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1 CATEQUESE E PASTORAL DE GESTAÇÃO Encontro de Catequistas da Arquidiocese de Braga 09.09.2017 Pe. Tiago Miguel Fialho Neto Introdução «Completou-se o tempo e o Reino de Deus está próximo: arrependei-vos e acreditai no Evangelho» (Mc 1, 14-15). É com estas palavras do Evangelho de Marcos que gostava de começar a minha intervenção que tem como título Catequese de gestação. Antes de aprofundarmos o sentido desta expressão, julgo importante voltarmos à Galileia, precisamente ao início da missão de Jesus, ao que chamamos começo da vida pública. Os textos bíblicos do Novo Testamento expressam a convicção segundo a qual o anúncio e a receção do Evangelho estão ligados a um «momento favorável» e a uma terra disponível. Jesus estabelece uma relação íntima entre o Evangelho e um terreno, ou seja, pessoas concretas, situações sociais e culturais determinadas etc. Ao anúncio do Evangelho corresponde a tomada em consideração das condições que determinam um momento preciso da história, uma situação de vida, etc. Jesus chega à Galileia no momento da sua disponibilidade e tem consciência de que essa é a ocasião propícia. Para os Apóstolos, a experiência pascal reclama a chegada do momento oportuno (kairos) de continuar a missão do Evangelizador de Nazaré. Tomando como ponto de partida o paralelismo evangélico entre anúncio e determinado momento histórico, cabe-nos a nós equacionar a relação entre o tempo presente que vivemos e o anúncio do da Boa Nova. Será este um tempo propício para o Evangelho? Encontrará o Evangelho condições para ser escutado? Estarão as pessoas disponíveis para o acolher? Serão ainda capazes de acreditar em Deus? Que relação existe, hoje em dia, entre a vida concreta dos nossos contemporâneos e as possibilidades de receberem o Evangelho? No coração destas questões estamos nós próprios implicados, pois cabe-nos a grave e necessária tarefa de nos questionarmos sobre a articulação do Evangelho com as condições da sua praticabilidade e vivência. Se nalgumas circunstâncias da sua história, a Igreja se dispensou de se interrogar sobre a relação entre o anúncio do Evangelho e o momento propício, os períodos em que atravessou crises profundas foram determinantes para o fazer. Hoje em dia, pela situação que vive o cristianismo nas sociedades ocidentais, é fundamental um exercício de discernimento evangélico através do qual se procura perceber se o tempo atual da história constitui ou não um momento favorável para o anúncio do Evangelho. Colocados diante desta interrogação, conseguimos vislumbrar um ângulo de leitura apropriado para enfrentarmos os desafios do tempo presente, pela nossa convicção crente de que este é um momento favorável ao anúncio do Evangelho. Hoje, como ontem, o Evangelho tem todo o poder de transmitir vida e de ser recebido como uma boa notícia. Ontem, como hoje, o ser humano é capaz de Deus. Este ângulo de leitura é-nos dado pela Pastoral de Gestação. Fundamentalmente, ela procura traduzir um conjunto de atitudes e de práticas que permitam fornecer-nos um olhar evangélico sobre a realidade atual. O tempo presente constitui uma oportunidade para a Igreja e também para a catequese. O nosso percurso inicia com uma breve clarificação do sentido da Pastoral de Gestação. Depois veremos como ela nos leva ao coração de toda a pastoral, o encontro com Cristo, especialmente focalizado no

Encontro de Catequistas da Arquidiocese de Braga … · uma boa notícia. Ontem, como hoje, o ser humano é capaz de Deus. Este ângulo de leitura é-nos dado pela Pastoral de Gestação

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CATEQUESE E PASTORAL DE GESTAÇÃO

Encontro de Catequistas da Arquidiocese de Braga

09.09.2017

Pe. Tiago Miguel Fialho Neto

Introdução

«Completou-se o tempo e o Reino de Deus está próximo: arrependei-vos e acreditai

no Evangelho» (Mc 1, 14-15). É com estas palavras do Evangelho de Marcos que gostava

de começar a minha intervenção que tem como título Catequese de gestação. Antes de

aprofundarmos o sentido desta expressão, julgo importante voltarmos à Galileia,

precisamente ao início da missão de Jesus, ao que chamamos começo da vida pública. Os

textos bíblicos do Novo Testamento expressam a convicção segundo a qual o anúncio e

a receção do Evangelho estão ligados a um «momento favorável» e a uma terra

disponível. Jesus estabelece uma relação íntima entre o Evangelho e um terreno, ou seja,

pessoas concretas, situações sociais e culturais determinadas etc. Ao anúncio do

Evangelho corresponde a tomada em consideração das condições que determinam um

momento preciso da história, uma situação de vida, etc. Jesus chega à Galileia no

momento da sua disponibilidade e tem consciência de que essa é a ocasião propícia. Para

os Apóstolos, a experiência pascal reclama a chegada do momento oportuno (kairos) de

continuar a missão do Evangelizador de Nazaré.

Tomando como ponto de partida o paralelismo evangélico entre anúncio e determinado

momento histórico, cabe-nos a nós equacionar a relação entre o tempo presente que

vivemos e o anúncio do da Boa Nova. Será este um tempo propício para o Evangelho?

Encontrará o Evangelho condições para ser escutado? Estarão as pessoas disponíveis para

o acolher? Serão ainda capazes de acreditar em Deus? Que relação existe, hoje em dia,

entre a vida concreta dos nossos contemporâneos e as possibilidades de receberem o

Evangelho? No coração destas questões estamos nós próprios implicados, pois cabe-nos

a grave e necessária tarefa de nos questionarmos sobre a articulação do Evangelho com

as condições da sua praticabilidade e vivência. Se nalgumas circunstâncias da sua história,

a Igreja se dispensou de se interrogar sobre a relação entre o anúncio do Evangelho e o

momento propício, os períodos em que atravessou crises profundas foram determinantes

para o fazer. Hoje em dia, pela situação que vive o cristianismo nas sociedades ocidentais,

é fundamental um exercício de discernimento evangélico através do qual se procura

perceber se o tempo atual da história constitui ou não um momento favorável para o

anúncio do Evangelho. Colocados diante desta interrogação, conseguimos vislumbrar um

ângulo de leitura apropriado para enfrentarmos os desafios do tempo presente, pela nossa

convicção crente de que este é um momento favorável ao anúncio do Evangelho. Hoje,

como ontem, o Evangelho tem todo o poder de transmitir vida e de ser recebido como

uma boa notícia. Ontem, como hoje, o ser humano é capaz de Deus.

Este ângulo de leitura é-nos dado pela Pastoral de Gestação. Fundamentalmente, ela

procura traduzir um conjunto de atitudes e de práticas que permitam fornecer-nos um

olhar evangélico sobre a realidade atual. O tempo presente constitui uma oportunidade

para a Igreja e também para a catequese. O nosso percurso inicia com uma breve

clarificação do sentido da Pastoral de Gestação. Depois veremos como ela nos leva ao

coração de toda a pastoral, o encontro com Cristo, especialmente focalizado no

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evangelizador Jesus e nos evangelizadores que é cada um de nós. Finalmente,

apresentaremos alguns aspetos referentes à iniciação à fé das crianças e dos adolescentes.

1. Ao serviço da vida e da fé

A compreensão do sentido enunciado na expressão Pastoral de Gestação tem origem

numa parábola resultante de um furação que, em 1999 assolou a Europa e devastou o Este

de França destruindo milhares de árvores. De seguida, os engenheiros elaboraram em

laboratório programas de reflorestamento das áreas atingidas. Este trabalho era visto

como uma oportunidade para reconstruir a floresta, de acordo com a imagem ideal que

tinham dela. Contudo, quando chegou a hora de pôr em prática os planos definidos, os

engenheiros notaram que a natureza se tinha antecipado, apresentando um processo de

regeneração natural. Este processo acontecera mais depressa do que o previsto e

contrariava as previsões dos técnicos. Verificou-se, também, que a regeneração natural

manifestava configurações novas e mais vantajosas do que aquelas que tinham sido

elaboradas nos gabinetes. Mostrava uma melhor biodiversidade e um maior equilíbrio

ecológico, pois, espécies animais e vegetais abafadas pela floresta antiga podiam, agora,

renascer e desenvolver-se. Procedeu-se, então, a uma mudança de atitude. Passou-se de

uma política voluntarista, baseada nos planos dos engenheiros, a uma política de

acompanhamento da regeneração natural da floresta. Esta nova atitude visava o

discernimento das novas possibilidades e vantagens oferecidas por este processo natural.

