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ELEMENTOS METODOLÓGICOS DO PROCESSO DE MAPEAMENTO PARTICIPATIVO: A EXPERIÊNCIA NA CHAPADA DO Á – ES 1 Maria Elisa Tosi Roquette Universidade Federal do Espírito Santo [email protected] Gisele Girardi Universidade Federal do Espírito Santo [email protected] Introdução A comunidade Chapada do Á, localizada no município de Anchieta-Espírito Santo (Figura 1), se auto-identifica indígena, da etnia Tupiniquim. Lá vivem cerca de 70 famílias que, segundo Mattos (2009), descendem de um único tronco familiare vivem de modo comunal nos 10,6 hectares que lhes sobraram das terras tradicionalmente ocupadas (MATTOS, 2009). Enfrentam hoje, em seu território, um contexto de lutas que derivam dos conflitos gerados pelas tentativas de implementação de empresas siderúrgicas na região. A primeira ocorreu em 2007, entre uma parceria da mineradora Vale e a companhia siderúrgica chinesa Baosteel, com o intuito de estabelecer a Companhia Siderúrgica Vitória (CSV). Questões ambientais teriam levado a empresa chinesa a desistir do projeto. A segunda se deu em 2009, também liderada pela mineradora Vale, cujo projeto receberia o nome de Companhia Siderúrgica Ubu (CSU). A desistência do investimento, anunciada em 2013, é incerta. Os reflexos já são, todavia, notáveis. Uma comunidade próxima à Chapada do Á, Monteiro, será realocada 1 Texto elaborado a partir da pesquisa de mestrado de Maria Elisa Tosi Roquete, realizada junto ao Programa de Pós-Graduação – Mestrado - em Geografia da Universidade Federal do Espírito Santosob orientação da Profa. Dra. Gisele Girardi e vinculada ao Grupo de Pesquisa CNPq POESI – Política Espacial da Imagens Cartográficas. A pesquisa está em conclusão e contou com o financiamento da Capes (bolsa).

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ELEMENTOS METODOLÓGICOS DO PROCESSO DE MAPEAMENTO

PARTICIPATIVO: A EXPERIÊNCIA NA CHAPADA DO Á – ES1

Maria Elisa Tosi Roquette

Universidade Federal do Espírito Santo

[email protected]

Gisele Girardi

Universidade Federal do Espírito Santo

[email protected]

Introdução

A comunidade Chapada do Á, localizada no município de Anchieta-Espírito Santo

(Figura 1), se auto-identifica indígena, da etnia Tupiniquim. Lá vivem cerca de 70

famílias que, segundo Mattos (2009), descendem de um único tronco familiare vivem

de modo comunal nos 10,6 hectares que lhes sobraram das terras tradicionalmente

ocupadas (MATTOS, 2009). Enfrentam hoje, em seu território, um contexto de lutas

que derivam dos conflitos gerados pelas tentativas de implementação de empresas

siderúrgicas na região. A primeira ocorreu em 2007, entre uma parceria da mineradora

Vale e a companhia siderúrgica chinesa Baosteel, com o intuito de estabelecer a

Companhia Siderúrgica Vitória (CSV). Questões ambientais teriam levado a empresa

chinesa a desistir do projeto. A segunda se deu em 2009, também liderada pela

mineradora Vale, cujo projeto receberia o nome de Companhia Siderúrgica Ubu (CSU).

A desistência do investimento, anunciada em 2013, é incerta. Os reflexos já são,

todavia, notáveis. Uma comunidade próxima à Chapada do Á, Monteiro, será realocada

1 Texto elaborado a partir da pesquisa de mestrado de Maria Elisa Tosi Roquete, realizada junto ao

Programa de Pós-Graduação – Mestrado - em Geografia da Universidade Federal do Espírito Santosob

orientação da Profa. Dra. Gisele Girardi e vinculada ao Grupo de Pesquisa CNPq POESI – Política Espacial

da Imagens Cartográficas. A pesquisa está em conclusão e contou com o financiamento da Capes

(bolsa).

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para outra área,no distrito de Anchieta Sede, enquanto a Chapada do Á permanece

resistente em relação à possibilidade de perda do seu território2.

Figura 1. Localização da comunidade Chapada do Á – Anchieta/Espírito Santo.

