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Língua portuguesa: ultrapassar fronteiras, juntar culturas (Eds.) Mª João Marçalo & Mª Célia Lima-Hernandes, Elisa Esteves, Mª do Céu Fonseca, Olga Gonçalves, Ana LuísaVilela, Ana Alexandra Silva © Copyright 2010 by Universidade de Évora ISBN: 978-972-99292-4-3 SLG 51 – O ensino da Língua Portuguesa no Mundo: bases epistemológicas, objectivos e conteúdos 21 A PRODUÇÃO DE TEXTO NARRATIVO NO 1º CEB: -ENSINO DA ESC RITA: DIMENSÃO TEXTUAL- SOARES,Isabel Nuno INTRODUÇÃO O ensino da escrita, na sua dimensão textual, é um processo demorado e complexo que compreende a aquisição de competências específicas e o desenvolvimento da capacidade de coordenar conhecimentos a vários níveis. A produção de texto é uma tarefa, frequentemente, rejeitada por alunos e até mesmo por professores, conotada com o aborrecimento e a dificuldade; é assunto de conversa entre professores por ser um obstáculo complicado de superar que conduz à desmotivação e ao cansaço. No entanto, tenho a convicção que este panorama pode ser modificado, através da alteração e renovação de práticas e de estratégias de ensino. Também considero a expressão escrita um tema pertinente, dada a importância que lhe é conferida, quer no Currículo Nacional do Ensino Básico, quer pela transversalidade na obtenção de sucesso educativo ao longo da escolaridade, uma vez que a demonstração do nível de conhecimentos adquiridos é maioritariamente realizada através da expressão escrita, a qual não deve ser penalizada por desconhecimento de técnicas subjacentes. Decidi debruçar-me sobre o texto do tipo narrativo por razões de vária ordem: são os que mais circulam entre os alunos, sob a forma de textos orais (histórias reais e fictícias contadas) e são os que mais abundam nos manuais do 1º CEB -Ciclo do Ensino Básico, sob a forma de textos escritos No entanto, os alunos continuam a

ensino da escrita: dimensão textual

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A PRODUÇÃO DE TEXTO NARRATIVO NO 1º CEB: -ENSINO DA ESC RITA: DIMENSÃO TEXTUAL-

SOARES,Isabel Nuno

INTRODUÇÃO

O ensino da escrita, na sua dimensão textual, é um processo demorado e

complexo que compreende a aquisição de competências específicas e o

desenvolvimento da capacidade de coordenar conhecimentos a vários níveis.

A produção de texto é uma tarefa, frequentemente, rejeitada por alunos e até

mesmo por professores, conotada com o aborrecimento e a dificuldade; é assunto de

conversa entre professores por ser um obstáculo complicado de superar que conduz à

desmotivação e ao cansaço. No entanto, tenho a convicção que este panorama pode

ser modificado, através da alteração e renovação de práticas e de estratégias de ensino.

Também considero a expressão escrita um tema pertinente, dada a importância

que lhe é conferida, quer no Currículo Nacional do Ensino Básico, quer pela

transversalidade na obtenção de sucesso educativo ao longo da escolaridade, uma vez

que a demonstração do nível de conhecimentos adquiridos é maioritariamente

realizada através da expressão escrita, a qual não deve ser penalizada por

desconhecimento de técnicas subjacentes.

Decidi debruçar-me sobre o texto do tipo narrativo por razões de vária ordem:

são os que mais circulam entre os alunos, sob a forma de textos orais (histórias reais e

fictícias contadas) e são os que mais abundam nos manuais do 1º CEB -Ciclo do

Ensino Básico, sob a forma de textos escritos No entanto, os alunos continuam a

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revelar dificuldades diversas na sua produção, que se detectam nos resultados das

provas avaliativas em sala de aula e também nos resultados das provas de aferição,

efectuadas no quarto ano de escolaridade.

O presente estudo tem como objectivo demonstrar a pertinência e a

importância das estratégias delineadas pelo Programa Nacional do Ensino do

Português (PNEP) ao nível da dimensão textual do ensino da escrita.

Este trabalho pretende, assim, ser um estudo comparativo, de cariz descritivo,

que abordará a evolução da produção do texto narrativo numa turma de terceiro ano de

escolaridade, antes e durante a formação PNEP, tencionando, simultaneamente,

divulgar as estratégias de operacionalização da escrita e apresentando práticas

integradoras desta competência na sala de aula, preconizadas pelo mencionado

programa de formação.

A partir dos textos produzidos, inicialmente, de acordo com estratégias

tradicionalmente usadas, foram elencadas as dificuldades dos alunos que são de

carácter diverso: umas assentam em questões de conhecimento e uso do esquema

narrativo, outras resultam do domínio deficitário dos mecanismos de organização da

informação num texto (sequência dos eventos, relações de dependência entre eles…) e

outras, ainda, sucedem de problemas intra-frásicos (concordâncias, utilização de

preposições…). Com efeito, estas também são as dificuldades constantes nos

relatórios das Provas de Aferição de Língua Portuguesa do 1º CEB, seja no

agrupamento em que exerço funções docentes, seja a nível nacional.

