brasil tinha, em 1997,54% de pobres. A porcentagem correspon-dia a 85 milhões de pessoas, numa popu-lação total de 160 milhões. No Nordeste,a porcentagem subia para 80%.

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Incompletude: sentido de nãoestar completo.

3.2 Elementos do Estado

A crise cambialde 1999 e a conseqüente

redução do índice de crescimentoeconômico eliminaram as

vantagem conseguidasno início.

Após percorrertantos anos de história

do nosso País, ficamos coma sensação desconfortável deincompletude. Os progressos

feitos são inegáveis, mas foramlentos e não escondem olongo caminho que ainda

nos falta percorrer.

Estado: um povo social, política e juridicamente organizado, que, dispondo deuma estrutura administrativa, de um governo próprio, tem soberania sobre determi-nado território.

Pode-se conceituar Estadocomo uma instituição que tem por objetivoorganizar a vontade do povo politicamenteconstituído, dentro de um território definido,

tendo como uma de suas características oexercício do poder coercitivo sobre os membros

da sociedade. É, portanto, a organizaçãopolítico-jurídica de uma coletividade,

objetivando o bem comum.

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São elementos do Estado:

O Poder Político Soberano expressa-se como ordenamento jurídico impositivo,ou seja, o conjunto das normas e leis que regulam o convívio social.

A Constituição Federal de 1988 diz:

Artigo 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilida-de do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade...

[...]

inciso II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisasenão em virtude da lei;

O Povo é o conjunto de cidadãos que se subordinam ao mesmo poder soberanoe possuem direitos iguais perante a lei.

Nossa lei maior, a Constituição Federal de 1988, organiza o Estado brasileiro em Poderes.

O Território, que inclui o espaço terrestre, aéreo e aquático, é outro importanteelemento do Estado. Mesmo o território desabitado — onde não há interaçõessociais — é parte do Estado, que sobre ele exerce poder soberano, controlando seusrecursos. Ainda que haja sociedade ou até mesmo nação, quando não há territóriocontrolado pelo poder soberano, não há Estado.

O Governo corresponde ao núcleo decisório do Estado, encarregado da gestãoda coisa pública.

Coisa pública: é o conjunto de bens públicostangíveis (ex.: edifícios, investimentos) e in-tangíveis (ex.: educação e segurança, etc).

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3.3 Organização do Estado e dos Poderes

O art. 1º da Constituição Federal de 1988 dispõe que o Brasil é uma república federati-va, constituída pela união indissolúvel dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.

No sistema presidencialista, a divisão do poder é uma forma de organização do Estado.

São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivoe o Judiciário. (art. 2. C.F./88).

o Poder Judiciário é exercido por: Supremo Tribunal Federal, Superior Tribunalde Justiça, Tribunais Regionais Federais e Juízes Federais, Tribunais e Juízes doTrabalho, Tribunais e Juízes Eleitorais, Tribunais e Juízes Militares e Tribunais eJuízes dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios; o Supremo Tribunal Federale os Tribunais Superiores possuem jurisdição sobre todo o território nacional.

o Poder Executivo é exercido pelo Presidente da República, auxiliado pelosMinistros de Estado;

o Poder Legislativo é exercido pelo Congresso Nacional, composto pela Câma-ra dos Deputados e pelo Senado Federal e cabe ao Congresso Nacional disporsobre todas as matérias de competência da União;

Os três Poderes são independentes, masdeve haver entre eles um equilíbrio, dadopor mecanismos de pesos e contrapesos.

Assim, tem-se a presença de cada um dosPoderes na órbita do outro, mediante asfaculdades de estatuir e de impedir.

Faculdade de estatuir: possibilidade de esta-belecer como preceito ou norma; possibilida-de de resolver, deliberar.

No caso brasileiro, a Constituição estabelece que:

Poder Judiciáriofiscaliza o cumprimento

das leis

Poder Legislativoelabora as leis

no País

Poder Executivoexecuta as leis

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49

Impeachment: (palavra inglesa) pro-cesso que se instaura contra altasautoridades do governo com fins dedestituir do cargo por meio de de-núncias de infração grave dos deve-res funcionais.

O Executivo atua

No Legislativo, por meio:

da mensagem presidencial (nos casos de recomendação); do poder de veto (nos casos de

impedimento); de envio de matéria sobre orçamentos e

finanças; de elaboração de leis delegadas; de envio de medida provisória

(que tem força de lei).

No Judiciário:

ao nomear membros do Poder Judiciário;

ao conceder indultos (perdão).

O Legislativo atua

No Executivo, pelas faculdades de:

rejeitar veto; sustar os atos normativos do Poder Executivoque exorbitem o poder regulamentar ou oslimites de delegação legislativa;

instaurar processo de impeachment contra aautoridade executiva;

aprovar tratados; apreciar e ratificar as indicações do Executivopara o desempenho de cargos da administraçãopública;

zelar pela organização administrativa e judiciáriado Ministério Público e da Defensoria Pública;

exercer a fiscalização contábil, financeira eorçamentária, mediante suas atribuições decontrole externo, com o auxílio do Tribunal deContas.

No Judiciário:

na organização dessepoder;

nas atividades de pro-cessar e julgar Ministrosdo Supremo TribunalFederal.

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A sociedade cria o Estado para que possa ter, por seu intermédio, a garantia de direitosindividuais e coletivos, a realização do bem comum.

Para a realização desse bem comum o Estado tem de desenvolver atividades múltiplasque, no conjunto, chamam-se atividades estatais.

Atividades estatais: atividades relativasao Estado.

O Judiciário atua

No Legislativo:

quando decide acerca de inconstitu-cionalidade de seus atos.

No Executivo:

quando profere a ilegalidade demedidas administrativas.

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51

4 ADMINISTRAÇÃO PÚBLICAÉ a Administração Pública que desen-

volve as atividades estatais visando aobem comum, de acordo com a lei.

