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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA
PROGRAMA DE PÓSGRADUAÇÃO EM BIOTECNOLOGIA
GUSTAVO ALMEIDA FORTUNATO
ENFISEMA PULMONAR, DA BANCADA PARA A CLÍNICA: A UTILIZAÇÃO DA ENGENHARIA TECIDUAL E PERSPECTIVAS
FUTURAS COM UM ESTUDO CLÍNICO OBSERVACIONAL
Savador, Ba 2012
2
GUSTAVO ALMEIDA FORTUNATO
ENFISEMA PULMONAR, DA BANCADA PARA A CLÍNICA: A UTILIZAÇÃO DA ENGENHARIA TECIDUAL E PERSPECTIVAS
FUTURAS COM UM ESTUDO CLÍNICO OBSERVACIONAL
Tese apresentada ao Programa de Pósgraduação em Biotecnologia, da Universidade Estadual de Feira de Santana como requisito parcial para obtenção do título de Doutor em Biotecnologia.
Orientadora: Prof. Dr. Simone Garcia Macambira
Salvador, Ba 2012
ii
3
Dedico este trabalho a minha família que sempre
me apoiou e acompanhou nas minhas jornadas
de estudo e pesquisa. Sem o esforço desprendido
por cada um deles, não teria alcançado o fim de
mais esta etapa.
iii
4
AGRADECIMENTOS
§ Daniel Torres Andion
§ Leonardo Cortizo
§ Milena Botelho Pereira Soares
§ Ricardo Ribeiro dos Santos
§ Murilo Fagundes de Castro
§ Juliana Vasconcelos
§ Alberto de Siqueira Santos Barbosa Neto
§ Carine Machado Azevedo
§ André Angrisani
§ Wilfried Klein
iv
5
RESUMO
A DPOC é uma das doenças mais prevalentes no mundo e que mais tem aumentado em
incidência. Apesar dos avanços médicos, pouco ganho tem se alcançado na mudança do curso
natural da doença. Exceto a oxigenoterapia e a cessação do tabagismo, nenhuma outra
recomendação médica tem alterado a sobrevida da doença. Visando perspectivas futuras,
terapias através da engenharia tecidual tem se mostrado promissoras, em especial a utilização
de estimuladores celulares. O GCSF é um estimulador de colônia granulocítica que tem
apresentado efeitos benéficos na regeneração pulmonar de estudos experimentais em diversas
patologias. Esperase que em curto espaço de tempo, estudos clínicos possam ser iniciados,
dado ao acúmulo de evidências da terapia com GCSF. Métodos: O estudo foi divido em duas
sessões experimentais e uma outra clínica. Na primeira sessão experimental, 36 camundongos
fêmeas da linhagem C57Bl/6 foram utilizados para validação do modelo de enfisema induzido
com elastase porcina intratraqueal 2U/100g . Uma vez validado, na segunda sessão do estudo,
30 animais foram induzidos ao enfisema e após 28 dias, foram randomicamente divididos
para receber tratamento com GCSF intraperitoneal (200 μg/kg/dia em 100 µl) ou o mesmo
volume de salina. Os camundongos foram avaliados funcionalmente por ergometria em três
momentos do estudo e morfologicamente através da medida da média linear intersepto (Lm).
A sessão clínica avaliou retrospectivamente, no período de jan2000 a dez2009, pacientes do
Toronto General Hospital com DPOC avançado que foram submetidos a cirurgia redutora do volume pulmonar (CRVP) ou transplante pulmonar. Resultados: A primeira sessão
confirmou que o modelo produziu alterações enfisematosas após 28 dias de indução. Os
animais induzidos percorreram uma distância 30% menor na ergometria, apresentaram maior
dificuldade na recuperação da VO2 pós exercício e apresentaram Lm quase 3x maior que o
controle. Na segunda sessão, o grupo tratado com GCSF apresentou reversão parcial das
alterações morfofuncionais. Após o tratamento, os animais deste grupo melhoram o
desempenho na ergometria, identificado por um aumento na distância percorrida e por
tendência a maior recuperação do VO2 pósexercício. Este grupo ainda apresentou restauração
das alterações morfológicas identificado pela redução da Lm. Na terceira sessão, 220 cirurgias
consecutivas para DPOC em estágio final de doença, realizadas no Toronto General Hospital,
v
6
foram avaliadas. Cento e cinquenta e dois pacientes submeteramse a transplante e 68 a
CRVP. A avaliação espirométrica préoperatória revelou VEF1 de 20% e 24%
respectivamente. A mortalidade intrahospitalar foi de 2,9% para a CRVP e 6% em 90 dias
para o transplante. A CRVP foi capaz de retardar a indicação do transplante em 4 anos.
Portadores de deficiência da alfa1 antitripsina apresentam deterioração da função pulmonar
mais precoce no período pósoperatório. Conclusão: O modelo de indução de enfisema com
elastase intratraqueal (2U/Kg) foi capaz de promover alterações funcionais e morfológicas em
modelos de camundogos fêmeas C57Bl/6. A administração de GCSF intraperitoneal foi
capaz de reverter parcialmente as alterações morfofuncionais do modelo de enfisema em
camundongos. A CRVP e o transplante pulmonar são procedimentos que tem suas indicações
precisas para a população de DPOC em estágio avançado. O maior conhecimento desta
população pode servir a futuros ensaios clínicos com a utilização da engenharia tecidual.
Palavraschaves: Enfisema, Elastase pancreática, Fator estimulador de colônia de
granulócitos, Ergometria, Pneumectomia e Transplante de pulmão.
vi
7
ABSTRACT
COPD is one of the most prevalent medical problems worldwide and this issue has been
growing progressively. Despite medical advances lately, nothing has been able to change the
natural course of the disease. No others rather than oxygenotherapy and tobacco cessation has
been shown to improve survival for COPD. Aiming new therapies, tissue engineering has
been shown to be an opition, in especial the utilization of stimulanting factors. GCSF is an
granulocyte colonystimulanting factor with positive effect on pulmonary regeneration in
different patologies. Due to the numbers of evidences accumulated in regarding to GCSF and
emphysema, we expect that clinical trials can be started shortly. Methods: The study was
divided into three sections. Two experimental studies, and one clinical. In the first one, 36
female mice C57Bl/6 were induced to emphysema with elastase intratracheally (2U/Kg).
Once validated the model, 30 mice received elastase and after 28 days they were randomically
divided to recieve either GCSF (200 μg/Kg/day) or saline intraperitoneally. On both sections
the animals were evaluated functionally with ergometry and morphometrically with intersepct
linear mean (Lm). In the clinical secction, we evaluated retrospectively, throughout 10 years
(Jan2000 to Dec2009) patients suffering from endstage of COPD at Toronto General
Hospital who underwent either LVRS or lung transplantation. Results: The first section
confirmed the changes produced by elastase at 28 th day after induction. Mice reduced the
running distance in 30% in the ergometry, showed more difficult to recover VO2 after test and
showed Lm almost 3x higher than control. In the second section, GCSF group reverted
partially the morphofunctional changes. After treatment, the animals improved their
performance on treadmil, identified by an increase on running distance and by a tendency to
faster VO2 recovery after test. This group also demonstrated improvement morphologically,
reducing Lm. In the third section, we evaluated 220 consecutive surgeries for COPD
performed at Toronto General Hospital. A hundred fifty two patiets underwent lung
transplantation and 68 LVRS. Functional assessment showed FEV1 of 20% and 24%
respectively. Intrahospital mortality was 2,9% to LVRS and 6% to lung transplantation (90
day mortality). LVRS was able to delay lung transplantation by 4 years. Patients with alpha1
antitrypisin difficiency showed earlier functional deterioration postoperatively. Conclusion:
The elastaseinduced model used was able to promote functional and morphological
vii
8
emphysema changes in female C57Bl/6 mice. GCSF administration intraperitoneally was
able to revert partially the changes on this emphysema model. LVRS and lung transplantation
are surgical procedures that have specific indications for endstage COPD patients. Better
knowledgement of this population can help future clinical trials with tissue engineering.
Key words: Emphysema, Pancreatic Elastase, Granulocyte colonystimulanting factor,
Ergometry, Lung volume reduction an Lung transplantation.
viii
9
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO 12
2 REVISÃO DA LITERATURA 14
2.1 DOENÇA PULMONAR OBSTRUTIVA CRÔNICA 14
2.1.1 EPIDEMIOLOGIA E IMPACTO SÓCIOECONÔMICO 14
2.1.2 HISTOPATOLOGIA 15
2.1.3 PATOGÊNESE 16
2.1.3.1 DESEQUILÍBRIO PROTEASEANTIPROTEASE 16
2.1.3.2 IMUNOPATOGÊNESE 18
2.1.4 FISIOPATOLOGIA CARDIORESPIRATÓRIA 19
2.2 MODELOS EXPERIMENTAIS DE ENFISEMA 22
2.3 ENGENHARIA TECIDUAL 24
2.3.1 CÉLULASTRONCO 24
2.3.2 ESTIMULADORES CELULARES 25
2.3.2.1 FATOR DE CRESCIMENTO DE COLÔNIA DE GRANULÓCITOS 26
2.4 ESTUDOS CLÍNICOS EM DPOC 29
2.4.1 CIRURGIA REDUTORA DE VOLUME PULMONAR 30
2.4.2 TRANSPLANTE PULMONAR 33
ix
10
3 OBJETIVOS 36
3.1 OBJETIVOS GERAIS 36
3.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS 36
4 MÉTODOS 37
4.1 EXPERIMAENTAL 37
4.1.1 ANIMAIS 37
4.1.2 INDUÇÃO DO ENFISEMA 37
4.1.3 TESTE ERGOMÉTRICO 37
4.1.4 ADMINISTRAÇÃO DE GCSF 38
4.1.5 AVALIAÇÃO MORFOMÉTRICA 38
4.1.6 ANÁLISE ESTATÍSTICA 39
4.1.7 DESENHO DE ESTUDO 39
4.1.7.1 PARTE 1 39
4.1.7.2 PARTE 2 40
4.2 CLÍNICO OBSERVACIONAL 41
4.2.1 PACIENTES 41
4.2.2 ANÁLISE ESTATÍSTICA 41
5 RESULTADOS 41
5.1 EXPERIMENTAL 41
5.1.1 PARTE 1 – VALIDAÇÃO DO MODELO DE ENFISEMA 41
x
11
5.1.1.1 SEGURANÇA DO MODELO 41
5.1.1.2 ANÁLISE FUNCIONAL – ERGOMETRIA 42
5.1.1.3 ANÁLISE MORFOMÉTRICA – MEDIDA DA LM 44
5.1.2 TRATAMENTO COM GCSF 49
5.2 CLÍNICO OBSERVACIONAL 49
5.2.1 CIRURGIA REDUTORA DE VOLUME PULMONAR 49
5.2.2 TRANSPLANTE PULMONAR 57
6 DISCUSSÃO 59
7 CONCLUSÃO 71
REFERÊNCIAS 72
xi
12
1 INTRODUÇÃO
A Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC) é uma enfermidade de característica
progressiva que apresenta grande impacto nas atividades da vida cotidiana do paciente
acometido. Promove, em estágios mais avançados, insuficiência respiratória e incapacitação
funcional do mesmo. A progressão da DPOC é constante e estimase que em 2020 será a
terceira causa de morte mais freqüente no mundo e a quinta maior causa de incapacitação [1].
Atualmente a DPOC afeta 5,5 milhões de brasileiros um aumento de 340% em relação a 20
anos atrás [2]. Segundo dados do DATASUS de 2008 [3], a cada ano são hospitalizados 250
mil brasileiros com a DPOC, sendo gastos cerca de 100 milhões de reais com internações
destes pacientes.
A denominação DPOC engloba basicamente duas apresentações clínicas distintas, o enfisema
e a bronquite, que podem apresentarse como forma mista, ou com o predomínio de uma
delas. A obstrução do fluxo aéreo não completamente reversível é comum a ambas as formas,
porém no enfisema pulmonar (EP), além da alteração no fluxo, predomina a destruição
alveolar levando a hiperinsuflação pulmonar. No padrão bronquítico predomina a
hipersecreção brônquica e a inflamação. A DPOC acomete predominantemente indivíduos
entre 50 e 75 anos, existindo uma importante relação com o tabagismo, que estimase ser
responsável por 75% a 95% de todos os casos. É a patologia que apresenta maior custo
econômico diretamente relacionado ao tabagismo quando levado em conta custos indiretos de
morbidade, perda salarial e aposentadoria precoce [4].
A DPOC está associado a uma resposta celular próinflamatória desencadeada pelo sistema
imune no pulmão em resposta a agentes tóxicos, especialmente a partículas gasosas presentes
na fumaça do cigarro. A patologia, é caracterizada pelo alargamento anormal e irreversível
dos espaços aéreos distais ao bronquíolo terminal acompanhado de destruição de suas paredes
sem a presença de fibrose óbvia. Tratase de uma doença sem cura definida, cuja a destruição
progressiva e irreversível do parênquima pulmonar pode vir a acarretar sobrecarga pressórica
das câmaras cardíacas direitas e cor pulmonale. Fisiopatologicamente, estas alterações
relacionadas à destruição septal, mais associadas com o padrão de EP, são atribuídas a um
13
desequilíbrio entre moléculas proteolíticas e antiproteolíticas [5]. Outros mecanismos
também têm sido descritos como contribuintes, entre eles o estresse oxidativo e a liberação de
agentes oxidantes pelas células inflamatórias [1]. A diminuição anormal da superfície alveolar
implica em perda progressiva da capacidade de troca gasosa resultando em insuficiência
respiratória nos estágios mais avançados da doença. Atualmente as opções terapêuticas para o
tratamento do enfisema em fase terminal recaem sobre o tratamento clínico de suporte com o
uso de oxigênio, corticoesteroides e broncodilatadores. A cirurgia redutora de volume
pulmonar e o transplante pulmonar também apresentam alguma validade num grupo seleto de
pacientes [6].
Neste contexto, uma perspectiva de tratamento para a DPOC, em especial o EP, é a
engenharia tecidual baseada na regeneração celular. Citocinas e fatores de crescimento têm
sido destacados por diversos estudos préclínicos e clínicos pelo potencial regenerador no
tratamento de diversas doenças degenerativas. Estudos são conduzidos em busca de se
estabelecer uma terapia restauradora da função e da estrutura dos diferentes órgãos através da
administração de moléculas, ou células propriamente ditas, que apresentem algum potencial
biológico na regeneração tecidual. O fator de crescimento de colônia de granulócitos
(Granulocyte colonystimulating factor GCSF) tem gerado resultados promissores no reparo cardíaco, pulmonar e até mesmo neurológico [710]. O GCSF é um quimiotático
produzido por diversas células do corpo, cujo efeito é a quimiotaxia de granulócitos
circulantes [11]. Quando administrado de forma sistêmica, induz a mobilização de células
tronco da medula óssea para a periferia [12]. Além dos efeitos benéficos em estudos pré
clínicos, o GCSF tem seus efeitos terapêuticos comprovados no tratamento de leucopenia em
certas situações clínicas, como na restauração celular pósquimioterapia, com poucos efeitos
colaterais.