Não se tratava de renunciar a qualquer tipo de intervenção, mas de acompanhar de forma

atenta, vigilante e ativa, um processo de regeneração natural1.

A imagem do furação ajuda-nos a descrever a situação da Igreja nos nossos tempos.

Face à paisagem devastada do cristianismo nas nossas sociedades, também nós somos

chamados a uma mudança de atitude, como aquela que sucedeu aos engenheiros. À

semelhança dos técnicos de reflorestação, também nós temos de reconhecer «que a

catástrofe não é uma catástrofe para toda a gente»2. Pelo que conseguimos ver a nascer,

não queremos voltar à floresta antiga. O que está a nascer é portador de uma melhor

biodiversidade eclesial, pois brota do que Deus faz nascer e não do que nós plantamos e

sonhamos. Esta é uma atitude mais incerta, que não nos dá as certezas todas. Face a ela,

muitos poderão advogar que se pretende esvaziar a autoridade da Igreja, enveredando por

caminhos relativistas e inconsistentes. Preferem uma Igreja forte, clara, definida, segura

de si mesma, assemelhando-se a serem eles próprios «generais de exércitos derrotados»3.

No entanto, falar de Gestação significa dizer que a reconstrução da floresta se faz também

com os destroços provocados pelo furação. Gestação pode significar essa incessante

capacidade generativa que o Espírito de Deus tem para fazer a sua obra, gerando a fé e

fazendo nascer a Igreja4.

—————————– 1 Cf. P. BACQ – C. THEOBALD (Orgs.), Passeurs d’Evangile : Autour d’une pastorale d’engendrement,

Bruxelles; Montréal; Paris, Lumen Vitae; Novalis; Éditions de l’Atelier, 2008, 217–228. 2 A. FOSSION, Évangéliser de manière évangélique. Petite grammaire spirituelle pour une pastorale

d’engendrement, in P. BACQ – C. THEOBALD (Orgs.), Passeurs d’Évangile. Autour d’une pastorale

d’engendrement, Bruxelles - Montréal - Paris, Lumen Vitae - Novalis - Les Éditions de l’Atelier, 2008, 57–

72: 62. 3 PAPA FRANCISCO, Exortação Apostólica Pós-Sinodal (Evangelii Gaudium), Lisboa, Paulinas, 2013,

96. 4 Cf. C. THEOBALD, Paroles humaines, Parole de Dieu, Paris, Salvator, 2015, 71–78.

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Por Pastoral de Gestação entende-se, assim, o exercício de discernimento evangélico

da situação atual do cristianismo num sentido eminentemente prático. Partindo da

convicção de que, hoje em dia, o Evangelho trabalha as consciências tanto como acontecia

no passado e que o tempo atual não é menos favorável que os anteriores ao anúncio da

Boa Nova, a Pastoral de Gestação, assume-se como uma atitude que implica

discernimento, decisão e invenção, através da qual se «ajuda a fazer jorrar o novo»5.

Pastoral de Gestação não determina um modelo pastoral, uma estrutura ou método, mas

um modo de remontar à atitude pastoral de Cristo e dos seus discípulos. Assume-se como

uma forma de dar corpo às iniciativas pastorais surgidas num tempo de profunda mutação

da figuração do cristianismo, como é o nosso. Se ainda persistem «restos consideráveis

de um cristianismo tradicional», segundo a expressão de Ranher, a Igreja vive uma

situação de transição, caracterizada por André Fossion da seguinte forma:

«Um mundo está a ir-se embora e outro vem aí. Um certo cristianismo está

em crise profunda, mas não é o fim da fé cristã: esta está igualmente em

reconstrução, em reconfiguração. Sob este ponto de vista, nós estamos numa

situação de entre dois desconfortável mas apaixonante, entre aquilo que

morre e aquilo que nasce»6.

Entre o que nasce e o que morre descobrimos a conjuntura atual como geradora de

novos dinamismos para a fé e de sementes de oportunidades para o Evangelho. É neste

entre-meio, num estar tensional entre o que vai e o que surge de novo que se situa a

Pastoral de Gestação.

A imagem da gestação é reveladora da simbiose entre a fé e a vida. Pode-se afirmar

uma correlação entre transmissão da fé e transmissão da vida. Em primeiro lugar, a vida

é sempre uma surpresa. Embora possamos gerar biologicamente a vida, não somos a sua

origem nem controlamos todos os seus processos. A Pastoral de Gestação reconhece que

nós não estamos na origem da fé, por isso coloca-se ao serviço das possibilidades e

condições do seu nascimento.

Em segundo lugar, gerar é fazer surgir algo sempre novo e diferente. O que nasce é

sempre diverso daquilo que proporcionou o seu nascimento. Um filho, embora herde o

património genético dos seus pais, é sempre diferente deles. Não é um clone ou fotocópia.

Também no que diz respeito à transmissão da fé se verificam estas regras. Transmitir não

é reproduzir, clonar, fabricar numa linha de montagem, mas encontrar-se com uma

identidade nova, diferente, única e irrepetível.

Por último, gerar não se entende em sentido físico ou material, pois ninguém tem poder

para gerar um cristão. A fé de um novo cristão é sempre um assunto de graça e de

liberdade que diz respeito a cada pessoa e ao próprio Deus. O ser humano é capaz de

Deus, mas é incapaz de produzir a fé em alguém. Nenhum de nós tem o poder de

comunicar a fé. Gerar, neste sentido, significa colocar-se ao serviço do que nasce,

acolhendo e acompanhando a vida nascente. Evangelizar consiste, assim, em velar pelas

condições que podem tornar possível a fé:

—————————– 5 A. FOSSION, Dieu désirable : Proposition de la foi et initiation, Bruxelles - Montréal, Lumen Vitae -

Novalis, 22010, 169. 6 A. FOSSION, Évangéliser de manière évangélique. Petite grammaire spirituelle pour une pastorale

d’engendrement, 57.

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«A fé de um novo cristão será sempre uma surpresa e não fruto dos nossos

esforços, resultado de um empreendimento. Estamos certos de que a fé não

se transmite sem nós, mas nós não temos a capacidade de a comunicar. O

nosso dever é velar pelas condições que a tornam possível, compreensível,

praticável, desejável. A pastoral trabalha estas condições. O resto é um

assunto de graça e de liberdade»7.

Evangelizar é assumir a atitude de quem recebe a vida nos braços, a posição paterna e

materna de educar e proporcionar o crescimento, ou seja, o equilíbrio sempre oscilante

entre a ação, a tomada de atitude e a reserva ou apagamento diante do que está para nascer.

Pensar a relação entre Pastoral de Gestação e Pastoral Catequética implica olhar para

a forma como os Evangelhos nos apresentam o estilo evangelizador de Jesus. Para quem

deseja evangelizar é fundamental aprender de Cristo, colocar-se na sua escola,

reconhecendo-o como iniciador e pedagogo. À luz do recente documento Catequese: A

alegria do encontro com Jesus Cristo, os catequistas são chamados a encontrar-se com

Cristo na sua forma de evangelizar e de se colocar ao serviço do nascimento da fé (cf.

CAEJ, 1, 31). Para o catequista existe, de facto, uma determinada forma de considerar a

relação com Cristo que determina, também, os traços de uma espiritualidade

evangelizadora centrada numa pedagogia do encontro.

2. Ao serviço do encontro com Cristo

No coração da catequese está o encontro com a pessoa de Jesus Cristo, «encontro da

parte de quem evangeliza e de quem é evangelizado»8. O encontro com Jesus Cristo

constitui o elemento aglutinador de toda a vida, o centro a partir do qual tudo de

compreende, o segredo da credibilidade da existência, a força dinamizadora do

apostolado9. A catequese tem como missão essencial proporcionar o encontro com Jesus

Cristo, e n’Ele com o Pai e o Espírito Santo. De facto, «a finalidade definitiva da

catequese é a de fazer com que alguém se ponha, não apenas em contato, mas em

comunhão, em intimidade com Jesus Cristo»10.

