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1 EFEITOS JURÍDICOS E PSICOLÓGICOS DA DEVOLUÇÃO DE CRIANÇAS ADOTADAS 1 Camila Edith da Silva 2 RESUMO: O presente estudo tem por finalidade analisar os efeitos jurídicos e psicológicos da devolução das crianças ou adolescentes adotados, visando demonstrar o cabimento e a importância da reparação dos danos morais causados, o que, além da responsabilização dos pais adotivos, deve garantir o tratamento psicoterápico necessário, uma vez que os demais direitos são garantidos pelo vínculo de filiação que não se extingue. Aborda a filiação adotiva no ordenamento jurídico, os efeitos psicológicos sobre a devolução de criança adotada, e, ainda, o papel do Estado e dos adotantes em relação à devolução das crianças. Analisa os efeitos psicológicos sobre as crianças adotadas e devolvidas ao Estado justificam a responsabilização civil dos pais adotivos, em virtude da necessidade de suportar os custos do tratamento que as ajudará a superar o trauma. Trata, ainda, dos efeitos jurídicos para os pais adotivos que devolvem a criança ao Estado e da perda do poder familiar, bem como a manutenção dos direitos de filho, cujas expensas são custeadas por eles. Palavras-chave: Adoção. Devolução de adotado. Responsabilidade dos pais adotivos. ABSTRACT The present study aims to analyze the legal and psychological effects of the return of adopted children or teenagers. It intends to demonstrate the pertinence and importance of repairing moral damages caused and the responsibility of the adoptive parents who must guarantee appropriate psychotherapy treatment, since all other rights are guaranteed by the bond of filiation, which is not extinguished. It discusses legal adoptive filiation, psychological effects on the return of an adopted child and also the role of government and adopters in relation to the return of adopted children. 1 Artigo extraído do Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, aprovado com grau máximo pela banca examinadora composta pela Profa. Dra. Orientadora Marise Soares Corrêa, Profa. Me. Maria Cristina Martinez e Profa.Me. Telma Sirlei da S. F. Favaretto, em 15 de junho de 2012. 2 Acadêmica do Curso de Ciências Jurídicas e Sociais - Faculdade de Direito/PUCRS. Contato: [email protected] , telefone: (51) 9721 0967 (51) 82094106

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EFEITOS JURÍDICOS E PSICOLÓGICOS DA DEVOLUÇÃO DE CRIANÇAS

ADOTADAS 1

Camila Edith da Silva2

RESUMO: O presente estudo tem por finalidade analisar os efeitos jurídicos e

psicológicos da devolução das crianças ou adolescentes adotados, visando

demonstrar o cabimento e a importância da reparação dos danos morais causados,

o que, além da responsabilização dos pais adotivos, deve garantir o tratamento

psicoterápico necessário, uma vez que os demais direitos são garantidos pelo

vínculo de filiação que não se extingue. Aborda a filiação adotiva no ordenamento

jurídico, os efeitos psicológicos sobre a devolução de criança adotada, e, ainda, o

papel do Estado e dos adotantes em relação à devolução das crianças. Analisa os

efeitos psicológicos sobre as crianças adotadas e devolvidas ao Estado justificam a

responsabilização civil dos pais adotivos, em virtude da necessidade de suportar os

custos do tratamento que as ajudará a superar o trauma. Trata, ainda, dos efeitos

jurídicos para os pais adotivos que devolvem a criança ao Estado e da perda do

poder familiar, bem como a manutenção dos direitos de filho, cujas expensas são

custeadas por eles.

Palavras-chave: Adoção. Devolução de adotado. Responsabilidade dos pais adotivos.

ABSTRACT

The present study aims to analyze the legal and psychological effects of the return of adopted children or teenagers. It intends to demonstrate the pertinence and importance of repairing moral damages caused and the responsibility of the adoptive parents who must guarantee appropriate psychotherapy treatment, since all other rights are guaranteed by the bond of filiation, which is not extinguished. It discusses legal adoptive filiation, psychological effects on the return of an adopted child and also the role of government and adopters in relation to the return of adopted children.

1 Artigo extraído do Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como requisito parcial à obtenção

do grau de Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, aprovado com grau máximo pela banca examinadora composta pela Profa. Dra. Orientadora Marise Soares Corrêa, Profa. Me. Maria Cristina Martinez e Profa.Me. Telma Sirlei da S. F. Favaretto, em 15 de junho de 2012. 2 Acadêmica do Curso de Ciências Jurídicas e Sociais - Faculdade de Direito/PUCRS.

Contato: [email protected], telefone: (51) 9721 0967 (51) 82094106

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It is concluded that the psychological effects on adopted children returned to the State justifies civil liability of the adoptive parents due to the need of affording the costs of treatment that will help kids to overcome the suffered trauma. It also concludes that the legal effects for adoptive parents who return the adopted children to the State are the loss of family power and the sustainment of the rights acquired by the children, whose expenses will be supported by the adoptive parents. Keywords: Adoption. Return of Adopted Children. Responsibility of adoptive parents.

INTRODUÇÃO: O presente estudo tem por finalidade analisar os efeitos jurídicos e

psicológicos da devolução das crianças ou adolescentes adotados, visando

demonstrar o cabimento e a importância da reparação dos danos morais causados,

o que, além da responsabilização dos pais adotivos, deve garantir o tratamento

psicoterápico necessário, uma vez que os demais direitos são garantidos pelo

vínculo de filiação que não se extingue.

Na hipótese abordada, os pais adotivos, transcorrido o estágio convivencial

previsto na lei e oficializada a adoção, renunciam ao poder familiar e devolvem a

criança ao Estado, sob o argumento do melhor interesse da criança, quando, na

verdade, é no interesse próprio que estes “pais” agem.

A motivação para o tema surgiu dos vários casos de devolução de crianças

ou adolescentes adotados, que identifica não só a gravidade da situação como as

dificuldades para a solução na prática, haja vista que, mesmo com a reparação dos

danos morais causados, eles são incapazes, consoante a lei civil, de gerir sozinhos

esses recursos, hipótese da qual os tribunais pátrios ainda não se ocuparam.

Diante destas considerações, a pesquisa é estruturada em três partes, que

tratam da filiação no ordenamento jurídico, dos efeitos jurídicos e psicológicos da

devolução de crianças adotadas e, ainda, do papel do Estado e dos adotantes em

relação à devolução das crianças.

1. A FILIAÇÃO ADOTIVA NO ORDENAMENTO JURÍDICO

A pesquisa inicia pelas noções gerais da família contemporânea e da filiação

adotiva no ordenamento jurídico brasileiro.

1.1 A FAMÍLIA CONTEMPORÂNEA E O CONCEITO DE ADOÇÃO

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Segundo Maria Berenice Dias, “a família continua considerada „a base da

sociedade‟, „o primeiro agente socializador do ser humano‟”3, não restando dúvida

sobre a importância da família na vida de todos os indivíduos. Cabe salientar, então,

que este instituto é o núcleo inicial para formação dos primeiros valores sociais e

das primeiras influências para o desenvolvimento da personalidade, além de ser o

garantidor de princípios e direitos defendidos pela Carta Magna, em especial o

princípio da dignidade da pessoa humana, conforme prediz o inciso III do artigo 1º

da Constituição Federal.

Pertence à família o dever de educar, orientar, criar, proteger, enfim, deve

lutar e procurar todo o recurso necessário ao bem estar de seus membros. O amor é

o sentimento base para prover todas as necessidades físicas, intelectuais,

emocionais e morais do indivíduo, uma vez que quando a relação de laços de

sangue se dá por falida ocorre a destituição e/ou suspensão do poder familiar,

conforme prevê o artigo 24 do Estatuto da Criança e do Adolescente.

Neste viés, a adoção caracteriza-se como instituto de solidariedade social,

sendo uma medida judicial de colocação em família substituta e a solução para o

abandono sofrido por crianças que nem sempre é efetivada com êxito, viabilizando

também aos que não podem ter filhos biológicos ou que optaram por ter filhos sem

vinculação genética, a possibilidade de realização do desejo de serem pais, além de

eventualmente atender às necessidades da família biológica, que não teve

condições de cuidar de seu filho.

Por outro lado, não havendo a adaptação entre as partes, para a criança ou

adolescente devolvido representará um duplo desamparo e a consequente

reinstitucionalização da criança ou adolescente, gerando, assim, transtornos de

ordem emocional.