Diante deste cenário, a DPOC, particularmente o EP, se estabelece como um assunto de
grande interesse para investigação científica aprofundada através de pesquisas básicas,
clínicas e, principalmente, préclínicas. Pelo exposto, este projeto, que se divide em duas
etapas, préclínica e clínica, investe na tentativa de se estabelecer métodos terapêuticos
experimentais que visem a regeneração tecidual, assim como busca identificar populações de
14
pacientes, através de um estudo clínico observacional, que possam representar futuros
candidatos a novas terapias.
2 REVISÃO DA LITERATURA
2.1 DOENÇA PULMONAR OBSTRUTIVA CRÔNICA
2.1.1 Epidemiologia e Impacto Sócioeconômico
A DPOC é responsável por razoável porcentagem de óbitos no mundo atual [13, 14] e tem
apresentado crescimento mundial de 30% no últimos 10 anos [15]. Apesar dos avanços
médicos, nem mesmo o tratamento clínico mais otimizado tem conseguido modificar o curso
desfavorável de tal patologia. Estimase que, efetivamente, 6% da população mundial seja
afetada pela DPOC e que a mortalidade ajustada para a idade continua em crescimento, ao
contrário de outras patologias que lideram o ranking de mortalidade, como patologias cardiovasculares e neoplásicas [16].
A prevalência da DPOC tem aumentado em todo o mundo devido à permanente exposição
aos fatores de risco já conhecidos: tabagismo, exposição ocupacional ao cádmio, sílica e aos
índices maiores de poluição aérea nas grandes cidades. Esses fatores, associados à maior
expectativa de vida da população, fizeram com que a Organização Mundial de Saúde
considerasse a DPOC uma epidemia, prevendo a sua eclosão no ano de 2020, quando poderá
então se tornar a terceira maior causa de morte e a quinta doença em prevalência [1].
Nessa perspectiva negativa, esforços têm sido feitos para se conseguir modificar essa
catástrofe médica e econômica, já que nos dias atuais o gasto com o tratamento é
extremamente elevado. Exemplo disto é o custo anual de 24 bilhões de dólares para o
diagnóstico e tratamento de 16 milhões de doentes nos Estados Unidos da América (EUA),
levandose em consideração os gastos com o diagnóstico, tratamento e afastamento de mão de
obra ativa [17]. Ainda nos EUA, a DPOC é causa de morte em 110.000 pessoas anualmente
[18]. No Brasil, dados do DATASUS 2008 [3] indicam que a DPOC varia entre a quinta e a
sexta causa de morte, além de ter sido responsável por 250 mil internações entre 2006 e 2007,
15
gerando custos ao sistema público de saúde que chegaram a 100 milhões de reais neste
período.
2.1.2 Histopatologia
A DPOC é caracterizado pela resposta inflamatória crônica anormal do pulmão exposto a
agentes tóxicos. Essa resposta inflamatória persiste mesmo após a suspensão da exposição,
passando a ter um caráter autoimune com o decorrer da doença [19, 20].
Histopatologicamente, duas alterações principais têm sido descritas para o termo DPOC: o
enfisema e a bronquite. Devido ao processo de regeneração tecidual proposto neste projeto
estar mais relacionado com um protótipo de doença degenerativa, ao invés de inflamatória,
guiaremos o foco de nossas revisões e discussões para as alterações enfisematosas. No EP
ocorre uma diminuição anormal e permanente das vias aéreas distais aos bronquíolos
terminais, acompanhado pela destruição de suas paredes e ausência de fibrose óbvia. As
alterações à microscopia incluem fusão de alvéolos adjacentes, produzindo espaços aéreos
alargados e até mesmo bolhas, que por sua vez, hiperinsuflam, comprimindo bronquíolos
respiratórios e vasos pulmonares [21].
Ainda dentro da área da histopatologia, Thurlbeck [22] desenvolveu uma técnica de
quantificação da destruição que consta da determinação da medida da média linear intersepto
de linhas horizontais e verticais sobrepostas a imagens do parênquima pulmonar. Tal método
vem sendo, a décadas, utilizado para a determinação quantitativa da destruição alveolar com
aceitável reprodutibilidade.
16
2.1.3 Patogênese
2.1.3.1 Desequilíbrio ProteasesAntiproteases
As teorias para a patogênese da DPOC dividemse basicamente em duas: efeito direto
citotóxico contra o epitélio pulmonar mediado pelo desequilíbrio entre proteases e
antiproteases e imunopatogênese mediando tanto a apoptose quanto a liberação de citocinas
[1].
A idéia de que o enfisema resulta da lesão proteolítica dos septos alveolares tem se mantida
como a teoria que mais se adapta aos conhecimentos adquiridos ao longo dos anos.
Fisiologicamente, ocorre um equilíbrio entre a produção de proteases pelas células
inflamatórias pulmonares e a produção, principalmente hepática, de antiproteases que através
da circulação sistêmica alcançam o parênquima pulmonar. Pela hipótese de desequilíbrio
entre proteases e antiproteases, ocorre uma liberação anormal e aumentada de enzimas
proteolíticas no tecido pulmonar associado a uma produção regular e constante de
antiproteases conduzindo à proteinólise do interstício composto predominantemente de
elastina. Como o reparo pulmonar é feito de forma insuficiente e deficiente, logo, mudanças
estruturais são verificadas. Provas claras têm relevado a relação causal entre a fumaça do
cigarro e um aumento da produção de elastase pelos neutrófilos pulmonares [23].
Fisiopatologicamente, este é o início do processo inflamatório celular e do estresse oxidativo
que ocorre na população de fumantes. Indivíduos predispostos geneticamente apresentam uma
disfunção de certas linhagens inflamatórias, como os linfócitos T CD8 + e macrófagos, que se
mantém ativados no tecido pulmonar a despeito da cessação do tabagismo. A perpetuação do
processo inflamatório mediado por estas células garante o desenvolvimento e progressão da
DPOC [1].
Em relação às proteases, a elastase neutrofílica corresponde a um grupo de enzimas com
funções biológicas distintas, incluindo enzimas digestivas de glândulas exócrinas, fatores de
coagulação e proteinases associadas a grânulos de leucócitos que apresentam marcada
atividade contra as proteínas da matriz extracelular, em especial, a elastina. Vários trabalhos
17
demonstram o seu aumento nos lavados broncoalveolares e escarros de tabagistas, o que
garante forte associação com o desenvolvimento da DPOC [2426].
Dentre os inibidores de proteases, a α1antitripsina é a principal enzima reguladora deste
mecanismo. A α1antitripsina é uma glicoproteína de 52kDa sintetizada primariamente pelo
fígado. Consiste em uma cadeia de polipeptídeo de 394 aminoácidos e possui atividade de
inibição proteolítica da elastase neutrofílica além de outras proteinases. Em 1963, alguns
autores [27] propuseram uma associação entre a deficiência sérica de α1antitripsina e
enfisema, originando uma teoria de desbalanço entre proteinase e antiproteinase para a gênese
da DPOC. Outras proteínas envolvidas no processo estão discriminadas no quadro abaixo.
(Quadro 1).
Quadro 1: Principais proteases e antiproteases que participam da geração da doença pulmonar obstrutiva crônica. FONTE: RUFINO; J Bras Pneumol.2006;32(3):2418 [17]
Antiproteases Proteases
α1Antitripsina Elastase Neutrofílica
a2Macroglobulina Proteinase Neutrofílica
Inibidor de Leucoprotease Proteinase 3 Neutrofílica
TIMP 1 Catepsina G Neutrofílica
TIMP 2 Metaloproteinase Neutrofílica
Metaloproteinase do Macrófago
Catepsia 5
Cisteína Proteinase
TIMP: Tissue inhibitors of metalloproteinases
18
2.1.3.2 Imunopatogênese
Nos últimos anos, a exploração de novos horizontes fisiopatogênicos permitiu a mudança do
enfoque fisiopatológico, até então quase que exclusivamente relacionado à bioquímica da
doença. Tais conceitos foram finalmente introduzidos na definição da DPOC pela Global
Initiative for Chronic Obstructive Lung Disease (GOLD) [28]. Na DPOC ocorrem alterações dos componentes celulares do pulmão, como aumento do número de macrófagos, neutrófilos,
linfócito T CD8 + , excesso de produtos oxidativos e a facilitação de colonização por
microorganismos. Tais fatores interagem de modo a recrutar mais células próinflamatórias.
Nas áreas de maior ventilação pulmonar ocorre a destruição periférica dos ligantes alveolares
facilitando a sua fusão e hiperinsuflação, ou seja, o enfisema [17].
Os neutrófilos são células centrais no mecanismo fisiopatogênico da DPOC, onde existe
claramente acúmulo e ativação deste tipo celular. Neutrófilos ativados por partículas
provenientes do tabaco acarretam na liberação de enzimas proteolíticas e agentes oxidantes
que levam a uma degradação tecidual e por conseguinte a um deflagramento de resposta
imune via liberação de citocinas [20]. Os neutrófilos são abundantes no sangue, mas
praticamente ausentes no tecido pulmonar de pessoas saudáveis. Em tabagistas, os neutrófilos
estão aumentados no escarro e no lavado broncoalveolar. Porém, nas amostras de tecido
pulmonar não se consegue confirmar esse aumento. Acreditase que isto ocorra pela rápida
migração dos neutrófilos para o alvéolo e pela heterogeneidade do processo inflamatório [29]
[30]. Apesar da importância descrita dos neutrófilos na gênese da DPOC, sua predominância
é inversamente proporcional à severidade, ou seja, quanto mais avançada está a doença menos
neutrófilos são encontrados no lavado broncoalveolar. O que leva a crer que não esteja
diretamente relacionado com o caráter evolutivo e manutenção da resposta inflamatória [20].
Dados de Fletcher [31] revelaram que apenas uma minoria da população de fumantes
desenvolve um rápido declínio da função pulmonar, apesar de que, em qualquer fumante pode
se encontrar algum grau de inflamação pulmonar. O mecanismo desta amplificação é
fracamente compreendido, mas provavelmente envolve mecanismos genéticos e epigenéticos
de resposta imunológica.
19
O processo inflamatório crônico é responsável pelo reparo e pelo processo de remodelamento
parenquimatoso, porém de forma ainda não muito esclarecida, essa população de pacientes
que desenvolve DPOC apresenta uma resposta deficiente e inefetiva. Um possível
componente autoimune da etiopatogenia do DPOC tem sido sugerido após observação de
oligoclonalidade de céulas T CD4 + isoladas de tecido pulmonar enfisematoso de humanos
[32]. Observações adicionais de TarasevicieneStewart et al. em modelos experimentais revelaram que ratos adultos imunizados com células endoteliais de veia ou artéria pulmonar
desenvolvem enfisema. Porém, um ponto chave a ser descoberto é se os anticorpos
produzidos em pacientes portadores de enfisema foram causa ou efeito do dano tecidual [32].
A apoptose tem também sido implicada como importante mecanismo patogênico em
avaliações clínicas e experimentais em modelos de doença pulmonar [33]. Apoptose anormal
tem sido descrita em células epiteliais pulmonares enfisematosas, neutrófilos, linfócitos e
monócitos. Muitos fatores associados à DPOC, como a exposição ao tabaco, estão
relacionados ao decréssimo da expressão do fator de crescimento do endotélio vascular
(VEGF), sabidamente um fator chave na sobrevivência e desencadeamento da apoptose em
células epiteliais [34]. O decréscimo da expressão de VEGF e seu receptor podem levar à
apoptose de células dos septos alveolares. Fumantes que desenvolvem DPOC apresentam
uma ativação da imunidade adaptativa com a infiltração de células T, principalmente CD8 + ,
células integrantes do processo da apoptose [34]. Alguns estudos evidenciaram o aumento da
concentração de CD8+ nos pulmões de pacientes fumantes com DPOC em relação a não
fumantes [35, 36], enquanto outros encontraram maior população de células CD8 + no sangue
periférico desses pacientes com DPOC [37].
2.1.4 Fisiopatologia cardiorespiratória
No enfisema, a fisiopatologia está relacionada à destruição da elastina. A elastina participa na
manutenção da estrutura das paredes alveolares e, quando esta proteína está ausente, a menor
parte das vias aéreas, os bronquíolos, sofre colapso, tornando difícil a entrada e saída de ar
dos alvéolos. O consequente estreitamento das vias aéreas, combinado à maior obstrução
20
devido ao acúmulo de muco, faz aumentar a força necessária na respiração aumentando assim
o trabalho expiratório.
Com o objetivo fisiológico de compensação expiratória, devido à obstrução, a respiração
passa a ser controlada de forma a produzir um tempo expiratório prolongado, reduzindo a
freqüência respiratória com um volume corrente aumentado. Essa compensação explica o
grau de hiperinsuflação pulmonar observado nos portadores de DPOC.
Além das mudanças nas vias aéreas, a estrutura alveolar também é destruída, deixando as
unidades responsáveis pela permuta gasosa extremamente complacentes, com diminuída área
de troca de O2 e CO2. Essa destruição alveolar leva a um aumento da área ventilada, mas não
perfundida, assim denominada de espaço morto funcional.
O aumento do trabalho elástico que a hiperinsuflação e o aumento da complacência causam,
associados ao elevado trabalho de resistência ao fluxo aéreo, se traduzem clinicamente na
dificuldade respiratória do portador de DPOC. O aumento do espaço morto e a
hiperinsuflação pulmonar são refletidos na espirometria com a redução dos volumes
inspiratórios e expiratórios, redução da capacidade vital forçada (CVF), aumento da
capacidade residual forçada (CRF) e aumento do volume residual (VR) [38].
Em nível experimental, existem duas formas de avaliação de parâmetros funcionais
respiratórios: através de métodos invasivos e nãoinvasivos. Nos métodos invasivos, os
animais são avaliados com a realização de intubação orotraqueal ou traqueostomia seguida da
conexão do animal ou do bloco cardiopulmonar a um ventilador específico. Esses métodos
permitem avaliação de importantes parâmetros ventilatórios como pressão transpulmonar,
fluxos inspiratórios e expiratórios, complacência e resistência. Porém, existe uma série de
desvantagens ao método. Eles necessitam de procedimento cirúrgico/anestésico, que
apresenta mortalidade agregada; avaliam através de meios antifisiológicos (intubação e
ventilação mecânica com pressão positiva) e não podem ser utilizados em estudos que exijam
medidas seriadas da função. Os métodos não invasivos, no entanto, apresentam o outro
extremo das vantagens e desvantagens do método invasivo. O método não invasivo é também
21
conhecido como pletismografia e pode ser realizado com equipamento de uma ou duas
câmaras. Ele utiliza a variação das pressões na câmara hermética, que envolve a caixa
torácica ou todo o corpo do animal, para avaliar a complacência pulmonar e outros
parâmetros que representam indiretamente alguns volumes pulmonares. O método tem a
vantagem de ser aplicado com o animal consciente, sem necessidade de anestesia, podendo
ser repetido quantas vezes for necessário ao estudo e ser mais fisiológico.
