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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS Programa de Pós-Graduação em Direito EFETIVAÇÃO DO DIREITO AO ENSINO FUNDAMENTAL: UMA QUESTÃO DE JUSTIÇA Divan Alves Tavares Belo Horizonte 2006

efetivação do direito ao ensino fundamental: uma questão de justiça

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS

Programa de Pós-Graduação em Direito

EFETIVAÇÃO DO DIREITO AO ENSINO FUNDAMENTAL:

UMA QUESTÃO DE JUSTIÇA

Divan Alves Tavares

Belo Horizonte

2006

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Divan Alves Tavares

EFETIVAÇÃO DO DIREITO AO ENSINO FUNDAMENTAL:

UMA QUESTÃO DE JUSTIÇA

Dissertação apresentada ao Curso de Pós-Graduação em Direito da Faculdade Mineira de Direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Direito. Orientadora: Profa. Dra. Rita de Cássia Fazzi

Belo Horizonte

2006

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Tavares, Divan Alves

T231e Efetivação do direito ao ensino fundamental: uma questão de justiça / Divan Alves Tavares. - 2006

151 f. ; il.

Bibliografia: f. 145-151

Dissertação (Mestrado) - Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Faculdade de Direito, 2006.

“Orientação: Profa. Dra. Rita de Cássia Fazzi, Faculdade de Direito”.

1. Direito à educação. I. Pontifícia Universidade Católica

de Minas Gerais. II. Título.

CDD 379.26

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Divan Alves Tavares

Efetivação do direito ao ensino fundamental: uma questão de justiça

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Direito. Belo Horizonte, 2006.

____________________________________________________ Profa. Dra. Rita de Cássia Fazzi - Orientador (PUC-Minas) ____________________________________________________ Prof. Dr. ____________________________________________________ Prof. Dr.

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A Deus, que me deu a vida.

Aos meus pais, pelo constante carinho e educação.

À querida Carla, cuja inteligência é uma referência para mim, pelos domingos e feriados em que ficou sozinha para permitir que eu pudesse concluir esse curso.

Ao Júnior, Rosilene e Luciede, por existirem.

À querida Rita Fazzi, minha orientadora, pela paciência que sempre me dispensou.

A todos aqueles que, direta ou indiretamente, contribuíram para esta conquista, em

especial meus caros amigos Gernan e Wanderson, e meu sogro, Deli Dias.

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“Em caso algum a educação deve ser depreciada, pois ela é o primeiro dos bens que são proporcionados aos homens.”

Platão

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RESUMO

O objetivo primordial desta dissertação é demonstrar que o direito à educação,

integrante do direito à vida, essencial para a formação humana, não está se

efetivando no sistema educacional brasileiro, apesar de todo o aparato normativo

existente; e apresentar mecanismos que permitam o acesso do cidadão ao Judiciário

a fim de concretizá-lo. Para demonstrar essa deficiência, foram utilizadas pesquisas

do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (INEP/MEC) e do

Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (SAEB). Inicialmente buscou-se

definir o significado do termo educação e a distinção entre educação e instrução

que, embora presente há séculos, encontra-se em plena decadência, pois, não há

como pensar educação sem instrução e instrução sem educação. Apresentamos a

concepção filosófica da educação, da Grécia Antiga até Kant, passando por Platão,

Aristóteles, Santo Agostinho, São Tomás de Aquino, John Locke e Rousseau.

Procurou-se demonstrar que a educação é um direito essencial para a sobrevivência

da espécie humana e. fundamental para a consolidação do Estado Democrático de

Direito. O Direito à educação e ao ensino fundamental tem natureza jurídica de

direito humano fundamental, de segunda geração, uma vez que é um direito social,

além de estar inserido no direito à vida. As normas constitucionais que o legitimam

são dotadas de aplicabilidade imediata, conforme posição da doutrina, e ainda,

estando constitucionalmente definido como um direito público subjetivo viabiliza-se a

sua exigência perante os que estão obrigados a oferecê-lo. Analisada a questão da

legislação infraconstitucional regulamentadora do direito constitucional ao ensino

fundamental, verificou-se ser ela ampla e bastante completa, a saber: Lei de

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Diretrizes e Bases da Educação, Estatuto da Criança e do Adolescente e o Plano

Nacional Educação. Sendo eles, juntamente com a Constituição vigente,

fornecedores dos mecanismos aptos a contribuir para a efetivação de tal direito.

Abordam-se, por fim, os dados do INEP e SAEB que demonstram a não

concretização do direito ao ensino fundamental e as formas de buscar a sua

efetivação. Focando o papel das políticas públicas na formulação e implementação

deste direito e a responsabilidade da administração pública, que, em caso de

omissão ou insuficiência deve ser sanada através da ação do Poder Judiciário. Cabe

então ao Judiciário, em última instância, posicionar de forma a determinar a

formulação e implementação das políticas necessárias para este fim, quando

provocado, seja pelo Ministério Público seja por qualquer cidadão que se sinta

lesado no seu direito.

Palavras-chave: Direito à educação, efetividade.

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ABSTRACT

The main goal of this paper is to demonstrate that the right to education, integrant of

the right to life, essential to the human formation, is not happening in the Brazilian

educational system, despite the whole existing normative apparatus; and to present

mechanisms that allow for the citizen's access to the Judiciary Power in order to

make it real. In order to demonstrate this deficiency, Studies National Institute

researches and Educational Researches were used (INEP/MEC) and the ones of the

National System of Evaluation of the Basic Education (SAEB). The term education

meaning was initially sought to define and the distinction between education and

instruction which, although having been present for centuries, is now in full

decadence, as one cannot think of education without instruction and of instruction

without education. We present the philosophical conception of education, from the

Old Greece up to Kant, passing by Plato, Aristotle, Saint Augustine, Saint Thomas of

Aquinas, John Locke and Rousseau. We tried to demonstrate that education is an

essential right for the survival of the human species and fundamental for the

Consolidation of the Democratic State of Right. The Right to education, especially the

right to fundamental learning, has juridical nature of fundamental human right, of

second generation, once it is a social right, besides being inserted in the right to life.

The constitutional rules that legitimate it are endowed of immediate applicability,

according to the doctrine position, and yet, being constitutionally defined as a

subjective public right, its exigency before the ones that are obliged to offer it should

be met. The regulating infraconstitutional legislation matter of the right to the

constitutional right to the fundamental learning being analyzed, it was verified that it is

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wide and very complete, namely: “Lei das Diretrizes e Bases da Educação, Estatuto

da Criança e do Adolescente e o Plano Nacional Educação” (Education Guidelines

and Bases law, Child and Teenager Statute and the National Education Plan). They

are, together with the Constitution in effect, suppliers of the mechanisms able to

contribute to the accomplishment of such a right. Finally, INEP's Data and SAEB that

demonstrate the non materialization of the right to fundamental learning and the

forms of seeking its accomplishment are approached. Focusing the role of the public

policies in the formulation and implementation of this right and the responsibility of

the public administration, which, in case of omission or inadequacy, should be healed

through the Judiciary Power action. The Judiciary Power, then, as a last resource,

should act in a way as to determine the formulation and implementation of the

necessary policies for this purpose, when requested, be it by the Public Ministry, be it

by any citizen that has felt harmed in their right.

Key-words: Right to education, effectiveness.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ................................................................................ 12

2 A EDUCAÇÃO ................................................................................ 16

2.1 O SIGNIFICADO DO TERMO........................................................................ 16

2.2 EDUCAÇÃO E INSTRUÇÃO - O DILEMA .................................................... 18

2.3 PARA QUE EDUCAR?.................................................................................. 21

3 AS BASES FILOSÓFICAS DO DIREITO À EDUCAÇÃO .............. 25

3.1 OS SOFISTAS E A EDUCAÇÃO................................................................... 25

3.2 A PAIDÉIA GREGA ....................................................................................... 27

3.3 A EDUCAÇÃO PLATÔNICA ......................................................................... 31

3.4 A EDUCAÇÃO ARISTOTÉLICA.................................................................... 34

3.5 A CONCEPÇÃO CRISTÃ DA EDUCAÇÃO .................................................. 35

3.6 JOHN LOCKE................................................................................................ 37

3.7 JEAN-JACQUES ROUSSEAU ...................................................................... 39

3.8 KANT ............................................................................................................. 41

4 A EDUCAÇÃO NA FORMAÇÃO DO ESTADO DEMOCRÁTICO

DE DIREITO ....................................................................................... 46

4.1 EDUCAÇÃO E CIDADANIA .......................................................................... 46

4.2 A DEMOCRACIA E A EDUCAÇÃO............................................................... 48

4.3 ESTADO DE DIREITO................................................................................... 51

4.4 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO ................................................... 54

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4.5 O DIREITO À EDUCAÇÃO COMO EXIGÊNCIA DO ESTADO

DEMOCRÁTICO DE DIREITO............................................................................. 57

5 O DIREITO À EDUCAÇÃO ............................................................. 61

5.1 A EDUCAÇÃO COMO DIREITO À VIDA ...................................................... 63

5.2 A EDUCAÇÃO COMO DIREITO NATURAL ................................................. 65

5.3 A EDUCAÇÃO E OS DIREITOS HUMANOS ................................................ 66

5.3.1 Outras normas internacionais sobre a educação .................................. 70

5.3.1.1 Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais .. 70

5.3.1.2 Pacto de San Salvador........................................................................... 72

5.4 DIREITO À EDUCAÇÃO NAS CONSTITUIÇÕES BRASILEIRAS................ 72

5.4.1 A Constituição de 1988 e o direito ao ensino fundamental ................... 76

5.4.1.1 Eficácia e aplicabilidade ........................................................................ 79

5.5 ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE....................................... 82

5.6 LEI DE DIRETRIZES E BASES DA EDUCAÇÃO NACIONAL ..................... 87

5.7 PLANO NACIONAL DE EDUCAÇÃO ........................................................... 90

5.8 DIREITOS INERENTES AO DIREITO AO ENSINO FUNDAMENTAL.......... 93

5.8.1 Direito à merenda escolar......................................................................... 94

5.8.2 Direito ao material escolar e ao transporte............................................. 95

5.8.3 Direito à qualidade do ensino .................................................................. 96

6 DA EFETIVAÇÃO DO DIREITO AO ENSINO FUNDAMENTAL .... 100

6.1 A EDUCAÇÃO BRASILEIRA ........................................................................ 103

6.1.1 Os indicadores da educação brasileira ................................................... 110

6.1.2 Analfabetismo no Brasil ........................................................................... 118

6.2 A EFETIVAÇÃO DO DIREITO AO ENSINO FUNDAMENTAL POR MEIO

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DE POLÍTICAS PÚBLICAS................................................................................. 125

6.3 A EFETIVAÇÃO DO DIREITO AO ENSINO FUNDAMENTAL POR VIA

JUDICIAL............................................................................................................. 130

6.3.1 Meios judiciais de acesso à educação .................................................... 134

6.3.2 O papel do Ministério Público na defesa do direito ao ensino

fundamental ........................................................................................................ 138

7 CONCLUSÃO.................................................................................. 142

REFERÊNCIAS .................................................................................. 145

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12

1 INTRODUÇÃO

A educação, pela sua importância, há muito se tornou um tema de discussão

amplo, abandonando os limites daqueles profissionais ligados diretamente a ele, e

atingiu, de forma necessária e oportuna, posição de destaque nas esferas sociais e

políticas, ganhando espaço e gerando profundos debates na sociedade civil e nos

meios de comunicação. Há algum tempo, a sociedade brasileira vem reivindicando

um melhor sistema de ensino, que ofereça uma educação direcionada para a

formação intelectual e profissional dos jovens deste país, mudando o quadro

desalentador em que se encontra hoje o sistema educacional brasileiro.

Por ser um tema pouco explorado na área do Direito, ainda incipiente

enquanto ramo especifico - direito educacional -, encontramos dificuldades de fontes

de pesquisa para elaborarmos o estudo. Buscamos, contudo, demonstrar que o

conceito de educação vai muito além do que o ato de instruir, ou de simplesmente

ensinar a ler e a escrever, mas trata-se de formar o homem na sua integralidade,

preparando-o para uma vida autônoma.

O certo é que não se pode pensar em educação como um simples processo

colocado à disposição da sociedade. A educação é responsável pela continuidade

dos valores acumulados durante a existência humana, seus erros e seus acertos.

Tirar dos jovens este bem é o mesmo que condená-los ao vazio. É interromper o

processo de evolução da humanidade, iniciado há milhares de anos, e que vem se

acumulando, se enriquecendo e se desenvolvendo de geração em geração.

A Constituição de 1988 trouxe inúmeros desafios para a sociedade brasileira,

dentre eles a garantia do acesso às políticas sociais públicas, indistintamente. Esse

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dever constitucional passa certamente pela efetivação do direito à educação, base

para a compreensão de todos os outros. A Carta Magna estabelece ser a educação

um direito de todos e dever do Estado e da família, dando ênfase ao ensino

fundamental, elevando-o a direito público subjetivo, in verbis:

Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e a qualificação para o trabalho.

...........................................................................................................

Art. 208. [...]

§ 1º O acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito público subjetivo.

A descoberta da importância do ensino fundamental como alicerce na

formação intelectual e profissional dos indivíduos, implica no reconhecimento da

necessidade de uma atuação mais efetiva daqueles que receberam,

constitucionalmente, o dever de zelar por este direito fundamental.

Nesse sentido, entendendo a relevância dada pelo constituinte à educação,

em especial ao ensino fundamental, de forma a regulamentar os ditames

constitucionais, o legislador infraconstitucional elaborou a Lei n. 8.069/90 (Estatuto

da Criança e do Adolescente), a Lei n. 9.394/96 (Lei de Diretrizes e Bases da

Educação) e o Plano Nacional da Educação - Lei 10.172/01.

Para viabilizar e integrar este direito/dever, cabem ao Estado dois grandes

papéis: elaborar e cumprir as leis. Do ponto de vista do legislador, supõe-se

suficientes os diversos instrumentos normativos existentes; do ponto de vista da

execução pesa sobre o Estado a responsabilidade por não conseguir implementar as

políticas públicas necessárias para atingir os objetivos propostos pelo legislador e os

mandamentos legais. As conseqüências da omissão estatal ficam evidentes ao se

avaliar o analfabetismo: apesar de decrescente a curva do analfabetismo tradicional,

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há, contudo, uma curva inversa do analfabetismo funcional, cuja origem está num

sistema educacional de baixa qualidade.

A educação demonstrou ser tema fascinante, complexo e por vezes

angustiante. Buscou-se inicialmente uma fundamentação teórica capaz de jogar luz

sobre ela, seu significado, o dilema entre educação e instrução, os motivos de se

educar e as diversas concepções filosóficas a respeito do tema. Assim, a primeira

parte deste trabalho conterá abordagens sobre o conceito de educação, enfocando a

dificuldade de defini-la, os seus diversos significados, e demonstrando que a cada

período da história, de acordo com o contexto da época, há um significado diferente.

As concepções filosóficas da educação, abordada nessa primeira parte, busca

resgatar a educação do ponto de vista filosófico, tendo como marco inicial a Grécia

Antiga e os seus principais filósofos, passando pela concepção cristã até chegar a

Kant.

A segunda parte abordará a importância da educação na consolidação do

Estado Democrático de Direito, relacionando o tema à cidadania e à democracia. A

efetivação do Estado Democrático de Direito tem como condição precípua a

implementação de um sistema educacional público, de qualidade e universal, capaz

de formar cidadãos autônomos e conscientes de seus direitos e deveres perante a

sociedade.

Na terceira parte, o direito à educação é analisado desde a sua origem,

enquanto direito natural, passando a direito do indivíduo presente em diversas cartas

internacionais de direitos humanos, e, por fim, a sua consolidação nas Constituições

enquanto direito fundamental. Há uma abordagem quanto ao atual panorama

legislativo voltado para educação, o que se revela bastante e suficiente. Por força da

objetividade, limitamo-nos a aprofundar a discussão no direito ao ensino

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fundamental, destacando os direitos que lhe são inerentes: direito à merenda

escolar, direito a material escolar, direito ao transporte escolar e direito ao ensino de

qualidade.

Por fim, é focalizado o panorama atual da educação brasileira, os seus

indicadores e o que se pode deduzir deles. O analfabetismo e as suas faces, a

distorção entre analfabetismo tradicional e funcional, resultado da educação

ministrada hoje, pois não basta garantir o acesso e a permanência do aluno na

escola, é necessário que o ensino seja oferecido com qualidade.

São apresentados caminhos possíveis para a efetivação do direito ao ensino

fundamental; as políticas públicas enquanto instrumento de diagnóstico e escolha

das ações que podem ser implementadas pela Administração Pública. Outro

caminho, ainda pouco explorado pela sociedade, é a intervenção judicial, no controle

e fiscalização das políticas públicas, antes ou depois de sua realização, apesar de

ausente a previsão constitucional que legitime, de forma inconteste, a atuação do

Poder Judiciário voltada para tal finalidade é perfeitamente cabível como será

demonstrado.

Por fim, identificam-se instrumentos jurídicos disponíveis aos titulares desse

direito para garantir sua efetivação e as ações judiciais próprias para a recompô-lo.

A escassa literatura existente sobre o tema dificultou a elaboração deste

trabalho, mas não diminuiu em nada o prazer de escrever sobre o direito à

educação, assunto fascinante e envolvente. Abrem-se assim, quem sabe, horizontes

para que a sociedade encontre o caminho para efetivar tão importante direito, e na

educação consiga bases e valores para uma convivência mais justa. Este ideal será

concretizado quando o aparato legal e jurídico existente for colocado a serviço deste

propósito, e a sociedade assim entender verdadeiramente.

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16

2 A EDUCAÇÃO

2.1 O SIGNIFICADO DO TERMO

Logo no início deste trabalho já se encontra uma difícil tarefa: dar à educação

um significado. A dificuldade ocorre em virtude da amplitude do tema, pois a

educação ultrapassa os limites de uma área específica do conhecimento. Não há um

significado, há significados. Historiadores, filósofos, educadores, juristas, sociólogos,

todos têm algo a dizer a respeito da educação.

O conceito de educação, por longo tempo, foi afetado pela influência do

Nativismo e do Empirismo. O primeiro entende que a educação era tão-somente a

exteriorização dos conhecimentos interiorizados; o segundo considera a educação

como o conhecimento adquirido pela experiência. Além dessa antiga polêmica entre

nativismo e empirismo, nos ensina Muniz que:

o termo educação tem sido usado, ainda, com uma infinidade de significados, por toda a história, quanto aos seus objetivos e funções; ora mais amplo, designando tudo aquilo que se pode fazer para desenvolver o potencial humano; ora mais restrito, limitando-se a determinado aspecto, definindo-a como um processo de instrução, especialização, etc. (MUNIZ, 2002, p. 8).

No aspecto etimológico, segundo Souza (1996), o verbo educar origina-se dos

termos latinos educere e educare. O primeiro significa extrair, tirar, desenvolver,

retirar as potencialidades do interior do indivíduo, ou seja, considera que o

desenvolvimento do homem depende de si próprio, da sua dinâmica pessoal. O

segundo termo compreende o processo de transmissão de informações, objetivando

desenvolver as capacidades físicas e intelectuais do indivíduo, para que o ser

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humano se integre social e individualmente no ambiente em que vive.

A interpretação de Orlando Soares sobre educação é:

A influência intencional e sistemática sobre o ser juvenil, com o propósito de formá-lo e desenvolvê-lo em sentido amplo, consiste na ação genérica de uma sociedade sobre a geração mais jovem, com o fim de conservar e transmitir a existência coletiva. Tecnicamente, educação é o processo de desenvolvimento da capacidade física, intelectual e moral da criança e do ser humano em geral, visando a sua melhor integração individual e social (SOARES, 1998, p. 658).

Para Diniz (1998, p. 264) educação é “ação ou efeito de desenvolver,

gradualmente, as faculdades intelectuais, espirituais, físicas e morais do ser humano

[...]”.

O Miniaurélio, dicionário da língua portuguesa, de Aurélio Buarque de

Holanda Ferreira, dá ao termo educar o seguinte significado:

1. Ato ou efeito de educar (-se). 2. Processo de desenvolvimento da capacidade física, intelectual e moral da criança e do ser humano em geral. 3. Civilidade, polidez (FERREIRA, 2004, p. 172).

Há ainda que se destacar o conceito sociológico de educação, na visão de

Durkheim, sociólogo francês que viveu no fim do século XIX e início do século XX,

que acreditava ser a educação capaz de transformar o homem em sua inteireza,

moldá-lo de acordo com a forma que demanda o corpo social. Tinha como falso o

argumento de que a educação trabalhasse o corpo e a inteligência de sujeitos soltos,

desancorados de seu contexto social, acreditando ser a educação uma prática social

que, por meio da inculcação de tipos de saber, reproduz tipos de sujeitos sociais.

Segundo Durkheim, a educação é:

A ação exercida pelas gerações adultas sobre as gerações que não se encontram ainda preparadas para a vida social; tem por objeto suscitar e desenvolver na criança certo número de estados físicos, intelectuais e morais reclamados pela sociedade política no seu conjunto e pelo meio especial a que a criança, particularmente, se destina (DURKHEIM, 1983, p. 42).

Se a educação é considerada um tema difícil de ser abordado, defini-la é mais

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18

complexo ainda. Encontrar um significado perfeito, ideal, apropriado a todos os

homens e a todas as sociedades, é uma tarefa hercúlea. O significado do termo é

variável de acordo com a sociedade e a época. Afirma Durkheim (1955) que, na

Grécia a educação levava o indivíduo a obedecer cegamente à coletividade e a se

tornar parte dela. Hoje o que se busca, na maioria das sociedades, é fazer com que

o homem seja sobretudo um ser autônomo.

A origem dicotômica do termo educação permite entendê-lo como a

transmissão do saber por parte de alguém ou de algo para outrem, de tal forma que

ocorra o desenvolvimento e o afloramento das potencialidades natas do educando. A

educação deve permitir que o individuo se torne um cidadão digno, capaz de

alcançar seus objetivos pessoais, para isso é necessário que se transmita valores

morais e éticos como justiça, verdade, solidariedade e honestidade, ingredientes que

permitirá a formação do caráter, além da formação técnica e intelectual.

Retornando à discussão entre conceito amplo e conceito estrito, o mais

acirrado de todos é aquele que distingue educação de instrução, estabelecendo uma

dicotomia entre eles, assunto que será abordado a seguir.

2.2 EDUCAÇÃO E INSTRUÇÃO - O DILEMA

Os dois termos, educação e instrução, freqüentemente entendidos como

sinônimos, embora guardem semelhanças, apresentam peculiaridades que os

distinguem. Para Savater (1998) a diferença é: a educação tem como escopo a

orientação para a formação do jovem integralmente, com base em valores morais,

cívicos e éticos, preparando-o para alcançar seus objetivos pessoais e para a

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convivência social de forma harmônica; a instrução, por sua vez, seria a

capacitação do jovem para realizar tarefas básicas, técnicas, necessárias para o

trabalho.

Tal divisão, considerando a educação no sentido da intelectualidade, da

nobreza dos conhecimentos, do preparo para a vida da reflexão e de comando na

sociedade, e considerando a instrução como uma preparação para o trabalho, a

execução de tarefas menos “nobres” e a subordinação, teve início na Grécia e

permanece viva na sociedade, especialmente na brasileira. Pode-se atribuir a

gênese dessa distinção ao período final do helenismo1, quando havia uma profunda

separação na sociedade grega. Até mesmo as pessoas encarregadas de instruir os

jovens gregos eram diferentes, de acordo com a pretensão da formação. Para

promover a educação, confiava-se a criança ao pedagogo. Pessoa de total confiança

no núcleo familiar, ele era primordial na formação dos “cidadãos”2 gregos, que iriam

se dedicar à vida política na pólis. A instrução era confiada ao professor, pessoa de

segundo nível. Dentro da hierarquia funcional do ensino, a sua incumbência era

preparar o jovem na formação técnica, que se constituía principalmente no ensino da

aritmética, voltado sobretudo para a produção, e que era normalmente exercida

pelos escravos e artesãos.

Hoje, em pleno século XXI, quando a sociedade é cada vez mais complexa,

no campo do trabalho exigem-se pessoas que, além de capacidade técnica, tenham

capacidade de interação, tomada de decisões, análises conjunturais profundas,

entendimento da legislação, que consigam avaliar comportamentos humanos, enfim,

1 No fim do século IV a.C., inicia-se a decadência das cidades estados, até a perda total de sua

autonomia. A cultura helênica, no entanto, se funde às civilizações que a dominam, formando o helenismo.

2 Cidadão grego era a pessoa pertencente a um seleto grupo, do qual não faziam parte as mulheres, os escravos e os estrangeiros.

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que possuam um conhecimento além do técnico. Tudo isso torna a velha discussão,

como diz Savater (1998, p. 58), “obsoleta e muito enganosa”. Segundo ele,

Ninguém se atreverá a afirmar seriamente que a autonomia cívica e ética de um cidadão possa se forjar na ignorância de tudo o que é necessário para ele desempenhar profissionalmente; e o melhor preparo técnico, carente do desenvolvimento básico das capacidades morais ou de uma mínima disposição de independência política, nunca formará pessoas integras, mas simples robôs assalariados. Acontece, além do mais, que separar a educação da instrução é, além de indesejável, impossível, pois não se pode educar sem instruir e vice-versa (SAVATER, 1998, p. 58).

É no mesmo sentido que Tedesco, citado por Savater, faz suas

considerações:

A capacidade de abstração, a criatividade, a capacidade de pensar de forma sistêmica e de compreender problemas complexos, a capacidade de se associar, de negócios, de concertos e de empreender projetos coletivos são capacidades que podem ser exercidas na vida política, na vida cultural e na atividade em geral (TEDESCO apud SAVATER, 1998, p. 62)

Segundo Savater há no imaginário de grande parte da sociedade a idéia de

que a formação da pessoa na sociedade moderna tem de ser cada dia mais técnica,

o que é primordial para se conseguir um lugar de destaque no meio social,

capacitando o cidadão para ganhar dinheiro, enquanto a educação, no sentido de

formação ideológica, de caráter ético, está ultrapassada e não serve para mais nada.

Esta é a lógica daqueles que defendem a formação mais tecnicista, analisa a

formação do homem enquanto instrumento de capacitação para o acúmulo puro e

simples de capital. Em sentido oposto, encontram-se educadores e filósofos, como

Paulo Freire e Rodlen.

Freire (1967) defendeu duramente uma educação que tivesse como objetivo a

formação de uma consciência livre, capaz de tornar o jovem partícipe do processo

de aprendizagem, pois só assim ele conseguiria ser livre de fato. Para Rodhen

(1979), o processo de formação do homem não pode ser determinado e realizado

para um único fim, “o ideal seria que um homem tivesse 100% de educação e 100%

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de instrução; que fosse mestre em ciência e mestre na consciência”.

O desejo da sociedade é que a escola transmita à criança a sua herança

social, os valores morais e espirituais nela contidos. A demanda hoje é pela escola

que forme cidadãos, homens livres, com uma educação que liberta. Isso somente

será conseguido quando se formar a capacidade crítica do aluno. Aquele que instrui

tem de ser o que educa; aquele que educa tem de ser o que instrui.

Portanto, a dicotomia entre educação e instrução encontra-se superada, pois

é impossível instruir sem educar e educar sem instruir. Como leciona Savater (1998),

o que deve haver é a formação visando o pleno desenvolvimento das faculdades

inerentes ao homem, buscando a plenitude física, moral e intelectual, capaz de levá-

lo a alcançar seus objetivos, formando-o técnica e intelectualmente. O que importa

de fato, muito além do nome, é o que é realmente feito; o necessário é ensinar a

aprender, nos dizeres de Jaime Balmes citado por Savater (1998, p. 61), “formar

fábricas e não armazéns”.

2.3 PARA QUE EDUCAR?

A complexidade do tema direito à educação traz à tona inúmeros

desdobramentos. É possível definir o que é educação? Para que educar? É

realmente necessário educar? O que a educação agrega à vida humana? A

finalidade da educação é tornar o homem verdadeiramente livre ou ela deve ser

guiada no sentido de manter a coesão social? O que pensavam os filósofos da

Antigüidade a respeito da educação? Qual a origem do direito à educação? No Brasil

o direito à educação está efetivado? Quais os direitos a ele inerentes? Quais os

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meios que os destinatários da educação têm para concretizá-lo? O Judiciário tem

instrumentos legais para intervir na sua realização?

São indagações que, algumas delas, vêm sendo feitas ao longo dos séculos,

com profundos debates promovidos pelos filósofos no sentido de se chegar a

algumas conclusões definitivas, e que serão tratadas no próximo capítulo. Antes,

porém, faz-se mister tentar definir o “para que educar?”.

Graham Greene, citado por Savater (1998, p.29), afirma que “ser humano

também é um dever”, e completa Savater, “se é um dever, cabe inferir que não se

trata de algo fatal ou necessário [...] deve haver, pois, quem nem sequer pretenda

ser humano, que o tente mas não o consiga [...].”.

O homem diferentemente, dos outros animais, consegue ir além dos seus

limites biológicos impostos pela natureza; ele aprimora suas potências e adquire

outras desenvolvidas a partir daquelas. Isso o torna homem. A humanidade,

definitivamente, não é uma carga genética passada de geração em geração pelo

vínculo biológico. Ela é adquirida com o aprendizado.

Nesse sentido, John Passmore, também citado por Savater faz a seguinte

observação:

O fato de todos os seres humanos ensinarem é, em muitos sentidos, seu aspecto mais importante: o fato em virtude do qual, e diferentemente de outros membros do reino animal, podem transmitir as características. Se renunciassem ao ensino e se contentassem com o amor, perderiam a característica que os distingue. (PASSMORE apud SAVATER, 1998, p. 37).

O homem, por natureza, é um ser inacabado que, durante toda a sua vida,

adquire novos conhecimentos, às vezes os transforma e amplia, e também os

transmite, se contagiando e sendo contagiado pelos outros, chegando à idade adulta

ainda aberto aos saberes e com possibilidades de ensinar. É essa possibilidade

constante de aprendizado, de exercício mental, de inter-relacionamento, de

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23

transformação do conhecimento adquirido em novos conhecimentos, que o faz

homem. Segundo Savater (1998, p. 44), “a chave da humanidade está na

capacidade racional de observar, abstrair, deduzir, argumentar, concluir

logicamente”.

A educação tem também a capacidade de dar característica única a cada

sociedade, pois nenhuma delas renuncia ao seu direito de ensinar; ao contrário,

cada uma define a educação de acordo com os seus critérios, pois é através dela

que a sociedade mantém vivos seus costumes, suas tradições, sua história. Assim,

nem sempre o que se entende como ideal educacional em uma sociedade pode ser

considerada para outra. A educação é a correia transportadora que conduz de uma

geração a outra os seus costumes e os seus saberes, aperfeiçoando-os e

transformando-os. Brandão afirma que “Cada sociedade carrega consigo no seu

imaginário o ideal de homem e busca através da educação a transformação de

sujeitos e mundos em alguma coisa melhor” (BRANDÃO, 2005, p. 74).

