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ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 1
Apresentação ................................................................................................................................ 4
Aula 1: Codificações e o Mito da Completude .............................................................................. 6
Introdução ............................................................................................................................. 6
Conteúdo ................................................................................................................................ 7
Fontes do Direito ............................................................................................................... 7
Visão de Miguel Reale ....................................................................................................... 8
Código Civil de 2002 ....................................................................................................... 20
Encerramento ................................................................................................................... 27
Referências........................................................................................................................... 29
Notas ........................................................................................................................................... 34
Chaves de resposta ..................................................................................................................... 34
Aula 1 ..................................................................................................................................... 34
Exercícios de fixação ....................................................................................................... 34
Aula 2: Dicotomia Público-Privado .............................................................................................. 37
Introdução ........................................................................................................................... 37
Conteúdo .............................................................................................................................. 38
Distinção do Direito......................................................................................................... 38
Não Direito ........................................................................................................................ 39
Referências........................................................................................................................... 48
Notas ........................................................................................................................................... 52
Chaves de resposta ..................................................................................................................... 52
Aula 2 ..................................................................................................................................... 52
Exercícios de fixação ....................................................................................................... 52
Aula 3: Recodificação do Código Civil ......................................................................................... 55
Introdução ........................................................................................................................... 55
Conteúdo .............................................................................................................................. 56
Recapitulando ................................................................................................................... 56
Doutrina e jurisprudência .............................................................................................. 58
Recodificação - completa transformação .................................................................. 60
Resultado dessa descodificação?.................................................................................. 62
Referências........................................................................................................................... 68
Exercícios de fixação ......................................................................................................... 68
Notas ........................................................................................................................................... 73
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 2
Chaves de resposta ..................................................................................................................... 74
Aula 3 ..................................................................................................................................... 74
Exercícios de fixação ....................................................................................................... 74
Aula 4: Influências da CF/88 no Direito Civil ............................................................................... 77
Introdução ........................................................................................................................... 77
Conteúdo .............................................................................................................................. 78
Pilares fundamentais ....................................................................................................... 78
Princípios ........................................................................................................................... 79
O Constitucionalismo contemporâneo ...................................................................... 81
Correta interpretação do texto ..................................................................................... 86
Princípio, valor e regra .................................................................................................... 88
Referências........................................................................................................................... 94
Notas ......................................................................................................................................... 100
Chaves de resposta ................................................................................................................... 100
Aula 4 ................................................................................................................................... 100
Exercícios de fixação ..................................................................................................... 100
Aula 5: Princípios constitucionais gerais l ................................................................................. 103
Introdução ......................................................................................................................... 103
Conteúdo ............................................................................................................................ 104
Sistema igualitário e solidário...................................................................................... 104
Princípio da igualdade nas relações conjugais e união estável (art. 226, §5º, CF)
........................................................................................................................................... 110
Princípio da paternidade .................................................................................................. 113
Atividade proposta ........................................................................................................ 131
Referências......................................................................................................................... 132
Notas ......................................................................................................................................... 135
Chaves de resposta ................................................................................................................... 135
Aula 5 ................................................................................................................................... 135
Exercícios de fixação ..................................................................................................... 135
Aula 6: Princípios Constitucionais Gerais II ............................................................................... 137
Introdução ......................................................................................................................... 137
Conteúdo ............................................................................................................................ 138
Recapitulando ................................................................................................................. 138
Funções dos contratos ................................................................................................. 140
Princípios clássicos de direito contratual .................................................................. 140
Princípio da autonomia privada .................................................................................. 150
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 3
Princípio da intangibilidade dos contratos ............................................................... 152
Princípios contratuais contemporâneos ................................................................... 153
......................................................................................................................... 172 Referências
Notas ......................................................................................................................................... 178
Chaves de resposta ................................................................................................................... 178
................................................................................................................................... 178 Aula 6
Exercícios de fixação ..................................................................................................... 178
Aula 7: Funcionalização da propriedade privada ...................................................................... 181
......................................................................................................................... 181 Introdução
............................................................................................................................ 182 Conteúdo
O mistério do capital ..................................................................................................... 182
Conceito de posse ......................................................................................................... 185
Titular da posse .............................................................................................................. 186
Da funcionalização da posse e da propriedade ....................................................... 187
Interesse geral ................................................................................................................ 188
Função social da propriedade ..................................................................................... 189
Fundamento comum e essencial da aparência de bem ........................................ 190
Ordenamento positivo .................................................................................................. 191
Conflito interpretativo .................................................................................................. 191
O contrato ....................................................................................................................... 193
Opção progressista ........................................................................................................ 193
......................................................................................................................... 200 Referências
Notas ......................................................................................................................................... 204
Chaves de resposta ................................................................................................................... 204
................................................................................................................................... 204 Aula 7
Exercícios de fixação ..................................................................................................... 204
Aula 8: Sociedade de Risco e de Informação ............................................................................ 206
......................................................................................................................... 206 Introdução
............................................................................................................................ 207 Conteúdo
Revolução tecnológica ................................................................................................. 207
......................................................................................................................... 226 Referências
Notas ......................................................................................................................................... 229
Chaves de resposta ................................................................................................................... 231
................................................................................................................................... 231 Aula 8
Exercícios de fixação ..................................................................................................... 231
Conteudista ............................................................................................................................... 233
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 4
Nesta disciplina, estudaremos os elementos de Direito Civil Constitucional.
Iniciaremos o estudo com a formação histórica e sociológica da codificação civil
brasileira (CC/16 e CC/02).
A partir da análise das principais características dos códigos civis brasileiros
descreveremos os movimentos de constitucionalização, publicização,
despatrimonialização, repersonalização, descodificação e recodificação do
Direito Privado brasileiro.
Em seguida, discutiremos a influência desses movimentos sobre o sistema
privatístico brasileiro, dando ênfase especial à constitucionalização. Definiremos
a Constituição Federal como eixo central do ordenamento jurídico brasileiro
(inclusive das relações privadas) e, a partir dela, estudaremos os princípios
constitucionais gerais aplicáveis ao clássico tripé civil: família, contratos e
propriedade.
Definiremos todas as bases principiológicas do Direito Civil, consideradas
importantes, para o exercício profissional comprometido com as transformações
sociais.
Sendo assim, esta disciplina tem como objetivos:
1. Estudar a evolução histórica e sociológica da codificação brasileira;
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 5
2. Compreender os movimentos influenciadores do Direito Civil brasileiro e seus
reflexos na atual codificação;
3. Analisar a superação da clássica dicotomia do Direito Público e do Direito
Privado;
4. Descrever os princípios constitucionais no Código Civil de 2002 e a
consequente função social do Direito Civil;
5. Observar a constitucionalização do Direito Privado e seus reflexos no tripé
clássico do Direito Civil: família, propriedade e contrato;
6. Identificar os desafios dos impostos pela Era da Informação e pela
Sociedade de Risco ao Direito Privado.
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 6
Introdução
Você está iniciando o módulo que abordará os Elementos de Direito Civil
Constitucional. Para compreender esses elementos, é preciso antes relembrar
aspectos importantes da codificação civil brasileira e os movimentos que deram
origem ao que se denomina atualmente de constitucionalização do Direito Civil.
Iniciaremos, então, relembrando a teoria das fontes e apresentando as
respectivas críticas; pontuando o caminho histórico legislativo dos códigos civis
brasileiros e suas principais características. Terminaremos nosso estudo com os
movimentos transformadores do Direito Privado.
Todos esses assuntos servirão de fundamento para as aulas que estão por vir,
dando-lhe a base para a compreensão do novo Direito Civil brasileiro e os seus
reflexos na jurisprudência.
Objetivo:
1. Compreender os aspectos e características da codificação civil brasileira;
2. Identificar os movimentos que influenciaram o Código Civil vigente e estudar
seus reflexos práticos.
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 7
Conteúdo
Fontes do Direito
Você se recorda das fontes do Direito?
O vocábulo fonte designa origem, gênese. Portanto, seriam fontes do Direito os
fatos ou atos que lhe dão origem. Evidente, dessa forma, que as normas que
formam o Direito não têm uma origem única. Classicamente, costuma-se
classificar as fontes de Direito Positivo em fontes formais e fontes materiais.
Você consegue se recordar a que elas se referem?
Fontes formais
São as normas ou regras vigentes decorrentes de um processo
legislativo. São fontes formais do Direito Positivo: costume; a lei; a
jurisprudência; a doutrina; os negócios jurídicos.
Fontes materiais
São as necessidades sociais que impõem a elaboração de uma regra
ou norma. São valores sociais que orientam ou integram o conteúdo
da norma.
Fontes do Direito
Você se recorda das fontes do Direito?
O vocábulo fonte designa origem, gênese. Portanto, seriam fontes do Direito os
fatos ou atos que lhe dão origem. Evidente, dessa forma, que as normas que
formam o Direito não têm uma origem única. Classicamente, costuma-se
classificar as fontes de Direito Positivo em fontes formais e fontes materiais.
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 8
Você consegue se recordar a que elas se referem?
Fontes formais
São as normas ou regras vigentes decorrentes de um processo
legislativo. São fontes formais do Direito Positivo: costume; a lei; a
jurisprudência; a doutrina; os negócios jurídicos.
Fontes materiais
São as necessidades sociais que impõem a elaboração de uma regra
ou norma. São valores sociais que orientam ou integram o conteúdo
da norma.
Visão de Miguel Reale
Fato é que as fontes decorrem sempre de uma necessidade social, ou seja, a
produção de normas resulta das transformações sociais que impõem o repensar
ou o atuar do Direito visando à manutenção e garantia da paz social.
Miguel Reale critica a teoria das fontes (teoria clássica) afirmando não ter ela
vinculação com a realidade jurídica, vez que a construção das normas se daria
sempre sobre uma base fática composta por valores preexistentes. O que isso
significa afirmar? Significa que a lei não cria nada novo, apenas determina o
comportamento humano de acordo com esses mesmos valores.
Fundamentada nesse raciocínio está a teoria tridimensional do Direito elaborada
por Miguel Reale com base no culturalismo, ou seja, reconhece-se que não
existe uma separação ou uma unificação absoluta entre fatos, valores e
normas.
Portanto, as fontes “são processos ou meios em virtude dos quais se positivam
com legítima formação obrigatória, isto é, com vigência e eficácia no contexto
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 9
de uma estrutura normativa” (REALE, 2009, p. 140). Por isso, não se pode
considerar a lei como fonte exclusiva do Direito, reconhecendo-se também à
doutrina, à jurisprudência, aos costumes e aos negócios jurídicos também papel
importante na formação do Direito.
Codificação e Consolidação
A partir dessa visão, interessa-nos iniciar o nosso estudo analisando as
codificações civis brasileiras como fontes formais do Direito Privado. Por isso,
antes de estudarmos a codificação brasileira, é preciso retomar outra
diferenciação: será que você recorda a diferença entre Codificação e
Consolidação?
Codificar:
É o “o ato pelo qual se elabora a sistematização das diversas regras ou
princípios relativos à matéria que faz de um ramo do Direito” (PLÁCIDO; SILVA,
2008, p. 302). Código, portanto, é um sistema coordenado de regras reunidas
em um único texto e, assim sendo, o processo legislativo que o cria é
considerado mais complexo uma vez que exige a busca de valores e princípios
comuns.
Consolidar:
É o “ato de reunir em um único texto as diversas leis que se referem a um
determinado assunto ou que compõem a regulamentação a certa e
determinada atividade ou a certo e determinado serviço” (PLÁCIDO; SILVA,
2008, p. 302). Trata-se, portanto, de criação legislativa mais simples do que a
codificação, refletindo-se em uma justaposição organizada de leis já existentes
e vigentes sobre determinado assunto.
Construção legislativa do Código Civil de 1916
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 10
Lembradas essas diferenças, vamos estudar o histórico da codificação civil
brasileira para tentar compreender como os movimentos sociais e doutrinários
influenciaram na elaboração dessas leis.
O Direito Português foi uma das grandes fontes de Direito Privado brasileiro.
Vigente, mesmo após a Independência do Brasil, o Direito Português (em
especial as Ordenações Filipinas), no que se refere às relações privadas, só foi
definitivamente excluído do ordenamento brasileiro com a entrada em vigor do
Código Civil de 1916.
Linha do tempo: construção legislativa do Código Civil de 1916
Acompanhe, na linha do tempo abaixo, como se desenvolveu a construção
legislativa do código civil.
1824
Com a Independência do Brasil, ganhou espaço o movimento codificador do
Direito Civil, tarefa inclusive prevista na Constituição Federal de 1824 (art.179).
1845
Barão de Penedo
Visando promover essa tarefa em 1845, o advogado Francisco Inácio de
Carvalho Moreira (conhecido como Barão de Penedo) defendeu junto à Ordem
dos Advogados Brasileiros a necessidade da codificação das leis civis, incitando
o Legislativo a dar início aos trabalhos.
1858
Teixeira de Freitas
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 11
À época, o legislador optou por primeiramente realizar a consolidação das leis
civis vigentes. Para tanto, o Ministério da Justiça, em 15.02.1855, contratou o
Bacharel Augusto Teixeira de Freitas, concedendo-lhe o prazo de cinco anos
para finalizar e classificar todas as leis civis existentes até o momento. Teixeira
de Freitas, embora tenha realizado impressionante trabalho, não chegou a
concluir a sua classificação das leis, vez que optou o governo a dar início ao
trabalho de consolidação das leis civis, trabalho concluído em 1858 e aprovado
pelo Imperador em 24 de dezembro de 1858, com o nome de Consolidação das
Leis Civis, lei que permaneceu vigente até 1917.
A Consolidação apresentada por Teixeira de Freitas tinha mais de duzentas
páginas apenas de introdução, na qual o autor expunha o método, a seleção e
as classificações adotadas e, por isso, considerada como um dos mais
importantes documentos do Direito brasileiro. O corpo da lei continha 1333
artigos, todos com notas explicativas. Teixeira de Freitas também optou por
dividir seu trabalho em Parte Geral (a qual regulava as pessoas e as coisas) e
Parte Especial (que se destinava aos direitos pessoais e aos direitos reais),
adotando, portanto, o sistema pandectista alemão.
No mesmo ano em que a Consolidação foi aprovada, o Decreto n. 2318
autorizou a contratação de um jurista para apresentar o tão almejado Projeto
do Código Civil Brasileiro. Teixeira de Freitas foi contratado em 10.01.1859 e foi
realmente durante os trabalhos do código que seu notável conhecimento
acadêmico pôde ser desenvolvido. Em agosto de 1860, imprimiu-se a Primeira
Seção do que ficou conhecido como Esboço de Teixeira de Freitas, logo em
seguida, publicaram-se a Segunda e a Terceira Seções da Parte Geral e a
Primeira e a Segunda Seção da Parte Especial; a Terceira parte foi publicada
apenas em 1865 e, até aqui, o Esboço já contava com 3.702 artigos.
Já com os trabalhos bastante avançados, Teixeira de Freitas manifestou-se com
dificuldade de terminá-lo, não só porque seus vencimentos estavam atrasados
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 12
desde 1861 (quando seu contrato havia acabado), mas porque não estava
satisfeito com os rumos tomados pela Comissão revisora (Presidida por
Visconde de Uruguai). Em 1866, o autor desiste de acabar o projeto,
abandonando-o inacabado com 4.908 artigos.
Embora o Esboço não tenha sido concluído, acabou servindo de influência para
outros países: Código Civil Argentino de 1865; Código Civil do Paraguai e
Código Civil do Uruguai, países em que o autor ficou conhecido como o
“Savigny americano”. Suas ideias sobre a unificação do Direito Privado foram
recebidas por países como o Japão (1898) e a Itália (1942). No entanto, a
busca por um Código Civil brasileiro continuava.
1866
Em 1866, Teixeira de Freitas deu um novo rumo ao seu trabalho cedendo aos
apelos do movimento de unificação do Direito Privado que propunha a
unificação em uma única lei das normas civis e comerciais. No entanto, essa
ideia unificadora não foi bem recebida pela doutrina e pelo legislador que
tendia mais a aceitar a unificação do direito obrigacional do que a unificação de
todo o Direito Privado.
1872
Nabuco de Araújo
Em 1872, foi contratado Nabuco de Araújo, que tinha o prazo de cinco anos
para apresentar seu projeto. Findo o prazo, no entanto, o autor nada tinha feito
além de reunir material e elaborar a divisão que pretendia seguir. Foi-lhe
concedida prorrogação de prazo sem vencimentos. Diante da necessidade de
manter a si e à sua família, tomado pelas atividades profissionais, Nabuco de
Araújo acabou optando por conservar, no que fosse possível, o Esboço de
Teixeira de Freitas, imprimindo-lhe suas impressões e estudos pessoais. Nabuco
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 13
de Araújo faleceu em 1878 sem terminar sua obra, levando consigo seus
pensamentos e estudos, impossibilitando a qualquer um dar continuidade ao
projeto.
1881
Felício dos Santos
Assim, em 1881, o Governo contratou o jurista Felício dos Santos. O trabalho
intitulado “Apontamentos para o Projeto de Código Civil Brasileiro”, composto
por 2692 artigos, chegou a ser encaminhado a uma Comissão revisora (1889),
mas com o advento da República o trabalho não foi concluído.
1890
Antônio Coelho Rodrigues
Após a proclamação da República, assumiu os trabalhos do Projeto de Código
Civil Antônio Coelho Rodrigues (que já havia participado de comissões revisoras
anteriores) (em 15 de julho de 1890). Seu projeto foi finalizado em 11.01.1893,
em Genebra e, por isso, acabou contando com forte influência do Código de
Zurique. Nomeada Comissão revisora (Presidida por Torres Netto), o projeto foi
rejeitado por nele terem sido constadas graves imperfeições.
1896
Saldanha Marinho
No entanto, afirma-se que o projeto não teria sido recebido pela Comissão
porque Saldanha Marinho encabeçava o movimento que pretendia aprovar o
Projeto de Felício dos Santos. Diante dessa controversa situação política, Coelho
Rodrigues optou por oferecer seu projeto ao Senado, tendo recebido como
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 14
relator Gonçalves Chaves. A Comissão nomeada chegou a indicar a aprovação
do projeto após revisão. Remetido o projeto à Câmara em 1896, acabou sendo
esquecido.
1899
Carlos de Carvalho
A ansiedade por um Código Civil brasileiro aumentava e, em 1899, Carlos de
Carvalho publicou em Bruxelas a Nova Consolidação das Leis Civis Brasileiras
(ou Direito Civil Brasileiro Recopilado), que nada mais foi do que uma
atualização da Consolidação feita por Teixeira de Freitas e vigente na época.
1900
Clóvis Beviláqua
Então, no mesmo ano, foi contratado Clóvis Beviláqua que, com base nas leis
alemãs e francesas, no Esboço de Teixeira de Freitas e no Projeto de Coelho
Rodrigues, entregou no mesmo ano seu projeto. Em agosto de 1900, a
comissão revisora presidida por Epitácio Pessoa encerrou seus trabalhos e, em
17 de novembro de 1900, o projeto foi apresentado ao Congresso que, após
inúmeras discussões, apresentou seu parecer em 18 de janeiro de 1902,
apontando-se a necessidade de diversas alterações.
1902
Ruy Barbosa
Aprovado em Plenário da Câmara, em 1902, o projeto foi remetido ao Senado
onde recebeu como relator o Senador Ruy Barbosa, que fez questão de
elaborar sozinho o relatório e que acabou dando início a uma das mais
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 15
acirradas batalhas linguísticas já registradas no Brasil. Ruy Barbosa e Clóvis
Beviláqua (com auxílio do gramático Carneiro Ribeiro) trocaram inúmeras
correspondências que, embora sejam de conteúdo linguístico inestimável,
pouco representaram em discussões jurídicas.
Mais informações
Ruy Barbosa
Após inúmeras críticas sobre a demora em finalizar a apreciação do projeto e
uma tentativa de por si terminar os trabalhos, Ruy Barbosa acabou se
desligando das funções. O projeto, então, permaneceu no Senado até 1912,
tendo sido devolvido à Câmara com 1736 emendas. Apenas em 1915 as
emendas foram finalmente apreciadas pela Câmara, sendo 94 rejeitadas.
Remetido novamente ao Senado, 24 emendas das 94 rejeitas foram aprovadas.
Reapresentado à Câmara, 9 dessas emendas foram novamente rejeitadas.
Finalmente, aprovou-se, em 26 de dezembro de 1915, o Projeto 168-A. O
Projeto foi sancionado em 1 de janeiro de 1916, com vacatio legis de um ano.
O Código Civil (de 16 ou de 17 em virtude da data em que entrou em vigor -
Lei n. 3.071/16) é considerado o antepenúltimo código oitocentista. Devido à
demora de seu processo legislativo, o código representa em sua generalidade o
Estado Liberal, com grande proteção da propriedade, sendo, por isso,
considerado individualista, patrimonialista, patriarcal (extremante conservador
quanto às relações familiares) e latifundiário (proteção da propriedade
independente da sua função), representando a doutrina vigente no final do
século XIX; formalista e fechado, o que deixava pouco espaço à atuação dos
operadores do Direito na determinação do sentido das normas; privilegiou a
forma linguística ao invés da técnica jurídica.
Devido ao demorado processo legislativo logo após a sua entrada em vigor, já
se identificou a necessidade de sua atualização. A série de leis esparsas
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 16
alteradoras do Código Civil de 1916 tem início com a Lei n. 3.725 de 15 de
janeiro de 1919 e, depois disso, não mais parou.
Diante das constantes críticas apresentadas ao projeto em 1940, foi nomeada
uma nova Comissão composta por Orozimbo Nonato, Filadelfo Azevedo e
Hahnemann Guimarães. Essa Comissão apresentou, em 1941, um Anteprojeto
do Código das Obrigações, propondo o que se denominou de unificação do
direito obrigacional (inspirado no Código Suíço das Obrigações), movimento que
não encontrou grandes defensores no legislativo.
A partir do governo Jânio Quadros (1961), iniciou-se um movimento de reforma
dos códigos brasileiros. Então, em 1963, Orlando Gomes apresentou o
Anteprojeto de Código Civil. Os trabalhos da Comissão revisora terminaram em
15 de julho do mesmo ano. Em seguida, Caio Mário da Silva Pereira, Theophilo
Azevedo Santos e Sylvio Marcondes apresentaram Anteprojeto do Código das
Obrigações, anteprojeto que chegou a ser encaminhado ao Congresso Nacional
juntamente com o Projeto de Orlando Gomes, onde acabaram sendo
abandonados pelo governo.
O Brasil buscava, agora, uma legislação civil mais atualizada e que atendesse às
transformações impostas pela migração do Estado Liberal para o Estado Social.
Classicamente, os códigos sempre foram considerados um espaço de ausência
de valores o que, para a Modernidade, conferia-lhes segurança inabalável,
imune a qualquer subjetivismo. No entanto, contemporaneamente, percebeu-se
que essa ausência de valores acaba sendo excludente, uma vez que tudo que
está contido nas molduras classicamente construídas nem sempre representa o
que poderia nelas estar efetivamente contido. Assim, a realidade fática acabou
criando sociedades à margem do sistema jurídico classicamente construído,
uma vez que certas pessoas e/ou situações não conseguem ser enquadradas às
molduras institucionalizadas pela Modernidade o que pode, evidentemente,
causar um descompasso grave entre realidade social e tutela jurídica. Você
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 17
consegue identificar situações sociais que estão à margem da lei por não se
enquadrarem nas molduras clássicas?
Diante dessa constatação de distanciamento entre o Direito e a realidade social,
surgem movimentos recodificadores. Atualmente, será que podemos identificar
no Brasil um movimento recodificador?
Recodificar, explica Ricardo Luiz Lorenzetti (1998, p. 270-271), “consiste em
identificar os dogmas existentes nessa dispersão: na tendência jurisprudencial,
na lei especial, no costume”. Portanto, afirma o autor, “a recodificação não é
uma obra do legislador, mas da dogmática”, o que nos faz refletir se realmente
esse movimento está presente no Brasil.
Novo projeto de Código Civil
Em 1967, o governo nomeou o jurista Miguel Reale para coordenar a Comissão
que apresentaria um novo projeto de Código Civil. Os trabalhos da Comissão
foram distribuídos da seguinte forma:
José Carlos Moreira Alves (Parte Geral);
Sylvio Marcondes
(Direito de Empresa);
Clóvis do Couto e Silva (Direito de Família);
Agostinho de Arruda Alvim (Direito das Obrigações);
Ebert Vianna Chamoun (Direito das Coisas);
Torquato Castro
(Direito das Sucessões).
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 18
Cabendo a Miguel Reale sistematizar o trabalho final com base no que ele
denominou de normativismo jurídico concreto.
Construção legislativa do Código Civil de 2002
Acompanhe na linha do tempo abaixo a construção legislativa do Código Civil
de 2002:
1824
Em 1969, foi nomeada a Comissão revisora e elaboradora do Código Civil que
finalizou seus trabalhos em 1972.
1845
O Anteprojeto do novo Código Civil recebeu 700 emendas, sendo sua redação
definitiva finalizada em 1975. No mesmo ano, o então Presidente Ernesto Geisel
encaminhou o Projeto de Lei do Executivo (n. 634-B) ao Congresso Nacional.
1858
Em 1983, o Projeto foi aprovado na Câmara, sendo enviado ao Senado em
1984, onde ganhou o número 118. No Senado, foram apresentadas 360
emendas e, logo após, o projeto foi arquivado.
1991
Em 1991, o Senador Cid Sabóia de Carvalho desarquivou o Projeto e, após
parecer da Comissão Especial, designaram-se Miguel Reale e José Carlos
Moreira Alves como encarregados de apresentar a necessária reestruturação da
proposta.
1997
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 19
Apenas em 1997 o Projeto é aprovado pelo Senado e, no mesmo ano,
encaminhado à Câmara dos Deputados, onde se indicou a necessidade de sua
adequação ao texto constitucional vigente a partir de 1988.
2001
Feitas as adequações, o projeto foi aprovado em 15 de agosto de 2001,
retornando à Comissão Especial da Câmara dos Deputados para adequação de
sua redação. A Comissão era presidida pelo Deputado Ricardo Fiúza, que
aprovou o projeto em 20 de novembro de 2001.
2002
O projeto foi sancionado em 10 de janeiro de 2002 com 2.046 artigos,
publicado no dia seguinte com vacatio legis de um ano e, portanto, vigente a
partir de 11 de janeiro de 2003 - Lei n. 10.406/02).
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 20
Atenção
O Código Civil vigente manteve a divisão em Parte Geral e Parte
Especial, apenas adequando a ordem dos livros à nova
sistemática civilista; realizou a unificação do Direito Obrigacional,
revogando a Parte Primeira do Código Comercial e unificando as
obrigações civis e mercantis; optou por não abordar temas que à
época ainda eram considerados polêmicos, regulamentando
apenas o que já estava consolidado; adotou como princípio
orientador o princípio da socialidade (marca importante do
culturalismo), preocupando-se em dar prevalência a valores
coletivos sobre os valores individuais; impõe às relações privadas
o princípio da eticidade, para tanto utilizando cláusulas gerais e
conceitos jurídicos indeterminados, permitindo uma maior
abertura do sistema e impondo uma participação mais ativa dos
operadores do Direito na determinação do sentido e alcance das
normas.
Código Civil de 2002
Afirma-se que o Código Civil de 2002 representa o Estado Social, personalista,
embora nele ainda se possa encontrar alguns resquícios do patrimonialismo.
Nota-se que tanto o processo legislativo do Código Civil/16 quanto o processo
legislativo do Código vigente foram extremamente longos o que, por óbvio,
provocou críticas, ao ponto de se afirmar que o Código Civil de 2002 nasceu
velho. Será?
Código Civil
As codificações, por essência, são generalistas e não poderia ser diferente em
virtude do trabalho envolvido em sua elaboração. Embora alguns doutrinadores,
como Savigny, entendam ser este um ponto negativo que leva à fossialização
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 21
desses sistemas, não se pode de todo afastar a utilidade social e jurídica das
boas codificações.
Atividade proposta
Vamos fazer uma atividade!
Vários são os projetos de lei que visam retirar assuntos importantes do Código
Civil, dando-lhes tratamento próprio ou, até mesmo, codificando-os em
estatutos autônomos. Assim, por exemplo:
Projeto de Lei Complementar n. 1572/2011 e Projeto de Lei do Senado n.
487/2013- Propõem a criação de um novo Código para o Direito de Empresa
brasileiro. Projeto de Lei do Senado n. 470/2013 - Propõe a criação de um
Código das Famílias (ou Estatuto das Famílias), retirando todo o assunto Família
e Sucessões do Código Civil e criando um novo e específico código para esses
temas, trazendo regras de direito material e de direito processual.
Consulte esses projetos e reflita: será que realmente o movimento
descodificador não tem limitações para a criação dos denominados
microssistemas? Será que realmente é necessário criar novos códigos para
assuntos específicos ou seria mais adequado deixar que o Direito nacional se
desenvolva sem as amarras de uma codificação? Para lhe auxiliar a refletir leia:
AZEVEDO, Reinaldo. Atenção leitores! Eles criam 1.150 leis por dia para
infernizar a nossa vida e nos tornar, mas improdutivos, menos felizes, mais
pobres e menos inteligentes.
Chave de resposta: A resposta é livre. Porém, temos o seguinte comentário:
Nota-se que a centenária polêmica entre a manutenção das codificações e o
sistema de livre desenvolvimento de leis esparsas decorre de questões de alta
Filosofia legislativa que, diante de uma Sociedade de Massa e de Informação,
cada vez mais envolta em tecnologias, produz questionamentos cada vez mais
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 22
frequentes em virtude da incapacidade do Direito de acompanhar as constantes
transformações sociais.
Movimentos da constitucionalização
Afirma-se que o Código Civil de 2002 representa o Estado Social, personalista,
embora nele ainda se possa encontrar alguns resquícios do patrimonialismo.
Nota-se que tanto o processo legislativo do Código Civil/16 quanto o processo
legislativo do Código vigente foram extremamente longos o que, por óbvio,
provocou críticas, ao ponto de se afirmar que o Código Civil de 2002 nasceu
velho. Será?!
O Código Civil vigente foi fortemente influenciado pelos movimentos da
constitucionalização, repersonalização, despatrimonialização, publicização e
descodificação do Direito Privado.
Conceitos
Para compreender a influência desses movimentos no Código Civil de 2002,
vamos primeiro, conceituá-los.
Constitucionalização
No Brasil, a partir da Constituição de 1934 (influenciada pela Constituição de
Weimar - Alemanha), vários assuntos que até então eram tidos como
problemas exclusivamente de Direito Privado passaram também a ser uma
preocupação constitucional (ex.: família, contratos e propriedade). No entanto,
foi com a Constituição Federal de 1988 que a constitucionalização realmente se
evidenciou no Brasil, fazendo surgir o movimento denominado Direito Civil
Constitucional (objeto de estudo deste módulo).
Repersonalização
O Direito Civil Constitucional é fruto do processo de elevação ao plano
constitucional de princípios que até então eram considerados exclusivos do
Direito Privado. Impõe-se agora a análise das relações privadas a partir da
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 23
Constituição Federal e não exclusivamente a partir do Código Civil, não só no
que diz respeito à matéria civil constitucionalizada, mas também analisando-as
a partir dos direitos fundamentais, princípios e valores constitucionais.
Trata-se de movimento que procura valorizar o ser sobre o ter, reconhecendo-
se o indivíduo como ser coletivo; colocando-se a pessoa como o centro de
realização de seus interesses. É movimento que impõe ao Direito Privado a
observação a princípios como o da justiça distributiva e da solidariedade social,
priorizando-se a pessoa e a realização de seus interesses imediatos.
Depatrimonialização
Busca recolocar a pessoa como centro de proteção do Direito Privado,
valorizando-se a sua proteção em detrimento da propriedade e do patrimônio.
Visa à combinação de situações subjetivas patrimoniais com situações jurídicas
extrapatrimoniais, reconhecendo-se o patrimônio apenas como o suporte ao
livre desenvolvimento da pessoa.
Descodificação
É movimento que embora reconheça o Código Civil como eixo central do Direito
Privado, também compreende a necessidade de regulação de situações
especiais por leis específicas, inclusive por meio da criação de microssistemas
ou sistemas autônomos (CLT, CDC, ECA, Estatuto do Idoso...). O problema do
excesso da descodificação é que pode ela gerar um sistema fragmentado e até
mesmo lacunoso ou contraditório. Por isso, embora seja uma tendência, a
descodificação deve ser realizada com prudência dogmática e técnica para
evitar a perda da unidade do sistema.
Publicização
Favorece a extinção da dicotomia público-privado (que será estudada na
próxima aula), propondo a renovação da estrutura da sociedade e adaptação
do Direito a essas novas estruturas, aproximando a harmonização de interesses
públicos e privados (em detrimento da supremacia daquele sobre este). Além
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 24
desses movimentos, o Código Civil foi também influenciado pelos princípios da
eticidade, socialidade e operabilidade.
Eticidade
Promove a incorporação e aproximação de valores éticos aos institutos
jurídicos, promovendo uma valorização das regras básicas de comportamento
correto tanto nas relações patrimoniais quanto nas relações extrapatrimoniais.
Caracteriza-se pela valorização de pressupostos éticos na ação dos sujeitos,
impondo-se deveres jurídicos de conduta. Trata-se de princípio que pode ser
especialmente verificado nos arts. 113, 187 e 422, CC, que agregam a boa-fé
objetiva ao ordenamento civil, impondo-a como um dever jurídico positivo,
exigindo a conduta leal, honesta e proba, determinando a colaboração
intersubjetiva em todas as relações.
Socialidade
Promove a funcionalização de direitos subjetivos e a ampliação dos vínculos dos
indivíduos com a sociedade. Deixa a função social de ser apenas um limite à
autonomia privada, para agora impor um dever de consciência social às
relações privadas. Trata-se de princípio que pode ser verificado nos arts. 421 e
1228, CC.
Operabilidade
Impõe a adoção de conceitos mais claros (embora algumas imprecisões
técnicas ainda possam ser verificadas como a confusão entre rescisão,
resolução e resilição); a sintonia entre todas as Partes do Código.
Passado e presente
Embora influenciado por esses movimentos e princípios e considerado bem
mais flexível que Código Civil anterior, fato é que o Código Civil de 2002
representa a permanência do passado no presente (Luiz Edson Fachin),
mantendo dicotomias anacrônicas e dissociadas da realidade social. Percebe-se
que:
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 25
Classicamente os Códigos sempre foram considerados um espaço de ausência
de valores.
Modernidade conferia-lhes segurança inabalável, imune a qualquer
subjetivismo.
Contemporaneamente percebeu-se que essa ausência de valores acaba
sendo excludente, uma vez que tudo que está contido nas molduras
classicamente construídas nem sempre representa o que poderia nelas estar
efetivamente contido.
A realidade fática acabou construindo sociedades à margem do sistema jurídico
classicamente construído, uma vez que certas pessoas e/ou situações não
conseguem ser enquadradas às molduras institucionalizadas pela Modernidade.
Por isso, a clássica lógica formal do Direito Civil que, por meio das categorias de
fatos jurídicos admite juízos de exclusão, acabou revelando um conformismo
racional com estruturas jurídicas absolutas que encontram-se hoje em pleno
questionamento justamente por estarem dissociadas da sociedade e da
realidade histórica. Ao definir o que é juridicamente relevante, o Direito
clássico moderno exclui fatos que acabam não sendo considerados jurídicos,
mas que socialmente possuem inquestionável relevância.
Pilares fundamentais
Os pilares fundamentais do Direito Privado clássico (contrato, propriedade e
família) não dão conta de outras possibilidades que surgem na
contemporaneidade como a ideia da cidadania e de coletividade.
Contrato
Propriedade
Família
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 26
O presente, já com vistas ao futuro, clama pela substituição do indivíduo-
centrismo (remanescente do século XVIII) pela pessoa concreta (o novo sujeito
do Direito contemporâneo), justamente porque tal racionalidade oitocentista
não consegue conviver bem com a ideia de coletivo, marcante na
contemporaneidade. Nesse contexto, há certas relações que são ditas não
jurídicas apenas por não se enquadrarem nas molduras clássicas e, portanto,
passam a pertencer ao não direito, embora acabem ingressando no Direito
como uma necessidade social.
Próximas aulas
Nas próximas aulas, abordaremos o fato de o Direito não dever reduzir as
relações sociais a categorias insulares que acabam não só dissociando
totalmente o Público do Privado como também formando juízos apriorísticos em
sua maioria includentes ou excludentes.
Público alvo
Também não se pode exigir que o Direito deva ter um comportamento
tipificador. Isso quer dizer que o Código Civil brasileiro, fruto da permanência
do discurso moderno no presente, não se coaduna mais com o contexto social,
podendo-se, então, falar em relações de direito e de não direito que acabam se
assentando em uma racionalidade excludente que compreende o sujeito apenas
abstratamente.
Estudo do direito civil
Dessa forma, nesta aula pretende-se realizar o estudo do Direito Civil
reconhecendo-se a travessia que se opera na contemporaneidade, ou seja, a
necessidade de reconhecer que o passado não é uma página virada, mas é
parte do presente e de um futuro que ainda não se consolidou (Luiz Edson
Fachin).
Nessa caminhada que se impõe, deve-se também reconhecer que a fórmula
insular classicamente imposta encontra-se dissociada da sociedade, não
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 27
correspondendo o estatuto jurídico vigente às necessidades de uma sociedade
plural. As molduras modernamente construídas não se adéquam à nova
proposta emancipatória, mais próxima das necessidades sociais e que têm por
ponto de partida o indivíduo como ser coletivo.
Atenção
Na busca por essa repersonalização do Direito Civil, veremos que
não se busca apagar totalmente os ensinamentos clássicos, mas
a superação de seu tecnicismo e neutralismo como forma de
fazer com que o Direito atenda mais rapidamente às demandas
sociais.
Trabalho que exige a transposição de grandes obstáculos
originados da permanência de significados clássicos e de seus
significantes que se pretendiam perenes, bem como a
compreensão de que o Direito é fruto de transformações sociais
e, hoje, essas estão ocorrendo tão rapidamente que o modelo
clássico já não dá mais conta de tutelá-las.
Encerramento
Por fim, tem-se que as dicotomias tão fortemente presentes na formação da
racionalidade moderna devem ser, na atual realidade, reconhecidas como fator
de aproximação de todo o contexto social. Deve-se reafirmar a pessoa
concretamente, tomada em suas necessidades e aspirações, dissociada,
portanto, do conceito insular e totalmente excludente contido na categoria
clássica de “sujeito de direitos”.
Propõem-se novos limites e possibilidades sem que com isso se apague
totalmente o passado e se distancie prontamente do presente. A travessia,
portanto, deve ser constantemente refeita para que se possam repensar
significantes de acordo com as exigências do contexto social.
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 28
Deve-se entender o indivíduo como expressão da forma de ingresso no mundo
jurídico e não mais apenas como um sujeito definido para um conjunto de
objetos.
Vamos entender como isso funciona nas próximas aulas.
Atividade proposta
Analise a charge e indique as principais diferenças entre o Código Civil de 1916
e o Código Civil de 2002.
Legenda: A balconista da loja de roupas diz: - Pela nova lei, sendo o seu mulher, o lojinha passa a ser
minha também!
Rapaz do outro lado do balcão diz: - E pela antiga você deveria ter casado virgem!
Lembradas essas diferenças, indique três dos maiores avanços da legislação em
vigor e responda: a maior ingerência do Estado nas relações privadas é
adequada? Justifique sua resposta.
Chave de resposta: Estudamos, nesta aula, que o Código Civil de 1916,
sendo fruto do Estado Liberal, era um código individualista, patrimonialista e
patriarcal; enquanto o Código Civil de 2002, fruto do Estado Social, é um código
personalista, solidarista e marcado pela igualdade. A maior ingerência do
Estado sobre as relações privadas é resultado da constatação de que pessoas
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 29
em condições de vulnerabilidade ou vítimas de desigualdades precisam de
proteção especial. Então, ainda que se possa criticar essa intervenção estatal,
fato é que ela se mostrou necessária para proteger vulneráveis e restabelecer o
equilíbrio em diversas relações jurídicas.
Material complementar
Para saber mais sobre as leis e normas, leia os artigos e matérias
disponíveis em nossa biblioteca virtual.
Referências
CAENEGEM, R.C. van. Uma introdução histórica ao direito privado. Trad.
Carlos Eduardo Lima Machado. Revisão Eduardo Brandão. 2. ed. São Paulo:
Martins Fontes, 1999.
DELGADO, Mário Luiz. Codificação, descodificação e recodificação do
direito civil brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2011.
FACHIN, Luiz Edson. Teoria crítica do direito civil. Rio de Janeiro: Renovar,
2012.
FORMIGA, Armando Soares de Castro. Aspectos da codificação civil no
século XIX. Curitiba: Juruá, 2012.
GOMES, Orlando. Raízes históricas e sociológicas do código civil
brasileiro. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
LORENZETTI, Ricardo Luiz. Fundamentos do direito privado. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 1998.
MARTINS-COSTA, Judith; BRANCO, Gerson Luiz. Diretrizes teóricas do novo
código civil brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2002.
MIRANDA, Pontes. Fontes e evolução do direito civil brasileiro. 2. ed. Rio
de Janeiro: Forense, 1981.
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 30
REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 27. ed. São Paulo: Saraiva,
2009.
Exercícios de fixação
Questão 1
Sobre o Código Civil de 1916 e o Código Civil de 2002 é correto afirmar que:
I. O Código Civil de 1916 foi elaborado por Teixeira de Freitas e, por
representar o Estado Liberal, representa também uma sociedade paternalista,
patrimonialista e latifundiária.
II. O Código Civil de 2002 foi elaborado pela Comissão Miguel Reale e
representa o Estado Social, ou seja, trata-se de lei mais igualitária e que
prioriza a pessoa sobre o patrimônio.
III. O Esboço de Teixeira de Freitas não influenciou nenhuma legislação da
América Latina, sendo considerado obsoleto e distante da realidade social.
IV. O Código Civil de 2002 é considerado tão patrimonialista quanto o seu
antecessor, priorizando a proteção da propriedade e dos contratos em
detrimento da proteção da pessoa.
a) A opção I está correta
b) A opção II está correta
c) A opção III está correta
d) As opções III e IV estão corretas
Questão 2
Sobre as fontes do Direito é correto afirmar:
a) Apenas a lei pode ser considerada fonte do Direito.
b) A doutrina não constitui fonte do direito, pois não tem caráter de
imperatividade.
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 31
c) Considerar que a jurisprudência não é fonte de direito corresponde a
afirmar que apenas a lei pode ser considerada fonte de direito
reconhecendo-se o poder do Estado acima de todas as demais
instituições sociais.
Questão 3
São características do Código Civil de 2002:
I. A manutenção do sistema familiar patriarcal.
II. A adoção do princípio da socialidade.
III. Dá preferência a valores individuais sobre os valores coletivos.
IV. Caracteriza-se por ser um sistema mais aberto do que o anterior por adotar
como técnica legislativa o uso de cláusulas gerais e conceitos jurídicos
indeterminados.
V. Ausência de qualquer influência do Código Civil de 1916.
a) Apenas I e II estão corretas.
b) Apenas II e III estão corretas.
c) Apenas II e IV estão corretas.
d) Apenas V e III estão corretas.
Questão 4
São características do Código Civil de 1916, exceto:
a) Prevalência da proteção da pessoa sobre o patrimônio.
b) Concentração do pátrio poder nas mãos do homem.
c) Sistema considerado fechado que deixava pouco espaço para a atuação
dos operadores do Direito.
d) Preferência pela forma ao invés da técnica jurídica.
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 32
Questão 5
Sobre a codificação é correto afirmar:
a) A alteração de um código se dá simplesmente pela alteração formal de
seus dispositivos normativos.
b) São leis gerais que não admitem nenhum tipo de mudança ou
complementação por serem consideradas completos.
c) A rigidez dos Códigos apontada como por muitos doutrinadores como
uma de suas desvantagens, pode também ser uma vantagem uma vez
que garante uma maior unidade ao sistema evitando contradições.
Questão 6
Sobre os movimentos do Direito Privado é correto afirmar que:
a) A partir da constitucionalização do Direito Privado, vários institutos que
antes eram exclusivamente privados passam a ser institutos de Direito
Público.
b) O Direito Civil reconhece apenas o patrimônio da pessoa como garantia
de uma existência digna.
c) A publicização do Direito Privado favorece a extinção da dicotomia
público-privado, promovendo a harmonização desses interesses.
Questão 7
O Direito Civil Constitucional é criação meramente doutrinária, não se podendo
falar em análise das relações privadas a partir dos direitos fundamentais,
princípios e valores constitucionais.
a) Certo
b) Errado
Questão 8
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 33
Sobre os princípios da eticidade, socialidade e operabilidade pode-se afirmar
que:
a) O Código Civil vigente difere da resilição, rescisão e resolução contratual,
realizando, dessa forma, o princípio da operabilidade.
b) A socialidade apenas se verifica abstratamente no Código Civil de 2002,
não tendo sido expressamente prevista.
c) A eticidade promove a aproximação de valores éticos e jurídicos criando
um dever jurídico positivo de conduta leal.
d) A eticidade trouxe à legislação civil o princípio da boa-fé subjetiva,
impondo-se essa como norma de conduta entre as partes contratantes.
Questão 9
Sobre a codificação civil brasileira, é correto afirmar que:
I. A manutenção da lógica formal do Código Civil permite sua aproximação da
realidade social e histórica.
II. O Código Civil precisa aproximar-se da realidade social entendendo o
indivíduo como ser coletivo, garantindo-lhe o mínimo existencial.
III. Os pilares clássicos do Direito Civil contrato, propriedade e família sofreram
pouquíssimas alterações no Código Civil vigente em virtude da prevalência
necessária do indivíduo-centrismo.
IV. Os novos movimentos do Direito Civil propõem que todos os institutos
clássicos privados sejam substituídos por novas categorias e institutos,
protegendo o sujeito de direitos definido para um conjunto de objetos.
a) Apenas II está correta
b) Apenas II e III estão corretas
c) Apenas I está correta
d) Apenas V e III estão corretas
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 34
Questão 10
Os institutos e categorias adiante são fruto da influência da Constituição
Federal de 1988 na elaboração do Código Civil de 2002, EXCETO:
a) O poder familiar igualmente compartilhado entre o homem e a mulher.
b) A boa-fé objetiva em todas as fases da relação contratual.
c) A função social da propriedade.
d) A manutenção da distinção entre filhos gerados na relação matrimonial e
filhos extramatrimoniais.
Contemporaneidade: Quando se trata de um conceito, uma prática ou
referencial ainda adotado por uma sociedade ou parte desta.