Esses métodos apesar de revelarem informações importantes a respeito da função pulmonar
nos modelos utilizados, não avaliam a capacidade de tolerância ao exercício. A resposta de
pacientes portadores de DPOC ao exercício está associado a um aumento do volumeminuto
(volume corrente x freqüência respiratória), uma redução na pressão arterial de O2 (PaO2) e
um aumento na pressão arterial de CO2 (PaCO2). A hiperinsuflação pulmonar limita a
eficácia mecânica dos músculos inspiratórios e essa limitação ocorre porque o diafragma fica
constantemente em posição encurtada, aumentado assim a demanda energética de outros
músculos respiratórios. O aumento do trabalho respiratório acarreta um aumento do volume
minuto através do aumento da freqüência respiratória, sem necessariamente aumentar a
ventilação alveolar, mas sim aumentando o espaçomorto. Além da desvantagem mecânica
dos músculos respiratórios, existe um efeito independente sobre a musculatura não
respiratória que pode estar associado a desnutrição [38]. Luthje et al. foram um dos pioneiros a demonstrar intolerância ao exercício em esteira de camundongos induzidos a enfisema com
elastase.
A destruição do parênquima alveolar leva ainda a um distúrbio na ventilação alveolar (VA) e
perfusão (Q). O que fisiologicamente funciona reduzindo a perfusão de áreas não ventiladas
em detrimento a manter áreas bem perfundidas enquanto aeradas, é perdido em situações
patológicas como a DPOC. Todas essas alterações associadas à diminuição de área de troca
alveolar acarreta um prejuízo à troca alveolar e portanto, uma limitação ao exercício.
Ergoespirometria é uma metodologia acurada de avaliar a gravidade da DPOC e a limitação
funcional ao exercício. Em humanos, com a evolução patológica da DPOC, há redução da
extração de oxigênio devido a distúrbios da difusão, redução da área trocadora de gás e
22
alteração da ventilaçãoperfusão [39]. O exercício aumenta o distúrbio ventilaçãoperfusão,
com isso prejudicando a troca e a extração de O2. O fato do CO2 ser 24 vezes mais
hidrosolúvel que o O2 faz com que as alterações de troca de CO2 sejam percebidas mais
tardiamente na evolução da doença em relação ao O2 [40]. Ganju et al. [41] identificaram significante correlação entre o volume expiratório forçado no primeiro segundo (VEF1) e o
consumo de oxigênio (VO2) no curso da doença.
Em modelos animais a tolerância ao exercício é medida basicamente por equipamentos de
esteira elétrica que podem estar acoplados a analisadores de gases fornecendo informações do
consumo de oxigênio e da produção de CO2.
2.2 MODELOS EXPERIMENTAIS DE ENFISEMA
O primeiro modelo animal de enfisema foi desenvolvido há mais de 40 anos através da
instilação intratraqueal de papaína [42]. Desde então, os modelos têm evoluido
consideravelmente chegando ao ponto de se tornar uma ferramenta indispensável para
diversos grupos de cientistas. Os modelos experimentais permitem a investigação dos
mecanismos patogênicos de diversas doenças e do potencial terapêutico de novas drogas ou
procedimentos. Agem como uma ponte entre os ensaios clínicos e os estudos in vitro. Neste contexto, camundongo é uma opção de grande valia entre os demais modelos, visto que: (i) o
genoma dos camundongos é conhecido e apresenta similaridades com o genoma humano, (ii)
há disponibilidade comercial de uma gama de sondas e anticorpos monoclonais, (iii)
apresenta um ciclo de vida curto, permitindo que os estudos sejam concluídos em meses, além
de custos para criação e manutenção viáveis [28]. Atualmente existem diversos modelos
experimentais que simulam de maneira eficiente as patologias humanas, exemplo disso é o
modelo de cardiopatia chagásica crônica [43] e o modelo de cirrose hepática [44], que servem
como ferramentas na elaboração de novas terapias e no entendimento das diferentes fases de
cada doença.
Apesar das vantagens do uso de comundongos em estudos experimentais, algumas diferenças
do sistema respiratório em relação à espécie humana merecem consideração. Camundongos
23
não apresentam células ciliadas no revestimento respiratório na mesma densidade que
humanos, além de apresentarem poucas glândulas submucosas na traquéia. Os camundogos
não expectoram, apresentam maior simplicidade da ramificação brônquica, não apresentam
bronquíolos, bem como a circulação brônquica é ausente [45]. Molecularmente, os
camundongos ainda, não apresentam colagenase MMP1 no seu interstício, não apresentam
receptores de citocinas próinflamatórias importantes em humanos como IL8 e não possuem
muitos dos genes do citocromo P450 que apresenta papel importante no estudo da toxicologia
humana [32].
Particularmente, os modelos experimentais para indução do enfisema pulmonar podem ser
divididos em sete modelos [46]: mutação natural, geneticamente manipulados (knockout, knockin e transgênicos), induzidos por proteases, induzidos por LPS, induzidos por apoptose, induzidos por privação de alimento e ambientais (exposto a agentes oxidantes presentes na
fumaça). Para cada grupo, há vantagens e desvantagens que norteiam a escolha do modelo
mais adequado para cada desenho de estudo. Modelos geneticamente modificados têm a
desvantagem de apresentar alterações sistêmicas relacionadas à alteração genômica e
apresentar um custo mais elevado, com a vantagem de encurtar o estudo visto que não há
necessidade de indução. Dentre os grupos induzidos com proteases, há principalmente os
modelos de enfisema induzidos com papaína (protease vegetal) e elastase (protease animal).
Tais modelos apresentam a desvatagem de difícil reprodutibilidade além de serem implicados
em promover uma alteração tecidual pulmonar que não reflete a real patologia pulmonar.
Enquanto em humanos há um equilíbrio entre o padrão bronquítico e o enfisematoso, no
referido modelo o padrão é predominante enfisematoso [47]. Tais modelos, no entanto, têm a
vantagem de custo reduzido e não produzirem alterações sistêmicas. Os modelos que utilizam
fumaça e outros agentes oxidantes em suspensão no ar para indução do enfisema apresentam
a desvantagem de necessitarem prolongado tempo de exposição, muitas vezes incompatíveis
com o ciclo curto do animal de pequeno porte, e importante perda ponderal no curso da
indução, entretanto apresenta a vantagem de promover a alteração pulmonar mais próxima da
realidade fisiopatológica [46].
24
2.3 ENGENHARIA TECIDUAL
2.3.1 CélulasTronco
A medicina regenerativa, através da ativação das célulastronco originárias no próprio tecido
ou do transplante das mesmas, tem apresentado muitos avanços no entendimento do reparo
tecidual em diferentes doenças em humanos e modelos experimentais [48, 49]. Nos modelos
de enfisema, os animais têm auxiliado na investigação dos mecanismos de interação destas
células, bem como na avaliação de possíveis tratamentos [50]. No entanto, um dos grandes
desafios é de se induzir o reparo funcional pulmonar, e não somente regenerar a estrutura
alveolar.
Durante o processo de injúria e reparo tecidual, que ocorre naturalmente no tecido pulmonar,
células genitoras próprias do tecido mantém a homeostase através de ativação de células
designadas inicialmente como célulastronco do tecido pulmonar. Estas células, após um dano
tecidual, que pode ser um trauma ou processo apoptótico, são ativadas localmente através de
interação quimiotática, migram e se diferenciam nos diversos fenótipos celulares do pulmão.
Muitos estudos têm focado na identificação e isolamento destas células, porém dois fatores
maiores interferem na identificação da célulatronco pulmonar. O primeiro é que ao contrário
do tecido cutâneo e gastrointestinal, que apresentam acelerada renovação epitelial, o tecido
pulmonar apresenta baixa taxa de renovação. Segundo, o fenótipo celular da célula madura
difere a depender da região ou "nicho" que esta célula esteja localizada na árvore brônquica
[51, 52]. Este conceito de "nicho" foi desenvolvido para explicar que para cada diferente
"nicho" há uma diferente célula progenitora. A exemplo disso, na porção mais proximal da
via aérea, como traquéia e brônquios, as células basais (citoqueratina 5/14) são as
progenitoras predominantes. Na região bronquiolar, as células claras (Scgb1a1) predominam,
enquanto que na região alveolar, predominam os pneumócitos tipo II.
Este conceito predominou nos últimos anos e norteou os estudos que avaliaram célulastronco
do próprio pulmão. No entanto, este conceito apresentava a deficiência de não apresentar uma
25
única célula com todas as características necessárias para a determinação de uma célula
tronco, que são: autorenovação, multipotencialidade e clonogenicidade. Mais recentemente,
Kajstura et al. [53], num importante avanço na área, identificaram um grupo celular positivo para o marcador ckit que apresentou todas estas características. Nesse estudo foi possível
demonstrar a regeneração dos diversos tecidos que compõe o parênquima pulmonar.
Outra abordagem de significante interesse clínico é o transplante de célulastronco exógenas.
No entanto, um desafio à essa técnica é a retenção de células transplantadas no tecido
pulmonar. Várias técnicas tem sido descritas para o procedimento, inclusive com a utilização
de matrizes acelulares servindo de molde. Porém, até o presente momento, a literatura não
revelou trabalho que apresentasse resposta biológica de maior impacto. Krause et al. [54], utilizando transplante de célulastronco da medula óssea após irradiação, encontraram
diferenciação de 20% destas células depositadas em pneumócitos tipo II e apenas 4% delas
foram encontradas no epitélio brônquico. Algumas variáveis influenciam o modo pelo qual
essas célulastronco são recrutadas pelo órgão e transformadas em células pulmonares
funcionais. Estas incluem a via de administração, a fonte das célulastronco, o correto
fenótipo transplantado e a correta sinalização.
Baseado nesses dados, um interessante enfoque seria a investigação de estratégias que
aumentassem e estimulassem a população de célulastronco residentes do pulmão ou
estratégias que promovessem a migração de célulastronco da medula óssea para o
perênquima lesado.
2.3.2 Estimuladores celulares
Algumas moléculas foram estudadas com a finalidade de recrutamento e/ou estimulação de
célulastronco no contexto de EP, são elas: fator2 de crescimento fibroblástico (FGF2),
adrenomedulina e ácido transretinóico (ATRA). O FGF2 é um fator angiogênico essencial
para o desenvolvimento pulmonar. Em modelos de cães enfisematosos, o FGF2 tem sido
considerado como responsável pelo aumento de fluxo sanguíneo do tecido pulmonar lesado
[55]. No entanto, esse mesmo estudo falhou em mostrar regeneração de parênquima ou
26
induzir septação alveolar. A adrenomedulina é um potente peptídeo vasodilatador que tem
sido implicado no aumento do volume pulmonar, complacência estática e diminuição da
média linear intersepto em modelo de camundongos com EP [56]. A adrenomedulina foi
também associada com o aumento do número de células mononucleares no sangue periférico,
assim como no aumento de células circulantes derivadas da medula óssea. O ATRA é um
análogo da vitamina A e apresenta um papel regulatório importante na diferenciação,
desenvolvimento e homeostase do tecido pulmonar. Porém dados a respeito do ATRA são
contraditórios até esse momento. Enquanto alguns autores mostraram aumento das lesões
enfisematosas em ratos [57], outros têm demonstrado benefício morfológico quando
associado com GCSF [58]. Um pequeno estudo clínico duplocego com 20 pacientes não
apresentou benfícios no uso de suplementação de ATRA em pacientes com DPOC [59]. O
estudo clínico multicêntrico FORTE (Feasibility of Retinoids for the Treatment of Emphysema) avaliou a eficácia do ATRA. Embora outros autores tenham descrito melhoras
da capacidade de difusão com dose e tempodependentes, o estudo falhou em mostrar
benefícios em escores de densidade pulmonar tomograficamente e em escores de qualidade de
vida [60].
2.3.2.1 Fator de crescimento de colônia de granulócitos
O GCSF (do inglês "granulocyte colony stimulanting factor") também conhecido como
Filgastrina (Figura 1), é um hormônio de ação parácrina predominante implicado no
recrutamento celular. A mobilização de célulastronco progenitoras da medula óssea para a
circulação com GCSF é de utilização clinicamente mais difundida [61]. Apesar do
mecanismo não ser completamente elucidado, o GCSF tem sido implicado na produção e
regulação da função neutrofílica [62]. Além dos efeitos benéficos em estudos préclínicos, na
clínica seu efeito terapêutico é comprovado e seu uso é bem estabelecido com poucos efeitos
colaterais.
O GCSF é uma citocina produzida por uma variedade de células, incluindo macrófagos,
fibroblastos, células endoteliais e células do epitélio broncoalveolar [63]. Em condições
27
fisiológicas pequenas quantidades são liberadas para o epitélio alveolar, estimulando a
proliferção, diferenciação e manutenção dos neutrófilos. O GCSF a nível celular age através
Figura 1: Estrutura molecular do GCSF [64]
da via Janus kinase (JAK)/sinal transdutor e ativador da transcrição (STAT), proteína kinase do mitogenio ativado (MAPK) e fosfatidilinositol 3kinase (PI3K)/proteina kinase B (Akt)
[65] (Figura 2). O receptor de GCSF está presente nos precursores celulares da medula óssea
que em resposta à estimulação por GCSF inicia proliferação e diferenciação em granulócitos
maduros. O GCSF é também um potente mobilizador de célulastronco da medula para a
periferia [66].
Figura 2: Mecanismo de ação do GCSF. O GCSF é um importante quimiotático envolvido na mobilização, recrutamento e diferenciação de células inflamatórias. A nível intra celular, age através
28
da via Janus kinase (JAK)/sinal transdutor e ativador da transcrição (STAT), proteína kinase do mitogenio ativado (MAPK) e fosfatidilinositol 3kinase (PI3K)/proteina kinase B (Akt) [65].
Em nível neuronal, o GCSF pode atuar como fator neurotrófico. Seu receptor é expresso por
neurônios cerebrais e da medula espinhal e a ativação do mesmo induz neurogênese e regula a
apoptose [9, 10]. Essas propriedades têm sido avaliadas em estudos clínicos de fase II no
tratamento de doenças neurológica como isquemia cerebral [67, 68] e esclerose lateral
amiotrófica [69, 70].
Estudos promissores também têm gerado resultados positivos no reparo cardíaco [7, 8]. Foi
demonstrado o potencial terapêutico do GCSF no restabelecimetno da estrutura e da função
cardíaca em camundongos chagásicos crônicos através da reversão total das arritmias
cardíacas, recuperação parcial da estrutura do miocárdio e restabelecimento da capacidade de
realizar atividade física [71].
Em modelo de enfisema, diversas são as publicações sobre os efeito benéfico do GCSF sobre
a patologia. Yoshimatsu et al. relataram um efeito morfológico benéfico com o uso de GCSF em ratos com ou sem associação com ácido transretinóico [72]. Janelle et al. também
publicaram dados de redução de alterações enfisematosas em modelo de camundongos
tratados com GCSF [73].
