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 Artigo Presente! revista de educação Ano XIV- Nº 53 46

Educação, lazer

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Presente! revista de educaçãoAno XIV- Nº 53

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Augusto César Rios Leiro*

 Afirmamos aqui nossa crença num lazer que vá além da constatação darealidade, do relaxamento e das práticas recreo-esportivas. Para tanto,

é preciso ações que favoreçam a coletividade ao invés do individua-lismo, a solidariedade ao invés da barbárie e a organização ao invésdas ações acríticas referentes aos problemas socioambientais.

Educação, lazer 

e cultura corporal

*Licenciado em Educação Física, Doutor em Educação e professor da UFBA e UNEB. [email protected]

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Ao traçar o caminho a ser percorrido nestetexto, optei por discutir a cultura corporal naambiência do lazer e da educação e reconhecê-los como categorias teóricas, situadas histo-ricamente e comprometidas com a cidadaniaemancipatória. As linhas aqui traçadas tomamcomo referência parte de estudo desenvolvidono Programa de Pós-Graduação em Educaçãoda Universidade Federal da Bahia1.

Ao longo desta produção, dialoguei comautores de diferentes áreas do conhecimento,

visando alargar o marco conceitual em tornodo tema e edificar um caminho interessado emrefletir criticamente sobre questões contem-porâneas da educação. Nessa direção, inicieiapresentando referências teóricas acerca dasmodalidades de educação e das possibilidades decultura corporal. Em seguida, destaquei o debaterelativo ao lazer como fenômeno cultural e, porfim, sugeri trilhas possíveis para uma Educação

Física em sintonia com um lazer socialmentereferenciado.

Educação e cultura corporal

como desafios contemporâneosAs possibilidades educativas têm sido mar-

cadas por uma visão bipolar e vêm se caracte-

rizando por duas formas de aprender: escolar enão escolar . A prática pedagógica, para produzirconhecimento socialmente relevante e experiên-cias significativas na vida cultural dos cidadãose cidadãs, precisa considerar suas distintas téc-nicas, dinâmicas e modalidades. A rigor, todatentativa de classificação guarda em si um limiteteórico e/ou prático por não ser capaz de agruparcaracterísticas diferentes em recortes iguais.

No entanto, para imprimir uma delimitaçãomais clara e focal ao texto e para efeito de or-ganização didática da presente escrita, optei, aoadentrar no debate referente às tensões em prolde uma educação cidadã, fazê-lo a partir da ca-racterização de Gohn (1999), quando reconhecetrês modalidades de educação (formal, informal enão formal) articuladas com cultura política.

A primeira modalidade, a educação formal, 

é facilmente relacionada com a escola, reconhe-cida como um espaço pedagógico essencial parasocialização do conhecimento produzido por

várias gerações. Um locus privilegiado para o de-senvolvimento de saberes críticos e criativos quepossam responder às interrogações do presente econstruir exclamações e dúvidas para o futuro.

No entanto, o rico cotidiano escolar temrevelado um cenário contraditório. A a chamadaeducação formal, hegemônica no fazer pedagó-gico, vem reduzindo a compreensão sobre asdimensões do educar. A educação formal quese realiza, sobretudo, na escola, implica numprocesso de ensino e aprendizagem (objetivo,conteúdo, procedimento didático e avaliação) ese destaca por possibilitar aos indivíduos apro-veitar e interpretar, consciente e criticamente,outras influências educativas No entendimentode parte significativa da população, é na escolaque se aprendem as coisas e é lá que se podemalcançar as condições de ser “alguém na vida”(Libâneo, 1992, p.16).

A segunda modalidade é a educaçãoinformal,  caracterizada como decorrente de

 processos espontâneos ou naturais, ainda que seja carregada de valores e representações,como é o caso da educação familiar, e pode serdesenvolvida no convívio com amigos, atravésde jornais, revistas, etc. (Gohn, 1999, p.100). Éconsiderada não intencional por ter seu processode aquisição de conhecimentos desvinculado deuma instituição específica.

Diferentemente da informal, a educaçãonão formal  é marcada pela intencionalidadequalitativa, busca provocar no sujeito idéias,valores e atitudes e tem suas atividades peda-gógicas estruturadas fora do sistema escolarconvencional (Libâneo, 1992, p.18).

No que pese a pouca visibilidade da educa-ção não formal, aqui denominada de educaçãoampla, é possível registrar nessa dimensão deaprendizagem um conjunto de iniciativas aolongo da história. As mudanças, muitas vezesprocessadas na penumbra da educação formalbrasileira, vêm pouco a pouco se configurandoem uma rica experiência sociopedagógica.