De acordo com relatório realizado pela Associação dos Geógrafos Brasileiros, seção

Vitória (AGB – Vitória, 2011), naquele momento era clara a insatisfação dos moradores da

Chapada do Á quanto à própria prefeitura de Anchieta3 que, mesmo frente à vontade de

permanência dos residentes da comunidade, sinalizava que não mais faria investimentos na

2Segundo a vice-presidente da Associação de Moradores da Chapada do A, Richeli Maia, a região é povoada

por descendentes de indígenas que se recusam a deixar suas terras para a construção da CSU/Vale. A

empresa já possui 20% das terras do município e quer construir onde hoje existem as comunidades

Chapada do A e Monteiro (http://www.seculodiario.com.br/old/exibir_not.asp?id=8221) 3 Houve mudança de governo e os moradores parecem creditar mais confiança e esperança no atual

prefeito.

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região, uma vez que eles seriam realocados futuramente, de forma a subestimar a

capacidade de luta dos moradores.

Visando contribuir com um instrumento que pudesse ampliar as possibilidades de

mobilização da comunidade para suas lutas bem como utilizar a experiência como base

para uma discussão de caráter metodológico foi constituída uma investigação, cujos dados

sustentam a elaboração deste texto, em nível de mestrado, na temática de mapeamento

participativo (MP).

O mapeamento participativo, atualmente compreendido como uma prática social em si e

não como uma simples ferramenta (RAMBALDI et al,2006b; CORBETT et al, 2006),

objetiva não só a produção de um mapa final, mas tem como força motriz o processo de

mapeamento (NOAA, 2009; RAMBALDI et al, 2006a; ABBOT et al, 1998). Tão

relevante quanto o processo, a participação dos atores sociais é fundamental e deve se

iniciar desde a construção dos propósitos do projeto de mapeamento (RAMBALDI et al,

2006a). A experiência do MP em questão gerou um mapa do território Tupiniquim pela

comunidade Chapada do Á. Produtos intermediários necessários foram elaborados por

esses atores até que se alcançasse o material final. Estes produtos apoiam a discussão do

processo no qual esses mapas foram produzidos.

O objetivo do presente trabalho é apresentar as etapas desenvolvidas no MP, discutindo-

as em diálogo com a experiência e a literatura específica,na expectativa de contribuir

com a disseminação da metodologia de MP nas pesquisas em Geografia, apontando as

potencialidades e os cuidados na efetivação dessa prática.

1. O processo de construção do MP na Chapada do Á

1.1 Antecedentes

Trabalhos de antropologia já ocorriam na Chapada do Á quando a pesquisadora em MP

conheceu a comunidade. O acolhimento na equipe e os encontros que decorreram a

partir de então foram fundamentais para o estabelecimento de relações com os membros

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da comunidade, proximidade e confiança. O estabelecimento da confiança, segundo

Rambaldiet al (2006a), entre os insiders, ou seja, os residentes, e os outsiders, é o bloco

da construção no qual a experiência de MP (ou SIG participativo) deve ser fundada. O

outsider é compreendido aqui como aquele que não faz parte da comunidade, mas

auxilia no mapeamento participativo de alguma forma. Neste caso, a facilitadora é a

pesquisadora do mapeamento participativo. A função principal foi de auxiliar os

participantes da comunidade nas diversas etapas e atividades para elaboração de seu

próprio mapa, e, ao mesmo tempo, pesquisar o processo do MP.

Quanto ao processo do MP, foram delineadasas etapas do processo para auxiliar no

próprio desenvolvimento que, contudo, deu-se de acordo com o caminhar dos atores,

suas necessidades e disponibilidade, assim como também da facilitadora. Abordagens

participativas necessitam de tempo (RAMBALDI et al, 2006a).O primeiro encontro

voltado para ao desenvolvimento do mapeamento participativo foi realizado na

Associação de Moradores da Chapada do Á, local que seria a base dos outros encontros

e reuniões. Essa primeira conversa contou com a participação de aproximadamente 15

moradores. Foram utilizados um computador, projetor, câmera filmadora e máquina

fotográfica para registrar a conversa, que teve como objetivos: 1) relembrar a trajetória

percorrida até então, mediada pela facilitadora; 2) compreender a importância da

Chapada do Á para os residentes, através da apresentação e fala de cada ator presente;

3) compreensão territorial do conflito, por meio da apresentação via projeção de mapas

contendo informações da área prevista para a Companhia Siderúrgica Ubu (CSU) e

localização da comunidade Chapada do Á; 4) levantamento do interesse dos presentes

em se confeccionar um mapa do território da Chapada do Á, tendo sido apresentado

interesse positivo pelos presentes; 5) explicação sobre as possibilidades e armadilhas de

um mapa; 6) introdução ao mapeamento participativo: processo, mapas desenvolvidos

por uma base comunitária, de ‘baixo’ para ‘cima’ e não de ‘cima’ para ‘baixo’, etc; 7)

apresentação de situações em que se lança mão da prática de mapeamento participativo:

gestão de recursos naturais, resolução de conflitos, identificação de posses e direitos à

terra, negociação de limites e usos dos recursos, entre outros; 8) identificação de

diferentes tipos de métodos voltados para a prática de MP – mapas mentais (em papel,

