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ELEMENTOS FUNCIONAIS E ORNAMENTAIS DA ARQUITETURA ECLÉTICA PELOTENSE: 1870-1931. FERRAGENS.
Douglas Meireles Veiga Janisse Silveira Jahnke
Carlos Alberto Ávila Santos
Resumo: Este artigo teve como objetivos primeiros: o estudo, a catalogação e a divulgação
dos elementos funcionais e ornamentais fabricados em ferro e importados para a cidade de Pelotas, no período de 1870 a 1931. Muitas das construções do período utilizaram portões, gradis, guarda-corpos e luminárias de ferro. A variada produção era escolhida pelos compradores interessados por meio de catálogos organizados e divulgados pelas fábricas de fundições. Apresentamos um histórico sintético sobre as técnicas empregadas, sobre as fábricas de fundições e exemplificamos os diferentes artigos de ferro empregados na arquitetura eclética pelotense.
Palavras-chave: Arquitetura; Ecletismo; Ferragens.
Introdução
O processo de fundir o ferro divulgou-se lentamente até o fim da Idade
Média, o trabalho artesanal empregado no período e o elevado custo da
técnica reduziram a produção. Os artigos realizados em ferro fundido eram
quase tão caros quanto àqueles executados com o chumbo, o cobre, o estanho
e o latão. As produções se limitavam ao fabrico de armas, ferramentas e
armaduras.1
A partir do século XV, a técnica foi disseminada pela Europa,
intensificada com a invenção do alto-forno, provavelmente na Remânia.2 O
material foi então utilizado para fabricar canhões, sinos, peças para fornos,
para chaminés e para as canalizações de água potável. As técnicas de
fundição e moldagem foram aperfeiçoadas e novas aplicações foram tentadas.
Porém, somente no final do século XVIII – período pródigo em descobertas
tecnológicas e científicas decorrentes da primeira Revolução Industrial – o ferro
fundido passou a competir com os materiais já conhecidos e sacralizados,
sobretudo, no que se referia ao preço de produção.
No século XIX, os materiais em ferro fundido tornaram-se constantes
1 SILVA, Geraldo Gomes da. Arquitetura do ferro no Brasil: São Paulo. Nobel, 1987. p. 13. 2 Ibid. p. 13.
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nas construções de engenharia, nas obras das estradas de ferro e de pontes
metálicas, na fabricação das locomotivas e dos vagões dos trens. Na área da
arquitetura, concorreram com o bronze e substituíram muitas vezes a pedra e o
tijolo, pois permitiam a construção de espaços internos mais espaçosos sem a
necessidade de um número elevado de colunas para sustentação do teto,
como ocorria até então. Além disso, a nova matéria possibilitou que os
elementos das estruturas dos prédios recebessem decorações moldadas,
amplamente utilizadas.
Além das potencialidades do ferro, relevante na nova técnica de
fundição era a escala de produção industrial, que servia tanto para o consumo
interno dos países industrializados, como para a exportação para as nações
não industrializadas. Assim, dentro do sistema capitalista, criou-se um mercado
para os equipamentos de ferro fundido disseminados pelo mundo inteiro, que
desbancaram todo um processo de execução das obras de engenharia e de
arquitetura realizadas até então.3
A técnica de fundir o ferro permitiu a reprodução infinita de um mesmo
modelo, com igual perfeição. Diferentes artistas realizaram os originais em
gesso, que depois eram reproduzidos e multiplicados pelas fábricas de
fundição, criando variados objetos como: corrimãos de escadarias e guarda-
corpos de balcões; gradis e portões; postes e lampiões da iluminação pública;
luminárias para os espaços interiores e exteriores dos edifícios; esculturas de
diferentes tamanhos; fontes e chafarizes.4
Nas obras de engenharia e de arquitetura, como as colunas de ferro
não necessitavam ter a mesma seção das colunas de pedra, por sua maior
resistência, era possível usar o vocabulário formal e as proporções que se
elegesse. O ferro fundido prestou-se tão bem aos propósitos ornamentais
ecléticos, que o ornamento passou a ter um fim em si mesmo. Ao lado dos
estilemas classicizantes da Antiguidade, conviviam elementos maneiristas,
3 Ibid. p.16. 4 SANTOS, Carlos Alberto Ávila. Ecletismo na fronteira meridional do Brasil: 1870 – 1931. Tese
(Doutorado em Arquitetura e Urbanismo – Área de Conservação e Restauro) Faculdade de Arquitetura e
Urbanismo da Universidade Federal da Bahia, 2007. p. 118.