Uma das questões que atravessa a nossa ação catequética centra-se na forma de tornar

possível este encontro. A nós cabe-nos a missão de favorecer as melhores condições para

que ele possa acontecer, mas ele não depende de nós. É um assunto que diz respeito à

liberdade de cada pessoa e à ação da graça de Deus. No entanto, como podemos criar

estas condições, este ambiente favorável ao nascimento da fé? Um dos fios condutores da

resposta a esta pergunta é olhar para Cristo e inspirarmo-nos no seu agir pedagógico. Pela

sua forma de ser, de dizer e de agir, Cristo favorece o encontro da fé que dá sentido à

vida, que gera discípulos e apóstolos.

—————————– 7 Ibidem, 62. 8 CONFERÊNCIA EPISCOPAL PORTUGUESA, Catequese: A alegria do encontro com Jesus Cristo,

Moscavide, Secretariado Geral da Conferência Episcopal Portuguesa, 2017, 1. 9 Cf. PAPA FRANCISCO, Exortação Apostólica Pós-Sinodal (Evangelii Gaudium), 266. 10 PAPA JOÃO PAULO II, Exortação Apostólica Pós-Sinodal (Catechesi Tradendae), Lisboa, Editorial

Apostolado da Oração, 1979, 5. Cf. CONGREGAÇÃO PARA O CLERO, Directório Geral da Catequese, Lisboa,

Secretariado Nacional de Educação Cristã, 1998, 80.

5

A categoria do encontro, diretamente relacionada com a ação catequética, acentua o

dinamismo relacional da experiência cristã que a Pastoral de Gestação coloca em

evidência. A Pastoral diz respeito à maneira de proceder de Jesus, às atitudes e qualidade

relacional que apresenta nos encontros com as pessoas e nas situações que vive. Trata-se

de uma pastoral que diz respeito às novas relações geradas por Cristo, ao saber estar no

meio dos outros e com eles11 que o Papa Francisco apelida por «mística do viver juntos»12.

Cristo é o modelo credível do encontro entre Deus e a pessoa, do seu viver juntos.

Num movimento descendente, Cristo é modelo do encontro de Deus connosco. Num

movimento ascendente, Ele é modelo do encontro da pessoa com Deus. Nestes dois

movimentos se incluem os traços principais da pedagogia do encontro que Cristo nos

propõe: aceitar a ação livre e gratuita de Deus; aprender a descentrar-se de si; mostrar um

interesse desinteressado por todos13.

2.1. Aceitar a ação livre e gratuita de Deus

Cristo é modelo do encontro de Deus connosco porque n’Ele vemos como Deus toma

a iniciativa de se querer comunicar e de criar relação. Desde os alvores da criação e na

história da salvação acompanhamos essa permanente saída de Deus em direção a nós. O

dinamismo próprio da revelação surge-nos, desde o Concílio Vaticano II, num ambiente

relacional e de encontro: «Deus invisível, na riqueza do seu amor fala aos homens como

amigos e convive com eles, para os convidar e admitir à comunhão com Ele»14, assim se

expressa a Constituição Dei Verbum. Um outro contributo conciliar refere-se à teologia

da missão considerando o facto desta se compreender como tendo a sua origem no

mistério trinitário de Deus. O Decreto conciliar Ad Gentes afirma que a verdadeira

natureza da missão deriva do próprio Deus: «A Igreja peregrina é, por sua natureza,

missionária, visto que tem a sua origem, segundo o desígnio de Deus Pai na missão do

Filho e do Espírito Santo»15. Por isso, a missão de Cristo e da Igreja é entendida como

—————————– 11 A par das dimensões tradicionais da formação dos catequistas, o documento dos Bispos acrescenta a

dimensão relacional: o saber estar com e o saber estar em. Cf. CONFERÊNCIA EPISCOPAL PORTUGUESA,

Catequese: A alegria do encontro com Jesus Cristo, 32. 12 « Neste tempo em que as redes e demais instrumentos da comunicação humana alcançaram progressos

inauditos, sentimos o desafio de descobrir e transmitir a «mística» de viver juntos, misturar-nos, encontrar-

nos, dar o braço, apoiar-nos, participar nesta maré um pouco caótica que pode transformar-se numa

verdadeira experiência de fraternidade, numa caravana solidária, numa peregrinação sagrada. Assim, as

maiores possibilidades de comunicação traduzir-se-ão em novas oportunidades de encontro e solidariedade

entre todos. Como seria bom, salutar, libertador, esperançoso, se pudéssemos trilhar este caminho! Sair de

si mesmo para se unir aos outros faz bem. Fechar-se em si mesmo é provar o veneno amargo da imanência,

e a humanidade perderá com cada opção egoísta que fizermos ». PAPA FRANCISCO, Exortação Apostólica

Pós-Sinodal (Evangelii Gaudium), 87. 13 Inspiram-se estes traços nas características principais da credibilidade de Cristo definidas por

Christoph Theobald: a referência ao Evangelho, tomada de distância face à própria identidade, a criação de

um clima de hospitalidade. Cf. C. THEOBALD, À l’école du Christ initiateur, in “Tabga” (2007) Hors-Série

n.3, 52–63. 14 CONCÍLIO ECUMÉNICO VATICANO II, Constituição Dogmática (Dei Verbum), in Concílio Ecuménico

Vaticano II: constituições, decretos, declarações e documentos pontifícios, Braga, Editorial Apostolado da

Oração, 111992: 2. 15 CONCÍLIO ECUMÉNICO VATICANO II, Decreto (Ad gentes), in Concílio Ecuménico Vaticano II:

constituições, decretos, declarações e documentos pontifícios, Braga, Editorial Apostolado da Oração, 111992: 2.

6

missão de Deus e derivada da sua verdadeira natureza. A missão não pode ser

considerada, primeiramente, uma atividade da Igreja, mas um atributo de Deus: «Deus é

um Deus missionário»16.

O Novo Testamento faz referência explícita à iniciativa de Deus em querer vir ao nosso

encontro. Ao falar da escolha dos discípulos, Jesus menciona a particularidade de ter sido

Ele próprio escolhê-los. «Não fostes vós que me escolhes-tes; fui Eu que vos escolhi a

vós» (Jo 15,16). A primazia do amor de Deus pelo mundo é também mencionada por São

João, quando escreve: «Não fomos nós que amámos a Deus, foi Ele que nos amou» (1 Jo

4,10). Jesus é o rosto da iniciativa divina de vir ao nosso encontro. Ele encarna no seu

modo de viver esta primeiriação de Deus (Cf. EG 24) e é como ressuscitado que vem ao

nosso encontro: «Ele não está aqui. Ele precede-vos a caminho da Galileia; lá o vereis»

(Mc 16, 7). A este respeito escreve o Papa:

«Ele é sempre o «primeiro»! Ele é o primeiro! Para nós, isto é fundamental: Deus sempre

nos precede! Quando pensamos que temos de ir para longe, para uma periferia extrema, talvez

nos assalte um pouco de medo; mas, na realidade, Ele já está lá: Jesus espera-nos no coração

daquele irmão, na sua carne ferida, na sua vida oprimida, na sua alma sem fé»17.

Jesus vive permanentemente esta verdade fundamental de saber que Deus está em ação

no coração e na vida dos outros. Vemos como Ele não reivindica para si a fonte da

autoridade, mas sempre reenvia para algo maior do que Ele, o Evangelho de Deus, o

Reino de Deus (cf. Mc 1,14-15). O Evangelho de Deus é uma nova de bondade radical

escondida no coração da existência que nos segreda a confiança na vida. Não obstante a

sua parte de sombra, obscuridade e morte, no fundamento de cada vida humana está a

convicção de que a vida vale a pena ser vivida. Embora saiba que a fé não se produz

automaticamente, pela sua presença credível de viver e de morrer, pela maneira como se

dirige aos outros e como está com eles, Jesus torna possível a fé na vida. Ele anuncia esta

nova radical de bondade que é Deus e torna-a acessível a todos18. O Evangelho de Deus

surge como algo maior do que Ele e o seu anúncio um imperativo irrenunciável e

visceral19.

