Upload
others
View
9
Download
0
Embed Size (px)
Citation preview
EFICIÊNCIAS ECONÔMICAS NA ANÁLISE ANTITRUSTE:
LIMITAÇÕES DOS CRITÉRIOS TRADICIONAIS E PERSPECTIVAS
Dissertação apresentada ao Curso de
Mestrado do Instituto de Economia da
Universidade Federal do Rio De Janeiro
como requisito parcial à obtenção do título
de Mestre em Economia.
Orientador: Prof. Dr. Mario Luiz Possas.
Daniela Godoy Martins Corrêa
Rio de Janeiro
Setembro/2009
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
INSTITUTO DE ECONOMIA
Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
2
Banca Examinadora
_________________________________
Prof. Dr. Mario Luiz Possas
_________________________________
Prof. Dr. João Luiz Pondé
_________________________________
Profa. Dra. Lucia Helena Salgado
3
Agradecimentos
Ao Prof. Mario Possas, um dos principais motivos de minha opção pelo IE/UFRJ,
pelas aulas que mais do que justificaram a escolha, e pela orientação neste trabalho.
Aos amigos de vida e de mestrado Clara Rocha, Cristina Reis, Daniela Carbinato,
Esther Dweck, Fernanda Cardoso, Gabriel Dib, Gregório Araújo, Ian Guerriero, Isabela
Nogueira, Laura Carvalho, Marconi Viana e Pedro Guimarães.
Agradeço, sobretudo, à minha família pelo apoio incondicional e generoso a todos os
meus planos, mesmo quando eles só faziam sentido para mim.
4
Sumário
RESUMO ................................................................................................................................... 5 ABSTRACT ............................................................................................................................... 5
INTRODUÇÃO .......................................................................................................................... 6
Capítulo 1 – Implicações da análise normativa tradicional na prática antitruste ....................... 8
Introdução ............................................................................................................................... 8 1.1. Introdução aos conceitos de eficiência ......................................................................... 10
1.1.1. Eficiência alocativa ............................................................................................... 13 1.1.2. Eficiência produtiva ............................................................................................... 16
1.1.3. Eficiência transacional ........................................................................................... 19 1.1.4. Eficiência dinâmica ................................................................................................ 21 1.1.5. Eficiência distributiva............................................................................................. 23
1.2. O critério de Pareto e sua aplicabilidade ...................................................................... 27
1.2.1. Comparabilidade de Pareto entre situações de mercado...................................... 28 1.2.2. Passagem do nível de equilíbrio geral para o de equilíbrio parcial ..................... 31
1.3. O aparato estático e a dinâmica da concorrência .......................................................... 34
Capítulo 2 – Critérios Usuais na Análise Antitruste ................................................................ 41
Introdução ............................................................................................................................. 41
2.1. O critério do excedente total .......................................................................................... 43 2.2. O critério de excedente do consumidor ......................................................................... 49
2.3. A escolha dos critérios ................................................................................................... 55 2.4. Questões remanescentes ................................................................................................ 64
Capítulo 3 – Eficiências Dinâmicas: referências teóricas, tratamento atual e perspectivas ..... 69
Introdução ............................................................................................................................. 69 3.1. Eficiência dinâmica e o conceito de concorrência......................................................... 71 3.2. Tratamento das eficiências dinâmicas em diferentes jurisdições .................................. 82
3.2.1. Estados Unidos ....................................................................................................... 83
3.2.2. União Européia ...................................................................................................... 88 3.2.3. Canadá ................................................................................................................... 90 3.2.4. Brasil ...................................................................................................................... 93
3.3. Perspectivas e limitações ............................................................................................... 98
Referências ............................................................................................................................. 106
5
RESUMO
A análise das eficiências resultantes de atos de concentração com potencial anticompetitivo
tem experimentado algumas alterações nos últimos anos, sobretudo nos países mais
desenvolvidos, no sentido de melhor acomodar os efeitos de caráter dinâmico na avaliação
desses atos. Além de analisar as implicações da adesão ao referencial teórico tradicional na
análise antitruste, este trabalho busca mostrar como jurisdições de particular interesse têm
tratado a questão das eficiências dinâmicas, e quais as perspectivas para a incorporação mais
robusta desses argumentos na análise antitruste.
ABSTRACT
The analysis of efficiencies arising from potentially anticompetitive mergers has experienced
some changes in recent years, especially in more developed countries, toward a better
understanding of the dynamic effects of these acts. In addition to examining the implications
of traditional theoretical framework in antitrust analysis, this study tries to show how some
jurisdictions are dealing with dynamic efficiencies arguments, and which are the perspectives
to a more robust incorporation of this sort of arguments in the analysis.
6
INTRODUÇÃO
O objetivo deste trabalho é avaliar as implicações da adesão ao referencial teórico
tradicional na análise antitruste e a necessidade/possibilidade de se avançar no sentido de
incorporar elementos de ordem dinâmica para superar os limites impostos pela abordagem
tradicional. O argumento central é que os critérios usualmente aplicados não são capazes de
levar em consideração os resultados em termos de inovações e mudanças tecnológicas na
avaliação dos efeitos anticompetitivos de atos de concentração. Esses efeitos, por sua vez, têm
sido cada vez mais encarados como aspectos críticos para a competitividade das empresas no
ambiente econômico atual, e não é por outro motivo que diversos países têm dedicado
esforços contínuos para a melhor compreensão da relação entre concentração e capacidade
competitiva, sobretudo em mercados caracterizados por forte presença de tecnologia.
A própria definição de concorrência na teoria neoclássica tradicional parece entrar
em conflito com o que se verifica, em termos estruturais, na maior parte dos mercados. As
conseqüências dessa inadequação serão discutidas no primeiro capítulo deste trabalho, que
explora ainda algumas inconsistências internas à teoria. Também são apresentados os
conceitos de eficiência usualmente utilizados na análise antitruste para atos de concentração
horizontais – eficiência alocativa, produtiva e distributiva, esta última tratada de maneira
bastante contestável –, as eficiências transacionais – geradas sobretudo em integrações
verticais, que têm motivado preocupações decrescentes em termos anticompetitivos – e as
eficiências dinâmicas – cada vez mais identificadas com o sucesso competitivo de empresas,
seja no âmbito do mercado interno, seja em termos de inserção internacional.
No segundo capítulo serão discutidos em maior detalhe os dois critérios usualmente
empregados na avaliação dos efeitos anticompetitivos dos atos de concentração: o critério do
excedente total e o do excedente do consumidor (mais precisamente, sua variante mais
7
empregada, o price standard). Além de uma breve exposição das principais características de
cada critério, é apresentada uma discussão acerca das vantagens e desvantagens de cada um
deles. Nesta parte, buscou-se fazer recurso a referências recentes, na tentativa de dar maior
atualidade ao debate. Este último, porém, passa ao largo da questão fundamental defendida ao
longo do trabalho, que é a necessidade de ampliação da análise para a incorporação de
aspectos dinâmicos da concorrência.
O terceiro capítulo volta-se inteiramente para considerações sobre eficiências
dinâmicas. Inicialmente, é feita uma breve revisão da literatura neo-schumpeteriana e
evolucionária, em uma tentativa de superação teórica das principais limitações impostas pela
abordagem tradicional. Na seqüência são avaliados os tratamentos atuais dados para casos que
envolvem argumentos de eficiência em jurisdições de particular interesse (Estados Unidos,
Europa, Canadá e Brasil). Fecham o capítulo algumas considerações sobre as perspectivas e
limitações para a incorporação das eficiências dinâmicas na análise de defesa da concorrência.
Por fim, seguem os comentários finais.
8
Capítulo 1 – Implicações da análise normativa tradicional na prática antitruste
Introdução
Pela definição de concorrência mais amplamente aceita em economia, um mercado é
considerado perfeitamente competitivo quando caracterizado por um grande número de firmas
produtoras de bens homogêneos que, dada sua pequena participação no mercado, não são
capazes de impor e sustentar preços que acarretariam lucros acima de uma taxa dita ―normal‖.
A informação é perfeita, as firmas são tomadoras de preços e não têm poder de mercado.
Quanto maior o número de empresas presentes no mercado, mais próximo ele está da
concorrência perfeita, em que os preços carregam todas as informações relevantes e refletem
uma alocação eficiente dos fatores de produção. A preservação de tal ambiente competitivo é
sinônimo de maximização de bem-estar. O foco das teorias normativas está voltado, portanto,
para preços e outros critérios quantitativos de avaliação das estruturas de mercado (como
market share)1.
Há, porém, diversas circunstâncias que deixam de ser analisadas ao se optar por esse
enfoque. Uma delas é a possibilidade de ocorrência de economias de escala, que garantiriam a
maiores produtores maior eficiência – devido aos custos unitários sub-aditivos – e, portanto,
aumento do bem-estar social2 resultante do aumento da concentração
3. Além disso, em uma
1 Esta visão ingênua e simplista, quase caricaturada, do papel da política de defesa da concorrência não reflete de
maneira verdadeira as práticas adotadas pela maior parte das jurisdições atualmente, mas serve para chamar a
atenção para o arcabouço teórico que fundamenta a maior parte das justificativas econômicas dos atos
analisados, que acaba gerando distorções e subvalorizando os efeitos que não sejam derivados das hipóteses em
que se baseiam. 2 Ainda que a redução de preços não seja repassada aos consumidores.
3 Em geral, a concentração é medida em termos do Índice de Herfindhal-Hirschman (HHI), o mais utilizado na
análise antitruste. O HHI é calculado pela soma dos quadrados das participações no mercado de cada firma que,
quando expressos em termos porcentuais, geram um 0 < HHI < 10.000. O HHI depende tanto do número de
9
realidade marcada por um dinamismo tecnológico muito maior do que a teoria tradicional é
capaz de incorporar em seus modelos, inovações de processo e de produto podem assumir
grande relevância no que diz respeito ao bem-estar do consumidor. Nesse sentido, uma análise
referenciada em pressupostos de concorrência perfeita pode acabar conflitando com as perdas
e os riscos envolvidos nos processos de busca e seleção de inovações tecnológicas – processos
que envolvem incertezas fortes, não redutíveis a cálculos probabilísticos.
Os atos de concentração podem, portanto, produzir efeitos positivos e negativos
sobre o bem-estar econômico. Ao diminuir o número de concorrentes no mercado, facilitam a
adoção de condutas anticompetitivas, tais como aumento de preços ou piora na qualidade dos
produtos. Por outro lado, ao proporcionar vantagens competitivas para as firmas participantes,
podem levar, por exemplo, ao desenvolvimento de métodos de produção mais eficientes ou de
novos produtos. Em muitos casos, há ganhos de eficiência que podem ser de distintas
naturezas – alocativa, produtiva, distributiva, transacional e dinâmica – que, por sua vez,
promovem um maior bem-estar econômico. Fusões e aquisições com conseqüências em
termos de inovações organizacionais e mudanças tecnológicas que não produzem efeitos
imediatos, ou mesmo no curto prazo, requerem, como se defenderá adiante, um tratamento
mais dinâmico das eficiências, inclusive com a incorporação de incerteza quanto aos
resultados futuros de investimentos e inovações presentes.
empresas (n) quanto da dispersão relativa da repartição do mercado entre elas. Como o valor da dispersão
também depende de n, o efeito da entrada de uma nova empresa sobre a concentração é ambíguo. Tudo depende
de como as empresas estabelecidas ―acomodarão‖ a entrada das novas. Se a acomodação não aumentar
significativamente, ou mesmo se reduzir a dispersão preexistente entre as parcelas de mercado, então a entrada
diminuirá a concentração. Ao contrário, se a acomodação aumentar significativamente a dispersão das
participações no mercado, a entrada aumentará a concentração. Resumidamente, temos:
0 ≤ HHI < 1000: indústria não concentrada;
1000 ≤ HHI ≤ 1800: concentração moderada na indústria;
HHI > 1800: indústria com elevado índice de concentração.
Existem ainda algumas ―regras de ouro‖ em relação à variação no HHI em mercados de elevada concentração.
Nesses casos, fusões que produzam um aumento no HHI menor do que 50 pontos são consideradas como não
perigosas do ponto de vista concorrencial. Se o aumento do HHI produzido pela fusão estiver contido no
intervalo entre 50 e 100 pontos, deve-se atentar para a geração de potenciais efeitos anticompetitivos ao se
avaliar a operação. Já uma fusão que leve a um aumento de mais de 100 pontos deve ser rejeitada, pois geraria
inequivocamente efeitos anticompetitivos.
10
Atualmente, a maioria das jurisdições considera que atos de concentração que gerem
potencialmente algum efeito anticompetitivo podem ser autorizados, caso deles resultem
eficiências que mais que compensem o dano anticompetitivo esperado. A questão central que
se impõe nesse momento é como qualificar e mensurar essas eficiências e, em última análise,
como medir as variações no bem-estar da sociedade derivadas desses atos de concentração. O
ferramental analítico tradicional, como será argumentado ao longo deste trabalho, não parece
atender a essa necessidade satisfatoriamente.
O objetivo deste capítulo é apresentar algumas implicações da utilização da análise
normativa tradicional sobre as questões antitruste, em particular no que se refere à
(des)consideração de outros tipos de eficiências além da alocativa. Para isso, inicialmente faz-
se uma breve análise dos conceitos relativos às eficiências alocativa, produtiva, transacional,
dinâmica e distributiva. Em seguida, são abordadas as limitações originadas na aplicação do
critério de Pareto, destacando-se o problema da comparação entre duas situações de mercado
e o problema da agregação, ou seja, da transposição do conceito de ótimo de Pareto – definido
para um modelo de equilíbrio geral – para o de equilíbrio parcial. A crítica à quase
exclusividade do critério alocativo nas considerações relativas ao antitruste, e a inadequação
do aparato estático para lidar com situações impostas pela dinâmica capitalista são os temas
que fecham o capítulo.
1.1. Introdução aos conceitos de eficiência
Ao longo da década de 1950, foi desenvolvido pela chamada ―Escola de Harvard‖4 o
paradigma estrutura-conduta-desempenho (E-C-D), que associava a determinadas estruturas
4 É creditado a Chamberlin e Edward Mason, economistas da Escola de Harvard, o início dos estudos sobre
organização industrial nos anos 30 e 40, que evoluíram para a construção do paradigma essencialmente
estruturalista.
11
industriais padrões específicos de conduta5. O encadeamento lógico deste paradigma
estabelecia que a estrutura do mercado (número de empresas, facilidade de entrada, etc)
explicaria em boa medida o tipo de conduta das firmas nele atuantes (política de fixação de
preços, por exemplo), o que, por sua vez, determinaria seu desempenho (em termos de
eficiência, lucros e progresso técnico). Assim, indústrias mais concentradas – sobretudo na
presença de barreiras à entrada –, tenderiam a realizar certos tipos de conduta que afetariam o
desempenho econômico, distanciando a atividade em questão dos preços e quantidades que
seriam verificados na presença de um ambiente perfeitamente competitivo e, portanto,
prejudicando o desempenho do mercado.
Este paradigma, que exerceu forte influência sobre a economia industrial, tem para a
teoria antitruste uma implicação direta, que é a idéia de que se pode melhorar o desempenho
da uma indústria controlando sua estrutura. O modelo de oligopólio de Cournot (firmas
simétricas, demanda linear e retornos constantes de escala), que coloca o número de
participantes do mercado como o principal fator determinante da concorrência, forneceu o
embasamento teórico da proposta (Hovenkamp, 2005), e a justificativa para a defesa da
atomização do mercado como motor da competição e da eficiência econômica.
O modelo de Cournot aplica-se a indústrias com produtos homogêneos, sendo as
margens de equilíbrio entre preços e custos marginais uma função decrescente do número de
firmas (simétricas) existentes na indústria, e uma função crescente do market share de cada
firma. Temos, portanto, que sob as hipóteses do modelo, a perda de bem-estar de peso morto é
igual a ½ (HHI2)/
6, o que sugere que na ausência de competição potencial, ou na falta de
eficiências compensatórias, as concentrações horizontais aumentam a perda de peso morto na
medida do aumento do nível e da variação na concentração. Para Willig, Salop e Scherer
(1991), os modelos de Cournot oferecem um bom substrato para a avaliação de efeitos
5 De acordo com Salgado (1997), a base intelectual da abordagem E-C-D foi fornecida por Joe Bain a partir de
seu trabalho sobre barreiras à entrada (Barriers to New Competition, 1956, Harvard University Press). 6 = elasticidade-preço da demanda do mercado.
12
competitivos unilaterais de concentrações horizontais, porém, sua aplicabilidade às situações
reais é bastante questionável7.
A despeito de sua ampla difusão8 o paradigma E-C-D sofreu fortes críticas, vindas
especialmente da Escola de Chicago9. Parte delas era fundamentada no argumento de que
índices de concentração elevados eram, geralmente, reflexo da presença de economias de
escala ou de algum outro tipo de eficiência, de tal sorte que os custos em termos de eficiência
de se quebrar tal estrutura não compensariam os ganhos de se impor um mercado
supostamente mais competitivo10
. Além disso, na ausência de barreiras à entrada11
– hipótese,
em verdade, bastante restritiva –, mesmo as firmas atuantes em mercados altamente
concentrados teriam incentivos para se comportar competitivamente, dado que a presença de
lucros positivos rapidamente atrairia novos entrantes.
As críticas ao paradigma E-C-D deram um novo significado à análise antitruste, e
ainda que ela continue essencialmente estruturalista – o ponto de partida para se questionar
um ato de concentração ainda é o resultado sobre a participação das empresas no mercado, o
market share –, outros fatores passaram a ser considerados, e a conduta por si só passou a ter
7 Os modelos de Cournot são baseados no pressuposto de que as firmas determinam unilateralmente seus níveis
de produção, gerando assim o preço que equilibra tal mercado. Para Willig et alii (1991, p.299), esta pode ser
uma boa representação da conduta unilateral em um mercado de produtos homogêneos, onde a capacidade
produtiva e o nível efetivo de produção têm papel importante. Entretanto, sustentam, não há motivos para
acreditar que esses modelos sejam suficientemente descritivos quando as empresas têm controle direto sobre a
precificação de produtos diferenciados, ou quando os níveis de produção podem ser rapidamente ajustados em
resposta a alterações na demanda. 8 E também por causa dela, já que era grande o ativismo da política antitruste, refletido tanto em políticas
públicas como nas decisões judiciais (Kovacic e Shapiro, 2000). 9 Segundo Salgado (1997, p. 34), embora as mudanças na análise antitruste das agências nos EUA refletissem a
discussão da Escola de Chicago e dos Custos de Transação, essa mudança de orientação teve raízes mais
políticas e ideológicas do que técnicas. Sobre esse aspecto, Motta (2004), após uma breve revisão histórica das
políticas pró-competição em diversos países, argumenta que as práticas relacionadas ao antitruste e às políticas
de defesa da concorrência foram freqüentemente influenciadas por fatores históricos e sociais, respondendo aos
mais diversos objetivos. 10
Para Salgado (1997, p.39), a crítica de Chicago ao paradigma E-C-D organizou-se em torno da idéia de que
esta proposta não respeitava os princípios da teoria econômica (particularmente, a microeconomia neoclássica),
em especial a premissa básica do comportamento racional-maximizador. 11
Barreiras à entrada podem ser entendidas como qualquer tipo de característica de determinado mercado que
faz com que a entrada seja mais custosa ou mais difícil, permitindo que as empresas atuantes naquele mercado
pratiquem preços acima dos níveis competitivos sem atrair novas entrantes.
13
um significado independente. Em particular, o comportamento estratégico das firmas12
ganhou grande destaque na análise antitruste.
Uma vez aceito que perseguir uma política competitiva não é sinônimo de maximizar
o número de firmas, a relação inversa entre poder de mercado e bem-estar não é mais tão
direta como se supõe sob a análise estática. O principal elemento perturbador dessa relação é,
sem dúvida, a presença das eficiências, que podem se revelar de diversas formas: (i)
alocativas, (ii) produtivas (iii) transacionais, e (iv) dinâmicas. A seguir, será desenvolvida
uma breve análise dos principais tipos de eficiências envolvidos nas relações econômicas, que
servirá de base para o posterior desenvolvimento de críticas à quase exclusividade do critério
alocativo nas aplicações relativas à análise da concorrência.
1.1.1. Eficiência alocativa
Diz-se que um mercado opera com eficiência alocativa quando os recursos sociais –
que são escassos – estão alocados de acordo com o uso mais valorizado pela sociedade, entre
todas as possibilidades. No contexto de troca entre consumidores e produtores, o valor de um
produto do ponto de vista do consumidor é, na margem, igual ao valor dos recursos
empregados em sua produção13
. Esta condição garante que a economia maximiza o valor
agregado de seus recursos, sendo o processo de concorrência o principal meio de promover a
alocação eficiente dos recursos sociais. A eficiência alocativa é, portanto, uma aplicação do
conceito de eficiência de Pareto a uma economia competitiva: uma alocação é eficiente ou
Pareto-ótima se não permite uma nova organização da produção e distribuição de bens que
faça algum indivíduo melhorar sua situação, sem piorar a de outro.
12
Hovenkamp (2005, p.46) cita três exemplos bastante diretos e ilustrativos: (i) investimentos em excesso de
capacidade, que dariam à incumbente uma capacidade rápida de resposta à entrada de concorrente, aumentando a
quantidade produzida e reduzindo os preços ao ponto de não compensar a entrada da nova firma; (ii) aumento
dos custos para a rival, no caso de a incumbente deter um número elevado de patentes, ameaçando a entrante de
disputas judiciais com a alegação de desrespeito ao direito exclusivo de uso; e (iii) proliferação de marcas. 13
Os custos marginais refletem não apenas os custos de produção, distribuição e marketing diretamente
observáveis, mas também os custos de oportunidade, ou seja, o custo de se empregar o recurso em um
empreendimento alternativo.
14
Sob os pressupostos de mercados completos e em concorrência perfeita (existem
mercados para toda mercadoria relevante, e todos os participantes do mercado são tomadores
de preços) e não-saciedade, e admitindo a ocorrência de transferências entre consumidores, o
Primeiro Teorema do Bem-Estar Social14
garante que se o preço p* e a alocação (x1*, ..., xI*,
q1*, ..., qJ*) constituem um equilíbrio competitivo, então a alocação é eficiente (ou ótima) em
Pareto e, em particular, que qualquer equilíbrio alocativo walrasiano é ótimo em Pareto.
O conceito de eficiência alocativa é desenvolvido a partir do modelo de concorrência
perfeita, assumidas suas hipóteses fundamentais de (a) informação perfeita, (b) retornos de
escala constantes (para uma dada tecnologia), (c) comportamentos maximizadores por parte
dos agentes15
, (d) todos os agentes são tomadores de preços. A partir dessas hipóteses, um
equilíbrio competitivo, ou seja, um vetor de preços que equilibra todos os mercados, é
determinado. Informação perfeita, retornos de escala constantes e agentes tomadores de
preços significam, do lado da firma, que nenhuma delas tem diferencial de produtividade
capaz de influenciar sua participação no mercado e, mais ainda, que o mercado é
suficientemente fragmentado a ponto de nenhuma empresa ser capaz de sustentar preços
acima dos normais (caso tentasse, toda sua demanda migraria automaticamente para as demais
empresas do mercado).
Para detectar os efeitos da concentração do mercado sobre a eficiência alocativa,
assumamos (i) tecnologias dadas, e (ii) a melhor tecnologia disponível é utilizada (Motta,
2004). No Gráfico 1 abaixo, seja DD‘ a função de demanda (linear) pelo bem, e sejam os
custos marginais constantes (refletindo a tecnologia com retornos constantes de escala). No
caso da concorrência perfeita, o preço é pc = CMg, a quantidade produzida é igual a qc, e o
bem-estar é dado pelo triângulo pcDB. No outro extremo, ou seja, em uma situação de
14
As implicações da utilização da eficiência de Pareto como critério normativo, assim como a relação entre
mercado competitivo e eficiência alocativa, enunciada pelo Primeiro Teorema do Bem-Estar Social, serão mais
bem explorados adiante. 15
Consumidores maximizam suas preferências, dadas suas restrições orçamentárias; produtores maximizam
lucros, dadas suas funções de produção.
15
monopólio (máximo poder de mercado), preço e produção são dados, respectivamente, por pm
e qm, e o bem-estar é dado por pcDAC, soma dos excedentes do produtor, pcpmAC, e do
consumidor, pmAD. Neste caso, a perda de eficiência causada pelo monopólio, o triângulo
ABC, é dada pela diferença entre pcDB e pcDAC, e é chamada de peso-morto16
. Quanto
menor a elasticidade da demanda pelo produto, maior a capacidade do monopolista de impor
preços mais elevados, e maior o peso-morto gerado17
.
No equilíbrio de longo prazo, o monopólio não atende ao critério de eficiência
alocativa, já que o preço do monopolista excede o custo marginal de longo prazo. A
ineficiência alocativa é, portanto, resultado da perda de bem-estar social gerada pelo desvio de
preços e quantidades em relação aos verificados em concorrência perfeita para custos de
16
Harberger (1954) desenvolveu um método para mensurar a perda de bem-estar, ou o peso morto gerado pelo
monopólio, segundo o qual ½ (P*- Pc) (Qc - Q*) = ½ η d 2
PcQ*, sendo η a elasticidade-preço da demanda, e d =
(P* - Pc)/Pc, a variação relativa dos preços de equilíbrio antes e depois da fusão (markup). O método apresentado
supõe demanda linear, ou aproximadamente linear. 17
No caso de uma demanda perfeitamente inelástica, porém, não existe perda de peso morto. Os monopolistas
cobrarão o preço máximo que os consumidores estão dispostos a pagar pelo bem e, assim como no caso
discriminação perfeita, vão se apropriar de todo o excedente do consumidor (Motta, 2004, p.43)
q
D
C CMg
D‘
qm qc
pm
pc
P
RMg
A
B
Fonte: Elaboração própria
Gráfico 1 – Poder de Mercado e Bem-Estar
16
produção dados. Assim, todo tipo de estrutura que se afaste do modelo de concorrência
perfeita é uma potencial fonte de ineficiência alocativa18
.
1.1.2. Eficiência produtiva
Uma fonte alternativa de perda de bem-estar é ocorrência de ineficiência produtiva,
situação em que uma firma opera com custos mais elevados do que aconteceria em uma
situação competitiva. A eficiência produtiva consiste na utilização da melhor combinação
entre insumos para gerar determinado nível de produto19
, logo, equivale à melhor aplicação da
tecnologia disponível. Na definição de Mas-Colell, Whinston e Green (1995, p.150), um vetor
de produção y Y (Y conjunto de possibilidades de produção) é eficiente se não existir y‘
Y tal que y‘≥ y e y‘ y. Ou seja, um vetor de produção é eficiente se não existir outro vetor de
produção factível que gere tanta produção quanto y, utilizando a mesma quantidade de
insumos20
.
Em termos práticos, fusões (joint-ventures ou outras práticas cooperativas) podem
gerar eficiência produtiva de diversas formas, por exemplo, por meio de economias de
escala21
, economias de escopo – caso as firmas fusionadas possuam algum tipo de
complementaridade entre suas produções –, ou mesmo outros tipos de sinergias (Kolaski e
18
Kolaski e Dick (2003, p.243), entretanto, apresentam um exemplo do caso clássico de uma concentração
(integração) vertical que pode promover o aumento da eficiência alocativa. Isso aconteceria na presença de uma
situação de duplo markup, no caso de um produtor e um fornecedor possuírem algum grau de poder de mercado
que os leve a incorporar, em sua função de maximização de lucro, um markup de monopólio sobre os preços que
praticam. Neste caso, a integração entre as empresas poderia ser benéfica para o consumidor, já que a firma terá
seu custo reduzido na etapa de compra do insumo. Se considerarmos mantidas as condições de produção iniciais
de ambas as firmas, a fornecedora do insumo intermediário repassará apenas o custo marginal de produção do
bem à produtora do bem final, e os consumidores arcarão com o markup apenas sobre esta etapa final. 19
Determinado, vale lembrar, segundo as hipóteses do modelo de concorrência perfeita. 20
Existe uma forte relação entre o conceito de eficiência produtiva e a idéia de maximização de lucros. De
acordo com Mas-Colell et alii (1995), se um conjunto de firmas maximiza os lucros de forma independente,
dado um vetor de preços fixos p >> 0, então a produção agregada será socialmente eficiente (esta é uma versão
do primeiro teorema do bem-estar). 21
Segundo Kolaski e Dick (2003), alguns economistas legisladores de antitruste são céticos em relação à
consideração de economias de escala como específicas à concentração. Para esses, as firmas podem atingir sua
escala de produção eficiente adquirindo insumos adicionais através de transações normais de mercado. Como
essas mudanças unilaterais na escala da firma não induzem necessariamente à saída de um competidor do
mercado, podem oferecer tanto ganho produtivo quanto uma fusão, com a vantagem de não diminuir a
competição no mercado.