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barrocos, rococós, neogóticos, do art nouveau e do art déco, pois os
fabricantes não estavam apegados somente aos preciosismos classicistas, e
sim, à rentabilidade econômica de seus produtos, adaptando-os aos estilos e
aos gostos do mercado consumidor.
Um dos primeiros prédios estruturados em ferro fundido foi o Palácio de
Cristal. (Figura 1) O edifício foi projetado pelo arquiteto Joseph Paxton e pelo
engenheiro Charles Foxes,5 construtores que alcançaram renome pela criação
de estufas para plantas.6 O Palácio de Cristal foi erguido em Londres, para
abrigar a Grande Exposição Universal de 1851. A estrutura com cobertura em
abóboda de berço foi preenchida com lâminas de vidro. As peças pré-
fabricadas de ferro foram moldadas, em fragmentos, numa usina de fundição.
Foram transportadas ao local da edificação e, armadas em partes, com o ajuste
de rebites, parafusos e porcas. O edifício, com 600 metros de comprimento,
120 metros de largura e 34 metros de altura, foi erguido por 80 homens em
apenas 17 semanas. Foi saudado, na época, como uma façanha da técnica e
do espírito empreendedor dos ingleses.7
Figura 1: O Palácio de Cristal, Londres, 1851. Na imagem à esquerda: Aspecto exterior. Fonte:
ARGAN. Giulio Carlo. Arte Moderna. São Paulo: Companhia das Letras, 1993. p. 88. Na imagem à direita: Vista do interior do prédio. Fonte: JANSON. H. W. Historia del Arte. Barcelona: Labor, 1972.
p. 557.
As Grandes Exposições Universais foram as responsáveis pela
divulgação das criações das indústrias e das novas possibilidades do ferro
5 LOYER. François. Le siècle de l’industrie. Paris: Skira, 1983. p. 74. 6 Nas estufas para plantas são duas as exigências principais: abrigar e iluminar. O ferro e o vidro juntos
eram totalmente aptos às exigências das estufas. 7 XAVIER, Janaína. Chafarizes e a caixa d’água de Pelotas: elementos de modernidade do primeiro
sistema de abastecimento: 1871. Monografia (Especialização em Patrimônio Cultural – Conservação de
Artefatos) Instituto de Artes e Design da Universidade Federal de Pelotas, 2006. p. 36
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fundido. O Evento foi repetido diversas vezes em diferentes cidades durante o
século XIX, tanto na Europa como nos Estados Unidos. Londres produziu uma
segunda mostra no ano de 1862. Viena em 1873. A cidade de Filadélfia
promoveu nova exibição em 1876 e, Chicago sediou a Exposição Internacional
de 1893. A cidade de Paris organizou Exposições Internacionais nos anos de
1855, 1867, 1878, 1889 e 1900.8
Em paralelo ao aprimoramento do processo de fundição do ferro,
desenvolveu-se na arquitetura européia o ecletismo historicista, estilo no qual
os arquitetos utilizaram das novas técnicas e materiais arquitetônicos criados
pelas indústrias (o ferro forjado e fundido, o vidro e o cimento armado)
mesclados aos sistemas construtivos antigos (arcos romanos e colunatas das
ordens da Antiguidade clássica, abóbodas de berço romanas e cúpulas sobre
pendentes bizantinas), ao mesmo tempo em que buscavam estilemas dos mais
variados lugares e de diferentes períodos da história da arquitetura, arranjados
de maneira harmônica nos programas compositivos das fachadas dos prédios
erguidos.
Figura 2: A ópera Charles Garnier, Paris, 1874. Na imagem à esquerda: Aspecto exterior do edifício.
Fonte: Cartão Postal. Na imagem à direita: A ponte Alexandre III, Paris, 1900. Fonte: Disponível em www.panoramid.co/photo. Acesso em 12/06/2008.
Em Paris, as construções da Ópera Charles Garnier, da Ponte Alexandre
III, do Grand Palais e da Estação D’Orsay apresentam as características
citadas. Todas as edificações misturam a alvenaria de pedras e tijolos com
8 KUHL, Beatriz Mugayar. Arquitetura do ferro e arquitetura ferroviária em São Paulo. São Paulo:
Ateliê, 1998. p. 136.