Juan Delval citado por Savater analisa a educação no sentido de que pensar

educação é também pensar o homem enquanto ser histórico, o seu papel na

natureza e nas relações sociais. “Uma reflexão sobre os fins da educação é uma

reflexão sobre o destino do homem, sobre o lugar que ele ocupa na natureza, sobre

as relações entre os seres humanos” (DELVAL apud SAVATER, 1998, p. 62).

Quando o homem é colocado diante de indagações complexas que não têm

respostas imediatas, ou quando as respostas não são satisfatórias, recorre à

filosofia. Não podia ser diferente neste estudo: buscou-se na filosofia da educação e

do direito as bases para compreensão da educação, a sua importância para o

homem e para a construção de uma sociedade democrática, averiguando a evolução

do direito do homem à educação na história do pensamento filosófico. Com tal

Page 26: efetivação do direito ao ensino fundamental: uma questão de justiça

24

propósito foram selecionados os filosófos mais expressivos e sobre eles assentadas

as justificativas do direito à educação, integrante do direito à vida. Na busca de

respostas, o capítulo seguinte trata das bases filosóficas da educação.

Page 27: efetivação do direito ao ensino fundamental: uma questão de justiça

25

3 AS BASES FILOSÓFICAS DO DIREITO À EDUCAÇÃO

A educação sempre fez parte das preocupações das sociedades, da mais

primitiva à mais complexa. Conseqüentemente, tornou-se também objeto de reflexão

dos filósofos ao longo da história. A importância dada ao tema é devida à sua

relevância para o homem, à manutenção da vida, à manutenção da sociedade, à

preservação do direito à liberdade e à igualdade. Enfim, tudo passa pelo processo

educacional.

Platão, Aristóteles, os sofistas, Santo Agostinho, São Tomás de Aquino,

Locke, Rousseau e Kant, dentre outros. dedicaram longas horas de estudo sobre a

educação e a sua importância para o homem.

3.1 OS SOFISTAS E A EDUCAÇÃO

Sofistas vem de sophos, palavra grega que significa sábio, ou melhor, professor

de sabedoria. Segundo Aranha (1989) era o nome dado aos educadores gregos que

viveram no período clássico e romperam com os filósofos da época pela sua forma de

ensinar e pelo conteúdo do ensino. Isócrates, Protágoras de Abdera, Hipodamos foram

os principais sofistas que revolucionaram a Grécia do século V a.C.

O ensino dos sofistas era marcado pelo desprestígio da filosofia clássica, que,

na época, tinha como referência Sócrates, Platão e Aristóteles, e era voltada

principalmente para as questões da moral e da ética. Foi marcante sua atuação para

a democracia do ensino superior na Grécia Antiga: passaram a cobrar pelos

Page 28: efetivação do direito ao ensino fundamental: uma questão de justiça

26

ensinamentos que ministravam e fundaram escolas para todos que tivessem

condições de pagar. Segundo Brandão (2005), eles profissionalizaram a função e

exigiram a remuneração.

No contexto da época, momento pelo qual passava a Grécia, a democracia

era incipiente, os cidadãos gregos participavam das decisões da cidade por meio

das assembléias, o que exigia uma boa retórica. Os sofistas então deram grande

ênfase ao ensino dessa arte, preparando os cidadãos para que tivessem uma

participação relevante, com grande poder de convencimento. Tudo isso causou um

grande fascínio nos jovens gregos, que passaram a buscar nas escolas dos sofistas

o aprendizado da persuasão por meio do discurso.

Aos sofistas é atribuída, em grande parte, a mudança no sentido do ideal

grego de educação, a Paidéia, que, até então, significara educação de crianças,

passou a ser também a formação contínua do adulto, tornando-o capaz de pensar

por si mesmo a cultura do seu tempo. Protágoras, famoso sofista, dizia que “o

homem é a medida de todas as coisas, isto é, para o homem as coisas são aquilo da

forma que eles vêem, o conhecimento depende das circunstâncias em que se

encontra e varia de acordo com as situações” (MUNIZ, 2002, p. 15).

Isócrates, um dos principais sofistas, fundou em Atenas uma escola onde se

ensinava, sobretudo, a retórica, e foi o grande debatedor do sentido da educação, da

sua finalidade e do seu conteúdo. Os sofistas criticavam abertamente a busca da

verdade desinteressada e a ciência autêntica, de caráter objetivo e universalmente

válido, que entendiam como algo ultrapassado e sem valor para a época. Tal

posição, segundo Aranha (1989) lhes rendeu grande polêmica com Platão, que

ironizava a educação sofista cuja finalidade era ensinar a enganar, que usava o

raciocínio capcioso e de má-fé.

Page 29: efetivação do direito ao ensino fundamental: uma questão de justiça

27

O objetivo primordial da educação, para os sofistas, era proporcionar a

felicidade e o triunfo ao indivíduo (OS PENSADORES, 1999, p. 38) ??????.

3.2 A PAIDÉIA GREGA

A educação grega representou um salto na sociedade ocidental, mormente no

que se refere a teorias e métodos educacionais, tendo sido, mesmo após a

colonização romana, difundida para todas as colônias do Império Romano,

influenciando muitos países existentes na época. Todas as cidades importantes do

Oriente, da África e do mundo romano em expansão se adaptaram aos seus

costumes, construíram bibliotecas, ginásios, teatros, etc. Afirma Aranha (1989) que a

tradição educacional grega foi tão importante e tão profunda que até hoje perdura na

sociedade moderna.

A Paidéia, como era chamado o ideal grego de educação, surgiu por volta do

século V a.C. e constituía, no início, apenas uma forma de educar as crianças. Com

o decorrer do tempo, Paidéia passa a ter um novo significado: o sentido de formação

harmônica do homem para a vida na pólis. É como se a mesma palavra significasse

também a “cultura, tradição, literatura, educação” (BRANDÃO, 2005, p. 38).

Não há no vocabulário nenhuma palavra que signifique o que realmente os

gregos entendiam por paidéia, segundo afirma Jaeger, helenista alemão, citado por

Aranha (1999), até porque o seu significado foi sendo adaptado ao longo dos

tempos. A obra da Paidéia é a formação do homem, a sua transformação em

cidadão maduro, capaz de servir à sua cidade, tanto na guerra quanto na política. O

educador Carlos Rodrigues Brandão diz que o ideal de educação do povo grego

Page 30: efetivação do direito ao ensino fundamental: uma questão de justiça

28

consistia em:

reproduzir uma ordem social idealmente concebida como perfeita e necessária, através da transmissão, de geração em geração das crenças, valores e habilidades que formavam um homem tão mais perfeito quanto mais preparado para viver na cidade a que servia (BRANDÃO, 2005, p. 44).

Esse ideal de educação foi sendo construído pela sociedade grega

simultaneamente com a construção da própria sociedade. Evoluíram juntos. Mais

tarde, quando a Grécia já se encontrava em plena decadência política, no chamado

período helenístico (final do século IV e início do século III a.C.), a Paidéia se “torna

Enciclopédia, ou seja, educação geral, que consiste na ampla gama de

conhecimentos exigidos para a formação do homem culto” (ARANHA, 1989, p. 41).

A educação sempre foi questão de interesse do povo grego. Os

questionamentos filosóficos a respeito da educação como “Para que educar? Como

educar?” foram os impulsos e o alimento das reflexões filosóficas educacionais que

viriam a ser desenvolvidas com muito êxito.

Desde o período homérico (séculos XII a VIII a.C.), a Grécia se destacava em

relação às demais comunidades da época, e esse período é o marco inicial de uma

evolução que servirá de referência para vários povos. O período homérico tem este

nome em referência a Homero, pois, mesmo não havendo uma confirmação

contundente de sua existência, conforme cita a professora Aranha (1989), a ele é

atribuída a autoria das epopéias Ilíada e Odisséia, que serviram de norte na

educação dos jovens guerreiros gregos até o século IV a.C.

O século IV a.C. marca o rompimento definitivo da sociedade grega com o

mítico, que até então predominava na Grécia. A partir daí nasce a filosofia, assim

ensina Aranha (1989), alguns autores chamam de “milagre grego” essa passagem

do pensamento mítico para o racional e filosófico. Hoje, porém, há pesquisadores

Page 31: efetivação do direito ao ensino fundamental: uma questão de justiça

29

afirmando que essa passagem não se deu de forma tão repentina, mas foi sendo

construída ao longo dos anos. A razão autônoma assume a concepção do homem e

assim nasce um processo educacional necessário à formação do novo homem

grego.

Com as demandas desse novo homem, surge também a necessidade de

outra educação. A escola que já existia desde o período homérico assume o papel

da formação do cidadão grego voltado para a pólis. Mesmo assim, persiste a

diferenciação dos educandos em relação ao padrão econômico. A escola se mantém

elitizada, servindo somente aos filhos dos que detinham um certo poder econômico e

buscavam uma formação mais apurada. Os filhos dos pobres, por sua vez, recebiam

apenas uma preparação para aprenderem um ofício. O próprio termo escola, na sua

origem grega, representa o lugar reservado para uma casta da sociedade, nas

palavras de Maria Lúcia Aranha:

Na sociedade escravagista grega, o ócio digno significa a disponibilidade de gozar do tempo livre, privilégio daqueles que não precisam se preocupar com a própria subsistência, não por acaso, a palavra grega para escola (scholé) significa inicialmente - o lugar do ócio (ARANHA, 1989, p. 50).

A Grécia do século IV a.C., embora constituída de diversas regiões, não

constituía uma unidade política Savater (1998). Havia diversas formas de

constituição da sociedade, diferentes em cada região. A educação,

conseqüentemente, era também diferenciada em cada uma delas. Destacam-se

nesse período duas regiões: Esparta e Atenas.

Em Esparta, cidade-estado, onde muito antes da era dos filósofos gregos

(século IV a.C.) já existia uma ampla organização educacional, havia a preocupação

com a formação do guerreiro espartano, sem que com isso se abstivessem da

formação moral. O objetivo, porém, era formar guerreiros. A educação em Esparta

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30

se destaca, de acordo com Aranha (1989) por dois motivos: a organização do

sistema educacional, que a partir do século IX a.C., com o legislador Licurgo, é

ministrada de forma pública e gratuita, e a preocupação com a mulher, nada comum

para a época.

As crianças permanecem com a família até os sete anos, quando o Estado passa a oferecer uma educação pública e obrigatória. Vivem em comunidades constituídas por grupos que se formam de acordo com a idade, supervisionados pelos que se distinguem no desempenho das tarefas exigidas. Como todos os gregos, os espartanos desenvolvem o estudo de música, canto e dança coletiva (ARANHA, 1989, p. 51).

Atenas ainda hoje serve de referência como símbolo da filosofia e da

democracia, e é considerada o berço da educação. Segundo Tucides (século V

a.C.), citado por Aranha (1989, p. 51), Atenas foi “a escola de toda a Grécia”. É em

Atenas que se dá a formação do “cidadão” da pólis. E, apesar das limitações

impostas por uma sociedade escravagista, representou um marco político para todas

as sociedades que se constituíram após a democracia grega. O cidadão ateniense

participava diretamente das decisões tomadas na cidade. Para que isso ocorresse,

eram preparados intelectualmente, aprendendo a falar em público, se expressar com

clareza, construir um raciocínio lógico, atributos essenciais para a participação

efetiva nos destinos da cidade. Sendo assim, houve a necessidade de uma

educação apropriada para a formação desse novo homem que não tinha mais a

responsabilidade de defender a cidade dos invasores, mas sim, a defesa dos

destinos da pólis numa luta de idéias.

A educação ateniense era ministrada à criança no início de sua infância. Aos

sete anos de idade o homem já era retirado da família e encaminhado para receber

as primeiras lições. Quanto à mulher, diferentemente da sociedade espartana, era

encaminhada para o Gineseu, onde se dedicava aos afazeres domésticos.

O processo educacional na antiga Atenas era dividido em três níveis:

Page 33: efetivação do direito ao ensino fundamental: uma questão de justiça

31

elementar, secundário e superior. O nível elementar era para o jovem até os treze

anos de idade, ao fim do qual os mais pobres eram encaminhados para aprenderem

um ofício, e os filhos dos que tinham melhores condições financeiras continuavam

seu aprendizado no ginásio. A discriminação em razão da classe social era tão

evidente que Sólon, legislador grego da época, fez o seguinte pronunciamento,

conforme citação de Aranha:

As crianças devem, antes de tudo, aprender a nadar e a ler; em seguida, os pobres devem exercitar-se na agricultura ou em uma indústria qualquer, ao passo que os ricos devem se preocupar com a música e a equitação, e entregar-se à filosofia, à caça e à freqüência aos ginásios (SOLON apud ARANHA, 1999, p. 53).

A educação superior era oferecida tanto pelos sofistas quanto pelos filósofos,

especialmente Platão e Aristóteles.

3.3 A EDUCAÇÃO PLATÔNICA

Filósofo grego (428-347 a.C.), discípulo de Sócrates, ateniense aristocrático

por descendência familiar, Aristocles, conhecido como Platão, elaborou sua teoria

pedagógica numa época de extrema efervescência cultural em Atenas.

Contemporâneo do sofista Isócrates, sofreu deste duras criticas sobre a importância

da filosofia.

Platão em A República (1996), livro VII, elabora sua teoria educacional,

expondo-a de forma simbólica por meio de uma parábola, A Alegoria da Caverna.

Para ele, o mundo perceptível é o mundo sensível, este mundo, ou seja, o mundo

sensível, é apenas uma sombra do mundo das idéias, lugar da essência imutável de

todas as coisas, dos verdadeiros modelos ou arquétipos.

Page 34: efetivação do direito ao ensino fundamental: uma questão de justiça

32

Na parábola A Alegoria da Caverna, alguns homens ficam acorrentados desde a

infância dentro da caverna, dispostos um do lado do outro, de costas para a entrada. À

sua frente está o fundo da caverna, onde só vêem as sombras das coisas que passam

às suas costas, onde há uma fogueira. Se eles se soltassem todos, a princípio sua

visão ficaria ofuscada e nada conseguiriam enxergar. Com o tempo, acostumados ao

brilho da luz, poderiam vislumbrar melhor a realidade. Assim é o aprendizado: o saber é

a luz que contagia, a princípio ofuscando, porém, ao se acostumar com ela, enxergam-

se as belezas do mundo. Se apenas um deles se soltar e sair da caverna para observar,

deve então voltar e contar para os demais a existência de uma realidade exterior. Essa

é a missão do filósofo. Afinal, ele conseguiu enxergar a luz do conhecimento; e

conhecer, para Platão, significa atingir a concepção do Bem e despertar para o mundo

das idéias. O conhecimento, entretanto, não vem de fora para dentro, mas do esforço

de cada um em buscar a verdade.

Na análise proposta por Platão (1996), o homem acorrentado representa

aquele individuo comum preso às suas paixões, e só alcança um conhecimento

imperfeito da realidade, restrito ao mundo dos fenômenos, no qual as coisas são

meras aparências e estão em constante fluxo. Ele se encontra totalmente dominado

pelas amarras da ignorância, não consegue ver a perfeição da realidade. Cabe ao

filósofo conduzir os homens comuns, incapazes de sozinhos encetarem essa

caminhada até o mundo ideal.

A República é uma obra política e, como tal, representa um pensamento

político. Platão segue o mesmo raciocínio quando analisa o Estado; nesse mundo

ideal há também um Estado ideal, sem família e sem propriedade, governado pelos

que têm capacidade intelectual aguçada.

A educação tem um papel singular na filosofia platônica, segundo Muniz (2002,

Page 35: efetivação do direito ao ensino fundamental: uma questão de justiça

33

p. 21) “não porque a reconhecia como um direito do homem, mas porque somente ela

poderia propiciar a felicidade ao indivíduo e o bem-estar para o Estado”.

Seguindo esse princípio, sistematizou a educação como de responsabilidade

do Estado e oferecida a todos indistintamente. No entanto, não da mesma forma

para todos, mas de acordo com a capacidade intelectual de cada um, que deve

contribuir para as tarefas da pólis, sendo preparado adequadamente para a função

que for exercer.

O filósofo grego dividia a educação em três fases: bronze, prata e ouro. A

cada fase seria realizada uma seleção antes de se passar à nova fase. Todos

entrariam em igualdade de condições, não havendo privilégios em razão da origem.

No primeiro corte, os chamados homens de alma de bronze seriam

encaminhados para o aprendizado das tarefas mais básicas, como a agricultura e os

ofícios da cidade. Em seguida, haveria o segundo corte, no qual ficariam os homens

de alma de prata, a quem seriam ensinadas e confiadas tarefas consideradas um

pouco mais dignas ou complexas do que as confiadas aos primeiros. Os homens de

alma de prata seriam responsáveis pela segurança da cidade. No terceiro corte, por

fim, ficariam os homens de alma de ouro, a quem seria reservado o lugar mais nobre

da sociedade, o exercício do poder. A eles seria confiado o destino dos povos da

cidade.

Platão defendia claramente a aristocracia, porém, diferente da até então

conhecida, em que o poder era hereditário, passando de pai para filho. Na sua

concepção, o poder deveria ser exercido pelos mais sábios, a chamada sofocracia3.

Exerceu, na sua época, grande influência na educação ateniense. Dizia-se

discípulo de Sócrates, cuja existência, no entanto, é duvidosa, pois muitos creditam

3 Sofocracia etimologicamente significa: poder da sabedoria.

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34

à sua mente a criação da figura do mestre. Fundou a Academia, centro de formação

de filósofos, onde teve como discípulo Aristóteles, que mais tarde questiona a teoria

de Platão e funda o Liceu.

3.4 A EDUCAÇÃO ARISTOTÉLICA

Aristóteles, nascido na cidade de Estagira, iniciou seus estudos filosóficos na

Academia de Platão, em Atenas, com o qual estudou por duas décadas. Ao sair,

fundou sua própria escola, o Liceu. Antes, porém, foi incumbido de ser o preceptor

de Alexandre Magno, futuro imperador da Macedônia.

Rompendo com os ensinamentos de Platão, Aristóteles desenvolveu seu

próprio sistema filosófico, criticando o idealismo platônico e fundando sua teoria com

base no realismo. Para desenvolvê-la apoiou-se em dois elementos - a matéria e a

forma - para explicar o ser. A matéria é passiva, contendo as virtualidades da forma

em potência; a forma é o princípio inteligível, a essência comum aos indivíduos de

uma mesma espécie.

A finalidade da educação aristotélica é ajudar o homem a alcançar a sua

plenitude que já existe enquanto potência, é a busca da verdadeira essência

humana. A criança se educa pela observação das ações dos adultos, e com base

nesse modelo, ela age da mesma forma. Essa é a maneira aristotélica de

transmissão de conhecimento, pela observação e repetição das ações dos outros.

A principal obra de Aristóteles, no que se refere à educação, é A Política

(1998). Nela ele elabora o ensaio de uma teoria educacional que busca nas ações

do Estado a formação de cidadãos livres, capazes de destinar todo o seu tempo

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35

para este fim, ou seja, o estudo. Desta forma ele exclui os que se ocupam com o

trabalho. Valorizando assim o que ele chama de ócio digno.

O mais alto propósito do homem, afirmava ele, é levar uma vida racional em

pensamento e conduta, pois a causa final do homem é a felicidade. No entanto, isso

dependeria de uma conduta moral e moderada, e dos bons costumes, sem

excessos, cabendo ao Estado, através da educação, promover esse bem-estar do

cidadão (DURANT, 1942, p. 103).

3.5 A CONCEPÇÃO CRISTÃ DA EDUCAÇÃO

Na Antigüidade e na Era Clássica, o Estado sempre teve uma posição

superior à do homem, a quem restou ser um bom indivíduo, e submisso àquele.

Com o surgimento do Cristianismo, mudou consideravelmente essa percepção, não

mais sendo o homem instrumento de manutenção do Estado e passando a ter

projeto próprio. O Cristianismo se ancora, como bem afirma Teobaldo Santos, na

busca da felicidade eterna do homem.

Nessa concepção, o indivíduo é colocado como perfeição máxima da natureza, contendo em si, ao mesmo tempo, as perfeições de todos os seres que lhe são inferiores e a perfeição específica ou própria de sua racionalidade. Nesta racionalidade de natureza espiritual se alicerça o conceito de personalidade. Somente o homem possui uma personalidade livre e autônoma, e direitos e deveres impostergáveis (SANTOS, 1951, p. 61).

Ao homem cabe aprimorar-se para atingir a perfeição moral; o que o envolve -

família, sociedade e Estado - são os meios que lhe permitirão alcançar seus

objetivos. À educação cabe a tarefa de prepará-lo para a vida terrena e espiritual.

São Tomás de Aquino citado por Muniz (2002) afirma que a educação é uma

Page 38: efetivação do direito ao ensino fundamental: uma questão de justiça

36

atividade que torna realidade aquilo que é potencial. E ainda: “a educação é o meio

para atingir o ideal da verdade e do bem, superando as dificuldades interpostas

pelas tentações” (AQUINO apud MUNIZ, 2002, p. 53).

A Patrística, filosofia dos padres da Igreja, que se caracteriza pela defesa da

fé e conversão dos não-cristãos, dominou o pensamento do Cristianismo durante a

Idade Média. Essa filosofia era ensinada pelos educadores chamados de

escolásticos, cujos principais membros foram Santo Tomás de Aquino e Santo

Agostinho.

O termo escolástico, cuja origem etimológica é scholasticus, “significa

professor das artes liberais; depois também professor de filosofia e teologia,

oficialmente chamado de magister” (ARANHA, 1989, p. 70).

Destaca-se dessa Escola a obra De Magistro, de Santo Tomás de Aquino,

ensinando que a Deus cabe a verdadeira missão de ensinar: “Parece que só Deus

ensina e deve ser chamado de Mestre” (AQUINO, [13--], p. 53) Todo o

conhecimento existe potencialmente no homem; com o auxilio de Deus, único

mestre, o educando é capaz de expô-lo e concretizá-lo através da racionalidade.

Ambos os filósofos cristãos admitem que a educação é o meio pelo qual o homem

faz sobressair todo o conhecimento já existente internamente. Toda a escolástica

tem por base que, através da razão, o homem conseguiria externar o potencial nele

contido, cujo objetivo é torná-lo capaz de atingir a felicidade eterna.

Ensina Santo Agostinho que “o bem objetivo, único capaz de proporcionar à

natureza humana a felicidade perfeita, é Deus. A razão, secundada pela revelação,

mostra o caminho que se deve seguir para alcançá-lo” (SANTO AGOSTINHO apud

MARCONDES, 1998, p. 111).

Page 39: efetivação do direito ao ensino fundamental: uma questão de justiça

37

3.6 JOHN LOCKE

John Locke (1632-1704), intelectual inglês, representante dos interesses

burgueses, teve relevante interesse pelas mazelas humanas. Certo de que é no

intelecto humano que se encontra toda fonte de certeza, buscou conhecê-lo de

forma mais aprofundada para saber quais seus limites e suas possibilidades.

Locke está entre os filósofos empiristas, assim chamados em virtude de

abrirem espaço para a ciência junto à filosofia, valorizando a experiência como fonte

de conhecimento. Destaca-se pela Teoria das idéias e pelo seu postulado da

legitimidade da propriedade, inserido em sua Teoria social e política. Para ele, o

direito de propriedade é a base da liberdade humana, “porque todo homem tem uma

propriedade que é a sua própria pessoa” (LOCKE, 1998, p. 84). O governo existe

para proteger esse direito.

A principal preocupação de Locke foi, contudo, combater a doutrina difundida

por Descartes, sobre a existência de idéias inatas na mente do homem. Para Locke,

a mente humana era como uma folha em branco, que receberia impressões através

dos sentidos a partir das experiências do indivíduo, não trazendo, desde o

nascimento, idéias como a de “extensão”, de “perfeição”, dentre outras, como

pretendia Descartes.

Entendia que as faculdades do homem estão à sua disposição no mundo

exterior, que não existem idéias inatas, todas derivando da experiência em suas

formas de sensação e reflexão (LAMANA apud MUNIZ, 2002, p. 28). O empirismo,

segundo ele, é a forma pela qual o homem constrói o seu intelecto, mas usando a

própria vontade.

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38

Pode-se afirmar que a educação teve grande importância no pensamento

lockeniano, tanto no que se refere ao indivíduo como na sua importância para a

formação da sociedade, o que é fundamental para a vida organizada. Segundo o

filosofo, a educação é essencial para o homem, determinando seu futuro como

gênio, deficiente ou medíocre. A formação da personalidade humana se dá pela

capacidade de apreensão dos dados obtidos pela experiência e reflexão e sua

transformação em idéias complexas. Quando ele afirma que a mente humana é

como uma folha em branco ou como uma tábua rasa, não significa que o homem é

ignorante em tudo; a razão natural lhe é inerente, porém transformá-la em algo

concreto somente é possível através da educação.

Em Dois tratados sobre o governo, Locke afirma que a educação é essencial

na formação de uma nova sociedade, observando:

Se o que eu disse no início deste discurso for verdadeiro, como não duvido que seja, a saber: que a diferença encontrada nas maneiras e habilidades dos homens é devida mais à sua educação do que a qualquer outra coisa, temos razões para concluir que há de ser tomado muito cuidado em formar as mentes das crianças e dar-lhes cedo aquele tempero que influenciará toda a sua vida posterior. Pois que quando eles fizerem o bem ou o mal, o mérito ou a culpa será lá assentada; e quando qualquer coisa for feita impropriamente, aplicar-se-lhes-á o dito comum de que tal é devido à sua criação (LOCKE, 2000, p. 165).

Enquanto as propostas de educação do burguês eram apresentadas pelos

autores do século XVIII como novidade para a época, Locke já trazia no século XVII

questões importantes no que se refere à formação do cidadão. Sendo assim, pode-se

afirmar que, ao forjar uma idéia de sociedade no século XVII, Locke mostra uma forma

para que a sociedade possa assimilar o que ele propõe, ou seja, a educação do homem

por meio de um projeto moral com pressupostos do liberalismo por ele defendido.

Assim como a fortaleza do corpo repousa principalmente sobre o ser capaz de suportar as privações, o mesmo ocorre com a da mente. O grande princípio e fundamento de toda virtude e valor está colocado nisto: que um homem seja capaz de negar a si mesmo seus próprios desejos, contrariar suas próprias inclinações, e seguir puramente o que a razão indica como

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melhor, embora o apetite incline-se em outra direção (LOCKE, 2000, p. 165-166).

Defesa da razão, pensamento político e questões sobre religião estão ligados

como um todo coerente em seu pensamento, ou Teoria da educação. Se a

educação é vital para a formação do homem, se sem ela a mente humana é uma

tábua rasa, entende-se que somente através dela é que se pode formar cidadãos

livres, autônomos, conscientes. Há uma inteira dependência da educação com a

própria vida humana, na concepção lockeniana.

3.7 JEAN-JACQUES ROUSSEAU

Rousseau (1712-1778), influente filósofo no pensamento educacional,

produziu diversos trabalhos nos quais valorizou de forma destacada o homem no

seu estado natural. Para ele, a educação é uma forma de proteger as crianças

contra a má influência que vem da sociedade, é a forma de garantir que não sejam

contaminadas pela perversidade social. Até que estejam completamente

desenvolvidas, não mais podendo destruir-lhes a natureza interior, é necessário que

as crianças tenham uma proteção: a educação.

A educação é o meio de proteção, o meio de defender a criança contra a influencia da sociedade, a qual deformaria o desenvolvimento natural de seu verdadeiro eu. Ao mesmo tempo em que idolatra Rousseau um estado ideal, que seja não escravidão, e sim liberdade e valorização do indivíduo humano, imagina também uma educação natural, em que o discípulo não seja oprimido pelo mestre, mas simplesmente auxiliado em desenvolver a sua humanidade originária. (FROST, [19-], p. 222-223).

O filósofo, nas suas obras, a começar pelo O discurso sobre a Origem da

Desigualdade entre os Homens (1762), propõe o retorno ao estado de natureza, no

qual o homem vivia em harmonia, e que a sociedade lhe tomou, transformando-o em

Page 42: efetivação do direito ao ensino fundamental: uma questão de justiça

40

um ser corrupto.

Posteriormente, no Contrato Social, Rousseau (1999) propõe a solução dos

problemas do homem, reconhecendo que, como não há mais condições de ele retornar

ao estado de origem, ou de natureza, deve fazer da sociedade uma aliada e não uma

inimiga. Caberá ao homem uma nova fase: redescobrir a integridade perdida.

A educação, centro da proposta de Rousseau, é o meio pelo qual se formará

o cidadão, que fará parte da vontade geral, formadora do Estado. Caberá a esse

homem, formado nas bases educacionais novas, viver na sociedade criada pelo

contrato social. Segundo Wulf, citado por Monteiro Rousseau foi

protagonista do processo de emancipação histórica que culminou na Revolução Francesa, 1789, fonte principal da Declaração Universal dos Direitos do Homem e do cidadão, autor da primeira tentativa de fazer dos direitos próprios da criança o ponto de partida da educação.

[...]

Foi também o precursor maior do direito do homem a educação, sob o ângulo da sua legitimidade. Lê no Emile toda uma abordagem ético-jurídico-politica da educação como poder de configuração do homem pelos homens, onde se encontram já os elementos do direito à educação (WULF apud MONTEIRO, 2006, p. 74).

A finalidade do Estado, segundo Rousseau, é a garantia dos direitos naturais

do homem, principalmente da liberdade e da igualdade. Há, contudo, um plus para

os homens com o contrato social, pois eles continuam com as garantias de serem

livres e iguais, e têm seus direitos assegurados, ao contrário do estado natural,

quando tinham a liberdade mas nenhuma garantia.

A educação, na concepção do autor, é o meio pelo qual o homem conquista

novamente os direitos de liberdade e igualdade suprimidos pela sociedade.

Em Emilio ou Da Educação (1992), um clássico, uma das mais belas obras de

filosofia educacional já publicadas, destacam-se duas passagens em que o filósofo

faz belas referências sobre a educação:

Page 43: efetivação do direito ao ensino fundamental: uma questão de justiça

41

Nascemos fracos, precisamos de força; nascemos desprovidos de tudo, temos necessidade de assistência; nascemos estúpidos, precisamos de juízo. Tudo o que não temos ao nascer, e de que precisamos adultos, é nos dado pela educação. Na ordem natural, sendo os homens todos iguais, sua vocação comum é o estado de homem; e quem quer que seja educado para esse, não pode desempenhar-se mal dos que com esse se relacionam. Que se destine meu aluno à carreira militar, à eclesiástica ou à advocacia pouco me importa. Antes da vocação dos pais, a natureza chama-o para a vida humana. Viver é o oficio que lhe quero ensinar. Saindo de minhas mãos, ele não será, concordo, nem magistrado, nem soldado, nem padre; será primeiramente homem. Tudo o que um homem deve ser, ele o saberá, se necessário, tão bem quanto quem quer que seja; e por mais que o destino o faça mudar de situação, ele estará sempre em seu lugar (ROUSSEAU, 1992, p. 15).

Que a autoridade moral seja a única a refrear os maus instintos - não por punições, reprimendas e demonstrações forçadas de conceitos morais - mas pela sua simples presença, pelo poder de irradiação que só o Bem possui! Mas não vos descuideis também de aliar a esse exemplo moral um constante incentivo ao desenvolvimento da inteligência, porque a terra do futuro deve se constituir de homens fundamentalmente bons, mas igualmente com grande capacidade mental, que se traduz na lucidez de enxergar o universo, com suas leis físicas e morais, e de contribuir eficazmente para a imensa e infindável obra da Criação! (ROUSSEAU, 1992, p. 78).