Por Administração Pública compreende-se o conjunto de órgãos, funções e agentes

Administração Pública Direta- entidades estatais, como a Presi-dência da República, as secretariasestaduais e municipais;

Administração Indireta - au-tarquias, fundações públicas, em-presas públicas e sociedades de eco-nomia mista.

Tais atividades devemser realizadas em conformidade com aquilo

que a lei estabelece e de acordo com os princípiosconstitucionais que regem a Administração Pública.A Constituição brasileira estabelece, no artigo 37,

que as atividades desenvolvidas pelaAdministração Pública devem obedecer

aos seguintes princípios:

públicos com a finalidade de desenvolveras atividades do Estado, visando à consecu-ção dos interesses coletivos. A Administra-ção Pública deve expressar o compromissodo Estado com o bem-estar da coletividade.

A Administração Pública é constituída da seguinte forma:

Legalidade obediência à lei;

Impessoalidade inexistência de prefe-rências, privilégios ou diferenciações quenão sejam previstos na lei;

Moralidade princípios éticos de justiçae probidade;

Publicidade visibilidade e transparên-cia das ações públicas;.

Eficiência desempenho satisfatório dasatividades a fim de alcançar os melhoresresultados na prestação dos serviços públi-cos.

Todo poder emanado povo, que o exerce pormeio dos representantes

eleitos ou diretamente, nostermos desta Constituição.

CF/88 Art. 1º § único

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A fonte real do poder do Estado estáno povo que, de acordo com seu grau deinstrução e participação:

teoricamente, cria suas leis por intermé-dio dos seus representantes eleitos –Poder Legislativo;

elege os chefes do Poder Executivo pararealização das atividades estatais, porintermédio da Administração Pública, de

acordo com as leis criadas pelo Legisla-tivo e com recursos advindos da pró-pria sociedade – os tributos;

mantém o Poder Judiciário, que tem afunção de fiscalizar o fiel cumprimentoda lei.

A finalidade do Estado é o bem co-mum, assim, os três Poderes devem ga-rantir este objetivo.

“Uma águia nunca voa só. Vive e voasempre em pares. Importa aqui recordar a

lição de um mestre do Espírito. O serhumano-águia é como um anjo que caiu deseu mundo angelical. Ao cair, perdeu umadas asas. Com uma asa só não pode mais

voar. Para voar tem de abraçar-se a outro anjoque também caiu e perdeu uma asa. Em sua

infelicidade, os anjos caídos mostram-sesolidários. Percebem que podem ajudar-semutuamente. Para isso, devem se abraçar e

completar suas asas. E só assim, abraçados ejuntos, com a asa de um e de outro, podemvoar. Voar alto rumo ao infinito do desejo.Sem solidariedade, sem compaixão e sem

sinergia, ninguém recupera as asas da águiaferida que carrega dentro de si. Um fraco

mais um fraco não são dois fracos, mas umforte. Porque a união faz a força. Uma asamais uma asa não são duas asas, mas umaáguia inteira que pode voar, ganhar altura erecuperar sua integridade e sua libertação.”

(BOFF, 1997, p. 105-108).

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53

“Eu preciso partici-par das decisões que inter-

ferem na minha vida. Um cida-dão com um sentimento ético for-

te e consciência da cidadania não dei-xa passar nada, não abre mão dessepoder de participação”.

Herbert de Souza,o Betinho (1994)

5 ESTADO DEMOCRÁTICO DEDIREITO E CIDADANIA

Ser cidadão [...] é participar o máximo possívelda vida em comunidade para que seja possívelcompartilhar com os semelhantes as coisas boasda vida – as materiais e as culturais. Ser cidadão é,ainda, opor-se a toda forma de não-participação.Ser cidadão é, enfim, adotar uma postura em favordo bem comum.

[...] cidadania deve englobar todos, mesmo aque-les desprivilegiados, em situação de desvantagemem relação aos outros. Todos devem ser cidadãos.

(MELLO, 2001).

Segundo o artigo 1º da Constituição de 1988:

A República Federativa do Brasil, formada pelaunião indissolúvel dos Estados e Municípios e do Dis-trito Federal, constitui-se em Estado democrático dedireito e tem como fundamentos:

I - a soberania;II - a cidadania;III - a dignidade da pessoa humana;IV - os valores sociais do trabalho

e da livre iniciativa;V - o pluralismo político.

5.1 Ser cidadão

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54

O Estado de Direito é aquele em que os homens são governa-dos pelo poder da lei e não pelo poder de outros homens. A lei éa proposição jurídica que trata igualmente todos que estejam namesma situação. A vontade da lei se impõe tanto aos particularescomo aos agentes do Estado como pessoa de direitos e obriga-

ções. (NOGUEIRA, 1989).

Indivíduo e sociedade existem mutuamente. A democraciafavorece a relação rica e complexa indivíduo/sociedade, em queos indivíduos e a sociedade podem ajudar-se, desenvolver-se,regular-se e controlar-se mutuamente. A democracia fundamen-ta-se no controle da máquina do poder pelos controlados [...]

[...] A soberania do povo cidadão comporta ao mesmo tem-po a autolimitação desta soberania pela obediência às leis e atransferência da soberania aos eleitos. A democracia compor-ta ao mesmo tempo a autolimitação do poder do Estado pelaseparação dos poderes, a garantia dos direitos individuais e aproteção da vida privada. (MORIN, 2002).

Soberania: autoridade, poder políticosupremo.

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5.2 Democracia

A democracia não é apenas uma for-ma de organização governamental, elavai muito além, é a forma organizacionaldo Estado em que a participação do ci-dadão é fundamental, numa relação co-tidiana entre as pessoas.

A democracia é o governo do povo eprecisa do consenso da maioria dos ci-dadãos e do respeito às regras democrá-ticas e, ao mesmo tempo, abriga diversi-dade e antagonismos. Ela necessita doconflito de idéias e opiniões, o que lheconfere vitalidade e produtividade. Des-se modo, tem um caráter dialógico:

• consenso/conflito;

• liberdade/igualdade/fraternidade;

• comunidade/antagonismossociais ideológicos.