Dados contraditórios, no entanto, estão disponíveis quanto ao uso de GCSF em outros
modelos experimentais das doenças pulmonares. Da mesma forma que autores defendem a
teoria de que GCSF recruta célulastronco da medula óssea ou do próprio tecido pulmonar
para a região lesada, outros defendem a teoria de que o GCSF recruta células inflamatórias e
ampliam o dano tecidual. Hierholzer et al. [63] identificaram hipóxia e edema pulmonar em
associação com o recrutamento de células polimorfonucleares com o uso intratraqueal de G
CSF. Adachi et al. descreveram os efeitos do GCSF em modelo animal de injúria mediada por bleomicina, identificando aumento do dano alveolar e subsequente fibrose pulmonar com
severidade variável [74].
29
O GMCSF (granulocyte macrophage colony stimulating factor), que apesar de tratarse de uma molécula diferente, apresenta mecanismo de ação similar, sendo um quimiotático de
poder mais amplificado que o GCSF, mas apresentou efeito deletério no tratamento de
enfisema em estudo experimental realizado [8]. Porém outros autores têm relatado resultados
positivos com o GMCSF por regular a apoptose em modelos de enfisema [33].
2.4 ESTUDOS CLÍNICOS EM DPOC
Até a presente data não existem dados disponíveis na literatura de estudos clínicos com a
utilização de GCSF em DPOC. Existem, no entanto, algumas publicações com a utilização
de célulastronco em diversas patologias pulmonares inclusive DPOC (referencia). O
transplante de célulastronco, pode ser de origem autóloga, vindas do mesmo indivíduo, ou,
alogênica, vindas de um doador. Em teoria a utilização clínica de célulastronco autóloga é
mais segura que à alogênica devido aos riscos inerentes do transplante alogênico. No entanto,
até o momento o tratamento alogênico e o transplante autólogo de célulastronco para doenças
pulmonares com manipulação celular é ilegal nos Estados Unidos e na maioria dos outros
países. Por isso, os tratamentos atuais, quando realizados, utilizam uma limitada quantidade
de células, tendo portanto uma menor chance de sucesso clinicamente relevante. Segundo
informações do FDA (Food and Drug Administration), a manipulação transforma a terapia em remédios, o que requer um maior controle e maior rigor para sua liberação. Estudos em
animais revelaram que as célulastronco podem sim contribuir para a regeneração do tecido
pulmonar em diversas condições patológicas, mas o que ocorre de fato é que, apesar de
avanços na ciência básica sobre o assunto, os resultados são incipientes e portanto incapazes
de alterar, até então, guidelines clínicos de tratamento do DPOC.
Com todos os avanços nas últimas décadas sobre a doença, nenhum tratamento, exceto a
oxigenoterapia, tem alterado inequivocamente a sobrevida dos pacientes com DPOC.
Pacientes seguem por um curso progressivo de doença que culminam em insuficiência
respiratória e óbito deflagrado geralmente por um evento infeccioso. Alguns poucos pacientes
30
têm, no entanto, seu curso de doença interrompido pela realização do transplante pulmonar ou
da cirurgia redutora de volume pulmonar (CRVP). Tanto o transplante como a CRVP têm
sido também grande foco de estudo, tanto na área básica como na clínica. Os estudos clínicos
observacionais nesta população de pacientes que se submetem ao tratamento cirúrgico, têm,
além de outros enfoques, buscado categorizar pacientes nos diferentes estágios de doença e
procurado selecionar subpopulações de pacientes não respondedores aos tratamentos
disponíveis. Com isso é possível definir possíveis candidatos a futuros testes terapêuticos,
como a utilização da engenharia tecidual.
2.4.1 Cirurgia Redutora de Volume Pulmonar
Como a terapia médica tem sido relativamente ineficaz na redução da progressão do
enfisema, algumas tentativas cirúrgicas surgiram no passado afim de reduzir os efeitos da
doença. Manobras iniciais incluiram costocondrectomia e esternotomia transversa para
melhorar a mobilidade torácica. Outros autores tentaram limitar a expansão do pulmão com
toracoplastia e secção frênica. Estas tentativas não obtiveram êxito clínico, porém abriram os
caminhos para que estudos de Brantigan e Mueller, em 1957 [75], propusessem a excisão
pulmonar periférica em cunha dos pacientes enfisematosos, diminuindo assim o volume
pulmonar. Esta idéia foi baseada no conceito de que um pulmão menor poderia restaurar a
eficiência do fole respiratório. O procedimento de Brantigan produziu alguma melhoria na
função pulmonar, mas a taxa de mortalidade foi elevada (18%) e o procedimento foi então
abandonado.
Trinta anos depois, Cooper et al. [76] revisitaram a teoria e descreveram a cirurgia que hoje é conhecida como cirurgia redutora de volume ou CRVP. Esta operação envolve a ressecção de
20% a 30% do parênquima pulmonar hiperinsuflado que não contribue à ventilação eficaz.
Desta forma se reestabelece o fole torácico, há uma melhora na complacência, na performance dos músculos intercostais, do diafragma e por fim, nas trocas gasosas. A mesma teoria, porém utilizada em um momento histórico mais favorável, onde a assistência médica
perioperatória era melhor, trouxe a melhora fisiológica esperada com uma mortalidade
aceitável. Seu primeiro relatório não mostrou mortalidade precoce ou tardia relacionada ao
31
procedimento.
Após a descrição inicial de Cooper et al. [76], a técnica foi rapidamente difundida pelo mundo, a despeito de resultados variáveis em estudos clínicos com número limitado de
pacientes. Esses dados iniciais levaram a uma euforia da classe médica que passou a
encaminhar os milhões de pacientes portadores de DPOC avançado para tratamento cirúrgico.
Essa corrida dos pacientes em busca do tratamento levou o National Heart, Lung, and Blood Institute (NHLBI), uma agência do U.S. Department of Health and Human Services (HHS) a desautorizar a realização do procedimento pelas agências de saúde dos Estados Unidos até
que se estabelecesse maior evidência científica. Em 1996, a mesma NHLBI iniciou um dos
maiores estudos clínicos já realizado na área cirúrgica, o NETT (National Emphysema Treatment Trial).
Pesquisadores do NETT de 17 centros avaliaram sobrevida, capacidade de exercício, função
pulmonar, qualidade de vida, escore de dispnéia e taxa de internação de 1.218 pacientes com
enfisema grave. O estudo teve um acompanhamento médio de 29 meses. No início do estudo,
todos os participantes receberam 6 a 10 semanas de reabilitação pulmonar, em seguida, foram
divididos aleatoriamente em dois grupos: 608 pacientes foram selecionados para receber a
cirurgia em adição à terapêutica clínica, e 610 continuaram com o tratamento clínico
exclusivo.
Em 2003, o NETT publicou os resultados da CRVP versus terapia clínica. Os dados
reveleram benefício de sobrevida e dos dados funcionais no subgrupo de pacientes
submetidos a CRVP que apresentaram doença heterogênea com predomínio apical e baixa
tolerância ao exercício [77]. O subgrupo de pacientes com doença heterogênea, porém sem
baixa tolerância ao exercício também apresentou algum benefício, apesar de que menor.
Baseado nestes dados, em novembro de 2003, o Center for Medicare & Medicaid Services (CMS) publicou os critérios para cobertura da CRVP pelas agências de saúde norte
americanas, permitindo a indicação do procedimento para esses dois subgrupos. O estudo
também relatou os fatores de mal prognóstico e alto risco cirúrgico. O subgrupo com VEF1 <20% e DLCO (Difusão pulmonar de monóxido de carbono) <20% submetido a CRVP
32
apresentou mortalidade de 90 dias de 7,9%, superior ao grupo de terapia clínica (p <0,001).
Estes dados foram atualizados em 2006, com um seguimento médio de 4,3 anos, confirmando
os benefícios anteriormente descritos [78].
Apesar de ter sido um dos maiores estudos clínicos duplocego, multicêntrico e randomizado
de todos os tempos na área da cirurgia torácica, o NETT ainda deixou algumas questões sem
resposta sobre subpopulações de pacientes. Embora DLCO e VEF1 menores que 20%
conjuntamente apresentassem maiores riscos, sendo portanto, contraindicações para CRVP, o
NETT não esclareceu qual o desfecho quando apenas um desses critérios é menor que 20%.
Para ascender mais ainda esta discussão, Meyers et al. relataram dados opostos [79]. Eles publicaram resultados a partir de um grupo de 20 pacientes com um VEF1 e DLCO de 20%
ou menos que foram submetidos a CRVP bilateral e mostraram uma mortalidade em 90 dias
de 5%. O VEF1 aumentou de 0,46 (17%) para 0,78 (32%), uma variação de 73%; e o DLCO
apresentou aumento de 16% para 27%, uma melhoria de 70%. O KaplanMeier de 5 anos não
apresentou diferença entre os pacientes de alto risco e sem alto risco. Eles concluiram que os
pacientes deste grupo selecionado pode experimentar melhorias na função pulmonar,
tolerância ao exercício e na qualidade de vida com morbidade e mortalidade aceitáveis após a
CRVP.
Outro ponto também discutível sobre a indicação da CRVP é a realização do procedimento
em pacientes portadores de deficiência de alfa1antitripsina (A1AT). Estimase que cerca de
2% da população de portadores de DPOC apresente esta condição como patologia de base
[80]. Estes pacientes passam a apresentar sintomatologia mais precocemente em comparação
aos não portadores e, em geral, têm um predomínio basal do enfisema. Os estudos que
focaram na avaliação específica deste subgrupo são controversos [8183]. Porém, a American Thoracic Society e a European Respiratory Society (ATSERS) publicaram recomendações
sobre o diagnóstico e tratamento de indivíduos com deficiência de A1AT e, devido ao fato da
CRVP oferecer benefícios apenas em curto prazo, a recomendação foi de não oferecer esta
modalidade de tratamento para esta população até que estudos adicionais estejam disponíveis
[84]. Apesar da recomendação, 2/3 dos centros realizadores de CRVP incluem pacientes com
deficiência de A1AT, segundo Hamacher et al. em pesquisa de 45 centros europeus [85].
33
A idade e o momento da indicação também apresentamse como tópicos não esclarecidos pela
literatura. Em algum momento da evolução, o paciente pode apresentar critérios de
elegibilidade tanto para o transplante quanto para a CRVP. Não está claro que estes pacientes
devam ter a indicação preferencial do transplante apenas pelo fato da idade ser mais
avançada. Como a CRVP serve como ponte para um transplante futuro, alguns autores
sugerem que pacientes com idade superior a 60 anos devam preferencialmente se submeter ao
transplante a fim de evitar transplante após 65 anos [86].
2.4.2 Transplante pulmonar
O transplante pulmonar consiste na substituição de um ou dos dois pulmões quando a doença
alcança o estágio final. Inicialmente, o enfisema foi considerado uma contraindicação para a
realização do transplante pulmonar. Na época em que o transplante bilateral não era uma
rotina, as dificuldades fisiológicas de manter um pulmão nativo hiperinsuflado e um pulmão
recémtransplantado foi considerada um obstáculo muito grande à manutenção da técnica.
Naquele momento, os transplantes eram realizados quase que exclusivamente em pacientes
com fibrose pulmonar onde a resistência vascular pulmonar aumentada no pulmão nativo
levava a um aumento fisiológico da ventilação e perfusão do pulmão transplantado. Somente
após o sucesso inicial com o transplante unilateral para enfisema [87], e após o
desenvolvimento de técnicas que permitiram o transplante pulmonar bilateral [88, 89] é que a
aplicação do transplante pulmonar para enfisema se difundiu.
Dados do International society for heart and lung transplantation (ISHLT) revelam que a terapia com a substituição de órgãos tem se tornado mais corriqueira na área torácia,
alcançando números superiores a 3000 transplantes pulmonares por ano (dados de 2011 do
ISHLT) [90]. Muito se tem evoluido no cuidado destes pacientes transplantados e a
mortalidade perioperatória tem sido reduzida significantemente, porém a mortalidade tardia
não tem se modificado muito ao longo do tempo. Continua um desafio a busca da descoberta
das causas dessas elevadas taxas de mortalidade tardia e de seus possíveis tratamentos.
A teoria do tratamento com transplante pulmonar é óbvia: substituição completa do pulmão
34
não funcionante, por um pulmão novo, de um doador saudável. A curto e longo prazo, a
função dos pacientes submetidos a transplante uni ou bilateral revela uma dramática melhora
nos volumes pulmonares e na tolerância ao exercício, com a eliminação da necessidade de
oxigênio suplementar. As desvantagens do transplante, no entanto, são bem conhecidas. Não
há doadores disponíveis para a demanda, criandose assim uma lista de espera que pode
apresentar tempo variável e mortalidade associada. A mortalidade cirúrgica é maior que à
apresentada pelos relatos da CRVP, chegando a cifras de 515% para os primeiros 30 dias e
um pouco mais até o final do primeiro ano [91]. Para os sobreviventes a presença do
aloenxerto cria a necessidade de imunossupressão ao longo da vida, que traz consigo maiores
riscos de neoplasia e infecção em comparação com os não imunossupressos. Por último, o
risco de desenvolver disfunção crônica do aloenxerto, ou síndrome de bronquiolite
obliterante, atinge 5060% dos receptores em 5 anos. O conjunto desse dados demonstram
claramente a solução ainda imperfeita que o transplante oferece para pacientes com enfisema.
Na atualidade, a escolha do transplante bilateral ou unilateral para pacientes com enfisema é
controversa. Em geral, para pacientes mais jovens, particularmente aqueles com deficiência
de A1AT, é preferível o transplante bilateral seqüencial [91]. Por outro lado, os receptores
com comorbidades importantes associadas e idade mais avançada, podem receber o
transplante unilateral. Os primeiros relatos comparativos sobre a eficácia do transplante de
pulmão para enfisema em relação aos riscos do transplante bilateral versus unilateral, demonstraram um maior risco perioperatório para a opção bilateral sem um benefício
funcional justificável para o receptores [92, 93]. Porém, recentemente outros autores têm
relatado resultados opostos em pacientes com DPOC [94]. Um estudo incluiu 306 pacientes,
86 dos quais receberam transplante unilateral e 220 receberam transplante bilateral. A
morbidade e a mortalidade foram comparáveis para os dois grupos, com uma mortalidade
hospitalar global de 6,2%. Não havendo diferença no tempo de internação, tempo em UTI ou
duração da ventilação mecânica. Houve, no entanto, uma diferença na sobrevida a longo
prazo (5 anos), 66,7% para os receptores de transplante bilaterais e 44,9% para os receptores
de um único pulmão [94].
As causas de morte pós transplante pulmonar variam conforme seja a fase em que ocorre o
35
óbito. Óbitos mais precoces são relacionados com as causas cirúrgicas, como sangrameno,
disfunção primária do enxerto, insuficiência renal aguda e infecção. No período que vai de 30
dias a 1 ano predominam as causas infecciosas, visto que, é o período que a imunossupressão
está mais elevada, e após esse período predominam a síndrome de broquiolite obliterante, que
nada mais é que a forma de rejeição crônica, e as causas infecciosas, sobresaindose as
infecções fúngicas.