17
Dick, 2003). A principal forma de geração de eficiência produtiva por meio de uma fusão é a
possibilidade de levar a firma para mais perto da escala ótima de produção da indústria22
. A
combinação das operações de duas firmas tende a reduzir os custos duplicados, diluir custos
fixos em uma base de produção maior, permitir que as firmas reorganizem suas linhas de
produção de modo a reduzir custos de switchover, reduzir os custos de manutenção de
estoques e permitir um uso mais especializado de alguns recursos. Todos esses exemplos são
fontes de potenciais avanços em direção a uma escala eficiente de produção ou ao seu melhor
aproveitamento e, portanto, de eficiência produtiva.
A exploração de economias de escopo é outra possível fonte de eficiência produtiva
por parte de uma fusão. Uma das formas mais convencionais de realização de economias de
escopo é a utilização de matérias-primas iguais – montadoras de carros, por exemplo, podem
explorar economias de escopo produzindo diferentes tipos de carros, mas que usam muitos
componentes iguais. Segundo Kolaski e Dick (2003), conhecimentos técnicos sobre a
produção e a venda de produtos relacionados também podem sem explorados, resultando em
economias de escopo.
A terceira via pela qual fusões podem aumentar a eficiência produtiva é a geração de
sinergias, definidas como economias de custo (ou melhorias na qualidade) advindas da forte
integração (por complementaridade) de ativos muito específicos. Farrell e Shapiro (2001)
identificaram alguns tipos de sinergias geradas a partir de fusões horizontais, entre eles, o
compartilhamento de habilidades complementares – como, por exemplo, uma fusão entre uma
firma com técnica produtiva mais eficiente e outra com uma rede de distribuição mais ampla e
consolidada –, e a melhoria da interoperabilidade entre produtos complementares23
.
22
Stigler (1958), em The Economies of Scale, desenvolveu um método de determinar a escala ótima de uma
firma. 23
O exemplo dado pelos autores é de duas firmas produtoras de software, uma que se destaca pela facilidade de
operacionalidade do produto, e outra com um instrumental gráfico mais poderoso.
18
Atos de concentração podem, contudo, reduzir a eficiência produtiva, se o maior
poder de mercado gerado pela concentração reduzir os incentivos para as firmas fusionadas
manterem seus custos baixos. Quando um monopolista opta por uma tecnologia menos
eficiente, seus custos marginais de operação serão mais elevados do que se verificaria em um
ambiente competitivo. No caso do Gráfico 2 abaixo, temos c‘ e c como, respectivamente, os
custos marginais do monopolista e de uma empresa em concorrência, com c‘> c. A situação
de monopólio aumenta a perda de bem-estar de ABC para a soma das áreas A‘BC‘ e
p‘cGC‘pc24
.
De acordo com Motta (2003), há duas principais justificativas para o emprego de
tecnologia ineficiente. A primeira é a de que uma firma que não enfrenta concorrência tem
menos incentivos para utilizar melhores tecnologias, melhorar seus produtos, ou inovar. Daí
deriva, por exemplo, o conceito de Ineficiência-X, introduzido por Leibenstein (1966). A
24
Sob monopólio, o bem-estar é dado por DA‟Gp‟c, enquanto que, em condição de concorrência perfeita, o bem-
estar é dado pela área DBpc.
q
F
E G
C‘ C
B
A
p‘c
c
c‘
D
‘ q‘m qc
pm
pc
D
p‘m A‘
Fonte: Elaboração própria com base em Motta (2003).
p
qm q‘c
Gráfico 2 – Perdas adicionais oriundas de ineficiências produtivas
19
segunda é que, na existência do monopólio, o mercado não opera nenhum mecanismo de
seleção, e empresas ineficientes não são desafiadas25
.
1.1.3. Eficiência transacional
As eficiências transacionais, por sua vez, contemplam uma ampla categoria de
efeitos, derivados basicamente dos pressupostos da teoria dos custos de transação, inaugurada
pelo trabalho de Ronald Coase (1937). De acordo com esta corrente, os agentes econômicos
elaboram estratégias, contratos e formas organizacionais de modo a minimizar os custos de
transação – que são os custos de se recorrer ao mercado26
– e os riscos associados a
comportamentos oportunistas. Além de romper a premissa da informação simétrica, a teoria
dos custos de transação assume ainda um conjunto de hipóteses que tornam esses custos, na
realidade, bastante significativos: racionalidade limitada, complexidade e incerteza,
oportunismo e especificidade de ativos (Fiani, 2002).
O pressuposto da racionalidade limitada tem como ponto de partida o trabalho de
Herbert Simon (1959), para quem o comportamento humano, ainda que intencionalmente
racional, enfrenta limitações (i) cognitivas, de acumular e processar informações, e (ii) de
linguagem, que comprometem a capacidade de transmitir informações. A racionalidade
limitada somada a ambientes complexos e permeados de incerteza pode estimular a
ocorrência de comportamentos oportunistas por parte dos agentes – o oportunismo, segundo
Fiani (2002) é refletido na transmissão de informação seletiva, distorcida, e na realização de
promessas ―autodesacreditadas‖ sobre o comportamento do próprio agente, que se
compromete com aquilo que sabe que não terá condições de cumprir. O último elo desta
corrente é a presença de especificidade dos ativos.
25
Esses argumentos são esmiuçados em Motta (2004), p. 46 e ss. 26
Os custos de transação refletem basicamente os custos de negociar, redigir e garantir o cumprimento de
contratos. Sob a hipótese da teoria tradicional de informação perfeita e simétrica, não há espaço para este tipo de
custo.
20
Mesmo em um mundo de racionalidade limitada e oportunismo, se o número de
agentes no mercado que negociam determinado produto for muito elevado, a tendência é que
comportamentos oportunistas sejam repreendidos, de modo que a conduta do agente se ajusta,
ou ele simplesmente perderá seu mercado. Quando estão envolvidos ativos muito específicos,
porém, o recurso a outros agentes é prejudicado – quando não inviável – de tal sorte que o
refreamento de comportamentos oportunistas pode ser simplesmente inviabilizado. Muitas
transações de mercado exigem de uma ou de ambas as partes investimentos elevados em
ativos muito específicos àquela transação, o que acaba sujeitando as partes a comportamentos
oportunistas mútuos27
.
As eficiências transacionais estariam mais associadas a atos de integração vertical,
que garantiriam a oferta de produtos a jusante ou a montante da cadeia produtiva com
menores riscos. Incerteza, freqüência de transações e especificidade dos ativos são, como
visto, conceitos essenciais associados às eficiências transacionais28
, assim como a freqüência
com que se desenvolverá a relação entre as partes. Quanto maior a freqüência de transações
envolvendo ativos muito específicos, e quanto maiores as incertezas envolvidas na negociação
– devido à informação incompleta – maiores os incentivos para a empresa verticalizar a
produção.
A teoria dos custos de transação, sobretudo a partir dos trabalhos de Oliver
Williamson, estimulou uma revisão significativa nos conceitos que norteavam a política de
defesa da concorrência norte-americana no final dos anos 60 (Fiani, 2002), servindo como
27
Segundo Fiani (2002), “o problema associado com a especificidade dos ativos é que uma vez que o
investimento em um ativo específico seja feito, comprador e vendedor passam a se relacionar de maneira
exclusiva ou quase exclusiva (...). Esse vínculo (...) pode dar origem ao que a literatura convencionou chamar de
“problema do refém””. (p.271 e 272). 28
De acordo com Salgado (1997), a Economia dos Custos de Transação auxilia a compreensão de formas não
padronizadas de organização, como joint ventures, franquias, etc. O foco da literatura, argumenta a autora, não
está na tecnologia ou nas margens de lucro, mas nos atributos das transações (freqüência, incerteza e
especificidade dos ativos) e nos atributos das estruturas de governance, como salvaguardas, incentivos e
adaptabilidade (p.53).
21
justificativa teórica para a defesa de muitos casos de integração vertical. Já em 197529
,
Williamson tratou o problema do oligopólio como um problema de contrato, sugerindo que ―a
comparação entre fusões e cartéis como instrumentos alternativos para orquestrar colusão é
preponderantemente um exercício de custos de transação‖ (Williamson, 1975, p.147, apud
Salgado, 1997).
1.1.4. Eficiência dinâmica
Bem menos exploradas do que as anteriores, e com definições muito mais fluidas,
encontram-se as eficiências dinâmicas, cuja qualificação depende da capacidade de se lidar
adequadamente com trade-offs intertemporais entre eficiências presente e futura e com
mudanças qualitativas30
provenientes de inovações e avanços tecnológicos, em um contexto
inerentemente marcado por incertezas. As eficiências dinâmicas estão relacionadas a
inovações e criação de novos mercados, e dado o ambiente repleto de incerteza forte – não
redutível a cálculos probabilísticos – informações baseadas em eventos pregressos não são
suficientes, além de serem muitas vezes enganosas, para a realização de qualquer previsão dos
efeitos de fusões, sobretudo em indústrias marcadas por maior dinamismo tecnológico.
Nas palavras de Kolaski e Dick (2003, p. 247),
Whereas allocative and productive efficiency can be viewed as static
criteria—holding society‘s technological know-how constant — a more
dynamic view of efficiency examines the conditions under which
technological know-how and the set of feasible products optimally can be
expanded over time through means such as learning by doing, research and
development, and entrepreneurial creativity.
Para Viscusi, Vernon e Harrington (1995), enquanto o termo ―eficiência alocativa‖
refere-se à melhor alocação de recursos dado o estado da tecnologia, o termo ―eficiência
dinâmica‖ é o que melhor traduz o que se chama em economia de progresso tecnológico, ou
29
Markets and Hierarchies: Analysis and Antitrust Implications, New York, Free Press. 30
Cuja mensuração é cercada de dificuldades.
22
seja, a capacidade de uma indústria de desenvolver produtos e métodos de produção novos e
melhores. A essência do conceito de eficiência dinâmica encontra-se nos trabalhos de
Schumpeter, e pode ser resumido em algumas frases emblemáticas como:
O aspecto essencial a captar é que, ao tratar do capitalismo, estamos tratando
de um processo evolutivo (como já destacara Marx). O capitalismo é, então,
pela própria natureza, uma forma ou método de mudança econômica, e não
apenas nunca está, mas nunca pode estar, estacionário. O impulso
fundamental que inicia e mantém o movimento da máquina capitalista
decorre dos novos bens de consumo, dos novos métodos de produção ou
transporte, dos novos mercados, das novas formas de organização industrial
que a empresa capitalista cria.
e
O processo de mutação industrial incessantemente31
revoluciona a estrutura
econômica a partir de dentro, incessantemente destruindo a velha
incessantemente criando uma nova. Esse processo de Destruição Criativa é o
fato essencial acerca do capitalismo. Se nisso consiste o capitalismo, (i) não
tem sentido avaliar o desempenho de tal processo de um dado ponto no
tempo; devemos julgar seu desempenho no tempo, na medida em que ele se
desdobra através de décadas ou séculos. (Schumpeter, 1984, pp. 112 e 113)
A idéia embutida no conceito de eficiência dinâmica, no que tange a análise
antitruste, é a de que custos de curto prazo associados a ineficiências alocativas e produtivas
originadas na detenção de poder de mercado podem ser mais do que compensadas pela
geração de eficiências dinâmicas, na linha da definição sugerida anteriormente.
Na medida em que boa parte dos modelos tradicionais está assentada no pressuposto
da tecnologia dada, entre eles o modelo de equilíbrio geral, a dimensão do progresso técnico
encontra dificuldades de se encaixar naquele arcabouço teórico, o que faz com que as análises
baseadas nesse instrumental também padeçam de uma incapacidade – ou, ao menos, de uma
enorme dificuldade – de lidar com a realidade capitalista.
À análise desse tipo de eficiência será dedicado o terceiro capítulo deste trabalho,
motivo pelo qual não se aprofundará a discussão neste momento. Cabe adiantar que a hipótese
31
Essas revoluções não são estritamente incessantes; ocorrem em surtos distintos, separados uns dos outros por
períodos de relativa calmaria. O processe como um todo, entretanto, funciona incessantemente, no sentido de que
sempre existe ou revolução ou absorção dos resultados da revolução, o que, em conjunto, forma aquilo que se
conhece como ciclo dos negócios. (p.113)
23
central aqui defendida é a inadequação do aparato tradicional para lidar com as situações
dinâmicas (em especial os processos inovativos), fundada no referencial teórico
intrinsecamente estático e centrado na noção de equilíbrio, aplicado usualmente à análise da
concorrência e à pratica antitruste. Defende-se que uma alternativa normativa consistente para
tratar de contextos econômicos dinâmicos deve basear-se em uma teoria econômica
alternativa, com pressupostos também dinâmicos, e nesse sentido, a abordagem neo-
schumpeteriana e evolucionária apresenta-se como a proposta mais bem acabada para lidar
com situações dinamizadas pela concorrência e pelas inovações.
1.1.5. Eficiência distributiva
Na análise antitruste, em particular, além dos quatro tipos de eficiência abordados
anteriormente, revela-se importante a consideração de um último tipo, a eficiência
distributiva, que visa garantir o excedente do consumidor em mercados onde se verificam –
ou potencialmente possam existir – ganhos supracompetitivos, originados na detenção de
algum poder de mercado por parte das firmas.
Como será discutido no segundo capítulo, o trabalho de Williamson (1968) forneceu
a primeira base teórica para a incorporação das eficiências como um fator pró-
competitividade na análise dos atos de concentração, através de um modelo de trade-offs entre
os ganhos de eficiência resultantes da redução de custos propiciada por uma fusão, e os
efeitos anticompetitivos ou perda de bem-estar associados ao aumento do poder de mercado –
aumento do peso morto. Este tipo de análise, contudo, desconsidera questões distributivas –
transferência de excedente do consumidor para o produtor – já que seu foco está sobre o
excedente total gerado pela transação.
Os três principais métodos teóricos utilizados para tratar a questão das eficiências são
(a) excedente total, (b) excedente do consumidor, (c) price standard. A utilização do primeiro
24
deriva diretamente da aplicação dos pressupostos da teoria normativa tradicional, e considera
apenas as variações no bem-estar agregado, ignorando perdas impostas a determinados grupos
– em geral, consumidores. O reconhecimento da importância das questões distributivas
provocou o desenvolvimento dos outros dois métodos referidos.
Segundo o critério do excedente (bem-estar) total, um ato de concentração pode ser
aprovado caso a variação na soma dos excedentes do consumidor e do produtor pós-operação
seja positiva, a despeito de uma das partes ser prejudicada na comparação das situações antes
e após a operação. Este critério é fundado sobre o método descrito por Williamson.
Já a abordagem do price standard, em linhas gerais, ignora as reduções de custo que
não são repassadas para os consumidores. Assim, reduções de custos são consideradas
insuficientes para justificar um ato de concentração – ou alguma outra prática restritiva – a
menos que os custos caiam tanto que o os preços pós-fusão não sejam maiores do que os
preços vigentes antes da operação. Essa condição de – no mínimo – neutralidade nos preços
significa maiores exigências em termos de ganhos de eficiência do que o critério do excedente
total. O critério do excedente do consumidor, por sua vez, pode considerar ainda outras
questões como redução na qualidade do produto pós-fusão ou redução na variedade de
produtos, na medida em que as firmas reduzem o número de marcas produzidas, e não
condiciona a aprovação de um ato de concentração à neutralidade ou redução dos preços ao
consumidor. Esses critérios também serão objeto de análise mais pormenorizada no próximo
capítulo.
Há muita reticência por parte de diversos autores em incorporar a questão
distributiva à análise antitruste, sob a alegação de que tal questão deve ser resolvida no âmbito
de políticas tributárias e outros tipos de transferências. Grande parte das jurisdições,
entretanto, condiciona a aprovação de um ato de concentração a uma distribuição equânime
25
dos ganhos resultantes do ato entre produtores e consumidores. No caso brasileiro, por
exemplo, de acordo com o Guia para Análise de Concentrações Horizontais, parágrafo 87:
A lei de defesa da concorrência estabelece como requisito formal de
aprovação dos atos de concentração que os benefícios decorrentes sejam
―distribuídos eqüitativamente‖ entre os seus participantes, de um lado, e os
consumidores ou usuários finais, de outro (art. 54, §1º, II). Mesmo nos casos
em que os órgãos de defesa da concorrência reputarem a operação
―necessária por motivo preponderante da economia nacional e do bem
comum‖, veda o legislador a aprovação do ato caso se verifique a
possibilidade de ―prejuízo‖ ao consumidor ou usuário final (art. 54, §2º).
Portanto, nesses casos em particular, as Secretarias procurarão analisar se os
efeitos da operação se revertem em benefício do consumidor em período de
tempo razoável.
Na segunda parte deste trabalho, quando forem discutidos os critérios de excedente
total e de excedente do consumidor, a questão da eficiência distributiva será mais bem
contextualizada. Por ora, vale lembrar que o objetivo último de um órgão de defesa da
concorrência é a promoção do bem-estar social, e que a adoção de critérios que
desconsiderem a questão dos efeitos de uma reorganização da estrutura produtiva sobre a
renda dos consumidores deve ser olhada com alguma desconfiança, ainda que, de outra parte,
deva ser feita com muita cautela a incorporação desse elemento à análise.
*
Após essa breve apresentação dos diferentes tipos de eficiência envolvidos – ou
passíveis de serem envolvidos – na análise antitruste, parece claro que a escolha metodológica
no trato das eficiências influenciará a regra ou padrão de decisão que a autoridade antitruste
adotará nas análises de atos de concentração potencialmente anticompetitivos e que, portanto,
só se justificariam pela geração de eficiências capazes de compensar a redução no bem-estar
imposta pela diminuição da concorrência.
26
Os métodos utilizados em geral para a consideração das eficiências econômicas
derivadas de uma operação revelam uma inadequação e uma dificuldade substanciais para
tratar de questões dinâmicas, que vão além dos cálculos intertemporais permitidos pelo
ferramental tradicional. Aspectos fundamentais para o desenvolvimento econômico
relacionados, sobretudo, à capacidade inovativa das empresas são deixados de lado neste tipo
de análise. A incerteza que permeia esses casos não parece justificativa suficiente para sua
desconsideração.
O segundo capítulo deste trabalho apresentará formalmente os métodos tradicionais
de avaliação das eficiências (potencialmente) geradas por um ato de concentração, e servirá
de contraponto para o desenvolvimento do capítulo final, que defenderá a incorporação de
considerações dinâmicas nas análises de defesa da concorrência. Ainda que a quantificação
satisfatória das eficiências dinâmicas seja um objetivo distante na análise antitruste, sua
consideração pode gerar insights e desenvolvimentos importantes, sobretudo para os setores
de maior dinamismo tecnológico. Voltar-se para uma análise mais qualitativa não significa
necessariamente aderir a uma análise mais imprecisa e especulativa, posto que as informações
demandadas para o desenvolvimento do arcabouço tradicional são tão difíceis de se acessar
corretamente que qualquer decisão baseada nelas possui um grau não desprezível de
arbitrariedade.
Apresentados os principais tipos de eficiência envolvidos na agenda da defesa da
concorrência, a próxima seção buscará discutir as limitações do critério de Pareto, base teórica
dos principais modelos de análise dos efeitos de atos de concentração sobre o bem-estar, e os
problemas relacionados à comparabilidade entre situações de mercado, e à passagem do nível
de equilíbrio geral para o equilíbrio de mercado. Em seguida, serão abordados os problemas
da desconsideração de outros critérios, além da eficiência estática, na análise de defesa da
concorrência – em particular, a negligência da questão distributiva nos modelos que
27
fundamentam boa parte da análise antitruste – e a inadequação do aparato estático à dinâmica
da concorrência. Vale destacar que esses dois pontos serão retomados nos próximos capítulos,
motivo pelo qual não se aprofunda a análise nesta parte do trabalho.
1.2. O critério de Pareto e sua aplicabilidade
O conceito de eficiência de Pareto é um elemento chave da teoria convencional do
bem-estar social centrada no equilíbrio de mercado, base da análise normativa tradicional em
economia. A vinculação entre bem-estar e eficiência econômica, esta última considerada
geralmente em termos das eficiências alocativa e produtiva tem, como se verá, reflexos
importantes sobre a teoria e a prática antitruste.
Consideremos um conjunto de alocações econômicas factíveis32
(x1, ..., xI, y1, ..., yJ),
com xi Xi vetor de consumo, para cada consumidor i = 1, ..., I e yj Yj vetor de produção,
para cada firma j = 1, ..., J. Esse conjunto é dito ótimo em Pareto (ou Pareto-eficiente) se não
houver outra alocação factível (x‘1, ..., x‘I, y‘1, ..., y‘J) tal que ui (x‘i) ≥ ui (xi), para todo i = 1,
..., I e ui (x‘i) > ui (xi) para algum i (ui (), função de utilidade dos consumidores). O seja, uma
alocação é eficiente em Pareto se, a partir dos recursos iniciais e das possibilidades
tecnológicas disponíveis, não houver modo alternativo de organizar a produção e a
distribuição de bens que faça algum consumidor melhorar sua posição, sem piorar a de outro
(Mas-Colell et alii, 1995).
A ponte entre o conceito de eficiência de Pareto e a estrutura de mercado é dada pelo
Primeiro Teorema do Bem-Estar Social: se um vetor de preços p* e um conjunto de alocações
(x*1, ..., x*I, q*1, ...,q*J) – níveis de consumo e produção – são eficientes de Pareto, então
constituem um equilíbrio competitivo. Mercados competitivos, por sua vez, como já
32
Uma alocação econômica é dita factível se o total de bens consumidos pela sociedade não é superior ao total
disponível a partir da dotação e da produção.
28
comentado, são aqueles em que todo bem relevante é comercializado a preços conhecidos e
todos os agentes são tomadores de preços, o que pressupõe ausência total de qualquer grau de
poder de mercado.
Alguns problemas metodológicos33
importantes resultam da utilização do aparato
analítico usual de eficiência alocativa nas aplicações normativas, sobretudo nas áreas de
políticas de concorrência e antitruste, entre eles, (i) o problema da comparabilidade de Pareto
entre situações de mercado; e (ii) o problema da passagem do nível de equilíbrio geral, em
que o conceito de eficiência alocativa é formulado, para o de equilíbrio parcial ou de
mercados, onde se dão as principais aplicações normativas. Esses problemas serão analisados
em maior detalhe na seqüência.
1.2.1. Comparabilidade de Pareto entre situações de mercado
Por definição, duas alocações sociais só serão comparáveis entre si em termos de
Pareto se não violarem o critério estabelecido. No caso da comparabilidade de Pareto,
portanto, é preciso que não haja piora na utilidade de nenhum dos agentes envolvidos nas
diferentes situações enquanto a de outro melhora. Na análise antitruste, cujo ferramental
básico assenta-se sobre os pressupostos tradicionais, a análise dos efeitos anticompetitivos de
uma concentração se dá, em geral, pela comparação, em termos de eficiência alocativa, entre
duas situações de mercado e, deste modo, envolve a comparação entre as utilidades auferidas
por agentes econômicos diferentes. No caso de um mercado hipotético, inicialmente
competitivo, que sofre um processo de monopolização – ou oligopolização – de sua estrutura,
estamos lidando necessariamente com transferências entre consumidores e produtores, o que
claramente implica perdas para os primeiros. Tal comparação violaria, portanto, o pressuposto
metodológico básico de Pareto.
33
Possas (2004) é a fonte de referência para a escolha dos problemas destacados.
29
Para elucidar esse ponto, retomemos o equilíbrio de troca entre dois indivíduos,
esquematizado pela conhecida caixa de Edgeworth, dadas as dotações e as preferências
iniciais de dois indivíduos34
. No Gráfico 3 abaixo, o eixo horizontal fornece a quantidade de
determinado bem 1, e o eixo vertical, do bem 2, sendo a altura e comprimento da caixa
representativos das quantidades totais disponíveis dos dois bens. As dotações do indivíduo A
são vistas a partir do eixo OA, enquanto as do indivíduo B são vistas a partir do eixo OB. Na
caixa de Edgeworth são representados os mapas de indiferença de cada indivíduo, sendo que a
situação dos mesmos melhora na medida em que as curvas de indiferença que podem atingir
se afastam da origem.
Nos pontos de tangência das curvas de indiferença, as taxas marginais de substituição
dos consumidores são iguais, e todas essas situações representam equilíbrios Pareto-
eficientes, dado que um indivíduo não consegue melhorar sua situação sem piorar a do outro.
O critério de Pareto, portanto, desconsidera qualquer preocupação com a questão distributiva,
e qualquer situação que se enquadre como de equilíbrio Pareto-eficiente não pode ser
considerada socialmente preferível à outra, ainda que signifique uma grande transferência de
recursos entre os agentes.
34
Para análise mais detalhada deste ponto ver, por exemplo, Mas-Colell et alii (1995), Cap. 15.
Bem 1
OA
OB
Bem 1
Bem 2 Bem 2
Gráfico 3 - Caixa de Edgeworth
30
Como pode ser notado pelo gráfico acima, há inúmeras – na verdade, infinitas –
soluções Pareto-ótimas, mas a avaliação de qual equilíbrio seria preferível em termos sociais
envolve a comparação entre as utilidades auferidas por indivíduos diferentes, o que viola o
pressuposto metodológico básico de Pareto, qual seja: ―só são ordenáveis – e, por extensão,
comparáveis – em termos de bem-estar social aquelas alocações sociais em que a utilidade de
pelo menos um indivíduo (ou agente econômico) varia, sem que a de qualquer outro indivíduo
varie em direção oposta. Em outras palavras, por definição, não são comparáveis em termos
de Pareto duas situações tais que a utilidade de alguém aumenta enquanto a de outrem
diminui‖ (Possas, 2004, p. 75).
Foram realizadas algumas tentativas de contornar esse problema, entre elas a
elaboração do chamado ―princípio da compensação‖ (ou critério de eficiência de Kaldor-
Hicks)35
, pelo qual se supõe a possibilidade de uma restituição da renda transferida via
mercado, por meio de reembolsos extramercado em quantias monetárias (lump sum), em
princípio por uma autoridade central. Assim, variações no bem-estar individual poderiam ser
compensadas por uma transferência monetária para aquele indivíduo que teve seu bem-estar
reduzido. Essa adaptação é chamada de ―eficiência de Pareto (ou alocativa) potencial‖: uma
situação é ―potencialmente‖ mais eficiente de Pareto que outra se os agentes beneficiados por
ela podem, em tese, ressarcir completamente os perdedores e, ainda assim, preservar um
benefício líquido (Possas, 2004).36
35 O princípio da compensação foi desenvolvido por Kaldor (1939) e Hicks (1939, 1946), como parte do esforço
pelo desenvolvimento de uma ―nova teoria do bem-estar social‖ (Maia, 2005). 36
De acordo com Possas (2004), algumas versões formalizadas da construção de funções de bem-estar social
parecem seguir a metodologia de Pareto, ao impor como precondição uma correspondência entre a ordenação
das preferências sociais sobre alocações sociais e a existência de superioridade (ou indiferença) de Pareto sobre
essas alocações (como Kreps, 1990). Esse procedimento, no entanto, equivaleria a excluir por hipótese do
conjunto de alocações sociais factíveis justamente aquelas que não são ―comparáveis de Pareto‖ entre si — as
quais, por definição, não estabelecem entre si relação nem de superioridade nem de indiferença de Pareto.
31
1.2.2. Passagem do nível de equilíbrio geral para o de equilíbrio parcial37
O segundo problema apontado, o da passagem do nível de equilíbrio geral para o de
equilíbrio parcial ou de mercados, origina-se no fato de que o conceito de eficiência de Pareto
– o critério usualmente escolhido para comparar duas situações de mercado – é definido no
âmbito da economia como todo, ou seja, no contexto de um modelo de equilíbrio geral, onde
estabelece uma relação biunívoca entre bem-estar e concorrência perfeita, por meio do
Primeiro e Segundo Teoremas do Bem-Estar. A passagem da análise para o nível de equilíbrio
parcial – base das análises de política antitruste – apesar de seu efeito simplificador, carrega
consigo algumas distorções. Vejamos as razões.
Antes de apresentar as hipóteses simplificadoras, analisemos o modelo de equilíbrio
geral aplicado à análise de bem-estar. Seja uma economia formada por I consumidores (i = 1, .
. ., I), J firmas (j = 1, . . ., J), e L bens (l = 1, . . ., L). As preferências dos consumidores sobre
cestas de consumo xi = (x1i, . . ., xLi) em seu conjunto de consumo Xi IRL são representadas
por funções de utilidade ui (). O total de cada bem l = 1, . . ., L disponível inicialmente na
economia (dotação do bem l) é denotado por wl ≥ 0, para l = 1, . . ., L.