A democracia nutre-se da autonomia doespírito dos indivíduos, da sua liberdade deopinião e de expressão, do seu civismo.

5.3 Cidadania

Podemos dizer quecidadania é essencial-mente consciência dedireitos e deveres noexercício da democracia.(GADOTTI, 1998.)

A cidadania é umdos fundamentos da República Federativa do Brasil. Não hácidadania sem democracia. E o que

é cidadania?

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“[...] cidadania é a qualidade ou estado do cidadão. Entende-se por cidadão o indivíduo no gozo dosdireitos civis e políticos de um Estado ou no desempenho de seus deveres para com este. [...]”

(CIDADANIA, Dicionário Aurélio, Eletrônico, 1999).

No sentido etimológico da palavra, cidadão deriva da palavra civita, que em latim significa cidade, eque tem seu correlato grego na palavra politikos - aquele que habita na cidade.

No sentido ateniense do termo, cidadania é o direito da pessoa em participar das decisões nosdestinos da Cidade por meio da ekklesia, assembléia popular, na Ágora, praça pública onde se reuniapara deliberar sobre decisões de comum acordo. Dentro dessa concepção surge a democracia grega,em que parte da população determinava os destinos de toda a Cidade (eram excluídos os escravos,

mulheres e artesãos). (CARDOSO, 2002).

O fenômeno da cidadania é complexo e histori-camente definido, ou seja, é processo em constru-ção. Cada país tem uma qualidade de cidadania di-ferenciada e de acordo com seu momento histórico.É diferente ser cidadão na Inglaterra, na Alemanha,na África do Sul ou no Brasil. A cidadania, que é denatureza histórica, desenvolveu-se dentro de outrofenômeno histórico que chamamos de Estado-Na-ção e que data da Revolução Francesa, de 1789.

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57

O autor que desenvolveu a distinção entre as várias dimensões da cidadania,T.H. Marshall, desdobrou-a em:

Direitos Civis, que são os direitos fundamentais à vida, à liberdade, à proprieda-de, à igualdade perante a lei, desdobra-se na garantia de ir e vir, de escolher otrabalho, de manifestar pensamento, de organizar-se, de ter respeitada a inviolabilidadedo lar e da correspondência, de não ser preso a não ser pela autoridade competentee de acordo com as leis, de não ser condenado sem processo legal regular. Sua baseé a liberdade individual.

Direitos Políticos referem-se à participação do cidadão no governo da sociedade,podendo se organizar em partidos, votar, ser votado. Os direitos políticos têm comoinstituição principal os partidos e um parlamento livre e representativo. São eles queconferem legitimidade à organização política da sociedade. Sua essência é a idéiade autogoverno.

Direitos Sociais garantem a participação na riqueza coletiva. Eles incluem direitosà educação, ao trabalho, ao salário justo, à saúde, à aposentadoria.

Na Constituição Federal de 1988, estes três elementos da cidadania, o civil, o social e opolítico, são identificados no Título II, Dos Direitos e Garantias Fundamentais.

O elemento civil estádestacado no artigo 5º:

"Todos são iguais perante a lei, sem dis-tinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros resi-dentes no País a inviolabilidade do direitoà vida, à liberdade, à igualdade, à seguran-

ça e à propriedade [...]”

O elemento social estáprevisto no artigo 6º:

"São direitos sociais a educação, asaúde, o trabalho, a moradia, o lazer,a segurança, a previdência social, aproteção à maternidade e à infância,a assistência aos desamparados, na

forma desta Constituição".

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Os sistemas de poder são conside-rados democráticos quando os agen-tes políticos são livremente escolhidospela sociedade (povo) para o exercí-cio da governança; e, além disso,

Por último,o elemento político,

identificado principalmenteno art. 14, que asseguraa todo cidadão o direito

ao voto direto e secreto paraa escolha dos representantes,por meio dos quais é exercida

a soberania popular, e noart. 17, que estabeleceque é livre a criação,fusão, incorporação

e extinção de partidospolíticos.

quando o povo pode interferir nos pro-cessos de governo, promovendo o con-trole social da ação política, inclusivedo comportamento ético dos políticoseleitos.

Para que tenhamosuma visão mais completa

dessa relação Estado e sociedade,é importante uma reflexão históricasobre a intervenção do Estado na

vida econômica e social.A intervenção do Estado éparte da própria construçãoda sociedade, fundada no

trabalho assalariado.

Governança: ato de governar.

Inicialmente a intervenção do Estado incidiu na regulação jurídica das relações econdições de trabalho, dando origem à hoje chamada Legislação Trabalhista; posterior-mente, desdobra-se nos chamados sistemas públicos de proteção social, tambémmodernamente conhecidos como de seguridade social.

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6 ESTADO, CAPITAL E TRABALHO

O keynesianismo apresenta-nos o conjun-to de idéias que propunham a intervençãoestatal na vida econômica com o objetivo deconduzir a um regime de pleno emprego.

A economia seguiria o caminho do plenoemprego, sendo o desemprego uma situaçãotemporária que desapareceria graças às forçasdo mercado.

O objetivo do keynesianismo era mantero crescimento da demanda em paridade como aumento da capacidade produtiva da eco-nomia, de forma suficiente para garantir o ple-no emprego, mas sem excesso, pois isto pro-vocaria um aumento da inflação.

(SOUZA, 2003)

A partir da crise do petróleo de 1973, seguidapela onda inflacionária que surpreendeu os Esta-dos de Bem-Estar Social, o neoliberalismo gradati-vamente voltou à cena. Denunciou a inflação comoresultado do estado demagógico perdulário, chan-tageado ininterruptamente pelos sindicatos e pelasassociações. Responsabilizou os impostos elevadose os tributos excessivos instituídos, juntamente coma regulamentação das atividades econômicas, comoos culpados pela queda da produção.