Aula 1
Exercícios de fixação
Questão 1 - B
Justificativa: O Código Civil de 1916 foi elaborado por Clóvis Beviláqua e não
por Teixeira de Freitas. O Esboço de Teixeira de Freitas, embora não utilizado
no Brasil, foi influenciador de diversas legislações civis, especialmente, o Código
Civil Argentino. O Código Civil de 2002 foi influenciado pelo movimento de
repersonalização do Direito e, embora ainda guarde alguns aspectos
patrimonialistas, garante mais proteção à pessoa do que o Código anterior.
Questão 2 - C
Justificativa: A lei não deve ser considerada a única fonte do direito sob pena
de se afirmar que apenas existe Direito legislado (projeto de redução do
pluralismo).
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 35
Questão 3 - C
Justificativa: O Código Civil vigente abandona o sistema patriarcal, substituindo-
o pelo sistema igualitário; dá preferência a valores coletivos sobre os individuais
e manteve, no que foi possível, a estrutura e institutos do Código Civil de 1916.
Questão 4 - A
Justificativa: O Código Civil de 1916 era patrimonialista e não personalista.
Questão 5 - C
Justificativa: A alteração de um código não se dá apenas pela alteração formal
dos seus dispositivos normativos, mas decorre também dos processos de
interpretação e das alterações sociais.
Questão 6 - C
Justificativa: O fato de vários institutos de Direito Privado passarem à categoria
de direitos constitucionais não os torna institutos de Direito Público. O Direito
Civil embora também se destine a regular a relação da pessoa com seus bens,
não se restringe apenas a essas e, a partir do movimento de
despatrimonialização, determina-se a realização de seus interesses a partir da
proteção e valorização do ser e não do ter. O patrimônio deve ser suporte ao
livre desenvolvimento da pessoa mas não é garantia de existência digna.
Questão 7 - B
Justificativa: O Direito Civil Constitucional é fruto da constitucionalização do
Direito Privado e impõe a análise das relações privadas a partir dos direitos,
princípios e valores constitucionais.
Questão 8 - C
Justificativa: Embora o CC/02 tenha adotado distinções mais claras e precisas,
ainda há confusões conceituais e, entre elas, está a confusão entre as formas
de extinção dos contratos. A socialidade pode ser expressamente constada
como, por exemplo, nos arts. 421 e 1228, CC. A eticidade trouxe à legislação
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 36
civil o princípio da boa-fé objetiva (norma de conduta) e não a boa-fé subjetiva
(forma de conduta).
Questão 9 - A
Justificativa: A manutenção da lógica formal do Código Civil o distancia da
realidade social e histórica. Os pilares clássicos do Direito Civil sofreram
grandes alterações no Código Civil vigente, especialmente em virtude da
repersonalização do sistema provocada pelo movimento de constitucionalização.
Deve-se entender o indivíduo como expressão da forma de ingresso no mundo
jurídico e não mais apenas como um sujeito definido para um conjunto de
objetos.
Questão 10 - D
Justificativa: A CF/88 veda qualquer distinção aos filhos, especialmente se
decorrente da origem da filiação.
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 37
Introdução
Na aula anterior, discutiram-se os movimentos e princípios influenciadores do
Direito Privado contemporâneo, apontando-se para a necessidade de
reformulação de categorias e institutos clássicos que já não dão mais conta de
diversas situações sociais, especialmente as decorrentes das novas tecnologias.
Nesta aula, você estudará como a publicização do Direito Privado vem
provocando o fim da clássica dicotomia público-privado impondo a
harmonização entre esses interesses e o reconhecimento de que a dignidade da
pessoa humana deve ser o ponto de equilíbrio entre interesses individuais e
coletivos.
Objetivo:
1. Compreender a dicotomia Direito Público-Privado e a publicização do Direito
Privado;
2. Estudar a superação do princípio da supremacia do interesse público sobre o
particular.
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 38
Conteúdo
Distinção do Direito
Você deve recordar que, classicamente, divide-se o Direito Objetivo em Direito
Público e Direito Privado, distinção feita desde o Direito Romano.
No Direito Romano, fixou-se a distinção em virtude da necessidade de fixação
de regras capazes de diferenciar os bens do Império Romano do patrimônio
particular do Imperador; e sobre a necessidade de conceder alguns direitos
subjetivos aos estrangeiros.
Então, dessa ideia inicial, firmaram-se as seguintes molduras:
Direito Público é o destinado a disciplinar os interesses gerais da coletividade
ou interesses públicos;
Direito Privado é o conjunto de preceitos que regulam as relações
interprivadas, o locus normativo privilegiado do indivíduo.
Mais tarde, essa dicotomia romana público-privado foi encampada pelo modelo
liberal que viu nas codificações uma forma eficaz de organização e regulação da
sociedade e do Estado, mas que, desvirtuando a sua natureza inicial de direito
do cidadão, concebe o Direito Privado como destinado a proteção de direitos
individuais. Então, no século XIX, o liberalismo jurídico consagrou a completude
e unicidade do Direito, que passou a ter como única fonte o Estado e firmou a
concepção de homem como sujeito abstrato (sujeito de direitos). O Código Civil
passa a ser considerado a “Constituição do Direito Privado”, eixo central das
relações privadas tendo como referência apenas o cidadão dotado de
patrimônio.
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 39
Não Direito
Com o enfraquecimento do Estado Liberal e a evolução das relações sociais, a
compartimentação do Direito em Público e Privado mostrou-se atemporal,
desideologizada, ineficiente e distante da nova realidade social; a prevalência
do ter sobre o ser impediu a valorização da dignidade humana, o respeito à
justiça distributiva e à igualdade material. O exercício de direitos vinculados à
apropriação de bens resultou na criação de paradoxos: como a existência de
pessoas que não são sujeitos de direitos por não se enquadrarem na moldura
classicamente imposta e, por consequência, a não regulação de diversas
relações sociais (não Direito).
Esse é o caso, por exemplo, dos embriões excedentários (embriões congelados
e obtidos para realização de técnicas de reprodução humana assistida). Os
embriões excedentários não se enquadram na clássica moldura de sujeito de
direitos, como também não se pode tratá-los como objetos. Como tutelá-los,
então?
Compreensão da publicização
Em virtude dessa revisão de categorias clássicas do Direito Privado, manifesta-
se importante a compreensão da publicização do Direito Privado como
movimento que compreende o processo de crescente intervenção estatal nas
relações privadas (especialmente por meio de normas de ordem pública),
característica do Estado Social.
É nesse contexto que surgem microssistemas que tentam regular relações
específicas e teorias que visam acabar com tal dicotomia, como é o caso:
Do Direito do Consumidor (CDC)
Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA)
Estatuto do Idoso.
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 40
A publicização do Direito Privado deu-se, num primeiro momento, com a
denominada descodificação que, no Brasil, operou-se com a edição de um
número significativo de leis extravagantes, o que provocou indubtavelmente a
descentralização do Direito Privado (antes centralizado na ideia de
monossistema do Código Civil) para atender às necessidades sociais.
Também reflexo dessa nova concepção do Direito Civil foi a recepção na
Constituição Federal de temas antes classificados pela dicotomia clássica como
afetos apenas ao Direito Privado como, por exemplo, o direito à privacidade.
A constitucionalização do Direito Privado provoca transformações substanciais
na forma de se compreender as relações interprivadas. Deixa-se de se buscar
espaços distintos para se buscar uma unidade hermenêutica, harmonizando-se
interesses públicos e privados na busca da proteção e promoção da dignidade
da pessoa humana.
Publicização do Direito Privado
Assim, a publicização do Direito Privado tornou mais nítido o pretenso fim da
dicotomia Direito Público e Direito Privado.
Tal fenômeno traz em si a renovação da estrutura da sociedade e a adaptação
do Direito à nova realidade econômico-social, o que não pode ser tido, no
entanto, apenas como uma adaptação do modelo vigente para atender à
realidade que se apresenta.
Direito Público
Direito Privado
Intimamente vinculado à publicização do Direito Privado, outro princípio se
mostrou importante: a sua despatrimonialização. Não há mais sentido em se
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 41
manter a proteção ao direito de propriedade na forma concebida no modelo
liberal, ou seja, a prevalência do ter sobre o ser. Busca-se a valorização do ser,
do conhecimento e da educação. A despatrimonialização do Direito Privado
frise-se, não significa retirar-lhe o seu conteúdo patrimonial, mas, sim, a
funcionalização do próprio sistema econômico valorizando-se a dignidade da
pessoa humana.
Modelo liberal clássico
A neutralidade do Direito como fruto do conjunto de relações lógicas impostas
pelo modelo liberal clássico não encontra mais respaldo social. Busca-se a
funcionalização e vinculação ao contexto histórico o que provoca um pluralismo
jurídico que reconhece na perspectiva interdisciplinar a convivência e
intersecção de relações públicas e privadas, vinculando-se lei e realidade social.
Na superação da dicotomia, busca-se a preservação dos interesses coletivos e
da dignidade da pessoa humana, valorizando-se o ser sobre o ter
(repersonalização do Direito Privado), numa verdadeira inversão dos valores
clássico-liberais, não se podendo, nesse contexto, falar em produção normativa
definitiva e final, mas, sim, em produção normativa intimamente ligada à
realidade e necessidades sociais.
Supremacia do interesse público sobre o particular
Compreendida a superação da dicotomia público-privado como fruto da
publicização do Direito Privado, vamos entender o que é a “supremacia do
interesse público sobre o particular”.
Interesse público
O reconhecimento da supremacia do interesse público sobre o particular
sempre foi um dos axiomas do Direito Público moderno, proclamando em
qualquer situação a prevalência do interesse público (ou coletivo) sobre o
privado. No entanto, quando se fala em publicização do Direito Privado, propõe-
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 42
se a harmonização entre interesses públicos e interesses privados,
reconhecendo-se que a exarcebação do coletivo também pode ser fonte de
injustiças, de programas autoritários, de desarmonia social.
Coletividade
Daniel Sarmento (2007, p. 30) ensina que costuma-se associar o público à
esfera dos interesses gerais da coletividade, que dizem respeito à pessoa
humana não como particular, encerrado no seu microcosmo de relações, mas
como cidadão, membro e partícipe da comunidade política. Já o privado
corresponde ao perímetro das vivências experimentadas em recesso, fora do
alcance da polis, que não concernem à sociedade em geral, mas a cada um,
como indivíduo. De acordo com a bela metáfora de Nelson Saldanha, público e
privado seriam “o jardim e a praça”, cada um com princípios e lógicas próprias.
Estado e sociedade
Com o advento do Estado Social, reconheceu-se que Estado e sociedade não
poderiam estar rigidamente separados e delimitados por categorias estanques,
daí, o fenômeno da publicização do Direito Privado. No entanto, a sua crise e a
complexidade das relações sociais e jurídicas da sociedade contemporânea,
embora incapazes de anular aquele processo, passaram a exigir novos estudos
para conferir outros contornos ao “jardim” e à “praça” delineados e definidos,
agora, pelos múltiplos espaços da vida humana que se cruzam constantemente.
Pare e reflita
Como pode o Direito Privado, por meio de categorias clássicas, dar conta, por
exemplo, do fenômeno das redes sociais? Você é capaz de perceber que as
redes sociais, na metáfora de Nelson Saldanha, seriam o “jardim”? Ou seja,
tratam-se de espaços privados, mas abertos aos olhos públicos em que o
Direito de privacidade de feição liberal não dá mais conta de tutelar.
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 43
Compreende-se, então, que o espaço público deixa de ser associado
exclusivamente à atividade estatal e o privado exclusivamente a interesses
particulares. Os espaços, agora, entrecruzam-se!
Para tentar determinar o ponto de equilíbrio, sustenta-se que se a pessoa
humana é o valor-fonte de todo o ordenamento jurídico e de toda sociedade e,
por isso, é necessário identificar elementos para a construção de uma proteção
a zonas de autodeterminação da pessoa capazes de tutelá-la nos múltiplos
espaços de sua atuação.
Par público/privado
O par público/privado, então, deve ser entendido como constitutivo de uma
ordem jurídica única, orientada pela Constituição Federal, cujos valores
são igualmente importantes para a realização da pessoa e do seu respectivo
mínimo existencial.
É em relação a esta múltipla importância da esfera pública que o termo
“privado”, em sua acepção original de “privação”, tem significado. Para o
indivíduo, viver uma vida inteiramente privada significa, acima de tudo, ser
destituído de coisas essenciais à vida verdadeiramente humana: ser privado da
realidade que advém do fato de ser visto e ouvido por outros, privado de uma
relação “objetiva” com eles decorrente do fato de ligar-se e separar-se deles
mediante um mundo comum de coisas, e privado da possibilidade de realizar
algo mais permanente que a própria vida.
A privação da privatividade reside na ausência de outros; para estes, o homem
privado não se dá a conhecer, e, portanto, é como se não existisse. O que quer
que ele faça permanece sem importância ou consequência para os outros, e o
que tem importância para ele é desprovido de interesse para os outros. [...].
Uma vez que a nossa percepção da realidade depende totalmente da aparência
e, portanto, da existência de uma esfera pública na qual as coisas possam
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 44
emergir da treva da existência resguardada, até mesmo a meia-luz que ilumina
a nossa vida privada e íntima deriva, em última análise, da luz muito mais
intensa da esfera pública. [...]. O termo “público” significa o próprio mundo, na
medida em que é comum a todos nós e diferente do lugar que nos cabe dentro
dele. Esse mundo, contudo, não é idêntico à terra ou à natureza como espaço
limitado para o movimento dos homens e condição geral da vida orgânica.
Antes, tem a ver com o artefato humano, com o produto de mãos humanas,
com os negócios realizados entre os que, juntos, habitam o mundo feito pelo
homem. Conviver no mundo significa essencialmente ter um mundo de coisas
interposto entre os que nele habitam em comum [...].
Somatório de interesses gerais
Pode-se, então, concluir que o homem necessita de um espaço público para
definir sua própria existência, comprovar a própria realidade, o que possibilita o
desenvolvimento de uma “condição objetiva da vida”.
Nesse contexto, não se pode negar a existência de interesses públicos, mas
esses devem ser compreendidos como um somatório de interesses gerais
(coletivos e particulares) cuja satisfação a sociedade confere ao Estado,
representando, então, o verdadeiro bem comum (princípio da ética comunitária
e da política jurídica).
No entanto, frise-se, “não se trata de absorver o individual no público, mas sim
de adotar uma perspectiva pública que permita a convivência social,
estabelecendo competências e limites”. O problema não é, portanto, de
prevalência a priori entre interesses, mas sim, determinar o conteúdo que deve
prevalecer e quando deve ter primazia. Por isso, parte-se da noção entre
interesse público primário e secundário.
O interesse público primário é a razão de ser do Estado e sintetiza-se nos fins
que cabe a ele promover: justiça, segurança e bem-estar social. Estes são os
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 45
interesses de toda a sociedade. O interesse público secundário é o da pessoa
jurídica de direito público que seja parte em uma determinada relação jurídica
[...]. Em ampla medida, pode ser identificado como o interesse do erário, que é
o de maximizar a arrecadação e minimizar as despesas. [...]. Os recursos
financeiros provêem os meios para a realização do interesse primário, e não é
possível prescindir deles. [...]. Mas, naturalmente, em nenhuma hipótese será
legítimo sacrificar o interesse público primário com o objetivo de satisfazer o
secundário (BARROSO, 2007, p. 13-14).
Por isso ampla, anacrônica e equivocada ideia da “supremacia do interesse
público”. Afirma Humberto Ávila (2007, p. 190-191) que o interesse privado e o
interesse público estão de tal forma instituídos pela Constituição brasileira que
não podem ser separadamente descritos na análise da atividade estatal e de
seus fins. Elementos privados estão incluídos nos próprios fins do Estado [...].
Em vez de uma relação de contradição entre os interesses privado e público há,
em verdade, uma “conexão estrutural”. Se eles – o interesse público e o
privado – são conceitualmente inseparáveis, a prevalência de um sobre o outro
fica prejudicada, bem como a contradição entre ambos. [...].
Interesse público como finalidade fundamental da atividade estatal e
supremacia do interesse público sobre o particular não denotam o mesmo
significado. O interesse público e os interesses privados não estão
principalmente em conflito, como pressupõe uma relação de prevalência. Daí a
afirmação de Häberle: “eles comprovam a nova, aberta e móvel relação entre
ambas as medidas”.
Impossível, então, identificar um único interesse público universal em uma
sociedade complexa como a contemporânea. Há tantos interesses públicos
quanto forem as situações que exigirem a sua identificação. Bem como, é
impossível pensar a total dissociação de elementos privados dos fins conferidos
ao Estado, já que esses interesses também devem fazer parte do que se
considera “bem comum”.
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 46
Portanto, a mera referência a valores metajurídicos contidos numa ideia geral
de existência de um único interesse público universal não pode justificar a
prevalência absoluta desses sobre interesses privados. Conclui Gustavo
Binenbojm (2007, p. 167) que o melhor interesse público só pode ser obtido a
partir de um procedimento racional que envolve a disciplina constitucional de
interesses individuais e coletivos específicos, bem como um juízo de
ponderação que permita a realização de todos eles na maior extensão possível.
O instrumento desse raciocínio ponderativo é o postulado da proporcionalidade.
Veja-se que não se nega, de forma alguma, o conceito de interesse público,
mas tão somente a existência de um princípio de supremacia do interesse
público [...].
Encerramento
Por isso, o que se pretende agora é o reconhecimento que o interesse
individual também é capaz de realizar, um interesse não egoísta que terá tanta
proteção quanto teria o interesse público.
Você é capaz de identificar no seu dia a dia outras situações (além das redes
sociais) em que as noções de interesse público e de interesse privado podem se
confundir?
Atividade proposta
Observe a charge e responda: Por que no Brasil o senso comum ainda parece
acreditar na supremacia do interesse público sobre o privado?
Para confirmar essa afirmação, pergunte a pelo menos dez pessoas que você
conheça (independente da formação escolar) e anote: quantas delas afirmaram
que interesses públicos sempre prevalecerão sobre privados e peça uma
simples explicação.
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 47
Legenda: Rapaz diz: Sou daltônico. Não consigo distinguir o vermelho do verde!
Político diz: Sou político brasileiro. Não consigo distinguir o público do privado!
Observe a charge e responda: Por que no Brasil o senso comum ainda parece
acreditar na supremacia do interesse público sobre o privado?
Chave de resposta: A clássica distinção entre interesse público e privado é
muito mais antiga do que a concepção de que esses interesses podem ser
analisados de forma harmoniosa, por isso, a impressão geral de que os
interesses públicos necessariamente se sobrepõem aos particulares. Lembre-se
de que, com o advento do Estado Social, reconheceu-se que Estado e
sociedade não poderiam estar rigidamente separados e delimitados por
categorias estanques, daí, o fenômeno da publicização do Direito Privado.
Portanto, juridicamente, não se justifica a manutenção da supremacia do
interesse público sobre o privado, devendo se reconhecer que nos fins do
Estado também estão incluídos elementos privados. Assim, deve-se reconhecer
que interesses individuais também podem realizar fins não egoístas, conforme
se estudou ao longo desta aula.
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 48
Material complementar
Para saber mais sobre os movimentos e princípios influenciadores do
direito privado, leia os artigos disponíveis em nossa biblioteca virtual.
Referências
ARENDT, H. A condição humana. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense
Universitária, 2000.
FACHIN, Luiz Edson (Coord.). Repensando fundamentos do direito civil
brasileiro contemporâneo. Rio de Janeiro: Renovar: 2000.
SALDANHA, Nelson. O jardim e a praça. São Paulo: EdUSP, 1993.
SARMENTO, Daniel (Org.). Interesses públicos versus interesses
privados: desconstruindo o princípio da supremacia do interesse público. Rio
de Janeiro: Lumen Juris, 2007.
SCHAEFER, Fernanda. Proteção de dados de saúde na sociedade de
informação. Curitiba: Juruá, 2010.
Exercícios de fixação
Questão 1
Sobre a dicotomia público-privado é correto afirmar que:
a) Tem origem no Direito Romano decorrente da necessidade de diferenciar
os bens do Império do patrimônio particular do Imperador.
b) O Direito Público foi inicialmente pensado para disciplinar interesses
particulares do Estado.
c) O Direito Privado foi concebido como o direito destinado a tutelar
interesses gerais das coletividades.
d) O modelo liberal negou a existência da dicotomia, promovendo a
harmonização entre interesses públicos e privados.
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 49
Questão 2
O embrião excedentário:
a) Possui personalidade jurídica de acordo com a teoria natalista.
b) Pode ser descartado, uma vez que se trata de mero objeto de direto.
c) Enquadra-se na clássica categoria de sujeito de direitos.
d) Necessita de proteção especial mesmo não conseguindo se enquadrar na
categoria de sujeito de direitos.
Questão 3
Para o Estado Social, é correto afirmar que:
a) Em virtude da valorização econômica das relações jurídicas, impede o
reconhecimento da dignidade da pessoa humana como limitadora da
atuação privada.
b) A dicotomia público-privado mostrou-se anacrônica, uma vez que impede
o reconhecimento de que interesses particulares também podem realizar
interesses não egoístas.
c) Não é necessário intervir em relações privadas, garantindo-se dessa
forma a ampla autonomia privada.
d) É importante valorizar o ter, permitindo-se o que se denomina de justiça
distributiva.
Questão 4
A publicização do Direito Privado não permite a intervenção do Estado em
relações privadas por meio de normas de ordem pública. Assim, por exemplo, o
art. 1.513, CC, veda “a qualquer pessoa, de direito público ou privado, interferir
na comunhão de vida instituída pela família”, reconhecendo-se dessa forma a
impossibilidade de intervenção do Estado no casamento.
a) Certo
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 50
b) Errado
Questão 5
Sobre a publicização do Direito Privado, é correto afirmar que:
a) Foi movimento que teve início com a descodificação que culminou com a
descentralização do Direito Privado e criação de diversos microssistemas
para atender às demandas sociais.
b) A publicização não permite a renovação da estrutura do Direito Privado,
mantendo intactas as suas estruturas clássicas.
c) A publicização determina obrigatoriamente a prevalência de interesses
coletivos sobre interesses privados.
Questão 6
Sobre a supremacia do interesse público é correto afirmar que:
a) É reconhecida como um dos axiomas do Direito Público moderno que
determina a prevalência absoluta dos interesses coletivos sobre os
particulares.
b) Tratando-se de axioma do Direito Público não pode ser relativizada.
c) É fruto do Estado Social que determina a perfeita separação entre Estado
e sociedade.
d) Determina que o espaço público não pode ser dissociado do espaço
privado.
Questão 7
Diante da publicização do Direito Privado e do reconhecimento da dignidade da
pessoa humana como valor-fonte do ordenamento jurídico brasileiro, é correto
afirmar que:
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 51
a) O direito à saúde é apenas um direito subjetivo, porque se destina
apenas a realizar direitos individuais.
b) O direito à privacidade não pode ser invocado em face de situações que
versem sobre interesses públicos.
c) A dignidade da pessoa humana deve ser considerada princípio
harmonizador entre interesses públicos e interesses privados.
Questão 8
Nelson Saldanha utiliza metáforas para designar espaços públicos e privados,
de acordo com o autor:
a) A casa é considerada um espaço público.
b) O jardim é considerado um espaço particular.
c) A praça e a rua são espaços públicos.
d) As redes sociais seriam, segundo essa metáfora, um espaço público.
Questão 9
Analise as assertivas:
I. A dignidade da pessoa humana deve ser considerada o ponto de equilíbrio
entre os interesses públicos e os interesses privados.
II. Faz parte do reconhecimento da dignidade da pessoa humana a construção
da proteção da autodeterminação.
III. Interesses públicos e privados não possuem valores igualmente importantes
para a realização da pessoa e, por isso, aqueles devem prevalecer sobre estes.
IV. A publicização do Direito Privado impede o reconhecimento de que o
homem precisa de espaços públicos para definir sua própria existência e
comprovar sua própria realidade.
a) Estão corretas I e II
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 52
b) Estão corretas I, II e III
c) Estão corretas III e IV
d) Todas estão corretas
Questão 10
Analise as assertivas e marque a alternativa correta:
a) Interesse público primário é o interesse da pessoa jurídica de direito
público que seja parte em determinada relação jurídica.
b) Interesse público secundário relaciona-se com os fins a serem
promovidos pelo Estado (justiça, segurança e bem-estar).
c) Modernamente, entende-se não ser possível identificar um único
interesse público universal, pois há tantos interesses públicos quanto
forem as situações que exigem a sua determinação.
Desideologizada: Depurado de elementos ideológicos (texto desideologizado,
agremiação desideologizada). [Antôn.: ideologizado.].
Aula 2
Exercícios de fixação
Questão 1 - A
Justificativa: O Direito Público foi concebido para disciplinar interesses coletivos;
enquanto o Privado destina-se à tutela de interesses privados. O modelo liberal
aprofundou a dicotomia, desenvolvendo, inclusive, o axioma da supremacia do
interesse público sobre o interesse privado.
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 53
Questão 2 - D
Justificativa: O embrião excedentário não possui personalidade jurídica de
acordo com a teoria natalista, porque segundo esta a personalidade se adquire
com o nascimento com vida. A Lei de Biossegurança proíbe o descarte de
embriões excedentários. O embrião congelado não consegue se enquadrar na
categoria de sujeito de direitos.
Questão 3 - B
Justificativa: O Estado Social deixa de se preocupar exclusivamente com o
aspecto econômico das relações privadas, colocando a dignidade da pessoa
humana como valor-fonte de todo o sistema jurídico, limitando-se a autonomia
privada. Para o Estado Social, é importante a valorização do ser, esse sim,
capaz de se realizar na justiça distributiva.
Questão 4 - B
Justificativa: A publicização do Direito Privado permite a intervenção do Estado
em relações privadas a fim de se garantir a harmonia social, o respeito à lei, à
moral e aos bons costumes.
Questão 5 - A
Justificativa: A publicização promove uma reestruturação do sistema privado
visando adequá-lo às novas demandas sociais. A publicização do Direito Privado
propõe a reformulação do modelo de propriedade, agora preocupando-se com
a sua funcionalização. A publicização determina a harmonização de interesses
públicos e privados e não a prevalência de um sobre o outro.
Questão 6 - A
Justificativa: A supremacia do interesse público deve ser relativizada a fim de se
harmonizar interesses públicos e interesses privados. A supremacia é fruto do
Estado Liberal, este sim, reconhece a completa separação entre Estado e
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 54
sociedade. A supremacia impõe que os espaços públicos sejam completamente
dissociados dos interesses particulares.
Questão 7 - C
Justificativa: O direito à saúde não é apenas um direito subjetivo, mas também
um direito social. O direito à privacidade pode ser invocado mesmo em face de
situações que versem sobre interesses públicos, porque já não se pode mais
falar de prevalência absoluta destes sobre os interesses privados.
Questão 8 - C
Justificativa: A casa é considerada um espaço privado; o jardim aquilo que está
entre o público e o privado, como seria o caso das redes sociais; a praça é um
espaço público.
Questão 9 - A
Justificativa: Os interesses públicos e privados possuem valores igualmente
importantes para a realização da pessoa. A publicização do Direito Privado
impõe o reconhecimento de que o homem precisa de espaços públicos para
definir sua existência e comprovar sua própria realidade.
Questão 10 - C
Justificativa: Os conceitos nas alternativas A e B estão invertidos. Elementos
privados podem ser verificados entre os próprios fins do Estado determinando-
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 55
Introdução
Após discutirmos as características das codificações privadas e a publicização do
Direito Privado, vamos nesta aula estudar os movimentos de descodificação e
recodificação e suas consequências para o Código Civil vigente.
Das lições anteriores, concluímos que a legislação civil não pode ser
individualista e muito menos imutável. Vamos estudar, nesta aula, como se
podem realizar as necessárias mudanças em uma codificação para que ela
consiga atender aos anseios e transformações sociais.
Objetivo:
1. Compreender os movimentos de descodificação e recodificação do Direito
Privado;
2. Estudar os efeitos e expectativas da recodificação do Direito Civil brasileiro.
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 56
Conteúdo
Recapitulando
Nas aulas anteriores, estudamos o desenvolvimento da codificação civil
brasileira e os efeitos dos movimentos de constitucionalização,
repersonalização, despatrimonialização e publicização sobre o Direito
Privado vigente. Nesta aula, buscaremos compreender o movimento de
recodificação do Direito Civil e seus reflexos na legislação privada.
A (r)evolução das relações sociais, especialmente a partir do desenvolvimento
da Sociedade de Informação e o advento das tecnologias, impulsionou a revisão
do modelo clássico de legislar, principalmente no que concerne às relações
privadas.
Vimos nas aulas anteriores que os séculos XVIII e XIX foram marcados pelo
movimento codificador, movimento que trouxe com ele a ideia de que, por sua
generalidade e abrangência, os códigos seriam completos (“o mito da
completude dos códigos”), juridicamente seguros, mas, principalmente,
estáveis.
O mito da completude dos códigos
No entanto, o caminhar do século XX demonstrou serem os códigos incapazes
de acompanhar com a necessária rapidez e eficiência as transformações sociais,
revelando também a total inépcia de diversas categorias clássicas do Direito, o
que acabou gerando uma grande quantidade de legislação esparsa (também
denominada extravagante).
Legislação esparsa
A legislação esparsa, embora tenha tentado conciliar a codificação com as
necessidades sociais, apresentou novos problemas:
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 57
As contradições e paradoxos existentes entre as normas constantes nos códigos
e a nova legislação.
O excesso de dispersão não permitia que o Direito fosse adequadamente
conhecido pela sociedade ou até mesmo corretamente aplicado pelos tribunais.
Para o operador do Direito, sem dúvida, o excesso não pode gerar conflitos,
como também insegurança jurídica. Então, um dilema na doutrina se
apresenta: o melhor é legislar livremente (como imaginou o civilista Natalino
Irti) ou codificar e recodificar?
Ponto de saturação
Mário Luiz Delgado (2011, p. 222) esclarece que se chega a um ponto
de saturação no qual os operadores do Direito já não sabem mais quais
normas estão em vigor e começam a reclamar bases claras e regras de jogo
estáveis.
A legislação especial vem, em diversas situações, derrogar princípios gerais
codificados, sem que isso implique, necessariamente, na melhoria ou no
aprimoramento de sua eficiência.
Leis específicas, muitas contraditórias e incoerentes, dirigidas a um
compartimento da sociedade. O Código Civil passa a se dividir em vários
microssistemas, estes, por sua vez, com os seus subsistemas. Deixa de ser a
reunião das leis civis, passando a exercer um papel meramente residual.
No Brasil, essa confusão conceitual e principiológica imposta por um código
desatualizado e um excesso de leis esparsas pôde ser observada
especialmente após a Constituição Federal de 1988, enquanto ainda
estava vigente o Código Civil de 1916.
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 58
Você é capaz de recordar leis esparsas que tentavam adequar o Código Civil à
nova ordem constitucional, mas que geraram muita confusão?
Constituição Federal de 1988
Uma dessas confusões pôde ser acompanhada nas regras que tentaram regular
a união estável. Lembrando: o Código Civil de 1916 previa apenas o casamento
como forma de constituir família (legítima).
A Constituição Federal de 1988 reconheceu expressamente a união estável e as
famílias monoparentais (além do casamento) como forma de constituição de
família. Diante dos inúmeros conceitos, características e discussões que se
apresentaram na doutrina e jurisprudência, o legislador resolveu publicar a Lei
n. 8971/94, conhecida como lei do concubinato.
Atenção
Dada a imperfeição conceitual em vários aspectos dessa lei,
acabou sendo ela rapidamente substituída dois anos depois pela
Lei n. 9278/96, conhecida como lei dos conviventes, que embora
tenha solucionado algumas imperfeições técnicas da lei anterior,
não conseguiu regular adequadamente o instituto. Passados
alguns anos, a matéria passou a ser regulamentada pelo então
novo Código Civil, também não sem receber diversas críticas,
especialmente porque repetindo o conceito constitucional apenas
se referiu à união estável entre pessoas de sexos diferentes.
Doutrina e jurisprudência
Agora, a doutrina e a jurisprudência tinham um problema de direito
intertemporal para resolver: que lei aplicar à união estável? Firmou-se o
entendimento de que a lei deve ser aquela vigente no momento da dissolução
da união.
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 59
Antes da CF/88 sem revisão Uniões cessadas depois de 29.12.94 Lei
8971/94 a partir de 30.12.94 Lei 9278/96 a partir de 13.05.96 Código Civil
a partir de 10.01.03
Vê-se, desse breve relato fático, que nem sempre descodificar é suficiente para
regular adequadamente um assunto. Nota-se que, embora ao longo do século
XX o movimento descodificador tenha ganhado vozes na doutrina e no
Legislativo, fato é que ao final deste e início do século XXI, um movimento
recodificador se apresentou impondo a revisão dos antigos códigos de acordo
com as exigências sociais, doutrinárias e jurisprudenciais. Assim também
ocorreu no Brasil pretensamente com a publicação do Código Civil de 2002.
Código Civil x Constituição Federal
Cabe-nos, então, analisar se há realmente um movimento recodificador capaz
de integrar fontes heteronômicas do Direito, mantendo um sistema aberto e
plural ou se o que este movimento propõe é tão somente a atualização do:
Código Civil, mantendo-o distante da realidade social.
E da Constituição Federal, revivendo-se o mito da completude
do código.
Para que um sistema seja considerado realmente aberto, não basta que nele
estejam contidas cláusulas gerais e conceitos jurídicos indeterminados, é
preciso também garantir mecanismos que permitam a eficácia da lei a partir da
Constituição Federal. Gustavo Tepedino esclarece que o legislador de hoje deve
obrigatoriamente recorrer à técnica narrativa, da retórica e dos sentimentos
subjetivos da sociedade, determinando, dessa forma, o conteúdo axiológico das
cláusulas gerais e dos conceitos jurídicos indeterminados, orientando-se, por
óbvio, a partir dos princípios constitucionais.
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 60
Recodificação - completa transformação
Pois bem. Para que realmente se possa falar em recodificação, é preciso
compreender que nessa nova realidade os princípios constitucionais fixam os
critérios de interpretação, evitando-se a racionalização estática e imutável da
lei. Então, recodificar não é simplesmente repaginar ou atualizar um código. O
movimento de recodificação impõe uma completa transformação.
Do que você conhece do Direito Civil brasileiro e com base naquilo que já
estudamos até aqui, será que é possível afirmar que o Código Civil de 2002 é
fruto de uma recodificação?
Parece que a resposta deva ser negativa. O próprio coordenador da Comissão,
Miguel Reale, afirmou que sua intenção não é reconstruir algo novo, mas sim,
manter no que era possível e adequado o Código Civil de 1916, adaptando-o à
nova realidade.
Portanto, embora não se possa afirmar que o código vigente nasceu velho, uma
vez que comparado ao anterior é mais aberto, fato é que também não atendeu
aos anseios da sociedade e, muito menos, pode-se afirmar ser ele fruto de uma
efetiva recodificação.
Gustavo Tepedino afirma que uma reforma legislativa só se justifica com a
adoção de princípios normativos e de cláusulas gerais que não sejam meras
estruturas formais e neutras, mas vinculados a critérios expressamente
definidos, exprimam a tábua de valores da sociedade consagrada na
Constituição Federal.
Percebe-se que, atualmente, quanto ao Direito Civil brasileiro atual, há certa
mobilização de parte da doutrina e do legislador buscando a descodificação de
assuntos específicos (como vimos na aula 1). Mas será que ao descodificar não
estamos correndo o risco de novamente cairmos na desordem, num
emaranhado de leis que não conversam entre si, que geram contradições
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 61
insolúveis e, especialmente, que acabam esculhambando toda a tábua
axiológica?
O envelhecimento dos códigos é natural, é inevitável e até porque não dizer
desejável. As transformações sociais são cada vez mais rápidas (para não dizer
impressionantes), o que sem dúvida impõe a revisão de valores e princípios.
Mas não parece ser o caminho da dispersão das leis o mais adequado a
atualizar os códigos, embora, sem dúvida, seja o caminho mais rápido. O fato
de envelhecer, no entanto, não deve ser de imediato considerado uma
justificativa para acabar com a codificação. Ao contrário, “um bom
envelhecimento, no caso identificado com perenidade, representa uma prova de
qualidade” (DELGADO, 2011, p. 222). O que isso significa?
Significa que, para atualizar, para atender aos anseios sociais, não é
mandatório que se extinga totalmente o código anterior. É possível amadurecê-
lo, adaptá-lo aos anseios sociais, mas, especialmente, reestruturá-lo à luz da
nova escala de princípios e de valores articulando-os com os mandamentos
constitucionais.
Era dos microssistemas
Vimos até aqui que o envelhecimento de um código pode dar origem à criação
de microssistemas que nem sempre representam um efetivo avanço legislativo.
Durante a segunda metade do século XX, o Código Civil de 1916 passou por
uma enorme pressão descodificante.
Nesse período histórico, que pode ser chamado de “Era dos Microssistemas”,
entraram em vigor verdadeiros apanhados legislativos que possuíam uma lógica
jurídica própria, completamente dissociada do código então vigente. Leis que
tratavam de assuntos complexos cuja codificação civil já não dava mais conta
de tutelar.
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 62
Atenção
Não há dúvidas de que esse movimento de descodificação era
necessário. A subtração de temas privados do âmbito de atuação
do Código Civil sem dúvida representava uma necessidade de
adaptação da lei à nova realidade social. Os microssistemas (ou
sistemas autônomos, como preferem alguns) representavam o
reconhecimento de que alguns assuntos já não poderiam mais
ser tratados sob a ótica liberal e individualista. E assim o foi,
com a criação da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT -
Decreto-Lei n. 5.452/43), do Código de Defesa do Consumidor
(CDC - Lei n. 8.078/90), Estatuto da Criança e do Adolescente
(ECA - Lei n. 8.069/90), Estatuto do Idoso (EI - Lei n.
10.741/03), Estatuto do Torcedor (ET - Lei n. 10.671/03), Lei de
Locações de Imóveis Urbanos (Lei n. 8.245/91), Estatuto da
Cidade (Lei n. 10.257/01).
Resultado dessa descodificação?
A especialização cartesiana das relações privadas. Ou seja, o zeloso profissional
que atua na área trabalhista, não atua na área de família, que não atua na área
de contratos e assim por diante; o que também levou à criação das respectivas
Justiças e Varas especializadas.
Essa especialização, do ponto de vista profissional, não parece ser ruim, afinal,
quanto mais se conhece uma área, menor é a chance de causar prejuízo, de
aplicar erroneamente o Direito. No entanto, do ponto de vista dialético, a
ausência de comunicação entre as áreas isola-as, deixando-as alheias às
discussões globais, criando-se verdadeiras ilhas de pensamentos incapazes de
se comunicar entre si.
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 63
O zeloso profissional que atua na área trabalhista, não atua na área de família,
que não atua na área de contratos e assim por diante.
Direito Privado
A compreensão cartesiana dos ramos do Direito Privado evita que os ramos
dialoguem entre si e, pior, impede a própria interação com a Constituição
Federal. Por isso, no século XXI, no Brasil, retomaram-se as discussões que
apontam a necessidade de interação sistemática de todos os ramos do Direito
Privado, bem como, da necessária recodificação do Direito Civil.
Um novo Código Civil, agora, deveria assumir função diversa da anterior (eixo
central das relações privadas). Os códigos assumiriam função residual, ou seja,
a eles caberia regular apenas as relações jurídicas privadas que por sua
generalidade não se enquadrariam nos estatutos especiais.
Não precisam, portanto, absorver as matérias regidas por leis especiais, basta
que enumerem princípios que permitam a integração completa de todo o
sistema privado, reconhecendo-se, quando necessário, a especialidade de
determinados assuntos.
Lei Geral (Código) e as leis especiais
Nesse sentido, destaca Mário Luiz Delgado (2011, p. 252) que a verdade é que
determinados institutos jurídicos, mesmo teoricamente enquadráveis em ramo
do direito objeto de codificação, são marcados por originalidades e
singularidades, quer de ordem substantiva ou de ordem subjetiva, que exigem
regulação apartada, sem prejuízo da submissão ao processo de uniformização
sistêmica que a codificação supõe.
Processo de recodificação
Portanto, em um processo de recodificação não seria obrigatório ao novo
código abarcar todas as situações reguladas em lei especial, bastaria que com
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 64
elas conversasse, estabelecendo-se coerência dogmática e principiológica entre
a Lei Geral (Código) e as leis especiais.
Nova função das codificações
A essa nova função das codificações se impõe o que se chama de diálogo de
fontes. Explica Bruno Miragem (2013) que o diálogo das fontes decorre do
pluralismo pós-moderno que trouxe o aumento significativo de fontes
legislativas na atualidade e, consequentemente, no conflito entre elas, não se
podendo puramente adotar o critério hierárquico, cronológico e da
especialidade para resolver tais conflitos.
Normas
1. Diálogo sistemático e coerência
Diálogo sistemático e coerência
Busca a aplicação simultânea de duas leis à mesma situação concreta, sendo
um diploma fundamento conceitual ao outro. Busca a aplicação complementar
de uma lei em relação à outra.
2. Diálogo sistemático de complementaridade em antinomias
aparentes
Diálogo sistemático de complementaridade em antinomias aparentes
ou reais
Visa ao alcance tanto de normas quanto dos princípios de forma subsidiária ou
complementar de uma lei em relação à outra, quando ambas têm o mesmo
campo de incidência.
3. Diálogo de coordenação e adaptação sistemática
Diálogo de coordenação e adaptação sistemática ou das influências
recíprocas sistemáticas
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 65
Prima pela possibilidade de mudança no campo de aplicabilidade legal por meio
da análise dos conceitos e sujeitos definidos nos diplomas legais.
Sistema mais amplo
Assim, pensar em qualquer recodificação é pensar em um sistema mais amplo e
flexível, plural (multidisciplinar) capaz de promover o diálogo de fontes. Pensar
em um novo Código Civil capaz de regular as modernas e complexas relações
privadas implica necessariamente em pensá-lo como instrumento integrador (e
não aglutinador) de todo o sistema privado. Deve-se abdicar do modelo de
totalidade que informava as codificações do século XIX para se pensar em um
modelo sistemático, de coordenação axiológica.
O movimento recodificador é tão importante, que Mário Luiz Delgado (2011, p.
261) chega a afirmar ser uma exigência do Estado Democrático de Direito,
garantidor da legalidade e da segurança jurídica, sendo os códigos
instrumentos importantes de concreção constitucional, devendo o risco da
imobilidade do sistema ser afastado pela previsão de reformas periódicas.
A recodificação deve representar uma ruptura com o passado a fim de atender
as demandas do presente. No entanto, ao mesmo tempo que representa essa
ruptura não pode simplesmente ignorar o passado que agora se pretende
mudar. Os erros e acertos do passado podem e devem ser considerados pela
nova codificação, associando-os aos novos paradigmas rompidos ou criados
pela própria sociedade (uma vez que não deve ser fruto exclusivo da razão
teórica).
A recodificação pode ser total ou parcial, ocorrendo a primeira ou a segunda
opção de acordo com as necessidades apresentadas. No primeiro caso ter-se-ia
a completa substituição do código velho por um novo, sendo necessário um
processo legislativo mais amplo e complexo; na segunda hipótese, apenas a
atualização ou revitalização de um código já existente; exigindo-se um processo
legislativo mais simples e pretensiosamente mais rápido. Como optar por uma
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 66
ou outra? Não há, obviamente, fórmula mágica e apenas a análise da situação
concreta poderia definir o rumo a ser tomado, ressalvada, no entanto, a
necessidade de se manter uma unidade lógica e axiológica em qualquer uma
das situações.
Dessa forma, qualquer que seja a opção, deve ela necessariamente ter por
paradigmas: o eixo central do Direito Privado é a Constituição Federal; qualquer
modelo que se adote, deve ser aberto e plural, informado pela dignidade da
pessoa humana; deve-se eliminar as dúvidas existentes e evitar espaços
lacunosos que criem novas dúvidas; deve-se reconhecer as transformações
sociais como sua fonte primordial
Passados mais de dez anos de vigência do Código Civil de 2002 você acha que
ele precisa passar pelo processo de recodificação total ou parcial? Reflita sobre
as discussões que vêm se apresentando na doutrina e na jurisprudência para
tomar uma posição.
Paradigmas
Dessa forma, qualquer que seja a opção, deve ela necessariamente ter por
paradigmas:
O eixo central do Direito Privado é a Constituição Federal;
Deve-se reconhecer as transformações sociais como sua fonte primordial;
Qualquer modelo que se adote deve ser aberto e plural, informado pela
dignidade da pessoa humana.
Deve-se reconhecer as transformações sociais como sua fonte primordial.
Passados mais de dez anos de vigência do Código Civil de 2002, você acha que
ele precisa passar pelo processo de recodificação total ou parcial? Reflita sobre
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 67
as discussões que vêm se apresentando na doutrina e na jurisprudência para
tomar uma posição.
Atividade proposta
Assista à palestra do Prof. Miguel Reale em que ele explica a visão de sua
Comissão ao elaborar o Código Civil vigente e faça a atividade.
Resumindo o que o professor Miguel Real fala:
Como se sabe, o novo Código Civil teve uma longa tramitação no Congresso
Nacional, pois foi no longínquuo de 1975 que o Presidente Costa e Silva
submeteu à apreciação da Câmara dos Deputados o Projeto de lei n. 634-D,
com base em trabalho elaborado por uma Comissão de sete membros, da qual
tive a honra de ser o Coordenador Geral. Coube-me a missão inicial de
estabelecer a estrutura básica do Projeto, com uma Parte Geral e cinco Partes
Especiais, convidando para cada uma delas o jurista que me pareceu mais
adequado, tendo todos em comum as memas idéias gerais sobre as diretrizes a
serem seguidas. Como se vê, não estamos perante uma obra redigida por um
legislador solitário, por um Sólon ou Licurgo, como se deu para Atenas e
Esparte, mas sim perante uma "obra transpessoal", submetida que foi a
sucessivas revisões.
Após refletir sobre a fala do Prof. Miguel Reale, analise a seguinte notícia:
“Projeto de lei obriga o comércio a devolver o troco em centavos”. Agora pense
no seu dia a dia: quantas vezes você já deixou de receber o troco ou de exigi-
lo? Cada vez que deixou de exigi-lo ou de recebê-lo, você deixou de exercer um
direito já previsto no Código de Defesa do Consumidor. Pergunta-se: será
mesmo necessária a elaboração de uma lei (ainda que municipal) para regular
o direito ao troco ou basta efetivar os princípios da defesa do consumidor e do
Direito Obrigacional? Você concorda com essa prática brasileira de criar
continuamente novas leis ao invés de dar efetividade às leis que já existem?
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 68
Chave de resposta:
Tratando-se de atividade que propõe reflexão do próprio aluno a partir dos
conceitos estudados, não há uma única resposta ou uma resposta correta. No
entanto, o que se percebe é que a prática brasileira de descodificar assuntos,
criando um emaranhado de leis esparsas acaba impedindo o conhecimento do
Direito pela população em geral e, com isso, impedindo o exercício adequado
dos direitos. Então, conforme foi discutido nesta aula, descodificar não é
necessariamente a melhor forma de atualizar a legislação ou de adequá-la às
novas demandas sociais.