Em verdade, essa população de pacientes que atingem a indicação de transplante é uma outra
população que apesar de estar sendo tratada da forma mais adequada sob a luz da literatura na
atualidade, ainda apresenta elevadas taxas de morbimortalidade. Muitas questões ainda não
encontraram suas respostas e os guidelines e tratamentos propostos sustentamse muitas vezes em informações que carecem de evidência científica maior. A avaliação e reavaliação dessa
população se faz necessária afim de um melhor conhecimento dos fatores contribuintes para
este desfecho.
36
3 OBJETIVOS
3.1 GERAIS
Desenvolver um modelo de enfisema pulmonar em camundongos
Avaliar as alterações morfofuncionais da terapêutica do GCSF no modelo de
enfisema pulmonar validado
Analisar pacientes com estágio final de DPOC submetidos a terapia cirúrgica em
centro de referência.
3.2 ESPECÍFICOS
Validar um modelo de enfisema em camundongos C57Bl/6 com a utilização de
elastase porcina avaliando a eficácia e a segurança (mortalidade).
Avaliar as alterações morfológicas induzidas pela administração da elastase porcina
através da medida da média linear intersepto, e funcionais, através da ergometria.
Avaliar o potencial terapêutico do GCSF sobre o enfisema pulmonar experimental
por análises morfofuncionais.
Avaliar o perfil epidemiológico pré e pósoperatório de pacientes com DPOC
submetidos a tratameto cirúrgico para a DPOC no Toronto General Hospital.
37
4 MÉTODOS
4.1 EXPERIMENTAL
O estudo experimental foi realizado no período de 2007 a 2012 no laboratório de
Biotecnologia da FIOCRUZBa (CPpGM). Essa parte do estudo foi dividida em duas sessões.
A primeira avaliou a eficácia e segurança do modelo, e a segunda avaliou a eficácia do
tratamento com GCSF no modelo validado.
4.1.1 Animais
Foram utilizados sessenta e seis camundongos fêmeas da linhagem C57Bl/6 com 46 semanas
de idade, pesando em torno de 20g, provenientes do Biotério do CPqGM/FIOCRUZ, onde
foram criados sob temperatura controlada, água e comida ad libitum. O sacrifício foi realizado em câmara de CO2 seguindo o protocolo ético do National Institute of Health para uso de animais de laboratório. Este projeto faz parte do projeto “Terapia de células tronco em
doenças crônico degenerativas” que possui aprovação do Comitê de Ética no Uso de Animais
– CEUA, sob licença no 015/2010.
4.1.2 Indução do Enfisema
Os camundongos foram anestesiados com isoflurano (0,5 a 2%). Uma miniincisão cervical
foi realizada até visualização da porção cervical da traquéia. Através de punção traqueal, os
animais receberam 2U/100g de elastase pancreática porcina (Sigma, Aldrich, Taufkirchen,
Germany) dissolvidos em 100μl de phosphatebuffered saline (PBS). Após a instilação traqueal, 200μl de ar foi utilizado para distribuir distalmente a solução instilada. A incisão foi
suturada e os animais mantidos em plataforma aquecida (30 o C) até o despertar.
4.1.3 Teste Ergométrico
38
Uma esteira elétrica recoberta com uma câmara de acrílico hermética (LE 8700 treadmill
control, Panlab, Barcelona, Espanha) acoplada a um analisador de gases (OXYLET 00,
Panlab) foi utilizada para o exercício dos animais. A velocidade da esteira e a intensidade dos
choques aplicados a uma grade localizada na porção traseira da esteira foram controlados por
um potenciômetro (LE 8700 treadmill control, Panlab). Ar ambiente foi bombeado para a
câmara a um fluxo contínuo de 700ml/min por um fluxometro (OXYLET LE 400, Panlab). A
temperatura foi mantida constante a 21±1 o C. A amostra dos gases foi levada por um circuito
fechado ao analisador de gases (OXYLET 00, Panlab) e os dados foram enviados ao
computador através de um amplificador (ML 820, PowerLAb) contendo uma placa analógico
digital conectado ao computador (notebook DELL, Round Rock, USA). Os dados foram
armazenados em computador para análise no programa Chart 5 para Windows – Metabolism for PowerLab System. Cada animal foi mantido na câmara por 40 minutos antes de iniciar o exercício para adptação e equilíbrio de gases. A velocidade inicial foi de 7.2 m/min com
incremento de 7.2 m/min a cada 10 minutos com inclinação de 10º na esteira ergométrica. O
teste foi realizado até o animal entrar em exaustão, interpretado pela permanência do mesmo
por mais de 10 segundos na área de choque. Parâmetros como consumo de oxigênio,
produção de dióxido de carbono, distância e velocidade de exercício foram registrados.
4.1.4 Administração de GCSF
Foi administrado GCSF (Granulokine 30; Hoffman la Roche, Switzerland) por via
intraperitoneal (200 μg/kg/dia) durante 5 dias consecutivos com 3 ciclos de administração e
intervalo de 7 dias entre cada ciclo. Os animais do grupo controle receberam o mesmo
volume de solução salina por via intraperitoneal seguindo o mesmo protocolo.
4.1.5 Avaliação Morfométrica
Após eutanásia dos animais em câmaras de CO2, uma incisão toracoabdominal foi realizada
para exposição de ambos os pulmões. A traquéia foi então canulada com gelco 18 e por duas
horas os animais foram perfundidos com solução de formalina a 4% a uma pressão
hidrostática constante de 20 cmH2O. Após este período, o bloco cardiopulmonar foi retirado
39
com ligadura traqueal a fim de manter constante a pressão alveolar de 20 cmH2O de água. Em
seguida, o bloco foi colocado em solução de formalina 4% para posterior confecção das
lâminas. O corte das lâminas foi feito com 5 micrômetros de espessura e as lâminas coradas
por HematoxilinaEosina para análise por microscopia de campo claro. As imagens foram
analisadas usando o programa Image Pro. As regiões de onde foram tiradas as fotos foram
previamente selecionadas de forma que todas as regiões pulmonares fossem contempladas. A
extensão das lesões enfisematosas foi estimada através da medida da média linear intersepto
ou método de Thurlbeck modificado [22, 58]. De cada animal foram colhidas 5 fotografias
com aumento de 40 vezes utilizando o sistema Aperio ScanScope (Aperio Technologies,
Vista, CA.). Uma grade de 10 linhas horizontais e 10 linhas verticais separadas
uniformemente foi sobreposta a cada figura e a distância entre os septos por onde estas linhas
se cruzaram foram computadas. A média da distância de todas estas medidas gerou a média
linear intersepto (Lm).
4.1.6 Análise Estatística
Valores numéricos foram expressos em média e desvio padrão quando não indicado diferente.
Análise ergométrica foi realizada utilizando teste t para comparar grupos antes e após o
tratamento. Dados morfométricos foram comparados com oneway ANOVA seguido do teste de Tukey. Valores de p < 0,05 foram considerados estatisticamente significantes.
4.1.7 Desenho do Estudo
4.1.7.1 Parte 1
Nesta primeira avaliação foram utilizados 36 animais divididos randomicamente em 3 grupos:
grupo A1 (controle) não foi manipulado (n=12); grupo B1 recebeu 100 μl de elastase
intratraqueal (n=12) e grupo C1 recebeu 100 μl de PBS intratraqueal (n=12). Nesta parte do
estudo os animais foram avaliados com ergometria antes e após a indução e com análise
morfométrica (Lm) (Figura 3).
40
4.1.7.2 Parte 2
Nesta segunda sessão, 30 animais foram induzidos com 100 μl de elastase traqueal e então
radomicamente divididos em 3 grupos: grupo controle (A2), grupo tratado com salina
intraperitoneal (B2) e grupo tratado com GCSF intraperitoneal (C2). Nesta etapa, os animais
foram avaliados com ergometria antes da indução, após a indução e após o tratamento, como
mostra a Figura 4.
Figura 4: Esquematização da parte 2 do estudo experimental. Os animais foram submetidos a ergometria em três momentos e o protocolo de tratamento com GCSF ou salina intraperitoneal (controle) foi de aplicações diárias consecultivas por 5 dias em 3 ciclos a intervalos de 7 dias entre os ciclos.
Figura 3: Esquematização da parte 1 do estudo experimental. Os animais foram submetidos a ergometria antes da indução e após 28 dias da mesma.
41
4.2 CLÍNICO OBSERVACIONAL
4.2.1 Pacientes
Foram revisados prontuários de todos os pacientes submetidos a tratamento cirúrgico para o
DPOC (CRVP e transplante pulmonar) no Toronto General Hospital num período de 10 anos, de janeiro de 2000 a dezembro de 2009. Dados de história, tipo de cirurgia, função pulmonar
e complicações pósoperatórias foram coletados. Dados de acompanhamento como
reinternamentos e função pulmonar pósoperatória foram registrados até o período do quinto
ano pósoperatório. O estudo teve aprovação do comité de ética e pesquisa da Universidade
de Toronto e do Toronto General Hospital (Protocolo REB 100928BE).
4.2.2 Análise Estatística
Os dados foram analisados com média e desvio padrão exceto quando indicado diferente.
Testes comparativos foram realizados através de teste t de student quando a distribuição foi identificada como normal e ANOVA para análises repetidas. KaplanMeier foi utilizada para
análise da curva de sobrevida. Significância estatística foi definida com p<0,05.
5 RESULTADOS
5.1 EXPERIMENTAL
5.1.1 Parte 1 Validação do Modelo de Enfisema
5.1.1.1 Segurança do Modelo
Quatro de 36 camundongos (11,1%) morreram durante o experimento. Os grupos
manipulados com punção traqueal revelaram mortalidade similar (duas mortes por grupo)
independente do tipo de solução administrada (Tabela 1).
42
Tabela 1. Percentagem de mortalidade relacionada à metodologia de indução do enfisema pulmonar. Controle,
animais não manipulados (A1); Administração de 100 μl de elastase intratraqueal (B1); Administração de 100 μl
de PBS intratraqueal (C1).
Grupo n Mortalidade %
A1 12 0 0
B1 12 2 16,7
C1 12 2 16,7
Total 36 4 11,1
5.1.1.2 Análise Funcional Ergometria
Velocidade máxima e distância percorrida alcançada por cada grupo antes e após a
administração de PBS ou elastase estão resumidos na Tabela 2.
Antes da manipulação, todos os camundongos foram capazes de exercitarse igualmente na
esteira. Após a manipulação, o grupo B1 (administração de elastase intratraqueal) mostrou
uma redução significativa da velocidade máxima de exercício, sustentando velocidades
somente até 16,2 m/min (Tabela 2). Essa diferença resultou em uma redução significante na
distância percorrida pelo grupo dos camundongos tratados com elastase traqueal, reduzindo a
distância percorrida em 30,5% quando comparados com os camundongos tratados com PBS
(Tabela 2).
43
Tabela 2. Avaliação ergométrica dos grupos: (A1) Controle. Animais não manipulados; (B1) Administração de
100 μl de elastase intratraqueal; (C1) Administração de 100 μl de PBS intratraqueal. Medida da velocidade
média durante o teste e distância percorrida. * p < 0,05
Grupo Velocidade (m/min) Distância (m)
Pre Pos Pre Pos
A1 19,8±3,0 19,2±3,2 900±124 810±173
B1 19,2±2,7 16,2±3,1* 810±161 570±45*
C1 18,0±3,0 18,0±3,6 710±157 720±201
No que diz respeito ao consumo de oxigênio e produção de dióxido de carbono, todos os
camundongos tratados com elastase aumentaram o consumo de oxigênio após a indução
quando comparados com a mesma velocidade antes e após a administração de elastase (Figura
4A). Em relação à produção de dióxido de carbono, não foram observadas diferenças
significantes com a mesma velocidade antes e após a administração de elastase (Figura 4B).
44
Figura 4: Análise de gases no teste ergométrico antes e após a indução com elastase no gupo B1. (A) Consumo
de oxigênio (VO2) e (B) produção de dióxido de carbono (VCO2) em diferentes velocidades da esteira no teste
ergométrico, no período de exaustão e nos períodos de repouso pré e pós teste (recupração). Os dados estão
apresentados em média e desvio padrão. n=10 por grupo. Notase que nenhum animal do grupo B1 alcançou a
velocidade de 36m/min após indução. * p < 0,05; ** p < 0,01; *** p < 0,001.
5.1.1.3 Análise Morfométrica Medida da Lm
A administração de 100 μl de elastase por via traqueal aumentou significativamente o Lm
(99,6 ± 2,9 µm) quando comparado com o grupo tratado com PBS intratraqueal (33,3 ± 0,6
µm) e o grupo não manipulado (25,6 ± 0,1 µm). Um pequeno, mas significativo, aumento de
Lm foi encontrado no grupo tratado com PBS quando comparado com o grupo não
manipulado (Figura 5).
A
45
Figura 5: Análise morfométrica com medida da média linear intersepto (µm) nos grupos controle (A1),
induzidos com elastase (B1) e induzidos com PBS (C1). Notase um aumento maior que 3x da média linear
intersepto no grupo induzido (B1) em relação aos demais grupos. * p < 0,05
5.1.2 Tratamento com GCSF
Na avaliação ergométrica, confirmouse significativa redução da capacidade ao exercício após
indução com elastase. Camundongos com enfisema tratados com GCSF recuperaram a
capacidade de exercício, exercitandose significativamente mais quando comparado ao
desempenho registrado 28 dias após a indução do enfisema (Figura 6). Em contraste,
camundongos enfisematosos tratados com salina mantiveram esta redução até 8 semanas após
o tratamento. Camundongos normais não apresentaram diferença na capacidade de realizar
exercícios físicos ao longo do estudo.
Figura 6: Avaliação da distância percorrida no teste ergométrico nos três grupos do estudo em três momentos
1 1 1
46
distintos, antes da indução, após a indução e após o tratamento. Observase redução da distância percorrida após
a indução com elastase nos gruos B2 e C2 e observase a recuperação funcional do grupo tratado com GCSF
(C2) no teste realizado após o tratamento.* p <0,05; ** p < 0,01.
Quando se avaliou a análise dos gases na ergometria no grupo C2, pôdese observar que no
momento do primeiro teste, antes da indução com elastase, os animais apresentaram padrão
ascendente de VO2 com o aumento do esforço físico. Esse é o padrão fisiológico esperado em
resposta ao exercício. O segundo teste, após indução, revelou um VO2 inicial mais elevado,
porém com o decorrer do teste houve uma curva menos ascendente que no primeiro teste.
Observouse diferença estatística significante do VO2 somente até a velocidade de 21,6 m/min
em comparação com o primeiro teste. No terceiro teste, após tratamento com GCSF, houve
uma tendência à redução desse efeito compensatório de aumento da VO2, porém não houve
diferença estatística em relação ao segundo teste (Figura 7A). No período de recuperação,
houve tendência à recuperação mais rápida do VO2 no terceiro teste em comparação com o
segundo.
Na avaliação da produção do dióxido de carbono (VCO2) observase um padrão uniforme nos
três testes realizados no grupo C2, houve apenas significância na velocidade de 14,4 m/min
quando comparado com os animais pósindução, e no período de recuperação em comparação
com os animais préindução (Figura 7B).