3.8 KANT

Um dos mais importantes filósofos do século XVIII, de marcante influência na

história do pensamento, não teve como objeto central de suas reflexões a educação,

porém, nas suas obras mais clássicas ele atribui uma determinada importância ao

tema, principalmente em A Crítica da Razão Pura (1999), na qual ele desenvolve a

critica do conhecimento.

Nessa obra Kant retoma o debate entre os racionalistas, representados por

Descartes, e os empiristas, representados por Bacon e Locke. Ao examinar a

insuficiência das duas posições, elabora uma teoria que investiga o valor dos nossos

conhecimentos a partir da critica das possibilidades e limites da razão (ARANHA,

1989, p. 123).

Page 44: efetivação do direito ao ensino fundamental: uma questão de justiça

42

Kant vai de encontro a ambas as teorias, refutando os empiristas, que

acreditam que o conhecimento vem dos sentidos, pela experiência, e contestando os

racionalistas, que afirmam que o conhecimento vem de nós mesmos. Segundo ele,

não é nem uma coisa nem outra. Nos ensina Aranha (1989) que no pensamento

kantiano há um conhecimento a priori, anterior à própria experiência, cuja verdade já

é certa; ele é a síntese dos conteúdos particulares dados pela experiência e pela

estrutura universal da razão. O conhecimento experimental é um composto do que

se recebe por impressões e do que a própria faculdade de conhecer de si mesmo

tira por ocasião de tais impressões. A certeza da verdade absoluta é dada ao

homem pelo espírito, órgão sempre em atividade, que transforma os fatos da

experiência em ordenada unidade de pensamento.

No entanto, entende que nem tudo pode ser percebido pela razão, que o

indivíduo não pode conhecer as realidades que não se oferecem à sua experiência

sensível, aquelas questões metafísicas não acessíveis ao conhecimento humano.

Em A crítica da Razão Pura, afirma que não é possível o conhecimento

absoluto; que há um conhecimento a priori, de valor imensurável para o homem.

Quando faz referência à moral, discorre que agir moralmente é agir por dever, que a

ação tem uma validade objetiva e universal, comum a todo ser racional, e aconselha

Kant (1999) a agir de modo que a máxima da tua ação possa sempre valer ao

mesmo tempo como princípio universal de conduta.

Dessa constatação, afirma Aranha (1989), resulta que o agir moralmente é

uma luta constante entre as inclinações individuais e a lei universal. O homem que

age moralmente, assim o faz porque é autônomo e livre no seu ato de vontade. Por

que ele age assim? Porque o homem é o único ser capaz de determinar as suas

ações de acordo com leis definidas racionalmente. “Para que seja possível a vida

Page 45: efetivação do direito ao ensino fundamental: uma questão de justiça

43

moral autônoma, porém, é preciso partir do pressuposto da liberdade da vontade”

(ARANHA, 1989, p. 124).

O agir moralmente pressupõe que o homem seja livre e autônomo na sua

vontade, e para isso é necessário que seja educado de forma a aprender a controlar

o desejo através da disciplina, a fim de que atinja seu próprio governo e seja capaz

de autodeterminação. Kant em citação feita por Aranha (1989, p. 124) diz que “O

homem só pode tornar-se homem pela educação, e ele é tão-somente o que a

educação fez dele”.

Em seu Tratado sobre a Pedagogia, afirma que somente pela educação o

homem passa do estado de animal e ingressa no estado de homem, alcançando sua

autonomia intelectual e moral. Essa obra demonstra a forte influência que Kant

sofreu de Rousseau, como ele mesmo atesta: “Rousseau me abriu os olhos: com ele

aprendo a honrar os homens” (KANT apud SANTOS, 1951, p. 96).

A educação, portanto, na filosofia kantiana, deve ser adequada, baseada na

experiência, que ele denomina de “física”, compreendendo não só a educação do

corpo, mas também da alma, e uma educação “prática”, de modo que, no futuro, o

homem se torne moral e prudente, elevando sua razão aos conceitos de dever,

obedecendo às leis não por medo do castigo, mas pelo imperativo da lei que existe

em sua consciência.

A moral é uma verdade absoluta, segundo Kant. Assim, a educação deve

despertá-la para que o homem tome consciência de que ela deve fazer parte de

todos os atos de sua vida.

Os filósofos aqui citados exerceram forte influência na concepção do conceito

de educação e do direito do homem à educação, foram unânimes em destacar a

Page 46: efetivação do direito ao ensino fundamental: uma questão de justiça

44

importância da educação para a formação intelectual do homem, e mais, para a vida

em grupo. Alguns acreditando que o saber é inerente ao indivíduo e precisa ser

despertado; outros, que o saber é adquirido por fatores externos. No entanto,

independentemente da origem do saber, concluem que ele é essencial para uma

vida autônoma e digna.

Outros, embora não citados, não foram menos importantes, pois também

tiveram grande influência no estudo da educação que deve ser ministrada ao ser

humano. Dentre eles, Sócrates, Vives, Erasmo, Rabelais, Bacon, Montaigne e Hegel.

Rousseau (1992) acredita que a educação deve ser conduzida de forma a

atender ao homem e à sociedade, mas, em primeiro lugar ao homem, pois, antes de

qualquer vocação, deve-se priorizar a vida humana. A educação é vital para que o

indivíduo exerça seu papel de homem e de cidadão.

A filosofia há muito percebeu que é preciso educar o homem, formando-o e

transformando-o para que consiga atingir seus objetivos maiores, a felicidade, a

liberdade, enfim, tudo o que compõe uma vida digna, proveitosa e feliz.

O direito à educação é a consagração do indivíduo enquanto detentor do seu

direito de ser educado. John Adams citado por Savater (1998, p. 70), afirmava ser a

educação um direito que decorre da natureza humana e sustenta a liberdade: “A

liberdade não pode ser preservada sem que os conhecimentos se espalhem entre o

povo, que tem, por natureza, um direito ao conhecimento”.

O verdadeiro direito à educação, integrante do direito à vida, reconhecido

como um direito fundamental, só foi assim afirmado no século XX, e tal conquista

deveu-se à Filosofia.

No próximo capítulo analisar-se-á a importância da efetivação do direito à

Page 47: efetivação do direito ao ensino fundamental: uma questão de justiça

45

educação na formação e na consolidação do Estado Democrático de Direito.

Page 48: efetivação do direito ao ensino fundamental: uma questão de justiça

46

4 A EDUCAÇÃO NA FORMAÇÃO DO ESTADO DEMOCRÁTICO DE

DIREITO

4.1 EDUCAÇÃO E CIDADANIA

Educação e cidadania, temas que apresentam larga tradição histórica, cujos

significados variaram conforme as diversas posições ideológicas no decorrer do

tempo, sempre mantiveram alguns elementos recorrentes. Segundo Patrice Canivez,

a cidadania define a pertença a um Estado. Ela dá ao indivíduo um status jurídico, ao qual se ligam direitos e deveres particulares. Esse status depende das leis próprias de cada Estado, e pode-se afirmar que há tantos tipos de cidadãos quantos tipos de Estado (CANIVEZ, 1991, p. 15).

Paulo Freire (1967) considera cidadão o homem possuidor de uma

consciência política que o habilite a transformar a si mesmo e a se engajar na luta

por transformações sociais, sejam abrangentes sejam restritas (na escola, no bairro,

no trabalho). O autor enfatiza, portanto, o aspecto ativo da cidadania.

Numerosos estudos vêm surgindo, nas últimas décadas, sobre o conceito de

cidadania, que se encontra na mídia, nos movimentos sociais, no poder político, na

produção intelectual, enfim, nos mais diversos lugares. Em virtude dessa

diversidade, adotar-se-á neste trabalho as idéias do autor Liszt Vieira (2001, p. 75).

Segundo ele, a perspectiva clássica da educação é referenciada por Thomas H.

Marshall, que “propôs a primeira teoria sociológica de cidadania ao desenvolver os

direitos e obrigações inerentes à condição de cidadão”, estabelecendo o que

Marshall denominou tipologia dos direitos de cidadania:

Os direitos civis, conquistados no século XVIII, os direitos políticos, alcançados no século XIX - ambos chamados de direitos de primeira

Page 49: efetivação do direito ao ensino fundamental: uma questão de justiça

47

geração - e os direitos sociais, conquistados no século XX, chamados de direitos de segunda geração (VIEIRA, 2001, p. 78).

Falar em cidadania não se resume em definir a tipologia dos direitos, mas

requer a construção de relações e consciências, que resultam no aprendizado, nas

relações singulares e coletivas (pois o homem é um ser social), nas relações com os

órgãos públicos nos mais diferentes momentos da cotidianidade. Cidadania implica

conquista, construção, debate, diálogo, participação, e esses fatores só serão

efetivados diante da capacidade de organização; visto que envolve uma questão de

pertencimento, este entendido como possibilidade de fazer parte.

A Organização das Nações Unidas (ONU), através do Programa das Nações

Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), define como cidadão aquele que tem

acesso a seus direitos cívicos, sociais, econômicos e culturais, em perfeita

harmonia, todos eles formando um conjunto indivisível articulado: “deve existir um

patamar mínimo de igualdade entre os membros da sociedade que outorgue a todos

um leque razoável de opções para exercer sua capacidade de escolha e sua

autonomia” (PNUD, 2004, p. 61).

A educação, na maioria das sociedades, é considerada o meio eficaz e

privilegiado para universalizar os valores morais, éticos, culturais, indispensáveis

para a formação de cidadãos. Cada sociedade define o que é importante para seu

desenvolvimento e dos membros que a compõem.

As sociedades que definem como prioridade a emancipação do homem e a

sua autonomia, buscando a formação de cidadãos, alcançam seu objetivo com o

modelo de educação integral, um processo educacional isento, voltado para a

formação humanística, oferecendo um ensino com qualidade e eficiência,

estimulando o educando a se engajar constantemente nas lutas por melhores

Page 50: efetivação do direito ao ensino fundamental: uma questão de justiça

48

condições sociais. O cidadão com formação acadêmica bem estruturada torna-se

apto para participar efetivamente da vida escolar, da vida do bairro, de seu município

e de seu trabalho. E ainda, condições de compreender as verdadeiras contradições

desse modelo de sociedade, seus conflitos, o processo de alienação e a dialética da

exploração e do explorado.

O compromisso da escola com a formação para a cidadania pressupõe que o

aluno se aproprie realmente dos conhecimentos sistematizados básicos, que são

instrumentos essenciais para a participação na dinâmica da vida social, profissional

e cultural. É necessário despertar nas novas gerações a consciência acerca dos

grandes problemas da sociedade, tais como: globalização e seus reflexos, saúde,

moradia, alimentação, desemprego, violência, meninos de rua, meio ambiente,

corrupção, escândalos, exclusão e marginalização, que devem tornar-se objeto de

discussão e de debate nas escolas.

4.2 A DEMOCRACIA E A EDUCAÇÃO

A luta do homem na busca de liberdade, justiça e progresso, e o poder que se

desencadeou quando ele tentou impor seu ponto de vista e a forma de buscar

aqueles valores, deram lugar a diversas formas de organização dos seres humanos.

A democracia foi uma delas.

Surgindo há mais de 2.500 anos na Grécia, depois desapareceu. Segundo

Dahl, citado no PNUD (2004), a democracia entrou e saiu de nossa história várias

vezes. Assim como o fogo, a pintura ou a escrita, a democracia parece ter sido

reinventada muitas vezes e em muitos lugares.

O sistema democrático, confundido como um método para se eleger quem

Page 51: efetivação do direito ao ensino fundamental: uma questão de justiça

49

governa, é bem mais do que isso: é também um forma de construir, garantir e

expandir a liberdade, a justiça e o progresso, organizando tensões e os conflitos

gerados pela luta do poder. É um sinônimo de liberdade e justiça. É ao mesmo

tempo um fim e um instrumento. Contém, basicamente, uma série de procedimentos

para o acesso e o exercício do poder, mas é também, para os homens e as

mulheres, o resultado desses procedimentos.

Dallari (1999, p. 60) ensina que o Estado Democrático se assenta em três

pontos fundamentais:

a) a vontade popular deve ser suprema, mais extensa do que o próprio voto;

b) a manutenção da liberdade, entendendo os seus limites e respeitada por todos os

homens, inclusive pelo Estado;

c) a igualdade de direitos, seu gozo sem restrições por motivos econômicos, raciais,

religiosos, etc.

Teixeira (1968) entende que a forma democrática vivida como a conhecemos

hoje, é um desenvolvimento relativamente recente da humanidade, uma grande

experiência humana. Essa experiência tem como base o princípio da igualdade dos

indivíduos, proclamado como princípio fundamental da democracia. Essa nova forma

de vida se baseia no pressuposto de que todos os membros da sociedade têm algo

a oferecer em prol do coletivo, de que ninguém é tão inútil que não tenha algo a

oferecer. O certo, porém, que a desigualdade entre as pessoas é evidente. Em

razão disso, o princípio da igualdade individual não pode ser entendido como

igualdade psicológica (TEIXEIRA, 1968, p. 13), mas como igualdade material, dando

a todos os membros da coletividade oportunidades iguais de desenvolvimento e de

participação.

Teixeira cita Pedro Aleixo, educador que se dedicou a analisar a educação e a

Page 52: efetivação do direito ao ensino fundamental: uma questão de justiça

50

sua importância para a formação da democracia, e que ensina:

A forma democrática exprime a convicção de que a despeito da desigualdade dos indivíduos, existe, em todos eles um mínimo de inteligência que os capacita à participação na experiência social e a contribuírem para a sociedade. Para que esta experiência se faça em condições apropriadas, a sociedade terá de oferecer a todos os indivíduos acesso aos meios de desenvolver suas capacidades, a fim de habilitá-los à maior participação possível nos atos e instituições em que transcorra sua vida, participação que é essencial à sua dignidade de ser humano (ALEIXO apud TEIXEIRA, 1968, p. 13).

Para que a democracia, de fato, seja um regime de igualdade de

oportunidades, tal qual foi concebido, faz-se mister o oferecimento de condições de

acesso aos meios que permitam aos membros da comunidade progredirem

intelectual e materialmente, habilitando-os a participarem ativamente das decisões e

instituições que interfiram em sua vida, para que esta se torne uma vida digna. A

garantia da efetivação do direito ao ensino fundamental é, assim, condição básica na

consolidação da democracia.

O PNUD alerta para povos latino-americanos sobre o risco do sistema

democrático na região. Na América Latina, as regras e instituições do regime são

semelhantes às dos países democraticamente amadurecidos, no entanto, as

sociedades latino-americanas e as desses países são quase diametralmente

opostas. Aqui existe uma realidade diferente, com a convivência da democracia com

a pobreza e a desigualdade em grau extremo, um panorama que coloca um

permanente desafio para a manutenção da democracia. Segundo o PNUD,

A limitada compreensão dessa realidade singular pode levar a duas conseqüências graves para a democracia. A primeira é ignorar a necessidade da viabilidade econômica da democracia. Isso significa ignorar a necessidade de construir bases sólidas de uma economia que torne possível atacar a pobreza e a desigualdade. Por exemplo, para muitos cidadãos latino-americanos, atingir maiores níveis de desenvolvimento em seus países é uma aspiração tão importante que muitos estariam dispostos a apoiar um regime autoritário que pudesse atender suas demandas de bem-estar. A segunda é desconhecer a viabilidade política dos programas econômicos. Isso significa ignorar que esses programas se aplicam em sociedades em que as demandas cidadãs e a opinião sobre essas políticas se expressam livremente (PNUD, 2004, p. 39).

Page 53: efetivação do direito ao ensino fundamental: uma questão de justiça

51

A essência da teoria democrática é a supressão de qualquer imposição de

classe, fundada no postulado ou na crença de que conflitos e problemas humanos,

sejam econômicos, políticos ou sociais, são solucionáveis pela educação, isto é,

pela cooperação voluntária, mobilizada pela opinião pública esclarecida. A

construção e a manutenção da democracia pressupõem a possibilidade efetiva de

participação de todos em prol dos valores democráticos, e isso somente é possível

se a educação estiver ao alcance de todos. Merece destaque, nesse sentido, o

ensinamento de Doria citado por Gomes:

Duas são as formas extremas dos regimes políticos: ou o poder é a vontade dos governantes imposta aos governados, ou o poder é a vontade dos governados delegada aos governantes, para o exercerem em nome deles. Ou autocracia, ou democracia. Nas autocracias, quanto mais afundar-se o povo na ignorância, melhor. Quanto muito, monopolizar o governo a educação, para fanatizar as massas e silenciá-las no trabalho. Nas democracias, quanto mais educado o povo na escolha da liberdade, melhor. [...] Tendo proclamado, no art. 1º da Constituição para si, o regime democrático, o que cumpre em conseqüência ao País, é tudo fazer para que o povo se eduque na escola da liberdade, na consciência do seu destino, na capacidade para o trabalho. A educação é o problema básico da democracia (DORIA apud GOMES, 2005, p. 94-95).

4.3 ESTADO DE DIREITO

A consolidação do poder legítimo sustentado pelo sistema de normas é a

chamada legalidade do poder ou, como diz Bobbio (2000, p. 237), “o contrário de

poder legítimo é o poder de fato, o contrário do poder legal é o poder arbitrário”. O

Estado de Direito é para ele a “destinação final de todo grupo político que se

distingue de outro grupo social pela existência de um sistema normativo, cujas

normas, necessárias para a sobrevivência do grupo, se fazem valer através da

coerção”, que, segundo Kant, não é incompatível com a liberdade, uma vez que o

princípio de liberdade deve ser igual para todos os indivíduos. A busca de cada um

Page 54: efetivação do direito ao ensino fundamental: uma questão de justiça

52

pela sua felicidade, ou seja, o arbítrio de cada um, deve ser compatível com arbítrio

de todos. Assim, afirma Cicco que “a utilização da força é válida para que se

imponha um limite à liberdade de cada indivíduo, limite suficiente apenas para que

ele respeite a liberdade do outro. Dessa maneira, legalidade e liberdade são idéias

compatíveis” (CICCO, 1995, p. 186).

É na fundamentação da idéia de liberdade individual que está construída a

noção de Estado de Direito. Para Kant, a felicidade é algo muito pessoal e cabe ao

Estado reunir as condições para que cada indivíduo busque a que deseja. Dessa

maneira, ele se contrapõe às formas de Estado intervencionista ou paternalista, que

indicaria aos súditos caminhos para atingirem a felicidade. O Estado ideal, para

Kant, é aquele que garante a liberdade pelo Direito, e essa liberdade é entendida

essencialmente como não-impedimento de usar ou fazer algo.

Na lição de Cicco (1995) associada às idéias desenvolvidas por Kant, está a

noção de garantia dos direitos individuais de Benjamin Constant, segundo a qual a

organização do Estado deve pautar-se na garantia da inviolabilidade das liberdades

individuais: liberdade pessoal, religiosa, de imprensa e, por fim, de propriedade. Para

Constant, a liberdade política, ou seja, a participação de todos do povo nos

organismos de poder, é uma maneira de garantir unicamente as liberdades

individuais. E a separação do Poder em três funções, a forma de operacionalizar

essa garantia. Também Kant destacou a divisão de poderes como fundamental no

Estado de Direito: “Todo Estado contém em si três poderes, isto é, a vontade geral

unificada se decompõe em três pessoas, o legislador, o executor e o juiz” (Kant apud

CICCO, 1995, p.188).

Existe uma primazia da lei como encarnação da vontade popular, isto é, um

pilar da concepção moderna de democracia, presente em Kant, em Rousseau e em

Page 55: efetivação do direito ao ensino fundamental: uma questão de justiça

53

outros. A diferença entre os autores está na forma de participação do povo na

elaboração das leis. Para Rousseau (1999), ao povo cabe fazer as leis, diretamente,

sem intermediários. Para outros, as leis devem ser elaboradas pelos representantes

do povo, tal como é o Estado de representação moderno.

Segundo Bobbio (1992), a democracia vem se ampliando no Estado moderno

em dois sentidos: a extensão do direito de voto a diversos segmentos da população,

até o sufrágio universal, e, com a criação de esferas de poder local, através da

ampliação dos órgãos de representação. Na mesma linha de pensamento, de acordo

com Bobbio, está o pensamento de Weber, para quem, embora o Estado de Direito

não seja sinônimo de poder legal, guarda estreita relação com ele, tendo em vista

que a divisão de poderes, na forma constitucional de organização do poder político,

é o que garante a sua legalidade em todos os níveis da sociedade, até os mais altos

níveis de comando.

Bobbio (1992) afirma que a doutrina do constitucionalismo é a forma perfeita

de governo das leis, aprimoramento da idéia de que a lei, despida das paixões

próprias do homem, guarda a sabedoria popular por meio da história.

Pensado por Locke, Montesquieu e Kant como uma forma de contraposição

ao poder absoluto dos reis, um sistema de freios ao governo através da divisão dos

poderes, o sistema constitucional prevê que o poder não fique subordinado a uma

pessoa ou a um grupo de nobres notáveis. Divide-se, assim, o poder de fazer as leis,

o poder de executar as decisões e o poder de punir e julgar as divergências que

ocorrerem na sociedade.

Bobbio destaca que o direito nos dias atuais é

expressão da exata e consciente vontade soberana do povo, explicitada por meio de um órgão, a assembléia legislativa. Outrora o direito era parte integrante de uma vida social espontânea; hoje é um instrumento com que o

Page 56: efetivação do direito ao ensino fundamental: uma questão de justiça

54

Estado democrático intervém na sociedade, para manter a paz social e prevenir as necessidades futuras (BOBBIO, 1998, p. 255).

Deflui da teoria de Bobbio que o Estado de Direito tem dois princípios básicos:

legalidade e controle judiciário. O princípio da legalidade significa que a atuação do

Estado deve seguir um paradigma, uma norma geral e impessoal, como deve ser a

lei. O princípio do controle judiciário prevê a generalidade dos casos e não um em

especial e determinado. Deve ser destinado a todas as pessoas igualmente, sem

nenhuma distinção.

O Estado de Direito pressupõe que a lei e, portanto, o direito, seja a norma

que vise à realização da justiça. Deriva da concepção segundo a qual há um direito

anterior e superior ao direito positivo de cada Estado, que serve na medida da justiça

e da injustiça do direito positivo, de seu valor e de sua desvalia.

Assim, o Estado de Direito é o Estado de Justiça porque a concepção que o

inspira e vivifica traduz que só é direito aquilo que é justo. É Estado de Justiça

porque o próprio Estado é submetido ao controle judicial, que expressa o segundo

dos princípios do Estado de Direito. O controle judicial significa fiscalização e

controle de governo, em sua missão de aplicar a lei, e é garantia indispensável da

legalidade.

4.4 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO

Estado Democrático de Direito, conjugação dos princípios, considerados por

Canotilho (1998, p. 1034) como princípios estruturantes: Democracia e Estado de

Direito. De fato, porém, representa no seu conteúdo bem mais do que a soma deles.

Silva (1999, p. 123) ensina que o Estado Democrático de Direito não significa

Page 57: efetivação do direito ao ensino fundamental: uma questão de justiça

55

apenas unir os conceitos de Estado Democrático e Estado de Direito. Consiste, na

verdade, na criação de um novo conceito, que leva em conta os conceitos dos

elementos componentes, mas os supera na medida em que incorpora um

componente revolucionário de transformação do status quo.

Historicamente, poder-se-ia localizar o surgimento do Estado Democrático de

Direito nas sociedades européias recém-saídas da catástrofe da Segunda Guerra

Mundial, que representou a falência tanto do modelo liberal de Estado de Direito,

como das fórmulas políticas autoritárias que se apresentaram como alternativa. Se

em um primeiro momento observou-se o prestígio de um modelo social e, mesmo,

socialista de Estado, a fórmula do Estado Democrático de Direito se firma a partir de

uma revalorização dos clássicos direitos individuais de liberdade, que se entende

não podem jamais ser sacrificados em nome da realização de direitos sociais.

O Estado Democrático de Direito, então, representa uma forma de superação dialética da antítese entre os modelos liberal e social ou socialista de Estado. Em sendo assim, tem-se o compromisso básico do Estado Democrático de Direito na harmonização de interesses que se situam em três esferas fundamentais: pública, privada e coletiva, formados para a consecução de objetivos econômicos, políticos, culturais e outros (GUERRA, 1999, p. 129).

Streck e Morais (2000), após analisarem os modelos estatais liberal e social,

também ressaltam o papel transformador atribuído pelo poder constituinte ao Estado

Democrático de Direito:

É por essas, entre outras, razões que se desenvolve um novo conceito, na tentativa de conjugar o ideal democrático ao Estado de Direito, não como uma aposição de conceitos, mas sob um conteúdo próprio onde estão presentes as conquistas democráticas, as garantias jurídico-legais e a preocupação social. Tudo constituindo um novo conjunto onde a preocupação básica é a transformação do status quo. [...] O Estado Democrático de Direito tem um conteúdo transformador da realidade, não restringindo, como Estado Social de Direito, a uma adaptação melhorada das condições sociais de existência. Assim, o seu conteúdo ultrapassa o aspecto material de concretização de um vida digna do homem e passa a agir simbolicamente como fomentador da participação pública quando o democrático qualifica o Estado, o que irradia os valores da democracia sobre todos os seus elementos constitutivos, e, pois, também sobre a ordem jurídica. E mais, a idéia de democracia contém e implica,

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56

necessariamente, a questão da solução do problema das condições materiais de existência (STRECK; MORAIS, 2000, p. 86-87).

No Brasil a consolidação do Estado Democrático de Direito se deu com a

Constituição de 1988, o art. 1º da Constituição determina que: “A República

Federativa do Brasil constitui-se em Estado Democrático de Direito [...]”, não como

mera promessa de organizar o Estado brasileiro, pois a Constituição aí já o está

proclamando e fundando.

Guerra Filho destaca que, diante do que se encontra no preâmbulo da

Constituição de 1988, está evidente que:

os constituintes de 88 escreveram que se reuniram com a determinação de ‘instituir’ um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais. Assim, houve uma explicitação que não deixa dúvidas, que o titular da soberania, o povo brasileiro, assinalava que era necessário o abandono da ordem vigente e se inclinasse totalmente para um sistema democrático (GUERRA FILHO, 1999, p. 12-13).

O Estado Democrático de Direito tem como fundamento o princípio da

soberania do popular, que impõe a participação efetiva e operante do povo na coisa

pública. Não se exaure na simples formação das instituições representativas, que

constituem estágio da evolução do Estado Democrático. Seu objetivo é superar as

desigualdades sociais e regionais e instaurar um regime democrático que realize a

justiça social baseada nos princípios da constitucionalidade, da proteção dos direitos

fundamentais, da igualdade dos cidadãos, da separação dos poderes, da

independência do juiz, da legalidade e da segurança jurídica.

Cabe então a seguinte indagação: O que tem a ver Estado Democrático de

Direito e o direito à educação? A resposta está no próximo tópico, mas antes

ressalte-se que a educação é um processo que visa “ao pleno desenvolvimento da

pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o

trabalho”, conforme está no art. 205 da Constituição da República Federativa do

Page 59: efetivação do direito ao ensino fundamental: uma questão de justiça

57

Brasil de 1988.

Para se saber o que representa o direito à educação, é necessário que se

faça a seguinte pergunta: Qual a conseqüência da ausência da educação na vida do

homem e da sociedade na qual ele está inserido?

4.5 O DIREITO À EDUCAÇÃO COMO EXIGÊNCIA DO ESTADO DEMOCRÁTICO

DE DIREITO

Por ser imprescindível ao desenvolvimento da pessoa humana, ao afetar em

vários aspectos sua vida enquanto existência e modo de ser, a educação veio a

merecer a proteção do Direito. Em razão da relevância do valor nela presente,

passou a significar, na esfera jurídica contemporânea, um direito fundamental. Por

que direito fundamental? Apóia-se aqui, no âmbito do discurso jurídico, a já referida

conceituação elaborada por Maria Garcia (2002, p. 115-123) a respeito de direitos

fundamentais. “O direito à educação é fundamental por se tratar de um direito social

diretamente vinculado ao direito à vida. Este se apresenta como um dos direitos

fundamentais básicos previstos na Constituição Brasileira de 1988”.

Teixeira (1968) afirma que, no início, “a relação entre a forma democrática e a

educação não foi percebida em todo o seu alcance. A nova experiência de vida não

se poderia fazer sem que todos e cada indivíduo tivessem oportunidade de se

educar até o limite de suas possibilidades”. Essa condição era sine qua non para a

formação e consolidação do Estado Democrático de Direito.

Conscientes da relevância da educação - não só para o indivíduo mas para

própria viabilidade da democracia, acolhida esta na fórmula política do Estado

Page 60: efetivação do direito ao ensino fundamental: uma questão de justiça

58

Democrático de Direito -, os constituintes brasileiros fixaram, no texto constitucional,

os alicerces fundamentais da educação, aos quais foram, posteriormente, vinculadas

outras normas infraconstitucionais.

As normas são, do ponto de vista jurídico, os fundamentos necessários e

desafiadores para a construção de uma sociedade democrática, com apoio da

educação. Isso porque, somente por meio desta é possível desenvolver o ser

humano de forma integral.

A construção e vivência da democracia pressupõe a possibilidade de efetiva

participação de todas as pessoas em prol dos valores que compõem o conteúdo do

ideário democrático. E Isso se torna possível se a educação estiver ao alcance de

todos.

Em tal regime assume-se que “todo poder emana do povo, que o exerce por

meio de seus representantes eleitos ou diretamente” (TEIXEIRA, 1968, p. 32).

Entende-se que o povo seja suficientemente esclarecido a respeito de seu papel

político ativo, de sua capacidade para atuar, seja por meio dos representantes que

lhe compete eleger, seja diretamente, nos casos previstos na Constituição. E esse

conhecimento, esclarecimento, apenas vai ser obtido por meio da educação. É a

educação que prepara o indivíduo para transformar-se positivamente. E,

conseqüentemente, mudar a sociedade na qual está inserido.

O ideal democrático será alcançado com um processo educacional efetivo de

formação de cidadãos livres, que tenha como base o indivíduo como ser integral,

tornando-o capaz de perceber a realidade em que está inserido. Trata-se de uma

educação que lhe dê condições de se tornar um ser produtivo e em constante

realização, enquanto sujeito integrado, não apenas em seu grupo, mas em toda a

comunidade.

Page 61: efetivação do direito ao ensino fundamental: uma questão de justiça

59

A Constituição de 1988 articulou no seu bojo o direito à educação com os

demais princípios fundamentais do próprio Estado Brasileiro. Dessa forma, a

Constituição uniu o direito à educação a três dos princípios fundamentais do Estado

Democrático de Direito: a cidadania, a dignidade da pessoa humana e a vida. Assim,

o ponto de partida para o estudo do direito à educação no Brasil passa pela

definição constitucional.

Qual educação está positivada na Constituição? A educação mencionada

como essencial é qual? Compreende o ensino fundamental, o médio, o superior, ou

todos eles? A partir dessas questões é possível estudar com mais objetividade os

seus desdobramentos.