Viver na certeza de que Deus já está em ação convida-nos a perceber que a nossa

missão não é tanto dar Cristo aos outros, como se lhe entregássemos um objeto. Em cada

situação somos sempre precedidos pelo Espírito. A pedagogia de Cristo consiste em

reconhecer a presença de Deus nos outros e ajudá-los a reconhecer a fé que lhes foi dada

—————————– 16 BOSCH, DAVID JACOBUS, Transforming mission : paradigm shifts in theology of mission, Maryknoll,

Orbis Books, 202011, 400. 17 FRANCISCI PP., Discurso aos catequistas por ocasião do Ano da Fé e do Congresso Internacional de

Catequese (Roma, 27/09/2013), www.vatica.va, in

<http://w2.vatican.va/content/francesco/pt/speeches/2013/ september/documents/papa-

francesco_20130927_pellegrinaggio-catechisti.html > (Acessado: 2 outubro 2013). 18 Cf. P. BACQ, Ouverture, in P. BACQ – C. THEOBALD (Orgs.), Passeurs d’Evangile : Autour d’une

pastorale d’engendrement, Bruxelles; Montréal; Paris, Lumen Vitae; Novalis; Éditions de l’Atelier, 2008,

5–14: 7. C. THEOBALD, Transmettre un Evangile de liberté, Paris, Bayard Jeunesse, 2007, 27. 19 Cf. C. THEOBALD, À l’école du Christ initiateur.

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secretamente20, uma fé basilar, sustento da existência: «tem confiança, a tua fé te salvou»

(Mt 9, 14).

2.2. Aprender a descentrar-se de si

Jesus vive radicalmente a realidade do reconhecimento da iniciativa do Pai em amá-

l’O. A novidade do uso do termo Abbá utilizado por Jesus para expressar a sua relação

com Deus atesta a particularidade deste relacionamento. Jesus ousa tratar Deus com um

termo familiar usado na vida quotidiana dos judeus para tratar o pai. Para Jesus, Deus é

um «papá», um «pai querido»21. Além de apresentar a imagem que Jesus tem de Deus, a

expressão Abbá, também nos indica a existência filial de Jesus. A relação com o Pai é o

fundamento da sua identidade, a força da sua vida, a fonte da sua autoridade e missão22.

A raiz da credibilidade de Jesus é o encontro com Deus, a quem chama Pai e de quem se

sente Filho.

A experiência da filiação é alargada por Jesus ao conjunto dos cristãos que são

adotados como filhos, como o refere o Apóstolo Paulo na Carta aos Romanos: «recebestes

um Espírito que faz de vós filhos adotivos. É por Ele que clamamos: Abbá, ó Pai!» (Rom

8, 15). O dinamismo relacional de Jesus com os seus discípulos integra-os na relação filial

de Jesus com o Pai, ensinando-os a tratar Deus por Pai (Cf. Mt 6,9) e formando-os a viver

com Ele uma relação de filhos. Esta partilha de identidade filial constrói-se na medida em

que os discípulos se identificam com Jesus e fazem d’Ele o centro da sua existência23.

A experiência da oração é o lugar privilegiado de reconhecimento e ambiente

gestacional da condição filial. Porque se sente antecipado no amor, Jesus tem necessidade

do encontro com o Pai, como algo de substancial à sua própria vida. A oração não é um

apêndice ou o cumprimento de um dever, mas uma atitude de vida que preenche toda a

existência. Os Evangelhos mostram como Jesus tem o hábito de orar frequentemente. A

oração anima o seu quotidiano (Lc 5, 16; Mc 1, 35), mas também preside aos momentos

fulcrais da sua missão evangelizadora: antes da eleição dos doze (Lc 6,12), antes de

ensinar aos discípulos a oração do Pai Nosso (Lc 11,1), antes da profissão de fé de Pedro

em Cesareia de Filipe (Lc 9, 18), na Transfiguração (Lc 9, 28s), no Getsémani (Mt 26,

36-44) e na Cruz (Mt 27, 46).

A existência filial de Jesus descentra-O de si próprio. Ele vive concentrado no Pai e

no projeto do Reino. Ele cria um espaço de liberdade à sua volta. Quando fala de si mesmo

refere-se a um outro, o Filho do Homem (Mt 8,20), o semeador (Mt 13,3), o dono da casa

—————————– 20 « Nous sommes toujours, en effet, précèdes par l’Esprit du Christ là où nous arrivons. Nous

n’apportons pas aux autres ce qu’ils n’ont pas, mais nous les rejoignons sur leur route pour découvrir avec

les traces du Christ ressuscite déjà là. La foi est une démarche de reconnaissance de ce qui est déjà donné

secrètement ». A. FOSSION, « Évangéliser de manière évangélique », 64. 21 « Teria sido uma falta de respeito e, portanto, algo inconcebível ousar dirigir-se a Deus com um termo

tão familiar. Que Jesus se atrevesse a dar esse passo significa algo novo e inaudito. Ele falou com Deus

como um filho com o seu pai, com a mesma simplicidade, com o mesmo carinho, com a mesma segurança.

Quando Jesus chama a Deus Abbá revela-nos o coração da relação com Ele… Não exprime só a confiança

com que vive esta relação; este Abbá contém ao mesmo tempo o dom total do Filho que se entrega ao Pai

na obediência ». J. JEREMIAS, ABBA y el mensaje central del Nuevo Testamento, Salamanca, Eds. Sigueme, 41993, 70.

22 Cf. A. dos S. VAZ, Jesus: o orante e mestre de oração, Oeiras, Edições Carmelo, 1987, 37. 23 Cf. P. BACQ, La pastorale d’engendrement: qu’est-ce à dire?, in “Lumen Vitae” 63 (2008) 3, 299–

318: 304.

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(Mt 24, 43), etc. Em Jesus vemos uma tomada de distância face à própria identidade para

afirmar a soberania de Deus.

Jesus sente-se impelido a evangelizar porque Deus se lhe manifesta como Pai. O

segredo da sua credibilidade reside na concordância entre o que diz e o que faz, o que

anuncia e a forma como o comprova com a vida. A raiz da sua credibilidade é o seu

encontro com Deus, a quem chama Pai e de quem se sente Filho.

Aprender com Jesus a encontrar-se com Deus e a dar sentido à missão implica viver

uma existência filial, proclamando o absoluto de Deus e realizando um caminho que

conduza progressivamente ao apagamento de si próprio. Este é um princípio pedagógico

fundamental para o catequista, é um caminho nunca completo e que abarca toda a vida.

O Papa apresenta-o da seguinte forma:

«Trata-se de um procedimento: estar com Ele; e dura toda a vida! É estar na

presença do Senhor, deixar-se olhar por Ele. […] Teres a certeza de que Ele te olha é

muito mais importante do que o título de catequista: faz parte do ser catequista. Isto

inflama o coração, mantém aceso o fogo da amizade com o Senhor, faz-te sentir que

Ele verdadeiramente olha para ti, está perto de ti e te ama»24.

O encontro com Deus constitui um princípio pedagógico fundamental para o

catequista. Dele brota a fecundidade e coerência da sua missão. Além da oração pessoal,

também para o catequista, constituem lugares imprescindíveis de encontro com Deus a

Igreja, a Palavra da Escritura, a Eucaristia, a vivência da caridade e a experiência

comunitária25.

2.3. Mostrar um interesse desinteressado por todos

A Igreja é mediadora do encontro com Deus. Cristo passou-lhe a sua maneira de ser.

Adquire especial importância nesta mediação a catequese, na medida em que lhes está

confiada a missão de procurar proporcionar as melhores condições para o encontro com

Cristo. À semelhança do seu mestre, a Igreja é chamada a tornar presente a pedagogia de

Jesus. Além da aceitação da ação livre e gratuita de Deus e do descentramento de si,

Jesus demonstra um autêntico interesse por todos aqueles que se apresentam no seu

caminho e uma capacidade de estar simplesmente presente. Favorecer o encontro com

Cristo supõe a gratuidade da motivação de estar com os outros e se envolver com eles

numa hospitalidade sem fronteiras. Olhar para Jesus é ver como a hospitalidade consiste

em fazer do outro, do estrangeiro, um hóspede e um amigo. A «santa hospitalidade»,

como lhe chama Christoph Theobald, traduz-se numa fecundidade relacional, enraizada

na capacidade de renunciar a si próprio e de aprender com tudo e com todos26.