Nesse contexto, vale ressaltar que se a família biológica não proporcionar

ambiente digno, saudável e respeitoso à criança, caberá ao Judiciário, juntamente

com a equipe assistencial, buscar solução por meio da alocação do menor em

família substituta. Como bem doutrina Arnaldo Marmitt, “além do seu caráter

acentuadamente humanitário, a adoção também faz florescer os sentimentos

sublimes da generosidade, da afeição e da benemerência, eis que investe alguém

3 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005, p. 25.

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no estado de filho, com todas as vantagens decorrentes”4, destacando o princípio da

solidariedade.

Em se tratando de perda do poder familiar, anuncia o artigo 43 da Lei n.º

8.069/1990 que “a adoção será deferida quando apresentar reais vantagens para o

adotando e fundar-se em motivos legítimos”, prevalecendo o princípio do melhor

interesse do menor. No entanto, há uma inquietação vivenciada pelos profissionais

de múltiplas áreas do conhecimento envolvidos na temática e na elaboração de

medidas e estratégias de enfrentamento efetivos e eficazes na adoção, que diz

respeito ao direcionamento quase automático para abrigos. Nesta hipótese, as

crianças e adolescentes, sem terem uma expectativa positiva de inserção em uma

família acolhedora ou definitiva, atravessam momentos de intensas emoções, que

vão de incertezas, inseguranças, angústias, medos a ansiedades, dentre outros

aspectos. Assim, quando ocorre o segundo abandono, ou seja, sendo a criança

devolvida depois de adotada, o conflito interno se multiplica e esta criança sofre

inúmeros danos emocionais e/ou psicológicos.

As emoções negativas constituem fatores potencialmente desencadeadores

de perturbações e profundo sofrimento psicológico. O processo de desenvolvimento

da personalidade é fragilizado por intensas emoções decorrentes dos fenômenos

negativos envolvidos, e que muitas vezes deixam cicatrizes internas no subjetivismo

e na formação do indivíduo. Lídia Natalia Dobrianskyj Weber explica que:

O pensamento do senso comum acha que as crianças estão nos orfanatos estão protegidas, têm abrigo e alimentação e estão sendo bem cuidadas. Existem muitos tipos de instituições, algumas mais e outras menos eficazes, mas em nenhuma delas existe o básico para o ser humano: viver com uma família, criar laços efetivos, sentir-se seguro, protegido e efetivamente nutrido. O ser humano somente aprende a amar o outro se também for amado.

5

No certame a favor que todas as crianças e adolescentes tenham a

possibilidade de se inserirem em um ambiente familiar, através do processo de

adoção, ocorreram algumas mudanças na Lei de Adoção, que favoreceu essa

prática. Em contrapartida, há uma parcela dessas crianças que nutriram o profundo

sonho de ter uma família, mas acabaram se decepcionando com o inevitável e infeliz

4 MARMITT, Arnaldo. Adoção. Rio de Janeiro: Aide, 1993, p. 7.

5 WEBER, Lidia Natalia Dobrianskyj. Laços de ternura: pesquisas e história de adoção. 2. ed. Curitiba: Juruá, 1999, p. 49.

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segundo abandono. Enquanto não houver esforços dos órgãos competentes e uma

reflexão da sociedade, com programas de prevenção que impeçam ou amenizem

maus tratos, negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão

com crianças e adolescentes, não haverá mudanças significativas. Conforme Lidia

Natalia Dobrianskyj Weber, “Todos os excluídos querem ser constantemente

lembrados. É preciso falar deles, pensar neles, e procurar encontrar meios de

engajamento, principalmente quando se fala em crianças”.6

Por outro lado, são intrínsecos ao processo de adoção, para ambas as partes,

os riscos, as expectativas, os sonhos, as surpresas, as dificuldades, as decepções,

entre outros, mas, diante de algumas dificuldades encontradas, alguns pais avaliam

a ideia de devolvê-los. A despeito de ser irrevogável a sentença da adoção, a

devolução da criança ou do adolescente é uma realidade que ocorre com certa

frequência, comprometendo a continuidade do vínculo pais/filhos. O prenúncio de

que chegue a ser devolvido ocasiona na criança e/ou adolescente uma reprodução

de sua vivência de abandono, trazendo angústias e sofrimentos com a ideia de que

estaria à deriva no mundo ocasionando muitas vezes irreparáveis danos.

Na busca de soluções para evitar o despreparo psicológico dos adotantes, as

causas e as medidas preventivas possíveis necessitam ultrapassar as medidas

paliativas. Entre as alternativas de prevenção é necessária a consciência de que a

adoção não pode ser vista como a substituição de perdas e lutos, usando como

método a investigação dos desejos do adotante para com o adotado e o

acompanhamento dos grupos de apoio à adoção durante todo o estágio de

convivência e posterior manutenção, podendo assim construir-se uma adoção com

êxito.

Em 2009, foi promulgada a Lei da Adoção que promoveu alterações junto ao

Estatuto da Criança e do Adolescente e nos trâmites do processo de adoção e gerou

maior assistência do Estado visando o melhor interesse do adotando. Como por

exemplo, diminuir o tempo de permanência nas Instituições de abrigo, avaliar

semestralmente essa permanência, dar preferência à família biológica extensa na

adoção, dar assistência necessária à gestante que tem intenção de entregar o filho à

adoção, dentre outras.

6 Ibidem, p. 35.

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Nessa seara, as intervenções do Estado através de equipes interdisciplinares

têm papel fundamental e imprescindível na avaliação psicológica do adotante, bem

como na supervisão da convivência do adotante com o adotando para evitar um

fracasso resultando num duplo abandono, em outras palavras uma devolução.

1.2 A PROTEÇÃO DO ADOTANDO NO ORDENAMENTO JURÍDICO

A Lei n.º 12.010/2009 determina que a situação dos menores que vivem em

instituições será reavaliada de seis em seis meses, permanecendo abrigadas por no

máximo dois anos, salvo a necessidade de atender o melhor interesse da

menoridade. Todavia, relatos de crianças e/ou adolescentes que, apesar de já terem

tido um sofrimento grandioso por terem sido rejeitados por seu meio familiar, passam

muito tempo em instituições pela não ocorrência da compatibilidade entre adotante e

adotado. Essas crianças institucionalizadas estão sujeitas “a uma rotina artificial de

relações estereotipadas que fala por ela, privando-a de seu espaço subjetivo, de

seus conteúdos individuais e da possibilidade de construção de vínculos afetivos”.7

O parágrafo 5º do artigo 50 do Estatuto da Criança e do Adolescente prevê a

criação de um cadastro nacional de adoção, reunindo um conjunto de características

e dados relevantes dos postulantes à adoção e dos indivíduos em condições de

serem adotados, dará incentivo à troca de informações em toda Federação. A

proposta da norma vigente é facilitar a adoção de crianças e adolescentes, que não

correspondem às preferências dos adotantes de um determinado local, mas poderá

satisfazer a expectativa de outros postulantes de uma região diferente.

O parágrafo 6.º do artigo 227 da Constituição Federal de 1988 estabelece a

igualdade jurídica de todos os filhos, qualquer que seja a natureza da filiação,

incluindo também os havidos por adoção.

O Direito de Família, originalmente regulado pelo Código Civil brasileiro, tem

seus princípios fundamentados na Carta Política, como: o Princípio da Dignidade da

Pessoa Humana; da solidariedade; da paternidade responsável; da proteção integral

da criança e do adolescente; do pluralismo das entidades familiares; e da tutela

especial à família, independente da espécie.

7 WEBER, 1999, p. 38.

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Também a Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança e do

Adolescente, da qual o Brasil é signatário, nos artigos 19, 20 e 21 protege o bem-

estar físico, espiritual e social dos menores, especificando os direitos fundamentais,

seguidos do Princípio do Melhor Interesse da Criança e/ou Adolescente.

Desta perspectiva, a criança entregue à adoção, independente do motivo,

apesar da fragilidade e carência em que se encontrar, tem a proteção inviolável à

sua dignidade, pois é um valor que a natureza proporciona por fazer parte do reino

animal, que não pode ser retirado de nenhum ser, razão pela qual o Estado deve

promover o seu reconhecimento. Neste viés, Ingo Wolffgang Sarlet afirma que,

“suficientemente repisado que a dignidade, como qualidade intrínseca da pessoa

humana, não poderá ser ela própria concedida pelo ordenamento jurídico”.8

Contudo, a Adoção não é uma garantia que pais e filhos sejam envolvidos

pelo amor e aceitação recíproca, da mesma maneira que a paternidade biológica

não garante. Nada obstante, Arnaldo Marmitt assevera que “todas as decisões

judiciais devem ser tomadas após estudo sério do conjunto probatório, e após

ouvido os órgãos técnicos do juizado, da entidade em que acaso tenha sido

internado o adotando”. Fundamental é que “a adoção signifique sempre uma

vantagem, um benefício, para o menor que vai ser adotado”9, e, por fim, apostando

que a adoção mútua aconteça.