Por meio da atividade produtiva, as firmas podem transformar parte da dotação
inicial de um bem em quantidades adicionais de outros bens. As possibilidades de produção
são dadas pelo conjunto de produção Yj IRL (cada elemento de Yj é um vetor de produção
yj = (yij, . . ., yLj) IRL). Assim, se (y1, . . ., yJ) IR
LJ são os vetores de produção das J
firmas, o total líquido do bem l disponível na economia é wl + j ylj.
Uma alocação econômica é dita factível se o total consumido de cada bem não
excede o total disponível a partir da dotação inicial e da produção do bem:
xli wl + ylj, l = 1, . . ., L.
37
Os conceitos aqui apresentados estão baseados em Mas-Colell et alii (1995), especialmente capítulos 10, 15 e
16.
i = 1
I
j = 1
J
32
Diz-se que um sistema econômico opera de maneira ótima se não houver modo
alternativo mais eficiente de organizar a produção e a distribuição de bens que faça algum
agente melhorar sua condição, sem piorar a de outro. Esse é o conceito por trás de uma
alocação ótima (ou eficiente) em Pareto: uma alocação factível (x1, . . . , xI, y1, . . ., yJ) é
eficiente em Pareto se não houver outra alocação factível (x‘1, ..., x‘I, y‘1, ..., y‘J) tal que ui
(x‘i) ≥ ui (xi), para todo i = 1, ..., I e ui (x‘i) > ui (xi) para algum i.
O modelo de concorrência perfeita supõe dotações iniciais e possibilidades
tecnológicas (possibilidades de produção) dadas. O vetor de dotações do consumidor i é dado
por wi = (w1i, . . ., wLi), e cada consumidor i detém uma parcela ij da firma j (de tal sorte que
i ij = 1), o que dá a ele o direito a uma fração ij do lucro da firma j. Além dessas hipóteses,
supõe-se que existe mercado para cada um dos L bens, e que produtores e consumidores são
tomadores de preços (são suficientemente pequenos em relação ao mercado de tal forma que
não são capazes de influenciar os preços de mercado por meio de ações individuais).
Uma alocação econômica (x*1, ..., x*I, y*1, ...,y*J) e um vetor de preços p*
constituirão um equilíbrio competitivo se satisfizerem as seguintes condições:
(i) Firmas maximizam lucros: para cada firma j, y*j é solução para o problema
Max p*. yj
(ii) Consumidores maximizam utilidade: para cada consumidor i, xi* resolve
Max p*. xi p* . wi + ij (p*. yj*)
(iii) Não existe excesso de oferta ou de demanda (ou seja, há market-clearing)
para cada bem l = 1, . . ., L. Esta condição garante a compatibilidade entre (i)
e (ii):
x*li = wl + y*lj
yj YJ
xi Xi j = 1
J I
i = 1 j = 1
J
33
A noção de eficiência em Pareto, que estabelece a relação biunívoca entre eficiência
alocativa e concorrência perfeita é desenvolvida, como visto, para uma economia como um
todo, ou seja, está formulada no contexto do equilíbrio geral. Esta relação é formalizada, em
uma das direções, por meio do Primeiro Teorema do Bem-Estar, que estabelece que se o
preço p* e a alocação (x*1, ..., x*I, y*1, ...,y*J) constituem um equilíbrio competitivo, então
essa alocação é ótima em Pareto.
Por considerar que o mercado de um único bem constitui uma fração muito pequena
da economia, duas simplificações são feitas para a análise do modelo de equilíbrio parcial: (i)
como o gasto com o bem do mercado em questão é uma pequena parte do gasto total do
consumidor, espera-se que apenas uma pequena fração de qualquer unidade monetária
adicional seja gasta com esse bem; assim, o efeito-renda pode ser considerado quase nulo; e
(ii) variações nos preços do mercado em questão não afetam os preços nos demais mercados,
dado seu pequeno tamanho. A hipótese de rigidez nos demais preços permite que se tratem os
demais bens como uma única mercadoria composta (numerário). A utilidade dos
consumidores, por sua vez, é representada na forma de uma função quase-linear, que ignora
variações derivadas do efeito-renda, e garante que se possa transferir utilidade entre
consumidores por meio da distribuição do numerário.
Essas novas condições garantem a validade do Segundo Teorema do Bem-Estar, que
estabelece que para quaisquer níveis de utilidade Pareto-eficientes (u1*, ..., uI*), existem
transferências de numerário (T1, ..., TI) que satisfazem i Ti = 0, de tal forma que o equilíbrio
competitivo alcançado a partir das dotações (wm1 + T1, ..., wmI + TI) geram precisamente as
utilidades (u*1, ..., u*I). Ou seja, uma autoridade central pode conduzir uma economia quase-
linear a uma alocação particular eficiente em Pareto, através da transferência de numerário
entre consumidores.
34
São, portanto, bastante restritivas as condições que permitem a passagem da análise
do nível de equilíbrio geral para o equilíbrio parcial. Além da dificuldade de se garantir que
todos os agentes econômicos são tomadores de preços, seriam necessárias ainda informações
perfeitas sobre preferências, distribuição das dotações entre os agentes, e outras informações
economicamente relevantes. A garantia de eficiência e operacionalidade do sistema de
transferência é outro ponto delicado em relação a essa matéria. A agregação das preferências
que gerarão as funções de bem-estar social é feita, portanto, sob condições tais que seus
resultados não podem ser mais do que aproximações, geralmente bastante insatisfatórias, da
realidade.
1.3. O aparato estático e a dinâmica da concorrência
Além dos problemas internos à teoria econômica tradicional abordados
anteriormente, há pelo menos outros dois que merecem destaque. O primeiro é a necessidade
de se considerarem outros critérios além da eficiência alocativa, em particular os efeitos
distributivos, na análise de bem-estar. Este ponto será mais bem discutido no próximo
capítulo, onde serão formalmente apresentados tanto o referencial teórico estático, que
desconsidera qualquer apelo distributivo, quanto suas tentativas de superação. O segundo
problema é a inadequação do aparato estático para lidar com as situações dinâmicas impostas
pela concorrência na realidade econômica capitalista.
A análise antitruste não dispõe de um critério normativo único satisfatório para
avaliar e ponderar os benefícios e os custos sociais de atos de concentração e condutas
anticompetitivas, dada a complexidade das relações envolvidas quando se abandonam os
pressupostos da teoria tradicional. A questão distributiva, por exemplo, mostrou-se nas
últimas décadas um forte contraponto à pretensa exclusividade da análise em termos de
35
eficiência alocativa. Os critérios baseados no excedente do consumidor têm ganhado força nos
casos polêmicos que envolvem o trade-off entre aumento de poder de mercado e geração de
eficiências, já que em boa parte das jurisdições os argumentos de eficiência só são aceitos
caso beneficiem – ou ao menos não prejudiquem – os consumidores. A legislação brasileira,
como visto, é um exemplo de tratamento deste tipo.
No que tange à inadequação do aparato estático para lidar com as situações
dinâmicas impostas pela concorrência na realidade econômica capitalista – sobretudo com os
resultados de operações de fusões, aquisições e joint-ventures que têm fortes implicações em
termos de inovações e mudanças tecnológicas, cujos efeitos não são observáveis no curto
prazo – os limites do enfoque centrado na noção estática são revelados (i) por sua
insuficiência em lidar com situações que envolvem um trade-off entre eficiências presente e
futura; (ii) pela dificuldade de incorporar mudanças qualitativas que envolvem inovações em
geral, que não são refletidas em preços e são difíceis de quantificar; e (iii) no referencial
teórico subjacente à concorrência e aos processos de mercado, intrinsecamente estático e
centrado em um referencial de equilíbrio.
Uma tentativa de contornar a dificuldade da teoria estática em lidar com situações
que envolvem um trade-off entre eficiências presente e futura foi proposta por Baumol e
Ordover (1992), por meio do conceito de eficiência dinâmica, mas tal abordagem padece de
muitos dos problemas mencionados anteriormente, pois nada mais é do que uma alocação
Pareto-ótima de recursos entre presente e futuro38
. Embora dinamize o critério de Pareto, a
proposta dos autores continua presa a preços e quantidades, e não considera as mudanças
qualitativas resultantes das operações de fusão e aquisição.
38
Consideram-se os ganhos e perdas previstos decorrentes de uma fusão por um determinado período de tempo e
realiza-se um cálculo intertemporal desses ganhos e perdas (utilizando-se uma taxa de desconto intertemporal),
determinando seu valor presente e calculando, então, o trade-off. Ressalte-se que o conceito de eficiência
dinâmica dos autores não converge para o adotado neste trabalho.
36
Para Jorde e Teece (1992), ainda que mudanças qualitativas que envolvam inovações
não se traduzam em menores custos, elas devem ser consideradas não apenas entre as
eficiências potencialmente compensatórias dos atos de concentração, mas também na própria
delimitação do mercado relevante39
. Segundo os autores, o estabelecimento de atividades de
cooperação no desenvolvimento de novas tecnologias pode beneficiar as firmas envolvidas –
seja por questões de escala, compartilhamento de riscos, ou questões referentes à
apropriabilidade. Pesquisas realizadas cooperativamente também reduzem a ocorrência de
―duplicação de esforços‖ e geram uma convergência entre padrões tecnológicos. Nesses
casos, a vedação de alianças cooperativas pode inibir a realização de investimentos em
atividades ligadas à P&D. Os autores argumentam ainda que, em mercados cada vez mais
globalizados, e com fontes de novas tecnologias plurais, as firmas inovativas enfrentam
desafios cada vez maiores para traduzir o sucesso em P&D em sucesso financeiro. Assim, o
êxito financeiro das firmas inovativas depende de sua capacidade de se posicionar
rapidamente em relação aos ativos e tecnologias complementares àquelas desenvolvidas, e a
realização de alianças pode facilitar esse processo. Portanto, políticas de defesa da
concorrência que ignorarem tais aspectos das alianças entre as firmas podem se tornar
prejudiciais ao esforço inovador.
A inadequação do aparato tradicional para lidar com as situações dinâmicas (em
especial os processos inovativos), que gera todas as dificuldades e problemas mencionados
anteriormente, está fundada no referencial teórico – intrinsecamente estático e centrado na
noção de equilíbrio – aplicado usualmente à concorrência e às análises de mercado. Uma
alternativa normativa consistente para tratar de contextos econômicos dinâmicos deve basear-
se em uma teoria econômica alternativa, com pressupostos também dinâmicos, e nesse
39
―Caso essa possibilidade de substituição entre produtos por fatores de desempenho qualitativo não seja levada
em conta, mas apenas o efeito de variações do preço, a tendência natural é a de exagerar a importância da
homogeneidade dos produtos para a análise de substitutibilidade e, com isso, delimitar o mercado relevante de
forma muito mais restritiva, amplificando (...) o risco percebido de atos de concentração em indústrias
inovativas, dinâmicas e com forte concorrência extrapreço‖. (Possas, 2004, p. 88).
37
sentido, a abordagem neo-schumpeteriana e evolucionária apresenta-se como a proposta mais
bem acabada para lidar com situações dinamizadas pela concorrência e pelas inovações. Cabe
ressaltar que a concorrência aqui considerada está longe do referencial de concorrência
neoclássico; trata-se, antes, de um processo de interação entre agentes econômicos que visam
à apropriação privada de lucros, cuja fonte está na geração, reforço e eventual difusão de
assimetrias – informacionais, tecnológicas, estratégicas ou de poder de mercado, que não
pressupõe e tampouco leva a qualquer posição de equilíbrio.
Sob a perspectiva neo-schumpeteriana, a firma é o agente principal do processo
competitivo, e sua unidade de análise. O mercado, por sua vez, é o locus econômico da
concorrência, ou seja, o ambiente econômico de seleção de inovações – em sentido amplo,
incluindo novas estratégias, rotinas, produtos, tecnologias, etc – e sua estrutura é o resultado
desse processo, portanto, endógena. Como a concorrência passa a ser vista como portadora de
inovações e geradora de mudanças qualitativas, é natural que o mercado não seja visto como
instrumento de ajuste ao equilíbrio por eliminação de diferenças, mas como instrumento de
evolução e até progresso técnico e material, mediante um processo seletivo e filtrante, via
concorrência, das inovações e assimetrias que a própria concorrência engendra no âmbito das
estratégias e decisões empresariais (Possas, 1996). A concorrência deixa de ser vista
enquanto um estado e passa a ser analisada enquanto um processo, tão mais efetivo quanto
melhor desempenhar sua função de seleção.
Dessa idéia, Possas (2004) derivou a proposta de um novo critério de avaliação de
eficiência: a eficiência seletiva, que poderia ser resumida como uma avaliação de em que
medida um dado mercado, enquanto ambiente de seleção, induz a evolução econômica ao
longo de uma trajetória inovativa, ficando tão mais próxima quanto possível de um progresso
objetivamente definido dentro daquela trajetória. Esse critério normativo de eficiência seletiva
abandona, por princípio, a idéia de equilíbrio, assim como as soluções maximizadoras de
38
bem-estar. A presença de incertezas fortes gera indeterminações e open ends que excluem
como regra geral qualquer possibilidade de maximização, seja ex ante ou ex post. A eficiência
seletiva de um mercado deve incorporar em sua avaliação dois aspectos básicos: (a) a pressão
competitiva a que estão sujeitas as firmas no mercado em questão, sobretudo pela política
econômica (regulatória e tecnológica), e (b) a competitividade das firmas desse mercado, que
depende não apenas de fatores sistêmicos pró-competitivos compreendidos nas políticas
econômicas e nas condições do mercado, mas especialmente de suas estratégias competitivas
e financeiras, e de seus esforços competitivos.
Eficiências dinâmicas – em um sentido amplo, incluindo aí a noção de eficiência
seletiva – são geradas por processos de mercado que incentivam a inovação, seja com a
finalidade de redução de custos, seja para o desenvolvimento de novos produtos. A concepção
de eficiências dinâmicas está fortemente associada às idéias de Schumpeter – e, portanto, a
um conceito diferente de concorrência –, que destacou algumas vantagens associadas às
grandes empresas, como maior capacidade financeira para sustentar projetos de P&D. Ao
mesmo tempo em que reconhece as vantagens da grande empresa, o autor considera que uma
posição dominante – no caso, referindo-se ao monopólio – ―não é uma almofada confortável
sobre a qual se durma‖, fazendo do processo de destruição criadora o grande motor da
economia capitalista. A concorrência nesse contexto age não apenas quando existe de fato,
mas também quando é meramente uma ameaça onipresente, disciplinando os participantes do
mercado.
Abandonando o referencial estático, o eixo deste trabalho estará no reconhecimento
das eficiências como um objetivo, e da concorrência como um processo. Quando o processo
competitivo não é limitado por práticas anticompetitivas40
ou outras restrições institucionais
ou econômicas, o incentivo para as firmas conquistarem consumidores oferecendo preços
40
Lembrando que não se pode fazer uma relação direta entre poder de mercado e abuso de poder econômico.
39
mais baixos, qualidade superior ou novos produtos necessariamente levará essas empresas a
buscarem meios mais eficientes de produzir. É justamente pelo desenvolvimento de meios
mais eficientes de produzir e distribuir seus produtos, ou encontrando meios de oferecer
melhor qualidade pelo mesmo preço, que as empresas podem se apropriar de parcela de
mercado antes atendida por seus concorrentes.
Assim como no caso das eficiências produtiva e alocativa, o alcance de eficiências
dinâmicas também pode ser facilitado pela política antitruste ou outras políticas que
incentivem as operações pró-inovação. Questões como apropriabilidade, redução de riscos e
oportunidades tecnológicas, entre outras, surgem como elementos importantes de uma nova
visão do processo competitivo. Fato é que a competição perfeita, idealizada por sua suposta
habilidade espontânea de maximizar a eficiência estática alocativa, não parece ser um bom
argumento quando, na verdade, os mercados devem ser vistos como mecanismos poderosos –
sob incentivos e regulação apropriados – para estimular o progresso econômico por meio das
inovações. Ao invés de defender um grande número de firmas e privilegiar estruturas mais
atomizadas de mercado, a ênfase das políticas públicas, sobretudo daquelas relacionadas à
defesa da concorrência e antitruste, deve estar nos requisitos para a sustentação da busca de
inovações pelas empresas. O critério de pulverização nem sempre coincide com o critério do
máximo esforço de inovação ou de outros objetivos de longo prazo e alto risco. O papel
disciplinador da presença de concorrentes em potencial não deve ser ignorado, e tende a ser
reforçado pela participação crescente do comércio exterior e dos fluxos de investimento entre
os países. Assim, a manutenção de uma análise baseada no enfoque estático de eficiência não
apenas significa usar um referencial teórico inadequado do ponto de vista metodológico,
como também geralmente leva a sugestões de políticas prejudiciais para o progresso técnico e
conseqüente bem-estar da sociedade.
40
*
O principal objetivo deste capítulo foi destacar que atos de concentração podem
gerar diversos tipos de eficiências econômicas, no âmbito da produção e distribuição, em
termos de custos de transação, via diferenciação de produtos, eliminação de esforços
duplicados de P&D, aumento da capacidade financeira, etc. O reconhecimento de formas
adicionais de eficiências econômicas tem como resultado admitir ou reforçar a constatação de
que a maior parte das estratégias empresariais redutoras de concorrência produz
simultaneamente ineficiências e eficiências econômicas em diferentes graus. É imprescindível
que se disponha de um aparato mais preparado para lidar com essa diversidade de
implicações, o que significa, portanto, afastar-se do referencial estático tradicional.
41
Capítulo 2 – Critérios Usuais na Análise Antitruste
Introdução
A idéia defendida pela escola de Chicago de que a eficiência econômica era o único
objetivo legítimo da prática antitruste tornou-se dominante a partir de meados da década de
7041
. De acordo com a visão defendida por essa escola, o único malefício originado no poder
de mercado é a geração da chamada ineficiência alocativa42
. A esta visão, defendida por
Robert Bork, foi incorporado um argumento adicional, que era a preocupação do Congresso
com a preservação (ou aumento) da eficiência produtiva das empresas43
. Ao unir a
preocupação do Congresso com as questões relativas à eficiência produtiva com o objetivo de
aumento da eficiência alocativa, Bork concluiu que o único objetivo das leis antitruste era
aumentar a eficiência total da economia, esta última entendida como a soma das eficiências
alocativa e produtiva – o que, pela teoria tradicional pode ser reduzido ao primeiro tipo de
eficiência, que leva naturalmente ao segundo.
Para Lande (1989), estava correta a conclusão de Robert Bork de que o Congresso
buscava evitar aumentos de preços resultantes do poder de mercado. Porém, acredita, na
medida em que os congressistas não tinham conhecimento de que preços acima dos níveis
41
Em boa medida, defende Lande (1989), como conseqüência das indicações para as Cortes, por parte do
governo Reagan, de vários entusiastas da visão chicagoniana. 42
Em 1966, Robert Bork escreveu a primeira versão sobre a visão do Congresso no momento da aprovação do
Sherman Act. A principal conclusão do autor era que o objetivo precípuo do Congresso era evitar certas práticas
que aumentassem ou protegessem o poder de mercado de determinadas corporações. Dado que a principal
preocupação do Congresso era com o poder de mercado, e que o único problema derivado da obtenção de poder
de mercado era a geração de ineficiência alocativa, Bork concluiu que o principal objetivo do Congresso ao
aprovar as leis antitruste era aumentar a eficiência alocativa (Lande, 1989). 43
Em reação a este ponto, Lande (1989) adverte que, se o principal objetivo do Congresso ao aprovar as leis
antitruste era incentivar as formas mais eficientes de organização industrial nos idos de 1890, teriam sido criadas
formas de proteger os cartéis, e não de evitá-los.
42
competitivos eram fonte de ineficiência alocativa – conceito formulado anos depois – deveria
haver outra razão que justificasse o receio do Congresso em relação ao poder de mercado;
essa razão seria exatamente seu potencial de gerar transferência de renda de consumidores
para produtores. Para Lande, quando o Congresso americano aprovou as leis antitruste, na
realidade, estava determinando que os consumidores deveriam ter garantidos os direitos de
propriedade daquilo que hoje se define como ―excedente do consumidor‖; assim, a geração e
a utilização do poder de mercado para forçar consumidores a pagar preços supra competitivos
constituía-se em uma usurpação de seu direito de propriedade. O Congresso teria dado aos
consumidores, portanto, na visão de Lande, o direito de propriedade (ou título) de comprar
seus bens a preços competitivos.
Dado o grande apelo das questões distributivas, a argumentação em favor da adoção
de um critério que considere explicitamente as implicações de determinada conduta sobre o
bem-estar dos consumidores ganhou força e, atualmente, em boa parte das jurisdições os
argumentos de eficiência só são aceitos caso beneficiem – ou ao menos não prejudiquem – os
consumidores. A legislação brasileira é um exemplo de tratamento deste tipo. A lei de defesa
da concorrência brasileira estabelece que um ato de concentração só poderá ser aprovado se
os benefícios dele decorrentes forem distribuídos eqüitativamente entre seus participantes, de
um lado, e os consumidores ou usuários finais, de outro. Devido a essa restrição legal imposta
à aprovação dos atos de concentração, os casos recentes e mais polêmicos utilizaram-se de
análises baseadas nos critérios de excedente do consumidor, em particular, o price standard.
O objetivo deste capítulo é apresentar os dois principais critérios empregados na
análise dos efeitos dos atos de concentração sobre o bem-estar, seus pressupostos e suas
limitações, fornecendo alguns elementos necessários para a defesa de uma ampliação do
escopo da análise no sentido de incorporar aspectos dinâmicos da concorrência, tema do
capítulo final. A próxima seção está centrada na discussão do critério do excedente total. A
43
seção seguinte apresenta o critério do excedente do consumidor (representado pelo price-
standard). A terceira seção apresenta argumentos diversos utilizados para a defesa do
emprego de um ou outro critério. Fecha o capítulo uma breve seção que destaca algumas
conseqüências do emprego desses critérios usuais.
2.1. O critério do excedente total
O trabalho de Williamson (1968)44
forneceu a primeira base teórica para a
incorporação das eficiências como um fator pró-competitividade na análise dos atos de
concentração. O modelo desenvolvido pelo autor possibilita a avaliação dos efeitos líquidos
de um ato de concentração por meio do exame dos trade-offs entre ganhos de eficiência
resultantes da redução de custos propiciada por uma fusão e os efeitos anticompetitivos ou
perda de bem-estar associados ao aumento do poder de mercado – aumento do peso morto. A
partir de tal abordagem, um ato de concentração – ou, por extensão, uma conduta
anticompetitiva – poderia ser aprovado caso a variação do excedente econômico fosse
positiva, ou seja, caso o aumento do excedente econômico decorrente do incremento de
eficiências superasse a perda de excedente em decorrência do aumento de preços.
44
Desdobrado em diversos outros artigos sobre o tema.
44
Williamson (1968) analisa os efeitos de uma concentração que gera eficiências
aumentando, em contrapartida, o poder de mercado, em um contexto de equilíbrio parcial. No
Gráfico 4 acima, a reta horizontal CMe1 representa o nível dos custos médios das duas ou
mais firmas antes da fusão – iguais aos CMg, enquanto CMe2 representa esses custos após a
operação – que resultará em um monopólio ou cartel que fixa preços monopolistas e reduz a
quantidade produzida. Inicialmente o mercado em questão é abastecido com a quantidade q1,
vendida ao preço p1. A área B é o peso morto resultante do aumento de preços de p1 para p2,
assumindo custos constantes. Porém, a fusão entre as empresas pode gerar uma redução nos
custos – por economias de escala, racionalização da produção ou outros fatores – tal que o
novo custo unitário de produção se reduza a p‘ (Williamson supõe que tal redução de custos é
percebida por todas as firmas do mercado). Após o processo de concentração os consumidores
perdem o equivalente à soma das áreas A e B, enquanto os produtores ganham o equivalente
às áreas A e C. Como a área A nada mais é do que uma transferência entre consumidores e
CMg2 = CMe2
CMg1 = CMe1
B
C
A
D
q2 q1
p2
p1 C
p‘
Q
P
RMg
Fonte: Elaboração própria com base em Williamson (1968)
Gráfico 4 – Trade-off de Willimason
45
produtores, o ganho líquido para a sociedade em termos de eficiência será dado pela diferença
entre C e B45
.
A área C é dada por (CMe2 – CMe1)q2 = [CMe]q2, enquanto B é dada
aproximadamente por ½ (p2 – p1) (q1 – q2) = ½ (p) (q). O efeito econômico líquido será
positivo se:
[CMe]q2 – ½ (p) (q) > 0 (1)
Dividindo os termos da equação por q2, e substituindo q/q por η (p/p), η =
elasticidade da demanda, obtém-se:
CMe – ½ (p) η p/p > 0 (2)
Por fim, Williamson divide a expressão acima por p1 = k (CMe1), k = índice de poder
de mercado pré-fusão, obtendo:
CMe/CMe – k/2 η (p/p)2 > 0 (3)
Se vale a última inequação, então, o efeito alocativo líquido da fusão é positivo, ou
seja, representa um ganho líquido para a sociedade em termos de bem-estar. Essa inequação
implica que pequenas reduções de custo são, em geral, suficientes para compensar aumentos
de preços relativamente elevados, dependendo da elasticidade da demanda do bem46
. Ainda
45
Calculados pelo método de Harberger (1954). 46
Williamson apresenta alguns dados sobre as reduções de custos necessárias para compensar aumento de
preços para elasticidades iguais a 2, 1 e ½ . O resultado geral é que “uma fusão que resulte na geração de
economias não triviais deve produzir poder de mercado substantivo e resultar em aumentos de preços
relativamente elevados para que seu efeito alocativo líquido seja negativo” (p.23)
46
segundo Williamson, a menos que a função de demanda seja perfeitamente inelástica, parte
das economias de custo será refletida em algum benefício para os consumidores47
. Pelo
modelo em questão, qualquer redução real de custos representaria compensação sobre
potenciais efeitos negativos decorrentes de um ato de concentração ou de uma conduta
anticompetitiva. O foco está sobre o excedente econômico total e não leva em conta, por
exemplo, considerações sobre a transferência de excedente do consumidor para o produtor.
Logo, assim como o critério de Pareto, o modelo de Williamson não enfrenta a questão
distributiva, de particular sensibilidade para a análise antitruste.
Williamson classifica seu modelo como ―ingênuo‖, e faz uma série de qualificações,
entre as quais merecem destaque (i) o fato de a inequação (3) subestimar os impactos
negativos da fusão para casos em que as firmas fusionadas já possuem algum poder de
monopólio (k>1) antes da operação; (ii) a possibilidade de as empresas alcançarem, por meio
de expansão interna, parte substantiva das economias obtidas com a fusão; (iii) os efeitos da
fusão sobre o preço de outras firmas; (iv) a falta de instrumentos da política antitruste para
tratar de questões que vão além da eficiência alocativa; e (v) a inabilidade de incorporar o
progresso técnico e outros tipos de (in)eficiências48
.
Em relação ao primeiro ponto, se antes da fusão as firmas já possuírem algum grau
de monopólio (k>1), então os impactos líquidos sobre a eficiência potencial de Pareto seriam
dados por:
47
Possas (2004) lembra que em parte de suas simulações, Williamson deixou de considerar que a demanda
inelástica não é realista em mercados concentrados, e que, para uma dada função de demanda, existe uma relação
inversa entre a elasticidade da demanda e o máximo aumento de preço (maximizador de lucros) para um
monopolista hipotético (portanto, nem todas as combinações possíveis seriam logicamente factíveis) (Possas,
2004, p.82). 48
Como, por exemplo, a ineficiência-X, conceito apresentado por Leibenstein (1966), e que está associada aos
métodos produtivos empregados pela empresa. O autor assume que, em um mercado competitivo, as empresas
são forçadas a produzir de acordo com as melhores técnicas, ou seja, aquelas que geram mais produto com o
mínimo de insumos e custos (seus custos devem acompanhar os das demais empresas do mercado). Em uma
situação de monopólio, porém, em que não haveria pressão concorrencial, o monopolista poderia usar métodos
menos produtivos, gerando ineficiência. Outro tipo de ineficiência associada à falta de competição nos mercados
é o chamado rent seeking, a busca de garantia de privilégios de monopolista (Krueger, 1974), caracterizada por
gastos em atividades lobistas ou ainda, no caso de cartéis, custos com organização e monitoramento. Em termos
quantitativos, os agentes estão dispostos a gastar com essas atividades até o equivalente ao diferencial entre os
excedentes do produtor em situação de monopólio e em concorrência.
47
CMe2/CMe1 – [½ k p/p1 + (k -1)] η (p/p1)(q1/q2) > 0, (4)
Nesse caso, as reduções de custos médios necessárias para gerar efeito líquido
positivo a partir da fusão são, em geral, maiores do que as obtidas a partir de (3).