A
47
Figura 7: Análise de gases (VO2 e VCO2) do grupo tratado com GCSF (C2) em três momentos do estudo; antes
da indução, após a indução e após o tratamento. (A) Observase uma curva ascendente de VO2 no decorrer do
primeiro teste, antes da indução, e curvas mais aplainadas após a indução com elastase (segundo e terceiro
testes). Os animais induzidos com elastase apresentaram VO2 maior no início em comparação com o primeiro
teste, mas não apresentaram o aumento esperado até a exaustão. O terceiro teste, após tratamento com GCSF,
revelou tendência à redução do aumento compensatório da VO2, vista no segundo exame, porém sem diferença
estatística. (B) As curvas de VCO2 apresentaram padrão quase que uniforme nos três testes. Diferença estatística
ocorreu no período de recuperação entre o primeiro e terceiro teste.
Comparandose os cortes histológicos pulmonares obtidos dos camundongos enfisematosos
tratados com GCSF (Figura 8C) com os tratados com salina (Figura 8B), observase que o
grupo tratado com GCSF foi capaz de restaurar o parênquima pulmonar, comprovado pela
reestruturação do septo alveolar, semelhante aos camundongos normais (Figura 8A). A Lm de
camundongos enfisematosos tratados com GCSF foi semelhante aos observados com os
camundongos não manipulados (Figura 9). Em contraste, a degeneração no enfisema induzida
pela administração de elastase não foi revertida nos camundongos enfisematosos tratados com
salina, que tinha Lm significativamente maior quando comparados aos camundongos normais
ou tratados com GCSF (Figura 9).
B
48
Figura 8: Corte histológico do parênquima pulmonar (40x) corados com HE dos três grupos: (A) controle; (B)
grupo tratado com salina e (C) grupo tratado com GCSF. Observase o aumento da distância intersepto no
grupo induzido com elastase tratado com salina (B) e recuperação da septação alveolar no grupo induzido com
elastase e tratado com GCSF (C).
Figura 9: Média linear intersepto dos grupos avaliados (µm). Notase a redução significativa da Lm e
recuperação morfológica no grupo tratado com GCSF em comparação com o grupo tratado com salina. *** p <
0,001.
B C
49
5.2 CLÍNICO OBSERVACIONAL
Ao longo de 10 anos (Jan/2000Dez/2009), 220 pacientes submeteramse a tratamento
cirúrgico para a DPOC no Toronto General Hospital. Foram realizados 152 transplantes pulmonares e 67 pacientes submeteramse a 68 cirurgias redutoras de volume pulmonar
(CRVP).
5.2.1 Cirurgia Redutora de Volume Pulmonar
Dados demográficos e funcionais dos pacientes submetidos a CRVP na avaliação
imediatamente anterior à cirurgia podem ser avaliados na Tabela 3.
Tabela 3: Dados demográficos dos pacientes submetidos a CRVP no Toronto General Hospital de Jan2000 a Dez2009. Dados descritos em média (Valor) e desvio padrão (DP).
Parâmetros Valor DP n Idade (anos) 60 9,2 68 Sexo (M/F) 37/31 68 VEF1 (L) 0,68 0,2 65 VEF1 (%) 24,2 6,7 60 CVF (L) 3,05 7,0 55 CVF(%) 56,7 17,9 54 RV (%) 268,5 63,5 56 CPT (%) 139,7 21,6 55 DLCO (%) 38,1 12,3 57 PO2 (mmHg) 69,3 12,4 48 PCO2 (mmHg) 40,6 9,8 49 6MWT (m) 307,3 101,2 29 IMC (Kg/m 2 ) 23,7 3,8 51 PSVD (mmHg) 34,2 9,7 25
VEF1: Volume expiratório forçado no primeiro segundo; CVF: Cpacidade vital forçada; RV: Volume
residual; CPT: Capacidade pulmonar total; DLCO: Difusão pulmonar de monóxido de carbono; PO2:
Pressão arterial de oxigênio; PCO2: Pressão parcial de dióxido de carbono; 6MWT: Teste de
caminhada de 6 minutos; IMC: Indice de massa corpórea; PSVD: Pressão sistólica de ventriculo
direito.
50
Dentre os pacientes submetidos à CRVP, cinquenta e nove pacientes (86,7%) tinham história
de tabagismo documentado. A média de maços/ano na história foi 36,9 (± 16,9). Vinte e dois
pacientes (32,4%) vieram encaminhados do serviço de transplante pulmonar, sendo
inicialmente encaminhados para aquele programa. Dez pacientes (14,7%) tinham história
prévia de deficiência de alfa1 antitripsina (A1AT). Um paciente foi submetido a CRVP
unilateral duas vezes durante o período.
Sessenta e uma cirurgias (90%) foram concluídas por vídeo (VATS), quatro pacientes (5,9%)
foram iniciados com VATS e então convertidos, seja para esternotomia ou toracotomia
lateral. As áreasalvo de ressecção e dados cintilográficos de perfusão estão descritos na
Tabela 4.
Tabela 4: Quantificação cintilográfica da perfusão pulmonar segmentados por áreas alvo.
n 1/3 Super ior (% ) 1/3 Médio (% ) 1/3 Basal (% ) Áreas Alvo D E D E D E
Superior 43 (63,2%) 6,6 7,9 23,3 23,2 18,6 20,4 Inferior 23 (33,8%) 22,6 21,1 22,7 21,1 9,6 7,2
Não específica 2 (3%) 8,4 14,7 16,8 27,9 15,1 17,1
Quinze pacientes (22%) foram submetidos a CRVP unilateral. A mediana de permanência
hospitalar foi de 10 dias. Seis pacientes (8,8%) necessitaram de internamento em unidade de
terapia intensiva (UTI) em algum momento durante o curso pósoperatório. Um paciente
necessitou de ventilação mecânica prolongada e teve uma longa permanência na UTI, 131
dias. Este paciente, em especial, foi transferido para um hospital de reabilitação sob
ventilação mecânica. Os outros 5 tiveram uma média de permanência na UTI de 5,2 dias.
Dois pacientes (2,9%) necessitaram de traqueostomia por ventilação mecânica prolongada.
51
Em termos de resultados pósoperatório imediato, 58% (36/62) dos pacientes permaneceram
com dreno torácico por 10 dias ou mais, com uma média de 13,6 dias (± 13,8). Vinte e oito
por cento (18/64) tiveram alta com dreno torácico (conectados à válvula de Heimlich). Outros dados de morbidade estão descritos a seguir (Tabela 5).
Tabela 5: Quantitativo da morbidade pósoperatória de CRVP. Valores descritos com números absolutos
(porcentagem)
Pneumonia 13 (19,1%) Reoperação por Escape Aéreo 5 (7,4%) Empiema 2 (2,9%) Ventilação prolongada/Traqueostomia 2 (2,9%) Recolocação de Dreno Torácico 2 (2,9%) Rouquidão 2 (2,9%) Reoperação por Hemotórax 1 (1,5%) Trombose Venosa Profunda 1 (1,5%) Tromboembolismo Pulmonar 1 (1,5%) Arritmia req. Cardioversão 1 (1,5%)
Dois pacientes (2,9%) morreram durante o curso hospitalar. Um desenvolveu pneumotórax
hipertensivo seguido de parada cardíaca, e o outro, pneumonia bilateral após reoperação por
escape aéreo.
Avaliação funcional foi registrada nos períodos pósoperatórios: 3° mês, 6° mês, 1°, 2°, 3°, 4°
e 5° ano, quando os pacientes finalmente receberam alta clínica do ambulatório. Avaliação
funcional pósoperatória está descrita na Tabela 6.
De 68 pacientes, 18 (26,5%) foram encaminhados para o programa de transplante de pulmão
quando a função regrediu aos níveis críticos. Neste ponto, eles deixaram o acompanhamento
na clínica de CRVP para acompanhamento naquele programa. Dentre esses 18 pacientes, 12
(17,6%), de fato, se submeteram ao transplante pulmonar após CRVP. O tempo médio de
espera para o transplante foi de 284 dias.
52
Entre o grupo de pacientes que recebeu alta hospitalar após a cirurgia e não foi elegível para o
transplante, 8 (11,8%) evoluíram a óbito durante o período de estudo. Entre aqueles que se
submeteram ao transplante, apenas um morreu após o transplante. O tempo de ponte entre a
CRVP e o transplante foi 4,0 anos (± 1,9).
Tabela 6: Avaliação funcional com espirometria e teste de caminhada (6 WMT) no período pósoperatório dos
pacientes submetidos a CRVP.
3 meses 6 meses 1 ano 2 anos 3 anos 4 anos 5 anos
VEF1 (L) 1,1
(n=35) 1,0
(n=24) 1,0
(n=39) 0,9
(n=27) 0,8
(n=22) 0,8
(n=12) 0,9 (n=8)
VEF1 (%) 39,9 (n=34)
36,4 (n=22)
33,8 (n=35)
29,8 (n=26)
31,6 (n=19)
32,2 (n=11)
31,3 (n=7)
CVF (L) 2,9 (n=31)
2,5 (n=19)
2,6 (n=32)
2,5 (n=22)
2,4 (n=17)
2,2 (n=9)
2,4 (n=6)
CVF (%) 80,5 (n=31)
71,9 (n=19)
74,7 (n=33)
69,1 (n=22)
70,3 (n=16)
69,7 (n=10)
80,5 (n=6)
CPT (%) 115,0 (n=32)
122,5 (n=19)
111,9 (n=33)
120,5 (n=22)
109,9 (n=13)
113,6 (n=8)
131,4 (n=5)
VR (%) 177,1 (n=33)
211,4 (n=18)
185 (n=33)
197,6 (n=22)
172,6 (n=12)
197,3 (n=9)
223,7 (n=6)
DLCO (%) 43,3 (n=34)
43,9 (n=22)
47,3 (n=32)
41,7 (n=23)
40,0 (n=16)
41,3 (n=9)
42,6 (n=7)
6 WMT 365,2 (n=20)
403,3 (n=10)
359,7 (n=21)
356,9 (n=9)
334,3 (n=10)
190,0 (n=2)
398,0 (n=1)
VEF1: Volume expiratório forçado no primeiro segundo; CVF: Cpacidade vital forçada; RV: Volume
residual; CPT: Capacidade pulmonar total; DLCO: Difusão pulmonar de monóxido de carbono; PO2:
Pressão arterial de oxigênio; PCO2: Pressão parcial de dióxido de carbono; 6MWT: Teste de
caminhada de 6 minutos.
Como os pacientes tiveram diferentes medidas da função pulmonar (VEF1) como ponto de
partida, foi realizada uma análise levandose em consideração a quantidade de pontos
percentuais (pp) acima da medida préoperatória para cada momento da avaliação, portanto
pp representa a subtração do VEF1(%) pósoperatório pelo VEF1(%) préoperatório. O
percentual estratificado é mostrado na Figura 10.
53
Figura 10: Estratificação da porcentagem de pacientes com diferentes pp no curso de avaliações pós
operatórias. Notase que progrressivamente o grupo de pacientes que apresentam pp menor ou igual a zero (azul)
aumenta ao longo do acompanhamento pósoperatório e consequante os grupos com pp de 110% (vermelho) e
1120% (verde) apresentam redução de pacientes, que provavelmente migram para o grupo azul. O grupo de
pacientes com pp > 20% (lilás) mantémse relativamente estável ao longo dos 5 anos de evolução.
Curva de KaplanMeier foi utilizada para resumir o número de pacientes que haviam estado
com a função acima da linha de base (Figura 11). Os pacientes foram sensorados quando
morreram ou referendados para o transplante. Para os demais pacientes, a data da última visita
clínica foi considerada a data final. A sobrevida mediana foi de 4,6 anos.
54
Figura 11: KaplanMeier de pacientes com função pulmonar acima da linha de base. Pacientes foram
sensorados quando evoluiram a óbito ou quando foram encaminhados ao serviço de transplante. Para os demais,
a data da última visita foi considerada a data final.
Quando avaliamos o subgrupo de pacientes com deficiência de A1AT (n = 10), vemos que
todos eles tiveram doença predominante basal. No préoperatório, a função não diferiu entre
os grupos com e sem deficiência de A1AT (20,3% versus 24,9%, p = 0,06). Quatro pacientes do grupo com deficiência de A1AT (40%) foram encaminhados para o programa de
transplante, enquanto apenas 14 (24%) pacientes do grupo sem deficiência declinaram função
ao ponto de serem encaminhados. Todos do grupo de deficiência de A1AT acabaram se
submetendo ao transplante, enquanto que apenas oito do grupo sem deficiência (13,8%)
receberam de fato o transplante. Os tempos de permanência hospitalar e de drenagem não
apresentaram diferença estatística. Nenhum dos 10 pacientes morreu durante a internação
cirúrgica. Mesmo sem haver significância (p = 0,06), pacientes sem deficiência de AAT
tenderam a ter melhor e mais sustentável função após a cirurgia (Tabela 7).
55
Tabela 7: Avaliação funcional (VEF1) dos grupos com e sem deficiência de A1AT no curso pósoperatório.
3meses 6meses 1ano 2anos 3anos 4anos 5anos
Def A1AT 13,2 3,5 6,3 1,3 4,0 3,0 2,0
DP 6,6 2,1 6,9 3,2 3,5
n 5 2 6 4 3 1 1
Sem Def A1AT 16,1 15,2 10,2 7,8 5,5 6,8 0,6
DP 11,3 17,1 10,6 11,9 12,9 15,1 18,6
VEF1 (pp acima linha de base)
n 27 20 29 21 16 10 5
VEF1: Volume expiratório forçado no primeiro segundo; A1AT; Alfa1 antitripsina.
Quando avaliamos o subgrupo de pacientes que tinham função pulmonar pior (VEF1 <= 25%)
(n=40) e comparamos com aqueles que tinham melhor VEF1 (> 25%) (n=20), vemos
tendência a diferentes evoluções do ponto de vista funcional (Figura 11). Os pacientes que
apresentavam a VEF1 inicial acima de 25% apresentaram uma melhor resposta funcional,
observandose um ganho do VEF1 mais elevado que o grupo que apresentava VEF1 inicial <=
25%, porém com valor de p sem significância. Uma tendência de maior incidência de complicações pósoperatórias no grupo com VEF1 <= 25% também foi observada, no entanto,
a significância estatística não foi confirmada (Tabela 8).
56
Figura 11: Evolução funcional (PP de VEF1 acima da linha de base) dos grupos com VEF1 inicial >25% e VEF1 inicial <=25%. p = ns. PP: Pontos Percentuais.
Tabela 8: Complicações pósoperatórias dos grupos que apresentavam VEF1 inicial >25% e VEF1 inicial
<=25%.
VEF1 >25% VEF1<=25% Pneumonia 15% 25% Recolocação de Dreno 5% 2,5% Reoperação 0% 15% Empiema 0% 5% Rouquidão 0% 5% Embolia Pulmonar 0% 2,5 Arritmia 5% 0%
57
5.2.2 Transplante Pulmonar
Cento e cinquenta e dois transplantes foram realizados em pacientes com DPOC no Toronto General Hospital no período do estudo, 69,1% do total das cirurgias realizadas para a patologia. As características demográficas dos pacientes estão descritas na Tabela 9.