Nesse cenário de diversidade conceitual

acerca da educação e da cultura, encontramos

1 Trata-se de uma dissertação de mestrado intitulada: Educação e lazer nos parques públicos: encontro de sujeitos emespaços de cidadania.

Educação, lazer e cultura corporal

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as culturas corporais que, para além de umconceito, envolvem práticas históricas e contem-porâneas que podem ser vivenciadas no espaço

temporal do lazer.Vale sublinhar que a cultura corporal

consiste em uma formulação que visa dar contadas distintas modalidades de movimento corpo-ral que a humanidade produziu e sistematizouhistoricamente: dança, luta, jogo, ginástica,mímica, capoeira e esporte. A cultura corporale a expressão corporal, como dimensões con-

figurativas da sociedade, reúnem em torno desi uma linguagem, um conhecimento universal,  patrimônio da humanidade que igualmente precisa ser transmitido e assimilado e, portanto,sua ausência, de forma organizada pedagogica-mente, subtrai a oportunidade de que o homeme da realidade sejam entendidos dentro de umavisão de totalidade (Soares et al., 1992, p.42).

É da disciplina Educação Física, a respon-

sabilidade de tratar pedagogicamente em distin-tos espaços de aprendizagem (escola, clubes, par-ques, etc.) do conhecimento denominado culturacorporal. No entanto, é importante reconhecerque poucos vêm tendo acesso à Educação Físicadurante sua vida escolar, sobretudo a EducaçãoFísica de corpo inteiro, voltada para uma consci-ência corporal, para a valorização da vida.

Importa registrar que a Educação Física,como parte da Educação, pode ser entendidarestritamente, quando recorta os fazeres peda-gógicos, se articula com as práticas corporais ese realiza nas instituições educacionais; ou noseu sentido amplo – quando abarca o conjuntodas práticas de movimento corporal/esportivo ese realiza em distintos espaços de aprendizagensda cultura corporal (Bracht, 1992).

Se ampliarmos nossas lentes críticas, ve-remos facilmente que as práticas pedagógicasrestritas ou amplas da Educação Física acolhe-ram, ao longo da sua história, compreensõesconservadoras no plano político-pedagógico, oque acabou por forjar e tatuar uma hegemoniana produção do conhecimento da área marca-damente acrítica.

A prática pedagógica, na maioria das esco-

las, é reveladora da trama metodológica em quea Educação Física foi envolvida. A política públicasetorial nas redes de ensino também denota essa

dimensão difusa. Mas as abordagens críticas edialéticas avançam e a cada dia mais professo-res, que tratam da cultura corporal, entendemo seu fazer - educar como um direito de todos,independente de raça, do sexo, da habilidademotora ou segmento social a que pertence oeducando.

Trata-se de uma proposta de educação críti-

ca na qual a cultura corporal, a um só tempo, seconstitui em objeto de intervenção pedagógica daEducação Física2 e busca dar ao sujeito sentidoe significado mais amplos às práticas corporaisorientadas, além de indicar compromisso coma igualdade de oportunidade, com o prazer e a

 justiça social.

Lazer, uma reivindicação

históricaPara pensar o lazer na sociedade contem-

porânea, é fundamental um breve resgate dealgumas iniciativas históricas que buscavam afir-mar essa demanda social. A reflexão sobre o óciosempre ocupou o tempo dos filósofos sociais.Mas foi com o advento da chamada sociedade

industrial, a partir do século XIX, que se registra aprodução de maior vigor sobre o tema. A primeiravoz crítica em defesa do lazer operário surge em1880 no continente europeu. Trata-se do clássicomanifesto O Direito à Preguiça do socialista PaulLafargue. O século XX potencializa as produçõessobre o tema e, a partir das obras de Verblem,Teoria da Classe Ociosa; de Bertrand Russel, Elo-

 gio ao Lazer e de Joan Huizinga, Homo Ludens,

fortalece seus estudos filosóficos.A rigor, os estudos internacionais sobre

o lazer surgem nas décadas de 20 e 30, nota-damente na França e nos Estados Unidos e sepotencializam na década de 50 após a 2ª guerramundial. A partir daí, independentemente domodo de organização econômica de cada país,as experiências teóricas e as vivenciais em tornodo lazer se espraiam.