O texto da Constituição trata da educação em diversos dispositivos,

estabelecendo o direito, os objetivos, as diretrizes para o sistema educacional, e

apontando os titulares e os meios para a sua efetivação.

O constituinte de 1988 estabeleceu que o direito ao ensino fundamental é

direito público subjetivo e que importa em responsabilização da autoridade

competente pelo não-oferecimento ou oferecimento irregular desse direito, conforme

se observa no art. 208, §§ 1º e 2º da Constituição Federal:

Art. 208 - O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de:

I - ensino fundamental, obrigatório e gratuito, assegurada, inclusive, sua oferta gratuita para todos os que a ele não tiveram acesso na idade própria;

[...]

1º O acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito público subjetivo.

2º O não-oferecimento do ensino obrigatório pelo Poder Público, ou sua oferta irregular importa responsabilidade da autoridade competente.

O direito ao ensino fundamental, tornou-se, de acordo com a Constituição, tão

importante quanto o direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à

propriedade, todos evidenciados pelo caput do art. 5º, tendo como conseqüência a

Page 62: efetivação do direito ao ensino fundamental: uma questão de justiça

60

possibilidade de demanda, independentemente de qualquer política pública que o

evidencie. Tudo porque o constituinte originário estabeleceu que o direito ao ensino

fundamental é um direito público subjetivo. É este o direito à educação que, no

próximo capítulo, estará evidenciado como não efetivo no Brasil, necessitando de se

encontrar caminhos para a sua efetivação.

Page 63: efetivação do direito ao ensino fundamental: uma questão de justiça

61

5 O DIREITO À EDUCAÇÃO

Excluem-se da escola os que não conseguem aprender, excluem-se do mercado de trabalho os que não têm capacidade técnica porque antes não aprenderam a ler, escrever e contar e excluem-se, finalmente, do exercício da cidadania esses mesmos cidadãos, porque não conhecem os valores morais e políticos que fundam a vida de uma sociedade livre, democrática e participativa (BARRETO apud BALSANO, 2004, p. 121).

Inicialmente, para se ter um melhor entendimento do direito à educação, é

fundamental que se conheça a sua natureza jurídica. E por que isso é importante?

Porque a partir daí verificar-se-á o alcance, a eficácia e a exigibilidade das normas

que o estabelecem.

Direito natural? Direito humano? Direito fundamental? O que de fato é o

direito à educação?

É necessário ressaltar, antes, que tanto na doutrina como no direito positivado

há grande confusão quanto às expressões direito natural e direitos fundamentais,

direitos humanos, direitos subjetivos, que muitas vezes são utilizadas como

sinônimos.

Na opinião de Sarlet, citado por Muniz (2002, p. 46), não há motivos para

essa confusão. Direitos fundamentais são os direitos humanos quando positivados

nas Constituições dos Estados; o direito do homem, por sua vez, é aquele que se

encontra nas normas internacionais, carregando consigo a idéia de que todos os

seres humanos são merecedores de igual respeito pelo simples fato de serem

humanos, apesar das diferenças individuais que os tornam indivíduos. Tem-se que é

uma categoria de direitos da pessoa humana. São assim denominados por serem

comuns a toda espécie humana, independente de lugar e tempo.

Page 64: efetivação do direito ao ensino fundamental: uma questão de justiça

62

Direitos naturais para Ráo (1997, p. 81) são “princípios e respectivos

preceitos que, por serem inseparáveis da natureza humana, são universais e por

todo o sistema jurídico legítimo hão de ser reconhecidos”.

Outro ponto que merece destaque é o direito público subjetivo. Silva (2004, p.

176-177) define direito subjetivo como “prerrogativas estabelecidas em conformidade

com regras do direito objetivo: exercê-lo depende somente da vontade do titular, que

dele pode dispor como melhor lhe convier”. O direito público subjetivo é, pois, a

situação jurídica subjetiva do indivíduo em relação ao Estado, visando colocar os

direitos fundamentais no campo do direito positivo.

Celso Bastos entende que

O direito subjetivo é a permissão para exigir, no caso de violação da norma jurídica que o estabelece, o cumprimento desse direito por parte do Poder Público. Pode ainda ser definido como uma espécie de poder, que se traduz nas prerrogativas do titular desse direito de buscar a obtenção do efeito jurídico advindo da norma. (BASTOS, 1981, p. 40).

E Torres complementa dizendo que

a elevação do direito à educação como subjetivo público confere-lhe o status de direito fundamental, mínimo existencial, arcando o Estado, nos limites propostos, com prestações positivas e igualitárias, cabendo a este, também, através de sua função jurisdicional, garantir-lhe a execução. (TORRES, 1995, p. 121).

A educação, como um todo, está evidenciada como direito social no art. 6º,

caput, da Carta Magna. No que tange ao ensino fundamental, houve o seu

deslocamento para a categoria de direito fundamental. Tem-se assim que o direito

ao ensino fundamental é tão importante quanto o direito à vida, à liberdade, à

igualdade.

Tendo sido, portanto, estabelecido o direito ao ensino fundamental como um

direito subjetivo público, há faculdade de obrigar, isto é, o cidadão tem o direito de

exigir do Estado a prestação da obrigação. Essa coação será feita pelo mesmo

Page 65: efetivação do direito ao ensino fundamental: uma questão de justiça

63

Estado, via Poder Judiciário, que se incumbirá de interpretar a norma constitucional

no tocante à educação básica, como determina a Constituição.

A efetivação deste direito não se dá como atendido apenas pelo acesso, mas

entendendo-se o acesso como permanência do educando na escola, garantindo-se-

lhe transporte, alimentação, qualidade de ensino, dentre outras.

Ressalta-se por fim que o cerne do direito à educação é o direito à vida.

Garanti-lo é proteger a vida humana, pois o direito à educação é indispensável para

a vida em sua plenitude. Segundo Muniz (2002, p. 58), “assim como as plantas

modificam pela cultura, sendo necessário regá-las, podá-las, assim também é a

educação para o homem”.

Dessa forma, será analisado a seguir o direito à educação como direito

integrante do direito à vida, constituindo-se direito humano fundamental com origem

no direito natural, indispensável ao pleno desenvolvimento da pessoa em relação

direta com a dignidade, sem o que jamais poderá atingir sua plenitude material ou

espiritual, sua integração social e sua capacitação para o exercício da cidadania.

5.1 A EDUCAÇÃO COMO DIREITO À VIDA

Alguns direitos são tão essenciais à formação da personalidade humana que,

em sua ausência, o homem perde a razão de ser, de existir. Os direitos

considerados medula da personalidade integram a própria noção de pessoa. Dentre

eles destacam-se, a liberdade, a honra, a vida. A valorização de um ou outro desses

direitos varia ao longo da história da humanidade de acordo com o valor que é dado

à pessoa humana.

Page 66: efetivação do direito ao ensino fundamental: uma questão de justiça

64

O direito à vida, bem maior da humanidade, durante longo período histórico

foi compreendido como o direito à sua preservação, à sobrevivência. Entretanto, a

partir, principalmente, da Declaração dos Direitos do Homem, em 1789, a vida

humana passou a ter um novo significado, não se tratando mais da preservação

física puramente, mas sim da preservação física com dignidade, em todo o seu valor

existencial. São Tomás de Aquino, segundo Muniz (2002), ensina que a vida é muito

mais do que apenas função biológica. Ela é a fusão do corpo e da alma, tornando-os

uma unidade composta. O corpo é carente de alimento para se manter; o alimento

por sua vez, é bom para o corpo e essencial para a sua preservação. A alma, tal

qual o corpo, também depende de alimento para se manter e desenvolver, e seu

alimento é a sabedoria, a busca da verdade. Preservar a vida humana é, então,

mantê-la em condições plenas de sanidade física, psíquica e moral, adequadas à

dignidade da pessoa, ao livre desenvolvimento da personalidade.

A educação, portanto, integra a vida e dela faz parte incondicionalmente na

busca da dignidade e plenitude. Costa, citado por Muniz (2002, p. 62-64), afirma que

“o homem, na ânsia de buscar o saber, busca realmente a satisfação no

conhecimento das coisas que o rodeiam. Para alcançá-lo, atingir seu verdadeiro

objetivo, o homem precisa de uma educação consciente e transformadora”. Assim,

ao atingir seu anseio, ele terá discernimento para distinguir o que é bom para si e o

que é bom para a humanidade.

Por tudo isso é que o direito à educação não pode ser considerado apenas

como um direito social fundamental, sendo ele algo mais, pois está ligado

diretamente à vida humana, é intrínseco a ela. Garantir o direito à educação de

qualidade, de acesso universal, é dar ao homem a condição mínima para que ele

atinja o seu fim: ser humano.

Page 67: efetivação do direito ao ensino fundamental: uma questão de justiça

65

5.2 A EDUCAÇÃO COMO DIREITO NATURAL

Em todas as sociedades sempre houve o reconhecimento da existência de

princípios universais, ligados diretamente à natureza humana, havendo divergência

somente quanto à sua formação, que uns atribuíam à razão, outros às causas

históricas ou sociológicas, como afirma Ráo (1997, p. 82).

Estes princípios universais constituem o direito natural, parâmetro da idéia de

justiça que sempre norteou o homem, e, baseado nesse direito, pautou-se por muito

tempo o direito positivo. Ele era considerado o limite para atuação do Estado. Diz

Arias, citado por Muniz que

durante toda a Antigüidade e a Idade Média, o direito natural serviu de modelo ao direito positivo, impondo limites a toda e qualquer forma de autoridade estatal. Aparece na cultura grega como proteção frente aos poderes opressores, goza de uma aceitação durante muitos séculos, principalmente com o advento do cristianismo, e, quando parece decair no século XIX, renasce no principio do século XX após as atrocidades acontecidas na Segunda Guerra Mundial, para gozar, nos dias de hoje, um vigor nunca antes experimentado. (ARIAS apud MUNIZ, 2002, p. 63)

Cícero, citado por Del Vechio, afirmava que havia um justo por natureza,

imutável, e que a própria consciência humana provava sua existência, em

contraponto àqueles que afirmavam não haver tal direito, tudo mutável e relativo,

não havia uma justiça absoluta. Segundo Cícero,

Há certamente uma lei verdadeira, a reta razão conforme a natureza, difundida entre todos, constante, eterna, que, comandando, incita ao dever e, proibindo, afasta a fraude [...] Nesta lei não é licito fazer alterações, nem é licito retirar dela qualquer coisa ou anulá-la como um todo [...] Ela não será diferente em Roma, em Atenas, hoje ou amanhã, mas, como lei única, eterna e imutável, governará todos os povos e em todos os tempos, e uma só divindade será guia e chefe de todos: a que encontrou, elaborou e sancionou essa lei, e quem não lhe obedecer estará fugindo de si mesmo, e, por haver renegado a própria natureza humana, sofrerá as mais graves penas, mesmo que tenha conseguido escapar daquilo que em geral é considerado suplício (CICERO apud VECCHIO, 1979, p.55)

O direito natural é então compreendido neste trabalho como a expressão do

ideal de justiça almejado pelo homem. Partindo-se da premissa de que todos os seres

Page 68: efetivação do direito ao ensino fundamental: uma questão de justiça

66

humanos têm o direito de serem tratados de forma digna, pelo fato de serem homens,

independentemente das suas diferenças individuais, é necessário que ele tenha

acesso ao mínimo de garantias que lhe permitam sua existência. Compreende-se

assim que há alguns direitos que não podem depender de vontade política, que são

pressupostos básicos da vida humana, a garantia de um mínimo existencial.

O direito à educação compreende um desses direitos essenciais para que se

garanta uma condição mínima de existência ao homem. A educação é instrumento

de liberdade, que conduz à verdadeira cidadania, e segundo Torres (1999, p. 263)

“sem o mínimo necessário à existência cessa a possibilidade de sobrevivência do

homem e desaparecem as condições iniciais da liberdade. A dignidade humana e as

condições materiais em retroceder aquém de um mínimo”.

Na elaboração das leis que buscam proteger o direito à educação, cabe ao

legislador se basear nos princípios do direito natural, o qual representa o que é justo,

aquilo que advém do próprio homem. A finalidade precípua de toda lei é garantir que

o homem se realize de modo a obter a plenitude temporal e espiritual: temporal,

quando lhe são garantidos o direito à saúde, à moradia e ao trabalho; espiritual,

quando lhe são dadas condições de desenvolver todo o potencial cognoscitivo, que

lhe é inerente, por meio de uma educação integral e solidária.

5.3 A EDUCAÇÃO E OS DIREITOS HUMANOS

Direitos Humanos nos remete diretamente à idéia de que são direitos do

homem. Direitos que visam garantir os valores mais preciosos da pessoa humana,

direitos como a liberdade, a igualdade, a dignidade. Em razão da amplitude do tema

conceituá-lo torna-se uma difícil tarefa.

Page 69: efetivação do direito ao ensino fundamental: uma questão de justiça

67

Bonavides (1998), citando Hesse, menciona duas acepções de direitos

humanos, uma ampla e outra restrita, que pode-se interpretar como baseadas,

respectivamente, num critério material e num critério formal de caracterização. A

mais ampla, ou seja, a material, seria a dos direitos que almejam “criar e manter os

pressupostos elementares de uma vida na liberdade e na dignidade humana”. A

mais estrita, ou seja, a formal diria que “são aqueles direitos que o direito vigente

qualifica como tais”.

Entretanto, para a elaboração deste trabalho optou-se pela definição de Mello

que afirma serem os

direitos do homem [...] aqueles que estão consagrados nos textos internacionais e legais, não impedindo que novos direitos sejam consagrados no futuro. [...] os já existentes não podem ser retirados, vez que são necessários para que o homem realize plenamente a sua personalidade no momento histórico atual. (MELLO, 2000, p. 571).

Na lição de Lafer (1988) no início da Era Moderna (séculos XVI e XVII), o

direito natural foi racionalizado, e seu fundamento divino, substituído pela razão. Sob

forte influência da filosofia racionalista do século XVIII, através da escola do Direito

Natural, foi elaborada a Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão, votada

pela Assembléia Constituinte francesa em 26 de agosto de 1789; entretanto, há de

se destacar que, treze anos antes, em 1776, nos Estados Unidos da América do

Norte, havia sido feita a Declaração de Direitos do Bom Povo da Virgínia, a que pode

ser considerada o marco da defesa dos Direitos do Homem. Esse documento é que

deu o impulso inicial para a positivação dos direitos naturais, isto é, dos direitos

humanos, declarando:

Todos os seres humanos são, por natureza, igualmente livres e independentes, e têm certos direitos inatos, dos quais, quando entram em estado de sociedade, não podem por qualquer acordo privar ou despojar sua posteridade; nomeadamente, o gozo da vida e da liberdade, com os meios de adquirir a propriedade de bens, bem como de buscar e obter a felicidade e a segurança (FERREIRA FILHO apud MUNIZ, 2002, p. 54).

Page 70: efetivação do direito ao ensino fundamental: uma questão de justiça

68

Pouco mais de uma década se passou após essa Declaração quando, na

França, desencadeou-se um processo revolucionário que culminou com a

Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, em 1789. Inspirados no

Iluminismo, iriam escrever a nova Constituição francesa.

A crítica política e filosófica racionalista e a ascensão econômica da classe

burguesa levaram a um período de revoluções contra os regimes absolutistas e

contra a organização hierárquica das sociedades. As revoluções levadas a cabo na

busca pela igualdade dos indivíduos extinguiram a divisão em estamentos,

instituindo o status único da cidadania. Em troca dos privilégios que o status

conferia, foram positivados os direitos naturais nas Constituições pós-

revolucionárias. Os direitos então declarados constituem a primeira geração de

direitos humanos. Com isso houve o reconhecimento explícito da universalidade dos

direitos do homem.

O preâmbulo da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, é

o seguinte:

Os representantes do povo francês, constituídos em Assembléia Nacional, considerando que a ignorância, o esquecimento ou o desprezo dos direitos do homem são as únicas causas dos males públicos e da corrupção dos Governos, resolveram solenemente declarar os direitos naturais, inalienáveis e sagrados no homem, a fim de que esta declaração, sempre presente em todos os membros do corpo social, lhes recorde seus direitos e deveres; a fim de que os atos do Poder Legislativo e do Poder Executivo, podendo ser a qualquer momento comparados com a finalidade de toda instituição política, sejam mais respeitosos; a fim de que as reivindicações dos cidadãos, doravante fundadas em princípios simples e incontestáveis, se dirijam sempre à conservação da Constituição e a felicidade geral.

Segundo Muniz (2002, p. 75), “com base nesse documento, Constituições de

diversos países passaram a inserir os direitos individuais no seu texto”.

A próxima etapa na esteira dos direitos humanos é a Declaração Universal

dos Direitos do Homem, em 1948, embora não se possa deixar de citar dois

documentos anteriores, de relevância no reconhecimento dos direitos humanos: a

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69

Constituição do México, em 1917, e a Constituição de Weimar, em 1919, as

primeiras constituições a incluir os direitos sociais como direitos humanos

fundamentais, cujos titulares são os miseráveis excluídos. A educação, que segundo

Monteiro (2005, p. 25) é “fenômeno central da vida de todas as comunidades, desde

as tribais, na medida em que é o recurso principal da reprodução e renovação da

sua existência e identidade”, encontra nessas duas Constituições sua primeira

referência direta, clara e objetiva.

Em 10 de dezembro de 1948, após a Segunda Guerra Mundial, no Palácio de

Chaillot, é oficializada a Declaração Universal dos Direitos do Homem. Assinada

inicialmente por 51 países, proclamou os direitos do homem como ideal a ser

alcançado por todos, trazendo a concepção moderna dos direitos humanos, segundo

Piovesan (1999, p. 15): “os direitos humanos compõem uma unidade indivisível,

interdependente e inter-relacionada, na qual os direitos civis e políticos hão de ser

conjugados com os direitos econômicos, sociais e culturais”.

O direito à educação, com a Declaração Universal dos Direitos do Homem,

passa a ser reconhecido universalmente como um direito fundamental do homem,

indispensável à dignidade da pessoa humana e ao desenvolvimento da sua

personalidade. Cita nos artigos 26 e 27 que:

Art. 26. [...]

§ 1º Toda a pessoa tem direito à educação. A educação deve ser gratuita, pelo menos a correspondente ao ensino elementar e fundamental. O ensino elementar é obrigatório. O ensino técnico e profissional deve ser generalizado, o acesso aos estudos superiores deve ser aberto a todos em plena igualdade, em função do seu mérito.

§ 2º A educação deve visar o pleno desenvolvimento da personalidade humana e o reforço dos direitos do homem e das liberdades fundamentais e deve favorecer a compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações e todos os grupos raciais ou religiosos, bem como o desenvolvimento das atividades das Nações Unidas para a manutenção da Paz.

Art. 27. Toda pessoa tem o direito a tomar parte livremente na vida cultural

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70

da comunidade, a usufruir das artes e participar do progresso cientifico e dos benefícios que dele resultar.

Outros documentos internacionais ratificaram a Declaração Universal dos

Direitos do Homem, como o Pacto de San José da Costa Rica, em 1969, chamado

de Declaração Americana dos Direitos Humanos. O Brasil, signatário de ambos,

ratificou-os plenamente na Constituição de 1988.

Nos lembra Muniz (2002) que “as Declarações, por si só, pelo menos

enquanto permanecem no âmbito do sistema internacional, não dão efetividade aos

direitos humanos fundamentais, pois formulam direitos morais não sancionáveis”.

Estes direitos somente ganham força de fato quando passam a fazer parte das

constituições. Bobbio defende que melhor seria se tivesse mecanismos de se fazer

efetivar os direitos consagrados nas Declarações, segundo ele deveria ser:

a) que o reconhecimento e a proteção de pretensões ou exigências contidas nas Declarações provenientes de órgãos e agências do sistema internacional sejam considerados condições necessárias para que um Estado possa pertencer à comunidade internacional; b) a existência, no sistema internacional, de um poder comum suficientemente forte para prevenir ou reprimir a violação dos direitos declarados. (BOBBIO apud MUNIZ, 2002, p. 78).

5.3.1 Outras normas internacionais sobre a educação

5.3.1.1 Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais

A divisão da Europa em dois blocos ideologicamente opostos - capitalistas e

socialistas - fez com que a Organização das Nações Unidas, a fim de dar concretude

jurídica aos direitos preconizados na Declaração Universal dos Direitos Humanos,

convocasse seus membros para elaborarem um novo documento. Em 1966, foi

Page 73: efetivação do direito ao ensino fundamental: uma questão de justiça

71

elaborado então o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais

(PIDESC).

O art. 13 desse Pacto trata especificamente do direito à educação, definindo

que

Art. 3º - Os Estados-Partes reconhecem o direito de toda pessoa à educação. Concordam em que a educação deverá visar o pleno desenvolvimento da personalidade humana e do sentido de sua dignidade e a fortalecer o respeito pelos direitos humanos e liberdades fundamentais. Concordam, ainda, que a educação deverá capacitar todas as pessoas a participarem efetivamente de uma sociedade livre, favorecer a compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações e entre todos os grupos raciais, étnicos ou religiosos e promover as atividades das Nações Unidas em prol da manutenção da Paz.

Para assegurar o pleno exercício do direito à educação, o inciso II do art. 13

determina que:

a) a educação primária deverá ser obrigatória e acessível gratuitamente a todos;

b) a educação secundária em suas diferentes formas, inclusive a educação técnica e profissional, deverá ser generalizada e tornar-se acessível a todos, por todos os meios apropriados e, principalmente, pela implementação progressiva do ensino gratuito;

c) o ensino superior deverá igualmente tornar-se acessível a todos, com base na capacidade de cada um, por todos os meios apropriados e, principalmente, pela implementação progressiva do ensino gratuito;

d) a educação de base para os que não receberam educação primária ou não concluíram o ciclo completo de educação primária deverá ser intensificada na medida do possível;

e) deve-se prosseguir ativamente no desenvolvimento de uma rede escolar em todos os níveis de ensino, na implementação de um sistema adequado de bolsas de estudo e na melhoria contínua das condições materiais do corpo docente.

O art. 14 do mesmo Pacto dispõe que

Art. 14 - Todo Estado-Parte, que no momento em que se tornar Parte, ainda não tenha garantido em seu próprio território ou território sob sua jurisdição a obrigatoriedade ou gratuidade da educação primária, se compromete a elaborar e adotar, dentro de um prazo de dois anos, um plano de ação detalhado, destinado à implementação progressiva, dentro de um número razoável de anos estabelecidos no próprio plano, do princípio da educação obrigatória e gratuita para todos.

O PIDESC estabelece que o Estado, progressivamente, adote medidas

concretas para efetivar os direitos nele estabelecidos; no que se refere ao direito à

Page 74: efetivação do direito ao ensino fundamental: uma questão de justiça

72

educação, os dispositivos citados determinam ações positivas do Estado para a sua

concretização.

5.3.1.2 Pacto de San Salvador

No mesmo sentido do Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e

Culturais (PIDESC), o Pacto de San Salvador determina no art. 13º que todas as

pessoas têm direito à educação. Os Estados-Partes devem se orientar na

elaboração de políticas públicas para que a educação seja orientada para o pleno

desenvolvimento da personalidade humana, de sua dignidade, fortalecendo o

respeito aos direitos humanos. A educação capacitará as pessoas para participarem

efetivamente de uma sociedade democrática e pluralista. Determina ainda que o

direito à educação dos Estados deve se orientar pelos seguintes princípios:

a) O ensino fundamental, primário e secundário, deve ser obrigatório, acessível a

todos gratuitamente;

b) o ensino superior é também acessível a todos, devendo ser implementado

progressivamente;

c) o Estado-Parte deverá proporcionar o acesso à educação daqueles que não

tiveram acesso na época devida.

5.4 DIREITO À EDUCAÇÃO NAS CONSTITUIÇÕES BRASILEIRAS

As Constituições, instrumentos normativos dos Estados Modernos, sempre

foram influenciadas pelas Declarações de Direitos do Homem, compreendendo

Page 75: efetivação do direito ao ensino fundamental: uma questão de justiça

73

desde a finalidade de limitação dos poderes do Estado, até a proteção dos direitos

humanos, reparando ou prevenindo sua violação.

No Brasil, desde 1824, quando foi promulgada a primeira Constituição, que

remonta à época do Império, já se fala no direito à educação, no art. 179, XXXII: “A

instrução primária é gratuita a todos os cidadãos”. Ocorre que grande parte da

população brasileira não tinha acesso ao ensino, pois negros, índios e mulheres não

eram “cidadãos”, o que limitava o alcance da norma. Apesar dessas limitações

históricas, que restringiu o avanço da proteção ao direito à educação naquele

período, há de se ressaltar a importância da sua inserção no texto constitucional,

uma vez que representa o início da construção do direito à educação nos textos

constitucionais brasileiros.

Outro ponto de destaque na Constituição de 1824 é a subjetivação e a

positivação dos direitos do homem, que segundo Silva (1998, p. 171) “foi a primeira

Constituição do mundo a fazê-lo”.

Art. 179. A inviolabilidade dos direitos civis e políticos dos cidadãos brasileiros, que tem por base a liberdade, a segurança individual e a propriedade, é garantida pela Constituição do Império.

Em 1889 inicia-se o período republicano no Brasil e, em 1891, é elaborado

novo documento constitucional: a Constituição da República dos Estados Unidos do

Brasil. Como Rui Barbosa não fora eleito para Presidente da recém criada

República, manteve-se a mesma mentalidade colonialista do período imperial.

Omissa quanto ao direito à educação, deixou a critério das Constituições estaduais a

regulamentação do ensino. Assim, a primeira Constituição brasileira do período

republicano, na contramão dos demais textos constitucionais da era dos direitos

humanos sociais e fundamentais, não garantia em seu texto a proteção ao ensino

gratuito e universal.

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74

A Constituição de 1934, fruto das transformações políticas e econômicas do

início do século XX, deu uma tônica diferente ao tema, dedicando um capítulo à

educação e cultura. Carregada dos valores democráticos e republicanos,

considerava a educação indispensável à formação da personalidade do indivíduo,

conforme preceitua o seguinte dispositivos.

Art. 149. A educação é direito de todos e deve ser ministrada pela família e pelos Poderes públicos, cumprindo a estes proporcioná-la a brasileiros e a estrangeiros domiciliados no Brasil de modo que possibilite eficientes fatores da vida moral e econômica da Nação, e desenvolver num espírito brasileiro a consciência da solidariedade humana.

Vê-se o notável avanço da Carta Magna de 1934 em relação a Constituição

anterior na definição dos objetivos traçados para a educação, sua importância para:

a formação do Estado Democrático e a construção de uma sociedade mais justa e

humanitária. O art. 150 determina que seja “ensino primário integral gratuito e de

freqüência obrigatória extensivo aos adultos”.

O texto de 1934, apesar de social, não definiu a educação como dever do

Estado; e nem sequer chegou a ser aplicado, porque, em 1937, ao ser instalado o

Estado Novo, regime ditatorial de Getúlio Vargas, foi substituído por uma nova

Constituição.

A Constituição de 1937 significou um retrocesso no que se refere aos direitos

sociais, em especial ao direito à educação. O Estado Novo não assumiu o papel de

promotor do ensino primário.

Art. 130. O ensino primário é obrigatório e gratuito. A gratuidade porém não exclui um dever de solidariedade dos menos para os mais necessitados; Assim, por ocasião da matrícula, será exigida aos que não alegarem, ou notoriamente não poderem alegar escassez de recurso, uma contribuição módica e mensal para caixa escolar.

A Carta de 1937 estabelece que o dever primeiro na educação é dos pais,

cabendo ao Estado apenas o dever de colaborar e complementar as deficiências da

Page 77: efetivação do direito ao ensino fundamental: uma questão de justiça

75

educação, como se verifica na redação do artigo 125:

Art. 125. A educação integral da prole é o primeiro dever e direito natural dos pais. O Estado não será estranho a esse dever, colaborando, de maneira principal ou subsidiária, para facilitar a sua execução ou suprir as deficiências e lacunas da educação particular.

Com o fim do Estado Novo e a redemocratização do País, há também uma

nova Constituição - a Carta de 1946 -, que recuperou os direitos sociais da

Constituição de 1934. Nela é determinado que a educação é direito de todos,

devendo ser ministrada no lar e nas escolas pelos poderes públicos e pela iniciativa

privada, firmando a obrigatoriedade do ensino primário gratuito nas escolas oficiais.

Reforça no art. 166 o princípio da solidariedade no direito educacional: “A educação

é direito de todos e será dada no lar e na escola. Deve inspirar-se nos princípios de

liberdade e nos ideais de solidariedade humana”.

Destaca-se, segundo Silva, citado por Muniz (2002, p. 82), que “na

Constituição de 1946, pela primeira vez, a inserção do direito do homem à vida, em

substituição ao termo - subsistência”.

Em 1961 entra em vigor a Lei de Diretrizes e Bases da Educação,

estabelecendo que, em caso de comprovados o estado de pobreza dos pais, a

insuficiência de escolas, doença ou anomalia grave da criança, dentre outros,

haveria isenção da obrigatoriedade do Estado na oferta do ensino primário

obrigatório. Abriu-se a porta da discricionariedade do poder público na oferta do

ensino, tornando-a assim menos efetiva.

A Constituição de 1967 tratou da educação afirmando que se trata de um

direito de todos os indivíduos entre 7 e 14 anos de idade. A educação deveria ser

transmitida no lar, pela família e na escola, devendo se inspirar nos princípios da

unidade nacional e nos ideais de liberdade e solidariedade.

Page 78: efetivação do direito ao ensino fundamental: uma questão de justiça

76

A Emenda à Constituição n. 1, de 1969, alterou o direito à educação

consideravelmente, definindo-o como dever do Estado, conforme o dispositivo

abaixo:

Art. 176. A educação inspirada no princípio da unidade nacional e nos ideais de liberdade e solidariedade humana, é direito de todos e dever do Estado, e será dada no lar e na escola.

5.4.1 A Constituição de 1988 e o direito ao ensino fundamental

A Constituição promulgada em 1988 trouxe novamente a esperança de um

direito à educação positivado e efetivado. Fruto da luta incansável de toda a nação

brasileira, a Constituição marcou definitivamente a redemocratização do País,

coroando a sociedade com avanços extraordinários na proteção dos direitos

individuais e coletivos. A educação foi elevada, de acordo com a doutrina mais atual,

à categoria de direito fundamental do homem. Integrante do direito à vida, ele deve

ser preservado como tal, conforme preceitua Renato Di Dio:

Admitindo-se que o direito fundamental é o direito à vida, o direito à educação surge como seu corolário. Com efeito, quando se preserva a vida, procura-se protegê-la para que seja uma vida digna, plena, produtiva e feliz. Se assim é, a educação apresenta-se como condição dessa dignidade, plenitude, produtividade e felicidade. Preservar-se a vida sem que, ao mesmo tempo, se criem condições para que o indivíduo desenvolva e atualize todas as suas potencialidades, mais que um absurdo lógico, é uma claudicação moral. Manter-se o indivíduo vivo sem que se lhe garantam as possibilidades de realizar seus anseios naturais é assegurar uma expectativa antemão frustrada. Mesmo porque o direito à vida não se cinge à preservação biológica, mas se estende aos valores psicológicos, sociais, políticos e morais, que, sem um mínimo de educação não chegarão a existir para o ser humano (DI DIO, 1982, p. 88).