Partindo do princípio de que a aquisição da competência compositiva é uma

construção permanente, os professores envolvidos prepararam aulas com o objectivo

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de intervir de forma mais objectiva na produção de texto e em sintonia com os

desempenhos já aventados pelos Novos Programas da Língua Portuguesa para o

Ensino Básico. O insucesso na produção do texto narrativo não depende somente do

desinteresse, da falta de atenção ou até da falta de “jeito”dos alunos no momento de

suas produções escritas, mas antes da ausência de estratégias promotoras de um

melhor desempenho por parte dos alunos.

Assim, este estudo é apresentado por um relato compreendido por quatro

pontos que evidenciam as estratégias pedagógicas e resultados obtidos: o primeiro

ponto focaliza a competência compositiva da produção escrita, abordando a

complexidade inerente ao processo de escrita, bem como possíveis práticas

susceptíveis de adoptar no 1º CEB aquando do ensino da escrita; o segundo ponto

encerra a descrição das actividades implementadas na turma sobre a qual decorre este

estudo, agregando processologias didácticas e materiais usados; o terceiro apresenta

os resultados obtidos em cada actividade, comentando os procedimentos usados para

os atingir; finalmente, o quarto e último ponto ancora as reflexões finais e alerta os

professores para eventuais rumos que poderão ser a viragem para a melhoria dos

resultados dos alunos..

ASPECTOS TEÓRICO

A fundamentação teórica do presente estudo teve por base a brochura, do

PNEP, intitulada: O Ensino da Escrita – dimensão textual, editada pela Direcção

Geral de Inovação e Desenvolvimento Curricular.

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Relativamente aos modos de acção no ensino da escrita, o desenvolvimento de

competências da mesma deve concertar a aquisição de competências específicas,

aplicadas pelo aluno no momento da produção textual, com o acesso às

funcionalidades da escrita. Estas duas vertentes implicam que a acção do professor e

dos alunos se reparta pelo processo de escrita e pelo contexto dos escritos.

No que concerne aos princípios orientadores na acção do professor e da escola,

Luísa Álvares Pereira e Luís Filipe Barbeiro (2007) referem os seguintes factores:

produção textual precoce; prática intensiva; reportório de acções - planificar,

textualizar, rever a produção; contactar com textos diversificados social e

escolarmente relevantes; ensino explícito de actividades sequenciais da escrita;

regulação externa e interna da produção textual; gradual complexificação da produção

textual;1

Para colocar em prática os princípios atrás enunciados, privilegiam-se algumas

estratégias que se aplicam em cada uma das vertentes da acção. Em relação ao

processo, salientam-se estratégias de facilitação processual, escrita colaborativa e

reflexão sobre a escrita; no que diz respeito aos contextos o relevo é atribuído à

integração de saberes e realização de funções.

No tocante à complexidade do processo de escrita, o mesmo exige a

capacidade de seleccionar e combinar as expressões linguísticas, organizando-as numa

unidade de nível superior, para construir uma representação do conhecimento.

1Luís Barbeiro, Luísa Álvares Pereira. (2007), Ensino da Escrita - dimensão textual. Lisboa: DGIDC

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À medida que a escolaridade progride, os aspectos gráfico e ortográfico devem

ser automatizados, sem necessidade de um processamento ou resolução consciente,

com a brevidade exequível, para que o aluno dirija a sua capacidade de processamento

para o desenvolvimento da competência compositiva. Ao contrário dos aspectos

anteriores, esta competência nunca será integralmente automatizada, já que cada texto

apresenta um novo desafio.

O aluno que escreve, para produzir um texto, necessita de activar conteúdos,

de decidir sobre a sua integração e articulá-los com outros elementos do texto, dando-

lhes uma expressão linguística, activando, portanto, a competência compositiva, a qual

pode ser mobilizada a níveis diversos: nível global, no caso da macro estrutura ou

grandes unidades de texto, ou a nível específico, no caso da microestrutura ou

combinação de expressões linguísticas.

A competência compositiva adopta um vasto âmbito para a tomada de decisões

ao longo de todo o processo de escrita, cujos objectivos consistem em desenvolver a

capacidade de criar diferentes possibilidades para a construção de texto e em

aperfeiçoar a capacidade de adoptar resoluções que se mostrem ajustadas às funções

que o texto virá a cumprir. Deste modo, é essencial que o aluno comece, tão cedo

quanto possível, a criar e a gerir a variedade de possibilidades que é capaz de articular

para a produção de texto.

Relativamente às componentes da produção textual, a escrita é um processo

com várias actividades que se podem agregar em três etapas: planificação,

textualização e revisão, não podendo ser confundidas com fases que sucedem

linearmente.