No que diz respeito às fontes de eficiência alocativa, Williamson destaca que
algumas economias evidenciadas pelo modelo ingênuo poderiam ser alcançadas por meio da
expansão interna das firmas, especialmente em situações de demanda crescente. Assim, de
acordo com o autor, ainda que uma fusão apresente efeitos líquidos positivos no curto prazo
(quando as reduções de custo são maiores que a perda de peso morto), se a análise levar em
consideração a possibilidade de expansão interna das firmas esses efeitos podem se tornar
negativos, já que as reduções de custo alegadas poderiam ser realizadas sem a geração de
perda de peso-morto. Neste sentido, sejam S (t) as reduções de custo esperadas a cada período
t futuro, L(t) as perdas de peso morto esperadas ao longo do tempo, e r a taxa de desconto
intertemporal. Uma operação gera efeito positivo em termos de eficiência se:
V = ∫ [S(t) – L(t)] e –rt
dt > 0 (5)
Supõe-se S(t)/L(t) < 1 no longo prazo, compensando, em valor presente, o fato de
S(t)/L(t) > 1 no curto prazo. Para Williamson, apenas com S/L relativamente elevados e
períodos de tempo (T) longos é que uma fusão com efeitos líquidos negativos deve ser
aprovada. Ou seja, não seria suficiente justificar uma fusão com base nas economias
potenciais; seria preciso avaliar se a operação resultará em benefícios líquidos, e o horizonte
de tempo para que isso ocorra. Entre as dificuldades de operacionalização deste conceito
apresentado por Williamson encontram-se a definição de uma taxa de desconto adequada e o
horizonte de tempo para fins de análise antitruste (Fagundes, 2003).
T
0
48
No que diz respeito ao terceiro ponto, qual seja, os efeitos da fusão sobre o preço de
outras firmas, Williamson admite que o aumento da concentração no mercado pode levar as
demais firmas participantes a acompanharem o movimento das firmas fusionadas de
aumentarem seus preços. Essa possibilidade de resposta das concorrentes também deveria ser
levada em consideração no cômputo dos efeitos potencialmente anticompetitivos gerados pela
operação.
Em relação à falta de instrumentos da política antitruste para tratar de questões que
vão além da eficiência alocativa, o autor assume que, uma vez que a atividade antitruste está
mais bem aparelhada para promover a eficiência alocativa em relação a outros objetivos,
questões atinentes à distribuição de renda devem ser suprimidas do modelo. Este é, aliás, o
argumento mais recorrente em favor do emprego do critério do excedente total na análise
antitruste. Segundo Williamson, por mais que seja desejável não tratar interesses dos
produtores e dos consumidores de maneira simétrica, atribuir um peso diferente para os
efeitos em cada grupo seria bastante problemático, até porque, mesmo dentro dos grupos, os
indivíduos são afetados de maneiras distintas por variações no mercado de determinado bem.
Deste modo, Williamson concentra a análise na variação do excedente agregado, sugerindo
que a questão da eqüidade seja atacada por outras esferas da política pública (como tributação,
gastos e transferências).
A inabilidade de incorporar o progresso técnico, e a não consideração de outros tipos
de eficiência na análise, além da alocativa, são outras duas ressalvas levantadas por
Williamson. Para o autor, a natureza conjectural desses dois elementos dificulta a atribuição
de um peso para eles, e o grau de incerteza associado é suficientemente grande para justificar
sua não aderência à análise. Ao mesmo tempo, Williamson admite que esses são elementos
potencialmente bastante significativos, de tal sorte que simplesmente desconsiderá-los na
ponderação dos efeitos da fusão sobre o mercado pode acarretar erros não desprezíveis de
49
avaliação. O autor, porém, não apresenta nenhuma proposta para superar essa limitação. Em
relação à ineficiência-X (managerial discretion) e ao rent seeking, Williamson admite que o
poder de mercado dá à firma a oportunidade de perseguir diversos objetivos distintos do lucro.
Apesar de conhecer a direção da causalidade, o autor considera a quantificação desses efeitos
problemática.
As qualificações de Williamson49
em relação a seu modelo ingênuo perpassam
diversas dimensões da eficiência dos mercados, mas não propõem uma resposta satisfatória
para os problemas levantados. Ademais, o cálculo dos diferentes trade-offs envolvidos na
análise depende de um grande número de informações, de natureza qualitativa e quantitativa,
cuja acessibilidade e custo de aquisição são complicadores não desprezíveis. A falta de
consenso sobre as relações de causalidade entre o grau de concorrência nos mercados e os
níveis dos diferentes tipos de eficiência econômica é outro ponto relevante que fica encoberto
pela adoção de um viés teórico centrado no equilíbrio, e que reduz o conceito de eficiência
econômica ao de eficiência alocativa.
2.2. O critério de excedente do consumidor
Apesar das ressalvas feitas pelo próprio autor, a essência do modelo de Williamson,
que inspirou grande parte do desenvolvimento da análise dos trade-offs entre custos e
benefícios de um ato de concentração, baseia-se na comparação direta – e única – da redução
de custos com a perda de bem-estar de peso morto. Ou seja, considera-se como critério
exclusivo a eficiência alocativa deixando, entre outras, as questões distributivas e relativas ao
progresso tecnológico fora do escopo da análise.
49
Que vão além daquelas abordadas neste trabalho, que se limitou a destacar aquelas com implicações mais
diretas sobre as discussões aqui apresentadas.
50
Como resposta à ausência de considerações sobre os efeitos distributivos originados
a partir de operações que tendem a aumentar o poder de mercado de uma firma, Fisher e
Lande (1983) propuseram um critério de avaliação de atos de concentração que garantisse a
preservação da renda dos consumidores50
. Assim, uma fusão seria aprovada somente se fosse
capaz de gerar uma redução tal nos custos marginais que permitisse que o novo preço
estabelecido fosse pelo menos igual – ou menor – ao que prevalecia antes da fusão, evitando a
perda de bem-estar por parte dos consumidores.
Uma vez que a análise é centrada na mudança de preços, ganhos de eficiência que
afetem apenas os custos fixos não servem como justificativa para a autorização de uma fusão
com potenciais efeitos anticompetitivos. Ganhos de eficiência que se reflitam em redução de
custos marginais – originados, por exemplo, na racionalização da produção ou na geração de
economias de escala –, por sua vez, beneficiariam consumidores na medida em que
incentivassem as firmas a aumentar sua produção e reduzir seus custos51
.
Ilustrativamente, considere uma fusão que aumente, simultaneamente, o poder de
mercado e a eficiência econômica. O aumento do poder de mercado permite à firma elevar
seus preços de p1 para p2, apesar da redução dos custos marginais, assim como no modelo de
Williamson. A área B do Gráfico 5 abaixo mostra os ganhos de eficiência (redução de custos)
resultantes da operação para q2, nova quantidade produzida pelas empresas fusionadas. A área
50
Em artigo de 1989, Fisher, Johnson e Lande fazem uma crítica à prática antitruste na década de 80 – baseados
em dados de fusões examinadas pelo FTC entre 1982-1986, utilizando os padrões estabelecidos no Merger
Guidelines – cujo critério praticamente exclusivo era a maximização da eficiência econômica, classificando
como irrelevantes as transferências de renda envolvidas no processo – sob o critério de maximização da
eficiência, como mencionado, o poder de mercado é indesejável apenas porque aumenta a ineficiência alocativa.
De acordo com os autores, quase todas as análises baseadas no trade-off poder de mercado/eficiência decorrem
de duas premissas básicas: (i) a de que a eficiência econômica deve ser o único objetivo da prática antitruste, e
(ii) de que este é o único padrão operacionalizável (workable). Para Fisher, Johnson e Lande (1989), entretanto, a
preocupação premente dos congressistas ao aprovarem os estatutos que baseiam a conduta do antitruste era
impedir que as firmas conquistassem poder de mercado suficiente para impor aumentos não transitórios de
preços, transferindo, assim, riqueza dos consumidores para os produtores. Ainda que não se opusessem ao
critério de eficiência, os congressistas estariam mais preocupados em preservar os consumidores de aumentos de
preços, afirmam os autores. 51
Esses ganhos de eficiência adviriam de operações em que as firmas fusionadas conseguem combinar os
melhores atributos de cada empresa e, assim, reduzir seu custo marginal combinado (p.792).
51
A é a transferência de riqueza dos consumidores para os produtores da firma que detém poder
de mercado e C, a perda de peso morto da sociedade.
Para os defensores da exclusividade do critério de eficiência, a perda de peso morto
(área C) é o único resultado negativo que pode ser gerado pelo aumento do poder de mercado
das empresas, sendo as transferências de renda (área A) irrelevantes. Como visto
anteriormente no modelo de Williamson (1968), caso a área B (ganhos de eficiência) seja
maior do que a área C (perda de peso morto), o ato de concentração não deve ser contestado,
ficando a cargo de outras políticas públicas a questão da redistribuição da renda. Para Fisher,
Johnson e Lande (1989), entretanto, esta visão não converge para os anseios dos legisladores
que aprovaram as diretrizes da política antitruste norte-americana; seu objetivo seria, antes, o
de inibir aumentos de preços para níveis anticompetitivos, tendo focado, portanto, na área A,
e não na comparação entre as áreas B e C. Os autores sugerem, então, que se deveria adotar
um critério consistente com os objetivos iniciais dos legisladores, qual seja, impedir fusões
que potencialmente elevariam os preços acima do nível inicial, p1, e que, portanto, induzissem
Q
C
q1 q2
CMg1
CMg0
A
D
p2
p1
P
Fonte: Elaboração própria com base em Fisher, Johnson e Lande (1989)
B
Gráfico 5 – Comparação dos critérios
52
uma transferência de renda dos consumidores para os produtores. Esse modelo, que garante
pelo menos a manutenção do excedente do consumidor após o ato de concentração, ficou
conhecido como price standard52
.
Em relação ao modelo de Williamson, os autores destacam duas diferenças básicas:
(i) enquanto Williamson pauta sua análise apenas na avaliação do trade-off entre perda de
peso morto e eficiência alocativa, o critério de decisão proposto pelo modelo de Fisher e
Lande (1983) exige que o ganho de eficiência derivado do ato seja grande o suficiente para
evitar o aumento de preços e redução de quantidade produzida; e (ii) enquanto o modelo de
Williamson assume implicitamente que os ganhos de eficiência reduziriam os custos
marginais para todas as firmas na indústria – e não apenas para as fusionadas, o price
standard diferenciaria os efeitos dos ganhos de eficiência sobre custos fixos e variáveis,
assumindo, sempre que possível, que tais ganhos que se restrinjam às firmas fusionadas. As
premissas do modelo são preços inicialmente em níveis competitivos, e ausência de colusão.
Como são comparadas apenas situações de equilíbrio para um mesmo nível de produção (uma
vez que o preço não se altera), os autores defendem a maior simplicidade do modelo em
relação ao de Williamson53
.
No Gráfico 6 abaixo54
, o equilíbrio de mercado ocorrerá em pc = CMg0 = p1 55
, já que
pelo critério do price standard, o preço pós-fusão deve ser no máximo igual àquele
prevalecente antes da operação, ou seja, temos como condições:
52
O price standard pode ser considerado como uma variação do critério do excedente do consumidor, mais
geral, que pode contemplar ainda outras questões como variações na qualidade ou redução na variedade de
produtos pós-fusão, e não condiciona a aprovação de um ato de concentração à neutralidade ou redução dos
preços ao consumidor. De modo geral, porém, quando se fala em excedente do consumidor, o critério aplicado é
o price standard. Por este motivo, a análise neste capítulo está centrada neste último. 53
Como são analisadas apenas situações no nível de equilíbrio de produção, não são necessárias hipóteses
restritivas a respeito dos formatos das funções de custo e de demanda (Fisher, Johnson e Lande, 1989, p.797). A
modelagem do critério price standard seria mais direta e exigiria volume menor de informações, defendem os
autores. Uma modelagem baseada no critério de excedente total exigiria uma avaliação dos ganhos potenciais
das fusões mesmo depois de determinar que a operação levaria a um aumento dos preços e contração da
quantidade produzida. A análise do trade-off envolvido exige o conhecimento das curvas de custo e receita
marginais nas faixas de produção relevantes, além de toda a informação necessária para avaliar a operação sob o
critério do price standard. 54
O gráfico representa uma situação limite, em que o resultado da fusão é a geração de um monopólio.
53
pc ≥ p1 ou p1 CMg1 η/1- η
Neste caso, não há perda de peso morto e, por hipótese, há sempre redução de custos
marginais, de modo que aumenta o excedente agregado do produtor. Na medida em que as
transferências deixam de ser neutras, a aprovação de um ato de concentração pelo critério do
price standard exige reduções de custos maiores do que as necessárias para a aprovação pelo
critério do excedente total.
Fisher, Jonhson e Lande (1989) avaliaram as respostas de seu modelo a diferentes
configurações de mercado (mercados competitivos, monopólio, e oligopólio associado a
diversos condicionantes). Em mercados competitivos, os autores acreditam que as fusões
tendem a manter os preços inalterados, pois não geram poder de mercado suficiente para que
a firma afete os preços. Neste caso, não existe transferência de renda ou geração de peso
morto, e a fusão não deve ser contestada. No outro limite está a avaliação do trade-off no caso
em que uma fusão conduziria o mercado a uma estrutura monopolista. Nesta situação, os
55
Admitindo, como Williamson, as hipóteses de ausência de ineficiência-X, rent-seeking, ineficiências
dinâmicas, etc (Fagundes, 2003).
D
Q
P
pc = CMg0 = p1
CMg1
qc = q1
Fonte: Elaboração própria com base em Fagundes (2003).
A
Gráfico 6 – Price Standard
54
efeitos anticompetitivos potencialmente gerados atingem seu nível máximo, e a fusão deve ser
bloqueada56
.
Mais comuns e bem mais complexos são os casos que envolvem atos de
concentração em mercados oligopolizados. Os efeitos do poder de mercado resultante de uma
fusão em um mercado oligopolizado dependeriam de avaliações subjetivas das firmas sobre a
reação de suas concorrentes a mudanças em seus preços e quantidades produzidas57
, dos
market shares das empresas fusionadas, e da elasticidade da demanda pelo produto58
. A falta
de convergência na modelagem de situações de oligopólio, advertem os autores, produz
resultados bastante diferentes acerca dos efeitos de mudanças estruturais sobre preços. Dada a
deficiência na predição dos efeitos da concentração sobre o poder de mercado, a tarefa de
estimar o ganho de eficiência necessário para compensar esses efeitos também fica
prejudicada.
Em suma, a abordagem do price standard ignora as reduções de custo que não são
repassadas para os consumidores, requerendo no mínimo uma neutralidade nos preços, o que
significa maiores exigências em termos de ganhos de eficiência do que o critério do excedente
total. Pelo critério do price standard, destaca Fagundes (2003), não há perda de peso morto e,
por hipótese, há sempre redução nos custos marginais, o que implica um aumento no
excedente do produtor. Além da incorporação explícita do critério distributivo na análise,
outra crítica ao tratamento tradicional seria superada: o critério de eficiência de Pareto é
56
Os autores estimam que casos como esses exigiriam reduções no custo extremas, entre 10% e 50% para que
compensassem o possível aumento no poder de mercado e mantivessem o preço constante (p.795). 57
No apêndice ao texto de 1989, os autores realizam simulações de reação das demais firmas (chamadas de
“variações conjecturais”). A hipótese básica é que as n firmas do mercado produzem um bem homogêneo. Os
modelos assumem, respectivamente, que (i) as conjecturas não mudam, (ii) que elas mudam na proporção da
parcela de mercado que a firma não controla, (iii) que elas mudam em função da concentração do mercado, e (iv)
que elas mudam conforme muda o número de firmas. 58
Em geral, quanto menor a elasticidade renda da demanda no mercado relevante, e quanto maiores os market
shares envolvidos, maiores as economias de custo necessárias para compensar os efeitos do aumento do poder de
mercado. Os autores reconhecem, porém, que existe pouca base teórica ou empírica com base nos índices de
market share ou outras condições não estruturais para determinar o comportamento das firmas em determinada
indústria no que diz respeito à fixação dos preços, e admitem os comportamentos colusivos como a principal
ameaça anticompetitiva de uma fusão.
55
satisfeito – com produtores em situação melhor, devido à queda nos custos, e os consumidores
em situação igual ou superior à anterior, caso a redução nos custos permita a prática de preços
abaixo dos vigentes pré-operação.
Um exame mais detido sobre o tratamento da questão distributiva no price standard
desnuda alguns problemas dessa proposta. Em primeiro lugar, os dois conjuntos de
comparação envolvidos (consumidores e produtores) são considerados apenas no nível
agregado, sem que se realize qualquer distinção sobre a distribuição da renda (e impacto das
mudanças de preços) interna a esses conjuntos59
. Outra limitação fundamental é a definição
dos ganhos de eficiência considerados na análise. Na medida em que o foco está sobre a
manutenção dos preços e do excedente do consumidor, os ganhos de eficiência da operação
não precisam ser de ordem puramente alocativa e produtiva para serem considerados em favor
da fusão. Assim, ganhos pecuniários e outras formas de redução de preços também poderiam
ser incorporados como eficiências, criando uma dificuldade adicional para a análise, já que
compara ganhos de eficiência econômica com redução de custos marginais e de preços
(Guerriero, 2008).
Não bastassem as dificuldades mencionadas acima, mantém-se no critério price
standard a incapacidade de tratar as situações dinâmicas impostas pela concorrência,
sobretudo no que diz respeito às implicações em termos de inovações e mudanças
tecnológicas – inclusive sobre o bem-estar dos próprios consumidores.
2.3. A escolha dos critérios
É bastante difundida a controvérsia a respeito do critério mais adequado para
embasar a análise antitruste no processo de avaliação dos trade-offs gerados a partir do
59
Sem falar no fato de que produtores também são consumidores, o que gera complicações analíticas adicionais.
56
aumento do poder de mercado das empresas. Como visto, o critério do excedente total
condena toda conduta que diminua o bem-estar agregado dos consumidores somado ao dos
produtores, sem levar em conta qualquer consideração a respeito dos efeitos distributivos
originados pela concentração. O critério do excedente do consumidor, por sua vez, rejeita
qualquer conduta que reduza o bem-estar dos consumidores – o que, de acordo com o price
standard, seria refletido no aumento dos preços pós-fusão –, desconsiderando os efeitos
gerados sobre os produtores – e por isso mesmo, paradoxalmente, sobre a distribuição de
renda, que pode se concentrar em benefício dos produtores.
A maior parte dos órgãos encarregados da política de defesa da concorrência tem
optado pelo critério do excedente do consumidor em suas análises de atos de concentração ou
outras condutas potencialmente anticompetitivas60
. Os Merger Guidelines norte-americanos,
por exemplo, consideram que fusões que acarretem aumento de preços, de modo geral, devem
ser rejeitadas, a despeito de seus efeitos sobre os custos das empresas. Simetricamente,
reduções de custos podem levar à aprovação de um ato de concentração mesmo em mercados
altamente concentrados, desde que se comprove que elas serão suficientemente repassadas
para os consumidores, a ponto de deixá-los pelo menos tão bem quanto antes da operação (ou
seja, os preços devem ser pelo menos iguais àqueles pré-fusão).
Para Farrell e Katz (2006), a escolha de qual critério de excedente (total ou do
consumidor) empregar na análise de defesa da concorrência envolve considerações tanto a
respeito do objetivo da política antitruste, quanto dos objetivos dos agentes específicos
envolvidos no processo (órgãos de defesa da concorrência e demais esferas públicas). Por
acreditarem em uma ―divisão natural‖ do trabalho entre políticas orientadas para a promoção
da eficiência e políticas cujo objetivo é a distribuição de renda, os autores defendem que o
60
Em particular, na comunidade européia e nos EUA, este é o padrão geral. As simulações dos efeitos
unilaterais das fusões – utilizadas para prever os resultados das fusões em termos de preços e quantidades – são
usualmente feitas tendo como referência o price standard. Para uma análise dos modelos de simulação, ver
Guerriero (2008).
57
critério do excedente agregado é o objetivo mais adequado para a prática antitruste admitindo,
porém, que uma vez que estejam envolvidos interesses diversos, basear as decisões nesse
critério é bastante problemático e questionável61
. Para Farrell e Katz, a maior parte da
legislação antitruste é limitada e vaga, o que acabaria alimentando as controvérsias entre os
objetivos e padrões da análise de defesa da concorrência62
.
A principal defesa em favor do critério do excedente do consumidor é a idéia de que
ele refletiria de maneira mais adequada o julgamento da sociedade sobre a distribuição do
bem-estar econômico do que o critério do excedente total – ou seja, a idéia de que retirar
renda do grupo dos consumidores e redistribuí-la aos produtores não tem resultado final
neutro em termos de bem-estar social. Farrell e Katz (2006) destacam pelo menos três
justificativas para a utilização do critério do excedente total como medida do bem-estar social,
mesmo se admitindo uma preocupação com a questão distributiva. A primeira seria que a
adoção do critério do excedente total funcionaria como uma resposta à incerteza relativa aos
efeitos distributivos. Para os autores, se os legisladores não têm condições – ou não o fazem
por qualquer outro motivo – de determinar, caso a caso, quanto cada indivíduo merece ser
compensado pelos efeitos de uma conduta, então é melhor simplesmente assumir que todos os
afetados devem ser ponderados igualmente.
61
O processo decisório no antitruste envolveria estágios múltiplos e diferentes tomadores de decisão, o que exige
uma discussão mais aprofundada sobre o padrão a ser empregado no processo de tomada de decisões. Para os
autores, a maior parte da literatura antitruste assume um processo de otimização da política adotada por um
único tomador de decisão. Porém, no caso em que vários agentes são envolvidos no processo – a realidade da
prática antitruste – não se deve esperar que cada agente esteja concentrado unicamente na maximização do
objetivo social (p.12). 62
Alguns autores chegam a defender que, se avaliados em uma perspectiva de longo prazo, os dois critérios são
praticamente equivalentes, pois lucros no curto prazo permitem às firmas atender interesses dos consumidores no
longo prazo. Neste sentido, Salop (1995) argumenta que “adotar uma perspectiva dinâmica reduz a tensão entre
os padrões de excedente total e excedente do consumidor”. O mesmo autor, porém, em textos mais recentes,
afasta-se desta visão e adota um parecer inequivocamente favorável à adoção do excedente do consumidor como
critério de decisão na análise antitruste. A crítica de Farrell e Katz (2006) sobre esta convergência de longo prazo
entre os padrões está no fato de que, mesmo que as mudanças no excedente total e do consumidor coincidam no
longo prazo, a análise antitruste não é capaz de conduzir este tipo de análise (de muito longo prazo) para avaliar
casos específicos, ao passo em que análises que utilizem horizontes de tempo mais curtos em geral prevêem que
os excedentes total e do consumidor irão se mover em direções opostas.
58
A segunda justificativa está baseada no princípio da compensação de Kaldor-Hicks,
segundo o qual, se uma situação (pós-operação) é capaz de gerar resultados agregados
superiores à situação inicial, então, ao menos em princípio, é possível desenhar um sistema de
transferência de renda a partir da situação socialmente preferível, de modo que pelo menos
um indivíduo melhore sua situação, sem que ninguém fique pior em relação à situação inicial
(pré-operação). Como discutido anteriormente neste trabalho, caso a redistribuição se efetive,
a situação pós-operação é preferível, porém, na prática, essa compensação perfeita é
impossível, devido à limitação das informações a respeito dos efeitos da conduta sobre todos
os agentes do mercado e aos custos de transação envolvidos. Quando a compensação é apenas
uma possibilidade teórica, alguns indivíduos certamente preferirão a situação pré-operação e,
nesse sentido, a opção pelo critério do excedente total também implica a adoção de um juízo
de valor particular sobre a absorção dos efeitos da conduta, e este não é, portanto, um método
imparcial de análise.
Por fim, a terceira justificativa para a escolha do critério do excedente total baseia-se
em uma pretensa divisão natural do trabalho entre as diferentes esferas da política pública.
Enquanto a prática antitruste e outras políticas públicas realizam suas inferências com base no
excedente total, outras podem se concentrar em distribuir esse excedente de acordo com as
noções estabelecidas de justiça63
. Esta idéia de que o antitruste não detém os instrumentos
necessários para a promoção de um esquema de distribuição de renda, devendo, então, deixá-
63
Salop (2005) critica esta visão argumentando que o governo não é capaz de compensar cada indivíduo da
sociedade pelas transferências de renda resultantes de uma conduta anticompetitiva. Uma análise caso a caso
estaria associada a custos de transação elevadíssimos, que muito possivelmente inviabilizariam a análise. Para
Farrell e Katz (2006), esta crítica ignora o fato de que, face a custos de transação elevados, seria desejável adotar
uma política que, na média, tivesse resultados satisfatórios, ao invés de exigir uma análise caso a caso. Para os
autores, tanto a tributação como os programas governamentais de transferência de renda são desenhados para
equalizar o valor marginal da renda entre os consumidores, dadas as restrições informacionais e os custos de
transação envolvidos (p.10). Vale destacar ainda que a crítica de Salop não é resolvida pela adoção do critério do
excedente do consumidor, na medida em que, neste caso, não se faz nenhuma distinção dos efeitos da conduta
sobre os consumidores individualmente, mas apenas como grupo quando, em realidade, é de se esperar que os
indivíduos sejam afetados diferentemente, conforme suas preferências e suas dotações iniciais.
59
la a cargo de outras esferas da política pública é bastante disseminada64
. Heyer (2006)
também defende o emprego do critério do excedente total, contestando as três principais
objeções feitas ao uso desse padrão: (i) a falta de convergência com os objetivos iniciais da lei
antitruste, (ii) o maior custo da utilização do critério de bem-estar total – maior volume de
informações requerido –, e (iii) o fato de ignorar a questão distributiva.
Para o autor – que se concentra no caso norte americano – as seções relevantes da lei
antitruste dos EUA não mencionam em qualquer momento a preocupação com o bem-estar,
seja dos consumidores, seja de outros grupos. Antes, defende, essas leis estabelecem que uma
fusão é ilegal quando seu efeito pode ser a redução substancial da ―competição‖. Ao longo
das últimas décadas, porém, teria emergido um quase consenso entre os profissionais da área
de que a ―competição‖ a que se referiam as normas antitruste não deve ser interpretada
simplesmente como rivalidade pré-fusão entre os agentes envolvidos, sendo antes vista como
um processo, cujo resultado é o bem-estar. Portanto, o bem-estar, e não a concorrência,
passou a ser o objeto de interesse. Uma vez estabelecido este consenso, surgiu uma nova
questão, que é qual critério de bem-estar empregar e, em conseqüência, escolher os agentes
cujo bem-estar deve ser valorado.
Sobre os custos de se empregar o critério do excedente total, Heyer (2006) defende
que eles não seriam muito maiores do que aqueles quando se opta pelo critério do excedente
do consumidor, sendo estes já bastante significativos65
. Para estimar os efeitos de uma fusão
64
Neste ponto uma questão parece ser bastante pertinente: como proceder uma análise de bem-estar sem levar
em conta questões distributivas? Ao delegar a outras esferas da política econômica a questão da redistribuição da
renda, a abordagem tradicional admite uma limitação importante de sua aplicabilidade. 65
O autor adverte ainda que nada garante que os consumidores sejam realmente o grupo menos favorecido. Para
ilustrar seu argumento, formula o exemplo de uma fusão entre todas as mecânicas autorizadas de Mercedes Benz
em um mercado geográfico relevante, ao mesmo tempo em que a entrada nesse mercado é proibida – por
exemplo, por questões de licenças com exclusividade de cobertura geográfica. O autor questiona se as
autoridades deveriam proibir a operação caso o resultado esperado fosse um aumento de cerca de 25% no preço
dos serviços. Tipicamente, responde, uma fusão deste tipo deveria ser rejeitada, e as autoridades não seriam
solicitadas a determinar se a perda de peso morto induzida pelo aumento do preço seria compensada por uma
transferência de renda socialmente benéfica dos ricos proprietários dos automóveis para os proprietários das
oficinas autorizadas (p. 19). O exemplo utilizado pelo autor é uma tentativa de minar a defesa das considerações
de ordem distributiva na análise. Porém, trata-se de uma situação limite, que por seu caráter excepcional, não
serve como argumento, e tampouco como justificativa para se ignorar as questões distributivas na prática
60
sobre os consumidores, seriam necessárias informações sobre o formato da curva de demanda
em sua porção relevante, sem as quais seria difícil avaliar em que medida as reduções no
custo marginal seriam repassadas aos consumidores na forma de preços mais baixos. Além
disso, a estimação do efeito-preço de uma redução nos custos marginais obtida a partir de uma
fusão requer informações sobre o tipo de ―jogo‖ existente entre os participantes do mercado –
Cournot, Bertrand, ou outros tipos específicos de competição oligopolista teriam implicações
diferentes sobre as economias de custos repassadas para os consumidores na forma de
menores preços. Tudo isso pode ser complicado ainda mais, adverte o autor, quando o tipo de
interação estratégica entre os agentes muda como resultado da fusão.