—————————– 24 PAPA FRANCISCO,

Aos participantes no Congresso Internacional de Catequese (27 de setembro de 2013), in

https://w2.vatican.va/content/francesco/pt/speeches/2013/september/documents/papa-

francesco_20130927_pellegrinaggio-catechisti.html (Acessado: 24 janeiro 2017). 25 Cf. CONFERÊNCIA EPISCOPAL PORTUGUESA, Catequese: A alegria do encontro com Jesus Cristo, 13–

26. 26 Cf. C. THEOBALD, Le christianisme comme style : Une manière de faire de la théologie en

postmodernité, vol. 1, Paris, Cerf, 2007, 65-68.

9

Graças à sua maneira de ser e ao modo como se relaciona, Jesus apresenta um

Evangelho que toma corpo nas relações humanas, pintado num quadro humano marcado

por um clima de hospitalidade. Tudo se passa, frequentemente, em situações não

programadas e de improviso: nos caminhos, à beira mar, mas também nos lugares de

reunião, como as sinagogas, sobretudo as casas, nos lugares de trabalho e de outras

atividades, nos lugares de cada um ou onde ele come. Quando vê alguém, Jesus é capaz

de perceber o que vem de dentro do outro, o que ele traz consigo. É capaz de pressentir e

compreender a voz de Deus que soa discretamente naqueles e naquelas que encontra. A

voz de Deus não vem apenas do interior de si mesmo: «Tu és meu Filho, eu hoje te gerei»

(Salmo 2), mas também do interior dos outros. Ao acolher alguém, Jesus sente-se

acolhido no interior da vida de cada um, deixando-se sempre surpreender e maravilhar

pela vida que o Evangelho propõe. Jesus cria um espaço de liberdade em torno dele,

comunicando pela sua presença uma proximidade que faz bem aos que vêm ao seu

encontro e que não exclui ninguém.

A transmissão acontece como algo credível pela qualidade das relações que nascem de

improviso, mas que têm a marca do seu estilo, ou seja, a capacidade de se deixar interpelar

e acolher pelo outro. É esta abertura e hospitalidade que gera presenças do Evangelho

credíveis, ou seja, presenças apostólicas do mesmo tipo de Jesus. De facto, cada vez que

encontramos um catecúmeno, um grupo de catequese, uma família, estamos de novo na

situação pedagógica de Cristo que nos convida a adotar o seu estilo de agir. Ganhar a

forma de Cristo é um longo processo de maturação humana e espiritual que exige uma

conversão permanente à lógica da hospitalidade. Favorecer o encontro com Cristo,

significa para a Igreja não ter em vista a sua própria reprodução, mas colocar no centro

dos seus interesses a vida concreta das pessoas do nosso tempo e as razões que as fazem

confiar na vida. A dinâmica catecumenal própria da catequese implica que cada vez mais

se proporcione «um encontro pessoal com Jesus Cristo, vivido em dinâmica vocacional

segundo a qual Deus chama e o ser humano responde»27.

3. Na escola de Cristo iniciador

A catequese é chamada a proporcionar o encontro íntimo com a Pessoa Jesus Cristo,

um encontro que «dá à vida um novo horizonte e, desta forma, o rumo decisivo»28. Este

encontro, vivido individual e comunitariamente constitui o ponto nevrálgico da gestação

da vida cristã. A partir do mistério de santidade a que somos chamados pelo Batismo,

percebemos que é na relação com Jesus que tudo – o crer, o celebrar, o sentir, e o agir –

tem origem e sentido. Referir-se a uma catequese de gestação implica adotar um ponto de

vista – o mesmo de Jesus no seu tempo – sobre o tempo presente, considerado como

oportunidade para a proposição da fé.

Convida-nos também a abrirmo-nos às surpresas do Espírito, dando espaço ao que

não conseguimos prever nem controlar. Se a catequese é naturalmente lugar de

experimentação pastoral, abordá-la sob o prisma da gestação significa render-se ao

—————————– 27 CONFERÊNCIA EPISCOPAL PORTUGUESA, Catequese: A alegria do encontro com Jesus Cristo, 2. 28 BENEDICTI PP. XVI, Literrae Encyclicae (Deus Caritas Est), in Acta Apostolicae Sedis, vol. 3, 2006,

1.

10

inaudito modo de agir de Deus que sem dúvida graças a nós, mas também sem nós,

inclusive apesar de nós continua a fazer nascer a sua vida no coração de muitos.

No contexto atual, a catequese conhece um conjunto favorável de múltiplos

processos de reconstrução e de reconfiguração. Falar da catequese a partir da imagem da

gestação implica inseri-la na amplitude de uma atitude espiritual de discernimento das

melhores condições para o nascimento da fé cristã num tempo de crise como o nosso.

Traduz uma determinada «maneira de se manter pastoralmente na crise, com esperança,

entre aquilo que nasce e o que morre»29.

Frequentar a escola de Cristo iniciador pressupõe aprender d’Ele e com Ele a olhar

a iniciação à fé de crianças e adolescentes. O documento dos Bispos apresenta, de forma

bastante clara as oportunidades e desafios colocados à catequese da infância e da

adolescência. Entre os aspetos mais preocupantes destaca-se a predominância do modelo

escolar, a rutura dos processos tradicionais de transmissão da fé, a crise cultural a vários

níveis. Entre as oportunidades para o anúncio da fé destacam-se a crescente procura de

espiritualidade, uma maior consciencialização da tarefa educativa das famílias, o

crescente número de adultos que (re)descobrem a fé30.

O desenvolvimento de uma pedagogia de iniciação tem de ter em conta o contexto

cultural atual, baseado no pluralismo e na liberdade dos indivíduos e esforça-se por

apresentar condições favoráveis ao anúncio da fé. No espírito que anima a pastoral de

gestação, a iniciação é, fundamentalmente, uma ação de Cristo. É Ele que inicia, mas

sempre pela mediação da Igreja. Daqui deriva a seguinte conclusão: «É a Igreja que

catequiza, mas é Jesus Cristo que inicia»31. Neste sentido, uma pedagogia iniciática

compreendida numa perspetiva de gestação coloca em primeiro lugar a ação de Deus,

pois é Ele que gera à sua vida, e evoca a sua ação no coração das pessoas antes mesmo

de qualquer iniciativa da Igreja. À luz da pedagogia de Cristo iniciador e das práticas

pastorais em curso apresentam-se algumas pistas para a catequese de iniciação das

crianças e adolescentes.

3.1. Iniciação e comunidade

Encontrando a sua inspiração no processo catecumenal dos adultos, uma catequese

de iniciação encontra o seu ponto de apoio na vida da comunidade. A prioridade da

catequese iniciática é velar pelo envolvimento relacional das crianças e adolescentes com

a comunidade cristã. Sob este ponto de vista levantam-se algumas dificuldades práticas.

Se por um lado, em muitas das nossas comunidades a catequese das crianças e

adolescentes aparece completamente desligada da vida das comunidades, por outro lado,

a diversificação e dispersão de atividades pode beliscar o percurso orgânico e sistemático

que a catequese propõe. No âmbito de uma catequese querigmática e mistagógica,

relembrada como essencial pelos nossos bispos32, é importante reconciliar catequese e

comunidade. Por vezes assistimos a uma espécie de divórcio entre catequese e

—————————– 29 A. FOSSION, Dieu désirable, 170. 30 Cf. CONFERÊNCIA EPISCOPAL PORTUGUESA, Catequese: A alegria do encontro com Jesus Cristo, 3–

4. 31 O. RIBADEAU-DUMAS, L’Évangile en pastorale, in P. BACQ – P. BACQ – C. THÉOBALD (Orgs.),

Passeurs d’Évangile. Autour d’une pastorale d’engendrement, Bruxelles - Montréal - Paris, Novalis;

Lumen Vitae; Atelier, 2008, 49. 32 CONFERÊNCIA EPISCOPAL PORTUGUESA, Catequese: A alegria do encontro com Jesus Cristo, 11. 32.