48
estruturas metálicas. O edifício da Ópera, projetado pelo arquiteto que lhe deu
o nome, foi inaugurado em 1874. (Figura 2) A cúpula em forma de uma coroa
da casa de espetáculos é em ferro e aço, onde despontam esculturas de
características barrocas, realizadas em ferro fundido. As outras três obras
foram erguidas ou reformadas para a Exposição Internacional de 1900, onde
figuraram como objetos inovadores. A ponte Alexandre III foi de
responsabilidade dos engenheiros Résal e d’Alby.9 (Figura 2) A estrutura
mesclou diferentes materiais construtivos: o ferro, o ferro fundido, a pedra e a
alvenaria. Em ferro fundido são as decorações barrocas dos lampiões e das
esculturas dos pórticos.
O Grand Palais teve projeto dos engenheiros Deglane, Louvet e
Thomas. O antigo edifício do Ministério das Relações Exteriores, edificado
entre as datas de 1810 e 1838, foi transformado no complexo ferroviário da
Estação D’Orsay no ano de 1900, pelo arquiteto Victor Alexandre Fréderic
Laloux. No Grand Palais e na Estação d’Orsay, as caixas murais são em
alvenaria, onde se fixam e se desenvolvem as estruturas de ferro e vidro das
abóbodas de berço e da cúpula. (Figura 3)
Figura 3: Na imagem à esquerda: O Grand Palais, Paris, 1900. Fonte: LOYER, François. Le siècle de
l’industrie. Paris: Skira, 1983. p. 96. Na imagem à direita: A estação D’Orsay, Paris, reforma de 1900.
Fonte: Cartão Postal.
Essa nova maneira de construir os edifícios, os modernos materiais e
técnicas empregados e, ainda, a estética arquitetônica historicista eclética
foram transpostos aos países periféricos como o Brasil. As classes dominantes
na região norte, no centro do país e no sul, enriquecidas com as exportações
9 SANTOS, Carlos Alberto Ávila. Ecletismo na fronteira meridional do Brasil: 1870-1931. Tese
(Doutorado em Arquitetura - Área de Conservação e Restauro) Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da
Universidade Federal da Bahia, 2007. p. 26.
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da borracha, do café e do charque, respectivamente, se esforçaram em criar
nos espaços coletivos das cidades dessas regiões uma cópia do mundo
europeu, sinônimo de desenvolvimento e progresso. As elites e as
administrações importaram os mais variados equipamentos urbanos e
elementos funcionais e ornamentais arquitetônicos, como os objetos em ferro
fundido – foco do presente estudo.
O ferro fundido na cidade de Pelotas
Em Pelotas, os mais relevantes exemplos de equipamentos urbanos em
ferro fundido são os chafarizes e o reservatório de água da Praça Piratinino de
Almeida, fronteira à Santa Casa, instalados no espaço urbano entre 1873 e
1875. O reservatório de água é originado da Escócia.10 (Figura 5) Foi
construído com a técnica de pré-fabricação de peças em ferro fundido, sua
planta é em coroa circular, com a caixa elevada sobre 45 colunas dispostas em
três anéis. As paredes externas e internas são feitas em painéis modulados. No
topo há um mirante com ornamentação em estilo árabe, composto de colunas e
cúpula e apoiado na estrutura central da caixa. Uma escada helicoidal dá
acesso ao interior do reservatório e ao mirante.
Figura 5: Na imagem à esquerda: O reservatório de água da Praça Piratinino de Almeida. Fonte: Foto
dos autores, 2009. Na imagem à direita: O chafariz da Praça Coronel Pedro Osório. Fonte: Foto dos
autores, 2009.
Os quatro diferentes chafarizes foram comprados através de catálogos
da Fundição de Antoine Durenne, localizada no departamento de Haute-Marne,
10 XAVIER. Op. cit. p. 120.
50
na região de Champagne Ardenne, na França.11 Essa fábrica, de renome
internacional, recebeu vários prêmios nas Exposições Universais. Dentre as
suas realizações mais destacadas estão as decorações da ponte Alexandre III.
Os chafarizes serviam à duas funções: funcional e ornamental. Contribuíram
para o abastecimento de água e também para o embelezamento da cidade.
Exemplo do encontro da arte com a indústria. O chafariz da atual Praça
Coronel Pedro Osório é conhecido pela população como Fonte das Nereidas,
foi o primeiro a ser colocado e o único que ainda permanece no lugar original.