O inciso III do artigo 148 do Estatuto da Criança e do Adolescente define que

a competência para conhecer pedidos de adoção e seus incidentes é da Justiça da

Infância e da Juventude, proporcionando maior agilidade ao processo.

Segundo designa o Estatuto, no artigo 50, os interessados em adotar devem

ser cadastrados em juízo. Também determina que cada Comarca ou Foro Regional

terá um registro de crianças e adolescentes em condições de serem adotados e um

registro de pretendentes à adoção. Ainda, nos termos do artigo 50, § 2º, não será

deferida a inscrição do interessado na adoção que não satisfizer os requisitos legais,

ou constatada qualquer das hipóteses previstas no artigo 29 da mesma Lei.

Entretanto, o artigo 166 do Estatuto, é exceção à regra, predizendo que o

pedido poderá ser formulado diretamente em cartório, em petição assinada pelos

próprios requerentes, no caso de pais falecidos ou que tiverem sido destituídos do

8 SARLETT, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. 4. ed. rev. e atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006, p. 69.

9 MARMITT, 1993, p. 59.

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poder familiar, ou ainda, houverem aderido expressamente ao pedido de colocação

em família substituta, não havendo necessidade da presença de advogado, mas

será impulsionada oficialmente pelo magistrado, com a anuência do Ministério

Público.

Ainda, a Lei Estadual nº 9.896/1993, no Rio Grande do Sul, em seu artigo

primeiro instituiu os Juizados Regionais da Infância e Juventude, atendendo a

Legislação Estatutária.

Cumpridas as exigências e as formalidades legais é instituída a adoção.

Apesar disso, quando o processo de adoção culminar na devolução da criança e/ou

do adolescente, inúmeras expectativas, de ambas as partes, serão frustradas.

Enfatiza-se, assim, que o fracasso da adoção gera uma quantidade de sentimentos

ruins, principalmente para os menores, pois, eles representam a parte mais frágil da

relação estabelecida, vivendo duplamente a situação de abandono.

Por conseguinte, é cediço que, no que concerne ao Direito de Família, a

discussão de crianças devolvidas faz parte de uma realidade que precisa ser

estudada e modificada.

2 EFEITOS JURÍDICOS E PSICOLÓGICOS SOBRE A DEVOLUÇÃO DE

CRIANÇAS ADOTADAS

Aqui são comentados os efeitos jurídicos e psicológicos da devolução de

crianças adotadas, ressaltando-se, desde já, que a adoção é irrevogável e que os

estudos sobre o dano psicológico causado pela devolução ainda são escassos.

Contudo, essa discussão é necessária, na medida em que entender os motivos que

levam pais adotivos a devolverem seus filhos às instituições de origem é um passo

relevante para evitar que tais situações se repitam.

3.1 EFEITOS JURÍDICOS SOBRE A DEVOLUÇÃO DE CRIANÇAS ADOTADAS

O Sistema Jurídico brasileiro, fundamentado na preocupação social,

implementou medidas preventivas para evitar a devolução de crianças ou

adolescentes. Nesta esteira, conforme o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei

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n.º 8.069, de 13/07/1990) 10, os aspectos jurídicos do processo de adoção visam

proteger os direitos da criança ou adolescente à criação, à educação e à assistência,

como também impõe deveres aos adotantes que, ao descumpri-los, podem ser

destituídos do poder familiar.

Ressalta-se que de acordo com o citado Estatuto a Adoção é irrevogável, mas

os pais adotivos estão sujeitos à perda do poder familiar pelas mesmas razões

atribuídas aos pais biológicos. Nesta perspectiva, a adoção somente será deferida

quando apresentar reais vantagens para o adotando e fundar-se em motivos

legítimos, e nos casos da recusa intensa da família para com a criança, tornando

inviável o convívio entre as partes, a devolução é aceita para evitar maiores

sofrimentos, voltando a tutela para o Estado.

O artigo 39 do Estatuto da Criança e do Adolescente dispõe que a adoção é

medida excepcional e irrevogável, a ela recorrendo-se somente após “esgotados os

recursos de manutenção da criança ou adolescente na família natural ou extensa”.

Visando prevenir a devolução da criança ou adolescente adotado, a Lei criou

o estágio de convivência, que possibilita uma aproximação gradativa, tendo em vista

que a adoção é um processo mútuo, que exige tanto uma despedida dos vínculos

estabelecidos até então, quanto um tempo de construção de novas relações.

Arnaldo Marmitt anota que:

O estágio de convivência é um período muito significativo em que se consolida a vontade de adotar e de ser adotado. É salutar para ambas a s partes, e deve preceder a adoção, pois se no seu decurso ficar constatada a incompatibilidade ou a inconveniência, ela não se concretizará.

11

Mesmo assim, na sociedade contemporânea a adoção passou do campo

privado para o público, por conta de conflitos recorrentes que envolviam a matéria e

que demandavam mediação legal, dentre os quais se insere a devolução de

crianças adotadas.12 Deste prisma, Dora Aparecida Martins afirma que:

10

BRASIL. Lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, 16 jul. 1990, p. 13563, ret. 27 set. 1990, p. 18551.

11 MARMITT, 1993, p. 41.

12 ZIBINI, Maria Valéria C.; VASCONCELLOS, Míriam Cristina Basaglia. Infertilidade e adoção: algumas reflexões. In: MELAMED, Rose Marie M.; QUAYLE, Julieta (orgs.). Psicologia em reprodução assistida: experiências brasileiras. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2006, p. 244.

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10

É justamente quando a criança mostra sua individualidade que vem à tona a rejeição pelo „diferente‟, pelo „outro‟. O que no filho biológico é visto e aceito como afirmação de uma personalidade própria, no „filho de criação‟ passa a ser visto como mostra de más tendências ou traços psicológicos ruins oriundos da família biológica.

13

Também a Justiça não reconhece o conceito de devolução, na medida em

que, perante a lei, toda adoção é irreversível, e devolver um filho adotivo é crime

equivalente a abandonar um filho biológico, mas uma brecha legislativa permite o

abandono durante o chamado período de convivência – que pode durar mais de um

ano –, quando os candidatos à adoção têm apenas a guarda provisória da criança.14

3.2 EFEITOS PSICOLÓGICOS SOBRE AS CRIANÇAS DEVOLVIDAS

Paula Mageste, Renata Leal e João Alves argumentam que a maioria das

adoções realizadas no Brasil tem final feliz, e a sociedade ignora o drama dos

rejeitados, por considerá-los exceções à regra. Os autores ratificam que não se sabe

quantos eles são, o que não surpreende, tendo em vista que não se conhece sequer

o número de crianças disponíveis para adoção no país, não havendo um cadastro

nacional que interligue as informações de cada comarca e das Comissões Estaduais

Judiciárias de Adoção.15

Dentre as poucas informações divulgadas, destaca-se que, em Santa

Catarina, a secretária da Comissão Estadual Judiciária de Adoção (CEJA), Mery-Ann

das Graças Furtado e Silva, ratifica a percepção de que as devoluções não são tão

incomuns quando afirma que, em 2010, 1.600 crianças encontravam-se abrigadas

em situação de conflito familiar no Estado, e 152 crianças – quase 10% desse total –

vieram de adoções que não deram certo, ou seja, foram devolvidas.16

Outros dados, obtidos por Solange Azevedo, dão conta que: três de cada dez

crianças ou adolescentes que vivem em abrigos no Estado de Santa Catarina já

passaram ao menos uma vez pela experiência de devolução; 11% das crianças

13

MARTINS, Dora Aparecida. Filhos Devolvidos. Boletim Uma Família para uma Criança, n. 98, set. 1997.

14 MAGESTE, Paula; LEAL, Renata; ALVES, João. Rejeitados. Revista Época. Disponível em: <http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EDR58664-6014,00.html>. Acesso em: 29 abr. 2012.

15 Ibidem, online.

16 GOULART, Nathalia. Motivos que levam à adoção são cruciais na hora da devolução. Revista Veja Online, publicado em: 21 maio de 2010. Disponível em: <http://veja.abril.com.br/noticia/brasil/moti vos-levam-adocao-sao-cruciais-hora-devolucao>. Acesso em: 30 abr. 2012.