11

comunidade ou a uma assunção da comunidade por parte da catequese, como se toda a

comunidade se resumisse à catequese. Os nossos Bispos recordam a ligação estreita entre

catequese e comunidade, reafirmando dois princípios fundamentais: 1) a catequese tem

de levar os catequizandos a integrarem-se na comunidade; 2) a comunidade entre e se

reflita na catequese33. A concretização destes princípios exige a constituição de autênticas

comunidades cristãs, baseadas na fraternidade e na partilha de vida, em que o espírito de

filiação faz com que todos se sintam pertença uns dos outros. A existência de

comunidades catequizadas constitui um dos fatores essenciais para a transmissão da fé às

novas gerações. Podemo-nos questionar sobre a forma como catequisamos as nossas

comunidades? Como criamos meios de fecundidade capazes de gerar a vida cristã?

3.2. Iniciação e imersão

A catequese é chamada a privilegiar a imersão nas realidades da comunidade cristã

e a envolver-se nos seus dinamismos. Este contacto com a comunidade está diretamente

relacionado com a dimensão experiencial da catequese que implica a totalidade da pessoa,

desde a inteligência, ao corpo, aos sentidos e emoções, no dizer o Papa, a cabeça, coração

e mãos34. Através do ver, do sentir e do tocar, o caminho iniciático potencia a imersão

nas realidades comunitária, litúrgica e missionária características da vida cristã. Esta

perspetiva da pedagogia iniciática é referenciada pelos bispos franceses através da

expressão banho de vida eclesial que «reenvia ao simbolismo batismal e ao lugar vital

que é a Igreja de Cristo para toda a catequese, na comunhão dos seus membros e das

suas comunidades»35. A iniciação catequética implica a imersão nas realidades essenciais

da fé, a Palavra, a Liturgia, a Comunhão Fraterna, o Serviço e o Testemunho. Uma catequese iniciática também valoriza os processos mistagógicos. A pedagogia

de imersão conduz necessariamente à mistagogia, ou seja, a uma pedagogia que vem

depois da experiência, que explicita o seu sentido e alarga a sua compreensão. A

experiência mistagógica pressupõe o contacto com sinais, gestos, ritos e símbolos bíblicos

e litúrgicos36. Ela implica um itinerário composto pelos seguintes elementos: a

«interpretação dos ritos à luz dos acontecimentos salvíficos; a introdução no sentido dos

—————————– 33 Ibidem, 25–26. 34 Ibidem, 26. 35 CONFÉRENCE EVÊQUES DE FRANCE, Texte national pour l’orientation de la catéchèse en France et

principes d’organisation, Paris, Éd. Bayard - Cerf - Fleures - Mame, 2006, 30–32. A consideração da

importância da desta «imersão» litúrgica e comunitária relaciona-se com o sentido de «mediação»

trabalhado em âmbito catequético como recurso extraído do âmbito da biologia. Denis Villepelet refere que

em biologia o meio é o «caldo de cultura no qual estão imersos os organismos», ou seja, o ambiente onde

estão mergulhados os organismos e onde se forma a vida, numa palavra, o habitat. O meio é, neste sentido,

um lugar existencial de trocas e interações que favorece a «eclosão, a determinação da evolução dos

organismos», ou seja, uma experiência totalizante e de desenvolvimento. Cf. D. VILLEPELET, Les défis de

la transmission dans un monde complexe : Nouvelles problématiques catéchétiques, Paris, Desclée de

Brouwer, 2009, 425. Outros catequetas se têm expressado neste sentido. E. Alberich fala de «éco-sistema»,

H. Derroite de «biotipes», A. Fossion de «communication». Em relação às expressões dos outros autores

vejam-se as seguintes obras: E. A. SOTOMAYOR – H. DERROITTE – J. VALLABARAJ, Les fondamentaux de

la catéchèse, Montréal; Bruxelles, Lumen Vitae.; H. DERROITTE, La catéchèse décloisonnée : Jalons pour

un nouveau projet catéchétique, Bruxelles - Paris, Lumen Vitae, 32004.; A. FOSSION, La Catéchèse dans le

champ de la communication. Ses enjeux pour l’inculturation de la foi, Paris, Cerf, 1990.. 36 Cf. E. BIEMMI, O desafio do primeiro anúncio, in “Pastoral Catequética” 10 (2014) 28–29, 115–125:

121.

12

sinais contidos nos ritos; e a indicação do significado dos ritos para a vida cristã, em todas

as suas dimensões»37.

A mistagogia conduz a um aprofundamento da experiência, a uma reflexão e a uma

partilha sobre ela. Normalmente referida a propósito dos gestos sacramentais, a

mistagogia abre caminho a experiências após a celebração litúrgica, tais como momentos

de encontro e de partilha entre gerações.

A descoberta da ação de Deus no coração da vida quotidiana de cada pessoa

constitui um desafio à mistagogia. Reconhece a presença e ação de Deus e ajuda a

interpretá-la. Convoca ao aprofundamento da relação pessoal de confiança com a pessoa

de Cristo. Conduz a segui-l’O cada vez mais pela imersão na vida de uma comunidade

crente38.

3.3. Iniciação e liberdade

Uma catequese iniciática constrói-se num dispositivo de oferta que respeita a

liberdade das pessoas. Ainda somos devedores, atualmente, de uma catequese baseada

em percursos uniformes e em etapas a ultrapassar em idades fixas. Lembremos, por

exemplo, o programa da catequese da infância e da adolescência, atualmente em vigor

nas dioceses portuguesas, que estabelece os limiares da celebração da Primeira

Comunhão e do Crisma.

A pedagogia de iniciação coloca como ponto de partida do processo catequético o

princípio da liberdade. Entende-se aqui ao mesmo tempo a liberdade dos indivíduos em

percorrer um caminho, mas também a liberdade de intervir nas etapas desse mesmo

caminho. O modelo desta pedagogia é o caminho catecumenal, cujas etapas a ultrapassar

variam segundo os percursos individuais. Não se avança no caminho da fé porque se

atingiu determinada idade. O desejo, a liberdade e a maturidade dos indivíduos são os

critérios mais importantes a ter em conta. É fundamental que os sentidos das etapas e os

seus tempos sejam definidos e conhecidos desde o início, mas que haja a devida

adequação a cada pessoa na forma de as percorrer no respeito pela sua liberdade e nunca

negligenciando a sua responsabilidade.

O percurso catequético não pode estar pré-determinado, como um vestido que todos

tenham de usar. Querer impor o «vestido da primeira comunhão» é não respeitar os ritmos

próprios de cada um, os avanços e recuos próprios do caminho da fé. Uma pedagogia de

iniciação requer percursos individualizados, centrados no caminho pessoal de

crescimento humano e espiritual. Garante ainda a possibilidade de se poder determinar o

momento adequado paras se tomar uma decisão relativamente ao processo de iniciação39.

3.4. Iniciação e universalidade

Uma catequese iniciática ultrapassa o nível local e estende-se à globalidade do

tecido eclesial. Hoje em dia, as relações entre as pessoas não se baseiam em sistemas de

proximidade geográfica, mas estendem-se e alargam-se em sistemas de redes muito para

além do determinado territorialmente. Também a função de gerar na fé é, desde sempre,

não apenas uma função da comunidade local, mas uma missão da Igreja Diocesana.

Assim, reconhece-se a virtualidade de experiências catequéticas, ao nível da catequese

—————————– 37 CONFERÊNCIA EPISCOPAL PORTUGUESA, Catequese: A alegria do encontro com Jesus Cristo, 26. 38 O. RIBADEAU-DUMAS, L’Évangile en pastorale, 51. 39 Cf. A. FOSSION, Dieu désirable, 99.

13

das crianças e dos adolescentes que vão para além do âmbito paroquial. E são inúmeras

as experiências tanto ao nível vicarial, diocesano e universal. Lembremos, por exemplo,

as iniciativas realizadas aos mais diversos níveis com adolescentes, tais como dias

diocesanos, retiros, campos de férias, peregrinações, etc. A catequese é chamada a

desenvolver-se simultaneamente num ambiente local de proximidade e num horizonte

mais alargado. A estender-se ao tecido eclesial na sua diversidade, implica ultrapassar

distâncias geográficas e fronteiras sociais40. Conhecer outras realidades eclesiais,

nomeadamente as que conduzam a fazer experiências concretas de serviço gratuito aos

mais pobres pode constituir um forte momento evangelizador.