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A planificação do processo de escrita ajuda o aluno a antecipar as ideias que o

seu texto pode conter, destina-se a delinear os objectivos e a antecipar os seus efeitos

no leitor, a activar e/ou pesquisar os conteúdos relacionados com a temática escolhida

e, por último, a organizar a informação a incluir, de acordo com a estrutura do texto

definido, o que requer conhecimento da estrutura dos vários tipos de texto. Os alunos

inexperientes na escrita, quando produzem textos, normalmente tratam as ideias à

medida que vão lembrando, esquecendo a sua pertinência e a coerência do discurso.

Sendo assim, é prioritário que se recorra a instrumentos organizativos da escrita, como

a utilização de guiões, de listas e de esquemas para que se dê evolução da organização

textual, excluindo a hipótese de que a planificação se realize apenas no plano mental,

é preciso concretizá-la. Esta etapa não termina ou fica concluída quando se inicia a

redacção, uma vez que, à medida que o texto vai surgindo, o aluno é frequentemente

remetido para decisões tomadas em função do que está a escrever.

A textualização é a etapa em que se realiza a redacção propriamente dita2, ou

seja, o surgimento de expressões, de frases, de parágrafos ou mesmo de segmentos de

texto que explicitam as ideias através de um discurso textual.

À medida que o processo avança, o aluno produtor de texto tem de dar

respostas a necessidades de vária ordem, como por exemplo, a explicitação de teor

seleccionando os conteúdos activados, a formulação linguística adequando o

vocabulário e a articulação linguística, garantindo relações de coesão linguística e

coerência lógica utilizando diferentes formas de conectividade atribuindo uma

dinâmica própria.

2 Luís Barbeiro, Luísa Álvares Pereira. (2007), Ensino da Escrita - dimensão textual. Lisboa: DGIDC

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A revisão processa-se através da leitura, da avaliação e da eventual correcção

ou reformulação do que foi escrito3. Esta etapa pode ocorrer ao longo da

textualização. No entanto, a revisão global de um qualquer texto é essencial e surge

associada à planificação inicial, confrontando os objectivos com o produto final, não

se limitando ao proposto inicialmente, já que se trata de um processo dinâmico.

A revisão depende dos aspectos sobre os quais esta incide e que vão da

caligrafia, passando pelas convenções ortográficas, numa perspectiva superficial;

numa perspectiva mais profunda, estas actividades passam pela construção frásica,

pela pontuação, pela articulação intra-frásica e entre frases, pela informação e pela

própria estrutura do texto. Deste modo, a revisão consiste na reflexão sobre a

produção textual nos seus mais diversos aspectos. A aquisição de habilidade na tarefa

de revisão permite ao aluno ir criando autonomia para que, numa fase mais avançada

da sua aprendizagem, ele próprio possa individualmente utilizar instrumentos, fichas

de orientação, listas de verificação, indicações do professor que lhe permita realizar

autonomamente tarefas de reescrita ou ser parceiro numa tarefa de revisão

colaborativa, sabendo o que deve analisar no texto produzido.

As tarefas referidas deverão ser desenvolvidas gradual e sistematicamente,

transformando o modo de agir e de pensar dos alunos relativamente à produção de

textos.

3 Luís Barbeiro, Luísa Álvares Pereira. (2007), Ensino da Escrita - dimensão textual. Lisboa: DGIDC

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DESCRIÇÃO DE ACTIVIDADES

Relativamente às turmas envolvidas na formação PNEP, sob a minha

responsabilidade, sugeri às professoras titulares de três turmas do terceiro ano que,

enquadrado na sua planificação, propusessem aos seus alunos a escrita de um texto

narrativo, segundo as suas práticas pedagógicas habituais, com a finalidade de

seleccionar uma turma para realizar este estudo.

O critério de selecção seria o menor nível de eficácia verificado na produção

escrita, utilizando os seguintes parâmetros de avaliação: formato (extensão e

tipologia); tema (informação, progressão); e textualização (estruturação, articulação,

ortografia, sintaxe e morfologia).

Foi apurada uma turma composta por dezanove alunos, sendo dez do segundo

ano, oito do terceiro e um aluno de quarto ano de escolaridade, com idades

compreendidas entre os sete e onze anos completados até ao final do ano civil de

2009. O aproveitamento dos alunos do terceiro ano, na área de Língua Portuguesa

varia entre o satisfaz plenamente e o satisfaz. Foram desenvolvidas várias actividades

de acordo com o objectivo do presente trabalho, cujo calendário daquelas que são

objecto de análise neste estudo, passo a apresentar:

TEXTOS PARA ANÁLISE E INTERVENÇÕES NA TURMA

ACTIVIDADES TIPO DATA

A Selecção da turma e avaliação diagnóstica. 13/Janeiro

B Estrutura da Narrativa 20/ Março

C Produção de uma história 26/ Março

D Revisão de texto 21/ Abril

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E Narrativa de um facto real 8/ Maio

F Reconto de uma história 16/ Junho

G Revisão de texto 17/ Junho

Actividade A

A professora titular de turma propôs aos alunos do terceiro ano a produção

individual de um texto. Como sugestão, apresentou uma folha A4 com a imagem de

uma porta do tamanho da folha e forneceu escassas informações sobre o objectivo

daquela tarefa.