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11

disponíveis para adoção na Associação Maria Helen Drexel, na zona sul da cidade

de São Paulo, já foram devolvidas; oito crianças foram devolvidas no primeiro

semestre de 2011 em apenas uma Vara da Infância e da Juventude do Rio de

Janeiro; e 5% das adoções no Estado do Mato Grosso do Sul resultam na devolução

das crianças.17

Diante das considerações expostas e antes de comentar os estudos

científicos destinados a avaliar os danos psicológicos causados às crianças, deve-se

ressaltar que a Adoção, por si só, é um processo complexo para o adotado. Ana

Carolina Garcia Albornoz explica que a criança adotada costuma associar,

inconscientemente, o motivo de seu abandono ao fato de não ter correspondido às

expectativas dos pais biológicos, e, assim, satisfazer as necessidades e as

expectativas dos pais adotivos é uma forma de evitar o sofrimento diante de um

novo abandono.18

Ivana Orionte e Sônia Margarida Gomes Souza estudaram o significado do

abandono para crianças institucionalizadas e constataram a evidência de três

categorias de significados, nas falas das crianças: a invisibilidade, a transgressão e

os vínculos afetivos. Para as autoras, o significado do abandono nessas três

categorias denuncia o quanto essas crianças se sentem desprotegidas, e o quanto

desejam ter uma família.19 Outros autores, contudo, analisam o problema da

devolução da criança pelo enfoque dos adotantes. Nesta esteira, Suzana Sofia

Moeller Schetini comenta que:

O período de gestação de um filho oferece oportunidade para os pais irem se constituindo nas novas identidades: a de pai e a de mãe. „A parentalidade é a capacidade psicológica de exercer a função parenta, ou seja, ter a competência de ser pai e mãe suficientemente bons para seus filhos‟ [...]. Um pai ou uma mãe suficientemente bom/boa é construído previamente ao ato de tornarmo-nos pais, por pressupostos culturais partilhados, em particular sobre o que se espera de um „bom pai‟ ou de uma „boa mãe‟ [...]. Na adoção, entretanto, a constituição da identidade parental demanda do casal um processo de identificação com os novos atributos de uma gestação psicológica. Há a necessidade de que os pais possuam disponibilidade interna para a filiação, ou seja, que haja em seu

17

AZEVEDO, Solange. O segundo abandono. Revista Isto É Independente, n. 2188, publicado em: 14 out 2011. Disponível em: <http://www.istoe.com.br/reportagens/168178_O+SEGUNDO+ ABANDONO>. Acesso em: 28 abr. 2012.

18 ALBORNOZ, Ana Carolina Garcia. Os efeitos preventivos e curativos dos cuidados parentais substitutos com relação à doença mental grave – fundamentando a práxis. Aletheia, Canoas, v. 7, n. 1, p. 27-33, 1998.

19 ORIENTE, Ivana; SOUSA, Sônia Margarida Gomes. O significado do abandono para crianças institucionalizadas. Psicologia em Revista, Belo Horizonte, v. 11, n. 17, p. 29-46, 2005.

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funcionamento psíquico um espaço para que esse fenômeno possa se desenvolver.20

Nesta mesma linha de entendimento, Pereira e Nunes sustentam que a

questão cultural é muito importante na adoção, haja vista que os pais adotivos

depositam a culpa de atos indesejáveis na ligação genética da criança adotada, em

função de uma falsa crença. Por conta disso, os pais biológicos tornam-se

depositários do descontentamento dos pais adotivos a cada vez que os filhos não

suprem as suas expectativas.21

Maria Luiza Assis Moura Ghirardi estudou as situações relacionadas à

devolução de crianças e adolescentes adotivos a partir do discurso de dois pais

adotivos e três candidatos à adoção, concluindo que ela está relacionada às

dificuldades encontradas no exercício da paternidade e maternidade, e também que

a presença da infertilidade intensifica os conflitos, gerando sentimentos de

incapacidade. Não bastasse isso, os conflitos experimentados com a alteridade da

origem biológica ampliam as fantasias de apropriação indevida da criança,

contraparte da devolução, podendo-se supor que os sentimentos de altruísmo e

bondade vividos pelos adotantes são formações defensivas contra esses conflitos.

Assim, a criança é vista como expressão de inquietante estranheza e sua presença

torna-se ameaçadora para os pais.22

Içami Tiba, citado por Maria Isabel de Matos Rocha, comenta que a

devolução funciona como uma bomba para a autoestima da criança e é melhor que

ela nunca seja adotada a ser adotada e devolvida, e conclui que “as pessoas devem

ser mais responsáveis ao adotar: devolver é quase como fazer um aborto”.23

20

SCHETTINI, Suzana Sofia Moeller. Filhos por adoção: um estudo sobre o seu processo educativo em famílias com e sem filhos biológicos. 2007. 212 f. Dissertação (Mestrado em Psicologia Clínica) – Universidade Católica de Pernambuco, Recife, 2007, p. 36.

21 PEREIRA, Andrea Kotzian; NUNES, M. L. T. Fantasias dos pais adotivos. Revista da Sociedade de Psicologia do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, v. 9, n. 1, p. 36-44.

22 GHIRARDI, Maria Luiza Assis Moura. A devolução de crianças e adolescentes adotivos sob a ótica psicanalítica: reedição de histórias de abandono. 2008. 131 f. Dissertação (Mestrado em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano) – Universidade de São Paulo, São Paulo, passim.

23 TIBA, Içami, apud ROCHA, Maria Isabel de Matos. Crianças “devolvidas”: Os "filhos de fato" também têm direito? (Reflexões sobre a “adoção à brasileira”, guardas de fato ou de direito mal sucedidas). Âmbito Jurídico, Rio Grande, n. 7, publicado em: 30 nov. 2007. Disponível em: <http:// www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=5541>. Acesso em: 26 abr. 2012.

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Como lembra Dora Aparecida Martins, “as devoluções, via de regra, ocorrem

quando a criança deixou de ser aquele bebê bonitinho, a criança dependente e

„controlável‟”.24

Ainda, Paula Mageste, Renata Leal e João Alves descrevem sintomas reais

de crianças que passaram pelo drama da devolução. Segundo estes autores, “Lúcia

ficou três dias embaixo da cama, muda. Paulo passou um ano esperando que a mãe

adotiva voltasse para buscá-lo. Ana caiu na prostituição. Kauã mergulhou nas

drogas”. A característica comum a todas era a de serem crianças abrigadas – em

razão da orfandade, do abandono ou da retirada dos pais biológicos pela Justiça –,

que se encheram de esperança ao ganhar uma nova família, adotiva, mas viram o

sonho desmoronar em seguida, quando foram devolvidos às creches e aos

orfanatos, sem aviso.25

Os autores citados ainda expressam que:

Traumatizadas por uma sucessão de rejeições, as crianças não contam com nenhuma estrutura que lhes dê suporte. „O abandono é uma violência psicológica que geralmente deixa sequelas incuráveis‟, adverte Sueli Damergian, doutora em psicologia. As crianças ficam com a autoestima esmagada, com dificuldade de estabelecer vínculos e socializar-se. Podem ficar revoltadas, agressivas e desenvolver distúrbios mais graves. Ao perder o último fio de esperança, perdem também o apego a quaisquer valores. Calcula-se que um terço da população carcerária brasileira venha de abrigos, orfanatos e internatos.

26

É óbvio que as crianças devolvidas enfrentam danos psicológicos de grande

monta, e, possivelmente, a devolução aconteça pela cultura contemporânea que

busca famílias para crianças e não crianças para famílias, como bem anota Andrea

Kotzian Pereira.27

Salienta, ainda, a Autora que estudos dedicados especificamente à adoção

tardia – condição recorrente na devolução de crianças e adolescentes adotados –

que concluíram que “as crianças adotadas tardiamente possuem um passado e ele

geralmente contém marcas e cicatrizes, não podendo ignorar-se que já existiu uma

relação anterior na vida dessas crianças”. A autora também comenta que são

24

MARTINS, 1997, passim. 25

MAGESTE; LEAL; ALVES, 2012, online. 26

Ibidem, online. 27

PEREIRA, Andrea Kotzian. Adoção e queixas na psicoterapia psicanalítica de crianças. 2007. 75 f. Dissertação (Mestrado em Psicologia Clínica) – Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2007, p. 30.