Tabela 9: Dados demográficos dos pacientes submetidos a transplante pulmonar no Toronto General Hospital de Jan/2000 a Dez/2009. Valores descritos em média e desvio padrão (DP).
Parâmetros Valor DP n Age (anos) 59 8,0 152 Sexo (M/F) 88/66 152 VEF1 (L) 0,5 0,37 149 VEF1 (%) 20 13,1 143 CVF (L) 2 2,7 147 CVF (%) 56 19 145 CPT (%) 146,5 26,1 152 DLCO (%) 30,8 14,4 121 PO2 (mmHg) 68 16,8 141 PCO2 (mmHg) 46 10,2 143 6MWT (m) 289,6 7,8 145 IMC (Kg/m 2 ) 23 5,4 149 PSVD (mmHg) 36 15,6 113
VEF1: Volume expiratório forçado no primeiro segundo; CVF: Cpacidade vital forçada; RV: Volume
residual; CPT: Capacidade pulmonar total; DLCO: Difusão pulmonar de monóxido de carbono; PO2:
Pressão arterial de oxigênio; PCO2: Pressão parcial de dióxido de carbono; 6MWT: Teste de
caminhada de 6 minutos; IMC: Indice de massa corpórea; PSVD: Pressão sistólica de ventriculo
direito.
A evolução da função pulmonar caracterizada pelo VEF1 pode ser vista na Figura 12. Pode
ser observado, que dos pacientes sobreviventes, houve estabilidade da função pulmonar até o
quinto ano pós operatório. Diferença estatística houve apenas entre o pré operatório e as
avaliações subsequentes.
58
Figura 12: Evolução espirométrica (VEF1) pré e póstransplante pulmonar até o quinto ano de
acompanhamento.
A análise da curva de sobrevida revela que a sobrevida em 90 dias foi de 94%, 88% no
primeiro ano e 63% no quinto ano (Figura 13).
Figura 13: Curva de sobrevida de pacientes com DPOC submetidos a transplante pulmonar.
Cinquenta e dois pacientes (34%) evoluíram a óbito durante o período do estudo. As causa do
óbito foram na sua grande maioria ou por infecção (38%) ou rejeição crônica (38%) (Figura
14).
59
Figura 14: Análise do percentual das causas de morte nos pacientes submetidos a transplante pulmonar.
DAD: Dano alveolar difuso; PLTD: Doença linfoproliferativa associado a transplante
6 DISCUSSÃO
Este trabalho foi dividido em duas sessões, uma experimental com a validação de um modelo
de enfisema e o teste terapêutico com um fator de crescimento celular (GCSF) no modelo
utilizado; e uma sessão clínica com um observacional retrospectivo de uma população de
pacientes com DPOC submetidos a tratamento cirúrgico, CRVP ou transplante pulmonar.
Na primeira sessão, induzimos o enfisema por injeção intratraqueal de elastase pancreática
suína, o que resultou em uma medida da média linear intersepto de 99,6 µm. Ishizawa et al. [58] utilizaram a mesma concentração de elastase por instilação intranasal para induzir o
enfisema em camundongos e, depois de três semanas, eles observaram anormalidades
pulmonares com média linear intersepto de 80 µm. O mesmo grupo repetiu o procedimento, a
fim de testar os efeitos do Fator de Crescimento de Hepatócito nos pulmões induzidos a
enfisema por elastase, e a média linear intersepto encontradoa foi menor: 65 µm [95]. Outro
estudo [96], usando camundongos C57Bl/6, camundongos transgênicos SPC/TNFa e doses
similares de elastase encontraram uma média linear intersepto variando entre 60 e 85 µm. A
avaliação dos dados morfométricos disponíveis sugere que a administração intratraqueal de
60
elastase parece mais eficiente para induzir enfisema, juntamente com uma mortalidade
relativamente baixa. Ishizawa et al. [58, 95] não mencionaram a taxa de mortalidade observada em seus estudos.
Em outro estudo [97], enfisema foi induzido em uma linhagem de camundongos transgênicos
(NMRI), que possui uma maior atividade endógena antiprotease. Dois grupos experimentais
foram usados para administrar elastase pancreática suína por instilação intratraqueal: 5U/100g
com administração única e 3.3U/100g com administração repetitivas. Em ambos os
tratamentos, a mortalidade absoluta de animais foi elevada (seis e cinco ratos,
respectivamente). No entanto, os autores não mencionaram o número total de animais
utilizados por grupo. Parece claro que a maior concentração de elastase utilizada em seu
estudo resultou em uma maior taxa de mortalidade entre os animais experimentais em
comparação com o presente estudo que utilizou a dose de 2U/100g. Estes resultados indicam
que o protocolo experimental utilizado em nosso estudo é mais aplicável na indução de
enfisema em camundongos.
Comparandose os parâmetros morfológicos de nosso estudo com os medidos por Luthje et
al. [97], observamos que a Lm foi maior no último estudo (260,7 µm) quando comparado com os nossos dados (99,6 µm). A maior destruição do parênquima pulmonar induzida em
camundongos pela Luthje et al. [97] pode ser atribuída à maior concentração de elastase utilizado, bem como pela linhagem do camundongo utilizada, que é mais suscetível ao
desenvolvimento de anormalidades estruturais pulmonares.
Uma série de outros estudos utilizaram a via nasal para a indução de enfisema [98100]. Nos
estudos experimentais todos os fatores externos devem ser diminuídos ou excluídos do teste.
Acreditamos que esta via leva à aspiração errática da dose de elastase e portanto uma maior
variação no dano pulmonar atribuído à elastase. De fato, parte do que é administrado por via
nasal é deglutido ao invés de aspirado. Utilizamos em nossos experimentos a via traqueal
através de punção cervical. Com isso garantimos que toda a dose administrada alcançou a via
aérea distal. Apesar de não publicado, utilizamos em nosso estudo piloto a via nasal e
observamos que a mesma dose de elastase não levou a alterações pulmonares enfisematosas
61
quando administrada por via nasal. A via traqueal é mais invasiva, apresenta mortalidade
provavelmente maior que a nasal porém apresenta vantagem indiscutível que é a certeza da
dose administrada.
Outro fator importante no controle dos fatores relacionados com a média linear intersepto é a
perfusão traqueal de formalina durante a fixação dos pulmões. Diferentemente de outros
órgãos, que basta serem imersos na solução de formalina, o pulmão necessita ser fixado a uma
pressão constante e conhecida para que o alvéolo mantenha sua conformação e tamnaho. Em
geral a pressão intraalveolar é de 15 a 25 cmH2O. Desenvolvemos um dispositivo capaz de
manter a pressão intratrqueal de 20 cmH2O de forma constante a cinco camundongos
simultaneamente. Com isso, evitamos hiperdistensão alveolar e leitura incorreta do Lm.
A atividade física é significativamente prejudicada no paciente com DPOC, alterando
significativamente sua qualidade de vida. A patogênese da incapacidade física é complexa e
envolve a perda de força muscular respiratória, alterações nas trocas gasosas e anormalidades
na mecânica pulmonar, o que reflete na intolerância ao exercício. Técnicas de avaliação de
tolerância ao exercício em modelos animais têm ganhado mais importância após publicações
revelando que estes testes têm correspondência com a avaliação espirométrica [41]. Eles têm
a vantagem de serem não invasivos, de fácil realização, podendo ser repetidos durante o curso
do estudo quantas vezes forem necessários e ainda apresentam a vantagem de avaliar a função
cardiorespiratória relacionada ao exercício de uma forma global.
Luthje et al. demonstraram uma redução na distância percorrida em relação em camundongos enfisematosos avaliados por teste ergormétrico [97]. Nosso estudo avaliou não só a distância
e o tempo de exercício, mas também o consumo de oxigênio e a produção de dióxido de
carbono. Os resultados obtidos demonstraram que a indução do enfisema compromete a
capacidade ao exercício provavelmente devido ao comprometimento das trocas gasosas em
conseqüência da destruição do parênquima pulmonar (Figura 4 e Tabela 2).
Em nosso trabalho, com uma única administração intratraqueal de elastase e um pequeno grau
de inclinação na esteira, observamos uma redução da distância percorrida de 30,5% quando
62
comparado ao prétratamento. Outros estudos também revelaram redução da capcidade física
de camundongos em realizar exercício na esteira após a administração intratraqueal de
elastase [101]. O desempenho de camundongos na esteira no estudo de Luthje et al. revelou que não houve diferença na distância percorrida entre o controle e o grupo que recebeu
elastase intratraqueal em única dose, mas houve redução de 29,7% no grupo com
administração repetida de elastase [97]. Embora a destruição do tecido pulmonar tenha sido
mais caracterizada no estudo de Luthje et al., como mostrado pelo maior aumento de Lm, nosso procedimento experimental resultou no mesmo nível de comprometimento funcional
com menos aplicações de elastase. Vale ressaltar que a diferença entre as linhagens utilizadas
e o sexo dos camundongos pode justificar alugumas diferenças entre os estudos
experimentais.
Diferente dos trabalhos anteriormente mencionados, analisamos a dinâmica das trocas gasosas
durante o exercício. O aumento do consumo de oxigênio (Figura 4A) pode refletir o estado
hipermetabólico causado pela doença e a habilidade compensatória do coração em aumentar o
débito cardíaco, atendendo as demandas metabólicas do animal durante o esforço. Um estudo
que avaliaou a inflamação em modelo de enfisema, identificou uma maior quantidade de
leucotrieno B4, marcador de inflamação, entre o 14° e o 28° dia pós indução [100]. A
manutenção da produção de dióxido de carbono (Figura 4B) pode significar que o
comprometimento da troca gasosa não foi suficientemente grave a fim de aumentar a
produção de CO2. O CO2, por ser 24x mais difusível que o O2, mantém o VCO2 inalterado no
curso da patologia até a doença atinja estágio avançado.
Portanto, o modelo testado no nosso estudo fornece algumas vantagens, como o uso de uma
menor concentração de elastase quando comparados a outros estudos, levando a significantes
anormalidades estruturais que podem ser responsáveis por distúrbios funcionais que
caracterizam enfisema pulmonar. Além disso, o enfisema pode ser induzido com uma taxa de
mortalidade relativamente baixa e um alto grau de reprodutibilidade, podendo ser avaliado
funcionalmente através de métodos nãoinvasivo com teste de tolerância ao exercício.
Quanto ao tratamento de lesões pulmonares enfisematosas com a terapia celular, muitos
63
estudos investigando diferentes terapias restauradoras do tecido e da função têm sido descritas
nos últimos anos. Célulastronco da medula óssea [102], célulastronco mesenquimais [103],
fatores de crescimento como GCSF [104], GMCSF [105], VEGF [106], HGF [107] etc têm
sido empregados em modelos experimentais de diversas doenças crônicas, como
miocardiopatia chagásica crônica, encefalomielite autoimune, cardiomiopatia isquêmica,
doenças neurológicas, doenças renais e doenças pulmonares. Alguns deles inclusive já foram
testados em ensaios clinicos [6770].
Neste estudo, nós demonstramos, pela primeira vez por análises funcional e morfométrica,
que o tratamento com GCSF induziu à recuperação da função de troca gasosa pulmonar e
estrutura alveolar. A melhora da função respiratória se refletiu em um melhor desemnpenho
físico durante o exercício em camundongos tratados com GCSF. Estes efeitos podem ser
devido a muitas ações do GCSF já descritas, como a mobilização de célulastronco derivadas
da medula óssea, estimulação de célulastronco residentes do próprio tecido, indução de
angiogênese [108], redução da inflamação e fibrose [71, 109] e indução de apoptose de
células inflamatórias [71].
Na literatura, diversos estudos tiveram como objetivo promover a reparação e regeneração do
tecido pulmonar no enfisema por GCSF. Ishizawa et al. demonstraram que a administração de ATRA conjuntamente com GCSF resultou na mobilização de células da medula óssea
para o parênquima pulmonar e na regeneração do septo alveolar (redução da Lm) [58]. Os
efeitos benéficos sobre a estrutura pulmonar, no entanto, foi melhor observado quando
utilizado em associação quando comparado com a utilização individual do ATRA ou do G
CSF. Janelle et al. demonstraram o efeito benéfico da preelafina, um inibidor da elastase, administrado em modelo de enfisema em camundongos [73]. Os autores demonstraram que o
efeito benéfico era associado a uma maior concentração de GCSF e a uma diminuição de
neutrófilos no parênquima pulmonar. Outros autores têm demonstrado que as lesões
pulmonares diretas inflamatórias provocadas no parênquima pulmonar pela elastase são
transitórias e por volta do sétimo dia após a administração são inexistentes [110]. As lesões
enfisematosas começam a aparecer a partir da primeira semana da administração, o que leva a
crer que elas são, pelo menos em parte, desencadeadas por liberação endógena de proteases.
64
Yoshimatuso et al. demonstraram que GCSF é capaz de reverter lesões enfisematosas desde
que o protocolo de adminstração do GCSF se inicie quando as lesões enfisematosas entejam
bem estabelecidas [72]. Segundo eles, GCSF não impediu progressão do enfisema quando
administrado a partir do quarto dia da administração da elastase, outros autores também não
identificaram efeito benéfico quando quando GCSF foi administrado antes da indução com
elastase [111]. Yoshimatuso et al. testaram as dosagens de 100 e 200 μg/kg/dia com múltiplas aplicações, e apesar de observarem tendência a maior redução da Lm com a dose 200
μg/kg/dia, não houve diferença estatística entre elas. Eles demonstraram redução da Lm em
28% com a dose de 100 μg/kg/dia e 35% com a dose de 200 μg/kg/dia [72]. Enquanto nós
demonstramos redução de 45,7% com a dose de 200 μg/kg/dia. Provavelmente, essa diferença
é devido a um diferente protocolo de administração do GCSF. Eles aplicaram 100 μg/kg/dia
ao longo de 7 semanas, somando um total de 20 aplicações. Nós realizamos um protocolo
mais curto, porém com maior dosagem, 200 μg/kg/dia em 4 semanas, somando um total de 15
aplicações. Essa diferença e os dados de Yoshimatuso et al. levam a crer que a redução da Lm pode ser dose dependente.
Por outro lado, alguns autores têm demonstrado efeito deletério do GCSF no parênquima
pulmonar em outros modelos, pricipalmente em modelos de hipóxia e fibrose por bleomicina
[63, 74]. Esses autores acreditam que o GCSG ative e recrute células próinflamatórias
aumentando a fibrose iniciada pela patologia de base. Esses modelos diferem dos modelos de
enfisema por serem iminentemente produtores de fibrose. Outro fator que pode contribuir
para resultados discrepantes é a linhagem utilizada no estudo. Em modelo de enfisema, Fujita
et al. [96] utilizaram duas linhagens diferentes de camundongos para testar o modelo. Os autores identificaram que a regeneração alveolar induzida pelo tratamento (ATRA) foi
dependente da espécie e da linhagem.