Para aplicar o critério do excedente do consumidor, os órgãos competentes
necessitam não apenas de uma estimativa das eficiências específicas à fusão, mas também de
uma estimação antecipada da redução nos custos marginais originados por ela. As
dificuldades práticas de distinguir entre os dois tipos de economias de custo – aquelas
oriundas das economias de custos variáveis, que impactam a formação de preços futura, e
aquelas derivadas dos que são fixos que, portanto, não afetariam diretamente os preços que
maximizam os lucros das firmas – podem ser substanciais. Para Heyer (2006), são gastos
recursos consideráveis, sobretudo por parte das firmas que propõem a fusão, na tentativa de
realizar essa distinção que, no caso do critério do excedente total, seria bem menos
importante66
.
Rebatendo a idéia de que os custos associados ao emprego do critério do excedente
total são necessariamente maiores do que os de se utilizar o critério do excedente do
antitruste, relegando-as a outras esferas da política econômica. 66
A distinção entre custos fixos e custos variáveis tende a ser particularmente importante quando o critério
empregado para a análise antitruste é o excedente do consumidor, sugere Heyer. Ao contrário das variações nos
custos marginais, variações nos custos fixos em geral não afetam o preço que maximiza os lucros das firmas,
tampouco o nível de produção ao qual as firmas maximizam seus lucros. Assim, variações exclusivamente nos
custos fixos, independentemente de quão grandes sejam, não têm qualquer efeito sobre o bem-estar dos
consumidores no mercado relevante. Porém, adverte o autor, as reduções nos custos fixos têm implicações
significativas em termos de eficiência para a economia como um todo. Na medida em que libera recursos para
serem aplicados em qualquer outro negócio, as economias nos custos fixos aumentam o bem-estar total. Quando
se utiliza o critério do excedente do consumidor, atribui-se peso zero a essas eficiências.
61
consumidor67
, Heyer (2006) acredita que isto vale apenas para casos em que o objetivo é
calcular precisamente o efeito da fusão sobre o bem-estar, mas não quando o propósito é
simplesmente determinar a variação líquida do excedente total.
No que diz respeito à inobservância do aspecto distributivo, além de questionar a
desejabilidade de incorporá-lo à teoria, o autor destaca ainda que não há garantias de que se
possa prever sequer a direção, e menos ainda a magnitude das conseqüências distributivas de
uma fusão a um custo razoável. E se não há consenso acerca das conseqüências sobre a
distribuição da renda derivada de condutas potencialmente anticompetitivas, não haveria
justificativa plausível para o emprego de um critério centrado na questão distributiva.
Em artigo recente de defesa do critério do excedente do consumidor, Salop (2005)
elabora uma situação hipotética, e enuncia as principais diferenças geradas a partir do critério
de excedente escolhido. O autor sugere uma fusão que leva a uma redução no bem-estar da
firma concorrente supondo um mercado pré-fusão com produtos diferenciados, uma empresa
dominante – detém 90% de participação no mercado – com baixos custos, e outras duas
concorrentes, cada uma com 5% de participação no mercado. É proposta uma fusão entre as
duas empresas menores, cujo resultado geraria uma economia de custos que seria refletida em
uma redução de preços aos consumidores da ordem de 10%, o que levaria a nova empresa a
aumentar sua participação no mercado de 10% (soma das parcelas de 5% de cada empresa
pré-fusão) para 30%. Esta operação é claramente positiva para os consumidores, mas poderia
levar a uma redução no bem-estar agregado, pois aumentaria os custos totais de produção, na
medida em que a firma mais eficiente perde mercado para uma concorrente com custos de
67
Salop (2005), por exemplo, afirma que a necessidade de quantificar e comparar os benefícios e os prejuízos
causados a consumidores, concorrentes e às firmas incumbentes implica uma maior complexidade de
implementação do critério do excedente total em relação ao excedente do consumidor, que requer apenas a
manutenção de preços como proxy de manutenção do bem-estar dos consumidores. Os benefícios em termos de
eficiência econômica e os custos do aumento do poder de mercado seriam levados em consideração, mas apenas
na avaliação de seu impacto líquido sobre os consumidores.
62
produção mais elevados. Sob o critério do excedente agregado, esta operação poderia ser
bloqueada, apesar de seus efeitos positivos sobre os consumidores68
.
A respeito da idéia de que a teoria econômica pura recomenda a aplicação do critério
do excedente total, Salop (2005) argumenta que, se por um lado, a eficiência econômica é
desejável, pois significa que não há desperdício de recursos – e o objetivo de garantir a
eficiência econômica, por sua vez, está refletido no excedente total – por outro, boa parte da
análise econômica tem como premissa uma noção diferente de eficiência, a eficiência
―potencial‖ de Pareto, conceito que absorve claramente uma preocupação com a questão da
distribuição social dos recursos.69
Se a redistribuição compensatória da renda fosse um
processo efetivo e sem custos, a eficiência ―potencial‖ de Pareto e a maximização do bem-
estar social sempre levariam a resultados idênticos. Porém, quando essa redistribuição
envolve custos, ou quando ela simplesmente não acontece70
, verifica-se um conflito latente
entre dois objetivos da teoria tradicional, quais sejam, a preservação do critério de
comparabilidade de Pareto e a maximização do bem-estar agregado.
Outra vantagem de se utilizar o critério do excedente do consumidor apontada pelo
autor é o fato de se colocar sobre a firma o ônus de escolher uma estrutura que não afete
68
Para Heyer (2006), o exemplo de Salop alerta para o fato de que olhar apenas para os efeitos da fusão sobre os
consumidores e sobre as firmas fusionadas pode ser insuficiente e mesmo errôneo, caso se ignorem as alterações
de nível de produção entre as firmas. 69
Como discutido no capítulo anterior, a vinculação entre bem-estar e eficiência econômica, considerada
geralmente em termos das eficiências alocativa e produtiva, tem reflexos importantes sobre a teoria e a prática
antitruste. Por definição, duas alocações sociais só serão comparáveis entre si em termos de Pareto se não
violarem o critério estabelecido, portanto, é preciso que não haja perda de bem-estar por parte de nenhum agente
na passagem de uma situação para a outra. No antitruste, a análise dos efeitos anticompetitivos de uma
concentração se dá, em geral, pela comparação, em termos de eficiência alocativa, entre duas situações de
mercado e, deste modo, envolve a comparação entre as utilidades auferidas por agentes econômicos diferentes,
violando o pressuposto básico de Pareto e revelando uma inconsistência teórica da abordagem tradicional,
incapaz tratar adequadamente as questões distributivas com o ferramental de que dispõe. 70
Também no capítulo anterior foram destacadas algumas limitações do princípio da compensação, embutido na
idéia de redistribuição dos recursos. Salop (2005) argumenta que a neutralização dos efeitos das condutas
anticompetitivas sobre os lucros e a riqueza dos consumidores por meio da tributação ou qualquer outra medida
de redistribuição raramente acontece. Ainda que fosse um objetivo explícito do governo, tal neutralização não
seria fácil de se implementar, pois, no mínimo, significaria elevados custos de transação no caso de uma
compensação perfeita dos efeitos da conduta – dado que os indivíduos são afetados de maneiras diversas por
uma conduta com potencial anticompetitivo, de acordo com suas funções de utilidade. Assim, conclui, o critério
do excedente total na prática não leva as firmas a maximizarem o bem-estar agregado, mas apenas garante que
aquele não seja reduzido em relação ao nível de bem-estar pré-operação.
63
negativamente o bem-estar dos consumidores, evitando a necessidade e os custos de uma
política redistributiva. Salop (2005) defende que, quando os órgãos responsáveis pelo sistema
de defesa da concorrência não têm informação perfeita sobre os impactos econômicos da
conduta proposta, o emprego do critério do excedente do consumidor levaria à rejeição de
poucas concentrações com efeitos positivos sobre o bem-estar agregado. Por outro lado, se o
critério fosse o excedente agregado, é possível que as empresas nem mesmo se preocupassem
em avaliar alternativas menos lesivas aos consumidores, desde que conseguissem comprovar
efeitos líquidos positivos em termos de eficiência total. Destarte, o uso do critério do
excedente do consumidor levaria a um nível médio de bem-estar agregado maior.
Na mesma linha de Salop, Fridolfsson (2007) defende que um governo que tenha
como objetivo a promoção da alocação eficiente de recursos, medida pelo excedente total,
deveria estrategicamente impor às autoridades de defesa da concorrência um critério com viés
pró-consumidores71
. O autor também acredita que a escolha do critério de excedente
empregado pode ter impacto significativo sobre as fusões propostas pelas firmas, e faz uma
análise com base no conceito de delegação estratégica, em que o principal (governo) distorce
a função objetivo de seu agente (órgão de defesa da concorrência), com o intuito de afetar a
interação entre o agente e uma terceira parte (as firmas proponentes)72
.
O modelo desenvolvido pelo autor é composto por duas firmas concorrentes, que
podem alterar a estrutura do mercado de duas maneiras distintas: ambas podem se fusionar e
gerar um monopólio, ou podem provocar outras mudanças na estrutura de mercado, que
71
Para o autor, a principal tarefa dos órgãos de defesa da concorrência é avaliar as fusões à luz de seus efeitos
sobre o bem-estar em diferentes grupos – consumidores, acionistas, trabalhadores, concorrentes, fornecedores,
etc – e tomar uma decisão com base nessa avaliação. Dada a ocorrência de conflitos de interesses, é preciso que
se estabeleça um trade-off entre os objetivos de cada grupo, e a proposta dos critérios de bem-estar é desnudar
como esse trade-off é calculado, explicitando os grupos de interesse que devem ser incluídos na avaliação, e
atribuindo a eles pesos específicos. 72
O autor destaca a semelhança de seu modelo com outros como Besanko e Spulber (1993), Neven e Röller e
Lyons (2002). O ponto central da argumentação é que o critério do excedente do consumidor aumenta a rigidez
das autoridades antitruste na avaliação dos atos de concentração e, portanto, afeta as decisões das empresas
fusionadas. Uma atitude mais permissiva das autoridades antitruste poderia fazer com que as firmas não
revelassem possibilidades factíveis de fusão com benefícios para os demais agentes do mercado.
64
alteram a quantidade produzida e os preços praticados, afetando o bem-estar dos
consumidores. O objetivo da política de defesa da concorrência é maximizar o bem-estar
agregado, porém, isso não resulta na superioridade do critério do excedente total. O autor
adverte que o principal resultado de seu modelo é qualitativo: quando não se tem
conhecimento sobre a probabilidade de resultados alternativos, e sobre a magnitude do
excedente adicional gerado, é impossível dizer algo a respeito da atribuição de peso aos
consumidores (a seu bem-estar), e deve-se deixar a cargo das firmas demandantes a prova de
que a operação não afetará os elos mais frágeis da cadeia73
.
2.4. Questões remanescentes
A discussão anterior centrou-se nos dois critérios usualmente empregados na
avaliação do trade-off entre eficiência econômica e aumento do poder de mercado. O trade-off
admitido pelos dois critérios é, afastando-se do ideal de concorrência neoclássico – estático –
em direção a um referencial schumpeteriano – dinâmico – apenas parcial, além de imbuído de
algumas inconsistências internas já mencionadas. O problema tem raiz na própria definição de
eficiência econômica, que como admitida nos dois casos – ou seja, como sinônimo de
eficiência alocativa – só é um conceito fiel à análise se aplicado sobre um referencial de
concorrência perfeita, o que não é o caso da maior parte dos mercados, sobretudo daqueles
que despertam alguma preocupação para a análise antitruste. Nas palavras de Possas (2009),
esse reducionismo metodológico teria origem no viés teórico empregado e, portanto, só se
sustenta enquanto vale este último.
Além de apresentar uma breve descrição dos principais tipos de eficiência
reconhecidos na economia, o capítulo anterior apontou alguns problemas internos derivados
73
O autor refere-se aos problemas de coordenação entre os consumidores, enquanto grupo disperso e com
déficit de informações, e aos custos envolvidos.
65
da aplicação do referencial estático tradicional na análise antitruste. No que diz respeito aos
diferentes tipos de eficiência, vimos que a relação inversa entre poder de mercado e bem-estar
não é tão direta como se supõe sob o arcabouço tradicional, sendo as eficiências – em suas
diferentes formas – derivadas dos atos de concentração o principal elemento perturbador
dessa relação. O detalhamento dos dois principais critérios usualmente empregados na
avaliação dos efeitos dos atos de concentração apresentados neste capítulo mostra que, dadas
as hipóteses em que se baseiam, não há espaço para a incorporação de eficiências diversas da
alocativa na análise.
Outro problema apontado, interno à teoria, o da violação da comparabilidade Pareto,
é definitivamente ignorado na aplicação do critério do excedente total, e só é superado pelo
price standard na medida em que este demanda que a operação proposta seja capaz de gerar
economias de custo tão elevadas que os preços pós-operação sejam no máximo iguais aos
vigentes antes dela, a despeito do aumento do poder de mercado. Assim, o price standard
força uma solução para o problema da violação do critério de Pareto por meio de exigências,
em geral, mais elevadas na redução de custos, e nesse sentido pode ser entendido como um
caso limite da aplicação do critério do excedente total. Não há, entre as duas propostas,
nenhuma ruptura metodológica fundamental.
O segundo problema interno apontado no capítulo anterior, o da agregação –
transposição do conceito de ótimo de Pareto, definido para o modelo de equilíbrio geral para o
modelo de equilíbrio parcial – aplica-se a ambos os critérios apresentados. A centralização da
análise nas considerações de ordem alocativa – cujo conceito de eficiência é desenvolvido a
partir do modelo de equilíbrio geral, assumindo hipóteses de informação perfeita, retornos
constantes, agentes maximizadores e tomadores de preços – exige simplificações que só são
validadas sob condições bastante restritivas (como discutido na seção 1.2.2.). Ao se manterem
66
alinhados com o referencial estático, nenhum dos critérios analisados é capaz de superar de
maneira definitiva esse problema.
A questão distributiva, por sua vez, que o critério do price-standard acredita
contornar com a exigência mínima de neutralidade de preços para os consumidores,
permanece em sua essência intocada, já que não pode ser alijada da base teórica que sustenta
os modelos. O trade-off de Williamson mantém-se como elemento crítico para a avaliação dos
efeitos da fusão; o que varia é essencialmente o nível de redução de custo exigido. E se a
diferença dos critérios pode ser reduzida a uma questão de nível de economias, o price
standard parece mais um paliativo do que uma solução metodológica consistente para o
problema distributivo.
Em linhas gerais, a adoção do critério do excedente total significa, em termos
teóricos, violar o princípio da comparabilidade de Pareto, além de ignorar os efeitos da
transferência de renda de consumidores para os produtores74
. O argumento de que a legislação
não é clara o suficiente sobre o tipo de ponderação que se deve atribuir à função de utilidade
dos diferentes agentes75
esconde uma limitação da própria teoria econômica, que é sua
dificuldade de tratar as questões distributivas. Apresentado como uma alternativa teórica à
dificuldade do critério do excedente total de lidar com as transferências de renda entre
consumidores e produtores, o critério do price standard, por sua vez, pode ser visto como um
caso particular em um continuum de possibilidades oferecidas a partir do trade-off de
Williamson em que os custos marginais devem baixar tanto em função dos ganhos de
eficiência que não haja transferências de renda dos consumidores para os produtores. Assim,
em ambos os critérios, o problema da distribuição segue sem uma resposta satisfatória, e o das
considerações de ordem dinâmica é sequer tangenciado.
74
Para efeitos práticos, significa adotar implicitamente uma função de bem-estar social que pondere os dois
agentes com o mesmo peso. 75
Vide argumentação de Farrel e Katz (2006) e Heyer (2006).
67
Quanto a estas últimas, vale a pena resgatar um ponto que foi apresentado no
capítulo inicial, e que será mais bem explorado no próximo capítulo, que é a incapacidade dos
critérios usualmente utilizados na avaliação dos efeitos dos atos de concentração de
incorporar os aspectos dinâmicos da concorrência, de relevância particular para indústrias
baseadas em – ou com forte componente de – inovação. A abordagem tradicional, com foco
nos produtos e nos mercados tais como se apresentam no momento da operação só é capaz de
avaliar impactos de curto prazo sobre preços e quantidades produzidas na medida em que
muda o nível da concorrência. Não existe aí espaço para considerações sobre formas de
competição que não estão refletidas na estrutura do mercado vigente – cuja definição pode
rapidamente mudar como conseqüência de algum tipo de inovação – e tampouco acerca dos
efeitos sobre os consumidores de mudanças na qualidade ou da criação de novos produtos.
Em resumo, a visão tradicional, estática e equilibrista da concorrência aniquila sua
dimensão ativa, caracterizada pela criação de novos produtos, novos processos e espaços
econômicos, enfatizada pela corrente Schumpeteriana, e coloca em segundo plano a inovação,
motor da economia capitalista. Possas (2009) admite que a adoção de uma metodologia
alternativa para a prática antitruste, sobretudo com a incorporação de elementos qualitativos à
análise, tem pelo menos duas grandes barreiras a transpor. A primeira seria a inexistência de
uma teoria normativa de base schumpeteriana suficientemente desenvolvida e dinâmica; a
segunda seria a própria dificuldade de lidar com situações dinâmicas e passíveis de soluções
múltiplas, sobretudo quando dessas soluções depender alguma aplicabilidade jurídica, como é
o caso no campo antitruste76
.
A política antitruste enfrenta uma grande dificuldade em lidar com mercados
caracterizados por inovações tecnológicas contínuas, em parte devido à relação incerta entre
as condições de mercado que estimulam a inovação e aquelas idealizadas pelos órgãos de
76
Ao longo do trabalho, o autor expõe o trade-off entre a qualidade e o realismo científico da teoria econômica
de base frente à sua aplicabilidade jurídica.
68
defesa da concorrência, e em parte pela incerteza dos efeitos da inovação sobre a estrutura e o
desempenho do mercado. Katz e Shelanski (2006) levantam a questão de, se o objetivo da
política antitruste é promover e não criar obstáculos aos benefícios oriundos da inovação77
,
em que medida ela deve aderir às hipóteses convencionais, definidas pelo modelo teórico da
concorrência perfeita, em mercados orientados essencialmente pela mudança tecnológica.
Os autores acreditam que o reconhecimento da atividade inovativa como um driver
importante do desenvolvimento econômico já é compartilhado por parte significativa das
autoridades antitruste78
, ainda que outra parte mantenha certo ceticismo acerca das
possibilidades de incorporação da inovação na análise. A grande questão é: uma vez que a
política antitruste volta-se cada vez mais para o papel da inovação sobre o crescimento e o
desenvolvimento econômicos, como estruturar o arcabouço teórico e legal mais apropriado
para esta nova realidade?
O próximo capítulo buscará explorar essa questão. Uma vez admitida a necessidade
de incorporação à análise antitruste de aspectos que fogem do escopo – e das possibilidades
de resposta – da teoria tradicional, serão investigadas quais as perspectivas de avanço no
sentido de um referencial mais dinâmico da concorrência, e também como as principais
jurisdições têm tratado essa questão, sobretudo na consideração da eficiência dinâmica como
fonte legítima de eficiência compensatória frente ao aumento do poder de mercado gerado por
uma concentração.
77
Que, por sua vez, é inerentemente marcada pela presença de incerteza, e exclui qualquer possibilidade de
maximização, ex ante ou ex post. Nesse caso, tornam-se relevantes fatores como a pressão competitiva a que
estão sujeitas as firmas no mercado em questão, e a competitividade das firmas desse mercado (fortemente
dependente de estratégias competitivas e financeiras, e de seus esforços inovativos). 78
Os autores citam em seu texto trechos de pronunciamentos de dois membros do Departamento Antitruste
norte-americano. No primeiro, Joel I. Klein: “the more important that innovation becomes to society, the more
important it is to preserve economic incentives to innovate”. E ainda, Robert Kramer: “as important as price
competition is to us, a second major and possibly even greater concern is maintaining competition for
innovation”. (Katz e Shelanski, 2006, p.3).
69
Capítulo 3 – Eficiências Dinâmicas: referências teóricas, tratamento atual e perspectivas
Introdução
A discussão nos capítulos antecedentes buscou mostrar a inadequação em termos
teóricos – que resulta em implicações diretas de ordem prática – do aparato estático para lidar
com as situações dinâmicas características da concorrência na realidade econômica capitalista,
sobretudo aquelas que têm fortes conseqüências em termos de inovações e mudanças
tecnológicas. Como demonstrado, os limites do enfoque centrado na noção estática são
revelados por sua insuficiência em lidar com situações que envolvem um trade-off entre
eficiências presente e futura, pela dificuldade de incorporar mudanças qualitativas associadas
às inovações em geral, que não são refletidas em preços e são difíceis de quantificar, e pelo
referencial teórico subjacente à concorrência e aos processos de mercado, intrinsecamente
estático e centrado no suposto de equilíbrio.
Atos de concentração podem gerar diversos tipos de eficiências, no âmbito da
produção e distribuição, em termos de custos de transação, via diferenciação de produtos,
eliminação de esforços duplicados de P&D, aumento da capacidade financeira, etc. O
reconhecimento de formas adicionais de eficiências econômicas tem como resultado admitir
ou reforçar a constatação de que a maior parte das estratégias empresariais que resultam na
redução da concorrência (no sentido de geração de concentração de mercado) produz
simultaneamente ineficiências e eficiências econômicas em diferentes graus. Daí a
necessidade de um aparato mais preparado para lidar com essa diversidade de implicações, o
que significa, portanto, afastar-se da abordagem estática tradicional.
70
Este trabalho entende o referencial teórico neo-schumpeteriano evolucionário como o
mais adequado para lidar com questões dinâmicas da concorrência capitalista, com foco nas
mudanças qualitativas provenientes de inovações e mudanças tecnológicas, sem perder de
vista que tais questões estão necessariamente permeadas por incerteza. Sob a perspectiva neo-
schumpeteriana, a firma é o agente principal do processo competitivo, e sua unidade de
análise. O mercado, por sua vez, é o locus econômico da concorrência, ou seja, o ambiente
econômico de seleção de inovações e sua estrutura é o resultado desse processo, portanto,
endógena.
Uma vez que a concorrência passa a ser entendida como portadora de inovações e
geradora de mudanças qualitativas, o mercado deixa de ser visto como um instrumento de
ajuste ao equilíbrio por eliminação de diferenças, e passa a funcionar como um instrumento de
evolução e progresso técnico e material, mediante um processo seletivo e filtrante, via
concorrência, das inovações e assimetrias que a própria concorrência engendra no âmbito das
estratégias e decisões empresariais (Possas, 1996). Assim como no caso das eficiências
produtiva e alocativa, o alcance de eficiências dinâmicas também pode ser influenciado pela
política antitruste ou outras políticas que incentivem as operações pró-inovação, chamando
para a análise elementos novos como as questões da apropriabilidade, redução de riscos e
oportunidades tecnológicas, entre outras.
O objetivo deste capítulo é apresentar em maior detalhe o conceito de eficiência
dinâmica, e avaliar em que medida ele tem sido incorporado nas análises antitruste em
diferentes jurisdições. Para isso, inicialmente será feita uma digressão sobre o ideal de
concorrência que embasa a teoria evolucionária neo-schumpeteriana, principal referência
teórica desta parte do trabalho. Na seqüência, apresentar-se-á o estado das artes da
incorporação das eficiências dinâmicas no antitruste a partir da análise da prática em algumas
jurisdições. Por fim, serão discutidas as perspectivas e as limitações que se apresentam para a
71
ampliação do escopo da análise de defesa da concorrência na direção de uma abordagem
menos centrada em referenciais estáticos e de equilíbrio.
3.1. Eficiência dinâmica e o conceito de concorrência
Como destacado nos capítulos anteriores, ausência de assimetrias, agente racional
maximizador e equilíbrio são traços fundamentais da microeconomia tradicional. Na prática,
essas características implicam a ausência, na abordagem neoclássica tradicional, de uma teoria
da concorrência – que não existe ou não interessa – enquanto processo. Foi Joseph
Schumpeter79
o autor que trouxe a concorrência ao centro do palco da análise da economia
capitalista, transformando-a no movimento gerador das inovações, estas últimas classificadas
como motor dessa economia. De acordo com o autor, é a perspectiva de auferir lucros
extraordinários – ainda que temporários – e, portanto, de diferenciar-se dos concorrentes, que
motiva as empresas a investirem na busca de novos produtos, processos, mercados, etc.
Enquanto os supostos da concorrência perfeita eliminam a possibilidade de
diferenciação de produto, de grandes escalas, de informação assimétrica, ou de qualquer fator
que gere diferenças entre os produtores, Schumpeter via nessa reiterada criação de diferenças
– submetidas posteriormente ao crivo do mercado – a chave para compreender os movimentos
dos mercados e as estratégias das empresas. De fato, com a importância crescente das grandes
empresas e grupos econômicos, o modelo de concorrência perfeita passou a ter função cada
vez mais restrita a seu papel ideológico, de defesa do livre mercado, tornando-se cada vez
mais difícil aplicá-lo como teoria de funcionamento dos mercados (Possas, S., 1989).
79
O autor assume sua dívida com Marx, de quem herdou a visão de que o importante é entender as leis de
movimento do capitalismo. Para Possas (1989), o essencial da tese schumpeteriana já havia sido percebido e
explicitado por Marx (...) por ter destacado o papel central que a busca do lucro extraordinário ou de monopólio
(temporário) cumpre na introdução de inovações. Em síntese, essa postura teórica permite repensar a tradicional
oposição entre “concorrência” e “monopólio” passando este último a ser visto não como o “contrário”, mas
como o próprio motivo fundamental da concorrência (p. 71).
72
Schumpeter (1984) define como aspecto essencial do capitalismo o fato de este ser
um processo evolutivo que, por sua própria natureza ―não apenas nunca é, mas nunca pode
ser, estacionário‖ (p. 112). A geração de novos bens de consumo, novos métodos de produção
ou transporte, novos mercados, novas formas de organização industrial por parte da empresa
capitalista seria o impulso fundamental que inicia e mantém o movimento da máquina
capitalista, e que é seu aspecto essencial. Se nisso consiste o capitalismo, diz o autor, não tem
sentido avaliar o desempenho de tal processo de um dado ponto no tempo; o mais importante
é julgar seu desempenho no tempo, na medida em que se desdobra através das décadas ou
século (p.113). Para Schumpeter, enquanto a abordagem tradicional preocupa-se com a forma
como o capitalismo administra suas estruturas, o relevante é saber como ele as cria e destrói
(p.114). Para isso, adverte, a primeira coisa que precisa desaparecer é a concepção tradicional
do modus operandi da concorrência, enxergada apenas na dimensão dos preços. Quando são
admitidos outros tipos de concorrência (via qualidade, esforço de venda, etc), a variável preço
é desalojada de sua posição dominante80
.
Para Schumpeter, o que a teoria tradicional classifica como ―práticas monopolistas‖
– patentes, preços administrados, manutenção de excesso de capacidade, etc – não deve ser
considerado como medidas restritivas que esgotam em si mesmas sua finalidade, mas parte de
uma estratégia competitiva mais ampla, que mais protege a posição da firma no mercado do
que impede a concorrência dentro dele. Assim, a natureza do processo concorrencial exige
uma análise de maior alcance e mais longo prazo quanto aos efeitos na estrutura econômica
das novas estratégias e políticas de concorrência.
80
Ao se referir à concorrência via preços, Schumpeter afirma que “na realidade capitalista (...), não é esse tipo de
concorrência que conta, mas a concorrência através de novas mercadorias, novas tecnologias, novas fontes de
oferta, novos tipos de organização (a grande unidade de controle de larga escala) – concorrência que comanda
uma vantagem decisiva de custo ou qualidade e que não atinge a fímbria dos lucros e das produções das firmas
existentes, mas suas fundações e suas próprias vidas. A eficiência deste tipo de concorrência, perto do outro, é
assim como um bombardeio comparado a se forçar uma porta.” (p.114)
73
As idéias de Schumpeter sobre a dinâmica capitalista – em particular sobre o papel
das inovações tecnológicas – inspiraram a corrente teórica neo-schumpeteriana, que atribui à
inovação o papel de principal dinamizador da atividade econômica capitalista. Na tentativa de
superar dinamicamente a oposição firma versus mercado, esta corrente centra-se na interação
estratégia81
-estrutura ao longo do tempo, sem privilegiar qualquer dos pólos como elemento
determinante exclusivo. Variáveis de comportamento, assim como as estruturais têm ação
recíproca, gerando trajetórias não de equilíbrio, mas de mudança e transformação estrutural
(Possas, 1988).