O tema “educação pública” gerou longos debates na Constituinte de 1988.

Segundo Aranha (1989, p. 223), “muitos foram os confrontos e pressões, inclusive

da escola particular, desejosa de manter o acesso às verbas públicas garantidas

Page 79: efetivação do direito ao ensino fundamental: uma questão de justiça

77

pela Constituição anterior”. Destacou-se na defesa da educação pública o Prof.

Florestan Fernandes4, então deputado pelo Partido dos Trabalhadores. Ao fim,

proclamada a Constituição em 5 de outubro de 1988, viu-se que a luta dos

defensores da educação pública foi vitoriosa, sendo incluídas no texto constitucional

muitas garantias, dentre as quais são destaca-se:

• Ensino fundamental obrigatório e gratuito;

• Acesso ao ensino obrigatório e gratuito como direito público subjetivo;

• Gratuidade do ensino público;

• Plano nacional de educação visando à articulação e ao desenvolvimento do

ensino em seus diversos níveis;

• Integração das ações do Poder Público de forma a dar um fim ao analfabetismo,

melhoria da qualidade do ensino, etc.

O direito à educação perante a atual Constituição brasileira é juridicamente

classificado como direito social, compreendido na concepção contemporânea dos

direitos humanos fundamentais de segunda geração. Silva (1992, p. 258) declara

que “direitos sociais são os pressupostos para o gozo dos demais direitos

individuais, para o exercício efetivo da igualdade garantida formalmente, ou seja,

4 Florestan Fernandes - vendedor de produtos farmacêuticos quando, aos 18 anos, ingressou na

Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo em 1947, formando-se em ciências sociais. Doutorou-se em 1951 e foi assistente catedrático, livre docente e professor titular na cadeira de sociologia, substituindo o sociólogo e professor francês Roger Bastide em caráter interino até 1964, ano em que se efetivou na cátedra. O nome de Florestan Fernandes está obrigatoriamente associado à pesquisa sociológica brasileira. Sociólogo e professor universitário com mais de cinqüenta obras publicadas, transformou as ciências sociais no Brasil e estabeleceu um novo estilo de pensamento. Na educação Florestan vai criticar a pedagogia tradicional, que criava um educador distante do processo social e não engajado na tarefa de transformação da sociedade. Influenciado por Dewey e pelo seu discípulo (de Dewey), Anísio Teixeira, Florestan defendeu uma escola pública de qualidade acessível a todos os brasileiros. Para ele não existe Estado e sociedade democrática sem uma Educação democrática. E a escola pública gratuita é a única capaz de promover a democracia. E para isso a Educação precisa estar vinculada ao pensamento socialista, para que possa ser a chave da construção coletiva de formas mais simples e compensadoras de sociedade e de civilização. ...

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78

igualdade perante a lei”, conforme os dispositivos abaixo:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantido aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade.

Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.

[...]

Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.

O fundamento dos direitos sociais encontra-se na constatação de que o

homem não poderá usufruir de uma vida digna, plena e enriquecedora, se não forem

satisfeitas suas necessidade básicas, dentre elas, o direito à educação.

O Capítulo I, que estabelece os direitos e deveres individuais e coletivos, está

inserido no Título II - Dos direitos e garantias fundamentais -, assim como o art. 6º,

situado no Capítulo II. Por conseguinte, o Título II trata do direito à educação no art.

5º, quando se refere ao direito à vida, já que a educação está inserida na vida, e

também no art. 6º, quando expressamente declara o direito à educação.

A Constituição da República Federativa do Brasil trata da educação em

diversas normas do Título VIII - Da ordem social -, no Capítulo III, Seção I, em

sintonia com a tendência mundial de promover a justiça social e os direitos humanos

fundamentais.

O art. 206 do texto constitucional estabelece quais os princípios que devem

ser observados ao ser ministrado o ensino; o art. 208 estabelece as metas e

objetivos a serem alcançados e seu § 2º diz que o não-oferecimento ou oferecimento

irregular importam responsabilidade da autoridade competente; o art. 210 delega ao

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79

legislador ordinário a fixação dos conteúdos mínimos para o ensino fundamental; o

art. 212 prevê a aplicação compulsória de receitas de impostos na educação, com

possibilidade de intervenção do ente federal em caso de não observância.

5.4.1.1 Eficácia e aplicabilidade

A garantia de um direito expresso no texto constitucional não significa que o

direito está garantido no plano material. É necessário que ele alcance a sua eficácia,

do contrário será letra morta, apesar de estar elevado à categoria de direito

constitucional. Quando se fala de normas que definem direitos fundamentais, estas

têm aplicação imediata, conforme estabelece a própria Constituição no seu art. 5º, §

1º: “As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação

imediata”.

Não há dúvidas quanto à eficácia quando se analisam os direitos

fundamentais individuais, os que têm status negativus, ou seja, não dependem de

ação do Estado, conforme ensina Lima (2003, p. 26); quando, porém, se avaliam as

normas que exigem ações positivas do Estado, as que têm o status positivus

libertatis, que precisam de prestações do Estado, passa-se a enfrentar dificuldades

para a sua consecução. Na medida em que se considera a educação como um

direito social, apresenta-se o argumento de que, como tal, para se ter eficácia,

depende-se de recursos financeiros. É bem verdade que os direitos sociais, em

especial o direito à educação, requer recursos financeiros para serem oferecidos;

mas também é verdade ser este um argumento frágil, visto que os impostos pagos já

contemplam os custos da educação. E mais, a própria Constituição estabeleceu as

fontes de recursos. Se não fosse assim, para que positivá-los? Aceitar que a

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80

concretização dos direitos sociais dependem da discricionariedade dos

administradores públicos, que se escondem no argumento da falta de recursos, é

fadá-los à morte.

São pertinentes os ensinamentos de Muniz (2002, p. 92) ao asseverar que “o

fundamento dos direitos sociais, em especial o direito à educação, encontra-se na

constatação de que o homem não poderá viver uma vida plena, digna,

enriquecedora, se não lhe forem satisfeitas as necessidades básicas”. Assim sendo,

o Estado não pode se furtar de tal dever sob alegação de inviabilidade econômica ou

de falta de normas de regulamentação.

Assim também entendem alguns constitucionalistas, a exemplo de Marcos

Augusto Maliska, que ensina:

A questão aqui discutida exige considerar o significado e o alcance da norma constante do art. 5º, $ 1º, da Constituição Federal. Quanto à questão de que o dispositivo estaria reduzido às normas do art. 5º, tal entendimento pode ser afastado pela simples interpretação literal da norma que se refere a ‘direitos e garantias fundamentais’. Desta forma, a localização tópica da norma não serve como critério para justificar tal entendimento restritivo. Uma interpretação sistemática e teleológica conduzirá aos mesmos resultados, uma vez que ao utilizar a expressão ‘direitos e garantias fundamentais’, o constituinte buscou atingir a totalidade da normas do Título II, o que inclui também os direitos políticos, de nacionalidade, os direitos sociais e não apenas os direitos e garantias individuais e coletivos (MALISKA, 2001, p. 106-107).

No mesmo caminho trilham outros constitucionalistas a exemplo de:

a) José Afonso da Silva que diz:

O Título II da Constituição contém a declaração dos direitos e garantias fundamentais, incluindo aí os direitos individuais, coletivos, sociais, de nacionalidade e políticos. O art. 5º, $ 1º, por seu lado, estatui que ‘as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata’. Isso abrange, pelo visto, as normas que revelam os direitos sociais nos termos dos arts. 6º a 11º [...] Então, em face dessas normas, que valor tem o disposto no $ 1º do art. 5º, que declara todas de aplicação imediata? Em primeiro lugar, significa que elas são aplicáveis até onde possam, até onde as instituições ofereçam condições para o seu atendimento. Em segundo lugar, significa que o Poder Judiciário, sendo invocado a propósito de uma situação concreta nelas garantida, não pode deixar de aplicá-las, conferindo ao interessado o direito reclamado, segundo as instituições existentes (SILVA, 1999, p. 165).

Page 83: efetivação do direito ao ensino fundamental: uma questão de justiça

81

b) Alexandre Moraes:

Em regra, as normas que consubstanciam os direitos fundamentais democráticos e individuais são de eficácia e aplicabilidade imediata. A própria Constituição Federal, em uma norma-síntese, determina tal fato dizendo que as normas definidoras de direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata. As exceções ficaram por conta de expressa previsão constitucional (Por exemplo, art. 7º, inciso I). Essa declaração pura e simplesmente por si só não bastaria se outros mecanismos não fossem previstos para torná-la eficiente (MORAES, 2002, p. 446).

O direito à educação, então, de acordo com a Constituição em vigor no Brasil

e também com a doutrina contemporânea, é um direito fundamental e social, dotado

de eficácia plena e imediata e de acionabilidade, uma vez que a própria Constituição

fornece mecanismos para torná-lo efetivo.

O constituinte originário, se não bastasse, mas no intuito de não deixar à

mercê de interpretação, deu ao direito ao ensino fundamental o status de direito

público subjetivo. Sabedor da importância da efetividade deste direito, como

instrumento necessário para o próprio exercício do direito de liberdade que lhe é

também constitucionalmente assegurado, não podendo ficar a reserva do possível,

deu aos destinatários a chave para buscar sua aplicabilidade imediata, tal qual está

na texto constitucional.

Definindo desse modo no art. 208, § 1º, que “O acesso ao ensino obrigatório e

gratuito é direito público subjetivo”, o Estado tem o dever de entregar a prestação

educacional e, não o fazendo, resta ao indivíduo a faculdade de socorrer-se do

Judiciário para plena satisfação do seu direito. E o mesmo artigo, no § 2º, estabelece

que o seu oferecimento deve ser de forma regular, do contrário caberá a

responsabilização das autoridades competentes: “O não oferecimento do ensino

obrigatório pelo Poder Público, ou sua oferta irregular importa responsabilidade da

autoridade competente”.

Em observância aos ditames constitucionais, o art. 5º da Lei n. 9.394/1996

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82

(Lei de Diretrizes e Bases da Educação) e o art. 54, § 1º, da Lei n. 8.069/1990

(Estatuto da Criança e do Adolescente) dispõem também ser o ensino fundamental

direito público subjetivo.

Oferecer o ensino fundamental é o grande desafio do Estado no campo da

educação. O constituinte, ao estabelecer que o acesso ao ensino obrigatório e

gratuito é um direito público subjetivo, quis dizer que é exigível por parte do seu

titular. Os comentários de Bastos sobre o referido dispositivo da Constituição são os

seguintes:

O direito subjetivo é a permissão para exigir, no caso de violação da norma jurídica que o estabelece, o cumprimento desse direito por parte do Poder Público. Pode ainda ser definido como uma espécie de poder, que se traduz nas prerrogativas do titular desse direito de buscar a obtenção do efeito jurídico advindo da norma. [...] Portanto, a educação concebida como um direito público subjetivo significa que o particular dispõe da faculdade de exigir do Estado o cumprimento da prestação educacional pelo próprio Estado. Nossa Constituição visa, sobretudo, à promoção da educação. Para que isso se concretize serão utilizados todos os meios possíveis para efetivá-la como um direito público subjetivo (BASTOS; MARTINS, 1998, p. 555).

Da forma como está disposto na Constituição, em especial no art. 208, §§ 1º e

2º, o direito à educação que tem o status de direito público subjetivo é o ensino

fundamental, ou seja, aquele que compreende da 1ª à 8ª série. Apenas este é direito

público subjetivo exigível perante o Estado, que tem a obrigação de oferecê-lo de

forma satisfatória. Entendeu o constituinte que essa etapa da educação, sem

desmerecer as demais, é imprescindível para qualquer indivíduo e vital para a

construção de uma sociedade democrática, que tem como pretensão se desenvolver

em estrito respeito à dignidade da pessoa humana.

5.5 ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

Page 85: efetivação do direito ao ensino fundamental: uma questão de justiça

83

A legislação infraconstitucional tem integralizado de forma incontestável a

Constituição no que se refere ao direito à educação. Em ordem cronológica, temos

três diplomas legais que atestam a afirmação acima: Lei n. 8.069/1990 (Estatuto da

Criança e do Adolescente - ECA); Lei n. 9.394/1996 (Lei de Diretrizes e Bases da

Educação Nacional - LDB), Lei n. 10.172/2001 (Plano Nacional da Educação - PNE).

No atual estágio da sociedade, o Estado não mais desempenha o papel de

criador e de tutor da sociedade civil, mas desempenha o papel de articulador,

reordenando as transformações provenientes da sociedade, organizando-a para o

exercício da cidadania popular. Nesse sentido, o Estatuto da Criança e do

Adolescente é o símbolo do novo Estado que se deslumbra.

O Estatuto da Criança e do Adolescente, comumente chamado de ECA, veio

para atender à demanda constitucional do art. 227, o qual determinava que fossem

integralizados através de uma norma específica os direitos da criança e do

adolescente. Materializando as transformações ocorridas na ordem social, o ECA

substituiu o Código de Menores, estabelecendo a partir de então um novo conceito

de proteção integral da criança e do adolescente. Estes passaram a ser

reconhecidos como sujeitos de direitos, logo, cidadãos, proclamando assim, de

acordo com a Constituição e os documentos internacionais, a doutrina da proteção

integral.

Na trilha da afirmação acima, acha-se Coelho, citado por Cury:

Os direitos de todas as crianças e adolescentes devem ser universalmente reconhecidos. São direitos especiais e específicos, pela condição de pessoas em desenvolvimento. Assim, as leis internas e o direito de cada sistema nacional devem garantir a satisfação de todas as necessidades das pessoas de até dezoito anos, não incluindo apenas o aspecto penal do ato praticado pela ou contra a criança, mas o seu direito à vida, à saúde, à educação, convivência, lazer, profissionalização, liberdade e outros (COELHO apud CURY, 2003, p. 15).

A Constituição da República Federativa do Brasil, ao considerar a criança e o

Page 86: efetivação do direito ao ensino fundamental: uma questão de justiça

84

adolescente como sujeitos de direitos, reconhecendo neles os mesmos direitos de

toda pessoa humana e mais aqueles decorrentes de serem pessoas ainda em

desenvolvimento, reconhece que eles possuem efetivamente o direito de exercê-los,

inclusive o acesso à justiça em sua defesa e para sua concretização. Isso significa

que a criança e o adolescente, sujeitos de direitos, efetivamente podem ser

cidadãos, uma vez que os seus direitos já foram abrangidos pelo ordenamento

jurídico.

O direito da criança e do adolescente no Brasil percorreu um longo caminho

até a sua consagração em 1988. No período monárquico, as normas tinham um

caráter mais próximo da idéia de manutenção da situação vigente do que de real

proteção. O Brasil vivia um período de escravidão e toda a legislação tinha como

objetivo a manutenção da mão-de-obra representada pela criança e pelo

adolescente. Em 1871, graças a uma forte pressão internacional, a Lei do Ventre

Livre libertou os filhos de escravas que nascessem a partir de então. A medida,

apesar de positiva do ponto de vista de ser um passo dado no sentido de pôr fim à

escravidão, trouxe um problema social. Com a libertação dos filhos e a manutenção

dos pais escravos, passou-se a ter um contingente de filhos sem pais, que

permaneciam na senzalas.

Com o fim da escravidão em 1888, o Estado foi pressionado pela sociedade

para ter uma participação efetiva na proteção e assistência à criança, tarefa que era

exercida quase na totalidade pela Igreja.

Em 1927, em resposta aos reclamos da sociedade, foi elaborado o Código de

Menores, que disciplinava a assistência à infância, preconizando que, em vez de

punir, dever-se-ia educar as crianças e os adolescentes. Com essa disposição,

houve um choque com o Código Civil de 1916, segundo o qual o pai detinha o pátrio

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85

poder e o exercia sobre a sua estrutura familiar sem interferência do Estado. O

Código de Menores punha limites ao pátrio poder, podendo até mesmo perdê-lo o

pai que não pudesse ou não quisesse promover a educação do filho.

A Constituição de 1937 foi a primeira a proteger o menor de 18 anos: proibiu

que menores de 14 anos trabalhassem; que menores de 16 anos realizassem

trabalho noturno, e que menores de 18 anos trabalhassem em condições insalubres.

Em 1979, uma versão do Código de Menores foi elaborada na tentativa de

superar as incorreções e sanar as omissões do código em vigor. Infelizmente, tal

qual o código de 1927, o atual restringia a sua abrangência aos que se encontravam

nas chamadas “situações irregulares” (menores infratores, vítimas de maus-tratos,

por exemplo). Falhou ainda quando não reconheceu as crianças e os adolescentes

como cidadãos, sujeitos de direitos, carecedores de proteção em razão da sua

situação de desenvolvimento.

O ECA, na trilha da Constituição de 1988 e dos instrumentos internacionais,

como a Convenção dos Direitos da Criança aprovada na Assembléia da ONU de

1989, reconhece definitivamente os seus destinatários como sujeitos de direitos,

verdadeiros cidadãos, dando-lhes os instrumentos jurídicos para reivindicá-los.

No art. 1º estabelece que “Esta lei dispõe sobre a proteção integral à criança

e ao adolescente”. No artigo 3º dispõe:

Art. 3º A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta lei, assegurando-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade.

Os direitos assegurados aos jovens pela Constituição e pelo Estatuto,

principalmente o direito à educação, além de concretizarem princípios de direitos

humanos, são fundamentais para a construção de uma sociedade justa e, sobretudo,

Page 88: efetivação do direito ao ensino fundamental: uma questão de justiça

86

para a elevação de tais indivíduos ao verdadeiro significado de ser humano.

O direito à educação foi positivado no Estatuto da Criança e do Adolescente

nos arts. 53 e 54, assim como a Constituição estabelece a prioridade para o ensino

fundamental, os objetivos desse direito, e a responsabilidade por fazer se efetivá-lo,

respectivamente.

Art. 53. A criança e o adolescente têm direito à educação, visando ao pleno desenvolvimento de sua pessoa, preparo para o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho, assegurando-se-lhes:

I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;

II - direito de ser respeitado por seus educadores;

III - direito de contestar critérios avaliativos, podendo recorrer às instâncias escolares superiores;

IV - direito de organização e participação em entidades estudantis:

V - acesso à escola pública e gratuita próxima de sua residência.

Parágrafo único. É direito dos pais ou responsáveis ter ciência do processo pedagógico, bem como participar da definição das propostas educacionais.

Art. 54. É dever do Estado assegurar à criança e ao adolescente:

I - ensino fundamental, obrigatório e gratuito, inclusive para os que a ele não tiveram acesso na idade própria;

[...]

§ 1º Acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito público subjetivo.

§ 2º O não oferecimento do ensino obrigatório pelo Poder Público ou sua oferta irregular importa responsabilidade da autoridade competente.

Nos comentários de Hélio Xavier Vasconcelos sobre o Artigo 53 do Estatuto

da Criança e do Adolescente aprende-se o seguinte:

Tem-se claro, portanto, que o Estatuto assegura, coerentemente, uma educação voltada para o pleno desenvolvimento da pessoa, o que torna explícita a prática para a cidadania e a capacitação para o trabalho.

[...]

Assegurando esse direito, o Estatuto deseja e quer que todas as crianças e adolescentes brasileiros tenham uma escola pública gratuita, de boa qualidade, e que seja realmente aberta e democrática, capaz, portanto, de preparar o educando para o pleno e completo exercício da cidadania. (VASCONCELOS, 2003, p. 193).

Vê-se que o Estatuto é o instrumento mais forte nos sentido de efetivar o

direito à educação, uma vez que se destina à proteção integral com absoluta

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87

prioridade das crianças e adolescentes. Estabelece explicitamente:

• dever da família, da comunidade e do Poder Público em assegurá-la;

• o acesso à Justiça para a sua efetivação;

• a perda do pátrio poder em razão do não cumprimento do dever de educar;

• a legitimação do Ministério Público, das associações e dos entes federativos em

defesa do direito individual, difuso e coletivo à educação;

• o ensino fundamental obrigatório como direito subjetivo.

Além de regulamentar, oferece ainda os instrumentos que possibilitam a sua

concretização por via extrajudicial e também judicial. Ou seja, o ECA, além de

assegurar o direito à educação para as crianças e os adolescentes, e de estabelecer

o dever do Estado em ofertar o direito ao ensino fundamental, ainda oferece

mecanismos que possibilitam a sua concretização e a responsabilidade por sua

garantia. Se o direito à educação não for assegurado pelos pais ou se não for

ofertado pelo Poder Público, o Estatuto confere instrumentos para a sua efetivação.

Para que isso aconteça é fundamental a participação do Ministério Público como

legitimado a “zelar pelo efetivo respeito aos direitos e garantias legais assegurados

às crianças e adolescentes, promovendo as medidas judiciais e extrajudiciais

cabíveis”, conforme disposto no art. 201, VIII, do diploma legal.

5.6 LEI DE DIRETRIZES E BASES DA EDUCAÇÃO NACIONAL

Promulgada a Constituição, restava aprovar à lei complementar detalhar as

diretrizes e bases da educação nacional. A LDB anterior somente foi elaborada 15 anos

após a promulgação da Constituição de 1946, ou seja, em 1961. Em razão desse lapso

Page 90: efetivação do direito ao ensino fundamental: uma questão de justiça

88

temporal, o fruto não foi outro senão um texto ultrapassado. Restava ao Legislativo não

cometer o mesmo erro de outrora, porém, apesar dos esforços da sociedade civil e de

alguns parlamentares sensíveis à questão educacional, passaram-se oito anos entre a

promulgação da Constituição e a aprovação da nova LDB.

Em atenção ao art. 22, XXIV, da Constituição Federal de 1988, que

estabelece a competência privativa da União para legislar sobre diretrizes e bases

da educação nacional, foi aprovada em 20/10/1996 a Lei n. 9.394 - Lei de Diretrizes

e Bases da Educação, que passou a reger o sistema escolar brasileiro em

substituição à Lei n. 4.024/1961.

Em cumprimento aos arts. 205 e 214 da Constituição de 1988, a nova LDB

passa a regulamentar a educação escolar, da infantil à superior, a ser desenvolvida

em instituições específicas, com a participação das famílias e da sociedade, assim

dispondo:

Art. 1º A educação abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais.

§ 1º Esta lei disciplina a educação escolar que se desenvolve, predominantemente, por meio do ensino, em instituições próprias.

§ 2º A educação escolar deverá vincular-se ao mundo do trabalho e a prática social.

A presente norma inovou ao tratar a educação de forma abrangente,

compreendendo o processo de escolarização que se desenvolve nos

estabelecimentos de ensino, e de pesquisa em todos os graus, bem como na

formação que ocorre no seio da família, no trabalho e na convivência humana em

geral. Trata, dentre outras questões, da gestão democrática do ensino público, da

autonomia das escolas, dos níveis e modalidades de educação e de ensino, da

formação e valorização do magistério e dos recursos financeiros.

Page 91: efetivação do direito ao ensino fundamental: uma questão de justiça

89

Reafirma o texto constitucional no que se refere aos fins da educação, que é

responsável pela preparação do homem, a fim de que ele possa explorar o seu

potencial integralmente e enfrentar os desafios da vida. Em seguida, a LDB diz que a

escola deve integrar-se à realidade do educando, partindo da premissa de que a

escola desligada do seu meio social é tanto alienada quanto alienante, tendo vista

que os conhecimentos adquiridos devem ser de utilidade para o aluno, tanto na

questão profissional quanto na social.

O art. 21 organiza a educação escolar brasileira, definindo-a da seguinte forma:

A educação escolar compõe-se de:

I - educação básica, formada pela educação infantil, ensino fundamental e ensino médio;

II - ensino superior;

O art. 32 estabelece que o ensino fundamental oferecido em escolas públicas

e privadas não é restrito aos que estejam na faixa etária entre 7 e 14 anos, mas a

todos aqueles que não tiveram oportunidade de acesso ao ensino na faixa etária

determinada. A Constituição e, na sua trilha, a LDB, reconhecem que o acesso ao

ensino fundamental é elemento essencial para que o indivíduo se integre na

sociedade, adquira condições de ingresso no mercado de trabalho e exerça

plenamente a sua cidadania, tendo participação na sociedade.

Motta cita Carnoy, que assevera:

A educação desempenha um papel crucial na promoção do desenvolvimento humano e nacional. [...] Segundo os milhares de estudos que avaliam uma geração de experiência educacional, a educação de uma criança é seu passaporte para uma vida mais saudável e produtiva. Ao oferecer uma educação básica a todas as crianças, criamos a estrutura necessária para uma sociedade mais saudável e produtiva - capaz de sustentar o desenvolvimento e garantir sua plena participação no mundo em rápido processo de transformação (CANOY apud MOTTA, 1997, p. 287).

É inquestionável a importância do ensino fundamental na formação e

consolidação do Estado Democrático; é condição mínima para o desenvolvimento

Page 92: efetivação do direito ao ensino fundamental: uma questão de justiça

90

humano e para a realização dos fundamentos constitucionais da dignidade da pessoa

humana e da cidadania. A efetivação desse direito é condição necessária para que se

tenha uma sociedade mais justa e humana. A LDB constitui-se em mais um

instrumento na luta pela efetivação desse direito, que não se limita a garantir o acesso à

escola, mas ao direito de nela permanecer, com ensino de qualidade, garantindo ao

educando a suplementação de material didático-escolar, transporte, etc.

Art. 4º O dever do Estado com educação escolar pública será efetivado mediante a garantia de:

I - ensino fundamental, obrigatório e gratuito, inclusive para os que a ele não tiveram acesso na idade própria;

[...]

VIII - atendimento ao educando no ensino fundamental público, por meio de programas suplementares de material didático-escolar, transportes, alimentação e assistência à saúde;

Segundo Sari,

embora a LDB apresente algumas contradições e omissões, é quase unânime entre os autores que ela trouxe uma nova esperança para toda a sociedade, pois é inovadora no seu texto, aponta para uma mais flexibilização da estrutura escolar, para a descentralização e avaliação do ensino. (SARI, 2004, p. 72).

Por tudo isso, entende-se que é um marco na luta pela educação pública de qualidade.

5.7 PLANO NACIONAL DE EDUCAÇÃO

Em cumprimento ao que determina o art. 214 da Constituição e o art. 87, § 1º,

da Lei de Diretrizes e Bases da Educação, em 9 de janeiro de 2001 foi aprovada a

Lei n. 10.712 (Plano Nacional de Educação - PNE), que contém as diretrizes e as

metas da educação para um decênio.

Plano Nacional de Educação (PNE):

Art. 87. É instituída a década da Educação, a iniciar-se um ano a partir da

Page 93: efetivação do direito ao ensino fundamental: uma questão de justiça

91

publicação da Lei.

§ 1º A União, no prazo de um ano a partir da publicação desta lei, encaminhará ao Congresso Nacional o Plano Nacional de Educação, com diretrizes e metas para os dez anos seguintes, em sintonia com a Declaração Mundial sobre Educação para todos.

Constituição da República Federativa do Brasil de 1988:

Art. 214. A lei estabelecerá o plano nacional de educação, de duração plurianual, visando à articulação e ao desenvolvimento do ensino em seus diversos níveis e à integração das ações do Poder Público que conduzam à:

I - erradicação do analfabetismo;

II - universalização do atendimento escolar;

III - melhoria da qualidade de ensino;

IV - formação para o trabalho;

V - promoção humanística, científica e tecnológica do País.

A elaboração do Plano Nacional de Educação seguiu o que determina a

Constituição vigente, a LDB e as recomendações da Unesco, e visa determinar as

prioridades que devem nortear as políticas educacionais, contemplando todos os

níveis de educação. As principais metas podem ser definidas em síntese como:

a) elevação global do nível de escolaridade da população;

b) melhoria da qualidade de ensino em todos os níveis;

c) redução das desigualdades sociais e regionais no tocante ao acesso e à

permanência na educação pública;

O PNE estabelece a Década da Educação, afirmando que os objetivos, as

metas e as prioridades do ensino brasileiro devem ser cumpridas em dez anos, com

a participação da sociedade civil que, interessada no aprimoramento das crianças e

adolescentes, participa do acompanhamento e da avaliação do Plano.

O Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA),

os Conselhos Estaduais e Municipais dos Direitos da Criança e do Adolescente, os

Conselhos Tutelares e o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino

Page 94: efetivação do direito ao ensino fundamental: uma questão de justiça

92

Fundamental e de Valorização do Magistério (FUNDEF), organizados nos três níveis

da administração, têm co-responsabilidade pela condução do PNE. É preciso então

elaborar os planos estaduais e municipais de educação, todos coerentes com PNE,

articulando-se as ações da União, dos Estados e dos Municípios para a consecução

das metas estabelecidas para um decanato. Isso está ainda em processo de

construção, por meio de reuniões e outros eventos, como o Seminário Nacional de

Implementação do PNE, incluindo representações dos três níveis de governo, do

Congresso Nacional, da sociedade civil e de organismos internacionais, conforme

esclarece Sari (2004, p. 73). Salienta ele que “há mecanismos legalmente previstos

para a realização de avaliações periódicas e o acompanhamento de sua

implementação, cabendo aos Planos Plurianuais das três esferas de Poder darem

suporte à consecução de seus objetivos e metas”.

O PNE elaborou um diagnóstico dos problemas do ensino fundamental no

Brasil, com dados fornecidos pelo MEC e INEP. Pela análise dos dados, verificou-se

que no ensino fundamental, dentre vários problemas, um se destacava: a

discrepância entre a idade do aluno e a série que cursa. Segundo os dados

levantados, as matrículas do ensino fundamental estavam em torno de 35 milhões

de alunos, entretanto, os dados demonstravam que 8 milhões desses alunos tinham

idade superior à adequada para o ensino fundamental, ou seja, 25% do total

matriculado estavam acima da faixa de sete a quatorze anos.

Um outro dado interessante do diagnóstico realizado pelo MEC/INEP

demonstra que há uma séria discrepância entre o ensino fundamental da escola

pública e o da escola particular. O sentimento geral é de que, realmente, há uma

diferença, mas ela se apresentou gritante. De cada cem crianças de escolas

públicas, 36 estão atrasadas nos estudos, ao passo que, na escola particular, esse

Page 95: efetivação do direito ao ensino fundamental: uma questão de justiça

93

número cai para 6, o que representa uma diferença de 600% (MEC/INEP, 2004).

A efetivação do direito à educação fundamental é, sem dúvida, um desafio.

Há, contudo, que se articular os diversos diplomas normativos existentes a respeito

do tema e usá-los de forma a extrair deles o maior proveito.

5.8 DIREITOS INERENTES AO DIREITO AO ENSINO FUNDAMENTAL

Aliada a maior oferta de vagas no ensino fundamental, requer do Estado que

ele ofereça os meios necessários para que o educando tenha o maior proveito do

que lhe é oferecido. Para se atingir os objetivos constitucionais, há que se estruturar

o sistema de ensino brasileiro, a fim de que seja capaz de oferecer não somente

acesso, mas acesso com qualidade. Aliado ao maior número de vagas oferecido, é

necessário que também se garantam outros direitos, inerentes ao direito ao ensino

fundamental. Sem oferecê-los, se torna inócua a oferta de salas de aulas, pois eles

são a base para que se tenha efetivado o direito à educação.