A actividade durou aproximadamente cinquenta minutos. No geral, os alunos

revelaram-se desmotivados e pouco empenhados na tarefa, denotando dificuldades de

vária ordem, como sejam a ausência de conteúdos a integrar no texto, a progressão e a

rejeição da tarefa; metade dos alunos só concluiu a tarefa no dia seguinte. A

professora corrigiu os textos, incidindo, principalmente, na ortografia, na pontuação e

na sintaxe.

Concluída esta processologia, efectuei o diagnóstico das principais

dificuldades. Primeiramente, em reflexão conjunta com a professora titular, ajudando-

a a consciencializar-se de que a escrita é um processo dinâmico que requer condições

particulares de realização. Mais tarde, analisei os textos produzidos e verifiquei que os

alunos evidenciaram dificuldades inerentes aos três parâmetros usados na avaliação

daqueles, ou seja, formato, tema e textualidade.

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Actividade B

Dadas as dificuldades relacionadas com o formato do texto, esta actividade

teve os seguintes objectivos: identificar as componentes da narrativa: tempo, espaço,

personagens (principal, adjuvantes e oponentes), acção e desfecho (final fechado);

compreender a estrutura do texto narrativo: introdução, desenvolvimento e conclusão.

A operacionalização do primeiro objectivo concretizou-se através do

preenchimento de um esquema de compreensão do texto que evidenciava as

componentes da narrativa. Ao que se seguiu a manipulação das partes do texto,

permitindo a construção de um cartaz explicativo das etapas da narrativa, aplicado

àquele caso concreto.

Actividade C

A ênfase desta actividade centrou-se na facilitação do processo de escrita e teve os

seguintes objectivos: recorrer a técnicas para registar, organizar e transmitir a informação;

utilizar processos de planificação, textualização utilizando instrumentos de apoio; produzir

textos de diferentes tipos em português padrão, com tema de abertura e fecho, tendo em conta

a organização em parágrafos e as regras de ortografia e pontuação.

A proposta de escrita foi enquadrada no âmbito do tema abordado na área de

Estudo do Meio. Para colmatar a dificuldade dos alunos em aceder a conteúdos

relacionados com o tema, realizou-se um pequeno debate e colectivamente

produziram-se dois campos semânticos, deste modo, os alunos activaram os seus

conhecimentos relacionados com o tema e trocaram sugestões entre si, permitindo o

armazenamento e a selecção de ideias.

De seguida, foi proposta a criação de uma história e foram apresentados alguns

dos seus componentes, nomeadamente a personagem principal, mais três personagens

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secundários facultativos, o tempo e o espaço onde se desenrolariam os

acontecimentos.

Seguidamente, os alunos aventaram hipotéticas características a atribuir à

personagem principal e elaboraram uma lista de adjectivos que facilitasse a sua

caracterização física e psicológica. Esta lista permitiu o alargamento do conhecimento

lexical e possibilitou um enorme número de combinatórias de características vindo a

originar múltiplas personagens.

Como o conhecimento da estrutura narrativa era recente, realizou-se uma breve

revisão oral sobre a mesma, registando-se no quadro um esboço simples. Em seguida,

os alunos individualmente preencheram um esquema de compreensão, semelhante ao

da actividade B, com os conteúdos disponíveis nas tarefas anteriores. Esta última

actividade preparatória fazia antever a história que iria surgir na produção escrita de

cada aluno, terminando, deste modo, a fase de planificação do texto.

Reunidas as condições necessárias para a produção textual, conhecimento da

estrutura e objectivo do texto a produzir e activados os conteúdos a transmitir, os

alunos passaram à fase de redacção, em que foi necessário activar os mecanismos de

coerência e de coesão textual com que articulariam os conteúdos já produzidos,

estabelecendo relações entre os mesmos. Esta etapa decorreu com interesse por parte

dos alunos e facilidade, tendo a tarefa sido concluída em apenas quarenta minutos.

Actividade D

Tendo decorrido quase um mês desde a produção textual teve lugar a revisão

do texto. Ao contrário do que era esperado, o distanciamento no tempo entre a

redacção e a revisão, resultou como factor adjuvante, pois os alunos perspectivaram o

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texto no papel de leitores e não somente como escritores. Atendendo ao afastamento

no tempo, os alunos acederam novamente ao esquema de compreensão anteriormente

preenchido para evocarem os objectivos e conteúdos que aquele texto deveria possuir,

tendo sido auxiliados por um guião de revisão, do qual constavam algumas instruções

relacionadas com a construção frásica, com a repetição de palavras, com a pontuação,

com a ortografia e com a estrutura do texto. A revisão individual teve maior alcance,

promovido pelo intervalo de tempo, não se limitando à ortografia, pois os alunos

completaram frases e acrescentaram outras que melhoraram o sentido do texto,

procedimento que não é frequente em alunos inexperientes na escrita. Pois, não

representam linguisticamente a totalidade das suas ideias, ocultando ou suprimindo

informações essenciais à compreensão do texto, pondo em causa a coesão textual.