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no chão com uso de materiais naturais), caminhadas com GPS, conhecimento local

associado a uma base georreferenciada, modelagem 3D participativa (P3DM, sigla em

inglês) – e como esses diferentes tipos de métodos podem levar a resultados distintos; 9)

escolha da ferramenta.; 10) confecção da legenda do mapa, ou seja, os participantes

elencaram ‘o que’ deveria entrar no mapa do território da comunidade.

Neste encontro ficou decidido pelos participantes o uso de ortofoto e GPS com

caminhadas como ferramentas. Em relação ao software, a facilitadora optou pelo uso do

ARcMap 10.1 por ser o disponibilizado pelo Laboratório de Cartografia Geográfica e

Geotecnologias da Ufes e por poder contar com auxílio dos monitores do mesmo.

Também foi acordado com aos participantes a possibilidade e o consentimento de se

realizar o registro audiovisual das etapas do processo de MP. Foi-lhes esclarecido que

as informações a serem apresentadas no mapa final seriam escolhidas por eles, pois

algumas delas poderiam ser confidenciais (RAMBALDI et al, 2006a), embora o

manuseio das mesmas seria realizado pela facilitadora. E ainda, que o produto final

deverá ficar em mãos da comunidade, como já apontado como sendo relevante por

Rambaldi e t al (2006a).

1.2A construção do primeiro mapeamento

No início da construção do primeiromapeamento ficou evidente a dificuldade dos

participantes mais velhos em ler, compreender e interpretar a ortofoto a ser utilizada na

elaboração do croquida comunidade. Dessa forma, no começo, as pessoas de gerações

mais novas, quando comparadas aos moradores de mais idade da comunidade, iniciaram

os primeiros traços eestes permaneceram em volta da mesa. Com o tempo, eles foram

dialogando, conversando e acordando sobre como era a ‘paisagem’, como eram alguns

aspectos da comunidade. Todavia, ainda sem utilizar a ortofoto. Esse processo inicial

foi de retomar a memória de como era o território antigamente. Exercício que se deu ao

longo de todo processo.

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Em relação à abstração das referências cartográficas da ortofoto, percebeu-se que foi

mais fácil realizar este exercício pela geração mais velha e mais nova. Para Joacir4, de

uma geração intermediária, era muito difícil imaginar alguns aspectos ou conformação

territorial da comunidade antigamente, principalmente por ser difícil abstrair alguns

limites atuais existentes. Por exemplo, seu Natalino5 estava nos explicando onde era a

área destinada à plantação de algodão e mandioca em uma determinada propriedade

antigamente. No entanto, para fazer o tracejado era difícil para Joacir não usar os limites

atuais, como estradas. No entanto, aqueles não eram os limites existentes à época que

Natalino relatava, de forma que, se utilizando deles, o tracejado não seria o ‘correto’.

Por fim, Joacir desenhou os limites da área de forma abstrata, passando ‘por cima’ dos

referentes atuais. Mas, não parecia satisfeito ao fim.

Richeli, pertencente a uma geração mais nova, comparada a Joacir, conseguia

compreender que os referentes atuais não eram relevantes quando se falava do passado,

provavelmente por ter mais acesso e maior compreensão acerca de imagens

cartográficas. Assim como Natalino também conseguia compreender, pois além de

saber como se é a configuração do território da Chapada do Á hoje, sabe também como

era antigamente.

Com o passar dos dias, à medida que o diálogo com os moradores mais antigos, que

possuem as memórias e vivências de tempos mais remotos, Joacir conseguia

compreender que os referentes atuais presentes nos materiais cartográficos utilizados

não são uteis, em algumas situações, para compreender como era a comunidade

antigamente. Como um exemplo, tem-se o curso do rio Salinas. A conformação retilínea

atual do rio Salinas se deve a uma dragagem. Logo, hoje em diao rio ‘corta’ a área que

antigamente era uma área única de vargedo. Com o passar dos dias,Joacir conseguiu

compreender a área de vargem como sendo uma área sem divisões, não dividida por um

rio, uma área única, contínua. Passou a fazer agora a abstração dos referentes

territoriais, neste caso, o rio.

4Joacir Pereira,57 anos, em 22/02/2014.

5Natalino Simões de Jesus, 75 anos, em 22/02/2014.