São vários os direitos inerentes ao ensino fundamental, mas destacam-se três

essenciais:

a) o direito à merenda escolar;

b) o direito ao material escolar e ao transporte;

c) o direito a um ensino de qualidade.

Page 96: efetivação do direito ao ensino fundamental: uma questão de justiça

94

5.8.1 Direito à merenda escolar

Pensar em educação de qualidade sem oferecer uma boa alimentação para

os educandos é tão inócuo quanto não oferecer a própria educação. O grande

destinatário da educação pública no Brasil é a parcela da população que vive abaixo

ou muito próximo da linha da pobreza absoluta. São crianças e adolescentes que

não têm o mínimo da alimentação recomendável para pessoas em desenvolvimento.

Pensando nisso, o legislador brasileiro estabeleceu no art 208, inciso VII, da

Constituição que o direito à educação seja efetivado mediante a garantia de

atendimento ao educando, no ensino fundamental, através de programas

suplementares, dentre os quais o de alimentação e o de assistência à saúde.

Também o art. 4º, inciso VII,I da Lei n. 9.394/1996 - LDB -, determina que sejam

garantidos os programas suplementares.

A Constituição Federal de 1988, ao estabelecer tal direito no art. 208, VII,

também aponta a fonte de custeio dos programas suplementares de alimentação e

assistência à saúde, definindo que serão financiados com recursos das contribuições

sociais e outros recursos orçamentários, estes especificados pelos arts. 211 e 212, §

4º, bem como o art. 60 e seus parágrafos, com as alterações introduzidas pela

Emenda Constitucional n. 14, de 12/9/1996.

A importância dada à alimentação não é outra senão o reconhecimento do

papel que um organismo nutrido pode desempenhar no desenvolvimento intelectual

e físico de uma pessoa.

Page 97: efetivação do direito ao ensino fundamental: uma questão de justiça

95

5.8.2 Direito ao material escolar e ao transporte

Da mesma forma que o direito à merenda escolar, o direito ao material

escolar e ao transporte estão inseridos no bojo das garantias previstas para a

efetivação do direito à educação fundamental, fazendo parte do mesmo inciso VII do

art. 208.

No interesse de dar ao estudante a estrutura mínima que lhe permita o

acesso à escola, o legislador definiu que o aluno do ensino fundamental tem o direito

a receber gratuitamente o material escolar e o transporte. A essenciabilidade desse

direito encontra-se no fato de que a grande maioria dos alunos que usufruem da

educação pública são crianças cujos pais não têm condições financeiras que lhes

permitam adquirir o material escolar, e tampouco custear o transporte. Em

decorrência da carência desses dois elementos, fatalmente ocorre a desistência

escolar.

Afirma Lima que,

ao cuidar do direito à educação e do dever de educar, a Lei de Diretrizes e Bases reforçou o atendimento ao educando do ensino fundamental por meio de programas suplementares, reconhecendo-os como complemento necessário ao propósito da universalização da educação fundamental. (LIMA, 2003, p. 103).

O custeio do direito ao material escolar e ao transporte será feito através da

contribuição social do salário-educação.

Assim, o direito ao material escolar e ao transporte, como os demais direitos

complementares, faz parte do direito fundamental à educação e goza das mesmas

prerrogativas, cabendo à autoridade que os descumprir as penas estabelecidas na

LDB:

Page 98: efetivação do direito ao ensino fundamental: uma questão de justiça

96

Art. 5º [...]

[...]

§ 4º Comprovada a negligência da autoridade competente para garantir o oferecimento do ensino obrigatório, poderá ela ser imputada por crime de responsabilidade.

5.8.3 Direito à qualidade do ensino

A Constituição Federal de 1988 determina no art. 206 que seja garantido,

como princípio norteador do ensino brasileiro, o padrão de qualidade da educação.

Para garantir a qualidade desejada, o legislador não mediu esforços, estabelecendo

a formulação do Plano Nacional de Educação, cujo objetivo é articular os diversos

níveis de governo para integrar as ações de forma a conduzir a erradicação do

analfabetismo, a universalização do ensino, dando ênfase ao ensino fundamental.

Estabeleceu as fontes de recursos e ainda definiu que, não sendo suficientes para

suprir os gastos com a educação fundamental, os entes federados podem alterar as

alíquotas dos impostos de sua competência, de forma a suprir imediatamente a

diferença.

A discussão acerca do padrão de qualidade de ensino e o que o define é algo

controverso, havendo pouca concordância quanto aos critérios que possam defini-lo

como de alta ou baixa qualidade. A questão mais complexa é definir as

necessidades para a aprendizagem na educação fundamental. Ciente dessa

dificuldade, o legislador estabeleceu que seriam definidos os critérios de aplicação

dos recursos do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental

(FUNDEF), o que foi feito pela Lei n. 9.424/1996, arts. 13, e incisos, e 14, nos

seguintes termos:

Page 99: efetivação do direito ao ensino fundamental: uma questão de justiça

97

Art. 13. Para ajustes progressivos de contribuições a valor que corresponda a um padrão de qualidade de ensino definido nacional e previsto no art. 40, § 4º, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias serão considerados, observados o disposto no art. 2º, § 2º, os seguintes critérios:

I - estabelecimento do número mínimo e máximo de alunos em salas de aulas;

II - capacitação permanente dos profissionais de educação;

III - jornada de trabalho que incorpore os momentos diferenciados das atividades docentes;

IV - complexidade de funcionamento;

V - localização e atendimento da clientela;

VI - busca do aumento do padrão de qualidade.

Apesar de não atenderem ao propósito de parâmetros mais apurados, que

levem em consideração, por exemplo, o nível de aprendizado do aluno, a

capacitação do professor, etc., o estabelecimento legal desses critérios dá ao

cidadão a possibilidade de requerer judicialmente que eles sejam cumpridos,

visando à proteção de um direito líquido e certo, sendo o responsável pela não-

entrega da prestação administrativa do Estado a autoridade pública coatora, que

infringiu a lei, conforme leciona Lima (2003).

O Ministério da Educação e Cultura (MEC), através do Instituto Nacional de

Estudos e Pesquisas Educacionais (INEP), utiliza outros indicadores, mais apurados,

para avaliar a qualidade do ensino, que levam em consideração fatores que

determinam de fato se o ensino oferecido está sendo eficaz. Com base nos dados

do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (SAEB), que verifica o

desempenho dos alunos pela proficiência - conjunto de habilidades cognitivas dos

alunos desenvolvidas no processo de escolarização: o que sabem, compreendem e

são capazes de fazer -, obtém-se a demonstração do padrão de qualidade da

educação, certamente levando em consideração outros indicadores. Contudo, eles já

sinalizam para qual direção está a instituição de ensino ou o sistema educacional

como um todo.

Page 100: efetivação do direito ao ensino fundamental: uma questão de justiça

98

A baixa qualidade na educação brasileira tem levado ao desenvolvimento de

um mal silencioso, que vem condenando várias gerações de brasileiros a um futuro

desastroso. Tão grave quanto à carência de vagas escolares ou o analfabetismo, é o

analfabetismo funcional - entendido como a alfabetização insuficiente para o

exercício de funções básicas -, que é o maior dos danos causados pela baixa

qualidade no ensino. Não detectados pelas estatísticas brasileiras, por opção do

Estado em não contabilizá-los, contudo, os dados da última pesquisa do Instituto

Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2000) retratam que de cada 10 alunos

que concluem o ensino fundamental, 7 sabem minimamente ler e escrever, mas não

conseguem fazer a interpretação de um texto um pouco mais complexo ou fazer

uma operação matemática. E a pior constatação é de que essa dificuldade apontada

está presente em 12% dos alunos universitários.

A exclusão escolar no Brasil, apesar de aparecer em curva decrescente,

ainda é elevadíssima. Dados fornecidos pelo IBGE, em 1996, apontam que 2,7

milhões de crianças entre 7 e 14 anos estavam fora da escola, ou porque nunca

freqüentaram ou porque a abandonaram. O fato de haver crianças fora da escola

não significa a inexistência de vagas, mas relaciona-se também com a má qualidade

de ensino, a distorção idade/série e a precariedade das condições de vida de grande

parcela das famílias brasileiras. Não basta somente abrir vagas, mas são

necessários também a criação de programas paralelos de qualificação do ensino e

assistência à família e ao educando, para que tenham condições de promover o

acesso à escola e sua permanecerem nela.

É inquestionável o arcabouço jurídico que se criou em torno do direito à

educação, principalmente nas duas últimas décadas, todos eles unânimes em

estabelecer a importância de se efetivar a educação com qualidade e para todos.

Page 101: efetivação do direito ao ensino fundamental: uma questão de justiça

99

É certo que não é mais um problema normativo a efetivação do direito ao

ensino fundamental de qualidade, da forma que a sociedade anseia, dependendo

agora de vontade política e de sensibilidade dos gestores públicos para

implementarem os meios que demonstrem e concretizem a relevância que a

educação desempenha no desenvolvimento humano e do país.

Page 102: efetivação do direito ao ensino fundamental: uma questão de justiça

100

6 DA EFETIVAÇÃO DO DIREITO AO ENSINO FUNDAMENTAL

A educação somente pode ser direito de todos se há escolas em números suficientes e se ninguém é excluído delas, portanto, se há direito público subjetivo à educação, o Estado pode e tem de entregar a prestação educacional. Fora daí é iludir com artigos de Constituição ou de Leis. Resolver o problema da educação não é fazer leis ainda que excelentes; é abrir escolas tendo professores e admitindo alunos. (MIRANDA, 1963, p. 187).

Após a constatação do vasto aparato normativo existente, tanto constitucional

quanto infraconstitucional, algumas questões ainda persistem. Por que tantas

crianças de 7 a 14 anos, em idade de freqüentar o ensino fundamental, ainda estão

fora do sistema educacional? Por que a grande distorção idade-série? Enfim, o que

pode ser feito para a efetivação do direito ao ensino fundamental?

Antes de dar prosseguimento às questões acima, há que se descortinar um

aspecto ainda nebuloso: De quem é o dever de oferecer o ensino fundamental? É

importante, para o desenvolvimento deste trabalho, determinar quais os deveres

educacionais impostos ao Estado (nacional, estadual e municipal) pela Constituição

Federal.

O primeiro dever constitucional do Estado, neste tema, é o de realizar a

normatização infraconstitucional - arts. 22, XXIV, 23, V, 24, IX e 214 da CR/88 -, o

que vem sendo satisfatoriamente cumprido, por intermédio do Poder Legislativo.

Foram elaboradas no período pós Constituição, dentre outras, o Estatuto da Criança

e do Adolescente, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e o Plano

Nacional de Educação.

O art. 212 da Constituição Federal define as responsabilidades dos entes

federados na organização dos sistemas de ensino, no entanto, não exclui a

Page 103: efetivação do direito ao ensino fundamental: uma questão de justiça

101

responsabilidade de colaboração.

Art. 212. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios organizarão em regime de colaboração seus Sistemas de Ensino.

§ 1º A União organizará o Sistema Federal de Ensino e dos Territórios, financiará as instituições de ensino públicas federais e exercerá, em matéria educacional, função redistributiva e supletiva, de forma a garantir equalização de oportunidades educacionais e padrão mínimo de qualidade do ensino mediante assistência técnica e financeira aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios.

§ 2º Os Municípios atuarão prioritariamente no ensino fundamental e na educação infantil.

§ 3º Os Estados e o Distrito Federal atuarão prioritariamente no ensino fundamental e médio.

§ 4º Na organização de seus Sistemas de Ensino, os Estados e Municípios definirão formas de colaboração, de modo a assegurar a universalização do ensino obrigatório.

O dever do Estado na manutenção da rede educacional estatal gratuita destinada

a oferecer o ensino fundamental, desdobra-se no dever de garantir o acesso à escola

aos que tenham idade entre 7 e 14 anos e no dever de diligenciar para que o educando

nela permaneça, evitando a evasão escolar (art. 208 da CR/88).

Sari (2004) assevera que nem a Constituição nem a Lei de Diretrizes e Bases

da Educação Nacional fixam a idade própria para o ensino fundamental, no entanto,

tendo em vista ser dever dos pais matricular os filhos menores, a partir dos 7 anos -

art. 6º da LDB -, e o ensino fundamental ter duração de oito anos, é possível afirmar

que a idade própria é entre 7 e 14 anos, embora não se esgote nesse limite.

Segundo a autora,

tendo em vista que a maioria dos brasileiros, infelizmente, não teve oportunidade de cursar ou concluir o ensino fundamental até os quatorze anos e que o ECA (art. 2º) define como criança a pessoa até os doze anos incompletos, e adolescente aquele com idade entre doze e dezoito anos, explicitando o dever da família e do Poder Público de assegurar-lhes, com absoluta prioridade, seus direitos, é possível outra interpretação, ou seja, que a idade própria para o ensino fundamental obrigatório corresponde à faixa etária dos sete aos dezoito anos (SARI, 2004, p. 77).

Constata-se, portanto, que ficou estabelecido um sistema de co-

responsabilidade entre os entes federados - União, Estados, Municípios e Distrito

Page 104: efetivação do direito ao ensino fundamental: uma questão de justiça

102

Federal -, no sentido de proporcionar, em caráter prioritário, condições adequadas para

o acesso, a permanência e o sucesso de todos os alunos do ensino fundamental. Para

isso é necessário haver ações coordenadas entre os entes da Federação e a integração

dos respectivos programas, conforme escreve (LIBERATTI, 2004).

O dever do Estado perante a educação é determinado com base nos

fundamentos de cidadania e dignidade da pessoa humana. Para que o homem se

realize como tal é necessário que o Estado estruture a questão educacional. É uma

obrigação que deve ser considerada com muita seriedade pelos agentes públicos,

pois apesar de ser comprovada a importância da influência da família na formação

dos primeiros anos de vida, é inquestionável a atuação do Estado por meio de um

sistema de ensino adequado. A omissão do Poder Público pode gerar danos de

difícil reparação para os indivíduos, para a sociedade e para o próprio Estado.

A Constituição de 1988, ao atribuir competência educacional aos entes

federativos, promoveu a descentralização do ensino, reservando à União a

competência de legislar sobre as diretrizes e bases da educação, mas pretendeu

não padronizar o ensino. Ao contrário, permitiu que fossem respeitadas as

diferenças existentes entre os diversos entes federativo. Apesar de afirmar a

existência dos sistemas de ensino federal, estadual e municipal organizados em

colaboração, dispôs que os Municípios poderão organizar os seus próprios sistemas

de ensino, desde que não contrariem as leis em vigor e não se choquem com as

diretrizes nacionais.

Conforme dispõe o § 2º do art. 211 da CR/88, cabe ao Município atuar

prioritariamente no ensino fundamental e na educação infantil. Deflui dos

ensinamentos de Bastos (1998, p. 62) que ao Município não é vedado o

oferecimento do ensino médio ou superior, entretanto, só poderá fazê-lo após

Page 105: efetivação do direito ao ensino fundamental: uma questão de justiça

103

oferecer a educação infantil e, principalmente, o ensino fundamental, porque este é

prioridade do Município.

A Emenda Constitucional n. 14/1996, no artigo 3º estabelece que a atuação

dos Estados e do Distrito Federal é prioritária no ensino fundamental e médio, ou

seja, que estão proibidos de ofertar outras modalidades de ensino antes de oferecer

satisfatoriamente o ensino médio e o fundamental.

Tem-se então que o dever de oferecer o ensino fundamental é do Município e

também do Estado e do Distrito Federal, que o constituinte o priorizou a ponto de

conceder atuação a mais de um ente federativo. E além disso, estabeleceu que a

União é co-responsável, devendo colaborar para a efetiva concretização do dessa

fase do ensino.

A omissão do Poder Público em cumprir suas referidas obrigações para com

seus educandos, que será analisada adiante, poderá ser sanada pela via judicial, na

qual também será perseguida a responsabilidade administrativa, civil e criminal do

administrador ou agente público a quem ela é atribuída.

6.1 A EDUCAÇÃO BRASILEIRA

Durante séculos a educação foi oferecida de forma espontânea pela família,

que passava de geração em geração as suas tradições e as suas técnicas. Só mais

tarde, quando a família percebeu ser incapaz de transmitir tudo o que seus filhos

necessitavam, é que o ensino passou a ser ofertado sistematicamente em

instituições próprias, assim nos ensina Brandão (1995, p. 71).

Na Idade Média, a educação passou a ser atribuição e monopólio da Igreja,

Page 106: efetivação do direito ao ensino fundamental: uma questão de justiça

104

embora exclusividade da minoria privilegiada. O ensino era ministrado pela Igreja

conforme os pensamentos e as idéias da classe dominante, já que tinha por objetivo

a manutenção dos privilégios, e não a capacitação para que as pessoas se

situassem no mundo em que viviam.

No Brasil não foi diferente, a Igreja, através dos Jesuítas5, chegou junto com

os colonizadores portugueses. Em 1549 fundam na Bahia a primeira de uma série

de escolas no Brasil. A ordem religiosa permanece no país e monopolizam o ensino

até meados do século XVIII, quando é expulsa pela coroa portuguesa. Segundo

Gadotti (1997, p. 2) o Marquês de Pombal, Primeiro-ministro de Portugal (1750-

1777), defendendo idéias do despotismo esclarecido, empreendeu reformas no

campo educacional com uma incipiente luta pela escola pública. Nesta época

também ocorre a expulsão dos jesuítas sob a alegação “obscurantismo cultural e

envolvimento político”.

Em 1808 com a vida da família real para o Brasil, o foco da educação passou

a ser então a formação de uma elite governante e de militares. No ano de 1827, logo

depois da Independência do Brasil, foram criadas duas faculdades de Direito, uma

em São Paulo e outra em Recife. Também nesta época foram criadas duas

faculdades de Medicina, uma no Rio de Janeiro e outra em Salvador. Em 1838 é

inaugurada a primeira escola pública secundária, o Colégio Pedro II. Neste período,

cita Gadotti (1997) que o Brasil tinha aproximadamente 14 milhões de habitantes,

destes, cerca de 85% eram analfabetos.

Inicia o século XX, enquanto a maioria da população européia já está

alfabetizada, no Brasil a educação chega a uma minoria (SCHWARTZMAN, 2005, p.

16). Acreditando os governantes do início do século que a ignorância do povo era a

Page 107: efetivação do direito ao ensino fundamental: uma questão de justiça

105

causa de todas as crises do país, criaram-se então diversas Escolas Normais de

formação de Professores primários. Registra também neste princípio de século o

surgimento do movimento de combate ao analfabetismo. Em 1924 é criada a

Associação Brasileira de Educação (ABE) que reunia grandes nomes da educação

nacional. A partir dela surgiu o “Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova” em

favor do ensino fundamental público, gratuito e obrigatório (ARANHA, 1999, p. 137).

O ano de 1930 começa com o processo revolucionário liderado por Getúlio

Vargas. Com a revolução importantes transformações ocorreram no campo

educacional, destacando-se a criação, no mesmo ano, do Ministério da Educação e

Cultura. O primeiro ministro da Educação, Francisco Campos, criou o Estatuto das

Universidades Brasileiras, nesta época também foi criada a Universidade de São

Paulo (1934).

A partir de 1946, a Constituição determinou a fixação orçamentária para a

educação. Anualmente, a União teria que aplicar não menos que 10%, e os Estados,

Distrito Federal e Municípios, nunca menos que 25% dos valores arrecadados com

impostos.

Entre 1946 e 1964, curto período democrático, surgem diversos movimentos

populares em defesa da educação pública. Período de intensa efervescência da vida

democrática, as pessoas passam a se manifestar e a cobrar a efetividade dos

direitos de cidadania. No campo da educação destacam-se: a Campanha de

Aperfeiçoamento e Difusão do Ensino Secundário, a de Erradicação do

Analfabetismo, a de Educação de Adultos e a de Educação Rural.

O golpe militar de 1964 interrompeu reformas importantes que vinham sendo

implantadas no país, influenciadas, sobretudo, pelo educador Paulo Freire. No inicio

5 Ordem religiosa católica, fundada por Inácio Loyola, em 1534.

Page 108: efetivação do direito ao ensino fundamental: uma questão de justiça

106

dos anos 70 a educação obrigatória passou de 4 anos para 8 anos. Assim o ensino

básico, passou a ser chamado de primeiro grau, compreendendo da primeira série

até a oitava série. Os primeiros anos da década de 1970, chamado de período do

milagre econômico, foram responsáveis por grandes retrocessos na educação

nacional. O regime quebrou todo o entusiasmo em que se encontrava a sociedade;

os movimentos de reivindicação legítimos foram todos classificados como

subversivos e extintos.

Segundo o censo do IBGE, o país entrou a década de 1980 com ainda 25,5%

de analfabetos em idade superior a 14 anos.

Com o término do regime militar em 1985 e a situação econômica do país

deteriorada, a década de 1980 não representou nenhum avanço na área

educacional. Apesar da retomada da organização da sociedade, reorganização dos

sindicatos e do Movimento Estudantil, a qualidade do ensino nesta década foi ao seu

pior nível desde que os números passaram a serem registrados. Os índices de

evasão e repetência tornaram-se alarmantes, Gadotti (1997) cita que apenas 44%

dos alunos matriculados no ensino fundamental conseguiram terminar as oito séries,

e para isso precisaram, em média, de 11,4 anos na escola. Apenas 3% concluíram a

oitava série sem repetências e 65% terminaram apenas a quinta série.

Na década de 1990, pós Constituição de 1988, o País volta a se organizar em

torno da educação fundamental pública e de qualidade. A partir de uma proposta do

Senador Darcy Ribeiro é aprovada a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação,

dando, segundo Schwartzman (2005, p. 25) “mais liberdade e flexibilidade para as

instituições educacionais em todos os níveis para montar seus próprios assuntos”.

Esta década também marca a reabilitação do antigo Instituto Nacional de Estudos

Pedagógicos (INEP) como Agência de Pesquisas Estatísticas e Avaliação do Ensino

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107

e a criação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e

de Valorização do Magistério (FUNDEF) para reduzir as diferenças regionais e

estabelecer um piso para os gastos estaduais e municipais com o ensino

fundamental.

A Constituição de 1988 também redefine, segundo Schwartzman (2005, p.

25), os gastos públicos com educação. Determina que a União gaste 18% de seus

recursos com educação, os Estados e Municípios, 25%.

Gomes (2005), fazendo comentário sobre a qualidade do ensino fundamental,

apresenta reportagem da Revista Veja (2003, p.53) mostrando estudo mundial,

realizado pela Unesco, que compara a educação de diversos países, dentre eles o

Brasil.

Estudantes de 41 países, na faixa dos 15 anos, foram testados em leitura, matemática e ciências. O Brasil apresentou um desempenho lamentável. Em leitura, os alunos brasileiros ficaram em 37 lugar, à frente apenas da Macedônia, da Indonésia, a Albânia e do Peru. Em matemática e ciências, em quadragésimo. A pesquisa concluiu também que ‘nenhum país conseguiu obter bons resultados no campo da educação sem fazer investimentos significativos - e bem distribuídos. [...] O Brasil reúne dois defeitos. O dinheiro é curto (30.000 reais por aluno até os 15 anos) e a distribuição dos valores, heterogênea. ... Nos últimos dez anos, houve um salto de quantidade no sistema educacional brasileiro. Praticamente todas as crianças foram matriculadas e se ampliou a oferta de vagas no ensino médio e no superior. No governo de Fernando Henrique Cardoso, o ministro Paulo Renato de Souza organizou um importante sistema de avaliações, que monitora do ensino fundamental ao superior. [...] A Coréia investe pesado em educação há trinta anos’. Segundo os resultados do mesmo estudo comparativo, os estudantes coreanos obtiveram o 1º lugar em ciências, o 3º em matemática e o 7º em leitura. A reportagem que noticia o referido levantamento toca no ponto central do problema da educação brasileira no estágio em que se encontra: Resta enfrentar o desafio de oferecer não apenas um lugar em sala de aula mas garantir que as crianças absorvam o que lhes está sendo ensinado.E pode-se acrescentar: mais do que absorver, passivamente, ensinamentos, o educando deve ser visto como um agente capaz de participar ativamente do processo educacional. Isso só será possível se contar não só com o espaço físico da sala de aula mas, também, com professores suficientemente preparados para educar e não apenas transmitir conhecimentos. E isso implica, obviamente, na necessidade de se valorizar a figura e a profissão do Professor. Infelizmente, neste quesito, o Brasil também carece muito de uma urgente evolução que seja capaz de colocá-lo em posição menos distante dos países que há muito investem e, cada vez mais, em educação. Perceberam eles não haver possibilidade de desenvolvimento da sociedade sem que os integrantes desta sejam suficientemente educados, desenvolvidos, como seres humanos que são. (GOMES, 2003, p. 97).

Page 110: efetivação do direito ao ensino fundamental: uma questão de justiça

108

O ensino fundamental brasileiro apresenta, segundo dados do MEC/INEP, os

seguintes dados:

O quadro 1 - Número de matrículas em todas as modalidades de Ensino

Fundamental, por Região Geográfica - demonstra que o Nordeste é a região com maior

número de alunos matriculados no ensino fundamental dentre todas, praticamente 40%

do número total de alunos no Brasil. Verifica-se que enquanto algumas regiões do país o

grande volume de alunos do ensino fundamental está nas cidades, no Norte e no

Nordeste este percentual chega a mais de 20% dos matriculados.

O quadro 2 - Número de Professores exercendo atividades em sala de aula

no Ensino Fundamental, por Região Geográfica - demonstra dois importantes dados:

A relação Aluno x Professor no Norte e no Nordeste estão acima da média nacional;

A relação Aluno x Professor no rural é em média inferior a 30% da mesma relação

nas cidades.

O quadro 3 - Formação dos Professores do Ensino Fundamental de 5ª a 8ª

séries por nível de formação, por Região Geográfica - demonstra o quanto o ensino

fundamental brasileiro está carente de professores bem formados. Apesar de ainda

apresentar alguns professores lecionando sem o ensino fundamental completo, o

dado que destaca é aquele que indica 23,45% dos professores com o apenas o

ensino médio. E pior, no Norte e Nordeste este percentual chega próximo dos 50%.

Uma verdadeira disparidade com o restante do país, principalmente Sul e Sudeste.

O quadro 4 - Número de estabelecimentos da Educação Fundamental por

localização - demonstra a relação estabelecimento x aluno, tanto no rural quanto no

urbano. Em razão da baixa densidade demográfica o Nordeste e o Norte o número

de alunos por estabelecimento é inferior ao de outras regiões mais populosas.

Entretanto, este dado remete a uma outra análise. Cruzando-o com os dados deste

Page 111: efetivação do direito ao ensino fundamental: uma questão de justiça

109

quadro com os dados do quadro 2 observa-se que, em média para cada

estabelecimento de ensino urbano o Nordeste apresenta 6 professores, enquanto no

Sudeste esta média é de 13 professores.

Há certamente uma grande carência no sistema educacional nas regiões

Nordeste e Norte do país. Apesar do grande número de alunos matriculados, são as

Regiões que apresentam os maiores números de professores com baixa formação, o

que implica diretamente na qualidade do ensino; as maiores relações professor x

aluno; os maiores números de escolas rurais.

Região Total Urbano % Rural % Norte 6.247.799 4.944.644 79,14% 1.303.155 20,86% Nordeste 20.980.027 16.352.770 77,94% 4.627.257 22,06% Sudeste 19.086.233 18.200.707 95,36% 885.526 04,64% Sul 6.895.998 6.338.675 91,92% 557.323 08,08% Centro-Oeste 3.602.796 3.359.598 93,25% 243.198 06,75% Brasil 56.812.853 49.196.394 86,59% 7.616.459 13,41% Quadro 1: Número de Matrículas em todas as modalidades de Ensino Fundamental, por

Região Geográfica, em 31/03/2004

Fonte: MEC/INEP, 2004.

Região Total Urbano % Rural % Relação Prof.

X Aluno (Urbano)

Relação Prof. X Aluno (Rural)

Norte 166.667 122.086 73,25% 44.581 26,75% 40,50 29,23

Nordeste 581.293 425.103 73,13% 156.190 26,87% 38,47 29,63

Sudeste 566.754 518.879 91,55% 47.875 08,45% 35,08 18,50 Sul 253.854 216.920 85,45% 36.934 14,55% 29,22 15,09 Centro-Oeste 108.328 96.424 89,01% 11.904 10,99% 34,84 20,43

Brasil 1.676.896 1.379.412 82,26% 297.484 17,74% 35,66 25,60

Quadro 2: Número de Professores exercendo atividades em sala de aula - Ensino Fundamental - por Região Geográfica, em 31/03/2004

Fonte: MEC/INEP, 2004.

Fundamental Região Incompleto Completo

Médio completo Superior completo

Norte 0,02% 0,21% 49,40% 50,30% Nordeste 0,02% 0,13% 37,57% 62,20% Sudeste 0,03% 0,02% 05,92% 96,70% Sul 0,05% 0,40% 08,16% 91,40% Centro-Oeste 0,01% 0,20% 21,15% 78,62% Brasil 0,03% 0,14% 23,45% 76,38% Quadro 3: Formação do Professores do Ensino Fundamental de 5ª a 8ª, por nível de Formação,

por Região Geográfica, em 31/03/2004

Page 112: efetivação do direito ao ensino fundamental: uma questão de justiça

110

Fonte: MEC/INEP, 2004.

Região Total Urbano % Rural % Relação Estab. X Aluno Urbano

Relação Estab. X Aluno Rural

Norte 44.139 24.888 56,39% 19.251 43,61% 251,04 67,69 Nordeste 135.584 78.922 58,21% 56.662 41,79% 265,83 81,66 Sudeste 53.216 41.026 77,09% 12.190 22,91% 465,22 72,64 Sul 30.892 22.100 71,54% 8.792 28,46% 312,04 63,39 Centro-Oeste 10.572 7.958 75,27% 2.614 24,73% 452,73 93,04 Brasil 274.403 174.894 63,74% 99.509 36,26% 324,84 76,54 Quadro 4: Número de estabelecimentos da Educação Fundamental por localização, segundo

Região - 2004

Fonte: MEC/INEP, 2004.

6.1.1 Os indicadores da educação brasileira

Na década de 1990, o Brasil e mais oito países reunidos em Jontien, na

Tailândia, no chamado “Grupo dos Nove” - países cuja população é das mais altas e

a produtividade educacional está entre as mais baixas -, firmaram o compromisso de

Educação para Todos, que tem por finalidade instituir políticas públicas direcionadas

à educação. No Brasil, como fruto desse protocolo, instituiu-se o Plano Decenal de

Educação para Todos (MEC, 2003).

O plano brasileiro tinha dois focos: o primeiro, garantir o acesso de todos à

escola; o segundo, a implementação de um ensino fundamental de qualidade. A

escola pretendida era aquela capaz de preparar o educando para conviver na

sociedade, atendendo às suas demandas e proporcionando-lhe uma vida autônoma.