2- Dentre as principais referências destaca-se o livro Metodologia do Ensino da Educação Física (Soares,1992), que afirma as distin-tas manifestações da Cultura Corporal e os parâmetros necessários para uma nova síntese para escolarização em Educação Física.

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Na literatura nacional, um dos primeiroslivros a tratar particularmente sobre a questãodo lazer foi Lazer Operário, publicado em 1959,

de autoria do baiano José Acácio Ferreira.A partir da década de 70, no bojo da luta

pela democratização do Brasil, os movimentossociais brasileiros não só revelaram novos sujeitossociais, mas também apresentaram “novas” reivin-dicações. Dentre elas, salta aos olhos, a crescentedemanda em torno do lazer como direito sociale, conseqüentemente, como desafio formativono âmbito da Educação Física. Nesse contexto, osestudos sobre o lazer no Brasil ganham, notada-mente nas cidades de São Paulo (SESC) e PortoAlegre (PUC/RS e Prefeitura Municipal), fórunsdiscursivos e expressão literária próprios. Foramdistintas iniciativas interessadas nos múltiplosusos do tempo livre (Mascarenhas, 2005).

Atualmente distintas são as possibilidades deestudo e pesquisa sobre o lazer. Vale destacar as

reflexões de Domingues (2005), que considera so-cialmente relevante e conjunturalmente estratégicodesenvolver ações, estudos e pesquisas relacionaisentre cultura corporal e meio ambiente (p. 34).

Na ambiência mais ampla acerca do lazer, im-porta sublinhar Marcellino (1996) - quando afirmaque a possibilidade de “humanização da vida” e oreconhecimento do lazer como “canal privilegiado”de democratização do acesso à cultura não podem

mais ser encarados como atividades de sobremesaou moda passageira no dia-a-dia de uma cidadeou metrópole. Seja ela rural ou urbana.

Ao longo do tempo muitas experiênciasde lazer foram desenvolvidas. Trata-se de laze-res que implicam em obrigações repousantes,recre(cri)ativas e (in)formativas que envolvemdistintas categorias socioprofissionais e relaçõesetárias, étnicas e de gênero. Um debate que

acolhe uma ampla conceituação, envolvendomatrizes teóricas nacionais e estrangeiras. Osescritos do sociólogo francês Jofre Dumazedier,por exemplo, que têm grande trânsito entre osestudiosos do tema, considera o lazer como umconjunto de ocupações às quais o indivíduo podeentregar-se de livre vontade, seja para repousar,

 seja para divertir-se, recrear-se e entreter-se ou,ainda, para desenvolver sua informação ou for-

mação desinteressada (1973, p.34).O mesmo autor, ao referir-se à construção

do lazer como um saber, reconhece que o predo-mínio de uma atividade sobre a outra, através de

escolhas muitas vezes impulsionadas pela subje-tividade e/ou pelas vivências de lazer, possibilita ademarcação dos chamados interesses culturais.

Padilha (2000), ao refletir sobre os estudosde Dumazedier, apresenta questionamentos,embora reconheça seus méritos e boa aceitação.Ela entende que o caráter desinteressado dolazer e sua conseqüente impossibilidade de finslucrativos, utilitário ou ideológico, indicado peloteórico francês, são improváveis:

Na sociedade capitalista, parece quase inexistir 

alguma atividade de lazer desvinculada dos finsapontados acima. Os limites entre o que é obrigaçãoe o que não é, se ela é institucional ou não, não sãomuito evidentes, sobretudo quando pensamos na

totalidade do alcance do capital (p. 56).

Buscando ampliar o debate referente aosaber específico - lazer, cabe destacar a impos-sibilidade de adoção de critérios rígidos para

definição das atividades de lazer e para satisfaçãodas necessidades humanas de repousar e recrearsem levar em consideração as condições objetivasde vida dos cidadãos e a dinâmica social das co-munidades. As contradições e os antagonismosem torno da temática não têm impedido, contu-do, o crescimento das reflexões literárias sobrea ludicidade e sobre três conceitos básicos noâmbito do lazer: tempo, espaço e atitude.

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Nessa caminhada, as abordagens sobre osconceitos básicos do lazer encontram no tempo uma dimensão fundamental que busca, dentre ou-

tras coisas, relacionar-se com o ritmo humano.O tempo na sociedade contemporânea não

precisa reeditar o conceito, proposto por Braudel(apud Santos, 1996), de tempo longo e tempocurto, de situações estruturais e conjunturais.Trata-se de superar esse quadro conceitual, quehá muito vem influenciando as ciências naturais,exatas e sociais. Para tanto, nos valemos dos

estudos de Milton Santos, quando propõe umaformulação denominada um tempo rápido e umtempo lento.