Material complementar
Para saber mais sobre o novo código civil e novas mudanças, leia os
artigos disponíveis em nossa biblioteca virtual.
Referências
DELGADO, Mário Luiz. Codificação, descodificação e recodificação do
direito civil brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2011.
DUQUE, Marcelo Schenk. Direito privado e constituição. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2013.
FACHIN, Luiz Edson. Teoria crítica do direito civil. Rio de Janeiro: Renovar,
2012.
MIRAGEM, Bruno. Direito do Consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2013.
MIRAGEM, Bruno. Direito do Consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2013.
Exercícios de fixação
Questão 1
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 69
Assinale a alternativa correta:
I. As relações sociais, especialmente as privadas, não devem influenciar a
criação ou reformulação de um Código Civil.
II. O movimento codificador do século XIX é muito semelhante ao movimento
codificador do século XXI, ambos propondo a centralidade de certos temas em
códigos fechados e inflexíveis.
III. A existência de legislação esparsa representa a necessidade de atualização
de um código, mas não causa, necessariamente, insegurança jurídica.
IV. No Brasil, embora o movimento descodificador tenha ganhado força ao
longo do século XX, hoje vem sendo substituído pelo movimento recodificador.
a) Estão corretas I e II
b) Está correta a alternativa IV
c) Estão corretas III e IV
d) Todas estão corretas
Questão 2
Sobre o movimento recodificador é correto afirmar que:
a) Não se pode distanciar o novo código da Constituição Federal, devendo
ser esta considerada o eixo central do sistema.
b) A recodificação é movimento que visa tão somente atualizar o código
vigente, uma vez que este por sua natureza já é considerado completo.
c) Para que um sistema codificado seja considerado aberto, basta que nele
se utilizem as cláusulas gerais e os conceitos jurídicos indeterminados.
d) Descodificar e recodificar são sinônimos. Fenômenos que buscam apenas
atualização de um código sem necessariamente romper as estruturas
consideradas velhas.
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 70
Questão 3
Analise as assertivas:
I. O envelhecimento dos códigos não é algo esperado quando estes códigos
correspondem a um sistema aberto de princípios e valores.
II. O fato dos códigos envelhecerem por si só já é justificativa suficiente para
acabar com os sistemas codificados.
III. É possível reestruturar um código para atender às demandas sociais, sem
que para isso seja necessário extingui-lo.
a) Apenas o item I está correto
b) Apenas o item II está correto
c) Apenas o item III está correto
d) Apenas os itens I e III estão corretos
Questão 4
O Direito só pode ser compreendido por meio de sua estreita vinculação com os
valores éticos e sociais.
a) Certo
b) Errado
Questão 5
Quanto ao movimento de descodificação, pode-se afirmar que:
a) Não pôde ser observado no Brasil, uma vez que o Código Civil de 1916
foi imediatamente substituído pelo Código Civil de 2002.
b) Trata-se de movimento que pode causar extrema dispersão legislativa
trazendo antinomias e incongruências para o sistema.
c) A descodificação traz mais segurança ao operador do Direito do que a
recodificação.
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 71
d) O Código de Defesa do Consumidor é fruto do processo de recodificação.
Questão 6
Certo ou Errado? A Lei n. 9.656/98 regulamenta os contratos de planos de
saúde no Brasil. Sendo lei especial, afasta a aplicabilidade do Código de Defesa
do Consumidor a essas relações contratuais.
a) Certo
b) Errado
Questão 7
Analise as assertivas:
I. Codificação pressupõe a inexistência de código anterior sobre o assunto.
Trata-se de processo ideológico de concentração de normas em um único texto
sobre determinado tema.
II. Recodificação pressupõe a existência de dispersão legislativa sobre um
determinado assunto. Recodificar significa construir um novo código que levará
em conta os avanços da legislação anterior.
III. Havendo lei especial sobre determinado assunto, obrigatoriamente deixa-se
de aplicar a este a lei geral.
IV. Um novo Código Civil obrigatoriamente deveria ser pensado para ocupar o
papel de eixo central de todo o sistema privado.
a) Estão corretas I e II
b) Estão corretas II e III
c) Estão corretas III e IV
d) Estão corretas I, II e III
Questão 8
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 72
Assinale a alternativa correta:
a) Um microssistema é um sistema normativo dotado de uma lógica jurídica
própria que pode estar associada ou não a um código vigente.
b) O movimento descodificador do século XX foi impulsionado pela
transformação do Estado Social em Estado Liberal que impunha uma
lógica individualista às relações privadas.
c) A CLT em nada se relaciona ao movimento de descodificação do Código
Civil de 1916, uma vez que trata de matérias relacionadas às relações
trabalhistas.
Questão 9
Analise as assertivas:
I. A principal função de um Código Civil hoje deve ser considerada a de ser o
eixo central da regulamentação das relações privadas.
II. A Constituição Federal não é considerada fonte de direitos e de princípios de
Direito Privado.
III. Em um processo de recodificação, é obrigatório que o novo código civil
encampe todas as relações jurídicas privadas previstas em leis esparsas.
IV. No processo de recodificação, o código deve ser considerado uma lei geral
que estabelece coerência dogmática e principiológica com as leis especiais.
a) Apenas a assertiva I está correta
b) Apenas a assertiva II está correta
c) Apenas a assertiva III está correta
d) Apenas a assertiva IV está correta
Questão 10
Sobre o diálogo de fontes é correto afirmar que:
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 73
I. O diálogo sistemático de complementaridade em antinomias aparentes busca
a aplicação simultânea de duas leis à mesma situação concreta, sendo um
diploma fundamento conceitual ao outro. Busca a aplicação complementar de
uma lei em relação à outra.
II. O diálogo sistemático de coordenação e adaptação sistemática visa ao
alcance tanto de normas quanto dos princípios de forma subsidiária ou
complementar de uma lei em relação à outra, quando ambas têm o mesmo
campo de incidência.
III. Ao pensar em um novo código, o legislador deve obrigatoriamente pensar
como a nova lei dialogará com as demais leis especiais, buscando-se uma
unidade hermenêutica de todo o sistema.
IV. O diálogo sistemático de coerência prima pela possibilidade de mudança no
campo de aplicabilidade legal por meio da análise dos conceitos e sujeitos
definidos nos diplomas legais
a) Apenas a assertiva I está correta
b) Apenas a assertiva II está correta
c) Apenas a assertiva III está correta
d) Apenas a assertiva IV está correta
Constitucionalização: É fruto do processo de elevação ao plano
constitucional de princípios que até então eram considerados exclusivos do
Direito Privado.
Despatrimonialização: Busca recolocar a pessoa como centro de proteção do
Direito Privado, valorizando-se a sua proteção em detrimento da propriedade e
do patrimônio. Visa à combinação de situações subjetivas patrimoniais com
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 74
situações jurídicas extrapatrimoniais, reconhecendo-se o patrimônio apenas
como o suporte ao livre desenvolvimento da pessoa.
Publicização: Favorece a extinção da dicotomia público-privado (que será
estudada na próxima aula), propondo a renovação da estrutura da sociedade e
adaptação do Direito a essas novas estruturas, aproximando a harmonização de
interesses públicos e privados (em detrimento da supremacia daqueles sobre
estes).
Repersonalização: Trata-se de movimento que procura valorizar o ser sobre
o ter, reconhecendo-se o indivíduo como ser coletivo; colocando-se a pessoa
como o centro de realização de seus interesses.
Aula 3
Exercícios de fixação
Questão 1 - B
Justificativa: As relações sociais, sem dúvida, podem e devem influenciar na
criação ou revisão da codificação civil. O movimento codificador do século XX
não se baseia no mito da completude dos Códigos, distanciando-se das
propostas de sistemas fechados do movimento do século XIX. A legislação
esparsa pode causar insegurança jurídica em virtude das contradições que
podem aparecer entre as diversas leis, mas nem sempre sua existência
representa a necessidade de atualização do código ou traz consigo insegurança
jurídica.
Questão 2 - A
Justificativa: Os movimentos contemporâneo do Direito Privado não mais
consideram os códigos completos, o mito foi quebrado. A recodificação não se
resume apenas a atualizar o código vigente, mas, sim, aproximá-lo da realidade
social e da Constituição Federal. Não basta a inserção de cláusulas gerais e de
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 75
conceitos jurídicos indeterminados, é preciso que esses mecanismos garantam
unidade e eficácia da lei. Descodificar e recodificar não são sinônimos por todos
os motivos apontados na aula.
Questão 3 - D
Justificativa: O envelhecimento dos códigos é algo esperado, mesmo quando
ele é composto por um sistema de princípios e valores, uma vez que ele é
influenciado pelas transformações sociais. O fato dos códigos envelhecerem não
justifica por si só a extinção das codificações.
Questão 4 - A
Justificativa: A frase é de Miguel Reale e denota a preocupação em manter o
Direito intimamente ligado às necessidades e transformações sociais.
Questão 5 - B
Justificativa: O fato de o Código Civil de 1916 só ter perdido eficácia com a
entrada em vigor do Código Civil vigente em nada se relaciona ao movimento
de descodificação que esteve presente durante toda a vigência daquele. A
descodificação, embora possa servir de forma mais célere a atender os anseios
sociais, pode consigo trazer insegurança jurídica em virtude da quantidade de
normas que não dialogam entre si. O Código de Defesa do Consumidor é fruto
do processo de descodificação.
Questão 6 - B
Justificativa: A Lei n. 9.656/96, embora seja uma lei que visa especificamente
tutelar as relações contratuais decorrentes de contratos de planos de saúde,
não afasta a aplicabilidade do CDC. Ambas as leis subordinam-se ao que se
denomina diálogo de fontes, diálogo inclusive determinado pelo art. 35-G da Lei
n. 9.656/96, que determina a aplicação subsidiária do CDC às relações
decorrentes de planos de saúde.
Questão 7 - A
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 76
Justificativa: O diálogo de fontes faz pressupor uma interação entre a lei geral e
a lei especial. Portanto, essa não exclui totalmente e obrigatoriamente aquela.
O eixo central de qualquer sistema deve ser a Constituição Federal e, por isso,
um novo Código deveria assumir uma função residual e conciliadora.
Questão 8 - A
Justificativa: O movimento descodificador do século XX foi impulsionado pela
transformação do Estado Liberal em Estado Social, reconhecendo-se que
algumas relações privadas já não podiam mais ser tratadas apenas pela ótica
individualista. A CLT é fruto do movimento descodificador do CC/16 que cuidava
das relações de trabalho a partir da regulamentação dada pelo contrato de
prestação de serviços. A lógica descodificadora acabou criando sistemas que
não conversam entre si, fragmentando a regulamentação das relações privadas.
Questão 9 - D
Justificativa: A Constituição Federal deve ser considerada o eixo central de toda
e qualquer regulamentação jurídica, sendo inclusive fonte de direitos e
princípios de Direito Privado. Em um processo de recodificação, não é
obrigatório que o novo Código Civil encampe todas as relações jurídicas
previstas em leis esparsas.
Questão 10 - C
Justificativa: Os conceitos constantes nas demais questões estão trocados.
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 77
Introdução
Nas aulas anteriores, estudamos os movimentos que vêm auxiliando na
transformação do Direito Privado brasileiro. Nesta aula, estudaremos a
constitucionalização do Direito Civil e fixaremos como nosso ponto de partida a
dignidade da pessoa humana.
Após compreendermos a dimensão da proteção da pessoa em nosso
ordenamento, estudaremos os princípios constitucionais gerais de Direito
Privado, cujos reflexos serão importantes para o estudo do clássico tripé do
Direito Civil: família, contratos e propriedade; estudo que faremos
pormenorizadamente nas próximas aulas.
Objetivo:
1. Compreender a influência do princípio da dignidade da pessoa humana sobre
o Direito Privado brasileiro;
2. Estudar os princípios constitucionais de Direito Privado e seus reflexos na
normatização da família, da propriedade e dos contratos.
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 78
Conteúdo
Pilares fundamentais
O Direito Clássico Moderno foi construído sobre três pilares considerados
inabaláveis: propriedade, família e contrato.
Propriedade
Família
Contrato
A sociedade contemporânea percebeu que tais pilares não podem ser estáticos
e abstratos e tão pouco emoldurados em significados dissociados da realidade
social. Diante de tal constatação, os juristas vêm sendo instados a contestar
molduras secularmente impostas pelo Direito Moderno, bem como a procurar
respostas a outras possibilidades que hoje se apresentam. Ao sistema jurídico
contemporâneo, não é mais admitido o simples embasamento no indivíduo-
centrismo (próprio do século XVIII), sob pena de permitir que muitas situações
fáticas não recebam a tutela adequada do Direito.
Portanto, não se pretende uma mera revisão do que está aplicado atualmente,
mas, sim, um redimensionamento a partir da realidade e necessidades sociais
para que supere efetivamente o servilismo burocrata instaurado pelo Estado
Moderno. Propõe-se uma emancipação que seja compatível com o
questionamento contínuo do sistema e com a apresentação de respostas
rápidas e satisfatórias que possam abranger as sociedades que estão sendo
construídas à margem da dimensão classicamente engessada em molduras
individualistas.
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 79
Princípios
Contemporaneamente, para atingir o objetivo imposto pela travessia, fala-se
em:
Repersonalização + Despatrimonialização + Descentralização + Publicização +
Constitucionalização do Direito Civil = Princípios que se somam na busca da
transformação de um Direito que foi essencialmente construído sobre pilares
dissociados da realidade social e dos quais os juristas ainda apresentam forte
resistência para sua superação.
Para que o Direito Privado possa se adequar às situações coletivas que hoje se
apresentam, faz-se mister o reconhecimento do diverso como tarefa essencial,
além, é claro, da compreensão de que o ser deve prevalecer sobre o ter.
O jurista
1
Ora, se o Direito é um fenômeno profundamente social, não se pode admitir
que continue dissociado da realidade que o compõe. A travessia que hoje se
apresenta traz em si a síntese do passado, evidencia a complexidade das
relações presentes e apresenta as diretrizes para um futuro que ainda não
chegou.
2
Nesse contexto, o importante é que o jurista não se acomode em repetir ou
revisar velhos significados, mas, sim, aceite os riscos da transformação e
trabalhe na busca de conceitos e institutos que possam atender efetivamente a
realidade social que se apresenta, superando o modelo clássico tecnicista e
excessivamente neutro.
3
Vimos nas aulas anteriores que os movimentos do Direito Privado
contemporâneo determinam que o seu eixo central seja deslocado do Código
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 80
Civil para a Constituição Federal. Diante desse necessário, o deslocamento
toma papel de fonte central de todo o ordenamento jurídico à dignidade da
pessoa humana.
Sistema constitucional
A lei fundamental de um país tem por característica ser reflexo do momento
histórico da sociedade que pretende regulamentar. Nesse sentido, Paulo
Bonavides (2001) ensina que o sistema constitucional consiste em expressão
que permite perceber o verdadeiro sentido tomado pela Constituição Federal
em face da ambiência social que ela reflete, e cujos influxos está cada vez mais
sujeita.
Assim como a maioria das atuais constituições latino-americanas, a Constituição
Federal Brasileira de 1988 é fruto da luta contra o autoritarismo do regime
militar, surgindo em um contexto de busca da defesa e da realização de direitos
fundamentais do indivíduo e da coletividade nas mais diferentes áreas
(econômica, social, política, etc.).
Seguindo a tendência do constitucionalismo contemporâneo, incorporou
expressamente ao seu texto o princípio da dignidade da pessoa humana (art.
1º, inciso III, CF), definindo-o como fundamento da República e do Estado
Democrático de Direito.
Atenção
Sobre a decisão do Constituinte de 1988 em positivar o princípio
da dignidade da pessoa humana, destaca Ingo Wolfgang Sarlet
(2002, p. 68): consagrando expressamente, no título dos
princípios fundamentais, a dignidade da pessoa humana como
um dos fundamentos do nosso Estado Democrático (e Social) de
Direito (art. 1º, inc. III, da CF), o nosso Constituinte de 1988 – a
exemplo do que ocorreu, entre outros países, na Alemanha -,
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 81
além de ter tomado uma decisão fundamental a respeito do
sentido, da finalidade e da justificação do exercício do poder
estatal e do próprio Estado, reconheceu categoricamente que é o
Estado que existe em função da pessoa, e não o contrário, já
que o ser humano constitui a finalidade precípua, e não meio da
atividade estatal.
O Constitucionalismo contemporâneo
O Constitucionalismo contemporâneo define a Constituição Federal como uma
ordem objetiva de valores, ou seja, como o reflexo dos anseios da sociedade
em um determinado momento histórico.
Essa nova ordem permite que valores que se constroem ao longo da História da
sociedade aos poucos se incorporem ao texto constitucional, preservando-o,
sempre, de acordo com as necessidades sociais, políticas e jurídicas de seu
tempo.
Valores constitucionais
Afirma Flademir Jerônimo Belinati Martins (2003, p. 55) que os valores
constitucionais são a mais completa tradução dos fins que a comunidade
pretende ver realizados no plano concreto (da vida real) mediante a
normatização empreendida pela Constituição [...].
Com efeito, enquanto ordem objetiva de valores, a Constituição cumpre o
importante papel de transformar os valores predominantes em uma
comunidade histórica concreta em normas constitucionais, com todos os efeitos
e implicações que esta normatização possa ter.
Princípio da dignidade da pessoa humana
Desse entendimento do Constitucionalismo contemporâneo, depreende-se a
necessidade de se compreender a positivação do princípio da dignidade da
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 82
pessoa humana, não só como uma consequência histórica e cultural, mas como
valor que, por si só, agrega e se estende a todo e qualquer sistema
constitucional, político e social. Portanto, reconhece-se que o ser humano
passou a ser o centro de todo o ordenamento constitucional, devendo este
trabalhar em prol do indivíduo e da coletividade e não o contrário.
A formulação principiológica da dignidade da pessoa humana, embora não lhe
determine um conceito fixo, atribui-lhe a máxima relevância jurídica, cuja
pretensão é a de ter plena normatividade, visto que foi colocada pelo
Constituinte brasileiro em um patamar axiológico-normativo superior e, por
isso, a importância do estudo desse princípio como valor-fonte, não apenas do
sistema constitucional brasileiro e latino-americano, mas como fonte da
hermenêutica constitucional contemporânea. Por isso, a importância do
princípio também para o Direito Privado.
A Constituição Federal de 1988 destaca Flademir Jerônimo Belinati MARTINS
(2003, p. 50) quando cotejada com as Constituições anteriores não deixa de ser
uma ruptura paradigmática a solução adotada pelo Constituinte na formulação
do princípio da dignidade da pessoa humana. A Constituição brasileira de 1988
avançou significativamente rumo à normatividade do princípio quando
transformou a dignidade da pessoa humana em valor supremo da ordem
jurídica [...].
Nesse sentido, também destaca Ingo Wolfgang SARLET (2001, p. 111-112) que
a qualificação da dignidade da pessoa humana como princípio fundamental
traduz a certeza de que o art. 1o., inciso III, de nossa Lei Fundamental não
contém apenas uma declaração de conteúdo ético e moral (que ela, em última
análise, não deixa de ter), mas que constitui uma norma jurídico-positiva com
‘status’ constitucional e, como tal, dotada de eficácia, transformando-se de tal
sorte, para além da dimensão ética já apontada, em valor jurídico fundamental
da comunidade.
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 83
Assim, a dignidade da pessoa humana ingressou no ordenamento jurídico
brasileiro como uma norma que engloba noções valorativas e principiológicas,
tornando-se preceito de observação obrigatória, fundamento da República
Federativa do Brasil cujo valor no ordenamento constitucional deve ser
considerado superior e legitimador de toda e qualquer atuação estatal e
privada, individual ou coletiva.
A Constituição brasileira de 1988 atribuiu plena normatividade à dignidade da
pessoa humana, projetando-a para todo o sistema jurídico, político e social,
tornando-a o alicerce principal da República e do Estado Democrático de Direito
e permitindo que possua proeminência axiológica-normativa sobre os demais
princípios. Conclui Cármen Lúcia Antunes Rocha, citada por Flademir Jerônimo
Belinati MARTINS (2003, p. 78) que a positivação do princípio como
fundamento do Estado do Brasil quer significar, pois, que esse existe para o
homem, para assegurar condições políticas, sociais, econômicas e jurídicas que
permitam que ele atinja seus fins: que o seu fim é o homem, como fim em si
mesmo que é, quer dizer, como sujeito de dignidade, de razão digna e
supremamente posta acima de todos os bens e coisas, inclusive do próprio
Estado.
Percebe-se, portanto, que a dignidade da pessoa humana deixou de ser uma
mera manifestação conceitual do Direito Natural, para se converter em um
princípio autônomo intimamente conectado à realização e concretização dos
direitos.
Embora seja muito fácil identificar situações em que a dignidade é
desrespeitada, maior dificuldade se encontra em definir o princípio da dignidade
da pessoa humana, pois, tratando-se de um princípio aberto e não taxativo,
possui múltiplos significados e efeitos. Será que você é capaz de defini-la?
A dignidade da pessoa humana corresponde à qualidade intrínseca e distintiva
de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração
por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 84
de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo
e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir
as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e
promover a sua participação ativa e corresponsável nos destinos da própria
existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos.
Por ser incerto o conceito jurídico do princípio da dignidade da pessoa humana,
o intérprete assume importante valor na sua construção como valor fonte do
sistema constitucional brasileiro e reflexo da sociedade em que está inserido,
uma vez que o ordenamento jurídico não concede a dignidade, pois esta é
inerente ao ser humano, mas reconhece-a e compromete-se a promovê-la e
protegê-la.
Dessa maneira, a dignidade da pessoa humana não é o único parâmetro de
interpretação e sequer pode ser considerado absoluto, mas por força de sua
proeminência axiológica-normativa deve ser considerada a principal fonte da
hermenêutica constitucional. Assim, para uma correta interpretação do texto é
necessário que o intérprete conheça todo o sistema constitucional e a realidade
histórica e cultural em que está inserido, bem como, é essencial a leitura
sistemática de todo o ordenamento jurídico.
O princípio da dignidade da pessoa humana é, portanto, um princípio
fundamental do sistema constitucional brasileiro que confere racionalidade ao
ordenamento jurídico e fornece ao intérprete uma pauta valorativa essencial ao
correto entendimento e aplicação da norma. Trata-se, portanto, de uma valor-
guia de toda a ordem jurídica, sendo que o caráter instrumental desse princípio
evidencia-se na possibilidade de ser utilizado como parâmetro objetivo de
aplicação, interpretação e integração de todo o sistema jurídico.
O princípio da dignidade da pessoa humana é uma cláusula aberta, de
contornos ambíguos, que respalda o surgimento de novos direitos
(não
expressos, mas implícitos na Constituição Federal) e, por isso, necessita de
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 85
constante concretização e delimitação pela práxis constitucional. Assim, deverá
o intérprete trabalhar com a noção de que se trata de qualidade inerente a todo
e qualquer ser humano, e com a perspectiva em que se reconhece a existência
de uma pauta de valores constitucionais reflexos da História da sociedade, em
cujo centro está, inafastável e inderrogável, a dignidade da pessoa humana.
Será que analisando as relações privadas você consegue identificar situações
em que o princípio da dignidade da pessoa humana se evidencia?
Direito natural
Percebe-se, portanto, que a dignidade da pessoa humana deixou de ser uma
mera manifestação conceitual do Direito Natural para se converter em um
princípio autônomo intimamente conectado à realização e concretização dos
direitos.
Embora seja muito fácil identificar situações em que a dignidade é
desrespeitada, maior dificuldade se encontra em definir o princípio da dignidade
da pessoa humana, pois, tratando-se de um princípio aberto e não taxativo,
possui múltiplos significados e efeitos.
Será que você é capaz de defini-la?
Conceito: dignidade da pessoa humana
A dignidade da pessoa humana corresponde à qualidade intrínseca e
distintiva de cada ser humano, que o faz merecedor do mesmo respeito e
consideração por parte do Estado e da comunidade. Nesse sentido, implica-se
um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa
tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano quanto
venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida
saudável, além de propiciar e promover a sua participação ativa e
corresponsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com
os demais seres humanos.
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 86
Correta interpretação do texto
Por ser incerto o conceito jurídico do princípio da dignidade da pessoa humana,
o intérprete assume considerável importância na sua construção como valor-
fonte do sistema constitucional brasileiro e reflexo da sociedade em que está
inserido, uma vez que o ordenamento jurídico não concede a dignidade, pois
esta é inerente ao ser humano, mas reconhece-a e compromete-se a promovê-
la e protegê-la.
Dessa maneira, a dignidade da pessoa humana não é o único parâmetro de
interpretação e sequer pode ser considerado absoluto, mas, por força de sua
proeminência axiológica-normativa, deve ser considerada a principal fonte da
hermenêutica constitucional.
Resumo
Assim, para uma correta interpretação do texto, é necessário que o intérprete
conheça todo o sistema constitucional e a realidade histórica e cultural em que
está inserido, bem como, é essencial a leitura sistemática de todo o
ordenamento jurídico.
O princípio da dignidade da pessoa humana é, portanto, um princípio
fundamental do sistema constitucional brasileiro, que confere racionalidade ao
ordenamento jurídico e fornece ao intérprete uma pauta valorativa essencial ao
correto entendimento e aplicação da norma.
Trata-se, portanto, de uma valor-guia de toda a ordem jurídica, sendo que o
caráter instrumental desse princípio evidencia-se na possibilidade de ser
utilizado como parâmetro objetivo de aplicação, interpretação e integração de
todo o sistema jurídico.
O princípio da dignidade da pessoa humana é uma cláusula aberta, de
contornos ambíguos, que respalda o surgimento de novos direitos (não
expressos, mas implícitos na Constituição Federal) e, por isso, necessita de
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 87
constante concretização e delimitação pela práxis constitucional. Assim, deverá
o intérprete trabalhar com a noção de que se trata de qualidade inerente a todo
e qualquer ser humano, e com a perspectiva em que se reconhece a existência
de uma pauta de valores constitucionais (reflexos da história da sociedade) em
cujo centro está inafastável e inderrogável, a dignidade da pessoa humana.
Constituição Federal de 1988
Será que analisando as relações privadas você consegue identificar situações
em que o princípio da dignidade da pessoa humana se evidencia? Veja:
Nas aulas anteriores, vimos que a Constituição Federal de 1988 elevou à
categoria de direitos constitucionais temas que antes eram considerados
problemas exclusivos do Direito Privado. Com isso, o Direito Civil deixa de ser o
‘locus’ privilegiado do indivíduo para se aproximar agora do Direito
Constitucional.
Esse movimento de constitucionalização do Direito Civil impulsionou o
desenvolvimento do Direito Civil Constitucional, “fruto do processo de elevação
ao plano constitucional dos princípios fundamentais do Direito Civil, que passam
a condicionar a observância pelos cidadãos, e a aplicação pelos tribunais, da
legislação infraconstitucional” (LÔBO, 1999, p. 100).
Portanto, além da aplicação vertical da Constituição Federal às relações
privadas, torna-se também possível a aplicação horizontal dos princípios e
direitos constitucionais (considerados autoaplicáveis), sendo a Constituição o
filtro axiológico de toda e qualquer interpretação das relações civis, acolhendo-
se, assim, a ideia de unidade do ordenamento. Por isso, Gustavo Tepedino
(2009, p. 27) afirma que “o Código Civil passa a ser o que a ordem pública
constitucional permite que possa sê-lo”, devendo, dessa forma, ser sempre
interpretado de acordo com as normas constitucionais, colocando-se a pessoa e
sua dignidade como centro de toda tutela.
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 88
Princípio, valor e regra
Entendido o movimento de constitucionalização do Direito Privado e a
centralização do sistema na Constituição Federal, tendo por pressuposto o
valor-fonte dignidade da pessoa humana, vamos agora estudar alguns
princípios constitucionais de Direito Privado que serão importantes para as
próximas aulas.
Antes de iniciarmos, vale lembrar a diferença entre princípio, valor e regra.
Princípios
Os princípios constituem expressão dos valores fundamentais que informam o
sistema jurídico, conferindo harmonia e unidade às normas que o compõem.
Valores
Se é verdade que os valores são dotados de menor normatividade que os
princípios...
Regras
...não se pode negar que as regras possam também ser utilizadas como fontes
de interpretação, ainda que de forma mediata ou reflexa, principalmente
quando se procede à análise de situações concretas.
O sistema constitucional constitui instrumento de realização de valores
reconhecidos pela sociedade, e este caráter instrumental do sistema jurídico
constitucional permite que valores, como a dignidade da pessoa humana,
ganhem, ao menos indiretamente, certo grau de normatividade. Nesse sentido,
Cármen Lúcia Antunes Rocha, citada por Flademir Jerônimo Belinati Martins
(2003, p. 57), ensina que os princípios constitucionais são os conteúdos
intelectivos dos valores superiores adotados em dada sociedade política,
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 89
materializados e formalizados juridicamente para produzir uma regulação
política no Estado. Aqueles valores superiores encarnam-se nos princípios que
formam a própria essência do sistema constitucional, dotando-o, assim, para
cumprimento de suas funções de normatividade jurídica. A sua opção ético-
social antecede a sua caracterização normativo-jurídica. Quanto mais coerência
guardar a principiologia constitucional com aquela opção, mais legítimo será o
sistema jurídico e melhores condições de ter efetividade jurídica e social.
Valores
Valores constitucionais possuem três funções:
1
Fundamento do ordenamento jurídico e informador do sistema jurídico-político.
2
Orientador dos fins a serem perseguidos na execução de atos públicos ou
particulares.
3
Crítica de fatos ou condutas.
Os valores constitucionais, como diretivas gerais que são, constituem o
contexto axiológico-fundamentador da interpretação do ordenamento jurídico e,
desse entendimento, não se afasta o papel jurídico-constitucional atribuído à
dignidade da pessoa humana, ainda que tal previsão possa ser apenas implícita
ou indireta.
Princípios
São normas dispostas em linguagem normativa (deôntica) e que não
determinam expressamente as condições que tornam sua aplicação necessária.
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 90
Estabelecem um fundamento que marcam uma direção ao intérprete e,
conforme ensina Antonio Enrique Pérez Luño (1999, p. 292), diference-se dos
valores por apresentarem um maior grau de concreção e especificação do que
estes, sendo capazes de ser fonte imediata e direta de soluções jurídicas.
Os princípios, portanto, possuem grande significado hermenêutico (são
mandados de otimização, ou seja, “dever-ser”) e atuam como fontes do direito
ou determinações de valor, recebendo especial orientação daqueles valores que
concretizam. São, assim, vinculantes e dotados de plena juridicidade. O
princípio da dignidade da pessoa humana possui inquestionável componente
axiológico-normativo e, por isso, a doutrina, de maneira geral, ao se referir a
ele, o faz sem distinguir princípio ou valor.
Regras
Regras são espécies de normas jurídicas que possuem um suporte fático-
hipotético mais fechado e limitado do que os princípios. As regras são aplicadas
pela técnica de subsunção, ou seja, na forma do tudo ou nada (ou o fato se
enquadra na hipótese descrita na lei, ou a norma a ele não se aplica).
Diferente dos princípios que se apresentam mais amplos e abertos, podendo
apontar para várias soluções, as regras, por serem fechadas, apresentam
soluções mais limitadas. Enquanto os princípios admitem ponderação, as regras
não a permitem.
De qualquer forma, independente se princípio, regra ou valor, sendo
constitucional, deverão ser obrigatoriamente observados na análise das
relações privadas, independente de estarem contemplados no Código Civil ou
não.
A partir dessas diferenças, passamos agora à análise de alguns princípios
constitucionais que tiveram grande impacto no Direito Civil brasileiro.
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 91
Mínimo existencial (patrimônio mínimo)
Não se trata de princípio expresso na Constituição Federal, mas que pode ser
deduzido da própria dignidade da pessoa humana. Ensina Luiz Edson FACHIN
(2008, p. 271-281) que “’mínimo’ e ‘máximo’ podem não ser duas espécies do
gênero ‘extremo’. São as barreiras que fixam a essência de cada coisa e
delimitam o seu poder e as propriedades. A sustentação do mínimo não
quantifica nem qualifica o objeto. [...]. É de equilíbrio que se vale este texto. De
uma quantidade suscetível de diferentes grandezas ou de uma grandeza
suscetível de vários estados, em que o mínimo não seja o valor menor, ou o
menor possível, e o máximo não seja necessariamente o valor maior, ou o
maior possível. Próximos ou distintos, os conceitos jurídicos e as categorias não
jurídicas podem dialogar. [...]. É um conceito apto à construção do razoável e
do justo ao caso concreto, aberto, plural e poroso ao mundo contemporâneo.”
Por isso, quando se fala do núcleo mínimo referente ao princípio da dignidade
da pessoa humana, além da saúde, também compõem o seu conteúdo: a
educação, a assistência aos desamparados e o acesso à Justiça. Não há
dúvidas, então, de que o mínimo existencial também se aplica às relações
privadas e, embora se possa afirmar que o conteúdo do que é vida digna é
subjetivo, apreciando-se o contexto em que ela é exercida, pode-se observar e
apurar características objetivas.
Princípio da Solidariedade (solidarismo ou socialidade)
Decorre dos valores éticos previstos recebidos pelo ordenamento jurídico. A
solidariedade, segundo Paulo Luiz Netto Lôbo, “significa um vínculo de
sentimento racionalmente guiado, limitado e autodeterminado que compele à
oferta de ajuda, apoiando-se em uma mínima similitude de certos interesses e
objetivos, de forma a manter a diferença entre os parceiros na solidariedade”. É
princípio que impõe o atuar responsável em relação ao próximo, ou seja, cada
um é responsável pela existência social do outro. Trata-se de impor a
harmonização entre interesses individuais e interesses coletivos ou sociais,
realizando-se uma verdadeira igualdade social. No âmbito civil, pode ser
verificada na imposição de tutela especial às crianças, adolescentes, idosos e
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 92
pessoas portadoras de necessidades especiais; às relações decorrentes de
parentesco e de afetividade; à proteção especial conferida ao consumidor
(vulnerável).
Princípio da Igualdade
Trata-se, aqui, de igualdade material e igualdade formal, estabelecendo-se a
todos o direito ao mesmo tratamento legal (tratar igualmente os iguais e
desigualmente os desiguais, na medida de suas desigualdades). É princípio que
veda as distinções arbitrárias, o tratamento injustificadamente desigual, sejam
decorrentes da própria lei ou da aplicação desta. Admitem-se, no entanto, as
discriminações positivas, ou seja, os tratamentos diferenciados que compensem
desigualdades sociais, econômicas e culturais, assegurando-se a igualdade
material. Pode ser observado na determinação da igualdade entre os gêneros;
da proibição de qualificações diferentes aos filhos; desaparecimento das
relações familiares hierarquizadas entre os cônjuges e companheiros.
Intimamente ligado ao princípio da igualdade, encontra-se o princípio da justiça
distributiva, que se traduz na máxima “dar a cada um o que é seu”.
Princípio da Liberdade
Refere-se ao livre poder de escolha ou, simplesmente, à autonomia e
decorrente do próprio princípio do pluralismo democrático. Zulmar FACHIN
(2012, p. 261) explica que “a liberdade negativa, tomada no sentido político,
significa ausência de impedimento ou de constrangimentos, uma situação na
qual um sujeito tem a possibilidade de agir sem ser impedido, ou de não agir
sem ser obrigado por outros sujeitos. A liberdade positiva, tomada em sentido
político, deve ser entendida como a situação na qual um sujeito tem a
possibilidade de orientar seu próprio querer no sentido de uma finalidade, de
tomar decisões sem ser determinado pelo querer dos outros. Essa forma de
liberdade é também chamada de autodeterminação ou, ainda mais
propriamente, de autonomia”.
Evidente não se tratar de princípio absoluto, porque encontrará limites em
outros princípios ou regras constitucionais. Pode ser verficado no direito ao livre
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 93
planejamento familiar; na liberdade de contratar; na liberdade de escolher a
forma de constituição de família; na liberdade de definição dos modelos
educacionais; na liberdade de escolha religiosa...
Princípio da Função Social
“Em latim, a palavra ‘functio’ é derivada do verbo ‘fungor’ (‘functus sem’, fungi),
cujo significado é de cumprir algo, desempenhar uma tarefa, ou seja, cumprir
uma finalidade, funcionalizar” (Guilherme CALMON, 2008. p. 4). No
ordenamento constitucional, trata-se de princípio de conteúdo aberto, que
deverá ser analisado no caso concreto com base em valores éticos, sociais e
econômicos.
Portanto, falar em função social é impor a determinados institutos e categorias
que desempenhem um fim social, estando, assim, intimamente ligada ao
princípio da solidariedade. Compreende não só um limite externo a direitos
subjetivos, mas é destes parte integrante, desempenhando, assim, dupla
função: a) instrumento coativo ao aproveitamento do objeto; b) imposição de
sanções pelo não aproveitamento do objeto.
Pode ser verificada na expressa previsão da função social da propriedade (que
conduz também à função social dos contratos e da empresa); função social da
família. Esse conjunto de princípios gerais constitucionais influenciaram de
forma determinante todo o Direito Privado, como veremos nas próximas aulas.
Atividade proposta
Assista ao vídeo a seguir, cuja discussão trazida por este episódio de Justice (da
Harvard University), opõe-se utilitarismo e personalismo. Em linhas bastante
genéricas, o utilitarismo se resume na máxima “os fins justificam os meios”,
enquanto o personalismo coloca como centro de toda a atuação a pessoa,
limitando, dessa forma, os meios para se alcançar determinados fins.
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 94
Com base no que você estudou nesta aula e nas discussões constantes no
vídeo, é possível afirmar que há no Brasil um direito absoluto à liberdade? Você
seria capaz de identificar na codificação ou na legislação civil princípios que
confirmem ou neguem sua resposta?
Chave de resposta: Não há um direito absoluto à liberdade, embora seja ela
um direito fundamental. O direito à liberdade é limitado no Brasil pelo princípio
constitucional da dignidade da pessoa humana, fonte de todo o ordenamento.
Portanto, parece ter optado o legislador brasileiro pelo personalismo.
As discussões com relação à liberdade e a intervenção do Poder Público na
esfera privada voltaram ao centro das atenções em maio/junho de 2014 com a
aprovação do Projeto de Lei nº 58/2014 (conhecido como Lei da Palmada).
Trata-se de lei que limita a liberdade dos pais com relação aos direitos e
deveres decorrentes do exercício do poder familiar, criminalizando o castigo
físico e psicológico. Os defensores da lei invocam a proteção da dignidade da
criança e do adolescente, enquanto os opositores defendem a liberdade de
educar conforme seus próprios preceitos de moralidade. Reflita sobre o assunto
e tome um posicionamento jurídico sobre ele: você concorda com a limitação?
Material complementar
Para saber mais sobre o princípio da dignidade humana e o direito
privado, leia os artigos e matérias disponíveis em nossa biblioteca
virtual.
Referências
BONAVIDES, P. Curso de direito constitucional. 11.ed. São Paulo:
Malheiros, 2001.
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 95
DELGADO, Mário Luiz. Codificação, descodificação e recodificação do
direito civil brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2011.
DUQUE, Marcelo Schenk. Direito privado e constituição. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2013.
FACHIN, Luiz Edson. Teoria crítica do direito civil. Rio de Janeiro: Renovar,
2012.
______. Estatuto jurídico do patrimônio mínimo. Rio de Janeiro: Renovar,
2008.
FACHIN, Zulmar. Curso de direito constitucional. 5a ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2012.
GAMA, Guilherme Calmon Nogueira (Coord.). Função social no direito civil.
2.ed. São Paulo: Atlas, 2008.
LÔBO, Paulo Luiz Netto. Constitucionalização do direito civil. In: Revista
de Informação Legislativa. Brasília, n. 141, jan./mar. 1999. Disponível em:
http://olibat.com.br/documentos/Constitucionalizacao%20Paulo%20Lobo.pdf
Acesso em: 26 ago. 2014.
MARTINS, Flademir J. B. Dignidade da pessoa humana. Curitiba: Juruá,
2003.
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2001.
______. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais. 2. ed.
rev. e amp. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002.
Exercícios de fixação
Questão 1
Assinale a alternativa correta:
I. O Direito Civil clássico foi construído sobre três pilares considerados estáticos:
família, contrato e propriedade.
II. A família prevista no Código Civil vigente corresponde aos arranjos familiares
presentes na sociedade brasileira atual.
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 96
III. O Direito não é considerado um fenômeno social. Por isso, deve o Direito
Civil preocupar-se apenas com categorias e institutos jurídicos.
IV. Para adequar o Direito Civil brasileiro à nova realidade social, basta a
revisão de conceitos e significados clássicos, como os próprios conceitos de
família, propriedade e contrato.
a) Estão corretas I e II
b) Está correta a alternativa I
c) Estão corretas III e IV
d) Todas estão corretas
Questão 2
Sobre a dignidade da pessoa humana, é correto afirmar que:
I. É fonte apenas do Direito Constitucional, não influenciando os demais ramos
do Direito.
II. Não é prevista expressamente na Constituição Federal, sendo apenas fruto
da interpretação teleológica da Constituição Federal.
III. A dignidade da pessoa humana consagrada constitucionalmente obriga que
o Estado reconheça que ele existe em função da pessoa e não o contrário.
IV. A previsão constitucional do princípio da dignidade da pessoa humana não
permite concluir ser a pessoa o centro de todo o ordenamento, devendo o
Estado trabalhar apenas em prol de coletividades e não do indivíduo.
a) Estão corretas I e II
b) Está correta a alternativa III
c) Estão corretas III e IV
d) Todas estão corretas
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 97
Questão 3
Analise as assertivas adiante:
I. O reconhecimento do princípio da dignidade da pessoa humana pelo
Constituinte de 1988 representa uma declaração apenas de conteúdo ético.
II. A dignidade da pessoa humana no ordenamento brasileiro é mera
manifestação do Direito Natural.
III. A dignidade da pessoa humana não é o único parâmetro de interpretação,
mas deve ser considerada a principal fonte da hermenêutica civil-constitucional.
IV. O princípio da dignidade da pessoa humana fornece ao intérprete do Direito
uma pauta valorativa essencial ao correto entendimento e aplicação da norma.
a) As assertivas I e II estão corretas
b) As assertivas II e III estão corretas
c) As assertivas I e IV estão corretas
d) As assertivas III e IV estão corretas
Questão 4
Certo ou errado? O princípio da dignidade da pessoa humana é uma cláusula
aberta de contornos perfeitamente delimitados pela própria Constituição
Federal, que não deixa espaço ao intérprete.
a) Certo
b) Errado
Questão 5
É situação privada que afronta o princípio da dignidade da pessoa humana:
a) O pai que castigar fisicamente uma criança para ensinar-lhe a se
comportar.
b) Exercer igualmente a direção da sociedade conjugal.
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 98
c) Agir com probidade e boa-fé em todas as fases da relação contratual.
d) Reconhecer a união homoafetiva como forma de constituição de família.
Questão 6
Certo ou errado? O princípio da autonomia privada para a realização de
negócios jurídicos se fundamenta no valor da liberdade, embora possa este
possa estar limitado por normas de ordem pública e natureza cogente.
a) Certo
b) Errado
Questão 7
Assinale a alternativa correta:
I. Regras constitucionais só podem ser aplicadas às relações civis se tiverem
sido expressamente repetidas pelo Código Civil.
II. A constitucionalização do Direito Civil corresponde ao processo de elevação
ao plano constitucional de categorias e institutos que antes eram considerados
problemas apenas do Direito Privado.
III. Na análise das relações privadas, aplica-se subsidiariamente a Constituição
Federal.
IV. A centralização de todo ordenamento civil na Constituição Federal tem por
pressuposto a proteção do patrimônio.
a) Está correta a opção II
b) Estão corretas II e III
c) Estão corretas III e IV
d) Estão corretas I, II e III
Questão 8
Sobre a diferença entre princípios, regras e valores é correto afirmar:
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 99
a) Princípios são mandados de definição com tipicidade fechada e
generalidade.
b) Regras são mandados de otimização que se aplicam na forma do tudo ou
nada e, por isso, possuem tipicidade aberta.
c) Valores têm menor normatividade que princípios, mas isso não significa
que não tenham a mesma relevância, podendo ser aplicados como
fontes de interpretação.
Questão 9
Analise as assertivas adiante:
I. Pelo princípio da solidariedade, opõe-se a obrigação de prestar alimentos.
II. Em virtude do princípio da igualdade, manteve-se a distinção entre homem e
mulher na condução da sociedade conjugal, concentrando-se a direção familiar
nas mãos do homem.
III. Em virtude do princípio da liberdade, entende-se ser absoluta a autonomia
privada nas relações contratuais.
IV. Em virtude da função social, reconhece-se o direito à desapropriação de
terras.
a) Estão corretos os itens I e II
b) Estão corretos os itens III e IV
c) Estão corretos os itens I e III
d) Estão corretos os itens II e IV
Questão 10
São princípios constitucionais que se aplicam às relações privadas, exceto:
a) Princípio da igualdade
b) Independência de poderes
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 100
c) Mínimo existencial e dignidade da pessoa humana
d) Princípio da liberdade
Emancipação: Significa o ato de tornar livre ou independente. O termo é
aplicado em muitos contextos como emancipação de menor, emancipação da
mulher, emancipação política, etc.
Aula 4
Exercícios de fixação
Questão 1 - B
Justificativa: A família prevista no CC/02 não dá conta dos novos arranjos
familiares, como, por exemplo, as uniões e casamentos homoafetivos. O Direito
é um fenômeno social e, por isso, as transformações sociais também devem ser
consideradas fontes de Direito. Para adequar o Direito Civil às novas realidades
sociais, não basta revisar conceitos e significados clássicos, é preciso superar o
modelo clássico tecnicista.
Questão 2 - B
Justificativa: A dignidade da pessoa humana, expressamente prevista no art.
1o, III, CF, é valor-fonte de todo o ordenamento jurídico brasileiro,
reconhecendo-se a pessoa o centro de proteção e de atuação do Estado.
Questão 3 - D
Justificativa: O reconhecimento do princípio da dignidade da pessoa humana
pelo Constituinte de 1988 não representa uma declaração apenas de conteúdo
ético, mas constitui uma norma jurídico-positiva constitucional, sendo, portanto,
muito mais do que mera manifestação do Direito Natural.
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 101
Questão 4 - B
Justificativa: O princípio da dignidade da pessoa humana é uma cláusula
aberta, cujos contornos não estão delineados na CF/88, deixando-se ao
intérprete amplo espaço de atuação.
Questão 5 - A
Justificativa: Embora educar o filho seja um dever decorrente do poder familiar,
entende-se que o castigo físico é uma forma de agressão à dignidade da
criança.