As firmas na teoria evolucionista são motivadas pelo lucro e comprometidas com
formas de aprimorá-lo, mas não se supõe que suas ações sejam maximizadoras em um
conjunto de escolhas bem definidas e dadas82
. Ao contrário da teoria microeconômica
tradicional, que trabalha com agentes racionais maximizadores, a teoria evolucionista adota o
referencial de racionalidade limitada de Simon (1979)83
. Tomam-se emprestadas também
algumas idéias básicas da biologia, como a noção de ―seleção natural‖ econômica e a
preocupação com processos de mudança de longo prazo e progressivos84
– as regularidades
81
O conceito de “estratégias”, aliás, tão caro à abordagem neo-schumpeteriana, não tem lugar na teoria
neoclássica (a não ser como objetivo de maximização de uma função de lucro conhecida, para custos e
tecnologias dados), em que assimetrias são classificadas como falhas de mercado, e qualquer capacidade da
firma de alterar a situação do mercado por meio de ações individuais reflete a detenção de um poder de mercado
supostamente gerador de ineficiências econômicas. 82
A abordagem modelística evolucionista não utiliza o cálculo maximizador para derivar equações que
caracterizam o comportamento das firmas. Em vez disso, as firmas são modeladas simplesmente como tendo, a
qualquer momento dado, certas capacidades e regras de decisão – que se modificam ao longo do tempo como
resultado de esforços deliberados para a superação de problemas e eventos aleatórios. Com o passar do tempo, o
análogo econômico da seleção natural opera à medida que o mercado determina quais firmas são lucrativas e
quais não o são, tendendo separar as segundas. 83
As ações são guiadas por meio de regras de decisão e procedimentos relativamente simples; por causa da
racionalidade limitada, essas regras e procedimentos não podem ser muito complicados e não podem ser
caracterizados como “ótimos”, no entanto, podem ser bastante satisfatórios para os propósitos da firma, dados os
problemas que ela enfrenta. 84
Nelson (1990) ressalva, porém, que o processo através do qual o avanço técnico se dá nas economias
capitalistas difere em diversos aspectos do processo evolucionário em biologia. A tecnologia, por exemplo, que
ocasionalmente realiza grandes saltos, é inconsistente com o conceito tradicional de evolução em biologia. Além
disso, a inovação não é um processo randômico; ao contrário, esforços para avançar a tecnologia são apontados
para direções em que inovadores acreditam factíveis e potencialmente rentáveis. E principalmente, novas
descobertas, compreensões, modos geralmente úteis de fazer as coisas, não aderem estritamente a seus
descobridores ou criadores, mas são compartilhados, ao menos em alguma medida – seja esse compartilhamento
intencional, ou a despeito de esforços para manter as descobertas privadamente. Em qualquer caso, afirma, o fato
74
observadas na realidade presente não são interpretadas como soluções de um problema
estático, mas como resultados produzidos por processos dinâmicos compreensíveis a partir de
condições conhecidas ou conjecturadas de forma plausível no passado (Nelson e Winter,
1982). Desta forma, são abandonados os dois pressupostos básicos da teoria tradicional, quais
sejam, a abordagem maximizadora e o conceito de equilíbrio.
As regras de decisão das firmas formam o conceito operacional básico da teoria
evolucionista, e podem ser vistas como parentes conceituais próximos das ―técnicas de
produção‖. Outro termo recorrente na teoria, a rotina, descreve padrões comportamentais
regulares e previsíveis das firmas – assumem a função que os genes apresentam nas teorias
evolucionárias biológicas. São características persistentes do organismo e determinam seu
comportamento possível, são hereditárias e selecionáveis – organismos com certas rotinas
podem sair-se melhor do que outros, e se assim for, sua importância relativa na população vai
aumentando ao longo do tempo (Nelson e Winter, 1982). A qualquer tempo, as rotinas de uma
firma definem uma lista das funções que determinam o que ela faz em razão de diversas
variáveis externas (principalmente as condições de mercado) e de variáveis de estado internas
(técnicas de produção disponíveis em estoque, taxa média de lucro auferida por ela em
períodos recentes, etc).
Enquanto na teoria ortodoxa as técnicas disponíveis constituem um dado constante,
supondo-se que as regras de decisão sejam conseqüência da maximização, na teoria
evolucionária elas são tratadas como refletindo, a qualquer momento do tempo, as rotinas
historicamente dadas que governam as ações de uma empresa85
. O foco da teoria
de que a nova tecnologia em última instância torna-se pública, significa que a tecnologia avança através de um
processo evolucionário “cultural”. Isso é fundamentalmente diferente da evolução biológica. 85
Nelson e Winter (1982) distinguem três classes de rotinas: (i) “características operacionais”: rotinas que
governam o comportamento de curto prazo (o que a firma faz a qualquer momento, dados seu estoque anterior de
fábricas, equipamentos e outros fatores de produção); (ii) “genes”: rotinas que determinam o aumento ou a
diminuição do estoque de capital da firma período a período (investimentos) – firmas lucrativas crescerão e
firmas não lucrativas minguarão, e as características operacionais das firmas mais lucrativas representarão uma
crescente parcela das atividades do ramo em questão; (iii) “buscas” (contrapartida da mutação na teoria
evolucionária biológica): rotinas que funcionam para modificar vários aspectos de suas características
75
evolucionária, afirmam Nelson e Winter, está voltado para os processos dinâmicos que
determinam conjuntamente os padrões de comportamento da firma e os resultados de mercado
ao longo do tempo. Busca (de novas oportunidades) e seleção (pelo mercado) são aspectos
simultâneos e interativos do processo evolucionário; as firmas evoluem ao longo do tempo
através da ação conjunta de busca e seleção, e a situação do ramo de atividades em cada
período carrega as sementes de sua situação no período seguinte (p. 40).
Para os autores, a manutenção de uma concepção estática da maximização
obscureceu a função desempenhada pela busca do lucro no processo de crescimento
econômico – derivado em grande parte do avanço técnico das firmas, orientado pela obtenção
de lucros. A fim de manter sua aderência formal ao cânone ortodoxo, afirmam, a teoria do
crescimento abstraiu a incerteza, os ganhos e perdas transitórios, o caráter irregular e hesitante
do avanço técnico e a diversidade das características e estratégias das firmas – isto é, as
características-chave da dinâmica capitalista.
Em resumo, a idéia central da teoria evolucionista é que, tal como a evolução das
espécies se dá (na teoria darwiniana) por meio de mutações genéticas submetidas à seleção do
meio ambiente, as mudanças econômicas – tanto no aspecto técnico-produtivo (processos e
produtos) quanto na estrutura e dinâmica dos mercados (concentração, diversificação,
rentabilidade, crescimento) – têm origem na busca incessante, por parte das firmas, enquanto
unidades básicas do processo competitivo, de introduzir inovações de processos e produtos –
que teriam, em regra, características estocásticas; e estas inovações, por sua vez, seriam
submetidas aos mecanismos de seleção inerentes à concorrência e ao mercado (Possas, 1988,
p. 159).
A mediação teórica entre estrutura industrial e comportamento empresarial na teoria
neo-schumpeteriana evolucionária foi aprofundada inicialmente por Giovanni Dosi. As
operacionais ao longo do tempo; são processos “guiados por regras” (hierarquias de regras de decisão com
procedimentos de alto nível que ocasionalmente atua para modificar as de nível inferior). As buscas são
parcialmente determinadas pelas rotinas da firma.
76
assimetrias tecnológicas e produtivas são consideradas fatores cruciais na determinação dos
padrões da dinâmica industrial que, por sua vez, são geradas ou reforçadas pela geração e
difusão de novas tecnologias (Possas, 1988, p.167). Para Dosi, as estratégias dos agentes são
voltadas deliberadamente para a modificação das estruturas que, portanto, são endógenas.
Os conceitos de oportunidade (de introdução de inovações de forma lucrativa),
cumulatividade tecnológica (capacidade inovativa das firmas, com forte componente de path-
dependence), e apropriabilidade (capacidade de se apropriar dos lucros originados na
inovação) são fundamentais para investigar como o progresso técnico86
se associa às
assimetrias entre as firmas, e como as reproduz – por meio da criação, sustentação ou
ampliação das vantagens competitivas que geram.
Em analogia ao conceito kuhniano de paradigmas científicos, Dosi (1984) estabelece
a noção de paradigmas tecnológicos, que seriam modelos ou padrões de solução de problemas
tecnológicos selecionados, baseados em princípios também selecionados, derivados das
ciências naturais e em tecnologias materiais selecionadas. Uma trajetória tecnológica, por sua
vez, seria um padrão ‗normal‘ da rotina de solução de problemas com base no paradigma
tecnológico.
Assim como na abordagem de Nelson e Winter, o enfoque adotado enfatiza os
processos de seleção87
. Por outro lado, dá destaque igualmente grande aos mecanismos de
86
Cujas características gerais são: (i) graus de apropriação e níveis de oportunidades de avanço tecnológico
específicos aos setores; (ii) conhecimentos tecnológicos que envolvem elementos tácitos; (iii) variedade nas
fontes de conhecimento e nos procedimentos de busca por inovações; (iv) incerteza; (v) irreversibilidade (ou
seja, dominância inequívoca dos novos produtos e processos sobre os demais, a despeito de preços relativos);
(vi) endogeneidade das estruturas de mercado associadas com a dinâmica da inovação; (vii) permanente
existência de assimetrias e variedade entre firmas (e países) em suas capacidades inovativas, eficiências,
tecnologias de produto, e regras estratégicas e de comportamento (Dosi e Orsenigo, 1988). 87
Esses processos de seleção dependem de uma combinação complexa, setorialmente variável, de elementos que
envolvem desde as possibilidades oferecidas pela trajetória tecnológica até a validação pelo mercado. Assim, não
apenas os resultados econômicos verificados ex post, mas os critérios de decisão ex ante das firmas frente ao
retorno esperado e à adequação do novo paradigma – ou trajetória – são mecanismos de seleção igualmente
decisivos, e como tal, parte destacada do processo de concorrência schumpeteriana que preside à mudança e sua
difusão (Possas, 1988, p.170). Os comportamentos individuais ou organizacionais, por sua vez, são selecionados
ex-ante com base nas estruturas cognitivas, „visões‟de mundo e competência dos indivíduos, e nas normas
vigentes das organizações, e ex-post, por meio da competição de mercado e outras formas de seleção mais
discricionárias – como escolhas governamentais, instituições financeiras, etc (Dosi e Orsenigo, 1988).
77
aprendizado88
como componentes básicos da difusão de inovações: enquanto os processos de
seleção operam no sentido de ampliar as vantagens competitivas tecnológicas das firmas
líderes, os mecanismos de aprendizado tendem a difundir, em diferentes graus, o potencial
inovativo e imitativo das firmas na indústria. Diferentes combinações setoriais das
características tecnológicas e dos mecanismos de seleção e aprendizado podem configurar
diferentes padrões de difusão e geração de assimetrias no interior e entre indústrias89
. As
assimetrias de capacidade tecnológica das empresas e a estrutura inicial do mercado são
elementos fundamentais para explicar a dinâmica industrial. Quanto maiores as primeiras e
mais concentrado o mercado, mais se reforça a tendência para a concentração.
Enquanto nos modelos tradicionais a coordenação no mercado se dá pela interação
entre a hipótese comportamental de maximização e algum tipo de restrição de escassez, no
modelo de Dosi ela depende da interação entre oportunidades exploráveis, presentes em
ambientes não estacionários, que são demasiadamente complexas e voláteis para serem
totalmente dominadas ou compreendidas por agentes individuais90
e instituições que, em
diferentes medidas, simplificam e governam as interações e comportamentos.
88
Divididos em três grupos principais: (i) investimentos em P&D, que economicamente constituem o meio mais
importante de aprendizado; (ii) learning by doing e learning by using, que constituem processos informais de
acumulação de conhecimento tecnológico dentro das firmas, e são especialmente mais importantes em setores de
atividades tecnologicamente mais dependentes de fornecedores, no primeiro caso, e mais complexos, no último;
e (iii) externalidades intra e interindustriais, que consistem na difusão de informação, mobilidade da mão-de-
obra especializada e crescimento de serviços especializados (idem). 89
Dosi (1988) acompanha a tipologia proposta por Pavitt (1984), que relaciona padrões de inovação e difusão e
estruturas de mercado, dividida em quatro grupos principais: (a) dominados por fornecedores; (b) intensivos em
escala; (c) fornecedores especializados, e (d) intensivos em ciência. 90
Que têm limitações cognitivas e informacionais, geradoras de incerteza na formação das expectativas sobre as
quais os agentes baseiam suas decisões. Para Dosi e Orsenigo (1988), isso não significa dizer que os agentes não
se comportem estrategicamente. Entretanto, afirmam, o que adquire uma importância maior na descrição das
decisões e comportamentos são as prioridades momentâneas dos agentes, suas regras de solução de problemas,
seus conhecimentos específicos, o modo como se adaptam a sistemas não-estacionários, e a natureza da seleção
do ambiente entre as diferentes classes de agentes que mantêm crenças diferentes (e, portanto, comportando-se
diferentemente mesmo sob informações e incentivos idênticos do ambiente). Colocando de outra forma, na
tentativa de discriminar entre uma vasta gama de jogos, estratégias e equilíbrios (não necessariamente) possíveis,
qual descreve ambientes inovativos, deve-se introduzir também o conhecimento das regras e instituições
vigentes que governam os processos de decisão, aprendizado e ajustamento (adaptação).
78
Conseqüentemente, a ‗ordem na mudança‘91
é gerada por diferentes combinações de
aprendizado, mecanismos de seleção e estruturas institucionais.
É nesse ambiente permeado de incerteza, mas inequivocamente guiado pelos
sucessos financeiros derivados da introdução de novos produtos e métodos em seu interior,
que as empresas definem suas estratégias. A necessidade de fortalecer posições de mercado é
vital em um ambiente constantemente cambiante, sujeito a rupturas tecnológicas que podem
tanto fortalecer quanto criar ou extinguir determinado mercado. Alguns autores destacam que
mercados onde a ciência subjacente avança muito rapidamente obrigam as empresas a
manterem programas de pesquisa de maneira ininterrupta, para que tenham condições de
explorar os desenvolvimentos da área no caso de algum avanço relevante (Rosemberg ,1988;
Cohen e Levinthal, 1989 apud Nelson, 1990).
O tipo de concepção de concorrência acima descrito exige uma nova visão de
mercado, e devolve à firma o papel principal na movimentação da economia, por meio de suas
estratégias guiadas pela obtenção de lucro. As mais bem sucedidas têm a possibilidade de
continuar no jogo, mas devem manter seus esforços para não serem as próximas a serem
superadas. O mecanismo filtrante da seleção tende a gerar algum incremento no grau de
concentração92
, mas pode também resultar na criação ou destruição de mercados inteiros. As
mudanças qualitativas provenientes das inovações e do progresso técnico, em um contexto
inerentemente marcado por incertezas, exigem uma expansão do escopo da análise da
organização industrial de modo geral, e da teoria da defesa da concorrência, em particular.
Uma visão mais dinâmica, que atente para as condições exigidas para que o conhecimento
91
Enquanto a inovação e a diversidade garantem dinamismo, imitação e seleção de mercado dos agentes mais
exitosos previnem o sistema de um afastamento muito grande da eficiência alocativa „estática‟. O resultado
líquido é um padrão relativamente estável (ordenado) de mudanças na estrutura do sistema – em termos de taxa
de inovação, crescimento de produtividade, estruturas de mercado, margens de lucro, etc (Dosi e Orsenigo,
1988). 92
A cumulatividade dos ganhos extraordinários e das inovações tecnológicas leva à ocorrência de assimetrias nos
mercados. As firmas que conseguem diferenciar-se têm maiores lucros, o que lhes permite crescer mais e
alcançar com maior facilidade novas vantagens competitivas. Assim, o tamanho das firmas e a concentração dos
mercados passam a ser variáveis endógenas, resultados do próprio processo competitivo.
79
tecnológico e novas possibilidades produtivas sejam ampliados ao longo do tempo, torna-se
crítico para o deslocamento da fronteira do conhecimento na área.
Para Jorde e Teece (1992), ainda que as mudanças qualitativas não se traduzam em
menores custos, elas devem ser consideradas não apenas entre as eficiências potencialmente
compensatórias dos atos de concentração, mas também na própria delimitação do mercado
relevante. Questões de escala, compartilhamento de riscos, ou questões referentes à
apropriabilidade podem gerar alianças entre empresas que podem ser tanto condições
facilitadoras como imprescindíveis para o avanço em determinada direção. Os autores
argumentam ainda que, em mercados cada vez mais globalizados, e com fontes de novas
tecnologias plurais, as firmas inovativas enfrentam desafios cada vez maiores para traduzir o
sucesso em P&D em sucesso financeiro. Assim, o êxito financeiro das firmas inovativas
depende de sua capacidade de se posicionar rapidamente em relação aos ativos e tecnologias
complementares àquelas desenvolvidas, e a realização de alianças pode facilitar esse processo.
Políticas de defesa da concorrência que ignorarem tais aspectos podem se tornar prejudiciais
ao esforço inovador.
O papel da tecnologia como fator crucial para o crescimento transborda a fronteira
das firmas e coloca-se, em sentido muito semelhante ao discutido acima, para a determinação
dos padrões de desenvolvimento das economias nacionais. Um estudo recente da Cepal
(2007) defende a mudança estrutural como chave para o crescimento e a convergência (com
as economias avançadas). De acordo com o estudo, a debilidade do progresso técnico, a
reduzida competitividade, e a incapacidade de gerar novos encadeamentos com o resto da
estrutura produtiva – e a recorrente aparição de desequilíbrios externos – são fatores que
explicam a persistência da heterogeneidade latino-americana.
A estrutura produtiva é o resultado das decisões de investimento e produção das
empresas, e evolui de acordo com tais decisões. Estas últimas, por sua vez, respondem às
80
oportunidades que emergem dentro de um contexto específico, do qual são parte, assim como
o ambiente institucional, as próprias capacidades tecnológicas e a qualidade da estrutura
produtiva (path dependence), um círculo vicioso em que o atraso tecnológico retroalimenta
decisões de investimento e produção que o perpetuam. Trata-se de um mecanismo endógeno
de reprodução de assimetrias que coloca importantes dilemas à política econômica93
.
Seja no nível micro, seja ampliando a análise para o nível macro, constata-se que as
assimetrias criadas e reforçadas pelo avanço da tecnologia são fatores determinantes do
posicionamento das firmas (por extensão, dos países) no cenário econômico atual. Os
mercados devem ser vistos como mecanismos poderosos para estimular o progresso
econômico por meio das inovações, e a ênfase das políticas públicas, sobretudo daquelas
relacionadas à defesa da concorrência e antitruste, deve estar nos requisitos para a sustentação
da busca de inovações pelas empresas, considerando que este é um processo que em geral
envolve longo prazo e alto risco. O papel disciplinador da presença de concorrentes em
potencial não deve ser ignorado, e tende a ser reforçado pela participação crescente do
comércio exterior e dos fluxos de investimento entre os países.
*
No segundo capítulo, discutiu-se sucintamente a evolução das considerações das
eficiências na análise antitruste, sobretudo a partir da década de 1970. A despeito do crescente
reconhecimento das eficiências pelo antitruste, são poucos os casos em que elas têm um papel
significativo no resultado das análises dos atos de concentração. Isso porque sua mensuração
já é bastante difícil quando se concentra apenas em seus efeitos estáticos, e a dificuldade só
93
Claro que, juntamente com a dimensão tecnológica, é fundamental para o crescimento que o país seja capaz de
inserir-se em setores nos quais a demanda internacional se expande rapidamente (ver, por exemplo, McCombie e
Thirlwall, 1994), fator que – ao lado da incerteza – introduz uma dimensão keynesiana na teoria do crescimento.
81
aumenta quando se tentam incorporar elementos de caráter dinâmico à análise. Eficiências
dinâmicas manifestam-se ao longo do tempo (note-se que esta duração, tal como o sucesso de
uma inovação, também é incerta) e tendem a ser de natureza mais indeterminada do que os
efeitos estáticos. Dada a incerteza envolvida no cálculo, as autoridades de defesa da
concorrência evitam o quanto podem a análise nesses termos.
Muitas complicações podem aparecer quando se tentam avaliar as eficiências
dinâmicas associadas a uma operação. A centralidade no critério de preços é uma delas. Uma
fusão pode levar a um aumento imediato de preços, mas também pode carregar eficiências
dinâmicas com efeitos positivos em outras esferas (como melhora na qualidade dos produtos)
no longo prazo. Nesta situação, as autoridades responsáveis pela avaliação da operação vêem-
se com a difícil missão de comparar dois conceitos diferentes e em períodos de tempo
distintos – e possivelmente, em dois ou mais mercados, servindo a conjuntos de consumidores
diferentes. Esse tipo de análise é de difícil quantificação: quanto um produto teria que
melhorar em qualidade, ou quantos novos produtos para dados consumidores são necessários
para compensar o aumento de preços que afetaria um conjunto não necessariamente igual de
consumidores? Outros complicadores são a incerteza inerente à atividade inovativa em
relação a seus custos, tempo de realização, e a probabilidade e extensão de seu sucesso em
termos comerciais; dificuldades em medir os efeitos diretos da própria inovação; o problema
de como transformar conceitualmente a inovação em uma medida de bem-estar; e a
informação assimétrica entre as partes que propõem a operação e a autoridade de defesa da
concorrência.
Apesar das dificuldades inerentes, algumas jurisdições já apontam para o
reconhecimento da importância dos elementos dinâmicos na análise. A idéia de dar maior
peso para as eficiências que incentivam a inovação tem ganhado força nos últimos anos, e
aparece como uma recomendação da Comissão de Modernização do Antitruste norte-
82
americana. Por seu maior potencial em gerar benefícios aos consumidores – em relação à
eficiência estática –, é desejável que a consideração das eficiências dinâmicas seja ampliada, e
que seja desenvolvido um arcabouço que permita uma incorporação mais adequada destas nas
análises dos atos de concentração, principalmente em mercados em que os consumidores
podem se beneficiar muito mais de inovações de produto do que de reduções nos preços de
produtos existentes94
. O problema real é que até hoje não foi desenvolvido um método robusto
de fazê-lo, e a maior parte das jurisdições têm evitado a análise das eficiências dinâmicas
dado seu caráter essencialmente especulativo (no sentido de não se dispor de uma teoria
sólida para ampará-la, sobretudo em termos analíticos).
Na próxima seção será avaliado o tratamento atual dado em algumas jurisdições para
a questão das eficiências e, a partir daí, serão levantadas algumas hipóteses especulativas
sobre as perspectivas e as limitações que se apresentam para a ampliação do escopo da análise
de defesa da concorrência na direção de uma abordagem mais dinâmica.
3.2. Tratamento das eficiências dinâmicas em diferentes jurisdições
De modo geral, podem-se definir as eficiências dinâmicas como sinergias que
permitem às firmas melhorar seu desempenho – em termos de custos, qualidade, serviço,
desenvolvimento de novos produtos, etc – de forma contínua ou duradoura, ou seja, que não
são refletidas em benefícios do tipo once-for-all. São considerados exemplos de eficiência
dinâmica os processos de learning by doing (e outras formas de aprendizado cumulativo), a
combinação de ativos complementares entre empresas, o aproveitamento de economias de
escala e de escopo ao longo do tempo, etc. São, em essência, eficiências que aumentam a
94
OECD (2002), “Merger Review in Emerging High Innovation Markets”
83
capacidade ou o incentivo a inovar em sentido amplo, cujos efeitos não são imediatos ou de
curto prazo.
Atualmente, as autoridades de defesa da concorrência têm adotado uma visão mais
favorável em relação às eficiências em geral do que no passado. A década de 1970 assistiu a
uma mudança significativa na percepção das eficiências, influenciando de maneira crescente
as jurisdições no mundo. A despeito de seu crescente reconhecimento, porém, são poucos os
casos em que elas têm um papel decisivo no resultado das análises dos atos de concentração95
.
Dada a incerteza envolvida no cálculo, as autoridades de defesa da concorrência ainda
hesitam em basear suas decisões em argumentos dessa ordem.
No fechamento da seção anterior, apontaram-se algumas complicações que aparecem
quando se tenta avaliar as eficiências dinâmicas de um ato de concentração. Apesar dessas – e
outras – dificuldades, a idéia de dar maior peso para as eficiências que incentivam a inovação
tem ganhado força nos últimos anos, e aparece, por exemplo, como uma recomendação da
Comissão de Modernização do Antitruste dos Estados Unidos.
As seções abaixo procurarão expor, de maneira sucinta, como algumas das principais
jurisdições têm tratado as questões relativas à eficiência dinâmica na análise antitruste. Foram
selecionados os casos dos EUA e da União Européia por sua relevância em termos de
econômicos e de influência. Além disso, serão analisados os casos do Canadá, possivelmente
o país mais engajado no desenvolvimento de um arcabouço que incorpore de maneira robusta
as eficiências dinâmicas na análise, e do Brasil.
3.2.1. Estados Unidos
Em 2002, o Congresso norte-americano criou a Comissão de Modernização
Antitruste (AMC) para avaliar a necessidade de aprimoramento da legislação vigente face a
95
Em verdade, são poucos os casos que precisam chegar até a etapa da avaliação das eficiências para serem
aprovados.
84
uma nova realidade da concorrência, que envolve crescentemente fatores como inovação,
propriedade intelectual, mudanças tecnológicas e comércio mundial96
.
Em linhas gerais, a Comissão concluiu que a lei antitruste não precisa ser revista para
ser aplicada – ou seja, que não precisam ser criadas novas regras – nas indústrias com forte
componente tecnológico. Assim como no caso dos demais setores, avalia, os legisladores
antitruste deveriam considerar de maneira cuidadosa a dinâmica do mercado na avaliação dos
efeitos competitivos e deveriam dedicar uma atenção adequada para as características
particulares de cada indústria97
. Uma das maneiras de fazer isso seria dar um peso adequado
(e substancial) a evidências de que uma fusão tende a aumentar a eficiência das empresas98
,
ou sua capacidade inovativa. Além disso, a Comissão sugere a flexibilização dos horizontes
usuais estabelecidos para a análise (em geral, dois anos) para casos em que inovações podem
mudar substancialmente as condições competitivas.
Outro ponto discutido pela AMC foi o funcionamento do sistema de patentes norte-
americano. De acordo com o relatório, sistemas de patentes encorajam a invenção na medida
em que garantem que aqueles que forem capazes de desenvolver produtos novos, úteis e não-
óbvios terão por algum tempo o direito de explorar com exclusividade os resultados advindos
da comercialização dessa inovação. Assim como a aplicação adequada da legislação antitruste
é importante para os detentores de patentes, o funcionamento adequado do sistema de patentes
também é importante para manter efetivamente a concorrência no mercado. Se aplicadas
corretamente, as leis antitruste e as leis de patente são complementares, ambas comprometidas
96
Os trabalhos desta Comissão começaram em abril de 2004, tiveram a duração de três anos, e resultaram na
publicação, em 2007, do Report and Recommendations
(http://govinfo.library.unt.edu/amc/report_recommendation/toc.htm) 97
Para a Comissão, as leis atuais, incluindo os Merger Guidelines, são suficientemente flexíveis para acomodar
as necessidades das indústrias com forte componente tecnológico. Porém, destaca que se deve garantir que a
política antitruste seja sensível à necessidade das empresas de inovar e obter escala e escopo para competir de
maneira eficiente tanto domesticamente quanto nos mercados globais, sem descuidar dos interesses dos
consumidores. 98
Para isso, a Federal Trade Comission (FTC) e a Divisão Antitruste do Departamento de Justiça deveriam
aumentar o peso que atribuem a certos tipos de eficiência. Por exemplo, as agências e Cortes deveriam dar maior
crédito para eficiências de custo fixo – como gastos com P&D – em indústrias dinâmicas e movidas pela
inovação, em que os custos marginais são muito baixos em relação aos preços típicos (ACM, 2007).
85
com o incentivo à inovação, à indústria e à concorrência (AMC, 2007). O relatório destaca99
,
porém, que nos últimos anos parece ter havido um abuso na cessão de patentes, com efeitos
possivelmente deletérios sobre a inovação, indicando que o sistema de patentes não tem
funcionado tão bem quanto deveria100
.