Mais valia: é a diferença entre o valor do produto/bem/serviço produzidos ou prestados e o valorque o trabalhador recebe como pagamento.Keynesianismo: teoria segundo a qual os governos devem fazer de tudo para garantir plenoemprego da mão-de-obra, graças à redistribuição de lucro, de forma que o poder adquiridoaumente proporcionalmente ao desenvolvimento da maior produtividade.Perdulário: gastador.

O Estado, com a Revolução Industrial, jáapresentava tendência para o aumento dainterferência na vida econômica e social.

Karl Marx

diminuindo o rendimento dos trabalha-dores. Essa é a situação da exploraçãoda força de trabalho pelo capital.

Karl Marx - precursor dos postuladossociais - apresentou a teoria sobre o fun-cionamento da sociedade capitalista esuas relações sociais, em que afirma quea mais-valia não pode ser consideradaum roubo pois é apenas fruto da propri-edade privada dos bens de produção.Porém, os capitalistas e os proprietáriosprocuram aumentar os seus rendimentos

A crise de 1929demonstrou a fragilidade do

mercado, com graves prejuízossociais que fizeram surgir a

convicção de que somente umaforte intervenção estatal poderia

atenuar o desemprego eminorar as disparidades

de renda.

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Podemos considerar como inaugurado-res do modelo neoliberal os governos deMargareth Tatcher, na Inglaterra, e RonaldReagan, nos Estados Unidos da América,no início dos anos 1980, quando ocorremprofundos cortes de investimentos sociais,internamente, e percebe-se grande preo-cupação com a formação de blocos eco-nômicos que ajudem a suprimir gastos coma circulação de produtos e capitais. Noentanto, os setores estratégicos das eco-nomias norte-americana e inglesa conti-nuam sob protecionismo.

O mal devia-se,pois, a essa aliança espúria

entre o Estado de Bem-Estar Sociale os sindicatos. A reforma queapregoavam devia passar pela

substituição do Estado de Bem-EstarSocial e pela repressão

aos sindicatos.

O Estado deveria serdesmontado e gradativamente

desativado, com a diminuição dostributos e a privatização das empresas estatais,enquanto os sindicatos seriam esvaziados por

uma retomada da política de desemprego,contraposta à política keynesiana do

pleno emprego.

Enfraquecendo aclasse trabalhadora e

diminuindo ou neutralizandoa força dos sindicatos, haveria

novas perspectivas de investimento,atraindo novamente os

capitalistas de voltaao mercado.

Neoliberal: forma moderna doliberalismo, que permite a intervençãomoderada do Estado no plano jurídicoe econômico.

Margareth Tatcher

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Fatos históricos marcantes ocorridos entre o final da década de 1980 e o inícioda de 1990 determinaram um processo de rápidas mudanças políticas e econô-micas no mundo.

Até mesmo os analistas e cientistas políticos internacionais foram surpreendidospelos acontecimentos.

No neoliberalismohá a preocupação em se

formar blocos econômicos que,sob a justificativa de maior

facilidade na circulação da produção(e conseqüente barateamento), criamverdadeiras fortalezas protecionistas

em torno das economiasmais fortes.

Entre esses principais acontecimentos, destacamos:

a queda do Muro de Berlim em 1989; o fim da Guerra Fria; o fim do socialismo real; a desintegração da União Soviética, em dezembrode 1991, e seu desdobramento em novos Estadossoberanos (Ucrânia, Rússia, Lituânia, entre outros); a formação de blocos econômicos regionais (UniãoEuropéia, Nafta, Mercosul, Alca); o grande crescimento econômico de alguns paísesasiáticos (Japão, Taiwan, China, Hong-kong, Cinga-pura); o fortalecimento do capitalismo em sua atual forma,ou seja, o neoliberalismo; o grande desenvolvimento científico e tecnológicoou Terceira Revolução Industrial ou Tecnológica; a elevação exponencial da dívida pública dos paísesda América Latina.

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Avolumam-se evidências de que, na economia global, cada vez mais é o mercado financeiro, ou seja,as grandes corporações e não os governos, que, em última análise, decide sobre os destinos do câmbio,da taxa de juros, da poupança e dos investimentos. Sem dúvida, a liberalização e a globalização dosmercados são altamente vantajosas para o grande capital, cujos horizontes e estratégias transbordam asfronteiras estreitas do Estado Nacional [...] Dificilmente encontrar-se-á uma referência às prioridadessociais na retórica dos arautos da globalização. (RATTNER,1995).

No mundo globalizado, a competi-ção e a competitividade entre as em-presas tornaram-se questões de sobre-vivência. Entretanto, como o poder dasempresas (quanto ao domínio detecnologias, de capital financeiro, demercados, de distribuição, entre ou-tros) é desigual, surgem relações desi-guais entre elas e o mercado. Algu-

Globalização: relativa à Economia. O mercadofinanceiro é definido pelas grandescorporações e não pelos governos, que,em última análise, definem os destinos docâmbio, da taxa de juros, da poupança edos investimentos.

Os efeitos daglobalização começaram achamar atenção quando o

desemprego começou a atingirtambém os países desenvolvidos.

No contexto de um paíssubdesenvolvido, os efeitos

da globalização têmsido desastrosos.

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mas sairão vitoriosas e outras sucum-birão. Muitos setores da economiaestão oligopolizados e até mesmomonopolizados, dificultando a en-trada de novos competidores. Des-se modo, a noção de livre mercadoé relativa. Muitos setores da ativida-

de econômica já têm "dono" e difi-cilmente permitem a entrada de no-vos produtores. A globalização daeconomia e das finanças beneficia,assim, amplamente o grande capi-ta l , as grandes corporaçõestransnacionais.