Mediado por tempos intermediários otempo lento somente o é em relação ao temporápido; e vice-versa, onde se processa o tempodas ações e onde os homens e as mulheres e asinstituições determinam as reais possibilidades deanimação dos objetos técnicos (Santos, 1996).

A temporalidade, quando refletida ou inter-pretada individual ou coletivamente como partedo tempo social, reconhece nos seres humanos acapacidade de construir o seu tempo e graduá-loa partir de relações racionais e emocionais.

A máxima presente na letra da cançãoComo uma onda3 - nada do que foi será de novodo jeito que já foi um dia, tudo passa tudo sempre

 passará - retrata bem a “velocidade” do tempo,a interdependência entre o instante e o evento ea profunda dimensão dialética da história.

No dizer de Bloch, o tempo somente é porque algo acontece, e onde algo acontece otempo está (apud Santos, 1996). A diversidadeconceitual acerca do tempo geral pode relacio-nar-se com o modo de produção que, do pontode vista dual, implicaria num tempo de trabalho e

num tempo do não-trabalho, num tempo territo-rial, continental – um tempo europeu, um tempoafricano e um tempo sul-americano; todos essestempos internos estão, a rigor, relacionados a umtempo externo, que é o tempo mundial.

Outro elemento constituinte do conceito delazer é o espaço. Aqui, faz-se necessário apre-sentar uma clara distinção entre lugar e espaço.Enquanto o lugar é uma configuração instantânea

de posições, implica uma indicação de estabili-dade, o espaço pode ser onde o indivíduo mora,onde estuda, onde trabalha ou até o percurso

que faz. A rigor, o espaço ganha vida com o movi-mento, é o efeito produzido pelas operações queo orientam, o circunstanciam, o temporalizam eo levam a funcionar em unidade polivalente, oespaço é o “lugar do praticado” (Certeau, 1994,p. 201 e 202). Ele pode se caracterizar por serpúblico e/ou privado e está associado a parques,equipamentos e interesses culturais.

Independentemente do recorte de maiorinteresse - da opção, o espaço é qualificador dolazer e, a partir da intervenção do poder público,é possível criar ambientes favoráveis para mu-danças de atitudes. A forma de organização doespaço pode contribuir para tornar os parquespúblicos, por exemplo, um campo de recriaçãoeducativa na perspectiva da superação da ordemdo grande capital.

A ampliação de oportunidades de lazerimplica democratizar o espaço, melhorar aqualidade social da vida citadina. As trilhas quebuscam refletir a organização espacial da cidadeencontram bases conceituais na categorizaçãodual de espaço – “cheio” e “vazio”.

De um lado, é possível verificar uma tendên-cia para o ‘cheio’, ou seja, para o construído, edi-ficado, para o saturado e para o lotado. Por outro

lado, o “vazio” representa possibilidades para oencontro e convívio humanos, entre diferençase conflitos, podendo suscitar questionamentos emudanças (Barbuy apud Pellegrin,1996).

A inseparabilidade do espaço do tempo nosremete à idéia de que pensar coisas para ocupar otempo tem significado edificar equipamentos emdeterminados lugares. Encher os espaços vaziostem sido uma tendência. Lamentavelmente muitomais orientado por projetos de privatização deequipamentos do que por projetos educativos.

A tensão entre o “cheio” e o “vazio” revela,dentre outras coisas, a importância do trato dotema nas administrações municipais, quer nasáreas urbanas centrais ou periféricas das cidades.O lugar dos equipamentos, os usos do espaço eas possibilidades de serviços interferem na relação

dos indivíduos com o ambiente e dizem respeito à

Lulu Santos e Nelson Motta. Como uma Onda. LP: Último Romântico. São Paulo, WEA DISCOS.1987

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atitude de quem vive um determinado espaço.O terceiro e último conceito é relativo à

atitude e pode ser compreendido como a satis-

fação resultante da relação entre sujeito e suasexperiências vividas. A atitude acolhe o sucessoe o fracasso, implica acontecimentos/comporta-mentos individuais e coletivos e é consideradaelemento básico constitutivo do lazer por suasformas de agir, por seus valores e pela mediaçãoconstante com o desejo e a ação. No entanto,não pode ser compreendida como uma questãoindividual. A atitude vive também sob a égidedos condicionamentos/resistências/superaçõeshistóricas e sob as possibilidades políticas e pe-dagógicas dos ambientes socioculturais em queo sujeito está implicado.