Em 1996, na avaliação dos cinco anos decorridos da Década da Educação

para Todos, verificou-se que alguns avanços já eram percebidos, especialmente no

que se refere ao acesso, ficando, porém, evidenciado que não havia indicadores que

permitissem definir quanto ao padrão de qualidade do ensino, principalmente diante

da tamanha diversidade e extensão do Brasil, um verdadeiro continente. No intuito

de obter dados mais consistentes nesse aspecto, o INEP/MEC, criou novos

Page 113: efetivação do direito ao ensino fundamental: uma questão de justiça

111

indicadores capazes de demonstrar, tanto no aspecto quantitativo quanto no

qualitativo, se o direito à educação estava ou não se efetivando.

Do ponto de vista quantitativo, os indicadores são: taxas de matrícula, taxa de

ingresso e escolarização. Qualitativamente, os indicadores estão relacionados a

resultados da educação: taxa de repetência, taxa de sobrevivência (aprovação),

coeficiente de eficácia, porcentagem de alunos que dominam um conjunto de

competências básicas, qualificação dos professores. Além disso, como bem afirma

Liberatti (2004, p. 124), outros indicadores relacionados a estes devem ser observados:

financiamento do ensino, titulação dos docentes e o número de alunos por docente.

Todos eles, segundo o autor, têm íntima relação com a qualidade de ensino.

A instituição de indicadores é importante, uma vez que proporciona à

sociedade e ao governo condições de planejar o sistema educacional de acordo com

as demandas. Segundo Balzano citado por Liberatti (2004, p. 289), “os processos de

avaliação estratégica da educação são, hoje, mundialmente considerados

indispensáveis como mecanismos de acompanhamento e controle das reformas e

das políticas educacionais”.

No campo da pesquisa educacional, o Brasil vem se destacando

mundialmente. Apesar de ainda não conseguir resolver o problema da qualidade do

seu ensino, é reconhecido pelo trabalho do Instituto Nacional de Pesquisas e

Estudos Educacionais (INEP), órgão responsável por grande número de informações

à disposição no campo da educação, o que tem permitido o aprofundamento da

discussão pela sociedade civil e as tomadas de decisões pelo Poder Público.

A última pesquisa realizada pelo INEP, em 2004, demonstra que o Brasil

conseguiu avançar consideravelmente quanto à garantia de acesso ao ensino. No

entanto, apesar de estar sendo garantido com razoável eficiência, o País tem

Page 114: efetivação do direito ao ensino fundamental: uma questão de justiça

112

encontrado dificuldades no que se refere à qualidade do ensino. Prova disso é a

crescente taxa de analfabetismo funcional que, embora não seja medido

oficialmente, é perceptível nos dados do IBGE: está em curva ascendente, pois em

1990 era de aproximadamente 4% da população brasileira, chegando a quase 8%

em 1998. Isso demonstra que, houve o aumento da oferta de sala de aula,

entretanto, diminuiu assustadoramente a qualidade da educação oferecida.

Na tabela abaixo, do MEC/INEP, pode-se visualizar e comparar as taxas de

escolarização bruta e líquida nos níveis de ensino fundamental, médio e superior e

sua evolução no período 1996 e 2003, sendo a Taxa de Escolarização Bruta a que

compreende todos os alunos matriculados em determinado nível de ensino,

independente da idade. A Taxa Líquida informa o número de alunos em idade

apropriada ao nível de ensino em que se encontra matriculado.

TABELA 1

Taxa de Escolarização Bruta e Líquida por nível de Ensino - Brasil 1996/2003

Nível de Ensino Taxa de Escolarização Bruta Taxa de Escolarização Líquida

1996 Ensino Fundamental (7 a 14 anos) 112,30% 86,50% Ensino Médio (15 a 17 anos) 50,70% 24,10% Educação Superior (18 a 24 anos) 9,30% 5,80% 2003 Ensino Fundamental (7 a 14 anos) 119,30% 93,80% Ensino Médio (15 a 17 anos) 81,10% 43,10% Educação Superior (18 a 24 anos) 18,60% 10,60% Fonte: IBGE, PNAD´s 1996 e 2003 apud MEC/INEP, 2004.

A sua análise revela evolução em todos os níveis e demonstra o resultado de

políticas governamentais adotadas nas últimas décadas, em especial os incentivos

financeiros proporcionados pelo FUNDEF, que levaram à inclusão de milhares de

jovens que não estavam na escola. Em que pese o progresso, a mesma tabela

mostra gargalos importantes que tais políticas, inclusive o FUNDEF, não

conseguiram resolver. Se tomarmos o conjunto de matrículas do Ensino

Page 115: efetivação do direito ao ensino fundamental: uma questão de justiça

113

Fundamental e compará-lo com a população de 7 a 14 anos, vemos um excesso de

cerca de 20% de alunos, indicando que ainda há, nesse nível de ensino, estudantes

que já ultrapassaram a idade considerada adequada para a conclusão dos 8 anos do

fundamental.

Dessa forma, embora o País tenha atingido um nível de acesso à escola, da

população de 7 a 14 anos, praticamente universal, o nível de escolaridade média da

população de 15 anos ou mais é de apenas 6,7 anos. Esse aparente paradoxo pode

ser explicado pela baixa eficiência do sistema educacional brasileiro em produzir

concluintes, pois se o acesso é quase universal, é baixo o percentual daqueles que

concluem o ensino fundamental, sobretudo na idade adequada.

Haveria, portanto, uma população de quase 20% que, embora pudesse cursar o

Ensino Médio, permanece retida no nível anterior, isso sem contar os que evadiram.

Essas considerações ficam demonstradas pela análise dos indicadores de

fluxo escolar. Em um sistema de ensino de progressão seriada, eles são um valioso

instrumento para acompanhar a trajetória dos alunos, medir a eficiência das redes

de ensino e a capacidade do sistema em produzir concluintes. Tornam possível

desvendar um dos problemas crônicos da educação brasileira - os altos índices de

fracasso escolar dos estudantes que, apesar de passarem em média

aproximadamente 10 anos na escola, completam com sucesso pouco mais de 6

séries. Mostram também que ainda estamos longe de atingir, na média, as oito

séries de escolarização obrigatória.

Mesmo que as taxas de repetência no Brasil tenham diminuído nos últimos

anos, saltando de 30,2% em 1995, para 19,2%, em 2003, conforme Tabela 2, ainda

continua elevada e muito aquém dos índices registrados em países com níveis de

desenvolvimento equivalentes ou até mesmo inferiores ao brasileiro. Outro dado é a

Page 116: efetivação do direito ao ensino fundamental: uma questão de justiça

114

Taxa de Promoção e a Taxa de Evasão, que se mostram pequenas alterações. A

evasão piorou um pouco - de 5,3% em 1995 para 6,8% em 2003. Esses resultados

demonstram um inchaço do sistema educacional e baixa taxa de conclusão do

ensino fundamental, o que quer dizer baixa qualidade.

TABELA 2

Taxa de Transição por Série - Brasil 1995-2003

Ensino Fundamental Ensino Médio Ano Total 1ª 2ª 3ª 4ª 5ª 6ª 7ª 8ª Total 1ª 2ª 3ª Taxa de Promoção 1995 64,5 53,5 64,4 71,3 71,9 57,6 63,9 69,9 69,0 65,0 53,9 67,3 83,72000 73,4 62,8 73,7 77,5 79,4 68,1 73,9 76,5 74,7 73,4 64,5 75,0 85,32003 74,0 70,1 76,9 80,1 78,3 68,4 71,9 74,8 72,0 71,7 62,6 73,7 84,3Taxa de Repetência 1995 30,2 45,5 32,2 23,5 19,1 33,6 27,4 22,8 17,9 26,7 34,7 24,7 13,52000 21,7 36,2 22,5 17,6 14,8 24,8 17,6 17,1 15,2 18,6 24,6 17,2 10,62003 19,2 28,9 19,6 15,1 13,6 22,9 18,3 15,8 15,5 20,6 27,0 18,5 12,7Taxa de Evasão 1995 5,3 1,0 3,4 5,2 9,0 8,8 8,7 7,3 13,1 8,3 11,4 8,0 2,82000 4,9 1,0 3,8 4,9 5,8 7,1 8,5 6,4 10,1 8,0 10,9 7,8 4,12003 6,8 1,0 3,5 4,8 8,1 8,7 9,8 9,4 12,5 7,7 10,4 7,8 3,0

Fonte: MEC/INEP, 2004.

A Taxa de Promoção deve ser entendida como o percentual de progressão,

ou seja, como está a evolução dos estudantes. Verifica-se na tabela acima que o

total de transição série no ensino fundamental em 2003 foi de 74%, enquanto em

1995 estava em cerca de 64%.

A Taxa de Repetência indica o percentual de reprovação dos alunos, do total

dos alunos do ensino fundamental em 2003 a repetência ficou próximo de 19%.

A Taxa de Evasão demonstra o percentual de alunos que entram e não

concluem o ano letivo.

Retomando a questão dos indicadores, o INEP/MEC trabalha hoje com 23

indicadores, distribuídos em seis blocos, que permitem ter uma visão abrangente da

situação educacional do País. Segundo Liberatti (2004, p. 127), os indicadores

possibilitam que os resultados educacionais sejam associados aos fatores que

Page 117: efetivação do direito ao ensino fundamental: uma questão de justiça

115

influenciam direta ou indiretamente na educação.

São seis os blocos de análise do INEP/MEC:

a) Contexto Sóciodemográfico: Indica os aspectos sociais, econômicos e

demográficos que têm relação com as variáveis educacionais. São: Índice de

Desenvolvimento Humano (IDH), Distribuição Espacial da População, Percentual

da População em Idade Escolar por Faixa Etária, Taxa de instrução populacional

e de analfabetismo (não considera o analfabetismo funcional, somente o

tradicional). Além de outras possibilidades, esses indicador permite estimar a

demanda por vagas na educação infantil, no ensino fundamental e no médio

b) Condições da oferta: Este bloco mostra as condições de atendimento pelos

Sistemas de ensino, tais como: infra-estrutura das escolas; situação salarial e

qualificação dos recursos humanos que atuam na educação. Tais dados

apresentam forte relação com a qualidade do ensino, dentre eles, os índices que

definem o número de alunos atendidos por tamanho da escola, o número médio

de alunos por turma, o número médio de horas-aulas diárias, a qualificação e o

salário médio dos docentes e os recursos disponíveis na escola.

c) Acesso e Participação: Neste bloco é indicado o atendimento escolar na faixa

etária adequada, nos diferentes níveis de ensino da educação básica-

fundamental e médio. São eles: as taxas de atendimento, escolarização bruta e

líquida e a distribuição de matrícula por sexo.

d) Eficiência e Rendimento Escolar: Este bloco tem singular importância na

avaliação qualitativa do ensino. O objetivo desses indicadores é verificar taxas de

aprovação, reprovação, abandono e distorção idade/série. E ainda, taxa de

transição de fluxo escolar, que avalia a progressão do aluno ao final do período

letivo; taxa de eficiência do fluxo escolar, que estima o tempo médio de

Page 118: efetivação do direito ao ensino fundamental: uma questão de justiça

116

permanência e número de séries concluídas; taxa de expectativa de conclusão,

que corresponde à análise da produtividade dos Sistemas de Ensino, permitindo

avaliar sua eficiência a partir do percentual de alunos que concluem o ensino

fundamental ou médio e do tempo em média necessário para essa conclusão.

e) Desempenho Escolar: Neste bloco o que se busca é analisar os resultados do

Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (SAEB). A avaliação

realizada ao fim de cada ciclo escolar nas disciplinas de Matemática e Português,

buscando verificar o que os alunos sabem, compreendem e são capazes de fazer.

Os indicadores de proficiência permitem avaliar a qualidade do ensino ministrado

nas escolas. Surpreenderam a sociedade os dados do SAEB de 2005, inferiores

aos obtidos nos últimos anos.

f) Financiamento da Educação: Este último bloco, reúne os indicadores capazes de

demonstrar os gastos públicos com a educação nos três níveis de governo -

União, Estados e Municípios. Os dados que dizem respeito ao financiamento da

educação são organizados a partir dos balanços das esferas governamentais e

apresentados como: Desembolso Público com Educação em Relação ao PIB,

relação entre o gasto geral do setor público e o que se destina à educação e

outros.

A consolidação desses indicadores pelo INEP tem como objetivo situar a

educação brasileira. É uma tarefa estratégica: oferecer estatísticas relevantes e

confiáveis; avaliar o desempenho dos sistemas e dos alunos e fomentar ações

nessa direção junto aos Estados e Municípios, para que eles também se auto-

avaliem e imprimam políticas consistentes para que o Brasil seja capaz de superar o

grande desafio de elevar o seu nível educacional. Em resumo, transformar em

qualidade os ganhos quantitativos realizados na última década.

Page 119: efetivação do direito ao ensino fundamental: uma questão de justiça

117

Liberatti afirma que:

esses dados oferecem respostas para questões como: Em que contexto social se desenvolve a educação? O que as escolas estão oferecendo? Quem tem acesso e em quais condições? O que os alunos aprendem? Quem financia e quanto se gasta em educação no Brasil? (LIBERATTI, 2004, p. 130).

Os indicadores apresentados pelo INEP demonstram que, apesar dos avanços,

principalmente no acesso à escola, são ainda tímidas as ações que apresentam

resultados na qualidade do ensino. A solução para as questões educacionais passa

necessariamente pela análise dos indicadores qualitativos, para que ações sejam

tomadas de forma objetiva e sem desperdício de recursos públicos.

Gomes, comentando a respeito da efetividade do direito à educação, diz que:

está a depender de um maior compromisso com o seu significado. Por isso, cabe buscar uma argumentação que vá além da mera referência à positivação de tal direito. Uma argumentação que almeje ao convencimento de todos aqueles que exercem o poder em qualquer esfera - pública ou privada - e que por isso, com suas decisões afetam a qualidade de vida de milhões de pessoas que se vêem prejudicadas pela ausência de acesso a uma educação adequada ao desenvolvimento integral da personalidade. É preciso convencer tais agentes de que a educação deve ser melhor implementada por todos os meios possíveis a fim de que o viver e o conviver do ser humano seja, efetivamente, ‘menos desumano’ do que o presenciado no mundo contemporâneo. Isso não é tarefa fácil, porque tal convencimento está a depender do grau de compreensão que tais agentes do poder possuem sobre o fenômeno educacional. Assim, por exemplo, se estes não forem suficientemente educados para o exercício da convivência democrática, tendem a agir de modo autoritário, egoístico e dominador ou então com descaso em relação à própria educação a qual também lhes falta. Daí a gravidade da questão democrática alusiva à escolha dos mandatários do poder político, pois quem os elege (povo ou massa?) nem sempre conhece - exatamente por falta da educação política adequada - as virtudes e os vícios dos escolhidos, sua efetiva formação, seus reais propósitos e o grau de sinceridade com que assumem os programas de ação que anunciam antes das eleições, em suas campanhas pelo voto popular. Para evitar seus abusos não basta a existência de normas escritas. Há de se contar com uma população suficientemente educada para o convívio social a ponto de saber que, no regime democrático, cabe a ela, pelos meios institucionais adequados, fazer uso dos instrumentos jurídicos e políticos impeditivos e corretivos do poder. No entanto, só a educação possibilita tal conscientização e o pleno desenvolvimento da pessoa. Só ela é capaz de libertar o indivíduo e os povos das amarras da ignorância a respeito dos seus próprios direitos, valores e dignidade, bem como sobre os direitos, valores e dignidade do outro, de modo a ver neste um semelhante e não um inimigo. Só a educação forma o sujeito autônomo, pois somente ela é capaz de abrir-lhes os olhos para dimensões da realidade inacessíveis por outros meios.

[...]

Page 120: efetivação do direito ao ensino fundamental: uma questão de justiça

118

O reconhecimento da importância da educação tem como dado objetivo as normas jurídicas já existentes que a positivam como um direito de todos. Mas, é preciso ir além, isto é, necessário se ‘levar a sério’ o reconhecimento de tal direito e aprofundar a reflexão sobre os motivos que ensejam o status da educação como um ‘direito fundamental’. São estes elementos que merecem ocupar maior espaço nas consciências de mandantes e mandatários, cidadãos e governos a fim de que o direito fundamental à educação seja mais bem efetivado. (GOMES, 2005, p. 95-98, grifo nosso).

O povo, verdadeiro mandatário no Estado Democrático de Direito, por meio

de seus representantes, já estabeleceu a educação pretendida, muito diferente desta

que hoje se observa pelo país e que o INEP demonstra através de números.

A Constituição estabeleceu o direito ao ensino fundamental como prioridade

no Estado brasileiro, a forma como deve ser efetivada e por qual ente federativo.

6.1.2 Analfabetismo no Brasil

Não são raros os casos hoje em que o processo de alfabetização começa

muito cedo, na fase pré-escolar, diferentemente de outros tempos em que apenas

com o ingresso no chamado curso primário se iniciava a alfabetização do aluno.

Considerada como o ato de saber ler e escrever, a alfabetização valeria como

algo definitivo na vida de cada um que pudesse responder afirmativamente à

questão: Sabe ler e escrever?

O ideal seria que os alunos, já nos primórdios da vida escolar, dominassem

completamente o ato de ler e de escrever, fazendo dele um recurso de uso e de

validade permanentes. A realidade mostra outra face da questão: milhões de

crianças, passando ligeiramente pela escola, captam apenas os rudimentos da

fundamental conquista. Como depois não fazem uso suficiente dela em seu

quotidiano, essa alfabetização superficial tende a ser um bem logo perdido.

Page 121: efetivação do direito ao ensino fundamental: uma questão de justiça

119

Por aí se vê que encarar a alfabetização apenas como uma etapa quase

inicial na vida escolar, sem ampliar o seu sentido e o alcance, é a maneira errada e

ilusória de tratar um dos elementos mais importantes no permanente processo de

inserção social das novas gerações.

O Brasil tem diante de si um triste dado, o de ser um dos países com o maior

número de analfabetos do planeta. Apesar dos esforços públicos e também da

sociedade civil em “letrar” a população, ele ainda pesa sobre os ombros do País. A

Tabela 3 faz um comparativo entre as taxas de analfabetismo de diversos países em

2000.

TABELA 3

Taxa de Analfabetismo na População de Quinze ou Mais Anos

em Países Selecionados - 2000

País Analfabetismo Bulgária 2,00% Espanha 3,00% Argentina 4,00% Chile 6,00% Cuba 6,00% Israel 6,00% Paraguai 10,00% Equador 12,00% Brasil 15,00% Bolívia 20,00% Fonte: Unesco, 2003.

Observa-se que o Brasil está atrás de diversos países, inclusive latino-

americanos, como Paraguai, Equador, Argentina, Chile.

Analistas ligados à área da educação têm discutido intensamente a

necessidade de melhorar a cobertura escolar, principalmente para a população em

idade própria, além de uma profunda melhoria na qualidade do ensino praticado. É

certo que o País tem avançado consideravelmente no sentido de reduzir o

analfabetismo, que nas últimas décadas caiu de 39,5%, em 1960, para 8% em 2005,

porém, segundo o IBGE, ainda apresenta um elevado número de analfabetos em

Page 122: efetivação do direito ao ensino fundamental: uma questão de justiça

120

valores absolutos, cerca de 15 milhões de pessoas, sendo que em 2005 o índice

entre a população maior de 15 anos o índice era 13,63%.

Os indicadores educacionais têm demonstrado que o analfabetismo ainda é

um problema crônico, principalmente em determinadas regiões brasileiras, onde os

programas de alfabetização não atingiram uma parcela significativa de pessoas.

Prevalece ainda um acentuado contraste regional, com forte concentração no

Norte e no Nordeste brasileiros, na zona rural e com pessoas acima de 30 anos de

idade.

Se já não bastasse, os indicadores brasileiros assustam mais por serem dados

obtidos numa concepção arcaica de analfabetismo, já superada em todo o mundo. A

Unesco defendia em 1958 que o analfabeto era somente aquele que não conseguia

ler ou escrever algo simples. Hoje, porém, ela vem adotando um conceito mais

moderno e mais complexo, o analfabetismo funcional, que consiste na falta de

habilidades necessárias para satisfazer as demandas do indivíduo no seu dia-a-dia.

As pesquisas realizadas no Brasil, ainda hoje, se referem ao analfabetismo simples,

fornecendo elementos muito elementares do nível educacional. Os pesquisadores,

principalmente nos últimos oito anos, têm se aplicado em estudar esse “novo” tipo

analfabetismo.

Países que hoje têm um nível educacional mais elevado do que o do Brasil, já

não se interessam em apurar o analfabetismo tradicional. No entanto, no Brasil, por

ainda deter um número elevado de analfabetos tradicionais, a apuração desses

dados se faz necessária, segundo o INEP.

A Tabela 4, a seguir, mostra as taxas de alfabetização da população brasileira

de 15 anos de idade ou mais a partir de 1920. Ainda que tenha havido critérios

diferentes de avaliar esse indicador ao longo dos anos, verifica-se que o País tem

Page 123: efetivação do direito ao ensino fundamental: uma questão de justiça

121

produzido “avanços”.

TABELA 4

Alfabetização da População de Quinze anos e Mais - Brasil - 1900/1991

Ano Alfabetizados Analfabetos Sem Declaração Taxa de Alfabetização (%)

1900 3.380.451 6.348.869 022.791 35 1920 6.155.567 11.401.715 - 35 1940 10.379.990 13.269.381 060.398 44 1950 14.916.779 15.272.632 060.012 49 1960 24.259.284 15.964.852 054.466 60 1970 35.586.771 18.146.977 274.856 66 1980 54.793.268 18.716.847 031.828 75 1991 76.603.804 19.233.239 - 80 Fonte: IBGE, 1995.

A partir de 1920, a proporção de alfabetizados da população tem crescido de

maneira estável. Da metade do século XX em diante a população mostra

crescimento acelerado, mas o volume de analfabetos se mantém relativamente

constante, o que resulta em aumento nas taxas de alfabetização.

A constância desse volume pode ser parcialmente explicada pela manutenção

dos analfabetos de gerações passadas na população. Se o ensino, especialmente o

escolar, focaliza quase que exclusivamente a população jovem, torna-se, após certa

idade, difícil aos adultos inverterem sua condição de analfabetos. Assim, o

envelhecimento de uma geração de analfabetos pode, nesse caso, ser considerado

o componente demográfico da manutenção do analfabetismo. Entretanto, para ser

mantido no tempo, o número de analfabetos exige reposição, ou seja, o surgimento

de novos analfabetos nas gerações mais novas. Logo, além dos aspectos

essencialmente relacionados à dinâmica demográfica, o analfabetismo está também

relacionado a condições que produzem novos analfabetos.

A Tabela 4 apresenta uma situação estática. Como as taxas totais de

analfabetismo possuem um componente demográfico, a história da redução do

analfabetismo pode afetar a interpretação dessa situação. Países que iniciaram a

Page 124: efetivação do direito ao ensino fundamental: uma questão de justiça

122

redução do analfabetismo mais cedo, reduziram o efeito da componente

demográfica nas taxas atuais, que tendem a ser menores. Isso permitiria levantar a

hipótese de que a má posição do Brasil em relação a países próximos seria

resultado de um processo tardio de redução do analfabetismo. Seria possível,

inclusive, argumentar que o atual analfabetismo no Brasil é restrito às gerações

antigas e, portanto, é meramente uma questão demográfica.

No entanto, a distribuição etária da população analfabeta apresentada no

Gráfico 1 não corrobora a hipótese da redução tardia. Se essa hipótese fosse

verdadeira, seria de se esperar que a estrutura etária da população de analfabetos

apresentasse o formato aproximado de uma pirâmide invertida. O que ocorre, no

entanto, é que a distribuição apresenta-se bastante uniforme, se considerado todo o

País. Os dados da Tabela 4 também apresentam evidência contrária a essa hipótese.

No caso de uma redução tardia, em algum momento nos últimos trinta ou quarenta

anos - período que englobaria a alfabetização da geração com idades atuais entre 40

e 60 anos, aproximadamente -. deveria haver súbita aceleração na evolução das

taxas de alfabetização. No entanto, observa-se um aumento estável da alfabetização

a partir de 1920. Isso sugere que não se trata fundamentalmente de defasagem, mas

sim de redução insuficiente do analfabetismo ao longo do tempo.

Essa característica na evolução da alfabetização no Brasil indica que o

problema não é apenas uma questão demográfica. O argumento de que as atuais

taxas de analfabetismo no Brasil são elevadas apenas por reflexo da insuficiência do

sistema de ensino das décadas passadas, pode ser derivado da hipótese da

redução tardia.

A primeira parte do argumento baseia-se na idéia de que o analfabetismo

seria alto porque as pessoas de gerações antigas que permaneceram alheias ao

Page 125: efetivação do direito ao ensino fundamental: uma questão de justiça

123

sistema de ensino constituem um estoque de analfabetos que não é alcançado pelos

esforços de melhoria do sistema. A segunda parte considera que, se as melhorias do

sistema permitirem a redução do analfabetismo nas novas gerações, o estoque de

analfabetos será consumido, sem reposição suficiente, com o envelhecimento e

morte dos analfabetos e, portanto, a taxa total de analfabetismo cairá.

Gráfico 1: Distribuição Etária da População Analfabeta - Brasil / 1996

Fonte: PNAD, 1996.

Na Tabela 5 são apresentadas as taxas de analfabetismo segundo as faixas

etárias e a participação da população de cada faixa etária na população total. É

possível notar que, entre 1980 e 1990, houve deslocamento do peso na

determinação da taxa total das gerações mais jovens para as mais velhas.

Cresceram as desigualdades na distribuição etária dos analfabetos, e

aumentou a participação das faixas etárias mais velhas na taxa total de

analfabetismo. No entanto, como o analfabetismo atual é também resultado de

redução insuficiente ao longo do tempo, as gerações antigas não podem ser

consideradas as únicas responsáveis pelas altas taxas atuais, pois pessoas com

menos de 30 anos em 1991 determinavam cerca de 31% do analfabetismo total. Em

outras palavras, o estoque de analfabetos na população é, por um lado, consumido

Page 126: efetivação do direito ao ensino fundamental: uma questão de justiça

124

pela morte dos analfabetos mais velhos e, por outro, reposto pela não-alfabetização

de parte da população jovem.

TABELA 5

Taxas de Analfabetismo segundo Faixas Etárias

Taxas de Analfabetismo Participação no total Idade 1980 1991 1980 1991 10 a 19 21% 15% 28% 24% 20 a 29 17% 12% 17% 16% 30 a 39 24% 15% 16% 16% 40 a 49 31% 24% 15% 17% 50 a 59 37% 31% 13% 15% 60 a 69 47% 40% 10% 13% 10 a 69 24% 18% 100% 100% Fonte: IBGE, 1995.

O Estado brasileiro tem se empenhado no sentido de inverter o quadro do

analfabetismo. Por determinação constitucional foi elaborado o Plano Nacional de

Educação - Lei n. 10.712/2001 -, já citado neste trabalho, que tem como objetivo

prioritário a melhoria da qualidade de ensino e a erradicação do analfabetismo no

País. Da mesma forma, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação - Lei n.

9.394/1996 - no art. 87 determina o prazo de dez anos para pôr fim ao

analfabetismo no Brasil.

O PNE tem como uma de suas prioridades à extensão da educação a

todas as faixas etárias, bem como objetivo de proporcionar oportunidade de

educação a todos que não a tiveram na época devida. Essa meta incorpora, de

forma ampliada, a determinação constitucional de erradicação do analfabetismo,

entendendo que a alfabetização deve ser interpretada no seu sentido mais amplo,

isto é, como domínio de instrumentos básicos da cultura letrada, das operações

matemáticas elementares, da evolução histórica da sociedade humana, da

diversidade do espaço físico e político mundial e da constituição da sociedade

brasileira. Envolve, ainda, a formação do cidadão responsável e consciente de

Page 127: efetivação do direito ao ensino fundamental: uma questão de justiça

125

seus direitos.

A ainda “alta” taxa de analfabetismo apresentada demonstra que o problema

não está relacionado somente às gerações antigas da população, restrito a uma

questão meramente demográfica. Há uma clara ineficiência do atual sistema

educacional brasileiro, que poderá inviabilizar gerações e gerações de brasileiros.

No futuro próximo, com a evolução tecnológica que certamente virá, ser

simplesmente alfabetizado deixará de ser relevante; as necessidades de hoje, e

muito mais nos próximos anos, vão requerer um nível de conhecimento mínimo além

do simples ato de ler e escrever. Faz-se necessário urgentemente efetivar o direito a

educação, pois é ela “a chave da nova sociedade que tem o desafio de não admitir a

figura do analfabeto, ou daquele excluído da tecnologia e do modus vivendi da era

da informação, embora ainda habitando em palafitas e morrendo de dengue”

(LIBERATTI, 2004, p. 19).

Rui Barbosa, citado por Chaves, há mais de cem anos já dizia que

a chave misteriosa das desgraças que nos afligem é esta e só esta: a ignorância popular, mãe da servilidade e da miséria. Eis a grande ameaça contra a existência constitucional e livre da Nação: eis o formidável inimigo interno que se asila nas entranhas do País. Para vencer, releva instaurarmos o grande serviço de defesa nacional contra a ignorância (CHAVES, 2001, p. 129).

6.2 A EFETIVAÇÃO DO DIREITO AO ENSINO FUNDAMENTAL POR MEIO DE

POLÍTICAS PÚBLICAS

A educação que toda a sociedade brasileira almeja se realizará quando ela

própria se organizar para reivindicar do Poder Público as políticas adequadas ao

direito à educação fundamental.

Page 128: efetivação do direito ao ensino fundamental: uma questão de justiça

126

Se o Estado Democrático brasileiro pretende de fato alcançar os objetivos

fundamentais estabelecidos no art. 3º da Constituição Federal:

a construção de uma sociedade livre, justa e solidária; garantir o desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação,

e ainda mais, a sua integração na ordem internacional como um país desenvolvido e

comprometido com o desenvolvimento pessoal de seus habitantes, em estrito

cumprimento aos fundamentos constitucionais “da cidadania e dignidade da pessoa

humana”, faz-se necessário passar de inspiração da educação para todos, para a

sua realização.

A concretização dos direitos coletivos depende da formulação e da

implementação das políticas públicas. Tais políticas são formuladas pelo Poder

Legislativo que, em tese, legislam correspondendo aos anseios da sociedade.

Segundo Bucci (2002, p. 268, 271), “Políticas Públicas são programas de

ação governamental visando a coordenar os meios à disposição do Estado e as

atividades privadas, para realização de objetivos socialmente relevantes e

politicamente determinados”. Destaca ainda que execução das políticas públicas

sempre significa que uma parcela formadora dessa política fica em mãos do Poder

Executivo, uma vez que as informações sobre a realidade a ser transformada, a

capacitação técnica e a vinculação dos servidores públicos, a disponibilidade

financeira e outros tantos elementos, que determinarão o sucesso ou o insucesso da

política, dependem dos organismos da Administração Pública. A esse propósito a

autora considera que “o mais correto seria que pudessem ser realizadas pelo

Executivo, por iniciativa sua, segundo as diretrizes e dentro dos limites aprovados

pelo Legislativo”.