Questão 6 - A
Justificativa: A questão trabalha a diferença entre princípio (mandado de
otimização) e valor.
Questão 7 - A
Justificativa: Regras, princípios e valores constitucionais são sempre aplicáveis
às relações privadas, independente de estarem previstos expressamente no
Código Civil. Os princípios, regras e valores previstos na Constituição Federal
devem ser aplicados vertical e horizontalmente, e não apenas subsidiariamente.
A centralização na Constituição Federal tem por pressuposto a dignidade da
pessoa humana.
Questão 8 - C
Justificativa: Princípios são mandados de otimização com tipicidade aberta e
generalidade, e regras são mandados de definição com tipicidade fechada e
descrição de condutas. O princípio da dignidade da pessoa humana possui
normatividade, embora seja também considerado um valor.
Questão 9 - D
Justificativa: O princípio da igualdade veda qualquer tipo de diferenciação na
direção da sociedade conjugal. Além disso, não é absoluto e, por isso, a
autonomia contratual pode ser limitada por outras normas.
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 102
Questão 10 - B
Justificativa: A independência entre os poderes em nada se associa às relações
privadas.
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 103
Introdução
Sabe-se que a Constituição Federal de 1988 foi um divisor de águas para o
Direito de Família brasileiro, determinando-se o fim jurídico das famílias
patriarcais, hierarquizadas e dirigidas pelo homem (“cabeça do casal”).
O novo modelo familiar é informado pela dignidade da pessoa humana, pela
igualdade entre seus membros e pelo solidarismo, princípios cujas concepções
gerais você estudou na aula anterior.
Nesta aula, serão estudados os princípios gerais de Direito de Família, princípios
de ordem constitucional que servirão para fundamentar as discussões dos
módulos:
Desafios da Família na Contemporaneidade e Tópicos Avançados de Direito
Sucessório.
Objetivo:
1. Compreender os reflexos dos princípios constitucionais gerais de Direito de
Família.
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 104
Conteúdo
Sistema igualitário e solidário
Você já sabe: a Constituição Federal de 1988 é considerada um divisor de
águas do Direito de Família brasileiro. Definiu ela o fim jurídico do sistema
patriarcal de família, determinando a adoção de um sistema igualitário e
solidário. É esse novo sistema que iremos estudar agora, por meio de seus
principais princípios.
Censo 2010 (IBGE)
O último Censo 2010 (IBGE) revela a atual constituição da família brasileira. A
pesquisa demonstra o aumento da participação da mulher no mercado de
trabalho, o que leva também à mudança nas relações familiares. O gráfico
adiante resume essa nova realidade:
Legenda: 54,9% Das famílias do Brasil são formadas por casais com filhos
16,3% Desses grupos – Os filhos são sód e um dos parceiros ou de ambos em relacionamentos anteriores,
um indicativo de aumento das uniões reconstituídas.
37,3% das mulheres são responsáveis pelas famílias e 62,7% dos lares. O rendimento delas ajuda no
sustento da casa.
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 105
Fonte do quadro: <http://veja.abril.com.br/noticia/brasil/a-nova-familia-brasileira-
ibge#Segue%20texto>.
As mulheres tem cada vez menos filhos sendo 1,9 por muher. E engravidam mais tarde, aos 26,8 anos de
idade.
Princípio da paternidade (ou parentalidade) responsável (art. 226,
§ 7º, CF)
Alguns autores afirmam que o constituinte, ao adotar a expressão paternidade
responsável, teria sido influenciado erroneamente pela tradução da expressão
parental responsability, que no Direito inglês tem significado distinto.
Certo é que o termo paternidade utilizado no art. 226, § 7º, CF, foi adotado em
seu sentido amplo, ou seja, refere-se tanto à paternidade em sentido estrito,
quanto à maternidade.
Trata-se de impor aos genitores responsabilidade individual e social
com relação aos filhos, priorizando-se a criação, educação, o bem-estar
(físico e psíquico) e convívio familiar.
Princípio da liberdade restrita e da beneficência
Trata-se de princípio com dupla função:
preventiva:
informação, ensino e educação das pessoas a respeito dos métodos, recursos e
técnicas para o exercício dos direitos reprodutivos e sexuais;
promocional:
emprego de recursos e conhecimentos científicos para que as pessoas possam
exercer seus direitos reprodutivos e sexuais (CALMON, 2008, p. 78-79).
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 106
Entende-se, dessa forma, que o planejamento familiar é livre (Lei n. 9.263/96),
mas impõe a obrigatoriedade de observação da parentalidade responsável e
dignidade da pessoa humana.
Não se trata, portanto, de ter liberdade sexual, de se escolher quando, como e
com quem serão gerados os filhos, mas de se ter plena responsabilidade com a
prole que está sendo gerada, sendo, dessa forma, responsabilidade do casal e
não do Estado o sustento, o desenvolvimento e a educação da prole.
Princípio da solidariedade familiar
Trata-se de princípio que impõe deveres à família tanto como ente coletivo,
quanto aos seus membros individualmente considerados. Paulo Lôbo (2009, p.
331-332) afirma que “o princípio da solidariedade, no plano das famílias,
apresenta duas dimensões:
1
a primeira, no âmbito interno das relações familiares, em razão do respeito
recíproco e dos deveres de cooperação entre seus membros;
2
a segunda, nas relações do grupo familiar com a comunidade, com as demais
pessoas e com o meio ambiente em que vive”.
É em virtude deste princípio que algumas normas se impuseram no Direito Civil,
entre elas, destacam-se:
Responsabilidade objetiva dos pais por atos dos filhos menores (art. 932, I,
CC).
Comunhão de vida instituída pela família (art. 1513, CC).
Adoção como resultante do sentimento de solidariedade.
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 107
Poder familiar reconhecido como um múnus (art. 1630, CC).
Mútua assistência entre cônjuges e companheiros (arts. 1.566 e 1.724, CC).
Dever de prestar alimentos (art. 1.694, CC).
Princípio do melhor interesse da criança e do adolescente (art.
227, CF)
É princípio que decorre da doutrina da proteção integral, bem como da doutrina
dos Direitos Humanos, que não só orienta o livre planejamento familiar, mas
tem alcance muito mais amplo. Veja:
Trata-se de diretriz de observação obrigatória que impõe a defesa da criança e
adolescente em qualquer que seja a relação social. Durante a vigência da
sociedade patriarcal, os filhos (enquanto crianças e adolescentes) eram
considerados meros objetos de direito, sendo os poderes com relação a eles
concentrados especialmente nas mãos do pai.
A Constituição Federal de 1988 determina que não só crianças e adolescentes
sejam considerados sujeitos de direitos, como se lhes reconhece proteção
especial em virtude da sua condição de vulnerabilidade. Confere-se absoluta
proteção e prioridade à criança e ao adolescente com relação aos demais
membros da família, justamente por ser considerado um ser em processo de
desenvolvimento físico, moral e psíquico.
É princípio que determinou a criação do Estatuto da Criança e do Adolescente
(Lei n. 8.069/90), que não só dirige a sua proteção à criança e ao adolescente,
mas também determina a proteção do nascituro.
Trata-se de diretriz de observação obrigatória que impõe a defesa da criança e
adolescente em qualquer que seja a relação social. Durante a vigência da
sociedade patriarcal, os filhos (enquanto crianças e adolescentes) eram
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 108
considerados meros objetos de direito, sendo os poderes com relação a eles
concentrados especialmente nas mãos do pai.
Princípio da afetividade
Embora não seja um princípio constitucional expresso, pode ser extraído dos
arts. 226, §§ 3º e 6º; 227, caput e § 1º CF, que determina a todas as relações
familiares a affectio.
A afeição exige estabilidade das relações familiares, impondo a
afetividade como sentimento que deve prevalecer sobre elementos materiais,
jurídicos e, principalmente, materiais ou biológicos.
Tal é a importância desse princípio que Paulo Lôbo (p. 47) chega a diferenciar o
princípio da afetividade do afeto, explicando ser aquele um dever dos pais em
relação aos filhos e vice-versa e este um elemento subjetivo, psicológico.
Afirma o autor que ainda que não haja afeição, o dever se impõe. Já nas
relações entre cônjuges e entre companheiros, o princípio se impõe enquanto
houver afetividade, elemento estruturante do casamento e da união estável.
Extinto o afeto, extinto o princípio.
Assim: Na relação paterno-filial o princípio aparece, por exemplo, no art. 1.593,
CC, estabelecendo que o parentesco civil (decorrente, por exemplo, da adoção
e da posse do estado de filhos) tem por fundamento a relação de afeto (por
isso, se diz paternidade socioafetiva).
No casamento, é princípio que pode ser observado no art. 1511, CC, que afirma
que a finalidade do casamento é a constituição de comunhão plena de vida
(cláusula aberta), que existirá enquanto afeto entre os cônjuges houver.
No Estatuto da Criança e do Adolescente aparece, por exemplo, no art. 28,
§2º., que estabelece a noção de família extensa, impondo que na apreciação de
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 109
pedido de colocação do menor em família substituta deva ser apreciado
primeiramente o grau de parentesco e a relação de afinidade e afetividade.
Princípio do pluralismo das entidades familiares
Embora a Constituição Federal de 1988 reconheça expressamente apenas o
casamento, a união estável entre pessoas de diferentes sexos e a família
monoparental (constituída por dois genitores e sua prole), fato é que doutrina,
bem como, STF e STJ entendem que essa enumeração não é taxativa, mas sim,
meramente enunciativa.
Ao assim interpretar a Constituição Federal, o STF reconheceu a união estável
entre pessoas do mesmo sexo (ADPF 132/RJ e ADI 4.277/DF – julgadas em
maio de 2011 e Resolução n. 175/2013, CNJ) e o STJ (Resp n. 1183378/RS)
autorizou a habilitação para o casamento de pessoas do mesmo sexo.
Trata-se, portanto, de princípio que decorre do pluralismo democrático previsto
no art. 1º, V, CF, que permite a cada pessoa escolher o modelo de entidade
familiar que pretende constituir.
Princípio da convivência familiar (art. 227, caput, CF)
Estabelece que, especialmente, crianças e adolescentes têm direito à
convivência diária e duradoura com os integrantes de sua família, conferindo-
lhe também direito ao espaço físico (lar).
Com base nesse princípio, reconhece-se como direito da criança e do
adolescente o direito de visitação não apenas do genitor que não detém a
guarda, mas também, dos avós.
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 110
Princípio da igualdade nas relações conjugais e união estável (art.
226, §5º, CF)
É princípio que decorre diretamente do princípio da igualdade entre homem e
mulher estabelecido no art. 5º, I, CF. Impõe tratamento igualitário, vedando-se
tratamentos desiguais injustificadamente.
Casamento
Portanto, com relação ao desempenho de papéis decorrentes do casamento ou
da união estável, as funções entre homem e mulher devem ser igualitariamente
distribuídas e atribuídas, o que leva, também, à equiparação de direitos e
deveres entre homens e mulheres nas relações matrimoniais e de
companheirismo.
Princípio
Desse princípio decorrem, entre outros:
A possibilidade de qualquer dos cônjuges (art. 1.565, CC) ou
companheiro acrescer o sobrenome do outro.
• A direção da sociedade conjugal e da união estável sendo exercida em
igualdade de condições (extingue-se o poder marital ou pátrio poder).
• A fixação do domicílio conjugal por ambos os cônjuges.
• Administração conjunta do bem de família instituído voluntariamente
(art. 1.720, CC).
• Igual responsabilidade na guarda, manutenção e educação dos filhos.
Igualdade
Fato é que, embora seja um direito e uma garantia constitucional, socialmente
ainda há muito a ser realizado para se atingir a igualdade material nas relações
familiares.
DIREITO CONSTITUCIONAL. PRINCÍPIO DA ISONOMIA ENTRE HOMENS E
MULHERES. AÇÃO DE SEPARAÇÃO JUDICIAL. FORO COMPETENTE. ART. 100, I
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 111
DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. ART. 5º, I E ART. 226, § 5º DA CF/88.
RECEPÇÃO. RECURSO DESPROVIDO. O inciso I do artigo 100 do Código de
Processo Civil, com redação dada pela lei 6.515/1977, foi recepcionado pela
Constituição Federal de 1988. O foro especial para a mulher nas ações de
separação judicial e de conversão da separação judicial em divórcio não ofende
o princípio da isonomia entre homens e mulheres ou da igualdade entre os
cônjuges. Recurso extraordinário desprovido. (STF - RE: 227114 SP, Relator:
Min. JOAQUIM BARBOSA, Data de Julgamento: 22/11/2011, Segunda Turma,
Data de Publicação: ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-034 DIVULG 15-02-2012
PUBLIC 16-02-2012).
Princípio da igualdade entre os filhos (art. 227, §6º, CF)
A Constituição Federal veda qualquer tratamento diferenciado entre os filhos,
independente de sua origem ou do vínculo afetivo (in)existente. É princípio que
impõe a igualdade de qualificações entre os filhos (extinguindo-se as
discriminatórias divisões:
filhos legítimos e ilegítimos ou espúrios - estes ainda qualificados como
adulterinos e incestuosos) e, principalmente, estabelecendo-se a igualdade de
direitos decorrentes da filiação e da sucessão.
Princípio da não equiparação entre o casamento e o
companheirismo
Embora muitos autores se esforcem em apontar argumentos para estabelecer a
equiparação entre casamento e companheirismo, fato é que se tratam de
institutos diferentes que, embora possam se equiparar em alguns aspectos, não
se confundem.
A Constituição Federal os trata de maneira diferenciada, bem como, o Código
Civil mantém a distinção. Se distintos não o fossem, por que autorizar a
conversão da união estável em casamento?
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 112
Nesse sentido, ensina Guilherme Calmon (2008, p. 98) que “não se pode
concordar com posição doutrinária no sentido de que não se mostra justificável
que o Código Civil de 2002 tenha atribuído deveres distintos para cônjuges e
companheiros; a circunstância de não existir hierarquia entre as entidades
familiares não se confunde com equiparação dos conteúdos das relações
jurídicas fundadas no casamento e no companheirismo”.
Função social
Por tudo isso, pode-se afirmar ter a família função social, sendo, dessa forma,
considerada base do Estado e gozando de proteção especial (art. 226, CF),
fruto das transformações econômicas e sociais. Por função social da família
deve-se entender ser ela o centro de formação do indivíduo e de sua
personalidade.
Afirma Ricardo Alves de Lima (2013, p. 118) que reconhecer a função social da
família é entendê-la como “a primeira célula social, vocacionada, funcionalizada
pelo ordenamento jurídico para ser espaço de realização das pessoas que a
compõem. Funciona, assim, não como um princípio, mas para a plena
realização dos princípios já existentes, em suas cargas normativas e, sobretudo,
para a efetividade do fundamento maior da Constituição: a dignidade”.
Relações familiares
Serve a expressão “função social da família” para efetivamente demonstrar a
alteração funcional das relações familiares a partir da Constituição Federal de
1988, convertendo-se agora a família em espaço destinado à formação,
desenvolvimento e amparo aos seus membros.
Trata-se de lhe conferir uma base solidarista e igualitária reconhecendo-se a
sua importância para a formação e manutenção da sociedade.
Encerramento
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 113
A família deixa de ser um fim em si mesmo, sendo agora considerada um locus
privilegiado para o desenvolvimento da personalidade de cada um de seus
membros, tendo por base a dignidade, o afeto e a solidariedade. Vamos ver
como todos os princípios vêm aparecendo na jurisprudência:
Princípio da paternidade
TJ-RJ-APELAÇÃO APL 00285062220128190208 RJ 0028506-22.2012.8.19.0208
Ementa: DIREITO DE FAMÍLIA. REVISÃO DE ALIMENTOS. Ação em que o
alimentante pretende a redução do encargo, fundado em alteração de sua
situação financeira. Nascimento de filha de segunda união que não enseja a
redução do pensionamento relativo à prole preexistente, mormente quando a
nova filha conta dois anos de idade e frequenta creche municipal. Aplicação do
princípio da paternidade responsável. Conjunto probatório pelo qual se verifica
possuir o alimentante outra fonte de renda além daquela por ele alegada.
Incomprovada a diminuição da capacidade financeira do recorrente.
Desprovimento do recurso. Data de publicação: 07/02/2014. APELAÇÃO CÍVEL -
FAMÍLIA - NASCIMENTO - REGISTRO CIVIL - RECONHECIMENTO DE
PATERNIDADE - SIMULAÇÃO - FALSIDADE -PATERNIDADE BIOLÓGICA -
PATERNIDADE SOCIOAFETIVA - ADOÇÃO DEVIDO PROCESSO - VÍNCULO
AFETIVO - INEXISTÊNCIA - EFEITOS - PATERNIDADE SOCIAL - ASSISTÊNCIA
MATERIAL - PRESTAÇÃO DE ALIMENTOS - DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA -
PATERNIDADE RESPONSÁVEL - "ADOÇÃO À BRASILEIRA": CONSEQUÊNCIAS
PERSISTENTES.
1. É nulo o ato de reconhecimento de filiação alheia como própria, se
dolosamente simulada a declaração de paternidade. 2. Embora nulo o negócio
jurídico simulado, o que se dissimulou subsiste se válido no conteúdo e na
forma. 3. Processo e sentença proferida em ação de adoção são requisitos
formais de validade do ato de registro da paternidade socioafetiva. 4. O afeto é
elemento de consolidação da relação parental, mas sua ausência não a
descaracteriza. 5. Só a extinção do vínculo afetivo entre pais e filhos não os
exime das obrigações e direitos legais derivados do poder/dever familiar. 6.
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 114
Ainda que não haja afeto, subsiste a relação de parentalidade social, fundada
nos princípios constitucionais da dignidade humana e da paternidade
responsável, orientados à preservação da família. 7. O dever de prestação de
alimentos é expressão da paternidade social de que se investe aquele que
voluntariamente reconheceu como próprio filho de outrem, ainda que ao
arrepio do devido processo ("adoção à brasileira"). V. V.P. APELAÇÃO CÍVEL.
FAMÍLIA. AÇÃO ANULATÓRIA DE REGISTRO DE NASCIMENTO. PATERNIDADE.
AUSÊNCIA DE VÍNCULO BIOLÓGICO CONFESSADO PELOS LITIGANTES.
DEMONSTRAÇÃO INEQUÍVOCA DE INEXISTÊNCIA DE VÍNCULO
SOCIOAFETIVO. RECURSO DESPROVIDO. I - Sabendo-se que o registro público
goza de presunção "juris tantum" de veracidade, sua desconstituição é
perfeitamente possível. II - Comprovada a inserção da paternidade no
assentamento civil mediante alegação de falso (inveracidade da declaração do
perfilhante), justificável a relativização da irrevogabilidade do reconhecimento
preconizada no art. 1.610 do CCB/2002, como autorizam os arts. 1.604 e 1.608,
ambos também do CCB/2002. III - Se as partes não controvertem quanto à
inexistência da paternidade biológica e se revelado inequivocamente nos autos
a inexistência da paternidade socioafetiva, inexorável concluir que o
assentamento civil que a estampa não prestigia a verdade real, o que suficiente
a seu desfazimento. (TJ-MG - AC: 10362100016314001 MG, Relator: Peixoto
Henriques, Data de Julgamento: 28/01/2014, Câmaras Cíveis/ 7ª CÂMARA
CÍVEL, Data de Publicação: 07/02/2014)
É em virtude desse princípio que, por exemplo, o Código Civil prevê as causas
de destituição do poder familiar - art. 1638, CC c/c art. 155 e ss., ECA.
TJ-PR - 9072068 PR 907206-8 (Acórdão) Ementa: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE
DESTITUIÇÃO DO PODER FAMILIAR. GENITORES QUE NÃO OSTENTAM
CONDIÇÕES DE EXERCER A MATERNIDADE/PATERNIDADE DE FORMA
RESPONSÁVEL. CONTEXTO PROBATÓRIO CONCLUSIVO. APLICAÇÃO DO
PRINCÍPIO DO MELHOR INTERESSE E DA PROTEÇÃO INTEGRAL. ART. 3º DA
CONVENÇÃO INTERNACIONAL SOBRE OS DIREITOS DA CRIANÇA E ART. 1º
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 115
DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. RECURSO CONHECIDO E
NÃO PROVIDO. Data de publicação: 22/08/2012.
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE DESTITUIÇÃO DO PODER FAMILIAR. ESTATUTO
DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. ESTUDO SOCIAL A RATIFICAR A
NECESSIDADE DE DESTITUIÇÃO DO PODER FAMILIAR. Verificado que a
apelante não apresenta condições psicológicas de cumprir com os deveres
decorrentes da maternidade, é de ser destituído o poder familiar, confirmada a
sentença do Juízo a quo. Apelação desprovida. (Apelação Cível Nº
70059564310, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Jorge
Luís Dall'Agnol, Julgado em 11/06/2014) (TJ-RS - AC: 70059564310 RS,
Relator: Jorge Luís Dall'Agnol, Data de Julgamento: 11/06/2014, Sétima
Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 13/06/2014).
Princípio da liberdade restrita e da beneficência
TRF-2 - APELAÇÃO CÍVEL AC 398948 RJ 2005.51.01.004958-3 (TRF-2) Ementa:
CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. ART. 226 DA CF E LEI Nº 9.263 /96.
DIREITO AO PLANEJAMENTO FAMILIAR. INSEMINAÇÃO ARTIFICIAL.
TRATAMENTO. DIREITO SUBJETIVO CONSTITUCIONAL. INEXISTÊNCIA.
URGÊNCIA. INOCORRÊNCIA. I - A norma constitucional que cuida do
planejamento familiar (art. 226, da CF), bem como a Lei nº 9.263 /96, que o
regula em nível infraconstitucional, determinam o respeito à liberdade de
decisão do casal acerca da prole e, abarcados nessa seara, o dever estatal de
propiciar recursos (educacionais e científicos) para o exercício desse direito,
assim como, por consectário lógico, a vedação de qualquer mecanismo
coercitivo por parte das instituições oficiais ou privadas que impeçam a
implementação do planejamento familiar. II - Nessa esfera de respeito e
garantia à liberdade de planejamento familiar assegurados constitucionalmente,
que se insere o dever estatal (educacional e científico) previsto no tratamento
normativo. Não se olvida que ao Estado incumbe, em seu papel solidarista e
humanista, dispensar a assistência necessária ao exercício do direito de
planejamento familiar, inserida nesse contexto a assistência à concepção e à
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 116
contracepção. Tal dever de assistência, todavia, não inclui nem autoriza direito
subjetivo constitucional à reprodução in vitro. III - Não se vislumbra
imprescindibilidade à saúde da Autora do tratamento pleiteado (inseminação
artificial), de forma a comprometer a sua integridade física, não obstante
respeitar-se a louvável pretensão deduzida, a maternidade. Data de publicação:
24/07/2007.
TJ-SP - Apelação APL 4730799820108260000 SP 0473079-98.2010.8.26.0000
(TJ-SP) Ementa: MEDICAMENTO. Disponibilização de tratamento gratuito para
a reprodução assistida pela rede pública de saúde. Não fornecimento de
medicamentos prescritos para o tratamento. Dever de ponderação entre o
direito ao planejamento familiar e o direito à vida. Aplicação, no presente caso,
do princípio da reserva do possível. Recurso improvido. Encontrado em: 7ª
Câmara de Direito Público 04/07/2011 - 4/7/2011 Apelação APL
4730799820108260000 SP 0473079-98.2010.8.26.0000 (TJ-SP) Moacir Peres.
Data de publicação: 04/07/2011 TJ-SC - Inteiro Teor. Apelação Cível: AC
20120530555 SC 2012.053055-5 Decisão: do planejamento familiar de forma
conjugada com os princípios da paternidade responsável... ao planejamento
familiar, tendo alcance bem mais amplo. Não se trata de mera recomendação
ética,... Familiar. Sentença de procedência. Insurgência da genitora, sob o
argumento de desejar mais uma chance... mudar de vida e para se adaptar aos
deveres decorrentes da maternagem. Evidência de maus tratos reiteirados e de
subnutrição, além de outras condutas incompatíveis com o munus. Infantes
que, além de sofrerem abuso físico por parte da mãe e de outros parentes
maternos, padecem diante da falta de condições básicas de saúde e higiene.
Crianças que apresentam severas cicatrizes de surras e castigos imoderados,
escabiose, pediculose e outras condições, características do abandono do qual
são vítimas. Circunstâncias aviltantes da especial dignidade do ser em
formação. Direito à infância plena que deve prevalecer, a despeito do desejo
materno de recuperar os filhos. Princípio do melhor interesse da criança
observado. Menores que se encontram já colocados, e bem adaptados, em
família substituta, visando à adoção. Recurso conhecido e desprovido. Data de
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 117
publicação: 29/08/2012.
Embora alguns julgados tenham negado o direito às técnicas de reprodução
humana assistida, fato é que o Estado reconheceu o acesso a essas técnicas
como direito fundamental intimamente ligado ao livre planejamento familiar.
Por isso, com base nesse princípio que, por exemplo, introduziu-se a pílula do
dia seguinte no Sistema Único de Saúde ou se garantiu acesso às técnicas de
reprodução humana assistida também pelo SUS (Portaria n. 3.149/2012).
• Receberão verba para realizar os procedimentos de Reprodução Humana
Assistida pelo SUS:
• Centro de Reprodução Assistida do Hospital Regional da Asa Sul
(HRAS), antigo HMIB, em Brasília, vinculado à Secretaria de Saúde do
DF.
• Centro de Referência em Saúde da Mulher, antigo Hospital Pérola
Byington, em São Paulo, vinculado à secretaria de saúde do Estado
de São Paulo.
• Hospital das Clínicas de São Paulo.
• Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto (SP).
• Hospital das Clínicas da UFMG, de Belo Horizonte (MG).
• Hospital Nossa Senhora da Conceição, Porto Alegre (RS).
• Hospital das Clínicas de Porto Alegre (RS).
• Instituto de Medicina Integral Prof. Fernando Figueira – IMIP, em
Recife (PE).
Embora não seja um direito absoluto, entende-se que é vedado a qualquer
instituição pública ou privada intervir coercitivamente nas escolhas pessoais
referentes ao livre planejamento familiar. Mas vamos pensar: pessoas
internadas em instituições para tratamento de transtornos mentais: pode essa
instituição obrigá-las a tomar anticoncepcional? Qual deveria ser o princípio
aqui protegido: livre planejamento familiar ou dignidade da pessoa humana?
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 118
Princípio da solidariedade familiar
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE ALIMENTOS. DESCENDENTE EM FAVOR DO
ASCENDENTE. DEVER DE SOLIDARIEDADE ENTRE OS FAMILIARES. Situação
dos autos que não comprova a necessidade da genitora em receber os
alimentos, nem as possibilidades do filho em alcançá-los. Apelação Cível
desprovida. (Apelação Cível Nº 70056668759, Sétima Câmara Cível, Tribunal de
Justiça do RS, Relator: Jorge Luís Dall'Agnol, Julgado em 18/12/2013) (TJ-RS -
AC: 70056668759 RS, Relator: Jorge Luís Dall'Agnol, Data de Julgamento:
18/12/2013, Sétima Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia
20/01/2014).
ALIMENTOS ENTRE CÔNJUGES. DEVER DE MÚTUA ASSISTÊNCIA.
SOLIDARIEDADE FAMILIAR. DEPENDÊNCIA FINANCEIRA. BINÔMIO
NECESSIDADE-POSSIBILIDADE. O artigo 1694 do Código Civil prevê a
obrigação de prestar alimentos entre cônjuges, a qual se funda no dever de
mútua assistência e no Princípio Constitucional da Solidariedade. Comprovada a
necessidade da apelada, bem como a possibilidade do apelante, este tem o
dever de prestar alimentos àquela. Preliminares afastadas. Sentença Mantida.
Recurso Improvido. (TJ-BA - APL: 00006251820088050235 BA 0000625-
18.2008.8.05.0235, Relator: Augusto de Lima Bispo, Data de Julgamento:
25/06/2012, Primeira Câmara Cível, Data de Publicação: 17/11/2012) AÇÃO DE
CONHECIMENTO - PRETENSÃO AO RECEBIMENTO DE PENSÃO VITALÍCIA POR
MORTE DE FILHA QUE ERA SERVIDORA PÚBLICA (MÉDICA) DA SECRETARIA
DE ESTADO DA SAÚDE - NECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO DE DEPENDÊNCIA
ECONÔMICA DO SERVIDOR - ARTS. 215 E 217, I, D DA LEI 8.112/90. - AJUDA
FINANCEIRA DECORRENTE DO PRINCÍPIO DA SOLIDARIEDADE FAMILIAR
SEGUNDO O QUAL OS PARENTES DEVEM AJUDAR UNS AOS OUTROS, QUE
NÃO SE CONFUNDE COM DEPENDÊNCIA ECONÔMICA. RECEBIMENTO DE
EXPRESSIVA PENSÃO DO EX-MARIDO. 1. A DEPENDÊNCIA ECONÔMICA DOS
PAIS EM RELAÇÃO AOS FILHOS NÃO É PRESUMIDA, DEVENDO SER
COMPROVADA DE FORMA ESTREME DE DÚVIDAS, SENDO AINDA CERTO QUE
A APELANTE USUFRUI DE RAZOÁVEL PENSÃO DO EX-MARIDO E SE A FILHA
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 119
QUE VEIO A ÓBITO LHE PRESTAVA AJUDA FINANCEIRA TAL FATO, POR SI SÓ,
NÃO PODE CONDUZIR À INTELECÇÃO NO SENTIDO DE QUE A APELANTE
FOSSE SUA DEPENDENTE, ATÉ PORQUE CONSTITUI DEVER DOS PARENTES,
EM NOME DO PRINCÍPIO DA SOLIDARIEDADE FAMILIAR, SOCORRER UNS AOS
OUTROS. 1.1 É DIZER AINDA: PARA A CONCESSÃO DO BENEFÍCIO
INSTITUÍDO NO ART. 217, II, D, DA LEI 8.112/90, AFIGURA-SE NECESSÁRIA A
COMPROVAÇÃO DA DEPENDÊNCIA ECONÔMICA. 2. "ASSIM, A AUTORA, POR
MOTIVOS QUE NÃO MERECEM ATENÇÃO NESSA DEMANDA, ASSUMIU
INJUSTIFICADAMENTE O SUSTENTO DE TODA A SUA FAMÍLIA, E DE ALGUMA
FORMA QUER DIVIDIR O FARDO EXCESSIVO QUE LHE FOI IMPOSTO COM OS
COFRES PÚBLICOS, SEM OSTENTAR CONDIÇÕES LEGAIS PARA TANTO". 3.
PRECEDENTE DA CASA. 3.1 "PARA SER BENEFICIÁRIA DE PENSÃO VITALÍCIA
PELA MORTE DO SERVIDOR FALECIDO, A SUA MÃE DEVE COMPROVAR QUE
DELE DEPENDIA ECONOMICAMENTE, DEPENDÊNCIA ESSA QUE NÃO SE
CONFUNDE COM O REFORÇO QUE O FILHO DAVA AO ORÇAMENTO
DOMÉSTICO, TAMBÉM INTEGRADO POR OUTRAS FONTES DE RENDA".
(DESEMBARGADOR FERNANDO HABIBE, 4ª TURMA CÍVEL, APELAÇÃO
20060110161500APC). 4. SENTENÇA MANTIDA POR SEUS IRRESPONDÍVEIS
FUNDAMENTOS. (TJ-DF - APL: 59241320068070001 DF 0005924-
13.2006.807.0001, Relator: JOÃO EGMONT, Data de Julgamento: 29/09/2010,
5ª Turma Cível, Data de Publicação: 05/10/2010, DJ-e Pág. 147).
Princípio do melhor interesse da criança e do adolescente
ADMINISTRATIVO E PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. REVERSÃO.
NETO INVÁLIDO QUE ESTAVA SOB GUARDA DA AVÓ PENSIONISTA.
EQUIPARAÇÃO A FILHO PREVISTA EM LEI ESTADUAL. INTERPRETAÇÃO
COMPATÍVEL COM A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E COM O PRINCÍPIO DE
PROTEÇÃO INTEGRAL DO MENOR. SEGURANÇA CONCEDIDA. 1. A dignidade da
pessoa humana, alçada a princípio fundamental do nosso ordenamento jurídico,
é vetor para a consecução material dos direitos fundamentais e apenas estará
assegurada quando for possível ao homem uma existência compatível com uma
vida digna, na qual estão presentes, no mínimo, saúde, educação e segurança.
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 120
2. Esse princípio, tido como valor constitucional supremo, é o próprio núcleo
axiológico da Constituição, em torno do qual gravitamos direitos fundamentais,
auxiliando na interpretação e aplicação de outras normas. 3. Não é dado ao
intérprete atribuir à norma jurídica conteúdo que atente contra a dignidade da
pessoa humana e, consequentemente, contra o princípio de proteção integral e
preferencial a crianças e adolescentes, já que esses postulados são a base do
Estado Democrático de Direito e devem orientar a interpretação de todo o
ordenamento jurídico. 4. O art. 33, § 3º, da Lei 8.069/90 determina que "a
guarda confere à criança ou adolescente a condição de dependente, para todos
os fins e efeitos de direito, inclusive previdenciários". 5. No caso, a avó paterna,
pensionista de membro do Ministério Público de Minas Gerais, por decisão
judicial transitada em julgado, obteve a tutela do impetrante, ante a ausência
de condições financeiras dos pais biológicos. 6. O art. 149, § 1º, da Lei
Complementar Estadual n.º 34/94, determina que a parcela da pensão
destinada ao cônjuge sobrevivente reverterá em benefício dos filhos, em caso
de morte da pensionista. Essa norma, em momento algum, limitou o instituto
da reversão aos filhos do segurado. É plenamente possível, e mesmo
recomendável, em face dos princípios já declinados, interpretá-la de modo a
abarcar, também, os filhos da cônjuge sobrevivente, para evitar que fiquem
desamparados materialmente com o passamento daquela que os mantinha. 7.
Ademais, a tutela do impetrante concedida judicialmente à avó transferiu à
tutora o pátrio poder, de modo que o neto tutelado, pelo menos para fins
previdenciários, pode e deve ser equiparado a filho da pensionista, o que
viabiliza a incidência da norma. 8. A Lei Complementar Estadual n.º 64/2002,
que "institui o regime próprio de previdência e assistência social dos servidores
públicos do Estado de Minas Gerais", no art. 4º, § 3º, II, equipara a filho o
menor sob tutela judicial. 9. Na espécie, é fato incontroverso que o impetrante
teve sua tutela deferida à avó, que durante anos foi responsável por seu
sustento material. Assim, impõe-se a observância da regra contemplada no art.
4º, § 3º, II, da Lei Complementar Estadual n.º 64/2002, devendo o impetrante
ser equiparado a filho sem as limitações impostas pelo acórdão recorrido. 10.
Havendo regra a tutelar o direito perseguido em juízo, não deve o julgador
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 121
adotar exegese restritiva da norma, de modo a mesquinhar o postulado da
dignidade da pessoa humana e inibir a plena eficácia do princípio da proteção
integral do menor, sobretudo quando comprovada a sua invalidez permanente.
11. Recurso ordinário provido. (STJ - RMS: 33620 MG 2011/0012823-2, Relator:
Ministro CASTRO MEIRA, Data de Julgamento: 06/12/2011, T2 - SEGUNDA
TURMA, Data de Publicação: DJe 19/12/2011).
DIREITO CIVIL. CRIANÇA E ADOLESCENTE. GUARDA DE MENORES EM
SITUAÇÃO DE RISCO. GENITORES QUE LITIGAM PELA CUSTÓDIA DOS
FILHOS. INFÂNCIA E JUVENTUDE. PROTEÇÃO INTEGRAL DA CRIANÇA E DO
ADOLESCENTE. ART. 227 DA CF/88 E ART. 1º DO ECA. PRINCÍPIO DA
PROTEÇÃO INTEGRAL DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. ESTUDO DE CASO
EFETIVADO ANTERIORMENTE PELA SECRETARIA PSICOSSOCIAL DO
TRIBUNAL. RELATÓRIO DO CONSELHO TUTELAR INCONCLUSIVO.
CONTRADIÇÃO INSUPERÁVEL ENTRE AMBOS. MELHOR INTERESSE DOS
INFANTES. NÃO OBSERVÂNCIA. PROVA INSUFICIENTE PARA GARANTIR QUE
OS MENORES ESTARIAM PROTEGIDOS NA COMPANHIA DOS PAIS. AUSÊNCIA
DE ESTUDO DE CASO MAIS ATUALIZADO. DIREITOS INDISPONÍVEIS.
CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA. VIOLAÇÃO. NULIDADE DA SENTENÇA
SUSCITADA DE OFÍCIO. SENTENÇA CASSADA. APELAÇÃO DA RÉ
PREJUDICADA. 1. Segundo a aplicação da doutrina da absoluta primazia dos
interesses dos menores, o instituto da guarda constitui instrumento hábil para
resguardar a proteção integral que deve ser dispensada aos infantes e mais se
aproxima de um direito da criança, do adolescente e do jovem do que dos pais.
2. Os pais possuem o poder-dever da guarda, cabendo-lhes assistir, criar e
educar os filhos, além de cumprir e fazer cumprir as ordens judiciais, conforme
impõe o art. 229 da Carta Magna e art. 22 do ECA. Por isso, os genitores que
não atenderem à função e aos propósitos desse instituto, intrínsecos à
dignidade da pessoa humana, como medida punitiva, dentre outras, podem
perder esse poder-dever, nos termos dos art. 35 e 129, VIII, do ECA, sempre
que restar verificado que não possuem condições para atenderem às
necessidades essenciais dos filhos. 3. Na espécie, percebe-se que não há como
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 122
respaldar a proteção integral que deve ser destinada aos menores em questão
apenas na percepção de determinado conselheiro tutelar. Não se pode
esquecer por completo do relatório apresentado pela Sepsi, o qual, diante do
que restou apurado acerca dos responsáveis pelos infantes cerca de quatro
meses antes, ressaltara que era imperiosa a adoção imediata de medidas
protetivas em favor das crianças haja vista que elas estariam perigosamente
expostas à vulnerabilidade social na companhia do genitor, sem olvidar que a
genitora também não reunia as condições necessárias para abrigá-los. 4.
Lastreado no melhor interesse das crianças, com absoluta primazia, tal como
determina a lei maior, nota-se que, segundo o constatado por profissionais
altamente capacitados para elucidar questões como esta, embora existissem
mais indícios de que os genitores não poderiam ter a guarda dos filhos, optou-
se por abrir mão dessas conclusões em razão da percepção, não muito
esclarecida, do conselheiro tutelar que acompanhava a situação, sem ao menos
obter um laudo conclusivo sobre as circunstâncias vividas pelos infantes que
estavam até então em estado de perigo social, o que se mostra desarrazoado.
5. Não há como assegurar, na hipótese, que o resultado da lide tenha
observado, suficientemente e com absoluta prioridade, o princípio do melhor
interesse da criança e do adolescente, uma vez que até aqui há uma
contradição insuperável entre o que restou verificado pela equipe técnica deste
tribunal e o conselheiro tutelar que ficou com a atribuição de acompanhar o
caso. Situação esta que infringe de morte a sentença proferida, na medida em
que os autos necessitam de maior dilação probatória a fim de que essas
questões antagônicas sejam perscrutadas com apoio na participação da equipe
multidisciplinar desta casa com formulação de novo laudo de estudo de caso
mais atual. Com isso, busca-se garantir, em sua plenitude, especialmente aos
desprotegidos, uma apuração mais eficaz dos fatos, em consonância com a
ampla defesa e o contraditório. 6. Tratando-se de direito indisponível a envolver
o melhor interesse de menores hipoteticamente em situação de risco, a questão
merece ser apurada com mais afinco, por meio de estudo de caso atual e
conclusivo. Nesse passo, a sentença é nula posto que baseada em prova
insuficiente para atestar com segurança se as crianças estariam protegidas na
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 123
companhia paterna. Por essa razão o "decisum" ofendeu o princípio
constitucional da proteção integral da criança e do adolescente, uma vez
ausente prova cabal no sentido de garantir aos infantes uma tutela judicial
adequada às circunstâncias em que eles de fato estão inseridos. Por sua vez,
essa irregularidade pode e deve ser conhecida de ofício pelo julgador, por se
tratar de questão de ordem pública. 7. Por conseguinte, impõe-se a cassação
da sentença a fim de que outra seja proferida em seu lugar não sem que antes
se determine a regularização do feito para se pesquisar, efetivamente, com
apoio de profissionais competentes do quadro deste tribunal, se o genitor ou
mesmo a genitora, atualmente, em ordem à mencionada regra fundamental,
possuem condições de receber a guarda da prole ou, ao contrário, se devem
ser tomadas medidas protetivas em favor dos filhos. 8. Recurso conhecido.
Preliminar de nulidade da sentença suscitada de ofício. Sentença cassada.
Apelação da ré prejudicada. (TJ-DF - APC: 20120130035030, Relator:
Desembargador não cadastrado, Data de Julgamento: 26/02/2014, Órgão não
cadastrado, Data de Publicação: Publicado no DJE : 06/03/2014 . Pág.: 71)
TJ-RJ - AGRAVO DE INSTRUMENTO AI 101846420108190000 RJ 0010184-
64.2010.8.19.0000 Ementa: AGRAVO DE INSTRUMENTO. GUARDA
PROVISÓRIA. REGULARIZAÇÃO DE SITUAÇÃO FÁTICA. CRIANÇA SOB A
GUARDA DOS AGRAVADOS DESDE O NASCIMENTO. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO
DO MELHOR INTERESSE DO MENOR. 1. A questão se refere à discordância do
Ministério Público quanto ao deferimento da guarda provisória da criança Oliver
Bulhões aos agravados, a qual já vinha sendo exercida por estes, ao argumento
de que deveria ter sido respeitada a lista de antiguidade do cadastro de
pessoas habilitadas. 2. Mãe biológica do menor que elegeu os agravados para
entregar seu filho em adoção, sendo certo que tal modalidade não é vedada
pelo ordenamento jurídico. 3. O Estatuto da Criança e do Adolescente tem
como alicerce os princípios do melhor interesse, paternidade responsável e
proteção integral. 4. A criança encontra-se sob a guarda dos agravados desde o
nascimento e os documentos acostados demonstram que os agravados vêm
adotando os cuidados necessários ao desenvolvimento sadio do menor. 5. Em
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 124
sede de cognição perfunctória, não se pode desprezar a circunstância fática que
delineia cada caso, desconsiderando a vontade da mãe e a relação afetiva que
já envolveu o menor e a nova família que o acolheu, provocando sofrimento
desnecessário e sem qualquer justificativa legítima em que se possa apoiar. 6.
É evidente que a análise do pleito deve ser norteada pela proteção ao melhor
interesse da criança, sendo certo que, nesse momento processual, a
manutenção do menor sob os cuidados dos agravados atenderá melhor seus
interesses. 7. Desprovimento do recurso. Data de publicação: 17/11/2010.
Princípio da afetividade
DIREITO DE FAMÍLIA. GUARDA DE MENOR PLEITEADA POR AVÓS.
POSSIBILIDADE. PREVALÊNCIA ABSOLUTA DO INTERESSE DA CRIANÇA E DO
ADOLESCENTE OBSERVADA. 1. É sólido o entendimento segundo qual mesmo
para fins de prequestionamento, a oposição de embargos de declaração não
prescinde de demonstração da existência de uma das causas listadas no art.
535 do CPC, inocorrentes, no caso. 2. No caso em exame, não se trata de
pedido de guarda unicamente para fins previdenciários, que é repudiada pela
jurisprudência. Ao reverso, o pedido de guarda visa à regularização de situação
de fato consolidada desde o nascimento do infante (16.01.1991), situação essa
qualificada pela assistência material e afetiva prestada pelos avós, como se pais
fossem. Nesse passo, conforme delineado no acórdão recorrido, verifica-se uma
convivência entre os autores e o menor perfeitamente apta a assegurar o seu
bem-estar físico e espiritual, não havendo, por outro lado, nenhum fato que
sirva de empecilho ao seu pleno desenvolvimento psicológico e social. 3. Em
casos como o dos autos, em que os avós pleiteiam a regularização de uma
situação de fato, não se tratando de “guarda previdenciária”, o Estatuto da
Criança e do Adolescente deve ser aplicado tendo em vista mais os princípios
protetivos dos interesses da criança. Notadamente porque o art. 33 está
localizado em seção intitulada “Da Família Substituta”, e, diante da expansão
conceitual que hoje se opera sobre o termo “família”, não se pode afirmar que,
no caso dos autos, há, verdadeiramente, uma substituição familiar. 4. O que
deve balizar o conceito de “família” é, sobretudo, o princípio da afetividade, que
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 125
“fundamenta o direito de família na estabilidade das relações socioafetivas e na
comunhão de vida, com primazia sobre as considerações de caráter patrimonial
ou biológico”. (STJ - REsp: 945283 RN 2007/0079129-4, Relator: Ministro LUIS
FELIPE SALOMÃO, Data de Julgamento: 15/09/2009, T4 - QUARTA TURMA,
Data de Publicação: DJe 28/09/2009).
AÇÃO DE GUARDA. SENTENÇA QUE CONCEDE A GUARDA COMPARTILHADA
DO MENOR PARA SUA MÃE E BISAVÓ MATERNA. INSURGÊNCIA DO
MINISTÉRIO PÚBLICO SOB O ARGUMENTO DE GUARDA PARA FINS
PREVIDENCIÁRIOS. INSUBSISTÊNCIA. ELEMENTOS SUFICIENTES A
DEMONSTRAR O COMPARTILHAMENTO DO MUNUS NA PRÁTICA, ALÉM DO
COMPROMETIMENTO DE AMBAS AS MULHERES NA CRIAÇÃO, CUIDADOS E
EDUCAÇÃO DO MENOR. CRIANÇA QUE, JUNTAMENTE COM SUA MÃE, RESIDE
E CONVIVE, DESDE O NASCIMENTO, COM A BISAVÓ, PESSOA
PREPONDERANTEMENTE RESPONSÁVEL PELO SEU SUSTENTO. PROVIDÊNCIA
QUE DENOTA A PREOCUPAÇÃO COM O FUTURO DO INFANTE, PRIORIZANDO-
O. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. É de se destacar, a propósito, que o
atual paradigma familiar segue os princípios da afetividade e da solidariedade,
encontrando respaldo constitucional em suas mais variadas feições e abrigando
juridicamente arranjos pouco convencionais. Cabe, então, ao julgador, sob a
óptica do melhor interesse da criança, reconhecer legalmente tais entidades
familiares, a fim de garantir-lhe o atendimento de suas necessidades mais
básicas, como segurança, saúde, educação, convivência familiar e comunitária,
entre outros tantos. (TJ-SC - AC: 20120802418 SC 2012.080241-8 (Acórdão),
Relator: Ronei Danielli, Data de Julgamento: 19/06/2013, Sexta Câmara de
Direito Civil Julgado, Data de Publicação: 09/07/2013 às 08:51. Publicado Edital
de Assinatura de Acórdãos Inteiro teor Nº Edital: 6351/13 Nº DJe:
Disponibilizado no Diário de Justiça Eletrônico Edição n. 1667 -
<www.tjsc.jus.br>)
Princípio do pluralismo e entidade humana
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 126
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE CONSIGNAÇÃO EM PAGAMENTO. SEGURO DE
VIDA EM GRUPO. INSTITUIÇÃO QUE, DIANTE DO FALECIMENTO DO
SEGURADO SEM EXPRESSA MENÇÃO DE BENEFICIÁRIO, PAGA METADE DO
PRÊMIO AOS FILHOS E CONSIGNA A OUTRA METADE. DISPUTA ENTRE
CÔNJUGE E COMPANHEIRA. INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 792 DO CC.
SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA DA AÇÃO, RECONHECENDO, AO FINAL, O
DIREITO DA CONVIVENTE AO LEVANTAMENTO DA VERBA DEPOSITADA.
INSURGÊNCIA DA EX-MULHER. APRESENTAÇÃO DA CERTIDÃO DE
CASAMENTO. ALEGAÇÃO DE RELAÇÃO ADÚLTERA, SEM INTENÇÃO DE
CONSTITUIÇÃO DE FAMÍLIA. SEPARAÇÃO MERAMENTE DE FATO QUE NÃO
AFASTA A CARACTERIZAÇÃO DA UNIÃO ESTÁVEL (ART. 1.723, § 1º DO
CC/02). RELAÇÃO AFETIVA PÚBLICA, CONTÍNUA E DURADOURA, ALÉM DE
FARTAMENTE DOCUMENTADA. INTERPRETAÇÃO QUE MELHOR CONCRETIZA
OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA PLURALIDADE DAS ENTIDADES
FAMILIARES E DA SOLIDARIEDADE FAMILIAR E CONJUGAL. SENTENÇA
MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. (TJ-SC - AC: 20100269423
SC 2010.026942-3 (Acórdão), Relator: Ronei Danielli, Data de Julgamento:
15/08/2012, Sexta Câmara de Direito Civil Julgado).
CIVIL E CONSTITUCIONAL. ECA. SUPRIMENTO DE IDADE PARA CASAMENTO.
GRAVIDEZ. IDADE COMO CRITÉRIO NÃO EXCLUSIVO DE CAPACIDADE CIVIL.
ESTADO LIBERDADE E PLURALIDADE DE CREDO. ISONOMIA DAS ENTIDADES
FAMILIARES. 1. NÃO OBSTANTE A IDADE NÚBIL DEFINIDA PELO ART. 1.517
DO CÓDIGO CIVIL DE 2002 HAVER SIDO DEFINIDA EM DEZESSEIS ANOS,
EXIGINDO-SE A AUTORIZAÇÃO DOS REPRESENTANTES, ESSE DIPLOMA
PERMITE, EXCEPCIONALMENTE, EM SEU ART. 1.520, O CASAMENTO DE
ADOLESCENTES MENORES DE DEZESSEIS ANOS GRÁVIDAS, DESDE QUE
GRÁVIDAS OU PARA EVITAR CUMPRIMENTO DE PENA CRIMINAL. 2. O
CÓDIGO CIVIL DE 2002 OBSERVOU CRITÉRIOS OUTROS, QUE NÃO SOMENTE
IDADE, PARA AFERIR TAL MATURIDADE DA PESSOA, CONSUBSTANCIANDO O
CASAMENTO APENAS UMA DAS CINCO SITUAÇÕES DESCRITAS NO
PARÁGRAFO ÚNICO DE SEU ART. 5º 3. A CAPACIDADE NÚBIL ENCONTRA-SE
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 127
EM PERFEITA CONSONÂNCIA COM A CAPACIDADE CIVIL E O ESTATUTO DA
CRIANÇA E DO ADOLESCENTE, UMA VEZ QUE A IDADE É SOMENTE UM DOS
VÁRIOS REQUISITOS PARA AFERIR MATURIDADE PARA PRÁTICA E
RESPONSABILIDADE PELOS ATOS DA VIDA CIVIL. 4. UM ESTADO LAICO NÃO
CONFIGURA UM ESTADO ATEU, IMPEDINDO SEUS CIDADÃOS DE PRATICAR
QUAISQUER CULTOS OU RELIGIÕES. TRATA-SE, APENAS, DE UM ESTADO EM
QUE, NO CONTEXTO POLÍTICO-JURÍDICO DEMOCRÁTICO, NENHUMA CRENÇA
ORIENTA, OFICIALMENTE, O GOVERNO DE DETERMINADO PAÍS. UM ESTADO
LAICO É AQUELE QUE DEFENDE A LIBERDADE E A PLURALIDADE DE CREDOS,
CONFORME O INCISO VI DO ART. 5º DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.
PORTANTO, EMBORA O ART. 1.520 DO CÓDIGO CIVIL DE 2002 POSSA
CONTER ORIGEM HISTÓRICO-CATÓLICA, CONSUBSTANCIA UM DISPOSITIVO
LAICO, POIS NÃO OBRIGA A ADOLESCENTE GRÁVIDA A SE CASAR, APENAS
POSSIBILITA À GESTANTE MENOR ESSA OPÇÃO DE CONSTITUIÇÃO DE
SOCIEDADE MATRIMONIAL, OBEDECIDOS OS REQUISITOS LEGAIS. 5. DA
MESMA FORMA QUE NÃO SE PODE CONFUNDIR FAMÍLIA E CASAMENTO, O
SIMPLES RECONHECIMENTO DA UNIÃO ESTÁVEL E DA COMUNIDADE
FORMADA POR QUALQUER DOS PAIS E SEUS DESCENDENTES - ART. 226 DA
CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 - COMO ENTIDADES FAMILIARES NÃO
TERIA O CONDÃO DE EQUIPARÁ-LAS AO MATRIMÔNIO, HAVENDO, CADA UM
DESSES INSTITUTOS, CARACTERÍSTICAS PRÓPRIAS E DIFERENCIADAS,
PODENDO O CIDADÃO, DE ACORDO COM SEU INTERESSE E LIBERDADE,
ESCOLHER PELA FORMA DE CONSTITUIÇÃO DE FAMÍLIA QUE MAIS LHE
CONVÉM. 6. APELO PROVIDO, PARA, COM A MAIS RESPEITOSA VÊNIA À
DOUTA MAGISTRADA A QUO, REFORMAR A R. SENTENÇA, AUTORIZANDO O
CASAMENTO DA APELANTE COM O NUBENTE, SOB O REGIME DE SEPARAÇÃO
OBRIGATÓRIA DOS BENS, NOS TERMOS DO INCISO III DO ART. 1.641 DO
CÓDIGO CIVIL DE 2002. (TJ-DF - APL: 694582320098070001 DF 0069458-
23.2009.807.0001, Relator: FLAVIO ROSTIROLA, Data de Julgamento:
16/12/2009, 1ª Turma Cível, Data de Publicação: 25/01/2010, DJ-e Pág. 53).
Princípio da convivência familiar
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 128
AUTORIZAÇÃO JUDICIAL PARA MENOR VISITAR PAI RECOLHIDO EM
ESTABELECIMENTO PRISIONAL - DIREITO DE VISITA COMO FORMA DE
GARANTIR A CONVIVÊNCIA FAMILIAR E A RESSOCIALIZAÇÃO DO PRESO -
APLICAÇÃO DO ARTIGO 41, X, DA LEI Nº 7.210/84 - PRINCÍPIO DO MELHOR
INTERESSE DA CRIANÇA - AUSÊNCIA DE ELEMENTOS CAPAZES DE
CARACTERIZAR O ALEGADO RISCO À SEGURANÇA E À INTEGRIDADE FÍSICA
DOS MENORES - MANUTENÇÃO DA DECISÃO. 1 - O direito de visitas previsto
no art. 41, X, da Lei nº 7.210/84 configura importante instrumento para
garantir a convivência familiar e o processo de ressocialização do reeducando,
somente podendo ser restringido em hipóteses excepcionais, devidamente
fundamentadas em fatos capazes de indicar a inconveniência do exercício da
faculdade legal e que evidenciem riscos à integridade física e moral do visitante.
2 - Para deferimento da autorização judicial para os filhos menores visitar o pai
recolhido em estabelecimento prisional deve-se levar em conta o princípio
constitucional do melhor interesse da criança, que decorre do princípio da
dignidade humana, centro do nosso ordenamento jurídico atual. 3 - Não
evidenciado, em concreto, motivo suficiente a caracterizar risco à segurança e à
integridade física dos menores, a autorização para os filhos visitarem seu
genitor no estabelecimento prisional deve ser concedida, em razão da proteção
constitucional da entidade familiar através do afeto e da garantia de
convivência, ainda que no ambiente carcerário. (TJ-MG - AC:
10521130036549001 MG, Relator: Sandra Fonseca, Data de Julgamento:
17/09/2013, Câmaras Cíveis / 6ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação:
27/09/2013).
Princípio da igualdade entre os filhos
APELAÇÃO CÍVEL. ALIMENTOS. BINÔMIO POSSIBILIDADE-NECESSIDADE.
PRINCÍPIO DA IGUALDADE ENTRE OS FILHOS. RELATIVIZAÇÃO.
POSSIBILIDADE. MENOR QUE APRESENTA NECESSIDADES ESPECIAIS. Reza o
§ 1º do art. 1.694 do Novo Código Civil que "os alimentos devem ser fixados na
proporção das necessidades do reclamante e dos recursos da pessoa obrigada".
Logo, o quantum da verba alimentar deve ser fixado com arrimo no binômio
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 129
possibilidade/necessidade, respectivamente do alimentante e do alimentando.
Caso concreto em que o princípio da igualdade entre os filhos deve ser
relativizado, tendo em vista que o autor possui necessidades especiais, sendo
incontroversa a possibilidade financeira do alimentante de prestar auxílio ao
filho no patamar fixado na sentença. APELO DESPROVIDO. (Apelação Cível Nº
70054567789, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Sandra
Brisolara Medeiros, Julgado em 05/06/2013) (TJ-RS - AC: 70054567789 RS,
Relator: Sandra Brisolara Medeiros, Data de Julgamento: 05/06/2013, Sétima
Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 07/06/2013).
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE REVALIDAÇÃO DA ADOÇÃO.
ANULAÇÃO/REVOGAÇÃO DA ADOÇÃO. ATO INEFICAZ. PRINCÍPIO DA
IGUALDADE ENTRE OS FILHOS. 1. A adoção de pessoa maior de idade, ainda
que realizada sob a égide do Código Civil de 1916, que previa a possibilidade de
dissolução do vínculo (art. 374), não pode ser anulada/revogada em face do
princípio da igualdade entre os filhos, instituído pela Constituição Federal de
1988, em seu art. 227, § 6º, preceito que retroage no tempo, alcançando todo
o ordenamento jurídico e as relações estabelecidas. 2. Vedada qualquer
discriminação, independente da origem da filiação - legítima, legitimada,
adulterina ou adotiva, previstas no diploma civil revogado -, não pode haver
distinção no respeitante à idade no momento da adoção - maior ou menor de
idade -, aplicando-se a regra insculpida no art. 39, § 1º, do ECA, que dispõe ser
a adoção ato irrevogável. APELO PROVIDO. (Apelação Cível Nº 70057352114,
Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Sandra Brisolara
Medeiros, Julgado em 07/05/2014) (TJ-RS - AC: 70057352114 RS, Relator:
Sandra Brisolara Medeiros, Data de Julgamento: 07/05/2014, Sétima Câmara
Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 09/05/2014).
Princípio de não equiparação entre o casamento e o companheirismo
DIREITO CIVIL. CONVERSÃO DE UNIÃO ESTÁVEL EM CASAMENTO. PRINCÍPIO
DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA - ARTIGO 1º, III; VEDAÇÃO A
QUALQUER FORMA DE DISCRIMINAÇÃO - ARTIGO 3º, IV; PRINCÍPIO DA
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 130
IGUALDADE - ARTIGO 5º, CAPUT; PRINCÍPIO DA PROTEÇÃO INTEGRAL ÀS
ENTIDADES FAMILIARES EM SUAS MAIS DIVERSAS MODALIDADES DE
CONSTITUIÇÃO - ARTIGO 226, § 3º, TODOS DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.
INDEFERIMENTO DO PEDIDO PELO JUÍZO DE PRIMEIRO GRAU.
INTERPRETAÇÃO CONFORME O ARTIGO 1723 DO CÓDIGO CIVIL CONFERIDA
PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (ADIN 4277/DF) PARA EXCLUIR
QUALQUER SIGNIFICADO QUE IMPEÇA O RECONHECIMENTO DAS UNIÕES
HOMOAFETIVAS COMO ENTIDADES FAMILIARES, DESDE QUE CONFIGURADA
A CONVIVÊNCIA PÚBLICA, CONTÍNUA, DURADOURA E ESTABELECIDA COM O
OBJETIVO DE CONSTITUIÇÃO DE FAMÍLIA. INTERPRETAÇÃO TELEOLÓGICA E
SISTEMÁTICA DO CONCEITO DE FAMÍLIA, INSTITUIÇÃO PROTEGIDA PELO
ESTADO. RECURSO A QUE SE DÁ PROVIMENTO. Vencida a Des. Marilia de
Castro Neves. (TJ-RJ - APL: 00124834320128190000 RJ 0012483-
43.2012.8.19.0000, Relator: DES. MYRIAM MEDEIROS DA FONSECA COSTA,
Data de Julgamento: 22/08/2012, VIGÉSIMA CAMARA CÍVEL, Data de
Publicação: 17/10/2012 10:30).
APELAÇÃO VOLUNTÁRIA AÇÃO DECLARATÓRIA - COMPANHEIRA - ORDEM DE
VOCAÇÃO HEREDITÁRIA - IGUALDADE AO CÔNJUGE - RECURSO CONHECIDO
E IMPROVIDO. 1 - Independentemente de qualquer discussão sobre a questão
sucessória, deve ser destacada a intenção do legislador em incluir a
companheira na ordem da vocação hereditária, igualando-a ao cônjuge. 2 -
Assim, não se pode perder de vista o avanço desse posicionamento, aplaudido
pela melhor doutrina e consolidado pela jurisprudência pátria. 3 - Assim,
nenhuma modificação merece a sentença, que bem examinou a questão, até
mesmo em razão de tratar-se de uma ação declaratória. 4 - Recurso conhecido
e improvido. (TJ-ES - AC: 69980004647 ES 69980004647, Relator: ARIONE
VASCONCELOS RIBEIRO, Data de Julgamento: 19/05/2004, PRIMEIRA CÂMARA
CÍVEL, Data de Publicação: 12/08/2004).
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 131
Atividade proposta
Na discussão trazida por este episódio de Justice (da Harvard University),
questiona-se a validade dos contratos de maternidade de substituição. No
Brasil, a prática da maternidade de substituição é autorizada pela resolução
n.2013/2013, do Conselho Federal de Medicina, norma de conteúdo ético que
não tem força de lei.
Com base no que você estudou nesta aula e nas discussões constantes no
vídeo, é possível afirmar que no Brasil esses contratos podem ser considerados
válidos à luz da legislação civil e constitucional? Havendo recusa da mãe
gestacional em entregar a criança após o nascimento, como deveria o juiz
decidir?
Chave de resposta: A maternidade de substituição é um tema polêmico e
sobre o qual não há regulamentação legal específica no Brasil. Embora o CFM
autorize essa prática em contratos gratuitos e realizados entre parentes, fato é
que notícias dão conta de que a técnica e a contratação estão ocorrendo de
forma onerosa e entre não parentes.
Quanto à validade, parte da doutrina manifesta-se pela impossibilidade jurídica
do objeto, alguns porque o objeto seria a criança e, por óbvio, pessoa não pode
ser objeto de relação jurídica; outros pela impossibilidade de cessão do útero
(parte do corpo humano). Sob esses pontos de vista, o contrato seria inválido
(nulidade absoluta).
No entanto, outros tantos autores, invocando a autonomia privada e o princípio
do livre planejamento familiar, sustentam ser admissível essa forma de
contratação, sendo, portanto, negócio jurídico válido.
Não há, ainda, um posicionamento que se possa dizer majoritário. Quanto ao
inadimplemento contratual com a não entrega da criança pela mãe gestacional,
à luz dos princípios constitucionais, deverá o juiz decidir com base no melhor
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 132
interesse da criança, também não havendo ainda um posicionamento unânime
ou majoritário.
Em decisão de maio deste ano, o STJ reconheceu a um pai o direito de
permanecer com o filho gerado por uma prostituta. O caso não trata
especificamente do tema maternidade de substituição como decorrente de uma
técnica de reprodução humana assistida, mas sim, assemelha-se mais à
hipótese de adoção à brasileira.
De qualquer forma, a decisão tomada pelo STJ dá pistas sobre a tendência do
tribunal na análise de casos de maternidade de substituição, considerando
como válidos os contratos nesse sentido firmados e outorgando a paternidade e
a maternidade aos pais contratantes, observando-se a afetividade e o melhor
interesse da criança.
Material complementar
Para saber mais sobre o novo código civil e novas mudanças, leia os
artigos disponíveis em nossa biblioteca virtual.
Referências
FACHIN, Luiz Edson. Teoria crítica do direito civil. Rio de Janeiro: Renovar,
2012.
GAMA, Guilherme Calmon Nogueira (Coord.). Função social no direito civil.
2. ed. São Paulo: Atlas, 2008.
______. Princípios constitucionais de direito de família. São Paulo: Atlas,
2008.
LIMA, Ricardo Alves. Função social da família. Curitiba: Juruá, 2013.
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 133
SILVA, Marcos Alves. De filho para pai: uma releitura da relação paterno-filial a
partir do Estatuto da Criança e do Adolescente. In: Revista brasileira de
direito de família, Porto Alegre, a. 2, n. 6, jul./set. 2000.
Exercícios de fixação
Questão 1
Sobre o princípio da parentalidade responsável, é correto afirmar que:
a) Apenas os pais possuem responsabilidade com relação à sua prole, não
podendo se estender o princípio às mães.
b) É princípio que não pode ser invocado para determinar os alimentos
devidos aos filhos.
c) O princípio impõe a ambos os genitores responsabilidade individual e
social com relação aos filhos.
d) O princípio previsto constitucionalmente é nominado de paternidade
responsável, sendo um equívoco denominá-lo de parentalidade
responsável.
Questão 2
Sobre o princípio do livre planejamento familiar é correto afirmar que:
I. Sendo livre o planejamento familiar, veda-se ao Poder Público a realização de
campanhas informativas sobre métodos contraceptivos.
II. Sendo livre o planejamento familiar, não se impõe aos genitores a
parentalidade responsável, já que essa só pode se exigir de quem convive com
a criança ou adolescente.
III. Trata-se de princípio relacionado exclusivamente com a liberdade sexual.
IV. Embora não seja um princípio absoluto, veda-se a qualquer instituição
pública ou privada intervir coercitivamente nas escolhas pessoais referentes ao
planejamento familiar.
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 134
a) Estão corretas I e II
b) Está correta a alternativa IV
c) Estão corretas III e IV
d) Todas estão corretas
Questão 3
Certo ou errado? Admitir a função social da família é admitir, assim como se
faz com os contratos, que a família tem apenas função econômica.
a) Certo
b) Errado
Questão 4
São repercussões do princípio da solidariedade familiar, EXCETO:
a) Responsabilidade subjetiva dos pais por atos dos filhos menores.
b) Comunhão plena de vida como finalidade do casamento.
c) Dever de prestar alimentos dos filhos em relação aos pais.
d) Mútua assistência material e moral entre os companheiros.
Questão 5
Sobre o princípio do melhor interesse da criança e do adolescente, é correto
afirmar que:
I. O Estatuto da Criança e do Adolescente apenas destina sua proteção aos
menores de 18 anos, em nada protegendo o nascituro.
II. É princípio que determina especial proteção da criança e do adolescente,
agora considerados sujeitos de direitos.
III. Não deve ser considerado princípio limitador do livre planejamento familiar.
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 135
IV. Não deve ser invocado para determinar a quem o juiz deferirá a guarda.
a) Estão corretas I e II
b) Está correta a alternativa II
c) Estão corretas III e IV
d) Todas estão corretas
Parentalidade: (Parental + -idade) substantivo feminino
1. Qualidade do que é parental.
2. Estado ou condição de quem é pai ou mãe (ex.: direitos de parentalidade).
Aula 5
Exercícios de fixação
Questão 1 - C
Justificativa: Trata-se de princípio que impõe a ambos os genitores a
responsabilidade individual e social com relação aos filhos, sendo melhor
denominá-lo de parentalidade responsável.
Questão 2 - B
Justificativa: O livre planejamento familiar tem função preventiva, que
comporta o direito à informação sobre métodos contraceptivos. Embora livre,
não dispensa os genitores da paternidade responsável, ainda que não convivam
diariamente com a criança e adolescente. Não é princípio que se relaciona
exclusivamente com a liberdade sexual, mas, sim, com a responsabilidade dos
genitores pelo sustento, desenvolvimento e educação da prole.
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 136
Questão 3 - B
Justificativa: A família, após a Constituição Federal de 1988, perde seu caráter
econômico (família patriarcal) para se reconhecer que possui função social, ou
seja, o locus de desenvolvimento da personalidade de cada um de seus
membros.
Questão 4 - A
Justificativa: A responsabilidade dos pais por atos dos filhos menores é objetiva
no Código Civil de 2002.
Questão 5 - B
Justificativa: O ECA também protege o nascituro. O melhor interesse da criança
deve ser considerado orientador do livre planejamento familiar. Deve ser
invocado para fundamentar as decisões com relação à guarda.
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 137
Introdução
Nesta aula, serão estudados os princípios gerais de Direito Contratual. Nosso
estudo terá início com a análise dos princípios contratuais clássicos para, em
seguida, confrontá-los com os princípios contemporâneos, compreendendo-se a
nova realidade doutrinária e jurisprudencial contratual.
Esta aula lhe dará subsídios para a compreensão do módulo: Tópicos Especiais
de Obrigações e Contratos.
Objetivo:
1. Compreender os princípios clássicos contratuais: autonomia privada,
relatividade dos efeitos dos contratos, pacta sunt servanda e intangibilidade;
2. Estudar os princípios contratuais contemporâneos: boa-fé objetiva,
probidade, dirigismo contratual, função social.
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 138
Conteúdo
Recapitulando
Estudamos nas aulas anteriores os impactos da Constituição Federal de 1988
sobre o Direito Privado brasileiro. Nesta aula, mais uma dessas transformações
será estudada: o abandono da visão patrimonialista imposta pelo Estado
Liberal, para a adoção de uma visão mais personalista trazida pelo Estado
Social, verificando o reflexo dessa transição na teoria contratual brasileira. Para
iniciar o nosso estudo, precisamos recordar o que é contrato. Você é capaz de
definir?
Conceito de contrato
Para darmos início ao nosso estudo sobre princípios gerais de direito contratual,
é importante entender o conceito deste assunto. Veja:
Contrato vem do latim contrahere, cuja inflexão conduz à contractus, que
significa ajuste, convenção ou pacto. Expressa, na sua origem, a ideia de
acordo de vontades para a realização de um fim desejado pelas partes
contratantes. Além do ajuste de vontades, a expressão contrato também é
comumente utilizada para designar o próprio instrumento contratual,
documento escrito pelo qual se realiza o ajuste.
Classicamente, contrato é definido como um instrumento de circulação de
riquezas, tendo função puramente econômica. Trata-se de negócio jurídico
bilateral que decorre de acordo de vontades que tem por finalidade modificar,
adquirir, resguardar, transferir ou extinguir direitos. Na sua acepção clássica, as
partes contratantes eram livres para pactuar o seu conteúdo, vez que seu
fundamento era puramente individualista, restringindo-se o seu teor às
questões patrimoniais ou econômicas.
Contemporaneamente, contrato “é a relação jurídica subjetiva, nucleada na
solidariedade constitucional, destinada à produção de efeitos jurídicos
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 139
existenciais e patrimoniais, não só entre os titulares subjetivos da relação,
como também perante terceiros” (NALIN, 2002, p. 255). Deixa-se de se lhe
reconhecer que tenha função puramente econômica, o que permite que tenha
por conteúdo, inclusive, direitos de personalidade. O contrato é definido como
um instrumento destinado à satisfação de necessidades humanas, sendo, por
isso, considerado instrumento de inclusão ou exclusão social estando, dessa
forma, intimamente ligado à noção de dignidade da pessoa humana.
Dois processos distintos
Embora não conceituado pelo Código Civil de 2002, entende-se que deve
prevalecer o entendimento contemporâneo, uma vez que o contrato possui,
sem dúvidas, raízes constitucionais. Reconhece-se, dessa forma, que o contrato
decorre de dois processos distintos:
Processo interno
decorre do exercício da liberdade de contratar, ou seja, a decisão de contratar.
Processo externo
decorre da exteriorização da vontade de contratar, é a liberdade contratual.
Atenção
Sobre esses processos, afirma Giorgio Oppo que a verdade é que
no contrato em geral se identifica um comportamento de espera
e de exigência diversa: não é apenas o momento de formação
da vontade que é tutelado. Trata-se de espera e de exigência
que devem ser conciliadas com todos; nessa conciliação que é
posta pelo interesse geral, fixada na essencialidade do acordo, a
limitação dos efeitos entre as partes, as regras de interpretação,
a equidade das partes no plano patrimonial, a aplicação do dar e
do ter (sinalagma) do direito geral das obrigações.
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 140
Funções dos contratos
Já quanto às funções dos contratos, a doutrina costuma indicar três:
a função econômica (instrumento de circulação de riquezas);
a função regulatória (conjunto de direitos e obrigações assumidas pelas partes
contratantes);
a função social (satisfação de interesses sociais - sendo esta a mais recente das
funções).
É nesse sentido que o contrato deve ser visto como instrumento de circulação
econômica (porque não há como se desvincular dessa característica) cujo
conteúdo não pode, ou pelo menos não deve, se contrapor a interesses gerais
(como vimos especialmente na aula 2).
E, ainda, que em tempos de reconstrução do Direito não seja aconselhável
formular novos conceitos, vale reforçar que o contrato, contemporaneamente,
deve ser considerado uma relação complexa solidária e não mero acordo de
vontades que apenas gera efeitos entre as partes contratantes.
Por isso, os princípios contratuais que estudaremos nesta aula, não há dúvidas,
aplicam-se à vontade exteriorizada, pois a vontade interna não tem como ser
verificada pelo Direito.
Princípios clássicos de direito contratual
Vimos em aulas anteriores que os princípios representam valores socialmente
amadurecidos e reconhecidos pela ordem jurídica.
• Autonomia Privada
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 141
• Relatividade dos Efeitos
• Obrigatoriedade
• Intangibilidade
Diante de sua importância, em especial, a partir do momento em que o
ordenamento civil passou a trabalhar com cláusulas gerais e conceitos jurídicos
indeterminados, iniciaremos o nosso estudo analisando os princípios clássicos
de Direito contratual: autonomia privada, relatividade dos efeitos dos contratos,
pacta sunt servanda e intangibilidade, princípios que sem dúvida representam
toda a ideologia do Estado Liberal quanto às relações privadas contratuais.
Princípio da autonomia privada
Interessa-nos, pois, estudar a autonomia privada cujo fundamento ou
pressuposto é, em termos imediatos, a liberdade como valor jurídico, e,
mediatamente, a concepção de que a pessoa é a causa do sistema social e
jurídico e de que a sua vontade, livremente manifestada, pode ser instrumento
de realização da justiça.
Vale ressaltar que, sob o ponto de vista jurídico, a liberdade é o poder de
praticar ou não, ao arbítrio do sujeito, todo ato-ordenado nem proibido por lei
e, de modo positivo, é o poder que as pessoas têm de optar entre o exercício e
o não exercício de seus direitos subjetivos. Permite ao indivíduo a atuação com
eficácia jurídica, que se concretiza em duas manifestações fundamentais: uma
subjetiva, que é o estabelecimento, modificação ou extinção de relações
jurídicas e outra objetiva, que é a normatização ou regulação jurídica dessas
mesmas relações.
Sendo a autonomia privada, esse poder de autorregulamentação das partes
contratantes, decorrente da liberdade individual, a autonomia acabou sendo
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 142
supervalorizada pelo Estado Liberal (Estado da intervenção mínima nas relações
privadas). O Direito Canônico já havia estabelecido a declaração de vontade
como fonte de obrigações; o Estado Liberal a valorizou ainda mais a tornando
absolutamente vinculante, reconhecendo-a como verdadeiro poder jurídico dos
particulares, que exercido nos limites da lei e dos bons costumes não poderia
estar sujeito à intervenção estatal.
Não há dúvidas, portanto, de que a concepção teórica da autonomia privada é
fruto do individualismo liberal, cujo principal fundamento era a liberdade como
poder jurídico que levou à construção do dogma da igualdade formal
contratual: o sujeito é livre para contratar, escolher com quem contratar e
estabelecer o conteúdo de seu contrato, não devendo o Estado intervir nessa
relação. Trata-se de dogma muito útil ao Estado Liberal, mas que, à medida
que se massificam as relações sociais e jurídicas, a absolutização da autonomia
privada revelou situações de abusividade que exigiram intervenção direta do
Estado a fim de se garantir a harmonia dessas relações e proteger a dignidade
da pessoa humana.
Com a intervenção estatal, a autonomia privada perdeu seu caráter de princípio
absoluto (liberal), persistindo, no entanto, como princípio básico da ordem
econômica-social, observados os limites estabelecidos pelo interesse social e
pela justiça social como orientadores fundamentais da liberdade contratual.
Vamos ver como esse princípio tem aparecido na jurisprudência?
RECURSO ESPECIAL. DIREITO EMPRESARIAL. CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE
SERVIÇOS. EXPANSÃO DE SHOPPING CENTER. REVISÃO DO CONTRATO.
QUANTIFICAÇÃO DOS PRÊMIOS DE PRODUTIVIDADE CONSIDERANDO A
SITUAÇÃO DOS FATORES DE CÁLCULO EM ÉPOCA DIVERSA DA PACTUADA.
INADMISSIBILIDADE. CONCREÇÃO DO PRINCÍPIO DA AUTONOMIA PRIVADA.
NECESSIDADE DE RESPEITO AOS PRINCÍPIOS DA OBRIGATORIEDADE
("PACTASUNT SERVANDA") E DA RELATIVIDADE DOS CONTRATOS ("INTER
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 143
ALIOSACTA"). MANUTENÇÃO DAS CLÁUSULAS CONTRATUAIS LIVREMENTE
PACTUADAS. Pedido de pagamento de prêmios de produtividade formulado por
sociedade contratada para a prestação de serviços de gerenciamento e de
comercialização relativos à expansão de Shopping Center. Ausência de
prequestionamento dos arts. 302 e 533 do CPC (Súmula211 do STJ).
Inexistência de dissídio jurisprudencial ou de violação ao art. 178, § 9º, V, b, do
CC/16, porque não determinada a anulação ou a rescisão do contrato, e de
contrariedade ao art. 556, par. único, do CPC, porque o pedido de vista não
obriga o magistrado a juntar voto escrito. Alegação em torno dos arts. 435, 436
e 535, II, do CPC inclusive o dissídio jurisprudencial, relativas ao mérito.
Revisão, pelo Tribunal de origem, em sede de embargos infringentes, das
cláusulas contratuais relativas aos prêmios de produtividade a fim de que a sua
quantificação considerasse a situação dos fatores de cálculo, como o valor dos
aluguéis dos lojistas, verificada após a data estipulada para o pagamento e a
extinção do contrato. Inaplicabilidade, neste aspecto, das Súmulas 5 e 7 deste
STJ. Concreção do princípio da autonomia privada no plano do Direito
Empresarial, com maior força do que em outros setores do Direito Privado, em
face da necessidade de prevalência dos princípios da livre iniciativa, da livre
concorrência e da função social da empresa. Reconhecimento da contrariedade
aos princípios da obrigatoriedade do contrato (art. 1056 do CC/16) e da
relatividade dos efeitos dos pactos, especialmente relevantes no plano do
Direito Empresarial, com a determinação de que o cálculo dos prêmios
considere a realidade existente na data em que deveriam ser pagos. Doutrina.
VIII - RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESTA PARTE,
PROVIDO, RESTABELECENDO-SE O ACÓRDÃO PROFERIDO EM SEDE DE
APELAÇÃO. (STJ - REsp: 1158815 RJ 2009/0195426-0, Relator: Ministro PAULO
DE TARSO SANSEVERINO, Data de Julgamento: 07/02/2012, T3 - TERCEIRA
TURMA, Data de Publicação: DJe 17/02/2012).
AGRAVO DE INSTRUMENTO. TUTELA ANTECIPADA. REQUISITOS. CONTRATO.
CLÁUSULA RESOLUTIVA EXPRESSA. AUTONOMIA PRIVADA. 1. Deve-se
prestigiar a autonomia da vontade dos contratantes, que livre e expressamente
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 144
pactuaram cláusula resolutiva, pela qual qualquer das partes pode resilir
unilateralmente o contrato, mediante denúncia prévia. 2. A ocorrência de
eventual hipótese de mitigação de tal princípio deve se encontrar
inequivocamente comprovada pela parte que a sustenta, sob pena de
indeferimento do pedido de tutela antecipada. (TJ-MG - AI:
10024122954159001 MG, Relator: Wagner Wilson, Data de Julgamento:
23/01/2014, Câmaras Cíveis/ 16ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação:
03/02/2014).
RECURSO INOMINADO. AÇÃO INDENIZATÓRIA. NEGATIVA DE CONCESSÃO DE
CRÉDITO. DANO MORAL INOCORRENTE. ÃMBITO DE DISCRICIONARIEDADE E
AUTONOMIA PRIVADA. SENTENÇA MANTIDA. Não enseja dano moral a mera
negativa de concessão de crédito em estabelecimento comercial. Ato que se
encontra no âmbito de discricionariedade e autonomia das relações privadas.
Ademais, inexistem provas no sentido de que o agir da demandada acarretou
lesão a direito de personalidade da demandante, não ultrapassando o mero
dissabor. Trata-se, com efeito, de mera contingência da vida moderna em
sociedade. Do mesmo modo, não se pode considerar como ilícita a conduta do
estabelecimento réu, que visa resguarda-se de futuro inadimplemento. Nestes
termos, não há se falar em dever indenizatório. Sentença mantida pelos
próprios fundamentos, nos termos do art. 46 da Lei 9.099/95. RECURSO
IMPROVIDO. (Recurso Cível Nº 71004205639, Segunda Turma Recursal Cível,
Turmas Recursais, Relator: Ketlin Carla Pasa Casagrande, Julgado em
16/08/2013) (TJ-RS - Recurso Cível: 71004205639 RS, Relator: Ketlin Carla
Pasa Casagrande, Data de Julgamento: 16/08/2013, Segunda Turma Recursal
Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 21/08/2013).
Princípio da Relatividade dos Efeitos dos Contratos
Vamos ver como esse princípio tem aparecido na jurisprudência?
PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS (telefonia) AÇÃO DE COBRANÇA. A ré não provou o
fato impeditivo do direito da autora: a transferência da linha telefônica com a
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 145
devida anuência da prestadora dos serviços. Responsabilidade da ré pelos
débitos. Princípio da relatividade dos efeitos dos contratos. Recurso provido.
(TJ-SP - APL: 9147127132005826. SP 9147127-13.2005.8.26.0000, Relator:
Antônio Benedito Ribeiro Pinto, Data de Julgamento: 28/09/2011, 25ª Câmara
de Direito Privado, Data de Publicação: 01/10/2011).
SEGURO DE VEÍCULO - AÇÃO DE RESSARCIMENTO DE DANOS - A franquia é a
parte que o segurado paga, em caso de acidente com o automóvel segurado,
diretamente ao prestador de serviço. Se a seguradora concede desconto no
valor da franquia ao segurado, deve abater do montante da indenização o valor
correspondente cobrado do causador do dano Princípio da relatividade dos
efeitos do contrato - Recurso provido em parte. (TJ-SP - APL:
265685920058260590. SP 0026568-59.2005.8.26.0590, Relator: Antônio
Benedito Ribeiro Pinto, Data de Julgamento: 14/12/2011, 25ª Câmara de
Direito Privado, Data de Publicação: 19/12/2011).
AÇÃO DE COBRANÇA. CONTRATO DE COMPRA E VENDA. PRELIMINAR DE
ILEGITIMIDADE PASSIVA. Constando cláusula expressa que prevê a
responsabilidade exclusiva dos vendedores de pagamento de qualquer débito
trabalhista, devem os demandados arcar com o pagamento das despesas
decorrentes do débito trabalhista objeto da cobrança pelo autor, uma vez que
era anterior à contratação. Impossibilidade de imputar a empresa estranha à
lide a responsabilidade por eles assumida, por força do princípio da relatividade
dos efeitos dos contratos. Agravo retido e apelação improvidos. (TJ-RS - AC:
70038419446 RS, Relator: Guinther Spode, Data de Julgamento: 30/08/2011,
Décima Nona Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia
05/10/2011).
Princípio da Intangibilidade dos Contratos
Vamos ver como esse princípio tem aparecido na jurisprudência?
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 146
CIVIL E PROCESSO CIVIL. REVISÃO DE CONTRATO. ARRENDAMENTO
MERCANTIL. CAPITALIZAÇÃO DE JUROS. INEXISTÊNCIA. PRINCÍPIO DA
INTANGIBILIDADE DOS CONTRATOS. SENTENÇA MANTIDA. 1. NOS
CONTRATOS DE ARRENDAMENTO MERCANTIL, HÁ UMA SIMBIOSE DE
LOCAÇÃO E COMPRA E VENDA, ONDE NÃO HÁ ESTIPULAÇÃO DE JUROS
REMUNERATÓRIOS NA REMUNERAÇÃO DEVIDA AO AGENTE FINANCEIRO.
LOGO, NÃO HÁ SE FALAR EM CAPITALIZAÇÃO DE JUROS. 2. É SABIDO QUE A
INTANGIBILIDADE DOS CONTRATOS NÃO É REGRA ABSOLUTA, MAS SUA
FLEXIBILIZAÇÃO SOMENTE OCORRERÁ NAS HIPÓTESES LEGAIS QUE
EXPRESSAMENTE ADMITAM MITIGAÇÃO DO RIGOR CONTRATUAL. NO CASO
DOS AUTOS, NÃO SE REVELA SITUAÇÃO QUE TRANSPAREÇA A EXISTÊNCIA
DE QUALQUER VÍCIO CAPAZ DE INFIRMÁ-LO OU ALTERÁ-LO. 3. RECURSO
DESPROVIDO. (TJ-DF - APC: 20100110182417 DF 0009968-36.2010.8.07.0001,
Relator: CARLOS RODRIGUES, Data de Julgamento: 21/08/2013, 3ª Turma
Cível, Data de Publicação: Publicado no DJE: 18/09/2013. Pág.: 132).
APELAÇÃO - LOCAÇÃO DE IMÓVEIS - CONTRATO DE SEGURO FIANÇA
LOCATÍCIA - PEDIDO INDENIZATÓRIO - IMPROCEDÊNCIA - SEGURO COM
COBERTURA DE FALTA DE PAGAMENTO DE ALUGUEL - COBERTURA NÃO
PREVISTA PARA ENCARGOS DE CONDOMÍNIO, IPTU E LUZ - VALIDADE -
COBERTURA BÁSICA FIXADA EM R$ 72.000,00 - VALOR EQUIVALENTE AO
ALUGUEL MENSAL DE R$ 6.000,00 PELO PERÍODO DE UM ANO - FORÇA
VINCULANTE DOS CONTRATANTES - SEGURANÇA JURÍDICA -
OBRIGATORIEDADE DO RESPEITO AO PRINCÍPIO DA INTANGIBILIDADE DOS
CONTRATOS - SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA - REFORMA. É preciso sempre
destacar a importância para a segurança jurídica, o respeito à força vinculante
dos contratos. Esse princípio da intangibilidade dos contratos é tão
impressionante, que alguns civilistas equiparam a sua força à força da lei. O
seguro é um fundo administrado por quem se propõe a pagar uma indenização
na hipótese de um sinistro, no qual todos os segurados participam para a sua
constituição, mediante o pagamento de um prêmio, a fim de que na
eventualidade do sinistro, o dano possa ser reparado, ou pelo menos diminuído.
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 147
É o espírito de comunidade que inspira a ideia do seguro. É a reunião de todos
os que participam daquele fundo administrado pelo seguro, no momento em
que um de seus integrantes sofre o sinistro, que se faz presente no momento
do pagamento da indenização. Por isso mesmo, o cálculo atuarial, efetuado
com base nas leis da estatística, ampara o administrador daquele fundo, a
Seguradora, para estabelecer os valores que compõem as duas principais
âncoras de um seguro: o valor do prêmio e o valor do capital garantido. A partir
desses dados, descabe na hipótese o pedido de pagamento além dos valores da
locação, considerados os termos da apólice de seguro fiança anexado nestes
autos, excluindo expressamente a cobertura dos referidos encargos. RECURSO
PROVIDO. (TJ-SP - APL: 9137348632007826 SP 9137348-63.2007.8.26.0000,
Relator: Amorim Cantuária, Data de Julgamento: 15/03/2011, 25ª Câmara de
Direito Privado, Data de Publicação: 17/03/2011).
EMPRÉSTIMO BANCÁRIO - REVISÃO CONTRATUAL. Possibilidade de revisão de
cláusulas inseridas em contrato de empréstimo bancário. Contrato de adesão,
com desequilíbrio entre as partes, sendo o princípio da intangibilidade mitigado
à luz da sua função social, da cláusula geral da boa-fé objetiva, e das normas
protetivas de defesa do consumidor, que preveem nulidade das cláusulas que
coloquem o consumidor em desvantagem exagerada. Requerida prova pericial,
a instituição financeira não trouxe aos autos os documentos necessários à sua
realização, tendo, por isso, a consequência desfavorável de ter a questão
decidida contra si. Manutenção da sentença. Negado seguimento ao recurso.
(TJ-RJ - APL: 02123635220088190001 RJ 0212363-52.2008.8.19.0001, Relator:
DES. EDSON AGUIAR DE VASCONCELOS, Data de Julgamento: 19/03/2014,
DÉCIMA SÉTIMA CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 16/04/2014 10:14).
Pacta Sunt Servanda (princípio da obrigatoriedade)
É princípio que ainda se impõe às relações contratuais, pois, se assim não o
fosse, estaríamos autorizando o cumprimento voluntário (moral) das relações
obrigacionais. No entanto, veremos que os novos princípios contratuais
estabelecem certa flexibilização à obrigatoriedade, ou seja, os contratos são
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 148
vinculantes e devem ser cumpridos, desde que observada função social, boa-fé,
probidade e normas de ordem pública.
Vamos ver como esse princípio tem aparecido na jurisprudência?
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. CONTRATO BANCÁRIO.
INCIDÊNCIA DO CDC. POSSIBILIDADE. MITIGAÇÃO DO PRINCÍPIO PACTA
SUNT SERVANDA. COMISSÃO DE PERMANÊNCIA. INVIABILIDADE DE
CUMULAÇÃO COM OS DEMAIS ENCARGOS MORATÓRIOS. AGRAVO NÃO
PROVIDO. 1. No pertinente à revisão das cláusulas contratuais, a legislação
consumerista, aplicável à espécie, permite a manifestação acerca da existência
de eventuais cláusulas abusivas, o que acaba por relativizar o princípio do pacta
sunt servanda. Precedentes. 2. "A importância cobrada a título de comissão de
permanência não poderá ultrapassar a soma dos encargos remuneratórios e
moratórios previstos no contrato, ou seja: a) juros remuneratórios à taxa média
de mercado, não podendo ultrapassar o percentual contratado para o período
de normalidade da operação; b) juros moratórios até o limite de 12% ao ano; e
c) multa contratual limitada a 2% do valor da prestação, nos termos do art. 52,
§ 1º, do CDC". (REsp nº 1.058.114/RS e REsp nº 1.063.343/RS, Segunda
Seção, Rel. p/ acórdão o Min. João Otávio de Noronha, DJe de 16/11/2010). 3.
Agravo regimental a que se nega provimento. (STJ - AgRg no REsp: 1422547
RS 2013/0397031-5, Relator: Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, Data de
Julgamento: 20/02/2014, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe
14/03/2014).
LOCAÇÃO E PROCESSO CIVIL. AÇÃO DE DESPEJO POR FALTA DE PAGAMENTO.
CLÁUSULA CONTRATUAL RESOLUTIVA. OBSERVÂNCIA. PRINCÍPIO PACTA
SUNT SERVANDA. ALUGUERES. DESCUMPRIMENTO PELA LOCATÁRIA.
FUNDAMENTO NÃO IMPUGNADO. SÚMULA N. 283/STF. INCIDÊNCIA. 1. O
locatário, durante o prazo determinado, poderá devolver o imóvel alugado
mediante o pagamento da multa pactuada, ex vi do disposto no art. 4º da Lei
n. 8.245/91. Por sua vez, o art. 56 da referida norma legal dispõe que "o
contrato por prazo determinado cessa, de pleno direito, findo prazo estipulado,
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 149
independentemente de notificação ou aviso". 2. Havendo previsão contratual de
liberação de eventuais ônus da rescisão em face da natureza do negócio
avençado, este deve ser respeitado, em homenagem ao princípio pacta sunt
servanda. 3. Embora o Tribunal estadual tenha consignado que, durante a
vigência do contrato, houve descumprimento da cláusula quarta pela
recorrente, esta deixou de enfrentar o tema em suas razões. Incidência da
Súmula n. 283/STF. 4. Agravo regimental improvido. (STJ - AgRg no Ag:
1277790 SP 2010/0027109-3, Relator: Ministro JORGE MUSSI, Data de
Julgamento: 23/11/2010, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe
13/12/2010).
"CONTRATO COMERCIAL". RELAÇÃO JURÍDICA DE NATUREZA CIVIL.
INCIDÊNCIA DAS REGRAS DE DIREITO CIVIL. PACTA SUNT SERVANDA. As
cláusulas contratuais têm força vinculante entre os contraentes, eis que
expressão de vontade dos mesmos. Por isso, não é permitido a qualquer um
deles a liberação unilateral, mas apenas se decorrente do desejo mútuo. Código
Civil, art. 427 e 472. (TRT-2 - RO: 15527120105020 SP
00015527120105020065 A28, Relator: SERGIO WINNIK, Data de Julgamento:
10/09/2013, 4ª TURMA, Data de Publicação: 20/09/2013).
AGRAVO DE INSTRUMENTO. DECISÃO MONOCRÁTICA. POSSE (BENS
IMÓVEIS) ACORDO HOMOLOGADO JUDICIALMENTE. PACTA SUNT SERVANDA.