Neste âmbito de universalidade ganha particular relevo a consideração do ambiente

digital e em rede no qual todos vivemos, onde as fronteiras se esbatem e as relações se

constroem de outras formas. A compreensão da fé implica, hoje em dia, uma visão

adequada do novo contexto digital em que vivemos. Sobretudo a partir do trabalho de

Antonio Spadaro, podemos afirmar que a internet está a mudar o «nosso modo de pensar

e viver a fé»41. Se do ponto de vista catequético, a internet tem sido considerada como

um instrumento ao serviço da evangelização, Spadaro considera que se terá de evitar a

ingenuidade de acreditar que as novas tecnologias estejam disponíveis sem que isso

modifique o nosso modo de perceber a realidade. A rede digital é em primeira instância

um «lugar antropológico»; ela designa o novo contexto existencial no qual vivemos:

«A rede não é na verdade um simples instrumento de comunicação, que

se pode ou não usar, mas evolui num espaço, num ambiente cultural que

determina um estilo de pensamento e cria novos territórios e novas formas de

educação…; efetivamente é um modo de habitar o mundo e de organizá-lo»42.

Do ponto de vista catequético importa perceber a forma como os indivíduos acedem

ao conhecimento a partir do seu tablet ou smartphone, reconhecer a multiplicidade e

inconsistência das informações e valorizar os novos contextos relacionais que a internet

permite viver. A navegação espiritual pela rede permite pensar uma catequese orgânica,

interconectada, descentralizada, construída em redes flexíveis e evolutivas; abordar o

descontrolo do acesso à informação, a precariedade das formas de autoridade tradicionais

e a variedade das múltiplas verdades. Por outro lado, pela sua comunhão universal permite

reconhecer as vantagens do catolicismo como espaço conectivo onde qualquer pessoal se

pode ligar pela comunhão universal com o bispo de Roma, considerado como «autoridade

conectiva»43. Um dos desafios para a catequese poderá ser a criação de espaços

networking onde as pessoas que se aproximam da fé possam debater e aprofundar as suas

questões mais profundas num clima que permita construir relações significativas e

fraternas44.

—————————– 40 Cf. Ibidem, 101. 41 A. SPADARO, Ciberteologia: Pensar o Cristianismo na era da Internet, Paulinas, 2013, 8. 42 Ibidem, 17–18. 43 D. J. FRIESEN, The Kingdom Connected. What the Church Can Learn From Facebook, the Internet

and Other Networks, Grand Rapids (MI), Baker Books, 2009, 80. 44 Cf. A. SPADARO, O mistério da Igreja na era das mídias digitais, São Leopoldo, Editora Unisinos,

2012, 17.

14

3.5. Iniciação e família

A preocupação por envolver os pais no processo de educação da fé dos seus filhos

está subjacente aos diversos projetos catequéticos que nos últimos anos têm vindo a

complementar o plano nacional de catequese, tais como a Catequese Familiar, a Escola

Paroquial de Pais45 ou as experiências no âmbito da catequese intergeracional46.

Sob o prisma da interação entre família e catequese, a recente reflexão sinodal sobre

a família implica diretamente a catequese. No campo do anúncio da fé, a Exortação

Apostólica Amoris laetitia, convida a:

a) Tornar a família «sujeito da ação pastoral»47. A prática pastoral setorizada tem

limitado a pastoral da família a um dos aspetos do agir eclesial. Por outro lado, a família

tem-se constituído mais como objeto da nossa ação do que protagonista da mesma. O

princípio de tornar a família sujeito da ação pastoral parece ser inspirador de uma

renovação comunitária que contempla a família como um todo. Ela é vista como sujeito

de pleno direito na dinamização da ação eclesial também ao nível dos órgãos de

aconselhamento pastoral. Como integramos, por exemplo, as famílias nos processos de

decisão catequética?

b) Devolver à família o protagonismo na ação evangelizadora. A família é por

excelência o lugar onde vivem, se educam e se acompanham os «discípulos

missionários»48. A família, como Igreja doméstica, é escola de discipulado missionário.

De facto, «os filhos que crescem em famílias missionárias, frequentemente tornam-se

missionários»49. Uma das formas de realizar esta identidade missionária é o «anúncio

explícito do Evangelho»50 que compreende uma dupla dimensão. A família é lugar onde

ressoa o querigma pois todos podem ouvir como dirigido a si mesmo: Jesus Cristo ama-

te, deu a sua vida para te salvar, e agora vive contigo todos os dias para te iluminar,

fortalecer, libertar»51. Neste sentido é de grande importância o desenvolvimento de

formas de catecumenado familiar de modo a que o Evangelho seja anunciado na família.

Uma segunda forma de realizar a sua vocação evangelizadora é o testemunho nas suas

múltiplas formas: a solidariedade com os pobres, a abertura à diversidade relacional, a

promoção do bem comum e a consciência ecológica, a prática das obras de misericórdia,

etc.52.

c) Fazer da família um sujeito ativo da catequese. O protagonismo da família na

ação evangelizadora encontra na catequese uma das suas realizações mais expressivas.

—————————– 45 SECRETARIADO NACIONAL DE EDUCAÇÃO CRISTÃ, Escola Paroquial de Pais. Catecismos 1 a 3,

Moscavide, SNEC, 2012, 7–11. 46 M. I. AZEVEDO DE OLIVEIRA, Catequese/Família. Elaborar um projeto com contornos

intergeracionais, in “A Mensagem A Mensagem” (2011) 410, 9. 47 Cf. PAPA FRANCISO, Exortação Apostólica Pós-Sinodal (Amoris Laetitia), Lisboa, Paulinas, 2016,

290. 48 FRANCISCI PP., Adhortatio Apostolica Post-Sinodalia (Evangelii Gaudium), in Acta Apostolicae

Sedis, vol. 105:12, Città del Vaticano, Libreria Editrice Vaticana, 2013, 24,119,120,173. 49 PAPA FRANCISO, Exortação Apostólica Pós-Sinodal (Amoris Laetitia), 289. 50 Ibidem, 290. 51 FRANCISCI PP., Adhortatio Apostolica Post-Sinodalia (Evangelii Gaudium), 164. 52 Cf. PAPA FRANCISO, Exortação Apostólica Pós-Sinodal (Amoris Laetitia), 290.

15

Tornar os pais e familiares «sujeitos ativos da catequese»53 Implica não só pensar a

Catequese Familiar e as modalidades da sua aplicação prática54, como desenvolver todos

os esforços por envolver as famílias na caminhada catequética das crianças, adolescentes

e jovens. Exige também propor dinâmicas comunitárias que façam da família sujeito da

catequese, quer mediante a participação em tarefas ocasionais, ou através do desempenho

de funções mais estáveis nas comunidades cristãs. Um dos fenómenos interessantes, neste

contexto, é a presença de casais catequistas ou famílias missionárias enviadas a outras

comunidades.

d) Favorecer a evangelização mútua das famílias e comunidades. As comunidades

cristãs são chamadas a desenvolver uma ação evangelizadora dirigida às famílias,

levando-as a experimentar «que o Evangelho da família é resposta às expectativas mais

profundas da pessoa humana: a sua dignidade e plena realização na reciprocidade, na

comunhão e na fecundidade»55. Na consciência de que «o anúncio cristão sobre a família

é verdadeiramente uma boa notícia»56, a evangelização das famílias deve ter em conta a

sua vida concreta e atender aos problemas e desafios que enfrenta. É chamada também a

garantir os conteúdos da fé em todas as etapas da vida, agrupamentos familiares e lugares

existenciais, propondo sempre uma visão evangélica da antropologia, da educação e da

vida em comum, segundo a pedagogia divina57. Neste contexto, valorizem-se todas as

ocasiões propícias para a evangelização das famílias já existentes, tais como encontros de

pais, festas e celebrações de família, o acompanhamento dos jovens no namoro58, dos

noivos e das famílias novas, a preparação para o Matrimónio, o pedido do Batismo para

os filhos, o caminho com as famílias depois do batismo dos filhos59, os movimentos de

espiritualidade conjugal etc. Proponham-se, ainda, itinerários de catequese de adultos

diferenciados, segundo as modalidades de adesão à fé (iniciação, segundo anúncio e

aprofundamento).