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escassos os estudos brasileiros relacionados às crianças adotivas, apesar de ser um

tempo que vem ganhando a cada dia mais espaço nos meios de comunicação,

registrando a falta de uso do método empírico de pesquisa científica que possa

embasar a escassa produção literária, sendo, em sua maioria, relatos de

experiências.28

Em síntese, a devolução é uma situação extremamente dolorida, parecendo

ser o último momento de um processo desgastante para as partes. Antes, podem ter

ocorrido situações de conflitos, agressões físicas e verbais, enfrentamentos ou fugas

por parte das crianças e/ou adolescentes e ameaças de devolução. Neste sentido,

Luzinete Santos faz um convite a uma maior reflexão da sociedade, do Judiciário, e

das equipes assistenciais e psicológicas, expondo que: “[...] faz-se necessário,

iniciar um trabalho voltado para a mudança de mentalidade no que se refere à

adoção de modo a possibilitar uma superação de pelo menos parte dos equívocos e

preconceitos que envolvem este processo”29, para evitar, ao máximo, traumas

muitas vezes irreversíveis.

3. O PAPEL DO ESTADO E DOS ADOTANTES EM RELAÇÃO À DEVOLUÇÃO

DAS CRIANÇAS

É dever do Estado assegurar em favor da criança a responsabilização das

famílias, mediante um leque de providências que vai desde medidas de proteção, de

terapia de família, até medidas mais drásticas de fixação de alimentos ou

reparações que poderão ajudar a resgatar a autoestima do abandonado e assim

facilitarão as possibilidades de encaminhamento a uma outra família, podendo ser

sustentado nessa outra família pelo ex guardião.

3.1 RESPONSABILIDADE CIVIL PELOS DANOS CAUSADOS AOS DEVOLVIDOS

Como bem anota Silvio de Salvo Venosa, “os princípios da responsabilidade

civil buscam restaurar um equilíbrio patrimonial e moral violado”, e acrescenta que

“um prejuízo ou dano não reparado é um fator de inquietação social”, razão pela

28

PEREIRA, 2011, p. 30-32. 29

SANTOS, Luzinete. Adoção no Brasil: desvendado mitos e preconceitos. Revista Serviço Social & Sociedade, São Paulo, ano XVIII, n. 54, p. 164, 1997.

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qual os ordenamentos contemporâneos têm o propósito de alargar cada vez mais o

dever de indenizar, de modo a que, cada vez menos, restem danos irressarcidos.30

A responsabilidade civil pode ser definida como “a obrigação que pode

incumbir uma pessoa a reparar o prejuízo causado a outra, por fato próprio, ou por

fato de pessoas ou coisas que dela dependam”.31

Sergio Cavalieri Filho propõe a diferenciação entre obrigação e

responsabilidade, enfatizando que “obrigação é sempre um dever jurídico originário;

responsabilidade é um dever jurídico sucessivo, consequente à violação do

primeiro”.32

Difere da responsabilidade penal, porque, no caso do crime, o delinquente

infringe norma de Direito Público e no seu agir perturba a ordem social, enquanto

que, no ilícito civil, o interesse diretamente lesado é o privado e, neste viés, mesmo

que não tenha infringido norma de ordem pública, o agente causou dano a alguém.33

A responsabilidade civil apresenta-se sob diferentes espécies, conforme a

perspectiva: quanto ao seu fato gerador, em responsabilidade contratual, se oriunda

da inexecução de negócio jurídico bilateral ou unilateral, ou extracontratual, também

chamada de aquiliana, se resultante do adimplemento normativo, isto é, da prática

de um ato ilícito; em relação ao seu fundamento, em responsabilidade subjetiva, se

encontrar sua justificativa na culpa ou dolo por ação ou omissão lesiva a

determinada pessoa, ou responsabilidade objetiva, se fundada no fato de haver o

agente causado prejuízo à vítima ou a seus bens, sendo irrelevante a conduta

culposa ou dolosa do agente, desde que se verifique o nexo causal entre o prejuízo

sofrido pela vítima e a ação do agente para que surja o dever de indenizar; e

relativamente ao agente, em direta, se proveniente da própria pessoa imputada, ou

indireta, conhecida igualmente como complexa, se derivar de ato de terceiro.34

No âmbito legislativo, o Código Civil em vigor trata da responsabilidade civil,

nos artigos 927 e seguintes, e no artigo 186 estabelece a definição do ato ilícito nos

30

VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: responsabilidade civil. 11. ed. São Paulo: Atlas, 2011, p. 1-2. (Coleção Direito civil; v. 4)

31 RODRIGUES, Silvio. Direito civil: responsabilidade civil. 20. ed. rev. e atual. 5. tir. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 6. v. 4.

32 CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil. 6. ed. rev. e aum. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 24.

33 RODRIGUES, 2008, p. 6-7.

34 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito civil brasileiro: responsabilidade civil. 19. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 128-129. v. 7.

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seguintes termos: “Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência

ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente

moral, comete ato ilícito”.35

Segundo Silvio de Salvo Venosa, o ato voluntário é o primeiro pressuposto da

responsabilidade civil, relacionado, portanto, ao conceito de imputabilidade, uma vez

que “a voluntariedade desaparece ou se torna ineficaz quando o agente é

juridicamente irresponsável”. O ato ilícito é “um comportamento voluntário que

transgride um dever”, e o dever de indenizar depende na responsabilidade subjetiva

do exame de transgressão ao dever de conduta que constitui o ato ilícito, e na

responsabilidade objetiva, ele mostra-se incompleto, na medida em que é suprimido

o substrato da culpa.36

Para o mesmo autor, a culpa, em sentido amplo, “é a inobservância de um

dever que o agente devia conhecer e observar”, enquanto o dano “consiste no

prejuízo sofrido pelo agente”, podendo ser individual ou coletivo e moral ou material,

isto é, não econômico e econômico.37

Silvio de Salvo Venosa ainda conceitua o nexo causal, também denominado

nexo etiológico ou relação de causalidade, como “o liame que une a conduta do

agente ao dano”, por meio do qual se conclui quem foi o causador do dano,

considerado, por isso, elemento indispensável, que pode ser excluído pelo caso

fortuito, a força maior e a culpa exclusiva da vítima, que eliminam o dever de

indenizar.38

Enfatiza-se, nesse ponto, que o artigo 188 do Código Civil relaciona hipóteses

que, inobstante a ação voluntária do agente e a ocorrência de dano, não

necessariamente haverá o dever de indenizar, quais sejam, os atos ilícitos

praticados em legítima defesa ou no exercício regular de um direito reconhecido, ou

a deterioração ou destruição da coisa alheia, ou a lesão a pessoa, a fim de remover

perigo iminente, desde que absolutamente necessária, não excedendo os limites do

indispensável para a remoção do perigo.

Destaca-se, ainda, a responsabilidade civil por fato de terceiro, que pode

exonerar o causador do dano do dever de indenizar, entendendo-se por terceiro, na

35

BRASIL. Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Diário Oficial da União, Brasília, 11 jan. 2002, p. 1.

36 VENOSA, 2011, p. 25.

37 Ibidem, p. 25-39.

38 Ib., p. 56.

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hipótese sob análise, alguém além da vítima e do agente causador do dano, aqui

desconsiderados filhos, empregados e prepostos, para incluir os atos desses

terceiros que inculpam os pais, patrões e preponentes.39

Por outro lado, tendo em vista o interesse central do presente estudo, mister é

aprofundar o estudo sobre o dano, notadamente para diferenciar o que afeta o

patrimônio da vítima e o que ataca sua esfera íntima. Neste quadrante, Sergio

Cavalieri Filho afirma que o dano é “o grande vilão da responsabilidade civil”, haja

vista que não haveria indenização ou ressarcimento se ele não tivesse sido

causado.40

Segundo o autor sobredito, na responsabilidade objetiva, qualquer que seja a

modalidade do risco que lhe fundamente – risco profissional, risco-proveito, risco

criado –, o dano constitui o seu elemento preponderante.41

Dano, conceituado por Maria Helena Diniz, é “a lesão (diminuição ou

destruição) que, devido a um certo evento, sofre uma pessoa, contra sua vontade,

em qualquer bem ou interesse jurídico, patrimonial ou moral”.42

Silvio Rodrigues apresenta o conceito de indenização. Para ele, “indenizar

significa ressarcir o prejuízo, ou seja, tornar indene a vítima, cobrindo todo o dano

por ela experimentado”, sendo esta “a obrigação imposta ao autor do ato ilícito, em

favor da vítima”.43

Acrescente-se ao acima exposto que o Código Civil, no artigo 402 estabelece

que “salvo as exceções expressamente previstas em lei, as perdas e danos devidas

ao credor abrangem, além do que ele efetivamente perdeu, o que razoavelmente

deixou de lucrar”.