O acordo realizado pelas partes há mais de 4 (quatro) anos tem cláusula
expressa com relação a sua duração, bem como a desnecessidade de
notificação da parte agravada, devendo ser cumprido nos seus termos. Decisão
mantida. AGRAVO DE INSTRUMENTO A QUE SE NEGA SEGUIMENTO. (Agravo
de Instrumento Nº 70056806243, Décima Sétima Câmara Cível, Tribunal de
Justiça do RS, Relator: Gelson Rolim Stocker, Julgado em 14/10/2013) (TJ-RS -
AI: 70056806243 RS, Relator: Gelson Rolim Stocker, Data de Julgamento:
14/10/2013, Décima Sétima Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça
do dia 17/10/2013).
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 150
Todos esses princípios clássicos foram tratados como (praticamente) absolutos
durante quase todo o Estado Liberal. A igualdade apenas formal acabou por
impedir, por exemplo, o reconhecimento da possibilidade de intervenção estatal
nos contratos, de revisão contratual ou até mesmo da resolução por
onerosidade excessiva, o que sem dúvida acabou gerando práticas abusivas,
contratos desiquilibrados e efeitos econômicos e sociais bastante desastrosos.
A rigidez demasiada desses princípios e sua inflexibilidade decorriam da
compreensão de que o contrato era fruto de ajustes de vontades de partes que
atuavam em condições de igualdade formal e substancial e, portanto, a vontade
manifestada era suficiente para determinar o efeito vinculativo. Inimaginável,
portanto, qualquer forma de intervenção que se destinasse a corrigir eventuais
falhas dessas manifestações de vontade o que, sem dúvida, deu origem a
inúmeras injustiças escondidas sob o falso manto da dita segurança jurídica.
Princípio da autonomia privada
Embora muitos autores utilizem autonomia privada e autonomia da vontade
como expressões sinônimas, tecnicamente não se confundem. Ensina Francisco
Amaral (2008) que vontade psicológica e vontade jurídica não são sempre
coincidentes. A Psicologia estuda a vontade no campo do ser e dos meios
eficientes para realizá-la. O Direito aprecia a vontade no campo do dever ser,
reconhecendo-a como fatos de eficácia jurídica nos limites e na forma por ele
mesmo estabelecidos. Daí a diferenciação entre autonomia da vontade e
autonomia privada.
A autonomia da vontade decorre da manifestação de liberdade individual; já
a autonomia privada é o poder de criar, nos limites da lei, normas contratuais.
Dessa forma, a expressão autonomia da vontade tem conotação subjetiva,
psicológica; enquanto a autonomia privada marca o poder da vontade no
Direito de um modo objetivo e concreto.
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 151
Autonomia privada “é o poder que os particulares têm de regular pelo
exercício de sua própria vontade, as relações de que participam, estabelecendo-
lhes o conteúdo e a respectiva disciplina jurídica” (AMARAL, 2011, p. 347). É,
portanto, fundamento para a realização de contratos atípicos (art. 425, CC).
Podemos resumir as diferenças entre autonomia da vontade e autonomia
privada da seguinte forma:
Autonomia da Vontade
• Ser
• Conotação subjetiva
• Manifestação da liberdade individual
• Liberdade de contratar
• Não exige capacidade de fato
Autonomia Privada
• Dever ser
• Conotação objetiva
• Poder de autorregulamentação
• Liberdade Contratual
• Exige capacidade de fato
Princípio da relatividade dos efeitos dos contratos
Princípio de origem romana (em virtude do caráter personalíssimo das
obrigações) que reconhecia que os contratos apenas geravam efeitos entre as
partes contratantes (res inter alios acta aliis neque nocere neque prodesse
potest - os atos concluídos por uns não podem beneficiar ou prejudicar a
outrem), não atingindo terceiros e, tão pouco, operando efeitos no meio social.
Por meio desse princípio reconhecia-se que o contrato era mero instrumento de
realização de interesses pessoais, não lhe conferindo nenhum valor social.
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 152
É princípio que se refere à eficácia do contrato que, segundo afirma-se, só é
apto a produzir efeitos em relação às partes e ao objeto que fazem diretamente
parte do ajuste.
Com base nesse princípio, não se autoriza a terceiro (estranho à relação
contratual): exigir o conhecimento da existência ou do conteúdo do contrato;
exigir atuação (positiva ou negativa) das partes contratantes em relação ao
contrato.
Atenção
No entanto, o próprio Código Civil reconhece duas figuras
contratuais que produzem efeitos com relação a terceiros:
promessa de fato de terceiro (arts. 439 e 440, CC) e estipulação
em favor de terceiro (arts. 436 a 438, CC). Como também
reconhece-se eficácia externa ao se estipular a função social dos
contratos como princípio orientador da prática contratual (art.
421, CC).
Princípio da intangibilidade dos contratos
Reconhecido que o contrato era mero instrumento de satisfação de interesses
particulares das partes contratantes, o princípio da intangibilidade (intimamente
associado ao da obrigatoriedade) impedia qualquer intervenção (inclusive
estatal) sobre o conteúdo das avenças. Em sua concepção liberal, era o que
tornava o conteúdo dos contratos obrigatório, independente do equilíbrio ou da
justiça de seus resultados.
Pacta Sunt Servanda (princípio da obrigatoriedade)
Conhecido pelo brocardo “o contrato faz lei entre as partes”, por longo período
de tempo, foi princípio determinante das relações contratuais, o que significava
que uma vez que as partes se vinculassem por meio de um contrato, a ele
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 153
deveriam dar cumprimento, independente de estarem suas prestações
equilibradas ou não. Tratava de dar amplo reconhecimento à liberdade
contratual (autonomia privada), tendo por fundamentos: a necessidade de
segurança jurídica e a intangibilidade dos contratos.
O pacta sunt servanda à luz do modelo liberal se justificava em virtude do
reconhecimento da ampla liberdade contratual e a compreensão de que os
contratos só geravam efeitos entre as partes contratantes.
Partia-se do pressuposto de que todos os contratos eram paritários, atuando as
partes em plena igualdade de condições, sendo, portanto seu conteúdo
obrigatório uma vez preenchidos os requisitos de existência, validade e eficácia
estabelecidos em lei. Em resumo: tratava-se de atribuir ampla vinculatividade
ao ajuste pela simples manifestação volitiva das partes contratantes.
Função dos princípios
Sabemos que a função dos princípios é tornar compreensível o sistema jurídico
a partir de preceitos já estabilizados. No entanto, os princípios não podem e
não devem ser considerados imutáveis, seu conteúdo pode ser alterado de
acordo com as necessidades e evolução social. Assim ocorreu com os princípios
clássicos contratuais, cuja centralização na valorização do voluntarismo acabou
permitindo e fomentando inúmeras injustiças contratuais.
Princípios contratuais contemporâneos
Agora que você já estudou os princípios contratuais clássicos e os efeitos de
sua absolutização, vamos iniciar o estudo dos princípios contratuais
contemporâneos, fruto do Estado Social e do reconhecimento de que as
relações privadas, por poderem gerar também reflexos sociais, não poderiam
mais continuar livremente regulamentadas pela vontade das partes. São
princípios contratuais do Estado Social:
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 154
• Boa-fé Objetiva
• Probidade
• Função Social
• Dirigismo Contratual
Princípio da Função Social dos Contratos (princípio da
socialidade)
Vimos nas aulas anteriores que o Código Civil de 2002 manteve, no que foi
possível, as disposições da codificação anterior, mas, agora, preocupando-se
com os interesses sociais, incorporou a socialidade como elemento norteador.
“A função social dos contratos consiste em abordar a liberdade contratual em
seus reflexos sobre a sociedade (terceiros) e não apenas no campo das
relações entre as partes que o estipulam (contratantes)” (Humberto Theodoro
Júnior), valorizando-se, dessa forma, não apenas o desenvolvimento econômico
(como o fazia o Estado Liberal), mas impondo também a observação do
desenvolvimento social (Estado Social).
Tem por finalidade, portanto, legitimar a liberdade contratual e não extingui-la.
A partir da imposição da função social pela ordem jurídica, reconhece-se que a
liberdade negocial não pode ser absoluta, devendo ser exercida de acordo com
o bem-estar social e os valores éticos e jurídicos reconhecidos pela legislação.
Trata-se, portanto, de limite externo (negativo - ampla oponibilidade a terceiros
e ao meio social) e interno (positivo - finalidade da atividade contratual em
relação às partes contratantes) à autonomia privada, ou seja, a função social
do contrato serve não apenas de garantia individual aos contratantes, mas
também impõe o atendimento a interesses sociais.
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 155
Princípio da boa-fé objetiva (princípio da eticidade) x boa-fé
subjetiva
Intimamente ligada ao princípio da socialidade está o princípio da eticidade. No
entanto, antes de a analisarmos como princípio e cláusula geral, é preciso
lembrar que a boa-fé pode ser:
Subjetiva: é forma de conduta (psicológica) que diz respeito ao estado mental
subjetivo dos contratantes. Cria apenas deveres de conduta moral negativos
(não prejudicar o outro), uma vez que de concepção exclusivamente moral.
Representa o estado de consciência e de convencimento individual e subjetivo
com relação ao ato que se está a praticar, ou seja, destina-se a tutelar a
confiança de quem acredita em uma situação fática aparente. É, por exemplo,
critério de classificação da posse (art. 1.201, CC) e de ressarcimento de
benfeitorias úteis e necessárias (art. 1.219, CC).
Objetiva: é norma de conduta que determina relações de cooperação entre as
partes contratantes, que devem se conduzir de forma leal e honesta, agindo
com retidão. Cria, portanto, deveres de conduta positiva (cooperação) e
negativa (não lesar a outra parte), ou seja, tutela a confiança de quem
acreditou no comportamento exteriorizado pela outra parte. Por ter conceito
aberto e vago, o intérprete deverá se valer da análise da situação concreta para
estabelecer se a conduta foi realizada conforme um padrão (médio) e objetivo
de conduta leal.
Princípio da probidade
Também expresso no art. 422, CC, ao lado do princípio da boa-fé objetiva, com
ele não se confunde, sendo considerado um dos aspectos objetivos da boa-fé.
Pelo princípio da eticidade, avalia-se o comportamento das partes contratantes
entre si; já pelo princípio da probidade se analisa o comportamento das partes
contratantes em conformidade com o meio social em que o contrato foi
realizado.
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 156
A probidade traz consigo a noção de justiça, de equilíbrio e comutatividade das
prestações avençadas.
Resulta, portanto, do confronto entre o comportamento do contratante e o
padrão de homem médio leal e honesto e, por isso, só pode ser verificada na
análise do caso concreto.
Princípio do dirigismo contratual
A partir do momento em que se reconheceu que os contratos também podem
gerar efeitos para terceiros ou no meio social, determinou-se, também, a
possibilidade de intervenção do Poder Público em relações contratuais, por
meio de normas de ordem pública, natureza cogente e interesse social e por
meio do Judiciário a fim de se controlar o individualismo contratual.
Normas de ordem pública: são as que disciplinam instituições jurídicas
fundamentais e tradicionais com o objetivo de garantir segurança das relações
jurídicas.
Normas cogentes: são as que estabelecem um único sistema de conduta
para tutelar interesse social.
Normas de interesse social: são as que disciplinam relações sociais
marcadas pela desigualdade entre as partes que se relacionam.
Tipos de dirigismo contratual
O dirigismo consiste, então, na regulação do conteúdo do contrato por
disposições imperativas e pode ocorrer das seguintes formas:
Dirigismo jurisprudencial - o juiz, respaldado pela lei, tem o poder de rever
acordos ou declarar sua extinção.
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 157
Dirigismo legislativo - ocorre na fase pré-contratual como as limitações
impostas pela Lei da Usura (Decreto n. 22.626/33), Lei dos Crimes contra a
Economia Popular (Lei n. 1.521/51), Lei de Luvas (Decreto n. 24.150/34),
Código de Defesa do Consumidor, Lei do Inquilinato (Lei n. 8.245/91), etc.
Esse conjunto de normas visa garantir a igualdade substancial entre as partes
contratantes, impedindo a estipulação de prestações desequilibradas,
excessivamente onerosas, contrárias à lei ou à moral...
São normas que não podem ser afastadas pela vontade das partes, limitando-
se, dessa forma, a liberdade contratual em virtude da necessidade de
manutenção e proteção da ordem pública (ordem considerada indispensável à
organização estatal e à sociedade).
O dirigismo contratual é, portanto, uma resposta do Estado às injustiças
decorrentes de relações contratuais, limitando-se a autonomia privada a partir
dos preceitos de igualdade formal e justiça social.
Visão geral - princípios contemporâneos
Os princípios contemporâneos: função social, boa-fé objetiva, probidade e
dirigismo contratual, portanto, não extinguem os princípios clássicos contratuais
e a compreensão não poderia ser diferente.
função social
boa-fé objetiva
probidade
dirigismo contratual
Os princípios coexistem, sendo os clássicos agora relativizados ou harmonizados
pelos princípios contemporâneos, o que lhes confere maior flexibilidade a fim de
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 158
atender às noções de dignidade da pessoa humana, igualdade (formal e
material) e justiça social.
Princípio da Função Social dos Contratos (princípio da socialidade)
Então, embora não previsto expressamente na Constituição Federal, entende-se
ser princípio decorrente da função social da propriedade, esta sim, prevista nos
arts. 5o. e 170, CF. Tratando-se o patrimônio de uma pessoa de um conjunto
de relações jurídicas ativas e passivas com valor econômico, natural é concluir
que o contrato faz parte desse patrimônio e, portanto, também deve ter função
social. A propriedade, diz-se, é a parte estática da atividade econômica,
enquanto o contrato é a parte dinâmica. É por isso que o art. 421, CC, o prevê
expressamente como uma cláusula geral (do tipo restritivo e regulativo) e um
princípio contratual, representando, assim, o que a doutrina convencionou
chamar de contrato constitucionalizado.
Antes de tentarmos definir o que seria a função social dos contratos, é
necessária uma advertência: a função social não exclui a função econômica dos
contratos, apenas a mitiga, passando-se a valorizar a ideia constitucional de
solidariedade social, reconhecedo-se também nos contratos uma função de
desenvolvimento social.
Nesse sentido, Giorgio Oppo afirma que o interesse geral aqui não opera como
dever de ação nem como pretensa ação, mas como sobrecarga. Assim, a
relação com o interesse geral não se exaure nos termos da proclamada função
social, mas é nela mesma estimada, no seu exercício e na acessibilidade
correspondente, o que a faz absorver uma síntese de outros valores, em
especial a utilidade social. Nesse sentido, é a função assegurada pela lei, não
decorrendo de sua adoção as noções de assistencialismo ou de amparo aos
desvalidos.
Então, este é o nosso ponto de partida: a função social dos contratos não lhe
retira a função econômica. Ao contrário, a mantém, no entanto, harmonizando
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 159
os interesses particulares das partes contratantes aos interesses sociais (efeitos
sociais decorrentes dos contratos). É princípio que se preocupa com os efeitos
junto à ordem econômica, pois as preocupações com o comportamento ético
das partes contratantes é problema de outro princípio (o da eticidade ou boa-fé
objetiva).
Embora reconhecidamente de definição imprecisa, Caio Mário da Silva Pereira
(p. 14) afirma ser a função social do contrato “um princípio moderno que vem a
se agregar aos princípios clássicos do contrato, que são os da autonomia da
vontade, da força obrigatória, da intangibilidade do seu conteúdo e da
relatividade de seus efeitos. Como princípio novo ele não se limita a se justapor
aos demais, antes pelo contrário, vem desafiá-los e em certas situações impedir
que prevaleçam, diante do interesse social maior”.
Destaca Mônica Bierwagen (2003, p. 47) que “o atendimento à função social do
contrato, portanto, oberva-se tanto da ótica individual-coletiva, uma vez que a
garantia de igualdade de condições aos contratantes ao permitir a justa
circulação de riquezas resulta num bem-estar coletivo, quanto da ótica coletivo-
individual, em que a proteção do grupo social é, em última instância, o
asseguramento da igualdade e da liberdade individuais”.
Humberto Theodoro Junior elenca como exemplos de função social do contrato
prejudicada pelo abuso da liberdade de contratar:
- Induzir a massa de consumidores a contratar a prestação ou aquisição de
certo serviço ou produto sob influência de propaganda enganosa;
- Alugar imóvel em zona residencial para fins comerciais incompatíveis com o
zoneamento da cidade;
- Ajustar contrato simulado para prejudicar terceiros;
- Qualquer negócio de disposição de bens em fraude de credores;
- Qualquer contrato que, no mercado, importe o exercício de concorrência
desleal;
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 160
- Desviar-se a empresa licitamente estabelecida em determinado
empreendimento, para a contratação de operações legalmente permitidas,
como, por exemplo, uma fatorizadora que passa a contratar depósitos,
como se fosse uma instituição bancária;
- Agência de viagens que sob a aparência de serviço de seu ramo, contrata
na realidade o chamado turismo sexual, ou a mediação no contrabando ou
em atividades de penetração ilegal em outros países;
- Qualquer tipo de contrato que importe desvio ético ou econômico de
finalidade, com prejuízo para terceiros.
Vamos ver como esse princípio vem se apresentando na jurisprudência?
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. LITISDENUNCIAÇÃO.
SEGURADORA. CONDENAÇÃO E EXECUÇÃO DIRETA E SOLIDÁRIA.
POSSIBILIDADE. FUNÇÃO SOCIAL DO CONTRATO DE SEGURO. SÚMULA
83/STJ. 1. Comparecendo a seguradora em juízo, aceitando a denunciação da
lide feita pelo réu e contestando o pedido principal, assume a condição de
litisconsorte passiva. 2. Possibilidade de ser condenada e executada, direta e
solidariamente, com o réu. 3. Por se tratar de responsabilidade solidária, a
sentença condenatória pode ser executada contra qualquer um dos
litisconsortes. 4. Concreção do princípio da função social do contrato de seguro,
ampliando o âmbito de eficácia da relação contratual. 5. Precedentes
específicos da Terceira e da Quarta Turma do STJ. 6. AGRAVO REGIMENTAL
DESPROVIDO. (STJ - AgRg no REsp: 474921 RJ 2002/0133060-1, Relator:
Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, Data de Julgamento: 05/10/2010,
T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 19/10/2010).
RESCISÃO CONTRATUAL - IMÓVEL - APLICAÇÃO TEORIA DO ADIMPLEMENTO
SUBSTANCIAL - POSSIBILIDADE - BOA-FÉ - FUNÇÃO SOCIAL DOS CONTRATOS
- SENTENÇA MANTIDA. Quando há comprovação do pagamento da maioria da
dívida, não cabe resolução contratual, sob pena de ferir os princípios da função
social dos contratos e boa-fé dos contratantes. A boa-fé objetiva, face ao
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 161
pequeno valor do débito remanescente, obstaculariza o exercício do direito
resolutório do contrato, diante do sacrifício excessivo do devedor, que já pagou
a maior parte do bem adquirido à moradia dele. A impossibilidade da rescisão
não obsta a obtenção do restante do valor devido, em ação própria. (TJ-MG -
AC: 10024101258671001 MG , Relator: Newton Teixeira Carvalho, Data de
Julgamento: 16/01/2014, Câmaras Cíveis / 13ª CÂMARA CÍVEL, Data de
Publicação: 24/01/2014).
AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO - PURGA DA
MORA SUPOSTAMENTE FORA DO PRAZO - POSSIBILIDADE - FUNÇÃO SOCIAL
DO CONTRATO. - As normas e os princípios da lei civil buscam a preservação
dos contratos, e a quebra do vínculo contratual pode ser mitigada para que o
contrato cumpra sua função social. AGRAVO DE INSTRUMENTO
1.0625.13.008573-5/001 - COMARCA DE SÃO JOÃO DEL-REI - AGRAVANTE:
AYMORÉ CRÉDITO FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO S/A - AGRAVADA:
ANALINE TEREZINHA DO AMARAL (TJ-MG - AI: 10625130085735001 MG,
Relator: Batista de Abreu, Data de Julgamento: 24/04/2014, Câmaras Cíveis /
16ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 09/05/2014).
DIREITO CIVIL E CONSTITUCIONAL. IMISSÃO NA POSSE. COMPRA E VENDA
DE IMÓVEL. POSSIBILIDADE DE TRANSFERÊNCIA. PRINCÍPIOS DA FUNÇÃO
SOCIAL DO CONTRATO E DA PROPRIEDADE. 1. O CANCELAMENTO
AUTOMÁTICO DA VENDA DO IMÓVEL AO AUTOR, SEM OPORTUNIZAR-LHE A
REGULARIZAÇÃO, FERE OS PRINCÍPIOS DA FUNÇÃO SOCIAL DO CONTRATO E
DA PROPRIEDADE. 2. EM FACE DOS COMANDOS CONSTITUCIONAIS QUE
IMPRIMEM PROPÓSITO MAIS AMPLO AOS NEGÓCIOS JURÍDICOS, NÃO SE
PODE ATRIBUIR SENTIDO ABSOLUTO ÀS CLÁUSULAS CONTRATUAIS. AINDA
MAIS SE ACRESCENTANDO O FATO DE, NO CASO DOS AUTOS, TER
INCORRIDO A ADMINISTRAÇÃO EM ERROS DE PROCEDIMENTOS POR ELA
PRÓPRIA RECONHECIDOS. 3. CONSOANTE DISPOSIÇÃO DOS ARTIGOS 421 E
422 DO CÓDIGO CIVIL, OS CONTRATANTES SÃO OBRIGADOS A GUARDAR,
ASSIM NA CONCLUSÃO DO CONTRATO COMO EM SUA EXECUÇÃO, OS
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 162
PRINCÍPIOS DE PROBIDADE E BOA-FÉ. 4. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.
(TJ-DF - APC: 20130110249547 DF 0001306-27.2013.8.07.0018, Relator:
SEBASTIÃO COELHO, Data de Julgamento: 19/02/2014, 5ª Turma Cível, Data
de Publicação: Publicado no DJE : 26/02/2014 . Pág.: 147).
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE MANUTENÇÃO DO CONTRATO.
PLANO DE SAÚDE COLETIVO. REAJUSTE DA MENSALIDADE. SINISTRALIDADE.
ABUSIVIDADE. INTELIGÊNCIA DOS ARTS. 421, 422 E 423 DO CCB. DENÚNCIA
POR PARTE DA SEGURADORA. DESCABIMENTO. OFENSA AO PRINCÍPIO DA
BOA-FÉ OBJETIVA E FUNÇÃO SOCIAL DO CONTRATO. DERAM PROVIMENTO
AO APELO. UNÂNIME. (Apelação Cível Nº 70052011038, Sexta Câmara Cível,
Tribunal de Justiça do RS, Relator: Luís Augusto Coelho Braga, Julgado em
08/05/2014) (TJ-RS - AC: 70052011038 RS, Relator: Luís Augusto Coelho
Braga, Data de Julgamento: 08/05/2014, Sexta Câmara Cível, Data de
Publicação: Diário da Justiça do dia 15/05/2014).
Assim, para se ter como cumprida a função social do contrato, não basta se
restringir a observar os modernos princípios do direito contratual – a autonomia
privada, a boa-fé objetiva e o equilíbrio contratual – porque tais princípios têm
eminentemente uma relação com o conteúdo do contrato. Para que se conceba
um conceito adequado de função social do contrato, é preciso que se busque
também um elemento externo ao contrato, ou seja, o elemento social - o bem
comum.
Princípio da Boa-Fé Objetiva (princípio da eticidade)
Ensina Caio Mário da Silva Pereira (p. 21) que “a boa-fé objetiva serve como
elemento interpretativo do contrato, como elemento de criação de deveres
jurídicos (dever de correção, de cuidado e segurança, de informação, de
cooperação, de sigilo, de prestar contas) e até como elemento de limitação e
ruptura de direito (proibição do venire contra factum proprium, que veda que a
conduta da parte entre em contradição com conduta anterior, do inciviliter
agere, que proíbe comportamentos que violem o princípio da dignidade da
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 163
pessoa humana, e da tu quoque, que é a invocação de uma cláusula ou regra
que a própria parte já tenha violado)”. Em resumo, a boa-fé tem por funções:
interpretação e integração; criação de deveres jurídicos e limitação a exercício
de direitos. Por isso, a boa-fé objetiva enseja, também, a caracterização de
inadimplemento mesmo quando não haja mora ou inadimplemento absoluto do
contrato. É o que a doutrina chama de violação positiva da obrigação ou do
contrato. Ex.: deixar de cumprir um dos deveres anexos ou secundários: dever
de esclarecimento, de proteção, de conservação, de lealdade, de cooperação...,
bastante comum em contratos que decorrem de relações de consumo. Lembre-
se, a boa-fé, prevista no art. 422, CC, como princípio contratual é a boa-fé
objetiva, cláusula geral e princípio contratual que deve ser aplicada a todas as
fases: pré, contratual e pós-contratual, obrigando aos contratantes agirem
entre si com lealdade e transparência, garantindo segurança à relação jurídica.
Por isso, afirma-se: a boa-fé se presume, a má-fé se prova.
Realiza-se, por exemplo, no reconhecimento de que o sentido literal da
linguagem não deve prevalecer sobre a intenção manifesta das partes
contratantes (art. 112, CC). Ou na vedação de valer-se da própria torpeza (arts.
150 e 180, CC).
Humberto Theodoro Junior elenca como exemplos da quebra da boa-fé
objetiva: venda de aparelho elétrico que se queima em pouco prazo; ou de
mecanismo que se estraga por falta de instruções acerca de seu manuseio
correto; a recusa de assistência e orientação quando o aparelho novo ainda
apresenta falhas ou defeitos; o emprego, no conserto de automóvel de peças
recondicionadas sem esclarecimento ao proprietário, etc.
A boa-fé objetiva também cria o que a doutrina chama de deveres anexos
(laterais, secundários, instrumentais ou acessórios) que, nas palavras de Teresa
Negreiros (1998, p. 440), são “deveres que se referem ao exato processamento
da relação obrigacional, isto é, à satisfação dos interesses globais envolvidos,
em atenção a uma identidade finalística, constituindo o complexo conteúdo da
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 164
relação que se unifica funcionalmente”. São deveres diretamente decorrentes
do princípio da boa fé-objetiva que se destinam ao bom desempenho da
relação contratual.
Assim, por exemplo, o princípio da confiança seria realizado juntamente com os
deveres instrumentais (anexos ou laterais) como o de cooperação mútua, de
informação e aviso, de colaboração recíproca, de esclarecimentos, de cuidado,
de previdência, de proteção e cuidado, de segurança, de sigilo, deveres que
atuam autonomamente em relação à obrigação principal, mas que devem
obrigatoriamente ser sempre observados pelas partes contratantes, como forma
de manter íntegro o contrato e os fins a que se destina.
Vamos ver como esse princípio vem se apresentando na jurisprudência?
RECURSO ESPECIAL. CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL
PRÉ-CONTRATUAL. NEGOCIAÇÕES PRELIMINARES. EXPECTATIVA LEGÍTIMA
DE CONTRATAÇÃO. RUPTURA DE TRATATIVAS. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA
BOA-FÉ OBJETIVA. JUROS DE MORA. TERMO A QUO. DATA DA CITAÇÃO. 1.
Demanda indenizatória proposta por empresa de eventos contra empresa
varejista em face do rompimento abrupto das tratativas para a realização de
evento, que já estavam em fase avançada. 2. Inocorrência de maltrato ao art.
535 do CPC quando o acórdão recorrido, ainda que de forma sucinta, aprecia
com clareza as questões essenciais ao julgamento da lide, não estando o
magistrado obrigado a rebater, um a um, os argumentos deduzidos pelas
partes. 3. Inviabilidade de se contrastar, no âmbito desta Corte, a conclusão do
Tribunal de origem acerca da expectativa de contratação criada pela empresa
varejista. Óbice da Súmula 7/STJ. 4. Aplicação do princípio da boa-fé objetiva
na fase pré-contratual. Doutrina sobre o tema. 5. Responsabilidade civil por
ruptura de tratativas verificada no caso concreto. 6. Inviabilidade de se
analisar, no âmbito desta Corte, estatutos ou contratos de trabalho, para se
aferir a alegada inexistência de poder de gestão dos prepostos participarem das
negociações preliminares. Óbice da Súmula 5/STJ. 7. Controvérsia doutrinária
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 165
sobre a natureza da responsabilidade civil pré-contratual. 8. Incidência de juros
de mora desde a citação (art. 405 do CC). 9. Manutenção da decisão de
procedência do pedido indenizatório, alterando-se apenas o termo inicial dos
juros de mora. 10. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESSA
PARTE, PARCIALMENTE PROVIDO. (STJ - REsp: 1367955 SP 2011/0262391-7,
Relator: Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, Data de Julgamento:
18/03/2014, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 24/03/2014).
PROCESSO CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL.
CIVIL. PLANO DE SAÚDE. NÃO RENOVAÇÃO. FATOR DE IDADE. OFENSA AOS
PRINCÍPIOS DA BOA-FÉ OBJETIVA, DA COOPERAÇÃO, DA CONFIANÇA E DA
LEALDADE. AUMENTO. EQUILÍBRIO CONTRATUAL. CIENTIFICAÇÃO PRÉVIA DO
SEGURADO. DISPOSITIVOS CONSTITUCIONAIS. IMPOSSIBILIDADE DE
ANÁLISE EM RECURSO ESPECIAL. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL. NÃO
COMPROVAÇÃO. 1. Na hipótese em que o contrato de seguro de vida é
renovado ano a ano, por longo período, não pode a seguradora modificar
subitamente as condições da avença nem deixar de renová-las em razão do
fator de idade, sem que ofenda os princípios da boa-fé objetiva, da cooperação,
da confiança e da lealdade. 2. A alteração no contrato de plano de saúde
consistente na majoração das prestações para o equilíbrio contratual é viável
desde que efetuada de maneira gradual e com a prévia cientificação do
segurado. 3. Não cabe ao Superior Tribunal de Justiça intervir em matéria de
competência do STF, ainda que para prequestionar matéria constitucional, sob
pena de violar a rígida distribuição de competência recursal disposta na Lei
Maior. 4. A comprovação do dissídio jurisprudencial viabilizador do recurso
especial requer bases fáticas e contextos jurídicos semelhantes com desfechos
jurídicos diversos. 5. Agravo regimental desprovido. (STJ - AgRg no AREsp:
218712 RS 2012/0172829-0, Relator: Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA,
Data de Julgamento: 03/10/2013, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação:
DJe 10/10/2013).
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 166
RECURSO ESPECIAL. CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL.
JULGAMENTO EXTRA PETITA. NÃO OCORRÊNCIA. PROTESTO LEGÍTIMO.
SUPERVENIÊNCIA DE PAGAMENTO. ENTREGA DA CARTA DE ANUÊNCIA. NÃO
COMPROVAÇÃO. ÓBICE DA SÚMULA 7/STJ. INÉRCIA DO CREDOR. CONDUTA
INCOMPATÍVEL COM A BOA-FÉ OBJETIVA. INDENIZAÇÃO POR DANOS
MORAIS. CABIMENTO. 1. Inocorrência de julgamento extra petita. 2. Constitui
ônus do próprio devedor a baixa do protesto de título representativo de dívida
legítima. Precedentes desta Corte. 3. Dever do credor, porém, após receber
diretamente o valor da dívida, de fornecer ao devedor os documentos
necessários para a baixa do protesto. 4. Desnecessidade de requerimento
formal do devedor. 5. Concreção do princípio da boa-fé objetiva. Doutrina sobre
o tema. 6. Inércia do credor que configurou, no caso, ato ilícito, reconhecido
pelas instâncias ordinárias, gerando obrigação de indenizar. 7. "A pretensão de
simples reexame de prova não enseja recurso especial" (Súmula 7/STJ). 8.
RECURSO ESPECIAL DESPROVIDO. (STJ - REsp: 1346428 GO 2011/0186059-0,
Relator: Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, Data de Julgamento:
09/04/2013, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 16/04/2013).
AÇÃO DE COBRANÇA - DESCUMPRIMENTO CONTRATUAL - QUEBRA DA BOA-FÉ
OBJETIVA. - Tendo uma das partes contratuais atuado de forma contrária à
boa-fé objetiva, descumprindo sua obrigação contratual, deve haver
acolhimento da pretensão inicial, para que ela seja compelida a cumprir o
ajuste feito. (TJ-MG - AC: 10145120235448001 MG, Relator: Pedro Bernardes,
Data de Julgamento: 10/09/2013, Câmaras Cíveis / 9ª CÂMARA CÍVEL, Data de
Publicação: 16/09/2013).
RECURSO ESPECIAL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. PROGRAMA TELEVISIVO DE
PERGUNTAS E RESPOSTAS - BOA-FÉ OBJETIVA DO PARTICIPANTE -
CONTRATO QUE ESTABELECIA OBRA-BASE COMPOSTA DE DUAS PARTES, UMA
REAL E OUTRA FICTÍCIA - CONTRATO QUE NÃO OBRIGAVA A RESPONDER
ERRADO DE ACORDO COM PARTE FICTÍCIA DA OBRA-BASE - PERDA DE UMA
CHANCE - PECULIARIDADES DO CASO - PREQUESTIONAMENTO INEXISTENTE
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 167
- APLICAÇÃO DAS SÚMULAS 5, 7, 282 e 356 DO STF. 1. - Programa "Vinte e
Um", de que participante candidato cujo contrato de participação com a
emissora televisiva, como firmado pelo Acórdão, "continha cláusula expressa no
sentido de que a bibliografia básica para a formulação das perguntas seria uma
determinada obra - 'Corinthians é Preto no Branco', a qual continha uma parte
verdadeira, de cor preta, e uma parte fictícia, de cor branca, tendo o candidato
sido desclassificado por responder o resultado correto de uma partida, que não
se encontrava na parte correta, de cor preta, mas que constava, com resultado
errado diverso, na parte fictícia de cor branca. 2. - Acórdão que reconhece
direito à indenização por perda de uma chance de passagem à etapa seguinte,
sob o fundamento de que "o que está implícito na cláusula contratual, a ser
interpretada segundo o princípio da boa-fé objetiva e a causa do negócio
jurídico, é que os dados reais, contidos na parte preta do livro, é que seriam
levados em conta para a aferição da correção das respostas", de modo que,
não constando, a resposta correta, da parte verdadeira, "eventual dubiedade,
imprecisão ou contradição da cláusula deve ser interpretada contra quem a
redigiu, no caso o réu STB", sendo que o julgamento "somente admitiria a
improcedência da ação caso constasse da cláusula contratual o seguinte: I) a
bibliografia que serviria como base das perguntas e respostas abrangerá a
parte branca e a parte preta do livro; II) o programa de televisão versasse
sobre o livro, e não sobre a história real do Corinthians". 3. - Acórdão que, por
fim, funda-se também em "direito difuso à informação exata, desinteressada e
transparente", ao passo que, "no caso concreto, o que foi vendido ao público
telespectador é que um candidato responderia questões variadas sobre o
Corinthians, e não sobre uma obra de ficção sobre o Corinthians", de modo
que, não constando regência contratual do caso pela parte ficcional do livro-
base, "é evidente que se na parte ficcional do livro (parte branca) constasse
que o Corinthians venceu por dez vezes a Taça Libertadores da américa, e por
dez vezes foi campeão do mundo" e se se "formulasse questão a respeito, a
resposta do autor não poderia ser irreal, sob pena de comprometer o formato
do programa e frustrar o próprio interesse do público". 4. - Inocorrência de
violação do disposto no art. 859 e parágrafos do CC/2002 pela procedência da
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 168
ação. 5. - Interpretação do contrato dada pelo Tribunal de origem, após
julgamento em Embargos Infringentes, a qual não pode ser alterada por esta
Corte, sob pena de infringência da Súmula 5/STJ; fatos ocorridos, que
igualmente não podem ser reexaminados, por vedado pela Súmula 7/STJ;
ausência, ademais, de prequestionamento, sem interposição de Embargos de
Declaração, o que leva à incidência das Súmulas 282 e 356/STF. 6. - Recurso
Especial improvido. (STJ - REsp: 1383437 SP 2012/0079391-7, Relator: Ministro
SIDNEI BENETI, Data de Julgamento: 27/08/2013, T3 - TERCEIRA TURMA,
Data de Publicação: DJe 06/09/2013).
Princípio da Probidade
Vamos ver como esse princípio vem se apresentando na jurisprudência?
APELAÇÃO CÍVEL. PROMESSA DE COMPRA E VENDA. AÇÃO DE RESCISÃO
CONTRATUAL. IMÓVEL DE INVENTÁRIO. QUEBRA DO DEVER DE LEALDADE,
BOA-FÉ E PROBIDADE. OMISSÃO DE DÍVIDAS DA TITULAR DO BEM. A omissão
da existência de pedido de habilitação de crédito, bem como a reserva do bem
averbada no registro de imóveis após a venda deste, tudo com o conhecimento
prévio da promitente vendedora, resulta na quebra dos deveres de lealdade,
boa-fé e probidade que devem reger todas as fases de uma relação contratual.
Inteligência do art. 422 do CC. APELO DESPROVIDO. (Apelação Cível Nº
70058373309, Décima Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator:
Gelson Rolim Stocker, Julgado em 27/03/2014) (TJ-RS - AC: 70058373309 RS,
Relator: Gelson Rolim Stocker, Data de Julgamento: 27/03/2014, Décima
Sétima Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 31/03/2014).
DIREITO CIVIL. CONTRATOS. BOA-FÉ OBJETIVA. STANDARD ÉTICO-JURÍDICO.
OBSERVÂNCIA PELAS PARTES CONTRATANTES. DEVERES ANEXOS. DUTY TO
MITIGATE THE LOSS. DEVER DE MITIGAR O PRÓPRIO PREJUÍZO. INÉRCIA DO
CREDOR. AGRAVAMENTO DO DANO. INADIMPLEMENTO CONTRATUAL.
RECURSO IMPROVIDO. 1. Boa-fé objetiva. Standard ético-jurídico. Observância
pelos contratantes em todas as fases. Condutas pautadas pela probidade,
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 169
cooperação e lealdade. 2. Relações obrigacionais. Atuação das partes.
Preservação dos direitos dos contratantes na consecução dos fins.
Impossibilidade de violação aos preceitos éticos insertos no ordenamento
jurídico. 3. Preceito decorrente da boa-fé objetiva. Duty to mitigate the loss: o
dever de mitigar o próprio prejuízo. Os contratantes devem tomar as medidas
necessárias e possíveis para que o dano não seja agravado. A parte a que a
perda aproveita não pode permanecer deliberadamente inerte diante do dano.
Agravamento do prejuízo, em razão da inércia do credor. Infringência aos
deveres de cooperação e lealdade. 4. Lição da doutrinadora Véra Maria Jacob
de Fradera. Descuido com o dever de mitigar o prejuízo sofrido. O fato de ter
deixado o devedor na posse do imóvel por quase 7 (sete) anos, sem que este
cumprisse com o seu dever contratual (pagamento das prestações relativas ao
contrato de compra e venda), evidencia a ausência de zelo com o patrimônio do
credor, com o consequente agravamento significativo das perdas, uma vez que
a realização mais célere dos atos de defesa possessória diminuiriam a extensão
do dano. 5. Violação ao princípio da boa-fé objetiva. Caracterização de
inadimplemento contratual a justificar a penalidade imposta pela Corte
originária, (exclusão de um ano de ressarcimento). 6. Recurso improvido.
(STJ - REsp: 758518 PR 2005/0096775-4, Relator: Ministro VASCO DELLA
GIUSTINA (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/RS), Data de Julgamento:
17/06/2010, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 28/06/2010
REPDJe 01/07/2010).
Princípio do Dirigismo Contratual
Vamos ver como esse princípio vem se apresentando na jurisprudência?
DIREITO ADMINISTRATIVO. INSTITUIÇÃO PRIVADA DE ENSINO. DÉBITO DE
MENSALIDADES. RETENÇÃO DE DIPLOMA COMO MEIO COERCITIVO DE
COBRANÇA. ILEGALIDADE. INTERESSE PÚBLICO NA EDUCAÇÃO. DIRIGISMO
CONTRATUAL. 1. Em face do interesse público que envolvem as relações em
que são partes instituições privadas de educação, na atividade-fim de ensino,
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 170
sujeitam-se a forte dirigismo, que restringe a autonomia da vontade. 2.
Consolidando disposição de sucessivas Medidas Provisórias, estabeleceu a Lei
nº 9.870/99 que são proibidas a suspensão de provas escolares, a retenção de
documentos ou a aplicação de quaisquer penalidades pedagógicas por motivo
de inadimplemento do aluno (art. 6º). 3. Remessa oficial a que se nega
provimento. (TRF-1 - REO: 2445 GO 0002445-80.2006.4.01.3503, Relator:
DESEMBARGADOR FEDERAL JOÃO BATISTA MOREIRA, Data de Julgamento:
19/07/2010, QUINTA TURMA, Data de Publicação: 30/07/2010 e-DJF1 p.153).
AGRAVO INTERNO. SISTEMA FINANCEIRO DE HABITAÇÃO. REVISÃO DE
CLÁUSULAS CONTRATUAIS. Critério de reajuste das prestações e do saldo
devedor. Adoção expressa do Plano de Equivalência Salarial (PES) como fator
de correção. Existência de cláusula de aplicação dos índices de reajuste da
caderneta de poupança ao saldo devedor. Previsões contratuais colidentes.
Ineficácia do critério dúplice de reajuste. Contrato de adesão. Interpretação
mais favorável ao mutuário aderente. Inobservância dos deveres de
transparência e lealdade, aplicáveis aos contratos em geral. Dirigismo
contratual harmonizado com a vulnerabilidade do mutuário e o direito
constitucional à moradia. Precedentes deste Tribunal e do STJ. Provimento
parcial do apelo. Sucumbência recíproca reconhecida no julgado monocrático e
em sede de aclaratórios. Decisões mantidas. Recurso a que se nega
provimento. (TJ-RJ - APL: 01472777620048190001 RJ 0147277-
76.2004.8.19.0001, Relator: DES. CARLOS EDUARDO DA ROSA DA FONSECA
PASSOS, Data de Julgamento: 04/02/2014, DÉCIMA OITAVA CÂMARA CÍVEL,
Data de Publicação: 27/02/2014 15:52).
APELAÇÃO - AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATO - RELAÇÃO DE CONSUMO -
CÓDIGO CIVIL - REVISÃO CONTRATUAL - POSSIBILIDADE - JUSTIÇA
GRATUITA - PESSOA FÍSICA - CONCESSÃO. - A intervenção do Estado nas
relações contratuais tornou-se necessária à manutenção da integridade e
eficácia dos direitos fundamentais de segunda geração (direitos sociais,
culturais e econômicos). - O fundamento para o dirigismo contratual e, por
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 171
conseguinte, da revisão do contrato pelo Judiciário, depende do regime jurídico
a que estão vinculados os contratantes. Se houver relação de consumo, aplicar-
se-á o Código de Defesa do Consumidor. Assim, a revisão do contrato ocorrerá
em função da teoria da lesão (art. 6º, V, primeira parte) ou em razão da
cláusula rebus sic stantibus - onerosidade excessiva - (art. 6º, V, 2ª parte).
Todavia, não sendo relação de consumo, utilizar-se-á o Código Civil. Neste
caso, a revisão contratual funda-se na função social do contrato (art. 421) ou
na onerosidade excessiva (arts. 317 e 479). - Nos termos da Lei 1.060/50 e
seguindo o entendimento dos referidos tribunais superiores, basta a simples
declaração de pobreza para que seja deferida a assistência judiciária. Todavia,
se tal instituto não fora apreciado em primeira instância, a sua concessão
aplicar-se-á, somente, em segundo grau, sob pena de supressão de instância.
(TJ-MG - AC: 10702120673729001 MG, Relator: Tibúrcio Marques, Data de
Julgamento: 25/04/2013, Câmaras Cíveis/ 15ª CÂMARA CÍVEL, Data de
Publicação: 03/05/2013).
Encerramento
Assim, por exemplo, reconhece o Enunciado n. 23, da I Jornada de Direito Civil:
a função social do contrato, prevista no art. 421 do novo Código Civil, não
elimina o princípio da autonomia contratual, mas atenua ou reduz o alcance
desse princípio quando presentes interesses metaindividuais ou interesse
individual relativo à dignidade da pessoa humana.
O que permite a Eroulths Cortiano Junior (2000, p. 33) concluir que “revolta-se
o direito contra as concepções que o colocavam como mero protetor de
interesses patrimoniais, para postar-se agora como protetor direto da pessoa
humana” e, por óbvio, o contrato como parte do tripé clássico do Direito Civil
não poderia passar incólume a esse movimento.
Atividade Proposta
Analise a charge e reflita: por que na prática contratual (em especial nos
contratos de adesão) ainda se pode verificar um grande número de cláusulas
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 172
abusivas que afrontam princípios como o da boa-fé e da função social dos
contratos?
Após a reflexão, você deverá analisar um contrato que tenha assinado
recentemente (faculdade, seguro, plano de saúde, etc.) e da leitura desse
contrato deve ser capaz de identificar no mínimo três cláusulas que afrontem a
boa-fé objetiva ou a função social. Identificadas as cláusulas, justifique de que
maneira elas caracterizam quebra positiva do contrato.
Chave de resposta: De fato, o que se percebe nas práticas comerciais
cotidianas é um grande número de cláusulas abusivas que contrariam preceitos
jurídicos fundamentais, em especial, determinando a inversão dos riscos do
negócio para a parte mais vulnerável. Portanto, ainda que os novos princípios
contratuais estudados nesta aula (boa-fé, probidade, função social, dirigismo
contratual) visem coibir essas práticas, a ausência de punições eficazes a quem
as pratica acaba as perpetuando.
Material complementar
Para saber mais sobre os princípios contratuais, leia os artigos e as
matérias disponíveis em nossa biblioteca virtual.
Referências
AMARAL, Francisco. Direito civil. 7. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008.
BAGGIO, Andreza. Teoria contratual pós-moderna. Curitiba: Juruá, 2007.
BIERWAGEN, Mônica Yoshizato. Princípios e regras de interpretação dos
contratos no novo código civil. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2003.
FACHIN, Luiz Edson. Teoria crítica do direito civil. Rio de Janeiro: Renovar,
2012.
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 173
GAMA, Guilherme Calmon Nogueira (Coord.). Função social no direito civil.
2. ed. São Paulo: Atlas, 2008.
GODOY, Claudio Luiz Bueno. Função social do contrato. São Paulo: Saraiva,
2004.
NALIN, Paulo. Do contrato: conceito pós-moderno. Curitiba: Juruá, 2002.
OPPO, G. Diritto privato e interessi pubblici. In: Rivista di Diritto Civile.
Padova: CEDAM, ano XL, n˚ 1, 1994. p. 25-41.