Posteriormente, os alunos, em colaboração com a formadora residente ou com

a professora titular, realizaram nova revisão colaborativa, o que permitiu a discussão

de pontos de vista e reflexão sobre o processo de escrita conduzindo à aquisição de

terminologia metalinguística e à progressiva consciencialização de diversos

fenómenos linguísticos.

Actividade E

Nesta actividade, a proposta de escrita centrou-se no relato de uma visita de

estudo. O facto de se relacionar com uma vivência dos alunos tornou, aparentemente,

esta tarefa mais simples e objectiva. No entanto, a metodologia seguida foi semelhante

à adoptada na actividade D.

A planificação do texto teve início com o relato oral da visita e preenchimento

colectivo de grelhas onde organizaram a informação. Ao que se seguiu o alargamento

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do conhecimento lexical, com a produção de campos semânticos alusivos aos quatro

momentos mais significativos daquele dia.

Posteriormente, os alunos passaram àredacção do texto proposto.

Actividade F

Esta actividade consistiu no reconto de uma história narrada através de

imagens. Esta aula teve por objectivos, entre outros: estruturar o texto em parágrafos e

diversificar a utilização de conectores.

Deste modo, os alunos observaram e relataram as imagens dos principais

momentos da história, através de uma apresentação em powerpoint; tendo em vista o

alargamento do conhecimento lexical, os alunos completaram listas de palavras

adequadas para cada imagem, sugeridas colectivamente.

Durante nova visualização da história, os alunos realizaram o registo, numa

ficha, das diversas sugestões avançadas para iniciar os parágrafos e estabelecer ligação

entre os mesmos, com a finalidade de variar o uso dos conectores e complementos

circunstanciais de tempo ou de espaço.

Por fim, individualmente, os alunos procederam à textualização da sua história

e, sem manifestarem grandes dúvidas ou embaraços, a actividade foi concluída em

trinta e cinco minutos.

Actividade G

No dia seguinte à actividade F, os alunos voltaram a visualizar a história e

consultaram as fichas que serviram de apoio à produção textual e à revisão individual

do texto. De seguida, cada aluno, em colaboração com a formadora residente, realizou

a revisão de seu próprio texto, em jeito de entrevista, executando alterações mediante

questões de compreensão levantadas pela formadora.

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APRESENTAÇÃO DE RESULTADOS

A amostra de textos sujeita a análise para a realização deste estudo

corresponde a um conjunto de quatro textos pertencentes aos oito alunos do terceiro

ano, a frequentar pela primeira vez este ano de escolaridade. Os textos analisados

foram recolhidos entre o mês de Janeiro e o mês de Junho, conforme o calendário de

actividades propostas e apresentado no ponto anterior (Descrição das Actividades). A

média de produção de textos, por aluno, segundo esta metodologia, neste período de

tempo, foi de sete textos por aluno, mas apenas são analisados quatro textos neste

estudo. Outras produções textuais foram efectuadas, mas propostas pelos manuais, e

fichas de avaliação, nem sempre foram sujeitas à metodologia já indicada:

planificação, textualização e revisão.

Actividade A

Relativamente ao formato do texto, a extensão dos diferentes produtos variou

entre as quatro e as quinze linhas, estando a maioria dos textos situada nas oito a dez

linhas. No que se relaciona com a tipologia, apenas quatro alunos, num universo de

sete, apresentou narrativas, contudo, com desvios na estrutura e, também, ao nível das

componentes desta como, por exemplo, o tempo, o espaço, as personagens e a acção.

No que refere ao tema, nomeadamente à informação, nenhum aluno abordou o

tema proposto objectiva e claramente. Apenas quatro textos incluíram uma expressão

que se relaciona com o tema proposto, sem ocupar lugar de relevo no

desenvolvimento do texto. Em relação à progressão, apenas duas alunas o fazem sem

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problemas significativos, os restantes desenvolvem os assuntos com omissões ou

incongruências, sem comprometer completamente o sentido do texto.

A textualização também apresenta problemas. No que refere à estrutura,

apenas dois alunos definem os parágrafos satisfatoriamente, enquanto os demais

apresentam desequilíbrios e nem sempre delimitam os parágrafos. Na articulação, as

coordenadas são mantidas e apenas dois textos apresentam problemas. Os processos

de articulação interfrásica são pouco variados e os conectores usados são os seguintes:

depois, e, então e quando; frequentemente, são até inexistentes assim como os

complementos circunstanciais de tempo. A utilização de pronomes pessoais e/ou

clíticos é também um problema em todos os textos. A sintaxe e a morfologia

asseguram quase sempre as regras de concordância e flexão; por vezes, o sujeito é

omitido, comprometendo o sentido do texto. Os sinais de pontuação no interior das

frases são quase inexistentes. No que concerne à ortografia, o número de erros é

diminuto e pouco significativo, pelo que não voltarei a referir este parâmetro.

Actividade B

Esta actividade foi fundamental para colmatar as deficiências registadas ao

nível do formato e também da textualização.