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Em relação ao uso da ortofoto e questões da participação em relação ao gênero, pode-se

perceber que os homens participaram mais ativamente. Os homens, e isso inclui os

moradores mais idosos, por mais que tivessem uma dificuldade inicial em ler a imagem,

permaneciam ao redor da mesa que continha a ortofoto, mantendo a discussão de como

era a comunidade, o território, a paisagem... Algumas mulheres iam e voltavam ao redor

da mesa, enquanto outras permaneciam sentadas, assim como alguns homens,

parecendo não conseguir compreender muito bem a imagem6. Em uma experiência no

México7, de aplicação de uso do MP para gestão de recursos naturais, na qual a

facilitadora participou, percebeu-se a maior facilidade dos homens em utilizar materiais

cartográficos, no caso, uma imagem de satélite. O uso dela entre as mulheres não foi

satisfatório, pois elas tiveram dificuldade em identificar pontos de referência.

Preferiram, naquele momento, elaborar um mapa mental.

Percebemos como é importante a participação dos moradores mais velhos na questão da

transferência do conhecimento e manutenção da memória da comunidade. Segundo

Johnson et al (2006), nossas comunidades precisam encorajar os jovens a aprender as

cartografias e geografias tradicionais, pois tal conhecimento está sob ameaça de perda

permanente. O contato com materiais cartográficos provavelmente é um fator que

influencia no processo de MP, principalmente no início. Isso explicaria a dificuldade

inicial das mulheres e pessoas de mais idade em ler imagens cartográficas.

1.3 Validação das informações coletadas em campo pelos moradores

Uma das atividades dentro do processo de mapeamento participativo consistiu, junto a

alguns moradores da Chapada do Á, principalmente os mais idosos, em navegar pelo

6 Marly de Oliveira Pereira, 56 anos, afirmou que foi mais fácil fazer o mapa mental. Tal mapa foi

realizado utilizando cartolina branca, canetinhas e lápis coloridos. Adultos e crianças participaram em

sua confecção, no entanto, este mapa não entrará no debate deste trabalho. Dona Maria Victor, 77

anos, relatou que não conseguiu compreender a imagem (ortofoto). 7 Essa experiência se deu durante o estágio técnico , realizado entre maio e agosto de 2013, no estado

de Michoacán/México, financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Espírito Santo. Essa atividade

fazia parte das atividades de campo da doutoranda Tzitzi Delgado no qual a facilitadora foi acompanhar

e auxiliar. Ambas sob a supervisão do pesquisador Mike McCall (UNAM).

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mangue, coletar e nomear os locais por eles conhecidos e onde realizavam a pesca e cata

do caranguejo antigamente.

A coleta dos dados em GPS era sempre realizada pela facilitadora, mas somente quando

lhe era sinalizado que o ponto de determinado local deveria ser coletado. Dessa forma, a

transferência dessas informações para um sistema de informação geográfica (SIG)

também era realizado pela facilitadora. Logo após essa atividade de campo e antes da

reunião seguinte com os participantes, a facilitadora transferiu alguns dados para o SIG

(ArcMap 10.1). O restante foi realizado em reunião presencial junto aos moradores8.

A validação dos pontos, previamente transferidos e adicionados em presença dos atores

se deu através da projeção da base cartográfica, com auxílio de um projetor, na parede

da Associação de Moradores da comunidade, local onde frequentemente eram

realizadas as reuniões. A base cartográfica era a mesma utilizada para a elaboração do

mapa da comunidade, como relatado acima. Tanto os pontos já transferidos previamente

pela facilitadora, quanto os plotados em presença dos participantes, foram reajustados

de acordo com estes. Alguns outros pontos que não haviam sido coletados foram

adicionados, conforme indicavam os atores presentes.

Segundo os participantes dessa etapa, essa forma de mapeamento participativo, de ir ao

local, visualizar o ponto a ser coletado, transferi-los para o software e os conferi-los

todos juntos era melhor do que simplesmente trabalhar desenhando em cima da base

cartográfica.

1.4. Confrontação do mapeamento inicial com outras fontes e bases cartográficas

Durante as etapas de mapeamento participativo, projeção das informações coletadas em

campo, estudos dos materiais cartográficos, utilizou-se de algumas bases cartográficas

8 Já havia sido realizado um teste anterior, junto a alguns moradores, de forma a lhes mostrar a

transferência de informação coletada por um GPS para o software. O teste consistiu em coletar o ponto

da Associação de moradores, local onde todos se encontravam, e a transferência na mesma hora

daquele ponto para o software, através de projeção do mapa na parede.