A globalização surgiude forma inesperada e

descontrolada. Tem causadodesemprego em países, desafia opoder tradicional dos governos

e passa para as pessoas a sensaçãode que o mundo se transformou

num ambiente selvagem,do dia para a noite.

Oligopolizado: setor da economia em que poucas empresas detêmo controle da maior parcela do mercado.Monopolizado: tomado de exclusividade; privilégio legal ou de fato,que possui o indivíduo/governo/companhia de fabricar ou venderdeterminadas coisas.

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7.1 Dados estatísticos

7 DIFERENÇAS SOCIAIS

O traço mais marcanteda sociedade brasileira é a

desigualdade entre os discriminados(pobres, ricos, negros, brancos,

índios, crianças, jovens,idosos, entre outros).

O Relatório deDesenvolvimento Humano de

2003, divulgado pela Organização das NaçõesUnidas - ONU, que compara e comenta índices referentes a 175 países, destaca que o Brasilfoi o país que mais avançou em seu Índice

de Desenvolvimento Humano - IDH,desde 1975. Passou da 81ª

posição para a 65ª.

Segundo os dados do IBGE/2000, podem-se verificar algumas dessas diferenças:

50% dos trabalhadores ganham de meio a dois salários mínimos, e na Região Nordeste a proporção chega a 60%;

1% mais rico da população acumula o mesmo volume de rendimento dos 50% mais pobres;

10% mais ricos ganham 18 vezes mais que os 40% mais pobres; os homens negros e pardos ganham 30% a menos que as mulheres brancas; os negros ganham em média 2,2 salários mínimos mensais enquanto que os

brancos, em média, 4,5 mínimos;

o percentual de estudantes de nível superior, de 20 a 24 anos, é de 23,4% entre os 10% mais ricos e de 4% entre os 40% mais pobres;

os idosos com idade acima de 60 anos ainda trabalham e muitos são arrimo de família.

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"O descobrimento"

Mário de Andrade

Abancado à escrivaninha em São Paulo na minha casa da rua LopesChaves, de supetão senti um friúme por dentro, fiquei trêmulo, muitocomovido com o livro palerma olhando pra mimNão vê que me lembrei que lá no norte, meu Deus!Muito longe de mimNa escuridão ativa da noite queCaiuUm homem pálido magro deCabelo escorrendo nos olhos, depois de fazer uma pelecom a borracha do dia,Faz pouco se deitou, estáDormindo.

Esse homem é brasileiro que nem eu.

Essa melhor colocaçãodeve-se aos avanços na

educação e na expectativa de vida.Em 10 anos as matrículas no ensinofundamental passaram de 87% para97% da população de 7 a 14 anosde idade. E a expectativa de vidabrasileira subiu, entre 1975 e 2001,

de 59,5 para 67,8 anos.

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Os três indicadores são:

Esperança de vida à nascença, representando uma vida longa e saudável;

Nível educacional (freqüência escolar e taxas de alfabetização),representando o conhecimento;

Produto Interno Bruto - PIB real (em paridade do poder de compra)representando um padrão de vida decente.

O IDH varia de zero (nenhum desenvolvimento humano) a um (desenvolvimentohumano total).

Países com IDH até 0,499 têm desenvolvimento humano considerado baixo.

Os países com índice entre 0,500 e 0,799 são considerados de médiodesenvolvimento humano.

Países com IDH igual ou maior que 0,800 têm desenvolvimento humano elevado.

O IDH do Brasil de 2003 é de 0,777 e o Brasil ocupa 65ª posição, figurando entre ospaíses de médio desenvolvimento.

Idealizado pelo economistapaquistanês Mahbub ul Had

(1934-1998), calculado e analisadopelo Programa das Nações Unidas

para o DesenvolvimentoHumano - PNUD, aperfeiçoou-seao longo dos anos e tornou-se

uma referência mundial.

7.2 Índice de Desenvolvimento Humano (IDH)

O Índice de Desenvolvimento Hu-mano - IDH foi criado pela ONU paraavaliar a qualidade de vida num paísou numa região. Antes dele a únicamedida de desenvolvimento era o Pro-duto Interno Bruto (PIB), que apenas

calcula a riqueza gerada num determi-nado período, mas não como ela contri-bui para o bem-estar da população. AONU define o IDH como um indicadorsumário, em três dimensões, do desen-volvimento humano.

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“Você pode e deve acompanhar o desenvolvimento humano do seu município, do seu Estado, doPaís. A partir desse acompanhamento você terá um retrato de como vai a qualidade de vida de ondevocê vive e que mundo está deixando aos seus descendentes”.

(Maria Bethânia, brasileirinho, abril/2003, Quitanda)

7.3 Educação e cidadania – um binômio necessário

Segundo Marshall (1967), a educaçãopopular – entendida como educação aces-sível a todos – é definida como um direi-

1. As cegueiras do conhecimento: o erro e a ilusão2. Os princípios do conhecimento pertinente3. Ensinar a condição humana4. Ensinar a identidade terrena5. Enfrentar as incertezas6. Ensinar a compreensão

7. A ética do gênero humano

to social e tem sido historicamente um pré-requisito para a expansão dos outros di-reitos. Inclusive a própria cidadania.

Imbuída desse pensamento,em 1999 a Unesco solicitou a Edgar

Morin que sistematizasse um conjuntode reflexões que servissem como pontode partida para se repensar a educação

do próximo milênio. Uma primeira versãocirculou pelos quatro cantos do planeta,

cabendo a Nelson Vallejo-Gomez integrarcomentários, sugestões e remanejamentosque, posteriormente, retornaram a Morinpara o acabamento final e estão contidos

no livro “Os sete saberes necessáriosà educação do futuro”

(MORIN, 2002).