O esquema de compreensão possibilitou a fácil identificação das componentes

da narrativa, nomeadamente: personagem principal, a personagem secundária, o

tempo, o espaço, a acção e ainda contribuiu para o fácil reconhecimento das fases da

narrativa.

As fases da narrativa, a introdução, o desenvolvimento e a conclusão, foram

completamente reconhecidas e compreendidas as respectivas funções através da

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construção de um cartaz que viabilizou a manipulação dos diversos momentos da

narrativa e a explicitação das correspondentes funções, dado que se assemelhava a um

puzzle.

A partir desta actividade, os alunos mostraram-se detentores de um modelo do

género textual em causa, tendo, por isso, uma melhor capacidade para resolver os

problemas macroestruturais, aquando da sua produção de texto. A professora, em

reflexão conjunta, reconheceu a necessidade de destinar mais atenção aos géneros

textuais e às suas características, o que estava ausente na sua prática.

Actividades C e D

Os textos produzidos nesta actividade evidenciam francos progressos em todos

os parâmetros e por isso melhor qualidade de textualização.

Assim, e relativamente ao formato do texto, a extensão do mesmo varia entre

as quinze e vinte e seis linhas. Analisando a tipologia dos textos produzidos, todos os

alunos produzem uma narrativa de final fechado e enunciação na terceira pessoa, à

semelhança do texto modelo da actividade B. A totalidade dos alunos refere as

coordenadas dadas, o tempo, o espaço, a personagem principal e algumas das

personagens secundárias ou a totalidade delas.

No que diz respeito ao tema, nomeadamente à informação, em três textos,

embora abarcando as coordenadas dadas, a acção central não está relacionada com a

actividade específica da personagem, no entanto ele é o sujeito da acção. Os restantes

cinco textos criam acções focalizadas no assunto proposto. Em relação à progressão,

quase todos os alunos desenvolvem os textos com coerência, organizando o relato de

acordo com o período de tempo indicado e mantendo a enunciação. A textualização

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também evidencia evolução positiva. No que se refere à estrutura, dois alunos

continuam a revelar dificuldade em definir os parágrafos; os restantes alunos definem

os parágrafos satisfatoriamente, apresentando pontuação insuficiente no interior das

frases, o uso da vírgula reporta à separação dos complementos circunstanciais de

tempo ou às enumerações. Quanto à articulação, as coordenadas dadas são mantidas

em todos os textos sem problemas. No entanto, os processos de articulação interfrásica

são pouco variados e frequentemente ausentes. Como novidade, existe um maior

recurso aos complementos circunstanciais de tempo e/ou de lugar. A utilização de

pronomes pessoais e/ou clíticos continua a ser um aspecto a desenvolver, inclusive até

ao nível da linguagem oral. A sintaxe e a morfologia asseguram quase sempre as

regras de concordância e flexão; raras vezes se verifica a substituição pronominal.

Actividade E

Relativamente ao formato do texto, a extensão do mesmo varia entre as quinze e

as quarenta e cinco linhas. Esta enorme amplitude entre o valor da extensão do texto

está relacionada com o nível de pormenorização de alguns aspectos da viagem e com

o facto de este consistir numa vivência dos alunos.

Analisando a tipologia dos textos produzidos, todos os alunos produzem uma

narrativa de final fechado. A enunciação do primeiro parágrafo e, pontualmente do

segundo parágrafo, ocorre na terceira pessoa do plural; os parágrafos seguintes são

expressos na primeira pessoa do plural pela totalidade dos alunos, pois os mesmos

relatam acontecimentos em que participaram. Esta quebra na coesão do texto deve-se

ao facto de os alunos ainda não deterem conhecimentos acerca do tipo de narrador e

os próprios não conseguirem distanciar-se suficientemente dos acontecimentos para

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manterem a enunciação do parágrafo inicial. Todos os alunos referem as coordenadas

tempo e espaço, Considerando o tema, nomeadamente a informação, todos os textos

contemplam os quatro aspectos previstos na planificação do texto. Alguns alunos

extrapolam a planificação e referem outros pormenores.

A progressão do texto apenas é corrompida pelo desequilíbrio de enunciação já

referida. Relativamente à textualização, e no que se refere à estrutura, apenas dois

alunos manifestam dificuldade em definir os parágrafos. A pontuação é insuficiente no

interior das frases, os alunos fazem uso da vírgula sobretudo para separar

complementos circunstanciais de tempo ou enumerações. Quanto à articulação, são

mantidas as directrizes em todos os textos sem problemas; nos processos de

articulação interfrásica surgem duas expressões novas. Muitas frases são introduzidas

com recurso aos complementos circunstanciais de tempo e/ou de lugar. Surgem com

frequência, neste texto, as orações subordinadas temporais em que a ligação é

estabelecida através da conjunção quando, o que não se tinha verificado em textos

anteriores. A utilização de pronomes pessoais ainda não é consistente, sobrevindo

algumas repetições. No geral, a sintaxe e a morfologia são respeitadas.