(Figura 5) Segundo a Ata da Câmara Municipal, de 1873, o chafariz recebeu
autorização para ser instalado no centro da Praça Pedro II (o nome da praça na
época) em 25 de junho de 1873. No ano de 1915, foi realizada a obra de
levantamento da base do chafariz, o que lhe deu maior imponência.12
Completam a fonte oito postes de ferro fundido, que serviam para a iluminação
do serviço noturno de abastecimento de água.
Figura 6: Os chafarizes de Pelotas. Na imagem à esquerda: A fonte da Praça da Igreja Matriz. Fonte:
NOBRE, Nelson. Acervo do Projeto Pelotas Memória. Na imagem à direita: O chafariz do Calçadão.
Fonte: Foto dos autores, 2009.
O segundo chafariz recebeu autorização para ser colocado na praça
fronteira à Igreja Matriz, no dia 11 de julho de 1873. (Figura 6) Este chafariz
encontra-se desaparecido. A última informação que se tem dessa peça é do
relatório da Intendência Municipal, de 1916, que registrou o ajardinamento da
praça e a retirada da fonte.13
11 SANTOS. Op. cit. p. 126. 12 XAVIER. Op. cit. p. 67. 13 Ibid. p. 87.
51
O terceiro chafariz instalado foi o da Praça Domingos Rodrigues, junto
ao porto, no ano de 1874. (Figura 6) Hoje ele se encontra no calçadão da Rua
Andrade Neves, no cruzamento com a Rua 7 de Setembro, foi inaugurado
neste local no dia 18 de dezembro de 1981.14 O quarto chafariz foi instalado em
1876, próximo do terreno onde se situa atualmente o Corpo de Bombeiros. Em
1914 foi transferido para a Praça Cypriano Barcellos.15
Figura 7: Na imagem à esquerda: O chafariz da Praça Cypriano Barcellos. Fonte: Foto dos autores,
2009. Na imagem à direita: A Rua Marechal Floriano, Pelotas. Fonte: NOBRE, Nelson. Acervo do
Projeto Pelotas Memória.
Pelotas também buscou no ferro a solução para o tráfego dos
transportes urbanos. No ano de 1873, instalou-se na cidade a Companhia
Ferro Carril e Caes, de capital belga, que assentou os trilhos de ferro fundido
para os bondes com tração animal. No final de janeiro de 1889, a empresa
estrangeira foi vendida à Sociedade Anonyma Empreza Ferro Carril e Caes de
Pelotas, que atendendo às necessidades da população criou novos trajetos e
aperfeiçoou os “materiais rodantes”.16 Em antiga fotografia da Rua Marechal
Floriano são visíveis os trilhos das linhas do bairro Fragata. (Figura 7) Os
bondes serviram às populações que não dispunham de carros ou carruagens,
facilitando a circulação dos habitantes entre a zona central e os bairros
periféricos. Também permitiram as trocas de mercadorias entre a estação
ferroviária, o porto e as casas de manufaturas e de comércio, contribuindo para
o desenvolvimento econômico da cidade.
14 Ibid. p. 92. 15 Ibid. p. 109. 16 SANTOS. Op. cit. p. 91.
52
Para ligar as cidades de Bagé e Pelotas ao porto de Rio Grande,
favorecendo as exportações e importações, uma estrada de ferro teve sua
construção autorizada pelo governo imperial em 1873. A via férrea foi
inaugurada pela Southerm Brazilian Rio Grande do Sul Railway Company no
ano de 1884.17 Para vencer arroios e rios foram fabricadas ou importadas pela
Southerm Company pontes de madeira ou metálicas, como a do canal São
Gonçalo, na entrada de Pelotas. A ponte de ferro com 600 metros de extensão
tem vão central móvel, que era içado para a passagem dos vapores que se
encaminhavam ao porto. (Figura 8)
Figura 8: Na imagem à esquerda. Locomotiva e vagões de trem na estação ferroviária de Pelotas. Fonte: NOBRE, Nelson. Acervo do Projeto Pelotas Memória. Na imagem à direita: A ponte metálica dos trens
sobre o canal São Gonçalo. Fonte: Foto dos autores, 2009.