Os Sete Saberes Necessários à Educação do Futuro

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Enquanto o europeu está neste circuito planetário de conforto, grandenúmero de africanos, asiáticos e sul-americanos acha-se em circuito planetá-rio de miséria. Sofrem no cotidiano as flutuações do mercado mundial, queafetam as ações do cacau, do café, do açúcar, das matérias-primas que seuspaíses produzem. Foram expulsos do campo por causa dos processosmundializados provenientes do Ocidente, principalmente os progressos damonocultura industrial; camponeses auto-suficientes tornaram-se suburba-nos em busca de salário; suas necessidades agora são traduzidas em termosmonetários. Aspiram à vida de bem-estar com a qual os fazem sonhar oscomerciais e os filmes do Ocidente. Utilizam recipientes de alumínio ou deplástico, bebem cerveja ou Coca-Cola. Dormem sobre restos recuperadosde espuma de polietileno e usam camisetas com estampas americanas. Dan-çam ao som de músicas sincréticas cujos ritmos tradicionais chegam emorquestrações vindas da América. Dessa maneira, para o melhor e o pior,cada ser humano, rico ou pobre, do Sul ou do Norte, do Leste ou do Oeste,traz em si, sem saber, o planeta inteiro. A mundialização é ao mesmo tempoevidente, subconsciente e onipresente.

[...]Dessa maneira, o século XX a um só tempo criou ou dividiu um tecido

planetário único; seus fragmentos ficaram isolados, eriçados e intercom-batentes. Os Estados dominam o cenário mundial como titãs brutos e ébrios,poderosos e impotentes. Ao mesmo tempo, a onda técnico-industrial sobre oglobo tende a suprimir muitas das diversidades humanas, étnicas e culturais. Opróprio desenvolvimento criou mais problemas do que soluções e conduziu àcrise profunda de civilização que afeta as prósperas sociedades do Ocidente.

Concebido unicamente de modo técnico-econômico, o desenvolvimentochega a um ponto insustentável, inclusive o chamado desenvolvimento susten-tável. É necessária uma noção mais rica e complexa do desenvolvimento, queseja não somente material, mas também intelectual, afetiva, moral...

O século XX não saiu da idade do ferro planetária; mergulhou nela.

O legado do século XX

O século XX foi o da aliança entre duas barbáries: a primeira vem dasprofundezas dos tempos e traz guerra, massacre, deportação, fanatismo. A se-gunda, gélida, anônima, vem do âmago da racionalização, que só conhece ocálculo e ignora o indivíduo, seu corpo, seus sentimentos, sua alma, e quemultiplica o poderio da morte e da servidão técnico-industriais.

Reconhecer esses fatos como herança dupla – de morte e de nascimento –nos permitirá superá-los.

A herança de morte

O século XX pareceu dar razão à fórmula atroz segundo a qual a evoluçãohumana é o crescimento do poderio da morte.

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A morte introduzida pelo século XX não é somente a de dezenas de milhõesde mortos das duas guerras mundiais e dos campos de extermínio nazistas esoviéticos; é também a de novos poderes de morte.

As armas nucleares

A possibilidade de extinção global de toda a humanidade pelas armas nuclearesnão foi dissipada no limiar do terceiro milênio; ao contrário, cresceu com a dissemi-nação e a miniaturização da bomba. O potencial de auto-aniquilamento acompa-nha daqui em diante a marcha da humanidade.

Os novos perigos

A possibilidade de morte ecológica com a dominação desenfreada da natu-reza pela técnica conduz a humanidade ao suicídio e ameaça envenenar irre-mediavelmente o meio vivo a que pertencemos.

A morte reintroduziu-se com virulência em nossos corpos, que acreditáva-mos estarem daqui para a frente asseptizados (vírus da AIDS e bactérias resis-tentes a antibióticos).

As forças autodestrutivas, latentes em cada um de nós, foram particularmen-te ativadas sob o efeito de drogas pesadas, como a heroína, por toda a parteonde se multiplica e cresce a solidão e a angústia.

Assim a ameaça paira sobre nós com a arma termonuclear, envolve-nos coma degradação da biosfera, potencializa-se em cada um de nossos abraços; escon-de-se em nossas almas com o chamado mortal das drogas.

A morte da modernidade

Aprendemos com Hiroshima que a ciência era ambivalente; vimos a razãoretroceder e o delírio staliniano colocar a máscara da razão histórica; vimos quenão havia leis da História que guiassem irresistivelmente em direção ao porvirradiante; vimos que em parte alguma o triunfo da democracia estava assegura-do em definitivo; vimos que o desenvolvimento industrial podia causar danos àcultura e poluições mortais; vimos que a civilização do bem-estar podia gerar aomesmo tempo mal-estar. Se a modernidade é definida como fé incondicional noprogresso, na tecnologia, na ciência, no desenvolvimento econômico, entãoesta modernidade está morta.

A esperança

Se é verdade que o gênero humano, cuja dialógica cérebro/mente não estáencerrada, possui em si mesmo recursos criativos inesgotáveis, pode-se entãovislumbrar para o terceiro milênio a possibilidade de nova criação cujos germese embriões foram trazidos pelo século XX: a cidadania terrestre. E a educação,que é ao mesmo tempo transmissão do antigo e abertura da mente para rece-ber o novo, encontra-se no cerne dessa nova missão.

A contribuição das contracorrentes

O ocaso do século XX deixou como herança contracorrentes regeneradoras.Freqüentemente, na História, contracorrentes suscitadas em reação às correntes

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dominantes podem se desenvolver e mudar o curso dos acontecimentos. De-

vemos considerar:

a contracorrente ecológica que, com o crescimento das degradações e o

surgimento de catástrofes técnicas/industriais, só tende a aumentar;

a contracorrente qualitativa que, em reação à invasão do quantitativo e

da uniformização generalizada, apega-se à qualidade em todos os cam-

pos, a começar pela qualidade de vida;

a contracorrente de resistência à vida prosaica puramente utilitária, que

se manifesta pela busca da vida poética, dedicada ao amor, à admiração,

à paixão, à festa;

a contracorrente de resistência à primazia do consumo padronizado,

que se manifesta de duas maneiras opostas: uma, pela busca da intensi-

dade vivida ("consumismo"); a outra, pela busca da frugalidade e da

temperança;

a contracorrente, ainda tímida, de emancipação em relação à tirania

onipresente do dinheiro, que se busca contrabalançar por relações hu-

manas e solidárias, fazendo retroceder o reino do lucro;

a contracorrente, também tímida, que, em reação ao desencadeamento

da violência, nutre éticas de pacificação das almas e mentes.