No presente estudo, mostramos que o reparo estrutural está associado à uma recuperação da
função visto que os camundongos tratados com GCSF tiveram a reconstituição da parede
alveolar e melhora na resposta ao teste ergométrico em esteira. Isso indica que a troca gasosa
alveolar é restabelecida através da recuperação da superfície de troca, e portanto, da relação
ventilaçãoperfusão pulmonar. Outro dado que merece análise mais detalhada é a resposta do
65
VO2 no modelo após a indução e após o tratamento com GCSF. O VO2 que melhor reflete a
capacidade de exercitarse é o VO2 de pico, aquele aferido na exaustão. Em nosso estudo não
identificamos diferença entre os três testes. No entanto, identificamos uma tendência a retorno
mais rápido do VO2 para níveis basais no grupo tratado quando se avalia o período de
recuperação. Alguns autores têm relatado que este efeito se correlaciona bem com uma
melhor tolerância ao exercício [112].
O outro possível efeito benéfico do GCSF no parênquima pulmonar, referese ao efeito
imunomodulador que o GCSF desempenha na modulação da apoptose. Durante o
desenvolvimento de enfisema, há um aumento do processo apoptótico em resposta a
componentes tóxicos liberados no parênquima pulmonar. Se o clearance de células mortas falhar, podese desencadear um processo autoimune [113] que causa a autodestruição da
parede alveolar e algum grau de deposição de fibrose devido a uma inflamação persistente
[114116]. A administração de GCSF reduziu a apoptose de miócitos cardíacos e aumentou a
apoptose de células inflamatórias no coração danificado causado pela infecção por T. cruzi
[71]. Da mesma forma, a modulação da apoptose também pode ocorrer nos pulmões
enfisematosos, levando à restauração do parênquima e restabelecimento da troca gasosa.
A administração de GCSF no enfisema pulmonar experimental teve efeitos benéficos sobre a
estrutura do pulmão que foram compatíveis com uma melhora na capacidade de exercício.
Neste contexto, a administração de GCSF surge como uma opção terapêutica promissora.
Assim, dada a relevância destes achados, mais estudos são necessários para investigar os
mecanismos pelos quais este fator de crescimento tem efeitos benéficos no enfisema.
Na sessão clínica do nosso estudo, avaliamos retrospectivamente uma população de pacientes
com DPOC que foi submetida a tratamento cirúrgico no Toronto General Hospital. Esse
estudo foi relizado em um dos maiores centros de referência mundial em tratamento cirúrgico
do DPOC e teve como objetivo conhecer melhor o perfil do paciente que declina função
pulmonar de forma mais severa ao ponto de necessitar de tais intervenções. No período de 10
anos, 220 cirurgias foram realizadas, 152 transplantes e 68 CRVP.
66
Em relação aos pacientes submetidos à CRVP, encontramos que eles apresentavam idade
média de 60 anos com VEF1 de 24% (Tabela 3). Outros dados demográficos também
confirmam o perfil funcional de DPOC avançado dos pacientes como, CPT de 140%, DLCO
de 38%, RV de 268% e 6MWT de 307m. Esses dados corroboram com o perfil dos pacientes
tratados com CRVP nos diversos centros. Alguns centros tendem, no entanto, por intervir
mais precocemente, com relação à função (VEF1) [77, 117, 118]. O NETT, por exemplo,
apresentou média de VEF1 de 26,8%. O centro avaliado, em contraste, não contraindica a
CRVP baseado apenas no valor do VEF1. Cerca de 2/3 dos pacientes avaliados apresentaram
VEF1 crítico, menor ou igual a 25%.
Em relação à capacidade de se exercitar, o 6MWT têm se mostrado uma exelente ferramenta
na avaliação de gravidade destes pacientes [119]. O teste consta na simples medida da
distância percorrida durante 6 minutos de caminhada sem estímulo. Um importante estudo
tem demonstrado a superioridade da avaliação multidimensional, não apenas com VEF1, mas
também com escore de dispnéia, 6MWT e IMC (escore de BODE), na identificação do risco
de morte dos pacientes com DPOC [120]. O estudo pontuou o 6MWT de 0 a 3 e identificou
que, dos 207 pacientes avaliados, os que morreram (n=25) apresentaram média do 6MWT de
175m (± 86). A média da distância percorrida em nosso estudo foi de 307m, o que repreenta
pontuação 1 no escore do estudo de Celli et al [120]. Outro fator associado a risco de óbito no estudo foi o IMC, onde 21 Kg/m 2 foi o ponto de corte, obtendo pontuação 1 os pacientes com
IMC < 21 Kg/m 2 e 0 aqueles com IMC > 21 Kg/m 2 . Os pacietnes avaliados apresentaram
média de IMC de 23 Kg/m 2 . Infelizmente, por se tratar de um estudo retrospectivo, o escore
de BODE não pôde ser completamente analisado pela falta da informação do escore de
dispnéia, parte integrante do escore, registrado no momento préoperatório.
A análise das áreas alvo da ressecção cirúrgica, revelou que 97% dos pacientes apresentaram
doença heterogênea identificada por teste cintilográfico perfusional. Apesar de parte dos
pacientes terem sido tratados antes mesmo da publicação do NETT, em 2003, a premissa de
que a CRVP era indicada para doença heterogênia já fazia parte da rotina do serviço avaliado.
Os únicos 2 pacientes que não puderam ser caracterizados como heterogêneos, também não
foram caracterizados como homogêneos, apenas tiveram áreasalvo diferentes na direita e na
67
esquerda. Isso, assim como o fato de que todas as cirurgias terem sido realizadas pelo mesmo
cirurgião, se somam para fornecer mais consistência nos resultados do estudo. O NETT, no
entanto, revelou que mais importante que ser heterogêneo, é ter doença predominantemente
apical. Em nosso estudo, 66% dos pacientes apresentaram predomínio apical. Porém este fato
está intimamente relacionado com o fato do serviço oferecer o tratamento para portadores de
deficiência de A1AT. Cem por cento (n=10) dos portadores de deficiência de A1AT
apresentaram predomínio de doença basal.
Em termos de avaliação pósoperatória imediata, apesar da menor VEF1 média dos pacientes
selecionados para CRVP e da elevada parcela de pacientes portadores de A1AT, o estudo
apresentou mortalidade operatória global de 2,9%, permanência hospitalar de 10 dias e
pneumonia como principal morbidade pósoperatória (19%). Yusen et al. descreveram uma mortalidade hospitalar de 4,5% na era pré NETT [121] e Meyrs et al., 5% em 90 dias na era
pós NETT [122]. No entanto, mortalidades intrahospitalares tão altas quanto 12% são
também encontradas na literatura [123]. A permanência hospitalar da literatura varia de 7,6
dias [124] a 11,4 dias [125].
Os pacientes permaneceram com dreno torácico por 13,6 dias e 58% deles mantiveram o
dreno por mais de 10 dias. Em um estudo, DeCamp et al [124]. descreveram os fatores que eles encontraram como predisponentes à fuga aérea prolongada no pósoperatório de CRVP.
Segundo os autores, 90% dos pacientes submetidos a CRVP apresentam fuga persistente.
Baixa difusão, baixo VEF1, predomínio de doença apical, presença de aderência pleural e ser
caucasiano foram os fatores relacionados com maior risco de escape prolongado. De fato,
estes pacientes que apresentaram escape prolongado, apresentaram também maior risco de
complicações, 57% versus 30% no estudo de DeCamp et at [124]. Em nosso estudo, o número pequeno de pacientes não permitiu utilizarmos técnicas estatísticas para definirmos se
as complicações foram relacionadas com o escape propriamente dito ou com os fatores de
risco.
A avaliação da função pulmonar pósoperatória revelou que os pacientes sairam de uma FEV1
inicial média de 24,2% para uma VEF1 de 39,9% no terceiro mês posoperatório (Tabelas 5 e
68
6), permanecendo com a melhora até o quinto ano de acompanhamento (VEF1 31,3%). Esses
dados, no entanto, apresentam um viés que somente os pacientes capazes para realização do
teste foram avaliados. Yusen et al. descreveram os dados de função de 200 CRVP consecutivas [121]. Eles encontraram que 92% dos pacientes apresentavam alguma mehora
da VEF1 ao 6° mês, 72% no 3° ano e 58% no 5° ano. Em nosso estudo encontramos 91%,
69% e 34% respectivamente (Figura 10). Essa marcada diferença entre os nosso resultados no
5° ano com o daquele estudo provavelmente se deve pelo fato daqueles autores não terem
incluído pacientes com deficiência de A1AT. Com o declínio da função, os pacientes foram
então encaminhados para avaliação de transplante. Vinte e seis por cento dos pacientes, foram
encaminhados e 17% receberam o transplante de fato. Para estes pacientes, encontramos um
tempo de ponte para o transplante de 4 anos. Meyers et at. [79] encontraram um tempo de ponte de 3,6 anos.
A análise de subgrupos revelou que pacientes com deficiência de A1AT ou com função
pulmonar préoperatória ruim (VEF1 <= 25%) apresentaram tendência a pior evolução
funcional, porém não alcançamos diferença estatística. Os pacientes com deficiência de
A1AT declinaram função mais precocemente na evolução da doença (Tabela 7), sendo isto
comprovado pelo maior número de encaminhamentos para avaliação de transplante (40%
versus 24%). Donahue et al. descreveram melhora funcional e de escore de dispnéia nesta população de pacientes portadores de deficiência de A1AT até o followup de 2 anos [80]. A
escassez de doadores e a baixa mortalidade cirúrgica perioperatória continuam sendo os
alicerses da indicação de CRVP nesta população. Quanto à análise dos subgrupos dividos por
função pulmonar inicial, vimos que a tendência à maior resposta do grupo com melhor função
inicial se reduz ao longo dos anos retornando à função inicial e igualandose com aquele
grupo. Essse dados, no entanto, devem ser avaliados com cautela quando dissociados da
avaliação dos questionários de qualidade de vida. Fica ainda como questão em aberto, o
impacto da qualidade de vida que ocorre nesses diferentes grupos.
No grupo submetido ao transplante pulmonar, encontramos 152 cirurgias realizadas no
período de 10 anos. Enquanto o número de CRVP se manteve constante ao longo do tempo, o
número de transplantes aumentou substancialmente, passando de uma média de 10
69
transplantes/ano, nos 3 primeiros anos do estudo, para 23 transplantes/ano no final. Esse
aumento pode ser justificado por um maior número de pacientes referendados
especificamente a este serviço nos últimos anos, pois mundialmente o transplante para DPOC
tem reduzido proporcionalmente em relação à fibrose pulmonar. DPOC e fibrose pulmonar
sempre foram as patologias que disputaram o ranking das indicações de transplante pulmonar
pelo mundo. Em 2005, o ministério da saúde norteamericana passou a adotar um escore para
alocar os doadores disponíveis, e este escore, o lung allocation score, passou a favorecer os portadores de fibrose pulmonar naquele país. Desta forma, notouse uma queda nos registros
internacionais de transplante por DPOC. Em nosso estudo avaliamos o perfil epidemiológico
e funcional dos pacientes que se submeteram ao transplante em um único centro e avaliamos a
evolução funcional, assim como a mortalidade.
Quanto aos dados demográficos e funcionais, notamos que os pacientes apresentaram média
de idade de 59 anos, VEF1 de 20% e 6WMT de 289m. Notadamente essa população apresenta
menores valores funcionais em comparação àquela submetida a CRVP. Esses dados em
conjunto auxiliam na determinação da gravidade da doença e na identificação do melhor
momento para a indicação do transplante. Após o estudo de Celli et al., que determinou os
fatores predisponentes de morte nos portadores de DPOC [120], os guidelines da sociedade internacional de transplante de pulmão, o ISHLT, passaram a adotar o escore de 5 a 7 como
ponto de corte na indicação do procedimento [126]. Como ocorrido com a CRVP, também
não foi possível concluir a determinação do escore de BODE devido à falta do escore de
dispnéia no momento da intervenção. No entanto se considerássemos que a média do escore
de dispnéia da população estudada tenha sido de 3, o escore de BODE seria 6, considerando
que tenha sido 4, o escore de BODE suberia para 7.
Com relação ao acompanhamento funcional pósoperatório, notamos que os pacientes
mantiveram função constante ao longo de 5 anos do acompanhamento (Figura 12). Apesar
desses dados também apresentarem o viés que apenas os pacientes vivos e em condições de
realização da espirometria contribuiram para esta avaliação, é possível inferir pelo menos que
os pacientes mantidos em acompanhamento ambulatorial mantém função estável até o quinto
ano de evolução.
70
No que este estudo realmente diferenciase da literatura em geral são os dados da curva de
sobrevida (Figura 13). A população estudada apresentou uma mortalidade de 6% em 90 dias,
12% em 1 ano, 21% em 2 anos e 37% em 5 anos. Dados do registro internacional de
transplante revelam mortalidade no primeiro ano de 21%, 36% no terceiro e 47% no quinto
[90]. Os dados ficam mais discrepantes ainda quando comparados com as publicações
nacionais [127], 32,3% de mortalidade no primeiro ano em uma avaliação de 130 pacientes
submetidos a transplante por todas as causas, dos quais, 40% foi por DPOC.
Dos 38 óbitos relatados, a grande maioria foi secundária a rejeição crônica e infecção,
somando ambas quase 80% das causas de óbito. Esses dados corroboram com o dados do
registro internacional de transplantes [90].
71
7 CONCLUSÃO
A instilação intratraqueal única de elastase porcina na dose de 2U/100g é segura e
reprodutível na indução de enfisema em camundongos fêmea da linhagem C57/Bl6 . O estudo
comprovou a eficácia do método através de teste funcional ergométrico e morfométrico (Lm).
A indução levou os camundongos a apresentarem redução na capacidade de se exercitar na
esteira e aumento da Lm.
O estudo mostrou ainda o potencial terapêutico do GCSF no tratamento experimental do
enfisema através de análise funcional e estrutural. O tratamento com GCSF induzidiu
regeneração alveolar em camundongos enfisematosos, que foi bem correlacionada com a
melhora da capacidade de exercitarse. Estes resultados sugerem que a administração de G
CSF pode ser uma terapia promissora para o tratamento de pacientes com enfisema avançado
devido a destruição do parênquima pulmonar e, consequentemente, com função respiratória
comprometida.
CRVP e transplante são opções terapêuticas cirúrgicas para o DPOC avançado, no entanto,
ambas apresentam morbimortalidade associada. CRVP apresenta uma indicação mais restrita,
não impede o curso natural da doença, porém pode postergar a indicação do transplante em
alguns anos. O transplante pulmonar, por sua vez, oferece uma melhora funcioanal
substancial, com baixa mortalidade precoce, no entanto, ainda apresenta mortalidade tardia
elevada. Análises de um número maior de pacientes, incluindo de outras instiuições, são
necessárias para melhor análise dos subgrupos. Estas análises auxiliarão na identicação de
subpopulações ainda não satisfatoriamente tratadas com os recursos terapêuticos disponíveis
na atualidade, que possam se beneficiar de novos tratamentos, como com a engenharia
tecidual.
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