Outra inovação na qual o ferro se inseriu foi a implantação da iluminação
pública a gás na cidade, que ocorreu em julho de 1875.18 A companhia de
capital inglês, denominada São Pedro Gaz Limited foi responsável pela
instalação desta novidade, que mudou os costumes noturnos da época,
trazendo mais segurança às vias públicas e novas opções de lazer para a
população. Sediada em Porto Alegre, a companhia construiu gasômetros em
ferro e alvenaria nas cidades de Porto Alegre, Rio Grande e Pelotas. Além da
construção dos gasômetros, foram instalados nas vias públicas dessas
localidades novos equipamentos urbanos importados, os postes e os lampiões
em ferro fundido e vidro. (Figura 9)
17 Ibid. p. 76. 18 Ibid. p. 131.
53
Figura 9: Dois antigos aspectos das ruas de Pelotas, nos quais podemos visualizar os lampiões a gás em
ferro fundido. Na imagem à esquerda: A Rua 15 de Novembro. Na imagem à direita: O largo da
Prefeitura. Fonte: NOBRE, Nelson. Acervo do Projeto Pelotas Memória.
Elementos de ferro fundido também foram empregados nas
composições de fachadas das construções arquitetônicas ecléticas da cidade:
nos portões e nos gradis dos muros das casas; nos corrimãos das escadas de
acesso aos interiores dos prédios; nos balcões e guarda-corpos das portas-
sacada; nas seteiras ou óculos de ventilação dos altos porões. Foram também
utilizados nas ornamentações das platibandas; nas estruturas das lanternas
com vidros coloridos que despontam sobre muitos telhados e servem para a
iluminação dos ambientes interiores; nos tetos envidraçados dos halls das
residências, dos hotéis e da Biblioteca Pública; na estrutura e cobertura do
Mercado Central; nas cúpulas e telhados das casas bancárias. Segundo as
distintas peculiaridades, esses elementos funcionais e ornamentais
encontrados foram agrupados em variadas tipologias. Foram identificadas
dezessete diferentes tipologias. Neste artigo apresentamos um exemplo
considerado significativo de cada uma delas.
Corrimão - No palacete que pertenceu ao Barão de São Luis, erguido
em 1879, a escadaria que dá acesso à residência possui corrimão trabalhado
em ferro fundido, com pequenos mascarões que representam cabeças de
leões e de putti, que são representações de meninos nus e gordinhos, alados
ou não, freqüentemente utilizados pelos pintores renascentistas. 19 (Figura 10)
19 BECKETT, Wendy. História da Pintura. São Paulo: Ática, 1997. p. 134.
54
Figura 10: O palacete do Barão de São Luis. Na imagem à esquerda: A fachada do edifício. Na imagem
à direita: O corrimão da escadaria de entrada. Fonte: Fotos dos autores, 2009.
Gradil - Ainda no palacete de Leopoldo Antunes Maciel, o Barão de São
Luis, salientam-se os gradis dos guarda-corpos, do muro e do portão em ferro
fundido. (Figura 11)
Figura 11: Na imagem à esquerda: O portão da residência do Barão de São Luis. Na imagem à direita:
Um dos guarda-corpos do casarão do Senador Joaquim Augusto de Assumpção. Fonte: Foto dos autores,
2009.
Guarda-corpos - No casarão assobradado do Senador Joaquim
Augusto de Assumpção, edificado entre 1884 e 1889, destacam-se nos balcões
os guarda-corpos, que alternam ornamentações que representam tocheiros ou
pandeiros e cornetas. (Figuras 11 e 12)
55
Figura 12: O casarão assobradado do Senador Joaquim Augusto de Assumpção. Na imagem à esquerda:
A fachada principal do prédio. Na imagem à direita: Um dos guarda-corpos dos balcões. Fonte: Fotos dos
autores, 2009.
Lanternas - Na antiga sede da Intendência Municipal, edificada entre os
anos de 1879 e 1881, sobre o telhado do edifício foi inserida a pequena
lanterna metálica com vidros coloridos, com a função de iluminar e ornamentar
o patamar da escada de acesso ao segundo pavimento do prédio, que ainda
hoje abriga a sede da administração municipal. (Figura 13)
Figura 13: O Paço Municipal pelotense. Na imagem à esquerda: A fachada principal do edifício. Na
imagem à direita: A lanterna que ilumina e ornamenta o patamar da escadaria que leva ao segundo
pavimento do prédio. Fonte: Fotos dos autores, 2009.