Pode-se igualmente pensar que todas as aspirações que nutriram as

grandes esperanças revolucionárias do século XX, mas que foram frustra-

das, poderão renascer na forma de nova busca de solidariedade e de

responsabilidade.

Poder-se-ia esperar, igualmente, que a necessidade de volta às raízes, que

mobiliza hoje fragmentos dispersos da humanidade e provoca a vontade de

assumir identidades étnicas ou nacionais, pudesse aprofundar-se e ampliar-

se, sem negar-se a si mesmas, nesta volta às raízes, ao seio da identidade

humana de cidadãos da Terra-Pátria.

Pode-se esperar uma política a serviço do ser humano, inseparável da

política de civilização, que abriria o caminho para civilizar a Terra como

casa e jardim comuns da humanidade.

Todas essas correntes prometem intensificar-se e ampliar-se ao longo do

século XXI e constituir múltiplos focos de transformação, mas a verdadeira

transformação só poderia ocorrer com a intertransformação de todos, ope-

rando assim uma transformação global, que retroagiria sobre as transforma-

ções individuais. (Morin, 2002)

Staliniano: que comunga com asidéias de Stálin.

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A cidadania planetária

"O poeta come amendoim"

Brasil amado não porque seja minha pátria,pátria é acaso de migrações e do pão nosso onde Deus der...Brasil que eu amo porque é o ritmo do meu braço venturosoO gosto dos meus descansos,O balanço das minhas cantigas,amores e danças.Brasil que eu sou porque é a minha expressão muito engraçada,Porque é o meu sentimento muito pachorrento,

Porque é o meu jeito de ganhar dinheiro, de comer e de dormir. (Mário de Andrade)

Partimos,então, da necessidade de

conceber a cidadania planetária,partindo de uma consciência e

um sentimento de pertencimentomútuo que nos una à nossa

Terra, considerada comoprimeira e última

pátria.

A noção depátria comporta identidade

comum, relação de filiação afetiva,costumes, crenças, hábitos, língua ecultura em geral. A concepção de

cidadania nasceu dentro da concretizaçãodo Estado-Nação. Hoje nossa realidade

nos remete à formação de blocoseconômicos onde se congregam

várias nações.

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Precisamos aprender a ser, viver, dividir e comunicarmo-nos como humanos do pla-neta Terra. Devemos inscrever em nós:

Todos oshumanos, desde o século

XX, vivem os mesmos problemasfundamentais de vida e de morte

e estão unidos na mesmacomunidade de destino

planetário.

a consciência antropológica, que reconhece a unidade na diversidade;

a consciência ecológica, isto é, a consciência de habitar, com todos osseres mortais, a mesma esfera viva (biosfera): reconhecer nossa uniãoconsubstancial com a biosfera conduz ao abandono do sonho prometéicodo domínio do universo para nutrir a aspiração de convivibilidade sobrea Terra;

a consciência cívica terrena, isto é, da responsabilidade e da solidariedade para com os filhos da terra;

a consciência espiritual da condição humana que decorre do exercíciocomplexo do pensamento e que nos permite, ao mesmo tempo, criticarnos mutuamente e autocriticar-nos e compreender-nos mutuamente.

[...] De toda maneira, a era de fecundidade dos Estados-Nações dotados depoder absoluto está encerrada, o que significa que é necessário não os desinte-grar, mas respeitá-los, integrando-os em conjuntos e fazendo-os respeitar oconjunto do qual fazem parte.

[...]o duplo imperativo antropológico impõe-se : salvar a unidade humana e

salvar a diversidade humana. Desenvolver nossas identidades a um só tempoconcêntricas e plurais: a de nossa etnia, a de nossa pátria, a de nossa comunida-de de civilização, enfim, a de cidadãos terrestres.

Estamos comprometidos, na escala da humanidade planetária, na obra es-sencial da vida, que é resistir à morte. Civilizar e solidarizar a Terra, transformar

Prometéico: relativo a Prometeu, um titãda mitologia grega.

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É fundamental saber sobre a nossa si-tuação social e econômica, sobre as cau-sas reais da nossa pobreza e exclusãosocial, privilégios do sistema financeironacional e mundial, exploração do tra-balho infantil, menores abandonados,abuso sexual de menores, chacinas demeninos e meninas de rua, sobre o peri-go nuclear que nos ameaça a todos.

A saída proposta pormuitos analistas é encontrar

uma nova base de mudança quedeve apoiar-se em algo que seja

global, de fácil compreensãoe realmente viável. Essa base deve ser

ética, de uma ética mínima.Essa ética mínima emerge de uma

consciência que o ser humanoestá conquistando coletivamentede que só tem esse planeta pra

viver e que tem responsabilidade pelo destino comum.

a espécie humana em verdadeira humanidade torna-se o objetivo fundamen-

tal e global de toda educação que aspira não somente a progresso, mas à

sobrevida da humanidade. A consciência de nossa humanidade nesta era

planetária deveria conduzir-nos à solidariedade e à comiseração recíproca,

de indivíduo para indivíduo, de todos para todos. A educação do futuro deve-

rá ensinar a ética da compreensão planetária. (MORIN, 2000).

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..."aprender para nós é construir, reconstruir,constatar para mudar, o que não se faz sem abertu-

ra ao risco e à aventura do espírito". (Paulo Freire)4

O texto solicitado pela Unesco a EdgarMorin, que transcrevemos, já busca essa basede mudança quando reflete sobre a educa-ção do futuro, com esses princípios éticos.