O dano patrimonial, também chamado de dano material, nas palavras de

Sergio Cavalieri Filho, “atinge os bens integrantes do patrimônio da vítima,

entendendo-se como tal o conjunto de relações jurídicas de uma pessoa apreciáveis

em dinheiro”. O autor ainda conceitua: o dano emergente, também chamado

positivo, que importa efetiva diminuição no patrimônio da vítima em razão do ato

ilícito, que se caracteriza como sendo aquilo que a vítima efetivamente perdeu; e o

39

VENOSA, 2011, p. 70. 40

CAVALIERI FILHO, 2005, p. 95. 41

Ibidem, p. 95. 42

DINIZ, 2005, p. 66. 43

RODRIGUES, 2008, p. 186.

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lucro cessante, consistente na perda do ganho, esperável, na frustração da

expectativa de lucro, na diminuição potencial do patrimônio da vítima.44

A definição de dano moral, por outro lado, pode partir do conceito negativo,

segundo a qual “seria aquele que não tem caráter patrimonial, ou seja, todo dano

não material”, ou de um conceito positivo, que considera dano moral “dor, vexame,

sofrimento, desconforto, humilhação – enfim, dor da alma”.45

Adentra-se, assim, na esfera dos princípios e garantias constitucionais –

tendo em mente que a Constituição Federal, por ser de hierarquia superior, baliza a

interpretação e aplicação de toda a legislação infraconstitucional –, partindo do

inciso III da Magna Carta que consagrou a dignidade humana como um dos

fundamentos do Estado Democrático de Direito, que “deu ao dano moral uma nova

feição e maior dimensão, porque a dignidade humana nada mais é do que a base de

todos os valores morais, a essência de todos os direitos personalíssimos”.46

Ao estudo ora empreendido, Maria Helena Diniz acresce a classificação do

dano moral em direto e indireto: o primeiro consiste na lesão a um interesse que visa

a satisfação ou gozo de um bem jurídico extrapatrimonial contido nos direitos da

personalidade; e o último é aquele que provoca prejuízo a qualquer interesse não

patrimonial, devido a uma lesão a um bem patrimonial da vítima, derivando, assim,

do fato lesivo a um interesse patrimonial.47

Nesta esteira, ainda que a Constituição Federal tenha estatuído a

possibilidade de indenização por danos exclusivamente morais, Rui Stoco sustenta

que a responsabilidade civil nas relações de família “não é seara de suave colheita”,

mas conclui que “dúvida não fica de que tais questões se incluem nas cláusulas

gerais de responsabilização estabelecidas nos artigos 186 e 927 do Código Civil”.48

Fernanda Pontes Pimentel chama a atenção para a peculiaridade das

relações familiares, uma vez que, apesar dos vínculos inerentes ao Direito de

Família constituírem vínculos jurídicos, estas relações extrapolam o aspecto

meramente legal, obviamente porque seus principais fundamentos calcam-se em

laços afetivos, morais e éticos. Como explica a autora, as questões pertinentes à

44

CAVALIERI FILHO, 2005, p. 96-97. 45

Ibidem, p. 100. 46

Ib., p. 101. 47

DINIZ, 2005, p. 93. 48

STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil: doutrina e jurisprudência. 7. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: RT, 2007, p. 869.

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família, muitas das vezes, não podem ser exauridas pela aplicação da norma, haja

vista que a lei, em regra, não aplaca paixões e sentimentos envolvidos nas relações

familiares.49

Contudo, Natália Caliman Vieira defende que:

As relações familiares estão diretamente ligadas ao aspecto da dignidade de seus membros, principalmente quanto ao crescimento dos infantes em condições dignas, motivo pelo qual os papéis exercidos nesse elo devem estar pautados na solidariedade e na responsabilidade, esta assumida pelos genitores ao optarem por dar origem a uma vida.

50

Ressalta-se, porém, que no âmbito do Direito de Família são muitos os

posicionamentos contrários à indenização, na medida em que amor e convivência

não podem ser pagos, sendo, então, impossível fixar um quantum indenizatório.

Também nas relações parentais, nas quais são vislumbrados deveres dos pais

quanto aos seus filhos que, se descumpridos, acarretam danos de ordem

extrapatrimonial, da mesma forma, “as opiniões hoje divergem entre duas posições

opostas: aqueles que continuam a sustentar uma postura de isenção, imunidade ou

privilégio dos pais na relação intrafamiliar, e os que começam a se manifestar

favoravelmente às reparações”.51

Andréa Rodrigues Amin comenta a tendência moderna de socializar o dano, e

assume que no Direito da criança e do Adolescente a responsabilidade vem sendo

socializada, buscando evitar, prevenir ou apenas minimizar o dano que

imediatamente recairá sobre a criança ou jovem, mas que de forma mediata seria

suportado pelo grupamento social.52 Contudo, esta não parece ser a solução mais

adequada à hipótese em análise no presente estudo, devendo-se responsabilizar,

sim, quem de fato causou o dano, ou seja, o adotante que devolveu a criança. No

Brasil, Rolf Madaleno, tratando do abandono afetivo, apropriadamente ensina que:

49

PIMENTEL, Fernanda Pontes. A responsabilidade civil no âmbito das relações familiares. In: XVI CONGRESSO NACIONAL DO CONPEDI, 16, 2007. Anais do XVI Congresso Nacional do Conpedi. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2008, p. 2673-2705.

50 VIEIRA, Natália Caliman. Danos morais decorrentes do abandono afetivo nas relações paterno-filiais. 2009. 63 f. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Direito) – Programa de Graduação em Direito, Universidade de Brasília, Brasília, 2009, p. 42.

51 MORAES, Maria Celina Bodin de. Deveres parentais e responsabilidade civil. Repertório de Jurisprudência IOB, São Paulo, v. III, n. 3, p. 109, fev. 2009.

52 AMIN, Andréa Rodrigues. Princípios orientadores do Direito da criança e do adolescente. In: MACIEL, Kátia Regina Ferreira Lobo Andrade Maciel (coord.). Curso de Direito da criança e do adolescente: aspectos teóricos e práticos. 5. ed. rev. e atual. conforme a Lei n.º 12.010/2009. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 23-24.

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A pretensão judicial de perdas e danos de ordem moral visa a reparar o irreversível prejuízo já causado ao filho que sofreu pela ausência de seu pai ou de sua mãe, já não mais existindo amor para tentar recuperar. A responsabilidade pela indenização deve ser dirigida a quem causou os danos ao filho, ao lhe frustrar o direito de ser visitado, podendo recair sobre um, ou sobre ambos os genitores, assim como o filho e o genitor que foram impedidos de se comunicar poderão ser as vítimas e postulantes ativos de uma ação de indenização.

53

Rolf Madaleno sustenta que a indenização não é devida com fundamento no

ato ilícito, mas no abuso de direito disciplinado no artigo 187 do Código Civil.54

Com relação ao tema, Maria Berenice Dias é favorável à indenização por

abandono afetivo, o que fica muito claro quando afirma:

A indenização por abandono afetivo poderá converter-se em instrumento de extrema relevância e importância para a configuração de um direito das famílias mais consentâneo com a contemporaneidade, podendo desempenhar papel pedagógico no seio das relações familiares.

55

Esse argumento pode ser embasado no fato de que o objetivo da indenização

por dano moral nas relações entre pais e filhos é de ensinar os pais a cumprirem

com os deveres a eles impostos por força da lei, e, para os que defendem que não

se pode forçar o afeto, resta alegar que a Carta Política expressa como direito

fundamental da criança e do adolescente ser resguardado de toda a forma de

negligência, assim entendido o abandono afetivo.56

Marise Soares Corrêa, salienta a importância da pensão alimentícia e filtra o

conceito de alimentos e sua importância dizendo, “é relevante delimitarmos o sentido

da palavra alimentos, que decorre de um dever moral, da obrigação de assistência e

de socorro”.57

No que diz respeito ao dever do Estado de assegurar à criança a

responsabilização das famílias, escorado no que dispõe o artigo 227 da Constituição

Federal, com as alterações promovidas pela Emenda Constitucional n.º 65, de

53

MADALENO, Rolf. Repensando o Direito de Família. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007, p. 125.

54 Idem. O preço do afeto. In: PEREIRA, Tânia da Silva; PEREIRA, Rodrigo da Cunha (coords.). A ética da convivência familiar. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 159.

55 DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das famílias. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 409.