Clarabóia - O palacete do “industrialista” Atilano Costa foi erguido entre
os anos de 1915 e 1916, está situado na esquina das ruas 15 de Novembro
com D. Pedro II. O teto do hall de circulação interno é vazado por uma
clarabóia de vidros coloridos apoiados em estrutura de ferro que, como no
exemplo anterior, ilumina e decora o ambiente. (Figura 14)
56
Figura 14: O palacete de Atilano Costa. Na imagem à esquerda: Aspecto externo do prédio. Na imagem à
direita: A clarabóia de ferro e vidro do hall interno. Fonte: Fotos dos autores, 2009.
Figura 15: O Grande Hotel. Na imagem à esquerda: Vista externa do edifício. Na imagem à direita: O
teto em ferro e vidro que cobre o pátio interno. Fonte: Fotos dos autores, 2009.
Coberturas - A sede do Grande Hotel, inaugurada no ano de 1928,
possui cúpula de cobre ornada com nervuras e lunetas e arrematada por um
elemento em forma de coroa. A cúpula esconde o reservatório de água e
conclui a composição do torreão de acesso ao interior. A construção foi erguida
no entorno de um pátio interno, cujo teto é estruturado em armação de ferro
fundido preenchida com vidros coloridos. (Figura 15)
57
Figura 16: Na imagem à direita: A fachada da Biblioteca Pública. Fonte: Foto dos autores, 2009. Nas
imagens central e à esquerda: Os interiores das salas destinadas à leitura e aos cursos noturnos do
estabelecimento. Fonte: NOBRE, Nelson. Projeto Pelotas Memória.
Luminárias internas - Entre as datas de 1911 e 1913, a Biblioteca
Pública Pelotense passou por ampla reforma realizada pelo construtor Caetano
Casaretto. O prédio ganhou um segundo pavimento e foi dotado de energia
elétrica, com gerador próprio, dois anos antes da iluminação com a eletricidade
ser implantada na cidade. Com isso, as salas destinadas à leitura e aos cursos
noturnos receberam luminárias fixas e portáteis de ferro fundido e vidro, que
podem ser vistas em fotografias da época. (Figura 16)
Figura 17: Na imagem à esquerda. A caixa mural do antigo Banco Pelotense. Na imagem à direita: A
luminária externa fixada ao lado da porta de entrada do edifício. Fonte: Fotos dos autores, 2009.
Luminárias externas - Na antiga matriz do Banco Pelotense, cuja
construção foi finalizada no ano de 1915, ainda podemos ver as luminárias
externas que ladeiam a porta de entrada do prédio. (Figura 17)
58
Platibanda - No palacete do “industrialista” Martin Bidart, erguido na
Rua 15 de Novembro entre os anos de 1913 e 1915, destaca-se a platibanda
composta com elementos de ferro. (Figura 18)
Figura 18: Na imagem à esquerda: A fachada do palacete de Martim Bidart. Na imagem à direita: Um
dos óculos fechado por gradil de ferro fundido. Fonte: Fotos dos autores, 2009.
Óculos - Ainda no palacete de Martin Bidart, os óculos que ventilam o
porão alto são fechados por gradis em ferro fundido. (Figura 18)
Figura 19: Na imagem à esquerda: Vista do Mercado Público. Na imagem à direita: A estrutura em ferro fundido do telhado do edifício. Fonte: Fotos dos autores, 2009.
Estruturas - O Mercado Central data de 1853. O prédio foi reformado
entre os anos de 1911 e 1914, quando o edifício recebeu a estrutura metálica
do telhado, a torre do relógio e a cobertura em dois níveis, que permitia a
59
ventilação dos espaços internos. A estrutura do teto é formada por uma série
de quatro colunas de ferro fundido, com capitéis ornamentados, que suporta
sessenta e quatro tesouras onde se assentava a cobertura “moderna com
telhas de fibrocimento, incombustíveis”.20 Esses equipamentos pré-fabricados
de ferro fundido foram importados de Hamburgo, na Alemanha. Em Pelotas, as
estruturas da cobertura e da torre foram montadas, em suas múltiplas peças,
pela firma especializada Lima & Martins, de Porto Alegre. (Figura 19)
Marquises - O prédio do Teatro 7 de Abril foi inaugurado em 1833. No
ano de 1916 o edifício foi reformado interna e externamente, quando foi
inserido no tímpano do frontão o vitral com as cores das bandeiras do Brasil e
do Estado do RS. Este vitral estruturado em ferro originalmente era iluminado
por 75 pequenas lâmpadas. Sobre o passeio onde encostavam os veículos foi
disposta uma marquise de ferro fundido envidraçada. (Figura 20)
Figura 20: Na imagem à esquerda: A fachada do Teatro Sete de Abril. Na imagem à direita: A marquise
de ferro fundido sobre as portas de entrada. Fonte: Fotos dos autores, 2009.