Neste contexto, torna-se necessário também «reavivar a aliança entre a comunidade

cristã e a família»60, fortalecendo os laços de comunhão entre ambas e equilibrando as

suas dinâmicas relacionais. Se a comunidade cristã é chamada «a dar o seu apoio à missão

educativa das famílias», também as famílias contribuem para a evangelização da própria

comunidade. Neste processo de gestação mútuo, a catequese desempenha uma importante

função mediadora. A comunidade é chamada a desenvolver cada vez mais o

acompanhamento das famílias em todos os momentos da sua vida, sobretudo naquelas

—————————– 53 Ibidem, 287. 54 Sobre este assunto veja-se: H. DERROITTE, L’exigence de repenser la caéchèse familiale, in La

catéchèse décloisonnée, Bruxelles - Paris, Lumen Vitae, 32004, 91–101. 55 PAPA FRANCISO, Exortação Apostólica Pós-Sinodal (Amoris Laetitia), 201. 56 Ibidem, 1. 57 Cf. CONGREGAÇÃO PARA O CLERO, Directório Geral da Catequese, Lisboa, Secretariado Nacional de

Educação Cristã, 1998, 128. 58 Sobre o caminho de fé a propor aos namorados veja-se:A. FONTANA, Propore da fede ai fidanzati.

Un percorso simile al catecumenado, in “Catechesi” 85 (2016) 6, 3–19. 59 A experiência Primi passi desenvolvido na diocese de Verona é um projeto que prosegue a relação

com as famílias depois do batismo dos seus filhos. Cf. E. BIEMMI, Il secondo annuncio. La grazia di

ricominciare, Bologna, EDB, 2011, 56–59. 60 PAPA FRANCISO, Exortação Apostólica Pós-Sinodal (Amoris Laetitia), 279.

16

que carecem de maior proximidade pastoral como a morte e o luto, a separação e o romper

dos laços amorosos, a doença e as diversas situações de fragilidade moral e económica.

3.3. Iniciação e acompanhamento

A pedagogia de iniciação inclui formas de acompanhamento pessoal e comunitário

que favoreçam o discernimento de cada percurso e situação. Acompanhar designa a

atitude pastoral por excelência, pois garante aquele grau de liberdade única e

intransmissível onde ninguém pode ser substituído. O acompanhamento encontra o seu

modelo no estilo e na credibilidade pedagógica de Jesus, presentes nos Evangelhos. Em

todos os domínios da nossa existência se comprova que a condição principal de toda a

pedagogia é a credibilidade do pedagogo. Quer se trate dos pais quando cuidam dos filhos

e os orientam na vida, dos professores quando ensinam a ler e a escrever, ou do chefe de

equipa que procura dinamizar os seus colaboradores em torno de um projeto comum, a

condição crível é dada não pela posição de autoridade que se ocupa e pelo dizer, mas pela

maneira de dizer e de fazer assentes numa credibilidade construída em termos de

humanidade.

Com base na pedagogia credível de Jesus, fundada numa maneira de ser,

compreende-se de que forma se pode interpretar uma pedagogia de acompanhamento.

Além dos encontros ocasionais de Jesus com inúmeros protagonistas, os Evangelhos

narram-nos a experiência de acompanhamento de um grupo particular de discípulos, os

Apóstolos, que acompanham Jesus desde a Galileia a Jerusalém.

À semelhança desses primeiros discípulos, todos os que seguem Jesus necessitam

de ser acompanhados. O acompanhamento espiritual é algo necessário quando a

proposição da fé considera a individualidade de cada pessoa. Quando se acompanha

alguém, pode-se dizer que se está «no mesmo barco», pois todos temos necessidade de

orientadores que nos ajudem a ler a nossa vida. E isto acontece não apenas quando se trata

do acompanhamento de adultos e este se processa entre iguais, mas também quando se

trata do acompanhamento de adolescentes e jovens. Neste último caso, o

acompanhamento pessoal constitui uma pedagogia estruturante e paradigmática da

personalidade crente:

«Os adolescentes precisam de acompanhantes, de companheiros de

viagem, que ao ajudem a viver as suas interrogações e as suas angústias, que

lhe permitam descobrir as suas riquezas, que suscitem o seu assumir de

responsabilidades, que sustentem os seus compromissos»61.

O acompanhamento na fé requer que o companheiro de viagem viva apenas

segundo o Evangelho. Não se requer que seja especialista deste ou daquele assunto, mas

que, a partir da credibilidade da sua existência, simplesmente ame as pessoas, confie e

espere nelas e partilhe com elas a sua fé, criando um espaço de liberdade e de respeito, à

—————————– 61 O. FRÔHLICH, Pour que notre joie soit complète” (1 Jn 1,4). Proposer la Bonne Nouvelle aux jeunes,

in P. BACQ – C. THEOBALD (Orgs.), Une nouvelle chance pour l’Évangile. Vers une pastorale

d’engendrement, Bruxelles; Montréal; Paris, Lumen Vitae; Novalis; Les Éditions de l’Atelier, 2004, 149–

171: 167.

17

imagem de Jesus. Esta pedagogia de acompanhamento é recomendada pelo Papa

Francisco a toda a Igreja:

«A Igreja deverá iniciar os seus membros – sacerdotes, religiosos,

leigos – nesta arte do acompanhamento, para que todos aprendam a descalçar

sempre as sandálias diante da terra sagrada do outro (cf. Ex 3,5). Devemos

dar ao nosso caminhar o ritmo salutar da proximidade, com um olhar

respeitoso e cheio de compaixão, mas que ao mesmo tempo cure, liberte e

anime a amadurecer na vida cristã»62.

Acontece, porém, que os que acompanham são também sempre acompanhados. Um

dos segredos da sua credibilidade e da fecundidade da sua missão, reside precisamente na

experiência pessoal sermos acompanhados e nos deixarmos curar. A expressão sincera da

verdade da nossa vida a quem nos acompanha «ensina-nos a ser pacientes e

compreensivos com os outros e habilita-nos a encontrar as formas para despertar neles a

confiança, a abertura e a vontade de crescer»63.

As perspetivas pedagógicas enunciadas na linha de uma pastoral de gestação que

evidenciam a credibilidade e o acompanhamento pessoal constituem o pano de fundo a

partir do qual se pode compreender a diversidade de contextos da proposição da fé e, ao

mesmo tempo, a atenção a cada pessoa e ao seu percurso.

Conclusão

A interrogação sobre a relação entre o tempo presente e o anúncio do Evangelho

constitui um dos grandes desafios para a catequese. Ela encontra-se nesse entre dois de

um mundo que se despede e outro que renasce. Numa linguagem evangélica se nalguns

casos a torcida que ainda fumega pode gerar algo de novo (Mt 12, 20), noutros só de pano

novo se tece a nova roupa (Lc 5, 36). Se a iniciação das crianças e dos adolescentes tende,

por vezes, a ser diabolizada pois não cumpre o que nós gostaríamos, ela constitui uma

oportunidade de reconstrução da própria experiência cristã e de acompanhamento das

novas gerações. A credibilidade do catequista joga aqui um papel essencial. O mais

importante não é que tudo corra bem na catequese, que sejamos híper organizados e que

cada encontro seja como eu projetei. O essencial é aceitar a surpresa de Deus na sua ação

continuada e antecipada na vida dos outros. Cada criança, adolescente, pai, mãe, familiar

é lugar da presença de Deus. Cada um transporta uma sede e uma inquietação mais forte

do que o meu projeto ou ideia que lhe quero transmitir. A minha hospitalidade, de me

interessar é mais marcante que os meus discursos. Sabemos bem que uma atitude

evangelicamente comprovada num determinado momento da vida de uma criança ou de

um adolescente pode marcar a sua vida para sempre. Com humildade teremos de

reconhecer os limites da nossa missão. Mais do que pensar o que é que eu ensinei, teremos

de pensar na marca e sinal evangélico eu posso deixar na vida de cada um.

Certamente que uma marca hospitaleira, credivelmente marcada pela fidelidade de

uma vida ao Evangelho, pela experiência fraterna feita de encontros fecundos com Deus

—————————– 62 FRANCISCI PP., Adhortatio Apostolica Post-Sinodalia (Evangelii Gaudium), 169. 63 Ibidem, 172.

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e com os outros, deixará o caminho aberto a uma lembrança futura de Deus e, quem sabe,

a recomeços da fé. Na lógica da Pastoral de Gestação, a catequese trabalha estas

condições.