Actividade F e G

Este é o quarto e último texto produzido segundo a metodologia preconizada

pelo PNEP. Deste modo e, quanto ao formato do texto, não há grande variabilidade

entre textos, a extensão do mesmos varia entre as quinze e as vinte linhas, pois a

história estava à partida esboçada pelas imagens apresentadas e os alunos não

exploraram os detalhes das mesmas, o que também não foi abordado na planificação.

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Quanto à tipologia, todos os alunos produzem uma narrativa fechada, com enunciação

na 3ª pessoa.

Considerando o tema, nomeadamente a informação, todos os textos respeitam

integralmente as coordenadas dadas: tempo, espaço, personagens, acção e desfecho, A

progressão é totalmente conseguida de modo coerente e com alguns referentes

temporais e espaciais.

No que concerne à textualização e, relativamente à estrutura, todos os alunos

delimitam correctamente os parágrafos e a pontuação não apresenta deficiências

significativas para este nível de ensino e esta faixa etária. A articulação intrafrásica e

interfrásica são mais diversificadas. Portanto, nesta data, a lista de conectores usados

pelos alunos já conta com onze expressões diferentes, enquanto no início do estudo

apenas contemplava quatro. Também o recurso aos referentes temporais e espaciais é

mais abundante, bem como o uso de frases subordinadas temporais e causais.

CONCLUSÕES

A realização deste estudo evidenciou o carácter dinâmico do processo de

escrita em permanente evolução e permitiu verificar que as estratégias de ensino,

usadas, são o agente que impulsiona e conduz esse desenvolvimento.

Em primeiro lugar, o professor deve proceder a um cuidadoso diagnóstico de

dificuldades e perceber em que níveis se encontram os seus alunos para elaborar um

plano de acção onde configuram as prioridades de intervenção e os alvos onde deve

incidir, tornando a prática pedagógica mais eficaz.

Ainda que o texto narrativo fizesse parte do dia-a-dia destes alunos, os mesmos

nunca tinham sido convocados para a sua análise e compreensão ao nível da sua

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estrutura e da sua composição. O professor deve desenvolver actividades intencionais

e objectivas, suprimindo o risco de solicitar aos alunos desempenhos para os quais não

se encontram apetrechados, originando-lhes frustração e subsequente rejeição de

certas actividades, garantido a equidade de oportunidades de todos os alunos

provenientes de meios sociais heterogéneos, papel intrínseco à escola.

Assim, na actividade B, a leitura do texto de A Fada Oriana foi um autêntico

instrumento de escrita já que, ao analisá-lo, se pôs em evidência a sua organização e a

sua composição, fazendo-se um exercício de desconstrução do texto, processo

intencional que conduziu o aluno a adquirir um modelo de escrita ao qual pode

recorrer sempre que se confronte com uma nova situação de escrita. Do meu ponto de

vista, a competência desenvolve-se sempre que o aluno, perante novas situações, se

torne hábil a realizar o transfere de conhecimentos anteriormente adquiridos;

concluindo-se, daqui, que os professores se devem preocupar com a didáctica da

leitura a implementar e com a diversidade dos textos a ler, proporcionando

multiplicidade de discursos ao seleccionar os textos para a leitura em contexto de sala

de aula.

No primeiro contacto com este grupo de alunos, a sua atitude evidenciava

dificuldades em expressar ideias por escrito e aparente carência das mesmas. Eles

rejeitavam a escrita justificando-se que não sabiam o que escrever, quando na

realidade, não sabiam pensar como encontrar o que precisavam de escrever e

registavam as ideias soltas ao ritmo que elas surgiam, se surgissem. Então, foi preciso

que do seu processo de escrita passasse a constar uma fase de planificação, até esta

data ausente do ponto de vista da sua materialização, e os resultados alteraram-se

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positivamente, o que veio confirmar a minha convicção na conversão das estratégias

para melhorar os resultados.

Nesta fase inicial da aprendizagem da escrita, considerei pertinente e relevante

que a planificação de textos se desenrolasse colectivamente, criando um contexto em

que os alunos interagissem de forma construtiva. Ao participarem nos debates, nas

chuvas de ideias, na criação de campos semânticos e/ou nas listas de palavras, os

alunos percebem facilmente a pertinência e a aceitação das suas ideias e aprendem a

argumentar em defesa das mesmas. Por outro lado, é a oportunidade de o aluno

contactar com as ideias dos seus pares, mobilizadas no confronto, que procedem a um

alargamento do seu próprio conhecimento e à sua reestruturação individual e do seu

modo de intervir socialmente.

Este trabalho colectivo é dirigido e intencional. O professor regula a acção dos

seus intervenientes e provoca o seu avanço, confrontando-os com situações novas Ao

longo destas tarefas, os alunos activaram conhecimentos retidos na memória,

apropriaram-se de outros comunicados pelos seus pares e tomaram decisões de

selecção e organização, essenciais à construção de um texto, o que permitiu aos alunos

chegarem à situação de redacção mais seguros e motivados, ciosos de expressar o seu

ponto de vista ou a sua versão da história, o que se traduziu no aumento da extensão

do texto e no alargamento lexical. Concluo que o aparente esvaziamento de ideias por

parte dos alunos é amiudadas vezes um texto por preparar ou planificar, cabendo aos

professores garantir as condições de realização da planificação do texto, para que o

aluno paulatinamente se vá apropriando desta etapa anterior à redacção e

indispensável à criação de um qualquer discurso textual.