ROSENVALD, Nelson. A função social do contrato. In: EHRHARDT JUNIOR,
Marcos; BARROS, Daniel Conde (Coords.). Temas de direito civil
contemporâneo. Salvador: Podivm, 2009. p. 185-218.
THEODORO JUNIOR, Humberto. O contrato e sua função social. 2. ed. Rio
de Janeiro: Forense, 2004.
Exercícios de fixação
Questão 1
Sobre o conceito de contrato, é correto afirmar que:
I. Segundo a doutrina contemporânea, o contrato é negócio jurídico bilateral
que tem apenas por conteúdo direitos de natureza patrimonial.
II. Segundo a doutrina contemporânea, o contrato é negócio jurídico bilateral
que tem apenas por conteúdo direitos de natureza extrapatrimonial.
III. Contrato é relação jurídica subjetiva destinada à produção de efeitos
jurídicos existenciais e patrimoniais.
IV. Contrato é sinônimo exclusivamente de instrumento contratual, documento
escrito pelo qual se realiza o ajuste.
a) Estão corretas I e II
b) Está correta a alternativa III
c) Estão corretas III e IV
d) Todas estão corretas
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 174
Questão 2
Sobre o conceito de contrato, é correto afirmar que:
I. O princípio da função social dos contratos extingue completamente a
liberdade contratual.
II. Autonomia privada e autonomia da vontade são sinônimos que podem ser
utilizados para indicar indistintamente a liberdade contratual.
III. A autonomia privada é princípio de origem personalista que reconhece que
todo indivíduo é livre para contratar e estabelecer o conteúdo contratual.
IV. A negativa de crédito é ato considerado discricionário e que resulta da
autonomia privada, por isso, a mera negativa não é suficiente para causar
danos morais.
a) Estão corretas I e II
b) Está correta a alternativa IV
c) Estão corretas III e IV
d) Todas estão corretas
Questão 3
São princípios contratuais clássicos, EXCETO:
a) Boa-fé objetiva
b) Autonomia privada
c) Pacta sunt servanda
d) Intangibilidade
Questão 4
Sobre o pacta sunt servanda, é correto afirmar que:
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 175
I. Em virtude de princípios como a boa-fé e a função social dos contratos, não
se pode mais falar em força obrigatória dos contratos.
II. Classicamente se identifica com o brocardo “o contrato faz lei entre as
partes”.
III. O princípio da obrigatoriedade dos contratos garante em qualquer situação
contratual segurança jurídica.
IV. É princípio que decorre do amplo reconhecimento da liberdade contratual e
que parte do pressuposto que todos os contratos são necessariamente de
adesão.
a) Estão corretas I e II
b) Está correta a alternativa II
c) Estão corretas III e IV
d) Todas estão corretas
Questão 5
Sobre os princípios contratuais clássicos, é correto afirmar que:
I. O princípio da relatividade dos efeitos dos contratos afirma que os efeitos dos
contratos são necessariamente relativos, não obrigando as partes ao seu
cumprimento.
II. O princípio da autonomia da vontade representa o poder que as partes
contratantes possuem de regular a sua própria vontade, estabelecendo o
conteúdo da relação contratual.
III. O princípio da intangibilidade dos contratos foi concebido completamente
dissociado do princípio da obrigatoriedade dos contratos.
IV. O princípio da obrigatoriedade dos contratos à luz do modelo liberal se
justificava em virtude do reconhecimento da ampla liberdade contratual.
a) Estão corretas I e II
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 176
b) Estão corretas III e IV
c) Está correta a alternativa IV
d) Todas estão corretas
Questão 6
São princípios contratuais contemporâneos, EXCETO:
a) Dirigismo contratual
b) Função social
c) Boa-fé objetiva
d) Autonomia privada
Questão 7
Aplicando-se os princípios contratuais contemporâneos, pode-se afirmar que:
I. O seguro captado em agência bancária sob pena de não renovação do
contrato de conta-corrente com cheque especial caracteriza quebra da boa-fé
objetiva na figura da venda casada.
II. Não caracteriza venire contra factum proprium quando a vendedora de
pequena loja de vestuário auxilia o comprador do estabelecimento assinando os
pedidos de novas mercadorias para viabilizar a continuidade do negócio e os
cancela dias depois sem justo motivo.
III. O cumprimento do contrato de financiamento com a falta apenas do
pagamento da última prestação autoriza o credor a realizar ação de busca e
apreensão do bem em nome do princípio da função social dos contratos.
IV. Negativa de cobertura de procedimento médico coberto obrigatoriamente
por plano de saúde decorre da autonomia privada e, portanto, não caracteriza
quebra do princípio da confiança.
a) Está correta a alternativa I
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 177
b) Está correta a alternativa IV
c) Estão corretas III e IV
d) Todas estão corretas
Questão 8
Sobre os princípios contratuais contemporâneos, é correto afirmar que:
I. A boa-fé prevista como princípio de direito contratual é a subjetiva, forma de
conduta entre as partes contratantes.
II. A probidade é um dos aspectos objetivos da boa-fé objetiva e traz consigo a
noção de justiça, de equilíbrio e comutatividade das prestações.
III. Os deveres anexos são deveres que decorrem diretamente da função social
dos contratos.
IV. A função social dos contratos retira-lhes a função econômica fazendo
prevalecer de forma absoluta o interesse geral sobre o interesse das partes
contratantes.
a) Está correta a alternativa I
b) Está correta a alternativa II
c) Está correta a alternativa IV
d) Todas estão corretas
Questão 9
Certo ou errado? Os novos princípios contratuais, em especial, a função social
do contrato e a boa-fé objetiva, extinguem os princípios contratuais clássicos,
limitando de forma absoluta a autonomia privada.
a) Certo
b) Errado
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 178
Questão 10
Analise as assertivas abaixo:
I. A função social dos contratos tem por finalidade legitimar a liberdade
contratual harmonizando-a com os interesses sociais.
II. A boa-fé objetiva tem por funções: interpretação e integração contratual;
criação de deveres jurídicos e limitação do exercício de direitos.
III. A probidade é o aspecto subjetivo da boa-fé que exige a observação do
comportamento das partes contratantes entre si.
IV. O dirigismo contratual representa a intervenção do Estado em relações
privadas por meio de normas dispositivas.
a) Apenas I, II e III estão corretas
b) Apenas III e IV estão corretas
c) Apenas I e II estão corretas
d) Todas estão corretas
Incólume: adj.m e adj.f. Ausente de ferimentos, sem lesões corporais ou
morais: a criança sobreviveu incólume à tragédia.
Que se preserva igual, que não sofre modificações: seu talento continua
incólume.
Aula 6
Exercícios de fixação
Questão 1 - B
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 179
Justificativa: A alternativa correta indica o conceito contemporâneo de contrato.
A alternativa A refere-se apenas ao conceito clássico de contrato. Contrato não
é tão somente o instrumento contratual.
Questão 2 - B
Justificativa: A função social dos contratos apenas mitiga a liberdade contratual,
não a extinguindo. Autonomia privada e da vontade não se confundem
conforme estudado em aula; aquela se refere à liberdade contratual, enquanto
esta à liberdade de contratar. A autonomia privada é fruto do individualismo
liberal e não do personalismo.
Questão 3 - A
Justificativa: A boa-fé objetiva é considerada um princípio contratual
contemporâneo.
Questão 4 - B
Justificativa: A obrigatoriedade dos contratos foi mitigada pela boa-fé objetiva e
pela função social dos contratos, mas ainda é princípio que se impõe nas
relações contratuais. É princípio que garante segurança jurídica quanto à
exigibilidade dos contratos realizados em conformidade com a lei, a moral e os
bons costumes, no entanto, em contratos desiquilibrados ou abusivos pode
gerar insegurança. Partia do pressuposto de que todos os contratos eram
paritários.
Questão 5 - C
Justificativa: O princípio da relatividade dos efeitos dos contratos afirma que o
contrato vincula as partes contratantes, não gerando efeitos a terceiros ou
efeitos sociais. A alternativa B define o princípio da autonomia privada e não da
vontade. Intangibilidade e obrigatoriedade contratual são princípios que estão
intimamente ligados.
Questão 6 - D
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 180
Justificativa: A autonomia privada é considerada um dos princípios clássicos
contratuais.
Questão 7 - A
Justificativa: Caracteriza venire contra factum proprium e, portanto, afronta à
boa-fé a vendedora que auxilia o comprador do estabelecimento assinando os
pedidos de novas mercadorias e os cancela dias depois sem justo motivo. O
cumprimento de financiamento com a falta apenas do pagamento da última
prestação não autoriza o credor a realizar ação de busca e apreensão do bem,
pois não houve inadimplemento substancial do contrato. A negativa de
cobertura de procedimento médico coberto obrigatoriamente por plano de
saúde caracteriza quebra do princípio da confiança.
Questão 8 - B
Justificativa: A boa-fé prevista como princípio de direito contratual é a objetiva,
norma de conduta entre as partes contratantes. Os deveres anexos decorrem
do princípio da boa-fé objetiva. A função social dos contratos não lhes retira a
função econômica, mas impõe a necessidade de estar o interesse individual
harmonizado com o interesse geral.
Questão 9 - B
Justificativa: Os novos princípios contratuais não extinguem os princípios
contratuais clássicos, nem tão pouco limitam de forma absoluta a autonomia
privada. Conforme estudado na aula, os novos princípios apenas relativizam os
princípios clássicos que continuam existindo e continuam sendo aplicáveis.
Questão 10 - C
Justificativa: O item III está errado, porque a probidade é o aspecto objetivo da
boa-fé e impõe a análise do comportamento das partes contratantes em
conformidade com o meio social em que praticaram o ato. O item IV está
errado, porque o dirigismo contratual representa a intervenção do Estado em
relações privadas por meio de normas impositivas (cogentes).
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 181
Introdução
Nesta aula, será estudada a funcionalização da propriedade privada a partir da
Constituição Federal de 1988 como reflexo da repersonificação e
despatrimonialização do Direito Privado brasileiro.
Esta aula lhe dará subsídios para a compreensão da disciplina “Teoria Geral dos
Direitos Reais”.
Objetivo:
1. Compreender a funcionalização da propriedade privada a partir da
Constituição Federal de 1988 e seus reflexos no Direito Civil brasileiro.
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 182
Conteúdo
O mistério do capital
Vamos iniciar nosso estudo com algumas informações retiradas do texto de
Rodrigo Constantino.
O mistério do capital: o Brasil é medíocre na defesa do direito de
propriedade.
Índice Internacional de Direito de Propriedade
O Índice Internacional de Direito de Propriedade (IIDP) é um índice que mede a
importância dos direitos de propriedade nos países. Trata-se de índice
composto por dez variáveis. Veja:
Ambiente jurídico e político
1. Independência judicial;
2. Confiança nos tribunais;
3. Estabilidade política;
4. Corrupção.
Direitos de propriedade física
5. Proteção dos direitos de propriedade;
6. Registros de propriedade;
7. Acesso ao crédito.
Direitos de propriedade intelectual
8. Proteção da propriedade intelectual;
9. Força das patentes;
10. Pirataria de direitos autorais.
1
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 183
Segundo esse índice, o Brasil aparece na “rabeira” da defesa da propriedade ao
lado de países cuja economia é bem inferior à brasileira, como Filipinas.
Segundo o autor, no Brasil, há uma clara distorção da defesa da propriedade
privada (tanto física quanto intelectual), o que causa um impacto direto nos
índices de desenvolvimento social, econômico e industrial.
Diante dessa assertiva, vamos analisar a funcionalização da propriedade privada
no Brasil para tentar entender como ela impactou no índice antes indicado.
Antes de estudarmos a funcionalização da propriedade, devemos lembrar dois
conceitos: posse e propriedade (conceitos que serão aprofundados na disciplina
“Teoria Geral dos Direitos Reais”).
Propriedade
O direito de propriedade sofre, sem dúvidas, influência direta do momento
histórico e da forma social em que está inserido. Assim, por exemplo, em suas
origens, a propriedade era coletiva. Posteriormente, o direito de propriedade
passou à ideia de presente de divindades e, finalmente, no Direito Romano,
ganhou o status de núcleo central da ordem jurídica, passando a ser
individualizado.
No período feudal, tornou-se um direito praticamente absoluto e, após a
revolução burguesa, ainda com forte característica individual, passa a ser
inviolável (a lógica proprietária se apresenta individualizada). A propriedade
moldada no Estado Liberal acaba se revelando nas mais diversas codificações
oitocentistas (inclusive no Código Civil de 1916), sendo agora excludente.
Classicamente, então, a propriedade decorre do poder de sujeição que uma
pessoa exerce sobre uma coisa; semanticamente, trata-se de algo que é
próprio de alguém.
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 184
Afirma Orlando Gomes (2006, p. 30) que a codificação civil brasileira de 1916 é
resultado de uma racionalidade contraditória em que havia evidentes aspirações
de uma sociedade capitalista, porém cercada de obstáculos impostos pela
estrutura agrária que ainda se impunha à época, o que refletirá diretamente
nas noções jurídicas de propriedade, que era extremamente individualista,
seletiva e excludente, sendo o bem (especialmente o imóvel) considerado uma
mercadoria. Conferia-se, então, mais garantias à propriedade (direito subjetivo
por excelência) do que à posse ou à detenção (estas tratadas de maneira
secundária, até mesmo com desprezo, pelo legislador).
Apenas com o advento do Estado Social, o direito à propriedade passa a ser
novamente uma preocupação, agora como direito fundamental e devendo ser
exercido de acordo com os interesses sociais, o que levou à funcionalização da
propriedade, que estudaremos mais adiante. Então, o Código Civil de 2002
promove um novo contorno a um velho instituto: a propriedade continua sendo
um dos tripés do Direito Civil brasileiro, mas, agora, informada pelo princípio da
socialidade, deve ser analisada também sob a perspectiva social, mitigando-se
o absolutismo individual típico do Estado Liberal.
Assim, o art. 1.228, caput, CC, determina: “o proprietário tem a faculdade de
usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer
que injustamente a possua ou detenha”. Deixa de afirmar que a lei se limita a
reconhecer o poder a ela preexistente, vinculando o exercício do direito de
propriedade à finalidade econômica e social limitada pela tutela constitucional
(art. 1.228, §1º, CC).
Propriedade – conclusão
Como se vê, o Código Civil de 2002 mantém o modelo proprietário baseado na
atribuição de poderes ao titular da propriedade, sendo a posse mero exercício
material do direito de propriedade, e a detenção em pouco representando para
o Direito.
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 185
Atenção
No entanto, em virtude da constitucionalização da propriedade,
esse modelo mantido pelo Código Civil passou a ser visto com
novos olhos, valorizando-se a posse e a detenção, conferindo-
lhes também proteção. São exemplos dessa nova visão: a
Súmula 84, a Súmula 239, a Súmula 308, todas do STJ,
reconhecendo a função social da posse, considerada agora de
forma autônoma à propriedade.
Conceito de posse
1
O art. 1.196, CC, indiretamente dá o conceito de posse: “é possuidor todo
aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não, de algum dos poderes
inerentes à propriedade”. Claramente, adotou o legislador a teoria de Ihering
(teoria objetiva da posse) para a qual a posse é a conduta de dono, portanto,
situação de fato.
2
Para Ihering, posse e detenção não se distinguem pela existência, na primeira,
de um animus específico. Ambas se constituem dos mesmos elementos: corpus
e animus, os quais se acham intimamente ligados, de modo indissociável, e se
revelam pela conduta do dono. Posse é a exterioridade, a visibilidade do
domínio.
3
Tem posse todo aquele que se comporta como proprietário. A detenção
encontra-se em último lugar na escala das relações jurídicas entre a pessoa e a
coisa.
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 186
Na linha de frente, estão a propriedade e seus desmembramentos; em
segundo lugar, a posse de boa-fé; em terceiro, a posse; e, por fim, a
detenção.
Atenção
Em decorrência da consideração do corpus como elemento da
posse, surgiu o uso corrente da expressão “exercício do poder”
para designar a manifestação exteriorizada do poder de fato
correspondente à propriedade ou outro direito real. Todavia, a
caracterização da posse prescinde do exercício de atos,
bastando, em qualquer hipótese, a existência de poder sobre um
bem. Por isso, por exemplo, é admissível a posse de um imóvel
sem que o possuidor o cultive, explore ou visite.
No entanto, em virtude da funcionalização, a posse não deve ser
considerada exercício do poder, mas, sim, o poder propriamente
dito, que tem o titular da relação fática sobre um determinado
bem, caracterizando-se tanto pelo exercício como pela
possibilidade de exercício. A posse é a disponibilidade e não a
disposição; é a relação potestativa e não, necessariamente, o
efetivo exercício.
Titular da posse
O titular da posse tem o interesse potencial em conservá-la e protegê-la de
qualquer tipo de moléstia que, porventura, venha a ser praticada por outrem,
mantendo consigo o bem numa relação de normalidade capaz de atingir a sua
efetiva função socioeconômica.
A posse, implicando exercício de poderes de fato, não pode recair sobre um
direito, que é uma entidade normativa, uma abstração.
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 187
A referência ao direito serve apenas para delimitar o animus da posse: possui-
se nos termos da propriedade, nos termos do usufruto, nos termos de uma
servidão, etc.
Função social
Embora a função social da propriedade já tivesse sido prevista pelas
Constituições Brasileiras de:
1934 / 1937 / 1946 / 1967 / e a Emenda nº de 1969
...como normas programáticas, foi a Constituição Federal de 1988...
...que absorveu o ideal de uma ordem fundiária mais justa, reconhecendo
expressamente nos arts. 5o, XXIII e 170, III, a funcionalização do direito à
propriedade não só como direito fundamental, mas também como princípio da
ordem econômica, conferindo-lhe, agora, um caráter normativo (autoaplicável)
considerado cláusula pétrea pelo art. 60, §4o, IV, CF. Avance a tela e veja o
que a funcionalização da posse e da propriedade representou.
Da funcionalização da posse e da propriedade
A funcionalização da propriedade prevista na Constituição Federal de 1988, sem
dúvida, representou um marco na forma como se deve entender a propriedade
no Brasil, o que não significa afirmar que alterou o modo de produção
capitalista. No entanto, frise-se, a mera previsão constitucional não seria
suficiente para alterar a mentalidade individualista vigente à época. Para isso,
seria necessário operacionalizar a função social da propriedade.
A pretendida operacionalização impôs a “redução significativa dos prazos de
usucapião pela criação de uma modalidade especial, voltada a garantir a
propriedade de possuidores que, até aquele momento, não são proprietários; a
definição de prazos para que os Municípios regulem de modo objetivo a função
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 188
social da propriedade urbana, assim como para estabelecer mecanismos de
indução ao aproveitamento de terras ociosas.
Do ponto de vista da propriedade rural, o texto constitucional repetiu, em
grande medida, os institutos do Estatuto da Terra (Lei Federal 4.504 de 1964)
no que diz respeito aos critérios de verificação do cumprimento da função social
da propriedade, o que, na prática, foi pouco significativa, se considerados os
índices de concentração da terra em 1988” (Daniele Pontes et al, 2011, p. 298).
Atenção
Assim, a funcionalização da propriedade pela Constituição
Federal de 1988 representou muito mais uma mudança de
mentalidade quanto à propriedade privada do que propriamente
um esvaziamento do poder do proprietário. A partir da
funcionalização, obriga-se a analisar o direito de propriedade,
não apenas sob a perspectiva do seu titular, mas, também, sob
o ponto de vista dos sujeitos não proprietários, devendo o direito
de propriedade não servir apenas ao seu titular, mas também a
toda a sociedade (como um valor existencial). Nesse sentido,
destaca Luiz Edson Fachin (1988, p. 20), que “a função social da
propriedade corresponde a limitações fixadas no interesse
público e tem por finalidade instituir um conceito dinâmico de
propriedade em substituição ao conceito estático, representando
uma projeção da reação anti-individualista”.
Interesse geral
Analisando os bens e os direitos sobre eles, em especial a propriedade, Giorgio
Oppo afirma que o interesse geral assume uma nova colocação e função,
segundo convencimento difuso de limite:
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 189
Limite da fruição Limite da disposição
O interesse geral aqui não opera como dever de ação, nem como pretensa
ação, mas como sobrecarga. Assim, a relação com o interesse geral não se
exaure nos termos da proclamada função social, mas é nela mesma estimada,
no seu exercício e na acessibilidade correspondente, o que a faz absorver uma
síntese de outros valores, em especial a utilidade social. Nesse sentido, é a
função assegurada pela lei, e a propriedade garantida pela lei, porque
consideradas como fruição geral dos bens pela coletividade e forma de
promoção do ser humano em sociedade.
Atenção
No entanto, frise-se, reconhecer a função social da propriedade
não é, de forma alguma, extinguir a propriedade privada, nem
tampouco estabelecer formas de propriedade coletivas conforme
o modelo comunista. É, sim, reconhecer que a propriedade gera
um relevância muito maior que apenas o interesse privado,
reconhecendo-se como direito tendente a realizar a dignidade da
pessoa humana.
Função social da propriedade
Nesse sentido, entendem Guilherme Calmon e Andrea Leite (2008, p. 38) que
“função social não significa socializar a propriedade, e, sim, atender às
diretrizes e postulados do plano diretor – no caso da propriedade imóvel urbana
– ou de leis especiais, como o Estatuto da Terra e o Estatuto da Cidade.
A expressão função social da propriedade deve ser vinculada a objetivos
de justiça social, ou seja, o uso da propriedade deve estar comprometido com
um projeto de sociedade mais igualitária e menos desequilibrada.
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 190
Na qual o acesso e o uso da propriedade sejam orientados no sentido de
proporcionar novas oportunidades aos cidadãos, independentemente da
utilização produtiva que porventura já esteja tendo”. Por isso, resultarão da
funcionalização da propriedade dois tipos de intervenção do Estado:
Intervenção limitadora (proibição ao abuso de direito).
Intervenção impulsionadora (fomento ao atingimento de resultados socialmente
úteis).
Atenção
A função social da propriedade não legitima a sobreposição de
qualquer interesse social sobre o interesse privado. Busca, sim,
harmonizá-los, o que significa afirmar que o direito do titular da
propriedade é tão protegido quanto à função social desta, e que,
portanto, não pretendeu nem o Constituinte, nem o legislador do
Código Civil de 2002 realizar uma reforma marxista com a
consequente proletarização do Direito Privado; realizaram, sim,
uma adequação do Direito Privado à realidade que se impunha,
compondo interesses individuais e coletivos na busca da
realização da pessoa humana.
Fundamento comum e essencial da aparência de bem
O fundamento comum e essencial da aparência de bem (público ou privado)
depende da diversa incidência, que, em um ou outro momento histórico, possa
causar um interesse geral sobre uma ou outra categoria de bem. E, por isso, os
bens de consumo, que se situam como centrais e não tocados pela função
social, serão funcionalizados em certas conjunturas.
É daí, segundo Giorgio Oppo, que emerge uma possível polivalência do instituto
privatístico (propriedade) sobre o plano da correspondência entre os interesses
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 191
individual e geral junto com o diverso valor que o mesmo instituto pode assumir
em mão pública ou em mão privada (correspondência que estudamos na nossa
segunda aula).
Por isso, ao se analisar a função social da propriedade, conclui-se ser ela fruto
de uma preocupação com os interesses existenciais humanos que, por óbvio,
não se limitam ao aproveitamento econômico da terra, mas que também
podem ser relacionados às limitações decorrentes dos direitos ambientais,
trabalhistas, de consumo, de saúde, etc.
Ordenamento positivo
Confere-se ao ordenamento positivo o dever de estabelecer e graduar a relação
entre a propriedade privada e a pública...
...considerando-se minimamente que a propriedade privada é também
enriquecimento do valor da pessoa, reconhecimento de sua legitimação e de
sua operação social, além de meio de incrementar uma e outra forma de
reconhecimento do trabalho. Em outras palavras, contrariaria o respeito ao
homem se se pudesse reter a exclusão de cada um na participação dos bens,
não pela participação de todos.
Assim, em certo sentido, é excessivo considerar a propriedade coexistente com
a liberdade ou necessária garantia desta, ou seja, o bem concorre com o
exercício e desenvolvimento da liberdade das pessoas, além de atuar como um
interesse geral. Portanto, é esta que deve ser a escolha constitucional.
Conflito interpretativo
Pode-se analisar se a escolha constitucional deve incidir entre o direito sobre o
bem e o direito (ou liberdade) de exercitar uma atividade econômica sobre o
bem ou com o bem, em particular com outros bens. A intervenção do interesse
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 192
geral não deve ser diretamente limitativa do direito privado à propriedade, mas
é resolutiva dos seguintes conflitos interpretativos:
Conflito entre propriedade e atividade
Conflito entre propriedade e empresa
A prevalência da segunda sobre a primeira, em particular na relação entre
proprietário e empreendedor, refletiria, segundo Giorgio Oppo, em termos
privatísticos, numa escolha de interesse geral e aceitável apenas enquanto a
reflete.
Aulas anteriores
Nas aulas anteriores, afirmamos diversas vezes que o Direito Contemporâneo
tem por foco a valorização da pessoa sobre o patrimônio. Então, ao proteger
(ou regular) o patrimônio, deve-se fazê-lo apenas e de acordo com o que ele
significa: suporte ao livre desenvolvimento da pessoa (CORTIANO JUNIOR,
Eroulths, 2000, p. 33).
Prevalência da dignidade
Ora, na busca da prevalência da dignidade da pessoa humana, necessário é
também garantir-lhe o seu livre desenvolvimento, e isto só é possível na
combinação de situações subjetivas patrimoniais com situações subjetivas
extrapatrimoniais.
Daí a opção constitucional e infraconstitucional pela funcionalização da
propriedade e do contrato, uma vez que, na atual sociedade, o Direito Privado
(em especial o Direito Civil) não pode mais restringir-se a possibilitar a
apropriação de bens.
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 193
O contrato
Afirma Paulo Nalin (2002, p. 215) que, quando primeiramente se aborda o tema
da funcionalização, não se pode ignorar que a busca é, em verdade, por uma
nova função singular do contrato (e da propriedade).
O contrato, assim como a propriedade e a família, sempre tiveram suas
respectivas funções atribuídas (funzione attributiva atrelada ao princípio
proprietário), ora em conservação do poder econômico em favor de
alguma classe social (propriedade à burguesia), ora em tutela da família
legalmente permitida (matrimônio) e não de qualquer outra.
Atenção
Assim, continua Paulo Nalin (2001, p. 217), “funcionalizar, na
perspectiva da Constituição de 1988, significa oxigenar as bases
(estruturas) fundamentais do Direito com elementos externos à
sua própria ciência. [...]. É romper com a autossuficiência do
Direito, hermético em sua estrutura e tecnicismo, outrora mais
preocupado com os aspectos formais das regras, do princípio e
do instituto, que com sua eficácia social. Por isso, a função
perseguida é a social. Funcionalizar, sobretudo, em nosso
contexto, é atribuir ao instituto jurídico uma utilidade ou impor-
lhe um papel social [...]”.
Opção progressista
Obviamente, a opção progressista pela funcionalização não se impõe
facilmente, em especial, nos países ainda fortemente influenciados
pela tradição oitocentista (Moderna).
A funcionalização do contrato e da propriedade consiste em abordar a liberdade
de ”ter” seus reflexos sobre a sociedade, e não apenas no campo das relações
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 194
interprivadas, opção que, portanto, se coaduna com a valorização dos
interesses gerais face aos interesses meramente privados, em franca
observância ao princípio constitucional da solidariedade.
Propriedade como direito fundamental
Afirma João Luis Nogueira que o direito de propriedade evolui em marcha que
tende à humanização, entendendo-se a propriedade como direito
fundamental para a realização de diversas necessidades básicas humanas, é,
portanto, importante instrumento para o desenvolvimento de atividades em
conformidade com o bem-estar coletivo.
Encerramento
Não é outra a perspectiva que aqui devemos adotar: atribuir interesses gerais a
institutos considerados próprios do Direito Privado é conferir-lhes utilidade
social e, portanto, aproximar-lhes da realidade e das necessidades sociais.
Assim, o direito de “ter” não deve mais ser encarado apenas em sua
perspectiva indivíduo-centrista, mas, em especial, como forma de realização do
homem em sociedade.
Então, sendo a função social da propriedade standard para realização da
cidadania material e da justiça social, vamos ver como a funcionalização vem se
apresentando na jurisprudência:
Agravo regimental no agravo de instrumento. Administrativo. Imóvel destinado
à reforma agrária. Repasse a terceiros. Irregularidade. Pretensão de
reintegração de posse pelo INCRA. Circunstâncias fáticas que nortearam a
decisão da origem em prol dos princípios da função social da propriedade e da
boa-fé. Reexame de fatos e provas. Impossibilidade. Precedentes. 1. A Corte de
origem concluiu, em razão de circunstâncias fáticas específicas, que embora
tenha sido irregular a alienação das terras pelo assentado original aos ora
agravados, esses deram efetivo cumprimento ao princípio constitucional da
função social da propriedade, com a sua devida exploração, além de terem
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 195
demonstrado boa-fé, motivos pelos quais indeferiu a reintegração de posse ao
INCRA, assegurando-lhe, contudo, o direito à indenização. 2. Ponderação de
interesses que, in casu, não prescinde do reexame dos fatos e das provas dos
autos, o qual é inadmissível em recurso extraordinário. Incidência da Súmula nº
279/STF. 3. Agravo regimental não provido. (STF - AI: 822429 SC, Relator: Min.
DIAS TOFFOLI, Data de Julgamento: 09/04/2014, Primeira Turma, Data de
Publicação: DJe-104 DIVULG 29-05-2014 PUBLIC 30-05-2014)
DIREITO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE EXTINÇÃO DE USUFRUTO.
PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. SÚMULA 211/STJ. DISSÍDIO
JURISPRUDENCIAL NÃO DEMONSTRADO. REEXAME DE FATOS E PROVAS.
INADMISSIBILIDADE. NÃO USO OU NÃO FRUIÇÃO DO BEM GRAVADO COM
USUFRUTO. PRAZO EXTINTIVO. INEXISTÊNCIA. INTERPRETAÇÃO POR
ANALOGIA. IMPOSSIBILIDADE. EXIGÊNCIA DE CUMPRIMENTO DA FUNÇÃO
SOCIAL DA PROPRIEDADE. 1- A ausência de decisão acerca de dispositivos
legais indicados como violados, não obstante a interposição de embargos de
declaração, impede o exame da insurgência quanto à matéria. 2- O dissídio
jurisprudencial deve ser comprovado mediante o cotejo analítico entre acórdãos
que versem sobre situações fáticas idênticas. 3- O reexame de fatos e provas
em recurso especial é inadmissível. 4- O usufruto encerra relação jurídica em
que o usufrutuário - titular exclusivo dos poderes de uso e fruição - está
obrigado a exercer seu direito em consonância com a finalidade social a que se
destina a propriedade. Inteligência dos arts. 1.228, § 1º, do CC e 5º, XXIII, da
Constituição. 5- No intuito de assegurar o cumprimento da função social da
propriedade gravada, o Código Civil, sem prever prazo determinado, autoriza a
extinção do usufruto pelo não uso ou pela não fruição do bem sobre o qual ele
recai. 6- A aplicação de prazos de natureza prescricional não é cabível quando a
demanda não tem por objetivo compelir a parte adversa ao cumprimento de
uma prestação. 7- Tratando-se de usufruto, tampouco é admissível a
incidência, por analogia, do prazo extintivo das servidões, pois a circunstância
que é comum a ambos os institutos - extinção pelo não uso - não decorre, em
cada hipótese, dos mesmos fundamentos. 8- A extinção do usufruto pelo não
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 196
uso pode ser levada a efeito sempre que, diante das circunstâncias da hipótese
concreta, se constatar o não atendimento da finalidade social do bem gravado.
9- No particular, as premissas fáticas assentadas pelo acórdão recorrido
revelam, de forma cristalina, que a finalidade social do imóvel gravado pelo
usufruto não estava sendo atendida pela usufrutuária, que tinha o dever de
adotar uma postura ativa de exercício de seu direito. 10- Recurso especial não
provido. (STJ - REsp: 1179259 MG 2010/0025595-2, Relator: Ministra NANCY
ANDRIGHI, Data de Julgamento: 14/05/2013, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de
Publicação: DJe 24/05/2013)
ADMINISTRATIVO. IMÓVEL ARRENDADO NO ÂMBITO DO PAR.
REINTEGRAÇÃO DE POSSE. INADIMPLÊNCIA. FUNÇÃO SOCIAL DA
PROPRIEDADE. 1. O Programa de Arrendamento Residencial, instituído pela Lei
n.º 10.188/01, visa a atender a necessidade de moradia da população de baixa
renda, sendo que a sustentabilidade do referido programa depende do
pagamento, pelos arrendatários, dos encargos mensais, e, assim, dos reduzidos
níveis de inadimplência. 2. A função social da propriedade é desviada quando
se mantém no Programa arrendatário inadimplente, em detrimento de outros
cidadãos que almejam participar do Programa de Arrendamento Residencial. 3.
A inadimplência do arrendatário é causa suficiente a rescindir o contrato, nos
termos da previsão legal e contratual. (TRF-4 - AC: 50660318520124047100 RS
5066031-85.2012.404.7100, Relator: MARGA INGE BARTH TESSLER, Data de
Julgamento: 30/04/2014, TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: D.E.
05/05/2014)
AQUEDUTO. SERVIDÃO. FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE. Os demandantes
têm direito à utilização do aqueduto, como expressão da função social da
propriedade, pagando justa remuneração aos demandados, a ser arbitrada em
liquidação de sentença. (Apelação Cível Nº 70037226446, Vigésima Câmara
Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Carlos Cini Marchionatti, Julgado em
17/11/2010) (TJ-RS - AC: 70037226446 RS , Relator: Carlos Cini Marchionatti,
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 197
Data de Julgamento: 17/11/2010, Vigésima Câmara Cível, Data de Publicação:
Diário da Justiça do dia 18/01/2011)
PROPRIEDADE INDUSTRIAL. MANDADO DE SEGURANÇA. PATENTE PIPELINE.
PRAZO DE VALIDADE. CONTAGEM. TERMO INICIAL. PRIMEIRO DEPÓSITO NO
EXTERIOR. OCORRÊNCIA DE DESISTÊNCIA DO PEDIDO. IRRELEVÂNCIA.
INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA E SISTEMÁTICA DE NORMAS. TRATADOS
INTERNACIONAIS (TRIPS E CUP). PRINCÍPIO DA INDEPENDÊNCIA DAS
PATENTES. APLICAÇÃO DA LEI. OBSERVÂNCIA DA FINALIDADE SOCIAL. 1. O
regime de patente pipeline, ou de importação, ou equivalente é uma criação
excepcional, de caráter temporário, que permite a revalidação, em território
nacional, observadas certas condições, de patente concedida ou depositada em
outro país. 2. Para a concessão da patente pipeline, o princípio da novidade é
mitigado, bem como não são examinados os requisitos usuais de
patenteabilidade. Destarte, é um sistema de exceção, não previsto em tratados
internacionais, que deve ser interpretado restritivamente, seja por contrapor ao
sistema comum de patentes, seja por restringir a concorrência e a livre
iniciativa. 3. Quando se tratar da vigência da patente pipeline, o termo inicial de
contagem do prazo remanescente à correspondente estrangeira, a incidir a
partir da data do pedido de revalidação no Brasil, é o dia em que foi realizado o
depósito no sistema de concessão original, ou seja, o primeiro depósito no
exterior, ainda que abandonado, visto que a partir de tal fato já surgiu proteção
ao invento (v.g.: prioridade unionista). Interpretação sistemática dos arts. 40 e
230, § 4º, da Lei 9.279/96, 33 do TRIPS e 4º bis da CUP. 4. Nem sempre a
data da entrada em domínio público da patente pipeline no Brasil vai ser a
mesma da correspondente no exterior. Incidência do princípio da independência
das patentes, que se aplica, de modo absoluto, tanto do ponto de vista das
causas de nulidade e de caducidade patentárias como do ponto de vista da
duração normal. 5. Consoante o art. 5º, XXIX, da CF, os direitos de propriedade
industrial devem ter como norte, além do desenvolvimento tecnológico e
econômico do país, o interesse social. Outrossim, na aplicação da lei, o juiz
deverá atender aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 198
comum (art. 5º da LICC). 6. Recurso especial a que se nega provimento. (STJ -
REsp: 1145637 RJ 2009/0130146-2, Relator: Ministro VASCO DELLA GIUSTINA
(DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/RS), Data de Julgamento: 15/12/2009,
T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 08/02/2010)
Atividade Proposta
O Brasil é apresentado como exemplo de como o "uso célere e eficaz" da
licença compulsória, ou quebra de patente, pode ser útil para negociar preços
mais baixos de medicamentos com a indústria farmacêutica em um amplo
estudo de três organizações internacionais, a Organização Mundial do Comércio
(OMC), a Organização Mundial da Saúde (OMS) e a Organização Mundial de
Propriedade Intelectual (OMPI). O documento mostra a interação entre saúde,
propriedade intelectual e comércio e o acesso a remédios.
O seu objetivo é "desmistificar" a complexidade de leis e políticas e torná-las
mais acessíveis para os países poderem de fato usar as flexibilidades
autorizadas nos acordos internacionais para tornar os medicamentos aceitáveis
globalmente a quem necessita. Um exemplo é a quebra de patentes, ou licença
compulsória, no jargão oficial. Conforme o estudo, experiências práticas
mostram que o poder de barganha criado somente pela possibilidade legal de
licença compulsória pode beneficiar países em desenvolvimento mesmo onde a
patente não está garantida.
Ele exemplifica com o caso do Brasil, que quebrou a patente do produto
Efavirenz, para tratamento da aids. Dois meses depois, recebeu o primeiro
carregamento de genérico procedente da Índia. A dose do produto original
custava US$ 15,90, e a do genérico importado, US$ 0,43. Segundo o estudo, o
Brasil poupou cerca de US$ 1,2 bilhão com a compra desse genérico. Mas ele
nota que somente a ameaça de quebrar patente já fez o governo brasileiro
induzir a baixa de preços de remédios. Para fazer licença compulsória, um país
precisa seguir uma série de regras.
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 199
As entidades notam que o uso da licença compulsória na saúde não é limitado a
países em desenvolvimento. Nos desenvolvidos, incluindo os Estados Unidos, a
quebra de patente é garantida, por exemplo, para combater práticas
anticompetitivas que tiveram impacto no aceso e inovação no campo da
tecnologia médica.
O Brasil é um dos maiores importadores de insumos para laboratórios e
hospitais. O déficit na balança comercial é de vários bilhões de dólares.
Enquanto isso, China e Índia tornam-se cada vez mais exportadores. O
levantamento da OMC, OMS e OMPI surge num cenário em que os governos
adotam diferentes meios para baixar os custos da saúde, incluindo controle ou
preço de referência dos remédios, limitação dos reembolsos etc. Os genéricos
são considerado um fator chave na derrubada dos preços. Ainda assim, o
estudo nota que esses remédios mais baratos continuam a ser inacessíveis para
ampla parte da população de países pobres.
Uma pesquisa mostra que na média a disponibilidade de medicamentos
essenciais no setor público em 46 países de baixa e média renda é de apenas
42%. No setor privado, 72%. A indústria farmacêutica se apoia fortemente nos
direitos exclusivos de patente para recuperar os investimentos milionários feitos
em pesquisa e desenvolvimento de remédios. Mas também estão surgindo
novos modelos para acesso a remédios essenciais, como a parceria público-
privada, que resulta em acordos "criativos" de licença de patentes.
Mais atenção vem sendo dada também a incentivos para a produção de vacinas
ou equipamentos médicos. Brasil, China e Índia estão entre os que poderão
produzir novas vacinas no futuro.
Sem surpresa, o estudo defende que os governos reduzam significativamente
as tarifas de importação sobre os remédios. Ao mesmo tempo mostra que o
impacto de provisões sobre setor farmacêutico em alguns acordos de livre
comércio resultam em alta de preços para os consumidores.
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 200
"Acesso a medicamentos exige a mistura correta de políticas de saúde, direitos
de propriedade intelectual e políticas comerciais", diz Pascal Lamy, da OMC.
Fonte: Valor Econômico
Fonte: <http://idisa.jusbrasil.com.br/noticias/100331126/pais-e-elogiado-por-
quebrar-patente-de-remedio>. Acessado em: 11 set. 2014
Analise a notícia e reflita: a quebra de patentes de medicamentos pode ser
justificada pela função social da propriedade?
Chave de resposta: Tratando-se de atividade que propõe reflexão do próprio
aluno a partir dos conceitos estudados, não há uma única resposta ou uma
resposta correta. Parece, no entanto, que a quebra de patentes de
medicamentos, dentro dos parâmetros realizados pelo Brasil, preenche, sem
dúvida, a função social da propriedade, visando à promoção de interesses
sociais e a garantia da dignidade da pessoa humana, princípios que prevalecem
sobre a propriedade privada nos termos estudados na aula.
Material complementar
Para saber mais sobre a função social, leia os artigos disponíveis em
nossa biblioteca virtual.
Referências
CORTIANO JUNIOR, Eroulths. Para além das coisas: breve ensaio sobre o
direito, a pessoa e o patrimônio mínimo. In: RAMOS, C.L.N. et al (orgs.).
Diálogos sobre direito civil: construindo uma racionalidade contemporânea. Rio
de Janeiro: Renovar, 2002.
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 201
FACHIN, Luiz Edson. Teoria crítica do direito civil. Rio de Janeiro: Renovar,
2012.
______. A função social da posse e a propriedade contemporânea: uma
perspectiva da usucapião imobiliária rural. Porto Alegre: Fabris, 1988.
______. Para além das coisas: breve ensaio sobre o direito, a pessoa e o
patrimônio mínimo. In: RAMOS, C.L.N. et al (orgs.). Diálogos sobre direito
civil: construindo uma racionalidade contemporânea. Rio de Janeiro: Renovar,
2002.
GAMA, Guilherme Calmon Nogueira (Coord.). Função social no direito civil.
2a ed. São Paulo: Atlas, 2008.
GOMES, Orlando. Raízes históricas e sociológicas do código civil
brasileiro. 2a ed. São Paulo: Martins Fontes, 2006.
NALIN, Paulo. Do contrato: conceito pós-moderno. Curitiba: Juruá, 2002.
OPPO, G. Diritto privato e interessi pubblici. In: Rivista di Diritto Civile.
Padova: CEDAM, ano XL, n˚ 1, 1994. p. 25-41.
PONTES, Daniele; MILANO, Giovanna Bonilha; IWASAKI, Micheli Mayumi.
Reflexões sobre a codificação da propriedade fundiária moderna brasileira:
diálogos entre direito e economia política. In: TEPEDINO, Gustavo; FACHIN,
Luiz Edson (Orgs.). Pensamento crítico do direito brasileiro. Curitiba:
Juruá, 2011. p. 283-304.
Exercícios de fixação
Questão 1
Sobre a propriedade no ordenamento jurídico brasileiro, é correto afirmar
que:
a) O direito de propriedade não sofre influências do momento histórico e
social.
b) O Estado Liberal promoveu a defesa da propriedade coletiva em
detrimento da propriedade individual.
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 202
c) O Estado Liberal conferia mais proteção à posse e à detenção do que
para a defesa da propriedade.
d) Classicamente, a posse decorre do poder de sujeição que uma pessoa
exerce sobre uma coisa.
Questão 2
Sobre a posse no ordenamento jurídico brasileiro, é correto afirmar que:
I. O Código Civil de 2002 define a posse como mera detenção de um bem.
II. O Código Civil de 2002 adotou a teoria de Savigny quanto à posse, dando
grande relevância ao animus.
III. Em decorrência da consideração do corpus para o conceito de posse, é que
surgiu o uso da expressão “exercício do poder” para designar a manifestação
exteriorizada do poder de fato sobre o bem.
IV. O titular da posse não tem qualquer interesse em conservá-la e protegê-la,
não lhe sendo conferido o direito de defendê-la.
a) Estão corretas I e II
b) Está correta a alternativa III
c) Estão corretas III e IV
d) Todas estão corretas
Questão 3
Assinale a alternativa correta:
I. Dependendo da análise da situação fática, embora a alienação de terras
destinadas à reforma agrária tenha sido irregular, se o comprador de boa-fé
deu cumprimento à função social da propriedade realizando sua adequada
exploração, a transmissão da propriedade deve ser considerada regular,
indeferindo-se a reintegração de terra ao INCRA.
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 203
II. Ainda que o usufrutuário não atenda à função social do bem gravado com o
usufruto, não poderá ser este extinto caso não tenha prazo determinado.
III. O arrendatário inadimplente pode ser mantido no Programa de
Arrendamento Residencial, pois o fato de morar no imóvel faz com que cumpra
sua função social.
IV. Aquedutos não se sujeitam à funcionalização da propriedade.
a) Estão corretas I e II
b) Está correta a alternativa I
c) Estão corretas III e IV
d) Todas estão corretas
Questão 4
Analise as assertivas adiante sobre função social da propriedade:
I. A função social da propriedade repele qualquer função econômica do direito
de propriedade.
II. A Constituição Federal de 1988 foi a primeira constituição brasileira a
abordar expressamente o tema função social da propriedade.
III. Na Constituição Federal de 1988, a função social da propriedade tem
caráter meramente programático.
IV. A partir da funcionalização da propriedade, obriga-se a analisar o direito de
propriedade, não apenas sob a perspectiva do seu titular, mas, também, sob o
ponto de vista dos interesses sociais.
a) Apenas o item I está correto
b) Apenas o item II está correto
c) Apenas o item III está correto
d) Apenas o item IV está correto
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 204
Questão 5
Certo ou Errado? Sob o argumento da função social da propriedade, não é
possível realizar a quebra de patentes (propriedade intelectual), uma vez que a
função social só se aplica à propriedade imóvel.
a) Certo
b) Errado
Inerente: Significa o que está ligado de forma inseparável ao ser. É aquilo
que está intimamente unido e que diz respeito ao próprio ser.
Aula 7
Exercícios de fixação
Questão 1 - D
Justificativa: O direito de propriedade sobre influência direta do momento
histórico e social. O Estado Liberal promoveu a defesa da propriedade
individual, pouco importando os interesses sociais sobre o exercício deste
direito. Ao Estado Liberal, pouco importava a posse e a detenção, a elas se
conferindo pouca tutela se comparada à tutela destinada ao direito de
propriedade.
Questão 2 - B
Justificativa: A posse é uma situação fática de exercício de alguns poderes
inerentes à propriedade, portanto, não se confunde com a mera detenção. O
Código Civil de 2002 adotou a teoria de Ihering quanto à posse, dando
relevância ao corpus. O titular da posse tem interesse em conservá-la e
protegê-la, sendo-lhe conferidos direitos de defendê-la.