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de órgãos oficiais, tais como limites de comunidades, distritos, municípios, áreas de

unidade de conservação, e a própria ortofoto.

Após a confecção dos mapas, também cruzamos as informações resultantes do processo

de mapeamento participativo com informações oficiais de corpos hídricos. O resultado

mostra que, após dias trabalhando com materiais cartográficos, os participantes

conseguiram interpretar a imagem de forma tal que algumas informações elaboradas por

eles eram muito próximas daquelas presentes nos materiais oficiais. Alguns corpos

hídricos que não eram evidentes na ortofoto foram identificados pelos participantes.

1.5.Diálogo, consenso e o papel dos facilitadores

Houve muita dúvida em relação ao fechamento dos limites do território sendo

mapeado.A dúvida decorreu da dificuldade de compreensão, entre os participantes do

processo de MP, em identificar qual área estava sendo mapeada, se o território

considerado da comunidade Chapada do Á ou se o território considerado como território

indígena da Chapada do Á. O primeiro foi compreendido como o território que incluía

as propriedades dos moradores da comunidade que descendiam do mesmo tronco

familiar, já o território indígena era compreendido como a soma do território da

comunidade mais as áreas de uso comunal.

As dúvidas se deram tanto nas atividades de campo, durante a coleta dos pontos com o

GPS, quanto durante as reuniões na Associação de Moradores, quando os materiais

cartográficos eram projetados para todos analisarem. Antes de se coletar os pontos em

terra, em geral, consultava-se a imagem (impressa em A4) em paralelo a um bom

diálogo entre os atores para definição do ponto exato a ser levantado. Também durante

as projeções havia muita conversa entre os participantes, no entanto, essas conversas

eram paralelas, e muitas vezes era esperada uma confirmação das opiniões por parte da

facilitadora. Dentro do processo de MP os debates antes da definição de um item que

fará parte do mapa em questão são de extrema importância, pois permitem a troca de

conhecimentos entre os participantes, especialmente quando se trabalha com uma

comunidade, uma vez que o mapa que estão elaborando é coletivo, comunitário. Nessas

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horas, é importante o facilitador levantar questões que os façam voltar à reflexão do que

está sendo mapeado, no sentido de direcioná-los a um objetivo que é comum.Fica clara

a importância de se dar maior atenção à etapa inicial do processo. Uma vez que os

participantes de um MP já demonstraram interesse em fazer seu próprio mapa, o ‘por

quê’ fazê-lo, o ‘o que mapear?’, e a legenda em si, devem ser questões constantemente

relembradas, a fim de se evitar dúvidas como as surgidas ainda no fim dessa etapa do

processo de MP.

Considerações finais

Uma dos maiores obstáculos enfrentados na condução do trabalho de mapeamento

participativo se encontra no domínio das ferramentas técnicas. A capacitação de

membros da comunidade para que dominem a metodologia e as ferramentas do processo

de mapeamento os permitem atuar como advogados e técnicos para sua própria ou

outras comunidades (JOHNSON et al, 2006). No entanto, requer investimento

financeiro e técnico (ACT BRASIL, 2008).

No presente trabalho, as ferramentas, como o software e GPS, foram manejadas pela

facilitadora. Segundo Rambaldiet al (2006a), os métodos de mapeamento influenciam

quem participa, o que é incluído, a natureza dos resultados, e as relações de poder, e

grande parte depende do comportamento e atitudes dos facilitadores - e em quem

controla o processo. Foi realizado um esforço nesse sentido de tornar o processo o mais

transparente possível, como por exemplo, através da projeção e correção dos dados em

presença dos participantes.

Por fim, os dados espaciais e mapas gerados em nível comunitário são produtos

intermediários de um processo articulado e a longo prazo (RAMBALDI et al,

2006a).Neste sentido é importante que sempre fique claro para todos os participantes do

MP todas as vantagens e riscos de participação. Isso inclui, evidentemente, o

reconhecimento de vantagens e riscos na incorporação desta metodologia em pesquisas

em Geografia, já que raramente o tempo de mobilização e engajamento da comunidade

coincide com os tempos requeridos na pesquisa científica. Por outro lado, o

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mapeamento participativo permite ampliar a multiplicidade de vozes em torno de um

mesmo objeto e implica no necessário exercício da negociação entre atores sociais,

incluindo o pesquisador, o que dá novas qualidades ao processo de pesquisa científica.

Referências

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MATTOS, S. M. A aldeia de Iriritiba: a atual cidade de Anchieta no Espírito Santo. Habitus. v. 7. n. ½. 2009. p. 5 – 44.

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