20 SANTOS. Op. cit. p. 226.
60
Figura 21: Na imagem à esquerda: Vista do sobrado de cunho comercial situado na esquina das ruas 7 de
Setembro com 15 de Novembro. Na imagem à direita: Detalhe do fragmento de fachada em ferro fundido,
onde estão encaixadas as portas de entrada e a vitrine do estabelecimento de comércio. Fonte: Fotos dos autores, 2009.
Fragmentos de fachadas/Vitrines - No sobrado localizado na esquina
das ruas 15 de Novembro e 7 de Setembro, os dois pavimentos serviram para
fins comerciais. A caixa mural do edifício é de alvenaria de tijolos, mas os
marcos das portas e os espaços destinados para as vitrines foram executados
em ferro fundido e vidros coloridos, que ainda se perpetuam na fachada.
(Figura 21)
Figura 22: Na imagem à esquerda: O frontispício da antiga casa comercial da Rua Marechal Floriano. Na
imagem à direita: Detalhe dos ornamentos sobre a platibanda. Fonte: Fotos dos autores, 2009.
Fachadas - O antigo prédio comercial da Rua Marechal Floriano é
61
exemplo que ainda sobrevive de frontispício quase que totalmente executado
em ferro fundido. Com exceção da platibanda e das laterais da fachada, que
são de alvenaria de tijolos, a estrutura do frontispício, a marquise e os
elementos ornamentais sobre a platibanda foram executados nesse material.
(Figura 22)
Conclusão:
Segundo as informações obtidas através de pesquisa bibliográfica e de
campo, observamos a utilização do ferro fundido em variados equipamentos
urbanos da cidade de Pelotas. Como também de elementos funcionais e
ornamentais dos edifícios ecléticos executados com este mesmo material.
Organizamos esses equipamentos urbanos e os elementos funcionais e
ornamentais dos prédios em diferentes tipologias exemplificados neste artigo.
Esses equipamentos urbanos em ferro fundido registram os diferentes
melhoramentos implantados nos espaços coletivos da cidade pelas
administrações que se sucederam entre o final do século XIX e princípios do
XX. Exemplificam o desejo das elites em acompanhar a modernização que se
instalava, simultaneamente, em outras cidades estrangeiras ou brasileiras. Por
sua vez, os elementos funcionais e ornamentais inseridos nas composições de
fachadas dos edifícios, complementam a estética arquitetônica historicista
eclética que se desenvolveu em Pelotas no mesmo período. Ambos
evidenciam as possibilidades do ferro fundido explicitadas pelas variadas
tipologias de elementos criados com esse material.
Tanto os equipamentos urbanos como os elementos funcionais e
ornamentais dos edifícios foram decorrentes do crescimento do município e do
enriquecimento das classes dominantes, que importaram essas peças dos
países industrializados. Apesar das depredações sofridas ao longo dos anos,
Pelotas ainda guarda muito de seu patrimônio histórico em ferro fundido, que
identifica uma época de grande ascensão comercial advinda das criações da
Revolução Industrial.
62
Bibliografia:
BECKETT, Wendy. História da Pintura. São Paulo: Ática, 1997.
KUHL, Beatriz Mugayar. Arquitetura do Ferro e Arquitetura Ferroviária em São Paulo. São Paulo: Ateliê, 1998.
LOYER, François. Le siècle de l’industrie. Paris: Skira, 1983.
OSÓRIO, Fernando. A cidade de Pelotas. Pelotas: Diário Popular, 1922.
SANTOS, Carlos Alberto Ávila. Ecletismo na fronteira meridional do Brasil:
1870 – 1931. Tese (Doutorado em Arquitetura e Urbanismo – Área de Conservação e Restauro) Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal da Bahia, 2007. SILVA, Geraldo Gomes da. Arquitetura do ferro no Brasil. São Paulo: Nobel,
1987. XAVIER, Janaína Silva. Chafarizes e caixa d’água de Pelotas: elementos de modernidade do primeiro sistema de abastecimento (1871). Monografia (Especialização em Patrimônio Cultural – Conservação de Artefatos) Instituto de Artes e Design Gráfico da Universidade Federal de Pelotas, 2006.