4 http://www.paulofreire.org/cartat.htm

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8 ÉTICA8.1 Entendendo o que é ética

A ética não se confunde com a moral.A moral é a regulação dos valores e com-portamentos considerados legítimos poruma determinada sociedade, um povo,uma religião, uma certa tradição cultural,etc. Há morais específicas, também, emgrupos sociais mais restritos: uma institui-ção, um partido político... Há, portanto,

muitas e diversas morais. Isso significaque uma moral é um fenômeno socialparticular, que não tem compromisso coma universalidade, isto é, com o que é vá-lido e de direito para todos os homens.Exceto quando atacada: justifica-se dizen-do-se universal, supostamente válida paratodos.

A ética é uma reflexão crítica damoralidade. Mas ela não é puramenteteoria. A ética é um conjunto de prin-cípios e disposições voltados para aação, historicamente produzidos, cujoobjetivo é balizar as ações humanas.A ética existe como uma referência paraos seres humanos em sociedade, demodo tal que a sociedade possa setornar cada vez mais humana.

A ética pode e deve ser incorpora-

da pelos indivíduos sob a forma deuma atitude diante da vida cotidianacapaz de julgar criticamente os apelosacríticos da moral vigente.

Entre a moral e a ética há uma ten-são permanente: a ação moral buscauma compreensão e uma justificaçãocrítica universal, e a ética, por sua vez,exerce uma permanente vigilância crí-tica sobre a moral, para reforçá-la outransformá-la.

“A ética deve fundar-se no bem comum, no respeito aos direitos docidadão e na busca de uma vida digna para todos.” (Ferreira Gullar)

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Na idealização do Estadoque desejamos, podemos observar

os princípios e valores éticos contidos emA Carta da Terra, que parte de uma visão

ética integradora e holística, considerando as interdependências entre pobreza, degradação

ambiental, injustiça social, conflitosétnicos, paz, democracia, ética e

crise espiritual.

8.2 O Estado que desejamos

Seus formuladores dizem-no claramente:

A Carta da Terra está concebida como uma declaração de princípios éticos funda-mentais e como um roteiro prático de significado duradouro, amplamente compartidopor todos os povos. De forma similar à Declaração Universal dos Direitos Humanosdas Nações Unidas, a Carta da Terra será utilizada como um código universal de con-

duta para guiar os povos e as nações na direção de um futuro sustentável.

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Transcrevemos a seguir os princípios fundamentais da Carta da Terra:

respeitar e cuidar da comunidade de vida

respeitar a terra e a vida com toda a sua diversidade; cuidar da comunidade de vida com compreensão, compaixão e amor; construir sociedades democráticas, justas, sustentáveis, participatóriase pacíficas; assegurar a riqueza e a beleza da Terra para as gerações futuras.

integridade ecológica

proteger e restaurar a integridade dos sistemas ecológicos da Terra,com especial preocupação com a diversidade biológica e com os proces-sos naturais que enriquecem a vida; prevenir o dano ao ambiente como melhor método de proteçãoambiental e, quando o conhecimento for limitado, tomar o caminhoda prudência; adotar padrões de produção, consumo e reprodução que protejam as

capacidades regenerativas da Terra, os direitos humanos e o bem-estar comunitário; aprofundar o estudo da sustentabilidade ecológica e promover a troca aberta e ampla aplicação doconhecimento adquirido.

justiça social e econômica

erradicar a pobreza, um imperativo ético, social, econômico ambiental; garantir que as atividades econômicas e instituições, em todos osníveis, promovam o desenvolvimento humano de forma eqüitativa esustentável; afirmar a igualdade e a equidade de gênero como pré-requisitos parao desenvolvimento sustentável e assegurar o acesso universal à educa-ção, ao cuidado da saúde e às oportunidades econômicas;

apoiar, sem discriminação, os direitos de todas as pessoas a um ambiente natural e social capaz deassegurar a dignidade humana, a saúde corporal e o bem-estar espiritual, dando especial atençãoaos povos indígenas e às minorias.

democracia, não-violência e paz

reforçar as instituições democráticas em todos os níveis e garantir-lhestransparência e credibilidade no exercício do governo, participação inclu-siva na tomada de decisões e no acesso à justiça;

integrar na educação formal e na aprendizagem ao longo da vida osconhecimentos, os valores e habilidades necessários para um modo devida sustentável;

tratar todos os seres vivos com respeito e consideração.

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Conclui a Carta:

"Que o nosso tempo seja lembrado pelo despertar de uma nova reverência emface da vida, por um compromisso firme de alcançar a sustentabilidade, pela rápidaluta pela justiça e pela paz, e pela alegre celebração da vida".

O processo da Carta da Terra está estruturado da seguinte forma:

Comissão Internacional, composta por 23 membros representando as regiões daÁfrica e Oriente Médio, América Latina e Caribe, América do Norte, Ásia e Pacífi-co, e Europa;

Comitê Executivo Internacional, composto por cinco membros, sendo um decada região, respectivamente: Amadou Toumani Touré (África), Mercedes Sosa(América Latina), Maurice Strong (América do Norte), Kamla Chowdhry (Ásia) eMikhail Gorbachev (Europa);

Secretariado Internacional, com sede em San José, Costa Rica, no Conselho daTerra;

Equipe Internacional de Redação, sob a coordenação de Steven Rockefeller; Equipe Internacional de Apoio, composta por organizações não-governamentaisde abrangência mundial;

Comissões Executivas Continentais, compostas por representantes das ComissõesNacionais, em cada região;

Comissões Nacionais, compostas por organizações governamentais e não-gover-namentais em cada país;

Estruturas locais, criadas pelas Comissões Nacionais, a partir da realidade organi-zacional de cada país;

Conferências Temáticas, organizadas em nível local, nacional ou mundial parapromover a consulta dentro de algum setor específico, ampliando a participaçãodo maior número possível de pessoas na elaboração da Carta da Terra.

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