Considerando que o lazer está, no dizerde Marcellino (1990), envolto na cultura viven-ciada (praticada, fruída ou conhecida), é geradohistoricamente e como dimensão educativa, omesmo pode promover a crítica ao sistema econtribuir na superação da ordem capitalista.

Nesse particular, cabe a idéia de Dumazedier(1979), propondo um lazer espaço temporal ondeo local, o ritmo, os equipamentos e as estaçõesdevem ser considerados quando da discussãosobre políticas públicas de lazer. Tais característi-cas precisam considerar, também, as descobertasdas técnicas e das idéias, a evolução das relações

socioculturais e a diminuição da jornada detrabalho sem diminuição do salário. Os espaçosde lazer público (centros recreo-esportivos ouparques) requerem uma percepção dinâmica darealidade, onde o “tempo livre” efetivamenteseja livre e as condições de trabalho possibilitemaos trabalhadores e trabalhadoras o usufruto dasdistintas formas de convivência cultural. Tal comoanuncia a poesia do então grupo Titãs:

A gente não quer só comida,A gente quer comida, diversão e arte.A gente não quer só comida,A gente quer saída para qualquer parte.A gente não quer só comida,A gente quer bebida, diversão, balé.A gente não quer só comida,

A gente quer a vida como a vida quer.

Ao aprofundarmos o debate sobre o tema,

cabe destacar as reflexões de Mascarenhas(2005), quando aponta os limites da divisãoconceitual em torno do lazer. Buscando superara visão fragmentária acerca da teoria do lazer, o

autor questiona as referências conceituais tópicasdo tema e reconhece os limites do tratamentodual do lazer, focando atitude e tempo. Ele

considera que a atitude é um estado subjetivode liberdade [...] onde o sujeito se coloca ematividades cujas finalidades esgotam-se em si mesmas e a perspectiva temporal, sob o pontode vista subjetivista, considera que o tempo livrenão possui o significado de um tempo liberadodo trabalho, mas do tempo que o indivíduo dis-

 põe pra si mesmo. Ainda para o mesmo autor,faz-se necessário interrogar o lazer como objetode estudo - apanhá-lo na história, procurandodesvelar suas mediações com o universo da

 práxis social entende-o como um fenômeno emconstante transformação.

Afirmamos aqui nossa crença num lazer quevá além da constatação da realidade, do relaxa-mento e das práticas recreo-esportivas. Para tanto,é preciso ações que favoreçam a coletividade aoinvés do individualismo, a solidariedade ao invés dabarbárie e a organização ao invés das ações acríti-cas referentes aos problemas socioambientais.

Tal caminho deve ser potencializado na di-mensão das políticas públicas, para assegurar a ummaior número de sujeitos experiências culturaisque contribuam para refletir criticamente sobreos interesses de ordem global e para mobilizar,discutir e organizar os interesses de ordem local.

Trilhas de uma educação

para o lazer Uma escola cidadã precisa acolher e com-

preender o lazer como “veículo e como objetoda educação”, vê-lo com lentes críticas e lúdicas(Marcellino, 1990, p.58). Trata-se de um posicio-namento baseado em duas constatações: a pri-

meira é de que o lazer é um veículo privilegiadode educação; a segunda é de que, para a práticaqualitativa das atividades de lazer, é necessárioconsiderá-las como espaço de aprendizado,de estímulo, de iniciação, possibilitadoras dapassagem de níveis menos elaborados, simples,para níveis mais elaborados, complexos, com oenriquecimento do espírito crítico, na prática ouna observação da cultura corporal.

Na esteira da ação sociopedagógica da Edu-cação Física em torno da cultura corporal, impor-ta pensar novas trilhas teórico-metodológicas epassos qualificados para educação continuada do

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Augusto César Rios Leiro

professor. Projetos e ações educativas que consi-derem o território escolar como lócus privilegiadoda docência em Educação Física e a universidade

como fórum necessário de produção e sociali-zação de conhecimento na longa caminhada desuperação do ensino conservador.

Vale acentuar, ao concluir estas linhas, que apertinência do debate aqui proposto guarda, na pro-dução sistematizada de conhecimento e no trabalhodocente, grandes expectativas. Iniciativas interdisci-plinares que, ao articular educação, lazer e culturacorporal, podem edificar caminhos substantivospara construção da cidadania emancipatória.