56 MADALENO, 2007, p. 123.

57 CORREA, Marise Soares. A história e o discurso da lei : o discurso antecede à história. Porto Alegre: PUCRS, 2009, 464f, p. 186.

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13/07/2010. Destaca-se, neste quadrante, o direito fundamental à convivência

familiar com o seu núcleo biológico e, na falta deste, com o seu núcleo afetivo. Para

Kátia Regina Ferreira Lobo Andrade Maciel, “conviver em família e na comunidade é

sinônimo de segurança e estabilidade para o desenvolvimento de um ser em

formação. Afastamento do núcleo familiar representa grave violação do direito à vida

de um infante”. Desta sorte:

a convivência em família é, sem dúvida, um porto seguro para a integridade física e emocional de toda criança e todo adolescente. Ser criado e educado junto aos pais biológicos ou adotivos deve representar para o menor de 18 anos estar integrado a um núcleo de amor, respeito e proteção.

58

Analisada por este prisma, a hipótese proposta neste estudo sobre o

cabimento de indenização por dano moral causado pela devolução da criança

adotada, examinando-se, no tópico seguinte. Antes disso, porém, vale enfatizar que

ao Poder Público, em todas as suas esferas, é determinado o respeito e resguardo,

com primazia, dos direitos fundamentais infanto-juvenis, mas na prática,

infelizmente, não é o que se vê, como bem anota Andréa Rodrigues Amin.59

Encerrando este item, cabe transcrever as palavras de Ana Carolina

Brochado Teixeira no sentido de que “se a família é solidarista e se a dignidade e a

personalidade são construídas a partir de um outro, é inegável a grande

responsabilidade que medeia tais relacionamentos”.60

3.2 EXAME JURISPRUDENCIAL

Neste item são comentadas decisões que versam sobre a devolução de

criança adotada e o cabimento de indenização pelo dano moral causado,

instrumentalizando o debate sobre sanções civis aos adotantes que não cumprirem

com o compromisso assumido de dar amor e uma família ao adotado.

A primeira decisão, originária do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, restou

assim ementada:

58

MACIEL, Kátia Regina Ferreira Lobo Andrade Maciel. Direito fundamental à convivência familiar. In: ______ (coord.). Curso de Direito da criança e do adolescente: aspectos teóricos e práticos. 5. ed. rev. e atual. conforme a Lei n.º 12.010/2009. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 98.

59 AMIN, 2011, p. 24.

60 TEIXEIRA, Ana Carolina Brochado. Responsabilidade civil e ofensa à dignidade humana. Revista Brasileira de Direito de Família, Belo Horizonte, v. 7, n. 32, p. 144, out./nov. 2005.

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APELAÇÃO CÍVEL. PODER FAMILIAR. DESTITUIÇÃO. PAIS ADOTIVOS. Ação ajuizada pelo Ministério Público. Adoção de casal de irmãos biológicos. Irrenunciabilidade e irrevogabilidade da adoção. Impossibilidade jurídica. Renúncia do poder familiar. Admissibilidade, sem prejuízo da incidência de sanções civis. Aplicação analógica do art. 166 do Estatuto da Criança e do Adolescente. Perda do poder familiar em relação ao casal de irmãos adotados. Desconstituição em face da prática de maus tratos físicos, morais. Castigos imoderados, abuso de autoridade reiterada e conferição de tratamento desigual e discriminatório entre os filhos adotivos e entre estes e o filho biológico dos adotantes. Exegese do art. 227, § 6º da Constituição Federal c/c art. 3º, 5º, 15, 22, 39, §§ 1º, 2º e art. 47, todos do Estatuto da Criança e do Adolescente c/c art. 1.626, 1634, 1.637 e 1.638, incisos I, II e IV, todos do Código Civil. Manutenção dos efeitos civis da adoção. Averbação do julgado à margem do registro civil de nascimento dos menores. Proibição de qualquer espécie de observação. Exegese do art. 163, § único do Estatuto da Criança e do Adolescente c/c art. 227, § 6º da Constituição Federal.

61

Fica claro que a adoção não pode ser revogada, podendo, contudo, os

adotantes renunciar ao poder familiar, sem prejuízo da incidência de sanções civis.

A perda do poder familiar é motivada pelo tratamento desigual e discriminatório entre

os irmãos adotados e entre eles e o filho biológico do casal, mas também em razão

dos maus tratos físicos e morais a que era submetido principalmente o menino.62

A decisão analisada também trata do dano moral causado às crianças,

evidenciado à exaustão o ilícito civil, obrigando à compensação pecuniária dos

irmãos, considerado como marco inicial para tanto o abandono do filho adotado e a

subscrição do termo de renúncia ao poder familiar. Também ratifica que a adoção é

medida irrevogável e irrenunciável, mas a renúncia ao poder familiar é possível, por

aplicação analógica do artigo 166 do Estatuto da Criança e do Adolescente, que

permite a renúncia dos pais, ressalvada a possibilidade de decretação pelo

magistrado da suspensão ou extinção pelas razões legais. Por outro lado, a renúncia

do adotante por procuração não pode ser validada, notadamente porque se a

legislação pertinente não aceita a adoção por procuração, não há de aceitar a

renúncia por instrumento de mandato. Ainda enfatiza o aumento no Brasil de

situações idênticas e qualifica como “atos irresponsáveis e de puro desamor”

praticados pelos pais adotivos com o propósito de devolver seus filhos ao Poder

Público, como se fossem bens de consumo suscetíveis de devolução ao fornecedor,

61

SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça. Apelação Cível 2011.020805-7; Gaspar; Primeira Câmara de Direito Civil; Relator Desembargador Joel Dias Figueira Júnior; Julgado em: 12 ago. 2011; Diário da Justiça de Santa Catarina, 20 set. 2011a, p. 94. (na íntegra, no Anexo A)

62 Ibidem, p. 94.

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além de obterem o intentado sob o fundamento do melhor interesse da criança.

Argumenta, ainda, caber ao Poder Judiciário não só coibir tal prática como aplicar

punição exemplar aos infratores das leis civis, destituindo-os do poder familiar e

responsabilizando-os pecuniariamente pelo ilícito moral causado a estas crianças e

adolescentes, que já foram penalizados pela existência desafortunada, agravada

pelos atos irresponsáveis dos adotantes.63

Demais disso, a decisão ora focada refere que, de fato, a inserção de

crianças e adolescentes em família substituta objetiva atender os interesses dos

infantes, e não as pretensões dos pais. Enseja a destituição do poder familiar os

castigos, humilhações, desqualificação, ameaças, abuso de autoridade, violência

psicológica, desamparo emocional e o tratamento desigual, principalmente diante

das atitudes dos pais, que desejavam apenas adotar a menina.64

A decisão ainda garante que a perda do poder familiar, apesar de averbada à

margem do registro das crianças, não autoriza a inclusão de qualquer observação

nas certidões de registro. Ademais, esclarece que a perda do poder familiar não

extingue os demais vínculos civis, mantendo-se os irmãos na condição de filhos dos

adotantes, inclusive quanto aos direitos sucessórios, e reafirma que as atitudes dos

pais adotivos autorizam a reparação dos danos morais causados pela adoção

frustrada. Garantida a compensação dos danos morais sofridos, o Relator ainda se

ocupa de explicitar a forma de arbitramento, iniciando pela incidência de juros e a

fixação da data em que o ilícito foi praticado como ponto de partida para o cálculo.

Por fim, estabelece que, para ser justa, a compensação deve recair sobre ambos,

uma vez que a irmã também foi vítima de danos imateriais, e também para não

fomentar a desigualdade entre os irmãos.65

Outro caso, proveniente de Concórdia, em Santa Catarina, decidiu pelo

pagamento de pensão mensal a uma criança de nove anos devolvida,

injustificadamente, durante o estágio de convivência:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. ESTÁGIO DE CONVIVÊNCIA PARA ADOÇÃO TARDIA ESTABELECIDO. CRIANÇA DEVOLVIDA. DANOS PSICOLÓGICOS IRREFUTÁVEIS. PENSÃO MENSAL CAUTELARMENTE FIXADA. NECESSÁRIA A REALIZAÇÃO DE TRATAMENTOS PSÍQUICOS.

63

SANTA CATARINA, 2011a, p. 94. 64

Ibidem, p. 94. 65

Ib., p. 94.

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O estágio de convivência que precede adoção tardia se revela à adaptação da criança à nova família e, não ao contrário, pois as circunstâncias que permeiam a situação fática faz presumir que os pais adotivos estão cientes dos percalços que estarão submetidos. A devolução injustificada de criança com 9 anos de idade durante a vigência do estágio de convivência acarreta danos psíquicos que merecem ser reparados as custas do causados, por meio da fixação de pensão mensal. Recurso desprovido.