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No acto de redacção propriamente dito, aquele com que estes alunos se

encontravam mais familiarizados, a inovação correspondeu à existência de materiais

para consulta durante a sua realização que reduziram o dispêndio de tempo com a

tarefa e facilitaram o acesso aos conteúdos. Com o fim da redacção não termina a

escrita do texto, é apenas o ponto de partida para a apreciação da produção realizada e

a resolução de problemas detectados a vários níveis (micro e macro estruturais), ou

seja, é o ponto de partida para a revisão.

A revisão do texto foi outra etapa introduzida no processo de escrita destes

alunos. De início, os alunos mostraram-se apreensivos e pouco à vontade, com receio

de que a professora tomasse uma atitude reprovadora relativamente ao seu escrito. À

medida que os alunos se aperceberam de que o objectivo desta tarefa era melhorar a

sua produção escrita em parceria com a professora, o momento de revisão passou a ser

apreciado e disputado entre os elementos do grupo, pois tal etapa revelou-se

apetecível, pela proximidade e possibilidade de discussão que se proporcionava entre

professor e aluno. Pelo que aqui fica dito, a atitude do professor relativamente aos

escritos, em caso algum, pode provocar constrangimentos no aluno.

Quando os alunos revêem os seus textos, normalmente, estes apenas atentam

na ortografia e eventualmente na pontuação, tornando esta etapa superficial e

fracassada, persistindo as questões mais profundas. Pois os mesmos têm dificuldade

em avaliar o seu próprio texto e não controlam os diferentes objectivos que esta etapa

pressupõe, nem possuem conhecimentos para tal. Esta é a razão pela qual optei pela

revisão colaborativa e mediada por alguns instrumentos, nomeadamente grelhas com

base na planificação do texto e nas dificuldades mais verificadas ao nível do

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desempenho linguístico que funcionaram como guião para o revisor, permitindo-lhe

rentabilizar a sua atenção na leitura e consciencializar-se dos aspectos que deve

avaliar na revisão de texto. Assim, os alunos passaram a efectivar correcções mais

profundas nos seus textos que consistiram em adições, em supressões, em trocas e em

transformações de palavras ou frases, devido às instruções específicas de revisão de

texto que os conduziram à explicitação de conhecimentos e procedimentos sobre o

funcionamento linguístico. Deste modo, reuniram-se as condições necessárias para a

aquisição de uma progressiva autonomia na realização da revisão e do

aperfeiçoamento textual.

Pelo que se conclui que a intervenção a jusante e montante do acto de escrever

propriamente dito4 seja essencial para o sucesso da aprendizagem da escrita, conforme

as palavras de Luísa Álvares Pereira

A realização deste estudo, à partida dirigido aos alunos, contribuiu claramente

para o desenvolvimento do processo de escrita dos mesmos, consciencializando-os das

etapas que o constituem, munindo-os de conhecimentos que alicerçam o seu

desenvolvimento. Em simultâneo, estas actividades permitiram que a docente

envolvida questionasse a sua prática pedagógica, encorajando-a à sua renovação, por

reconhecer virtude e eficácia nas estratégias implementadas, assim como por se sentir

apoiada e estimulada na promoção das mesmas, em sessões de acompanhamento

tutorial.

Pelo explicitado no parágrafo anterior, apuro que o modelo da formação PNEP

não só difundiu novos conhecimentos pelos docentes envolvidos, como garantiu a sua

entrada na prática pedagógica com sequente transformação do sucesso dos alunos. 4 Luísa Álvares Pereira. (2008). Escrever com as crianças, Como fazer bons leitores e escritores. Porto: Porto Editora

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Assim, abranger o maior número de docentes por este modelo de formação é conceber

condições para a viragem no ensino, há tanto esperada, e rumar ao sucesso educativo.

BIBLIOGRAFIA

Referências:

ALEIXO, Conceição Antunes (2005). A Vez e a Voz da Escrita. Lisboa:

Instituto de Inovação Educacional

BARBEIRO, LUÍS e PEREIRA, Luísa Álvares. (2007), Ensino da Escrita -

dimensão textual. Lisboa: DGIDC

CARVALHO, José António Brandão. O Ensino da Escrita – da teoria às

práticas pedagógicas. Minho: Tilgráfica

PEREIRA, Maria Luísa Álvares. (2002). Das Palavras aos Actos, Ensaios

sobre a escrita na escola. Lisboa: Instituto de Inovação Educacional

PINHEIRO, Ana (2007). O Desenvolvimento da Capacidade de Elaboração

de Escrita. Penafiel: Editorial Novembro

PEREIRA, Luísa Álvares. (2008). Escrever com as crianças, Como fazer bons

leitores e escritores. Porto: Porto Editora