De modo geral, as agências antitruste nos EUA não se concentram nos possíveis
benefícios de uma fusão a menos que ela levante preocupação a respeito da seus efeitos
competitivos. Se uma fusão gera preocupações concorrenciais significativas, as agências
procedem tanto à análise de eficiências estáticas quanto dinâmicas. Os Guidelines
estabelecem que uma fusão não deve ser contestada quando eficiências perceptíveis são de
tais características ou magnitude que a fusão não tem probabilidade de ser anticompetitiva em
qualquer mercado relevante. Neste sentido, as agências são instadas a considerar, entre outras
coisas, eficiências na forma de produtos novos ou melhorados, mesmo quando o preço não é
imediata ou diretamente afetado101
. Devem ser consideradas, porém, apenas as eficiências
comprovadamente específicas à fusão102
, e aquelas baseadas em informações suficientes para
99
Com base em um estudo da FTC e da Academia Nacional de Ciências (NAS): To Promote Innovation: The
Proper Balance of Competition and Patent Law, 2003. 100
Só no ano de 2006, foram submetidos 440.000 pedidos de patentes ao Patent Trademark Office (PTO),
100.000 pedidos a mais do que no ano de 2001. De acordo com a NAS e com um processo analisado pela
Suprema Corte (KSR International Co. v Teleflex Inc.), o teste utilizado para a avaliação de um pedido de
patente ―desnecessariamente sustenta patentes que, de outra forma, seriam invalidadas por sua obviedade‖, e que
―a extensão de direitos de patentes a combinações óbvias de elementos comuns retarda, ao invés de acelerar,
novas descobertas‖. 101
U.S. Department of Justice & Federal Trade Commission, Horizontal Merger Guidelines § 4 (1992, revised
1997), disponível no http://www.usdoj.gov/atr/public/guidelines/horiz_book/toc.html 102
De acordo com a contribuição norte-americana para o estudo da OCDE (2007), as alegações de eficiência
dinâmica têm maior probabilidade de ser especificas à fusão quando as firmas indicam ativos complementares
específicos que seriam combinados, e explicam por que a combinação de tais ativos têm efeitos positivos – por
exemplo, uma fusão que combina a força de uma empresa na distribuição e marketing com a habilidade de outra
empresa no desenvolvimento de produtos pode trazer aos consumidores benefícios significativos por meio da
aceleração da introdução ou difusão de novos produtos. Planos específicos para a redução de custos pós-fusão
garantem que as alegações de eficiência não são vagas e especulativas. As agências examinam os planos e
acompanham a estimação das economias, que só são aceitas como tal se não forem originadas de reduções
anticompetitivas na produção de bens ou oferta de serviços. A eliminação do programa de P&D de uma das
firmas pode gerar uma redução de custo significativa, mas essa redução de custo deve normalmente ser vista
como anticompetitiva, e não como uma eficiência dinâmica originada na fusão.
86
que sejam ―verificadas por meios razoáveis a probabilidade e a magnitude‖ de tais
eficiências103
.
Uma das primeiras fusões questionadas com base em argumentos relativos à
inovação foi a proposta de aquisição da Genentech pela Roche Holdings, em 1990. A
preocupação era que a consolidação dos esforços de P&D das empresas afetasse o mercado
futuro de produtos, e reduzisse a taxa de inovação. De acordo com o FTC104
, a aquisição
poderia reduzir substancialmente a concorrência em três áreas: o mercado mundial de
vitamina C, o mercado norte-americano de drogas utilizadas no tratamento de deficiências
hormonais de crescimento, e o desenvolvimento de P&D para terapias de tratamento da AIDS
e infecções pelo HIV. A Genentech era considerada líder no desenvolvimento desses
tratamentos, enquanto a Roche estava ativamente envolvida em esforços de P&D para superar
a concorrente (Katz e Shelanski, 2006).
Genentech e Roche, portanto, estavam engajadas na pesquisa, desenvolvimento e
marketing de medicamentos terapêuticos baseados em biotecnologia. Para ter a aquisição
aprovada, a Roche teve que se desfazer de ativos relativos a hormônios de crescimento, e a
Genentech, de vitamina C. Além disso, a Roche foi obrigada a licenciar a patente de
medicamento para tratamento da AIDS/HIV por um valor específico, e pelo período de dez
anos105
.
Alguns outros casos com forte influência do aspecto tecnológico/inovativo se
sucederam ao longo dos anos106
. A nova abordagem na análise dos atos de concentração em
103
A experiência sugere que as alegações relacionadas às eficiências dinâmicas são, em geral, vagas ou
especulativas, ou não podem ser ―verificadas por meios razoáveis‖. Para tais alegações, os Guidelines indicam
que não deve ser dado nenhum peso (OCDE, 2007). 104
http://www.ftc.gov/os/annualreports/ar1990.pdf 105
Em março deste ano, a Roche anunciou a aquisição de todas as ações da Genentech ainda em circulação. 106
Katz e Shelanski (2006) apresentam, entre outros, os casos da proposta de aquisição da General Motors
Allison Division pela ZF Friedrichshafen (United States v. General Motors Corp., No. 93-530); casos da
indústria aeroespacial, como a fusão da Boeing com a McDonnell Douglas (Statement In the Matter of the
Boeing Company/McDonnell Douglas Corporation, FTC file no. 971-0051, July 1, 1997) e o questionamento da
aquisição da Northrop Grumman pela Lockheed Martin (United States v. Lockheed Martin Corp. and Northrop
Grumman Corp., Complaint, D.D.C., filed 3/23/98); na indústria farmacêutica e de biotecnologia, acordo entre a
87
mercados fortemente dinâmicos e inovativos aponta para o questionamento de uma premissa-
chave da análise antitruste, a idéia de que elevados níveis de concentração são prejudiciais à
inovação. Talvez o caso mais sintomático desta abertura analítica seja a aprovação da fusão
entre a Genzyme e a Novazyme, criando uma única empresa empenhada no desenvolvimento
de uma terapia para o tratamento da Doença de Pompe.
Essa fusão foi investigada pela FTC depois de consumada. A Genzyme garantiu que,
mesmo sem a concorrência da Novazyme, tinha incentivos para trazer o produto ao mercado
no menor intervalo de tempo possível, e que a aquisição da concorrente resultou na geração
de eficiências significativas. A empresa defendeu que antes da operação cada firma tinha
conhecimentos e capacidades específicas, e que a combinação de ambas permitiu às empresas
acelerarem o processo de desenvolvimento da nova droga. A FTC decidiu encerrar as
investigações sobre a fusão, em parte pelas evidências que suportavam o argumento de que a
fusão aceleraria o desenvolvimento da droga107
. Foi observado ainda que os programas de
pesquisa das duas empresas foram mantidos após a fusão. A análise do caso baseou-se
essencialmente nos impactos sobre a inovação, e não abordou aspectos estáticos de preços e
quantidades.
De acordo com Katz e Shelanski (2006), apesar dos avanços na incorporação de
aspectos dinâmicos na análise antitruste norte-americana, a maioria dos casos envolvia
inovações que estavam essencialmente completas, ou em fase avançada de pesquisa. Para os
autores, o uso de informações sobre inovação para avaliar o efeito de fusões sobre a
concorrência em mercados de produtos existentes ou iminentes não exige mudanças no
arcabouço institucional aplicado ao antitruste. Algumas operações, porém, requerem uma
visão mais dinâmica da concorrência potencial. A necessidade de revisão no modo de
Ciba-Geigy e a Sandoz para constituição da Novartis, e a fusão entre Hoechst e Rhône-Poulenc formando a
Aventis. 107
Material sobre o caso pode ser encontrado no http://www.ftc.gov/opa/2004/01/genzyme.htm. Em 2006 a Food
and Drug Administration aprovou o uso do medicamento desenvolvido pela Genzyme para o tratamento de
pacientes com a Doença de Pome.
88
avaliação dessas operações é mais clara, e as questões ficam mais complexas quando se tenta
avaliar o impacto de uma operação sobre a concorrência em mercados em que os esforços
inovativos estão longe de alguma previsibilidade, ou quando ainda nem começaram.
3.2.2. União Européia
Os principais textos legislativos aplicados à análise de atos de concentração na
Comunidade Européia são o European Commission Merger Regulation108
– que define as
principais regras para a avaliação dos atos de concentração – e o Implementing Regulation –
que estabelece os procedimentos envolvidos na análise. De acordo com o item 29 do EC
Merger Regulation, para determinar os efeitos de uma concentração sobre a concorrência no
mercado comum deve-se levar em conta as alegações de eventuais e fundamentados ganhos
de eficiência apresentadas pelas empresas. O referido item estabeleceu que a Comissão
deveria publicar orientações sobre as condições em que pode tomar em consideração tais
ganhos de eficiência na apreciação de uma concentração.
Em março de 2004 foram publicados os Guidelines109
para a apreciação das
concentrações horizontais. Os Guidelines reconhecem que reestruturações organizacionais na
forma de fusões ou aquisições podem estar alinhadas com as exigências da concorrência
dinâmica, e são capazes de melhorar a competitividade das empresas, melhorando as
condições de crescimento e elevando o padrão de vida na Comunidade. É possível, portanto,
que as eficiências geradas a partir de um ato de concentração compensem os efeitos
anticompetitivos gerados pelo aumento do poder de mercado. Para serem consideradas na
108
Publicado em janeiro de 2004.
(http://eur-lex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=OJ:L:2004:024:0001:0022:EN:PDF) 109
―Guidelines on the assessment of horizontal mergers under the Council Regulation on the control
of concentrations between undertakings‖
(http://eur-lex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=OJ:C:2004:031:0005:0018:EN:PDF)
89
análise compensatória, porém, as eficiências devem beneficiar os consumidores110
, ser
específicas à fusão e verificáveis111
, sendo tais condições cumulativas.
A Comissão adota o critério do excedente do consumidor na análise dos efeitos das
fusões. Portanto, eficiências que resultam na redução dos custos marginais são, a priori, mais
propensas a afetar o resultado de uma investigação, já que criam incentivos imediatos para as
firmas reduzirem seus preços. Custos fixos menores, porém, tendem a induzir as firmas a
expandirem as operações existentes, ou a entrar em novos mercados e, assim, intensificar a
competição. Em princípio, portanto, reduções nos custos fixos têm potencial de beneficiar os
consumidores. Entretanto, como o beneficio tende a se concretizar apenas no longo-prazo,
recebe pouco ou nenhum peso na análise.
Reconhecendo que os critérios estabelecidos afetam a consideração das eficiências
dinâmicas na análise para casos em que a avaliação dos efeitos de longo prazo são mais
complexos, a Comissão admite que uma análise ex post dos eventos passados pode fornecer
informações para o melhor entendimento da relação entre fusões e eficiências dinâmicas.
Análises caso-a-caso têm sido adotadas nesse sentido. Por exemplo, market shares muito
voláteis e alta freqüência de entrada e saída de empresas no mercado geralmente apontam
para indústrias dinâmicas em que nenhuma firma tem poder de mercado sustentado, o que
mitigaria os efeitos potencialmente anticompetitivos da fusão. O oposto é verdadeiro quando
grandes incumbentes gozam de parcelas de mercado elevadas e estáveis, com lucros
significativos ao longo do tempo (OCDE, 2007).
110
Para isso, as eficiências devem ser substanciais e tempestivas e devem, em princípio, beneficiar os
consumidores daqueles mercados relevantes afetados pela fusão. Essas eficiências podem ser refletidas tanto em
preços como outros benefícios, como melhoria na qualidade ou na variedade dos produtos. 111
Isso significa que as eficiências alegadas devem fundamentar-se em argumentos sólidos sobre sua
probabilidade de materialização, e de magnitude suficiente para compensar o prejuízo potencial aos
consumidores. Quanto mais precisas e convincentes forem as alegações, estabelecem os Guidelines, melhor a
Comissão pode avaliar o caso. Ainda que não seja obrigatório, onde seja ―razoavelmente possível, as eficiências
e os benefícios resultantes para os consumidores devem ser quantificados‖. E quando os dados disponíveis não
permitirem tal quantificação, deve ser possível prever ―impactos positivos claramente identificáveis sobre os
consumidores, e não marginais‖. Além disso, quanto mais distantes em termos temporais forem projetadas as
realizações das eficiências, menor seu impacto sobre a decisão.
90
3.2.3. Canadá
As eficiências econômicas são explicitamente reconhecidas como elementos pró-
operação no Competition Act112
canadense, mas não se realiza aí uma distinção precisa entre
os tipos e as formas de consideração das eficiências. Essa distinção é mais bem definida nos
objetivos do Competition Bureau, principalmente nos Merger Enforcement Guidelines113
de
2004. Aspectos relativos à mudança tecnológica e à inovação em um mercado relevante são
fatores que devem ser considerados na análise dos efeitos de uma fusão. De acordo com os
Guidelines, além de considerar o impacto competitivo dos desenvolvimentos tecnológicos em
produtos e processos, devem ser avaliados fatores como distribuição, serviço, vendas,
marketing, preferências dos consumidores, estrutura das firmas, ambiente regulatório e a
economia de modo geral. Para os propósitos de análise dos efeitos competitivos, considera-se
o horizonte de dois anos.
Dadas as dificuldades de mensuração dos efeitos dinâmicos, os Guidelines
estabelecem que essas eficiências são geralmente examinadas da perspectiva qualitativa. O
Competition Bureau canadense considera que a obtenção de eficiências dinâmicas é crucial
tanto para a evolução geral da concorrência quanto da competitividade internacional.
Especificamente no que diz respeito à incorporação das eficiências dinâmicas na análise
antitruste, os Guidelines estabelecem que:
The Bureau also examines claims that the merger has or is likely to result in
gains in dynamic efficiency, including those attained through the optimal
introduction of new products, the development of more efficient productive
processes, and the improvement of product quality and service. It is
recognized that attaining dynamic efficiency is crucial to both the general
evolution of competition and the international competitiveness of Canadian
industries. Because dynamic efficiency is ordinarily extremely difficult to
measure, the Bureau generally relies on documents prepared in the ordinary
course of business to assess the validity of such claims. Such efficiencies are
generally considered from a qualitative perspective (pp.33-34).
112
http://laws.justice.gc.ca/en/ShowFullDoc/cs/C-34//20090818/en 113
http://competitionbureau.gc.ca/eic/site/cb-bc.nsf/eng/01245.html
91
A despeito da dificuldade de mensuração, o Bureau tem se empenhado em
desenvolver a análise nesse sentido. Como ponto de partida, encomendou um estudo
independente sobre a incorporação das eficiências dinâmicas na análise de defesa da
concorrência114
cuja versão final ficou pronta em 2007.
De acordo com o que se observa atualmente, poucos casos seriam decididos com
base em alegações de eficiência. O procedimento de análise tradicional do Bureau canadense,
descrito nos Guidelines, focaliza a concorrência atual e potencial em mercados existentes. São
exemplos o caso da proposta de fusão da Alcatel com a Lucent Technologies Inc. em 2006
que, por seu caráter global, foi avaliada por diversas jurisdições, inclusive o Canadá. Neste
caso as partes alegaram que a fusão criaria uma firma com maior escala, escopo e capacidades
globais que gerariam valor para consumidores, acionistas e empregados115
. No Canadá, as
operações das empresas foram consideradas em geral complementares, e o Bureau concluiu
que, apesar da grande concentração de mercado, a fusão não restringiria ou diminuiria a
concorrência no mercado, especialmente porque a tecnologia em que os produtos eram
baseados era constantemente substituída por novas tecnologias.
Em alguns casos envolvendo competidores potenciais – cujos produtos eram vistos
como possíveis substitutos próximos –, o Bureau concluiu que a fusão teria resultado em
danos competitivos, tanto na ocasião da fusão quanto expandindo o horizonte temporal da
análise. Em 2002, por exemplo, o Bureau revisou a proposta de aquisição da Aventis
CropScience Holdings S.A. (ACS) pela Bayer A.G. No momento da aquisição, ambas as
empresas eram ativas em P&D, assim como na produção e venda de produtos agropecuários.
O Bureau concluiu que a operação proposta tinha grande probabilidade de restringir ou
diminuir a competição em diversos mercados, incluindo inseticidas, herbicidas e tratamento
114
http://www.competitionbureau.gc.ca/eic/site/cb-bc.nsf/eng/02376.html#exesum 115
As empresas estimaram economias devidas a sinergias na ordem de U$ 1,7 bilhão nos três primeiros anos da
fusão, que ajudariam as empresas a responder melhor à competição em um mercado que envolvia inovações
tecnológicas constantes e aceleradas.
92
de sementes. Verificou-se ainda que a alta concentração do mercado, somada às barreiras à
entrada, à limitação à entrada de concorrentes estrangeiros, a falta de substitutos aceitáveis, a
retirada da ACS como uma concorrente efetiva, e a falta de concorrência no mercado
resultante permitiria às empresas fusionadas o exercício de poder de mercado nos mercados
relevantes destacados anteriormente. Algumas medidas preventivas foram estabelecidas para
a aprovação da aquisição. Em particular, a Bayer concordou em se desfazer de alguns
produtos químicos agrícolas e das patentes associadas, e a realizar licenças exclusivas para
outros produtos (OCDE, 2007).
Os casos descritos acima examinaram as eficiências dinâmicas para o caso de
mercados existentes. O relatório mencionado anteriormente – contratado junto a
pesquisadores independentes – desenvolveu a análise para casos em que as eficiências
dinâmicas podem ter um papel importante no longo prazo em mercados não necessariamente
conhecidos. De acordo com o relatório, ao avaliar os potenciais efeitos competitivos de uma
fusão em um mercado futuro devem ser respondidas cinco perguntas fundamentais: se (1) a
inovação é importante na indústria em questão; (2) é possível identificar as firmas e os
produtos nos mercados futuros; (3) as firmas que propõem a fusão competiriam entre si em
um mercado futuro identificável, caso não houvesse a fusão; (4) a fusão resultaria em uma
redução de recursos de P&D alocados na inovação; e (5) a fusão levaria a aumentos de preços.
O documento produzido encontra-se em análise pelo Bureau canadense, que
considera serem ainda necessários maiores esforços para a incorporação robusta das
eficiências dinâmicas na análise antitruste. O país parece ser um dos mais ativos no sentido do
alargamento das considerações na análise dos atos de concentração, tanto pelo
reconhecimento explícito de eficiências dinâmicas em seus Guidelines, como pela postura
ativa no sentido de produzir conhecimentos que embasem a ampliação da análise.
93
3.2.4. Brasil
A consideração de eficiências na análise dos atos de concentração no Brasil
aconteceu para um número muito restrito de casos116
, em que a concorrência potencial e
corrente não são suficientes para contestar o poder de mercado originado a partir da fusão, e
quando existe uma forte probabilidade de aumento de preços ou redução da quantidade,
afetando diretamente o bem-estar117
(OCDE, 2007).
De acordo com a contribuição brasileira ao relatório da OCDE (2007), há três
motivos principais para a não consideração das eficiências potencialmente geradas pela
fusão118
. A primeira é a assimetria de informações, que leva a distorções nas alegações
apresentadas pelas partes. A segunda é o fato de as partes não quantificarem as economias de
custo e os ganhos de produtividade de maneira adequada, além de que a análise antitruste não
dispõe de uma metodologia amplamente aceita para a consideração das eficiências. Por fim,
alega-se que existem poucos estudos quantitativos sobre os impactos anticompetitivos das
fusões (como, por exemplo, simulações) para serem contrastados com as eficiências.
Apesar da desconfiança em relação ao estado das artes no tratamento das eficiências,
desde o caso Nestlé-Garoto, em 2004, elas começaram a ser encaradas de maneira mais séria
– ou pelo menos, reconhecidas – pelas instituições que integram o Sistema Brasileiro de
Defesa da Concorrência (SBDC).
De acordo com o Guia para a Análise de Concentrações Horizontais (Guia), o
requisito formal para a aprovação dos atos de concentração é que os benefícios líquidos dos
atos sejam não-negativos, e sejam distribuídos equitativamente entre empresas e
consumidores. O documento assume que:
116
Assim como nas demais jurisdições, a maioria dos casos é decidida por meio de ritos sumários, tipo de análise
simplificada aplicada a situações que não levantam preocupações competitivas. Entre 2005 e julho deste ano
(2009), 73,15% dos julgamentos de atos de concentração encaixaram-se nesse caso. A maior parte dos casos
analisados entre janeiro de 2004 e julho deste ano foi aprovada sem restrição (92,4%), sendo 7,5% aprovados
com alguma restrição, e apenas 0,1% reprovados. 117
A visão do Cade proferida no Relatório da OCDE (2007) evidencia o descuido em relação a outros potenciais
efeitos anticompetitivos dos atos de concentração, revelados além dos aspectos de preço e quantidade. 118
Além do fato de a maior parte dos casos ser encerrada antes da necessidade de consideração das eficiências.
94
(...) defesa da concorrência não é um fim em si, mas um meio para se criar
uma economia eficiente e preservar o bem-estar econômico da sociedade.
Em uma economia eficiente os consumidores dispõem da maior variedade de
produtos pelos menores preços possíveis. Em tal contexto, os indivíduos
desfrutam de um nível máximo de bem-estar econômico. (p. 3)
E que
Os atos de concentração entre empresas podem (...), ao diminuir o número
de participantes no mercado, facilitar a adoção de condutas anticompetitivas
(aumento de preços, redução da qualidade, diminuição da variedade ou
redução das inovações). Entretanto (...), na medida em que proporcionem
vantagens competitivas para as empresas participantes (economias de escala,
economias de escopo e redução dos custos de transação, entre outros),
podem também aumentar o bem-estar econômico. (p.4)
Ao menos em teoria, portanto, efeitos sobre a qualidade e a variedade de produtos,
aspectos de caráter essencialmente dinâmico, estão previstos na legislação brasileira. O
procedimento usual da análise dos atos de concentração horizontal é dividido em cinco etapas
principais e seqüenciais: (I) definição do mercado relevante, (II) determinação da parcela de
mercado, (III) exame da probabilidade do exercício do poder de mercado, (IV) exame das
eficiências geradas, e (V) avaliação dos efeitos líquidos do ato. O critério básico para a
aprovação de um ato de concentração é que o efeito líquido sobre o bem-estar econômico não
seja negativo119
.
As eficiências econômicas são definidas como ―melhorias na condição de produção,
distribuição e consumo de bens e serviços gerados pelo ato, que não possam ser obtidos de
outra maneira (―eficiências específicas ao ato‖) e que sejam persistentes a longo prazo‖ (Guia,
p.5). Para serem consideradas como eficiências econômicas na análise, alguns critérios devem
ser atendidos, como por exemplo, especificidade à fusão e verificabilidade, ―por meios
razoáveis‖, de magnitude e possibilidade de ocorrência. As eficiências econômicas podem se
dar sob a forma de economias de escala e/ou de escopo, de introdução de uma tecnologia mais
119
Não faz parte do escopo deste trabalho a descrição minuciosa das etapas descritas. O essencial a captar é o
papel da análise das eficiências no processo, tanto pela previsão legal, como pela forma de incorporação desta
previsão na análise concreta dos casos.
95
produtiva120
, de apropriação de externalidades positivas121
ou eliminação das externalidades
negativas, e de geração de um poder de mercado compensatório122
. Aumento da produtividade
do trabalho e redução nos custos fixos podem ser eventualmente considerados como
eficiências derivadas da concentração123
.
O primeiro caso no Brasil a fazer um uso detalhado e quantificado de alegações de
eficiência foi a proposta de aquisição da Garoto pela Nestlé124
, julgado pelo CADE em 2004.
Com base na análise de uma consultoria contratada para o caso, a defesa alegou a geração de
treze eficiências125
, das quais o CADE aceitou apenas três (redução de custos com fechamento
de depósitos, redução de custos com embalagens e ganho com renegociação de frete)126
. As
empresas concluíram que as eficiências alegadas implicariam uma redução do custo variável
das fusionadas em torno de 13%, o que seria suficiente para impedir aumentos de preços após
a operação. Considerando apenas as três eficiências aceitas, esse valor caiu para cerca de 2%.
Não foram alegadas eficiências de ordem dinâmica. O CADE concluiu pela não aprovação da
operação, avaliando que a redução nos custos variáveis não seria suficiente para compensar o
aumento no poder de mercado127
.
120
Por exemplo, viabilizando o lançamento de novo produto, ou introduzindo tecnologias que permitam o
aumento da produtividade. 121
Por exemplo, apropriação de spill-overs tecnológicos, ou racionalização da oferta em setores caracterizados
por problemas de excesso de capacidade instalada. 122
Se o aumento da capacidade de exercício de poder de mercado da empresa concentrada contribuir para
reduzir a capacidade do exercício de poder de mercado no mercado de insumos. 123
No primeiro caso, quando o aumento da produção permitir especialização e geração de economias de
aprendizagem (learning by doing). No segundo, quando os custos fixos são parte significativa dos custos médios. 124
Este caso também foi pioneiro na utilização de métodos de simulação para previsão das conseqüências pós-
fusão sobre preços e quantidades, e também para estimar a redução nos custos marginais necessária para
compensar o aumento no poder de mercado. O critério empregado na análise foi o price-standard. 125
São elas: 1) redução de custos com fechamento de depósitos, 2) ganho com redução de locação de armazéns,
3) redução de custos com embalagens, 4) redução de custos com alterações em fórmulas e ingredientes, 5)
aproveitamento da fórmula da garoto em coberturas de chocolates na Nestlé, 6) ganho com diminuição de
sobrepeso, 7) alinhamento de preços de matéria-prima e insumos, 8) transferência da produção de achocolatados
e confeitos para a Nestlé, 9) absorção da produção de ovos de páscoa da Nestlé pela Garoto, 10) ganho com
renegociação de frete, 11) Ganho com otimização da distribuição, 12) ganho com renegociação de itens de
embalagens, 13) ganho com compras de derivados de cacau. 126
As principais explicações para a não aceitação das eficiências alegadas foram o fato de que não eram
específicas à fusão, ou eram ganhos pecuniários originados no aumento do poder de barganha, e não em
reduções de custo reais (OCDE, 2007). 127
De acordo com o voto do Conselheiro Thompson Andrade, não atendendo aos requisitos impostos pelos
parágrafos § 1º e 2º do Artigo 54 da Lei nº 8.884/94.
96
Em 2005, o CADE128
proferiu decisão de aprovação com restrições da compra de
quatro mineradoras de ferro pela Companhia Vale do Rio Doce (CVRD). As partes
apresentaram estudos que apontaram as eficiências geradas a partir da concentração129
. De
acordo com a avaliação do CADE, a maior parte das eficiências alegadas não eram específicas
à operação, poderiam ser alcançadas por meio de outros acordos além da integração, e tinham
caráter pecuniário (de transferências entre os agentes). Além de considerar pequena parte das
eficiências alegadas pelas partes, o voto do Conselheiro Relator ainda ressaltou a participação
―extremamente elevada‖ da CVRD nos mercados em questão, altas barreiras à entrada e
dificuldade de importação, ficando a concorrência bastante prejudicada pelo ato. As operações
foram aprovadas com restrições130
, sendo considerados atenuantes tanto os ganhos de
eficiência estimados, como o fato de o minério de ferro estar na ponta de uma complexa
cadeia produtiva, composta de sucessivos estágios dominados por oligopolistas, o que mitiga
os efeitos de repasse de preços (OCDE, 2007).
Outro caso notório, anteriormente analisado pelo CADE, foi a fusão da Antarctica
com a Brahma, para a constituição da Ambev. Assim como nos casos acima, as partes
alegaram a geração de diversos tipos de eficiências para compensar a forte concentração no
mercado que resultaria da operação (Brahma e Antarctica controlavam, respectivamente,
cerca de 50% e 25% do mercado). A fusão foi aprovada com restrições131
. Também como nos
casos anteriores, todas as eficiências alegadas tinham caráter estático. Não há, ainda, a
128
Conselheiro Relator Ricardo Villas Bôas Cueva. O CADE realizou julgamento conjunto dos Atos de
Concentração n.º 08012.005226/2000-88, 08012.005250/200-17, 08012.000640/2000-09, 08012.001872/2000-
76, 08012.002838/2001-08, 08012.002962/2001-65 e 08012.006472/2001-38. 129
Entre elas, melhoria aproveitamento da matéria-prima utilizada na produção das pelotas de ferro; redução nos
custos de comercialização (incluindo multas por atraso no cumprimento dos contratos de exportação, eliminação
de intermediários e expansão da carteira de produtos); melhor uso dos ativos (intensidade de exploração das
minas, adiamento de projetos de expansão, redução de custos de logística); redução de custos resultantes do
compartilhamento de estruturas administrativas; redução de custos resultante da aquisição conjunta de matérias e
serviços (incluindo financeiros); eliminação dos impostos pela integração vertical com a estrada de ferro,
controlada pela CVRD. 130
Eliminação de cláusulas de preferência na Mina Casa de Pedra; desconstituição integral do Ato de
Concentração nº 08012.002838/2001-08 (Ferteco), alienando todos os ativos adquiridos na operação, bem como
aqueles ativos adquiridos posteriormente à compra, mas necessários ao pleno funcionamento da Ferteco, etc. 131
Venda de uma das marcas e de cinco plantas.