Page 129: efetivação do direito ao ensino fundamental: uma questão de justiça

127

As Políticas Públicas tiveram sua origem no século XIX, após o início do

processo de Industrialização da Europa. Com as mazelas provocadas pelas

péssimas condições de trabalho próprias daquela época, os socialistas fizeram atuar

o princípio da solidariedade. A responsabilidade dos membros da sociedade em

amparar aqueles indivíduos que se encontravam carentes e necessitados, fez com

que fossem reconhecidos como direitos humanos os direitos sociais: a seguridade

social, a educação, a moradia, a alimentação, a saúde. Segundo Comparato (2001,

p. 63), “os direitos sociais somente se realizam quando políticas públicas são

executadas com o objetivo de amparar e proteger os mais fracos e mais pobres, que

não dispõem de recursos próprios para viverem dignamente”.

A afirmação definitiva das políticas públicas veio com a positivação dos

direitos sociais pelas Constituições. São direitos com uma característica especial: a

sua efetivação requer, ao contrário dos direitos individuais, a ação positiva do

Estado. Novamente Comparato assevera que

os direitos sociais têm por objeto não a abstenção, mas uma atividade positiva do Estado, pois o direito à educação, à saúde... e outros do mesmo gênero só se realizam por meio de políticas públicas, isto é, programas de ação governamental. Aqui, são grupos sociais inteiros, e não apenas indivíduos, que passam a exigir dos Poderes Públicos uma orientação determinada na política de investimento e distribuição de bens; o que implica uma intervenção estatal no livre jogo do mercado e uma redistribuição de renda pela via tributária (COMPARATO, 2001, p. 200).

As políticas públicas, por estarem calcadas nos direitos sociais, requerem do

Estado uma interferência direta, programada e contínua na vida social para se chegar

à realização dos objetivos de interesse comum da sociedade e à concretização dos

direitos fundamentais. Os direitos sociais, contidos dentre os direitos fundamentais,

são garantidos pela ação positiva do Estado. A concretização deles direitos somente é

alcançada quando formuladas e implementadas políticas públicas. A formulação das

políticas públicas está ligada à competência do Poder Legislativo, cabendo aos

Page 130: efetivação do direito ao ensino fundamental: uma questão de justiça

128

representantes do povo estabelecer os objetivos para os mais diversos setores da

sociedade, fazendo-o através de leis, gerais ou específicas.

A execução das políticas públicas está a cargo do Poder Executivo. Com base

nas leis criadas pelo Legislativo para este fim específico, a Administração Pública,

munida de diagnósticos que retratem os dados da realidade, vai dimensionar os

recursos financeiros e outros necessários para concretizar o determinado na lei.

O processo de formulação das políticas, em resumo, consiste em determinar

o objeto; feito isso, definem-se as metas que se propõe alcançar; positiva-se em lei;

e por fim determina-se o tempo e os recursos que serão utilizados.

A educação passou por todo o trâmite comum às políticas públicas, conforme

é visto abaixo, faltando-lhe, agora, a última etapa: a concretização.

a) Houve a decisão de resolver um problema social: número elevado de crianças de

uma determinada idade fora da sala de aula;

b) a política educacional é a política pública a ser adotada;

c) Definem-se as metas, o tempo a ser solucionado o problema e a melhor maneira

de agir;

d) Cria-se a lei - Plano Nacional de Educação;

e) Cabe então ao Poder Executivo agir positivamente para que o Plano seja

concretizado.

Um dos problemas apresentados pelos educadores para a não-execução do

Plano Nacional de Educação é a falta de planejamento da educação, enquanto

política de Estado. Ocorre que, a cada mudança de governo, são esquecidas e

inacabadas muitas ações, reiniciando o processo. A política educacional, política

pública da mais alta relevância para a sociedade, tem que ser planejada a longo

Page 131: efetivação do direito ao ensino fundamental: uma questão de justiça

129

prazo, por mais de um mandato do Executivo. Souza, educador, considera que

para ultrapassar governos e tornar-se plurigestacional, a política deve ser formulada, não apenas pela equipe técnica de um ministério ou de uma secretaria, agindo em circuito fechado e, sim, por colegiados de educadores e administradores, tanto quanto possível sem laços de subordinação para com os governantes de plantão. Porque se impõe a essa política expressar as aspirações nacionais e não as do partido ou dos políticos transitoriamente no poder (SOUZA, 1996, p. 144).

A execução das políticas publicas encontra outros entraves, dentre os quais o

principal é a restrição orçamentária. É importante que os administradores públicos

sejam conscientizados para os projetos nacionais. O orçamento público não pode

engessar a realização dos objetivos constitucionais. É evidente que cabe ao

administrador mensurar o que se deve gastar e onde, não perdendo de vista que

políticas públicas são instrumentos de efetivação de direitos. As contas devem

prever não somente as contas a pagar, devem, sobretudo, garantir o efetivo

exercício dos direitos sociais dos cidadãos. O Estatuto da Criança e do Adolescente

define como prioridade do Estado brasileiro o cumprimento das necessidades das

crianças e dos adolescentes, dentre elas a educação. A não- execução desse direito

tem como conseqüência outros problemas sociais que despenderiam valores

maiores para sua solução.

Torna-se claro que a implementação das políticas públicas, que têm como

objetivo a efetivação do direito à educação, depende hoje fundamentalmente do

Poder Executivo. A Constituição já estabeleceu que o direito a educação é um direito

subjetivo público. Essa determinação constitucional é a chave para que o

administrador implemente com a máxima prioridade o que determina a Constituição,

do contrário estará sujeito à responsabilização. Não cabe o juízo de

discricionariedade do administrador, porque ele está vinculado constitucionalmente e

infraconstitucionalmente às normas. Não lhe é atribuída a competência para definir

Page 132: efetivação do direito ao ensino fundamental: uma questão de justiça

130

pela conveniência ou não dessas políticas;o máximo que lhe é permitido, a título de

discricionariedade, é a escolha da melhor forma. Nesse sentido, Frischeisen escreve

que

explicitado restou que as normas constitucionais criam vinculação para a administração e para o legislador, pois a Constituição Federal estabelece claramente políticas públicas, que foram explicitadas em leis integradoras, a serem cumpridas para implementação dos direitos estabelecidos no título da ordem social e em outros dispositivos já mencionados anteriormente (FRISCHEISEN, 2000, p. 93).

As políticas públicas, quando efetivadas, têm a função de conseguir atenuar a

imensa desigualdade social, o fosso onde estão milhares de brasileiros. A igualdade,

princípio norteador do Estado Democrático de Direito, constitucionalizado no art. 5º

da Constituição Federal, que permite ao cidadão se realizar de fato, abrange muito

além do que a igualdade formal. O princípio está relacionado diretamente à

efetividade dos direitos sociais.

Ao Poder Judiciário cabe então garantir o efetivo exercício dos direitos

sociais, pois de nada valeria a sua constitucionalização se não fosse dado ao

cidadão meios de exigir a sua consecução. O não-cumprimento ou o cumprimento

inadequado das políticas públicas gera a possibilidade de os titulares do direito

demandarem a sua efetivação.

6.3 A EFETIVAÇÃO DO DIREITO AO ENSINO FUNDAMENTAL POR VIA

JUDICIAL

A categorização do direito à educação fundamental como um direito público

subjetivo, teve como principal conseqüência a possibilidade de se buscar a sua

efetividade pela via judicial. Segundo ensina Canotilho:

Page 133: efetivação do direito ao ensino fundamental: uma questão de justiça

131

Pode-se dizer que um índice relativamente seguro para aquilatar da existência de um direito subjetivo, reconhecedor de pretensões jurídicas diretamente atuáveis na norma constitucional, é a possibilidade de o titular ativo poder recorrer aos tribunais para acionar judicialmente - em caso de necessidade - a satisfação de pretensões jurídicas contra os respectivos destinatários passivos (CANOTILHO, 1998, p. 378).

A radical mudança de paradigma ocorrida com o advento da nova orientação

jurídico-constitucional, no entanto, em alguns casos não foi acompanhada da

mudança de atitude por parte daqueles encarregados de interpretar e aplicar a lei,

gerando situação tanto ambígua quanto anômala, em que práticas arbitrárias do

passado são agora pretensamente legitimadas por um discurso garantista. É

necessário que a sociedade supere o velho tradicionalismo do Poder Judiciário

brasileiro, acostumado a lidar com questões de direito individual, havendo juízes que

ainda hesitam diante da crescente necessidade de interpretar e aplicar os direitos

humanos e sociais constitucionalizados.

Capilongo afirma que

o esquema de evolução dos direitos formulado por Marshall pressupõe concepções de cidadania muito específicas e pouco relacionadas com a realidade social brasileira. Entre nós, o processo que vai dos direitos civis aos políticos, e destes aos direitos sociais, não foi nem linear nem cumulativo. De modo imperfeito, truncado e simultâneo, a luta pela cidadania desenvolveu-se em todas as frentes. O problema dos países periféricos é justamente combinar as três gerações de direitos. A diferença, continua o autor, reside no fato de que, para os direitos civis, esse equilíbrio procura manter o padrão de eficácia da ordem jurídica e de intensidade dos direitos. Para os direitos políticos, o problema está em harmonizar os diferentes tipos de direitos legalmente garantidos para suprir vazios de efetividade e alargar sua intensidade a amplos setores das classes trabalhadoras. Os desafios redistributivos impostos ao sistema político e cobrados ao sistema judicial são muito mais fortes. (CAPILONGO, 2005, p. 31-32).

No Brasil as políticas públicas são exteriorizadas nas mais diversas formas,

uma vez que não possuem um padrão jurídico único e claro. Pelo fato de elas se

consubstanciarem, ora como plano, ora como programa de ação, paira a

insegurança sobre a existência de vinculação da Administração Pública sobre tais

formas de expressão. Em conseqüência, também existem dúvidas sobre a

Page 134: efetivação do direito ao ensino fundamental: uma questão de justiça

132

possibilidade ou não de o cidadão exigir em juízo a execução de determinada

política formulada e, em caso afirmativo, a dúvida permanece quanto à forma de

fazê-lo. E ainda mais, o Poder Judiciário pode ou não provocar a execução das

políticas e, sendo possível, como fazê-la.

O acesso ao Poder Judiciário para o efetivo exercício dos direitos sociais, em

especial ao direito ao ensino fundamental, é não somente possível, ele é necessário,

porque de nada valeria a declaração sem o correspondente direito de ação para a

sua defesa. Sendo assim, a omissão da Administração no cumprimento do que

dispõem as normas que estabelecem a efetivação do direito ao ensino fundamental,

através da implementação de políticas públicas, gera responsabilidade jurídica pela

inconstitucionalidade e ilegalidade omissiva.

A Constituição Federal, ao estabelecer os direitos sociais e as políticas

públicas para concretizá-los, e afirmar no art. 5º, XXXV, que “a lei não excluirá da

apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”, dita a possibilidade de

ser exigido em juízo um direito não realizado. Dessa forma, o texto constitucional

afirma a possibilidade de os titulares de certa política pública exigirem seu

cumprimento em juízo. Bucci (2002) para demonstrar essa possibilidade de

exigência judicial no sentido de viabilizar a concretização de um direito posto por

determinada política pública, cita: “a existência de uma política de valorização do

ensino fundamental pode fazer surgir o direito à matrícula numa escola em

determinada região onde se poderia falar apenas em titularidade do direito à

educação” (BUCCI, 2002, p. 257).

A garantia de novos direitos trazidos pela Constituição Federal de 1988 fez

com que o Judiciário passasse a enfrentar questões até pouco tempo distantes dos

tribunais. Normalmente preparados para resolver questões tradicionais, coloca-se

Page 135: efetivação do direito ao ensino fundamental: uma questão de justiça

133

diante do juiz agora um novo desafio: interpretar e aplicar os direitos humanos e

sociais constitucionalizados. Os juízes estão indecisos entre definir o sentido e o

conteúdo das normas programáticas definidoras dos direitos sociais ou defini-las

como não vinculantes, e, por isso, mostram-se, muitas vezes, incapazes de

contribuir com a efetivação dos direitos sociais.

Ao Poder Judiciário cabe abandonar a tradição do processo individual e inovar

com a utilização dos processos coletivos, sempre que diante dele estiver uma

questão de não-efetivação dos direitos sociais.

Os direitos humanos sociais, que foram estabelecidos para a coletividade, em

especial para os menos favorecidos, para que possam ser materialmente eficazes,

necessitam da intervenção ativa e contínua dos Poderes Públicos. Essa gama de

direitos exige do Poder Público um amplo rol de políticas públicas dirigidas à sua

clientela específica, os carentes, os mais pobres.

Esses novos direitos representam interesses coletivos, ou seja, interesses de

grupos, comunidades e classes que exigem que as normas e conceitos jurídicos

sejam interpretados à luz do novo contexto social. Essa categoria específica de

direitos requer a adoção de uma nova mentalidade jurídica para que seja possível

que os direitos sociais constitucionalizados alcancem os objetivos de socializar

riscos, neutralizar perdas e atenuar diferenças. O Poder Judiciário garante os

direitos sociais quando acolhe as demandas em prol dos menos favorecidos e

quando atua contra a inércia ou a insuficiência do Poder Público, na implementação

de políticas públicas indispensáveis à efetivação dessa categoria de direitos.

Page 136: efetivação do direito ao ensino fundamental: uma questão de justiça

134

6.3.1 Meios judiciais de acesso à educação

A Constituição Federal, no art. 208, § 1º, destaca que “o acesso ao ensino

obrigatório e gratuito é direito público subjetivo”. Em seqüência, a Lei n. 9.394/1996 -

Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - dispõe da seguinte forma:

Art 3º - O acesso ao ensino fundamental é direito público subjetivo, podendo qualquer cidadão, associação comunitária, organização sindical, entidade de classe ou outra legalmente constituída, e, ainda o Ministério Público, acionar o Poder Público para exigi-lo.

A classificação do direito ao ensino fundamental como direito público subjetivo

torna-o exigível judicialmente, sendo líquido, certo e indisponível, que pode e deve

ser exigido do Poder Público, sem perquirir sobre a condição pessoal e social,

tampouco econômica, do titular do direito.

Outro importante instrumento legal que viabiliza o acesso à Justiça para

garantir o direito à educação fundamental é o Estatuto da Criança e do Adolescente -

Lei n. 8.069/1990. O sistema de garantias criado pelo Estatuto determina que o

Poder Judiciário aprecie a ausência ou insuficiência de uma estrutura adequada ao

regular exercício do direito à educação, e para isso é possível até mesmo anular

atos ilícitos, impor obrigações de fazer ou não fazer, perseguir a responsabilidade

civil, administrativa e criminal daqueles e, se for o caso, estipular indenização

(LIBERATTI, 2004, p. 89).

O ECA, no art. 212 estabelece que: “Para a defesa dos direitos e interesses

protegidos por esta lei, são admissíveis todas as espécies de ações pertinentes”. O

dispositivo citado determina que há um leque de medidas judiciais que podem ser

utilizadas para fazer cumprir os mandamentos legais e constitucionais, fazendo com

que o Judiciário se manifeste no sentido de fazer valer a lei e a Constituição Federal.

Page 137: efetivação do direito ao ensino fundamental: uma questão de justiça

135

Ainda no mesmo diploma legal se destaca o art. 208:

Regem-se pelas disposições desta lei as ações de responsabilidade por ofensa aos direitos assegurados à criança e ao adolescente, referentes ao não oferecimento ou oferta irregular:

I - do ensino obrigatório;.

Por diversos meios, o legislador procurou instrumentalizar os cidadãos, no

sentido de dar-lhes condições de recorrer ao Poder Judiciário em busca de defesa

dos direitos sociais, garantindo o acesso de crianças e adolescentes ao sistema

educacional de qualidade e responsabilizando os agentes omissos.

Caso vencidas todas as etapas extrajudiciais e não se obtendo êxito, não

restará outra opção além da busca do socorro junto ao Poder Judiciário, que deverá,

então, fazer valer as regras e princípios legais e constitucionais estabelecidos com

tal finalidade.

A seguir serão comentados alguns dos instrumentos judiciais que se

encontram à disposição daqueles que buscam a efetivação do direito ao ensino

fundamental.

a) Ação de Rito Sumário

A Lei n. 9.394/1996 - Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional -, no art. 5º,

caput e § 3º, regula a ação de rito sumário como instrumento à disposição de “qualquer

cidadão, grupo de cidadãos, associação comunitária” para forçar o Poder Público a

garantir o acesso ao ensino fundamental a todos os que desejarem nele ingressar.

Em consonância com a Constituição, que determina a oferta de ensino

fundamental a todos, gratuitamente e de forma irrestrita, é de suma importância

também que se tenha à disposição um instrumento jurídico a ser facilmente

manejado contra o Poder Público a fim de exigir o exercício desse direito.

Page 138: efetivação do direito ao ensino fundamental: uma questão de justiça

136

b) Ação Civil Pública

A ação civil pública é um instrumento de larga abrangência, cujo objetivo é a

defesa judicial de qualquer interesse difuso ou coletivo que sofra, por ação ou

omissão, ameaça por parte de agente público ou privado. Dentre os direitos difusos,

aqueles de natureza transindividual, devendo ser tratado coletivamente, está a

educação, por seu caráter coletivo, não podendo ser dividido em partes com

destinatários certos. Dessa forma, como determina a Lei n. 7.347/1985, o Ministério

Público tem a legitimidade para ajuizar a ação.

Paulo Afonso Garrido de Paula, citado por Liberatti, afirma que

a ação civil pública para a defesa de interesses difusos e coletivos afetos à infância e juventude é um caminho ímpar de resgate da enorme dívida social para com os pequenos grandes marginalizados deste país: as crianças e os adolescentes. É chegada a hora da justiça cobrar responsabilidade dos governantes, colocando-os como réus quando de suas omissões no trato desta questão que é crucial, de sorte a verdadeiramente amparar os desvalidos, efetivamente protegendo-os da decúria estatal (PAULA apud LIBERATTI, 2004, p. 352).

Pela força que lhe conferem, tanto a Lei n. 8069/1990 quanto a Lei n.

7.347/1985, a Ação Civil Pública presta-se para garantir o acesso, mas acima de

tudo a qualidade do ensino, a fim de fazer cumprir os princípios e objetivos

constitucionais. Assim, a presente ação surge como um dos instrumentos de maior

relevância na busca da efetivação do direito ao ensino fundamental, que por seu

intermédio pode ser rapidamente reconhecido, trazendo uma luz no sombrio mundo

“sem educação”, que uma parcela de agentes públicos, por descaso, não cumpre a

determinação constitucional de fornecer educação de qualidade a todos.

c) Ação Popular

Outro instrumento de relevância colocado à disposição do cidadão é a ação

popular. Como o próprio nome designa, a ação popular visa instrumentalizar o cidadão

comum para defesa dos seus direitos fundamentais, em especial neste trabalho, o

Page 139: efetivação do direito ao ensino fundamental: uma questão de justiça

137

direito ao ensino fundamental. O art. 5º, LXXIII, da Constituição de 1988 determina que

Art. 5º - LXXIII - Qualquer cidadão é parte legitima para propor Ação popular que vise anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência [...]

A ação popular ataca em primeiro plano as ações que são contrárias ao

princípio da moralidade administrativa. No que concerne ao direito à educação,

considerado pela Constituição como um “direito de todos e dever do Estado” (art. 205)

e que “é dever do Estado, da família e da sociedade assegurar à criança e ao

adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, a saúde, [...], a educação” (art.

227, caput), implica dizer que cabe ao Estado se aparelhar no sentido de fornecer

com eficácia e qualidade, dando a esse direito o caráter de serviço público essencial.

Decorre daí que, segundo Liberatti (2004) o não-cumprimento dá ensejo à propositura

de ação popular, por atentar ao princípio da moralidade administrativa.

Os dois requisitos principais da ação popular são que o autor seja “cidadão” e

o interesse seja público.

Configura então a ação popular como um dos mais importantes meios

judiciais à disposição da sociedade para viabilizar uma educação universal e de

qualidade, que ocorrerá, também, através da destinação de recursos públicos em

patamares adequados às necessidades de cada estabelecimento de ensino, bem

como o seu uso de forma adequada.

d) Mandado de Segurança Coletivo

O mandado de segurança coletivo é regulado pela Lei n. 1.533, de

31/12/1951, que disciplina seus requisitos e a forma como deve ser processado. Um

dos mais antigos instrumentos de proteção contra o arbítrio do Estado e de seus

agentes, o seu manejo é uma das garantias fundamentais da Constituição Federal

Page 140: efetivação do direito ao ensino fundamental: uma questão de justiça

138

de 1988, estando assegurado no art. 5º, LXIX.

A ação ou a omissão dos agentes públicos causam diretamente ameaça ou

efetiva violação dos direitos coletivos. Verifica-se, na maioria dos casos, como afirma

Liberatti (2004, p. 358), que “no exercício de suas funções eles se desviam do

objetivo maior do Estado, que é o bem-estar de toda coletividade”.

O presente instrumento objetiva a estimular o Judiciário a intervir no sentido

de corrigir os atos lesivos aos direitos individuais e coletivos, realizados pela

Administração Pública, em todas as esferas.

6.3.2 O papel do Ministério Público na defesa do direito ao ensino fundamental

Na tarefa de garantir o acesso ao Poder Judiciário em defesa dos direitos

sociais, encontra-se a figura do Ministério Público.

A Constituição Federal, nos arts. 127 a 130, regula as atividades do Ministério

Público, que passou a ter, pelo atual texto constitucional, funções mais amplas que

no passado.

Art. 127. O Ministério Público é uma instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica do regime democrático e dos interesses sociais e individuais e indisponíveis.

O Ministério Público tem legitimidade para a defesa individual e coletiva dos

direitos da criança e do adolescente, dentre os quais o direito ao ensino

fundamental. Recomenda o trabalho conjunto das Promotorias de Justiça e dos

Conselhos Tutelares para a identificação prévia das crianças que não obtiveram

vagas nas escolas, com posterior ajuizamento da ação cabível e prolação de

Page 141: efetivação do direito ao ensino fundamental: uma questão de justiça

139

provimento que determine a inserção específica das crianças identificadas na rede

pública.

Há um expressiva participação do Ministério Público na propositura de Ação

Civil Pública em defesa dos direitos sociais constitucionalizados. Tratando-se de

direitos sociais, o Ministério Público, um dos co-legitimados à propositura da Ação

Civil Pública, tem o dever de ofício de agir para a sua efetiva implantação, e não

apenas o dever de atuar como fiscal da lei, conforme atribuições constitucionais e

legais. O Ministério Público pode agir em defesa do direito de todos ao ensino

fundamental, não apenas judicialmente, também extrajudicialmente, por meio de

inquérito civil, compromisso de ajustamento, audiências públicas e de

recomendações.

O inquérito civil, segundo Mazzilli (1999, p. 303), “é um procedimento

administrativo investigatório, informal e desprovido de contraditório, exclusivamente

a cargo do Ministério Público, com exclusão de todos os demais co-legitimados à

Ação Civil Pública”. O objetivo do inquérito civil é a coleta de elementos, através do

procedimento investigatório, para servir de base à propositura de uma ação coletiva

em defesa dos interesses metaindividuais, portanto, em defesa dos direitos sociais,

incluindo o direito ao ensino fundamental. No inquérito civil ainda existe a

possibilidade da formulação de compromissos de ajustamento de conduta e

realização de audiências públicas e recomendações.

O compromisso de ajustamento, conforme ensinamento de Mazzilli (1999, p.

303), “é outro meio de defesa dos direitos sociais de que pode se valer o Ministério

Público extrajudicialmente”. O art. 113 do Código de Defesa do Consumidor inseriu o § 6º

ao art. 5º da Lei da Ação Civil Pública, estendendo o compromisso de ajustamento de

conduta às exigências legais, em defesa de quaisquer interesses metaindividuais. O

Page 142: efetivação do direito ao ensino fundamental: uma questão de justiça

140

compromisso de ajustamento pode ser tomado por qualquer órgão público, mas é fato

que o Ministério Público é o órgão que mais tem firmado esse acordo dentro do inquérito

civil, uma vez que é o único legitimado a efetuar o processo investigatório. Esse

instrumento tem a qualidade de título executivo extrajudicial, todavia, se for homologado

em juízo, passará a ter valor de título judicial.

As audiências públicas, também segundo Mazzilli (1999, p. 323-333), “têm por

objeto a participação do cidadão na tomada de decisões de gestão da coisa pública,

tendo-o como o principal destinatário.” As audiências são mecanismos pelo qual o

cidadão e as entidades civis colaboram com o Ministério Público nas suas funções

de zelar pelo interesse público e defender os interesses metaindividuais, como o

efetivo respeito ao direito ao ensino fundamental.

As recomendações realizadas pelo Ministério Público são resultado de uma

investigação, por inquérito civil ou audiências públicas, dos fatos necessários para a

defesa dos direitos constitucionais dos cidadãos. Nessa investigação, o órgão

ministerial deve colher informações técnicas e precisas para no final, conforme o

caso concreto, diagnosticar os problemas e apontar soluções. Nem sempre uma

investigação do Ministério Público deve evoluir para uma Ação Civil Pública, sendo

melhor, muitas vezes, que o resultado prático seja uma recomendação.

Mazzilli afirma que,

apesar das recomendações não vincularem, produzem efeitos práticos, uma vez que elas devem ser respondidas pela autoridade destinatária, de forma fundamentada, tanto ao acolhê-la, quanto ao recusá-la e, como conseqüência, pode ser contrastada judicialmente. (MAZZILLI, 1999, p. 338).

A função constitucional de defensor da sociedade concedida ao Ministério

Público, que se consubstancia na promoção da ação civil pública, do inquérito civil,

do compromisso de ajustamento, da convocação para audiências públicas e na

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141

expedição de recomendações, pode ser invocada na defesa do direito fundamental à

educação fundamental. Nesse sentido, Frischeisen esclarece que

O papel do Ministério Público é bastante claro, como fiscal da Lei e defensor dos interesses sociais deve zelar pela efetiva implantação das políticas públicas que visam à concretização da ordem social constitucional e, nesse sentido, as Leis que trouxeram maior densidade aos ditames constitucionais nomeiam o Parquet como defensor dos direitos estabelecidos nos respectivos diplomas legais (FRISCHEISEN, 2000, p. 116).

A função constitucional de defensor da sociedade concedida ao Ministério

Público, que se consubstancia na promoção da ação civil pública, do inquérito civil,

do compromisso de ajustamento, da convocação para audiências públicas e na

expedição de recomendações, pode ser invocada na defesa dos direitos das

crianças e adolescentes entre 7 e 14 anos de receberem o ensino fundamental com

qualidade.

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142

7 CONCLUSÃO

O marco inicial do presente trabalho é o ser humano, considerado em sua

natureza, suas características e suas necessidades. Por quê? Buscou-se evidenciar

como o direito à educação está ligado ao significado da natureza humana,

considerando a educação como vida e alimento para o homem, sem a qual ele não

alcançará o seu pleno desenvolvimento intelectual, material, social.

Esta análise nos remete à idéia de direitos fundamentais, por serem

essenciais à vida humana e ao seu aperfeiçoamento. O homem é um ser que não

nasce com suas faculdades já desenvolvidas. Precisa ser educado, amparado e

protegido para desenvolver-se plenamente como pessoa.

Os direitos fundamentais são a última barreira de proteção da dignidade da

pessoa humana. Quando tudo mais houver falhado, há ainda os direitos

fundamentais como esperança.

No Estado Democrático de Direito tais direitos tomam uma dimensão até

então inimaginável por nós. Ele se baseia na proteção irrestrita da dignidade da

pessoa humana. Cabe a ele estado promover a efetividade dos direitos

fundamentais em todas as modalidades que se apresentam.

O direito ao ensino fundamental, reconhecido como um direito humano, e, em

razão da sua constitucionalização, adquiriu status de direito fundamental social,

inserido no direito à vida, é indispensável na concretude do Estado Democrático de

Direito. Em razão de sua importância no pleno desenvolvimento da personalidade

humana, é que o direito à educação foi qualificado como direito humano e

posteriormente direito fundamental.

Page 145: efetivação do direito ao ensino fundamental: uma questão de justiça

143

O direito ao ensino fundamental, no ordenamento jurídico brasileiro, é

considerado no âmbito do direito público como um direito social fundamental. Assim,

ele deve ser considerado um direito fundamental, inserido no direito à vida, absoluto,

gerando efeito erga omnes; subjetivo público, por determinação constitucional, já

que diz respeito ao individuo como ser humano e se propõe a assegurar-lhe o gozo

do próprio ser. Sendo assim gera um dever positivo do Estado no sentido de

viabilizá-lo, para que possa ser efetivamente usufruído.

A efetivação do direito ao ensino fundamental enfrenta sérias dificuldades no

Brasil, estabelecendo um paradoxo entre a legislação e a sua efetivação. Enquanto

tem-se diplomas legais avançadíssimos, como é o caso do Estatuto da Criança e do

Adolescente e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, sem contar com a

própria Constituição Federal de 1988 que estabelece o direito ao ensino fundamental

como um direito subjetivo, tem-se também milhares de crianças e adolescentes

analfabetos e semi-analfabetos. São espantosos os números do analfabetismo

funcional e os dados de defasagem idade-série. O que isso evidencia? Evidencia

que, apesar dos instrumentos legais serem formalmente válidos, no plano fático não

são observados.

Revelada a omissão da Administração Pública e seus agentes, não resta aos

seus titulares opção outra senão bater às portas do Judiciário, com o fim de exigir

sua implementação ou a correção dos seus propósitos.

O status de direito público subjetivo torna o direito ao ensino fundamental

oponível à Administração Pública, dando ao seu titular o poder de exigi-lo. A

Constituição concedeu ao ensino fundamental um acento diferenciado dos demais

direitos, isto é, determinou que ele não seja relegado à reserva do possível ou

tampouco estar adstrito às opções ocasionais.

Page 146: efetivação do direito ao ensino fundamental: uma questão de justiça

144

Cabia então a definição dos instrumentos jurídicos passíveis de ser

manejados pelo cidadão para garantir uma educação pública e de qualidade no

ensino fundamental. Tanto a Constituição como a legislação ordinária ofereceram à

sociedade os instrumentos necessários para a correta reivindicação judicial. Temos

neste sentido a Ação de Rito Sumário, a Ação Popular, a Ação Civil Pública e o

Mandado de Segurança Coletivo.

Ante a hipossuficiência dos titulares do direito ao ensino fundamental, ao

Ministério Público, como defensor do Estado Democrático de Direito e dos direitos

constitucionalmente defendidos, cabe a adoção de medidas que obriguem a

Administração Pública a adotar e implementar políticas públicas que atendam à

determinação constitucional, bem como à fiscalização das medidas já implantadas.

Por fim, considerando que a legislação pertinente é suficiente para garantir a

exigibilidade do direito ao ensino fundamental e que o meio de se disponibilizar tal

direito é a adoção de políticas públicas constitucionalmente definidas, revela-se

imprescindível a atuação do Ministério Público e do Poder Judiciário, voltadas para a

efetiva implementação de tais políticas, já que estas, se devidamente elaboradas e

aplicadas, proporcionarão alcançar os objetivos constitucionais da educação, quais

sejam, “o pleno desenvolvimento da pessoa humana, seu preparo para o exercício

da cidadania e sua qualificação para o trabalho” (art. 205, CR/88).

Page 147: efetivação do direito ao ensino fundamental: uma questão de justiça

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