66

No caso referido, em que a criança foi devolvida durante o estágio de

convivência, a pensão mensal foi fixada em 15% dos rendimentos líquidos em favor

da criança devolvida, mas os adotantes requereram a concessão do efeito

suspensivo da decisão atacada para reformar a decisão monocrática com o

propósito de cassar a antecipação de tutela deferida, sob o argumento de que a

culpa do estágio de convivência não vingar era a falta de conhecimento prévio das

condições da criança. Decisão monocrática de 2º Grau deferiu em parte o pedido de

tutela antecipada recursal para reduzir a pensão mensal a 10% dos rendimentos

líquidos. Em sequência, o representante do Ministério Público apresentou

contrarrazões asseverando o tratamento desumano despendido pelos agravantes

em desfavor da criança e da notoriedade dos danos causados, motivos suficientes a

mantença da decisão guerreada.

Não prospera o argumento de que o estágio de convivência não deu certo

porque desconheciam as condições do adotando, porque os adotantes, após um

primeiro processo bem sucedido de adoção, resolveram adotar outro filho,

conhecendo, portanto, os procedimentos legais e as peculiaridades que enfrentariam

ao se submeterem ao acolhimento em família substituta de criança com mais idade.

Ante a presença dos requisitos legais exigidos para o deferimento da

antecipação de tutela, a Câmara Especial ratificou a fixação da pensão mensal

atribuída na Ação Civil Pública, que deve permanecer intacta até o deslinde da ação,

oportunidade em que o magistrado, diante do conjunto probatório, terá condições

irrefutáveis para a mantença ou não da decisão antecipatória prolatada.

Cleide Carvalho também relata caso ocorrido em Minas Gerais, em que a

devolução de uma menina adotada a um abrigo gerou a propositura de uma ação

pelo Ministério Público do Estado para cobrar do casal responsável uma indenização

de 100 salários mínimos por danos morais. A criança de oito anos ficou com os pais

66

SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça. Agravo de Instrumento n. 2010.067127-1, de Concórdia. Câmara Especial Regional de Chapecó. Relator Desembargador Guilherme Nunes Bom. Julgado em: 25 nov. 2011b. (Anexo B)

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adotivos por oito meses, no período em que detinham a guarda provisória, e durante

a audiência final para concessão da guarda definitiva, o casal desistiu da adoção,

devolvendo a garota aos cuidados do Estado. Também está sendo cobrado, em

caráter liminar, o pagamento imediato de pensão alimentícia para a criança até que

ela complete 24 anos.67

Segundo Epaminondas da Costa, promotor de Justiça, autor da ação, o casal,

ao modificar ilegalmente o nome da criança e criar-lhe esperanças concretas quanto

à filiação socioafetiva decorrente da adoção, devolvendo-a ao abrigo depois de

vários meses, causou incalculável sofrimento psicológico e emocional à criança, que

se mostra perdida e confusa, principalmente com relação à sua identidade,

referindo-se a si própria ora pelo seu nome legal, ora pelo nome dado pelo casal

adotivo. Ainda, segundo o promotor, os problemas resultantes da conduta dos

requeridos podem acarretar “distúrbios carenciais”, fazendo com que a criança fique

hostil, agressiva e descrente de relacionamentos. Além disso, pode apresentar

problemas de aprendizagem. Por essa razão, o pagamento antecipado da pensão,

decorrente do ato ilícito cometido pelo casal, permitirá à criança arcar com os custos

de tratamento psicológico, a fim de atenuar os efeitos do abandono a que ela foi

vítima pela segunda vez. O promotor de Justiça requereu também que os pais

adotivos indenizem a criança em 100 salários mínimos, além de terem de pagar

pensão até que ela complete 24 anos”.68

CONCLUSÃO

O estudo tratou das adoções mal sucedidas que levam um processo de

adoção a culminar na devolução da criança adotada e as medidas cabíveis para

evitar a sua ocorrência.

No tocante ao caráter humanitário da adoção, o estudo identificou uma

preocupação das equipes multidisciplinares na adaptação da criança aos pais

adotivos, tendo em vista que a função destes profissionais é, depois das avaliações

67

CARVALHO, Cleide. Casal de Minas Gerais devolve criança adotada e Ministério Público vai à Justiça por pensão até que complete 24 anos. O Globo Minas, Belo Horizonte, 27 maio 2009. Disponível em: <http://oglobo.globo.com/pais/casal-de-minas-gerais-devolve-crianca-adotada-mp-vai-justica-por-pensao-ate-que-complete-3127267>. Acesso em: 13 mar. 2012.

68 INSTITUTO BRASILEIRO DE DIREITO DE FAMÍLIA. Ministério Público obtém decisão na Justiça contra casal que devolveu criança adotada. Publicado em: 9 jun. 2009. Disponível em: <http://www.ibdfam.org.br/?clippings&clipping=2964>. Acesso em: 30 abr. 2012.

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necessárias para a sua concessão, supervisionar a convivência com o propósito de

evitar o duplo abandono, pelos efeitos psicológicos que causaria ao adotado.

Também foi explicitada a proteção do adotando no ordenamento jurídico brasileiro,

enfatizando o princípio da dignidade, aliado ao melhor interesse da criança e do

adolescente.

O estudo também trouxe à baila os efeitos jurídicos e psicológicos da

devolução de crianças adotadas, ressaltando que a adoção é irrevogável e que os

estudos sobre o dano psicológico causado pela devolução ainda são escassos.

Contudo, assegurou a necessidade da discussão dessa questão, tendo em vista que

a compreensão dos motivos que levam pais adotivos a devolverem seus filhos às

instituições de origem é um passo importante para evitar que essas situações se

repitam.

No que diz respeito aos efeitos jurídicos, a pesquisa demonstrou que o

Estatuto da Criança e do Adolescente, no processo de adoção visa proteger os

direitos da criança ou do adolescente à criação, educação e assistência, e, por isso,

além de declarar a adoção irrevogável, impõe deveres aos adotantes, que se

sujeitam à destituição do poder familiar pelas mesmas razões atribuídas aos pais

biológicos.

A pesquisa apontou a extensão dos efeitos psicológicos sobre as crianças e

adolescentes que são abandonados uma segunda vez – a primeira pela família

biológica, e a outra pelos pais adotivos –, ressalvando que os casos de devolução

não contam sequer com estatísticas oficiais, da mesma forma que acontece quanto

ao número de crianças disponíveis para adoção. Ainda investigou a

responsabilidade civil pelos danos causados aos envolvidos e as produções

jurisprudenciais que se aplicam à hipótese levantada no estudo, registrando que há

consenso doutrinário sobre o cabimento da indenização pelos danos morais

resultantes da devolução do adotado, em vista da necessidade de apoio

psicoterápico para a superação do duplo abandono.

Da análise das decisões, notadamente a da Comarca de Gaspar, a pesquisa

reportou a extensa descrição dos efeitos psicológicos, comprovando ainda o

tratamento desigual e discriminatório dos adotados em relação ao filho biológico,

sendo que este estudava em escola particular e os outros em escola pública.

Os pais adotivos foram, então, condenados ao pagamento de indenização por

dano moral em favor dos infantes, uma vez que, após concluída a adoção e

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transcorridos cinco anos, devolveram em Juízo a criança, caracterizando ofensa

moral e expondo a criança a pressão psicológica.

Também foram punidos com a retirada da menina de sua guarda,

considerando que, desde o início do processo, o interesse dos pais era apenas nela.

Além disso, a indenização foi estendida também à garota, justifica pelo fato de que

ela também foi afetada psicologicamente.

Assim, através do presente estudo percebe-se que os efeitos psicológicos

sobre as crianças adotadas e devolvidas ao Estado justificam a responsabilização

civil dos pais adotivos, em virtude da necessidade de suportar os custos do

tratamento que as ajudará a superar o trauma.

Igualmente, conclui-se que os efeitos jurídicos para os pais adotivos que

devolvem a criança ao Estado são a perda do poder familiar, bem como a

manutenção dos direitos de filho, cujas expensas são custeadas por eles.

Contudo, a pesquisa não conseguiu identificar, porque nem os magistrados se

manifestaram a respeito, como serão administrados os fundos recebidos a título de

indenização pela criança vítima do dano moral decorrente da devolução pelos pais

adotivos, haja vista que perante a lei civil ela é incapaz de gerir estes recursos.

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