97
notificação de casos em que as partes empreguem argumentos de geração de eficiências
dinâmicas como compensatórias para fusões que aumentam o poder de mercado.
*
A análise dos casos acima não tem pretensão de ser exaustiva, mas apenas de mapear
o tratamento dispensado às eficiências dinâmicas em jurisdições de particular interesse. A
despeito do desenvolvimento apenas modesto da análise antitruste nesta área, fica patente o
aumento do interesse dos órgãos responsáveis pela defesa da concorrência nos países
desenvolvidos em adaptar seu ferramental de análise ao cenário econômico contemporâneo,
em que a concorrência não pode mais ser encarada como antítese de concentração, sobretudo
em setores marcados por uma rápida evolução tecnológica.
Viu-se que nos Estados Unidos, alguns casos já fizeram menção específica à geração
de eficiências dinâmicas, sendo o caso Genzyme/Novazyme – que resultou na geração de um
monopólio –, decidido essencialmente com base em justificativas dessa ordem. Outras
jurisdições, como Comunidade Européia e Canadá manifestaram nos últimos anos
preocupação crescente com a questão, tendo este último se empenhado de maneira mais
notória, inclusive com a contratação de estudo cuja finalidade particular foi desenvolver
políticas especificamente relacionadas a eficiências dinâmicas. No Brasil a discussão parece
ainda embrionária, talvez pelo fato de nenhuma operação até agora ter feito recurso a esse tipo
de alegação.
Nos dois primeiros capítulos deste trabalho foram analisados as hipóteses
subjacentes e os critérios usuais empregados na análise antitruste, assim como suas
limitações. Neste capítulo foram apresentados uma breve resenha da literatura neo-
shumpeteriana/evolucionária – que, como defendido ao longo do trabalho, é uma fonte rica de
98
insights para a análise econômica em ambientes em constante evolução –, e o estado das artes
da análise antitruste com objeto semelhante nas principais jurisdições. A próxima seção, além
de retomar os principais pontos levantados ao longo do trabalho, buscará arriscar algumas
perspectivas para a incorporação de elementos dinâmicos no campo antitruste, sem o
compromisso – ou a ousadia – de propor respostas a questões tão complexas como as
envolvidas na intricada relação entre concentração, concorrência e bem-estar.
3.3. Perspectivas e limitações
Uma vez aceito que o ambiente econômico atual – sobretudo mercados com forte
dinamismo tecnológico – não pode ser corretamente avaliado pelos critérios tradicionais
baseados em pressupostos da microeconomia neoclássica, faz-se necessária uma revisão tanto
dos critérios, como das implicações normativas derivadas deles. Mais do que preservar
determinadas estruturas de mercado por sua suposta eficiência em termos de geração de bem-
estar econômico, o objetivo das políticas antitruste sob a ótica Schumpeteriana deveria ser
criar e preservar ambientes que estimulem a inovação e a mudança tecnológica.
Boa parte das jurisdições, especialmente nos países desenvolvidos, já trabalha no
desenvolvimento de mecanismos para a incorporação das eficiências dinâmicas na análise
antitruste, mesmo admitindo que pequena parte dos casos submetidos precisariam chegar a
esse nível da análise para serem concluídos. Foram apresentados alguns exemplos nesse
sentido na seção anterior. Se é verdade que uma incorporação consistente dos aspectos
dinâmicos no antitruste ainda está longe se ser concluída, a análise realizada até aqui permite
derivar algumas conclusões preliminares, que serão apresentadas nesta última seção.
Um dos aspectos levantados com freqüência é a necessidade de dar um tratamento
mais adequado para as alegações de reduções em custos fixos. Sabe-se que, de acordo com a
99
teoria tradicional, apenas reduções de custos marginais deveriam ser consideradas como
potenciais geradoras de bem-estar, na medida em que são esses os custos que influenciariam a
determinação dos preços. Uma vez que o critério do price standard é o mais empregado na
avaliação dos efeitos de atos de concentração potencialmente anticompetitivos, e que este
exige, no mínimo, a neutralidade dos preços, o peso dado a reduções nos custos fixos é
praticamente nulo. Porém, como discutido anteriormente, economias nos custos fixos podem
ter efeitos positivos sobre investimentos em P&D, por exemplo. Além disso, de modo mais
geral, um enfoque centrado em inovações necessariamente implica um horizonte de análise de
mais longo prazo, o que recomenda levar seriamente em conta os custos fixos.
Neste mesmo sentido, outro ponto freqüentemente questionado é o horizonte de
tempo considerado para a avaliação das eficiências e da possibilidade de entrada de
concorrentes potenciais. Na maior parte das jurisdições, esse horizonte é de dois anos, e não
se atribui peso a alegações de eficiências geradas fora desse intervalo. Entretanto, como se
sabe, projetos de P&D podem levar anos para se concretizarem, alguns dos quais terão efeitos
significativos em termos de inovação. Simplesmente atribuir peso zero a essas alegações pode
significar ignorar uma fonte importante de eficiências econômicas.
A justificativa para a limitação do prazo para consideração das eficiências em dois
anos é o grau de incerteza e especulação que seria gerado por alegações de mais longo prazo,
com fraca previsibilidade em termos das informações correntes. Esse também é o argumento
para a consideração apenas de eficiências ―verificáveis com alguma razoabilidade‖. Essa
qualificação restringe bastante as possibilidades de incorporação de eficiências –
especialmente as dinâmicas – na análise antitruste. Eficiências estáticas já têm quantificação
bastante problemática; exigir o mesmo de alegações de ordem dinâmica significa
praticamente excluí-las da possibilidade de defesa das empresas. Vimos anteriormente que
algumas jurisdições começam a se abrir para as alegações qualitativas de eficiência, mas em
100
geral isso se deu para casos em que as inovações estavam perto de serem concluídas – em
mercados existentes ou iminentes, como colocam Katz e Shelanski (2006). Ainda há pouco
desenvolvimento para a avaliação de efeitos anticompetitivos em mercados futuros, resultados
de inovações mais radicais.
Dar maior peso aos argumentos de eficiência dinâmica – desde que, claro, baseados
em argumentações críveis – e flexibilizar as exigências em relação à quantificação são,
portanto, dois pontos importantes para o avanço da teoria antitruste. O problema do trade-off
entre efeitos de longo prazo – derivados do potencial de inovação – e os de curto-prazo –
refletidos na preocupação de limitar a probabilidade de práticas anticompetitivas por parte das
empresas – pode ser mitigado com a imposição de condições às fusões (por exemplo,
obrigação de licenciar tecnologias a custos razoáveis).
Os órgãos responsáveis pela defesa da concorrência não devem abster-se
sistematicamente de impedir fusões – como sugeriria uma interpretação radical da hipótese
schumpeteriana –, e tampouco abrir mão de considerar as alegações dinâmicas de maneira
mais afirmativa – resultado da aplicação do ferramental tradicional. Ao contrário, as agências
e órgãos antitruste devem continuar os estudos dos efeitos das fusões sobre inovações e bem-
estar dos consumidores para os casos polêmicos.
Esse afastamento de regras gerais, e a análise caso-a-caso das situações que
envolvem considerações dinâmicas, é outro ponto recorrente nas referências sobre o tema.
Assim, o desenvolvimento de capacidades que permitam análises caso-a-caso, e investigações
intensivas em fatos – incluindo aí a situação da indústria e a evolução do mercado em questão,
o grau de persistência de elevadas participações de mercado nas mãos da mesma empresa, a
freqüência das evoluções tecnológicas, etc. – parece fundamental para a melhor incorporação
das eficiências dinâmicas nas análises132
.
132
Incorporar elementos relativos à inovação na análise requer repensar a ênfase do antitruste nas definições de
mercado, e a insistência em limites rígidos de parcela de mercado, sobretudo no caso de mercados dinâmicos.
101
É esse conhecimento da indústria e suas especificidades que talvez permita o melhor
entendimento da relação entre concentração e inovação em determinados mercados. Ele pode
ajudar, por exemplo, na atribuição de probabilidades de sucesso em termos inovativos e sua
mensuração, como já verificado na justificativa da aprovação da fusão entre a Genzyme e a
Novazyme. O cálculo referido é motivo de uma série de contestações, mas inaugurou uma
nova visão – muito mais complacente – das autoridades antitruste norte-americanas em
relação aos argumentos de eficiência dinâmica.
Outra tarefa para as agências antitruste é uma melhor harmonização entre defesa da
concorrência e mecanismos de garantia de propriedade intelectual – no sentido de aumentar a
eficácia de políticas pró-inovação e pró-competitivas – como destacado na contribuição norte-
americana ao relatório da OCDE (2007). A propriedade intelectual, que por um lado significa
limitação da eficiência estática, por outro garante a manutenção dos incentivos para a criação
de novas tecnologias – podendo concorrer com as existentes, ou simplesmente substituí-las.
De acordo com relatório do DOJ e FTC norte-americanos, política antitruste e propriedade
intelectual devem atuar conjuntamente para garantir tecnologias, produtos e serviços novos e
melhores para os consumidores, a menores preços (DOJ & FTC, 2007).
Ainda que atualmente o recurso às eficiências dinâmicas para justificar atos de
concentração seja restrito, não é ilusório pensar que esse quadro sofra uma reversão no futuro.
Estar preparado para lidar com a nova realidade quando – e caso – ela se impuser é pré-
condição para não obstacularizar estratégias de crescimento das empresas que podem, no
limite, ser requisitos para sua capacidade competitiva interna e internacionalmente. Mais do
Algum afastamento do foco predominante em market-shares em direção a uma análise mais refinada das
condições da indústria e da natureza da concorrência representaria uma mudança na prática do contencioso no
antitruste pela diminuição da primazia da definição dos mercados (Katz e Shelanski, 2006). De acordo com os
autores, isso não significa dispensar os Guidelines ou eliminar a definição de mercados relevantes da análise das
fusões. O ponto defendido é que a insistência em fronteiras de mercados rígidas implica a incapacidade de
capturar as realidades das indústrias dinâmicas em que inovações mudam e obscurecem essas fronteiras ao longo
do tempo. Para eles, uma abordagem mais ampla, que leve em consideração evidências de como a concorrência
evolui na indústria pode resultar em uma melhor compreensão dos efeitos prováveis da fusão, e evitar erros
resultantes da visão rígida do teste do monopolista hipotético que domina a definição dos mercados relevantes na
análise tradicional.
102
que estar preparadas para avaliar o poder de mercado das empresas, as autoridades antitruste
devem estar qualificadas para combater seu abuso, e garantir a manutenção do ritmo das
inovações em mercados concentrados.
103
CONCLUSÃO
Como discutido ao longo do trabalho, atos de concentração podem gerar diversos
tipos de eficiências econômicas, e é de fundamental importância que se disponha de um
aparato mais preparado para lidar com essa diversidade de implicações. Ainda que a
quantificação satisfatória das eficiências dinâmicas seja um objetivo distante na análise
antitruste, este trabalho defende que sua consideração pode gerar insights e desenvolvimentos
importantes, sobretudo para os setores de maior dinamismo tecnológico, sem que por isso a
análise se torne mais imprecisa ou especulativa.
Foi defendido no primeiro capítulo que a escolha metodológica no trato das
eficiências influencia a regra ou padrão de decisão das autoridades de defesa da concorrência
na análise de atos de concentração potencialmente anticompetitivos. Os critérios utilizados em
geral são muito limitados para tratar de questões dinâmicas, que vão além dos cálculos
intertemporais sugeridos pelo ferramental tradicional. O propósito do capítulo foi mostrar
tanto a inadequação do aparato tradicional para lidar com o estado atual da concorrência
capitalista, como criticar sua suposta robustez – por meio da discussão das inconsistências
internas –, principal argumento em favor da manutenção da abordagem atual.
Pela avaliação dos critérios empregados usualmente, concluiu-se que a adoção do
critério do excedente total significa, em termos teóricos, violar o princípio da comparabilidade
de Pareto, além de ignorar os efeitos da transferência de renda de consumidores para
produtores. Apresentado como uma alternativa teórica à dificuldade do primeiro em lidar com
as transferências de renda, o critério do price standard, por sua vez, pode ser visto como um
caso particular entre as possibilidades oferecidas a partir do trade-off de Williamson (1968).
Assim, em ambos os critérios, o problema da distribuição segue sem uma resposta satisfatória,
e o das considerações de ordem dinâmica não é sequer considerado.
104
Como discutido no último capítulo, o trade-off entre eficiência econômica e aumento
de poder de mercado admitido pelos critérios usuais é, afastando-se do ideal de concorrência
neoclássico, apenas parcial. Esse problema tem raiz na própria definição de eficiência
econômica, que enquanto sinônimo de eficiência alocativa só é um conceito fiel à análise se
aplicado sobre um referencial de concorrência perfeita, o que não se aplica à quase totalidade
dos mercados, sobretudo aqueles que despertam alguma preocupação para a análise antitruste.
Apesar das dificuldades inerentes, algumas jurisdições já apontam para o
reconhecimento da importância dos elementos dinâmicos na análise. A despeito do
desenvolvimento apenas modesto da análise antitruste nesta área, o exame dos casos
apresentados deixou patente o aumento do interesse dos órgãos responsáveis pela defesa da
concorrência nos países desenvolvidos em adaptar seu ferramental de análise ao cenário
econômico atual, em que a concorrência não pode mais ser encarada como antítese de
concentração, sobretudo em setores marcados por uma rápida evolução tecnológica. No Brasil
a discussão parece ainda embrionária, talvez pelo fato de nenhuma operação até agora ter feito
recurso a esse tipo de alegação.
A avaliação do estado das artes em diferentes jurisdições e da literatura recente sobre
o tema permitiu derivar algumas conclusões preliminares, apresentadas no final do último
capítulo. Resumidamente, essas conclusões apontam para necessidade de revisão do
tratamento dado aos custos fixos; ampliação do horizonte temporal de análise; atribuição de
peso para argumentos de eficiências dinâmicas; flexibilização de exigências quantitativas; e,
principalmente, o abandono de regras gerais em favor de análise específica às condições
dinâmicas dos mercados em questão.
Um enfoque centrado em inovações necessariamente implica um horizonte de análise
de mais longo prazo, e a noção de que se está lidando com um cenário permeado de
incertezas. Isso exige tanto um tratamento mais adequado dos custos fixos quanto a
105
flexibilização das ―provas‖ de eficiência. Por sua vez, o afastamento de regras gerais, o
desenvolvimento de capacidades que permitam análises caso-a-caso, e investigações
intensivas em fatos parecem fundamentais para a melhor incorporação das eficiências
dinâmicas nas análises. Como defendido anteriormente, é esse conhecimento da indústria e
suas especificidades que talvez permita o melhor entendimento da relação entre concentração
e inovação em determinados mercados, auxiliando, por exemplo, na atribuição de
probabilidades de sucesso em termos inovativos e sua mensuração.
A adoção de uma metodologia alternativa para a prática antitruste, sobretudo com a
incorporação de elementos qualitativos à análise, ainda tem grandes barreiras a transpor,
como a inexistência de uma teoria normativa de base schumpeteriana (dinâmica)
suficientemente desenvolvida, e a própria dificuldade de lidar com situações dinâmicas
passíveis de soluções múltiplas. As evidências coletadas mostram que o caminho a percorrer
ainda é longo, e exige a ruptura com várias premissas consolidadas pela teoria econômica
tradicional. As ações tomadas pelas principais jurisdições, porém, apontam para um horizonte
muito mais promissor do que pouco tempo atrás, e podem significar uma ―janela de
oportunidade‖ para o desenvolvimento da questão, respeitada sua complexidade.
106
Referências
Bain, J. (1956). Barriers to New Competition. Harvard University Press.
Baumol, W. e Ordover, J. (1992). ―Antitrust: Source of Dynamic and Static Inneficiencies?‖
In: Jorde, T., Teece, D. (eds.) (1992). Antitrust, Innovation and Competitiveness. New
York: Oxford University Press.
Besanko, D. e Spulber, D. (1993). ―Contested mergers and equilibrium antitrust policy‖,
Journal of Law, Economics and Organization 9(1), pp. 1-29.
Cepal (2007). Progreso Técnico y Cambio Estructural en América Latina. Santiago, Chile:
Naciones Unidas.
Coase, R. (1937). ―The Nature of the Firm‖. Economica, Vol. 4, No. 16, November pp. 386–
405.
Competition Bureau – Canada. Merger Enforcement Guidelines. Disponível no
http://competitionbureau.gc.ca/eic/site/cb-bc.nsf/eng/01245.html (visitado em 24/08/09)
Department of Justice – Canada, Competition Act. Disponível no
http://laws.justice.gc.ca/en/ShowFullDoc/cs/C-34/20090818/en (visitado em 24/08/09)
DOJ & FTC (2007). Antitrust Enforcement and Intellectual Property Rights: Promoting
Innovation and Competition. Disponível no
http://www.ftc.gov/reports/innovation/P040101PromotingInnovationandCompetitionrpt070
4.pdf (visitado em 31/08/09)
Dosi, G. (1984). Technical Change and Industrial Transformation - the Theory and an
Application to the Semiconductor Industry. Londres: Macmillan.
Dosi, G. e Orsenigo, L. (1988). ―Coordination and Transformation: an Overview of
Structures, Behaviours and Change in Evolutionary Environments‖. In: Dosi, G., Freeman,
C., Nelson, R., Silverberg, G., Soete, L. (eds.). Technical Change and Economic Theory.
Londres: F. Printer.
European Commission Merger Regulation (2004) – http://eur-
lex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=OJ:L:2004:024:0001:0022:EN:PDF
(visitado em 24/08/09).
Fagundes, J. (2003). Fundamentos econômicos das políticas de defesa da concorrência.
Eficiência econômica e distribuição de renda em análises antitruste. Ed. Singular.
Farrell, J. e Katz, M. (2006). ―The Economics Welfare Standards in Antitrust‖. Competition
Policy Center. Disponível em
http://repositories.cdlib.org/cgi/viewcontent.cgi?article=1061&context=iber/cpc (visitado
em 24/08/09).
Farrell, J. e Shapiro, C. (2001). ―Scale Economies and Synergies in Horizontal Merger
Analysis". Antitrust Law Journal. Disponível no
http://faculty.haas.berkeley.edu/shapiro/mergers.pdf (visitado em 24/08/09).
107
Fiani (2002), Teoria dos Custos de Transação, in KUPFER, D. & HASENCLEVER, L.
(org.)(2002). Economia industrial: fundamentos teóricos e práticas no Brasil. Rio de
Janeiro: Ed. Campus.
Fisher, A. e Lande, R. (1983). Efficiency Considerations in Mergers Enforcement. California
Law Review, vol. 71, no6.
Fisher, A., Johnson, F. e Lande, R. (1989). ―Price Effects of Horizontal Mergers‖. California
Law Review, 77(4).
Fridolfsson, S-O. (2007). ―A Consumer Surplus Defense in Merger Control‖. Research
Institute of Industrial Economics, Working Paper 686.
FTC (2003).To Promote Innovation: The Proper Balance of Competition and Patent Law.
Disponível no http://www.ftc.gov/os/2003/10/innovationrpt.pdf (visitado em 24/08/09).
Guerriero, I. (2008). Modelos de Simulação na Análise Antitruste: Teoria e Aplicação as caso
Nestlé-Garoto. Dissertação de Mestrado. IE/UFRJ.
Guia para a Análise de Concentrações Horizontais. Disponível no
http://www.seae.fazenda.gov.br/central_documentos/guias/portconjseae-
sde.pdf/view?searchterm=horizontal
Harberger (1954). ―Monopoly and Resource Allocation‖. American Economic Review Papers
and Proceedings, vol 54.
Heyer, K. (2006). ―Welfare Standards and Merger Analysis: Why not the Best?‖, Economic
Analysis Group Discussion Paper. Disponível no http://www.abanet.org/antitrust/at-
source/pdf/references/heyer-ken-06-8.pdf (visitado em 24/08/09).
Hicks, J. (1939). ―The Foundations of Welfare Economics‖. Economic Journal, Vol 49
pp.696-712.
Hicks, J. (1946). Value and capital. 2# ed. Oxford: Oxford at the Clarendon Press.
Hovenkamp, H. (2005) Federal Antitrust Policy – The Law of Competition and its Practice.
Third Edition. Thomson West.
Implementing Regulation (2004) - http://eur-
lex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=OJ:C:2004:031:0005:0018:EN:PDF
Jorde, T. e Teece, D. (1992). ―Introduction‖. In Jorde, T. e Teece, D. (eds.) (1992), op. cit.
Kaldor, N. (1939). ―Welfare Prepositions in Economics and Interpersonal Comparisons of
Utility‖. Economic Journal, Vol. 49. pp. 549-552.
Katz , M. e Shelanski, H. (2006). ―Mergers and Innovation‖. Draft: October 3, 2006
Forthcoming in Antitrust Law Journal. Disponível no
http://www.law.berkeley.edu/institutes/bclt/pubs/shelanski/Katz_Shelanski_Megers_and_I
nnovation_Oct2006.pdf (visitado em 24/08/09).
108
Kolaski, W. e Dick, A. (2003). ―The Merger Guidelines and the Integration of Efficiencies
into Antitrust Review of Horizontal Mergers‖. Disponível no
http://www.ftc.gov/bc/mergerenforce/presentations/040219kolasky03.pdf (visitado em
24/08/09).
Kovacic, W. e Shapiro, C. (2000). ―A Century of Economic and Legal Thinking‖. The
Journal of Economic Perspectives, Vol. 14, No. 1 (Winter, 2000), pp. 43-60.
Kreps, D. (1990). A Course in Microeconomic Theory. Princeton: Princeton University Press.
Krueger, A. (1974). ―The political economy of the rent-seeking society‖. American Economic
Review. V. 64 N. 3.
Lande, R. (1989). ―Chicago‘s false foundation: wealth transfer (not just efficiency) should
guide antitrust‖. Antitrust Law Journal 631.
Leibenstein, H. (1966). ―Allocative Efficiency vs. "X-Efficiency"‖. The American Economic
Review, Vol. 56, No. 3 (Jun., 1966), pp. 392-415.
Lyons, B. (2002). ―Could politicians be more right than economists? A theory of merger
standards‖. Centre for Competition and Regulation, Working Paper 02-1.
Maia, G. (2005). Defesa da Concorrência e Eficiência econômica: Uma avaliação dos casos
AMBEV e NESTLÉ-GAROTO. Tese de doutorado. IE/UFRJ.
Mas-Colell, A., Whinston, M. e Green, J. (1995). Microeconomic Theory. Oxford, New York:
Oxford University Press.
McCombie, J. e Thirlwall, A (1994). Economic growth and the balance of payments
constraint, New York: St. Martin‘s Press.
Merger Guidelines, disponível no
http://www.usdoj.gov/atr/public/guidelines/horiz_book/toc.htm (visitado em 24/08/09).
Motta (2004). Competition Policy, theory and practice. Cambridge University Press.
Nelson, R. (1990). "Capitalism as an Engine of Progress". Research Policy, Elsevier, vol.
19(3), pages 193-214, June.
Nelson, R. e Winter, S. (1982). An Evolutionary Theory of Economic Change. Cambridge
(Mass.): Harvard University Press.
Neven, D. e Röller, L-H. (2005). ―Consumer surplus versus welfare standard in political
economy model of merger control‖. International Journal of Industrial Organization 23(9-
10), pp. 829-848.
OCDE (2002). Merger Review in Emerging High Innovation Markets. Disponível no
http://www.oecd.org/dataoecd/40/0/2492253.pdf (visitado em 24/08/09).
OCDE (2007). Dynamic Efficiencies in Merger Analysis. Disponível no
http://www.oecd.org/dataoecd/53/22/40623561.pdf (visitado em 24/08/09).
109
Pavitt, K. (1984). ―Sectoral Patterns of Technical Change: towards a taxonomy and a theory‖.
Research Policy, 13.
Possas, M. (1988). ―Em direção a um paradigma microdinâmico: a abordagem neo-
schumpeteriana‖. In: Amadeo, E. (org.). Ensaios sobre Economia Política Moderna: teoria
e história do pensamento econômico. São Paulo: Marco Zero, 1989.
______. (1989). Dinâmica e Concorrência Capitalista – uma abordagem a partir de Marx. S.
Paulo: Hucitec.
______. (1996). ―Competitividade: fatores sistêmicos e política industrial. Implicações para o
Brasil‖. In: CASTRO, A. B. et al. (org.). Estratégias Empresariais na Indústria Brasileira:
discutindo mudanças. Rio de Janeiro: Forense Universitária.
______. (2004). ―Eficiência seletiva: uma perspectiva neo-schumpeteriana evolucionária
sobre questões econômicas normativas‖. Revista de Economia Política, 24(1), jan-mar.
______. (2009). ―Limites Normativos da análise econômica antitruste‖. Trabalho apresentado
em 05/05/2009 no Instituto de Economia – UFRJ (Seminários de Pesquisa. Disponível em
http://www.ie.ufrj.br/datacenterie/pdfs/seminarios/pesquisa/texto0505.pdf (visitado em
24/08/09).
Possas, S. (1989). Concorrência e Competitividade. Notas sobre estratégia e dinâmica seletiva
na economia capitalista. S. Paulo: Hucitec.
Report and Recommendations (AMC) - acessado em 24.08.09
Salgado, L. H. (1997). A Economia Política da Ação Antitruste. São Paulo: Ed. Singular.
Salop, S. (1995). ―Question: What is the Real and Proper Antitrust Welfare Standard?
Answer: The True Consumer Welfare Standard‖. Disponível no
http://govinfo.library.unt.edu/amc/public_studies_fr28902/exclus_conduct_pdf/051104_Sa
lop_Mergers.pdf (visitado em 24/08/09)
Schumpeter, J. (1984, ed. bras.). Capitalismo, Socialismo e Democracia. Zahar Ed., Rio de
Janeiro.
Simon, H. (1959). ―Theories of Decision-Making in Economics‖. American Economic
Review, 49, June, 253-283.
Simon, H. (1979). Rational decision making in business organizations. American Economic
Review, v.69, p. 493-513.
Stigler (1958). ―The Economies of Scale‖. Journal of Law and Economics.
Tepperman, A., Sanderson, M. (2007). ―Innovation and Dynamic Efficiencies in Merger
Review‖. Disponível no http://www.competitionbureau.gc.ca/eic/site/cb-
bc.nsf/eng/02376.html#exesum (visitado em 24/08/09)
Viscusi, W., Vernon, J. e Harrington, J. (1995). Economics of Regulation and Antitrust.
Cambridge, Mass: MIT Press.
110
Williamson, O. (1968). ―Economies as an Antitrust Defense: The Welfare Tradeoffs‖. The
American Economic Review, Vol. 58, no 1, p. 18-36.
Willig, R., Salop, S. e Scherer, F. M. (1991). ―Merger Analysis, Industrial Organization
Theory, and Merger Guidelines‖. Brookings Papers on Economic Activity.
Microeconomics, Vol. 1991, (1991), pp. 281-332.
Livros Grátis( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download: Baixar livros de AdministraçãoBaixar livros de AgronomiaBaixar livros de ArquiteturaBaixar livros de ArtesBaixar livros de AstronomiaBaixar livros de Biologia GeralBaixar livros de Ciência da ComputaçãoBaixar livros de Ciência da InformaçãoBaixar livros de Ciência PolíticaBaixar livros de Ciências da SaúdeBaixar livros de ComunicaçãoBaixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNEBaixar livros de Defesa civilBaixar livros de DireitoBaixar livros de Direitos humanosBaixar livros de EconomiaBaixar livros de Economia DomésticaBaixar livros de EducaçãoBaixar livros de Educação - TrânsitoBaixar livros de Educação FísicaBaixar livros de Engenharia AeroespacialBaixar livros de FarmáciaBaixar livros de FilosofiaBaixar livros de FísicaBaixar livros de GeociênciasBaixar livros de GeografiaBaixar livros de HistóriaBaixar livros de Línguas
Baixar livros de LiteraturaBaixar livros de Literatura de CordelBaixar livros de Literatura InfantilBaixar livros de MatemáticaBaixar livros de MedicinaBaixar livros de Medicina VeterináriaBaixar livros de Meio AmbienteBaixar livros de MeteorologiaBaixar Monografias e TCCBaixar livros MultidisciplinarBaixar livros de MúsicaBaixar livros de PsicologiaBaixar livros de QuímicaBaixar livros de Saúde ColetivaBaixar livros de Serviço SocialBaixar livros de SociologiaBaixar livros de TeologiaBaixar livros de TrabalhoBaixar livros de Turismo