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 205
Questão 3 - B
Justificativa: Caso o usufrutuário não atenda à função social do bem gravado
com o usufruto, poderá ser este judicialmente extinto ainda que não tenha
prazo determinado. O arrendatário inadimplente não pode ser mantido no
Programa de Arrendamento Residencial em detrimento de outros cidadãos que
desejam ingressar no programa. A utilização de aquedutos também se sujeitam
à função social da propriedade.
Questão 4 - A
Justificativa: I. A função social da propriedade não repele a sua função
econômica, harmoniza-a com os interesses gerais. II. A Constituição Federal de
1988 não foi a primeira constituição brasileira a abordar expressamente o tema
função social da propriedade. O tema já havia aparecido nas Constituições
Brasileiras de 1934, 1937, 1946, 1967 e na Emenda nº 1 de 1969. III. Na
Constituição Federal de 1988, a função social da propriedade tem caráter
normativo.
Questão 5 - B
Justificativa: A função social da propriedade se aplica tanto à propriedade
material quanto à propriedade imaterial, podendo ser invocada para a quebra
de patentes, como ocorre com a quebra da patente de medicamentos.
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 206
Introdução
Nesta aula, analisaremos como a Sociedade de Risco e a Sociedade de
Informação têm evidenciado a necessidade de reforma de velhos institutos de
Direito Privado a fim de permitir que o Direito dê respostas mais eficientes aos
novos problemas apresentados por esses tipos sociais.
Enfatizaremos a nova dimensão do direito à privacidade, analisando como ele
se apresenta em face das novas formas de comunicação e de relacionamento
social.
Objetivo:
1. Compreender os conceitos de sociedade de risco e sociedade de informação,
e estudar seus reflexos sobre o Direito Privado brasileiro, em especial sobre
o direito à privacidade.
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 207
Conteúdo
Revolução tecnológica
A (r)evolução tecnológica, com amparo nas tecnologias de informação (TI)
e comunicação, teve desenvolvimento substancial a partir do século XX e,
desde então, as possibilidades e ferramentas oferecidas são simultaneamente
maiores e menores, mas, sem dúvida, espantosas, e exigem um constante
aperfeiçoamento das relações humanas e jurídicas.
Todos os itens citados acima consistem nos elementos da informação.
Nas palavras de José Manuel Moran (1995, p. 25), há um novo reencantamento
pelas tecnologias, porque participamos de uma interação muito mais intensa
entre o real e o virtual.
O que impõe, naturalmente, a reorganização de referenciais teóricos de
diversas estruturas sociais, políticas e, especialmente, jurídicas.
A tecnologia é a sociedade
É certo que “a tecnologia não determina a sociedade. [...]. A
tecnologia é a sociedade” (Manuel Castells, 2005, p. 43). No entanto, o
aumento e difusão das tecnologias de comunicação produzem aumento de
saber ou, pelo menos, tendem a facilitar o acesso a este.
A questão, então, está em determinar qual saber está se propagando e como
ele influencia o desenvolvimento do que podemos chamar de um novo Direito
Privado, em especial no que diz respeito ao direito à privacidade e ao direito ao
esquecimento.
Nesta aula, procuraremos traçar alguns conceitos dos diversos tipos sociais em
que estamos inseridos para, a partir destes conceitos, tentar compreender
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 208
como estão exigindo a revisão de algumas categorias clássicas do Direito
Privado brasileiro.
Sociedade de informação
O que significa sociedade de informação? Veja:
Como tudo começou...
A expressão tornou-se conhecida em 1993, quando, pela primeira vez, foi
oficialmente utilizada pelo então presidente da Comissão Europeia, Jacques
Delors, por ocasião do Conselho Europeu de Copenhague. À época, foi
empregada para identificar e incentivar o crescente uso da tecnologia da
informação e implantação de infraestruturas de informação.
Hoje...
Hoje, amplamente e rapidamente difundida, permite reconhecer sua força
econômica, caracterizando-se por ser uma forma de organização social
capitalista que possui a informação como matéria-prima.
Significado...
A expressão refere-se “[...] a um modo de desenvolvimento social e
econômico em que a aquisição, armazenamento, processamento,
valorização, transmissão, distribuição e disseminação de informação
conducente à criação de conhecimento e à satisfação de necessidades dos
cidadãos e das empresas, desempenham um papel central na atividade
econômica, na criação de riqueza, na definição da qualidade de vida dos
cidadãos e das práticas culturais” (GUERRA, 1999, p.107).
Sociedade de risco
Sociedade de risco (Ulrich Beck) representa a ruptura da sociedade industrial
clássica com o desenvolvimento de uma sociedade (industrial) do risco, sendo a
noção de risco (nuclear, químico, ecológico e genético) o elemento central da
teoria.
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 209
Riscos
Isso significa afirmar que os riscos geram situações de perigo social que afetam
toda a sociedade das mais diversas formas, mas tendendo a prejudicar os mais
vulneráveis.
Segundo a teoria, é o conhecimento das situações de risco que altera as
relações sociais e o comportamento individual, por isso, não tendo controle
sobre os riscos, tem por marca a incerteza e o declínio da confiança nas
instituições.
Sociedade em rede
Sociedade em rede (Manuel Castells) caracteriza-se por uma sociabilidade
assente numa dimensão virtual, possível e impulsionada pelas novas
tecnologias, que transcende o tempo e o espaço, aproveitando-se do espaço
virtual e da conectividade para alterar as relações sociais e a forma como as
pessoas recebem e transmitem informações.
Confere aos indivíduos liberdades variáveis em sua dimensão e extensão, que
interferem diretamente nos relacionamentos sociais, alterando-os, construindo-
os ou extinguindo-os. Trata-se de uma forma de comunicação e interação social
potencializada pela realidade virtual e tecnologias de informação.
Fique atento!
Apesar de pontuarmos esses conceitos, vale a advertência: nesta aula, não
se pretende explorar as implicações do conceito de sociedade de
informação.
Tampouco se pretende ingressar na polêmica sobre a ambiguidade da
expressão ou a pluralidade de seus sentidos ou, ainda, se se trata de uma
sociedade de conhecimento (DRUCKER, 1993) ou de riscos (BECK, 1992;
GIDDENS, 1998) ou de uma sociedade em rede.
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 210
O que se pretende é deixar clara a importância da informação na sociedade
contemporânea (desde a década de 1950, lhe é conferido o status de terceiro
elemento fundamental das coisas que compõem o mundo, acompanhada dos
elementos energia e matéria) e as consequências jurídicas que a sua
supervalorização acarretam.
Nesse sentido, concluiu o matemático Norbert Wiener que a “sociedade
somente pode ser compreendida através de um estudo das mensagens e
facilidades de comunicação que pertencem a ela” . (RIFIKIN, 1999, p. 193).
Dados importantes
Estudos realizados nos Estados Unidos demonstram que o norte-americano
médio utiliza 70% do seu tempo ativo comunicando-se verbalmente (BERLO,
2003, p. 1).
Esse dado permite afirmar que a comunicação, qualquer que seja a sua
modalidade (escrita, verbal, gestual), é essencial à natureza humana e à
sociabilidade, uma vez que o homem constantemente busca “levar outras
pessoas a adotarem o ponto de vista de quem fala” (BERLO, 2003, p. 9).
Introdução ao Direito Privado
De fato, reconhecer essa importância da comunicação é fácil no contexto social.
Mas será que o Direito Privado está pronto para compreender seus
impactos sobre seus institutos clássicos, como, por exemplo, a
privacidade?
Até pouco tempo, costumava-se dividir a comunicação em três objetivos
distintos:
Informar (ensino)
Persuadir (propaganda)
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 211
Divertir (diversão)
No entanto, estudos recentes demonstram que todo uso da linguagem tem
alguma dimensão persuasiva, ou seja, “ninguém pode comunicar-se sem
alguma tentativa de persuadir, de uma forma ou de outra” (BERLO, 2003, p. 9).
De fato, na sociedade informacional, é impossível dissociar da comunicação
esses três objetivos. Considerá-los como objetivos que não caminham juntos ou
que são completamente independentes dificulta a compreensão das novas
relações.
Então, ao se analisar a comunicação, é preciso tomar em conta o
comportamento do emissor e do receptor, e não apenas a mensagem
pretendida. E, por isso, David K. Berlo (2003, p. 10) afirma que o objetivo da
comunicação deve ser especificado de maneira tal, que: 1) não seja
logicamente contraditório ou incoerente consigo mesmo; 2) concentre no
comportamento, isto é, seja expresso em termos de comportamento humano;
3) seja específico o bastante para que possamos relacioná-lo com o real
comportamento da comunicação; 4) seja coerente com os meios pelos quais as
pessoas se comunicam.
Direito de estar só
Então, quando a comunicação passa a ser mais sensorial, mais
multidimensional, deve-se perguntar:
Como, por exemplo, seria possível proteger a privacidade (conceito
privado clássico – direito de estar só) numa sociedade dominada pelas
tecnologias da informação e por uma falsa sensação de liberdade de
expressão e de anonimato?
Não há dúvidas que a proteção da privacidade ganha novos contornos na
denominada sociedade de informação.
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 212
Privacidade
Acompanhe, agora, informações importantes sobre privacidade.
1
Classicamente (na Modernidade), a privacidade concebida pelo Estado Liberal
(em especial, a partir do século XIX), em virtude do individualismo que este
impunha, surge como algo oposto às esferas pública e social, portanto,
intimamente ligada à ideia de “ser deixado só” (WARREN e BRANDEIS, 1890)
ou como uma “zero-relationship”. Tratava-se de um direito de não ser
incomodado, de se manter a intimidade distante da curiosidade alheia,
referindo-se, então, à inviolabilidade da personalidade do indivíduo.
2
Afirma Danilo Doneda (2006, p. 10) que a inserção da privacidade em
ordenamentos de cunho patrimonialista fizeram com que fosse uma
prerrogativa reservada a extratos sociais bem determinados, elitismo que durou
aproximadamente até a década de 1960, contrapondo-se (como estudamos nas
aulas anteriores) o público e o privado.
3
Foi apenas com o advento do Estado Social e mudança de relacionamento entre
pessoas, e entre estas e o Estado, que se manifestaram as primeiras alterações
do direito à privacidade.
Mas foi nas primeiras décadas do século XXI que a sociedade passou a realizar
novas formas de comunicação e, junto com elas, surgiram novas maneiras de
compreender institutos clássicos do Direito, o que, para alguns, pode gerar
desconforto, angústia e perplexidade.
4
Com a hipervalorização da informação, surge uma primeira preocupação: a
proteção da liberdade de informação, que pensada inicialmente apenas em seu
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 213
aspecto negativo, chega ao século XXI pensada também em seu aspecto
positivo, qual seja, o direito a ser objetivamente informado.
Liberdade de informação
Certo é que a liberdade de informação, assim como outras liberdades, não é
absoluta, devendo ser sopesada em face de outros valores, em especial aqueles
ditos sociais. Portanto, a liberdade de informação hoje necessariamente se
estende para além do seu aspecto negativo (proibição da intromissão alheia,
salvaguarda do espaço não regulado pelo Estado) ao seu aspecto positivo
(autodomínio/autonomia):
Informação é um direito seu!
O direito de receber informação correta, clara, precisa, completa, objetiva e
verdadeira e de ter controle sobre as informações referentes a sua pessoa,
aspectos intimamente ligados aos direitos de personalidade e ao livre
desenvolvimento desta (personalidade aqui entendida como expressão própria
do ser humano).
Liberdade de informação
Stefano Rodotà (2008, p. 92) afirma que “na sociedade da informação, tendem
a prevalecer definições funcionais de privacidade que, de diversas formas,
fazem referência à possibilidade de um sujeito conhecer, controlar, endereçar,
interromper o fluxo das informações a ele relacionadas.
Assim, a privacidade pode ser definida mais precisamente, em uma primeira
aproximação, como o direito de manter o controle sobre as próprias
informações. [...], em um quadro caracterizado justamente pela liberdade das
escolhas existenciais” e, em um segundo momento, pode alcançar o que se
convencionou chamar de direito ao esquecimento.
A informação ensina Cláudia Lima Marques (2005, p. 192), citando Kloepfer:
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 214
“É um poder, e o que se almeja hoje na sociedade é a ‘equidade informacional’
(informationsgerechtigkeit)! Valoriza-se a informação, a declaração e a
aparência”.
Portanto, informação e comunicação exigem boa-fé, lealdade e transparência, e
as diferenças de força e de acesso à informação entre parceiros, sujeitos de
direito, Estado e cidadãos, além da utilização de novas linguagens, podem criar
realidades, destruir certezas nas instituições, criar grandes conflitos, propagar
formas exacerbadas de discriminação e transformar a coletividade em
prisioneira de uma realidade “neutralizada” pela manipulação institucionalizada.
Modelo panóptico
Pode-se afirmar que, atualmente, desenvolve-se um verdadeiro modelo
panóptico, no qual as pessoas em geral são permanentemente objetos de
informação, mas raramente sujeitos de comunicação. As pessoas são
constantemente vigiadas, uma vez que a vida humana se torna o centro do
interesse do poder político e econômico.
Informação
A informação é um verdadeiro, sutil, ardiloso e poderoso mecanismo de
controle do qual autoridades públicas e empresas particulares, forjando uma
impressão de autonomia por meio da valorização e generalização do
consentimento, se utilizam para: induzir confiança; controlar hábitos de
consumo; direcionar pesquisas biotecnológicas e farmacológicas; e, até mesmo,
fixar diferentes políticas de saúde pública e de controle social.
O indivíduo se dissolve em fluxos permanentes de dados! Daí a
importância em se redimensionar a privacidade.
Era da informação – dados pessoais
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 215
Na era da informação, os dados pessoais hipervalorizados ganharam
importância fundamental para um incontável número de relações sociais e
jurídicas.
A informação permite o ajustamento da pessoa ao meio social, cultural, político
e econômico e, como tal, deve ser considerada um atributo da personalidade.
Surgiram, então, inúmeros focos de tensão cuja origem está justamente na
exigência cada vez maior de coleta, armazenamento e tratamento de dados
pessoais que, por isso, exigiram o redimensionamento do clássico direito
fundamental à privacidade para atender às novíssimas situações criadas pela
tecnologia da informação.
O direito à privacidade continua tendo por “núcleo duro” informações que
refletem a necessidade de sigilo. No entanto, como direito de conteúdo
complexo, foi chamado a se adaptar às variações sociais e, por isso, deixou de
ter um caráter eminentemente negativo (proteção contra intromissão alheia ou
direito a estar só) para abarcar agora numa dimensão positiva (possibilidade de
exigir que o Estado resguarde a incolumidade da intimidade e da vida privada,
e o direito de controle da própria informação). A ampliação de seu significado,
no entanto, não acarretou desvantagens para sua capacidade efetiva, ao
contrário, por compreender agora o respeito à autonomia do sujeito, implicou a
necessidade de controle sobre suas próprias informações, ganhando um
significado mais funcional do que o anteriormente pensado.
Atualização do Facebook na Vida Real – Vídeo
Nesse cenário dinâmico, desenhado e impulsionado pelas redes sociais, assista
ao vídeo “Atualização do Facebook na Vida Real” e veja que, por exemplo,
desenvolveu-se o direito à autodeterminação informativa que visa conferir
possibilidade de controle a dados pessoais que não possuem uma vocação
instintiva para o sigilo.
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 216
Direito à privacidade, autodeterminação informativa e direito à
proteção de dados
Pilar Nicolás Jiménez (2006, p. 163-170) adverte que, primeiramente, é
necessário compreender o que se entende por direito à privacidade,
autodeterminação informativa, direito à proteção de dados e liberdade
informática.
Direito à privacidade
O direito à privacidade compreende uma capacidade de controle por parte
de seu titular, sendo a intimidade “[...] aquelas manifestações da personalidade
individual ou familiar, cujo conhecimento ou desenvolvimento são reservados
ao respectivo titular ou sobre as quais exerce alguma forma de controle quando
se vêm implicados terceiros (...) o qual amplia seu âmbito a outras esferas da
vida privada.”
Autodeterminação informativa
A autodeterminação informativa incorpora uma nova garantia para o
exercício de direitos em face das novas tecnologias, definindo-se como “[...] a
capacidade de decidir sobre os dados pessoais informatizados, distinto, embora
às vezes confluente, com o direito à intimidade [...]”.
Direito à proteção de dados
O direito à proteção de dados seria um direito fundamental sui generis cujo
conteúdo corresponde a um “[...] poder de disposição e de controle sobre os
dados pessoais que faculta à pessoa decidir quais desses dados fornecer a um
terceiro, e também permite ao indivíduo saber quem possui esses dados e para
que, podendo opor-se a essa posse ou uso [...]” e, nesse sentido, não seria
mais do que uma faculdade conferida ao direito à privacidade.
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 217
AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO CIVIL. SUCESSÃO. INVENTÁRIO.
EMBORA SEJA POSSÍVEL A VISTORIA DO IMÓVEL PELO INVENTARIANTE,
CONSIDERANDO QUE O IMÓVEL ESTÁ OCUPADO (ATÉ PROVA EM
CONTRÁRIO), NÃO SE MOSTRA RAZOÁVEL PERMITIR O LIVRE ACESSO À
RESIDÊNCIA ÀQUELE, POIS REPRESENTARIA ATÉ MESMO VIOLAÇÃO AO
DIREITO DE INTIMIDADE E PRIVACIDADE DOS RECORRIDOS. RECURSO
PROVIDO. (Agravo de Instrumento Nº 70056340227, Sétima Câmara Cível,
Tribunal de Justiça do RS, Relator: Liselena Schifino Robles Ribeiro, Julgado em
04/09/2013) (TJ-RS - AI: 70056340227 RS, Relator: Liselena Schifino Robles
Ribeiro, Data de Julgamento: 04/09/2013, Sétima Câmara Cível, Data de
Publicação: Diário da Justiça do dia 09/09/2013)
APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR
DANOS MORAIS. INTERNET. PROVEDOR DE INTERNET. SITE DE BUSCA.
INFORMAÇÕES SOBRE O AUTOR. ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO DO DIREITO À
INTIMIDADE E À PRIVACIDADE. INEXISTÊNCIA DE ATO ILÍCITO.
IMPROCEDÊNCIA DO PLEITO. A demandada que não tem ingerência sobre o
teor das páginas criadas/mantidas por terceiros, os denominados
"hospedeiros". Assim, não possuindo a demandada ingerência sobre o conteúdo
disponibilizado pelos hospedeiros, não se deve falar em indenização por danos
morais, em face da inexistência de ato... (TJ-RS - AC: 70048683353 RS,
Relator: Marilene Bonzanini Bernardi, Data de Julgamento: 18/07/2012, Nona
Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 20/07/2012)
RESPONSABILIDADE CIVIL - APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE REPARAÇÃO POR
DANOS MORAIS - DIVULGAÇÃO DE SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA PROFERIDA
EM AÇÃO DE RECONHECIMENTO DE PATERNIDADE COM INDENIZAÇÃO POR
ABANDONO AFETIVO - PUBLICAÇÃO NA IMPRENSA E NO SITE DO TRIBUNAL
DE JUSTIÇA - ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO DE DIREITOS DA PERSONALIDADE -
PLEITO DE INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL - SENTENÇA DE
IMPROCEDÊNCIA MANUTENÇÃO - INEXISTÊNCIA DE VIOLAÇÃO DE DIREITO
DE INTIMIDADE E PRIVACIDADE - REPORTAGEM JORNALÍSTICA DE CUNHO
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 218
MERAMENTE INFORMATIVO SEM QUALQUER CARÁTER DEPRECIATIVO OU
DIFAMATÓRIO - AUSÊNCIA DE QUALQUER OFENSA À HONRA OU DIGNIDADE
DOS APELANTES REPORTAGEM REALIZADA DENTRO DA RESIDÊNCIA DOS
APELANTES E COM PERMISSÃO PARA FOTOGRAFIA EXERCÍCIO REGULAR DO
DIREITO DE INFORMAR A CONSTITUIÇÃO FEDERAL ASSEGURA OS DIREITOS
FUNDAMENTAIS A PRIVACIDADE E A INTIMIDADE, CONFORME ART. 5º, IX, E
A LIBERDADE DE EXPRESSÃO E DE IMPRENSA, DE ACORDO COM OS ARTIGOS
5º, X E 220 MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. 1. Não recepção da Lei de Imprensa
pela CRFB/1988, conforme decidido no julgamento da ADPF n. 130/DF, não se
aplica a Lei n. 5250, de 9 de fevereiro de 1967 ao caso sob julgamento, que
será regido pelas normas do direito comum. 2. A Constituição Federal assegura
a liberdade de pensamento e de expressão, bem como a liberdade de
imprensa. Igualmente, protege o direito à honra e à imagem do indivíduo,
assim como a intimidade e a privacidade (art. 5º e 220, CF), não permitindo a
ordem constitucional o abuso do direito ou o excesso reprovável. 3. Se a notícia
divulgada causa ofensa à reputação, à honra, à imagem ou à dignidade de
outrem, importando em responsabilidade civil do jornalista ou da empresa de
jornalismo que a veicula, surge o consequente dever de indenizar. 4. In casu,
conclui-se tratar de reportagem jornalística de cunho meramente informativo,
sem qualquer caráter depreciativo ou difamatório, ausente qualquer ofensa à
honra ou dignidade dos apelantes, bem como inexistente violação à sua
intimidade ou privacidade. 5. Exercício regular do direito de informar. Não há
elementos que demonstrem abuso do direito de informar capaz de dar ensejo à
obrigação compensatória por dano moral ou dever de publicação de desagravo.
6. Sentença de improcedência que se mantém. NEGA-SE PROVIMENTO AO
RECURSO. (TJ-RJ - APL: 00795127420078190004 RJ 0079512-
74.2007.8.19.0004, Relator: DES. MARCELO LIMA BUHATEM, Data de
Julgamento: 11/03/2014, VIGÉSIMA SEGUNDA CAMARA CIVEL, Data de
Publicação: 11/04/2014 17:33)
MANUTENÇÃO INDEVIDA DE INSCRIÇÃO DE DADOS NOMINATIVOS EM BANCO
CADASTRAL DE INADIMPLENTES. DÍVIDA RECONHECIDA COMO QUITADA.
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 219
MINORAÇÃO DO QUANTUM INDENIZATÓRIO. RECURSO PARCIALMENTE
PROVIDO. (Recurso Cível Nº 71002993541, Segunda Turma Recursal Cível,
Turmas Recursais, Relator: Maria Claudia Cachapuz, Julgado em 14/03/2012)
(TJ-RS, Relator: Maria Claudia Cachapuz, Data de Julgamento: 14/03/2012,
Segunda Turma Recursal Cível)
O que nos leva também ao direito ao esquecimento. Intimamente ligado ao
direito à privacidade, esse direito confere ao seu titular o direito de ser
esquecido pela opinião pública, pela imprensa, por terceiros e até pela Internet.
O que significa que atos realizados em um passado distante (lícitos ou ilícitos)
não podem ser constantemente relembrados por terceiros, evitando-se o que se
denomina de eternização da informação. Trata-se de direito fundamental já
reconhecido de forma autônoma pelo STJ (REsp n. 1.335.153-RJ e REsp n.
1.334.097-RJ) e aplicável como direito de personalidade na forma do Enunciado
531, da IV Jornada de Direito Civil do CJF: “a tutela da dignidade da pessoa
humana na sociedade da informação inclui o direito ao esquecimento”. Assim
aparece nos tribunais brasileiros:
RESPONSABILIDADE CIVIL. DANOS MORAIS. SERVIDOR PÚBLICO. DIREITO
AO ESQUECIMENTO. ARTIGO 5º, INCISO X, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. 1. A
divulgação das informações relativas à anterior demissão e readmissão do
autor, para que se configurasse ilícita, era necessário que ele tivesse obtido,
por qualquer meio, a decretação do sigilo dessas informações, o que não
ocorreu. A divulgação das informações referidas, que expressaram a verdade
dos fatos que se extrai do processo judicial pertinente, não pode ser tida como
ilícita, já que não se subsume o caso a qualquer das hipóteses legais de sigilo
ordinário. 2. Embora se possa cogitar em tese sobre um direito ao
esquecimento, impeditivo de que longínquas máculas do passado possam ser
resolvidas e trazidas a público, tal segredo da vida pregressa relaciona-se aos
aspectos da vida íntima das pessoas, não podendo ser estendido ao servidor
público, ou pessoas exercentes ou candidatos à vida pública, pois mais do que
meros particulares, devem explicações ao público sobre a sua vida funcional
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 220
pretérita ou presente. Note-se que a matriz constitucional de onde se pode
extrair o direito ao esquecimento radica no artigo 5º, inciso X, e inicia dizendo
que são invioláveis a intimidade, a vida privada, etc., claramente afastando
situação de vida funcional. (TRF-4 - AC: 58151 PR 2003.70.00.058151-6,
Relator: MARGA INGE BARTH TESSLER, Data de Julgamento: 06/05/2009,
QUARTA TURMA)
RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL-CONSTITUCIONAL. LIBERDADE DE
IMPRENSA VS. DIREITOS DA PERSONALIDADE. LITÍGIO DE SOLUÇÃO
TRANSVERSAL. COMPETÊNCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA.
DOCUMENTÁRIO EXIBIDO EM REDE NACIONAL. LINHA DIRETA-JUSTIÇA.
HOMICÍDIO DE REPERCUSSÃO NACIONAL OCORRIDO NO ANO DE 1958. CASO
"AIDA CURI". VEICULAÇÃO, MEIO SÉCULO DEPOIS DO FATO, DO NOME E
IMAGEM DA VÍTIMA. NÃO CONSENTIMENTO DOS FAMILIARES. DIREITO AO
ESQUECIMENTO. ACOLHIMENTO. NÃO APLICAÇÃO NO CASO CONCRETO.
RECONHECIMENTO DA HISTORICIDADE DO FATO PELAS INSTÂNCIAS
ORDINÁRIAS. IMPOSSIBILIDADE DE DESVINCULAÇÃO DO NOME DA VÍTIMA.
ADEMAIS, INEXISTÊNCIA, NO CASO CONCRETO, DE DANO MORAL
INDENIZÁVEL. VIOLAÇÃO AO DIREITO DE IMAGEM. SÚMULA N. 403/STJ. NÃO
INCIDÊNCIA. 1. Avulta a responsabilidade do Superior Tribunal de Justiça em
demandas cuja solução é transversal, interdisciplinar, e que abrange,
necessariamente, uma controvérsia constitucional oblíqua, antecedente, ou
inerente apenas à fundamentação do acolhimento ou rejeição de ponto situado
no âmbito do contencioso infraconstitucional, questões essas que, em princípio,
não são apreciadas pelo Supremo Tribunal Federal. 2. Nos presentes autos, o
cerne da controvérsia passa pela ausência de contemporaneidade da notícia de
fatos passados, a qual, segundo o entendimento dos autores, reabriu antigas
feridas já superadas quanto à morte de sua irmã, Aida Curi, no distante ano de
1958. Buscam a proclamação do seu direito ao esquecimento, de não ter
revivida, contra a vontade deles, a dor antes experimentada por ocasião da
morte de Aida Curi, assim também pela publicidade conferida ao caso décadas
passadas. 3. Assim como os condenados que cumpriram pena e os absolvidos
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 221
que se envolveram em processo-crime (REsp. n. 1.334/097/RJ), as vítimas de
crimes e seus familiares têm direito ao esquecimento - se assim desejarem -,
direito esse consistente em não se submeterem a desnecessárias lembranças
de fatos passados que lhes causaram, por si, inesquecíveis feridas. Caso
contrário, chegar-se-ia à antipática e desumana solução de reconhecer esse
direito ao ofensor (que está relacionado com sua ressocialização) e retirá-lo dos
ofendidos, permitindo que os canais de informação se enriqueçam mediante a
indefinida exploração das desgraças privadas pelas quais passaram. 4. Não
obstante isso, assim como o direito ao esquecimento do ofensor - condenado e
já penalizado - deve ser ponderado pela questão da historicidade do fato
narrado, assim também o direito dos ofendidos deve observar esse mesmo
parâmetro. Em um crime de repercussão nacional, a vítima - por torpeza do
destino - frequentemente se torna elemento indissociável do delito,
circunstância que, na generalidade das vezes, inviabiliza a narrativa do crime
caso se pretenda omitir a figura do ofendido. 5. Com efeito, o direito ao
esquecimento que ora se reconhece para todos, ofensor e ofendidos, não
alcança o caso dos autos, em que se reviveu, décadas depois do crime,
acontecimento que entrou para o domínio público, de modo que se tornaria
impraticável a atividade da imprensa para o desiderato de retratar o caso Aida
Curi, sem Aida Curi. 6. É evidente ser possível, caso a caso, a ponderação
acerca de como o crime tornou-se histórico, podendo o julgador reconhecer
que, desde sempre, o que houve foi uma exacerbada exploração midiática, e
permitir novamente essa exploração significaria conformar-se com um segundo
abuso só porque o primeiro já ocorrera. Porém, no caso em exame, não ficou
reconhecida essa artificiosidade ou o abuso antecedente na cobertura do crime,
inserindo-se, portanto, nas exceções decorrentes da ampla publicidade a que
podem se sujeitar alguns delitos. 7. Não fosse por isso, o reconhecimento, em
tese, de um direito de esquecimento não conduz necessariamente ao dever de
indenizar. Em matéria de responsabilidade civil, a violação de direitos encontra-
se na seara da ilicitude, cuja existência não dispensa também a ocorrência de
dano, com nexo causal, para chegar-se, finalmente, ao dever de indenizar. No
caso de familiares de vítimas de crimes passados, que só querem esquecer a
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 222
dor pela qual passaram em determinado momento da vida, há uma infeliz
constatação: na medida em que o tempo passa e vai se adquirindo um "direito
ao esquecimento", na contramão, a dor vai diminuindo, de modo que,
relembrar o fato trágico da vida, a depender do tempo transcorrido, embora
possa gerar desconforto, não causa o mesmo abalo de antes. 8. A reportagem
contra a qual se insurgiram os autores foi ao ar 50 (cinquenta) anos depois da
morte de Aida Curi, circunstância da qual se conclui não ter havido abalo moral
apto a gerar responsabilidade civil. Nesse particular, fazendo-se a indispensável
ponderação de valores, o acolhimento do direito ao esquecimento, no caso,
com a consequente indenização, consubstancia desproporcional corte à
liberdade de imprensa, se comparado ao desconforto gerado pela lembrança. 9.
Por outro lado, mostra-se inaplicável, no caso concreto, a Súmula n. 403/STJ.
As instâncias ordinárias reconheceram que a imagem da falecida não foi
utilizada de forma degradante ou desrespeitosa. Ademais, segundo a moldura
fática traçada nas instâncias ordinárias - assim também ao que alegam os
próprios recorrentes -, não se vislumbra o uso comercial indevido da imagem
da falecida, com os contornos que tem dado a jurisprudência para franquear a
via da indenização. 10. Recurso especial não provido. (REsp 1335153/RJ. Data
28/05/2013 / 4a. Turma STJ)
Tecnologia da informação
Pilar Nicolás Jiménez (2006, p. 163-170) adverte que, primeiramente, é
necessário compreender o que se entende por direito à privacidade,
autodeterminação informativa, direito à proteção de dados e liberdade
informática.
Nesse contexto, não há como negar que as formas de controle social mudaram
em decorrência da implementação das tecnologias de informação e criação de
um sem número de bancos de dados públicos e privados com objeto e objetivos
diversos.
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 223
Também impossível afastar a ideia de que, atualmente, a informação, além de
ser considerada meramente um bem com grande valor econômico, deve ser
tida como extensão da personalidade.
Daí, portanto, afirma-se que o direito à autodeterminação informativa
(reconhecida como direito à privacidade e à confidencialidade no art. 9o da
Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos – UNESCO, 2005) se
refere a dados nem sempre incluídos na esfera íntima, mas em algo mais
amplo, denominado privacidade (esfera pessoal), e cujo exercício dependerá
dos limites impostos à prática de direitos fundamentais e dos parâmetros
ditados pela solidariedade.
Esfera privada
Dessa forma, na esfera privada se incluem circunstâncias que, sem serem
secretas, nem de caráter íntimo, merecem respeito de todos, uma vez que se
destinam ao desenvolvimento da personalidade e tranquilidade de seu titular.
Confere-se à intimidade, portanto, um sentido mais amplo do que aquele
classicamente idealizado, que pode ser identificado como a “tutela das escolhas
de vida contra toda forma de controle público e de estigmatização social”,
visando, com isso, conferir autonomia às pessoas no controle de suas próprias
informações e não apenas o direito ao segredo sobre elas.
É possível, portanto, deduzir a proteção dos dados pessoais da tutela
do direito à privacidade, mas, nesse direito, a autodeterminação
informativa não se esgota.
Direito à autodeterminação informativa
Assim, o direito à autodeterminação informativa não se exerce unicamente
frente ao tratamento de dados pessoais, mas para qualquer emprego de
informação pessoal que não necessariamente será classificada como íntima. Por
isso, adotando-se um conceito aberto e flexível de intimidade, tomando-a por
seu caráter positivo e negativo, é possível enquadrá-lo como inerente a essa,
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 224
ainda que dotado de significação própria (conteúdo e objeto de proteção
próprios).
1
Nesse sentido, afirma Rebollo Delgado (1998, p. 180) que a autodeterminação
informativa se trata de uma extensão de um princípio-raiz (dignidade da pessoa
humana), com pleno assentamento no direito à privacidade pessoal e familiar e
com implicações em outros direitos igualmente fundamentais, como a honra e o
direito à própria imagem.
2
Desse preceito, decorre para todo o ordenamento jurídico a determinação de
estabelecer normas que fixem um sistema de proteção dos dados pessoais e
impeçam a utilização abusiva da tecnologia da informação sem o conhecimento
do seu titular ou sem justa causa autorizada pela lei.
3
O direito à privacidade (desde que também entendido em seu caráter positivo)
é capaz de fornecer a proteção necessária face às necessidades geradas pela
telemática, não sendo necessário reconhecer o direito à autodeterminação
informativa como um novo direito fundamental (ainda que seja essa a
tendência atual nas Cortes Constitucionais europeias), embora, por sua
natureza, guarde conexão numerosa com outros direitos fundamentais.
O direito à autodeterminação informativa, quando reconhecido como um direito
fundamental pertencente ao direito à privacidade, produz o redimensionamento
deste, vez que exigirá elementos outros que não apenas proibição, sanção e
indenização. Reclama, sim, outros componentes e sanções específicas que
garantam a faculdade de seu titular de assegurar o controle de suas
informações que dizem respeito não apenas a seus dados pessoais, mas a toda
e qualquer informação referente à sua pessoa, reconhecendo-se, dessa forma,
na intimidade, um direito à cidadania.
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 225
Direito à proteção de dados
Fato é que, como direito fundamental, o direito à proteção de dados pessoais
tem por fim último a defesa da dignidade da pessoa humana, valor-fonte do
ordenamento jurídico brasileiro (art. 1º, III, CF) e, por isso, é uma nova
roupagem dada a um velho direito liberal que, apesar de reconhecida existência
secular, ainda não logrou êxito em sua plena efetividade.
A revitalização do direito à privacidade decorre de um processo natural de
reivindicação concreta (imposto pelas tecnologias da informação) e dialética,
que permite o seu avanço como direito fundamental e o reconhecimento de que
sua amplitude é muito maior do que a originalmente pensada no Estado Liberal
(projeta-se para além do direito de propriedade sobre sua própria informação,
isenta, por isso, de consideração exclusivamente patrimonialista).
Atividade proposta
Para refletir, assista ao vídeo e, em seguida, reflita: afinal, o que estamos
fazendo com os nossos dados pessoais? Que proteção o Direito Privado pode
oferecer a esses ambientes que estão entre o público e o privado?
Chave de resposta: Tratando-se de atividade que propõe reflexão do próprio
aluno a partir dos conceitos estudados, não há uma única resposta ou uma
resposta correta. De fato, as redes sociais têm provocado um
redimensionamento da dimensão jurídica da privacidade, uma vez que os
espaços público e privado nela se confundem, conforme estudado na aula, e,
daí, a necessidade de repensar institutos clássicos do Direito Privado, buscando
dar respostas eficazes às novas demandas sociais.
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 226
Material complementar
Para saber mais sobre a sociedade em rede, leia os artigos disponíveis
em nossa biblioteca virtual.
Referências
BAGGIO, Andreza Cristina. O direito do consumidor brasileiro e a teoria
da confiança. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012.
BERLO, David K. O processo da comunicação: introdução à teoria e à
prática. 10a. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede. 6a. ed. São Paulo: Paz e Terra,
2005.
LOPEZ, Teresa Ancona; LEMOS, Patrícia Faga Iglecias; RODRIGUES JUNIOR,
Otavio Luiz (Coords.). Sociedade de risco e direito privado. São Paulo:
Atlas, 2013.
MARTELETO, R.M. Análise de redes sociais – aplicação nos estudos de
transferência da informação. Ci. Inf., Brasília, v. 30, n. 1, jan./abr. 2001, p. 71-
81.
MARQUES, Cláudia Lima Marques. Contratos no código de defesa do
consumidor: o novo regime das relações contratuais. 5ª ed. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2005.
MASETTO, Marcos; BEHERENS, Marilda. Novas tecnologias e mediação
pedagógica. 16a. ed. Campinas: Papirus, 2009. p. 12-17.
MORAN, José Manuel. Novas tecnologias e o re-encantamento do mundo.
Revista Tecnologia Educacional. Rio de Janeiro, vol. 23, n. 126, set.-out.
1995, p. 24-26.
RIFKIN, Jeremy. O século da biotecnologia. São Paulo: Makron Books, 1999.
VIEIRA, T.M. O direito à privacidade na sociedade da informação. Porto
Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 2007.
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 227
Exercícios de fixação
Questão 1
Sobre o direito à privacidade, é correto afirmar que:
a) Classicamente se confunde com o direito à autodeterminação
informativa.
b) Contemporaneamente contém: o direito a estar só, direito ao
esquecimento, direito à autodeterminação informativa e direito à
proteção de dados.
c) Foi com o advento do Estado Social que a privacidade tornou-se elitista,
contrapondo-se vida privada e interesse público.
d) A liberdade de informação é absoluta e se sobrepõe sempre ao direito à
privacidade.
Questão 2
Analise as assertivas adiante:
I. A Sociedade de Informação caracteriza-se por conceder aos indivíduos
liberdades variáveis em sua dimensão e extensão que interferem diretamente
nos relacionamentos sociais.
II. A Sociedade em Rede é um modo de desenvolvimento social e econômico,
cuja aquisição, armazenamento, processamento, valorização, transmissão,
distribuição e disseminação de informação conduzem à criação de
conhecimento e satisfação de necessidades.
III. A Sociedade de Risco tem por elemento central os riscos que geram
situações de perigo social que afetam toda a sociedade.
a) Está correto apenas o item I
b) Está correto apenas o item II
c) Está correto apenas o item III
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 228
d) Todos estão corretos
Questão 3
É correto afirmar que:
I. Sociedade de Informação, Sociedade em Rede e Sociedade de Risco são
expressões sinônimas que designam relacionamentos sociais intermediados por
meios virtuais.
II. Nas redes sociais, o anonimato é sempre garantido, não gerando nenhuma
responsabilidade às postagens realizadas e/ou compartilhadas.
III. A privacidade, atualmente, é apenas considerada em seu aspecto positivo,
ou seja, direito à autodeterminação.
IV. Aos bancos de dados de qualquer natureza, aplica-se o direito à
autodeterminação informativa, garantindo ao titular dos dados a sua correção,
retirada, inclusão e informação.
a) Estão corretas I e II
b) Está correta a alternativa I
c) Está correta a alternativa IV
d) Todas estão corretas
Questão 4
Sobre as tendências dos tribunais brasileiros quanto ao direito à privacidade, é
correto afirmar que:
I. O direito ao esquecimento pode ser exercido por aquele que cometeu um
crime e já cumpriu a pena, e sofre com a exploração da mídia sobre o fato
ocorrido em um passado distante.
II. O devedor inadimplente inserido em cadastros negativos de crédito, ainda
que tenha quitado a dívida, não tem direito a exigir a retirada de seu nome do
banco de dados.
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 229
III. Não se pode obrigar nenhum dos sites de busca (como o Google) a retirar
informações pessoais neles disponibilizadas.
IV. A liberdade de expressão constitucionalmente garantida, prevalecendo
sempre sobre o direito à privacidade.
a) Apenas o item I está correto
b) Apenas o item II está correto
c) Apenas o item III está correto
d) Apenas o item IV está correto
Questão 5
Certo ou errado? O direito ao esquecimento é direito fundamental
intimamente ligado ao direito à privacidade e, em qualquer situação, deverá
prevalecer sobre a liberdade de imprensa.
a) Certo
b) Errado
Elementos da informação: Ensina Fernanda Nunes Barbosa (2008, p. 61-62)
que “a informação clara seria aquela em que são utilizados os signos
qualitativamente mais apropriados, a fim de possibilitar ao receptor interpretar
corretamente a mensagem. A informação precisa, por seu turno, seria aquela
em que participam os caracteres de exatidão, pontualidade e fidelidade, o que
também se dá mediante a escolha certa dos símbolos pelo emissor da
mensagem. Tal requisito responde a um princípio de economia de mensagem.
Já a informação completa é aquela em que o emissor, na operação de
codificação, utiliza signos (sons linguísticos, sinais gráficos, gestual) e símbolos
que representem integralmente a novidade. Veraz é a característica da
informação que corresponde à verdade daquilo que se pretende dar a conhecer
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 230
ao outro. É a correspondência entre o que se quer fazer saber e a realidade
objetiva. Por fim, a informação compreensível será aquela que mais análise de
contexto solicitará, pois requererá do emissor uma apreensão da realidade do
receptor, a fim de que a mensagem possa ser por este efetivamente
compreendida [...]. O requisito da adequação, segundo Neto Lôbo, diz com os
meios de informação utilizados e com o respectivo conteúdo. Os meios devem
ser compatíveis com o produto ou o serviço oferecidos [...]”.
Modelo panóptico: “Dever de ser ‘visível’ e ‘inverificável’; o indivíduo não
precisa saber que está sendo observado, mas precisa ter certeza que poderá
sê-lo a qualquer momento”. (FOUCAULT, 1987, p. 166-167). Vale ressaltar, no
entanto, que quando aqui se faz referência ao modelo panóptico, considera-se
para além do que foi inicialmente pensado, o que significa afirmar que esse
modelo, atualmente, não se restringe apenas a espaços de confinamento, mas,
sim, se realiza em mecanismos de controle (Deleuze), que, no contexto que
estamos estudando, são considerados intensificações das disciplinas (Foucault),
e que, por isso, estão além dos espaços institucionais, expandindo-se e se
organizando em redes flexíveis e flutuantes que se espalham por todo o corpo
social, aperfeiçoando-se constantemente. Os mecanismos de poder e a
cientifização dos hábitos de vida permitem que os efeitos do autocontrole da
saúde se expandam continuamente e de maneira muito mais intensa do que
aquelas preconizadas pelo modelo disciplinar e, por isso, sua disseminação
rápida na sociedade contemporânea.
Tecnologia da informação (TI): Segundo Tatiana Malta Vieira (2007, p.
177), é “a microeletrônica, a computação (software e hardware), as
telecomunicações, a optoeletrônica[ramo da eletrônica que cuida da
transmissão por fibra ótica e laser], a engenharia genética e todos os processos
tecnológicos interligados por uma interface e linguagem comuns, na qual a
informação é gerada, armazenada, recuperada, processada e transmitida”. “E
mesmo que a prensa mecânica, da qual ‘conhecemos as gigantescas
transformações que provocou’, tenha tornado possível a duplicação e produção
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 231
de múltiplas cópias idênticas aos melhores manuscritos, e que este processo
tenha, no século XX, atingido o máximo de rapidez com a impressão
automática, foi o computador, através dos processadores de texto e editores de
hipertexto, que adicionou à tecnologia da escrita maior flexibilidade e eficiência
individual na maneira de gerar e imprimir textos”. Escrita e tecnologia, [s. p.],
p. 10.
Fonte: http://unicamp.br/˜hans/mh/escrTec.html>. Acesso em: 06 abr.
2012.
Aula 8
Exercícios de fixação
Questão 1 - B
Justificativa: Classicamente se confunde com o direito a estar só. Foi com o
advento do Estado Liberal que a privacidade tornou-se elitista, contrapondo-se
vida privada e interesse público. A liberdade de informação não é absoluta,
deve ser ponderada com outros valores igualmente protegidos.
Questão 2 - C
Justificativa: Os conceitos de Sociedade de Informação e de Sociedade de Risco
estão invertidos.
Questão 3 - C
Justificativa: Sociedade de Informação, Sociedade em Rede e Sociedade de
Risco não são expressões sinônimas, embora todas estejam igualmente
influenciando a revisão e conceitos clássicos de Direito Privado, como, por
exemplo, o conceito de privacidade. As redes sociais passam a noção de um
falso anonimato e não isentam o titular da conta por postagens e/ou
compartilhamentos que causem dano a outrem. A privacidade, atualmente,
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 232
deve ser considerada em seu aspecto positivo e negativo, não sendo
necessariamente excludentes entre si.
Questão 4 - A
Justificativa: O devedor inadimplente inserido em cadastros negativos de
crédito, que tiver quitado a dívida, tem direito a exigir a retirada de seu nome
do banco de dados. Pode-se obrigar os sites de busca (como o Google) a retirar
informações pessoais neles disponibilizadas. Na análise do caso concreto, o juiz
deverá ponderar valores a fim de determinar se deve prevalecer a liberdade de
expressão ou o direito à privacidade.
Questão 5 - B
Justificativa: O direito ao esquecimento é direito fundamental intimamente
ligado à privacidade, mas nem sempre prevalecerá sobre a liberdade de
imprensa. O juiz deverá, na análise do caso concreto, determinar ser mais
relevante a proteção da vida privada ou o direito do público à informação.
ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 233
Fernanda Schaefer Rivabem é advogada em Curitiba-PR, Graduada em
Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Especialista em Direito
Processual Civil pela PUC-PR. Foi bolsista CAPES no Mestrado em Direito
Econômico e Social da Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Doutora em
Direito das Relações Sociais na Universidade Federal do Paraná, curso em que
realizou Doutorado Sanduíche nas Universidades do País Basco e Universidade
de Deusto (Espanha) como bolsista CAPES. Autora de obras e artigos sobre
responsabilidade médica e Biodireito; integrante do Grupo de Pesquisa Virada
de Copérnico, vinculado ao curso de Pós-Graduação Stricto Sensu da UFPR;
professora de Direito Civil da Faculdade Estácio de Curitiba. Professora e
Coordenadora da Pós-Graduação Lato Sensu em Direito Médico do UniCuritiba e
professora de Direito Civil e Biodireito do Curso de Direito. Professora do Curso
de Pós-Graduação Lato Sensu da PUC-PR. Membro da Comissão de Educação
Jurídica e da Comissão de Direito da Saúde da OAB-PR.
Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/9452455018384161